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Do outro lado do paraíso

Time of the temptress

Violet Winspear

Eve estava em pânico!


Sozinha na selva, como não ceder àquele mercenário que a atraía e ameaçava?

Eve queria provar a si mesma que não era como as outras garotas, fúteis, cuja única
ambição era casar com homens ricos. Por isso, deixou de lado sua vida luxuosa e partiu
para a selva, numa missão religiosa. Mas quando chegou, todos estavam fugindo de uma
rebelião e não havia lugar no avião para ela. Foi quando um mercenário a obrigou a
atravessar a selva a pé... a única maneira de escapar. Havia alguma coisa naquele homem
estranho e violento que a atraía, mexia com sua sensualidade. Será que ela podia ficar à
mercê de Wade, dono de uma arma que a ameaçava e que talvez ele tivesse roubado.

Digitalização e revisão: Tinna


Copyright: VIOLET WINSPEAR

Título original: "TIME OF THE TEMPTRESS"

Publicado originalmente em 1977 pela


Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra.

Tradução: JOSÉ ANTÔNIO ARANTES

Copyright para a língua portuguesa: 1980


EDITORA EDIBOLSO LTDA - São Paulo
Uma empresa do GRUPO ABRIL

Composto e impresso nas oficinas da


ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL

Foto da capa: NAPER MILANO


Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO I

Não havia a menor d úvida. As cinco missionárias salvas da missão


precisavam se acomodar no avião. Estavam cansadas e as mais velhas não
teriam condições de andar mais. Assim mesmo ain da havia uma boa
distâ ncia para chegar à cida de costeira de Tanga , ainda livre dos rebeldes.
Isso foi o que o piloto informou ao solda do q ue havia socorrido as
enfermeiras.

— O problema é que... — O piloto hesitou .

— Qual é o problema? — pergu ntou o solda do.

Eve Tarran t, q uando ouviu aq uelas palavras, compreen deu que só o


piloto, e mais ni nguém, poderia responder à pergu nta.

— O avião já está lotado, major. Se sobrecarregá-lo, estarei pon do em


risco a vida dos passageiros.

— Você tem q ue levar as freiras! — Suas palavras foram incisivas. —


Passaram por momentos terríveis. Estão q uase a pon to de desmaiar, como o
senhor pode ver.

O piloto olhou para as freiras, com seus hábitos sujos e rasgados, os


rostos aba tidos. Olhou depois para Eve, a mais nova das mulheres.

— Levo as mais velhas, se os passageiros concordarem em se desfazer


da baga gem.

— Leve todas! — As palavras soaram claras. O solda do estava decidido


a ga nhar a par tida.

O piloto alisou o cabelo com as mãos trêmulas. Virou-se para o avião


assim que um passageiro apareceu à porta.

— Já devíamos ter partido — gritou o homem. — Ca da segu ndo que


perdemos discuti ndo é uma ameaça a nossas vidas.

O solda do alto e magro, com o rifle pend urado no ombro, encarou o


passageiro corpulento.

— Sabemos que está ansioso, mas insisto em que as mulheres subam a


bordo.

— Não há lu gar. O piloto já disse!

— Por favor! — Num impulso, Eve agarrou o braço do soldado. —


Arrumem lu gar para a irmã Mercy e as outras. Eu me arrisco a fazer a pé o
resto da viagem.

Ele ficou surpreso com a inesperada ati tude da quela descon hecida.

— Um gesto bastan te nobre, mas não posso concordar. Nosso amigo, o


piloto, vai arranjar lugar para todas. Mesmo que eu tenha q ue arrancar de
lá aquele cavalheiro com suas malas.

— Pa guei min ha passagem — respondeu o homem, enraivecido. — Você


não passa de um mercenário!

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— Sou sim. Mas não posso tolerar que um funcionariozinho peda nte
como você se acomode tran quilamente, enqua nto mulheres correm o risco
de vida.

Ergueu o rifle e ameaçou:

— Acho q ue vou conseguir um lugar para elas eliminan do você!

— Espere! — exclamou o piloto. — Trata-se de um oficial. Tenho ordens


para levá-lo em segura nça até o fim da viagem. É portador de documentos
importa ntes. Vou verificar se alg um passageiro se dispõe a deixar algumas
malas. Isso aliviará a carga.

Eve procurou a sombra de uma árvore. Como n um sonho, ouvi u vozes


que se assemelha vam ao quebrar das ondas em u ma praia. Nada mais era
do que o piloto falando. Eve queria que a irmã Mercy e as outras
missionárias embarcassem. Já tinha m suportado dois anos de transtornos e
perigos. Ela estava na missão há apenas dois meses. Era jovem e sabia
enfrentar os problemas com maior facilida de. Além do mais, q ueria provar a
si mesma q ue não era uma dessas garotas fúteis cuja ambição máxima é
casar.

Abando nou tu do para trab alhar na missão, sem receber nada em troca.

Não podia imaginar que a vida nas selvas fosse tão assustadora...
Recordou, então, que tiveram de se esconder em celeiros dura nte dias
inteiros, com falta de man timentos, até que apareceu o soldado mercenário
que as convenceu a se deslocarem para Tang a. Havia nele qual quer coisa
estranha. .. Informou-as de que, se chegassem ali ao aman hecer,
encontrariam um avião pronto para levá-las a um lugar mais seguro.

De repente, deu-se conta q ue ele estava a seu lado. Eve encarou-o.


C hamou-lhe a atenção o cabelo emaran hado caindo na testa .

— Você se acha em con dições de camin har? — pergu ntou. Sua voz era
tão dura qua nto os traços do rosto bronzeado. — Caso mach uq ue o
tornozelo, não vou ter o menor prazer em carregá-la.

Eve pensou em lhe dar uma resposta à alt ura, mas lembrou-se de que
ele havia salvo a vida das freiras.

— Acomodou as missionárias?

— Sim, só sobrou você. Parece que nenhu m homem a bordo se digno u a


lhe ceder o lugar.

— Por favor, pare com isso! — Senti u-se indefesa, quase a ponto de
chorar.

— Está bem! — disse o solda do camin han do em direção ao piloto. —


Pode partir agora. Não perca mais tempo para levar essa sua preciosa carga
ao hotel. Estão doidos para tomar seus drinques na varanda!

O piloto concordou com um gesto de cabeça e despedi u-se dos dois,


que ali ficariam para enfren tar os perigos da selva e a ameaça dos rebeldes.
E nquanto o motor esquenta va, os passageiros espiaram pelas janelas. Eve
pôde ver no rosto da irmã Mercy, uma expressão de cansaço e derrota.
Sorriu-lhe e pareceu tran quiliza-la.

O avião decolou e gan hou alt ura. Na pista ficaram apen as os dois e
algumas malas. Duas delas eram de couro de porco com iniciais, uma

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redonda, que certamen te pertencia a uma mulher, e outra coberta de


adesivos de todas as procedências.

— Parece que você está sem roupa para se trocar. Deve estar
precisando — disse o soldado.

— Você tam bém — respon deu com h umor. De repente encostou-se na


árvore e começou a rir. — Você parece um herói de histórias em qua drinhos.

— Pode deixar os elogios para mais tarde, se não se importa! — Franziu


a testa e olhou para os ha ngares. Por dias seguidos, os refugiados ali
chegaram ansiosos para partirem. Agora não havia mais aviões e nin guém
mi além de Eve e da quele homem cujo nome descon hecia.

Aos poucos, macacos começaram a saltar pelos galhos das árvores mais
próximas, enq uanto papa gaios tam bém faziam alarde de sua presença.
Aquele momen to parecia irreal. O perigo pairava no ar. Naquele rosto
másculo e grosseiro e na mão firme que seg urava o rifle, parecia se
esconder uma ameaça. Eve sabia que não era u ma arma militar, pois a
coronha era de madeira envernizada e na chapa de cobre nela fixada havia
um nome gravado. Imagi nou que ele a tivesse rou bado, embora a portasse
com ares de legítimo proprietário.

Acompa nhou-o com os olhos, enq uanto subia a escada do ban galô e
abria a porta de tela. Parecia um gato atento a q ualquer imprevisto. Espiou
com cuidado o interior da casa. Era alto e musculoso; fora dos pa drões
comuns. Perto dele, Eve sentia medo e necessidade de se defen der. Pela
primeira vez topava com um tipo assim. Um solda do mercenário que, de
repente, tin ha salvo a vida de um gr upo de mulheres.

Ele continuo u inspecionando a casa. Queria ter certeza de que não


havia nenhum inimigo escon dido lá dentro. Eve sentiu então uma sensação
de abandono, com a selva a suas costas. Tomada de pâ nico, correu até a
casa.

— Major!

— Estou aq ui — disse ele, aparecen do na soleira da porta. — Não há


ninguém por aq ui. Espero que haja alguma comida na cozin ha. Está com
fome?

— Morren do!

— Vamos dar uma espiada .

— Não temos tempo !

— Temos q ue ter e vamos esperar pelo melhor. Podem ter ouvido o


bar ulho do motor, mas não ap arecerão logo. Venha, a cozinha fica no fim
desse corredor.

No armário havia café, carne enlata da e um pouco de feijão.


Prepararam um mexido e fizeram um café forte, que tomaram com prazer,
apesar da falta de leite e de açúcar.

— Coma pra valer — disse ele. — Você, deb uta nte, vai precisar de
mui ta energia para atravessar a selva. Se ho uver problemas além dos
comuns, os quarenta e oito quilômetros vão virar oitenta.

— Gostaria que não me chamasse de deb uta nte, ainda por cima com
esse tom de gozação. Meu nome é Eve.

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— É mesmo? Bom, eu não me chamo Adão nem Tarzã. — Voltou a


sorrir. — Meu nome é Wade.

— Wade? Seu nome não significa "caminhar por lugares difíceis"?

— Isso a espa nta ta nto?

— Não, acho adequ ado a você, q ue anda por onde até os anjos
temeriam pôr o pé. Como devo chamá-lo?

— Wade. Apenas Wade. O sobrenome é O'Mara. — disse ele secamente,


enquanto junt ava as latarias restantes e as colocava na mochila, sem
esquecer, é claro, do abridor. — É u ma pena não podermos levar o fogão,
mas é um trambolho pesado demais. Vamos dar uma olhada na sala. Talvez
a gente encontre algum a coisa útil.

— Imagino q ue faça par te do seu trab alho saquear os lug ares por onde
passa!

Wade encarou- a fixamente. Não disse na da. Seu olhar era penetrante.
Eve senti u medo. Compreendeu que estava à mercê daq uele desconhecido. A
irmã Mercy, com seu terço pend urado no pescoço, não estava mais ali para
protegê-la. Eve olhou-o desafiadoramente e viu que os lábios dele
esboçaram u m sorriso irônico.

— Você acaba de me lembrar que aind a temos aq uelas malas lá fora


para saquear. Vou buscá-las para escolhermos o que precisamos. Você há de
concordar, Eve, que é de lei escolher as melhores roupas e objetos antes
que os rebeldes cheg uem e po nham fogo em tu do!

Ela estremeceu e acompan hou-o até o gramado. Voltaram à sala


arrastando a mala redonda. Wade abriu-a com a faca e os dois começaram a
remexê-la. Eve encon trou cosméticos, roupas bra ncas finas e delicadas, um
vidro de perfume, du as revistas e um pote de caviar! Mostrou-o a Wade.

— Sem champa nhe para acompa nhar? — ele observou, enq uanto lhe
passava um par de calças e u ma camisa de seda verde. — Não ten ho ideia
do rapaz que usava essas roupas, mas posso adivi nhar. De qual quer modo,
era magro, e elas cairão como uma luva em você. Olhe esse paletó
esporte... Seg ure!

Eve pegou as roupas e percebeu que eram finíssimas. Deviam ter sido
compradas provavelmente em alguma loja sofisticada de Londres.

— Não se afaste muito para se trocar. — Deu-lhe a ordem n um tom de


voz alto e claro, como se falasse a um soldado sob seu coman do.

— Pois não, pois não, senhor. Na cozin ha está bem?

— Não. Prefiro que vá atrás daquele sofá de couro. O tempo passa


depressa e não gostaria que a surpreendessem em trajes menores.

— Não se esqueça que eu não sou um de seus soldados!

— E não lamento isso! Fi que certa, minha cara debu tante, de que estou
tão ansioso q uan to você para começar nossa caminh ada.

— Está me tomando por uma imprestável?

— É campeã de tênis ou de vôlei, por acaso? Ga nhou o primeiro lugar


em um baile à fantasia ou num concurso de pa tinação no gelo? É um
sucesso de bilheteria?

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— Ah!. .. — Eve examino u melhor as rou pas q ue ele acabara de lhe


entregar. — Você adora divertir-se às min has custas! Pode me dizer por
quê?

— Porque você não passa de uma granfinazin ha da cabeça aos pés.


Você está por fora dos problemas da qui. Apesar de suas boas intenções,
acho que seria melhor voltar para casa, e contin uar decoran do salões e
preparando coquetéis.

Eve encarou-o. Estava pálida e sem saber o q ue dizer. Finalmente,


perguntou:

— Como pode me culpar por isso?

— Você faz par te dos privilegiados. Nasceu em berço de ouro e é daí


que vem essa sua arrogan te segura nça. Como boa samaritana, você acha
que tudo o que faz pelos outros terá seu retorno.

— Muito obriga da!

— Não seja por isso! Agora, você vai tirar esse uniforme, e vestir as
calças e a camisa e passar o repelente. — Passou-lhe o tu bo de creme. — Os
mosquitos vão se deliciar Com sua pele fina, por isso se proteja bem. Cubra
todas as partes do corpo... e pare de ficar aí, Como se o destino lhe tivesse
da do um soco no q ueixo! Posso não ser gentil, mas conheço a selva, e vou
fazer o impossível para levá-la até o litoral.

Eve foi para trás do sofá e trocou-se. Por sorte as calças e a camisa
caíram-lhe bem.

— Traga o u niforme aq ui— disse ele.

Eve obedeceu-o, em silêncio, observou-o dobrar o uniforme e g uardá-lo


entre as rou pas que deixaram para trás.

— Deixe-me ver seus sapatos. — Fez um a cara feia q uan do ela lhe
mostrou. — Olhe, aq ui há um par de san dálias mas eu acho que são muito
gra ndes. Em todo caso experimente.

As sandálias eram realmente enormes! Eve começou a rir, sem


conseguir parar até que Wade a agarrou e disse:

— Pare com isso! Vou fazer u ma palmilha de couro com a tam pa da


mala. Vai dar para quebrar o galho. — E ncarou-a por alg uns insta ntes e
depois foi se ocu par das palmilhas. Colocou os sapatos de Eve sobre o
pedaço de couro e começou a recortá- lo com o facão. Sua agilida de era
espantosa! Em pouco min utos as palmilhas estavam prontas. Colocou-as nas
sandálias e pediu q ue Eve tomasse a experimentá- las.

— Como estão agora? — pergu ntou Wade, guarda ndo o facão na bainha
presa no cin turão.

— Nada mau — respon deu, irritada por ter q ue concordar. — Obrigada.

— Há mais alg uma coisa que gostaria de pegar daquela mala de


mul her? Não estou me referindo a roupas e cosméticos...

— Talvez o livro, e tam bém o pente e o espelho... Você sabe de uma


coisa? Desconfio que o piloto fez um troca de baga gem proposital. Nenh uma
mul her permitiria que.. . — Eve interrompeu-se e olhou para Wade. As
sobrancelhas dele se arquearam e na boca aflorou um sorriso malicioso. —

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Tenho quase certeza disso. Ele certamente pensou em minha eventuais


necessidades.

— Certos homens sabem ser gala nteadores. Eu n unca tive jeito para
essas coisas.

Eve senti u-se sensibilizada com o gesto do piloto. Inclinou-se sobre a


mala e baixou a cabeça para q ue Wade não percebesse q ue seus olhos
estavam cheios de lágrimas.

— Vamos levar o caviar? Não vai tomar espaço e, além do mais, é um


alimento nutritivo.

— Está bem. — Ele abriu a mochila e Eve notou que estava repleta de
enlata dos. Havia também um aparelho de barbear, um romance e um lenço
de seda. Não tin ha ideia do porquê dele ter ap anha do o lenço, a não ser que
fosse levado por uma irresistível sofisticação. Talvez por isso concordou que
ela levasse o caviar.

— Tem certeza de que não quer mais na da?

— Este rou pão pode servir como mant a. Posso levá-lo?

— Está bem, mas não vá se sobrecarregar. O calor dura nte o dia


costuma ser insu portável. Agora vamos colocar as malas aq ui no canto como
se tivessem sido aban dona das, em vez de deixá-las lá fora.

— Encheu o can til? — Eve fez questão de pergun tar para q ue ele
soubesse que estava atenta aos riscos e aos problemas q ue iam enfrentar.
Queria desfazer a todo custo aquela imagem de mulher frágil, voltada
apenas para futilidades.

— Está cheio até a boca — respon deu Wade, em tom de gozação.

— Passe-me o cantil. Tomo conta dele.

— Não, você pode perdê-lo. Tudo pronto?

— Sim, major.

— Não se afaste de mim. Não q uero perdê-la de vista.

— Não pensei q ue isso o preocupasse!

— Que foi q ue disse? — Ele ten tava passar pela porta , atra palha do com
o rifle e a mochila. — Que foi que disse mesmo?

— Nada de importante... — Eve segui u-o, com os olhos semicerrados,


pois a luz do sol era intensa. Mesmo depois de dois meses, não conseguira
se habi tuar com aquela luminosidade. Os ventila dores do ban galô ainda
funcionav am, pois seus moradores, na afobação de tomarem o último avião,
esqueceram de desligá- los. A sala estava por isso fresca, em contraste com
o calor insuportável lá de fora. Logo em seguid a, pegaram o caminho que os
levaria ao litoral.

— Apresse-se — disse Wade, olha ndo para trás. — Já perdemos m uito


tempo. As sandálias estão confortáveis? Não quero que machu quem seus
pés.

Eve não foi indiferen te à atenção de Wade. Embora as sandálias


continuassem largas, as correias estavam bem ajusta das no peito do pé, e
lhe davam segura nça para se locomover.

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— Estão ótimas — respondeu laconicamente, como Wade o fazia.

Ao atin gir a floresta , ele se voltou para olhá-la de novo, com o mesmo
ar de ironia. Medi u-a mais u ma vez dos pés à cabeça. Wade era alto e forte,
corpo esguio. cabelos negros e espessos. Sua tez bronzeada e os olhos
claros acentuava m ainda mais seus inegá vel charme.

Entreolharam-se como se fossem dois desconhecidos obrigados a um


convívio forçado. De fato, era essa a realida de. Era preciso que ambos se
aceitassem. Eve se sentia esquisita. Os contornos de seu corpo
desapareceram com a camisa verde que usava sobre as calças pardas.

— Você está parecendo um rapaz — disse Wade, examina ndo seus


cabelos alourados. — Por que você não os cortou já que pretendia ser
freira? Ia fazer votos perpétuos?

— Não se faça de engraçadinho. Gosto muito de meus cabelos e eles


não atra palharam meus afazeres. E u de fato trabal hei d uro; cheguei mesmo
a esfregar chão.

— Bravos! Para béns! Quan do voltar para casa será notícia de primeira
pá gina. Sugestão para a manchete: "Debu tante se ajoelha para trabalhar e
rezar! "

Virou-se então e contin uou a caminhar. Seus comen tários começavam a


irritá-la, mas não lhe restava outra alternativ a senão acompan há-lo.

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CAPÍTULO II

Grande parte do terreno da missão ti nha sido desmaiado para o pla ntio
e a criação de animais domésticos. Agora, porém, Eve estava em plena
selva. Ali as trepa deiras agrestes emaranh avam-se nas árvores e a cada
insta nte preparava m arma dilhas para os incautos. A todo momento
desviavam-se das enormes folhas de ba naneiras e dos ba mbus cujos galhos
açoitavam como chicotes. Era exaustivo caminhar. Exi gia um movimento
contínuo do corpo, ora abaixa ndo ora se desviando das folha gens e arbustos
que, como seres vivos, davam a impressão de querer devorá-los.

O calor era intenso. Eve sentia as gotas de suor escorrendo pelo corpo
todo e empapa ndo sua roupa. Os mosquitos proliferavam na vegetação mais
rasteira e por entre as samambaias e parasitas que envolviam os troncos
gigantescos. Predominava um tom verde-escuro na maior parte da floresta.
O ruído dos insetos mesclava-se com o som das botas de Wade, abrindo
caminho pela mat a, preocupa do em fazer uma trilha para q ue Eve pudesse
se locomover com maior facilida de.

Eve recusava- se a pensar nos q uilômetros q ue aind a faltava m para


chegarem à costa. Assim mesmo era difícil ma nter o ânimo diante de tantos
obstáculos. Sen tia-se como um inseto luta ndo para sobreviver em
circunstâncias adversas.

— O que vai acontecer se os rebeldes tomarem a costa de assalto?

— A gen te vai para uma das aldeias. Ficam tão isoladas da zona
conflituada que é praticamente impossível os g uerrilheiros chegarem até lá.
Em geral, os ha bita ntes são amáveis e estão sempre pron tos a ajudar. Mas
por enquanto não ocupe seus pensamentos com essas coisas. Trate de andar
e de não perder a coragem.

— Estou tenta ndo. Você não tem a impressão de que estamos sendo
vigia dos o tempo todo?

— São os macacos — explicou Wade. — Ficam encarapita dos no alto das


árvores e parecem nos seguir. M as não se preocu pe, pois não são perigosos.

Eve sorriu aliviada. Será que algum a coisa conseguiria aba ter o ânimo
desse homem, sempre tão indiferente a q uaisquer perigos? Seria tão
insensível a pon to de não se perturbar com na da?

Wade parou e a lâmina de seu facão brilhou ao cortar os cipós que lhe
tolhiam o caminho. De vez em quan do consultava a bússola, pou pando
assim Eve do medo de se perderem. Ele não era de fato o compa nheiro ideal
para uma viagem como essa, mas era seguro de si e seu corpo fazia as
vezes de um verda deiro escudo, protegendo-a con tra todas as ameaças.

Eve assustou-se ao ouvir o can to de um pássaro muito próximo a ela e


quase caiu. Wade virou-se imediatamente.

— Olhe onde pisa e cuidado!

— Não se preocu pe. Estou bem.

— Se eu fizesse uma bengala ajudaria?

— Acho q ue sim.
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— Então fiq ue exata mente onde está. Vou cortar uma vara de bamb u.

Wade desapareceu na mata densa a sua esquerda. Eve encostou-se no


tronco de uma árvore secular, evitan do imagi nar o que seus ramos poderiam
ocultar. Era preciso ficar aten ta para não adormecer. Estava muito cansada!
Tinham caminha do horas e horas sem parar e ela não estava ha bitua da a
isso.

— Vamos continuar camin han do um pouco mais — disse Wade,


estendendo-lhe o bamb u. — Espere q ue isso facilite seus passos.

— Obrigada . — Olho u-o provocan temente, ten tan do disfarçar o cansaço.


Wade descria de sua coragem, por isso se sentia impelida a mostrar-lhe o
contrário. — Sei q ue é preciso contin uar. Mas não se preocupe, pois. não
vou ficar para trás, nem desistir. E é bom que saiba que, apesar de não ser
um soldado, não me considero u ma dessas garotin has ingênuas habit uadas
ao doce aconchego do lar.

— É melhor você realmente nu nca se esquecer disso.

— Essa viagem vai ser de qualq uer modo inesquecível!

— E incômoda! — Ele olhou ao redor e ambos recomeçaram a


caminha da, um atrás do outro, embren han do-se pela floresta adentro, onde
vez ou outra despon tavam flores silvestres e orq uídeas de rara beleza.

Eve lembrou-se da Inglaterra, tão dista nte e tão fria, e da discussão


que teve com seu t utor. Ele estava certo de seu casamen to com James Cecil
Harringway, herdeiro de u ma grande fortu na, mas por quem ela não sentia a
menor atração. Ficou indecisa por um bom tempo, mas depois, num impulso,
arrumou as malas e partiu para Tanga. Queria se sentir útil, deixar de lado
a vida confortável e mima da que seu tu tor lhe da va, visando seu casamento
com um homem q ue não amava.

Eve seguia Wade e diva gava. Se seu pai não tivesse sido assassinado
quando tinha apenas três anos, certamente não estaria ali em plena selva,
enfrentando aquele calor terrível e vestindo aq uelas roupas masculinas.
Além disso, estava nas mãos de um mercenário e sob a ameaça de um grupo
de rebeldes que talvez p udessem atacá-los a q ualquer momento.

Meia hora depois, pararam jun to a uma árvore caída. Wade investigo u a
região, atento às cobras. Permitiu então que Eve se sentasse no tronco e
relaxasse..Passou-lhe o cantil e ela matou a sede com avidez.

— Melhor que vinho, não é? — ele pergu ntou após beber e tampar o
cantil. — Quer um ta blete de chocolate?

Eve recusou meneando a cabeça e observou-o saborear o chocolate. Ele


parecia disposto. Seus olhos inq uietos e alertas lembravam os de um
animal. Senti u que se interessava por ele. Imaginou se tin ha uma esposa,
uma família, enfim um lar onde agisse como q ualquer ser hu mano. Só sabia,
porém de uma coisa: era um homem com nervos de aço, capaz de enfrentar
com destemor toda espécie de problemas. Sua única lei era a da selva!

— E então? Que está acha ndo de tu do isso? — pergu ntou Wade.

— Que na da me resta senão confiar em você.

Wade não disse na da. Eve surpreendeu-se com a maneira corajosa com
que se dirigia a ele. Conti nuou a seu lado, mas sem encará-lo.

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— Veja q uantas orquí deas — disse Wade. — Na Ingla terra, devem


custar os olhos da cara. As garotas costum am usá-las para enfeitar seus
vestidos de baile e depois g uardá-las. Elas não fazem você lembrar do
tempo em que as usava?

— Sempre preferi rosas — respondeu Eve. — Acho q ue combin am mais


com meu tipo.

— Mas as orquí deas não têm espinhos.

— É verdade, não têm — respon deu com um sorriso inexpressivo. Será


que fora indelicada? Conclui u que não, sem dar maior importância ao fato.

— Cui dado com os mosq uitos! Eles atacam sem piedade — alertou-a. —
A picada não só irrita como também é dolorosa. Podem até provocar febre!
Quando acamparmos, vou lhe dar uma pastilha de q uinino.

— Quando acamparmos?

— Sim, logo q ue anoitecer. A selva ficará escura demais para podermos


caminhar. Acho tam bém que você está cansada e precisa dormir. Vamos
seguir viagem qu ando amanhecer.

— Espero q ue não esteja sendo um estorvo para você. Acontece que


não po deria ocupar o lugar de u ma das irmãs naquele avião. Sofreram muito
mais do que eu e além disso foram mui to generosas comigo, pois
compreenderam perfeitamente as razões que me trouxeram até aqui.

— Estava fu gindo de sua vida de luxo?

— De certa forma, sim. Você teria se irritado comigo muito mais se


tivesse me conhecido antes de entrar para a missão.

— Tem algum rapaz envolvido nesta história?

Ela encolheu os ombros e pensou em James, que se sentia horrorizado


dia nte de uma garota que não fosse virgem. Acreditava que as mulheres
deviam ser g uarda das em caixas, como bonecas bem vestidas, sem um fio
de cabelo fora do lugar.

— O silêncio de uma mul her sempre fala mais do q ue uma avalanche de


palavras.

Eve despertou de suas diva gações ao ouvir a voz de Wade próxima de


seu ouvido. E ncarou- o, surpresa, e percebeu que os olhos dele a
examinava m minuciosamente. Herdara a beleza da mãe q ue tinha sido
retratada por pintores famosos. Além do mais, Eve nascera na ilha de Arran
e seus olhos refletiam o mistério dos lagos neb ulosos da Escócia.

— Então foi um homem que a fez vir correndo para cá, para esfregar
chão e rezar!? Brigou com ele?

— Briguei — respon deu. O que não deixava de ser verda de. Não ha via
mal algum em contar àquele mercenário q ue rompera com o homem que a
amava , pois fora o que realmente acontecera. Embora ela gostasse de seu
tutor, discordara dele com veemência, pois insistiu que só se casaria com
quem amasse de fato.

— Recuso-me a essa sua ideia de negociar meu casamento —


argumentara exaltad a.

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Foi quan do então tomou conhecimento da situação de Tanga através


dos jornais e, graças à sua nat ureza imp ulsiva, decidiu colaborar com a
missão religiosa ali instalada.

— Acha que valeu a pena viver esse tipo de experiência? — perg unto u
ele, alisando o rosto com a barba por fazer.

Wade pareceu-lhe mais másculo do que n unca.

— Não me arrependo de ter vindo — respondeu com sinceridade. — F ui


ú til para os q ue precisavam de mim. Não importa que você não me acredite.
F ui testemu nha do sofrimento e da bravura das freiras da missão e estou
certa de que me tomei uma outra pessoa, simplesmen te pelo fato de ter
conhecido gente como a irmã Mercy e as outras missionárias.

— Só o tempo poderá dizer — observou Wade. — Quan do voltar a


frequentar os lugares da moda e estiver cercada de admiradores, vai
esquecer depressa o cheiro de éter e de incenso.

— Como pode ser assim tão cínico? Não consigo imagin ar que acredite
em outra coisa além de perseguições e mortes!

— Pois então, min ha jovenzin ha, trate de cuidar de sua imaginação! —


Ele se levantou, endireita ndo o corpo esguio e flexível como o de um tigre.

— A sesta acabo u. Levan te-se e pon ha de novo as san dálias.

Eve sentiu vonta de de reagir. Queria dar as costas àq uele homem,


como nos velhos tempos. Ajeitou a camisa com os dedos trêmulos, odiando
ter de ver aq uele rosto d uro e selva gem.

— Sei que seus pés estão doloridos e que seu ânimo está
enfraquecendo

— disse ele — mas não pode ser de outro jeito. De pé, cara deb uta nte!
— Segurou Eve pelos ombros e ajudou-a a se levan tar. Ela se afastou
bruscamente e calçou as sandálias de couro tão d uras quan to a alma dele!

— Pronta?

— Sim.

— Bravo! Bravo! — Deu um riso irônico, apa nhou a mochila e o rifle e


embrenhou- se por entre as árvores, cobertas de trepadeiras. Eve seg uiu-o.

— Sinto-me como se estivesse sendo treinada para me casar com um


índio!

—Ótimo. Conti nue pensando assim enquan to camin hamos. Sabe,


jovenzinha, as mulheres dos índios são h umildes e obedientes.

— Oh!

— Tropeçou ?

— E isso tem importância?

— Acho q ue eu devia ter-lhe dado a mão.

— As costas da mão, sem dúvi das!

Ele gargal hou. Um macaco saltou de um galho para outro em u ma das


árvores e suas flores caíram como se fossem confetes. Eve sorriu relutante.

Projeto Revisoras
13
Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Fazia bem olhar os macacos, pois a presença deles lhe dava a certeza de
que não estava sozinha na compan hia daq uele homem.

Divertiu-se dura nte alg um tempo, sentin do-se até mesmo segura. De
repente, alguma coisa ati ngiu-lhe as costas e ela deu um grito, assusta da.
Sentiu uma espécie de visgo na camisa. Wade aproximou-se dela.

— Que dia bo está acontecen do?

— O que é isso? — pergu ntou, engolindo em seco. Depois de examiná-


la, ele soltou uma gar galha da.

— Ovo de pássaro. Com certeza um daqueles macacos o atirou em você!

— Droga !

— Melhor um ovo quebrado do que uma rataz ana ou um pássaro


devorador de aranhas. Fique quieta enqua nto a limpo.

Eve obedeceu. Não pôde evitar porém um arrepio qua ndo ele limpou
suas costas com um lenço. O gesto de Wade provocou-lhe uma sensação que
a assustou aind a mais do que o impacto provocado pela q ueda do ovo. E
estavam sozinhos na selva, o q ue tomava a situação mais alarma nte! Eve
lembrou-se de algum as histórias sobre mercenários q ue as m ulheres nativas
lhe contaram.

Quase em estado de pâ nico, olhou para Wade O'Mara, q ue lhe


respondeu rapida mente com pala vras rudes.

— Tire da cabeça o que está imagina ndo! — E agitou o lenço no ar. —


Não costumo violen tar minhas reféns. Pronto, terminei. Não demora para
secar. Vai ficar um pouco gru dento, mas não quero desperdiçar nossa água
preciosa.

