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Greice Drumond
Universidade Federal Fluminense
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All content following this page was uploaded by Greice Drumond on 13 January 2016.
Este trecho, segundo O’Higgins (2003, p. 3)4, aponta para a fundação das
brincadeiras feitas pelas mulheres em determinados cultos a Deméter. Sabemos
que, com referência à linguagem, os cultos de Deméter e de Dioniso contêm ele-
mentos do que é conhecido como aiskrologia, isto é, elementos que incluem o uso
de linguagem obscena. Literariamente, restam-nos disso os poemas iâmbicos em
que se fazem invectivas pessoais e sátiras – elementos que aparecem com força
na comédia grega antiga representada por Aristófanes, comediógrafo de quem nos
foram transmitidos textos completos. De acordo com Kenneth Reckford (1987, p.
461)5, a combinação da aiskrologia com a invectiva pessoal é o elemento condutor
da comédia.
Assim, chegamos a dois componentes fundamentais da comédia: a invectiva
pessoal e a aiskrologia. No entanto, ao analisarmos as comédias que nos foram
2 Destaco o fato de que parte desta apresentação consistiu em explanar oralmente o que era
apontado no texto, com base em minha tese: A comédia de Aristófanes na fase de transição.
Rio de Janeiro, UFRJ/FL, 2010.
3 Professora Doutora (UFF-IL/GLC). (greice_drumond@yahoo.com.br)
4 O’HIGGINS, Laurie. Women and humour in Classical Greece. Cambridge: Cambridge
University Press, 2003.
5 RECKFORD, Kenneth. Aristophanes’ Old-and-New Comedy: Six Essays in Perspective.
Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1987.
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transmitidas, tomamos conhecimento de que, para provocar o riso, que contém
matizes intelectuais, emocionais e sociais, pode-se partir do mais fino humor,
como intencionava Aristófanes, e ir ao mais grosseiro chiste, observando-se que
nem todos os homens riem das mesmas coisas e que nem todas as épocas e cultu-
ras riem da mesma maneira. Por isso, entre a produção cômica e o público, deve
haver uma coincidência de fundo em suas aspirações e valorações.
Segundo Platão (Fil. 48a – 49b), a comédia exige uma determinada tessitura
emocional, διάθεσις ψυχῆς, com base em uma μεῖξις λύπης καὶ ἡδονῆς, mescla de
dor e prazer, cuja origem está no φθόνος, quer dizer, na inveja, e que, na leitura
de Luis Gil (1993, p. 24)6, consiste em “um sentimento doloroso, que se ressarce
com o prazer que encontra na dor dos outros”. Isso parece nos expressar uma ideia
próxima à da catarse de Aristóteles, pois operaria como fenômeno catártico similar
ao da catarse trágica.
O que também provoca o riso, de acordo com Platão (Filebo, 49b-50), é
a presunção de quem se acha mais rico, mais belo ou mais virtuoso do que é na
realidade. Por isso, as pessoas riem até dos amigos, zombando o indivíduo devido
a essa característica. Para Aristóteles (Poét., 1949a31-36), a comédia é uma míme-
sis de homens “inferiores” no que concerne ao τὀ γελοῖον, i.e., no que se refere ao
que é ridículo, sendo anódino e não destrutivo, sem dor, portanto.
Silva7 nota que a representação cômica não abriu mão das manifestações
populares de que era herdeira como o tom popular e animalesco da comédia mais
antiga, simbolizada por Magnes, e o ataque pessoal incrementado por Cratino, que
integrou de vez à comédia a sátira pessoal, ao relacioná-la com o enredo.
