Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A cidade da água era uma cidade antiga a dois dias do leste da fronteira através
da planície, uma grande fortaleza de muros brancos que estava assentado na
confluência de muitos rios, no âmbito de uma cobertura de árvores tão verde a
ponto de ser preto.
Viajantes vinham de muito longe para essa cidade, construída em uma fortaleza
da Era dos Deuses. Ela estava cheia de embarcações indo e vindo, comerciantes
com as suas mercadorias, idiomas de todos os tipos, caótica e bonita. Posicionada
na extremidade oeste do interior e da borda leste da fronteira, a cidade da água
era a maior cidade sob muitos aspectos.
Uma carruagem ribombava e quicava sobre uma ponte, passando pelo portão de
um castelo no meio de um lago.
O portão estava gravado com o brasão do Deus da Lei: a espada e a balança, os
símbolos da lei e da justiça. Mesmo na fronteira, onde monstros e bandidos
corriam à solta, a luz da lei brilhava. Pessoas podiam viver em paz, ainda que
apenas tenuemente.
A carruagem passou ao longo das ranhuras que foram gravadas no ladrilho a mais
de centenas ou mesmo milhares de anos. Algum tempo depois, ela parou em uma
área grande de estacionamento, e aventureiros saíram um após o outro.
— Ahh… Meu traseiro está dolorido!
Alta-Elfa Arqueira fez um belo alongamento para relaxar um corpo que tinha
suportado muitas sacudidas no longo passeio de carruagem.
O sol estava alto no céu e não tardaria atingir o seu zênite. Que era meio-dia.
Em volta deles tinham lojas abastecendo viajantes, e odores de alimentos e
bebidas flutuavam no ar. Os aromas de carne assando e gordura fervendo. O odor
açucarado dos doces cozidos. A cidade tinha tudo, de alimentos que podiam ser
encontrados em qualquer lugar até ofertas estrangeiras surpreendentes.
Os vendedores eram da mesma forma.
Aqui, um anão mercador berrando a plenos pulmões; lá, um elfo fazendo
palhaçadas nas redondezas para atrair os clientes. Um rhea vendedor de frutas
estava correndo por aí, vendendo maçãs tão rápido quanto podia se mover.
Humanos falavam com os outros. Mais longe, um homem-lagarto estava
pregando um sermão. E isso era um elfo negro gerindo uma loja?
— Oh-ho! Se parece com um lugar encantador — disse Anão Xamã, com um
movimento do seu nariz, admirando tudo. Ele bateu em sua barriga saliente. —
Uma tábua para um peito, uma roda velha para um vagabundo… você terá um
equilíbrio. O tempo pode desgastar todas as coisas!
— …Parece que ele desgastou bastante você.
— Ho-ho-ho! Mas eu permaneço alto entre os anões!
Alta-Elfa Arqueira olhou para Anão Xamã quando ele gargalhou com sua grande
voz habitual.
Sacerdotisa, uma vítima acidental do comentário do anão, recuou e tentou cobrir
desajeitadamente seu traseiro pouco desenvolvido com a mão.
— E-enfim, não devíamos ir encontrar nosso registrador de missão?
— Sim.
Ela tinha aprendido bem de seu mentor Matador de Goblins, mestre da mudança
súbita de assunto.
Ele não mostrou sinais de notar isso, no entanto, conforme ele puxava a agora
amassada página de velino de sua bolsa. Ela tinha ficado bastante amassada com
a forma descuidada que ele tinha a enfiado para dentro da bolsa, mas ele não
pareceu perceber isso também.
— Parece que podemos o encontrar no Templo da Lei.
— Nessa direção então!
O argumento de Alta-Elfa Arqueira não deu muito a entender, então ela o cortou
com um elegante movimento de mão na direção do Templo.
— Conhece o caminho?
— Já estive aqui antes.
Então ela deu um grande sorriso e partiu com um passo alegre.
Essa, na verdade, era a cidade onde ela tinha ouvido a canção de Orcbolg,
Matador de Goblins.
Ela fazia uma exibição de remexer os quadris a medida em que ela andava pelas
ruas que ela conhecia e os outros não. Seus quatro companheiros a seguiam por
detrás.
As ruas eram de ladrilhos estreitamente estabelecidos, bem utilizado por
carruagens, e rios se cruzavam por todo lado na cidade, atravessado por barcos.
A cidade era um lugar incrível, também por causa de como ela usava as velhas
ruínas com quase nenhuma alteração.
Havia edifícios, é claro: lojas e estalagens, mesmos pequenos aposentos, todos
decorados com belos entalhes. As ruas pareciam como um desfile de moda ao
vivo, com pessoas usando as modas mais recentes de ambos da fronteira e do
interior. A cidade da água era o epítome de uma cidade cosmopolita.
— Mas, hum, bem… Você realmente acha que há goblins aqui?
Sacerdotisa olhava para baixo conforme andava, como se as suas vestes velhas a
envergonhasse comparada com os vestidos das garotas caminhando por ela.
Essas eram roupas lindas, elegantes e femininas. Não como a dela, usadas com
o trabalho diário.
Ela deveria ter se sentido envergonhada por sentir vergonha, no entanto.
— Eu suspeito que sim.
A resposta de Matador de Goblins não deu nenhum indício de que notou seu
desconforto. De qualquer forma, Sacerdotisa ficou grata por ele. Ele nunca se
distraiu.
— Oh-ho, hmm? — Lagarto Sacerdote pôs a sua língua para fora em uma
demonstração de interesse. — E meu senhor Matador de Goblins, o que o faz
dizer isso?
— Esse lugar tem a atmosfera de uma aldeia que tem sido alvo de goblins.
— Atmosfera…?
Anão Xamã deu uma fungada em dúvida com seu nariz redondo. As únicas
coisas que ele podia distinguir na atmosfera era o cheiro de água, pedra e a de
comida em uma loja próxima. Não tinha nenhuma sugestão do cheiro podre,
único das tocas de goblins.
— Não posso afirmar realmente que percebi.
— Esse é o motivo dos anões serem tão estúpidos.
— Como se você o entendesse melhor.
Alta-Elfa Arqueira riu de Anão Xamã enquanto ele ficava com os braços
cruzados e sua cabeça inclinada.
Ela não pareceu se importar mesmo quando ele fixou ela com seu olhar mais
intenso. Ela apenas acenou com as mãos.
— Vamos lá, os elfos vivem na floresta. Não espero perceber nada sobre odores
de cidades.
Anão Xamã estava prestes a replicar, mas ficou repentinamente quieto.
Por detrás de Alta-Elfa Arqueira, Lagarto Sacerdote soltou um sibilo agudo.
— O centro da cidade não é o lugar certo para suas discussões.
— Eu sei disso. Para alguém que é escamoso, você é muito espinhoso.
— Você está sendo gentil, anão — disse a elfa.
Lagarto Sacerdote estalou a língua, e dessa vez os dois ficaram em silêncio.
Sacerdotisa riu com a cena.
A elfa e o anão não tinham mais argumentos para discutir. Eles caminhavam
lentamente pela cidade radiante da água, desfrutando das vistas. Era comum aqui
ver aqueles que possuíam palavras, mas que não eram humanos, bem como
outros aventureiros.
Apenas Matador de Goblins estava constantemente alerta com os seus arredores.
— Eu não sei quanto aos odores, ou seja lá o que for, mas eu realmente não acho
que goblins saltarão para cima de nós bem aqui na cidade — disse Alta-Elfa
Arqueira, com um suspiro aborrecido.
— Não há como ter certeza disso. — Matador de Goblins respondeu no ponto.
— Me lembro disso acontecer uma vez.
Embora sua arma não foi puxada, ele se movia quase da mesma forma que ele se
movia por uma caverna, com seu passo ousado, mas extraordinariamente
silencioso.
Ele era o único que atraia olhares estranhos dos transeuntes: um aventureiro com
uma armadura de couro suja e um capacete com aparência barata, andando pela
cidade como se estivesse em uma masmorra.
Talvez alguém o tenha trazido para um novo tipo de performance; não há nada
que se possa fazer. E mesmo Alta-Elfa Arqueira escondia a cara de vergonha,
bem, não se podia fazer nada quanto a isso também.
Apesar de tudo, era improvável que ele mude seu comportamento.
— E onde está esse Templo nosso? — A cauda de Lagarto Sacerdote balançava
calmamente atrás dele.
— Olhe, você já consegue o ver. Está bem ali.
Alta-Elfa Arqueira apontou com o seu dedo para um edifício do outro lado do
rio. Era um santuário impressionante feito de mármore branco, apresentando
inúmeros pilares. Mesmo aqueles o vendo pela primeira vez entendiam que era
um templo.
O Templo da Luz e da Ordem, brasonado com a balança e a espada que
representava a lei e a justiça.
— Uau… — suspirou Sacerdotisa com a visão. O Templo da Mãe Terra onde
ela tinha crescido não era um edifício medíocre, mas…
…Esse lugar praticamente gritava que era o lar de um deus.
Seu rosto relaxou de tanta alegria, suas bochechas foram tingidas com um
vermelho de entusiasmo e ela se virou.
— Matador de Goblins, senhor! Isso é incrível!
— É?
Ele não poderia ter oferecido uma resposta mais tosca.
Talvez eles apenas tivessem formas diferentes de ver as coisas. Era claro para
todos que ele estava avaliando o Templo como um possível ninho de goblin.
— Céus…!
Sacerdotisa estufou as bochechas, mesmo sabendo que era criancice.
Pensando bem…
Ela percebeu que tinha esquecido de perguntar a coisa mais importante de todas.
— Hum, Matador de Goblins, senhor?
— O que?
— O registrador de missão é uma sacerdotisa do Deus Supremo?
— Não.
Ele respondeu como se isso não significasse nada para ele, então disse:
— É a arcebispa.
Nisso, o entusiasmo de Sacerdotisa se evaporou.
— O quêêêê?!
Ela nunca teria imaginado que o registrador de missão pudesse ser ela.
Sacerdotisa agarrou o cajado de monge com as duas mãos e deixou sair um
choramingo involuntário. A pessoa responsável pela lei em toda a fronteira oeste.
Não, mais do que isso. Ela era conhecida como…
…Donzela da Espada.
Havia muitos visitantes ao Templo da Lei.
Em parte, não se tratava apenas de crentes no Deus Supremo que vinham para
suplicar.
O edifício também era um tribunal, onde sentenças eram feitas em nome de Deus.
Os casos variavam dos simples conflitos diários até questões de vida ou morte.
Havia um fluxo incessante de pessoas que desejavam ter o seu caso ouvido pela
impiedosa luz de Deus.
Mais fundo no interior do Templo, eles passaram através de uma sala de espera
cheia dessas pessoas.
Além das salas de audiências onde casos eram ouvidos, passado os corredores
estreitos com estantes ao fundo do local, era silencioso e revestido com pilares
de mármore.
Nessa parte mais profunda do Templo havia um salão de oração onde uma
imagem do Deus Supremo na forma do sol era venerado.
Parecia como algo saído de um mito.
A luz do sol passava entre os pilares formando grandes lençóis dourados. Não
havia ruídos externos; o silêncio era absoluto. Isso era um lugar sagrado.
E no altar havia uma mulher ajoelhada, com um cajado longo na mão, rezando.
Ela usava vestes brancas sobre sua figura robusta. Seus cabelos dourados
brilhavam sob a luz do sol. Seu cajado, que retratava uma espada cujo cabo
pendia um conjunto de balanças, mostrava a equidade da justiça e da lei.
Ela era tão deslumbrante que se podia apenas pensar que se o Deus Supremo
fosse encarnado como uma mulher, ela o seria.
