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LAUDO PSICOLÓGICO

Identificação: Jorge Ribeiro

Processo Digital nº: 123456-78.2020.8.26.9999

Classe - Assunto: Procedimento Comum Cível - Guarda

Requerente: Jorge Ribeiro

Requerido: Fernanda Prado

Autora: Gabriele Cristina Pereira Santiago, psicóloga judiciária matrícula 04111998, CRP
3018105651

Descrição da Demanda:

G.C.P.S., psicóloga judiciária matrícula 04111998, nomeada perita no caso em epígrafe vem,
mui respeitosamente, à presença de V. EXA., apresentar o estudo psicológico realizado, cujo objetivo
é subsidiar tecnicamente na ação que envolve a guarda de menor.

Procedimentos:

Este laudo psicológico foi produzido de acordo com os parâmetros exigidos pelo Conselho
Federal de Psicologia na Resolução Nº 06/2019, e a coleta e análise das informações se deu à luz da
Abordagem Comportamental como via compreensiva e significativa do modo de ser do humano em
suas relações entre outros no mundo.

A avaliação psicológica se faz possível somente como recorte de um momento. A dinâmica


da vida e as relações familiares estão em constante desenvolvimento e transformação. Portanto, a
perícia psicológica é uma compreensão possível tecida pelo perito sobre como os sujeitos se
mostraram em seus modos de ser nas relações familiares e como isso os afeta mutuamente enquanto
coletivo.

.
Para empreender esta avaliação foi realizado estudo dos autos e em seguida dispusemos dos
seguintes instrumentais técnicos:

• Entrevistas individuais semiestruturadas com o genitor Jorge e a genitora Fernanda.

• Observação da interação entre a criança, Maria Camila, e os genitores.

• Entrevista individual com a criança.

• Análise do material coletado e confecção do laudo psicológico.

Caso:

Fernanda Prado e Jorge Ribeiro que estavam casados há 10 anos e separados há cinco, sem se
divorciarem no papel, tiveram Maria Camila Prado Ribeiro, com 12 anos de idade. Os dois
trabalhavam no mesmo hospital, logo após se casaram e depois de dois anos, Fernanda ficou grávida.
Após o nascimento da filha, Fernanda parou de trabalhar e se dedicou exclusivamente aos cuidados
da filha, enquanto Jorge saiu do seu emprego e fundou uma clínica de cardiologia que fez bastante
sucesso em sua cidade

Com o tempo a relação se desgastou e Fernanda começou a ter ojeriza do marido, que passou
a ter relacionamentos extraconjugais, principalmente com funcionárias da clínica. Quando Fernanda
soube, o expulsou de casa e Jorge passou a morar com a mãe, já idosa, mas continuou pagando as
contas da casa em que Fernanda e a filha moravam, a fim de reconciliar o casamento. Jorge alega que
passou a não ter desejos sexuais por Fernanda deposita da gravidez, por ela perder o “corpo de
violão”. Ele visitava frequentemente a filha, que nessa época tinha 7 anos, porém as visitas eram
permeadas por brigas entre o ex-casal e Jorge começou a se afastar de Camila, enquanto ela e a mãe
ficavam mais unidas.

Após dois anos da separação, Camila não queria mais sair com o pai, que a deixava
sozinha para cuidar da avó, Dona Lucinda, enquanto saia com namoradas. Com a recusa filha em
visitá-lo, Jorge ingressou com uma ação de guarda, alegando a prática de alienação parental por
Fernanda. A ação recebeu o número 123456- 78.2020.8.26.9999 e está em curso na Vara de Família.
Foi tentada mediação entre as partes, mas não foi frutífera. Desta forma, o juiz determinou a perícia
psicossocial, com o intuito de subsidiar tecnicamente sua decisão.
Foi me dada, como psicóloga do fórum, a incumbência de realizar a perícia psicológica. Após
leitura atenta dos autos, Fernanda e Jorge foram convidados para entrevistas, incluindo a observação
da filha com cada um deles.

