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Traduzido do Inglês e Espanhol por Fãs

Disponibilizado por: Jeaniene


Tradução e 1ª Revisão:
*Diana Prince
Revisão Final, Leitura Final e Formatação:
*Íris Flor e *Divas Rosa
Sonhos Mágicos Ilona Andrews
Originalmente publicado na antologia, Hexed.
Copyright © 2012

Da autora de best-sellers do New York Times, Ilona


Andrews, vem um conto de escuridão, desejo e metamorfos gatos.
O líder alfa do Clã dos Felinos, Jim Shrapshire, sempre foi o tipo
forte e silencioso. Mas algo veio sobre ele—uma força mágica atualmente
residindo em uma das sedes da manada. A metamorfa tigresa Dali
Harimau sempre desejou poder chamar a atenção de Jim—mas agora ele
precisa da ajuda dela.
Atingido por uma doença mágica, Jim precisa do talento de Dali para a
magia. E para salvá-lo, ela deve desafiar um ser poderoso e sombrio para

uma batalha de inteligência


1
OLHEI ATRAVÉS DO para-brisa do meu Mustang 93 . A Rodovia do
Abutre se estendia diante de mim, uma linha estreita de pavimento em ruínas
desaparecendo no crepúsculo. Abaixo dele corriam os Arranhões, um
labirinto retorcido de ravinas estreitas arrancadas da terra por magia três
décadas atrás quando nosso mundo começou a acabar. A estrada velha
percorria o topo das ravinas, revirando-se ao longe, onde o pôr-do-sol
brilhava ouro, vermelho, e finalmente, turquesa. Havia algo vagamente
errado com esta imagem, mas eu não poderia dizer o que era.
A Rodovia do Abutre não fazia prisioneiros. Você pisa demais no
acelerador, gira a roda meio centímetro demais, e Boom! Pow! Você tinha ido
para o fundo da ravina. Apenas os melhores e mais loucos de Atlanta corriam
aqui.
É por isso que eu gostava. Quando uma garota pesa quarenta e cinco
quilos pequena, os óculos são mais grossos do que a lupa de Sherlock
Holmes e todo mundo sob o sol fazem piada dela porque é vegetariana e o
sangue a faz vomitar, ela tem que fazer alguma coisa para provar que não é
uma covarde. O caos selvagem e ensurdecedor das corridas às sextas-feiras à
noite no Abutre era um tipo de diversão estritamente proibida.
Era tão calmo agora. Tão quieto. Só eu e o Mustang. Batizei-o de Rambo.
Era um carro doce, construído a partir do zero para uma finalidade: correr o
mais rápido possível. Nós entendemos um ao outro, Rambo e eu. Rambo
gostava de chutar o traseiro, e eu me certifiquei de que tivesse a chance de se
exibir.
Meu corpo estava tão leve. Era uma sensação estranha, quase como se
estivesse nadando ou flutuando através de uma nuvem de penas.
Um rosto familiar apareceu no pára-brisa: pele pálida, olhos escuros, a
longa tatuagem de um dragão enrolado no pescoço, serpenteando o seu
caminho sob a parte superior da camiseta azul. Kasen. Cara decente para um
homem-rato. Ele dirigia um caminhão de reboque e gostava de sair e assistir
as corridas na Rodovia do Abutre. Elas eram boas para o seu negócio.
Os lábios de Kasen se moveram, mas nenhum som saiu.Ele parecia meio
engraçado lá, de lado, movendo os lábios sem som. O que você quer, pessoa
tola?
Kasen estava de lado.
O pôr-do-sol atrás dele também estava de lado, a rodovia correndo para a
esquerda do céu.
Oh, droga.
Merda, merda, merda.
O algodão fantasma entupindo meus ouvidos desapareceu e o mundo
correu para mim em uma explosão de som: o rugido distante de motores de
carros, o gemido de metal e a voz de Kasen.
— Dali? Você está bem, menina?
Eu tentei falar e minha boca funcionou. — Legal como um pepino.
Ele sorriu. — Você sabe o que fazer. Espere, eu vou colocar você na
posição vertical.
Agarrei as bordas do meu assento.
Kasen saiu da minha vista, e eu pude ouvi-lo grunhir quando ele agarrou
o pára-choque, levantou e torceu. Rambo gritou. Metal tiniu. Eu estremeci.
Rambo, meu pobre bebê.
O pôr-do-sol virou e caiu no lugar certo com um estremecimento. Os
pneus de Rambo bateram no pavimento e saltaram uma vez. A lente esquerda
dos meus óculos saltou da armação e caiu no meu colo. Eu guardei-a nos
meus jeans, fechei meu olho esquerdo, e sai do carro.
— Eu virei!
— Você capotou.
Cacete! A frente de Rambo parecia uma lata de Coca-Cola amassada.
Água encharcava o asfalto, vazando do capô, o tanque de água encantado que
ligava o carro durante ondas mágicas tinha rompido. Eu devo ter feito a curva
rápido demais.
O vento quente me abanou. Tecnicamente, era meados de janeiro, mas
depois de dois meses e meio de congelamentos intensos e queda de neve, o
clima ficou confuso. Durante a semana passada as temperaturas ficaram na
casa dos 27 graus, toda a neve tinha derretido, e eu havia trocado meus
grossos casacos de inverno para jeans e camiseta. Você pensaria que era
maio. Magia faz coisas estranhas ao clima. Hoje estava quente. Amanhã
poderíamos acordar com um metro de neve no chão.
Kasen olhou para mim. — Por que o seu olho está fechado? Você se
machucou?
— Não, ele está fechado porque os meus óculos estão quebrados, e
olhando através de uma lente só me faz ficar tonta.
— Situação normal, toda fodida. —Kasen esfregou atrás de sua cabeça.
Obrigada, Capitão Óbvio. — Não é tão ruim assim!
— Você quer Rambo rebocado para o local habitual?
— Sim. —As minhas corridas seriam canceladas por um mês. Que
chatice.
Kasen acenou para o Mustang. — Este é o seu segundo acidente em três
semanas.
— Ahaaa.
— Jim não a proibiu de correr?
Jim era meu alfa. O Bando de Metamorfos era dividida em sete clãs,
comforme o tipo de metamorfo e Jim liderava os Felinos com uma grande
pata de jaguar escondendo garras incríveis. Ele era inteligente, forte e
incrivelmente quente—e a única vez que Jim percebia minha existência era
quando eu me transformava em um pé no saco ou quando ele precisava de
um especialista sobre o antigo Extremo Oriente. Caso contrário, eu poderia
muito bem ser invisível.
Eu levantei minha cabeça para deixar Kasen saber que eu estava falando
sério. — Jim não é o meu chefe.
— Na verdade sim, sim ele é.
Era bom que eu não era um metamortfo porco-espinho, ou sua boca
estaria cheia de espinhos agora. — Você vai contar a ele sobre mim?
— Depende. Quando você morrer, eu posso ter seu carro?
— Não.
Kasen suspirou. — Eu estou tentando fazer um ponto aqui. Estive
assistindo esta corrida há seis anos e eu nunca vi ninguém se acidentar tanto
quanto você. Você é minha cliente número um. Você mal pode enxergar Dali,
suas chances de se dar bem nessa corrida são estúpidas. Sem ofensa.
Sem ofensa, certo. ‘Sem ofensa’ queria dizer ‘Eu estou indo para insultá-
la, mas você não pode ficar com raiva de mim.’ Mostrei os dentes para ele.
Na hora do vamos ver ele era um rato e eu era uma tigresa.
Kasen ergueu as mãos para cima. — Bem. Esqueça o que eu disse.
O mundo piscou. As cores ficaram ligeiramente mais brilhantes, os
aromas cresceram mais nítidos, como se alguém tivesse melhorado a
resolução da imagem um nível acima. Um calor de boas-vindas espalhou-se
através do meu corpo, a onda mágica tinha inundado o mundo. O barulho
distante dos motores a gasolina engasgou e morreu. Levaria quinze minutos
de cantos para fazer os motores encantados funciorem. A corrida tinha
acabado.
— E se eu te levar para jantar? —Disse Kasen. — Conheço um lugar
muito bom na direção de Manticore ...
Metamorfos ratos sempre conheciam lugares agradáveis para comer. Eles
mastigavam constantemente ou ficavam nervosos, o que significava que
sofriam ataques de hipoglicemia: suores frios, dores de cabeça e convulsões,
acompanhados por nervosismo e ataques de agressão. Isso não era
engraçado.
Eu olhava com meu único olho aberto para Kasen. Não havia nenhuma
razão para ele me oferecer um jantar. Muito provavelmente, só queria me
agradar para que pudesse ter uma chance com Rambo depois da minha morte.
Muito ruim para ele, eu poderia não ser o mais forte dos tigres ou o mais
sanguinário, mas minha linhagem era bem antiga. Vírus-L, o vírus mutante e
minha família eram bons amigos, e os níveis de vírus no meu corpo era mais
elevado do que na maioria dos outros metamorfos. Quanto maior a
concentração do vírus, mais rápida é a regeneração. Níveis normalmente mais
elevados de Vírus-L também significavam um maior risco de perder a sua
mente e se transformar em um assassino loup enlouquecido, mas até agora eu
não precisei me preocupar com isso.
Era difícil de matar. Nada menos do que um acidente de fogo completo
com uma explosão gigante no final iria enviar-me para a vida após a morte,
por isso, se Kasen estava planejando herdar o meu carro, ele iria congelar
esperando.
Enruguei meu nariz para Kasen. — Obrigada, mas não, obrigada. Eu
preciso chegar em casa. —E preciso pegar meus óculos extras do porta-luvas
do Pooki.
Ele deu um suspiro. — Talvez da próxima vez.
— Claro. Talvez na próxima vez.

DIRIGI PELAS RUAS emaranhadas de Atlanta com as janelas abertas.


O vento rodava com aromas: uma pouco de madeira pegando fogo, um cão
que marcou seu território, cavalos, um, dois, três, quatro, torta de algo e
picante ... As ruas estavam desertas. A maioria das pessoas se escondiam
durante a noite. A escuridão era quando os monstros saíam para jogar.
Mesmo monstros agradáveis como eu. Rawr.
2
A magia fluía com força total, e Pooki, meu Plymouth Prowler , fazia
barulho suficiente para abalar os deuses em seu palácio celestial. Eu o tinha
modificado para funcionar com gasolina quando a tecnologia estava em alta e
com água encantada quando a magia estava no mundo. Pooki não ia muito
rápido durante as ondas mágicas, e ele fazia tanto barulho que me fazia
estremecer mesmo com os tampões de ouvido, mas era o melhor que eu podia
fazer.
Cerca de três décadas atrás, Atlanta era o lugar em pleno crescimento no
Sul: muitos arranha-céus, restaurantes da moda e conveniências modernas e
toneladas de dinheiro e de pessoas saíam pela cidade. Em seguida, a
primeira onda mágica atingiu. Magia rasgou o mundo. Durante três dias ela
se enfureceu, fazendo maravilhas tecnológicas complicadas falharem. Aviões
caíram do céu. Satélites despencaram no chão. Armas quebrando ou
falhando. Eletricidade desapareceu e as cidades ficaram no escuro. Três dias
mais tarde, a tecnologia voltou, mas o mundo nunca mais foi o mesmo.
As pessoas diziam que a magia veio do nada, mas minha avó me disse
que sentiu a sua chegada aos poucos por anos. Fazia total sentido,
considerando o padrão histórico da Primeira Mudança, aquela que foi perdida
na antiguidade. Aproximadamente seis mil anos atrás, o Homo sapiens havia
construído uma grande civilização baseada apenas na magia. Havia tanta
magia que o seu equilíbrio com tecnologia foi permanentemente
interrompido. O mundo balançou o caminho para o lado da tecnologia para
compensar. A antiga civilização sofreu um apocalipse, e a raça humana
começou a reconstrução, desta vez usando a tecnologia como sua base. Claro,
eles criaram uma civilização tão avançada tecnologicamente que a gangorra
mudou mais uma vez. A magia voltou e fez a festa. Agora ela inundava o
mundo em ondas e quando chegava destruia edifícios altos, alimentava
feitiços, permitia manifestações, e sem avisar desaparecia. Apocalipse em
câmera lenta.
Isto só serve para mostrar que não importa o quanto seja grande um prego
que você dá a humanidade, nós conseguiremos martelá-lo torto no chão.
Somos horríveis. É a natureza de nossa espécie.
Minha casa ficava em um grande lote arborizado, tudo por minha
privacidade. A rua à esquerda levava à um arruinado prédio de apartamentos,
agora pouco mais do que um amontoado de escombros, e os vizinhos atrás de
mim tinham fugido da cidade há muito tempo. Eu comprei a sua terra por mil
dólares antes da decolagem, reformei a casa, contratei empreiteiros para
construir uma cerca de segurança extra-alta, e agora eu tinha um quintal
maravilhoso. Com as árvores e a cerca, eu poderia até mesmo sair na minha
forma natural, rolar na grama e tirar uma soneca ao sol sem qualquer um
apontando e gritando: Ei, olhe, uma tigresa branca!
Manobrei Pooki na minha garagem, saí, levantei a porta da garagem e
levei cuidadosamente o veículo para dentro. De todos os carros que já tive o
Prowler era o meu favorito. Eu amava as rodas estilo Indy. É por isso que eu
nunca corri com ele. Tanto quanto eu odiava admitir, Kasen estava certo, eu
tinha destruído Rambo. Muito.
Baixei a porta da garagem e entrei na minha cozinha. Um perfume passou
por mim. Eu inalei e congelei. Cheirava a sândalo e âmbar, temperado com
uma pitada de suor e almíscar masculino. Um arrepio correu pela minha
espinha, colocando todos os nervos em alerta máximo.
Jim.
A fragrância masculina encheu minha casa, gritando, ‘Companheiro!’
para mim tão alto que eu prendi a respiração por um segundo para me
controlar.
Jim estava aqui, esperando por mim. Em meus sonhos mais loucos, eu ia
para o quarto e ele me beijava. A imagem era muito vívida na minha cabeça
que me fazia tremer. Isso nunca iria acontecer. Vamos, garota cega feia, saia
dessa. Vamos tentar ser menos patética. Jim estava aqui porque Kasen falou
sobre mim ou porque ele precisava identificar algum pergaminho obscuro.
Ele não estava aqui para fazer meus pequenos sonhos tristes se tornar
realidade.
Marchei em minha sala de estar. — Jim? —Não houve resposta.
O cheiro era quente e vivo. Ele ainda estava aqui, ou ele esteve aqui
apenas um segundo atrás. — Jim? Não é engraçado.
Nada.
Bem. Eu segui o cheiro, movendo-me suavemente em meus pés. Sala de
estar, hall, banheiro, quarto. O cheiro ficou forte aqui. Ele estava no meu
quarto.
Oh meus deuses. E se eu entrasse e ele estivesse nu na minha cama?
Vou pirar. Vou pirar aqui mesmo com isso, e não vou aproveitar o quer
que seja ‘isso’. Acalme-se, acalme-se, acalme-se. Eu entrei no quarto.
Jim estava caído contra a parede no chão. Seus olhos estavam fechados.
Ele usava calça jeans preta e uma camiseta preta, um par de tons mais escuros
do que a sua pele. Seu cabelo preto foi cortado. Sua jaqueta de couro estava
deitada no chão em um monte. Adormecido.
Entrei na ponta dos pés e me agachei ao lado dele.
Ele parecia tão calmo aqui. Normalmente Jim vivia fazendo cara feia, só
para lembrar as pessoas de que ele era sério e importante e que chutaria sua
bunda se necessário. Mas agora, com a cabeça inclinada para trás e seu rosto
relaxado, ele era lindo. Eu queria sentar no chão ao lado dele e aconchegar-
me na curva do seu braço. Parecia o local perfeito para mim. Em vez disso,
suspirei e toquei a testa com o dedo. — Ei você. Acorde.
Ele não se moveu.
Estranho. Normalmente Jim acordava se um alfinete caía meio
quilômetro de distância. A maioria dos metamorfos era assim, mas Jim
especialmente. Ele supervisionava a segurança para o Bando e exibia
tendências paranóicas. A única vez que ele desmaiava assim era quando
estava ferido ou exausto de mudar muitas vezes e Vírus-L fechava seu
cérebro para conservar recursos e fazer reparos. Eu não senti o cheiro de
nenhum sangue e as roupas de Jim ainda estavam limpas. Mas se ele tivesse
desmaiado após a mudança, ele estaria no meu chão ... nu. Fechei os olhos e
dei-me uma sacudida mental.
Algo estava errado.
Agarrei seu ombro e sacudiu-o. — Jim! Acorde. Desperte. Vamos.
Seus olhos se abriram. Sua mão escura agarrou meu pulso. — Eu estava
adormecido?
— Sim.
— Porra.
Ele levantou do chão, olhos escuros chateados. — Você saiu. Dali
Harimau, onde você estava?
Eu me levantei e cruzei os braços sobre o peito. Ele não era muito grande,
então cruzar os braços era fácil. — Eu saí. Você não é meu pai, Jim. Eu não
tenho que pedir permissão a você antes de sair da minha casa.
Um brilho verde rolou nos olhos de Jim. — Dali, onde você estava?
Ele tinha puxado o cartão alfa. Você não discutia quando seus olhos
iluminavam. — Eu estava correndo no Abutre.
Pronto. Feliz agora?
Ele exalou. — Bom.
Bom? Desde quando minha corrida era boa? — Você não está fazendo
nenhum sentido.
— Você não verificou suas mensagens?
— Não, acabei de chegar em casa.
— Então você não foi para a casa?
— Que casa? Eu te disse que acabei de chegar em casa.
Os olhos de Jim diminuíram. Ele esfregou o rosto com a mão, como se
estivesse tentando apagar algo. — Preciso da sua ajuda.