— Obriga da! — Eve corou dian te da facilida de, com q ue ele lera seus
pensamentos. Os homens, pensou Eve, costumam se sentir superiores
quando percebem que uma mulher se sente à mercê deles. Não ousou mais
levantar os olhos para Wade. Não queria nem pensar no que sentiria se ele
a tomasse em seus braços e a possuísse com toda aquela força e segurança
com que fazia tu do.

— Que está esperando? — pergun tou Wade. — Quer saber o que pode
irritar um homem valente e violento em plena selva?

— Não estou preocupa da com o seu comportamento — respondeu


indi gna da.

— Aposto q ue não! — Seus olhos percorreram o corpo dela de cima


abaixo. — Em que mais está interessada, você, uma mulher cuja virgi ndade
teve de ser preservada para q uem dê o lance maior? É muito pouco honesta
essa história toda. Escu te aqui, garota , não me venha com artiman has ou,
do contrário, vou ter que lhe ensinar que não se brinca com fogo.

— Como ousa me dizer isso? — Eve teve von tade de esbofeteá-lo.

— Não ouso apenas dizer, senhorita!

— É claro que não — retrucou. — Você não seria capaz de an dar um


quilômetro, comportan do-se como um cavalheiro.

— Acho q ue lhe provei o contrário há apenas u ma hora atrás, qu ando


ninguém quis lhe ceder u m banco no avião que, a esta altura, já aterrissou
em segurança.
Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Eve corou de novo, odian do-o por lhe dizer a verda de de maneira tão
crua.

— A necessidade de sobreviver põe fim a q ualquer gen tileza!

— Agora a raposinha está apren dendo — gracejou Wade.

— Raposin ha?

— Seu na morado grã-fino não lhe disse que seus cabelos se parecem
com os pelos da raposa qua ndo ela corre pelo campo perseg uida pelos cães
e pelos caçadores?

James não lhe teria di to isso! Eve duvi dava de q ue alguma vez ele
notasse qualquer coisa nela além do que vestia, do que falava e de como se
comportava.

— Sente-se mais calma agora? Podemos contin uar? Antes que você
perca sua energia e sinta fome, precisamos fazer pelo menos uns dois
quilômetros.

— Não sou nenh uma criança. Vou acompa nhá-lo, qu anto a isso não se
preocupe. Estou tão ansiosa qua nto você para chegarmos ao litoral.

— Ótimo. E da próxima vez q ue for atin gida por um ovo, por favor, não
assuste a floresta toda.

— Eu o irritei, por acaso?

— Meus nervos são de aço, senhorita, mas alguém pode tê-la ouvido, e
um grito de mulher jamais será conf undi do com q ualquer outra coisa. Sabe
que é o som mais primitivo do mu ndo?

Dessa vez E ve decidiu calar-se. Segura ndo o bamb u e o roupão em que


embrulhara os objetos que trouxera, contin uou a segui-lo.

A selva era de um verde uniforme e escuro. De vez em q uan do via


flores silvestres desabrocha ndo vivamente entre as folha gens, ou então
orquídeas surgindo por detrás de troncos tão altos como torres. A folhagem
dos acatas espalha va-se luxuriante e, caso chovesse, serviria para protegê-
los. Os galhos entrelaçavam-se como se fossem corpos numa demonstração
de eterna paixão, às vezes escondidos por um cortinado de samam baias.
Vez ou outra, um pássaro voava mais baixo deslumbra ndo Eve, q ue seguia
Wade calada.

Ele camin hava pela selva com firmeza e destemor. Seu facão cortava
ruidosamente as folha gens que se in terp un ham como obstáculos. Os
arbustos espin hentos tom bavam ao chão numa ameaça aos tornozelos de
Eve. De vez em q uan do ele olha va para trás para ver como ela estava ou
então para lhe dizer algu ma coisa.

— Como se sente, senhorita?

— Como se estivesse num piq uenique. Fico imagina ndo como os


soldados podem lutar n um lu gar como este, por mais que sejam bem pagos!

— Pagam o suficien te para garan tir a escola das crianças.

— Você tem família?

— Um filho — respon deu Wade, golpean do com o facão um gal ho a sua


frente.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Não tem medo de ser assassina do? Isso não seria bom para o
menino.

— Só os medrosos são assassina dos. Por isso evito sentir medo.

— O que sua esposa diz a respeito do seu trabalho? Com certeza ela
deve discordar desse seu modo de gan har a vida.

— Ela não se importa com isso — replicou. — Meu filho Larry quer ser
médico. Quero fazer de t udo para que o consiga.

— Quantos anos ele tem?

Wade O'M ara gargalho u outra vez.

— Dezenove. Ele é apenas um ano mais novo que você, não é?

— Sim, é isso mesmo — Eve observou-o detidamen te e concluiu que ele


estava em boa forma, apesar da idade. Quantos anos teria qua ndo nasceu o
filho? Vinte? Sua esposa seria atraente? Com certeza, concluiu Eve. Ele
devia gostar de uma mulher femini na e desprotegida , de olhos azuis e
cabelos claros, para contrastar com sua cor bronzeada .

Esta foi a imagem que Eve fez da mul her q ue esperava por Wade
O'Mara na Ingla terra, enquan to ele arriscava perder a cabeça nas mãos dos
rebeldes só para gan har din heiro suficiente para fazer de seu filho um
médico. Eve pensou então nos homens do tipo do seu tutor e no di nheiro
que aplicavam em investimentos. Bastava apan har o telefone e instruir o
corretor para executar um negócio que envolvia milhares de libras. Mas o
homem que se empenha va em levá-la à costa de Tanga mat ava para poder
educar o filho!

Eve pertur bou-se com esse pensamento. Do mesmo jeito que se


pertur bou qua ndo, aos quinze anos de idade, um colega de escola lhe
explicou como nasciam os bebês... Isso era ao mesmo tempo maravilhoso e
intrigante! Sempre tinha sido protegi da pelo tutor e nunca lhe havia m
explicado q ue os homens e as mulheres não apenas se comportava m de um
modo diferen te, como tam bém tinha m funções distin tas. Os homens tin ham
um modo de ser mais agressivo, e as mulheres se submetiam a eles, com ou
sem vontade.

Eve tin ha consciência da agressividade de Wade e concluiu que, se


quisesse chegar a Tan ga a salvo, tin ha de obedecê-lo, tinha de confiar em
sua ha bilidade.

As forças da na tureza vibravam ao redor deles. Eve sentia que ha via


uma ameaça atrás de cada árvore, de cada arbusto. Sozin ha, entregue a
toda espécie de risco, estaria perdi da. Estremeceu tod a ao tomar
consciência de que era m ulher com a mesma certeza de que aquela selva
não era uma ilusão.

Como seria ele de volta à Inglaterra, de volta à compan hia da mul her,
da mãe de seu filho? Eve tentou não se questionar mais, mas essas
perguntas afluíam obsessivamente.. . Seria ele um ama nte dedicado? Será
que sua mulher sabia que às vezes ele tinha de resgatar freiras de uma
missão ameaçad a e de se responsabilizar pela vida de uma moça sozinha
n uma longa camin hada pela selva? Ou será que Wade não falava com ela
sobre os perigos de seu trabalho? Ou sobre as ten tações que surgiam a sua
frente?

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Eve atormenta va-se com essas indagações, mas realmente não


conseguia evitá-las. Cami nhava ao lado de um homem cínico e auto-
suficiente.. . pai de um filho chamado Larry. O que a atraía nesse homem
que a hostilizava com frequência? Um homem casado e com tanta
personalidade que, em situações normais, ela teria evitado?

Nesse exato momen to, Eve tropeçou e deu u m grito ao torcer o pé


esquerdo.

— Droga !

Wade O'M ara parou de imediato e voltou- se.

— Que fez agora?

— Nada... —respon deu. Mas era tal a dor que seus olhos lacrimejaram.
Por outro lado era impossível esconder q ue mancava. Wade não se moveu.
Quando ela se aproximou, agarrou-a pelo braço.

— Estou bem — asseg urou-lhe E ve.

— Não queira ba ncar a heroína an tes do tempo. Deixe-me ver como


está.

— Foi só um ma u jeito.

— Ponha o pé em cima desse tronco e deixe-me ver.

Era uma ordem e Eve obedeceu. Tirou a sandália e se sentiu mais


indefesa, qua ndo Wade começou a lhe massagear o tornozelo.

— É melhor acamparmos, para você descansar. Acordamos ama nhã bem


cedinho e prosseguimos viagem.

Eve olho u a mão dele em volta do seu tornozelo. Num instan te ele se
transformou num homem simpá tico. Ela fechou os olhos para impedir que as
lágrimas escorressem.

— Obriga da — murm urou. — O sol está muito forte...

Ele olhou o relógio preso ao pulso vigoroso.

— Amanhece mui to cedo nesse lado do mun do e a noite chega depressa.


Vou fazer um fogo para preparar um chá. Você toma?

— Mas claro que sim — respondeu animada mente.

Um sorriso leve aflorou nos lábios de Wade. Por um segundo seus dedos
acariciaram o tornozelo delicado de Eve. Depois, calçou-lhe a sandália e
amarrou o cordão. Enq uan to Eve se apoiava em seus ombros, senti u o
coração bater descompassada mente.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO III

Logo depois que acampara m, o sol se pôs e a noite chegou rápida. Eve
olhou a sua volta e sentiu medo. As árvores mais altas pareciam tombar
sobre ela e os ruídos da mata torna vam-se ameaçadores.

Embora tivesse vivido por dois meses na missão, nu nca chegou a passar
uma noite na selva... ainda por cima com um homem. Sentia um misto de
medo e de fascínio, preocupa da com aquele homem ao seu lado, preocupa da
com os mistérios que aquela escuridão encerrava.

A ideia de fazer uma fogueira deixou-a nervosa. As chamas poderiam


ser nota das facilmente à noite. Temia um ataq ue dos inimigos, como o que
acontecera a uma missão não muito longe da sua.

Aguardav a por Wade, q ue disse ter ouvido barulho de ág ua corrente e


saíra para investigar. Eve permaneceu de pé, sem coragem para sentar-se.
Seu tornozelo doía e o cansaço a deixava nervosa e abati da. Ah, como seria
bom deitar numa cama, entrar debaixo de uma coberta macia e afun dar a
cabeça num travesseiro! Acordar de ma nhã e tomar um bom ban ho de
chuveiro, e sentir-se fresca e perfuma da! Eve in terrompeu seus devaneios
ao ver que Wade O'Mara se aproximava da clareira. Veio carregado de
pedras, que largo u jun to dela.

— Vou acender a fogueira den tro de u ma mureta de pedras — explicou.


— Assim o fogo vai ficar menos visível.

— Não acha arriscado?

— Você precisa de um chá bem q uente e eu tam bém. Vou abrir uma lata
de carne e complemen tamos com biscoitos. Não poderia ser melhor,
concorda ?

— Está sempre improvisan do as coisas, não é mesmo? — En qua nto


falava, Eve perg un tava-se sobre o que ha veria por detrás daquele modo de
ser imperturbável. Apren deu isso no exército ou simplesmen te não queria
que ela notasse q ue a sit uação em q ue estavam não era na da segura?
Afinal, não passavam de dois estranhos num país desconhecido. A segurança
deles repousava apenas na força de Wade e na eficiência de sua arma
automática.

— Que q uer dizer por improvisar? — pergun tou ele, q ue tinha se


agachado para arrumar as pedras. Wade olhou-a e ela percebeu o brilho de
seus olhos e de seus dentes... alerta como um leopardo, pensou, com a
vitalida de inabalad a apesar das dificuld ades do lugar q ue escolheu para
atravessar.

— Bem... parece que você fez isso todas as noites de sua vida.

— Estou sempre acampa ndo na selva. A única diferença é que não é


todos os dias q ue tenho uma debuta nte para dividir a carne e os biscoitos.

— Gostaria imensamente q ue não insistisse em me chamar assim o


tempo todo — pediu-lhe. — Não sou mais deb uta nte... aliás, nu nca quis ser.

— Ora, vamos. Aposto que já se sentiu vaidosa ao ser cortejada e ao


receber propostas. Quantos homens já conquistou?

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Eve fez u ma pausa e ouviu o estalido dos gravetos nas mãos dele,
enquanto o fogo começava a crepitar. Ele não precisava ser tão cínico!
Sentia-se cansada demais para levar adian te aquela conversa.

— Perdi a conta — disse suspirando. — Não foram importa ntes.

— Um só, não é verda de? Você disse que tin ha um homem na


Inglaterra.

— Eu disse, é? — Eve passou as mãos pelos cabelos. Gostaria de tomar


um ba nho mas não sabia se dava para fazê-lo nas águas do córrego. — Eu
me sinto tão suja. Não estou pedi ndo para usar a ág ua do nosso cantil, mas
você acha que dá para entrar naquele córrego?

— Não. Já é noite e não sei se dá para nadar lá. Espere até aman hã e
então eu lhe digo. Mas posso garan tir que as águas são barren tas.

— Barro é bom para a pele. Que pode ha ver além de barro?

— Bichinhos com dentes que mordem dedos cor-de-rosa e traseiros


bra ncos como leite. Sei que não se sente como se estivesse em casa, mas é
melhor estar segura do q ue levar umas mordidas, não acha ?

— Acho q ue sim — concordou, mas com certa tristeza. Observou a


fumaça subin do pelo ar e as chamas consumin do a madeira seca. Wade
soltou as correias da mochila, abriu-a e retirou as latas e um a chaleira com
capacidade para duas xícaras de água . Eve concentrou a atenção no barulho
da água que caía do cantil para dentro da chaleira e pensou em como Wade
era tranquilo. Tin ha se acost umado com sua rudeza, mas recon hecia q ue ele
havia despertado nela um certo sentimen to de vulnerabilidade. Ela é que
faria o chá, mas ele é que colocava a chaleira no fogão improvisado e punha
torrões de açúcar na caneca de ága ta.

— Vamos beber na mesma caneca — disse ele. A luz do fogo iluminou o


rosto encovado e barbu do de Wade. — É assim que fazem os casais
românticos nas histórias que você costumava ler na cama.

— Não sou uma bobi nha român tica — replicou Eve. — Você se diverte às
minhas custas, só porque não lhe ofereço o que realmen te gostaria.

— E o que seria? — pergu ntou Wade, ocupa do em abrir uma lata. —


Pelo que conheço dos homens, e olhe que, na min ha idade e com a minha
experiência, conheço-os bem melhor do q ue você, nossa situação é propícia
àquilo que a maioria deles gostaria de ter. Não sou diferen te dos outros,
embora recon heça que esse piqueni que é fora do comum. Por isso, é bom
não deixar seus pensamen tos andarem por onde não devem.

— E por on de eles devem an dar? Posso saber? — pergu ntou Eve, ao


notar que Wade parecia sugerir que ela começava a vê-lo com outros olhos.

— Em torno de nós, por toda a selva — ele explicou. — Nós dois


sabemos o q ue pode vir da floresta se eles virem o fogo. E sei que nem é
bom imaginar o que eu faria para não ver você cair nas mãos deles... q uero
dizer, se é verdade o que você disse de mim, q ue me divirto em ser um
assassino profissional.

Eve encarou-o, enqu anto ele despejava um pu nha do de chá den tro da
chaleira.

— Desculpe pela falta de leite — disse ele — mas o chá estará bem
quente e vai fu ncionar como revigoran te.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Você q uer dizer q ue me mataria?

— Claro. Melhor isso do que o que vi acontecer com outras pessoas.


Tenho visto coisas terríveis nestes últimos dois anos. Como disse antes,
você devia ter ficado em casa e casado com aq uele rapaz. Não estaria aqui
comigo, com u m homem que prefere estourar sua cabeça a vê-la corta da
fora.

— Oh! — Eve arrepiou-se toda. — Você não pou pa palavras, não é?

— Era preciso dizê-lo. Mas agora pare de pensar nisso. — Tirou da


mochila uma manta do exército à prova de ág ua e estendeu-a no chão. —
Venha. Sente-se e procure relaxar. Gosta de carne enlatada ?

Ela fez que sim com a cabeça. Apesar daq uelas palavras horríveis, não
perdeu o apetite e aceitou o prato com carne e biscoitos que ele lhe
ofereceu.

— Obrigada . — Ele estava de pé, próximo do fogo. — Não hesite se for


preciso me matar.

— Um soldado eficien te jamais hesita. E sou eficiente q uando


necessário. Atiro muito bem, se é q ue quer saber. Isso a tranq uiliza?

— Estou tran quila.

Enquan to servia o chá à luz do fogo trêmulo a expressão de Wade era


implacável. Eve não tin ha d úvidas de que ela seria cruelmente elimina da no
caso de um ataq ue dos rebeldes. Isso a aliviava até certo ponto, mas estava
profundamen te perturba da por estar sozinha na compa nhia de Wade O'Mara.
Pela primeira vez conhecia alguém assim. Teria ele estado sempre na
guerra, sempre distante da mulher, sempre impossibilita do de levar uma
vida normal? Não podia acreditar q ue sua mulher não se importasse em ficar
longe dele por meses seguidos.

— Obrigada , major. — Aceitou o chá forte, bebeu um gole e deitou-se


sobre a ma nta. Enq uan to mastigava um biscoito, Wade ficou observan do-a.

— Minha jovem debuta nte, q uero lhe dizer uma coisa: não brinq ue de
beber e de comer como soldado.

Eve passou- lhe pron tamente a caneca e ele bebeu um pouco. Notou
então que Wade encostou a boca no mesmo lugar em q ue ela tin ha bebido.
Maravil hou-se ao perceber que havia um encanto masculino por trás de toda
aquela rudeza.

— É católico? — pergu ntou repentin amente.

— Fui criado como tal. — Levou à boca um pedaço de carne. — Mas não
obedeço sempre os princípios religiosos, como pode ver pela roupa que uso.
Mas por que pergun ta?

— Porque foi muito gentil com a irmã Mercy e as demais missionárias.


De vez em q uando você falava qualq uer coisa em latim e ela o compreendia.

— Eu não lhe pareço gentil, não é mesmo? — pergu ntou Wade sorrindo.

— Não diria isso. — E contemplou o fogo, mordendo um pedaço de


carne. — Acho bom ficar em volta do fogo, mas ten ho medo que ele nos
denuncie.

— Não tenha medo. Você não terá sequer tempo de ver q ue tipo de
arma estariam usando.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— É que temos tanto que viver ain da, não acha ? Você tem seu filho e
eu... eu tenho minha vida na Inglaterra.

— Na compan hia do ilustre rapaz que permitiu que você viesse para cá
esfregar assoalhos e arriscar a perder o pescoço? Você o estava
experimentan do? Esperava q ue ele corresse atrás e a impedisse de entrar
no avião?

Eve tin ha uma amarga lembrança da úl tima vez que jantou com James
n um resta urante caro e depois foram ao teatro... Ela contou- lhe q ue estava
pensando em ir para a África, mas ele riu dela. "Não seja bobi nha" , disse
ele, ba tendo nas costas de sua mão, como se fosse u ma menina. "Que vai
fazer no meio do mato? Colher orquí deas?"

Queria dizer a Wade que desprezava James, mas achou melhor se calar
e sorriu. Um sorriso q ue lhe pareceu expressar sau dades e roman tismo.

— Quis provar a mim mesma que poderia ser útil. E acho que consegui.

— A meu ver, conseg uiu provar q ue estava fu gindo da quele tipo de


vida. Claro que sim, não precisa negar. Se de fato preten dia ser útil à
comunidade, teria treina do enfermagem num hospital ou teria feito um
curso de culinária para depois abrir seu próprio restauran te. Não faltariam
oportunidades de esfregar chão ou de descascar ba tatas...

— Você é cínico demais! É só cinismo que corre em suas veias?

— Pode ser, pode ser... Mas pelo menos tenho certeza do que me
impulsiona a fazer as coisas. Não justifico meus atos apelando para ideais
de sacrifício ou sofrimento embrul hados em papel de seda. Você se cansou
de seu ambiente, a borboleta cansou de voar no mesmo espaço fecha do e
abafa do, e então decidiu bater as asin has em um a região contur bada
politicamente. Só que percebeu q ue se tratava de um incêndio na selva e
não deu o braço a torcer por se meter com um bru to mal-cheiroso como eu.
Não é verdade? — In terrompeu-se e encarou- a em silêncio. — Passe-me o
prato. Ganhou um doce sem merecer ganhar. Mas agora é tarde demais para
levar uma sova.

— Não tenho a menor dú vida de q ue é assim q ue cuida do seu filho.

— Não precisa du vidar. — Ele fez uma pa usa e contin uou:

— Olhe, abri um a lata de abacaxi em calda. Não quer? Ten ho certeza de


que não tem problemas de engordar, pelo contrário. Depois q ue atravessar
essa selva, estará tão magra que poderá trabal har como modelo.

Eve apertou os lábios, recusan do-se a sorrir. Passou-lhe o prato. Na


verdade ainda tin ha fome, mas sabia q ue era preciso economizar o alimento
mais sólido. Claro que não queria recusar o doce, mas antes tinha de aceitar
sua ironia, talvez porq ue estivesse muito próxima da verda de. Somente
depois de chegar à missão e de sentir-se realmente útil foi q ue percebeu a
verdadeira razão de sua viagem. Tin ha se rebelado contra uma vida cheia de
conforto, mas controlada demais. Abandonou a Ingla terra para livrar-se de
seu tutor, que a tratava com mão de ferro vestid a com luva de pelica. No
fundo agradecia a ele pelo modo com q ue a educou, mas desejava cuidar de
sua própria vida , planejar seu próprio futuro. Agora tin ha caído nas mãos de
um homem como Wade O'Mara. q ue nunca seria capaz de compreendê-la.

Eve perg unta va-se se Wade, que agora se espreguiçava, nu nca sentira
medo em toda a vida. Ning uém man dava nele. Nem mesmo sua esposa. Ela
sim, sentia-se presa à vigilância do t utor, que lhe impusera um casamento
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

no qual não tinha o menor interesse. Ela testava suas asas, mas não
reclamava das marcas que o passado deixara nelas. Quando Wade lhe
ofereceu o abacaxi em calda, aceitou-o, sem forças para agra decer-lhe com
palavras.

— Sinto não ter creme ou sorvete para acompa nhar a fruta — disse ele.
— Mas acho q ue esse seu olhar frio vai pelo menos conseguir gelá-la.

— Devo rir da piada? — Pegou uma fatia com a mão e achou delicioso
comê-la desse modo. Como estaria seu aspecto, com o cabelo despen teado.
usando calça larga e a camisa engord urada com o repelente? Com certeza,
seu tutor teria um ataque do coração e James desmaiaria se a vissem
da quele jeito.

— Isso mesmo. Ria. — A voz saiu forte e esganiçada . como o ru gido de


um leopar do. — Mas não se obrigue a aceitar ou participar da brincadeira.
Sei que por trás desse rostin ho sério podem se escon der pensamentos
maldosos.

— Pelo jeito sabe t udo a respeito das mul heres — provocou-o Eve,
lambendo a calda do abacaxi que escorria entre seus dedos. — Imagi no que
em todas suas viagens como mercenário tenha encontrado vários tipos de
pessoas... Sua esposa deve ser u ma mulher de mente aberta.

— Muito mesmo... — concordou ele, sorrindo. Mas atrás do sorriso, Eve


percebeu, ha via algo misterioso. Até que ponto ele acredi tava no
casamento? Era u ma interrogação pert urbadora. Não pretendia inva dir a
intimi dade dele, mas, desde q ue estavam sozinhos na selva, pareceu-lhe
na tural se interessar pelo passado de Wade. Mas e ele? Não teria nen huma
curiosida de sobre o seu?

De repente, um grun hido atravessou o ar vindo de entre as árvores.


Eve, alarma da, olhou a sua volta.

— Que foi isso? — ela pergu ntou.

— Talvez um leopar do atrás de seu alimento — respon deu com


displicência.

— Espero q ue não sejamos nós...

— Esperemos que não perca sua presa e não sinta nosso cheiro... Não
pretendo fazer uso do rifle, pois o estampi do seria ouvido a quilômetros de
distâ ncia.

Eve estremeceu ao tomar consciência do risco que corriam. A chama da


fogueira atraía os animais famintos.

— Não fique nervosa. Os leopardos são a última coisa com que devemos
nos preocupar. Nunca viu um deles?

— Um ou dois, q ue costuma vam rondar a missão. De qu alquer modo.


estávamos protegidas por uma cerca.

— São seres encant adores... É uma pena que sejam mortos por causa
da pele...

— Odeio casacos de pele — disse Eve, lembra ndo-se de uma desavença


com o tutor, q uando lhe deu de presente uma jaqueta de pele de foca que
ela se recusou a usar. — Não aceito a ideia de se mat ar um animal só para
satisfazer a vaida de das mulheres e o orgul ho dos homens.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Sabe como se costuma matar o leopardo sem se fazer um arranhão


sequer na pele? — Wade enrolou um cigarro com o fumo que trazia na bolsa
de ta baco e olhou-a penetrantemente.

— Com cruelda de, sem dú vida — respon deu Eve, encaran do-o. — Você
n unca caçou um deles?

— Quer um cigarro? É feito à mão, mas é mui to bom.

— Não fumo, obriga da.

Ele tirou um graveto do fogo e acen deu o cigarro. En quan to a chama


ilumina va seu rosto, Eve pensou em como Wade parecia insensível, embora
ao mesmo tempo deixasse tra nsparecer às vezes um lado mais delicado e
complexo.

— Major, você lutou em Biafra?

— Sim — respondeu seco, devolvendo ao fogo o graveto. Deitou-se na


manta e semicerrou os olhos ao soltar a baforada.

— Deve ter sido horrível.

— Não pode imaginar.

— Aqueles massacres inconcebíveis! Li sobre eles nos jornais.

— Nada agradável de se ver. Mas será melhor apa garmos o fogo e


tratarmos de dormir. Você não quer ter pesadelos, quer?

Eve olhou a sua volta e mais uma vez a floresta a intimidou. E nqua nto
dormissem podiam muito bem serem atacados por algum animal.

— Durmo como um ga to — disse Wade. — Um olho aberto e outro


fecha do. Estará segura comigo.

— Estarei mesmo? — As palavras saíram de repente, sem que as tivesse


podi do controlar.

— O fato de você ser uma garota atraente não me diz muita coisa —
respondeu rispidamente. — Não tenho o hábito de seduzir moças que
podiam ser minhas filhas. Isso ameniza suas apreensões adolescen tes?

— Não quis dizer que...

— Não quis dizer mesmo? Sou um soldado, luto nas g uerras, e toda vez
que tenho oportuni dade eu relaxo... com uma mul her. Não considero esta
situação relaxante. Aliás, daq ui a pouco vou lhe dar um sonífero. Assim
poderá sonhar com sua casa luxuosa e confortável, numa área muito grande
e com terras de sobra para serem cultivad as...

— Você fala como u m fazendeiro frustrado. Esse é seu gran de son ho?

— Quem lhe ensinou a perceber as coisas com tant a perspicácia?

— Acho q ue nasci com esse dom! Uma debuta nte não é necessariamente
inexperiente.

— Concordo. Mas para mim você não passa de uma avezinha


empluma da perdida num mun do cruel. Você ainda vai crescer, isso é que é
triste.

— Como assim, triste?

Projeto Revisoras
23
Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Porque é u ma garota divertida , embora malcriada. Mas as mulheres


só têm uma função, se não me engano.

— Mas olhe só que descarado! — exclamou Eve. — Por q ue então se


casou? Procurava amor?

— Há muitas razões para q ue um homem se enforque. Pode conceber


alguma delas? Eu servia o exército qu ando encon trei uma garçonete numa
canti na. Como não acreditava no aborto, casei-me aos dezenove anos. Aos
vinte, era um pai org ulhoso. Mas quero deixar claro q ue não me arrependi.
Está conten te por ter arrancado de mim meu gra nde segredo?

— Mas eu não o forcei a falar sobre seu passado — lembrou-lhe.

Ao mesmo tempo, Eve surpreen deu-se por não se espantar com a


revelação. Provavelmen te porque tin ha adivin hado q ue aquele homem
grosseiro nu nca fora român tico. Isso era evidente em seu rosto, em seus
olhos. Para ele as mulheres se dividiam em duas categorias: as que deviam
ser respeita das, como a irmã Mercy, e as que deviam ser desejadas, como a
garçonete. Mas comoveu-a a sua decisão de se casar e o orgul ho de ter-se
torna do pai. Num impulso, ag arrou a manta , ciente de que desse modo
evitaria qualq uer comp ulsão de lhe acariciar o rosto. Não, não seria sensato
tocá-lo...

— Por que está tremendo? — perg un tou. — Sente frio?

— Acho q ue estou cansada — respondeu boceja ndo. — O dia foi muito


cansativo.

— Sim, foi mesmo — concordou e levantou-se com agilida de, atirando o


toco do cigarro no fogo. — Se vai fazer suas necessidades, leve esta tocha.
Mas ma ntenha- a volta da para baixo, está certo?

— Claro. — Decididamen te, ele não era na da româ ntico, mas pelo
menos não a considerava um a boneca, que não precisasse fazer suas
necessidades. Agradeceu a tocha e ficou feliz por não estar diante de
James, que sempre ficava vermelho quan do u ma moça pedia licença para ir
ao toalete. Entre os arb ustos, Eve se esforçou para não pensar em cobras e
aranhas e imagi nou qu al seria a reação de James ao vê-la naq uele momento
exato. Voltou com um sorriso nos lábios.

— Que há de engraçado? — pergu ntou Wade secamente.

— Nada . Imagi nava como o pessoal lá de casa reagiria se me visse


assim esta noite.

— Seu t utor e James ficariam chocados? — Ele vasculh ava a mochila e


Eve noto u algo branco entre suas mãos. — Seu homenzinho romperia com
você se soubesse q ue andou pela selva na companhia de um mercenário?

— Não há nada de oficial entre nós — respon deu E ve. Seus olhos então
se firmaram sobre o mosquiteiro que ele puxa va de dentro da mochila.

— Mas é o que a espera qua ndo voltar? Uma união convenien te com um
jovem que lhe garan tirá o conforto material e o futuro, não é mesmo?

— Por que você insiste nisso?

— Não vejo outra alternativa para você. Agora deve estar imagina ndo
que dividirá a mant a e o mosquiteiro comigo. Não é verdade?

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Acho q ue é a única conclusão possível — admi tiu ela, e enru besceu


ao se ver deitada mui to próxima dele. Isso nunca lhe acontecera antes, e
mui to menos com um estranho.

_— E com sua imagi nação, Eve, você foi um tanto lon ge demais e se
fixou na ideia de q ue o soldado bru to e cruel estava ansioso para chegar o
momento em que tocaria seu corpo casto e jovem. Isso poderia acontecer,
como poderiam acontecer outras ta ntas coisas antes que chegássemos a
Tanga . Mas você terá a oport unida de de escolher, assim como o fez ao dizer
ao piloto que se arriscaria a fazer o caminho a pé, saben do que eu não era
nenhum jovem aristocrata ...

— Eu ti nha consciência dos riscos que correria — ela respon deu,


respirando com dificulda de. — Era mais importan te que as missionárias
chegassem a seu destino em segura nça. Juro que pensei assim mesmo! Não
sou egoísta !

— Não precisa se justificar ou se defender para mim! Conheço mais os


homens do q ue você. Quando um homem ama, sua cabeça se esvazia de
todo o resto e ele se torna fraco e vul nerável. Como posso me entregar a
esse estado q uan do corremos o risco de estarmos sendo espreitados por
leopar dos ou rebeldes? Estou sendo claro?

— Cristalino.

— Muito bom. — Ele abriu a palma da mão. — Agora tome este


comprimido. Confie em mim, não tenha medo. Tome-o.

Eve pegou-o e levou-o à boca.

— Posso dormir sem ele.

— Engula — ordenou. — Quero você forte e bem disposta amanhã cedo.


É um relaxa nte eficaz. A dor do tornozelo vai desap arecer. Se não tivesse
de estar atento o tempo todo eu também tomaria um. Quer um pouco
d'á gua ?

— Por favor!

Ele lhe passou uma caneca com água. Eve, sem dizer na da, engoliu o
comprimido. Sim, ela tinh a de confiar nele. Quem mais cuidaria dela
na quele momento? Percorreu ainda um a vez com os olhos a floresta escura
a sua volta e de onde vinha m aq ueles ruídos misteriosos. Um arrepio
percorreu seu corpo todo.

Wade passou-lhe o mosquiteiro e disse-lhe q ue se envolvesse


completamente.

— Isso mesmo, como uma noiva orien tal, cobrindo-se da cabeça aos
pés. Vamos, faça o que estou dizendo. Vai conseg uir respirar direito e
nenhum bicho vai tocá-la.