Infelizmente, seus olhos estavam ocultados por um lenço preto. Não que isso de
alguma forma manchasse a beleza dela; o tecido pode até ter feito ela ainda mais
impressionante.
— …?
De repente, ela olhou para cima.
O silêncio sagrado tinha sido quebrado pelos casuais passos ousados.
— M-Matador de Goblins, senhor! Por favor, tente ser silencioso…
— Se trata de um trabalho urgente. Se eles não se importam de entrarmos, não
há razão para esperar.
— Eu percebi que você era um tipo impaciente, Orcbolg.
— Todos são impacientes comparados a um elfo!
— Tal falação é inapropriado. Quer se trate de uma divindade estrangeira ou não,
nós estamos na casa de Deus.
Barulhento, animado, bruto, robusto. Para ela era tremendamente nostálgico.
— ……………
As extremidades da boca dela suavizaram muito levemente, e a manga do seu
vestido se moveu como uma onda no oceano.
Ela — Arcebispa do Deus Supremo, Donzela da Espada — se levantou
lentamente.
— Céus. Quem são vocês…?
— Viemos para matar os goblins. — Matador de Goblins respondeu
indiferentemente, com um tom claro e com o que parecia um sorriso sossegado.
A sua atitude flertava com insolência, mas ele não parecia impertinente. Era uma
maneira de falar extremamente parecida com o de aventureiros.
Sacerdotisa ficou ao seu lado, espantada, tentando penosamente descobrir como
fazer sua saudação.
Essa aqui é Donzela da Espada!
A arcebispa amada pelo Deus Supremo.
A aventureira ranque Ouro que, dez anos atrás, tinha causado a queda do Senhor
Demônio.
Não um herói de uma lenda, mas uma presença singular que tinha emergido da
humanidade.
Ela estava muitíssima além de Sacerdotisa, recentemente promovida a
Obsidiana. A diferença entre as duas, era como uma distância entre um goblin e
um dragão.
Quando ela fora uma acólita, Sacerdotisa provavelmente não poderia ter vindo
por si mesma para estar nesse lugar fantástico.
— Eu, hum, isso é, é… é uma honra conhecê-la — disse Sacerdotisa com uma
voz tensa, fazendo uma pequena inclinação. Seus olhos brilhavam e suas
bochechas estavam vermelhas.
— Um guerreiro honorável e… uma sacerdotisa bela e muito honorável.
Por detrás do lenço, um olhar gentil passou pelas bochechas de Sacerdotisa e
então se mudou, ou, pelo menos, é o que ela sentiu.
Ela conseguia ouvir seu próprio coração batendo dentro de seu pequeno peito.
Ela esperava que não fosse audível a mais ninguém.
— E essas pessoas incríveis são…?
— Hmm. Seus compatriotas, membros de seu grupo — disse Lagarto Sacerdote
quando o olhar se estabeleceu nele. — Eu venero o mais temível naga, mas lhe
asseguro que irei lhe dar todo meu apoio. — Seu gesto incomum das palmas
juntas foi solene.
É claro, seu gesto diferia da forma como um clérigo do Deus Supremo mostrava
respeito com os outros. Mas, não foi esse o ponto. O que era mais relevante foi
que ele demonstrou sua intenção de respeitar os outros.
Tudo começou desse ponto. Sem mover o seu sorriso, Donzela da Espada fez
uma cruz no ar com seu dedo.
— Bem-vindos ao Templo da Lei. Me sinto honrada em recebê-lo, Ó sacerdote
escamado.
Alta-Elfa Arqueira e Anão Xamã, por sua vez, mostraram pouco interesse nos
acontecimentos.
Eles deram uma saudação ligeiramente inclinados por trás de Lagarto Sacerdote,
todavia, eles estavam conversando, sussurrando com o outro.
— Hmm. É realmente fascinante para um trabalho humano — disse o anão.
— Sim. Que bela imagem — disse a elfa.
Suas admirações pareciam estar concentradas no teto alto acima de suas cabeças.
Lá, pinceladas suntuosas compunham um mural representando a batalha da Era
dos Deuses.
Eles tinham visto pinturas rupestres anteriormente, desenhados com sangue nas
paredes de ruínas, mas isso era algo totalmente diferente.
Ordem e caos, Ilusão e Verdade, os deuses se encolerizavam reciprocamente de
corpo e alma.
Contra um fundo de estrelas, milagres e magia se torciam, voavam para lá e cá,
brilhavam e queimavam. Finalmente, os deuses esticaram as mãos para um cubo
e começaram a satisfazer a si mesmos em jogá-lo.
O tabuleiro que eles jogavam era esse mundo mesmo, e as peças com que eles
jogavam, eram todos.
É por isso que aqueles com palavras, aqueles que rezavam, tentavam viver
corretamente.
Os dois, que eram familiares aos espíritos que enchiam esse mundo, não eram
parecidos com os deuses. Embora os elfos e anões respeitassem os deuses,
todavia, eles não os cultuavam displicentemente. Os deuses eram muito “com”
eles; eles ouviam conselhos dos deuses, mas não como escravos. Isso era porque
havia poucos sacerdotes elfos, embora os anões continuassem vinculados ao deus
ferreiro por si mesmos.
— Ho-ho. Quão… parecidos com aventureiros vocês são.
Um guerreiro excêntrico. Uma sacerdotisa pura. Um sacerdote estrangeiro. Um
anão usuário de magia. E uma elfa patrulheira.
A arcebispa deu aos cinco um pequeno sorriso estranho.
…?
Sacerdotisa pensou que o sorriso transbordava com solidão e saudade.
— E se assim for, então nós somos como um ao outro. Eu lhes dou as boas-
vindas calorosamente.
Levou apenas um momento.
Donzela da Espada fez um grande movimento com os braços, como se para
abraçar os aventureiros. O gesto evocava uma mãe carinhosa, contudo, sedutora
como uma meretriz exortando alguém para o seu aposento.
Um homem humano comum teria engolido em seco violentamente logo depois
disso.
Matador de Goblins, no entanto, ignorou tudo isso. — Basta de cumprimentar
um ao outro. Nos diga os detalhes da missão. — Ele estava alheio ao olhar
mortificado que vinha do rosto de Sacerdotisa.
— S-só um momento, Matador de Goblin, senhor…
Isso era realmente demais.
Sacerdotisa agarrou sua mão enluvada e o puxou para perto.
— Você não pode falar assim com a arcebispa…
— Não me interessa.
Contudo, Donzela da Espada balançou a cabeça suavemente.
— Eu estou muito satisfeita que tal bravo aventureiro tenha vindo a mim.
— Está?
— Posso lhe perguntar, uma curiosidade pessoal — murmurou ela — caso
parentes de você se juntassem ao caos, você seria capaz de os matar?
— Não — respondeu sem rodeios Matador de Goblins. — Eu não tenho
familiares vivos.
— É mesmo…?
Matador de Goblins viu os lábios vermelho-vivo de dentro de seu capacete
enquanto ela sussurrou.
— Então. Onde estão os goblins?
Atrás dele, os outros aventureiros suspiraram.
— Isso começou a cerca de um mês.
Donzela da Espada assentiu aos outros para se sentarem no chão, então se
sentaram com seus pés juntos, parecendo perdidos.
— Em uma noite, eu enviei uma garota acólita para entregar uma mensagem
desse Templo…
— Ela foi morta? Ou raptada? — perguntou Matador de Goblins.
— Ela não regressou naquela noite. No dia seguinte, seu corpo foi encontrado
em um beco. — Um olhar de tristeza surgiu em seu rosto.
— Hmm. — Matador de Goblins colocou a mão em seu queixo, pensando.
— Segundo a pessoa que a encontrou, ela parecia ter sido cortada enquanto ainda
estava viva.
As palavras de Donzela da Espada eram calmas e sem a mínima hesitação. Mas,
atrás delas havia um ligeiro tremor.
Era terror? Intimidação? Ou talvez uma dor profunda e tristeza. Sacerdotisa não
tinha certeza.
— Isso é… Bem, isso é horrível — disse Sacerdotisa.
— O simples fato do homicídio é suficientemente triste, embora isso aconteça de
vez em quando…
— Enquanto ainda estava viva… — murmurou discretamente Matador de
Goblins. — Naquele local?
— …Sim.
— Havia alguma parte dela comida? Ou ela estava meramente morta? Você tem
mais algum outro detalhe…?
— Vamos, Orcbolg. Você está sendo insensível, até para você — disse Alta-Elfa
Arqueira, contraindo os lábios em uma careta. Ela tinha reparado na expressão
sombria de Donzela da Espada.
Matador de Goblins ficou em silêncio por um longo tempo, então disse: — Por
favor, continue.
— Foi verdadeiramente um incidente terrível.
Sim, terrível.
O Templo da Lei estava aqui, sem dúvida, mas isso ainda era a fronteira. Há não
muito tempo isso tinha sido uma vastidão sem lei, um lar para monstros e
bandidos. Aqui dificilmente poderia deixar de ter crime.
Embora a luz do Deus Supremo brilhasse abundantemente, não era suficiente
para alcançar os corações distorcidos dos humanos.
— Lei e ordem… É dito terem continuamente sido inferiores nas batalhas nesse
mundo. — Donzela da Espada continuou, em um murmúrio: — Embora o mal
tenha triunfado nesse mundo, nenhum dos lados tem sido derrotado — e juntou
suas mãos, oferecendo uma breve oração ao deus que ela servia.
À espera dela terminar, Lagarto Sacerdote esticou o pescoço como se prestando
atenção especial.
— Então, isso quer dizer que a investigação não proporcionou qualquer
resultado?
— …Sim. Eu tenho vergonha de dizer, mas é a verdade…
Talvez um agente do caos estivesse envolvido ou um seguidor dos Deuses das
Trevas? Ou outra coisa?
Em meio a uma série de hipóteses e conjunturas, a vigia noturna deu início
imediatamente a uma investigação. Para uma cidade cujas ruas eram agitadas dia
e noite, havia surpreendentemente poucas evidências. E sem provas, não havia
nada a fazer, não importa o quanto alguém desejava apanhar o criminoso.
Em meio a isso tudo, a cidade da água experimentava um aumento dramático da
criminalidade.
— Pequenos furtos, ataques aleatórios nas ruas. Violência contra as mulheres,
sequestros…
— Hmm. — Matador de Goblins bufou quando Donzela da Espada relatou
pesarosamente o estado das coisas. — Eu não gosto disso.
— Você não gosta de nada, Corta-barba — disse Anão Xamã, bem-acostumado
ao seu companheiro, e deu a Donzela da Espada um aceno como se dissesse não
ligue para ele. Ele descansou o queixo na mão e seu cotovelo nos seus joelhos
dobrados. Ele nem sequer sentia vontade de tomar um gole de vinho. — Eu
admito que é muito estranho. Mas, certamente não foi por isso que você nos
chamou aqui.
— Você está correto. Eles decidiram que se não pudessem apanhar o assassino,
talvez eles possam apanhar ele agindo.
Portanto, não só os vigias noturnos e os guardas, mas aventureiros também foram
enviados.
Eles se separaram em vários grupos, patrulhando diligentemente as ruas na noite
e perseguindo alguém suspeito.
Era uma abordagem direta, um plano marcado pela praticidade.
Mas funcionou.
Um dos grupos de aventureiros viu humanoides pequenos atacando uma mulher
e os abateram.
Em face da luz que os aventureiros empunhavam, os pequenos corpos revelaram
ser…
— …goblins. Sem dúvida.
— Hmm. — Matador de Goblins, que estivera escutando em silêncio, fez um
som de profundo interesse. — Eram goblins?