JIM ESTAVA SENTADO na minha cozinha, olhando para uma xícara


3
de chá de ginseng quente como se um demônio estivesse escondido lá
dentro. — Beba-o. É bom para você.
Jim engoliu. — Tem um gosto horrível.
Se eu fosse um convidado e colocasse o nariz assim no chá que minha
anfitriã me servia, minha mãe me diria que eu tinha envergonhado a família.
— É como se você não tivesse boas maneiras. Eu ofereço-lhe um chá de
agrado e você faz caretas para ele.
— Você quer que eu minta e diga que é gostoso?
— Não, eu quero que você diga 'obrigado' e me diga o que está
acontecendo.
— Eu não tenho certeza. —O rosto de Jim era sombrio. — O escritório
nordeste na Estrada Dunwoody não reportou na terça-feira. Eu estava fora
fazendo outras coisas, então Johanna esperou vinte e quatro horas e enviou
um batedor para checá-los. Ele voltou perturbado. Falei com ele esta manhã.
Ele alegou que 'algo ruim' estava no prédio e que não ia chegar perto dele.
— Quem era?
— Garrett.
Garrett era preguiçoso, mas ele não era um covarde. Talvez houvesse algo
de ruim na casa. — Você foi lá, não é?
Jim deu de ombros. — Eu tinha que passar por perto em uma outra
missão de qualquer maneira.
Revirei os olhos. — Não levou ninguém com você?
Ele olhou para mim como se eu o tivesse insultado. Senhor fodão não
precisa de ninguém para ir com ele, não é? — O que aconteceu?
— Eu fui para o escritório. O lugar parecia vazio. As janelas estavam
cobertas de sujeira, como se ninguém tivesse estado lá há anos.
Jim e eu nos entreolhamos. O Bando tinha sete escritórios em Atlanta e
arredores e cada um deles teria janelas limpas. As pessoas normais olham
para nós como se fôssemos animais imundos. A parte animal era verdade,
mas a maioria de nós era sensível sobre essa coisa de imundo. Se você
quizesse insultar um Metamorfo era só dizer que ele fedia. Mantínhamos a
nós mesmos e nossos escritórios limpos. Além disso, não se pode enxergar
multidões enfurecidas com forcas e tochas vindo até você através de uma
janela suja.
— Eu fui até a porta. —Jim olhou para a xícara. — O lugar cheirava mal.
Um cheiro estranho, empoeirado, pungente e amargo, algo que eu nunca senti
antes.
— Como pó de erva?
— Não, não era isso. Não era qualquer coisa que eu reconheci. E estava
quieto demais. Deveria haver quatro pessoas no escritório. Não tinha um
maldito sussurro, sem suspiro, sem som, nada.
Roger e Michelle trabalhavam naquele escritório. Eu gostava de Michelle,
ela era legal.
— Abri a porta e cheirava a sangue. O local estava vazio. Havia um
símbolo mágico traçado no chão.
— Que tipo de símbolo?
Ele balançou sua cabeça. Seus olhos ficaram distantes. Se eu não
soubesse melhor, eu diria que ele estava confuso, exceto que Jim não ficava
confuso.
— Um símbolo chinês, —disse ele lentamente.
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— Como um sinográfo ? Hanzi?
Jim me deu um olhar vazio.
— Parecia escrita chinesa, Jim?
— Sim.
Levantei-me e trouxe-lhe um pedaço de papel e uma caneta. — Desenhe-
o para mim. —Ele pegou a caneta e olhou para ela.
— Jim?
Ele resmungou baixinho. — Eu não me lembro.
O pêlo da minha nuca arrepiou. Jim não tinha memória perfeita, mas ele
chegava muito perto. Ele praticou, porque lembrar detalhes era uma
habilidade útil para o chefe de segurança. Uma vez eu assisti ele desenhar
uma tatuagem tribal complicada que viu por dois segundos completamente da
memória. Ela ficou quase perfeita. Um símbolo hanzi no chão no meio de um
escritório cheirando a sangue deveria ser muito fácil para ele lembrar. Os
símbolos não eram tão complicados. Algo tinha fritado sua memória.
— O que você fez a seguir?
— Eu chamei você.
Nós dois olhamos para minha secretária eletrônica. A tela estava morta, a
magia havia cortado a eletricidade. Não havia forma de conferir se Jim havia
me chamado.
Um brilho verde acendeu em sua íris e desapareceu. Frustração saiu de
Jim em uma onda quente. Ele estava agindo como uma pessoa com uma
concussão, mas Vírus-L consertava concussões rapidamente. Sabia disso por
propriedade, eu tinha conseguido um número suficiente delas. Trinta
segundos e seu cérebro estava novo. Ainda assim ...
— Você acha que alguém poderia ter batido na parte de trás da sua
cabeça?
Jim olhou para mim por um longo momento.
— Às vezes, trauma na cabeça resulta em perda de memória de curto
prazo.
— Ninguém traumatizou minha cabeça. Ninguém leve o suficiente para
me espreitar seria forte o suficiente para me derrubar. Eu não fui nocauteado,
desmaiei.
Hã. — Desmaiou?
— Sim.
— O que você se lembra antes de desmaiar?
— A onda mágica bateu. Vi uma mulher.
— Uma mulher? —Ótimo, agora eu virei um personagem de mangá que
repetia tudo o que todos diziam.
— Eu a vi na casa.
— Como ela se parece?
— Ela era muito bonita.
Doeu como um tapa. — Jim!
— O quê?
Sim, o que, Dali? O que exatamente? — Quando você a viu? O que ela
estava vestindo? Concentre-se.
Ele balançou sua cabeça. — Eu estava na porta. Olhei para cima e ela
estava de pé na parte de trás da sala. Ela estava usando algum tipo de túnica
longa ou vestido. O tecido era quase transparente, como uma lingerie.
E ele provavelmente levou um segundo para olhar para seus peitos.
Impressionante.
— Ela tinha longos cabelos escuros. Eu disse a ela para sair da casa. Ela
disse: 'Ajude-me.’
— Em português?
Ele assentiu. — Ela começou a recuar para dentro da casa e eu fui atrás
dela.
— Quatro metamorfos estão faltando, o escritório tem cheiro de sangue,
você vê alguma mulher estranha em um vestido transparente que claramente
não deveria estar no edifício, e você corre atrás dela?
— É meu trabalho correr atrás dela.
— Sem apoio?
— Eu sou o meu próprio apoio.
Eu levantei meus braços. — Tudo bem, o que aconteceu depois?
— Lembro-me de minhas pernas ficando pesadas e pensar que algo
estava errado. Então eu acordei no meio do chão.
— Quanto tempo você dormiu?
— Dezoito minutos. Eu acordei cansado como o inferno. Sabia que ia
desmaiar novamente se eu não saísse, então me levantei, tranquei a porta, e
dei o fora de lá. Sabia que tinha ligado para você e eu achei que você poderia
ir até aquela casa. A magia já estava em alta, então eu corri para cá, entrei
com a minha chave, mas você não estava. Eu fui para o quarto para ver se a
sua caixa de caligrafia ainda estava aqui, porque eu sabia que você o leva
para onde vai e então eu não me lembro de mais nada.
E então ele adormeceu no chão do meu quarto. — Você se sente
diferente?
— Eu me sinto cansado.
— Agora mesmo? Mesmo depois de dormir? —Ele assentiu.
Jim poderia aguentar quarenta e oito horas sem dormir e ainda ser tão
afiado como suas garras. Esse era um dos presentes divertidos doVírus-L:
melhora a resistência, imunidade a doenças e fúria louca e homicida, só
para apimentar as coisas. Algo estava seriamente errado. Se tivesse sido uma
maldição básica, minha magia já teria indentificado e eliminado. Ele tinha
que ir ao médico. — Precisamos ver Doolittle.
— Não. Sem Doolittle.
— Jim, você continua caindo no sono.
— Doolittle é um cirurgião. —Jim mostrou as bordas de seus dentes. —
Se ele não pode cortar ou costurar você, ele não pode fazer nada a mais. Eu
não tenho sintomas. Taxa de pulso é normal, a temperatura é normal. Eu só
adormeci. Faz de conta que você é Doolittle, chego com essa história, qual é
o seu primeiro passo?
— Colocá-lo em observação.
— Exatamente. Eu não preciso ser trancado.
— Como você sabe que algo não está interferindo com a sua
regeneração?
Jim puxou uma faca de sua bainha de cintura tão rápido que eu mal vi. O
metal azulado brilhou, cortando através de seu antebraço. Sangue fluiu. O
cheiro atingiu minhas narinas, enviando arrepios em meus braços. Enquanto
eu observava o corte se uniu novamente, a pele e o músculo fluindo para
reparar o dano. Jim limpou o sangue de sua pele e me mostrou seu antebraço.
A linha fina da cicatriz já estava desaparecendo.
— Eu não estou doente e meu vírus está funcionando. Seja o que for, é
mágico. Quatro dos nossos estão desaparecidos e você é a única
manipuladora de magia que eu tenho. Eu não posso simplesmente deixá-los
lá dentro.
— Eles podem estar mortos.
— Se eles estão mortos, precisamos saber. —Ele se inclinou para frente,
os olhos castanhos olhando diretamente nos meus. — Ajude-me, Dali.
Ele não tinha ideia nenhuma, mas quando olhava para mim assim, eu
faria qualquer coisa por ele. Qualquer coisa.
Levantei. — Deixe-me pegar minha caixa de caligrafia. Precisamos ir ver
a casa.
O ESCRITÓRIO NORDESTE do Bando ficava na estrada Chamblee
Dunwoody, bem atrás da estrada ficava um gramado cuidadosamente cortado.
Altos pinheiros circulavam três lados, com quatro árvores pitorescas
protegendo seu estacionamento. À esquerda, atrás do tapete de vegetação e de
uma cerca de arame protegida em cima por rolos de arame farpado, erguiam-
se apartamentos curtos e bem estruturados. O guarda no portão nos deu um
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olhar desagradável segurando sua besta por precaução enquanto nós
passavámos trovejando no meu carro. Homem tolo.
Guiei o Prowler pela curva até o estacionamento do escritório, estacionei
e desliguei o veículo. O motor de água encantada levava pelo menos quinze
minutos para aquecer, mas deixá-lo funcionando não fazia sentido. O motor
fazia tanto barulho que eu tinha dificuldade para pensar. Além disso, a
velocidade máxima do Pooki durante a onda mágica mal chegava oitenta
quilômetros por hora, e se tivéssemos que fugir, tanto Jim e eu poderíamos
correr muito mais rápido do que isso.
Nós saímos para a noite. Pintado de uma cor verde-oliva feia o escritório
parecia que dois prédios separados haviam sido entulhados juntos: a metade
esquerda lembrava uma casa de fazenda, enquanto a da direita era uma Queen
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Anne de dois andares com venezianas verdes.
O vento trouxe consigo um cheiro metálico salgado que queimou minha
língua. Sangue. Jim arreganhou os dentes para o prédio.
Fechei os olhos e concentrei-me, tentando sentir a magia. Na minha
cabeça, a casa ficou escura. Longos tentáculos translúcidos de magia saíam
de dentro, deslizando para frente e para trás sobre as paredes, para fora das
janelas, sobre o telhado, agarrando-se ao revestimento e aos ladrilhos.
Eu dei um pequeno passo adiante. O tentáculo mais próximo subiu,
pairou acima do telhado por um longo momento, e serpenteou até nós. A
magia me atacou em uma onda gelada, fétida e terrível. Eu não sabia o que
era, mas cada célula do meu corpo encolheu a partir dele. Meus olhos se
abriram e eu recuei.
Jim me segurou por trás. — O que foi isso?
A casa parecia mundana novamente, apenas um prédio cor de oliva
monótono. Engoli. — Nós vamos precisar de Proteção. Muita Proteção.
Coloquei a minha caixa de madeira no capô do Pooki e abri. Jim olhou
para a caligrafia dentro da caixa. A maioria dos metamorfos não faziam
magia, porque mudar para um animal era mais que suficiente e a maioria não
confiava na magia. Eu entendia totalmente o porquê. Magia era duvidosa,
mas garras e presas também eram. No entanto, eu nasci de uma longa linha
de manipuladores de magia, tão preocupados com a tradição que eles
passaram seus conhecimentos e rituais, mesmo quando a tecnologia esteve no
seu mais forte e quase nenhuma evidência de magia permaneceu. Minha
família levou minha educação muito a sério.
Metade do tempo minha magia nem funcionava, mas Jim tinha me visto
fazer algumas coisas. Não é que estava impressionado, mas Jim tratava meu
talento com respeito. Ele estava com problemas e confiava em mim para
ajudá-lo. Eu tinha que me esforçar mais ainda.
Jim acenou para a casa. Uma luz amarela clara apareceu em uma das
janelas do andar superior, como se alguém levasse uma vela até o vidro.
— Não é fofo, —eu murmurei. — Está dizendo olá.
Jim sorriu para a luz. A única vez que um jaguar lhe mostrava os dentes
era quando ele estava prestes a afundá-los em você.
Puxei duas finas tiras de papel hanshi para fora, mergulhando meu pincel
na tinta, e escrevi a seqüência de caracteres para Proteção geral em cada peça.
A tinta brilhou um pouco à luz do luar. Prendi a respiração. Por favor
funcione. Por favor, por favor, por favor funcione.
A magia estalou, provocando através do papel. Exalei e joguei uma tira
em Jim. O papel cortou o ar, duro como uma lâmina, e prendeu a seu peito.
Ele olhou fixamente para ele.
— Não mexa nele. É um feitiço de Proteção defensiva.
Joguei o outro pedaço de papel no ar, dei um passo em direção a ele, e ele
aderiu a mim, sobre o meu peito esquerdo. — Vamos.
Jim ponderou o pequeno pedaço de papel. — Você quer que eu volte para
a casa protegido por um pedaço de papel com uma nota mágica?
— Nem sequer comece, —eu disse a ele. — Está funcionando. Se não
estivesse funcionando, você não poderia arrastar-me para aquele lugar.
— O que que você escreveu aqui? Não morra?
— Não, eu escrevi: 'Não seja um babaca!' —Fui para a casa.
— No seu papel ou no meu?
— No seu.
— Bem, nesse caso, a sua magia não está funcionando. Eu ainda sou um
babaca.
Grr, grr, grr.
Seis metros para a casa. Um tremor sacudiu-me e eu cerrei os dentes.
Você pode fazê-lo, Tigresa branca. Não seja uma covarde.
Quatro metros. Eu podia ver agora, a bagunça translúcida de gavinhas,
pronta para agarrar-nos, como um ninho de cobras escuras colossais prestes a
atacar. A magia ruim iria nos atingir a qualquer momento.
Três metros. Os tentáculos se levantaram como um só.
Dane-se. Estendi a mão e agarrei a mão de Jim. Seus dedos se fecharam
nos meus, quentes e fortes.
A magia atirou em nossa direção. Eu apertei a mão de Jim. O papel no
meu peito faiscou com azul pálido e os tentáculos caíram, como se
chamuscados pelo fogo.
Oh deuses. Oh ufa. Meu coração bateu no peito em cerca de um milhão
de batimentos por minuto. Ufaaaaaa.
Certo, vivos. Vivo é bom.
Percebi que ainda estava segurando a mão de Jim como uma idiota e o
soltei. Ele estava olhando para mim. — Está tudo bem?
— Unrrum. —Balancei a cabeça, minha voz um pouco alta demais. —
Tudo está ótimo. Vamos.
Nós andamos entre os tentáculos de magia até a porta. Um longo arranhão
marcava a tinta verde escura, expondo o aço por baixo. Eu poderia dizer pelo
rosto de Jim que ele não se lembrava disso. Nós dois inclinamos e cheiramos.
Cheirava a tinta.
Jim tentou a maçaneta. Ela clicou sob a pressão de seu polegar. A porta se
abriu lentamente, revelando uma grande sala sombria, como se a casa tivesse
bocejado e estávamos olhando em linha reta em sua goela.
Ele disse que tinha deixado a porta trancada e eu sabia que ele tinha.
Jim passou pela porta e eu o segui.
O interior da casa cheirava mal: quente e afiada com uma imensidão de
poeira, como um pedaço de ferro enferrujado deixado para assar ao sol.
Através dela flutuava o cheiro de café queimado e um ligeiro aroma de
sangue temperado com uma pitada de decomposição. O sangue era velho,
pelo menos doze horas, provavelmente mais.
A frente da sala estava vazia. À frente, um grande balcão cortava a sala
quase na metade. À direita, um pequeno fogão sustentava uma chaleira e uma
cafeteira. A escuridão acumulava-se nos cantos, e se eu olhasse para a direita
podia ver os tentáculos fracos de magia serpenteando o seu caminho dentro e
fora das paredes.
Jim inclinou o rosto em um grunhido silencioso, foi até o balcão e saltou
sobre ele, pousando com graça fácil. Ele fez isso em absoluto silêncio.
Uau.
Eu teria dado qualquer coisa para ser parecida com ele, ser esguia e
elegante, como um fantasma flexível. Mas não, mesmo na minha forma
animal, eu era desajeitada. A mudança me confundia e levava cerca de dois
minutos para descobrir onde eu estava ou por quê. Jim levava cerca de dois
segundos para matar alguma coisa. Se nós dois mudássemos no meio de uma
sala cheia de ninjas, quando enfim eu pudesse ver direito, eles estariam todos
mortos e Jim estaria limpando o sangue de suas mãos.
Toda a minha vida me disseram que eu era especial, a Mística Tigresa
Branca. Guardiã do Oeste, Rainha dos animais, Senhora das Montanhas, a
Assassina de Demônios. Majestosa e feroz no campo de batalha. A ironia era
tão espessa que dava para nadar nela.
Jim apontou para o chão. Olhei para baixo. Cortes marcavam a madeira,
cavando profundamente nas tábuas. Algo tinha arranhado o chão, algo grande
e poderoso. Aqui e ali pequenas seções de linhas marcadas de preto espiavam
debaixo dos arranhões, mas nenhuma força na terra podia decifrar o que tinha
sido escrito lá.
Olhei para Jim e balancei a cabeça. Ele pulou e eu o segui mais
profundamente para dentro de casa. Passamos por uma pequena sala de
arquivos à direita, separado do balcão por uma divisória. Se as pessoas
morreram aqui, algo deve ter levado seus corpos.
A porta de entrada para as escadas esperava, um retângulo mais escuro na
parede escura. Dei um passo para a frente. Magia tomou conta de mim, magia
ruim, terrível, com cheiro de morte e sangue e cadáveres, como se alguém
tivesse pegado um pedaço de gelo e o tivesse arrastado da base do meu
pescoço até o final da minha espinha.O papel no meu peito estremeceu. Eu
congelei, tentando pegar cada pequeno ruído, cada sinal de movimento.
Jim estava olhando em mim.
— Ruim, —Mexi a boca, deixando que ele lesse meus lábios. — Magia
ruim. —Acima de nós o teto rangeu. Olhamos para ele.
Outro rangido. Algo pesado se moveu pelo chão sobre nossas cabeças.
Jim passou na minha frente e nós subimos os degraus de madeira para o
andar de cima.