Flickinger8 (apud Silva9) estuda a natureza da inovação de Cratino no de-
senrolar do gênero cômico. Segundo o referido estudioso, a invectiva pessoal teria
sido, na comédia primitiva, episódica e destacada do contexto, com o objetivo
de fazer o público rir. Ele cita como exemplo um trecho de Rãs, em que o coro
pergunta “E se nós todos em coro metêssemos em ridículo a Arcedemo?” (v. 416),
algo que nada tinha a ver com o enredo. Posto que com Cratino começam-se a
ampliar esses gracejos para a própria estrutura da intriga, a temática das comédias
passa a ocupar-se de questões políticas e sociais trazendo à cena personalidades
como personagens do contexto dramático.
É importante ressaltar que mudanças fundamentais quanto ao emprego dos
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elementos dramáticos e cênicos caracterizam as fases da comédia grega, que é
tradicionalmente dividida em três períodos: antigo, intermediário e novo.
A divisão da comédia em períodos pode ser encontrada já em Ética a Nicô-
maco (IV, viii, 1128a22-25), em que se distinguem as antigas composições cômi-
cas das novas, sendo reconhecidas diferenças entre as peças dos comediógrafos,
em especial no que tange ao modo de se produzir o riso. É observado que se faz
uso da aiskhrología para alcançar tal objetivo nas comédias antigas, mas, nas co-
médias novas, isso é feito de forma mais sutil10:
Ἴδοι δ’ἄν τις καὶ ἐκ τῶν κομῳδιῶν τῶν παλαιῶν καὶ τῶν καινῶν· τοῖς
μὲν γὰρ ἦν γελοῖον ἡ αἰσχρολογία, τοῖς δὲ μᾶλλον ἡ ὑπόνοια· διαφέρει δ’οὐ
μικρὸν ταῦτα πρὸς εὐσχημοσύνη. (grifo nosso)
Uma pessoa pode perceber [isso] a partir das comédias antigas e no-
vas: aos [da comédia antiga], a obscenidade dava origem ao risível; para os
[da comédia nova], havia muito mais sutileza. Essas coisas se distinguem
bastante em relação ao que é conveniente. (tradução nossa)
Para Segal (1996, p. 1), isso não implica, necessariamente, uma categoriza-
ção do gênero. E, segundo Janko (2002, p. 244), esse trecho apresenta uma divisão
cronológica da comédia, não tipológica. Ainda assim, compreendemos que, ao
apontar diferenças entre as formas de se produzir o riso, o autor está fazendo re-
ferência também ao modo de produção dessas peças, agrupando-as conforme um
menor ou maior emprego da aiskhrología.
Segundo dados coletados em testimonia, podemos fazer uma pequena re-
ferência à visão que os antigos e medievais tinham acerca do gênero cômico. Na
Vita Aristophanis (fr. 17 Koster)11, o autor diz o seguinte acerca da presença da
aiskhrología na poesia cômica:
10 Resta-nos saber a que autores o texto da Ética se remete. Devemos nos lembrar de que,
na Poética, há a afirmação de que os dórios alegam serem os criadores da comédia (Poét.,
III, 1448ª30-31). Dentre os comediógrafos, o texto da Poética cita Aristófanes ao lado de
Sófocles, pois ambos representam personagens que “atuam” [dróntas] (ib., III, 1448ª28);
Epicarmo e Fórmide, como os primeiros poetas cômicos; e Crates, como o primeiro entre
os comediógrafos atenienses (ib., V, 1449b6-7).
11 Fazemos referência aos Prolegomena de comoedia estabelecidos por Koster e compi-
lados na edição de Henderson - Aristophanes: fragments. Text, notes, transl. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 2007. [Loeb Classical Library, no. 502], que con-
tém testimonia e fragmentos de peças perdidas de Aristófanes.
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ando em relação à forma de condução antiga por seguir o que é mais útil
e mais respeitável, com Cratino e Êupolis difamando de forma mais cruel
e mais torpe do que é necessário. (Prolegomenon XXVII Koster; tradução
nossa)
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Mas a Peleu e a Teucro é permitido fazer todas essas coisas.
(vv. 1-5, 13-23, fr. 189 K.-A.)
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