— Goblins… Não apenas um ou dois, eu suponho — exalou Anão Xamã,
passando suas mãos ao longo da barba na qual ele era tão orgulhoso.
Sacerdotisa tocou o seu dedo indicador fino contra seus lábios e fez um som
pensativo. — A questão é como eles chegaram à cidade — disse ela. — Eles
certamente não entraram simplesmente pelo portão.
— Eles devem ter saído de um caminho subterrâneo ou dos canais de água —
disse Anão Xamã.
Alta-Elfa Arqueira acrescentou: — Todas essas vítimas… esses monstros não
estavam só de passagem.
— O que você acha? — Matador de Goblins virou seu capacete para Lagarto
Sacerdote.
O sacerdote escamado deu um revirar de olhos contemplativo, então abriu suas
mandíbulas e disse — Goblins… humm. Goblins vivem no subterrâneo. Essa
cidade é construída sobre uma cidade mais antiga. Certamente há ruínas de algum
tipo abaixo dela…
— Sem dúvida então — disse Matador de Goblins com firmeza. — Eles são
estúpidos, mas não são tolos. Se eu fosse eles, simplesmente me aninharia nos
esgotos.
— Mais uma vez, você demonstra a sua capacidade de pensar como um goblin…
Era difícil dizer se Alta-Elfa Arqueira estava o elogiando ou sendo sarcástica.
— É claro — respondeu Matador de Goblins, assentindo. — Se você não sabe
como eles pensam, não consegue lutar contra eles.
Donzela da Espada mostrou um pouco de confusão às palavras de Matador de
Goblins, mas, mesmo assim, ela assentiu com firmeza.
— Certamente foi o Deus Supremo que guiou um aventureiro como você para
aceitar minha missão. — Um leve sorriso surgiu repentinamente em sua face, e
a sua voz era clara; seu alívio era evidente. — Eu mesma, depois de um mês de
reflexão, conclui que eles devem estar no subsolo.
— Um mês?
— Sim. E a princípio, eu propus a missão para os aventureiros da cidade…
— O que eles fizeram? — perguntou calmamente Sacerdotisa, mas Donzela da
Espada balançou a cabeça sem falar.
— Entendi… — disse Sacerdotisa.
Essa foi toda a resposta que ela precisava.
Eles não voltaram.
Muitos aventureiros Porcelanas e Obsidianas que foram matar goblins
conheceram o mesmo destino, como dois dos três companheiros de Sacerdotisa
tiveram em sua primeira aventura em uma caverna.
Sempre que a cena perturbadora fosse reanimada em sua memória, não era fácil
de a retirar.
Sacerdotisa pensou que podia apanhar praticamente o cheiro podre e
desagradável da caverna, e esfregou um pouco seu rosto.
— Foi então que ouvi uma canção de Matador de Goblins, herói da fronteira.
— Uma canção? — disse Matador de Goblins, não compreendendo. — O que
quer dizer?
— Você não conhece? Você está em uma balada, Orcbolg. — Alta-Elfa Arqueira
fez um círculo no ar com o dedo indicador. — Acontece que ela não tem muito
a ver com o seu eu verdadeiro, no entanto.
— Eu nunca tinha ouvido falar disso.
— Mas, certamente você sabe — disse Lagarto Sacerdote, estreitando os olhos.
— Onde quer que haja um bardo, eles cantarão sobre atos valorosos.
— Para que?
— Não me diga que você não vê a relação, Corta-barba.
Não que ele estivesse interessado.
Anão Xamã bateu na barriga por causa da expressão perplexa de Matador de
Goblins.
— Quando a notícia de seus feitos se espalha, todo mundo vai querer você para
matar goblins para eles!
— Hmm…
Os olhos de Donzela da Espada, escondidos por trás do pano, encontrou
rapidamente os de Matador de Goblins, escondido atrás do metal.
Ela mordeu o lábio, então, com um olhar de determinação, arqueou a cabeça.
— Por favor. Eu te imploro para salvar a nossa cidade.
— Eu não sei se consigo — disse francamente Matador de Goblins. — Mas eu
matarei os goblins.
Isso simplesmente não era como alguém falava com uma arcebispa, quanto mais
uma antiga heroína.
Sacerdotisa disse “Matador de Goblins, senhor!”, e puxou seu braço, com os
lábios contraídos. — Você tem que encontrar uma melhor, você sabe, maneira
de… falar…
— É a verdade, não é?
— É por isso que é tão importante ser cuidadoso com a forma de falar.
— Hmm.
Matador de Goblins deixou escapar um bufo rude, mas ele só podia ficar em
silêncio.
Lagarto Sacerdote balançou a cauda alegremente com a visão de seu amigo
enervado, mas o seu tom foi sério.
— Se eles estão nos esgotos, as nossas artimanhas habituais não funcionarão.
— Estava mesmo enjoada dos nossos truques habituais, de qualquer forma —
disse Alta-Elfa Arqueira, abatida. — Eles são… estranhos. — Ela deu um soco
gentil no cotovelo dele. — Você sabe o que quero dizer, né?
— Sim. — Matador de Goblins assentiu. — Nós temos que entrar e os destruir,
mas o subsolo é uma área grande. Seria problemático se alguns escapassem.
— Não! Estarmos nos esgotos significa que estaremos bem abaixo de todo
mundo que vive aqui. Entende?
Ela não sabia por que ficou surpreendida. Orcbolg tinha sido assim desde que o
tinha conhecido. Incendiar fortalezas, fazer as pessoas se encharcarem de
vísceras, matar goblins das formas mais terríveis, os afogando, usando táticas de
ondas humanas…
— Sem fogo! Sem água! Sem gás venenoso! Sem entranhas!
— Já te disse, não tenho a intenção de usar nenhum desses — respondeu ele,
com um tom que ele reservava normalmente para repreender Sacerdotisa,
pegando Alta-Elfa Arqueira desprevenida.
Suas longas orelhas se agitaram pelo aborrecimento, mas foi ela quem finalmente
disse “bom”, e desistiu.
Lagarto Sacerdote ignorou seu sussurro de “o que deu nesse cara?” e disse: —
Mas, por que não seus vigias noturnos ou seu exército para lidar com essas
criaturas? — Ele bateu no chão de pedra com sua cauda para enfatizar suas
dúvidas. — Eu não estou familiarizado com a situação dessa cidade, mas
certamente isso não está para além da sua competência.
— Eles…
— …com certeza te disseram que não tinha necessidade de envolver os militares
por algo tão trivial como goblins — disse Matador de Goblins bruscamente
quando Donzela da Espada hesitou.
Donzela da Espada olhou um pouco para baixo, e seus lábios tremeram. Uma
resposta mais elegante.
Não era difícil de entender.
Os aventureiros vieram aqui justamente porque os vigias noturnos e o os
militares não se envolveram.
Os vigias noturnos pegavam dinheiro para treinarem e se equiparem, e as suas
famílias viviam na cidade. Se fossem feridos ou mortos, uma pensão tinha que
ser paga aos seus familiares.
Quão diferente era com os aventureiros, que assumiam a responsabilidade toda
por si mesmos.
Sobretudo, a ressurreição do Senhor Demônio na primavera ainda estava fresca
em suas mentes.
— Não se pode fazer nada, eu suponho — disse Anão Xamã com um suspiro e
um afago em sua barba branca. — Muitos desses demônios ainda perambulam
ao redor da Capital. Acho que é para isso que os aventureiros servem…
— Mrrm. Dois grandes pontos problemáticos são o dinheiro humano e a política
humana — disse Lagarto Sacerdote.
— Estou extremamente envergonhada em admitir a verdade de suas palavras —
disse Donzela da Espada, como se confessasse um pecado.
As tragédias nesse mundo eram muitas e intermináveis.
Como Donzela da Espada tinha dito, desde o começo do mundo, a lei e a ordem
fora a menor luz.
Ninguém tinha o poder de mudar isso, mesmo ligeiramente.
Mesmo a Mãe Terra, que oferecia salvação para aqueles que foram corrompidos,
sua salvação era apenas para aqueles que a desejavam, pediam e rezavam por
ela…
Por isso que os monstros eram conhecidos como os Que-Não-Rezam.
E, no entanto…
— Eu não me importo muito com coisas assim — sussurrou Donzela da Espada,
virando o rosto de lado.
Ela parecia uma mocinha que tinha feito alguma coisa embaraçosa.
— Não me importa. — Matador de Goblins cortou a conversa com palavras
secas. — Como é que entramos no subterrâneo?
—…
Os olhos de Donzela da Espada passaram por todo seu capacete como se
procurando alguma expressão.
— Ei.
— Ah. Sim, desculpe.
A voz que respondeu sua chamada estava de alguma forma distante, quase
desvairada.
Donzela da Espada mexeu no decote do seu vestido fino, retirando um pedaço
de papel de seus seios generosos.
A folha dobrada parecia bastante velha; parecia ser um mapa dos esgotos.
— Acho que seria melhor para vocês entrarem nos esgotos através do poço no
jardim detrás desse Templo.
Seus dedos magros e brancos acariciavam o mapa enquanto ela o estendia no
chão. O velino amassado fez um farfalho quando ela o desdobrou.
— Então, durante as investigações, eu ofereço a vocês esse Templo como
alojamento.
— Hum.
Matador de Goblins fazia um som suave enquanto estudava o mapa. Ele estava
descolorido, já roído por insetos, contudo, mostrava a dimensão dos esgotos.
Talvez tivesse feito algum sentido para arquitetos velhos, mas agora…
— É como um labirinto — disse Sacerdotisa preocupadamente, olhando para o
mapa, sobre o ombro de Matador de Goblins.
Os goblins atravessavam completamente o labirinto subterrâneo para atacar os
humanos? Enfrentar eles seria muito mais difícil do que combater outros
monstros, mesmo poucos.
Talvez eu esteja apenas nervosa. Ele tinha reparado que ela deslocava
discretamente seu olhar para ele?
Matador de Goblins trouxe o mapa mais perto, depois o tocou levemente.
— Quão preciso é esse mapa?
— Esses são projetos antigos de quando o Templo foi construído…
Donzela da Espada balançou a cabeça suavemente. O gesto formou lindas ondas
através dos seus belos cabelos.
— Mas a água da cidade flui lá embaixo. Se nada entrou em colapso, não consigo
o imaginar muito diferente disso.
— Está bem.
Com um aceno, ele enrolou indiferentemente o mapa e o jogou pelo ar.
Lagarto Sacerdote estendeu habilmente o braço e o apanhou com suas garras
afiadas.
— Você é o nosso guia.
— Certamente.
— Então vamos. Não temos tempo a perder.
Não muito tempo depois de ter falado, Matador de Goblins partiu com seu passo
ousado.
Os outros aventureiros olharam uns para os outros, então assentiram impotentes.
— Bem, esse é Matador de Goblins de sempre — disse Alta-Elfa Arqueira
suavemente, se levantando. Ela ajustou seu arco grande em suas costas, contou
as flechas, depois foi atrás dele apressadamente.
Os passos dos elfos eram tão silenciosos que eles deveriam pesar nada; Lagarto
Sacerdote achou tudo praticamente inaudível. Ele abriu delicadamente o mapa
que ele tinha apanhado, confirmou duas vezes, dobrou ele de novo, e o colocou
cuidadosamente na bolsa dele. — Parece haver ruínas mais adentro, mas não
saberemos até vermos por nós mesmos.
— Como você disse. E não podemos contar com a nossa moça orelhuda para
liderar o caminho. Corta-barba é outra história.
Anão Xamã tocou sua barba, incapaz de ver eles entrarem em tal situação
perigosa sozinhos.
Os dois se gabaram, então se levantaram, parecendo satisfeitos.
— Você deve nos dar licença então. Devemos ir andando.