A ESCADA ERA ESTREITA e as costas musculosas de Jim tomavam a


maior parte dela. Dei a ele algum espaço para atacar se precisasse nos
defender de algo desagradável.
Magia saturava a escada. Pingava do trilho em gotas longas e viscosas,
escorria os degraus, fervia em longos rolos ao longo da parede, tão espessos e
potentes que eu desejava ter trazido uma capa de chuva. Parecia impossível
Jim não conseguir ver, mas eu sabia que ele não podia.
Nós chegamos ao patamar. Um corredor corria perpendicular à escada, e
do outro lado, uma porta estava iluminada por um brilho amarelo pálido.
Senti o cheiro de querosene.
Jim parou por um longo segundo no patamar do andar de cima e seguiu
pelo corredor até a sala. Eu fui atrás dele.
Uma lâmpada solitária acesa no chão, na parede oposta, iluminando uma
mulher nua que estava sentada de pernas cruzadas sobre as tábuas sujas. Seu
cabelo mel escuro pendia em fios irregulares pelas costas. Eu inalei,
provando seu perfume. Michelle. Mas o perfume não era o mesmo aroma
vivo, quente e vibrante de antes. Este era um odor frio, atado com vestígios
de odores tóxicos: fezes, um toque de urina e uma pátina revoltante de
putrescência, como um caldo de carne deixado ao lado de fora por muito
tempo. Aminoácidos degradantes. Eu cheirei este coquetel nauseante antes:
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cadaverina , putrescina , e uma boa dose de indol . Meus olhos me
disseram que Michelle estava viva e sentada em frente de mim. Meu nariz me
disse que ela estava morta e estava assim há pelo menos dois dias. Eu
confiava em meu nariz. Nunca mentia.
11
Jim puxou uma faca da bainha. Era sua gigante faca GI Joe , cinza
escuro com uma ponta curvada perversa e uma borda serrilhada perto do
punho.
Michelle virou e olhou para nós. Seus olhos estavam vazios. Olhos
mortos, como dois buracos escuros em sua cabeça.
Eu gostava dela.
Atrás de Michelle, outro corpo jazia no canto do seu lado, longos cabelos
escuros se espalhavam no chão imundo como um véu negro. Roger, um
metamorfo lince. Morto também.
O braço esquerdo de Michelle empurrou para cima e para a frente,
descansando no chão. Sua direita se movimentou, como se ela fosse uma
marionete em uma corda.
— O que você quer? —A voz de Jim era um rosnado baixo. É por isso
que Jim estava no comando. Eu não tive que explicar que algo estava
controlando os mortos. Ele descobriu tudo por conta própria e não perdeu
tempo se chocando com isso.
O corpo de Michelle virou, lançando-a em um agachamento.
Muitas coisas controlavam os mortos. Eu tinha que descobrir quem estava
puxando as cordas antes que pudesse tentar uma maldição.
Pense, Dali, pense.
— Qualquer conselho? —Jim perguntou, sua voz casual.
— Mantê-la ocupada, para que eu possa descobrir mais sobre isso
A boca de Michelle estava aberta, mostrando os dentes escuros e
desagradáveis. — E tente não ser mordido.
Michelle lançou-se de seu agachamento, mãos estendidas, dedos como
garras. Jim investiu contra ela. Ele agarrou seu braço, a faca cortando em um
arco furioso e Jim arremessou Michelle do outro lado da sala na parede. Eu
apertei o meu pincel de caligrafia. Essa coisa poderia ter enviado Michelle
para nós no momento em que entramos pela porta. Mas não, alguém nos
provocou da janela com a luz. Ele fez o teto acima de nós ranger de
propósito.
Michelle se recuperou do impacto na parede, lançando-se no ar, chutando
Jim. Ele evitou, mas ela foi rápida. Suas unhas arranharam seu peito com
força sobrenatural, rasgando roupas. O sangue inchou pelas fendas. Jim
agarrou seu braço e torceu, sua faca penetrando profundamente no ombro de
Michelle. Alguma coisa rangeu e o braço de Michelle saiu na mão de Jim, ele
tinha arancado a articulação. Como cortar uma asa de um frango.
Michelle girou. Nenhum sangue derramado a partir do corte. Ela mostrou
os dentes e se lançou para Jim novamente, agarrando-o com a braço restante.
Michelle era um chacal. Eles não tinham garras, eles mordiam.
Ele teria que picá-la em pedacinhos antes que ela parasse.
Algo riu no canto, onde a magia se escondia em um arbusto escuro. Ele
estava rindo de nós. Jogando um jogo cruel.
Michelle arranhou Jim. Assim como um gato.
12
Comecei a desenhar o meu kanji . — Acabe com ela agora, por favor.
Jim empurrou Michelle para baixo. Ele cortou em um golpe cruel e sua
cabeça caiu no chão.
Uma forma escura apareceu da magia atada em um piscar de olhos e
saltou sobre o cadáver de Roger. Eu arremessei minha maldição para ele. O
papel branco rígido bateu entre os olhos. Magia pulsava e vi olhos de gato
amarelos brilhantes como duas luas para mim de um rosto redondo e e
peludo.
Roger atacou Jim.
A besta-gato saltou em um borrão, diretamente para mim. O corpo
enorme me derrubou. Voei e a parte de trás da minha cabeça bateu nas
tábuas.
O gato me segurou, o seu peso esmagando meu peito. Uma boca escura e
felina se abriu para mim, exalando uma respiração fétida no meu rosto. A dor
perfurou meus ombros como agulhas em brasa. Tentei rosnar, mas eu não
tinha ar e apenas um pequeno esguicho saiu.
A boca negra mordeu. O kanji no pedaço de papel branco queimou com
verde. O papel explodiu em uma dúzia de tiras. Eles atiraram para fora,
empurrando o gato de cima de mim.
Pisquei, tentando sugar a respiração. Jim inclinou-se e estendeu a mão
para mim. Agarrei e ele me puxou para cima. O cadáver de Roger, quebrado
e torcido, caído no chão. Acima dele, um corpo longo felino pendurado cerca
de meio metro fora do chão, envolto em longas tiras de papel. Tinha um
metro e oitenta de comprimento e desgrenhado com pele cor de laranja e
branco, um gato doméstico que de alguma forma tinha crescido a um
tamanho de leopardo. As tiras aderindo às paredes e teto, segurando o gato
como um invólucro de uma múmia.
A besta não estava se movendo. Duas tiras de papel pegaram sua garganta
em uma corda improvisada. Sua cabeça pendia mole, de boca aberta, uma
longa língua de fora do canto de sua boca. Os olhos amarelos, uma vez
brilhando com sede de sangue, estavam opacos agora.
Engoli. Minha boca com gosto amargo. A besta-gato estava morta.
Minhas mãos tremiam de adrenalina. Eu tinha estragado tudo.
— QUE DIABOS É ISSO? —Jim perguntou. Sua voz era calma. Suas
mãos não tremiam. Frio como o gelo.
Por que eu não poderia ser um pouco parecida?
Respirei, tentando esconder o tremor. — Duas caudas ou uma? —Jim deu
um passo para o gato e levantou duas caudas peludas longas.
13
— É um nekomata , —eu disse. — Um yokai.
Jim me deu um olhar vazio.
— Os yokai são demônios japoneses. —Esfreguei meu rosto. — As
lendas dizem que, se a cauda de um gato não for cortada e algumas outras
condições forem satisfeitas, ele terá a chance de se tornar um bakeneko, um
gato fantasma demoníaco. Os gatos Bakeneko crescem até um tamanho
enorme e adquirem poderes sobrenaturais. Às vezes, seu rabo se bifurca e
eles se tornam nekomata, gatos monstros demoníacos. Eles têm o poder de
controlar os mortos, assumir a forma humana e podem fazer algumas coisas
desagradáveis.
— Será que eles têm o poder de colocar as pessoas para dormir?
Eu sabia que ele chegaria a isso mais cedo ou mais tarde. — Não. É
possível que a mulher que você viu fosse um nekomata disfarçada, mas não é
provável. Ela teve você e ela deixou você ir. O nekomata é um gato, Jim. É
cruel e mau e ele gosta de jogar jogos, mas você sabe muito bem que um gato
não desiste de sua presa. Isto, —Eu acenei os braços ao redor, — é complexo.
Muito complexo para um gato demônio. Eles na maioria das vezes atiram
fogo, roubam cadáveres e andam por aí com roupas humanas, fingindo ser
sua vó idosa para que eles possam ganhar comida grátis. Há magia aqui,
magia muito ruim. Isso meio que me assusta. O nekomata está morto, mas a
magia ainda está aqui. Alguma coisa está acontecendo. Isso ainda não
acabou.
Jim tentou cortar uma das tiras de papel com a faca. A tira não cortou. —
E isso?
— Esta é a maldição de vinte e sete pergaminhos de ligação.
Jim golpeou a tira de papel. O papel não cortou. Jim fez uma careta. —
Como no inferno ...
Kate, uma das minhas amigas, sempre disse que a melhor defesa é um
bom ataque. — Antes que você diga qualquer coisa, sim, eu sei que a
maldição não funcionou como esperado e eu sei que teria sido melhor ter o
nekomata contido para que pudéssemos questioná-lo, e eu estava tentando
fazer isso, mas não é como se fosse uma ciência exata, e como eu ia saber
que os pergaminhos de ligação iriam sufocar o demônio estúpido até a morte?
Então você não tem que me dizer, Eu sei! Você tenta adivinhar a identidade
de alguma criatura estranha e escrever uma maldição enquanto ele está
tentando arrancar seu nariz ...
Eu já não estava fazendo sentido algum. Eu era uma mulher
excepcionalmente inteligente. Por que Jim sempre me reduzia a algum tipo
de mulher idiota?
— Eu ia dizer, como diabos você fez isso, —disse Jim. — Você fez papel
com a resistência à tração do aço a partir do nada. A física disso faz meu
cérebro doer.
— Oooh.
— E eu teria dito isso e algumas outras coisas legais, exceto que você
pulou na minha cara e começou a balbuciar e agitar seus pequenos punhos ao
redor.
— Pequenos punhos?
— Essa é a raiz de seu problema, exatamente essa. Você sempre apressa
as coisas à procura de uma luta. Você é como um daqueles policiais de magia
da tropa de choque: chegue no local, mate tudo e em seguida, classifique os
corpos em duas pilhas: criminosos e civis Meu rosto ficou quente. Meu corpo
estava bombeando todos os tipos de hormônios irritados e perturbados. Ele
estava me mastigando como se eu fosse uma criança. Eu estava tão perto de
ficar peluda, exceto que isso não me faria bem.
— Se você pegar um décimo de segundo para verificar que não há
necessidade de atacar porque aquilo que você quer lutar não existe, te salvaria
do sofrimento.
Ele não entendia e nunca conseguiria. — Você terminou?
— Sim.
— Bom. —Eu me afastei dele e me agachei perto do corpo de Roger. A
cabeça de Roger estava pendurada em um ângulo esquisito e os dois braços
dobrados em lugares onde não existiam articulações. Jim o quebrou como um
galho.
— O que é isso?
Você é tão especial, por que você não me diz, Senhor Sempre ‘Olhe Antes
de Pular’. Eu arrastei meu dedo contra a pele de Roger. Ele saiu com um
resíduo de pó cinza. Eu mostrei o dedo para Jim. — Tenho certeza de
cadáveres normais não fazem isso.
— Percebi isso, —disse Jim. — Michelle estava escorregadia, também.
Eu me levantei. — Precisamos revistar a casa.
Nós vasculhamos a casa. Não encontramos nenhuma sinal dos dois outros
metamorfos: nem Mina nem August estavam na casa há pelo menos trinta e
seis horas. Seus aromas eram velhos. Eu roubei o caderno de relatórios do
escritório da frente e nós escapamos.
Fora, o ar frio da noite varreu minha pele, lavando a magia desagradável.
Fui direto para Pooki e abri o caderno no capô. Quatro tipos diferentes de
caligrafia preencheram as páginas. A última entrada tinha três dias. Voltei um
mês e examinei as entradas.
— Você está realmente lendo isso ou simplesmente virando as páginas?
— Jim? Silêncio. Preciso me concentrar. —Mudanças de turno, notas de
metamorfos apanhados na cidade por uma razão ou outra, rotina, rotina,
rotina ... As anotações de Mina identificaram diferentes tipos de chá de ervas
que ela bebeu durante seu turno. Roger documentou as rotas de patrulha de
três vizinhanças de gatos, completos com batalhas por território e lugares
onde eles escolheram para marcá-lo.
Continuei virando as páginas e finalmente encontrei. Quase não tinha
percebido isso. Na quinta-feira anterior, August não entrou para fazer a
mudança de turno. O diário mostrava-o assinando quatorze horas depois.
Seus Ps, Gs e Ys mostravam traços verticais mais longos que o normal. Corri
meus dedos do outro lado da página e senti os contornos das letras. August
pressionara muito no papel. Ele estava animado quando ele entrou, confiante,
irritado, talvez determinado. Sua razão para o atraso em não aparecer, dizia
‘dormiu demais’, o que não fazia sentido, considerando a quantidade de
pressão que ele colocou na página. Havia algo de sombrio no modo como ele
escreveu, como se tivesse gravando cada letra no papel.
Bati a página, pensando. A nekomata era um monstro japonês. August era
metade japonês, metade americano. Porém culturalmente totalmente
americano. Ele não sabia ler kanji e seu japonês era terrível. Atlanta tinha
uma grande população japonesa, com a sua própria escola e lojas, um lugar
onde os costumes americanos não se aplicavam. August visitava sua família
lá, mas ele nunca chegou a ter mentalidade separatista Nós e Eles, e sendo um
shifter, ele era desprezado. Alguns meses atrás, ele me disse que um de seus
primos era gay. August tinha ido buscar o garoto de treze anos na escola
japonesa para levá-lo a uma reunião de família e ele viu o menino sentado no
colo de seu amigo depois do recreio. Eu tive que explicar que o
comportamento do garoto era uma coisa cultural que não indicava nada sobre
a sexualidade de seu primo, mas ele, simplesmente do ponto de vista do cara
americano, não compreendeu. Ele não acreditou completamente em mim
também e me disse que se alguém maltratasse seu primo, ele quebraria as
pernas dessa pessoa.
A magia tendia a manter a nacionalidade e a região. As pessoas geravam
magia e suas superstições e crenças a canalizavam. Se pessoas suficientes
acreditassem que uma certa criatura existisse e, pior, tomasse precauções
contra ela, eventualmente a magia a originava. Se você tivesse uma área
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densamente povoada por irlandeses, você teria banshees . Se você tivesse
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colonos vietnamitas, mais cedo ou mais tarde Ma Doi , os espíritos famintos
estariam assombrando as ruas. E se você tivesse uma comunidade japonesa,
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você receberia Yokais , criaturas demoníacas.
O resíduo em pó na pele de Roger me incomodava. Ou a camada superior
de sua pele tinha virado pó, ou ele tinha sido literalmente pulverizado com
algo. Nenhuma criatura que eu me lembrasse poderia fazer isso com um
corpo.
Das quatro pessoas no escritório, August seria o mais provável a entrar
em contato com uma lenda japonesa. Teríamos que refazer seus passos.
Folheei as páginas. As entradas estavam ficando mais curtas, mais
erráticas. No sábado alguns deles pareciam inacabados, como se o escritor
simplesmente tivesse parado no meio de uma frase. Domingo não teve
entradas. Devia ter havida alguma. Na segunda-feira, uma única entrada
escrita com a letra leve de Michelle: ‘Não consigo ficar acordada. Socorro.
M.’
Merda. Oh merda, oh merda, oh merda.
— Nós precisamos ir a casa de August. Precisamos descobrir por que ele
estava fora na quinta-feira. —Olhei para cima. Jim estava dormindo
encostado no carro.
— Jim!
Sem resposta. Agarrei-o e sacudi seu ombro. — Acorde! Acorde! —Ele
escorregou para o chão, ainda dormindo. Eu dei um tapa no seu rosto. Ele não
se moveu. Puxei a porta de Pooki, abri o porta-malas, tirei o galão extra de
água encantada e despejei-o no rosto.
A água foi derramada. Vamos lá, vamos lá ... Jim tossiu e se sacudiu.
Larguei o galão e agarrei seus ombros. — Acorde! —Olhos escuros me
olharam. — Estou acordado.
— Não adormeça! Não adormeça, ouviu? —Ele rosnou e se afastou do
chão. — Estou bem.
Não, ele não estava bem. Nós estávamos em apuros. Nós estávamos
realmente em apuros. Andei para trás e para frente. Meu coração estava
batendo tão rápido que eu o sentia prestes a explodir. Algo estava errado com
o meu Jim e se eu não corrigi-lo agora, ele iria acabar como Roger, um
cadáver seco cheio de magia desagradável.
— Calma, —disse Jim.
— Estou calma! Entre no carro. —Emergências pedem medidas
desesperadas.
Ele entrou. Eu me joguei no banco do motorista e cantei o feitiço para o
motor ganhar vida, observando-o como um falcão. Ele ficou acordado.
Larguei o freio de mão e tirei-o do estacionamento. — Abaixe a janela, —eu
gritei sobre o rugido do motor. — Você precisa de vento em seu rosto.
— Onde estamos indo? —Ele rugiu de volta.
— Ver minha mãe!