Na entrevista com Jorge, ele reclamou de a pensão alimentícia de R$10,000,00 estar sendo
usada para custear as despesas de Fernanda, já que ela quis parar de trabalhar por conta própria para
cuidar de sua filha. Ele diz que a ex-mulher está com ciúmes de sua namorada fixa, Cristina, e que
está colocando Camila contra ele. Falou também que Camila engordou e que Fernanda não a estimula
a fazer exercícios físicos e deixa ela comer de tudo. Quando ele saia com sua filha, eles faziam
exercícios, mas achava a menina muito “mole e preguiçosa”.

Fernanda, disse que o casamento começou a ter problemas quando percebeu que o marido não
a procurava mais e ela também não tinha desejo por ele. Quando sua filha nasceu quis cuidar dela
sozinha, já que seus pais que são casados até hoje, mantinham a tradição: pai promovedor e mãe se
dedicando a cuidar dos filhos Para Fernanda, essa é a real função de um pai e marido, enquanto a
mulher deve prover o cuidado afetivo. O que realmente a incomodou não foi a traição, já que ela
desconfiava disso, e sim quando soube que o marido escondia as finanças da clínica. Foi nesse
momento em que decidiu se separar, exigindo que ele a mantivesse financeiramente, já que ela não
conseguiria emprego fácil por estar há anos fora do mercado. Fernanda nunca impediu que Camila
visitasse o pai, mas ela mesmo não quis ir se queixando de que ficava sozinha com a avó e tinha que
fazer muitos exercícios físicos, chegando a passar mal. A filha conta tudo para ela, e é assim que ela
acredita que deve ser uma relação mãe e filha, de “melhores amigas”.

Antes da observação da interação com os pais, eu decidi fazer uma entrevista a sós com Maria
Camila. Na entrevista, a menina disse que a mãe é ótima, companheira, solícita, contudo, reclama que
não a deixa sair sozinha com as amigas. O pai é rígido, e a olha com desprezo, desde que ela engordou
10 quilos. Apesar de gostar muito da avó, acredita que ela precisa de cuidados de uma enfermeira,
pois já está muito idosa e “esquecida”, e tem medo de que aconteça alguma coisa com ela enquanto
estão sozinhas. Não gostaria de encontrar com o pai, mas após insistência, acabou concordando.

Com o pai, Camila estava muito retraída. Apresentou sintomas de crise de ansiedade e não
queria continuar a interação. O pai perguntava: “por que você não quer mais me visitar?”, “o que está
acontecendo?”, mas a menina só chorava e não conseguia responder. Eu, como psicóloga, achei que
estava sendo muito difícil para Camila e encerrou o encontro. Com a mãe, Camila estava bastante à
vontade, as duas riam e trocavam confidências.
Análise:

Pelo que nos foi possível observar em nossos procedimentos técnicos, Fernanda e Jorge
continuam exercendo os mesmos papeis de quando estavam juntos, no qual ela mantém os cuidados
com a filha e Jorge provê o sustento da família, o que também contribui para que ele abdique de sua
função como pai e ela não faça questão de mais nada, a não ser sua ajuda financeira.

Fernanda não aparenta estar exercendo influência sobre a decisão de Camila não querer ver o
pai, já que ele a deixa sozinha com a avó, já idosa, e não tem uma boa convivência com a filha, pois
pelo pouco tempo que passam juntos acaba pressionando-a a fazer exercícios, não respeitando sua
vontade e podendo gerar um sentimento de insuficiência na filha, oferecendo prejuízos a sua
autoestima. A criança pode considerar-se inferior e despreparada para a competitividade existente no
mundo, desenvolvendo sentimentos negativos em relação a si mesma, quando observada e julgada
pelos grupos sociais a que pertence, incluindo sua família (SCHULTHEISZ; APRILE, 2013).1