— Não posso deixar a orelhuda e Corta-barba esperando!
E os dois partiram.
Sacerdotisa também não teve tempo para rir.
Correndo para preparar seu equipamento, ela endireitou suas vestes e parou.
— Bem, hum, senhora arcebispa. Eu… Eu também vou indo.
Uhum. Ela agarrou seu cajado com as duas mãos e curvou a cabeça para Donzela
da Espada.
— Se me permite… — anunciou Donzela da Espada para Sacerdotisa, que se
virou para sair. Ela estendeu a mão fina como se a chamando.
— Sim? — perguntou Sacerdotisa, olhando questionadoramente para ela.
— Talvez não caiba a mim perguntar isso, como uma registradora de missão…
Sacerdotisa não podia entender bem a expressão de Donzela da Espada enquanto
ela falava. Todas as emoções pareciam ter deixado seu rosto lindo, como um
recuo da maré. Era difícil escapar da sensação que ela tinha vestido uma máscara.
— Mas, você não está com medo?
Sua pergunta foi calma, mas clara.
Sacerdotisa franziu a testa um pouco; seus olhos vagaram pelo lugar. O que ela
deveria dizer?
— Eu… Sim. Eu tenho medo. Mas…
Então, ela não disse mais nada. Ela nunca tinha deixado de estar com medo, não
desde que ela tinha entrado em um covil de goblins em sua primeira vez naquele
dia, há muito tempo.
E, no entanto…
Seu olhar desviado seguiu aqueles aventureiros, caminhando à frente dela, um
pouco longe…
Um homem-lagarto enorme. Ao lado dele, um anão atarracado. Uma elfa magra.
E…
Um guerreiro. Usando um capacete de aparência inferior, uma armadura de couro
suja com um pequeno escudo redondo e uma espada que parecia ter um tamanho
estranho.
— Hee-hee.
Ali parada, quase sozinha, um sorriso brotou no rosto de Sacerdotisa.
Ela era uma discípula da Mãe Terra, mas se ela fosse rezar para o Deus Supremo
ela ia pedir uma coisa:
Que ela nunca ficasse sem nenhum desses companheiros.
— …Tenho a certeza de que ficaremos bem.
E com isso, ela ofereceu timidamente uma oração baixinho.
Interlúdio: Da Conversa
Entre as Duas
Um grito estridente ecoou através da pedra do canal construída por aqueles povos
antigos.
Um goblin caiu para trás, com uma machadinha enfiada na testa.
Sem hesitar, Matador de Goblins chutou o cadáver no rio de esgoto que fluía nas
proximidades. Ele caiu espirrando água, então flutuou entre as espumas de
poluição por um momento, antes de sumir de vista.
— Esse parece ser o último deles. — Lagarto Sacerdote limpou o sangue da sua
lâmina, uma espada-presa que fora enfiada recentemente em uma garganta de
goblin.
A chama de uma tocha abandonada no chão tremulava, e a sua luz dançou
durante a carnificina ao redor.
Os corpos eram porventura, quarenta por cento de goblins; o restante eram restos
mortais apodrecendo de aventureiros.
E ali, mais à frente onde a via fluvial se dividia em inúmeras bifurcações, se
aproximava uma sombra misteriosa.
— Não… Há mais alguma coisa.
Alta-Elfa Arqueira não era de perder uma coisa dessas. Enquanto falava, ela
armava outra flecha no seu arco. Suas orelhas se agitavam para cima e para baixo;
então, com um leve silvo, ela puxou a corda de seda de aranha e a soltou.
Com um bóim parecido a uma bela lira, a flecha trespassou o ar.
Ela se curvou, virando a esquina como se tivesse vida própria. Um momento
depois, houve um “aah!” estridente, e depois um barulho suave de algo atingindo
a água.
— Esse é o último deles.
— Ufa… Belo disparo.
Com a exclamação triunfante de Alta-Elfa Arqueira, Sacerdotisa, que estava
agarrando seu cajado de monge, soltou um suspiro.
Ela manteve seu espírito continuamente aguçado, para que pudesse invocar um
milagre a qualquer momento. Ela ficou contente, no entanto, que não tinha
precisado usar um, ela poderia guardar para mais tarde.
— Mas… encontrar tantos goblins bem debaixo da cidade…
— Isso é o que eu esperava.
Matador de Goblins segurou indiferentemente o corpo de um aventureiro. Um
pouco de carne podre tombou no chão.
O cadáver estava tão bem roído por ratos, que não era possível dizer se era
homem ou mulher, mas ele não hesitou.
Cota de malha escurecida com sangue seco. Um capacete avariado. Ele foi
provavelmente um guerreiro outrora. Seu saco de itens já tinha sido feito em
pedaços. Matador de Goblins olhou através de tudo o que os goblins já não
tivessem roubado e pegou uma espada longa, bainha e tudo, da cintura do corpo.
Ele sacou a lâmina e encontrou um fio de corte sem nenhuma ferrugem. Talvez
tivesse sido bem lubrificada?
— Eles deviam ter sido emboscados. — Um golpe na cabeça muito
provavelmente. Nem mesmo uma chance de sacar sua arma.
A espada era pesada demais para um goblin e maior que Matador de Goblins
gostava, mas não era uma arma ruim.
— Tudo bem. — Matador de Goblins assentiu, embainhando a espada de novo.
Sacerdotisa soltou um suspiro.
— Não está “tudo bem”. Posso?
— Vá em frente.
Matador de Goblins empurrou o cadáver do aventureiro para o seu lado.
Sacerdotisa se ajoelhou perto do corpo, com sua expressão sombria. Ela não
prestou atenção na água suja que molhava suas vestes brancas.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, por favor, com sua mão venerada,
guie a alma dele que tem deixado este mundo.
Segurando seu cajado, com os olhos fechados, sussurrando em um ritmo quase
musical, ela rezou, entoou e implorou.
Rezou para que as almas dos aventureiros e goblins que tinham morrido aqui,
fossem salvas pelos deuses que residiam no céu.
— Bem que poderíamos deixar ele no solo em vez de abaixo dele…
Lagarto Sacerdote, seguindo o exemplo de Sacerdotisa, colocou suas palmas
juntas em um gesto estranho, rezando pelo renascimento dessas almas.
— Embora nos conforte que, ao alimentar os ratos e insetos, vocês retornarão à
terra com o tempo.
A Mãe Terra e o temível naga. Seus deuses eram diferentes; logo, assim também
eram as suas doutrinas.
Mas no desejo da felicidade das almas dos mortos, eles eram iguais. Eles não
sabiam onde suas orações iam, apenas que havia salvação.
Sacerdotisa e Lagarto Sacerdote olharam um para o outro, sabendo que cada um
deles tinha exercido seus deveres.
— Hmm, aqui.
Olhando sem muita atenção para os dois, Alta-Elfa Arqueira puxou uma flecha
de um cadáver de goblin.
Ela verificou o broto na ponta e, satisfeita que não foi danificada, colocou a
flecha de volta na aljava.
— Só para você saber, não vou fazer como você, Orcbolg. — Ela fixou seus
olhos brevemente sobre o aventureiro armadurado com a expressão
enigmática. Suas orelhas fizeram um vuup, como se para mostrar seu humor. —
Parece que isso pode ser uma longa batalha. E eu não quero usar flechas de
goblin. Elas são tão rudimentares — resmungou ela.
Os olhos de Matador de Goblins viraram para ela. — São?
— Sim, elas são.
— Entendi.
— Deuses — suspirou Anão Xamã, tocando sua barba.
Ele tinha sua mão no saco de catalisadores, preparado com uma magia, mas…
Ele estava olhando para longe, para o preto além da luz da tocha. Como
moradores do subterrâneo, eles podiam ver bem no escuro.
— Faz você pensar quantos são.
Mas, até os seus olhos aguçados não percebia sinal de nenhum goblin.
Havia feito três dias desde que eles tinham começado a exploração dos esgotos,
e essa foi a quinta vez que eles tinham sido atacados só hoje.
Os esgotos da cidade da água foram completamente transformados em um ninho
de goblin. Aventureiros que entraram no local logo se encontraram atacados
pelos pequenos demônios.
A cadeia sinuosa de canais — realmente um labirinto — era a aliada dos goblins.
O grupo era atacado repetidamente em intervalos irregulares, e a busca
continuava sem parar; eles nunca podiam abandonar a guarda.
— Me disseram que isso é normal para aventureiros da cidade labirinto.
As queixas do homem-lagarto estoico normalmente eram a prova do preço da
fadiga que eles tinham.
Apenas batalha não teria feito isso neles, nem apenas caminhar por uma caverna.
Era a vigilância constante que usava os seus nervos.
—…
A ansiedade também era clara no rosto de Sacerdotisa. Mesmo seus passos
pareciam de alguma forma inseguros.
— Fiquem calmos.
Matador de Goblins, examinando cada centímetro do seu caminho atentamente,
foi tão contundente como de costume.
Ele tinha pego uma tocha nova de sua bolsa e acendeu, e agora estava batendo
insistentemente nas paredes.
— Essa é uma parede de pedra. É pouco provável deles virem nos emboscar
através dela.
— Por favor, não traga de volta más recordações. — Sacerdotisa franziu a testa
e tremeu. O horror daquela primeira aventura ainda assombrava ela.
— …Desculpa.
“Está tudo bem” foi tudo o que ela disse em resposta ao murmúrio silencioso de
Matador de Goblins.
Talvez Anão Xamã sentiu o que se passava entre eles, porque ele sorriu
discretamente e disse: — Pelo menos, com tanto lixo ao redor, não precisamos
nos incomodar em esconder nosso odor.
— Por favor, não traga de volta más recordações — disse Alta-Elfa Arqueira,
abanando levemente a mão.
Ela esticou seu braço e deu uma fungada em sua roupa de caçadora.
No passado, em outra passagem de ruínas subterrânea, Matador de Goblins a
tinha forçado se untar com entranhas de goblin, alegando que isso cobriria o seu
odor. Ela tinha sido capaz de lavar suas roupas e limpar seu corpo, mas ela nunca
o tinha perdoado.
— Estou avisando você, Orcbolg, se algum dia me obrigar a fazer aquilo de novo,
você vai ver.
Matador de Goblins ficou calado. Ele mexeu a cabeça de um lado ao outro
ligeiramente.
Talvez estivesse checando o cheiro da região. Depois de um longo momento, ele
respondeu:
— É, não há motivo dessa vez.
— Tsc.
As orelhas de Alta-Elfa Arqueira caíram.
Com o olho entreaberto de um atirador fixado em Matador de Goblins.
— Ei, acabei de me lembrar.
— O que?
— Orcbolg. Você nunca me pediu desculpa.
— Porque foi necessário.
Sua resposta não podia ter sido mais direta. Alta-Elfa Arqueira fez beicinho com
um “grrr” e ficou de mau humor.
— …Hmm?
Repentinamente, suas orelhas se moveram rapidamente para cima e para baixo,
e ela olhou para o teto.
— O que foi, orelhuda? — perguntou Anão Xamã.
— Uma sensação estranha… E ouvi um barulho de água. Acima de nós?
Nesse momento, uma gotícula caiu no canal… plic.
Ondulações atravessaram o esgoto. Um, dois, três.
— Hmm…
Lagarto Sacerdote pôs a língua para fora duvidosamente e lambeu o nariz.
Plim! Plim! Mais gotas caíram.
Em pouco tempo desciam sem parar.
— Isso é… chuva? — Sacerdotisa franziu a testa, olhando para o teto distante.
A superfície ribeirinha do canal estava cheia de ondas pequeninas.
Alta-Elfa Arqueira levantou sua mão livre para se proteger das gotas.