MINHA MÃE MORAVA em um pequeno aglomerado de prédios de


apartamentos em Riverdale. Demorei mais de uma hora para chegar lá pela
cidade em ruínas e o tempo todo observei Jim com o canto do olho. Dei um
soco no braço dele algumas vezes para ter certeza de que ficasse acordado.
Depois de oito vezes ele me disse para parar.
Eu manobrei na pequena estrada e entrei na estrutura formada pelas
moradias de dois andares e estacionei em frente à casa da minha mãe. A luz
azul pálida de sua lanterna se filtrava pela janela. Eu saí. Jim já esperava fora,
examinando as casas.
— Por que esses três edifícios estão voltados para a esquerda?
— Porque esta é uma comunidade indonésia, principalmente pessoas
idosas que praticam magia. Eles são mais supersticiosos do que o habitual. É
má sorte construir uma casa virada para o norte. Algumas pessoas acreditam
que isso as tornarão pobres. A subdivisão da rua já estava feita quando as
pessoas se mudaram, então essas três famílias escolheram construir suas
casas voltadas para o leste.
— Aaaa.
— É má sorte construir uma casa de frente para um campo, é má sorte ter
a cozinha virada para a porta da frente e é má sorte construir uma cerca de
mais de um e oitenta metros. É assim que as coisas são, Jim. Apenas aceite
sem questionar.
— Sua cerca é mais alta que um metro e oitenta.
Eu virei para ele enquanto caminhava. — Eu não disse que elas eram
minhas superstições. Mas elas são importantes para a minha mãe.
Nós fomos para a porta. Os aromas familiares me invadiram: arroz,
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cebola, pimenta, cominho, coentro. Mamãe estava cozinhando nasi goreng ,
arroz frito. Estava em casa. Socorro.
Jim cheirou o ar. — Já passou da uma. Sua mãe costuma cozinhar depois
da meia-noite?
— Não, é especial para mim. Ela nos sentiu chegando.
Levantei a mão para bater na porta. Antes que meus dedos tocassem a
madeira, ela se abriu e minha mãe me apertou em um abraço. Olhando para
ela, você poderia dizer exatamente como eu ficaria daqui a trinta anos:
pequena, magra, morena e rápida.
— Por que você está tão suja? —Minha mãe puxou uma teia de aranha do
meu cabelo. — O que aconteceu? Entre. Quem é esse homem?
Aqui vamos nós. Respirei fundo e entrei. — Este é Jim. —Jim entrou.
Minha mãe fechou a porta e olhou para ele. — Ele é escuro. Muito, muito
escuro.
Jim sorriu, mostrando uma margem pequena de seus dentes. Eu senti
vontade de me bater. — Mãe!
— O que você faz da vida? —Ela se inclinou para Jim. Seu sotaque
estava ficando mais forte. — Você tem dinheiro?
— Ele é o meu alfa. É responsável por todo o clã Felino. Muito
importante.
Os olhos de minha mãe acenderam. Ah não.
Ela se inclinou e deu um tapinha na mão de Jim. — Isto é muito legal.
Minha filha é muito inteligente. Sempre respeitosa e bem comportada. Nunca
dá problemas e ela faz o que lhe mandam.
— Não sei disso, —Jim murmurou.
— Não gasta muito dinheiro. Dois doutorados. Tem um pouco de
problema com a sua visão, mas esse é o lado da família dela. Magia muito
rara, uma Tigresa Branca. Uma em cada sete gerações. Muito especial. Ela
pode curar o mau olhado com um toque. E se você tivesse sua casa
amaldiçoada, ela poderia purificá-la para você. Todo mundo respeita minha
filha. Todo nosso povo a conhece.
Jim acenou para ela com um olhar solene. Meu estômago embrulhou. Eu
senti vontade de vomitar. — Mãe ... —Ela acenou para Jim, como se
partilhando de um terrível segredo. — E ela é um boa cozinheira, também.
Jim inclinou-se um pouco em direção a ela, com o rosto muito sério. —
Tenho certeza que ela é.
Minha mãe sorriu, como se ele tivesse lhe dado um diamante. — Melhor
partido. De todas as meninas, a minha é a melhor escolha.
Aaaaa! — Mãe! Há algo de errado com ele. Ele está magicamente doente.
Minha mãe levantou-se na ponta dos pés e olhou para os olhos de Jim.
Por um longo momento eles estavam olho no olho, minha mãe baixinha e Jim
alto e musculoso e, em seguida, ela mudou para indonésio.
— Desista dele.
— Não. —Eu balancei minha cabeça.
— Ele é forte. Muito bom de corpo. Mas você deve encontrar outro.
— Não quero outro! Eu quero ele.
— Ele está morrendo.
— Tenho que salvá-lo. Por favor me ajude. Por favor.
Minha mãe mordeu o lábio e apontou para a cadeira. — Sente-se.
Jim sentou-se. Ela se inclinou e puxou seu olho direito aberto com os
dedos, examinando a íris.
— Algo está comendo a sua alma. —Minha mãe falou
— Eu percebi isso. Mas eu não posso ver o que é.
Mãe suspirou. — Eu não posso vê-lo também. Até que nós possamos vê-
lo, não podemos fazer nada sobre isso. Precisamos de Keong Emas.
O Caracol de Ouro. Meu coração caiu. Minhas pernas cederam e eu caí
no sofá. O único lugar onde poderíamos conseguir um caracol de ouro seria
no Subterrâneo de Atlanta. Costumava ser uma zona comercial em Five
Points, onde todos os grandes edifícios ficavam antes da Mudança. O
Subterrâneo começou como um grande depósito de trem em meados do
século XIX, com lojas, bancos e até mesmo salões, mas, eventualmente, a
cidade teve que construir viadutos sobre os trilhos da estrada de ferro para o
tráfego de carros. Os viadutos corriam juntos até que uma boa parte dos
trilhos de trem, lojas e o depósito estavam no subsolo. Antes da mudança,
costumava ser cheio de pequenos bares e lojas. Uma vez que a magia chegou,
os donos das lojas fugiram e o mercado negro se instalou. Os comerciantes
patrocinados pela máfia tinham cavado túneis profundos, correndo de suas
lojas até os arruinados Five Points e Unicorn Lane, onde a magia corria solta
e policiais não iriam segui-los. Agora o Subterrâneo era um lugar onde você
poderia comprar qualquer coisa se estivesse desesperado o suficiente.
— Existe alguma outra maneira?
Minha mãe balançou a cabeça. — Nem sequer pense nisso. Você não
pode ir para o Subterrâneo.
Exalei, piscando. — Nós não temos outra escolha.
Minha mãe fez um pequeno movimento de corte com a mão. — Não!
— Sim. Precisamos comprar o caracol.
Minha mãe elevou-se à sua altura máxima. Levantei-me e fiz o mesmo.
— Não, e ponto final.
— Você não pode me impedir de fazê-lo.
— Eu sou sua mãe!
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Jim abriu a boca. — Mengapa ?
Oh meus deuses.
Ele falou indonésio.
Os olhos da minha mãe se arregalaram e por um segundo ela parecia um
gato furioso. — Ele fala indonésio!
— Eu sei!
— Por que você não me disse que ele fala indonésio? Isso é uma coisa
que eu precisava saber!
Eu acenei meus braços. — Eu não sabia!
— O que quer dizer, ‘você não sabia’? Você acabou de dizer que sabia.
— Eu queria dizer que eu não sabia que ele falava e depois ele falou, eu
disse 'Eu sei!' porque estava surpresa.
— Senhoras! —Jim gritou, levantando-se. Nós duas olhamos para ele.
— Vocês estão falando muito rápido, eu não estou conseguindo entender
agora, —disse ele. — Por que Dali precisa ir ao Subterrâneo?
— Você explica isso para ele, —disse minha mãe. — Vou fazer chá. —
Ela foi para a cozinha.
Eu apontei para a cadeira. — Sente-se.
Ele sentou-se e baixou a voz. — O que aconteceu com o sotaque de sua
mãe?
— Vamos esclarecer logo as coisas agora, —eu sussurrei para ele. — Seu
pequeno ato Senhora Asiática é apenas para se mostrar. Ela tem um mestrado
em química de Princeton.
Jim piscou.
— Bem, de onde é que você acha que eu puxei meu cérebro?
Jim sacudiu a cabeça. — Explique a coisa do Subterrâneo.
Suspirei. — Quanto você entendeu? E desde quando você fala indonésio?
— Eu tenho a ideia de que algo está seriamente fodido e quanto ao
idonésio parecia ser uma linguagem interessante.
— Linguagem interessante? Mesmo? Então, você acordou um dia e disse:
‘Hmm, acho que vou aprender indonésio hoje?’
Ele estava tramando algo.
Um brilho verde rolou nos olhos de Jim. — Dali, o Subterrâneo?
Não havia nenhuma maneira fácil de dizer isso. — Algo está
alimentando-se de sua alma.
— Explique.
Eu me inclinei mais perto. — Todas as pessoas geram magia. Alguns
podem usá-lo, outros não, alguns geram mais do que outros, mas todos nós
somos motores mágicos: absorvemos o ambiente e o emitimos de volta. É por
isso que podemos mudar durante a tecnologia: armazenamos magia suficiente
em nossos corpos para nos permitir mudar de forma.Vamos pegar Kate
como exemplo.
A voz de Jim traiu um aviso silencioso. — Por que Kate?
Kate costumava trabalhar com Jim na Associação de Mercenários. Kate é
linda, engraçada e podia matar qualquer coisa. Eu a odiava. Ela podia dizer
qualquer coisa para Jim e ele apenas estava lá para ela. Eu estava com tanta
inveja dela que costumava me afastar quando ela estava por perto, até que
percebi que Kate era apaixonada por Curran. Ela agora estava acasalada com
ele, e desde que ele era o Senhor das Feras, isso a fazia ser a Senhora das
Feras e não estava interessada em Jim. Kate e Curran tiveram um tempo
seriamente difícil com uma antiga deusa que explodiu a cidade e agora Kate
andava com uma bengala e Curran estava a apenas três semanas fora do
coma.
— Já notou que quando Kate fica estressada os telefones param de
funcionar?
— Os telefones não são confiáveis como regra geral, —disse Jim.
Eu balancei minha cabeça. — Não, é Kate. Ela gera tanta magia, que dá
curto-circuito na tecnologia se não for cuidadosa. Eu faço a mesma coisa,
exceto que controlo melhor a minha. Ela não pode disparar uma arma
também. Eu a assistir treinar e a arma não funciona direito ou não dispara de
jeito nenhum. Ela não tem ideia disso. Observe-a em algum momento: ela vai
entrar, pegar o telefone, reclamar e ir embora. Dez minutos depois, você
pode pedir comida no mesmo telefone. É muito engraçado.
— O que isso tem a ver com a minha alma sendo drenada?
— Você tem magia, Jim. Você absorve e consome magia, emanando-a
para o meio ambiente. Ao fazer isso, você modifica o ambiente para ser mais
adequado à sua existência. É como o ciclo evolutivo: uma espécie é moldada
pelo seu ambiente, porque aqueles com as mutações mais adequadas ao
ambiente sobrevivem e se reproduzem, mas uma espécie também modifica o
seu ambiente para torná-lo mais adequado para a sua sobrevivência.
Jim suspirou. — Dê-me a versão curta.
— Algo está interferindo com a sua capacidade de emanar magia. Você
absorve e converte, mas então algo ou alguém está sugando sua magia. É por
isso que você se sente cansado e sonolento.
— Então está se alimentando de mim?
Minha mãe entrou carregando uma bandeja com um bule de chá e três
xícaras. — Sim.
Jim franziu a testa. — Faz sentido. É por isso que não me matou, quanto
mais magia eu emano, mais ela se alimenta.
— Você percebe que vai morrer? —Minha mãe balançou a cabeça.
— Sim, eu entendi a parte da morte.
— Você encontrou alguma espécie de zumbi em vez de um homem. —
Minha mãe apontou para Jim. — Olha, ele nem está preocupado.
Eu servi o chá. — Ele está preocupado, mãe. Ele simplesmente não entra
em pânico porque está no comando e se ele entra em pânico, todo mundo vai
entrar em pânico.
— Eu posso correr ao redor da sala fingindo gritar se você quiser, —Jim
ofereceu.
Minha mãe levantou uma sobrancelha. — Você está trabalhando duro
para cavar seu próprio túmulo, você pode trabalhar até a morte. Acalme-se.
Jim recuou como se ela tivesse batido na mão dele com uma régua.
— Nós temos que cortar a conexão entre você e quem está fazendo isso,
—eu disse antes de começarem a bater um no outro. — Mas não podemos ver
o que é isso. Para torná-lo visível, precisamos de Keong Emas. É um caracol
mágico. Há uma lenda na Indonésia que fala sobre uma linda princesa, que
foi amaldiçoada e se transformou em um caracol. A lenda é figurativa e o
caracol não se transforma em uma princesa real, mas com a magia certa,
revela coisas ocultas. A única maneira de obter o caracol é comprá-lo no
Subterrâneo. É raro e caro.
— O dinheiro não é um problema, —disse Jim.
— Não é sobre o dinheiro, menino estúpido. —Mãe colocou a xícara para
baixo. — Ela não pode ir lá por causa dos Yisheng.
Jim olhou para mim.
— Yisheng é a palavra chinesa para um curandeiro, —eu disse. — Os
traficantes no Subterrâneo chamam assim, mas eles não são curandeiros. Eles
são revendedores de órgãos de animais. Você lembra-se daquele grande
metamorfo em Asheville há três anos?
Jim franziu a testa. — Vagamente. Eu estava na Flórida, lidando com um
loup do Bando de Kaja. Lembro-me que era um garoto de quinze anos de
idade, Jarod, eu acho. Ele era um urso preto. Ele disse que estava andando na
floresta, encontrou um grupo de caçadores, acenou para indicar que ele era
um metamorfo, e quando ele se virou, os caçadores atiraram nas costas dele e
ele teve que se defender. No momento em que os guardas florestais
apareceram Jarod tinha o atirador preso e todos os outros tinham fugido. O
médico tirou dezesseis balas da criança. O caçador alegou que ele foi atacado
sem provocação. Eles tiveram um tempo difícil para provar a história de
Jarod porque seus ferimentos haviam fechado, então não havia nenhuma
maneira de determinar como ele tinha sido baleado. A promotoria
argumentou que Jarod era tão grande em sua forma animal que se ele
estivesse se afastando de um caçador, nenhum homem sensato teria atirado
nele, então os caçadores devem ter disparado em legítima defesa. Curran
enviou toda a divisão legal para lá.
Claramente, Jim não sabia o que a palavra ‘vagamente’ significava.
— Meu tio Aditya testemunhou nesse julgamento, —eu disse a ele. —
Ele é um guarda florestal federal no Parque Nacional das Grandes
19
Montanhas Fumegantes. O nome do caçador era Williams. Chad Williams.
Tio Aditya testemunhou que Williams foi detido várias vezes por suspeita de
caça ilegal com intenção de venda de partes de animais. Ele tinha amigos nos
lugares certos e ele era liberado toda as vezes.
— As pessoas estúpidas acreditam que o urso cura tudo, —acrescentou a
mãe. — Diabetes, dor de estômago, coração fraco, pênis flácido ...
— Uma vesícula biliar de urso preto custa cerca de quarenta e cinco mil
dólares no mercado negro, —eu disse.
Jim repetiu: — Quarenta e cinco mil?
Eu assenti. — Quando sua família está doente ou seu equipamento para
de funcionar, as pessoas ficam desesperadas. Pessoas brancas são
especialmente ignorantes, elas acham que a medicina mística ‘oriental’ irá
curar todos os seus males.
Eu reabasteci nossas xícaras. — Vesícula biliar de um urso preto é caro.
Vesícula biliar de um metamorfo urso vale ainda mais. Williams disparou em
Jarod de propósito. Ele queria seus órgãos. Eles encontraram balas de prata
escondidos em seu acampamento.
— Os caçadores acham que, se o urso morre de dor, sua vesícula biliar
ficará maior. —Minha mãe fez uma careta.
Os olhos de Jim brilharam verde. — Eles atiraram no menino com balas
comuns para torturá-lo antes que o matassem.
— Sim. Uma vez que tudo isso veio a tona, todos se envolveram. —Eu
acenei meus braços. — Os marechais, o FBI, a GBI. Williams ainda teve
problemas com os correios porque o idiota utilizou o correio para enviar
algumas partes de animais até Atlanta. Ele foi pego.
— E a nossa família está na lista negra dos caçadores ilegais para todo o
sempre, —disse minha mãe. — É por isso que Dali não pode entrar no
Subterrâneo. Um urso preto é um animal valioso, mas você sabe o que é mais
valioso que um urso?
Minha mãe levantou, foi até o armário e tirou um papel dobrado. Ah não.
De novo não.
— Um tigre! —Minha mãe deu um tapa no papel na frente de Jim. Nele,
um tigre estilizado curvava suas costas em uma aquarela berrante e brilhante.
Setas apontavam para diferentes partes do corpo do tigre, cada uma marcada
com uma etiqueta: cérebro para curar preguiça e acne, sangue para curar
constituição fraca e ganhar poder, dentes para problemas respiratórios e
doenças venéreas, bigodes para ajudar com a dor de dente ...
Jim olhou para ela. Seus olhos ficaram completamente verdes, brilhando
com violência mal contida. — Eles vão matá-la, —ele rosnou.
— Se ela tiver sorte, eles vão matá-la. —Mãe cruzou os braços.
Jim olhou para ela.
— Tigre branco, magia poderosa. Ela cura muito rápido. Eles vão colocá-
la em uma gaiola e colher suas partes aos poucos. Ela vai ser a sua fábrica de
órgãos. Temos ouvido falar de tais coisas acontecendo. Ela não pode ir.
O rosto de Jim era terrível. Quando Curran estava com raiva, ele rugia.
Jim não rugia. Jim fazia isso ... essa coisa com cara de pedra horrível, onde a
única indicação de vida em seu rosto eram os olhos. Eles eram duros e
furiosos e gelados. Ele me assustava quando ele parecia assim. Minha
garganta se fechou e eu só queria sentar no canto e me encolher.
Hoje eu não tinha esse luxo. A ansiedade estava sentada no meu peito.
Engoli. Vamos, garota cega. Você consegue. — Precisamos do caracol, Mãe.
Ele vai morrer sem ele.
— Tem que ter uma outra maneira , —disse Jim.
Eu balancei minha cabeça.
— Então vou buscá-lo eu mesmo, —disse Jim.
— Ram! Keong Emas não é um urso preto. É muito raro. Eles não vão
vender para você, —disse a mãe.
Eu conhecia os olhos de Jim. — Eu sei o que você está pensando. Você
não pode aparecer lá com uma comitiva de metamorfos e forçá-los a vender o
caracol. Você não pode comprar o caracol sozinho, porque eles não vão
vender para você.
Jim abriu a boca.
— Não, você não pode conseguir um metamorfo diferente para ir buscá-
lo, porque o caracol parece comum, até que alguém com magia suficiente o
toque, e eu sou a única que consigo pensar que tem esse tipo de magia, além
de Kate e Kate está mancando por aí com uma bengala no momento, então
ela não pode ir também. E não, você não tem escolha, Jim, porque não há
outro jeito.
Os olhos de Jim acenderam.
— Isso não vai funcionar também. Mesmo se você me colocar sob
guarda, eu ainda sairei, —eu disse a ele. — Não importa quantas pessoas
você me atribua, eu vou usar maldições se for preciso. Não vou sentar aqui e
ver você morrer.
Ele rosnou.
Eu mostrei a ele meus dentes.
Um jornal enrolado pousou na minha cabeça e, em seguida, em Jim. —
Nada disso na minha casa! —Oh meus deuses. O alfa do Clã Felino acabou
de apanhar com um jornal enrolado.
— Mamãe! —Ela apontou para mim com o jornal. — Não me
envergonhe.
Eu apertei minha boca fechada. Quando ela tirava o cartão de vergonha
estava tudo acabado.
Minha mãe olhou para Jim. — Você vai com ela amanhã, quando o
mercado abrir. Você vai trazer minha filha de volta para mim, ilesa, você me
ouve? E é melhor valer a pena.
Jim segurou seu olhar.
Se ele atacasse a minha mãe eu atacaria de volta. Jim abriu a boca.
Eu fiquei tensa até doer. — Sim, senhora.
Oh ufa. Bala desviada. Não que eu pensei que ele iria realmente atacar a
minha mãe, mas você nunca sabe.
— Leve-o para fora, para a árvore, —disse minha mãe. — E mantenha-o
acordado até de manhã. Ele adormece, ele morre.