— Tinha de ser tão explícito assim? Você vai se cobrir com quê? Ou não
tem medo dos bichinhos?

— Ah, eu posso enrolar isso na cabeça, vai ficar parecendo o gorro de


dormir de meu avô. — Mostrou-lhe então o lenço de seda.

— Foi pra isso que você o pegou?

— Lógico! Ou achou que ia usá-lo numa noite de gala?

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Não consigo imaginar você tomando um coq uetel num clube e


conversando sobre sua última partida de tênis. Acharia você tão maçan te!

— E o que acha q ue faço em meus momentos de lazer? — Ele se


agacho u e começou a ab afar o fogo com um galho de folhas secas que tinha
trazido da clareira.

— Anda mui to a cavalo e gosta de jogar tênis.

— De onde tirou essa ideia? Sabe, Eve, não estou caduco ain da, mas já
tenho 39 anos. Não lhe pareço velho?

— Não...

— Ora, não me venha com essa. Tenho um filho q uase de sua ida de e
se não tenho barriga é porq ue sou soldado. Claro, sou chamado de
mercenário. Mas a maioria dos mercenários são ex-soldados e têm um jeito
duro de ser. Por uma razão ou outra a gen te acaba se encon trando na selva,
luta ndo. Ou então no deserto. Não é pelo di nheiro que a gente gan ha, não.
Mas quando se passou a vida toda lutan do como soldado, é mais fácil
atender a u m chamado para entrar em ação do que ba ter ponto numa
fábrica. Três anos atrás estive em Belfast. Certa noite, q uatro de nós
ficamos feridos. Quan do saí do hospi tal me mandaram embora do exército.
Tentei trabal har como civil, mas não deu certo. E agora estou aq ui na selva,
com você. Não acha minha vida muito engraçada ?

Ela ficou quieta, imagi nando a reação de sua esposa ao vê-lo tirar o
traje civil e colocar de novo o uniforme. Nem mesmo o conforto do lar o
detinha.

— Mas você gosta disso t udo, não gosta ?

Wade sacudiu os ombros, nu m sinal de indiferença, e observou o modo


com que ela se enrolou no mosquiteiro.

— Você parece u ma criança que se enrolou na cortina da mamãe. Olhe,


quero que cubra a cabeça, o pescoço, o rosto e os braços, senão vai acordar
toda inchada. Sem falar na possibilidade de pegar malária!

Eve permaneceu quieta e permiti u q ue ele ajeitasse o tecido, até ficar


parecida com uma noiva persa. Deu um risinho, procuran do ignorar a mão
dura e po derosa de Wade.

— Que aconteceu de tão engraçado? Tem cócegas?

— Sinto-me uma noviça prestes a fazer votos — respondeu, preferindo


não dizer que se sentia uma noiva de verdade.

— Votos de castida de? Você não leva jeito para isso.

— Como pode ter ta nta certeza? Faz u m dia q ue me conhece, mas fala
de mim como se me con hecesse há muito tempo, como se fôssemos...
velhos amigos.

— Velhos amigos... uma expressão basta nte neutra, não concorda? —


perguntou, aj ustan do o tecido no pescoço de Eve. — Quem admitisse se
dizer seu amigo, seria um estúpi do.

— Obriga da!

— Estou lhe fazendo um elogio! — Os olhares deles se cruzaram. Eve


notou o quan to ele era alto e esguio. Pela primeira vez, pareceu-lhe um
homem seguro, que conhecera o mun do enfren tan do toda sorte de perigo.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Respeito as irmãs e ad miro a coragem e á dedicação delas. Mas


agra deça a Deus por não ter a mesma vocação. Vai sentir a vida mais...
saborosa.

Com James? A imagem de James surgiu de repente entre ela e Wade.

— Muito bem, já está tal qual uma múmia. Não apertei muito no
pescoço, não é? O pescoço é a parte q ue eles mais gostam ... — Ele desviou
a atenção de Eve para o bolso da calça, de onde tirou um cordão q ue cortou
em dois. — Vou amarrar as barras da calça. As cobras sempre têm a ideia
de se acomodar dentro delas.

— Como pode ser tão cauteloso assim?

— As cobras são espertas, sabia disso? Gostam de se aquecer junto à


pele das pessoas. Se perceber alguma coisa se agasalhan do em você...

— Devo concluir q ue se trata de um a cobra?

— Que mais poderia ser? — En qua nto Wade amarrava as barras da


calça, Eve observou q ue um sorriso escapa va dos lábios dele. Ah, sim, ele
cuidaria dela com carinho até chegarem a Tanga , mas não desistiria de
provocá-la, pois isso lhe dava prazer! Era uma experiência nova para ele, e

Eve sabia que Wade não tinha nen hum sentimento paternalista para
com ela. Suas brincadeiras eram maliciosas demais para isso. Por outro
lado, não era o tipo de homem q ue desem penhasse o papel de pai com
frequência, nem mesmo com seu filho.

— Pronto, está protegida de q ualquer invasor...

— Inclusive você?

— Você contin ua curiosa a respeito de meu talento amoroso! — Ergueu


as sobra ncelhas e olhou- a com ironia. — Você é jovem e está, no momento,
indefesa. Agradeça aos céus pela minha capacidade de compreensão. Dê-se
por feliz por eu não enten der suas provocações como um convite!

Eve mordeu os lábios, pergu ntan do-se por que ele a provocava tão
profundamen te, a ponto de despertar seus instintos. Seria a vida excitante
da selva? Ele parecia pertencer às forças da na tureza, tão perigosamente
primitivas.

O uniforme q ue usava e a disciplina do corpo e da men te deixava m bem


claro para o q ue estava treina do. Sua função era dominar o inimigo
silencioso e matar do modo mais selvagem possível. Era terrível contemplá-
lo, e ao mesmo tempo irresistivelmen te excitan te.

Mas ao perceber sua excitação, Eve senti u medo dele... e dela mesma.

— Pronta para dormir? — pergu ntou. —Temos que levantar cedo.


Pretendo chegar a Tang a aman hã mesmo.

Ela concordou com um sinal de cabeça e tento u disfarçar sua tristeza.


Eles se despediriam em Tanga ... ela voltaria de avião para a Inglaterra e ele
se j untaria a seu gru po em alg uma par te daquele país. Na Inglaterra,
ouviria de novo os arg umentos do seu tutor para que se casasse com James,
e que com ele constituísse um lar. Esta va destina da a viver um a vida
monótona e previsível. Ning uém se importava q ue não gostasse de James.
Ele era de boa família, e extremamen te bem-educa do. Como lhe disse o
tutor, devia se sentir uma mulher feliz e realiza da. Enfim uma mulher de
sorte.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Mas que tipo de sorte? Eve semicerrou os olhos esperan do q ue seus


pensamentos tomassem outro rumo. Abriu-os e viu que Wade ajeitava a
manta do lado da fog ueira já quase apaga da.

Onde q uer que fosse e sentisse o cheiro de folhas secas e de madeira


ardendo, ela se lembraria dessa viagem na comp anhia de Wade, que agora
fazia da mochila seu travesseiro.

— Fique próxima do fogo — disse ele. — Assim não sentirá frio.

Ela hesitou por um momento. Wade levanto u as sobrancelhas e esperou


até que ela se decidisse a cumprir sua ordem. Aproximou-se e esten deu o
roupão sobre suas pernas.

— Está confortá vel?

— Estou, sim. Obrigada .

— Ótimo! — Por alg uns instan tes, ele olhou ao redor, atento a toda
espécie de bar ulho que lhe chegava aos ouvidos. Não ha via nada de
estranho. Ela ouviu então um ruído e percebeu que ele tin ha sacado o facão
da bainha para colocá-lo a seu lado. Em seguida, Wade deitou-se próximo a
ela. Entre os dois estava o rifle que, ela pensou , serviria para ele defendê-
la, como um príncipe defen de a princesa com sua espad a.

Ele se espreguiçou e afinal descansou a cabeça sobre a mochila. Eve,


ao vê-lo com o lenço enrolado no pescoço e cobrin do o rosto, não conseguiu
conter o riso.

— Durma! — ordenou Wade. — Dê um descanso a sua imagi nação!

— Acho q ue nossas fig uras devem estar muito esquisitas!

— Ning uém está aqui para olhar, a não ser os macacos! Eles não
poderão dizer com que parecemos. Só espero que seu homenzin ho não
pense bobagens por você ter dormido com um bru tamon tes como eu! Ele é
um sujeito sensato?

Eve tinha quase certeza de que James sentiria sua honra manchada ao
saber que havia dormido ao lado de um mercenário. Pensaria coisas
absur das. M as na verdade isso não tinha a menor importância. Afinal, nunca
tinha pretendi do se casar com ele... E agora, mais do q ue nu nca, a ideia era
ina dmissível.

— Não se preocu pe com isso. — Desta vez o major não tevê tempo de
ler os pensamentos dela, com certeza porq ue se deitou da ndo-lhe as costas.

— Assim que você voltar para lá, t udo isso parecerá um sonho. Invente
uma história. Ele vai engolir com a maior facilida de. Bom, boa noite.

— Boa noite.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO IV

Eve acordou e olhou ao redor sem reconhecer onde estavam. O fogo se


apa gara, pois não havia mais fumaça. Moveu a cabeça devagar e espa ntou o
mosquito prestes a picá-la. O major dormia a sono solto, o cabelo negro
desgrenha do, a pele do rosto escura com a bar ba crescida. Eve concluiu que
ele tinha ficado acordado grande parte da noite e por isso, ao ver o dia
clarear, decidiu dormir um pouco.

Preferiu não acordá-lo. Leva ntou-se com cautela e livrou-se do


mosquiteiro. Remexeu então as coisas que haviam tirado da mala circular
que o piloto tin ha deixado. Apa nhou o sabonete, a esponja e a toalha.
Depois de se certificar de q ue o major conti nuava dormin do, seguiu a trilha
que levava ao riacho. A única coisa que queria àq uela hora da man hã era
tomar um ban ho e sentir-se limpa e fresca.

A situação lembrava os tempos de escola, quan do cab ulava as aulas.


Achou engraçado lembrar-se disso na quele momento e pensou em agir com
rapidez, para voltar ao acam pamento an tes de Wade acordar é começar a
dar explicações sobre as razões por q ue não permitiria que fosse ao riacho.

Aspirou o ar fresco e deliciou-se com a q uietude sonolen ta da ma nhã.

Em breve, com a chega da do sol, t udo isso desapareceria. Ouviu


zumbidos e de vez em q uan do o can to de um pássaro. Admirou encanta da as
camadas de musgo presas aos troncos das árvores e as enormes
samambaias renda das. Gotas de orvalho equilibravam-se nas teias de
aranha, brilha ndo como se fossem diama ntes.

Eve procurou evitar pensamentos desagra dáveis. Poucos instantes


depois alcançou o riacho. Uma névoa pairava sobre as águas. Lotus floridos
bordejavam as margens; as pétalas ainda estavam fechadas à espera da
visita do sol.

Eve pen durou a toalha no ramo baixo de um a árvore frondosa, cujas


raízes descobertas chegavam até o riacho. Tirou a roupa e com cuida do
dependurou-a num outro ramo. Segurando o sabonete e a espon ja, deixou-
se envolver pela água refrescante. O leito barrento, porém, começou a
desprender um cheiro desagrad ável, que Eve ignorou na ânsia de se banhar.
Macacos faziam algazarra em meio à vegetação densa, e aq ui e ali podiam
ser vistos saltita ndo de um galho para outro.

Ao terminar o ban ho, Eve sentiu-se rejuvenescida e limpa, apesar da


cor escura da águ a. Restav a vestir-se e voltar ao acampa mento.

De repente, estremeceu ao ouvir o movimen to das folha gens próximas


do local onde tin ha deixa do as roupas. Um vulto surgi u, esticou um braço e
levou as rou pas, desaparecendo em seg uida.

Para seu desespero, Eve imagi nou que alg um macaco tinha resolvido
brincar com ela. O que faria agora, n ua como estava? A não ser q ue, como
Eva , usasse uma folha grande para cobrir-se!

A cada segu ndo, a selva readq uiriu os ruídos estranhos do dia an terior.

E Wade O'Mara? Já estava de pé, com certeza, e furioso por ter-se


afastado dele!

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Sim, Wade estava furioso!

Constatou isso logo q ue ele surgi u por entre as árvores.

— Sua tola! Saia daí imediatamente ou irei b uscá-la — gritou. Ela não
se moveu. A voz ecoou ain da mais forte.

— Endoideceu? Não percebeu que o riacho está cheio de carang uejos? E


que, agora que o sol saiu, vão aparecer aos ba ndos?

Só então ela notou q ue a terra do leito e das margens começava a se


movimentar!

— Não posso, estou nua !

— Que tem isso? Estou cansado de ver mul heres n uas! Não esqueça que
tenho idade para ser seu pai! Vamos, saia daí antes que os carang uejos a
ata quem.

— Minhas roup as! Um macaco as levou!

— Ah, esses macacos moleq ues! — exclamou rindo, enquan to tirava a


camisa e expu nha o tronco bronzeado e vigoroso. Dirigi u-se a ela e
estendeu-lhe a camisa, para que pu desse se envolver nela.

— Saia, sua tola! — ordenou .

Eve não viu outra alterna tiva senão obedecê-lo. E nvergonha da, saiu
apressadamente. Wade suspendeu-a nos braços, enqu anto os caran guejos
dav am ferroadas em suas botas. Em seguida , voltaram para o
acampamen to. Eve apoiava-se nos ombros doura dos de Wade e sentia-se
mais fraca e v ulnerável do q ue n unca em seus braços. Afinal estava
completamente nu a!

— Sua tola! — repeti u.

— Sempre gentil comigo!

— Você merece uma surra. Devia tê-la deixado lá. Sairia brilhando de
limpeza, mas toda mordida. Seria um prato delicioso para os carang uejos!

— Nem me passou pela cabeça que um macaco p udesse levar as roupas


embora. O que faço agora?

— Atravesse a selva enrolada na manta . A menos q ue a gente encontre


a calça e a camisa. Você é mui to afoita, menina. Não lhe disse ontem à
noite para não se aproximar do riacho? Mas tinha de se lavar, tin ha de
cheirar a lírio! Como se isso me importasse!

— Mas importa a mim! — replicou Eve. — Não sou um dos seus


soldados!

— Não é mesmo! — exclamou. Em segui da, percorreu seu corpo com os


olhos, fazendo com que Eve se sentisse indefesa em seus braços.

— Parecemos o in trépi do cavaleiro e a virgem resgatada , não concorda ?


— brincou Wade. — Senhorita, compreen da q ue tomar ban ho num riacho no
meio da selva não é o mesmo que na dar na piscina de sua casa. De agora
em diante vai fazer exatamente o que eu man dar. Está me enten dendo?

— Você fala comigo como se estivesse num campo de treinamento


militar. Aposto que seus homens o adoram!

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Adoram? — Soltou uma gargalha da tão estridente e repentina que


acabou espanta ndo dois pássaros. — Saiba que a luta desumana pela
sobrevivência abole todo ti po de sentimento. Os seres huma nos, se é que se
pode chamá-los assim, devoram-se uns aos outros.

Afinal chegaram ao acampa mento.

— De vez em quan do a gente vê um canário voando pelas regiões


perigosas — contin uou.

— Como na história da Bela e a Fera? — pergu ntou E ve.

— Exa tamente. — E a colocou sent ada sobre a man ta caq ui. — São as
coisas da vida.

Eve afastou o cabelo que cobria seu rosto e olhou para ele de relance.
Wade examinava com atenção seus cabelos úmidos e seus lábios trêmulos.

— Sei muito bem q ue não devo tratá-la como um recru ta, mas terá que
passar o repelen te desde a orelha até os dedos dos pés. E sem demora.
E nquanto isso, acendo o fogo e preparo um café com ling uiça.

— Linguiça?

— Sim, encontrei um a lata no ban galô. Faremos uma ótima refeição


antes de partirmos.

— E minhas roup as, major?

Quando seus olhos percorreram novamente seu corpo, detendo-se em


suas pernas, Eve enrubesceu e mordeu os lábios. Ele sorriu.

— Minha camisa lhe caiu m uito bem, senhorita. Mas será que vai
conseguir an dar por algumas horas desse jeito, com os bamb us e os bichos
pela frente? Depois do café vou procurar suas roupas... Por causa de sua
irresponsabilida de, vamos perder pelo menos uma hora.

— Peço-lhe q ue me desculpe.

— Está descul pada. As mulheres apressadas são capazes de an dar, por


onde os anjos não vão, mas depois ficam tristes e arrependi das. Já pensou o
que significa sair atrás de um bicho que faz de você um bobo?

— Você prometeu...

— Que teria feito se descobrisse q ue não foi um macaco?

— Eu teria gritado — respondeu Eve, sacu dindo os ombros.

— Na esperança de q ue eu a escutasse, n uma floresta cheia de animais


à cata de alimen to logo ao amanhecer. Bem, passe o repelente e vista o
roupão antes q ue eu tenha outras ideias...

— A esta hora da ma nhã?

Não esperou pela resposta. Procurou o roupão. O sol começava a


esquentar e queimava sua pele. Depois de vesti-lo, ouviu uma gar galhada .

— O q ue é que a hora tem a ver com isso? — pergu ntou Wade,


enquanto procurava madeira seca.

Depois de acender o fogo e de colocar a chaleira sobre as pedras, ele


abriu a lata de linguiça.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Oba! — exclamou, despeja ndo metade do conteúdo no prato de Eve.

— Assim frio?

— Frio, sim. Não tem panela pra esquentar.

— Não pode pôr a lata no fogo? — pergu ntou ela. — Seria tão bom se
estivesse quente!

— Não faz mal que fiq ue com gosto de fumaça?

— Um pouco de fum aça não faz mal a nin guém.

— Humm ! Não está se comportan do como a orquí dea q ue eu achei que


fosse! — Recolocou a tam pa na lata, fez alguns furos nela com o abridor e
equilibrou-a no fogo. Após examinar Eve detidamen te, acrescentou: — Está
parecendo uma criancinha desprotegid a!

— Acredito que sim! — concordou. Mas por dentro não se via assim.
Ainda usava a camisa de Wade sob o rou pão, enqua nto ele, de peito nu,
fazia o café na chaleira. Notou uma cicatriz embaixo do coração. Quis
perguntar-lhe como o acidente tinha ocorrido, mas logo ded uziu q ue teria
alguma relação com a época em que foi dispensado do exército.

Wade percebeu que Eve olhava fixamen te seu peito.

— Um pedaço de metal. Uma bom ba. Ela se alojou em mim e destruiu


minha beleza. De onde você está pode ver perfeitamente, não é? Mas a
cicatriz que tenho na coxa esquerda não dá pra ver.

— Mesmo assim não desiste de ser soldado e de con tinuar lon ge de casa
— disse ela ao mesmo tempo que visualizava o fragmento penetrando no
corpo de Wade. Ele era d urão, mas feito de carne e osso. Não compreendia
por que sua mulher nu nca insistiu para que ele deixasse de lado o uniforme.
Algum dia...

— Sim, um dia — começou Wade, lendo seus pensamentos — a minha


sorte vai acabar, mas todos nós teremos de partir um dia... Não consigo me
imagi nar velho, inútil e dependente dos outros. Sempre cuidei de mim e ser
soldado se transformou num modo de vida. E u sou assim. E, como o
leopar do, não sei mu dar, não sei viver fora da qui.

— E sua mulher nisso tudo? — Assustou-se ao falar de ma neira tão


fácil, quase ao acaso. — Não é vida para ela, não acha?

— Nunca foi — concordou. — Aceita um café?

— Aceito sim, obriga da.

— Basta nte açúcar?

— Sim.

Depois de mexer o café, passou a caneca para Eve.

— Sabe, não havia nen huma outra razão para não deixar você entrar
na quela água. Não sou desmancha-prazeres e até aprecio as moças que
gostam de limpeza. Mas era possível que ap arecesse um leopardo, você
poderia não vê-lo. Essas criaturas são tão flexíveis q ue se esticam e se
achata m no chão, tornan do-se praticamente invisíveis entre as folhagens.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Para você os perigos sempre estão perto de mim, não é, major? —


Ela bebeu o café e olhou- o desafiadoramente. — Acha que temos boas
chances de chegarmos a Tanga ?

— Se obedecer às min has ordens e não agir como se estivesse num


zoológico, as chances são muitas.

Eve sorriu ao passar-lhe a caneca de café.

— Eu a assusto? — perg un tou ele, toman do um gole de café. — Você


disse que sabia o q ue ia encontrar pelo caminho. Sabe que eu teria
arruma do um lug ar no avião, não sabe? Tudo o que teria a fazer era
arrancar aquele sujeitinho metido lá de dentro.

— Teria preferido sua compa nhia à minha, major?

— Bom, pelo menos ele não fugiria de mim para tomar ban ho, nem
perderia a rou pa no caminho.

— Não seja maldoso! — E voltou- se para olhar o fogo. — Posso servir a


linguiça com feijão?

— Não, é trabal ho meu. Você vai queimar os dedos delicados e


derramar tu do no fogo.

— Você sempre tem de ser o comanda nte. Não se cansa disso?

— Tenho de ser prá tico. Mas tem mais. Nosso man timento é escasso. —
E nquanto falava, com a aju da do facão colocou a lata dento do prato de
ága ta. Mais um a vez Eve teve de ad mitir que suas mãos grosseiras eram
basta nte há beis.

Comeram rapidamen te a lin guiça com gosto de fum aça e assim que
terminaram, Eve disse:

— Vou arrumar as coisas. — Estava ansiosa para q ue ele procurasse


suas roupas.

— Muito bem. — Wade levanto u-se e espreg uiçou-se. — Deixe o fogo


para mim. Quando voltar cuido dele. O macaco tirou as rou pas do ramo, não
é?

— Exa to. Perto de onde os caran guejos apareceram. Ele se escondeu


entre os arb ustos.

— Faça figa para q ue dê certo.

Ele sumiu por entre a vegetação e Eve começou a pôr as coisas em


ordem, limpan do os pratos com chumaços de gram a. Sacudiu a manta e
depois a dobrou. O tempo todo ficou aten ta aos ruídos da selva,
inspeciona ndo com atenção os troncos e arbustos, para não ser atacada
traiçoeiramente por algum animal.

Ficou tensa ao ouvir um farfalhar de folhas. Era apenas um pássaro


que, deixan do o ramo em que estava pousado, iniciava seu voo. Suas penas
refletiam a luz do sol q ue, agora chama pura, dourava a copa das árvores
gigantescas.

Wade, ao aproximar-se da clareira, chamou por ela para q ue não se


assustasse com seus passos. A presença dele aliviou-a. Com um ar gozador,
Wade estendeu as roupas para que as inspecionasse. Tanto a camisa qua nto
a calça estavam rasga das.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Não encon trei a roupa íntima — disse ele. — Espero q ue não esteja
por aí, em alg um arbusto. Seria a mais clara evidência de q ue uma mul her
passou por aq ui.

— Felizmente ten ho outra q ue apanhei da mala. — Ergueu a camisa e


examinou-a. — Meu Deus, que desastre!

— Imagino q ue uns dois macacos se ocu param das roupas e depois


desistiram. Não dá pra fazer na da com elas, e nem temos tempo para isso.
Vai ter que dar um jeitin ho.

Ele deu uma risada ao tocar nos fun dilhos da calça e perceber que
havia um rasgo.

— Vamos ju ntar com um alfinete essas partes rasgadas de min ha calça.


— Eva observou ele abrir sua bolsa impermeável, onde g uardava algodão,
agulhas, comprimidos, fósforos, um par de velas, uma latinha de germicida
e vários alfinetes de segurança presos nu m cordão.

— Eu fazia par te do serviço de pronto-socorro, mas não de u ma ordem


religiosa — disse ele em tom de brincadeira, enqua nto passava a Eve três
alfinetes. — Trabalha va tan to que nem sobrava tempo pra ir a um cinema.

— Ainda bem que o senhor é precavido, major — exclamou Eve, que


tento u arrumar a calça da melhor ma neira possível.

— Claro.

— E foi de fato bem treinado no Exército.

— Não du vide disso — respon deu Wade, acariciando o rifle, como se


acariciasse o corpo de uma mul her. — Essa arma não é do Exército.
E ncontrei-a há alguns meses atrás, aba ndona da nu ma plan tação. Deviam
usá-la para caça. Essa belezinha aq ui é capaz de derru bar um leão. Um
elefante, até.

— Vou me vestir — disse ela. — Importa-se de olhar para o outro lado?

— Faço q ualq uer coisa para agrad ar a uma mulher. — E deu meia-volta
como se estivesse numa parada, mas antes fez questão de observar os
movimentos dos lábios de Eve, q ue reconheceu ser absurdo tan to pudor
para vestir a calça, q uan do ele já a tinha visto completamente nua. Wade
começou então a cantarolar.

— Chegaremos a Tan ga hoje mesmo? — pergu ntou Eve, ao terminar de


vestir a camisa. Ele se voltou para ela.

— Se tu do correr bem. — E bateu com a mão na coron ha do rifle.

— É supersticioso?

— Os solda dos são supersticiosos, senhorita. Nunca foi carregada nos


braços de um soldado auda z? Pensei que isso fizesse parte de uma festa de
debutante.

— Sempre preferi marinheiros — retrucou. — Meu pai era marinheiro.

— Nada mais, nada menos que um coman dan te?

— Não, ele tin ha um iate e costuma va levar turistas das Bahamas. Um


deles bebeu demais e caiu no mar. Meu pai tentou salvá-lo e foi morto por
um bicudo.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Muita falta de sorte. — Wade olho u-a de modo inesperadamente


simpático. — Sua mãe vive?

Eve fez q ue sim com a cabeça.

— Ela se casou com o dono de uma fábrica de tecidos no Peru. Eles têm
filhos. Eu fui educada pelo meu padrin ho de batismo. Devo m uito a ele, não
posso negar.

— Mas então sua vida não foi só sombra e água fresca!

— E será algu ma vez? É preciso ser um român tico otimista para se


acredi tar que a vida possa ser como a gen te vê nos filmes, ou então
na queles livros de histórias q ue você diz q ue eu leio na cama. Na verdade,
eu prefiro Agat ha C hristie.

— Você não deve ter visto os filmes de Hum phrey Bogart . Mas conhece
James Bond, não conhece?

Eve bala nçou a cabeça e ao mesmo tempo deixou-se atrair pelo brilho
dos olhos de Wade...

— Vou acabar acreditan do que Hum phrey Bogart é o melhor ator do


mundo.

— Até hoje não se fez um filme como Uma Aventura na África!

— Pelo menos tem algo em comum conosco.

— Mas espero que a gente não tope com nenh um inimigo até chegarmos
a Tanga .

— Não há hotel q ue nos aceite nesse estado. Acha que temos cara de
grã-finos?

Eve devolveu-lhe a camisa. Ele deixou-a pra ticamen te aberta,


abotoa ndo-a apenas à altura do pescoço.

— Quero ver se os mosquitos vão perceber que não estou


completamente protegido!

— Por que não passa um pouco de repelente no pescoço e no rosto?

— Porque está no fim e você precisa mais do que eu. — Ele aproximou-
se dela e examinou os rasgos da camisa. — Os braços estão bem u ntados?
Eles adoram sangue novo!

Eve fez q ue sim com a cabeça e concentrou a atenção nos dedos de


Wade que pressionava m seu braço através do rasgão. Por alguns insta ntes
permaneceram assim, imóveis, olhos nos olhos, sin tonizados.

— Você deve ficar irresistível n uma roupa de tênis, com uma daquelas
faixas prenden do os cabelos...

Eve não disse nada. Sentia-o tão perto dela q ue o coração começou a
ba ter acelerado.

— Depois de terminar sua parti da, você deve pôr um vesti do elega nte
para jantar, com uma pele de raposa acarician do seu pescoço e realçando
seu rosto. Mas está longe disso, não? Seu compan heiro não é mais o rapa-
zote de barba feita, de pele macia, mas um solda do maduro, treina do para
viver apenas com a aj uda de u m rifle e de um facão.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Mas nenh um rapazote de pele macia conseguiria me levar até Tanga


— contestou Eve fragilmente. — Acho que está na hora de partirmos, não
acha?

— Acho sim... — Wade soltou o braço de E ve. Mas onde seus dedos a
tocaram ficou uma energia vibrante que dali se irradiou por todo seu corpo.
Nada disso aconteceu qua ndo James a tocou pela primeira vez. Até então
Eve ainda não tomara consciência do que fosse um homem. Era uma pena
que chegassem a Tanga ain da na quele dia. Wade inspirava medo, mas o
perigo não estava no fato de ser mercenário e rude, mas em tê-la feito
sentir-se verdadeiramente mulher. Isso a alarmava . Havia a esposa dele e
Eve não queria complicar ainda mais as coisas.

Lembrou-se então do q ue acontecera a uma amiga sua. Apaixonou-se


por um homem casado, de cinq uenta anos. Qua ndo a esposa descobriu o
romance, ten tou o suicídio. A amiga precisou desistir dele, e por muito
tempo perdeu a alegria de viver, por se sentir usa da.

Eve não queria cometer o mesmo engano. Seria melhor casar-se com
James do que se envolver com um homem q ue jamais seria apen as seu. Com
o casamento faria pelo menos a vont ade do tu tor. Viu-se então convencendo
James de que o major mercenário tinh a sido um cavalheiro perfeito...

— Que sorriso é esse, Eve?

Ela o encarou com sentimen to de culpa e só então percebeu q ue ele


vasculhava o bolso da calça. Bateu em cada bolso, preocupa do, depois
puxou o forro para fora, quan do então caiu u m p un hado de objetos curiosos,
entre eles uma medal ha de ouro e uma fita encardi da. Recolocou-os no
bolso e olhou para o chão.

— Que perdeu? — perg un tou Eve, nota ndo que, por alg um motivo,
estava ficando nervoso.

— Não encon tro a bússola — respo ndeu grave.

— Quer dizer que a perdeu?

— Droga ! Devo tê-la perdido ao procurar suas roupas. Como vou saber
onde caiu? Sabe moça, acabei de fazer o que nenhum recru ta deveria fazer
a não ser que quisesse ter a líng ua corta da!

— E você precisa dela para podermos seguir viagem? Quer dizer que
sem ela nós nos perderemos?

Ele comprimiu os maxilares com firmeza e coçou nervosamente a barba.

— Esqueci de me certificar de que estava com a b ússola no bolso. Que


maçada. .. ela está por aí, no meio do mato. Ima gine o tempo q ue vamos
gastar para encon trá-la! Só nos resta ava nçar e pedir a Deus que nos guie.

— Não vale a pena procurá-la?

— Wade olhou o relógio. — Não, não. Cad a min uto desperdiçado


significa nos expormos a mais perigos.

Ela contemplou seu corpo forte. Não havia o menor sinal de medo em
seu rosto. Era a tranq uilidade em pessoa. Dava-lhe coragem, Eve teve a
certeza de q ue toda vez que ele arriscou sua tropa numa empreitada
conseguiu superar as dificul dades.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Muito bem. Não importa o risco, vamos em frente — propôs Eve. —


Passeou os olhos ao redor e senti u a garga nta seca. Fazia um calor
realmente insuportá vel. De repen te aq uele lu gar lhe pareceu ameaçador e
desejou partir imediatamente.

— Você sabe das coisas aqui mais do que eu. De qual quer modo,
ficarmos parados me parece tam bém perigoso.

— Eve, qual quer decisão é arriscada nesse momento. Vou dizer a


verdade: nós podemos nos perder.

Seus olhos escuros pareciam calmos, apesar de sua expressão dura


como aço.

— Confiei em você desde o princípio, não foi?

— Muito bem, senhorita. Mas não vá chorar se nos perdermos. E xiste a


possibilidade de nu nca chegarmos ao aeroporto de Tanga .

Em segui da, derru bou com o pé o fogão improvisado, espalhou as


pedras e varreu o chão com um ramo de folhas secas.

— E isso aí — resmun gou. — A frase perfeita para a sit uação, não acha?

— O que será, será — disse ela confiante.

— Se nos perdermos, repito, a norma será a seguin te: ficar calma. Acha
que vai conseguir?

— Assim espero. — Sorriu, apesar do sentimento de culpa pela perda da


bússola. Aos poucos, o sorriso foi desaparecen do e ela disse:

— Desculpe, major!

— A culpa é perda de tempo. Não acha que já perdemos demais? Está


tudo pronto? As sandálias estão confortáveis? E o tornozelo, está doendo
ainda?