— Como pode estar chovendo no subsolo? — perguntou ela, confusa.
— Está provavelmente chovendo lá em cima. Está descendo aqui por causa das
grades ou o rio — disse Anão Xamã, afagando a barba. Ele olhou para Matador
de Goblins.
— O que me diz, Corta-barba?
— Se perdermos nossa luz, será um problema. — Matador de Goblins estava
segurando seu escudo sobre a tocha recém acesa para a proteger.
Tocha inutilizável, isso poderia acontecer muito facilmente. Nesse sentido,
lampiões eram melhores. Bem, havia prós e contras para tudo. Matador de
Goblins estalou a língua, aborrecido.
— A movimentação será mais perigosa também.
— A chuva vai resfriar nossos corpos — acrescentou Lagarto Sacerdote, com
um aceno sombrio e olhou para o grupo. — Sugiro um breve descanso. Opiniões?
A chuva os impedia tanto de avançar quanto voltar. Não houve objeções.
Uma vez que tinham decidido, os aventureiros agiram de forma rápida. Desde
que a chuva ainda estava começando, a superfície ainda estava relativamente
seca, mas se eles tardassem, acabariam por ficarem em algum lugar úmido, e eles
não queriam ficar mais frios.
Eles não tinham trazido alguma tenda com eles, mas qualquer aventureiro
decente teria roupas de chuva em seus equipamentos. Assim que todos tinham
colocado seus sobretudos de lã, se sentaram juntos em círculo.
Então, Sacerdotisa transferiu o fogo de sua tocha para um lampião e o pôs no
meio do círculo.
Não aquecia muito eles, mas era melhor que nada.
— …Ei, Orcbolg. Por que você não gosta de lampiões? — Alta-Elfa Arqueira
tocou no lampião com perplexidade, depois esfregou ele como se para limpar a
fuligem. — Basta pendurar eles no seu cinto. Você não precisa usar a mão toda
para o segurar.
— Uma tocha pode ser uma arma — disse Matador de Goblins. — Um lampião
é inútil se quebrar.
— Hum.
Alta-Elfa Arqueira pareceu desapontada com a sua resposta. Ela contraiu os
joelhos para seu peito.
Matador de Goblins olhou para o canal, ignorando as gotas que pingava no seu
capacete.
Sacerdotisa o deu um olhar compassivo.
— Você deveria pelo menos tirar o capacete… não acha?
— Nunca se sabe quando ou de onde um inimigo irá atacar.
— Sabe, Corta-barba, sempre achei que você era um pouco descuidado com seu
equipamento. Devia reparar eles.
— Sim.
Anão Xamã, sentado de pernas cruzadas, tirou uma jarra de vinho do seu saco de
catalisadores. Rompendo a rolha, ele serviu copos do inequívoco vinho de fogo,
depois, os entregou rapidamente ao resto do grupo.
O cheiro da umidade do ar se misturou com o aroma do vinho flutuando.
— Bebam. Não podemos fazer nada com um corpo congelado.
— Mas, eu…
— Eu sei. Só tome um gole, uma golada. Eu sei que é tudo que pode aguentar.
Eu não vou usar isso contra você.
Alta-Elfa Arqueira pegou o copo relutantemente, realmente receosa. Ela deu um
gole delicado, estremecendo enquanto ardia a garganta.
— Ahh…
— Continua uma jovenzinha quando se trata de bebida, não é?
— Você está bem? — perguntou Sacerdotisa.
— S-sim… Mas, uma patrulheira bêbada não vai ser nada bom.
Alta-Elfa Arqueira assentiu para Sacerdotisa, que dizia para ela não se forçar.
Por outro lado, a própria Sacerdotisa era bastante desacostumada com o vinho de
fogo. Ela simplesmente fingiu que o vinho era um remédio e tomou um gole
discreto.
O sabor poderoso ardeu na sua língua. Seus olhos percorreram ao redor
desesperadamente.
— Bem, então também quero um copo — disse Lagarto Sacerdote.
— Claro! Beba!
Em contraste dos outros, Lagarto Sacerdote, com a cauda enrolada no pé, pegou
um copo transbordando que Anão Xamã o entregou e derramou tudo
imediatamente nas suas mandíbulas enormes.
— Realmente um sabor incomparável. Eu poderia beber um barril disso.
— Mesmo com minhas artimanhas, não posso trazer um barril comigo. Tome
um pingo, Corta-barba.
—…
Matador de Goblins bebeu o vinho pela abertura em sua viseira, nunca tirando
seu olhar do canal.
A precipitação alterou para um constante aguaceiro, e a água do esgoto se mexia,
borbulhando violentamente.
Depois de um tempo, cada um deles ficou em silêncio.
O bater dos pingos da chuva em seus sobretudos, o glub do vinho sendo bebido,
suas próprias respirações fracas; havia som por toda a parte, mas o lugar parecia
estranhamente silencioso.
— Devíamos colocar algo em nossos estômagos — disse Matador de Goblins
brevemente, com uma voz calma. — Um estômago parcialmente vazio evita o
sangue de se acumular. Mas, muito vazio vamos ficar mais lentos.
— Bem, se algo simples servir…
Sacerdotisa vasculhou sua bolsa e apareceu com algo embrulhado em papel-óleo.
— Oh-ho! — Anão Xamã ficou feliz tendo sentido o alimento chegando e deu a
Alta-Elfa Arqueira um sorriso e uma cutucada com seu cotovelo. — Eu sabia.
Orelhuda, percebe como suas habilidades são inexistentes em determinadas
áreas?
— S-s-seu…!
Mas ela não teve resposta.
— …Acho que vou aprender a cozinhar — murmurou ela, à qual Sacerdotisa
ofereceu para a ensinar e sorriu.
A refeição foi pão cozido e uma garrafa de vinho tinto diluído.
Foi feita para durar um longo tempo, mas era sem sabor e frio. Eram
simplesmente rações de combate, que significava preencher a barriga e umedecer
suas gargantas.
Os aventureiros mastigaram sem prazer o pão, mas também sem reclamar.
— Tinha esperança de poder fazer algo menos simples, mas… — disse
Sacerdotisa se desculpando, se movendo enquanto limpava uma migalha de pão
de sua bochecha e a pôs na boca. — Não acho que alguém apetece comer nada
muito elaborado aqui, de qualquer forma…
— Verdade… — Alta-Elfa Arqueira deu de ombros e fez um espetáculo
segurando o nariz.
Cheio de ondas agitadas pela chuva, o canal sujo se tornou mais como um rio
sujo. O olfato desempenha um papel importante sobre o gosto de algo, e aqui, o
aroma do vinho tinto foi suprimido pelos musgos, mofos e os inúmeros outros
odores.
— Acho que só não entendo por que alguém iria querer comer no subsolo —
disse Alta-Elfa Arqueira.
— Oh-ho. Aguente aí, moça.
Você vai se arrepender quando voltarmos lá em cima, pensava o anão enquanto
ele olhava para ela com os olhos semicerrados, mas Alta-Elfa Arqueira não
mostrou sinais de perceber.
— Quando tivermos suportado esse julgamento, então faremos algo delicioso
para o nosso estômago.
Lagarto Sacerdote, que estivera a beber vinho tinto e vinho de fogo em
quantidades iguais, entrou na conversa.
Sacerdotisa concordou silenciosamente, segurando seu copo cheio de vinho de
fogo com as duas mãos.
— Agora que falou, o que há de bom para comer por aqui?
— Hmm. Realmente. Vamos ver… — Anão Xamã tocou sua barba. — Por
aqui…
— Peixe de rio frito, fígado de boi e vinho tinto — disse Matador de Goblins,
sem tirar os olhos da água.
Todo mundo olhou para ele.
— E eu ouvi que o cereal por aqui não é polido, então a massa é bastante boa.
Anão Xamã, sem nada para acrescentar, deu exageradamente de ombros. —
Vocês ouviram o cara.
— Vejo que é bastante informado, meu senhor Matador de Goblins.
— Um dos meus conhecidos é.
Lagarto Sacerdote se inclinou com bastante interesse, mas a resposta de Matador
de Goblins foi breve.
— Quando eu disse que estava vindo para aqui, me contaram sobre a comida.
Um conhecido?
Sacerdotisa pensou nas possibilidades na sua mente: Garota da Guilda, Vaqueira
ou Bruxa. Quem sabe Lanceiro ou Guerreiro de Armadura Pesada…
Ela se deu conta de quanto mais conhecidos ele tinha agora do que quando ela
tinha se juntado a ele há alguns meses e riu baixinho.
Assim, suas curtas pausas de aventuras passaram tranquilamente.
Mas, cada aventura está repleta de perigo; no campo, nenhum lugar é realmente
seguro.
Sucedia naquela hora do vinho estar fazendo seu trajeto através dos corpos deles,
aquecendo seus membros.
— …Hmm?
Matador de Goblins fez um som repentino. Ele se levantou imediatamente em
um joelho e olhou atentamente para a água.
— Algum problema, Matador de Goblins, senhor…?
— Não — murmurou ele. — …Mas fique alerta.
Sacerdotisa assentiu à sua resposta vaga.
Ele deve ter sentido alguma coisa. Sacerdotisa começou a guardar rapidamente
suas coisas em sua bolsa, mas atenta ao seu arredor. Mesmo que não houvesse
nada ali, já era hora deles continuarem.
— Vou ajudá-lo. Meu senhor conjurador, sua manta.
— Aqui.
Ninguém precisava lhes dizer o que fazer. Os aventureiros veteranos se mexiam
com rapidez e eficiência.
Alta-Elfa Arqueira, inclinada como Matador de Goblins, manteve a mão em cima
da aljava, escutando. As suas orelhas mexiam para cima e para baixo e eram as
mais astutas do grupo.
— …Alguma coisa está vindo.
Cada um deles preparou imediatamente suas armas. Matador de Goblins tirou a
espada longa que ele tinha acabado de recolher, Lagarto Sacerdote uma espada-
presa. Sacerdotisa segurou ansiosamente seu cajado; Anão Xamã tinha sua
funda; e Alta-Elfa Arqueira pegou uma flecha de sua aljava.
— Corta-barba!
— Certo.
Matador de Goblins pegou o lampião de Anão Xamã com sua mão esquerda, a
mesma com o escudo amarrado. Não havia tempo para acender uma tocha.
Deveria ele segurar o lampião em sua mão?
Não. Ele o pendurou em sua cintura em vez disso.
Todos eles olhavam para além da chuva, para o outro lado do canal, na qual a
névoa baixa tinha dispersado em uma neblina fina.
Dessa vez, todos eles podiam ouvir claramente o som de pancadas na água.
Não eram ondas. Algo estava chegando pela água na direção deles.
Sem hesitação, Matador de Goblins alinhou a luz do lampião ao nevoeiro fino.
Eles puderam distinguir uma embarcação rudimentar, como uma jangada,
modelada com troncos.
— Goblins!
No instante seguinte, os monstros na jangada atiraram com seus arcos artesanais.
Seus disparos faltavam precisão, mas no espaço estreito, eles caiam como chuva
sobre eles.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda
segurança para nós que somos fracos…!
Não só as flechas, mas até as gotas de água pararam milagrosamente de cair sobre
eles.
A barreira intransponível deu um ligeiro lampejo. Em seu centro estava
Sacerdotisa, segurando seu cajado com as duas mãos. A oração tinha custado
parte de seu próprio espírito, mas tinha alcançado o céu, e a toda-misericordiosa
deusa tinha concedido o milagre de Proteção.
— Não consigo o manter por mu…
— É o suficiente.
Sacerdotisa estava começando a suar, mas Matador de Goblins a tranquilizou
brevemente. A espada longa já estava na sua mão direita, e seu escudo estava na
sua esquerda. — Quantos são? — perguntou ele.
