Você está na página 1de 12

GABRIEL PLACIDO MOORE

DISTONIA DE SEGAWA RESPONSÍVEL A CANABIDIOL: A PROPÓSITO DE UM


CASO

Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa Catarina para


conclusão de curso

Florianópolis
Universidade Federal de Santa Catarina
2022
ABSTRACT

Segawa dystonia is a neurological disorder, usually with higher incidence in the first
and second decade of life, mostly in females. Its clinical presentation is due to initial
dystonia of the lower limbs, which may progresses to generalized if inadequately
treated. It has a good response to the continuous use of levodopa, in low doses.
The use of cannabis-derived drugs has grown in the past years, as it has shown
promise in the treatment of epilepsy refractory to conventional pharmacology. One
of its derivatives, CBD full spectrum cannabis oil proved to be beneficial in the
treatment of Segawa's Disease, that until now had not been discussed in
bibliographic research.
RESUMO
A epilepsia e a distonia responsiva a levodopa são entidades neurológicas que têm
suas terapêuticas definidas, a priori, com uso de anticonvulsivantes e levodopa. O
uso de derivados de cannabis, principalmente canabidiol, vem se mostrando positivo
a diversas desordens neurológicas. Neste presente relato é descrito a história de um
jovem paciente com epilepsia associado a distonia responsiva à levodopa,
associação rara, que respondeu de maneira notável a terapeutica com o óleo de
cannabis rico em CBD, algo até então não relatado na literatura.
OBJETIVO
Mostrar um relato de caso de Doença de Segawa, ou distonia responsiva à
levodopa, na qual houve boa resposta ao uso de óleo de cannabis full spectrum rico
em CBD.
INTRODUÇÃO

Distonia é uma condição neurológica caracterizada por movimentos repetitivos


anormais e/ou posturas sustentadas com espasmos musculares que proporcionam
dor e desconforto[1,2].
Em 1971, Segawa e colaboradores[19], descreveram uma série de casos em que
pacientes apresentavam distonia inicialmente de membros inferiores, flutuações
diurnas e uma boa melhora a baixas doses de levodopa. Esta ficou conhecida como
Doença de Segawa,e posteriormente distonia responsiva à levodopa.
A distonia responsiva a levodopa, é uma desordem motora do movimento, que é
caracterizada, clinicamente, por distonia inicial de membros inferiores, que progride,
ao longo dos anos, promovendo limitação social, para generalizada se não tratada
apropriadamente. Costuma apresentar caráter diurno com flutuação ao longo do dia,
com piora no decorrer do mesmo e melhora após o sono, tem incidência maior na
primeira e segunda década de vida. O diagnóstico é feito com boa resposta do
teste terapêutico a baixas doses de levodopa [4].
Tem como principal etiologia um distúrbio genético autossômico dominante de
alteração do gene (GCH1), que codifica a proteína guanosina trifosfato
ciclohidrolase 1 (GTPCH1).Tal enzima regula a síntese de tetrahidrobiopterina (BH4)
que atua como cofator para tirosina hidroxilase, sendo que esta, regula a síntese de
dopamina [2,4,16]. Atualmente preconiza-se no tratamento o uso de baixas doses
de levodopa, continuamente, associado a um inibidor de metabolismo periférico da
levodopa a fim do término dos episódios de distonias. É comum efeitos colaterais,
principalmente discinesias tardias.