A ÁRVORE CRESCIA NO PÁTIO interno formado pelos fundos de


duas casas de um lado e um muro de pedra resistente do outro. Uma longa
lagoa sinuosa tomava metade do quintal. Flores de lótus cor de rosa e lírios
amarelos se projetavam da água escura, ladeada pelas folhas redondas. No
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meio da lagoa, erguia-se uma estátua de nLakshmi , cercada por violetas
pequeninas em vasos de vidros laranja e ligada à margem por pedras
21
esculpidas escuras. Os filodendros margeavam a lagoa, lutando por espaço
22
com bambu e samambaias. Plantas pássaro-paraíso do ouro floresciam
aqui e ali. À esquerda, uma árvore Bunut se erguia com um pequeno banco
de teca ao lado. Um balde e uma concha esperavam junto ao baú.
Eu levei Jim para o banco. — Sente-se aqui. —Ele se sentou.
Mergulhei o balde na lagoa, coloquei-o entre nós e sentei-me na parede
de pedra baixa de um canteiro de flores. Ele olhou ao redor. — É um belo
jardim.
Eu assenti. — Eu gosto daqui. É bonito e tranquilo. A maioria dos
indonésios são muçulmanos, mas somos hindus. Um lugar para a meditação é
importante para nós. A árvore em que você está sentado veio da semente de
23
uma árvore sagrada muito especial em Bali, a árvore Bunut Bolog . É um
tipo de figo. A árvore Bunut Bolog é tão grande e tão poderosa que é como
uma floresta por si só. Tem um buraco na base e o buraco é tão largo que há
uma estrada de duas pistas que passa por ele.
— Por que eles construíram uma estrada através da árvore sagrada? —
Perguntou Jim.
— Era muito perigoso dar a volta por causa dos penhascos. Eles
pensaram em cortar a árvore, mas os espíritos dos guardiões da árvore se
recusaram a permitir, então eles só tiveram que fazer o melhor possível. Não
é sábio irritar os guardiões da árvore. Eles são ferozes.
— Que espécie de guardiões?
Dei-lhe um pequeno sorriso. — Tigres.
Jim sorriu. — Tigres, huh.
— Hum.
Ele se inclinou para frente. Seu rosto estava calmo e eu queria beijá-lo.
Eu não podia evitar.
— Você parecia preocupada depois da coisa do jornal, —disse ele. — Me
desculpe por isso. Eu não queria fazer você ...
Se ele dissesse ‘assustada’, eu iria fazê-lo usar este balde na droga da
cabeça. Vegetariana e meio cega, eu ainda era um metamorfo, um predador.
Eu tinha o meu orgulho.
— Chateada.
Hmm, eu poderia viver com chateada. Ele não precisava saber disso. —
Eu não estava chateada.
— Meu ponto é, eu nunca faria mal a você ou a sua família. —Ele disse
Eu levantei meu queixo para ele. — Se você tentasse ferir a minha mãe,
eu chutaria o seu traseiro totalmente.
— A é?
— Sim. Você estaria deitado no chão, chorando: ‘Não mais, não mais’ e
eu iria chutar no estômago, zás, zás, zás!
Ele riu suavemente. Era tão terrivelmente bonito. Aqui estávamos
sentados a meio metro um do outro, mas poderíamos estar em lados opostos
do Oceano Pacífico que seria a mesma coisa.
— Eu não quero que você faça isso, —disse Jim. — Não quero que você
vá lá, não quero que você se machuque tentando me ajudar. Não é seu
trabalho me salvar.
— Sim, é.
— Quem disse? Diga-me. Olha, amanhã eu vou lá, e se eu estrangular
alguém por tempo suficiente, eles vão trazer o caracol.
— Arrá. E como você planeja diferenciar se eles trouxeram um caracol de
jardim ou um dourado?
— Vou borrifar sangue mágico de alguém até que o caracol acenda.
— Bom plano. —Eu mergulhei minha concha no balde e joguei a água
nele. —Ele recuou. — Que diabos?
— Você está delirando por falta de sono.
— Dali!
— Os caçadores ilegais são espertos e muitos deles têm magia. Alguns
deles podem dizer que tipo de metamorfo você é a cem metros, apenas
olhando para você. Se você for para o Subterrâneo amanhã, você vai
adormecer lá, sozinho e indefeso, e então os caçadores vão te matar e te
cortar em pequenos pedaços, e seus preciosos ossos de jaguar serão cortados
em finas bolachas e colocados no vinho, então algum doente pode ter poderes
mágicos na cama.
Ele soltou um grunhido frustrado.
— É como o chá, alguém lhe oferece um, mas você fica de olho nele.
— Você está se arriscando novamente. Eu não vou deixar fazer isso.
— É fofo da sua parte pensar que pode me impedir, Jim. Normalmente
você me manda e eu faço o que você diz. Eu poderia me queixar e eu poderia
fazer um barulho, mas eu farei isso, porque você é meu alfa e eu respeito
você. Nisso, você não tem conhecimento. Você não sabe nada sobre esse
mundo. Suas regras não se aplicam aqui, mas as minhas aplicam. Você
seguirá minha liderança e me deixará salvar você, Jim. Porque pensar em
você morredo me faz sofrer.
Ele abriu a boca.
— Se fosse o contrário, nós não estaríamos tendo essa conversa, —eu
disse a ele.
— Eu sou seu alfa. É o meu trabalho mantê-la segura.
— Ele vai nos dois sentidos, —eu disse.
Ele esfregou as mãos sobre os olhos. Joguei uma outra concha de água
para ele. — Pare com isso!
— Você parecia sonolento.
— Eu não estou com sono, estou no fim da minha paciência com essa
merda abracadabra estúpida.
— Que seja.
Bem. Ele poderia ficar mal-humorado e chateado o tanto que quizesse,
não importava.
Ficamos em silêncio. Ao lado, insetos noturnos cantavam e sussurravam
canções um pouco tristes. Amanhã seria um saco. Seria muito ruim, e nem
sabíamos o que havia de errado com ele. Eu desejei que os mercados já
estivessem abertos para que pudéssemos fazê-lo antes dele adormecer
novamente.
— Você pelo menos tem um plano? —Perguntou Jim.
— Sim. O mais provável é que tenhamos que ir até ao Beco do Kenny no
Subterrâneo. É aí que as partes de animais mais caras são vendidas. Eu irei
para dentro da loja. Você vai esperar lá fora. Eu vou oferecer-lhes muito
dinheiro pelo caracol. Se eu me meter em apuros, vou gritar e você vai me
tirar de lá.
— Um inferno de um plano.
Eu enruguei meu nariz para ele.
— E se eu não conseguir te trazer de volta ilesa, sua mãe vai me esfolar
vivo.
— Ela só poderia machucá-lo de dentro para fora.
Jim tinha essa aparência engraçada no rosto, e então seus olhos brilharam.
— Então ela grelha todo cara que você traz para casa?
Eu não trago caras para casa, seu estúpido, estúpido homem. — Ignore
isso. Ela está apenas preocupada. Tenho quase trinta anos e ainda não estou
casada. É um grande negócio na minha cultura. —Não que ele entendesse.
— Eu gosto de como o fato de ser rico ganha do fato de ser negro.
— Jim, ignore isso, certo?
— Certo. —Ele levantou as mãos para cima.
Aaaa! — Ela está desesperada, certo? Só quer que eu seja feliz, e ela tem
medo de que eu nunca faça um bom casamento.
— Por quê?
Oh meus deuses. — Como assim por quê? Jim, olhe para mim.
— Sim?
O que, agora eu tinha que soletrar? Fale sobre humilhar. — Minha mãe
tentou me descrever em uma luz brilhante: ela passou por todas as minhas
virtudes.
— Percebi isso, —disse ele. — Especialmente a parte sobre ser obediente
e respeitosa ...
— Esqueça isso. Ela passou por toda a lista. Se eu pudesse fazer origami,
ela teria mencionado isso, também.
— Tudo bem, e?
— Ela disse que eu era bonita?
Ele me deu um olhar vazio.
— Será que a palavra bonita saiu de sua boca? Em algum momento?
— Não, —disse Jim.
— Você chegou lá. —Feliz agora?
— Então é isso? Este é a seu grande problema? Você está chateada
porque sua mãe não acha que você é bonita? Não deixe que isso te incomode.
Não é importante.
Oh, seu idiota. Não é com a minha mãe que eu estou preocupada. É com
você. Eu acenei meus braços. — Jim, qual é a primeira coisa que você me
disse quando eu perguntei-lhe para descrever a mulher estranha? Deixe-me
ajudá-lo a lembrar: Você disse que ela era bonita.
— E?
— Eu aposto que você não percebeu o que ela estava usando em seus pés,
mas você notou como ela era atraente.
— Ela estava descalça e seus pés estavam sujos.
Ele e sua memória estúpida. — É assim que acontece: os homens devem
ser fortes, as mulheres devem ser bonitas. Bem, eu não sou linda. Você pode
me colocar em uma sala de cem mulheres da minha idade, e eu serei mais
esperta do que a maioria delas juntas, mas não fará a menor diferença, porque
se você deixar um homem entrar na mesma sala e deixá-lo escolher, eu seria
a última a sair. Se eu fosse uma mulher normal, eu poderia usar meu cérebro
para ganhar dinheiro e então eu iria fazer uma cirurgia plástica. Eu
consertaria meu nariz e depois trabalharia um pouco mais até conseguir
arrumar meu maxilar e assim por diante, até ficar bonita. Mas eu não sou uma
mulher normal. O Vírus-L não conserta minha visão, mas vai desfazer
qualquer cirurgia. Eu sei, eu tentei. Estou presa dessa maneira e não há nada
que eu possa fazer sobre isso. E você diz: ‘Não deixe que isso te incomode’,
como se isso devesse fazer tudo ir embora!
— E se a cirurgia funcionasse, quando você pararia? —Perguntou.
— Quando entrasse em uma sala e os homens virassem a cabeça para
olhar para mim. Eu quero ser bonita. Eu quero ser um nocaute. Trocaria toda
a minha inteligência e toda a minha magia tigresa mística por isso.
O brilho verde iluminou suas íris. — E ser o que? Uma linda idiota?
— Sim!
— Essa é a coisa mais estúpida que eu já ouvi. —Eu olhei para ele.
— Nadene é bonita, —ele rosnou. — Linda mulher. Tola como um
tabuleiro. Ela não pode manter um cara mais do que alguns meses. Phillip a
deixou e ela queria que eu intervisse, então fui falar com ele. Ele me disse
que ela era divertida de foder por um tempo, mas estar com ela o fazia se
sentir como se estivesse ficando mais burro. Eles não podiam ter uma
conversa normal. Ele não conseguia lidar com isso. E você quer ser isso? Está
maluca?
— Você nem percebe o fato de que eu sou uma mulher, Jim! Eu sou
apenas um cérebro com um par de óculos que você ocasionalmente tem que
colocar sob guarda para que não se machuque quando está tentando se
divertir um pouco. Você já se perguntou por que eu corro?
— Eu sei porque você corre, —ele rosnou.
— Diga-me!
— Você corre porque acredita profudamente que não tem valor. Acha
que, porque você leva dois minutos para mudar e porque acha que não é a
melhor lutadora que nós temos, você tem algo a provar. E você faz isso
através de gaiolas de metal com quatro rodas indo muito rápido sem nenhum
sentido. Você não ganha nada, você não realiza nada e se machuca o tempo
todo. Você está certa que irá mostrar a todos como radical você é.
— Aaaaaa!!
— A única coisa que você está provando é que, a mulher mais inteligente
que conheço não tem senso comum. Você tem magia poderosa, é inteligente,
é competente, mas nada disso importa. Eu tenho uma dúzia de Nadenes no
clã, eu só tenho uma de você. Que bem Nadene me faria agora? E eu sei que
você é mulher. Já reparei. Essa coisa histérica que você está fazendo agora é
tipicamente do sexo feminino. Se você fosse um homem, eu teria colocado
sua bunda para transportar pedras para a Fortaleza há muito tempo.
Eu levantei o balde. — Não faça isso, —ele avisou.
Joguei nele, água e tudo. Água espirrou, e então Jim, completamente
encharcado e irritado, pegou o balde, pegou água na lagoa e jogou em mim.
A água me atingiu em uma corrida fria.
Eu me virei e caminhei em direção contrária dele. — Onde você está
indo? —Ele chamou.
— Longe de você! —Sentei-me no banco no final da lagoa.
— Você deveria me manter acordado.
— Eu posso manter você acordado daqui. Se eu te ver caindo no sono, te
amaldiçoarei com algo realmente doloroso.
— Faça isso. Você ainda está errada.
— Tanto faz!

A MANHÃ VEIO MUITO devagar. Jim quase cochilou quatro vezes e


acabei me movendo ao lado dele, com meu balde. Em algum momento ele
me perguntou se minhas explosões emocionais femininas tinham acabado e
eu o xinguei por um tempo em indonésio. E então ele arruinou perguntando o
que algumas palavras significava, e é claro que tive que ensiná-lo a
pronunciá-las corretamente.
É bom que minha mãe tenha ficado lá dentro ou ela teria feito outra
palestra sobre como me comportar como uma filha adequada.
Já eram sete horas e estávamos na rua Pryor, diante de um arco branco
sujo que marcava a entrada do Beco do Kenny. Afastado do metrô principal,
o Beco do Kenny não tinha teto, e entrar pela rampa estreita da rua Pryor era
a maneira mais rápida de chegar lá. Também era a mais perigosa, eu teria que
subir a rampa estreita que se espremia entre dois prédios de tijolos, entrar no
velho depósito de trem e depois caminhar pela varanda e descer dois andares,
todos cheios de gente que me mataria por um dólar. Às vezes as pessoas que
entravam no metrô pela rua Pryor não voltavam mais.
O vento rodopiava, correndo pelo estreito vão entre os prédios, e jogou os
aromas do Subterrâneo no meu rosto: odores de uma dúzia de espécies
animais misturadas com o cheiro amargo de urina velha, humana ou animal,
adubo velho, peixe de um tanque gigante,incenso pungente e sangue salgado.
O amálgama revoltante tomou conta de mim e eu tive que lutar para não
vomitar.
Pelo menos a magia desapareceu durante a noite. Geralmente o ar
subindo do Subterrâneo fazia minha cabeça doer.
— Você não precisa fazer isso, —disse Jim.
— Sim eu preciso.
Ele estendeu a mão e colocou o braço em volta de mim. Eu congelei.
Havia tanta força naquele braço musculoso que de repente me senti segura. O
cheiro dele, o cheiro forte e reconfortante de Jim me tocou, bloqueando
outros cheiros. Eu reconheceria esse perfume em qualquer lugar. Ele estava
me abraçando. Eu desejava isso e agora só queria chorar, porque não
importava o que eu fizesse, não importava o quanto eu corria ou quão
beligerante eu era, ele nunca iria me querer. Não desse jeito.
Eu me afastei dele antes dele se afastar de mim. — Estou indo para
dentro. Se eu entrar em uma loja, me dê cerca de cinco minutos. Se eu não
sair ...
— Eu vou entrar, —ele prometeu.
— Não durma.
— Eu não vou.
Olhei em seus olhos castanhos e acreditei nele. — Certo, —eu murmurei.
— Estou indo agora.
Eu me virei e segui pelo beco estreito, para a barriga escura do
Subterrâneo. Pedintes e pessoas de rua se alinhavam na rampa e na varanda,
enrolados em roupas sujas, chapéus e latas na frente deles. No início da
manhã eles nem se incomodavam em implorar. Eles apenas olharam para
mim quando passei, todos, exceto um velho negro, que caminhava numa
passarela coberta, girando ao ritmo de alguma melodia que só ele podia
ouvir. Seus olhos estavam bem abertos; ele olhou diretamente para mim, mas
não me viu.
A rampa me levou até o último andar, para uma ampla varanda. O Beco
do Kenny se estendia abaixo: um espaço estreito e úmido, cheio de barracas
e pessoas de olhos maliciosos, o piso de tijolos quase invisível sob gaiolas e
lixo. Eu continuei andando. A sacada terminou e eu desci as escadas até o
andar de baixo, onde vendedores vendiam suas mercadorias. Lâmpadas
elétricas apagadas estavam espalhadas entre as luzes antigas de Natal,
marcando as pequenas lojas. Apesar da hora, os clientes inundavam o
mercado, homens, mulheres e crianças de todas as cores e raças procurando a
cura mágica de seus problemas. Eles eram o que permitiam que os caçadores
ilegais existissem. Eles parariam de caçar se as pessoas parassem de comprar.
O que eu precisava não seria vendido aqui. Eu tinha que ir ao Beco do
Kenny.
As lâmpadas elétricas piscaram e morreram. A escuridão apertou a boca
do Subterrâneo e cuspiu com o silvo e crepitar de magia. Lanternas mágicas
se acenderam com um brilho azul-claro, seus finos tubos de vidro se torciam
em kanji e formas familiares: fênix, tigre, dragão. Magia fluiu e se contorceu
ao meu redor. Aqui e ali, proteções protegiam as fachadas das lojas, fortes e
sólidas. À esquerda, um sopro vacilante de algo sujo e errado vazou por trás
de uma porta fechada. Mais a frente uma banca de pequenos amuletos de
moedas irradiava algo agradável, quase quente.
Outra onda mágica. Não deveria ter havido uma. Ninguém podia prever
quando a magia ia e vinha, mas raramente inundava a cidade duas vezes em
vinte e quatro horas. Como sou sortuda.
Continuei me movendo, serpenteando entre as barracas. Se Jim estivesse
me seguindo, eu não poderia vê-lo. Eu esperava que ele ficasse acordado com
todas as minhas forças, porque se ele adormecesse, não haveria esperança
para nenhum de nós.
A entrada do Beco do Kenny surgiu à frente, um retângulo de luz fraca no
nascer do sol. O cheiro me atingiu primeiro, aquele fedor inesquecível de
muitos animais mantidos juntos demais. Então veio o barulho: o zurro, o
miado, os rosnados. Eu saí para o aberto. Casas de três andares erguiam-se
dos meus dois lados, encaixotados em um beco estreito. Barracas e mesas se
alinhavam na frente das lojas, oferecendo pênis de boi seco, tanques contendo
24
moluscos geoduck , chifres de veado, feixes de ervas secas. À esquerda, um
homem enfiou uma pinça de aço em uma caixa e pegou uma centopéia
25
venenosa negra . O inseto se contorceu, tentando se libertar. O homem tirou
a tampa de uma panela no queimador de querosene e jogou a centopéia para
dentro.
Meu tempo era curto. Continuei andando. Eu precisava de um negociante
de mercadorias raras.
As pessoas estavam olhando para mim. Da frente da loja à direita, uma
mulher branca de meia-idade, vestida com roupas camuflagem, olhava para
as minhas pernas, depois para a minha cabeça, como se quisesse atirar em
mim. Magia me sondou, provocando, testando. Um casal de homens mais
jovens, provavelmente chineses, inclinou-se um para o outro, sussurrando. Eu
peguei alguns trechos. Uma palavra se destacou: Tigre. Não demorou muito
para descobrirem o meu animal além da minha forma humana.
Me senti como uma vaca sendo levada para uma fila de açougues.
Levantei meu queixo. Não mostre medo ou eles atacarão como abutres.
Uma barraca à esquerda parecia mais rica do que o resto: a mesa era
robusta e o tecido era de seda vermelha, a coisa real, não uma imitação
barata. Uma velha mulher corcunda, coreana ao contar por seu vestido,
estava sentada guardando as mercadorias, parecendo entediada. Parei e olhei
para as partes ressecadas exibidas na seda.
Eu me curvei. — An-nyung-ha-se-yo. Olá.
A mulher inclinou a cabeça para trás.
— Olá. —Português. Ótimo. Meu coreano estava enferrujado.
Eu parei perto de um pequeno saco branco que estava meio aberto. Lá
dentro havia tiras de couro picadas. — Vesícula biliar de urso, —disse a
mulher.
Peguei uma pequena fatia e cheirei. — Porco. —Se tivesse sido uma
vesícula biliar real, ela não teria me deixado pegá-la. — Você tem urso?
A mulher enfiou a mão debaixo da mesa, tirou uma pequena caixa de
madeira e abriu-a. Tiras de couro secas. Poderia ser vesícula biliar de urso.
A mulher fechou a caixa. — Quando você nasceu? Qual é o seu signo?
Você tem uma pele bonita e pálida, mas os olhos não são tão bons, sim? Nós
temos glândulas de cobra para os olhos. Cigarras secas, faça-o em sopa, vai
fazer seus olhos mais fortes. Ou o seu homem precisa de ajuda na cama? Eu
tenho algo muito especial para isso. Não como todas aquelas partes secas de
cachorro ali. —Ela fez uma careta para a tenda do outro lado da rua. — Eu
tenho uma coisa certa. Quer ver?
Eu assenti.
Outra caixa apareceu como que por magia. Eu olhei para dentro. Chifre
de rinoceronte. O artigo genuíno também. — Estou procurando uma coisa
rara.
A mulher me ponderou. — Quão raro?
— Muito raro. Keong Emas.
— O Caracol Dourado.
— Eu vou pagar bem. —Coloquei a mão no meu casaco e mostrei-lhe o
dinheiro, apenas uma dica, mas foi o suficiente.
— Keong Emas é uma magia poderosa. —A velha olhou para mim. Seus
olhos estavam frios como dois pedaços de carvão.
— Torna fácil reconhecer algo escondido, —eu disse a ela.
Ela soltou um pequeno grunhido e gritou algo em coreano, rápido demais
para entender. — Você pode ir para dentro agora.
Eu pisei em cima de uma pequena caixa contendo um par de coelhos
assustados, e entrei. Gaiolas forravam as paredes. Macacos, cachorros,
pássaros. Grandes olhos assustados. Eles gritaram e se afastaram das barras
quando me aproximei. Cerrei meus dentes. Eu só tinha que pegar o caracol.
Apenas pegue o caracol.
Um adolescente entrou pela porta com cortinas e acenou para mim. —
Venha por aqui. —Eu não queria ir de jeito nenhum.
O garoto acenou para mim. — Venha! Venha!
Porcaria. Eu o segui através da cortina. Um longo quarto escuro
cheirando a sangue. Ótimo. Continuamos indo, mais longe da rua, para dentro
da casa. Provavelmente estava andando em uma armadilha, mas eu tinha que
pegar o caracol. Este era o único caminho. Enquanto Jim permanecesse
acordado, ele me tiraria. Ele faria. Claro que ele faria.
Outro conjunto de cortinas e entramos em uma grande sala cheia de
mesas, apoiando o banquete de um curandeiro, como se uma dúzia de
carrinhos de vendedores de rua tivessem vomitado seu conteúdo na sala.
Caixas de vime, madeira e plástico. Garrafas de vidro cheios, frascos de vidro
finos, frascos contendo pós e líquidos. Ervas secas, em feixes e pacotes. E
ossos. Tantos ossos: ossos de urso, ossos de lobo, ossos de tigre.
Bastardos. Um homem asiático estava sentado à mesa, enrugado e velho,
vestido com roupas escuras. Atrás dele, um homem branco encostou-se à
parede. Ele era alto e corpulento, e sua jaqueta o fazia parecer retangular,
como se ele fosse feito de tijolos. Uma curta barba avermelhada abraçava seu
queixo. Um boné de beisebol vermelho da Carolina do Norte cobria seu
cabelo.
No canto direito, uma grande gaiola estava coberta por uma lona. Uma
mulher loira estava ao lado dela, apoiada em um taco de beisebol. Ela usava
jeans e camiseta de um homem enorme com uma gota de sangue gigantesca e
as palavras DOE SANGUE nele. A camiseta estava surrada e remendada em
alguns lugares.
Algo se moveu na gaiola. Eu podia ouvi-lo respirando em suspiros longos
e ofegantes. As pessoas também se moviam nos quartos exteriores, para a
direita e para trás, fazendo pequenos barulhos. Muitas pessoas. Pelo menos
oito, talvez mais.
Eu só tinha que pegar o caracol. Isso é tudo. Apenas pegue o caracol e
salve Jim.
O velho me olhou. Eu não me curvaria a esse idiota. Minhas costas iriam
quebrar primeiro antes disso. — Você quer comprar Keong Emas.
— Sim.
O menino que me trouxe aqui foi até a mesa mais distante e trouxe uma
caixa de vime para o velho.
O homem abriu a caixa e retirou um tanque de vidro com cinco caracóis
dentro. Cada um tinha uma casca marrom fosca.
O velho me ofereceu o tanque. — Escolha um. —Era isso.
Alcancei o tanque e passei minha mão pelos caracóis. O menor deles me
puxou, pequenas agulhas de magia formigando minha pele. Suavemente, eu
arranquei da folha e segurei na palma da minha mão.
Um brilho fraco iluminou o caracol por dentro. Ficou por um segundo e
explodiu, pintando a concha do caracol com ouro brilhante.
— Só magia poderosa pode ver Keong Emas, —disse o velho. — Magia
de Tigre Branco. —Oh merda. Eu apertei o caracol na minha mão e senti-o
deslizar em sua concha. — Quanto?
— Pegue-a. —O velho acenou para o cara de Boné Vermelho. O de Boné
Vermelho se afastou da parede. Atrás de mim um homem e uma mulher
saíram detrás da cortina, bloqueando minha saída.
— Você não deveria ter vindo aqui, —disse o velho. — Jim! —Eu gritei.
— Ele não vai ajudar, —disse o velho. — Ninguém vai ajudar.
Eu corri para a esquerda, mas a mão do de Boné Vermelho agarrou meu
ombro e ele me tirou do chão com força sobre-humana. Eu chutei ele, mas ele
bateu minhas pernas de lado e me levou de volta para o canto, onde uma
mulher puxou a lona da gaiola. Um homem estava ajoelhado de quatro na
gaiola, imundo, com trapos cobertos de sangue velho. Braçadeiras de plástico
forçavam seus pulsos juntos, e acima deles um pano rasgado com um feitiço
de contenção rabiscado em tinta amarrava seus antebraços. Um focinho de
couro apertava todo o seu rosto, deixando apenas a estreita faixa de espaço ao
redor de seus olhos visível. Ataduras escondiam a cabeça e tudo que eu via
era um olho, louco, furioso e brilhante turquesa.
Havia uma segunda gaiola ao lado da dele. Uma gaiola vazia.
O pânico se contorceu através de mim. Eu chutei e me debati, mas a
gaiola continuava chegando cada vez mais perto. Se eu fosse tigre, ele não
poderia me carregar, mas eu ficaria muito atordoada para lutar e deixaria cair
o caracol. Eu não podia deixar cair o caracol, ou Jim morreria.
Jim viria por mim. Ele não iria dormir. Ele não deixaria que eles o
matassem. Eu chutei e empurrei com toda a força de metamorfo que eu tinha.
— Não torne isso mais difícil para você, —disseme o de Boné Vermelho.
Nós estávamos quase na gaiola. — Como você pode fazer isso?
— Seu tio impediu muitas pessoas de alimentar suas famílias.
O de Boné Vermelho me empurrou os últimos metros. — Nós temos
bocas para alimentar. Eu não tenho problema em fazer isso.
Empurrei minhas pernas na gaiola e me preparei. — Jim! Venha me
ajudar! —O homem na outra jaula gemeu um grito sem palavras e bateu nas
barras. O de Boné Vermelho me puxou para baixo. — Ninguém vem para
você.
Não! Não, eu não vou ser colocada em uma porra de gaiola. Chutei
contra a gaiola, me lançando para trás. Minha cabeça bateu no rosto do de
Boné Vermelho. Ele me largou. Meus pés tocaram o chão. Sim! Eu me mexi
para a esquerda.
Algo bateu contra a minha têmpora. A dor explodiu entre meus ouvidos.
Eu girei. A mulher atrás de mim balançou novamente e o taco foi direto no
rosto. O mundo estremeceu e eu provei sangue em meus lábios. O de Boné
Vermelho me segurou e me empurrou para frente. O homem na outra gaiola
soltou um longo gemido desesperado.
Tinha acabado. Jim adormeceu. Ninguém estava vindo por mim.

