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UM CONVITE PARA GUERRA

PARTE1

A noite havia caído sorrateiramente. No topo da montanha os anciãos e os chefes de


cada família confraternizavam. Era costume na primeira lua cheia de cada estação a reunião.
Assim, os líderes podiam comungar com espíritos e prever como passariam a temporada.
Aquela noite não era diferente. Alguns totens já se manifestavam, sendo presentes através de
seus filhos.
Aos poucos a harmonia começou a tomar conta do ambiente. O aroma das ervas faziam
um desenho no ar. Os espíritos estavam chegando devagar para conversar com os líderes. O
Grande Chefe Owatanka aspirou profundamente toda aquela paz. Assim como os outros. Ele
reconheceu o cheiro que sentia. E não gostou.
Sentia o cheiro de almíscar e pelo surrado, seguido de um grande odor de terra em um
corpo sujo. Era uma sensação nojenta que gerava repulsa a qualquer pessoa, menos em
Owatanka. Ele sentia raiva. A paz que tinha recebido dos espíritos rapidamente desapareceu e
seu corpo foi tomado por uma fúria repentina e devastadora. Aquela sensação carregava a
ideia de escravidão.
- Omomirans.
Disse ele. A paz dos outros também foi perturbada. Adalícia, a esposa do chefe,
também havia percebido que algo não estava certo.
- Não pode ser verdade. Aqui, em Milwaukee?
- Eu sei o que sinto e jamais vou esquecer o cheiro deles. Mooty!
Imediatamente, o taurano ao lado de Adalícia deu lugar a um lobo. Usou o faro para
procurar algo estranho e apontou para a direção leste. O chefe pegou seu totem e empunhou
em posição defensiva. Os demais tauranos fizeram o mesmo movimento. Os espíritos e seus
filhos abandonaram o lugar. Menos os filhos do abutre. Eles permaceram no local. Chefe
Owatanka tomou a frente dos demais. Deu apenas alguns passos e falou alto no idioma
Mirann.
- Você foi habilidoso o suficiente para chegar até aqui. Espero que seja sábio também,
para perceber que lutar aqui vai ser inútil.
Saindo do meio da mata, três pessoas imensas surgiram. Estavam com poucas roupas,
feridos pela caminhada e visivelmente cansados. O Chefe abaixou sua arma. Adalícia fez um
gesto para os demais líderes fazerem o mesmo.
- Eu sou Ornn Tripas-para-fora. Este é Korm Come-cavalos e o outro é Heimer
quebra-ventos.
Owatanka conseguia ver uma cicatriz que atravessava o abdômen do homem.
Percebeu que ele estava com sede e fome. Invasores também não empunhavam armas. O
chefe concluiu que não se tratava de uma invasão. Ainda assim preferiu ser cauteloso.
- Mooty! Junte caçadores e vasculhe por outros visitantes. Adalícia! Traga comida e água
para eles.
A taurana não gostou da ordem, mas não questionou o marido. Os três homens não sabiam
como reagir ao comportamento do chefe.
- Não temos carnes, Ornn Tripas-para-fora, mas garanto que fome e sede não passarão.
Prometi para a Mãe Terra que ninguém em meus cuidados sofreria deste mal. Mesmo
não sendo meus irmãos.
- - Fora a parte da Mãe Terra, temos um pensamento parecido, Chefe.
Os homens foram servidos. Comeram e beberam tudo como se fossem seis pessoas. O
chefe e os outros tauranos esperavam pacientemente a refeição dos Omomirans terminar.
Mooty retornou na forma de um falcão. Avisou que os arredores estavam seguros.
- Com a barriga cheia, as ideias fluem melhor. Já consegue dizer o motivo da visita, Ornn
Tripas-para-fora?
- Sim, Chefe.
Owatanka convidou os visitantes a participarem da roda. Alguns olhares de reprovação
acompanharam a cena. O principal deles era de Adalícia. Ela sussurrou para o marido.
- Eles são nossos inimigos, Owatanka. Não é dessa forma que eles mesmo esperam ser
tratados. Tratariam alguns de nós assim, se caíssemos nas suas terras?
- Não sou Chefe nas demais terras. Sou Chefe aqui. Inimigos ou não, com fome são
seres frágeis.Que tenham força para morrer lutando, mas nunca de fome ou sede.
- Eles não foram convidados a virem aqui. A montanha fez o trabalho dela. Escolheram
este destino.
- Eles estão sob a nossa custódia, Adalícia. Serão tratados com respeito até se
mostrarem indignos disso.
A mulher calou-se. O Chefe pediu silêncio aos demais líderes e autorizou o homem a
falar.
- Há algumas semanas, fomos alvo de um ataque de Imperiais em nosso território. Eles
mataram diversos dos nossos e aqueles que não morreram e nem se renderam, foram
levados como escravos. Nosso povo está no Império sendo obrigado aos serviços mais
humilhantes deste mundo. Muito pior do que nossos ancestrais sofreram. Alguns de nós
estão tendo que cavar nas minas de ​Eisenkern.
A história do Omomiran fez a memória do chefe voar no passado. Uma lembrança que
ele preferia não ter guardado. A minhas de ​Eisenkern e ​ ram lugares horríveis. Nem mesmo os
anões mais experientes aceitavam contrato para encontrar o precioso metal. As propriedades
