Você está na página 1de 1

Blog do Siúves

Diário de viagem

 MENU

Um brinde a Schnaiderman, outro a Akhmátova

Remendo um post antigo, que vai abaixo, para propor ao leitor um brinde à memória de Boris Schnaiderman, escritor, tradutor e professor do curso de Língua e Literatura Russa da USP, morto ontem à noite, em São Paulo (http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,morre--aos-99-anos--boris-schnaiderman,10000052169#).

Schnaiderman nasceu na Ucrânia em 1917 e chegou ao Brasil com a família aos oito anos de idade. O retrato acima é do escrito quando soldado da Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial.

O país deve ao professor —como a outros emigrantes, como a Paulo Rónai— nada menos que a abertura dos horizontes da cultura que adotaram, que é o mesmo que dizer que ele generosamente enriqueceu a vida de leitores como o autor deste jornal.

Tive a alegria de conhecer um pouco da obra de grandes poetas russos por meio das traduções feitas por ele conjuntamente com o irmãos Haroldo e Augusto e Campos.

Schnaiderman, cito o “Estadão”, “verteu para o português importantes obras de autores como Dostoievski, Tolstoi, Chekhov, Máximo Gorki, Isaac Babel, Boris Pasternak, Pushkin e Maiakovski. E atuou como uma espécie de consultor informal de editoras, como quando, sugeriu que a 34 lançasse Contos de Kolimá, brutal relato em vários volumes de Varlam Chalámov sobre a vida no gulag”.

A motivo principal da nota era dizer uma palavra sobre a poeta Ana Akhmátova, de que tanto gosto.

O POST ANTIGO E NOVO POEMA TRANSCRITO

Lendo “Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945 (http://www.guardian.co.uk/books/2005/dec/03/featuresreviews.guardianreview4)”, de Tony Judt (Objetiva, 2007), deparo este trecho (pág. 205) no final do capítulo sobre as desgraças perpetradas pelo stalinismo, entre as quais os expurgos e os célebres julgamentos fabricados:

“Os principais inimigos [do “povo”] eram supostamente os camponeses e os burgueses. Mas, na prática, os intelectuais costumavam ser o alvo mais fácil, conforme tinham sido para os nazistas. O ataque venenoso desferido por Andrei Zdanov contra Anna Akhmatova – “freira ou meretriz, ou melhor, freira e meretriz”, capaz de combinar prostituição e oração. A poesia de Akhmatova está totalmente distante do povo” – (…)”.

Lembrei-me do meu querido “Nova Antologia Poesia Russa Moderna” (5ª edição, Brasiliense, 1987), que reúne traduções dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman.

Aproveito para erguer no blog um brinde à poeta, cujo nome os autores da antologia grafam Ana Akhmátova (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anna_Akhmatova), e transcrever aqui seu “Dístico”:

Que outros me louvem – seu louvor é cinzas.

Que me reproves – teu rancor, alvíssaras.

DVUSTÍCHIE

Ot druguikh mnié khvalá – tchto Zolá,

Ot tiebiá i khulá – pokhvalá”.

1931

(Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

DE VOLTA

No mesmo livro, na página seguinte, com tradução de Boris e Haroldo, aparece este

Do Ciclo Os Mistérios do Ofício

Não me importa o exército das odes,

Nem o jogo torneado da elegia.


Nos versos, tudo é fora de propósito,

Não como entre as pessoas, — me dizia.

Saibam vocês, o verso, é do monturo

Que ele se alenta, sem vexame disso,

Como um dente-de-leão pegando ao muro,

Anserina, bardana, erva-de-lixo.

Grito de zanga, um travo de alcatrão,

Um bolor misterioso que esverdinha…

E eis o verso, furor e mansidão,

Para alegria de vocês e minha.

1940

19 MAIO 20163 AGO 2017 ·

BLOG NO WORDPRESS.COM.

Você também pode gostar