O DE BONÉ VERMELHO estava me arrastando para a jaula. A mulher


loira se inclinou e abriu a porta.
Um homem voou através da cortina e deslizou pelo chão, derrubando as
mesas e bancos do caminho até que ele bateu na parede. Eu peguei um
vislumbre de longos cabelos escuros. Ele cerrou as mãos na garganta. Um
fino spray vermelho foi disparado entre os dedos. Ele gorgolejou, seus olhos
enormes com medo agudo.
A cortina caiu, revelando Jim, encharcado de sangue. Seus olhos
brilhavam verdes e seu rosto era terrível. Ele veio! Oh meus deuses, ele veio
por mim. Tudo ia ficar bem. Tudo ia ficar bem.
Um homem atarracado atacou Jim pela esquerda, balançando um facão.
Jim o agarrou. Sua faca brilhou e o homem caiu, seu facão escorregadio com
seu próprio sangue.
O de Boné Vermelho me jogou de lado. Eu bati na gaiola e enfiei o
caracol no bolso do meu jeans.
A mulher loira junto à gaiola gritou e balançou o taco de beisebol para
mim. Eu arranquei das mãos dela e bati nela. O taco estalou com um ruído
crocante de madeira. O golpe derrubou e jogou a mulher do outro lado da
sala. Isso mesmo, foda-se!
Um homem disparou uma besta contra Jim. Jim saiu do caminho, pulou,
limpou as mesas e atacou. O besteiro caiu como uma boneca sem vida. Mais
pessoas saíam pela porta dos fundos.
Jim olhou para mim e sorriu.
O de Boné Vermelho tirou o paletó. Um padrão escuro rodou ao longo de
sua pele, como as espirais de grãos de madeira. Ele foi em direção a Jim.
Uma mesa entrou em seu caminho e ele a tirou da sua frente. A mesa se
despedaçou. Ah, Merda.
No canto, o velho acenou com os braços. Magia nervosa riscou o ar.
Jim estava cortando o caminho em minha direção, sua faca enviando
arcos de sangue para a esquerda e para a direita. As pessoas gritaram,
madeira caiu, Jim rosnou. O cheiro de sangue me deixou tonta.
O prisioneiro gemeu para mim. A jaula vazia bloqueou sua porta. Eu
empurrei isso. Não se mexeu. Eu me enfiei entre a parede e a gaiola,
colocando meus pés em sua base, e empurrei, empurrando o mais forte que
pude. A madeira rangeu e a gaiola deslizou para fora do caminho. Eu caí de
joelhos. Um longo cordão atado continha a porta, os nós segurando moedas.
Eu peguei isso. Magia queimou meus dedos e eu recuei, estremecendo.
O prisioneiro gritou, batendo nas barras.
— Tudo bem, —eu disse a ele. — Tudo bem, tudo bem. Eu posso fazer
isso. Apenas espere um segundo.
O de Boné Vermelho bateu em Jim.
Tudo ficou lento como se estivéssemos todos debaixo d'água.
A faca de Jim cortou, do outro lado, para baixo, ainda tão rápida, como
um raio. A lâmina cortou a nova pele de madeira do de Boné Vermelho. O de
Boné Vermelho mostrou os dentes e girou o punho gigante. Jim se inclinou
para fora do caminho, magro e gracioso, e empurrou. A faca mordeu o olho
esquerdo do de Boné Vermelho. O homem grande gritou como um touro.
Jim saltou sobre ele.
O homem enjaulado gemeu. Eu precisaria de uma semana para descobrir
como quebrar o selo sem me machucar. Eu não tinha uma semana.
Do lado de fora da janela, as pessoas gritavam. Mais caçadores entrando.
Eu agarrei o cordão mágico e empurrei. Ele quebrou, deixando listras
escuras de carne queimada em minhas mãos. A dor me atacou, mas eu estava
muito ocupada. Eu abri a porta, agarrei o homem pelos ombros dele e o tirei
dali. Ele caiu de lado.
Uma mão pegou meu ombro e me puxou para cima. — Hora de ir, Jim
respirou. — Não! —Eu apontei para o prisioneiro. — Não posso deixá-lo.
Ajude-me.
O Boné Vermelho virou-se para nós, gritando, a faca ainda na órbita do
olho.
Jim cortou uma vez, duas vezes, e as mãos do prisioneiro se soltaram.
Outro corte tirou a máscara da cabeça, e eu encarei o rosto do homem asiático
mais deslumbrante que já vi. Ele era como um ser celestial de uma aquarela
chinesa, absolutamente impecável.
Os olhos da mais pura turquesa me encararam e, dentro de suas
profundezas, vi um espiral de fogo. Ah não.
O prisioneiro levantou-se. A magia se desenrolou dele como um manto
em salpicos de vermelho e dourado, formando o contorno translúcido de uma
fera escamada em quatro pernas robustas e musculosas.
Jim me empurrou para trás e levantou a faca.
Garras transparentes do tamanho das minhas mãos cavaram na madeira.
A cabeça de um dragão se formou sobre os ombros maciços. O prisioneiro
estava dentro da besta, ainda claramente visível. Seu cabelo tinha se soltado
das bandagens e escorria pelas costas em uma longa e escura onda.
O de Boné Vermelho congelou no meio do caminho. O velho uivou uma
maldição e arranhou o ar. Uma serpente de carmesim brilhante se lançou de
seus dedos e mordeu a fera translúcida. O prisioneiro acenou com o braço e a
serpente pegou fogo e se transformou em cinzas.
26
Um Suanmi .
Pessoas explodiram pela porta.
O Suanmi olhou para eles. A boca da besta mágica se abriu. O de Boné
Vermelho virou e começou a correr.
O fogo explodiu da boca da fera, rugindo como um animal enfurecido.
Ele pegou o velho primeiro, puxou-o para cima e jorrou fogo, deixando uma
ruína queimada de um corpo. O cadáver fumegante deu dois passos em nossa
direção e caiu.
Jim me segurou, tentando me proteger.
Os homens na porta se esforçaram para sair, mas o fogo se espalhou
quente, todo poderoso. Gritos encheram meus ouvidos. Fechei meus olhos e
enfiei meu rosto no peito de Jim.
Os gritos continuaram para sempre.
Finalmente o rugido parou. Eu afastei minha cabeça de Jim.
O homem dentro do dragão se virou e olhou para nós. Jim rosnou e suas
roupas explodiram em seu corpo. Sua pele rasgando, liberando o músculo por
baixo. Os ossos empurraram, crescendo, o músculo formaram novos
membros poderosos, e uma nova pele embainhou-o, mostrando as espirais de
rosetas pretas contra uma fina pele dourada. Uma nova criatura estava no
lugar de Jim: meio homem, meio monstro. Um metamorfo jaguar na forma de
guerreiro.
Jim rosnou, seus lábios negros emoldurando presas enormes, e se colocou
entre eu e o prisioneiro. O Suanmi abriu a boca. Palavras fluíam em
português. — Não há necessidade de me temer.
Havia toda necessidade de temê-lo. Ele tinha sangue de dragão nas veias.
Engoli. — Não vamos te machucar também.
— Eu sei. —O Suanmi olhou para a gaiola. — Vim aqui, doente e
indefeso. Minha família foi massacrada e eu me machuquei. Eu vim à procura
de remédio, mas perdi a consciência e acordei aqui. Nove meses. Eu passei
meu décimo oitavo aniversário nesta jaula enquanto eles arracavam pedaços
do meu corpo para se tornarem mais fortes. Curando o dano e esperando para
ser cortado novamente. Nove meses. Senti como se fosse para sempre.
— Foi um sonho ruim, —eu disse a ele. — Acabou agora.
— Para mim, sim. —O homem sorriu. A besta transparente esticou sua
boca, imitando o sorriso, mostrando dentes enormes. — Para eles, o pesadelo
está apenas começando.
Eu respirei fundo. — Não queremos fazer parte do pesadelo deles.
Podemos ir?
O Suanmi inclinou a cabeça, seus olhos turquesa fixos no meu rosto. —
Eu tenho uma dívida com você, Tigresa Branca.
Eu me inclinei para trás. — Apenas deixe Jim e eu irmos e ficamos por
isso mesmo.
— Quando você quiser cobrá-la, venha aqui, —disse o Suanmi. — É o
meu lugar agora. Vou acabar com isso até meio-dia e à noite eles estarão
trazendo presentes para o novo imperador.
Ele se virou e foi embora, para dentro da casa.
Jim me pegou e saiu correndo. Eu abracei seu pescoço e então saímos no
pátio.
Ao nosso redor, as pessoas corriam em pânico. Fumaça e fogo subiam
dos prédios.
— Que diabos era isso? —Jim rosnou, suas palavras distorcidas por sua
boca enorme.
— Um Suanmi. Nas lendas chinesas, o dragão tinha nove filhos, cada um
com seus próprios poderes. Acontece que os nove filhos deram origem a nove
famílias. Ele é descendente do filho que maneja o fogo.
— Ele é parte dragão?
— Sim!
— Eu não me importo se ele é parte dragão. Se ele olhar para você assim
de novo, eu vou cortar seu rosto.
— Como ele olhou para mim?
Jim subiu as escadas e parou quase no meio do caminho. — Por que você
parou?
Ele apontou para o carrinho do vendedor cheio de reproduções de
pornografia japonesa antiga. — O pergaminho com a mulher de vermelho.
No pergaminho falso, a mulher estava deitada no chão, seu quimono
vermelho caindo aos pedaços enquanto um homem com um enorme pênis
mutante se agachava sobre ela. Uma seqüência de caracteres kanji explicava a
cena. — Sim?
— Os dois primeiros caracteres da segunda coluna, foi o que vi no chão
do escritório.
— Coloque-me no chão.
Ele me abaixou no chão. Eu me inclinei em direção ao pergaminho. O
primeiro caractere, segunda coluna: Joro.
Joro? Mesmo? — Você tem certeza?
— Tenho certeza.
— Jim, essa é uma palavra muito antiga para prostituta. Baita é mais
comum. Eu nunca vi o símbolo joro traçado em qualquer lugar, é muito
estranho.
— Isso é o que eu vi.
Eu não tinha ideia do que isso significava. Como August saberia este
kanji? Ele mal conseguia lembrar a palavra para banheiro.
Atrás de nós alguém rugiu e uma viga de madeira queimando caiu, assim
como em um filme antigo. Jim pegou minha mão e subimos correndo as
escadas, saindo do Subterrâneo de Atlanta, e não paramos de correr até a
porta da casa da minha mãe aparecer diante de mim.
ASSIM QUE ENTRAMOS PELA porta, minha família nos cercou.
Minha mãe ligou para uma emergência. Todos estavam lá: tios, tias, primos,
vizinhos. Eles puxaram Jim para longe de mim e o levaram para o jardim. Eu
tentei seguir, mas minha mãe me parou.
— Você conseguiu?
Eu cavei no bolso e coloquei o caracol na mão dela. Ela ergueu a concha
para iluminar. — Vivo. Bom! Foi até o canto da sala, onde uma caixa de
vidro continha as delicadas estrelas brancas das flores de jasmim. Ela
gentilmente depositou o caracol nas pétalas nevadas e fechou a caixa.
— Quanto tempo? —Perguntei.
— Seis horas, se tivermos sorte. Dez, se não tivermos.
As pessoas se preocupavam comigo e me fizeram perguntas, e então eu
tive que explicar que o mercado dos caçadores não existia mais. Depois fui
empurrada para a cozinha e obrigada a comer. Havia tantos pratos que o
balcão não tinha espaço. Na minha família qualquer emergência era recebida
com uma avalanche de comida. Quanto mais terrível o problema, maior a
quantidade dela.
Mais de uma hora depois, eu finalmente escapei para dar uma olhada no
Keong Emas. O caracol se alimentava de jasmim. Sua casca estava
descartada e o corpo gordo do inseto emanava um brilho dourado e fraco.
— Está indo bem, —disse minha mãe. — Até agora.
— Eu vou sair, —eu disse a ela.
— Para onde?
— À Mercearia Komatsu para ver a família de August. Eu quero saber
com o que estamos lidando.
Minha mãe franziu os lábios. Eu sabia o que ela estava pensando. De
todas as nacionalidades que conheci, os japoneses geralmente eram mais
difíceis de conversar. Eles sempre foram educados, mas não falavam com a
polícia e não falavam com estrangeiros. Assuntos familiares eram mantidos
em sigilo e os problemas eram resolvidos a portas fechadas, então nenhuma
atenção indevida seria dada à família.
— Uma perda de tempo, —disse minha mãe.
— Eu tenho um plano.
Minha mãe apertou a mão contra o peito, fingindo estar assustada. —
Dali, não faça a Mercearia Komatsu explodir. Onde vou comprar?
— Mãe!
Minha mãe revirou os olhos para o céu com um olhar de extremo
sofrimento. Eu rosnei e fui procurar meu alfa.
No momento em que lutei com meus parentes até o jardim, Jim voltou a
ser humano e muito nu. Ele estava sentado na árvore e as quatro mulheres
mais velhas estavam derramando água abundante sobre ele, tentando purificar
o corpo.
Seu olhar me encontrou, olhos escuros pedindo ajuda. Eu andei até ele,
tentando não cobiçar. — Ajuda, —disse ele.
Eu peguei a mão dele e segurei. — Elas estão tentando conter o mal até
que minha mãe consiga pegar o caracol para chocar.
— Os caracóis não chocam, —disse ele.
— Este faz. Fique acordado até eu voltar.
— Onde você está indo?
— Eu tenho de fazer uma coisa. Nada perigoso. Voltarei em breve, está
bem? Não se preocupe, minha família cuidará bem de você.
A máscara alfa dura se encaixou no rosto de Jim. — Eu pareço
preocupado para você?
— Não mate nenhum de meus parentes enquanto eu estiver fora também.
— Onde você está indo?
Eu fui embora sem respondê-lo.
Se você negar uma informação para um gato, isso o incomodará. Se o
gato for um espião-mestre, isso o enlouquecerá completamente. Isso o
manteria acordado. Além disso, depois de sua palestra sobre como eu era
inteligente, mas estúpida e cabeça dura, me permitia um pequeno retorno.
JÁ ERA MEIO-DIA QUANDO cheguei ao sul da Ásia. Era um grande
nome para um pequeno ponto no sul de Atlanta, onde as lojas com temas
asiáticos se agregavam em uma grande praça formada por um antigo
shopping center. Passava por lá algumas vezes por mês, era o lugar mais
próximo para comprar mangá. Além disso, a Mercearia Komatsu era o
melhor mercado asiático da região. Eles tinham uma grande seleção e sua
salada de algas marinhas era deliciosa. Sempre que eu ia, comprava uma cuba
de dois quilos e depois comia até suar assim que chegava em casa.
Estacionei Pooki em uma rua remota, saí do meu carro e tirei minhas
roupas. Havia algo que a família de August não gostava mais do que ter que
falar com pessoas de fora.
Eles iriam fariam de tudo para evitar atrair atenção. E eu estava prestes a
causar uma cena.
Minha calcinha estava fora. Eu me agachei e arranhei um nome na
calçada com a chave do carro: Jim. Depois coloquei meus óculos no banco do
passageiro, tranquei o carro, deixei cair as chaves atrás da roda esquerda e
respirei fundo.
27
O mundo se dissolveu, girando em mil bokeh , pequenas luzes borradas
em todas as cores do arco-íris.
Cores bonitas. Ooooh, tão bonita. Mmm, linda, linda.
Tantos aromas. Eu gostava daquele, e este, e este outro era meio
repugnante, e este me deixou com fome.
Eu lambi meus lábios. Mmm ... cheiro gostoso, tão bom.
O bokeh lentamente entrou em foco: eu estava deitada em uma rua.
Hmmm ... eu conhecia esta rua. Este era o sul da Ásia.
Por que eu estava aqui?
Eu olhei para baixo. Na calçada à minha frente, bem entre as minhas duas
patas, havia uma única palavra: Jim.
Jim. Meu bonito, impressionante e assustador Jim. Rawr. Eu sorri e
cheirei o nome. Não cheirava nada.
Uma lembrança surgiu na minha cabeça como uma bolha de sabão
explodindo: Jim morrendo, alma sugada, Keong Emas, caçadores ilegais,
August. Eu vim aqui para descobrir por que August desapareceu por vinte e
quatro horas.
Eu me levantei e dei a volta na esquina. A magia ainda estava alta e
quando a luz pegou minha pele, todos os pelos brilharam. As pessoas
pararam e olharam. Eles sabiam quem eu era. Eu vinha para o sul da Ásia
muitas vezes. Eles também conheciam a minha magia, porque ela me seguia a
cada passo.
Fui até a porta da Mercearia Komatsu e me deitei no meio da rua, olhando
para a porta.
As pessoas olhavam para mim, chocadas.
Eu dei-lhes um grande sorriso. É isso mesmo, veja os dentes grandes que
eu tenho. Eu sabia que era vegetariana, mas além de Jim e alguns amigos,
ninguém mais sabia. Além disso, só porque eu não comia carne, não
significava que eu não iria morder.
As poucas pessoas que procuravam a loja decidiram que tinham lugares
melhores para estar.
Depois de quinze minutos, a prima de segundo grau, que gostava de se
chamar de Jackie, enfiou a cabeça para fora da porta. Soltei minhas garras e
estiquei, fazendo longos arranhões no pavimento. Ela engoliu em seco e
voltou para dentro.
Eu podia imaginar a conversa dentro: ‘Ela está deitada na frente da nossa
loja!’ ‘Na frente da nossa loja? Na rua onde todos podem ver?’ ‘Sim! Oh
não’.
Minutos passaram. Uma pequena borboleta azul pousou no meu nariz. Eu
pisquei e ela voou para o meu ouvido. Uma grande borboleta amarela flutuou
suavemente e pousou na minha pata. Logo um enxame inteiro delas flutuava
para cima e para baixo ao meu redor, como um redemoinho de pétalas
multicoloridas. Acontecia no meu quintal também, se a magia fosse forte o
suficiente. As borboletas eram pequenas e leves, e muito sensíveis à magia.
Por alguma razão, eu as fazia se sentir seguras e elas gravitavam para mim
como se eu fosse palhas de ferro para um imã. Elas arruinaram minha feroz
imagem de fodona, mas você teria que ser uma fera completa para matar
borboletas.
Se um filhote de cervo brincasse entre os prédios tentando se aconchegar,
eu rugiria. Eu não iria mordê-lo, mas eu rugiria. Eu tinha meus limites. Eu
sacudi meu rabo. Hmm, meia hora se passou e estávamos chegando perto da
marca dos 45 minutos. A família estava resolvendo se salvava as aparências
ou discutia, mas se ninguém chegasse para dizer olá nos próximos minutos, o
comportamento deles seria considerado rude. Não se pode ignorar um tigre
branco místico à sua porta. Isso simplesmente não se faz.
A porta se abriu e a tia de August fez uma reverência e a manteve aberta.
— Por favor entre.
28
Eu trotei para dentro, deixando minha comitiva de Lepidoptera do lado
de fora. A tia de August me levou até o balcão para a sala dos fundos, onde a
avó de August, seu tio e sua mãe estavam sentados. Toda a família Komatsu,
com exceção das crianças e do pai branco de August. Seus rostos pareciam
pálidos.
Eu sentei, enrolando minha cauda ao meu redor. Nós nos entreolhamos.
— Nós sabemos por que você está aqui, —disse o tio de August. O Sr.
Komatsu era um homem de aparência solene no melhor dos tempos, agora
sua expressão era tão grave que ela poderia ter sido esculpida em pedra.
Eu esperei.
— August está morto, —disse ele.
Suspirei. August foi o primeiro filho do sexo masculino em sua geração.
Aquele que seria perdoado por todo mal e permitia-se todos os privilégios,
porque anos mais tarde, quando seu pai e seu tio fossem velhos, ele assumiria
o encargo de cuidar da família Komatsu. Era uma perda terrível para a
família.
— Nós enterramos seu corpo. É o nosso caso, —disse Komatsu.
Eu balancei a cabeça lentamente. August foi um metamorfo e outros
metamorfos morreram por causa dele. Era o nosso caso agora.
O Sr. Komatsu olhou para a frente.
A avó se inclinou para frente. — Foi a mulher. O nome dela é Hiromi.
Nós não sabemos o nome da família dela. Aconteceu sete anos atrás, pouco
antes do incêndio.
A explosão vinha a cada sete anos. Se comparássemos uma flutuação
mágica normal a uma onda, a explosão seria uma tsunami. Magia ruim
acontecia durante a explosão. Ela se dissipava depois de três dias, mas esses
três dias eram terríveis. A explosão antes dessa última despejou uma fênix na
cidade, bem em cima dos bairros asiáticos. Tivemos outro surto este ano e eu
fiz minha família ir para a Fortaleza por questões de segurança.
— A magia ruim estava chegando, —disse a mãe de August. — As
pessoas se esconderam em suas casas e inundaram as lojas para obter
suprimentos. Todos estavam com pressa. Hiromi entrou para comprar
mantimentos. Eu a vi antes algumas vezes. Parecia pobre. Suas roupas eram
ruins e muito magra. Tinha sua filha com ela, uma pequena menina de dois
ou três anos.
— A criança gostava de biscoitos, —disse Komatsu. — Nós oferecemos
alguns para ela todas as vezes. Hiromi só iria deixá-la ter um. Muito
orgulhosa.
A mãe de August respirou fundo. — Hiromi comprou suas coisas e saiu
carregando sua filhinha. Uma pessoa de rua as esfaqueou do lado de fora da
porta. Nós o encontramos mais tarde. Ele era um velho louco. A explosão o
deixou louco. Ele nem se lembrava de fazer isso. Apenas as esfaqueou e foi
embora. Hiromi caiu contra a parede segurando sua bebê, e as pessoas
passaram por elas. Todo mundo estava com uma pressa terrível. Ninguém
queria se envolver. Ninguém o parou e ninguém as ajudou.
Que terrível. Deitar lá e sangrar lentamente na rua, sabendo que sua filha
está morta em seus braços. Que horrível.
— Não sabíamos que ela estava morrendo fora de nossa loja, —disse
Komatsu. — Quando a encontramos, ela não tinha pulso. Parecia morta. Nós
trouxemos ela e a menina para dentro, aqui. Ambas estavam frias e nenhuma
das duas tinham batimentos cardíacos.
— A explosão desencadeou uma fênix e a cidade estava queimando, —
disse a mãe de August. — Nós tivemos que ir. Nós a deixamos. Enquanto
isso, a explosão despertou magia dentro de Hiromi e a puxou de volta da
morte, mas sua filhinha não sobreviveu. Quando voltamos depois do surto,
ela tecera um casulo dentro da loja. Antes de partir, ela nos avisou que todos
pagariam.
Eu tive essa sensação doentia e fria na boca do meu estômago. Eu sabia
exatamente como essa história terminaria.
— Ela lembrou de todos que passaram por ela enquanto estava morrendo
e não parou para ajudar, —disse Komatsu. — No aniversário de um ano da
morte de sua filha, uma marca e uma nota apareceram na porta da primeira
família. Hiromi exigiu um sacrifício: um membro da família tinha que ir até
ela para que ela pudesse ... se alimentar. Se alguém se oferecesse, o resto da
família seria deixado em paz. Eles ignoraram a princípio. Três dias depois,
ela levou a família.
— As famílias juntaram dinheiro e contrataram a Associação de
Mercenários, murmurou a mãe de August. — Ela os matou. Ninguém nos
ajudaria depois disso.
Se eu pudesse falar. Eles deixaram este monstro aterrorizá-los. Eles não
pediram ajuda. Poderiam ter ido para a Ordem, poderiam ter ido para a
polícia. Poderiam ter ido para o Bando, afinal, August era um metamorfo e
sua família estava em perigo. Mas eles não o fizeram, porque todos estavam
envergonhados demais para admitir que haviam deixado uma jovem e sua
filha morrerem sozinhas na rua à vista. Eles apenas receberam sua punição,
pagaram sua dívida de sangue e viveram com culpa. Era o velho caminho
honrado e custou-lhes muitas vidas.
A mãe de August continuou falando. — Ela está ficando cada vez mais
forte. Transformou seu gato em um nekomata, e ela o alimenta com magia
negra. Até o sangue dela não é mais humano. Sangra como uma aranha. Está
gananciosa como uma também. As pessoas têm desaparecido mais e mais
com o passar do tempo. Todo ano ela marca uma nova porta. Este ano ela
marcou a nossa.
Eu imaginei isso. — Eu disse que deveria ir. —A avó de August se
endireitou. — Sou velha. Eu vivi o suficiente.
— Nós discutimos sobre isso, —disse a mãe de August. — Enquanto
discutíamos, August decidiu que ninguém deveria ir. Ele foi ao encontro da
própria Hiromi. —Sua voz falhou e ela fechou os olhos.
August morrera por eles. Para sua família. O primeiro filho da nova
geração, o herdeiro da família.
Eles perderam o futuro e estavam esmagados.
Como August desobedecera e lutara, Hiromi brincou com ele. Ela deve
tê-lo infectado de alguma forma, e ele trouxe sua magia com ele para o
escritório do metamorfo. Jim estava no lugar errado na hora errada e agora
ela o queria. Bem, ela não poderia tê-lo. Ele era meu.
O Sr. Komatsu se levantou e abraçou a irmã. — Não sabemos o que
aconteceu entre Hiromi e meu sobrinho. Encontramos o corpo de August à
nossa porta. Ele foi drenado. Seu cadáver estava desprovido de todo líquido.
Nós o enterramos. A marca desapareceu da nossa porta. Nós não podemos
ajudá-la. Agora nos deixe em paz para que possamos sofrer.
Eu me levantei e saí, deixando os fragmentos de uma família quebrada
atrás de mim. Eu me senti mal, mas finalmente sabia o que era meu inimigo.