Com base nos achados, podemos supor que esse seria um caso de autoalienação parental,
sendo esse o ato em que o genitor que não possui a guarda acusa o outro de alienação parental, sendo
incapaz de notar que são suas próprias condutas que fazem com que o filho se afaste, sem a
necessidade de intervenção de um terceiro desonrando sua imagem (HEY, 2021).2

Além disso, é recomendado que os genitores mantenham uma relação que não possa causar
nenhuma confusão a respeito do relacionamento entre os dois para a filha, já que Fernanda mantém
o papel como cuidadora da criança e o pai como provedor da casa. Esses papeis exercidos já não se
encaixam no atual cenário em que estão. Pode-se pensar que por conta de Jorge manter um certo
distanciamento da criança, tente suprir materialmente sua falta ou como forma de culpa ou
agradecimento por Fernanda manter os cuidados com a filha, durante sua ausência.

1
SCHULTHEISZ, T. S.V.; APRILE, M. R. Autoestima, conceitos correlatos e avaliação. São Paulo: Revista Equilíbrio
Corporal e Saúde, 2013. Disponível em: https://revista.pgsskroton.com/index.php/reces/article/view/22. Acesso em:
07 agosto. 2022.

2
HEY, Luana Karolina Fenner. Alienação parental e autoalienação: formas de solução do conflito e o impacto na vida
da criança e do adolescente. Monografia (Bacharel em direito) – Centro Universitário de Curitiba. Curitiba, 2021.
Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/13336/1/00%20TCC%20FINALIZADO.pdf.
Acesso em: 07 agosto. 2022.
Tudo indica que Fernanda possui condições psicológicas para exercer a guarda da filha, já que
Camila se sente à vontade com a mãe e ela supre as necessidades materiais e emocionais da criança.
Nesse momento, talvez a guarda compartilhada não seja a melhor opção, já que Camila não se sente
confortável com a presença do pai e os conflitos entre o ex-casal poderiam contribuir para ela manter
o afastamento do pai e ter que lidar com algumas situações que poderiam prejudicar seu
desenvolvimento psicológico, como as constantes brigas que poderiam ter.

Os genitores devem levar em conta qual é o verdadeiro dever de Jorge apenas com Camila,
que deve contribuir com suas necessidades afetivas e financeiras, sem julgamentos ou comparações
sobre sua aparência e participando de forma mais ativa no seu desenvolvimento pessoal e escolar. Ele
deve se fazer presente, não deixando a criança aos cuidados de sua mãe, que já está velha. Da mesma
forma, Fernanda poderia contribuir incentivando a criança a reestabelecer o laço afetivo com Jorge,
mas essa relação deve ser construída com o tempo, para que a Camila se sinta segura e confiante na
presença do pai. Nos primeiros dias de Jorge com Camila, Fernanda poderá acompanhar as visitas
para que a criança tenha alguém que passe segurança nesse momento de reconexão com o pai.

Conclusão:

Diante do exposto, é aconselhado que os genitores reavaliem seus papeis como cuidadores da
criança, para que possam manter uma relação clara e transparente para Camila.

Se faz necessário também que Jorge procure conhecer os gostos, a personalidade, os hobbies,
a rotina e as amizades da filha, para envolver-se com suas demandas emocionais e materiais. Se
possível, aconselha-se mais entrevistas com a criança para que ela possa verbalizar se algo além do
julgamento de Jorge sobre sua aparência e seu distanciamento a incomodam. Dessa forma, existe a
possibilidade, com esforço de ambas as partes, de que Jorge consiga exercer uma parentalidade ativa
na educação de Camila.

Os quesitos apresentados foram respondidos no corpo do laudo

Pelo presente era o que nos compriu informar.


São Paulo, 11 de maio de 2022.

Gabriele Cristina Pereira Santiago

Psicóloga Judiciária

CRP: 3018105651

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