dele eram diversas. Tauranos eram exímios artífices do metal. Ornn bebeu um gole de água e
continuou.
- Eles estão enfrentando problemas com dragões. Diversas batalhas estão sendo
travadas por algum motivo lá. Nossa líder, Franna Machado Pesado, disse que as suas
fronteiras não são atacadas por dragões. Ela pensou que como vocês possuem um
passado… de sofrimento como o nosso presente… talvez possam nos ajudar a escapar
​ ue vocês conseguirem adquirir.
disso. Em troca, ela oferece todo o ​Eisenkern q
Owatanka ponderou por alguns instantes. Até mesmo os anciãos estavam esperando a
decisão do chefe. Adalícia foi quem tomou a iniciativa.
- É uma boa oportunidade. Não pelo metal, mas porque teremos a chance de derrubar o
Império. Eles estão em guerra contra dragões. Temos os melhores ferreiros de
Eisenkern do continente. Derrotaremos Zárcio e os dragões de uma única vez. Você
poderia pedir para Dabokia invadir pela fronteira e…
- Basta! Não há motivo algum para aceitar. Franna Machado Pesado não pode oferecer
como recompensa algo que não lhe pertence. Jurei para a Mãe Terra que jamais faria
meu povo lutar por batalhas que não são suas. Não vejo motivo algum para uma ação
de guerra como esta.
- Ela disse que o Chefe diria algo do tipo. Por isto mandou oferecer isto.
Heimer abriu a bolsa e tirou uma rocha. Era um pouco maior do que um punho. Ela
tinha um brilho avermelhado intenso. Os olhos de todos ficaram maravilhados com o que viram.
Era um fragmento de ​Eisenkern​.
- Sua líder é sábia. Não deu o fragmento para vocês me convencerem a ajudar. Ela deu
para que os dragões não os atacassem. Ela conhece alguma das propriedades do
metal. Sabe que os dragões possuem medo disso. Esta é a razão de nossas fronteiras
não serem molestadas por eles. Nossas defesas são feitas com armas de ​Einsenkern.​
Eis a proposta dela. Não se trata de obter recompensas, mas de uma aliança contra um
inimigo maior. Como te disse Ornn, Não há motivos para meu povo marchar para outras
terras e procurar entrar em uma guerra que não nos diz respeito. Lamento por seu povo,
mas não há nada que possamos fazer no momento.
- Senhor, me permite?
Disse Maralah, a irmã mais nova do chefe. Ela costumava ser calada durante as
reuniões. Surpreendeu a todos com o pedido. O Chefe autorizou.
- A estratégia que Franna propõe não é ruim. Eles tem o metal, nós os ferreiros e o
inimigo uma crise muito grande para lidar. Sugiro que envie batedores para as
fronteiras. Verifique em que situação está a guerra deles e avalie se os Omomirans são
dignos de nosso apoio. Eles são escravos. Nós sabemos o quanto o povo dele pode
estar sofrendo. Mesmo sendo nossos inimigos no passado, não há motivos para
sustentar ódio ou rancor.
O Chefe pareceu pensar por uns instantes e enfim respondeu.
- Tem razão, minha irmã. Sabemos como a escravidão é cruel. Nenhum povo merece
este destino. Lamento por seus irmãos, Ornn Tripas-para-fora, mas não colocarei os
meus em risco em território inimigo. Cometi esse erro uma vez e não farei de novo.
Peguem o quanto de provisão puderem carregar e partam ao amanhecer.
- Senhor, uma palavra?
- Pode falar, Adalícia.
- Nunca teremos uma chance melhor do que esta para trazer a justiça que nosso povo
merece, por terem sidos massacrados naquelas terras. Basta dar a ordem e eu mesmo
lidero o ataque. O inimigo não está contando com isso.
- Você busca vingança e não justiça.
- E tem diferença?
- Wematin sabia dos riscos. Morreu honrando ser um dos nossos. Os ancestrais o
acolheram no seio da Mãe Terra.
- Meu irmão apodrece, sendo comido por animais e larvas. Os ancestrais nunca o verão
chegar desta forma. Ele merece um desfecho digno do taurano que era.
- Eu dei minha palavra, como chefe. Está decidido Adalícia! Ninguém está autorizado a
sair de nossas fronteiras. Você está me parecendo cada vez mais com Dabokia, minha
esposa.
- Este é o problema, esposo. Você não está.
A Taurana viu seu marido afastar-se aos poucos. Os demais líderes estavam
nitidamente divididos. Entre aqueles que queriam participar do planos dos Omomirans e os que
estavam fiéis a causa de Owatanka. Adalícia pegou um cesto com cereais e levou até Ornn.
Ele estava com a mochila cheia, mas permitiu que ela se aproximasse.
- Diga a sua líder, que os tauranos vão ajudar, sim.
- Seu Chefe já disse que não.
- Eu não disse que vai ser ele. Apenas transmitam o meu recado e depois disso
aguardem no pé do rio, antes da fronteira.
Ele conhecia honra e obediência, por esta razão desconfiou da taurana. Entretanto,
também via o desejo de vingança explodindo nos olhos. Esta motivação tinha o respeito do
Omomiran. Ornn apenas assentiu com a cabeça.

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