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Existem alguns aforismos — aforismo é uma sentença que em poucas

palavras resume um princípio filosófico ou moral — que precisam ser


internalizados no nosso interior de uma vez para sempre. Um deles é
que o ser humano é um ser que tende para baixo. O Cristianismo
chamou isso de Pecado Original. Ou seja, nossa natureza nos leva à
maldade, ruindade, à mediocridade.

Vocês internalizarão um pouquinho essa verdade no dia que tiverem


filhos, ou irmãos pequenos. Ou melhor, lembre-se de você quando
era pequeno. Você preferia jogar vídeo game ou lavar a louça para
sua mãe? Você preferia estudar latim ou brincar? A criança prefere
dividir o brinquedo, ou ela diz “que é meu”?

Quem tem filhos sabe que as crianças são pequenos barbáros, e


que se você não educar, se tornam pessoas horríveis. Quem
nunca conheceu uma criança mimada, chorona, birrenta na vida? Pois
é. Jean-Jacques Rosseau dizia que o ser humano nasce bom, e que a
sociedade o corrompe — mas ele abandonou os filhos no orfanato, por
aí você percebe que ele mesmo não acreditava muito nisso.

E hoje, o que você prefere, transar ou virar a noite trabalhando? Você


prefere ficar com seu dinheiro todinho para você, ou você prefere
dividir com os mendigos?

Perceba e internalize isso, nossa natureza nos puxa para a


mediocridade sempre — e tudo àquilo que é bom, exige esforço.
Machado de Assis é um sujeito que nasceu sabendo disto. Apesar de
ser ateu, ele sabia que o Pecado Original existia na prática, que as
coisas nos puxavam para baixo. E ele era um workholic que sabia
que se a gente quer construir alguma coisa relevante neste
mundo, temos de nos gastar, nos esforçar, temos de suar, que
nada vem fácil. Está é outra nuance do mundo: o que é fácil, na
maioria das vezes, é ruim. O que é bom, custa.

E como vocês bem sabem, o Brasil tem Saturno em Touro — se tem


uma coisa que o brasileiro é, se chama preguiçoso. E quais são os
efeitos da preguiça na alma humana? Inveja, autoengano,
mesquinharia, mediocridade.

Machado de Assis não sabia astrologia — pelo menos até onde eu sei,
não —, mas ele percebeu a mesquinharia brasileira. E quase todos os
seus contos e romances giram em torno disso. Do autoengano, da
mediocridade e da inveja.

Por que a preguiça gera todas essas coisas na alma? Porque a


preguiça, por definição, é uma recusa e repulsa ao esforço, que é a
fonte de toda prosperidade intelectual, física e espiritual.

No Código de Honra, no módulo podcast, eu digo que a preguiça é


uma recusa em amar, e em ser gente.

Só que nós temos uma coisa chamada ego, soberba e vaidade. E para
não assumir para nós mesmos que somos só uns bostas mesmo, a
gente se auto-engana, mente, inveja, perverte.

Machado só escreveu Memórias Póstumas com este intuito:


demonstrar que você pode ser mais, só que você não quer. Brás
Cubas tinha talento, tempo, oportunidades, e não queria ser alguém,
ele se satisfez com a mediocridade, com viver feito bicho.
Machado escreve Memórias Póstumas demonstrando que muita gente
tem tudo, e ainda assim, não é o que deveria ser. Enquanto ele
mesmo, que nascera pobre e preto, se tornou um grande homem.

As melhores obras do Machado de Assis são as obras que refletem


sua vida pessoal. Machado de Assis acreditava na arte como fator
pedagógico na sociedade. Ele queria que as pessoas se
enxergassem nas obras, para meditar e mudar, porque a arte pode
modelar os comportamentos humanos, pode transformar a vida
humana. E ele escrevia com este intuito.

Ele era negro, pobre, gago, epilético, órfão, e ainda vivia numa
sociedade escravocrata. E sofreu milhares de preconceito por conta
disso. Antes dos 8 anos ele tinha perdido a mãe e a irmã, e ele amava
a irmã. E pouco tempo depois ele fica órfão de pai também, e só lhe
sobra a madrasta. Machado vendeu doces numa escola para
sobreviver, e escutava as aulas pela janela do lado de fora, e no
intervalo vendia as balas.

E desde cedo Machado de Assis queria subir na vida, queria ter uma
vida intelectual, e queria fazer parte da elite intelectual. Machado era
extremamente ambicioso, em todas as áreas. E ele escreve
Memórias Póstumas de Brás Cubas com por isso. “Nasci preto,
pobre, e fudido e subi na vida por mérito próprio.”
Como quem diz: “e vocês deviam fazer o mesmo, deviam construir
uma vida digna, e no fundo vocês sabem que podem ser mais e não
são, e quando questionados, mentem e enganam a si mesmos.”

A obra do Brás Cubas é isso: você nasceu com todas as


possibilidades de se realizar na vida, no entanto você se satisfaz com
a mediocridade, com a banalidade, com a fraqueza de espírito.

E a mensagem do livro Memórias Póstumas Brás Cubas é essa: você


pode ser mais, você pode fazer mais, e não faz porque não quer.

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