— Estou bem, estou bem. Major, tive uma ideia. Podemos ir procura ndo
a bússola pelo camin ho até chegarmos ao riacho.

— Podemos, sim... Faça figa !

Eve faria figa com os dedos dos pés se pu desse! Mas, para tristeza
dela, a bússola não foi encontra da. Além do mais, era difícil locomover-se
na quele lugar, cheio de insetos e caranguejos, que Wade atirava para longe
aos chutes. Finalmente ele sacudiu os ombros num sinal de desistência.

— Não é mais possível perdermos tempo. Vamos embora. Apanho u a


bengala de bam bu?

— Sim.

Começaram a percorrer a trilha q ue Wade ia abrindo com seu facão. A


imagi nação de E ve visualizava a cena do desmatamento de -outro modo,
isto é, substi tuin do as folhas e os espinhos por seres huma nos. Isso lhe
dav a a medida da força de Wade e do poder da lâmina do seu facão.

Era como se caminhassem nu ma paisagem irreal, mas monótona . Tudo


se parecia com tu do... as mesmas plantas, cipós e trepadeiras, as mesmas
samambaias, os mesmos ramos de árvores, semelhan tes a chicotes
gigantescos. Os odores porém variavam. Mesclava-se o perfume das

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

orquídeas, com o da terra, predomina ndo às vezes o da vegetação


apodrecida.

O suor começou a escorrer pelas costas de Eve, pelas pernas e entre os


seios. Insetos sem fim voavam ao redor deles e tornavam-se mais visíveis
quando entravam n um faixo de luz. Eve con tinuav a, obediente e corajosa,
piscando a cada gota de suor que resvalava pelos cílios. Os olhos ardiam,
mas estava disposta a enfren tar fosse o que fosse.

Afinal pararam para um descanso de cinco minutos. Wade ofereceu-lhe


um fruto do taman ho de um moran go, mole e insosso. De qualq uer forma
serviu para molhar a garga nta.

— Devíamos ter fervido um pouco da água daquele riacho. Mas não


adia ntava ! Nem mesmo a fervura mataria os germes. Você não está a fim de
pegar cólera, não é verdade?

— Oh, não!

— Podemos procurar cocos. Se estiverem verdes, teremos uma boa


reserva de líquido. Por isso, vamos ter que economizar o restinho que ficou
no cantil.

— Você estaria feliz se eu fosse um rapaz, não é? — perg unto u,


passando a lín gua sobre os lábios para remover os restos do fruto. — Não
teria com que se preocup ar! Concorda?

— E quem disse que estou preocupa do com você? — retrucou Wade com
ironia.

Eve desviou o olhar.

— Não acredito q ue seja tão d uro quan to demonstra — observou.

— Não brinq ue comigo, menin a. Quem entra para meu batal hão tem de
ser forte para po der sobreviver. E u seria duro com qualq uer pessoa que
estivesse comigo. Até mesmo uma raposinha cor-de-rosa.

— A ironia é para me estimular? — perg untou .

— O que é que você acha ?

Ela criou coragem e encarou-o. A expressão dele contin uava impassível,


embora seus olhos estivessem embaçados pelo suor e ela não pudesse vê-lo
com clareza.

— Tenho a impressão de que ning uém conseg uiu ler seus pensamentos
— provocou-o. — Aposto que joga pôquer muito bem!

— Dificilmen te perderia uma carta da. — respon deu. — Está disposta a


prosseguir viagem?

— Disposta, major. Pron ta para quan do quiser.

— Bravo! Bravo!

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO V

Entardecia qua ndo chegara m a um povoado aban donado, protegido por


cercas de madeira. A vegetação tinh a sido maltratada, como se uma enorme
quanti dade de pessoas a tivessem pisoteado.

Wade pediu a Eve para ficar de fora e, de arma em pun ho, entrou de
choupana em choupa na. Mui tas tin ham sido destruídas pelo fogo e
continuavam de pé apenas as vigas de sustentação.

No final da clareira, deparou com uma isolada das outras. As paredes


de barro e o telhado de sapé ainda resistiam . Wade retornou ao lu gar em
que havia deixado Eve e informou-a de que não havia perigo. Seus
ha bitantes deveriam ter fugido de um ataq ue repentino há cerca de um mês.

— Uma delas está em boas condições. Ficaremos lá. — Arregaçou a


manga da camisa e consultou o relógio. — Andamos bastan te. Daqui a pouco
vai anoitecer. E ve hesitou, pois estava com medo.

— Não estamos perdidos, estamos? — perg unto u cautelosa. Não queria


melindrá-lo, já que a culpa cabia inteiramen te a ela. — Não, não precisa me
dizer a verdade.

— Infelizmen te, estamos perdidos. As trilhas da selva são parecidas


umas com as outras. Impossível me localizar sem um mapa ou uma bússola,
mas tenho a impressão de q ue nos desviamos da rota algu ns quilômetros.
Na verda de, creio que voltamos para trás! Mas foi sorte encontrar o
povoado deserto. A gente nunca sabe se os habita ntes são simpatiza ntes da
revolução. Pelo que vejo, as pessoas da qui fugiram e foram perseg uidas
pela selva aden tro.

— Estarão mortos? — Eve olhou então a sua volta e notou que


começava a escurecer. O canto dos pássaros soava mais alto e os macacos
pareciam mais ruidosos em seus movimentos contín uos nas partes mais
altas das árvores. Um periquito trinou perto dela, deixando-a alarmada e
nervosa.

— Não, os rebeldes devem ter sido rechaçados pelos mercenários. Não


há sinal de chacina. É provável que os próprios moradores tenham ateado
fogo às casas e saído à procura de um local mais seguro. Mas de qual quer
maneira teremos a oport unida de de dormir debaixo de um teto esta noite.
Venha, Eve, vamos nos alojar.

— É isso aí — brincou ela um tanto apreensiva e acompan hou-o até a


choupana. Seus pés doíam. Seria tão bom se p udesse mergulhá-los numa
bacia de ág ua morna com sais! Mas, em vez disso, estava ali na porta
da quela choupa na fedoren ta, esperan do Wade vistoriar suas paredes curvas
com a tocha na mão. Fez u m enorme esforço para não gritar qua ndo um
inseto correu pelo chão e Wade o esmagou com a bota.

— Prefiro dormir ao ar livre — disse ela. — Esse lugar não é


convidativo !

— Eve, o problema é que vai chover. Já caíram alg uns pingos, você não
sentiu? Quando chove aqui, as coisas se complicam. Vamos ficar ensopados
em questão de segundos. Será melhor passarmos a noite aq ui dentro.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Desde que tenha mos luz .

Eve senti u-se mal ao entrar na choupa na. Seu nariz não suportava mais
o cheiro de fumaça, de barro úmido e de vegetação apodrecida. Wade
depositou a mochila no chão e examinou alguns objetos: lanças com pontas
envenenadas, uma cabaça com um líqui do dentro, um cesto de ba mbu para
pescaria e enormes pedras fazen do as vezes de um fogão. Wade fixou os
olhos no cesto, examinando-o com atenção.

— Há água corrente aq ui por perto — concluiu. — Se for verdade, Eve,


teremos peixe para o café da man hã.

— Será maravilhoso! — Ela animou-se mais com o fato de haver água


por perto do que com o alimento. Wade tirou a tampa da cabaça e a
cheirou.

— Licor de mel. Sobe demais à cabeça.

— Vai beber?

— Não com você comigo. Depois, não q uero ficar com ressaca. Eu gosto
mesmo é de uma boa cerveja gelada!

— Oh, ainda bem! — E ve ainda não tinh a se acost umado com a ideia de
passar a noite ali den tro, e nem queria pensar no que aconteceria com Wade
bêba do a seu lado!

— Não sou viciado em bebida ! — assegurou- lhe. — Meu vício é o


pôquer, de vez em q uando. Mas nada melhor do que passar o dia anda ndo a
cavalo. Sabe, nu nca vi muito sentido em me embriagar. Talvez pelo medo de
ficar barrigudo.

Ela sorriu e examinou-o da cabeça aos pés. Era um homem fascinante,


encanta dor! Sua força e seu vigor fariam com que ele sobrevivesse a toda e
qualquer espécie de perigo. Estav am perdi dos na selva, mas na quela noite
ele certamente faria o máximo para q ue aq uela casa frágil fosse como um
palacete. A aparência de Wade, por certo, não inspirava tranq uilidade, mas
aos olhos de E ve ele era um escu do q ue a mantin ha afastada dos riscos, que
se multiplicavam q uando a noite chegava. Era seguro demais e acabara de
dar prova disso, ao esvaziar a cabaça de bebida.

— Se de fato houver água corrente aqui por perto, encheremos a


cabaça.

— Sabe, major, mais do que nu nca estou certa de que nada o coloca
fora do sério.

— Está mesmo? — Os olhos dele po usaram sobre ela. — Ótimo, continue


pensando assim. Não gostaria de decepcioná-la.

— Não é honesto alimentar ilusões nos outros — respondeu E ve.

— Eis aí um pensamento interessante, embora muito cínico. Você leu


isso em algum livro?

— Não e não há nada de cínico em min has palavras. Só vejo bom senso.
Não posso acreditar q ue alimente ilusões nas mul heres!

— Ainda vai se surpreender comigo!

O corpo de Eve pareceu inflamar-se ao ouvir aquela frase inesperada. O


melhor que tin ha a fazer era interromper a conversa, mas não conseguia

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

lutar contra a curiosida de que ele ha via despertado nela... Existia u m outro
lado nele, que não tin ha na da a ver com o solda do.

— Você, major? Surpreender-me?

— Eu mesmo, garota. Não tente destruir minhas ilusões.

— Serão tão frágeis assim?

— São feitas de algod ão de vidro!

Ele abriu a mochila e tirou a bolsa em que guar dava os fósforos e as


velas. Acen deu u ma delas e suspen deu-a de um jeito que suas feições se
transformaram completamente. Eve sentiu que estava diante de um filho do
demônio! E foi pensan do assim q ue o encarou.

— Não creio que num a sit uação normal falaríamos assim um com o
outro. Exat amente nesse momento, você estaria comparecendo a um
encontro num restaura nte elegan te, muito bem vestida, ou então estaria
preocupada com o que usar. Em vez disso, você está aqui com essa
aparência de boneca cansada , à beira do esgotamen to total. Está aqui em
minha compa nhia, respon de a minhas provocações, quan do deveria me bater
na cara por ter perdido a bússola. Onde aprendeu a ser tão corajosa e
resistente?

— No último ano do colégio, n um curso especial... — respondeu Eve


com irreverência, mas tomada de emoção.

— E lhe conferiram a medalha de honra ao mérito, sem dúvi da. Mas na


verdade foi a herança que seu pai lhe deixou, não?

— Provavelmente, sim — concordou. — Assim como a que seu filho


herdará de você.

— Será que estamos sendo justos um com o outro? — pergun tou em


tom divertido. — Sabia que nesta choupa na funcionava o Tribu nal de
Justiça?

— Não acredito! — exclamou Eve e afastou-se dele.

— Calminha , sen horita — disse Wade, explodindo n uma gar galhada . —


Fico felicíssimo por você não ser uma da quelas mocinhas caladas, embora
engraçadi nhas!

— Pensei que os homens gostassem de mulheres caladas e sub missas!

— Ah, não, Eve. Isso é um mito! Os homens gostam de m ulheres de


bom senso. Foi por isso que Winston C hurchill ga nhou a II G uerra Mu ndial.
As mulheres aguen taram o tranco. Quan do os tetos de suas casas
ameaçavam cair, conti nuava m tricota ndo debaixo da mesa da cozin ha. As
pessoas humildes têm mui ta fibra!

— Você é de origem h umilde?

— Por parte de mãe. Ela vendia verduras nu m carrin ho de mão, perto


do mercado da Ch apei Street, em Islin gton. Era alta, morena, bast ante
enérgica, forte, e tin ha muitos amigos. Um dia casou-se com um irlandês
mau- caráter, mas atraente. Ele usou e abusou dela. Depois a ab ando nou
comigo na barriga. Ma mãe não reclamou e contin uou firme até que apanhou
um resfriado num inverno e n unca mais se recuperou. Eu tin ha nove anos de
ida de e me mandaram para um orfana to. Não preciso dizer que logo chegou
o dia de servir o Exército. Isso é tu do o q ue sei.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— O que me diz da... digo. você é casado... — Cada vez q ue Eve se


referia à esposa de Wade acab ava por tropeçar nas palavras.

— Quase todos os solda dos são casados. Eles nu nca param ,


principalmen te os ambiciosos, que q uerem galardões e recompensas.

— Ela nu nca se opôs a esse tipo de vida?

— Opor? Se uma mul her se casa com um solda do, é porque o aceita
sem restrições.

A afirmação de Wade soou-lhe inflexível e fria. Eve notou a dureza de


seu queixo qua ndo ele atravessou a choupan a e fixou a vela sobre u nia das
pedras entre as quais ia fazer a fogueira. Ali a chama estaria ao abrigo da
correnteza de ar q ue entrava pela porta.

— Vamos nos acomodar — propôs. — Vou ferver água para fazer chá
antes que a chuva comece a cair. Estenda a ma nta e veja o que sobrou das
latarias. Acho que há um a de carne de porco. É melhor nos apressarmos. E
eu que prometi levá-la a Tan ga! Sou mesmo um imbecil!

— Não pode se culpar. Wade! — Eve tocou-lhe o braço e ambos ficaram


para dos, entreolhan do-se... Ela sentia o corpo tenso de Wade. — Major, eu
o desobedeci, por isso estamos em apuros. E u já estaria na cadeia se
estivéssemos no quar tel.

— A disciplina feminin a não tem nada a ver com a masculina. Não posso
esperar que reaja como u m recruta treina do... Você é m ulher demais para
isso!

— Mesmo assim, imagino q ue mereço uma surra!

— Certamente... até quebrar seus dentes de leite. Foi sorte você topar
comigo — um pai q ue conhece as inq uietações dos adolescentes... Você vai
gostar de meu filho, Eve. É um garotão parecido com min ha mãe.

— Eu q ueria dizer q ue... — Interrompeu-se. Viu em seu rosto os poucos


sinais de sua juvent ude, um rosto que provocava descompassos em seu
coração. Sentiu-se como se acabasse de ter sido salva de um precipício.
Afastou-se então dele inclinan do-se sobre a mochila. Respirou
profundamen te e sentiu que recuperava o controle. Foi qua ndo apan hou a
manta e começou a desdobrá- la.

Wade saiu para b uscar madeira seca para o fogo. Eve exul tava de
felicidade, pois concluíra que fora bom encontrar de repente um homem
mais velho com o vigor e a experiência de Wade. Ele tin ha matado, tinha
ama do, sabia o que era ser pai. Eve percebeu a necessidade de lutar contra
a atração que ele exercia sobre ela; mas como conseguiria, se estavam ali
juntos em pleno coração da selva africana ?

Ela esticou a man ta cuida dosamen te sobre o chão. Havia teias de


aranha pend uradas nos suportes do teto e pressentiu que ali deviam afluir
os mais diferen tes insetos. Decidiu fechar os olhos para essas peq uenas
dificulda des. Dispôs os biscoitos nos pratos e em segui da abriu a lata de
carne de porco. Ao sentir o cheiro, percebeu q ue seu estômago se contraía.
Era sinal de fome! Resolveu , porém, esperar pelo chá para servi-la, por isso
recolocou a ta mpa na lata.

Lembrou-se do espelho q ue viu na mochila de Wade. Como estaria sua


aparência depois de caminhar o dia todo pela selva? Só uma palavra poderia
defini-la: espa ntalho. Um espan talho de cabelos emaranh ados e sujos, um

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

arranhão na testa feito por um galho, olhos cansa dos e vermelhos, cheios
de inda gações e de incertezas. Quanto às roupas... prontas para o lixo! Mas
eram as únicas que tinha . Restava-lhe pren der os cabelos antes de se
sentar para comer.

Ao desfazer a trouxa , encon trou o pente.

— Oh! ainda bem! — exclamou para si mesma e pôs-se a pentear-se...


Fazia tempo que não usava um bom xam pu. Em Lon dres, sentava-se no
cabeleireiro, abria um a revista e esperava. .. Não passava de uma mulher
entediada e bem vesti da. Naq ueles dias não imagi nava que um dia divi diria
uma choupana primitiva com um solda do mercenário, vinte anos mais velho
que ela, e q ue não hesitaria em meter uma bala na sua cabeça no caso de
caírem nas mãos dos rebeldes.

Eve olhou para a trouxa e viu o desodorante que apa nhara n uma das
malas, embora Wade tivesse dito que não se sobrecarregasse com objetos
inúteis. Mas decidida mente o major Wade O'Mara não era uma mulher!

Com um leve sorriso provocado por seus pensamentos, ela apertou o


desodorante e sentiu o cheiro refrescante do perfume... Como era bom
sentir o cheiro da civilização em plena selva! Com a sensação de limpeza no
corpo, foi ter com Wade. A chaleira fervia no fogão improvisado, mas ele
havia desap arecido. Eve levou a mão ao peito, num sinal de apreensão.

Mas que tola! Ning uém teria sequestrado Wade, pois teria ouvido
bar ulho de luta. Naturalmente se afastou à procura de lenha, ou então
investigava a região, para se certificar do q uan to estariam seguros naquela
noite. A chuva agora começava a cair mais forte. Eve achava agra dável
sentir os pin gos d'ág ua baten do contra a pele. Olhou para o céu e para sua
surpresa ainda pô de ver algum as estrelas. Em poucos insta ntes, porém, o
céu cobriu-se de nuvens. De repente, Eve ouviu um ruído vindo dos arbustos
atrás da chou pana .

— Wade?

Não houve resposta. Um arrepio percorreu-lhe a espin ha. Senti u


tam bém um cheiro forte e estranho q ue, aos poucos, foi au mentan do, como
se um gato de rua se aproximasse dela. Trêmula, fez menção de fugir.

— Não se mova!

Era Wade, que pela primeira vez falava macio e baixo. Mas aquilo era
uma ordem. Eve o obedeceu , para ndo estática. Wade veio caminha ndo
lentamente, a arma em p un ho e pron ta para atirar.

O ruído surdo de coisa q ue se arrasta voltou a ser ouvido. O cheiro


desapareceu. Eve então notou q ue Wade estava entre ela e os arb ustos.

— Era uma fêmea de leopardo à cata de comida — explicou com calma.


— Meus para béns por conseguir ficar absoluta mente imóvel. Essas criaturas
atacam com extrema rapidez, e não têm a menor noção de perigo. O
perfume que está usan do provavelmen te a atraiu.

— Obriga da. Espero que não esteja cheiran do mal.

Ele gargal hou e baixou o rifle. Inclino u-se em seguida para ela e
cheirou-lhe os ombros.

— Parece mais perfume de desodorante.

— E é mesmo, serve para disfarçar o cheiro de suor — justificou Eve.


Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Perfume em plena selva ! Tudo isso para me agradar?

— Em hipótese alguma ! Meu moral estava muito baixo!

— Qual é o nome do perfu me? "Sed ução"?

— Não! — E começou a se afastar de Wade, que a impediu, estican do o


braço.

— Os perfumes têm nomes, não têm? Responda !

— "Tabu". Vamos jan tar?

— "Tabu "... é o mesmo que dizer: não me toque ou os deuses se


vingarão!

— A chu va apertou e estamos fican do molha dos. Além do mais, estou


morta de fome.

— Eve, não me venha com artiman has. Não estamos sozin hos nos
jardi ns do paraíso. Somos seres h umanos, de carne e osso, mas não
devemos esquecer q ue a situação equivale a uma operação de resgate.
Assim ninguém ficará chateado um com o outro. En tende o que quero dizer?

— Sequer pensei em você ao passar o desodorante! — C hocou-se com o


que ele tinha dito, e agora sentia necessida de de dizer coisas que pu dessem
feri-lo, do mesmo modo que ele fazia. — Como já disse, major, você é bem
mais velho do q ue eu, tem idade para ser meu pai. Jamais tentaria seduzi-
lo. Prefiro ver min ha cabeça cortada ! Um homem suado, bar bu do e com uma
língua ferina !

— Assim é bem melhor, menina . É bom que me odeie, assim nos


daremos bem! — Puxou-a então para dentro da choupa na, pois a chuv a caía
pesadamente.

— Não me toque! — Seus olhos fuzilaram. — Seu bru to chauvinista!

— Está bem. Se quer se molhar, pode sair! — Tirou a chaleira do fogo e


não disse mais na da.

Eve saiu, incapaz de voltar atrás, remoen do a ideia de q ue tin ha se


perfuma do com a intenção de seduzi-lo. Oh, por que ele não conseg uiu um
lugar para ela no avião? Àquela hora já estaria em Londres! Não aguenta va
mais ouvir os insultos desse homem insensível e selva gem!

Eve estava ensopa da, a chuva escorrendo pelo rosto. Era ridículo
continuar ali, molhando-se sem motivo. Voltou então para dentro, onde o
aroma do chá se confu ndia com o da carne de porco.

— Por que discutimos tanto? — perg unto u Wade, sugerindo que ela se
sentasse sobre a ma nta. — Ora, vamos. Pra onde é que foi aquele sorriso
boni to?

— Parece que perdi! — respon deu, sentan do-se o mais longe possível
dele.

— Espero q ue não tenha perdi do o apetite ta mbém! — disse Wade e


estendeu-lhe o pra to. E nq uanto comiam, a chuva caía sem parar sobre o
teto de sapé, fazen do um ruído monótono. O vento começava a soprar mais
forte, arrancando as folhas das árvores.

— Sorte nossa encontrar esse povoado. Seria horrível passar a noite


debaixo de chu va. Temos frutas e nozes para a sobremesa, não q uer?
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Não, obrigad a. —Agradeceu e desviou o olhar. — Estou satisfeita.

— Mulheres rab ugent as são intoleráveis! — exclamou, pega ndo alguns


pedaços de biscoito que tin ham caído na ma nta. — Não compreendo você.
Não percebe que este não é o lugar nem o momen to para brigui nhas? Ou,
antes, para provocações? Sou mais velho q ue você, sim, mas tenho muita
energia.

— Sei disso — respon deu friamen te. — Mas não tive a intenção de
provocá-lo. Eu me sentia suja demais, e então resolvi passar o perfume.
Quando os ba nhos não eram tão populares, costuma va-se fazer isso.

Eve não olhava para ele, mas sentiu que era observada.

— Você é mesmo assim tão inocente? — pergu ntou.

Ela não respon deu, concen trando sua atenção no barulho da chuva. De
repente, um arrepio percorreu seu corpo. Sem dizer nada , levanto u-se e
tam pou a entra da da chou pana com uma espécie de esteira. Apesar de
primitiva, servia para impedir a correnteza de ar q ue aumentava o frio.

— Sente mui to frio? — pergu ntou Wade, enrolando um cigarro. A luz da


vela tremia e projetava sombras em seu rosto, ora o escondendo e ora o
revelando. Aproximou o cigarro da vela e acendeu-o. Eve não gostava de
seu ar de segura nça e de auto-suficiência, q ue provavelmen te aumentava na
presença de um a mulher. Mas era obrigada a acatar suas ordens e a aceitar
suas provocações irônicas, inclusive as q ue não merecia.

— Acho q ue seu problema é um só — contin uou ele. — Está cansa da,


irritada e com medo.

— Em parte é verda de. Mas há um detalhe: não tenho medo de você.

Ela o observou soltar uma baforada. Agora sim, sentiu von tade de
comer as nozes q ue ele lhe tin ha oferecido, mas acabo u desistin do. Em
seguida, deitou-se calmamente sobre a ma nta. Quan do Wade se aproximou
e ficou de pé dian te dela, sentiu que começava a ficar tensa.

— Não, você não tem medo de mim. É bastan te corajosa. — Olhou em


direção à porta. — Tem medo da selva, medo de que jamais consigamos sair
dela. Escute, vou fazer uma sugestão que acho boa, embora talvez você não
concorde. Tenho q uase certeza de q ue estamos perto de um rio, ou coisa
assim. De vez em qua ndo você não ouve estalos, como se as árvores se
partissem?

Ela fez que sim com a cabeça enqua nto pensava na razão por q ue não
concordaria com a sugestão... Ela seria tão ruim assim? Wade estaria
pla nejando deixá-la ali para procurar sozinho um camin ho q ue os levasse à
civilização?

— Sei que eu atrapal ho você, com essas sandálias. — Eve apoiou-se nos
joelhos e olho u-o suplicante. — Mas não me aban done aq ui, por favor! Eu
morreria...

— Mas o que está dizen do? — Ajoelhou-se diante dela e fitou seu
rostinho espan tado. — Aba ndoná-la aqui? Não se trata disso, Eve. As
árvores estão caindo, e a maioria delas é oca. Mi nha sugestão é a segui nte:
se ho uver alg um rio por perto po deremos seguir viagem n um bote.

— Um bote?

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Construiremos uma canoa. Tenho o facão, esqueceu? Não será difícil


moldar uma canoa e fazer um remo. Melhor a águ a q ue a vegetação e os
animais, não acha ? Além do mais, temos a vanta gem de encontrar alimento
mais facilmente — basta esticar as mãos. O problema é que tu do isso nos
tomará pelo menos u ma seman a. Ficaríamos aq ui...

— Está falando sério?

— Muito sério. E, para ser franco, garota, não acredito que você
consiga sobreviver à selva. O repelente vai acabar e as sandálias vão
arruinar seus pés. Com a canoa, viajará sentad a, comendo peixe-gato, que
tem uma cara feia mas carne saborosa... Bem, que me diz? Concorda?

— Não tenho escolha?

— Não, nen huma. Para sua tristeza, só a min ha ideia parecerá sensata.

— E se ficar aq ui, apesar de todos os riscos?

— Sabe o que acontecerá!

Eve silenciou , fitando a expressão d ura de Wade. Tin ha uma poderosa


força de decisão, u ma habilida de inacreditá vel para se sair bem numa
situação de perigo. Sim, ele tinha razão. Uns po ucos dias mais como aquele
na selva acabariam por derrotá- la. Iria se transformar n uma carga q ue ele
teria de carregar sobre os ombros.

— Mas ainda não sabemos se existe o tal rio — lembrou-lhe Eve. — E se


não existir?

— Só nos restará a selva!

— Pois então, major, façamos figa!

Wade mostrou os dentes num amplo sorriso.

— Se na missão ensinaram alguma reza a você, por favor, reze com


fervor esta noite. Por mim e por você.

— Nunca reza?

— Eu? — pergu ntou, apa gan do o cigarro no prato vazio. — Os anjos não
escutam pecadores como eu.

Enquan to Wade falava, ouviram um barul ho no telhado de sapé da


choupana. Um animal tombou então perto de E ve e correu por entre suas
pernas. Ela encolheu-se, trêmula. Wade foi até a porta, tirou a esteira e
perseguiu o rato até que ele saísse para fora.

— Meu Deus!

Eve cobriu o rosto com as mãos, mas não de medo do rato. Estava
surpresa com sua reação. Era uma mul her que nunca se apavorou diante de
ratos ou morcegos, pois ti nha nascido no campo. Com preendeu o quanto
seus nervos estavam em fran galhos. Era impossível parar de tremer. Wade
puxou-a para si e encostou a cabeça dela em seu ombro.

— Calma, garota. Pela primeira vez na vida está passando por uma
situação dessas. Está indo muito bem, sabe? Os ratos não são bonitos,
concordo com você, mas são menos perigosos que os leopardos.

— Não costu mo reagir assim, Wade... Oh, você me deve achar uma
idiota!

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Acho q ue você é o que é: uma adolescente cheia de surpresas. —


Abraçou-a e a embalou por alg uns instan tes. Eve sentiu- se protegida por
aquelas mãos quen tes.

— Sem você eu já teria enlou quecido. — Ouviu um novo estrondo


seguido de um estalo. Outra árvore caía pesadamen te, como se fosse um
gigante.

— Quer um gole de uísque? Guardei um pouco para uma situação de


emergência.

— Major, não se tra ta de emergência. Sou apenas... infantil.

— De qu alquer forma, estou com vonta de e insisto em q ue me


acompanhe. — Afastou-a e deu uma palmadi nha fraternal no ombro de Eve,
cuja reação não correspondeu exatamente à de uma filha.

— Nunca imaginei q ue a vida na selva fosse tão... tão terrível. —


Agachou-se, passan do os braços à volta do corpo. Os trovões se repetiam,
precedi dos pelo clarão dos relâmpa gos, e não parav a de chover.

— Eve, a selva é viva. — Ele abriu a peq uena garrafa e despejou um


pouco de uísque na caneca. — Tudo q ue é vivo pode causar medo, ang ústia
ou apreensão. Tome. Depois q ue beber se sentirá mais tranq uila.

Ela aceitou e bebeu. Não sentiu o gosto, que era forte, pois queria
apenas pôr fim aos tremores do corpo. Passou a caneca a Wade.

— Já está fazendo efeito? — perg untou .

Ela concordou com a cabeça. Observou-o beber e de repente soltou uma


gar galhada .

— Assim é melhor. Não saberia o q ue fazer se estivesse chorando.

— Se você soubesse o q ue estou pensan do!

— Pois então me con te.

— Você parece u m valentão. Fico imagina ndo como você é sem bar ba.

— Não seja por isso. Amanhã logo cedo vou lhe dar esse prazer. —
Fechou a garrafa, g uardou-a na mochila e pôs-se a arrumar a manta. —
Amanhã vamos à zona inexplorada para ver o que tem a nos oferecer. Torça
para que eu esteja certo q uanto ao rio. Em todo caso, é comum os povoados
ficarem próximos de água corren te. Mas não se esqueça de rezar!

Wade envolveu-a com o mosquiteiro. Eve sentiu-se com sono


repentinamen te, embora ainda contin uasse sensível à presença dele.

— Durma bem e esqueça-se de tudo. Imagine q ue se deitou na


aconchegan te cama de seu quar to...

— Precisaria de mui ta imaginação para tanto.. . — disse ela sorrin do, as


pál pebras pesadas de sono. — Nunca partilhei minha cama com uma
imitação de Hump hrey Bogar t... embora ten ha sonhado com isso depois que
vi Casabla nca.

Antes de adormecer, Eve teve a impressão de que Wade afastara o


cabelo de sua testa e lhe acariciara as têmporas...

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CAPÍTULO VI

Quando Eve acordou, notou que a chou pana estava vazia. Livrou-se das
roupas, levanto u-se e começou a entrar em pânico qu ando, de repente,
sentiu cheiro de ma deira q ueimada. Deduzi u que Wade provavelmente
preparava o café da man hã. Bocejou, espreguiçou-se e foi ver o que estava
acontecendo. A chaleira estava no fogo e Wade ensaboava o rosto, sem
camisa, as calças bem justas no corpo firme e bronzeado.

Eve ouviu o ruído de lâmina sobre a barba e teve a impressão de que


ele a observava através do espelho.

— Bom-dia, Eve. Dormiu profund amente, como u ma criança no berço.


Nem mesmo os trovões chegaram a import uná-la.

— Sinto-me descansa da — respon deu e olhou a sua volta . A água ainda


escorria pelos troncos das árvores. O aroma de vegetação molha da
impregnava o ar. — Que vamos comer?

— Que tal bacon defumado, ovos e torradas?

— Não me torture, por favor! Pelo jeito vamos abrir u ma lata de feijão.

— Eve, você não reparou que temos água na chaleira? Não notou que
ontem o cantil estava vazio e q ue agora está cheio...?

— Exatamen te — respondeu com o rosto ilumina do pelo sol. Eve


estremeceu ao pensar na sua aparência.

— Um rio! — exclamou . — Agora podemos nos banhar, pescar e viver


um pouco como civilizados!

— Sim, mais tarde — advertiu- a. — Logo depois do café da man hã vou


explorar o povoado. Talvez encontre algum utensílio. Preciso fazer um
reconhecimento da região tam bém. É possível que na fuga os moradores
tenham deixado cair algum objeto. E deve haver alguma plantação, sem
dúvida. Pode providenciar o chá enq uanto termino de fazer a barba?

— Pois não, caro senhor.

Uma onda de otimismo cresceu dentro de Eve. E nq uanto prepara va o


chá, deliciou-se com o calor do sol no rosto. Wade era grosseiro, pensou,
mas tinha certeza q ue conseguiria fabricar a canoa. Enq uan to abria a lata,
cantarolou. A exemplo de Wade, recolocou a tam pa e pôs a lata sobre as
pedras do fogão improvisado.