— Já perdi a conta! — respondeu Alta-Elfa Arqueira, conforme ela prendia outra
flecha no seu arco, e a corda do arco esticada cantou quando ela a soltou. — O
que você vai fazer?
— O que sempre faço — disse Matador de Goblins, indiferente à chuva de
flechas. Ele girou a espada longa na sua mão em um apoio inverso. — Matar
todos os goblins.
Ele segurou a espada acima da cabeça e então, quase rápido demais para se ver,
ele a lançou.
Já que não havia intenção de prejudicar Sacerdotisa, a lâmina podia passar pela
barreira Proteção, de acordo com as regras.
A espada passou cortando as flechas que vinham e trespassou a cabeça do goblin
que parecia ser o chefe. Ele nem sequer teve tempo para gritar quando caiu no
esgoto, e o cajado que ele estava segurando atingiu a água com um
impressionante splash.
— GROOARRB!!
— GAROOROROROR?!
Os goblins começaram a uivar pela perda de seu xamã, e por um momento, o
ataque titubeou.
— Foi um. Quantas magias ainda tem?
— Muitas. As tenho poupado! — respondeu Anão Xamã a ele, colocando uma
pedra preciosa na sua funda e disparando.
— …Túnel, então. Nos faça um buraco.
Seus olhos arregalaram com a instrução franca.
— Não seja tolo. Quer destruir a cidade ali de cima?!
— Não para cima. Para baixo.
Matador de Goblins levou a mão na sua bolsa.
— Escave sob o canal e o drene — disse ele, como se isso fosse a coisa mais
óbvia do mundo.
— Uma cidade é como uma máquina primorosamente elaborada! — gritou Anão
Xamã. — Perturbe uma coisa só, e os esgotos podem transbordar!
— Não é fogo. Não é água. Não é gás venenoso.
Sua perplexidade teria sido cômica em qualquer outro momento, mas nesse
momento Alta-Elfa Arqueira gritou para ele: — Outra coisa!
— …Hum.
Matador de Goblins ficou calado, então começou a vasculhar sua bolsa.
Os goblins, é claro, não ficaram de braços cruzados. Eles dispararam flechas tão
rapidamente quanto poderiam, com sua jangada cada vez mais próxima da
margem.
Sacerdotisa, com suas mãos ainda no seu cajado, exclamou:
— Não consigo aguentar mais…!
— Você não tem mais um daqueles pergaminhos Portal, tem? — disse Anão
Xamã.
— Se eu tivesse, teria trazido.
A tática que ele tinha utilizado contra o ogro ainda estava bem viva em suas
memórias, porém, um pergaminho Portal era um item muito valioso e difícil de
conseguir. A parte que fazia Matador de Goblins singular, era sua vontade de
usar algo tão precioso sem sequer hesitar. Afinal de contas, ele tinha
provavelmente a intenção de usá-lo contra goblins em algum momento.
Enquanto falava, Matador de Goblins tirou uma coisa da bolsa.
— Você tem uma estratégia? — indagou Lagarto Sacerdote.
— Atacamos no momento que Proteção desaparecer — respondeu Matador de
Goblins.
— Claro.
— Goblins ou a jangada? Qual é o melhor?
— A jangada, eu suponho.
— Está bem.
Com essa breve troca de palavras, Matador de Goblins se virou para Sacerdotisa.
A garota estava agarrada ao seu cajado com toda sua força; ela mal poderia
poupar o esforço para olhar para ele.
Matador de Goblins olhou para cima por um instante. O que dizer a ela?
— …Lance Proteção de novo. Consolide nossa defesa.
— S-sim, senhor!
Sacerdotisa assentiu firmemente. Matador de Goblins soltou um suspiro. Sua
mão direita vazia se abria e fechava.
Ele precisava de uma arma. Se calhar, ele podia ao menos encontrar uma faca
em algum lugar…
— Só um momento, meu senhor Matador de Goblins.
Lagarto Sacerdote pegou uma presa de besta de sua bolsa e a agarrou com um
gesto estranho.
— Ó asas falciformes de Velociraptor, rasgue e dilacere, voe e cace…
Uma oração para seus veneráveis antepassados. Um apelo a seus antepassados.
Suas duas mãos escamadas passaram pela presa, a imbuindo com o poder do
temível naga. Enquanto falava, ela cresceu e se transformou em uma
Espadagarra.
— Creio que esse é o tamanho de lâmina que você prefere. Ah, mas… tente não
a arremessar. Se puder.
— Posso tentar.
Matador de Goblins pegou a lâmina oferecida com mão hábil. Nada mal.
— Apenas… um pouco… mais…!
A barreira invisível estava começando a chiar sob o incessante disparo de flecha.
O ruído se transformou em uma fissura, e depois o escudo se partiu em partículas.
— Fechem os olhos e a boca, e não respirem. Lá vai!
No instante seguinte, Matador de Goblins arremessou o ovo com a mão esquerda
diretamente na jangada.
— GARARAOB?!
— GRORRR?!
Gritos.
Pimenta triturada e pedaços de cobra misturados em uma casca de ovo quebrada
no ar. Os olhos dos goblins enlouqueceram. Eles se sufocaram com a mistura e
esbracejaram com a dor.
Cortando através da névoa vermelha, Matador de Goblins e Lagarto Sacerdote
pularam a bordo do navio. A jangada balançou com seus pesos, mandando um
ou dois goblins para a água suja.
Um grande salpico e um borrifo. Gotículas caíram.
— Hmm.
Matador de Goblins grunhiu quando ele pôs as criaturas se esforçando para
manter seu equilíbrio na embarcação chacoalhante. Nisso, um goblin aproveitou
o momento para o agarrar por trás. Com o escudo, ele lhe deu um golpe ressoante.
Clang. — GAROU!
— …Então você tem armadura, não é? — cuspiu Matador de Goblins aborrecido.
Sem abrandar, ele girou, chutando os goblin uivante claramente da jangada.
— GROOROB?!
A criatura lutou vigorosamente para sair do esgoto, mas sua armadura era muito
pesada.
Finalmente, o rosto horrendo deslizou para debaixo da superfície. Algumas
bolhas surgiram, e então o goblin, como uma peça de tabuleiro, desapareceu.
— Hmm.
Em um único movimento, Matador de Goblins atingiu um monstro próximo com
a parte plana da sua espada. O goblin e as lágrimas imundas que ele estava
chorando foram impotentes na água.
— GAROOARA?!
— É mais fácil simplesmente os empurrar para fora.
— Ó, temível naga! Veja as ações do seu filho em combate!
A única resposta de Lagarto Sacerdote a Matador de Goblins foi gritar essa
oração e saltar aos goblins.
Quando os goblins começaram a recuperar suas visões, eles largaram seus arcos
de lado e brandiram loucamente suas espadas.
Mas eles eram muito lentos.
Eles caíram para as garras, presas e cauda, para espada e escudo, punhos e pés.
Com movimentos ágeis e táticas bem estudadas, os dois guerreiros fizeram o
caminho de uma extremidade da jangada à outra.
Goblins eram fracos, afinal.
Em uma batalha frente a frente com aventureiros experientes, o goblin normal
não tinha nenhuma chance. Algumas das criaturas saltaram para o esgoto em
pânico. Tendo esquecidas de que não podiam nadar, elas afogaram rapidamente.
— Dezesseis.
Ainda assim, os goblins não tinham perdido a sua vantagem principal.
— Mas, nós podemos estar em grande dificuldade. São muitos.
Que era dizer, números.
Quando um era morto, mais dois aparecia; quando dois afogavam, quatro
surgiam. Quatro se tornou oito. Oito se tornou dezesseis. Dezesseis se tornou
trinta e dois.
Quantos goblins cabiam em uma pequena jangada?
— GOOORRB!
— GROB! GOOBR!!
Os dois aventureiros encontraram a multidão de goblins e mataram uma após
outra. Mas não havia fim para elas.
Embora fossem mais do que dois aventureiros.
— GRRB?!
Uma flecha ponta-broto voou através do ar.
Centrado inteiramente na ameaça diante dele, o goblin não percebeu isso até que
a haste fosse enfiada em seu olho e ele estivesse caindo no chão.
— Um elfo nem sequer precisa dos olhos abertos para fazer seu disparo!
Foi, é claro, Alta-Elfa Arqueira, de pé na margem.
Suas orelhas estavam erguidas, e ela disparava flechas mais rápido do que os
olhos podiam ver. Rapidamente, tão rápido que todas as outras coisas pareciam
inferior em comparação.
Entre aqueles que possuíam palavras, não havia ninguém que conseguia atirar
melhor do que um elfo. Mesmo no furor da batalha, suas flechas atingiam apenas
seus alvos. Em uma respiração, ela tinha esvaziado sua aljava, mas isso não
significava que estivesse sem flechas.
Com um estalido desagradável, Alta-Elfa Arqueira apanhou algumas flechas dos
goblins de há pouco.
— Essas coisas são tão rudimentares.
Mas rudimentar ou não — mesmo que a ponta das flechas fosse feita de pedra
— a elfa não erraria.
Um goblin, ficando impaciente, pegou um arco de novo. Agachou-se, usando
seus amigos como escudo (jogando sujo, como os goblins estão acostumados a
fazer), e se preparou para disparar a esmo das sombras.
Na verdade, para um goblin, seu objetivo era bastante cuidadoso.
— ORGGGG…
Seu alvo era aquela pequena elfa impertinente.
A corda bruta do arco fez um chiado quando ele a esticou.
Uma elfa. E sendo assim, uma mulher. Seria divertido pegar ela viva…
entretanto, matar ela também seria agradável.
Ele dispararia no olho dela. Ou talvez na orelha? Com um sorriso medonho, ele
soltou a flecha…
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda
segurança para nós que somos fracos!
Ela nunca chegou perto de Alta-Elfa Arqueira, mas apenas rebateu para longe
com um ruído.
A toda-misericordiosa Mãe Terra dificilmente poderia recusar a súplica da sua
discípula, não é?
No momento seguinte, o pretenso goblin arqueiro foi vítima de uma das flechas
de Alta-Elfa Arqueira.
— Obrigada.
— Sem problema. Tenho que pagar o favor, também…
Alta-Elfa Arqueira piscou para a garota próxima a ela. Sacerdotisa sorriu
calorosamente e manteve sua oração.
— Posso os manter longe da nossa fileira traseira — disse Sacerdotisa. — Conto
com você para lidar com o ataque!
— Parece um bom plano! E tenho a coisa certa aqui!
Foi Anão Xamã que respondeu ela, vasculhando o saco de catalisadores que ele
tinha conservado tão cuidadosamente até então.
Ele tinha um punhado de barro em cada mão.
As bordas dos lábios de Alta-Elfa Arqueira se tornaram um sorriso, mas ela
nunca olhou para longe da jangada dos goblins.
— Já sabemos, apenas vamos logo com isso! Os anões demoram uma eternidade
para fazer qualquer coisa!
— Ponha uma pedra nisso. Você tem seu estilo de luta, e eu tenho o meu.
Anão Xamã começou a enrolar cada punhado de barro em uma bola.
Ele soprou sobre eles, murmurando algo, então deu um grande berro:
— Corta-barba, Escamoso! Para trás!
No mesmo instante, ele lançou as bolas de terra pelo ar. Seus lábios
transbordaram com palavras de poder.
— Saiam, seus gnomos, é hora de trabalhar, não se atrevam a fugir de seu dever,
um pouco de pó pode não causar choque, mas mil fazem uma bela rocha!
Enquanto observavam, as pequenas bolas se transformaram em rochas enormes
e se espatifaram contra o barco.