PAREI AO LADO DA MINHA mãe na janela da cozinha. Através dela,


pude ver o jardim e Jim junto à árvore. Levou oito horas para o Keong Emas
amadurecer e cada hora tinha acrescentado anos ao rosto de Jim. Sua pele
bonita parecia sem graça, como se estivesse esfregada com cinza. Círculos
inchados se agarravam aos olhos dele. Ele parecia exausto, drenado, como
um homem que passou uma década trabalhando em uma mina infernal.
Apenas os olhos permaneciam os mesmos: olhos penetrantes e perigosos,
iluminados por dentro por um brilho verde letal. Ele tinha vontade de viver,
mas não tinha mais forças para continuar.
Ele estava morrendo.
Pobre Jim. Meu pobre, pobre Jim.
Minha mãe franziu os lábios. — Não é tarde demais para desistir dele.
Sua magia não vai funcionar nela. Ela é um demônio inseto. Aracnídeo, na
verdade.
— Eu tenho um plano, mãe.
Minha mãe se virou para mim devagar. Seu lábio tremeu. Oh meus
deuses.
Ela me abraçou, apertando-me contra ela. — Minha corajosa bebê, você é
a única que tenho. A única. Minha preciosa, minha doce filha. Você é meu
tudo. Estou te implorando, por favor, por favor, deixe-o ir.
Senti o cheiro de lágrimas e soube que ela estava chorando e então chorei
também. — Não posso, mãe. Eu o amo tanto. Simplesmente não posso.
Ela segurou-me com tanta força que parecia ter medo que eu fosse
desaparecer no ar. Ficamos nos segurando por um longo minuto, e então ela
me soltou. — Tudo bem. Eu vou te ajudar então.
29
Ela pegou o frasco de vidro. Dentro dela, uma única gota de pupa
pendia da parede de vidro. Minha mãe enxugou as lágrimas. — Nós vamos
fazer isso, agora.
Saímos para o jardim, minha mãe liderando o caminho e eu seguindo,
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carregando meu kit de caligrafia e keris antigos na minha mão. A adaga se
curvava em um padrão ondulado desde a base assimétrica até a ponta afiada,
e a dúzia de metais que formavam a lâmina brilhavam como se a arma fosse
forjada a partir de água corrente prateada.
De perto, Jim parecia ainda pior. Minha família o mantinha acordado,
mas havia esgotado toda a sua força. Apenas a casca de um homem foi
deixada.
Jim viu a faca. Seus lábios se moveram. As palavras saíram devagar. —
Se você precisa de uma boa faca, eu deixo você pegar emprestado uma das
minhas. Você não pode nem mesmo cortar direto com essa coisa.
Eu quase chorei de novo.
Minha mãe olhou para mim. Última chance para mudar de ideia. Eu
assenti.
Ela suspirou, abriu o frasco e tocou a ponta da pupa com o dedo. Magia
acendeu através do pequeno casulo. Ele se partiu e se desfez, virando poeira.
Uma mariposa radiante abriu as asas no lugar da pupa. Magia lavou sobre
mim, magia linda e quente, tão potente e forte, fez meu coração pular uma
batida. Eu segurei minha respiração.
Dourado e glorioso, brilhando com uma luz suave, Keong Emas rastejou
até a boca do pote. Ele balançou suas asas, enviando pequenas faíscas de
magia para o ar, e voou, chovendo poeira dourada e minúsculos pedaços de
magia. Ele pairou sobre Jim, circulou acima dele uma vez, duas vezes,
flutuou pelo jardim e voou para longe, para as árvores.
Todo o jardim estava banhado em um brilho dourado, pequenas faíscas de
magia brilhando nas folhas das plantas, como jóias preciosas. Eu nunca vi
nada tão bonito.
Mãe ofegou. Eu me virei para Jim. Longos fios de teia de aranha
apertavam seu pescoço, estendendo-se para cima, tornando-se mais
transparentes a cada centímetro até que finalmente desapareciam cerca de um
metro acima de sua cabeça.
Eu olhei para minha mãe. — Vai.
Ela colocou o frasco de vidro para baixo, virou-se e fugiu. O resto da
minha família seguiu. Em um momento, o jardim e a casa estavam desertos.
Apenas Jim e eu ficamos.
Eu me aproximei e me ajoelhei ao lado dele. Ele caiu no banco. Estava
tão fraco que provavelmente nem conseguiria se mexer.
— Como você está?
Os lábios cinzentos se moveram. — Ótimo. Nunca estive tão bem.
— Eu descobri o que aconteceu, —disse a ele. — Durante a última
explosão, uma mulher e sua filha foram esfaqueadas no sul da Ásia. Elas
sangraram na rua e ninguém ajudou. Foi horrível. A filha morreu, mas a
mulher sobreviveu. Ela se transformou em um monstro e uma vez por ano ela
exige um sacrifício das pessoas que a ignoraram.
A voz de Jim era fraca. — Quanto tempo isso tem acontecido?
— Sete anos.
— E ninguém disse nada?
Balancei a cabeça. — Eles se sentiram envergonhados. Tentaram
contratar a Associação, mas ela matou os mercenários. Ficou com cada
família para si. A família de August foi a última a ser segmentada. Ele foi
lutar contra o monstro.
— Sem apoio?
— Sim.
Jim suspirou. — As pessoas são idiotas.
— Sim, elas são.
Jim tossiu. — E agora?
— Há teias de aranha ligadas à sua garganta. Vou cortá-las com minha
linda faca mágica. Quando o fizer, você vai desmaiar de choque. Então a
mulher vai voltar e tentar devorar você de qualquer maneira, porque o tipo
dela nunca deixa as presas escaparem.
— É por isso que todo mundo foi embora?
Eu balancei a cabeça.
— Você vai amaldiçoá-la?
— Algo parecido com isso.
Jim olhou para mim. — Dali?
Como ele sempre sabia quando eu estava escondendo alguma coisa? —
Há um pequeno problema com isso. Minhas maldições só funcionam em
animais e pessoas. Algo com sangue. Hiromi não tem sangue. Ela tem ichor
de inseto. Lembra-se do caractere kanji que você viu no chão? Joro, a
prostituta? Isso faz parte do seu nome demônio. É por isso que August sabia
31
disso. Sua família tinha medo dela por anos. Ela é jorogumo , a aranha
prostituta. Então eu vou ter que ser criativa. —E se eu falhar, você nunca vai
acordar.
Ele tentou se levantar, mas conseguiu apenas uma contração.
— Você não pode me impedir, —eu disse a ele. — Não se preocupe.
Tenho tudo sobre controle.
— Você deveria ir, —ele disse. — Deixe-me.
— Ter uma menina vegetariana cega salvando suas costas realmente
incomoda você, não é?
— Eu não quero que você se machuque.
Peguei a mão dele e apertei, tentando manter as lágrimas longe da minha
voz. — Estou prestes a cortar a teia, Jim. Você tem cerca de um minuto,
então se há algo que você realmente precisa me dizer, você tem que fazer isso
agora.
Seus olhos me disseram que ele entendeu. Esta poderia ser a última vez
que falamos um com o outro. — Sinto muito pelas nossas brigas.
— Eu te perdoo, —disse a ele, e cortei a primeira teia. O keris o cortou
como se fosse nada. Ela piscou e desapareceu. — Você não entende o que é
não ser bonito, porque você sempre foi sexy.
Ele tossiu. — Sexy?
— Hurrum.
— Você já olhou para mim?
— Sim. Eu olho para você o tempo todo, Jim. —Cortei a segunda teia.
Desapareceu. Um arrepio percorreu o corpo de Jim. Suas pernas tremiam.
— Sobre o indonésio, —disse Jim. — Aprendi isso para poder falar com
você.
Oh Jim. Que diabos, eu poderia nunca mais vê-lo. Esta era minha última
chance. Eu me inclinei e beijei seus lábios.
Ele me beijou de volta. Era terno e amoroso e tudo o que eu sonhava que
seria. Lágrimas escorriam pelo meu rosto e eu não conseguia detê-las. Eu o
amava. Eu não sabia se ele me amava de volta. Ele poderia ter me beijado por
gratidão ou por algum outro motivo estranho, mas isso não tinha importância
agora. Se alguém me oferecesse uma escolha, sua vida ou seu amor, eu
desistiria do seu amor. Mesmo que isso significasse que ele nunca se
lembraria de mim e nunca mais falaríamos. Enquanto ele vivesse era tudo que
eu queria. Eu só queria que ele ficasse bem.
Nós nos separamos e eu olhei em seus olhos. — Você está pronto? —
Chute a bunda dela, —disse ele.
Cortei a terceira teia.
Seus olhos reviraram em sua cabeça. Ele caiu de volta. Eu toquei meus
dedos em seu pescoço. Vivo. Venha, Vírus-L. Conserte ele.
Não havia mais nada a fazer senão esperar. Eu me sentei. Se eu fosse
Kate, eu poderia puxar minha espada e quando Hiromi aparecesse, eu iria
cuspir um pouco de magia nela e depois cortá-la em pedaços. Se eu fosse
Andrea, atiraria até matar. Se eu fosse prima de Jim, que era o gato alfa
fêmea até que Jim encontrasse uma companheira, arranharia ela com garras.
Mas não era. Eu era eu. Tudo que tinha era meu cérebro, tinta e algum papel.
Abri meu kit e comecei a escrever.
Um pequeno barulho me fez levantar a cabeça. Uma mulher japonesa
estava na beira do jardim. Ela usava um longo manto branco flutuante. Sua
pele era como porcelana fina, seus olhos eram lindamente moldados e seus
cabelos caíam pelas costas como seda preta brilhante.
Vinte minutos. Não demorou muito para ela.
— Você pode deixar cair o disfarce, —eu disse. — Eu sei o que você é.
— E o que seria isso? —Ela perguntou. Sua voz era como um sino de
prata. Mesmo que ela não tivesse atacado Jim, eu a odiaria por pura inveja.
— Você é uma jorogumo. A aranha prostituta.
O quimono da mulher se dividiu no fundo e se partiu. Pernas grossas de
quitina apareceram, eriçadas com pêlos escuros e duros. Uma criatura
demoníaca surgiu à minha frente: a metade inferior, uma aranha e a metade
de cima, um tronco humano coberto por bandas de exoesqueleto preto
sobrepostas. Seu corpo de aranha era tão longo quanto meu Prowler e duas
vezes mais largo. Isso era ruim.
O gelo apertou minha espinha. Minha garganta ameaçou fechar. Aposto
que Kate nunca se assustava assim. Eu abri meus dentes. — Acho que
vomitei um pouco na minha boca.
— O homem é meu. —Hiromi apontou seu braço magro para Jim.
— Não, esse homem é meu.
Hiromi avançou, uma perna de aranha atrás da outra, sondando o chão.
Eu a vi vir em minha direção, um monstro escuro no jardim brilhante. Em
vida ela tinha tão pouco e a única coisa que ela guardava, sua filha, foi
arrancada dela. Se eu fosse Hiromi, eu me tornaria um demônio como uma
grande honra. Seria a minha chance de usar meus poderes para punir aqueles
que me ofenderam, para ser forte e temida. Mas quanto mais ela estendia sua
vingança, mais egoísta ela se tornava. Punir os ímpios não era mais
suficiente, eu podia ver em seus olhos. Ela cedera à ganância.
Estava quase na linha que eu arranhei no chão. Passo, outro passo ... Se a
magia caísse, tanto Jim quanto eu estaríamos com sérios problemas.
A perna feia de aranha tocou a linha. Um brilho dourado iluminou e
atravessou a grama e as rochas, delineando um octógono com Jim no centro.
O demônio miou e recuou.
— Uma Proteção muito complicada. Me levou uma hora para fazer, —eu
disse a ela. Eu tinha feito isso ainda em forma de tigre, depois que descobri
na mercearia o que eu estaria enfrentando.
— Eu sou Hiromi Jorogumo, a Donzela Vinculante, a Mãe Sangrenta.
Você vai dar ele para mim!
Uau, agora ela estava dando títulos a si mesma. Cruzei meus braços no
meu peito. — E eu sou Dali, a Tigresa Branca, a Guardiã de Bunut Bolog.
Minha magia é tão forte quanto a sua. Você não vai passar.
Eu deduzi corretamente, Hiromi estava encantada em ser uma jorogumo.
Ela via isso como uma honra e era arrogante e vaidosa, o que significava que
eu tinha uma chance. Era uma chance minúscula, mas era melhor que nada.
Eu só tinha que jogar o jogo pelas regras dela.
Uma careta empurrou seu rosto. — Eu ouvi falar de você, Dali Harimau,
Tigrea Branca. Você não pode guardá-lo o tempo todo. Ele tem que dormir
eventualmente e quando o fizer, vou devorá-lo.
— Você tem razão e não vou discutir. É por isso que quero oferecer-lhe
uma barganha. —Eu levantei o pedaço de papel. Hiromi se inclinou para
frente. — Que barganha?
— Um contrato. Você me pergunta um enigma. Se eu responder
corretamente, você vai deixar ele e eu em paz.
Os enigmas eram a maneira tradicional de resolver problemas. Se ela
realmente pensasse como um demônio, seria atraente para ela.
Os olhos de Hiromi se estreitaram. — E se você não responder
corretamente?
— Então você pode comer Jim e eu.
— Você? A Mística Tigresa Branca?
— Sim.
A boca de Hiromi se abriu, liberando uma fileira de presas afiadas. A
saliva se estendia de seus dentes em fios finos. Ela estava imaginando me
comendo e babando. Ecaaaa.
— Três enigmas, —disse ela. — Você responde a todos.
— Está bem.
Eu corrigi o contrato.
— Que garantia eu tenho que você vai sujeitar-se? —Ela perguntou.
— O contrato é magicamente vinculativo. —Coloquei o papel no chão e
empurrei-o pela Proteção com uma vara. — Está assinado com meu sangue.
Se você assinar com seu ichor, teremos um acordo.
Hiromi baixou o grande corpo de aranha para o chão e pegou o pedaço de
papel com a mão humana.
Venha, Hiromi. Seja tão gananciosa quanto eu espero que você seja.
Hiromi cortou o seu lado. Um líquido pálido e translúcido se derramou,
carregando consigo pequenos nós de lodo amarelo. Ecaaaa!
A jorogumo mergulhou o dedo no líquido e assinou o contrato com ele.
Magia estalou, agarrando o papel.
Respirei fundo e toquei a Proteção. Desapareceu.
— Primeiro enigma. —Hiromi mostrou os dentes. — Ele sobe aos céus,
mas nunca os alcança, voa como um pássaro mas não tem asas, isso faz você
chorar sem uma causa, aqueles que a vêem param e olham, serviu como
minha mortalha fúnebre negra e foi a única que eu tive. O que é isso?
Mortalha fúnebre. O que ela viu quando estava morrendo? As pessoas
andando e a cidade em chamas, por causa da fênix nascida da labareda. E
onde havia fogo, havia... — Fumaça, —eu disse. — Quando você morreu
Atlanta estava queimando.
Hiromi fechou a boca com força. Suas pernas de aranha amassaram o
chão. — Os homens o tem, mas os deuses o anseiam, sua perda enfraquece,
sua aparência ameaça, o medo o congela, a guerra o aquece, liga a família e
vi o meu me abandonar.
— Sangue. Você assistiu a si mesma sangrar na rua.
Hiromi balançou para frente e para trás. Ela tinha magia poderosa, mas
não a fazia inteligente. O enigma do sangue era quase dolorosamente óbvio.
O que mais poderia congelar com o medo, sim não o sangue?
— Último.
Hiromi se moveu para frente e para trás, esquerda e direita, pensando. No
banco, Jim abriu os olhos. Ele piscou e viu a jorogumo. Seus lábios se
afastaram, revelando seus dentes. Hiromi o viu e sibilou, suas pernas se
agitando no chão.
Eu apontei para Jim. — Jim, fique onde está! Hiromi, nós fizemos um
acordo. O último enigma.
Hiromi mordeu o ar com suas presas e sibilou para mim. — Tem olhos,
mas não pode ver, tem ouvidos mas não escuta, tem presas, mas não caça,
tem um ventre, mas está murcho e seco, tem conhecimento, mas não
consegue salvar a si mesma, vai morrer sozinha, lamentando tudo. O que é
isso?
Rá! — Sou eu. Você acha que eu não me conheço, Hiromi? —Ela rosnou.
O cuspe voou de sua boca.
É isso mesmo, raiva. Você sabe que quer um pedaço de mim. Sou muito
gostosa. Venha me pegar. Hiromi lamentou em fúria impotente.
Ela estava quase lá. Eu só tinha que irritá-la o suficiente. — Você é
32
estúpida, Hiromi. Baka , baka Hiromi. Você é burra como um verme.
Substância branca explodiu atrás dela em tufos úmidos e voou para as
árvores e a casa, se abrindo em teias.
Atrás de mim, Jim tentou se levantar.
— Jim, fique abaixado! —Eu gritei. — Olhe para ele, você o pegou e eu
o tirei de você. Mesmo se você não fosse louca, ele nunca estaria com você.
Não há nada que você possa fazer sobre isso, Hiromi. Nada! Nós nos
libertaremos. É fraca! Desamparada e nós ...
Hiromi soltou um grito e atacou-me. O enorme corpo de aranha tirou-me
dos meus pés. Os braços de quitina de Hiromi me agarraram e me arrastaram
até a boca.
Jim empurrou-se do banco e cambaleou para a frente, como um homem
bêbado com as pernas de moles e pesadas. Um doce aroma levemente
amadeirado flutuou no ar.
A boca de Hiromi ficou boquiaberta, as presas pingando baba e veneno.
Um enxame de longas pétalas amarelas girou em torno de nós. Névoa
úmida alisou minha pele e a quitina de Hiromi. Jim conquistou os últimos
metros e agarrou a perna de aranha de Hiromi, tentando dilacerá-la.
Os braços de Hiromi tremiam. — O que é isso?
— Seu castigo por comer pessoas.
Seus dedos perderam a força. Eu escorreguei através deles e caí
desajeitadamente na minha bunda.
Hiromi elevou-se acima de mim em suas patas traseiras, as seis pernas de
aranha restantes balançando no ar. Suas costas arqueadas, mais e mais, e por
um segundo eu pensei que ela iria me esmagar. A jorogumo gritou, um grito
desesperado de dor e puro terror.
Jim se jogou em cima de mim. Hiromi virou-se para a esquerda com as
pernas para trás e para a frente embaladas por espasmos. Ela correu para a
água e bateu na estátua de Lakshmi, deixando uma mancha amarelada de
ichor, virou à esquerda e bateu em uma árvore, pisoteando os arbustos de
oleandro, bateu na cerca e girou no lugar gritando. As pétalas amarelas a
perseguiram agarrando-se a sua pele.
Eu coloquei Jim em uma posição sentada e o abracei no caso dele cair.
Ele não se lembraria desse gesto mais tarde, coisas muito mais interessantes
estavam acontecendo ao nosso redor.
As pernas de Hiromi bateram no chão. Ela correu até a casa, correu até a
parede e desabou. Seus braços humanos se agitaram. Ela mergulhou-os em
seu corpo e arrancou pedaços de pele.
A perna esquerda da frente estalou como um palito de dente. Ela
guinchou e se bateu na casa. Uma mancha amarela se espalhou na parede. Ela
bateu na casa de novo e mais uma vez. As paredes de tijolos tremiam.
Pequenas rachaduras cruzaram o corpo de Hiromi. Ela bateu na casa
novamente e seu corpo explodiu. Ichor encharcou a parede. Os restos da
jorogumo deslizaram e ficaram parados.
Um cheiro salgado doentio nos atingiu.
— Isso foi uma coisa infernal, —disse Jim.
Ele veio para mim novamente. Ele mal conseguia se mover, mas se
arrastou e se jogou em um demônio enfurecido por minha causa. Era o
suficiente para fazer uma menina chorar. Só que agora o perigo passou e
minha cabeça estava limpa. Eu sabia que estava vendo o que não existia, me
iludindo.
— O que você fez com ela? —Ele perguntou.
— Eu não podia amaldiçoá-la diretamente, então eu escrevi um contrato
com uma maldição. Assinou com o seu ichor, —eu disse. — Ela condenou-
se, e quando quebrou o acordo, isso a destruiu.
— E as pétalas?
— Crisântemos. —Eu sorri e descansei minha bochecha em seu ombro.
— A maldição de punição escrita no contrato. Essas flores produzem óleo de
piretro. É mortal para insetos e aracnídeos: ataca o sistema nervoso central,
enlouquece e depois os mata. Nós olhamos para a bagunça amarela ao lado
da casa. — Minha mãe vai me matar, —eu disse.