O lugar oferecia van tagens e não faria mal acamparem ali por alguns
dias, desde que esquecessem a existência dos rebeldes e a possibilidade de
surgirem de repen te. Talvez Wade não tivesse tempo de apan har o rifle!
La nçou-lhe um olhar rápido e viu que termina va de barbear-se. O rifle
estava apoiado na árvore em que depend urara o espelho.

Eve recobrou a segurança. Quan do seus olhos se encontraram , ela


sentiu toda sua fragilidade. Via-o bar beado pela primeira vez. Por um
momento, pareceu-lhe estranho. O homem bru to havia sido substit uído por
um homem distinto, q ue num uniforme limpo seria irresistível!

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Senti u-se envergonha da. A respiração acelerou q uando ele pendurou o


rifle no ombro moreno e camin hou em sua direção. Eve senti u-se in quieta
com toda aq uela musculat ura a sua frente. Não sabia, até aquele momento,
o que era a força de um homem. Além do mais, temia que ele pu desse ler
seus pensamen tos.

Esforçou-se por parecer despreocupa da.

— O chá está pronto e o feijão também. Viu aqueles passarinhos de


peito doura do? São canários?

— Um tipo selva gem, talvez. — Tirou o rifle, apoian do-o no chão, e


fitou-a. — Bem, que acha de mim agora, sem barb a? Mais civiliza do?

— Não queira me impressionar com sua beleza — ela replicou. —


Lembre-se que não estamos perdidos nos jardi ns do paraíso.

— Cuida do! — exclamou ele diverti do. — Fico contente por ter-se
recuperado. É bom que não se deixe desanimar.

— Sabe de um a coisa? O sol, o can to dos pássaros, chá quen te e doce


são excelentes para estimular o ânimo da gen te. Sin to-me como se
estivesse num acampamen to de escoteiros.

Os dois se encararam por alg um tempo. Ele a examinou detidamente e


disse:

— Não faria de você uma adversária nessa jornada , mas parece que
está me pondo à prova e erradamen te.

— Talvez — disse Eve e estendeu-lhe a caneca de chá. — Ontem à noite


perdi a cabeça. O rato me surpreen deu. Não costumo me assustar daquele
jeito. Já vi ratos e morcegos em q uanti dade em Lake House.

— É a casa de campo de seu tutor, não é?

— Exato. Em Essex. Andei muito de canoa, major, e estarei em


condições de pegar no remo q uan do se cansar.

— Só se for em ág uas calmas — disse ele e abaixou-se para tirar a lata


do fogo. — As águas desses rios são violent as e traiçoeiras. Vamos esperar
até chegar o momen to. Cui dado com a lata que está quen te.

Comeram o feijão e uns po ucos biscoitos.

Wade tinha providenciado água para que Eve lavasse o rosto e as mãos.
Depois disso, aplicou o repelente. Wade lavou a camisa nu m pote de ferro e
a pôs para secar nu m arbusto.

— Tomara q ue um macaco não a roube! — brincou, enqu anto ambos os


observavam pulan do nas árvores. De repente, um coco caiu pesadamente
próximo dos pés de Wade. — Olhe só o que jogaram! — Sacu diu o coco para
ver se tinh a água . — Se encontrarmos mais alg uns teremos um bom
complemento para nossa dieta. Aceita um pedaço, agora?

— Mais tarde. Mas pode comer.

— Não. Vou esperar por você. Agora vou inspecionar as redondezas.


Wade entrou na choupan a e pôs o coco junto com os ma ntimentos. Mais

tarde, ambos deram uma espiada nas demais chou panas, mas não
encontraram nada de útil. Ficaram porém satisfeitos ao descobrirem
pla ntações de bata ta-doce, espinafre e milho.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

De repente, para surpresa deles, viram um peru se aproximando da


clareira onde se achavam .

Wade olhou para Eve e disse-lhe baixin ho que não se mexesse, para
não espa ntá-lo. E ntão, num salto rápi do, agarrou o bicho pelo pescoço. A
ave se deba teu enqua nto ele a estrangula va. Eve deu-lhe as costas, pois
não queria vê-lo matar o peru. Lembrou-se então q ue Wade tinha mata do
dezenas de seres h umanos, com a mesma facilidade e ha bilidade.

— Pode virar e abrir os olhos — disse ele. — E não se esqueça de um a


coisa: para construir a canoa, vou precisar de muita energia.

— Não aguen to ver u m animal sendo morto — comentou Eve ao ver a


ave já sem vida ao lado de Wade. Em seus olhos não havia o menor sinal de
pieda de.

— Precisamos comer — respon deu secamen te. — Não existe nenhum


supermercado na próxima esqui na, onde você possa comprar aves
depena das, limpas e acon diciona das em plástico. Você vai adorar uma coxa
de peru com feijão e verd ura. Uma refeição forte nos fará muito bem.

— Sei disso. Mas você me parece tão...

— Insensível! É essa a palavra que procurava?

— Não exatamente. Você é, entretan to, impiedosamente eficiente


quando necessário, não é verda de?

— Lembre-se, Eve, q ue sou obriga do a ser assim, seja na Malásia, em


C hipre, ou em Belfast. Quem hesita, leva a pior. Bem, vamos levar nossa
caça para a chou pana. Depois olharemos as árvores que tombaram com a
tempestade.

— Não quer me levar até o rio enq uanto faz isso? — perg un tou ela, com
as mãos cheias de espinafre e espigas de milho. — Perto do rio o ar é mais
fresco.

— O problema, Eve, é que perto da água você perde a cabeça, para não
falar nas roupas... Vai se comportar direito? Posso confiar em você? Os rios
às vezes são perigosos e não quero vê-la afogada .

— Prometo ser boazi nha. Ficarei lendo o livro que você guar dou na
mochila. Pode fazer seu trabal ho sossega do.

— Não lhe parece que estamos falan do feito marido e mulher? —


perguntou brincando. — Está bem, desde que prometa se comportar. Sente-
se à margem do rio e leia o livro. Está usan do relógio?

— Estou, mas ele parou. Esqueci de tirá-lo ao tomar banho no córrego.

— Isso acon tece aos apressados... — Adiantou-se e entrou na


choupana. Rasgou um pedaço do mosq uiteiro e com ele envolveu o peru.
Guardaram o espinafre e o milho no pote.

— Pode me emprestar o livro? — ela perg untou .

— É claro. Mas não me conte o final da história.

— Combina do.

Wade atirou- lhe o livro e Eve o apanho u no ar. Ele então se aproximou
e colocou em suas mãos um pacote de nozes e passas.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Isso é para manter sua vitalida de. — Parou dian te dela, olhou-a e,
n um impulso, afastou os fios de cabelo que lhe caíam pela testa. — Eve,
você por acaso compreende mesmo que estamos no meio de uma rebelião e
que, a qualq uer momen to, posso fazer com um homem o q ue acabo de fazer
com o peru? Sempre há algum rebelde que se separa dos grupos, ou para
pilhar ou para fugir e tentar voltar para a família. Pois bem, um desses pode
aparecer. Fique atenta. Preferiria q ue ficasse perto de mim, para não perdê-
la de vista.

— Fique tran quilo. Não quero pensar nas coisas ruins, porque me
deixam nervosa.

— Está bem. Vou me afastar de você umas duas horas no máximo, pois
tenho de fazer uma corda para puxar a árvore até o rio. Mas prometo
trabalhar depressa. Levo o facão e deixo o rifle com você. Tome, segure-o.
Não é muito pesado.

Eve hesitou , mas por fim segurou o rifle.

— Acha que vou usá-lo? — perg un tou.

— Espero q ue não, mas lhe dará mais segurança. Se perceber alguma


coisa se mexendo, corra imediata mente para mim. Saberá onde estarei, pois
ouvirá o barulho do corte dos galhos e dos cipós. Eve, fique atenta. Não se
deixe levar pela leit ura.

Ela sorriu e viu-se de novo atin gida por aq uela sensação de isolamento
do mundo civilizado. Sua vida na In glaterra tinha um sabor de irrealidade....
Os almoços com as amigas n um restauran te da moda, uma visita a uma
galeria de arte ou uma partida de tênis, nada disso tin ha a ver com a vida
na selva, ou mais precisamente com aq uela situação inédit a: du as pessoas
sozinhas luta ndo pela sobrevivência, enfrentan do perigos inesperados.

O rio era largo, mas a correnteza era forte. Eve esten deu o rou pão à
sombra de uma fig ueira.

— Esse lugar é meio para disíaco — comentou Wade. Depois pousou o


olhar sobre Eve e ela compreendeu que havia qual quer coisa que ele ficou
sem dizer. — M as não se deixe enga nar. Lembre-se da história de Eva e do
que se escon dia por detrás de uma árvore.

Wade consultou o relógio.

— Daq ui a uma hora o sol estará a pino. Depois disso vá a meu


encontro. En tendeu?

— Enten di.

— E aguce os ouvi dos.

— O quanto puder.

— Bem, vou trabalhar — disse ele, segura ndo o facão com firmeza. —
Foi sorte ter aprendido carpin taria no orfan ato. Ser carpinteiro e mata dor,
esses eram os req uisitos dos velhos desbrava dores. É assim q ue me sinto
agora: um desbrava dor que ao mesmo tempo se exercita um pouco da
economia doméstica.

Eve esboçou um sorriso. O coração acelerou-se e Wade, ao perceber


que o que tinha dito fez sentido demais, afastou-se dela.

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— Cuida do! E comporte-se — acrescentou ele, e em seg uida


desapareceu por entre as árvores gigan tescas e a corti na de folha gens se
fecho u à sua passagem.

Eve senti u uma profunda solidão. Masti gou uma noz e contemplou o rio,
ao mesmo tempo q ue ouvia o can to dos pássaros... Aos poucos seu coração
se acalmou.

Sim, o lug ar era realmen te paradisíaco. Bastava não haver rebeliões e


nenhuma outra mulher... Ela e Wade, sozinhos. Nada além do fato de que
ele entrara em seu mundo, e de q ue se tomara a razão de sua vida. Não
haveria na da senão exaltação, alegria e desejo de estar em seus braços.

Era uma verda de forte demais. Aceitou-a apenas por algu ns momentos
e depois se esforçou para afastá-la da mente, concentran do-se no livro,
cuja história se passava em Lon dres nos dias que antecederam a última
guerra mun dial. Não levou muito tem po para se deixar absorver pela
narrativa ... Mas a quietude do lugar começou a preocu pá-la. Um arrepio
percorreu-lhe a espinh a.

Ergueu os olhos, os dedos apoiados no livro. Os cabelos da nuca


estavam ouriçados. Pressen tiu que alguma coisa tinha parado a suas costas.
Suas narinas dilatara m... Não, não havia odor de animal, não havia nenhum
leopar do... Era preciso voltar-se para ver, pois não podia contin uar sent ada,
à espera de um ataq ue.

Quando, afinal, teve forças para voltar-se, segurou firme o rifle com as
mãos suadas.

Um negro forte e reluzente começou a se aproximar dela devagar. Era


preciso usar o rifle e alvejá-lo antes que ele o fizesse. Er gueu a arma, que
de repente pesou como chumbo. Ele se deteve, imóvel, os lábios grossos
entreabertos, mostrando os dentes bra ncos. Tudo aq uilo parecia um
pesadelo. O dedo alcançou o gatilho. Bastav a apertar e ferir aq uele rosto,
pois era o rosto q ue a assustava mais.

Ela atirou. A coronha deu-lhe um soco no ombro. Mas a bala se perdeu.


Antes que p udesse atirar de novo, ele saltou sobre ela e ten tou arrancar-lhe
a arma. Ela jamais tinha experimen tado tal horror! Gritou quan do ele a
agarrou. O suor do corpo dele chegou- lhe ao nariz e Eve viu q ue ele tinha a
intenção de golpear-lhe a cabeça com a coron ha do rifle. Desviou a tempo.
Ele soltou um grito estranho, os olhos querendo saltar das órbitas, e depois,
como que ferido, tombo u pesadamente no chão. Eve então viu a lâmina do
facão cravad a em suas costas, bem perto da nuca.

— Está se sentindo bem, Eve? — pergu ntou Wade, ajuda ndo-a a se


levantar. Ela cambaleou e apoiou-se no corpo dele. Ficaram abraçados por
um longo tempo. A algazarra dos animais e aves assustadas foi diminui ndo,
até que sobreveio o zumbi do de moscas que voavam sobre o corpo inerte e
silencioso.

— Não soube atirar... — disse ela, com voz trêmula. — Mas graças a
Deus você ouviu o tiro!

— Imagino q ue se distraiu com a leitura. — Ele apertou- a contra o


corpo, como se q uisesse transferir-lhe calor e força. — Agora trate de
esquecer o que acon teceu. Está tu do acabado.

— Ele veio para cima de mim como um anim al. Foi tão rápido que mal
pude apertar o gatilho. A bala se perdeu. Oh, Wade, tu do o que pu de ver foi
seu rosto horrível e selvagem. Ele me teria cortado a cabeça fora.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Levada por um a força incontrolável, Eve passou os braços em torno do


pescoço dele e aproximou os lábios de seu rosto. Sentiu sua pele em
contato com á dele. Wade porém prendeu-lhe as mãos e afastou-se.

— Não precisa fazer isso — disse rispida mente. — Tenho de tirar esse
homem da qui an tes q ue os insetos cheguem aos ban dos.

— Você salvou min ha vida!

— Sou pago para isso mesmo — retrucou. Inclinou- se então sobre o


corpo do rebelde e remexeu-lhe os bolsos. Eve roía as un has enqua nto o
observava... Era impossível evitar o q ue sentia por ele, pois que vinha lá do
fundo de seu coração. Wade retirou um objeto da jaqueta do soldado e
examinou-o detidamen te. Depois, com um sorriso am plo, voltou- se para
Eve.

— Esse sujeito estava seguin do o rio e pretendia chegar à costa. Olha o


mapa! Parece q ue estávamos certos. Mais do que n unca precisamos dessa
canoa. Ainda concorda comigo? Agora temos um mapa para nos g uiar. Ou
prefere ir a pé?

— Wade, é você q uem decide! — Eve desejava apenas sumir dali.


Ficaria feliz se arrumassem as coisas naq uele exato momento. — Terá
condições de construir a canoa?

— Claro. O problema não é esse. O problema é o tempo q ue isso vai nos


tomar. A aparição desse sujeito deve tê-la feito mudar de ideia. Suponho
que não vai mais q uerer ficar aq ui sozin ha enq uanto trabalho.

— Não sou tão covarde assim! — protestou , ansiosa por par tir. — Você
sabe o que é melhor para nós!

— Eve, será melhor para você viajar de canoa. Teremos mais facilidade
para nos alimentarmos. Podemos estocar comida e além disso há muitas
árvores frutíferas. Posso também deixar você na dar qua ndo o sol não
estiver muito quente.

— Obriga da — respon deu secamente.

Wade arrastou o corpo do homem para o meio dos arbustos. Demorou


dez minutos para voltar. C hegou molhado de suor.

— Tirei as roup as dele e as enterrei — disse ele. — Daqui a pouco os


leopar dos deixarão apenas sua carcaça. O q ue sobrar ficará para os animais
menores. Que vamos comer no almoço? Que tal peixe assado e bata tas
cozidas?

Eve não respon deu, limitan do-se a encará-lo, ainda chocada com tudo
aquilo, mas ciente de que matar era para ele uma tarefa diária.

Wade foi até a margem do rio, agachan do-se para lavar as mãos. Ficou
ali até que secassem ao sol.

— Voltaremos ao povoado para b uscar a cesta de peixe. Vou usar a


carne de porco como isca. Teremos que nos dar por felizes se conseguirmos
fisgar um peixe-gato.

— Peixe-gato?

— Que estava esperan do? Trutas?

Dependurou o rifle no ombro e am bos seguiram pela trilha q ue levava à


choupana.
Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Filé de peixe-gato é muito saboroso. Você vai mud ar de ideia, Eve,


tenho certeza. Chegará a pedir ao maître do resta urante Ritz para incluí-lo
no cardápio assim que voltar a Londres.

— Londres está tão longe! — Lamentou. — Apenas essa selva me parece


real... Não consigo mais imagi nar o que é sentar n um resta urante, pedir
uma comida cara e só falar de futilida des Creio que nunca mais serei como
antes... Aliás, não q uero! Não depois dessa experiência.

— Você diz isso agora. No meio da civilização esquecerá facilmen te a


selva, esquecerá os pratos que comeu e o soldado rude que a acompan hou.

— Não quero esq uecer o menor detalhe — protestou. — E não acho que
você seja tão rude assim!

— Lá vem você de novo! Não queira me presentear com uma medal ha


de bom comportamento só porque salvei seu belo pescocinho. Isso faz par te
de meu trab alho.

— Pode ironizar qua nto quiser, Wade, mas não poderá me impedir de
agra decer-lhe. Nunca compreen derá a que estado de pânico eu cheg uei!

— Imagino como se senti u com aquele br utamon tes saltan do sobre


você. Mas não precisa exagerar sua gra tidão. Estamos n uma sit uação
imprevisível e não posso conceber que uma garotinha alimen te a ideia de
que é romântico viver perigosamente com u m homem num a casa de árvores.

— Casa de árvores?

— A selva, com seu telha do vivo, formado pelas copas entrelaçadas das
árvores! Não somos Tarzan e Jane. Nunca se esqueça disso. Não fiz nen hum
pla no de viver na selva com uma garota grã-fina.

— Wade, quais são seus planos para o futuro?

Eve estava decidida a não perder a parada. Contin uava viva graças a
ele e o modo como falava indicava que ele tinha um código de honra que o
tomava ainda mais heroico a seus olhos. Seu coração batia acelerado,
provando o qua nto Wade lhe significava. A convivência terminaria assim que
chegassem a Tan ga. De lá, cada um tomaria seu caminho.

— Nunca faço planos. Um soldado nu nca joga da dos com os deuses. Ele
só espera que não haja uma bala com seu nome gravado.

Uma profund a tristeza se abateu sobre ela. O que mais desejava era
poder abraçá-lo bem apertado e ser a mulher que o faria desistir de ser
soldado.

— Mas deve ter algu m sonho que dê um significado maior a sua vida...
Todos desejam algum a coisa, todos desejam realizar algu ma coisa que os
faça felizes, que lhes dê paz, prazer e segurança. Aposto q ue gosta de
fazenda ! Um lugarzi nho no campo, u ns dois cavalos no estáb ulo, alguns
porcos no chiq ueiro, e alguns alqueires de plan tação. Ora, vamos, Wade.
Não venha me dizer que estou errada!

— Os jovens é que son ham — brincou. — Meu filho tem os mesmos


sonhos. Ele existe graças a mim. Ele merece ter uma vida boa. É por isso
que tenho luta do, por isso que tenho ma tado! Wade olhou para Eve. Seus
olhos estavam frios como a lâmina do facão.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Comprometi-me com a morte — contin uou. — Sou um assassino, Eve.


Lembre-se disso para esquecer a ideia de que eu poderia plan tar sementes,
fazer a colheita, e viver como fazen deiro.

— Aposto q ue gostaria — insistiu.

— Gostar? Que sabe você sobre isso? Como po de um mercenário gostar


de alguma coisa?

— Você tem seu filho, sua esposa... — respo ndeu calmamen te. — Não
gostaria de estar em casa junto deles o tempo todo?

— Mas que conversa é essa? Alguma entrevista?

Adiantou-se a ela, entrou na chou pana, apa nhou a cesta de vime e um


pedaço de carne de peru.

— Fique aq ui e faça a limpeza — ordenou. — Não vou demorar. Mas


desta vez fique atenta. E não se afaste do rifle. Não acredito q ue haja mais
algum rebelde nas redon dezas. O tiro teria assusta do q ualquer um. Vou
cortar uns ramos secos para você varrer o chão.

— Está bem — concordou, sem esconder seu nervosismo.

— Não, na da disso. — Pôs a mão no ombro dela, aperta ndo com força
seus ossos frágeis. — Pode vir comigo, se prometer não me crivar de
perguntas. Minha vida privada pertence só a mim e não devo explicações a
ninguém. Não se esqueça disso, enqua nto estivermos jun tos.

— Vou ficar aqui — disse ela, livrando-se da mão dele. — A chou pana
precisa de uma boa limpeza, já q ue ficaremos aqui por mais u ns dias.

— Tem certeza q ue quer ficar? — pergu ntou, entregando-lhe o rifle.

— Tenho q ue me acostumar — respon deu Eve. — Não posso ficar


pendurada em você enqu anto constrói a canoa. Os homens detesta m isso,
não é mesmo? Preferem trabal har sozin hos.

— Que sabe de homens se con heceu apenas aquele estúpi do com q uem
pretendia se casar? Bem, controle os nervos e da próxima vez atire direito
no que aparecer. Não hesite um segundo. Nessa joga da, Eve, não há
escolha: ou nós ou eles. Até mais tarde.

Eve ficou sozinha. Duran te alg uns momentos não teve condições de se
acalmar. Os olhos passeavam pelas choupa nas, pelas ruínas, indo se deter
na sombra das árvores. Ouviu o barulho dos macacos e o canto dos pássaros
no topo das árvores. Cada ruído provocado por um animal lhe dava a
certeza de q ue nen hum ser huma no rondava as matas. Apesar disso, custou
a afastar a lembrança do incidente da manhã , à margem do rio.

Limpou as paredes e o chão da choup ana com a vassoura improvisada


de folhas secas. De vez em q uan do interrom pia o trabalho para verificar o
que eram os guinchos e os ruídos que ouvia. Saiu à porta e foi atingid a por
ba nanas atirad as pelos macacos. Não pôde fazer outra coisa senão achar a
situação engraçada e rir.

O sol estava alto. E ve passou a ma nga da camisa pelo rosto para


enxugar o suor. Estava ansiosa para tomar o ban ho q ue Wade lhe tinha
prometido, mas lembrou-se que deveria esperar o sol baixar. Com o calor
intenso, voltaria a transpirar tão logo saísse da águ a.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Wade era um homem irritan te e irrita diço, mas não havia dú vidas de
que sabia como lidar com aq uele mu ndo agreste e ameaçador. Eve sento u-
se na trouxa e sorriu ao apan har uma das bana nas para comer. Sentiu sede,
mas antes de beber era preciso ferver a água, e o fogo estava apaga do.

Como teria reagido se tivesse conhecido Wade numa situação normal?


Por exem plo, numa festa... todo vestido de negro, muito distinto,
observando calmamente o ambiente até encon trá-la usando um vestido bem
leve. Seria notada por ele? Ele teria gosta do da Eve daq ueles dias,
arruma dinha e insossa, os cabelos vermelhos emoldura ndo o rosto branco?

Mas mesmo q ue tivessem se conhecido, haveria a esposa, a mul her com


quem se tinh a comprometido e a respeito de quem evita va falar. Será que o
casamento deles não tin ha da do certo desde o começo?

Talvez Wade se ressentisse do modo como se casou, mas apesar disso


continuou ao lado dela. Era eviden te porém q ue gostava muito do filho, pois
vivia para ele. Será que ele teria uma foto de Larry? Esta va curiosa por
saber se o rapaz era parecido com ele.

Surpreen deu-se olha ndo para a mochila de Wade, q ue ela depend urou
no gal ho de uma árvore. Talvez haja tempo de sobra, pensou , para ver a
carteira de couro de crocodilo que ele g uarda den tro da mochila! Refletiu
um pouco e concluiu que não era justo bisbilhotar as coisas alheias. M as sua
curiosida de era enorme! Não só queria ver a fotografia do filho, mas
tam bém a da mul her! De repente.-apan hou a mochila, enfiou a mão
rapida mente e localizou a carteira. Abriu-a e os dedos tatearam seu interior.
Ela tremia. Sentiu as bordas de um a fotografia e puxou- a. Oh, sim, aq uele
era Larry! Bem-apessoado, bonito, cabelo negros, olhar penetran te, rosto
delga do e sério...

O filho de Wade... Mas não encontrou a fotografia da mulher...

— Mas que garota curiosa! Mexendo em minh a mochila! Pensei q ue lhe


ensinaram q ue as pessoas bem-educadas não bisbilhota m as coisas alheias!

Eve inclino u-se sobre a mochila, embaraçada. Foi surpreendida e não


tinha como disfarçar! Quando percebeu que Wade parou a suas costas,
pensou que seu nervosismo fosse levá-la à loucura.

— Encon trou o que procurava ? — pergu ntou. Abaixou-se e arrancou a


fotografia de Larry dos dedos trêmulos de Eve. — Estava querendo saber se
era bonito?

— É um rapa z muito bo nito — respondeu Eve com a voz presa na


gar ganta . — Deve se orgulh ar dele.

— Meu filho é a melhor metade de mim... que mais queria ver? A foto
de minha mulher?

Eve tremeu, como se a ponta de um chicote tivesse atingido seu rosto.


Ergueu os olhos e encontrou os de Wade. Seu sorriso era agressivo, como se
algum demônio tivesse se encarna do nele.

— Pode me devolver a carteira? — pergu ntou.

Ela devolveu-a em silêncio e observou- o g uardar a fotografia do filho.

— Eu a teria mostrado a você, bastav a me pedir. Os pais se orgulha m


de mostrar seus reben tos...

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Wade, cometi um erro. Não devia ter mexido na carteira. Não sei o
que me levou a fazer isso.

— Acho q ue sei... — Jogou a carteira na mochila e em seguida segurou-


a pelo pulso. — Tem algo a ver com isso!

Wade puxou-a então contra seu corpo. Eve sentiu então a outra mão em
suas costas, aperta ndo-a e erguen do sua blusa ao mesmo tempo. Abraçou-a
mais forte e procurou seus lábios. Foi um beijo lon go como jamais Eve tinha
experimentado! E tão caloroso q ue lhe deu a impressão de que seus lábios
iam se derreter tal o calor q ue irradiava da boca de Wade! Seus sentimentos
se conf undiram por instantes e depois foi toma da por uma tal excitação que
acabou por envolvê-lo com os braços.

Os lábios duros e famintos de Wade tornaram- se mais poten tes, e


buscaram seu rosto, seu pescoço. Suas mãos acariciavam-lhe os cabelos,
enquanto ele beijava sofregamen te a pele delicada de seu rosto. Depois as
mãos desceram pelos ombros até as costas semin uas.

Wade parecia ignorar todo e qualq uer perigo, agora que a tin ha nos
braços. Eve deixou-se domin ar por completo, sem escon der nada do que
sentia por ele.

Wade ergueu- a de repente e pareceu procurar um lu gar em que


pudessem deitar... Mas como que recobran do a razão, disse com a boca bem
próxima do rosto de Eve:

— Afaste-se de mim! — E emp urrou- a com delicadeza.

— Oh, Wade! — Foi tudo o q ue ela consegui u dizer, apoiada contra o


tronco de uma árvore, enqua nto a mão dele acariciava seu rosto.

Uma energia vibra nte ainda percorria seu corpo. Esquecera-se do tempo
e uma sensação deliciosa persistia em seus poros. Seus lábios ardiam.. .

— Quis ser seduzida, não é? Não via o momen to de libertar o demônio


do meu corpo, certo? Acha que vou permitir q ue isso aconteça de novo? Não
se deixe enganar, Eve! Não, não e não! Vai chegar a Tanga intacta ! Assim
poderá ludi briar melhor seu noivinho!

— Mas... mas você me beijou! — disse ela com um fio de voz.

— Porque estava me pedi ndo e eu não sou de ferro! Agora sabe o que
pode lhe acontecer, por isso desista de se meter em minha vida !

Eve desviou os olhos do rosto dele e os deteve em suas mãos. Sentira


de perto aquele corpo embrutecido pela selva, que no enta nto era macio...
Seu coração pedia mais e ele a recusava, exigia-lhe distância!

A paixão a domina va e Eve não via como evitá-la. Sentia-se estranha a


si mesma, e m uito fraca. O coração batia pesadamente. Nem mesmo dia nte
do guerrilheiro experimentou tan ta vibração. Perdera o controle dos seus
próprios sentimen tos, dos seus sentidos, e não sabia o que fazer!

— Quem vai se importar — disse a si mesma, em voz alta — se fizermos


amor?

— Talvez você mesma, se depois, em sua inocência, desejasse um bebê.


Eve, cresça! — Sua voz foi endurecen do aos poucos. — Se eu fizesse amor
com você, eu iria q uerer fazer sempre. Com você, jamais conseg uiria parar!
— Exa minou-a então da cabeça aos pés. — Você deve se entregar a um
jovem idealista e de vida limpa. Um rapaz com quem você se divirta, ao
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

lado de quem possa crescer, que você possa sempre encarar, sem precisar
saber o que aconteceu em seu passado. Não me peça para roubar do rapa z
sua melhor doação. E u po deria fazê-lo, Eve. Mas então você iria saber o que
é o inferno! Con heceria de perto o desgosto e a tristeza!

— Com você não sentiria tristeza nem desgosto.

— Não sabe o q ue está dizen do. Fala como u ma mocin ha romântica


iludi da com o primeiro na morado — retrucou ele. Respirou fun do e p uxou o
cabelo para trás. — Salvei sua vida e você se sente com obrigações para
comigo. Você não me deve na da, Eve, na da. Muito menos o corpo doce e
inocente. Pare de pensar nisso! Agora precisamos fritar o peixe... Ele
afastou-se e tirou da cesta os peixes já limpos.

— Pode apan har madeira seca para fazermos o fogo? — pergun tou.

Ela não se moveu. Com ar sonha dor, disse:

— Não quero mais ning uém. Só você!

— E minha mulher? — pergu ntou Wade. — E meu filho? A jovem


debutante não se importa com eles, porque quer um brinq uedo para passar
o tempo, não é?

— Não seja cruel comigo!

— Estou sendo realista. Você simplesmen te está respon dendo a um


impulso romântico, só isso. Mas esse é o perigo. Se fosse uma mulher
experiente eu já a teria possuído, pois não teria com que me preocupar.
Mas, Eve, você tem metade da min ha idade e está sob minha
responsa bilidade. A irmã Mercy sabe disso. Ela a deixou em min has mãos e
não posso quebrar a promessa q ue fiz. Agora apa nhe a madeira e pare de
sonhar! Morro de fome!

Em silêncio, Eve percorreu desanimada a clareira, recolhendo gravetos.


Não, não podia ser verdade q ue não voltaria a experimentar o prazer de ser
envolvida pelos braços de Wade!

Ela o desejava e não sabia como controlar seus impulsos... Queria


entregar-se a ele, pois não havia nenhum a perspectiva de felicidade para
ela na Inglaterra. Apenas o casamento com James, um casamento forçado,
para satisfazer a vontade de seu tutor. Por q ue não poderia pertencer a
Wade por uns poucos momentos, e saber o que era ser possuí da por um
homem de verdade?

Mas ele parecia inflexível! Sua honra de soldado e seu estranho


respeito à promessa feita à irmã Mercy o impediam.

Wade preferia sacrificar o que um sentia pelo outro a destr uir a


confiança que a irmã lhe depositara!

Dissera-lhe que era católico, e certamen te não admitia o divórcio. Eve


tinha certeza de que Wade não amava a esposa, mas isso não impediria que
continuasse sendo seu marido, mesmo que sentisse alguma coisa por outra
mul her.

Relembrou o modo como foi beija da... Apaixonadamen te, loucamente!


Mas ela não significava nada para Wade, essa era a verdade. Precisava
enfrentar a situação e não se deixar levar por fan tasias provocadas por um
simples beijo! Wade era um homem de fibra, um homem de verda de, por
isso mesmo inspirava desejo! Essa era a realida de. Bastava aceitá- la, sem
querer transformá-la.
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— Acha que isso é o suficiente? — pergu ntou, descarregando a madeira


no chão, ao lado dele.

— É sim, obrigado.

Eve voltou-lhe as costas, com os olhos cheios de lágrimas.

Por que se pren dia àquela m ulher se não a amava? Ah, se pudesse ficar
com aquele homem, rude e forte! Perto dele James simplesmen te não
existia!

Sacudiu a cabeça e as lágrimas escorreram-lhe pelo rosto. Ela era


mul her e, se quisesse, conseg uiria fazê-lo perder a cabeça! Mas não... Isso
não resolveria. Ele a desprezaria ainda mais. E nxu gou então o rosto e
voltou-se para Wade.

— Posso ajudar em alg uma coisa?

— Claro. Pode ir b uscar a ba tata-doce. Daq ui a pouco, você vai comer


uma refeição deliciosa. Que lhe parece?

— Humm ... bem melhor q ue a comida do Ritz — respondeu , olhan do o


peixe sobre as pedras do fogo. — Só falta a carta de vinhos.

— Está esquecendo o coco — disse ele. — Vamos abri-lo e beber a água


como se fosse um vinho finíssimo!