Impacto Pétreo melhorado com um influxo de poder espiritual para ser ainda
mais imponente que o normal.
— M-meu senhor Matador de Goblins!
— Certo.
Os dois aventureiros na jangada trocaram um olhar rápido, então atravessaram
pelos goblins fugindo, dando um grande salto para à costa.
Atrás deles, houve um rugido, e o esgoto espirrou como um gêiser. Gotas das
coisas sujas caíram sobre Matador de Goblins e Lagarto Sacerdote quando eles
rolaram para a terra firme.
A jangada afundou para o fundo do esgoto, com os goblins, bem como todo o
resto. Alguns monstros tinham escapados por um triz, mas suas armaduras os
arrastaram para o fundo e desapareceram.
Ninguém falou enquanto viram tudo isso acontecer.
A chuva nunca tinha diminuído; sentiram frio à medida que pararam,
avermelhados com o calor do combate. Suas respirações vaporizavam; o cheiro
de sangue e esgoto se ergueu à volta deles.
Alta-Elfa Arqueira perguntou com a voz um tanto tensa:
— Então, o que vamos fazer agora?
— …Me dê um tempo — disse Anão Xamã melancolicamente. Ele pegou sua
jarra de vinho e retirou a rolha. — Aquele truque de agora pouco realmente me
cansou.
Ao lado dele, Sacerdotisa deslizou debilmente de joelhos.
— Vamos… descansar, por um momento. Eu preciso, muito…
— Não. — Matador de Goblins balançou a cabeça.
Apesar de terem acabado de passar por uma batalha campal, ele não parecia estar
ofegante; ele estava olhando categoricamente para a água.
— Temos de se mover imediatamente.
— O que…?
Sacerdotisa levantou os olhos para ele vagamente.
Ele olhava em volta atentamente, ainda mantendo as armas nas duas mãos.
— Concordo. — Lagarto Sacerdote assentiu, fazendo seu gesto estranho com as
palmas juntas. — Essa batalha não foi silenciosa. Mesmo com a chuva para
atenuar o barulho…
Algo mais deve ter nos notado.
Assim que ele disse isso…
Houve outro splash.
Alta-Elfa Arqueira olhou para a água com uma expressão sombria.
— Escapar dos goblins apenas para ser apanhado pelos lobos, não é? — Ela
estremeceu quando invocou o velho proverbio.
A superfície do esgoto se agitou; ondas surgiam e começaram a ondular com
mais intensidade.
No instante seguinte, uma mandíbula enorme surgiu da água obscura.
— AAAAAARRRIGGGGGG!!!!
No momento depois disso, os aventureiros decidiram por uma retirada
estratégica.
Eles correram para se salvar da chuva, se espalhando por toda parte. Eles foram
abrindo caminho sem hesitar, apesar da semiobscuridade dos esgotos. Isso foi só
porque eram liderados por Alta-Elfa Arqueira e Lagarto Sacerdote, cuja
agilidade os ajudou a se movimentar através da escuridão e pelos pequenos
obstáculos à volta. Sacerdotisa e Anão Xamã seguiram seus rastros.
A sacerdotisa esbelta e o anão corpulento não eram corredores naturalmente
rápidos. Matador de Goblins, com o lampião ainda pendurado na cintura, os
protegia conforme corria o mais rápido que seus pés conseguiam.
Atrás deles, a superfície da água se revirou outra vez.
Ele arriscou uma olhadela para trás. A enorme mandíbula branca preencheu sua
visão: transbordando com muitos dentes afiados, longos e estreitos. A boca que
surgiu para fora da escuridão era mais que suficiente para morder metade de uma
pessoa.
A mandíbula fechou no ar e afundou de volta na água, mas estava gradualmente
ganhando terreno.
— Concluí uma coisa do que pude observar — disse Matador de Goblins, com
sua respiração normal. — Isso não é um goblin.
— Eu mesma poderia dizer isso! — gritou Alta-Elfa Arqueira, que não tinha
olhado para trás para ver a besta por si mesma.
Existem monstros chamados aligátores, também conhecidos como “dragões do
pântano”.
Dragão é apenas um nome; eles são mais intimamente relacionados com lagartos.
Eles não eram as criaturas da lenda.
Eles eram, no entanto, medonhos: seus corpos e mandíbulas longas e compactas,
os forçavam a rastejar. Ainda assim, um aligátor atravessando a água com sua
cauda longa não tinha graça nenhuma.
Nesse lugar, o aligátor branco avançando na direção deles era para se temer mais
do que qualquer besta mitológica.
— Ei, Escamoso! Esse não é o seu primo? Faça alguma coisa em relação a ele!
Anão Xamã estava usando suas pernas atarracadas com toda as suas forças.
Saliva voou da boca quando ele gritou.
— Muito lamentavelmente, quando entrei para o clero, tive que abandonar todos
os laços com a minha família.
— O que, você nunca sequer volta para a casa?
— É muito longe.
Com uma respiração profunda, Lagarto Sacerdote tirou os pés de Anão Xamã do
chão com uma rasteira da sua cauda.
— Uouuu?! — exclamou Anão Xamã quando suas pernas deixaram o chão e
flutuou pelo ar.
Aproximadamente quando ele esperava voltar ao chão, ele sentiu um grande
braço escamoso à sua volta, o segurando. Lagarto Sacerdote não desacelerou
nem por um momento quando ele agarrou Anão Xamã e continuou a correr.
Aqueles olhos únicos do homem-lagarto se moveram rapidamente.
— E para ficar claro, conjurador, essa serpe não tem nenhuma relação conosco!
— Oh-ho! Eu gosto disso! Simples e fácil!
Aparentemente inalterado pela observação do seu amigo, Anão Xamã cavalgou
no ombro de Lagarto Sacerdote, rindo o tempo todo.
— De onde vocês acham que ele v-veio? — perguntou Sacerdotisa atrás deles,
lutando para poder respirar.
Rezar aos deuses põe uma pressão terrível na alma e o espírito. Não é mais fácil
do que o combate físico. Consequentemente, ela estava quase sem fôlego, com
os pés cambaleantes; ela achava que poderia cair a qualquer momento.
Matador de Goblins deu um estalo com a língua e a pegou pela cintura fina.
— O qu…?!
— Tenha sua respiração de volta sob controle.
Sacerdotisa deu um berro, assustada, mas depois da breve resposta de Matador
de Goblins, ela se viu envolvida debaixo de seu braço.
Ela chutou e retorceu de vergonha, tanto pela sua proximidade física e de ser um
fardo literal para ele.
— Eu… Eu estou bem! V-você não precisa me carregar…
— Pare de se debater. Vou te deixar cair.
— Ahh…
— Você tem mais um milagre sobrando, certo?
Seria um problema se ela colapsasse aqui e agora, suas palavras a informaram.
— Precisarei que você use outra magia.
Depois de um momento, as bochechas de Sacerdotisa coraram, e ela respondeu
baixo: — Está bem.
— Acho que seria sensato para nós sairmos do canal — disse Lagarto Sacerdote.
Segurando Anão Xamã em seu ombro com uma mão, ele alcançou facilmente
sua bolsa com a outra mão e pegou o mapa.
Ele continuou correndo, lendo o mapa mesmo enquanto as gotas da chuva
começaram a cruzar ele.
A umidade e a chuva, até mesmo o ar abafado, eram amigos de Lagarto
Sacerdote, que tinha crescido no meio da selva.
— Vamos lhe dar o anão! Poderemos escapar enquanto o monstro está jantando!
— Alta-Elfa Arqueira, saltando através da chuva como uma corça, disse com
sinceridade evidente. — Tenho certeza que vai ter uma intoxicação alimentar!
— Como se os elfos fossem tão nutritivos!
Sacerdotisa interrompeu Alta-Elfa Arqueira e Anão Xamã, apontando em frente
com seu cajado.
— A-alguma coisa está vindo pela nossa frente, também!
As orelhas de Alta-Elfa Arqueira agitaram para cima e para baixo, ouvindo
atentamente.
Splash. Algo estava acertando a água. Três coisas, na verdade. Remos? Ela
conhecia o som.
— Mais goblins? — disse ela, exausta. Ela parecia estar sentindo a batalha
anterior.
Outra embarcação cheia de goblins estava se aproximando pelo canal sombrio.
— O-o que devemos…? — Sacerdotisa olhou acima para Matador de Goblins
com olhos assustados.
— ……
Ele não disse nada como resposta, mas, em vez disso, apagou a luz do seu
lampião o molhando.
— Sacerdote — disse ele. — O caminho se ramifica em algum lugar mais à
frente?
— Presumo que sim. Esses esgotos são bastante labirínticos. — Lagarto
Sacerdote passou a garra pelo mapa enquanto respondia.
— Espera aí, não sei o que você está pensando, mas gás venenoso e fogo…
— Não é permitido. Eu sei — disse Matador de Goblins a Alta-Elfa Arqueira.
Ele deu um pequeno suspiro.
— Vamos seguir o teu plano.
— …?
Alta-Elfa Arqueira e Anão Xamã trocaram olhares perplexos.
Os goblins se esforçavam para fazer seu navio de guerra (ou o que parecia um
navio de guerra dentre os goblins) ir mais rápido. O líder deles, um xamã,
colocou seu cajado à frente e, com um grito, instou seus remadores a remar com
mais força.
Já tinha passado algum tempo desde que sons de combate tinha deixado de ecoar
pelos esgotos. Muito provavelmente, seus camaradas já estavam mortos, mas
isso estava bem. O que interessava era que os aventureiros, seus inimigos e
presas, estavam cansados. Eles não poderiam deixar essa oportunidade passar.
Os goblins estavam nos seus limites. Esses tuneis eram agradavelmente úmidos,
mas essa chuva estava aumentando sem controle. Goblins não se importavam
com sujeira ou esgoto, mas isso não significava que gostavam de se molhar. Eles
queriam um lugar quente para dormir. Eles queriam uma boa comida.
E se tivessem prisioneiros para atormentar, melhor ainda. Parecia ter passado
tanto tempo desde que eles tinham torturado e assassinado alguns aventureiros
que tinham entrado nos esgotos algum tempo atrás.
Era por isso que eles tinham que aproveitar essa oportunidade.
Quem sabe teria um elfo entre esses aventureiros. Ou um humano. Mulher, se
calhar. Tinha que ter!
Eles cantavam uma canção horrível de goblin enquanto seguiam remando,
completamente fora de sincronia entre si. Como muitos dos barcos daqueles que
possuíam palavras, toda a tripulação abordo do navio de guerra goblin era
soldado. Um navio teria sido vulnerável. Mas, essa frota de três embarcações não
daria tempo para um grupo inteiro de aventureiros novatos piscar.
Ou assim os goblins acreditavam, independentemente do que a realidade poderia
ser. E isso os fazia perigosos. O pensamento de que eles ainda seriam fracos
mesmo em um grupo, nunca passou pelas suas mentes. Com seus rostos
perversos de desejos, saliva pingando de suas bocas, eles se dedicaram
energeticamente para remar mais rápido.
Os olhos do xamã, perfeitamente capazes de enxergar na escuridão, se fixaram
em um ponto único de luz, um brilho cintilante que só podia ser um lampião de
aventureiro. Desafortunadamente, humanos precisavam de luz, pois a escuridão
os deixava cegos. Nas profundezas desses buracos escuros, os goblins eram os
mais poderosos.
Com apenas a certeza da vitória, eles foram em direção à luz,
despretensiosamente.
Mas não viram nenhum aventureiro. Na realidade, descobriram que a luz era
apenas um reflexo na água.
— ORAGARA!