TIREI A CHALEIRA DE METAL do fogão e despejei água fervente


na caneca de cerâmica menor.
A delicada fragrância de jasmim se espalhou pela minha cozinha. Ao meu
redor minha casa estava quieta.
Levou dois dias para limpar a casa da minha mãe. Por dois dias eu não fiz
nada além de esfregar ichor de aranha demoníaca e desagradável nas paredes,
nos bancos e nas pedras, enquanto Jim conseguia comer boa comida e ser
importunado pela minha mãe. Ontem à noite ele melhorou e foi embora.
Passei a noite na casa da minha mãe e depois voltei para a minha casa. A
correspondência se acumulou. Pooki provavelmente sentia a minha falta,
embora ele não tenha dito nada quando eu cheguei para checá-lo na garagem.
Já era noite agora. Eu servi o chá e sentei no meu pequeno sofá.
Fiz uma total idiota de mim mesma. Eu tinha beijado Jim e depois o
abracei. Tão constrangedor. Espero que ele não se lembre.
Era o que acontecia quando você deixava suas emoções levarem a melhor
sobre você, perdia a capacidade de pensar com clareza. Mais cedo ou mais
tarde teríamos que trabalhar juntos. Seria tão estranho. Coloquei minha mão
no meu rosto. Estava sozinha em casa e ainda estava envergonhada.
Menina cega, triste e patética, tomando chá e escondendo o rosto.
Respirei fundo e deixei sair devagar. Precisava de outra corrida. Isso me faria
sentir melhor. Em algum lugar naquela pilha de papel estava o orçamento da
oficina de reparos. Quanto mais cedo eu desse a eles a permissão, mais rápido
eu pegaria o Rambo de volta.
Um familiar perfume masculino me puxou. Oh meus deuses. Não, não,
não, não, não.
Tirei a mão dos meus olhos.
Ele estava dentro da sala, encostado na parede ao lado da porta do meu
pátio. Parecia ótimo. Como se nada tivesse acontecido.
O que eu faço agora?
Jim levantou uma pequena cesta de vime. — O que é isso?
— Isso é um bife para mim e macarrão de cogumelos para você. A massa
é feita com tofu e óleo de palma em vez de ovos. Cozinhei eu mesmo. Meu
bife está embrulhado em várias camadas de papel alumínio. Não está tocando
o recipiente com sua comida, então não se preocupe.
Hum ... ele me fez o jantar. Ele cozinhou para mim. Em termos de
metamorfo, era como entregar três dúzias de rosas vermelhas com uma
etiqueta que dizia ‘EU TE AMO’. O que no mundo ele estava fazendo?
— Eu pensei que você poderia querer algo diferente da cozinha de sua
mãe. —Jim sorriu. Ele parecia quase insuportavelmente bonito. — Não que
não seja ótima, mas três dias de arroz é um pouco demais.
— Jim ...
— O problema em ser um alfa é que você nunca pode dar o primeiro
passo. Faz você se sentir como se estivesse aproveitando-se de sua posição.
Você tem que esperar até que a outra pessoa decida que ela quer entrar.
Jim colocou a cesta na mesa de café e se agachou ao meu lado.
— E às vezes parece que essa pessoa gosta de você e você tenta testar as
águas, então você tenta dizer a ela como se sente, que ela é importante e quer
estar com ela e está preocupado com sua segurança. E toda vez que você faz
isso, ela acena e acusa você de ser um babaca alfa controlador. Então você
recua e espera que não tenha estragado tudo completamente.
Ele estava perto, perto demais. Eu apenas olhei para ele. O que estava
acontecendo ... — Por que você está me dizendo isso?
Sua voz era baixa e suave. — Naquele dia, quando eu disse que não
importava o que sua mãe pensava sobre sua aparência ...
— Arrá.
— Eu quis dizer isso, —disse ele. — Porque eu acho que você é linda.
Isso realmente estava acontecendo. Ele me beijou. Oh meus deuses.
Queridos leitores:

Escrever esta romance foi uma explosão. Nós nos divertimos muito, e
esperamos que você tenha gostado de ler sobre esses personagens tanto
quanto gostamos de escrever sobre eles. Não poderíamos encaixar tudo o que
queríamos no limite de palavras de um conto, e recebemos tantos pedidos de
leitores que querem saber mais sobre o passado de Jim e Dali que estamos
planejando trabalhar em um romance completo com esses personagens no
futuro próximo.
Próximo Lançamento Exclusivo das
Divas & Lord’s
Livro 5 – Magic Slays
Próximo Lançamento Exclusivo das
Divas & Lord’s
Livro 5 – Magic Slays
Atormentado por uma guerra entre magia e tecnologia, Atlanta
nunca foi tão mortal. Ainda bem que Kate Daniels está no trabalho.

Kate Daniels pode ter desistido da Ordem de Ajuda


Misericordiosa, mas ela ainda está com problemas paranormais. Ou estaria
se conseguisse alguém para contratá-la. Começar seu próprio negócio tem
sido mais desafiador do que ela pensava, agora que a Ordem está
depreciando seu bom nome. Além disso, muitos clientes em potencial têm
medo de ficar do lado ruim do Senhor das Feras, que por acaso é o
companheiro de Kate.
Então, quando o primeiro Mestre dos Mortos de Atlanta pede
ajuda com um vampiro à solta, Kate aproveita a chance de algum trabalho
remunerado. Mas acontece que este não é um incidente isolado. Kate precisa
chegar ao fundo e rápido, ou a cidade e todos que ela gosta podem pagar o
preço final...
Notas
[←1]

mustang 93
[←2]

Plymouth Prowler
[←3]

Panax ginseng é uma espécie vegetal do gênero Panax.


[←4]
Significa escrita chinesa
[←5]

Os caracteres chineses ou caracteres Han são logogramas utilizados como


sistema de escrita do chinês, japonês, coreano e outros idiomas, como por exemplo o dong. Foram usados na
Coreia do Norte até 1949 e no Vietname até o século XVII.
[←6]

A besta (pronuncia-se bésta) balestra ou balesta (derivações do


latim tardio ballista) é uma arma com aspecto semelhante ao de uma espingarda, com um arco de flechas
adaptado a uma das extremidades de uma haste e acionado por um gatilho, o qual projeta virotes - dardos
similares a flechas, porém mais curtos.
[←7]

O estilo Queen Anne na Grã-Bretanha refere-se


ao estilo arquitetônico barroco inglês, aproximadamente do reinado da rainha Anne (reinou de 1702-1714), ou
uma forma revivida que foi popular no último quartel do século XIX e nas primeiras décadas do século XX.
século (quando também é conhecido como reavivamento da rainha Anne). Na arquitetura britânica, o termo é
usado principalmente em edifícios domésticos até o tamanho de uma casa senhorial, e geralmente projetado
com elegância, mas simplesmente por construtores ou arquitetos locais, ao invés de grandes palácios de
magnatas nobres. Ao contrário do uso americano do termo, ele é caracterizado pela simetria fortemente bilateral
com um frontão italiano ou derivado do Palladio na elevação formal frontal.
[←8]
A cadaverina é uma amina é uma molécula produzida pela hidrólise proteica durante a putrefação de
tecidos orgânicos de corpos em decomposição. A cadaverina é um dos principais elementos responsáveis pelo
odor nauseabundo dos cadáveres.
[←9]
A Putrescina é uma molécula orgânica que se forma na carne podre e a esta dá um odor característico. Está
relacionada com a cadaverina. Ambas se formam pela decomposição dos aminoácidos em organismos vivos e
mortos.
[←10]
Indol é um composto orgânico aromático.
[←11]

G.I. Joe é uma franquia de action figures americana produzida pela


empresa de brinquedos Hasbro. No Brasil, primeiro sob o nome Falcon e depois Comandos em Ação, foi
fabricada pela Estrela. A Dali brinca com o modelo militar da faca de Jim, porque lembra as facas de brinquedo
desses bonequinhos.
[←12]

Os kanji são caracteres da língua japonesa adquiridos a partir de


caracteres chineses, da época da Dinastia Han, que se utilizam para escrever japonês junto com os caracteres
silabários japoneses katakana e hiragana.
[←13]

Gato monstro – é, no Folclore Japonês, um gato com


habilidades sobrenaturais.
[←14]

Banshee é um ente fantástico da


mitologia celta.
[←15]
Fantasmas comedores de almas.
[←16]
[←17]

Nasi goreng, que significa «arroz frito» é por vezes considerado o prato nacional
da Indonésia, embora haja versões semelhantes em vários países da Ásia, que se tornaram populares também no
Ocidente.
[←18]
Significa “Por que?” em indonésio
[←19]

O Parque Nacional das Grandes Montanhas


Fumegantes (em inglês, Great Smoky Mountains National Park) é um parque dos Estados Unidos situado na
região ocidental entre os estados do Tennessee e Carolina do Norte.
[←20]

Lakshmi, Laxmi ou Lacximi[1] é uma deusa hindu. É a esposa do deus Vishnu e


personificação da beleza, da fartura, da generosidade e, principalmente, da riqueza e da fortuna. É a deusa da
boa sorte. Considerada um avatar de Sita, a esposa do deus Rama.[2] Pode ser vista sentada sobre uma flor de
lótus, ou segurando flores de lótus nas mãos, e um cântaro que jorra moedas de ouro.
[←21]

Philodendron é um género botânico pertencente à família Araceae. Popularmente, no


Brasil, recebe o nome de imbé, possuindo algumas utilidades graças à sua relativa toxicidade. Em Portugal e em
Angola, é chamado filodendro.
[←22]

A estrelícia ou ave do paraíso, de nome científico Strelitzia reginae, é


uma planta herbácea, perene rizomatosa originária da África do Sul, com aproximadamente 1,20 m de altura, de
folhas duras, grandes e ovoladas com pecíolos bastante compridos. É cultivada em jardins de regiões tropicais e
sub-tropicais e bastante apreciada pela beleza das suas flores, que com aproximadamente 15 cm são de cor
laranja e azul e assemelham-se à cabeça de uma ave do paraíso. O termo científico desta planta "Strelitzia
reginae" do Latim = estrelícia da rainha, em homenagem à rainha Carlota de Mecklemburgo-Strelitz, esposa do
rei Jorge III de Inglaterra, morta em 1818.
[←23]

Bunut Bolong, árvore verde viva do figo da grande natureza


tropical, enorme com o arco do túnel da árvore entrelaçada enraíza na base para povos de passeio, carros e
outros veículos.
[←24]

Panopea generosa, ou geoduck é uma espécie de


molusco bivalve marinho, cujo nome comum provém da língua lushootseed, da tribo Nisqually. É nativa da
Costa Oeste da América - nomeadamento do México.
[←25]
[←26]

Um dos nove filhos do rei dragão.


[←27]

Bokeh é um termo japonês usado na fotografia


referente às áreas fora de foco e distorcidas, produzidas por lentes fotográficas.
[←28]
Família das borboletas.
[←29]

A Pupa também chamada de crisálida, é o estágio intermediário entre a


larva e o adulto, no desenvolvimento de certos insectos que passam por metamorfose completa. Muitas espécies
produzem um casulo, que protege a pupa durante o seu desenvolvimento.
[←30]

É uma adaga assimétrica de lâmina ondulada,


utilizada no arquipélago da Indonésia. Ela era usada com estocadas profunda e cortes laterais giratórios com o
objetivo de decepar membros ou perfurar órgãos vitais
[←31]

Jorōgumo é um Yōkai do folclore japonês,


provavelmente equivalente a um goblin ou duende, com forma de aranha que pode mudar sua aparência para a
de uma mulher sedutora.
[←32]

Palavra japonesa utilizada por otakus. Significado: Mané, otário, idiota.


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Notas

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