Ela sorriu , saben do q ue a brincadeira ia contin uar, mas era melhor


assim, pois se agisse diferente seria muito perigoso.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO VII

Tinha feito frio de manhã, mas agora o calor era demais.

Wade tinha trabalha do com afinco na construção do barco, despen dendo


horas ininterrup tas no corte da árvore oca que arrastou para as margens do
rio com a aju da de cordas feitas de cipó.

Dia após dia, Eve ficava cada vez mais admira da com a destreza de
Wade, até q ue a admiração se transformou numa idolatria alarma nte. Pela
primeira vez viu-se dia nte de um homem da quela natureza.. . Nunca pu dera
supor que um tronco de árvore pu desse servir para a construção de uma
canoa.

Acompa nhara Wade no trabalho do princípio ao fim. E numa manhã,


depois de carregarem a canoa, lançaram-na às ág uas. Aos poucos, Eve foi
se certifican do de que jamais se casaria com James. Não tin ha intenção de
se casar, em hipótese algum a, e muito menos com um corretorzinho que não
sabia fazer outra coisa além de sentar-se atrás de uma mesa e comprar e
vender ações para seus clien tes. Como sua esposa, não passaria de um
objeto decorativo. Sua função seria entreter as mulheres de seus sócios,
comparecer a jantares oferecidos por seus pais; fariam de vez em qua ndo
piqueniques, jogariam golfe, an dariam a cavalo ou participariam de
caçadas...

Eve não estava disposta a aceitar esse futuro. E se tivesse que dizer
adeus a Wade, como ia esq uecer os momentos incríveis q ue passou a seu
lado em plena selva? De vez em qu ando recordava o primeiro encontro com
ele, tão duro e impiedoso, e o modo com que con duzira as missionárias
através da vegetação até chegarem ao ba ngalô. Não sentiu nada por ele, a
não ser antipatia .

Eve con tinuav a a divagar. Às vezes parecia que pensava e amava como
a heroína de um romance român tico. Nunca acreditou nesse tipo de amor,
mas agora tin ha descoberto que ele de fato existia. Mas procurou guar dá-lo,
escondê-lo. Por isso se comportava, ou se esforçava para se comportar,
como um rapaz, n unca se q ueixando do calor enerva nte, sempre às ordens
de Wade, como um solda do a seu coman do. Isso o deixava contente, mas às
vezes Eve not ava uma certa preocupação em seu rosto ao fazer brincadeiras
sobre seu estado físico. Ela tin ha emagrecido bastante com a dieta de peixe,
frutas e a constan te tensão, o consta nte estado de alerta para qual quer
sinal de perigo.

Não sabiam se Tan ga tin ha caído nas mãos dos rebeldes, e cada
quilômetro percorrido os levava para mais perto do destino.

Quando surgiam águas mais calmas, Wade passava-lhe o remo por uns
insta ntes. Era um modo de fazê-la se exercitar.

A paisagem às margens do rio era fantástica. Flores as mais exóticas


adorna vam a vegetação densa. Eve nu nca imaginou que existissem pássaros
tão coloridos! Havia outros que mergulha vam na água e voavam em seguida
levando nos bicos peixes que se debatia m desesperadamen te. Parecia-lhe
inacreditável q ue fossem d uas pessoas em busca de um refú gio... ou de uma
cidade ocupad a por rebeldes.

— Que faremos se Tang a estiver ocu pada? — pergun tou a Wade.


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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Fugiremos procura ndo algu m lugar q ue ainda não esteja.

A ideia a assustava e excitava ao mesmo tem po. Havia a possibilida de


deles contin uarem jun tos in defini damente...

Apesar de todos os riscos, ambos experimentaram sensações que não


podiam ser ignoradas. Quando acampava m à noite e se ban havam no rio,
ele não podia fingir que não a via n ua, saindo da ág ua, com o corpo
brilha ndo à luz da lua. Ela também não po dia fingir que não via seu corpo
bronzeado, emergin do das águas como um deus pa gão!

Não havia lugar para os recatos da civilização... Jamais poderiam


ignorar-se!

Quando E ve viu Wade nu, notou q ue os pelos de seu peito se


prolongav am como um a seta em direção ao umbigo, bem como a profunda
cicatriz em sua coxa. Sabia por sua vez que ele tin ha notado a ma ncha em
seu quadril esquerdo e a peq uena cicatriz da operação do apên dice que
fizera aos catorze anos.

Não tin ha a menor importância que conhecessem o corpo um do outro,


desde que permanecessem ju ntos na quela selva úmi da e escura por pouco
tempo. Mas do jeito q ue as coisas iam, n uma noite qual quer poderia
acontecer o inevitável: ele se aproximaria dela e a tocaria. Eve não oporia
nenhuma resistência. Haveria a entrega e ali, em plena selva, ela se sentiria
pela primeira vez m ulher.

A cada um desses pensamentos, Eve sentia um calafrio. Desviou então


os olhos de Wade, pois os movimen tos de seus braços musculosos e a
camisa colada ao corpo pareciam derretê-la por dentro, assim como o sol
parecia querer fazer com toda a nat ureza.

Ela se lembrou da noite em que pararam e amarraram a canoa para


descansar. Após um ba nho, deitaram-se ao lado do fogo e conversaram
tranquilamen te sobre assun tos impessoais. Esta vam tão à vont ade que
poderiam chegar facilmen te à intimidade q ue ambos desejavam e temiam.
Se ele a tocasse, se ele a possuísse, Eve sabia q ue teria conhecido o paraíso
e o inferno de que ele lhe falara qua ndo lhe disse que não era livre para
poder unir-se a ela.

Quando olhava para ele, porém, sabia que tin ha de ser tu do ou na da.
Não poderia entregar-se a ele e depois desistir de t udo com um sorriso doce
de sacrifício. Mas se não soubesse o que era estar em seus braços é claro
que conseguiria suportar uma separação. Foi difícil perceber isso, ainda
mais que ansiava por beijá-lo de novo, ser acariciada por suas mãos, sentir
seu corpo contra o dele...

Apertou os braços con tra o corpo, encolhendo-se toda, o pensamento


oscilando entre o desejo e o tormento de amar um homem que pertencia a
uma outra mul her.

— Suas mãos estão doen do? — pergun tou Wade de repente, enqua nto
remava.

Eve olho u para elas e sorriu. Estav am queima das, sujas e com as u nhas
quebradas. Peq uenos calos começavam a aparecer.

— Elas ficaram ásperas com o trabalho na missão — respondeu. —


Como já lhe disse, esfreguei chão e ta mbém descasq uei mui tas bata tas para
os pacientes. Será q ue a irmã Mercy e as outras voltaram para a Ingla terra
ou ainda estão tra balhan do por aqui?
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Acho q ue ain da estão por aqui. E nq uanto houver quem precise delas,
continuarão se arriscando.

Eve sorriu, ao perceber o sotaq ue irlan dês de Wade, q ue certamente


herdara do pai. E m seguida , virou a cabeça para o lado, ficou séria e
distraidamen te enfiou a mão dentro d'á gua ... Se ele não fosse católico, será
que deixaria a mul her?

— Tire a mão da água — disse ele. — Não se sabe o que é q ue tem


debaixo d'á gua. Se perder seus belos dedos, vou ter que me virar para
evitar infecção.

— Desculpe! — disse ela com um leve sentimento de culpa e obedeceu-


o. — Nem percebi o q ue estava fazendo.

— Claro q ue não. Você estava na In glaterra, pensando no dia do


casamento num a igreja enorme e com muitos convidados importa ntes.

Eve não quis contestá-lo dizen do que estava engana do e que resistiria à
imposição do t utor. Talvez entrasse para um convento è depois retornasse à
África, para trabalhar com a irmã Mercy o resto de sua vida . Por que não?
Parecia-lhe mais acertado do que viver ao lado de um homem que não
amava .

Como sempre, anoiteceu muito depressa. Wade remou em direção a


uma clareira. Levantou- se e ficou de pé, o corpo ereto e forte. Não parecia
cansado apesar de passar o dia todo reman do.

— Se tivesse q ue repetir uma jornada dessa — disse ele, passan do a


manga da camisa na testa suada — escolheria você como compa nheira. Uma
bela viagem para se recordar, não acha? Se algum dia fizer um cruzeiro num
navio luxuoso, lembre-se desses dias e noites. Vai chorar ou cair na
gar galhada .

— Não vou rir, não — replicou Eve, passeando os olhos pelo corpo de
Wade até se deter nos ombros rígidos. — Sabe, andei pensan do em entrar
n uma missão...

— O quê? Pretende ser freira?

— E por que não? Tan tas fazem isso!

— Sim, mas não tem nada a ver com você — disse ele em tom de
desprezo.

— Muito obriga da, major. Sempre me encorajando.. .

— Ora, Eve. Pare com essas bo bagens. Não é a sua e você sabe
perfeita mente disso. Esq ueça esse absurdo e faça aquilo que o desti no
manda.

— E o q ue é que ele man da? Sair de u m baile de debu tan tes para entrar
n uma casa cheia de crianças, com uma cozinha coman dada por um
cozinheiro eficiente, q ue vai me expulsar de lá o tempo todo!

— Seu destino não é esse. Você é bastan te inteligente para não aceitar
um casamento desse tipo. Procure alguém a q uem ame de verda de, mesmo
que seja um homem pobre. Assim vai aprender logo a fritar um ovo.

— Mais uma vez, obriga da. Imagino que esteja fazen do esse discurso
porque estamos próximos de Tanga .

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Aceitou, Eve. Aman hã tomará um avião que a levará para casa. Quer
dizer, se tudo correr bem e se Tang a estiver em paz.

— E se não estiver?

Eve estava agitada e sentiu uma dor profun da q ue vinha de den tro do
peito. Era como se os laços q ue a uniam a Wade começassem a se romper...

— Contin uaremos subin do pelo rio.

Wade pulou para a margem e rapid amente prendeu a canoa às raízes de


uma árvore. Eve o seg uiu pensan do, com desânimo, que aquela noite
poderia ser a última que passariam jun tos. En tão haveria o último ban ho de
rio, o úl timo jantar com gosto de fumaça...

Acenderam o fogo sem qual quer preocup ação em chamar a atenção do


inimigo. Wade O'Mara tin ha um certo senso de fatalida de, mas também
tinha consciência de q ue era um solda do corajoso, incap az de sentir medo
fosse qual fosse a sit uação. Eve aprendeu com ele a vencer o medo, e tinha
certeza de q ue se fossem atacados pelos rebeldes Wade a mat aria. Sim, ela
morreria em suas mãos. Era assim que q ueria morrer, se fosse preciso.

Ele alimentou o fogo enq uanto Eve assava o peixe tem peran do com
limão e cortava um pepino em fatias. Comeram coco como sobremesa.
E nquanto tra balhava, ela não po dia deixar de comparar Wade a um tipo de
homem como o seu tutor, que tinha a idade de Wade e q ue, no entan to, era
frágil e dependia demais dos outros. Morreria de fome na selva, perderia a
cabeça e não saberia disting uir um vespeiro de uma fruta. Homens como ele
sentiam-se importantes atrás de um a mesa de escritório e consideravam
Wade um bárbaro selvagem. Um bár baro adorável, pensou ela, q ue valia mil
homens daq ueles que estava para encontrar em Londres. Como explicaria
tudo aquilo a seu tu tor que a tinha educado, q ue a tinha permiti do viajar
para o exterior para ama durecer, para se preparar para um bom casamento?
Como convencê-lo de que não se casaria com o homem escolhido por ele?
Oh, não ! Voltariam a discutir, e tin ha o pressentimento de q ue da próxima
vez não suportaria e estouraria em lágrimas. E, na verda de, estaria
chorando pelo homem que tin ha deixado na África.

Junto à clareira em que acamp aram, muito próximo deles, um papa gaio
parecia observá-los. Moveu-se para a pon ta do gal ho e emitiu um som que
soou como: "Jantar... jantar" !

Ambos riram ju ntos.

— Nosso jan tar... — Eve murm urou. — É uma pena que as batatas
tenham acabado. Eram deliciosas.

— Em pouco tempo você estará janta ndo n um resta urante m uito chique,
saboreando um prato finíssimo.

Wade estava deita do na man ta e fumava um dos seus cigarros feitos à


mão. Acima dele, estendiam- se os galhos de uma árvore fron dosa, e por
trás dela o céu estrelado.

— Como pode ter ta nta certeza de que vou retomar a minha vida
anterior? — pergu ntou ela, sentada ao lado do fogo segura ndo os joelhos
com os braços.

Ambos se sentiam cansados, preg uiçosos, e ainda não haviam tomado


ba nho. Parecia que estavam à espera de que as águas se tornassem
pratea das com a luz da lua para depois entrarem nelas.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Porque assim será, Eve. Quer um doce?

— Seria bom se fosse doce! Adoraria um caramelo, mas me con tento em


mastigar um pedaço de chocolate, só para não emagrecer mais aind a e ficar
sem sal!

— Nunca vai ficar sem sal! — disse sorrindo, e passou-lhe a barra de


chocolate. — Sabe, não tolero m ulheres açucaradas!

— Devo entender isso como um elogio? — pergu ntou ela, mastiga ndo a
barra e bebendo u m gole q uente de uma bebida q ue Wade fez com sementes
silvestres torradas e moídas entre d uas pedras. — Você não come?

— Não, já sou salgado demais! Quero q ue cheg ue em forma a Tanga. E


que os deuses nos aju dem a chegar ! Já preparou a história que vai contar a
seu severo t utor?

— Eu lhe disse q ue ele era severo?

Eve forçou um sorriso, mas em seguida sentiu aquela con tração no


estômago, como se toda a alegria a estivesse aban donan do.

— Tenho a impressão de q ue ele espera que você vá se sujeitar à


vontade dele. Ima gino que já tenh a escolhido seu noivo, mas você não é
obriga da a aceitá-lo, se não q uiser.

— James é um bom sujeito, tive sorte demais até. Mas é o tipo de


homem que espera apenas me ver usan do um vestido maravilhoso ou
recebendo seus amigos chatos. Sabe, as classes endin heiradas são
conservadoras, aferram-se a certas ideias... Aqueles homens são diferentes
de você. Não saem por aí fazendo as coisas. Não têm meta de de sua
capacidade. Se tivesse me perdido na selva com James, a esta altura estaria
em grandes ap uros.

— Quer dizer q ue despertei seu interesse para outro tipo de homem?


Que eu a estraguei? Isto é, n um sentido figurado ! Ning uém poderá dizer que
comi mais do q ue um pedacin ho do bolo!

— Precisa ironizar tudo? — protestou Eve apertan do os dedos contra a


palma da mão. — Apesar dos perigos, esta foi uma das melhores
experiências em toda a minha vida. Jamais vou esquecê-la!

— Eu ta mbém não, E ve. — E virou-se de modo a poder observá-la. Seus


olhos se encontraram por alguns insta ntes e depois se desviaram.—É claro
que aconteceram certas muda nças, mas não lhes dê muita importância. Não
houve nada de especial e de definitivo. Quando voltar para casa e trilhar os
caminhos de sua vida, aos poucos se esquecerá disso t udo. Em um mês não
saberá nem mesmo como era meu rosto. Tenho absoluta certeza disso!

— E você certamen te trilhará os caminhos de sua vida!

— Sem dú vida! Vou lutar aq ui e ali até as coisas se arranjarem. Aí vou


tirar umas férias com minha.. . família. E depois aparecerá oportuni dade
para outras batalhas e... e assim por dian te.

— Nunca pensou em parar para descansar? Em se fixar de uma vez por


todas?

Eve fixou os olhos no fogo, pois percebeu que se enchiam de lágrimas.


Férias com a família, ele disse. Como aquela frase a dista nciava dele! Seu
significado refletia bem como ele a via: apenas uma garota que ele conduzia
em segurança pela selva, da ndo o melhor de si. Os solda dos devem ser
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

sempre considerados heróis, pensou ela. Não era a primeira vez q ue isso
acontecia a Wade, mas a ela sim. E Eve começou a vislu mbrar um futuro
terrível... Seria absolu tamente necessário esquecê-lo!

— Há muitos anos que levo esta vida — respon deu ele, atiran do o toco
de cigarro dentro do fogo. — Quando estiver velho e decrépito, talvez me
ofereçam um leito num hospital.

— Oh, Wade! — exclamou Eve, com um lamen to que não pôde evitar. —
Sinto vontade de chorar q uan do fala assim... como se sua família...

— Está bem, está bem. É uma brincadeira. Vamos nad ar? A lua está
linda e sinto vontade de mergulh ar... uma espécie de despedida pagã à
na tureza. Está disposta ?

Eve não esperou um segu ndo convite. Apan haram a toalha, o sabonete
e o rifle e caminharam em direção ao rio, cujas ág uas cintilavam sob o luar.

— Vamos lá, sedutora — disse Wade num tom de voz malicioso. Eve foi
para trás de um a árvore e se desn udou . Pend urou cuidadosamente as
roupas num gal ho e correu para dentro da ág ua.

Wade já havia entrado e nadava agilmente. Eve sentiu um a leve


excitação, que vinha tanto da água gelada q uanto do fato de nadar na
companhia dele. Ensaboou-se e depois aproximou-se de Wade para lhe
passar o sabonete.

— Que noita da, hein? — Os dentes de Wade brilharam ao sorrir. — Não


falta na da nessa última noite que passamos jun tos, a não ser música.

— Mas que ideia româ ntica!

Eve na dou graciosamente de costas. Wade era marido e pai, pensou


ela, e não precisava fingir que ignorava que ela era uma mulher. Nadavam
juntos pela última vez e Eve sabia o q ue queria que acontecesse... uma
última lembra nça antes de voltar à Inglaterra.

Quando seus dedos tocaram Wade, percebeu que o corpo dele vibrou. ..
Ele deu um a cambalhota, o corpo prateado sob a luz da lua. Seus cabelos
roçaram o corpo dela embaixo d' água . Depois seus braços a envolveram...
Era inacreditavelmente sensual! Sentiu-se fora de órbita qua ndo as mãos de
Wade deslizaram pelas curvas de seu corpo.

— Eve, sua perversa! — exclamou ele surgindo à tona. — Você parece


um peixe de escamas aveluda das, assim toda trêm ula. Estou louco por você!
Gostaria de ouvir seus gritos ecoando pela selva, mas é melhor eu não
cometer o pecado de possuí-la!

— Tem medo? — pergu ntou ela com sarcasmo e, em seguid a, passou os


braços em torno dele e sentiu seu corpo ardente den tro da águ a fria. — O
gra nde herói tem o coração fraco? Oh, Wade, faça amor comigo para que eu
guarde para sempre essa lembrança!

— Não é preciso fazer sexo com você para que se lembre de mim.—
Tomou-a então nos braços, saiu da ág ua e colocou-a de pé na margem do
rio. Deu-lhe uma leve palmada nas nádegas e acrescentou: — Pare de
ba ncar a fácil e comporte-se. Pela primeira vez na minha vida inglória, agi
com você como um cavalheiro. Não q uero estragar tu do.

— É por isso que os soldados ga nha m medalh as? — brincou Eve. — Eu a


vi em sua mochila. Por que a gan hou? Por q ue se comporto u como um
cavalheiro no campo de ba talha?
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Cheg a! — Agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a. — Teria sido a coisa


mais fácil do mun do atirá-la sobre a manta e fazer amor com você o tempo
todo, Eve, o tempo todo! Até deixá-la sem poder respirar. Sim, faria amor
com você tan to na lua lá em cima como na lama aqui embaixo! Em breve
você teria um filho, eu seria o pai, e sem poder me casar! Um pouco de bom
senso, Eve! Seja realista! Ponha a rou pa!

— Quero um filho! — Ela o abraçou, aproximando o corpo molhado do


dele. — Quero um filho seu — continuo u. — Um menino de cabelos negros,
como o que deu àquela mulher. Por que não? Quero alg uma coisa sua,
Wade, que fiq ue comigo, se é que ela o terá até você... até você conseguir o
que procura: uma bala no coração! — Suas mãos acariciaram o peito
musculoso e os dedos pararam sobre a cicatriz. — Nunca conheci um homem
de verda de. Oh, Wade, jamais haverá uma noite como esta, e jamais
estaremos tão sozin hos como agora. Algum homem me tomará mul her algum
dia. E quero que este homem seja você! E u quero você!

Ele a abraçou, como que convencido por suas palavras.

— Está bem — disse ele, ju nto ao pescoço de Eve. — Também quero


você porque é jovem, bonita e in gênua. Quero me afogar de prazer com
você aqui na selva. Quero beijar cada parte do seu corpo e deixar que meu
próprio corpo se desgaste. Mas eu me odiaria no dia seguinte e odiaria
você. Ah, Eve, volte para a Ingla terra doce e virgem, para que me lembre
de você desse modo. Como acha q ue poderia viver sem saber se teve meu
filho? Acredita que seu tutor gostaria que sua protegi da tivesse um filho de
um mercenário? Pense bem, E ve, pense bem. Uma garota pode esconder o
que se passa no fundo do coração, mas não pode escon der u m bebê.

— Como pode estar tão certo de q ue vou engravidar?

— Há uma gran de possibilida de.

Os olhos de Wade contemplaram a n udez de Eve. Seu rosto permaneceu


imóvel e encova do sob o luar, como uma estátua. Apenas os músculos em
torno da boca mostravam uma leve tensão.

— Meu anjo, tenho vivido momentos duros e não saberia me comportar


se a tivesse nos braços. Vamos, não é tão ingênua a ponto de não entender
o que quero dizer!

— Sei o q ue quer dizer... — respon deu ela com a voz rouca. — Estou
pronta para enfrentar as consequências!

— Não diga boba gens! É apenas um pouco mais velha q ue meu Larry,
uma menini nha com uma longa vida pela frente. Acha que vou estragar a
sua vida ? A minha foi dura e me fez d uro. Fiz coisas que não ouso contar.
Mas nunca ab usei de uma menina, e estouraria os miolos de q uem o fizesse.
Sabe do que sou capaz, Eve, não sabe? Pois então ponha a rou pa e faça com
que meu san gue pare de ferver!

— Oh, Wade...! — Er gueu a mão e afastou os fios de cabelo molhado


que cobriam a testa dele. — Você é impiedoso! Não me deixa agra decer-lhe
por tudo que fez por mim!

— Eu me sentirei basta nte satisfeito e agra decido q uan do vir você


segura dentro do avião q ue a levará para a Inglaterra.

Tomou-a pelos p ulsos e afastou-a. Por Deus, pensou ela, onde


encontraria um homem como Wade, tão excitan te e tão seguro de si
mesmo? Os vagal umes giravam em torno deles, eram peq uenas centelhas de
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

fogo que pareciam acender ain da mais o amor q ue crescia dentro dela pondo
fim a seu recato, a seu org ulho. Estremeceu ao ter certeza de que nem
mesmo agora conseguiria vencer a inflexibilidade de Wade. Ele apertava
seus pulsos com força e seus olhos brilhavam cheios de sensualidade.

— Você está me machucando. .. — disse ela com suavida de.

Ele a soltou... O tempo pareceu parar! Wade olhou fixamente para ela à
espera de um movimento. A emoção latejava entre eles tal q ual a selva com
seus exóticos perfumes...

Wade conti nuava firme em seu propósito, desafiando-a a con tinuar.


Sabia que ela era capaz de sedu zi-lo, pois já o fizera uma vez.

Estremecendo, ela se voltou e afastou-se. Não queria q ue ele a


odiasse... Wade tinha um filho em q uem pensar, e mesmo que a mulher não
fosse dona de seu coração tinha direitos legais que ele era obrigado a
respeitar. Wade era assim: persistente, leal e enérgico. E por isso Eve o
amava . O que sentia pelo major mercenário não era apenas atração física!

Por um momento, Eve sofreu silenciosa e intensamente. Depois,


caminho u em direção ao gal ho onde colocara as roupas, enxugo u-se cansada
e ciente de que seu empenho seria totalmente in útil.

De repente a selva perdeu todo seu encanto romântico. Seu coração


estava frio e mais do que nu nca desejou chegar a Tanga o mais rápido
possível.

Quando foi apan har a toalha, que tin ha atirado sobre u m arbusto,
sentiu uma dor no polegar. Um espin ho penetrou-lhe o dedo, espetan do-a
até a unha. A dor foi tão agu da que ela não consegui u evitar as lágrimas.

— Eve, já está pronta?

Wade caminhou até ela, já vestido e penteado. Eve forçou-se a ignorar


a dor, fez q ue sim e caminho u ao lado dele em direção ao acampamen to. O
fogo ainda estava vivo e a água da chaleira fervente.

— Quer um gole de café? Ou ele a faz perder o sono?

— Estou com sede — respondeu ela, sabendo que não dormiria para
ficar pensando nele.

Era desanimador q ue tivessem de se separar em breve. Distraidamente,


levou o polegar até a boca e sugou o lugar em que o espinho tinha
penetrado. Senti u o gosto de san gue, mas não quis verificar o estado do
ferimento para não chamar a atenção de Wade. Ele a havia avisado de que o
menor ferimen to na selva poderia infeccionar caso não fosse trata do
imediatamen te. Mas não poderia tolerar seus cuida dos, sentir suas mãos em
sua pele...

Sento u-se e contemplou o fogo. Era bem melhor que fossem corteses
um com o outro e evitassem todo conta to pessoal. Não se importa va por ter
posto de lado o org ulho e revelado o q ue sentia por ele. Mas de algum modo
precisava encontrar coragem para se afastar dele quan do chegasse o
momento. Mas agora não tinh a a menor força, pois ao menor sinal de
simpatia ela cairia em pran to, o que o deixaria exasperado. Homens como
ele odiavam as lágrimas, e não queria que Wade guardasse dela essa
imagem sentimentalóide.

Wade fez um chá e beberam na mesma caneca. Estavam senta dos


tranquilamen te quan do, de repen te, ouviram um barulho.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Eve ficou tensa. Wade levantou- se, virou a cabeça para o lado de onde
veio o ruído e manteve-se atento. O coração de Eve pulsou mais forte e o
cheiro penetrante da fumaça do fogo entrou em suas nari nas. Wade apanhou
o rifle e moveu-se sem fazer o menor ruído. Ergueu a arma e preparou-a.
Com passos leves, andou em direção à mata . Eve qu ase lhe disse para não
ir, mas conteve-se, tão aten ta q uanto ele.

Eve ficou só, observan do em silêncio e temen do pela vida de Wade. A


escuridão envolveu- o; e os olhos de E ve só viram o vazio; cada nervo de
seu corpo tenso vibrou. Esta va pronta para saltar e jun tar-se a ele. Não
conseguia afastar a ideia de que um ser h umano os ron dava.. .

Os minu tos se passavam. O silêncio foi quebrado com o can to das


cigarras e o coaxar dos sapos. Eve concentrou tanto seus olhos na escuridão
que mal percebeu o qua nto seu corpo tremia. A dor do polegar voltou forte
e pareceu tomar conta de tod a a mão esquerda .

— Não é nada — disse Wade despreocu pado. — Não senti cheiro nem de
ga to. Talvez ten ha sido um porco selvagem.

Eve não pôde dizer nada . Cerrou os dentes e não conseguiu relaxar.
Wade inclinou-se e pôs um a das mãos no ombro dela. O corpo de Eve vibrou
inteiro!

— Escu te aqui, não fiq ue assim tão nervosa só por causa de um porco.

— Mas e se fosse uma pessoa? Como pode ter certeza de que era um
porco? Nós podemos estar cercados por dezenas deles!

— Eu saberia, Eve! — Agachou- se, segurou o rifle com um braço e com


o outro abraçou-a. — Vamos, E ve, não é bom ficar nesse estado. Vamos,
saia dessa!

— Para você é muito fácil! Vive do perigo e não se importa com


ninguém. Aqueles rebeldes selvagens usam facas e eu... eu...

— Escute aqui, pare já com isso! — Pu xou-a contra o peito e pressionou


o rosto contra a cabeça dela, embala ndo-a como a uma criança. — Sentiria
o cheiro deles como sentiria a de um animal. Não acredita em mim? Eles
não gostam de tomar ban ho do jeito que você gosta. E não há nada mais
penetrante do que o cheiro do suor huma no. Meu anjo, eu sou u m solda do.
F ui treinado como um tigre. Vamos, acredi te, não havia nada na mata que
usasse calças compridas. Era apenas um porco esfomeado...

— Oh, Wade! — Passou os braços em tomo do pescoço dele e afu ndou o


rosto em seu peito quente. — Vai ficar contente qua ndo se vir livre de mim,
não vai? Sentirá u m gran de alívio qua ndo disser adeus para mim!

— Claro q ue sim. Vou sentir um gran de alívio ao ver você dentro do


avião que a levará até Lon dres. Fiz uma promessa q uan do se separou das
missionárias. Somos apenas duas pessoas que se encontraram em meio a
uma rebelião e que ficaram juntas por apen as algu ns momentos. Mas não
pense que não vou sentir sauda des de você... Seu rosto de manhã ao
acordar, amarrotado como o de uma criança; você pedin do água e
dentifrício para escovar os dentes, e tão boazin ha a pon to de aceitar comer
só peixe cozido em vez de ovos com bacon. E bebendo essa bebida que eu
improviso, como se estivesse beben do o melhor café brasileiro. Ora, Eve,
escute o que vou dizer: se um dia meu filho con hecer uma moça como você
eu...

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Pare! Não continue.. . — Ela abraçou-o com força. — Não fale comigo
como se fosse uma colegial que ainda não cresceu. Se não cresci antes de
encontrá-lo, saiba que isso acaba de acontecer. E como isso dói, Wade,
como dói!

Mais tarde, dormindo de costas para ele, Eve deixou que as lágrimas
rolassem silenciosamen te. E a dor? Diminuiria mesmo quan do voltasse para
a Ingla terra? O corpo e a voz de Wade desapareceriam grad ualmente de sua
memória? Ele era casado e ela é quem precisava se afastar, mesmo sabendo
que não amava sua mul her. Esse era o único consolo de Eve.

Ela acordou logo que aman heceu com uma dor ag uda na mão. Sentou-
se na manta e olhou para Wade que dormia de bruços, o rifle preso na mão
direita. Era vulnerável apenas naquele estado. Eve examinou-o por um
longo tempo. Era a última vez q ue ao acordar ele estaria dormindo ao lado
dela. Amava esse ru de mercenário q ue soube tratá- la com cavalheirismo e
de quem se lembraria com carin ho pelo resto da vida.

— Eu o amo — sussurrou. — Wade O'Mara, eu o amo, com todas as


forças de meu corpo e de meu coração.

Em segui da, cuidan do para não despertá-lo, levanto u-se, apanho u a


toalha e tomou o rumo do rio. Com a toalha desmancha va as teias que se
interpunham no caminho e que com orvalho se tornavam tão pesadas e
inúteis que as próprias aranhas as aba ndona vam.

A névoa cobria t udo. Havia um a at mosfera de mistério. Ao ajoelhar-se


para lavar o rosto, Eve viu uma cobra cinzenta e inofensiva sair do arbusto
e desaparecer entre as raízes de uma árvore.

Eve examinou a mão esquerda e se contrai u de dor ao tocar o ferimento


do dedo. Estava inflama do e com pus. Wade ficaria furioso se o mostrasse
na quele estado. E nfiou a pon ta da toalha na ág ua, ban hou o dedo e o
esfregou. Suou frio tal a dor que sentiu em toda a mão.

Não, não contaria a ele, pois já o tinha aborrecido demais. Aquele era o
último dia e sabia q ue Wade estava ansioso por chegar a Tan ga antes do
anoitecer. Queria livrar-se dela. Mas quase q ue torcia para que Tanga
estivesse sob o ju go dos rebeldes, pois assim permaneceria mais algum
tempo com o homem que amava.

Ao voltar pela trilha, um a libélula rodeou sua cabeça. Eve comparou-a a


uma joia voadora. Parou para se recom por e gan har a calma necessária para
encontrar-se com Wade e então viu um louva-a-deus, absolu tamente imóvel
sobre um ramo. A libélula e o louva-a-deus, aos olhos de E ve, resumiam o
que tinha visto na selva: inesperados momen tos de beleza, intermináveis
momentos de suspense...

Wade tinha acaba do de se barbear e servia o café improvisado quando


Eve chegou ao acampamento. Olhou-a fixamente, enqua nto lhe esten dia a
caneca.

— Dormiu mal, não é verdade? Percebi que se agito u muito e que


depois de dormir falou alg uma coisa. Está preocupad a com a sit uação em
Tanga ?

Ela fez que sim, com um gesto de cabeça.