Epilepsia é uma síndrome neurológica comum, tem diversas formas de


apresentação. Estima-se que sua prevalência no Brasil é entre 2-3% da população
geral.
Conceitualmente, pode se dar por um distúrbio cerebral caracterizado pela
predisposição persistente em gerar crises epilépticas e pelas consequências
neurobiológicas, cognitivas e psicossociais desta condição. Necessitando de pelo
menos uma crise epiléptica para sua definição. Sendo crise epiléptica definida pela
ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas decorrentes da atividade elétrica
cortical excessiva. A repetição deste fenômeno é o principal requisito para o seu
diagnóstico.
Na prática clínica a definição pode ser feita por [6]: “1.Pelo menos duas crises
epilépticas não provocadas (ou reflexas) ocorrendo com um intervalo superior a 24h.
2. Uma crise epiléptica não provocada (ou reflexa) e a probabilidade de ocorrência
de outras crises similar ao risco geral de recorrência (de pelo menos 60%) após
duas crises epilépticas não provocadas, ocorrendo nos próximos 10 anos.”1. Sendo
na primeira uma definição muito utilizada no cotidiano e a segunda se valendo em
situações especiais.
Com relação às crises epilépticas, estas podem ser separadas em dois grandes
grupos, crises generalizadas e crises focais. Sendo que com as crises
generalizadas assume-se que o início do foco epilético se dá em ambos hemisférios
cerebrais e as crises focais o foco epileptogênico se dá unilateralmente (podendo
progredir para um padrão generalizado,se início em um hemisfério e progressão a
outro)[18].
Em relação às crises generalizadas, elas podem ser de início motor ou não-motor
(ausência) ,sendo que as primeiras podem assumir forma Tônicas, mioclônicas,
clônicas, ou tônico-clônicas principalmente[6].
As crises generalizadas tônicos-clônicas, tem como característica o início de fase
tônica, com perda da postura e consciência, enrijecimento dos membros em
extensão, seguido pela fase clônica em que há espasmos musculares violentos e
generalizados e pode haver perda de esfíncteres.
As últimas diretrizes apontam que a abordagem terapêutica deve ser visando o
controle das crises epilépticas com o mínimo de efeitos colaterais possíveis das
medicações usadas.
Tem como tratamento de primeira linha monoterapia com drogas anti-epiléticas. De
segunda linha, seria a monoterapia com fármacos alternativos aos utilizados de
primeira linha, estes com mecanismos de ação diferentes. Na terceira linha, se
utiliza a combinação de dois agentes ou mais agentes.

1
Esta classificada e estabelecida por escores de probabilidade
RELATO DO CASO

O caso se deu com um paciente ATS, masculino, que hoje tem 44 anos,
previamente hígido, natural e procedente de Criciúma. Estudou até o ensino médio.
Não apresentava déficits cognitivos, comportamentais ou motores, até então, tinha
um bom relacionamento familiar.
Aos 14 anos de idade, começou a apresentar crises epilépticas tônico-clônico
generalizadas(CGTC). Até, então, o sr ATS, não fazia uso de nenhuma medicação,
substância ou tinha sofrido qualquer tipo de trauma que pudesse desencadear tais
episódios. Tais crises começaram a ocorrer numa frequência de 5-6x/mês, sem fator
desencadeante conhecido ou estabelecido ,evoluiu para crises diárias e
rapidamente teve o diagnóstico de epilepsia. O tratamento inicial foi então instituído
porém manteve refratariedade à terapia de primeira e segunda linha, tentado a
combinação de múltiplos fármacos antiepilépticos na tentativa de controle. Teve
controle parcial das crises,estas permanecendo semanais, porém manteve-se com
diversos efeitos colaterais dos fármacos. Buscou incessantemente outros
profissionais e abordagens terapêuticas, cogitou até cirurgia para epilepsia. Dentre
os sintomas relatados como colaterais foram da prostração, apatia e
comprometimento da memória que mais chamavam atenção. Mantinha assim a
busca por alternativas.
Aos 33 anos, o sr ATS, iniciou com uma sintomatologia diferente, apresentou
distonia, inicialmente segmentar, isto é, em membros inferiores; que em pouco
tempo, cerca de 6 meses, evoluiu para distonia generalizada, esta, acometendo
região crânio-cervical, região torácica, membros superiores e inferiores; que variava
ao longo do dia, piorava do decorrer do mesmo e melhorava após dormir; não
apresentava outra desordem motora associada.
Tal distonia, incapacitava-o motoramente (posições álgicas e paralisadas),
passando, a depender da ajuda de sua mãe, para desenvolver qualquer tipo de
atividade (tomar banho, escovar dentes e locomover-se).
A principal suspeita clínica foi de Doença de Segawa ou distonia responsiva à
levodopa. Para tanto foi feita a testagem terapêutica com doses baixas de
carbidopa/levodopa. Da qual só se obteve o resultado desejado em doses diárias
chegando a 75/300 mg, dadas em 3 vezes ao dia. Porém nessa dosagem foram
atribuídos efeitos colaterais, estes de discinesias e flutuações motoras.
Nesse dado momento, o paciente encontrava-se com controle parcial da distonia(
sem distonia incapacitante), eventuais crises convulsivas, 2 episódios na semana, e
presença de discinesia (atribuída a levodopa). Ele fazia uso de poli farmacologia
antiepiléptica com carbamazepina 400 mg/dia, fenobarbital 160 mg/dia e uso de
carbidopa/levodopa 75/300 mg/dia.
Para tanto, devido a sua má resposta a farmacologia comum no tratamento da
epilepsia, foi tentado o uso do óleo de cannabis full spectrum rico em CBD e com tal
fármaco, observou-se promissora resposta em poucas semanas, com diminuição da
intensidade e aumento do espaçamento entre as crises. Passou a ter 3 crises
tônico-clônicas generalizadas ao mês, sem ainda atingir terapia otimizada do óleo.
Paralelamente, observou-se que ele havia tido melhora do quadro de distonia, com
diminuição na frequência e intensidade dos episódios de distonia, estas marcadas
por diminuição da rigidez e ocorrência passando a ser a cada 3 semanas. Ainda
relatava diminuição da dor pós e durante os episódios.
A otimização da terapia era feita com a incrementação do uso do óleo de CBD, à
medida que apresentava melhora dos quadros de crises epiléticas. Observava-se
também diminuição dos episódios de distonia gradativamente, sendo que cessaram
no decorrer do tempo, não havendo paralisias, episódios álgicos ou incapacidades.
Para tanto foi reduzido a levodopa ponderadamente conforme estabilidade clínica.
Atualmente com 44 anos o paciente, vê-se livre de crises de distonia e de epilepsia,
está fazendo o tratamento com o óleo de cannabis full spectrum rico em CBD e
carbamazepina. Como consequência, o paciente adquiriu independência e
consegue desenvolver suas atividades pessoais tranquilamente, como ir ao estádio
de futebol e poder andar tranquilamente pela cidade/bairro.
DISCUSSÃO