— Eu faço o peixe — disse ele.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Para mim não é preciso. Não conseguiria comer um pedaço sequer. —


Nem mesmo a bebida q uente conseg uiu dissipar a sensação de náusea que
estava sentindo. — Não estou com apetite — acrescento u.

— Deve comer alg uma coisa. Depois que entrarmos na canoa não
faremos mais nenh uma para da.

— Eu.. . eu como mais tarde, na canoa. — Devolveu-lhe então a caneca


para que se servisse. — É melhor não insistir. Já disse, no momen to não
tenho apetite.

Ele concordou mas era visível sua preocupação, enqua nto comia o
peixe. Arrum aram as coisas e carregaram, a canoa. Eve sentou-se no banco
e pôs na cabeça o chapéu que ele lhe fez com palha e folhas secas. Estava
mal feito, mas servia para sombrear o rosto. Ainda tin ha a van tagem de
proteger os olhos, escon dendo assim as emoções q ue porventura se
estampassem neles. Wade remava energicamente. A camisa tinha
desbotado, e o tecido se desgastara.

Naquele dia Wade não lhe passaria o remo, e ela também não o pediria,
pois sua mão esquerda estava em péssimo estado. A dor começava a subir
até o pulso. O calor pesava sobre seus ombros como se levasse u m fardo.
Era por volta do meio-dia qua ndo sentiu sua cabeça mais leve. Quando
Wade lhe falava, a voz parecia vir do outro lado do rio. A garga nta estava
seca. Tento u pegar o cantil mas ele escorregou de suas mãos. Atrap alhada ,
estendeu o braço e até alcançá-lo agitou-se como se mal soubesse onde
estava. Seus lábios tremeram ao tocarem a boca do cantil para beber a
água. Eve tra nspirava demais.

O coração começou então a bater descomp assada mente e ela senti u que
ia desmaiar. Oh, Deus, será q ue estava com febre? Era possível. Não, não
podia ser, pois justamen te hoje Wade pretendia chegar a Tan ga para livrar-
se dela de uma vez por todas.

Ela tinha que disfarçar aquele mal-estar. Não queria mais incomodá- lo.

— Está se senti ndo bem, Eve? — perg un tou Wade e de novo sua voz
pareceu vir de m uito lon ge.

— Sim, estou... vou tirar uma soneca para ...

Tombou no piso da canoa senti ndo os ossos se dissolverem.

— Pode dormir. Quan do acordar, já teremos chega do em casa. Aquelas


foram as últimas palavras que Eve ouviu . Quan do suas pál pebras se
fechara m, caiu nu m sono profu ndo em consequência da febre intensa. Só
acordou muito tem po depois... em casa... de fato, em casa. Estava no
quarto fresco e de paredes cor de gelo da casa de seu tu tor em Essex, onde
dormia quan do criança e duran te as férias escolares.

Ao acordar, pensou que ti nha acabado de chegar da escola. Tin ha o


rosto encovado e o cabelo louro havia sido cortado bem curto.

Eve não se lembrava do major Wade O'M ara, e por um bom tempo não
se lembraria.. . Selva, febre, tra uma, cansaço... Estava ali deita da e tinha a
impressão de que se recuperava de uma doença de infância. A enfermeira
que entrava e saía do q uarto de paredes altas não fez o menor esforço para
que ela compreendesse que estava ali há cinco semanas, desde que a
retiraram do último avião a deixar Tanga, antes que a cida de fosse
devasta da pelas forças rebeldes.

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CAPÍTULO VIII

Eve correu graciosamente, saltou com a raquete e golpeou a bola, que


passou rente ao ombro do parceiro. Ele sorriu recon hecendo ter perdido
para uma joga dora brilhan te. Correu para a rede de tênis e lá se
encontraram. O sol fazia seus cabelos negros brilharem e clareava seus
olhos cinzen tos.

— Vamos até em casa, Larry, eu lhe ofereço um chá — propôs Eve.

— Com prazer!

Juntou- se a ela fora da qua dra e camin haram lado a lado pelo gramado
em direção a Lakeside, uma das casas mais elega ntes e agra dáveis naquela
parte de Essex. Nos fun dos da casa de telhado vermelho, havia um lago e
um mirante, e um jardim com rosas de todas as cores.

Estavam no verão, um dos mais quen tes que a In glaterra já con hecera,
por isso Eve jogava tênis com mais freq uência, ten do sempre um ou dois
amigos como parceiros.

Entraram pela porta de vidro, e deram nu ma sala espaçosa com paredes


cinza-prata . Eve observou Larry Mitchell passear os olhos ao redor, com ar
de deslum bre... Eve gostava dos olhos dele, e cada vez que os observava
com atenção era tomada por uma sensação estranh a como se ele lhe
lembrasse alg uém q ue tin ha con hecido e cuja imagem se perdera na poeira
do tempo.

— Você vive nu ma casa maravilhosa — disse ele. — Combi na com você,


Eve, com sua doçura, apesar de eu achar que existe em você um lado meio
selva gem q ue aflora qua ndo você joga tênis ou qu ando monta a cavalo.
Tenho a impressão de que você tem dois lados...

— E todos não têm?

A mão de Eve p uxou a sineta próxima da parede.

— Todos temos um lado claro e um lado escuro, não é? — conti nuou. —


Você, como estuda nte de medicina, devia saber a respeito de complexos e
traumas que fazem das pessoas o q ue elas são. Está gostando de trabalhar
no St. Saviour? Imagi no q ue seja ótimo fazer um estágio com o dr.
Clavering. Foi ele quem operou meu braço quan do disseram que eu ia
perdê-lo.

Larry espantou-se ao ouvir aq uilo e um po uco sem jeito aproximou-se


dela. Tocou-lhe o braço e correu os dedos até o polegar, on de tudo o que
tinha resta do da operação delicada era uma cicatriz esbranq uiçada.

— Eve, é inacredit ável! Mais ainda é o jeito como joga tênis! Chego a
duvidar que tenha q uase perdi do o braço. Seus braços são lindos!

— Hummm.. . está me canta ndo?

Ela sorriu e percebeu o qua nto Larry era atraente e fácil de se


pertur bar. Sempre fora moderado, mas suspeitav a que ele tam bém tinha um
lado impetuoso que se escon dia por detrás daq uela ap arência tra nquila.
Tinha pontos de vista definidos sobre determina das coisas e uma ou duas

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vezes chegou a discutir com seu tutor sobre o modo com q ue o país vinha
sendo governado.

— É difícil sufocar uma rebelião depois que estoura — tin ha dito numa
certa noite. — Isso poderia acontecer na In glaterra, assim como aconteceu
em outros países.

— Absurdo! — exclamou Charles Derring ton, acenden do um charuto e


da ndo uma baforada com aquela pose de quem confia plenamente em si
mesmo. Seu t utor considerava a In glaterra um império ainda po deroso e que
na da devia temer. — Apesar de todas as nossas falhas, Mitchell, somos uma
nação civilizada e jamais cometeríamos as atrocidades que os estrangeiros
cometem por aí.

— Que me diz da guerra na Ma nda? — pergun tou Larry.

— Os irlan deses são irascíveis — retrucou Derring ton. — Sempre foram,


sempre serão.

— Tenho u m pouco de sangue irlandês...

Eve sorriu consigo mesma ao notar o olhar que seu tutor lançou sobre o
estuda nte de medicina . Depois que cedeu à insistência de Eve em recusar o
casamento com James, Derringto n começou a ver u m possível noivo em cada
jovem que visitava La keside. Há dezoito meses atrás alarmou-se com a
doença de Eve e desde então ficou menos au toritário. Eve era t udo o que
ele tinha. C harles Derrington n unca preten deu se casar, e desde aq ueles
dias e noites de febre alta e dor sua afeição por Eve pareceu au mentar.

Larry contin uou movendo seu polegar contra a pele da mão de Eve.
Com firmeza, mas sem agressivida de, ela afastou-se dele. Gostava de Larry
e senti u prazer ao conhecê-lo no baile do St. Saviour, onde trabalha va como
auxiliar de enfermagem, mas não o amava... Não sabia porque, mas não
sentia vonta de de se apaixonar. Queria apenas ser útil e desfru tar as horas
de descanso com compa nhias agra dáveis.

Uma criada trouxe um carrin ho com um bule de prata e xícaras de


porcelana colocadas sobre uma toalha de ren da. Tudo na casa de Charles
Derrington acontecia de maneira convencional e elegante. Aos olhos de Eve,
o tutor era bem anti qua do.

— Está ótimo, Hilda — disse ela à criada. Havia san duíches de pepi no,
bolinhos e torta de morango. — Obriga da.

A criada fez um sinal de reverência e se retirou. Larry abanou a cabeça,


como se estivesse encan tado.

— Ca da vez que ven ho a Lakeside me sinto volta ndo aos anos 30. Acho
que foi nessa época que seu tutor resolveu parar o relógio.

— É possível. — Eve riu e indicou-lhe a cadeira. — Por favor, acomode-


se.

Larry sentou-se nu ma enorme cadeira de braços e observou-a servir o


chá, com creme e açúcar. O sol entrava pelas janelas altas fazendo brilhar
os cabelos de Eve, que caíam sedosos sobre os ombros. Quan do ofereceu a
xícara a Larry, percebeu que ele a olhava de modo penetran te.

— É irlandês por parte de pai? — pergu ntou ela, recostando na cadeira


e senti ndo-se à vonta de na presença dele.

— Não, por parte de mãe. — Saboreou o chá e conti nuou:


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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Veio de Cou nty Mayo e ainda tem sotaq ue. Guard a uma mistura do
charme e do tem peramen to enérgico dos irlandeses. Acho que ten ho um
pouco disso ta mbém, pois adoro uma discussão com seu t utor.

— A ida de deixou Charles mais calmo. Em outros tempos ele o teria


pego pela orelha e posto para fora daq ui. Detestava quem q uestionasse suas
ideias conservadoras. Mas ele gosta muito de você, Larry.

— E você, gosta? — Os olhos de Larry se abriram como que querendo


saltar do rosto ma gro. — Eve, nu nca con heci uma moça como você. Você
não é apenas adorável, há em você uma espécie de gentileza que... sabe,
acho que não devia trabalhar no hospit al, ver coisas desagra dáveis, embora
saiba que o faz por vont ade, que se interessa de fato. Às vezes você dá a
impressão q ue tem um coração de aço.

— Trabal ho porque morreria de tédio se ficasse nessa casa cuidan do do


jardim de manhã e joga ndo cartas à tarde. O trabal ho me faz sentir viva,
ú til. Mas antes já tin ha colaborado em uma missão.

— Foi na África, não é?

Enquan to mastig ava o sanduíche, observou atentamen te o corpo


encanta dor de Eve, imagina ndo o qua nto era jovem para já ter tido aquele
tipo de experiência. Tinha voltado de lá doente, incapaz de até mesmo se
lembrar dos detalhes da fuga de Tan ga.

— Foi... foi na África. — E franziu o cenho, pois ao pronu nciar a palavra


África sempre lhe vinha uma lembrança indefinida. — Trabalhei com as
missionárias e não sei como escapamos. Acho que alguém nos aju dou.

— Deve ter sido assustador! O que a levou a ir para lá? Sabia que a
região estava cont urbada politicamen te, não sabia?

— Sim... Foi por causa de um homem — respon deu gargalha ndo. — Não
queria me casar com ele e então fu gi. Não é engraçado?

— Não queria porque não o amava , é isso? Você precisa amar e ser
ama da, loucamente.

— Amar? — E mordeu um pedaço do bolin ho. — Acho que o amor é


como uma garrafa de mel quebrada !

— Você fala com muita amar gura! Fala por experiência própria?

Eve olhou através da janela e contemplou as árvores, pois aq uela parte


da sala dav a para o jardim e para o lago, cujas margens eram rodeadas de
chorões.

— Não sei — respon deu ela. — Desde que fiquei doente minha memória
tem falha do. E por isso que às vezes me pergun to se é possível esquecer um
amor, se ele foi vivido. Que acha disso?

— Se o amor só lhe trouxe dor, então deve ser esquecido. Não terá sido
assim?

— Tem razão, talvez tenha sido assim. É provável que eu não tenha
sido correspon dida. Mas de qualq uer maneira é irrita nte não poder me
lembrar.

Larry inclinou-se para a frente e fixou os olhos no rosto dela. Eve


surpreendeu-se olha ndo fun do para aqueles olhos acin zentados e lhe veio de
novo aquela recordação!

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Você é a garota mais sensível que já conheci e talvez a mais


apaixo nante. E é engraçado porque essas d uas qualid ades camin ham de
mãos dadas.

— Paixão e sensibilida de?

— A capacida de de sentir uma emoção em seu mais alto gra u —


respondeu Larry. — Só não consigo imaginar que tipo de homem permitiu
que você partisse, se sabia do amor q ue alimenta va por ele. Deve ter sido
rude e implacável.

— Implacável... — ela repetiu, e de repen te deu um sorriso cínico. —


Acho que o amor é um pequeno porto nu ma terra de sonhos. É assim que o
vejo... Estou son han do com uma coisa que nunca existiu. Peg ue um pedaço
de torta. Foi feita em casa e costuma ser deliciosa.

— Obriga do. Eve, você é feliz?

Ela refletiu sobre a perg unta e respo ndeu:

— Tenho a impressão q ue sim, Larry. Moro numa casa maravilhosa,


tenho um tu tor que agora me trata como mulher e não mais como u ma caixa
de bombom a ser entregue a um noivo, e estou muitíssimo interessada no
trabalho que venho desenvolvendo no hospital. Não vejo porque não me
sinta feliz com esse tipo de vida. E você?

— Estou fazendo o trabal ho que sempre desejei fazer e tive uma sorte
tremenda em conhecer você. Está sempre me convida ndo para vir a
Lakeside e agora quero lhe convidar para conhecer min ha família. Moramos
perto de Regent's Gate, em Londres, e eles vão ficar conten tes em conhecê-
la.

Eve considerou o convite e sentiu-se amedronta da. Não queria que


Larry se envolvesse com ela, mas por outro lado não seria cortês de sua
parte recusar essa visita a sua família.

— Diga que virá comigo — insistiu Larry. — Olhe, no domingo que vem
vou ter a tarde livre. Será um passeio gostoso, se fizer um tempo como o de
hoje. Sabe, meu carro não é muito ruim. Comprei-o com um dinheiro que
ga nhei de aniversário e q ue me foi manda do diretamente do Marrocos.

— Marrocos? — Eve intrigou-se. — Tem algum parente por lá?

Ele fez que sim e seus olhos se encheram de um orgul ho adolescen te.

— O irmão de mamãe. Durante m uitos anos viajou, mas agora se fixou


n uma fazenda com plant ações de fru tas cítricas que ele comprou há uns
nove meses. Parece q ue o negócio está da ndo certo, o que não me
surpreende. Ele é desse tipo de homem q ue trabalha com garra. É um pouco
duro, sabe, mas fiel a sua palavra. Não posso deixar de dizer q ue o adoro,
sem levar em conta que aju dou mui to em min ha educação enviando-me
dinheiro. É por isso que agora posso estar estud ando medicina. Meu pai é
condutor de trem. Gosta do trabalho mas ga nha mal, isto é, o suficiente
para sobreviver.

— Acho q ue vou adorar conhecer sua família, Larry — Eve disse, como
se de repente tivesse tomado outra decisão. — Quero conhecer seus pais,
sempre me senti fascinad a pelos condu tores de trem.

Ele sorriu e Eve fitou-o, pensan do em q uan to ele era atraente.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Se não se importa, venho buscá-la ao meio-dia do próximo domingo


para almoçarmos com meus pais. Rosbife, chouriço e bata tas assadas
obrigatoriamente. É o prato tradicional de papai nos domin gos.

— Uma combin ação in teressan te — disse ela com meig uice. Num
impulso, tomou a mão de Larry, mas retrocedeu qua ndo ele fez menção de
beijá-la. Eve meneou a cabeça.

— Não devemos misturar sentimentos, Larry. Por enq uan to, somos
apenas amigos.

— E não me dá nen huma esperança? — pergu ntou ansioso.

— Larry, você é jovem, e o mun do está cheio de moças. Algumas


enfermeiras do St. Saviour são muito bonitas, especialmente de uniforme.

— Nenh uma se ig uala a você — disse ele. — Você tem algo diferente,
um ar de mistério, que me fascina.

Eve riu, levantou-se e foi até o piano. Tocou uma música que pareceu
surgir de um passado esquecido... Eve não sabia por que essa música a
perseguia. Deu um sorriso e passou a tocar uma música moderna. Voltou-se
então para Larry e disse:

— Se estiver livre esta noite, Larry, podemos ir dançar no Beach Cl ub.


Pelo menos lá tocam músicas sentimentais.

— Gostaria de poder aceitar o convite.

Larry parou atrás de Eve q ue, ao percebê-lo, embaraçou-se.

— Toque de novo a primeira, a mais sentimen tal.

— Perdi damente sentimental...

— Deliciosa, eu acho. Costuma tocá-la, não é verda de? É a preferida do


seu tutor?

— Oh, não, Larry.. . Charles é fã de gran des regentes e detesta meu


gosto simples, como costu ma dizer. Ele adora gran de orquestrações,
músicas complicadas e erudi tas. Sabe, não se conforma com minhas
preferências, pois não me educou para isso. Ah, Charles! Devia ter tido um a
filha...

— É um homem de sorte — m urmurou Larry.

De repente, curvou-se sobre Eve e beijou-lhe os cabelos.

— Eve, gostaria de levá-la para da nçar, mas preciso voltar para o


hospital. Mas estamos combinados para domi ngo. Vai manter a promessa?

Ela virou-se para Larry e noto u que o cabelo lhe caía na testa. Alguma
coisa no rosto dele a intrigava !

— Prometo ma nter a promessa — respondeu, tenta ndo brincar. —


Precisa ir mesmo?

Ele consultou o relógio e disse que sim com um gesto de cabeça.

— Eve, você é sedutora, mas o dever me chama e tenho apenas vinte


minutos para chegar ao hospital. Domingo, ao meio-dia, certo?

— Estarei ag uarda ndo.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Observou-o afastar-se em direção ao carro dian te da entrada. Ele


sentou-se à direção e deu-lhe adeus. Ela ficou parada na porta até q ue o
carro sumiu por detrás dos portões.

Sobreveio um silêncio profu ndo. Eve passou a esmo pelo jardim, onde
as rosas luziam sob a luz do sol. Senti u uma leve depressão. O aroma das
flores parecia q ue acrescenta va um sentimento de... não, não sabia de que
sentimento se tra tava. Deteve-se, tocou u ma rosa e as pétalas começaram a
cair. Contemplou as pétalas caídas. O amor se parecia com elas, pensou.
Por instantes brilha e depois se perde na memória.

Perda... sim, era um sentimento de perda. Estaria sentin do aquilo por


ter-se despedido de Larry? E ntão estava começando a gostar dele? Ele era
simples, sincero, um bom compan heiro, mas mais jovem q ue ela! Não
apenas na idade, pois era apenas u m ano mais novo, mas sobretudo
emocionalmente.

Perambulou pelo lago, que refletia um céu avermelha do, pois o sol
declinava. Encostou-se contra uma árvore e esfregou o indicador sobre a
cicatriz do polegar.

Queria trazer à memória o que lhe tinh a acon tecido na África, pois tudo
o que sabia tinha sido dito pelo tu tor, informado pelos tripulan tes do avião
que a trouxe para a I nglaterra. Um solda do a tinha carrega do pelas ruas
incendiadas de Tan ga e depois de colocá-la a salvo den tro do avião
desapareceu. Ele ha via prendido um bilhete à camisa dela, com seu nome e
endereço. Nada mais sabia a respeito dele. Gostaria de encontrá-lo de novo
para poder agradecer-lhe. Quan do procurou entrar em conta to com a irmã
Mercy e as demais missionárias, foi informada de q ue tin ham morrido com a
explosão de um a bomba na missão em Tanga.

Por que, Eve pergu ntou-se com os olhos fixos nas ág uas do lago, a
bondade e a solidariedade tin ham de ser retribuídas com tant a cruelda de?
Ou seria verdade q ue os puros de espírito encon travam sua recompensa
depois da morte? Deveria ser verda de, mas talvez o soldado desconhecido
ainda estivesse vivo...

A nostalgia começava a dominá-la e o melhor a fazer era voltar à casa


antes que derramasse lágrimas inu tilmente. Seu tutor era bom para com ela
e no próximo domin go iria até Londres com Larry para con hecer gente nova
e trocar ideias. A vida era boa, sim, e tento u afastar os fantasmas que às
vezes insistiam em persegui-la.

Entrou na casa, aspirou o cheiro de charu to e ouviu vozes masculinas


que vinham do escritório. Espiou e viu Charles na compan hia de dois
homens. Preparava-se para se retirar q uan do ele a viu.

— Eve, até q ue enfim apareceu. Onde estava? Joga ndo tênis? E ntre e
cumprimente Stephen Carlisle, que veio de Nova York para comprar uns
quadros na galeria Christie. Já conhece Tyler, naturalmen te.

— Olá, Tyler — disse ela, sorrindo para um dos mais velhos amigos de
C harles e, em segui da, cumprimentou o americano, q ue não ficou insensível
a sua beleza.

— Encanta do, srta. Derring ton. E se digo encanta do, q uero dizer
exatamente isso.

— Obriga da — respon deu ela. —Mas meu sobrenome é Tarrant .

— Compreen do — retrucou ele, sorrindo. — Srta. Tarrant?


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— Sim, senhorita — respon deu ela e olhou significativamente para


C harles. — Diga a seu amigo que solte min ha mão para q ue possa me
aprontar para o jant ar.

Charles gargal hou e ao dar uma baforada, estam pou-se em seu rosto
uma expressão de satisfação. Ah, pensou Eve, o americano deve ser rico e
C harles tem suas pretensões... Mas não daria certo, pois decidiu q ue se
tivesse que amar, melhor seria deixar que a amizade com Larry Mitchell
evoluísse para uma aproximação maior. Larry a intri gava... Quanto mais o
via, mais se sentia atraída por ele. Claro q ue preferiria q ue fosse mais
velho, mas tinh am tempo de sobra pela frente e ela tin ha certeza q ue seria
uma boa companheira para ele.

Stephen Carlisle era um tipo de homem que olhava uma mul her como
olhava os qua dros q ue comprava , isto é, um objeto para ser possuí do e
admira do, mas cujas opiniões seriam totalmente ignora das.

Eve puxo u a mão com firmeza e noto u que ele franziu a testa. Estava
claro o que ele era: arroga nte, mal-humorado e certo de que o dinheiro o
tomava atraente.

— Devo descul pas por não poder jantar com os senhores — disse ela a
C harles. — Tenho um encontro no Beach Club.

— Não pode adiá-lo? Se for com Larry Mi tchell, ten ho certeza de que
ele a entenderá.

— O senhor subestima Larry — replicou ela, sem se preocupar em dizer


uma mentira, pois sua intenção era livrar-se de Step hen Carlisle. Iria ao
clube, apesar disso, porq ue lá encontraria amigos com quem poderia
da nçar. — Larry tem muita determinação. No domingo vai me levar para
conhecer seus pais.

O tutor cravou os dentes no charuto numa demonstração de que não


concorda va com a ideia. Gostava de Larry, mas era um rapaz pobre e não
via nele o sujeito ideal para se casar com Eve.

— Você é uma moça sensata — disse ele. — Acabará fazen do a coisa


mais acertad a. Não q uero dizer que Mi tchell não seja sim pático, mas é novo
demais para você. Sabe mui to bem disso. E u a con heço, Eve, não me venha
dizer que não. Você gosta de homens ma duros, sempre gostou.

— Meu querido C harles — disse ela rindo —, quem o ouve falar assim
vai pensar q ue andei atrás de todos os avós da região! Larry é um rapaz...

— É um menino ! Lig ue para o Beach Clu b e diga-lhe que não poderá


comparecer porque precisa receber meus hóspedes.

— Isto é uma ordem?

Eve esperou pela resposta, para da na soleira da porta , o rosto pega ndo
fogo, os olhos desafiadores. Durante mui to tempo não precisara agir assim.
Mas naquele momen to C harles contava com Carlisle e tinha a intenção de
impressioná-lo.

— Sim — respon deu C harles secamente, inclinan do a cabeça. — Pode


entender isso como u ma ordem.

— Muito bem.

Não discutiria com ele na quela noite.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Mas não posso falhar com Larry no domin go — disse ela. — Vou
almoçar com os pais dele, pois ten ho muita vontade de conhecê-los.

Com estas palavras, voltou as costas para os três homens e atravessou


o vestíbulo em direção à escada circular. A cada degrau , o calor aumentav a
e ao chegar ao q uarto seu rosto parecia estar pega ndo fogo. Não, não
permitiria q ue t udo começasse de novo. Não aceitaria nenhum casamento
arranja do. A vida com James teria sido insossa e monóto na, mas não
imagi nava o que acon teceria com Carlisle. Sua boca alertava-a de q ue era
voluptuoso e na da mais do que isso. Era u m homem que certamen te vivia
para o prazer e para sua coleção de obras de arte.

Estremeceu ao pensar naquela boca de lábios grossos tocando sua


pele... Isso a lembrava de... Oh, Deus! Passou as mãos pelos cabelos num a
tentativa de apa gar lembranças imprecisas. Alguma coisa terrível e
apa vorante devia ter acontecido com ela na África. Alguém deve tê-la
atacado e o soldado que a pôs no avião salvou-a!

Eve tomou um ban ho e enq uanto se vestia procurou uma resposta para
o mistério. Era horrível ter um vazio na memória e sentir que era vital
preenchê-lo!

Olhou sua imagem no espelho. Passou o perfume e olhou para o vidro.


Tabu. Por que o teria comprado se estava acostumad a a usar Je Reviens,
mui to mais suave?

Voltou a se olhar no espelho ao colocar o colar de pérolas que Charles


lhe dera de presente logo depois q ue se recuperou. Pen teou os cabelos que
desciam lisos e macios sobre o ombro esquerdo... Era a própria Greta
Gar bo, pensou sorrindo, pronta para se sentar entre homens e se comportar
como uma mulher fatal.

— Estou olhan do para você, Eve.

Eve levou as mãos ao rosto ao ouvir aq uela frase perturba dora q ue não
sabia de onde vin ha!

— Quem é você? — sussurrou , olhando a sua volta. — Por que me


persegue desse modo? Que q uer de mim? O q ue você sig nifica para mim?...
Por favor! Por favor,não se esconda de mim!

Mas tudo que viu foi seu q uarto decorado com bom gosto: a cama de
dossel, as espreguiçadeiras acolchoad as, a estan te de livros que ocu pava
dois ângulos da parede e as janelas altas forradas com cortinas de brocado
que iam até o chão carpetado.

Um quarto encant ador e tra nquiliza nte, onde apenas dois homens
entraram, seu t utor e o médico. O fantasma que a atormentava não tinha
nenhuma relação com ele, com a casa ou qual quer lugar de La keside.

Tinha de ser alg uém q ue conheceu na África... Suas mãos desceram do


rosto para o pescoço, tocaram seu colo e depois seu coração. Certificou-se
então que ele estava morto. Sim, agora sabia definir seu sentimento. Era
uma dor, uma percepção profu nda da perda de alguém que lhe significara
mui to. Quem era esse homem cuja imagem se perdera em sua memória e
para quem, inconscientemente, chegou a usar Tab u?

Desceu para a sala de ja ntar e jun tou-se aos três homens. Escutou
polidamente a conversa e ignorou as insinuações q ue os olhos de Carlisle
deixavam transp arecer. Comeram lagostas recheadas com cebola, cogumelo,
e queijo ralado, como entrada , depois galinha defuma da com melão e
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finalmente, como sobremesa, sorvete de café. Seu t utor trabalh ara em


Barba dos como funcionário do governo, e era tão apaixonado por esses
pratos que os man dava preparar pelo menos d uas vezes por semana.

— Uma refeição excelen te, sr. Derrin gton! — comentou Carlisle. Devia
estar estufa do de tanto comer, pensou Eve.

— Se o senhor e Tyler vão fumar, gostaria que a srta. Tarrant me


levasse até o miran te — contin uou Carlisle.

— De modo algu m, Stephen — respondeu C harles, ignora ndo o olhar de


súplica de Eve. — O charu to apressa o fim de um homem de meia-idade.
Mas é claro que pode e deve desfrutar da compa nhia de uma garota bonita.
É dia de lua cheia e aproveito para lhe informar que o lago é uma pintura
que não está à vend a. Eve, mostre ao nosso amigo americano como é um
jardim inglês ao luar.

Eve desejou fu gir e adia ntou-se. Mas antes que chegasse à porta a mão
de Stephen Carlisle segurou-lhe o cotovelo. Eve correria o risco de parecer
indelicada, caso tentasse escapar, por isso não esboçou nenhu m gesto de
recusa.

— Não vai precisar de um agasalho, não é?— perg un tou ele. — A noite
está quente e você iria tirar-me o prazer de admirar u m vestido tão bonito.

Eve compreendeu o q ue ele queria dizer.

— Na verdade, gostaria de apa nhar minha capa — retrucou ela


friamente. — Em bora no verão os dias sejam quen tes, à noite sempre faz
frio.

— Você tam bém me parece fria.

Ele a deteve ao chegarem ao vestíbulo, forçando-a a olhá- lo.

— Não gosta de mim, Eve? Em geral, as mulheres gostam.

— Isso deve deixá-lo org ulhoso! — exclamou ela. — Mas acontece que
conheço um rapaz q ue dá d uro para sobreviver e que não gostaria nem um
pouco que eu desse a impressão de que estou livre.

— Seu t utor me assegurou q ue não existe nada de definitivo entre você


e o tal jovem. Mesmo que existisse, Eve, eu não recuaria nem um passo,
porque me sinto atraído por você! Dizem q ue as in glesas são aparentemente
frias, até mesmo indiferen tes, mas q ue no íntimo são ardentes. Vim à
Inglaterra não apenas para comprar obras de arte para decorar minha casa
em Manhattan, mas também para procurar uma esposa...

— Sr. Carlisle — disse ela, desembaraçan do-se dele —, não estou à


venda no mercado de casamentos e por favor não me veja como um qua dro
que possa ser comprado ! Vivo min ha própria vida. E u escolho a pessoa com
quem devo me envolver. Além do mais, o senhor não é meu tipo!

— Seus olhos soltam faíscas qua ndo se irrita — murm urou ele. —
Parece engraçado, mas não gostaria de tê-la em meus braços
imediatamen te. Quando u m homem é rico, sabe, não lhe faltam mulheres...
Eve, você me intrig a. De fato, deixou claro que prefere um médico pobretão
a um homem de recursos consideráveis... O que é você? Uma mulher
romântica?

— Talvez seja. Nós, as românticas, somos uma espécie em extinção


nessa época de amores prostituídos.
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Gosto de você cada vez mais... — replicou ele, mostrando os dentes


bra ncos num sorriso. — Quan do aceitei o convite de Derring ton para visitar
sua casa, mal suspeitei q ue ia encontrar uma joia ju nto com sua coleção de
pedras e moedas raras, que foi o que me trouxe aq ui. E então, não quer me
mostrar a vista que se tem do miran te?

— Vou buscar minha capa.

Eve abriu a porta do armário no vestíb ulo onde guar davam agasalhos.
Procurava pela capa de veludo negro com capu z e enq uan to o fazia senti u
que Stephen Carlisle a observava com olhos maliciosos. Envolveu-se com a
capa e cobriu a cabeça com o capu z.

— Está esperan do que a capa lhe dê uma aparência de freira? —


perguntou ele.

Eve ignorou a pergu nta com desdém e dirigiu- se para a pequen a escada
circular que cond uzia ao mirante. Abriu a porta de vidro que dava para o
mirante e parou no para peito curvo.

Carlisle permaneceu longo tempo atrás dela. Acima deles, descortinava-


se o céu estrelado de verão onde se via a lua cheia. No lago, os juncos e os
chorões se moviam ao sabor de u ma leve brisa... Fazia uma noite
maravilhosa e Eve sentiu a mesma dor no coração... Larry Mitchell talvez
fosse jovem demais para minorar sua dor e Carlisle demasiado egoísta para
compreendê-la.

— Seu t utor tem razão qua ndo fala do lago — disse ele. — É uma
pintura que jamais seria fielmente transposta para uma tela. Eve, di ga-me
uma coisa, ele nu nca se interessou em mandar retratá-la?

— Quan do tin ha dezoito anos... mas não gostei da ideia. Acho q ue só se


deve pintar retratos de pessoas que já viveram muito e que sofreram de
verdade, para que neles se reflita toda sua experiência.

Aproximou- se de Eve, debruçou-se no para peito e contemplou-a.

— Eu a retrataria assim, apenas com a capa e o cap uz joga do para trás,


os olhos refletindo as águ as do lago, como se visse nele o que outras
pessoas não conseg uem ver. Posso saber o q ue é? A espada doura da de
algum cavaleiro armado?

— Mas que tolice! Meu roma ntismo não chega a tal pon to, sr. Carlisle.

— Por que não me chama de Stephen?

— Que diferença faria? — disse ela friamente. — Esta é a primeira e


última vez que vamos nos ver.

— Se fosse uma outra garota, entenderia essa frase como uma


conquista , uma isca para um peixe. Quero mui to revê-la e vou dizer isso a
seu tutor. Ele conhece seu valor, Eve, e não permitirá q ue se envolva com
um estudan te de medicina q ue mesmo qua ndo formado jamais poderá
satisfazer suas necessidades. Ain da mais uma garota como você,
acostumada a uma vida luxuosa. Conseguiria viver n um pequeno
apar tamento e com apenas u mas poucas libras semanais? Seus sentimentos
românticos sobreviveriam a esse tipo de amor?

— Um amor verda deiro sobrevive a qualq uer situação. Se me casar com


Larry, contin uarei trabalha ndo. Serei sua compa nheira, jamais farei parte de
seus bens.

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— Minha querida Eve, você foi feita para pertencer a um homem —


retrucou rindo. — Ora, seja honesta consigo mesma. Sabe q ue não quer um
menino, mas um homem de verdade, experiente. Um homem que possa lhe
mostrar o mundo e fazer florescer em você a mulher que está adormecida .
Há esta mulher dentro de você, no momento enclausurad a e q ue só um
homem forte fará despertar. Você sofrerá muda nças, Eve! Quando você se
der conta disso correrá ao encontro desse homem com esses seus cabelos
de raposa!

Eve senti u uma ponta da repen tina no coração. Por q ue aquelas palavras
lhe soavam tão familiares? Cabelos de raposa... Não, não era a primeira vez
que ouvia aquilo de um homem!

— São assim os seus cabelos, não? Como os pelos de uma raposa!

— Creio que sim. Se já viu o q ue queria ver, acho q ue podemos


voltar...

— Não — disse ele, segurando-lhe as mãos. — Gosto da sua compa nhia,


Eve, e não q uero perdê-la. Gostaria uma noite dessas de levá-la ao teatro.
Depois poderíamos ir ja ntar. Por q ue não se permite conhecer-me melhor? A
maioria dos casos bem-sucedi dos surgi u de um primeiro desentendimen to...

— Confia demais em si mesmo, não? Antes de você, conheci apenas um


homem que...

Interrompeu-se bruscamen te, olhan do fixamente para o lago.


Concentrou toda a atenção no ruído da ág ua que ba tia contra os juncos, nos
ramos que se arrastavam deva gar pelo chão... Olhou bem as águas e por um
momento teve a impressão de q ue algu ma coisa sairia de lá de dentro,
ilumina da pelo luar, sacu dindo o cabelo negro, rude e primitivo como um
animal selvagem.

Eve estremeceu. O fan tasma a rondava de novo. Insistiu em olhar para


baixo e viu apenas árvores à margem do lago. Soltou u m suspiro e Carlisle
apertou-lhe ainda mais as mãos.

— Quem é o homem de quem acaba de falar? Foi importan te para você?

— Creio que sim...

— Onde está ele agora? Aind a o vê?

— Você... — Voltou a cabeça e olhou para o americano, um estranho


para ela até aq uela noite. — Você não tem o direito de me fazer esse tipo
de pergunta. Não existe nen hum laço entre nós.

— Nenh um laço?

Puxou- a para si abr upta mente e ten tou forçá-la a beijá-lo, mas Eve
baixou a cabeça e os lábios dele tocaram o veludo do cap uz. Não o olhou,
mas ouviu-o se q ueixar.

— Deixe-me ir, sr. Carlisle, caso contrário vou gritar, vou con tar a meu
tutor que tento u me violentar! Nossas leis ainda são severas, principalmente
quando a vítima está sob a t utela de um magistra do importante!

Ele a soltou e esboçou um sorriso inex pressivo.

— Você tem a líng ua bem afiada ! Precisa ser domada , este é seu
problema. Foi por isso que perdeu o primeiro homem e depois se envolveu
com esse rapazote? Fica assustada qua ndo um homem demonstra sua força!

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Qualq uer bruta montes pode fazê-lo! Quando uma mulher deseja ser
beijada , chega até mesmo a aceitar a força predominante do homem.. .

— Quer dizer q ue teria gostado se a beijasse? — perg untou com


sarcasmo.

Mais uma vez, Eve não se preocupo u em responder. Limitou-se a


caminhar. Desceu a escada em direção ao vestí bulo e foi para a sala de
estar para despedir-se de Tyler. Ao dizer boa noite ao tutor, perg untou- se
como ele po dia confiá-la a um homem como Carlisle e supor q ue ela se
sentiria atraída por seu dinheiro.

— Onde está Stephen ? — pergun tou C harles.

Seus olhos brilharam ao lembrar-se dos dias em que teve de lut ar para
não se casar com James. Oh, Deus, pensou ela exausta , como a gente se
enga na com aqueles que se dizem apaixona dos! Eve senti u q ue nem mesmo
seu tutor se importava realmen te com ela!

— Provavelmente arden do nas chamas do inferno! É bom que saiba


desde já que ele não lhe fará nenhum a oferta para me conq uistar, pois
acaba de descobrir que não ten ho o charme que esperava! Charles, eu cuido
da minha vida! Vivo de meu trabalho e só fico aq ui porq ue acredi to que
queira minha compan hia. Se tivermos que voltar ao sistema an tigo de
selecionar homens ricos para me arrumar um bom casamento, fique sabendo
que prefiro arru mar minhas malas e partir aman hã cedo. Boa noite!

Eve foi para o q uarto. Sentia-se infeliz e nervosa. Agarrou-se à imagem


de Larry. Ele ao menos queria que ela se descobrisse por si mesma, que
fosse dona de seu nariz. Detestava esse comércio em nome de u ma situação
social e fina nceira. C harles seq uer pensava se ela seria feliz ou não!

Com a porta fecha da, andou pelo quar to e por fim deitou-se, o rosto
enterrado no travesseiro. Não chorou, mas sentiu- se fraca e desam parada.
Queria amar, recuperar o amor perdido no outro lado do mun do, no outro
lado do paraíso. Sabia q ue tinha amado um homem ap aixonadamen te e que
jamais tornaria a vê-lo. Um homem q ue tinha cuidado dela e q ue se
importava com ela mais do que qual quer outra coisa. Apertou a colcha da
cama e concluiu que nin guém no mu ndo conseguiria amá-la sem egoísmo!
Como se chamav a? Oh, meu Deus! Por que não consigo me lembrar de seu
nome? Ou de como era? Só sei que me amou!

Sento u-se e pela janela aberta viu o luar. Seu coração ba tia acelerado.
Começou a ver as chamas que consumiam a cidade, ouviu os disparos
ininterruptos, sentiu a pressão dos braços do soldado que a carrego u pelas
ruas até o aeroporto. Um solda do inflexível e duro, disseram-lhe, que a
deixou aos cuidados das aeromoças e depois desapareceu.

Um solda do ferido, sujo, barb udo, empenha do em salvá-la. Um soldado


que voltou à luta... para morrer.

Sim, ele estava morto. Não fosse assim, já a teria procurado, Eve
estava certa disso! Lá grimas quentes rolaram de seus olhos.

Chorava desesperadamente qua ndo Charles Derringto n entrou no quarto


e acendeu a luz.

— Mas o que é isso, menina ? — Abraçou- a e acariciou seus cabelos. —


Sente-se mal?

Eve lutou contra as lágrimas e disse que não com a cabeça.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Por que então tan to sofrimento? Que história é essa de arrumar as


malas e partir? Tyler me passou um sabão, sabia disso? Disse que a estava
reprimindo, forçan do-a de novo com a min ha autoridade. Acredite-me, meu
bem, você não é mul her para ser empurrada a qualq uer homem. Escute
aqui, conte-me o que está acontecendo. Quer se casar com Larry? Acha que
não vou aprová-lo? Bom, se é isso que q uer, vamos pensar a respeito. Não
quero vê-la moran do em q ualq uer b uraco, passan do fome...

— Charles! — exclamou, afastan do-se dele. — Não quero me casar com


ninguém. Pelo menos por enq uan to. Talvez n unca! Não compreende? Existiu
um homem, um homem q ue amei mui to e a q uem não consigo esquecer. Não
posso substit uí-lo por nin guém! Ele me amou e salvou minha vida! — Voltou
a chorar. — Ele está morto e isso me pert urba assusta doramente. O pior é
que não consigo me lembrar das últimas palavras que me disse, da última
vez que me beijou. E u sei que fui amada e eu o q uero, eu o quero, Charles,
e ele está morto!

Charles tentou acalmá-la, mas Eve entregava-se cada vez mais ao


desespero e à emoção.

— Por que não morri com ele? — soluçou. — Por q ue fiq uei sozinha ?

— Eve, quem era esse homem? Por q ue não me falou nele antes?

— Acho q ue a separação foi tão brusca que u ma parte de meu cérebro


preferiu esquecê-lo. Mas agora sei que era um soldado. Aquele que me
levou até o avião em Tanga, naq uele dia horrível em que os rebeldes
tomaram conta da cidade. Depois q ue me pôs em segura nça, aderiu à luta e
com certeza morreu.

— Minha criança adorável, como po de estar certa de q ue ele está


morto? Qual é o nome dele? Podemos averig uar junto ao Mi nistério da
Guerra.

— Era um mercenário, não me lembro de seu nome. Apenas me lembro


de que estávamos loucamen te apaixonados...

— Um soldado ru de?! Um bru tamontes?

— Se estivesse na g uerra, Charles, você tam bém não seria tosco, rude
ou como queira chamá-lo?

Eve fez u m esforço para se recompor e enxugo u as lágrimas com o


lenço que Charles lhe ofereceu.

— Foi o homem mais gentil q ue conheci em tod a a minha vida. Jamais


encontrarei outro como ele.

— Eve, você é jovem ainda e não deve falar desse jeito. Existe a
possibilidade de revê-lo, se não estiver morto. Aposto que q uan do o vir de
novo perceberá q ue as circu nstâncias perigosas da selva tornara m-no,
digamos, especial, como uma espécie de cavaleiro corajoso que se propôs a
salvá-la. A g uerra provoca tais sentimen tos nas pessoas. Ela engran dece as
emoções.

— Não! — exclamou, sacu dindo a cabeça. — Ele era realmen te especial


para mim, Charles. Por isso não suporto homens do tipo de Stephen
Carlisle. Arrogan te como é, tenho certeza que diante do perigo passaria por
cima de quem pu desse para garan tir a própria vida. C harles, diga-me
sinceramente, teria coragem de me confiar àquele homem?

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Você mesma não permitiria q ue eu o fizesse. Sua cabeça está no


lugar certo. E pelo visto seu coração também. Mas e o jovem Larry Mitchell?
Sabe que ele está apaixona do por você?

— Gosto de Larry, Charles, mas não para casar. É bom estar na


companhia dele, por isso concordei em con hecer seus pais. Estou ansiosa
para que o domingo chegue logo.

— Moram em Londres?

— Sim. Sua mãe nasceu em Coun ty Mayo. Pelo jeito, são pessoas
maravilhosas.

— Pois então vá e divirta- se — disse ele, beijando-lhe a testa. —


Prometo não convidar mais Carlisle para vir a Lakeside.

— Nunca mais?

— Nunca mais. Mas é uma pena que não seja o seu ti po. Ele tem
gra ndes proprieda des...

— Oh, Charles! — Eve riu — Você permanece fiel à ideia de q ue um bom


casamento se faz num ba nco e não no paraíso. Meu q uerido, casamento
significa um homem e uma m ulher viverem uma relação absolutamente
pessoal, íntima. Isso não acontece qua ndo não existe o amor. Pode me
chamar de romântica, se quiser. Mas sou assim mesmo. Não mudo. Para
mim, o amor significa muito mais que o dinheiro. Sinto que poderia viver
n uma caverna se fosse amada.

Charles, que amava seus charutos e o conforto dê uma casa bem


instalada, olhou para Eve perplexo.

— Fácil de falar, minh a q uerida, difícil de fazer. Experimente e verá que


mudará de opinião.

— Mas já experimentei.

Falou com um tom de voz tão baixo q ue Charles não pôde ouvi-la.

— Bom, Eve — disse ele, bocejan do — boa noite. Descanse, pois está
precisando. Amanhã cedo se sentirá mais disposta . Os fant asmas rondam
apenas à noite!

Eve concordo u com ele. Ao ter-se sozin ha, ficou sent ada na beirada da
cama, tenta ndo visualizar uma coisa q ue jamais se realizaria: o amor que
tinha conhecido na África. Estav a perdido em sua memória, mas algu m dia
se lembraria dele em todos seus detalhes, era o q ue lhe dizia o coração.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

CAPÍTULO IX

Enquan to percorriam a Lon don Road, ouviam o rádio e o vento quente


dav a cor ao rosto de Eve e esvoaçava seus cabelos. Começou a tocar uma
canção melancólica demais.

— Espero q ue o dia contin ue assim — disse Larry. — Ontem à noite


choveu.

— Lágrimas da natureza q ue limp am o ar — disse Eve. — Mas que dia


fantástico! Essa brisa parece feita de velu do!

— Por isso é que gosto de carro conversível. Odeio ficar fechado. Você
não?

— É asfixiante!

Começou a tocar outra música.

— Gosta dessa? — perg untou Eve.

— Gosto de você — respondeu Larry.

Ela usava um vestido sem ma ngas, enfeitado com pequen as dálias no


lado esquerdo. Cheirava a flor. Sabia que ele gostava de vê-la bem vestida
era exigente nos mínimos detalhes. Respon deu ao olhar com um sorriso
levemente ansioso.

— Gostar é uma palavra perigosa, Larry. Não confu nda nossos


sentimentos, por favor. Vamos nos divertir, sem nos preocu parmos com o
resto.

— Farei t udo que pedir — disse ele sorrin do. — Mas queria dizer que,
não importa o q ue tenha feito, não importa que possa me ferir, pois sempre
sentirei um amor muito especial por você. Mesmo q ue nu nca a tenha , estará
sempre presente em meu coração.

— Eu sei o que você sente — disse ela.

Chegaram a casa dos pais de Larry an tes da uma hora. Sua mãe já os
esperava à porta.

Abraçaram-se em silêncio e Eve notou as lágrimas de alegria nos olhos


azuis da velha senhora. Curioso, pensou E ve, Larry não tinha os olhos da
mãe...

— Mam ãe, esta é Eve. — Larry apresen tou-a. Seu rosto estava corado e
os cabelos em desalinho. Seu orgul ho era tão eviden te, q ue Eve não se
surpreendeu qua ndo a sra. Mi tchell olho u-a com ar de inda gação. Era a mãe
que de repente percebia que o filho se tomara um homem e que se
interessava impet uosamen te por uma mul her.

— Como vai, sra. Mi tchell?

Ao esten der a mão para cumprimentá-la, Eve percebeu que sua mão
causou algum espanto a sra. Mi tchell como se ela esperasse por mãos
delicadas e bem trat adas.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Larry não lhe con tou que tra balho no mesmo hospital que ele? Sou
auxiliar de enfermagem.

— Larry me contou que mora num a casa enorme e maravilhosa, em


Essex — explicou a sra. Mi tchell, enqua nto entravam na sala mobiliada com
móveis de carvalho e decorada com cortinas de veludo azul. — Nossa casa
deve parecer muito peq uena, não é mesmo srta. Tarrant?

— É muito acolhedora — respon deu Eve com sincerida de. — Oh, vejo
que tem um piano. Toca, sra. Mitchell?

— Não, mas meu marido adora música. Por favor, sente-se.

Ela indicou o sofá. E nq uanto se senta va, Eve pressenti u o olhar da sra.
Mitc hell passean do pelo seu corpo. Estaria muito sofisticada? Como poderia
explicar-lhe que não a visitava como fut ura nora e sim como amiga de
Larry? Estav a pa tente que a sra. Mitchell a considerava compromissada com
o filho, e Eve sentiu necessidade de alertá-la para o fato.

— Faz muito bem a Larry ir a Lakeside. Pode usar a nossa qua dra de
tênis e assim se distrair um pouco, longe dos estudos e do tra balho duro de
todo dia. Além disso, se mantém em forma, não é? Deve se orgulhar dele,
sra. Mitchell. Charles e ele sempre jogam bilhar, ele lhe con tou? Dão-se
mui to bem. Aliás, somos gran des amigos.

Eve procurou enfatizar as últimas pala vras e ao se calar deu com o


olhar penetran te daquela mul her modesta q ue, sem d úvida, devia recear as
amiza des ricas do filho, pois poderiam causar-lhe problemas.

— Não precisa se preocu par com ele — asseg urou-lhe. — Larry tem a
cabeça no lugar. Ten ho certeza de q ue vencerá, porque tem força de
vontade e determinação.

Eve olhou para ele e por uns insta ntes d uvidou que con hecesse
realmente sua personalida de. Que havia nele que lhe despertava a certeza
de que era forte, de q ue apreciaria os desafios e enfrentaria as
adversidades? Parecia-lhe tão jovem, ali sentado no ba nco do piano, com as
pernas esticadas e o corpo solto!

— Onde está o papai ? — pergun tou ele. — Não foi trabalhar, foi? Queria
que Eve o conhecesse.

— Saiu para beber com... bom, adivin he com q uem!

— Com o ministro dos Transportes! — brincou Larry. — O maior sonho


do papai é um dia encostar o ministro contra a parede e fazê-lo ouvir as
ideias que tem sobre as melhorias do sistema de transporte.

— Alguém, Larry, que chegou a Londres ontem com os sapatos cheios


de areia!

— Ah, não! Está brincando !

— Foi uma ótima surpresa. Abri a porta e dei de cara com ele, forte,
moreno como um árabe! E trás boas notícias do advo gado!

Larry voltou-se, todo sorriden te, e olhou para Eve.

— Minha mãe refere-se a meu tio... aq uele de quem lhe falei, que
cultiva frutas cítricas à beira do deserto. Faremos uma gran de festa. Ele vai
ficar para almoçar com a gente?

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Mas é claro! Não resiste a minha comida. Oh, mas ele tem boas
notícias. O advogado confirmou q ue agora ele está absolutamen te livre
da quela mulher com q uem se casou. Parece que há u ns dez anos ela foi para
Las Vegas trabalhar. Lá conseguiu um divórcio e casou de novo. Três anos
mais tar de, q uan do tin ha uns trinta anos, fez u ma daquelas operações para
ficar mais jovem e se não me enga no horas depois morreu de uma embolia.
A m udança de nome é que atrapalhou o advogado. Mas agora deu t udo certo
e seu tio decidiu q ue vai fazer a maior farra aq ui em Londres.

A sra. Mitchell levou as mãos ao rosto coran do de vergon ha.

— A senhorita me desculpe por estar falando desse jeito, mas todos nós
gostamos muito dele. Como ele nu nca mais viu aquela mulher, n unca teve
certeza se... bom, a senhorita sabe como são as coisas. É u m homem muito
jovial e agora está cuida ndo de uma fazen da. Acho que vai q uerer se casar
de novo... O primeiro casamento foi um desastre! Casou-se com uma mulher
infiel, incapaz de amar. Meu irmão não merecia isso.

— Ima gino — disse E ve. — Mas por que a senhora não me chama
simplesmente de Eve? Ficaríamos mais à von tade.

O olhar de constrangimen to reapareceu no rosto da sra. Mitchell, como


se visse Eve como nora, como a mulher q ue transformaria a vida de seu
filho.

— Aceita uma xícara de chá, Eve? — perg unto u ela. — Ou prefere café?

— Prefiro chá. O café costuma me dar azia.

— Mas nem sempre, espero — disse Larry, com ar de preocupação.

— Não, não. — E ve riu. — Mas acho que me faz mal porq ue bebo café
com as rosquin has da canti na do hospital.

— Onde dói? — pergun tou Larry, inclina ndo-se sobre ela. — Mostre-me
onde dói.

— Seu bobo, não dói na da. É que estou sempre m uito tensa, nervosa,
como todo mun do. Estou em plena forma, Larry.

— Mas nervosa. Precisa de férias...

— Sugere algu m lugar? — pergun tou ela sorrindo.

— Marrocos? — disse alguém perto da porta.

Eve pôde ouvir as batidas de seu coração no silêncio que se seguiu.


Larry levanto u-se rapidamen te e correu para a porta .

— Wade! — exclamou. — Que bom vê-lo aq ui. Mamãe tin ha razão ao


compará-lo a u m árabe! Mas q ue faz? Espreguiça-se o dia todo debaixo do
sol do deserto?

— Antes fosse assim! Mas deixa eu olhar você direito, rapaz. Está mais
magro e também um pouco bronzeado!

Eve gan hou coragem para se voltar, ver e acredi tar.

A voz aclarou tu do, girou a chave e libertou suas lembranças, cada uma
delas, em seus mínimos detalhes. Aos poucos, foi se levantan do e os olhos
deram com aquele corpo e aq uele rosto inconfu ndíveis. Wade O'Mara, irmão
de Moira Mitchell, a q uem Larry chamava de mãe.

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Olá — Wade disse, suavemente. — E a jovem deb utan te, como tem
passado?

— Não me... — In terrompeu-se ao notar o tom agressivo de sua voz. —


Não me chame assim, major.

— Como quer que a chame?

Ele caminhou em direção a ela, como se não existisse mais ning uém no
mundo. As paredes daq uela casa em Lon dres desaba vam ao redor de Eve.
Pôde sentir o aroma de selva e ouvir o can to dos pássaros e o ruído da água
chocando-se contra as pedras do leito do rio...

— Eve!

Wade segurou-lhe as mãos e o sonho tornou- se de novo realidade. Mãos


fortes e rudes, morenas, q ue apertavam as dela como se jamais as fossem
soltar.

— Minha adorável e sedutora Eve! Pensou alg uma vez q ue nos veríamos
de novo? Sentiu sauda des minhas tan to q uanto senti de você? — Os olhos
de Wade brilhavam . — En tão, é assim q ue você é, minha garota, longe da
selva, sem as san dálias grandes e a camisa verde rasgad a... Gosto de
lembrar de você naq ueles dias. Foi um retrato que carreg uei esse tempo
todo.. .

— Mas o que está acon tecendo? — pergun tou Larry. — Vocês se


conhecem?

— Acho q ue sim — Wade respondeu sorrindo, os olhos fixados no rosto


de Eve. — Nós nos conhecemos na selva. Você não seria capa z de imaginar
essa moça perfumada e elega nte metida lá, como u m animal perdido. Ah,
Eve, que par nós formamos!

— Oh, Wade, por que ficou lon ge de mim por ta nto tempo?

— Porque demorou mui to, min ha querida, para eu compreender que


tinha a liberdade e o direito de vir procurar por você. Quando Larry me
escreveu para contar que tin ha conhecido uma moça chamada Eve Tarrant.
custou para eu não escrever que tam bém a conhecia... e que a conheci
melhor do que nin guém.

Wade voltou- se para o filho, o filho que não sabia q ue aquele homem
alto, de olhos acinzen tados, era seu pai, embora se parecessem muito.

— Amo esta moça — disse ele com simplicida de. — Uma moça adorável,
Larry. Não posso oferecer-lhe mais que um casamento. Durante anos não
tive notícias de minha mul her, e não sabia se estava viva ou morta.
Demorou muito para saber, e agora...

Interrompeu-se e suas mãos apertaram as de Eve.

Larry mordeu o lábio inferior, os olhos fixos nos do pai. Em seguida,


olhou para Eve. Ela sabia o que ele viu neles: o amor por Wade q ue não
podia escon der ou perder de novo.

— Então, é este o homem que a tirou de Tang a? — pergu ntou Larry. —


Como esse mun do é peq ueno!

Para Eve, o m undo de repente tornou-se fan tástico e maravilhoso. Ao


olhar para Wade. sorriu com as lembra nças trágicas e engraçadas refletidas
nos olhos dele. Era o mesmo, pronto para viver u ma vida a dois.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

Wade abraçou-a e ela soltou um suspiro de satisfação. Sabia q ue estava


segura no peq ueno porto da terra de seus son hos.

— Está feliz por me ver aq ui, então? — perg unto u.

— Mais feliz do que n unca. M as será que ao acordar você não terá
parti do?

— Nunca mais — prometeu ele. — Acha q ue o jovem Larry irá me


perdoar por tirá-la dele?

Ambos olharam para Larry, q ue havia enfiado as mãos nos bolsos da


calça e os observava com a testa enru gada e muito intrigado.

— Eu po deria lhe dar um soco, Wade, mas eu me arriscaria a perder a


cabeça! — disse ele. — Eve é uma moça e ta nto. C uide bem dela!

— É o que pretendo. Não vou deixá-la nunca mais. Da última vez doeu
mui to!

Naquele momento, a sra. Mitchell entrou com a ban deja de chá segui da
de um homem magro e bem-h umorado.

— Ima gine só, pa pai — disse Larry. — Esses dois se conhecem.


Acredita ? É a primeira vez que trago uma garota aq ui em casa e esse
mercenário entra e com a maior facilidade a rouba de mim.

— Ele n unca vai deixar de ser um mercenário, onde quer q ue vá —


respondeu Stan Mitchell, in do em direção a Larry. — Tem muito tem po pela
frente para pensar no amor, meu filho. Por enqua nto, precisa tra balhar para
se formar. É isso o que todos queremos, não é, Wade?

Eve percebeu a troca de olhares entre Stan e Wade e compreendeu que


jamais diriam a verdade a Larry.

Mais tarde, Moira Mitchell con tou a Eve q ue enquan to Wade estava na
Malásia sua esposa recusou o filho. Quan do Wade voltou à Ingla terra, se
separou dela, consegui u a custódia do filho e deixou-o aos cuida dos dela e
do marido. Pareceu-lhes melhor dar ao garoto o nome Mitchell e fazê-lo
acredi tar que eram seus pais. Os anos foram-se passando, até q ue chegou o
momento dele saber a verdade. Wade discordou . Larry amava e respeitava
sua irmã e seu cun hado q ue, por sua vez, acostum aram-se a chamá-lo de
filho. Wade não fez nada para alterar a situação e assim a vida seg uia seu
curso.

Eve observou Wade à mesa, na hora do almoço. Era o mesmo, sem


dúvida, e exercia sobre ela a mesma atração. Sen tiu uma felicida de tão
gra nde que se conteve para não explodir em lágrimas. Aproximou- se dele,
tocou-lhe o corpo para ter certeza de q ue não era men tira. Larry viu qua ndo
Wade pegou na mão dela e a levou aos lábios. Eve encontrou os olhos de
Larry e, em silêncio, pediu-lhe que compreendesse q ue não fora sua
intenção feri-lo. O amor que sentia por Wade era forte, irresistível, e tinha
crescido em cada momento de espera. Wade também esperou. Esperou pela
sua liberda de e a encontrou com a ajud a de um advoga do. Quando a viu de
novo, agarrou- se a Eve e teve certeza de que não po deria n unca mais viver
longe dela.

Terminado o almoço, Wade e Eve escaparam para o jardim, onde


puderam trocar beijos e falar do fut uro numa fazen da à beira do deserto.

Projeto Revisoras
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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

— Você vai adorar o cheiro de fruta e o ven to do deserto — disse ele. —


Acabei de comprar um casal de cavalos árabes. Vamos cavalgar ju ntos pelas
dunas; Eve, e desfrutar a liberda de que con quistamos.

— Será como se estivéssemos no paraíso...

Ela ficou bem junto dele e correu os dedos pelo rosto bronzeado.

— Você me mandou para longe de você, em Tanga, e me disse para


casar com um homem de min ha ida de. Que é que o fez tomar j uízo? Que é
que o fez compreender que o amor que sentíamos jamais po deria ser
esquecido?

— Cavalga ndo pelo deserto e desejando q ue você estivesse a meu lado,


que seus cabelos se soltassem ao vento e sob o sol escalda nte, precisando
ter você em meus braços qua ndo a lua ilumin ava as du nas e as tornava
pratea das. Oh, Deus como precisei de você! Qua ndo Larry me escreveu,
falando sobre você fiquei surpreso e estonteado. Ele é meu filho, mas
agora, Eve, você é min ha!

Wade abraçou- a possessivamente.

— Eu atravessei a selva e reu ni todas as minhas forças para conseguir;


chegar ao aeroporto e colocá-la den tro do último avião. Vi que estava
segura e que um dia seria minha. Você me pertencia e a mais ning uém, e no
enta nto eu estava só. Tinha de vir procurá-la. Imagi nei que Larry queria
apenas na morá-la, sem nada de mais profu ndo. Mas para mim, você é a
própria vida . Eu quero você. Preciso de você!

— Estou aq ui, major! In teiramen te sua!

Perceberam então que estavam abraçados debaixo de uma macieira. Ela


sorriu, esticou a mão e apa nhou uma maçã.

— Posso tentá-lo com esta fruta, q uerido?

— Não é necessário uma maçã para me deixar sedu zir por você!

Wade inclinou a cabeça de Eve para trás e seus lábios se tocaram num
beijo cuja doçura e avidez ela jamais esqueceria.

Abriu a mão e deixou a maçã cair ao chão. Leva ntou o braço e


envolveu-o com amor e para sempre.

FIM

Uma espetacular história de amor!

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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

BIANCA 15 : CORAÇÕES PARTIDOS - Kerry Allyne


O casamento não fez Kirby mudar: continuou trabalhando o dia inteiro, como se Alix
não existisse, e manteve em casa a mulher que era muito mais do que sua secretária. Por
isso, Alix o abandonou. Agora, quatro anos depois, uma doença a obrigava a viver
novamente na fazenda de Kirby. Ainda estava apaixonada por ele e decidiu que, desta vez,
enfrentaria sua rival. Mas Kirby queria o divórcio e estava disposto a qualquer violência
para consegui-lo. Uma noite, ele entrou repentinamente no quarto de Alix e, feito um
animal, destruiu todas ás suas esperanças...

Um romance inesquecível para você!

BIANCA 16 : JAMAIS TE ESQUECEREI - Jean S.


MacLeod
Por gratidão, Janet tinha aceitado se casar com Spencer Wroe, um brilhante cirurgião
que tinha arriscado a vida e a carreira para salvar seu irmão de um sério acidente. Mas,
por uma ironia do destino, ela reencontrou um namorado de infância, Martin Everett, e
percebeu que seu coração ainda balançava por ele. Sabia que de certa forma amava
Spencer, com ternura e admiração, mas era bem diferente daquele sentimento exigente e
tempestuoso, aquela agonia que dilacerava seu coração só de pensar em Martin. Qual das
duas maneiras de amar seria a mais verdadeira?

Uma história inesquecível para você!

BIANCA 17: A ESPOSA INTOCADA - Anne Mather


Por causa de uma trágica experiência com Mark, seu ex-noivo, Miranda sabia muito
bem as consequências que uma relação sexual indesejada e frustrada podiam provocar.
Toda vez que um homem se aproximava fisicamente dela, tocava sua pele, Miranda sentia
repulsa e se lembrava da noite em que Mark morrera, num acidente cheio de sórdidos
detalhes.
E agora, esposa de um homem que não via há quatro anos — e que jamais lhe daria o
divórcio —, ela estava apaixonada por outro e disposta a tudo para conseguir a anulação
do casamento.,, inclusive a desmascarar e humilhar seu marido diante de todos!

Sensacional romance, cheio de emoções!


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Bianca 13 - Do outro lado do paraíso – Violet Winspear

BIANCA 18: MEU AMOR IMPOSSÍVEL - Betty Neels


Adelaide olhava para Coenraad com adoração, mas ele a considerava apenas uma
enfermeira muito simpática e eficiente. No dia em que conheceu sua noiva, Adelaide teve
vontade de morrer: nunca poderia competir com aquela beldade, rica e sofisticada. A
outra, sim, tinha tudo para casar com um homem famoso, bonito e que, ainda por cima, era
um barão. Ela não passava de uma garota pobre, que usava vestidos fora de moda e não
sabia se comportar num restaurante elegante. Por isso, decidiu fugir... Romances assim só
davam certo em filmes ou nos contos de fada! Mas, conseguiria arrancar aquele amor do
coração?

Projeto Revisoras
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