Atualmente, as últimas terapêuticas preconizam um série de medicamentos para o


tratamento de epilepsia, porém estas respondem bem tratando-se de terapêuticas
de primeira e segunda linha, ao se fazer a combinação de fármacos para epilepsias
refratárias obtêm-se uma ampla variedade de efeitos colaterais. Estes abrem a
indagação a despeito dos danos dos fármacos versus comprometimento da doença.
Em relação ao caso exposto abre-se questionamento sobre duas principais
possibilidades, a despeito da possibilidade de a manifestação motora, como
distonia, ter sido em decorrência de uma excessiva dose de medicação
antiepiléptica, sendo de baixa probabilidade. Uma vez que não se tem registrado até
o momento algum efeito colateral dessa monta na literatura[18]. Além de se tratando
do fato que a distonia apresentou melhora ao uso de levodopa, infere-se então que
sua fisiopatologia, distonia, está relacionada à "carência" de dopamina, condizente
com a situação clínica da Distonia de Segawa[20].
Em se tratando da responsividade ao óleo de cannabis full spectrum rico em CBD
na doença de Segawa viu-se uma resposta até então ausente na literatura. No
presente relato o paciente teve sua crises de distonias abolidas com uso o uso do
óleo de cannabis full spectrum rico em CBD, esta obtida acidentalmente enquanto
tratava-se epilepsia.
Abre-se então um questionamento sobre uma possível alternativa de tratamento a
tal desordem, com um novo fármaco que vem ganhando espaço.
REFERÊNCIAS

1. Balint, B., Mencacci, N. E., Valente, E. M., Pisani, A., Rothwell, J., Jankovic,
J., … Bhatia, K. P. (2018). Dystonia. Nature Reviews Disease Primers, 4(1).
doi:10.1038/s41572-018-0023-6
2. Wijemanne S, Jankovic J. Dopa-responsive dystonia--clinical and genetic
heterogeneity. Nat Rev Neurol. 2015 Jul;11(7):414-24. doi:
10.1038/nrneurol.2015.86. Epub 2015 Jun 23. PMID: 26100751.
3. Luc QN, Querubin J. Clinical Management of Dystonia in Childhood. Paediatr
Drugs. 2017 Oct;19(5):447-461. doi: 10.1007/s40272-017-0243-3. PMID:
28620849.
4. Randby H, Salvador CL, Oppebøen M, Skogseid IM, Koht J.
Dopa-responsive dystonia. Tidsskr Nor Laegeforen. 2018 Nov 26;138(19).
English, Norwegian. doi: 10.4045/tidsskr.17.0595. PMID: 30497245.
5. COSTA, L. L. de O.; BRANDÃO, E. C.; MARINHO SEGUNDO, L. M. de B.
Atualização em epilepsia: revisão de literatura. Revista de Medicina, [S. l.], v.
99, n. 2, p. 170-181, 2020. DOI: 10.11606/issn.1679-9836.v99i2p170-181.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revistadc/article/view/157412.
Acesso em: 28 jun. 2022.
6. Fisher RS, Cross JH, D'Souza C, French JA, Haut SR, Higurashi N, Hirsch E,
Jansen FE, Lagae L, Moshé SL, Peltola J, Roulet Perez E, Scheffer IE,
Schulze-Bonhage A, Somerville E, Sperling M, Yacubian EM, Zuberi SM.
Instruction manual for the ILAE 2017 operational classification of seizure
types. Epilepsia. 2017 Mar 8 (ainda on line).
7. Arzimanoglou A, Brandl U, Cross JH, et al. Epilepsy and cannabidiol: a guide
to treatment. Epileptic Disord. 2020;22(1):1-14. doi:10.1684/epd.2020.1141
8. Golub V, Reddy DS. Cannabidiol Therapy for Refractory Epilepsy and Seizure
Disorders. Adv Exp Med Biol. 2021;1264:93-110.
doi:10.1007/978-3-030-57369-0_7
9. Koppel BS. Cannabis in the Treatment of Dystonia, Dyskinesias, and Tics.
Neurotherapeutics. 2015;12(4):788-792. doi:10.1007/s13311-015-0376-4
10. Thomas RH, Cunningham MO. Cannabis and epilepsy. Pract Neurol.
2018;18(6):465-471. doi:10.1136/practneurol-2018-002058
11. Amin MR, Ali DW. Pharmacology of Medical Cannabis. Adv Exp Med Biol.
2019;1162:151-165. doi:10.1007/978-3-030-21737-2_8
12. Muranova AV, Strokov IA, Kazantsev KY, Voskresenskaya ON. Sindrom Segavy
[Segawa's syndrome]. Zh Nevrol Psikhiatr Im S S Korsakova.
2019;119(4):55-59. doi:10.17116/jnevro201911904155
13. ANDRADE, S. M.; DE OLIVEIRA, E. A. Distonia Responsiva à Levodopa: estudo
de caso. Revista Neurociências, [S. l.], v. 19, n. 1, p. 98–103, 2011. DOI:
10.34024/rnc.2011.v19.8417. Disponível em:
https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/article/view/8417.
Acesso em: 12 mar. 2022.
14. Segawa M, Hosaka A, Miyagawa F, Nomura Y, Imai H. Hereditary progressive
dystonia with marked diurnal fluctuation. Adv Neurol. 1976;14:215-233.
15. 1. Hwang WJ, Calne DB, Tsui JK, de la Fuente-Fernández R. The long-term
response to levodopa in dopa-responsive dystonia. Parkinsonism Relat
Disord. 2001;8(1):1-5. doi:10.1016/s1353-8020(00)00084-5
16. Ichinose H, Ohye T, Takahashi E, et al. Hereditary progressive dystonia with
marked diurnal fluctuation caused by mutations in the GTP cyclohydrolase I
gene. Nat Genet. 1994;8(3):236-242. doi:10.1038/ng1194-236
17. Trender-Gerhard I, Sweeney MG, Schwingenschuh P, et al.
Autosomal-dominant GTPCH1-deficient DRD: clinical characteristics and
long-term outcome of 34 patients. J Neurol Neurosurg Psychiatry.
2009;80(8):839-845. doi:10.1136/jnnp.2008.155861
18. SCHACHTER, Steven C. Overview of the management of epilepsy in adults.
UpToDate. 2022. Disponível em:
<https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-management-of-epilep
sy-in-adults?sectionName=Subsequent%20drug%20trials&search=epilepsia&t
opicRef=2214&anchor=H6&source=see_link#H36>. Acesso em: 26/06/2022
19. Segawa M, Hosaka A, Miyagawa F, Nomura Y, Imai H. Hereditary progressive
dystonia with marked diurnal fluctuation. Adv Neurol. 1976;14:215-233.
20. https://www.uptodate.com/contents/etiology-clinical-features-and-diagnostic-
evaluation-of-dystonia?search=diagnostic%20evaluation%20of%20dystonia&s
ource=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank
=1>. Acesso em: 28/06/2022

Você também pode gostar