— GORRR…
O xamã estava desconfiado; ele deu a um dos seus subordinados uma pancada
com seu cajado e uma repreensão praguejante. O goblin, que teve apenas o azar
de estar perto, deu uma vasculhada na água, com uma cutucada pouca metódica
com o remo.
Então:
— ORAGA?!
O goblin tinha perdido a cabeça.
A mandíbula pálida do monstro surgiu para fora da água.
— GORARARARAB!!
— GORRRB! GROAB!!
Os goblins criaram uma baderna enquanto se apressavam para os postos de
combate. Envoltos no clima de pânico, vários pularam na água tentando fugir.
Outros ficaram e lutaram.
Não importava. Os goblins mais perto da água foram os primeiros a serem
despedaçados.
O xamã balançou seu cajado furiosamente e começou a entoar uma magia…
— Parece que eles têm o número, mas nós temos a vantagem — observou
Lagarto Sacerdote.
— Hmm. Não posso dizer que sinto pena deles — respondeu Anão Xamã.
Os aventureiros viram tudo da escuridão de um lado do caminho.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, conceda tua luz sagrada para nós
que estamos perdidos na escuridão.
Sacerdotisa rezou para a Mãe Terra, protegida da chuva pelo escudo de Matador
de Goblins. Em resposta a sua oração, a toda-compassiva deusa enviou o milagre
Luz Sagrada sobre a cauda do aligátor.
— Se não posso usar gás, fogo ou água, isso é o melhor que consigo fazer.
Matador de Goblins soou mais do que um pouco irritado. Observando-o cansada,
Alta-Elfa Arqueira tentou o confortar.
— Tanto faz. Nós sobrevivemos, é isso que importa.
Isso é o que aventuras deviam ser! Ela inalou e estufou seu pequeno tórax. Ela
estava bastante satisfeita, conforme era obvio pelas suas orelhas balançando
muito alegremente.
— Embora eu não possa acreditar que eles caíram em um truque simples com
um pouco de luz.
— Eles aprenderam que aventureiros se movimentam com luz.
— Sério?
— Não sei quando, mas em algum momento, se tornou senso comum entre eles
— disse Matador de Goblins, assistindo a batalha no esgoto se desenrolar. —
Eles não são mais do que saqueadores. Não fazem ideia de como produzir
qualquer coisa.
Ele estava certo. Goblins faziam clavas e ferramentas de pedra ou, talvez,
moldavam outros equipamentos para servirem para si, mas nada mais do que
isso. Itens, alimento, animais… Eles roubavam o que precisavam em vez de
produzirem.
E por que não? Aldeias cheias de humanos estúpidos estavam apenas esperando
por eles para virem e tomarem o que quisessem. Desde que eles pudessem saciar
a si mesmo através do roubo, não havia nenhuma razão para fazer outra coisa.
Contanto que eles pudessem conseguir meninas e aventureiras o suficiente, assim
seria.
— Mesmo assim, fracos como são, eles não são tolos — continuou Matador de
Goblins, embora não tenha deixado sua atenção vagar da batalha. — Eles
aprendem a usar itens com rapidez. Caso você mostre a eles como construir um
barco, eles iriam entender em pouco tempo.
— Você os conhece muito bem — disse Alta-Elfa Arqueira.
— Tenho estudado eles atentamente — respondeu Matador de Goblins sem
demora. — É por isso que tenho cuidado para nunca dar a eles uma nova ideia.
Eu os mato em vez disso.
Encostado na parede, Anão Xamã acariciou a barba.
— Então, está dizendo que alguém ensinou eles como construir aqueles barcos.
— Sim.
Sacerdotisa terminou sua oração e soltou um suspiro. Ela limpou o suor e a chuva
da testa.
— Tem certeza? Quem sabe o xamã inventou com eles…
— É possível. Mas, se seus números aumentaram aqui naturalmente, então
aquele… o que quer que aquela coisa seja…
— Hum… o aligátor? — propôs Sacerdotisa.
— …Certo. Aquela coisa não teria surpreendido eles. Não acho que eles teriam
usado barcos se eles tivessem sabido disso. — Ele murmurou, então acrescentou:
— Covardes até a alma.
— Onde quer chegar, meu senhor Matador de Goblins? — perguntou
calmamente Lagarto Sacerdote.
Matador de Goblins parecia ter alguma coisa específica em mente. Sua resposta
foi bastante mordaz.
— Essa infestação de goblins é causada por alguém.
Matador de Goblins esperou até o barulho da batalha diminuir, então sugeriu uma
suspensão temporária.
Ninguém se opôs. Eles não tinham mais magias ou flechas. Eles não tinham itens
suficientes e a força deles estava acabando. Eles caminharam silenciosamente
nos esgotos sombrios, deixando a batalha entre os goblins e o aligátor para trás.
Algum tempo depois eles chegaram a uma escada. Subiram à superfície só para
serem recebidos por gotas grandes de chuva. Sacerdotisa já estava encharcada,
mas as gotas continuavam a cair. Ela virou seu rosto cansado para o céu. Com
uma voz baixa, murmurou:
— Não parece que a chuva vai parar.
Interlúdio: Do Jovem Rei
Muito bem. Primeiro, o assunto do Senhor Demônio, que já deveria ter sido
tratado.
Os sábios já estão investigando devido aos rumores de alguns elementos
indesejáveis propagando doutrinas malignas. Enquanto aguardamos seus
relatórios, informe os governantes para que possamos estar preparados para
responder a qualquer momento caso ela nos contate.
Próximo… o que é isso? O aumento do preço das poções?
Entendo. A demanda está aumentando e a oferta não consegue acompanhar. Uma
preocupação muito séria. Como os aventureiros, mercadores, moradores e até os
monstros aumentaram mais a atividade, cada vez se vê mais feridos…
Muito bem. Abra o jardim real de ervas a todos os médicos associados ou apoie
clínicas gratuitas.
Dado ao estado que o mundo chegou, acho que não há outra escolha. Mas, não
vou flexibilizar o limite da colheita. Esteja mais alerta do que nunca para quem
tentar colher ilegalmente. Lide com esse tipo de pessoa firmemente, mas com
justiça, com exceção de casos de legitima defesa justificado.
O próximo é… Hmm. Um informe periódico da Associação dos Aventureiros.
Isso pode esperar.
Ministro, elabore um resumo desse relatório, realçando apenas os feitos dos
ranques Prata e superiores. Depois, encontre alguém com o tempo para ler isso e
procurar qualquer coisa relacionada com os Deuses das Trevas ou os Deuses
Demônios.
Próximo… a aliança com os elfos, anões e os homens-lagarto, é isso?
Deuses. Diplomacia com semi-humanos… Me perdoe, isso já não é mais
educado, é? …Com os outros povos é sempre tão trabalhoso. Não é que eles não
sejam dignos de confiança, mas, suas culturas são tão diferentes, e não posso os
ter circulando livremente através de meu território. Vamos os receber de todas
as formas possíveis, mas não baixe sua guarda. Não quero nenhum problema.
Sim… provisões. Nós não podemos esquecer dos materiais para as nossas
próprias tropas. Como está a constituição da unidade de transporte chegando?
Ouvi dizer que muitos dos ranques mais baixos trazem suas próprias refeições.
E o próximo… propostas para lidar com o prejuízo dos goblins, estou vendo.
De Donzela da Espada. Quê, outra vez? Não tenho homens suficiente para enviar
o exército contra todos os monstros selvagens que invade uma aldeia. Temos
outros problemas! Deuses das Trevas! Deuses Demônios! Não podem eles lidar
com os goblins por conta própria?
Sim, tal é a minha vontade sobre essas questões… Hmm? Ministro, eu disse que
o relatório da associação pode esperar…
……O que é isso? Dos sábios? …
…Bem, agora. Parece que um deles não apenas encontrou uma pista dos planos
daqueles diabólicos, mas também estão se movendo para o neutralizar. Ah, é
bom termos ajuda de alguém que podemos confiar! Acho que podemos dizer
com segurança que vimos o último desse pequeno problema.
O quê? Porque um aventureiro Platina — um dos nossos grandes heróis — está
indo lidar com isso!
Capítulo 4: Entre Aventuras
— Ahh…
Sacerdotisa deixou um sorriso espalhar por todo seu rosto quando o vapor quente
envolveu seu corpo nu, gelado pela chuva.
Além da porta aberta, havia uma vasta área de mármore branca, cheia de
esculturas elegantes, mas não ostensivas. A sala estava cheia de bancadas para
relaxar no meio do vapor do banho e o seu aroma levemente doce.
A área mais íntima alojava uma estátua da Deidade da Bacia, a bela deusa do
banho. Água fluía continuamente para o balde de lavar da boca de, entre todas
as coisas, um leão. O lugar era extremamente luxuoso. A água vinha
presumivelmente dos rios que passava por toda a cidade.
Isso nunca teria sucedido no Templo da Mãe Terra, em que seus adeptos
estimavam a pobreza e mal tinha um pano para se lavarem. Esse, no entanto, era
o grande banheiro do Templo da Lei, uma sauna. Era uma instalação única dos
Templos do Deus Supremo, que tinha ordenado que aqueles que administravam
a lei deviam ser puros de corpo.
E esse era o mais elaborado dos Templos da Lei na fronteira, palavras
dificilmente poderiam descrevê-lo.
— …Certo. Só por hoje. — Com uma mão, Sacerdotisa segurava uma toalha
para cobrir o seu adorável peito; com a outra, ela fez o sinal da Mãe Terra.
Sua pele, normalmente coberta pela cota de malha e uma vestimenta de
sacerdotisa, era um branco quase translúcido. Sacerdotisa entrou no banheiro
alegremente, com a pele umedecendo no vapor. Felizmente, nenhum outro
banhista estava por ali, em parte por causa da hora tardia, então ela não hesitou
pegar uma concha transbordando com água de um balde de lavar.
— Oh…!
O perfume que flutuava ao redor do local vinha dos óleos aromáticos derramado
no balde.
Ela nunca tivera o impulso de se vestir com elegância desde que tinha sido
transferida para se juntar ao clero, mas no fundo, ela se lembrou das garotas
elegantes que tinha encontrado dias antes.
— Bem, percorri um longo caminho até aqui, afinal. Está tudo bem.
Ela olhou para a esquerda e para direita, depois se virou para a estátua da Deidade
da Bacia feito de Pedrassauna. A estátua, aquecida a uma temperatura
elevadíssima, ferveu a água em um instante, preenchendo o lugar com vapor
perfumado de rosa. A deusa estava retratada como uma mulher nua; para
balancear, havia uma estátua de um velho no banheiro masculino.
Ou assim ela tinha ouvido, Sacerdotisa mesma, é claro, nunca estivera no
banheiro masculino.
Se dizia que a Deidade da Bacia contava aos banhistas suas fortunas, mas ela não
tinha um templo próprio, nem fiéis. Ou talvez, poderia ser dito que todos os
banheiros era seu templo e todos os banhistas eram seus fiéis.
Sacerdotisa, envolta em vapor, estava muito grata por estar entre os fiéis da
deidade. Ela se sentou em um banco com um som silencioso. Em seguida, ela
pegou um adorno encontrado em toda casa de banho; um ramo de bétula-branca.
Ela o roçou contra seu corpo muito suavemente, quase como se acariciando si
mesma.
— Humm…
Seus músculos, embora rígidos e cansados das longas horas no subsolo,
começaram a relaxar. Alguns minutos depois, quando tinha terminado com a
bétula, sua pele nua brilhava com um leve rosado. Ela soltou um longo suspiro,
se encostando contra o encosto da bancada longa.
— Todos os outros deviam ter vindo comigo…
Ela tinha perguntado se a elfa queria vir, mas tinha recebido um não vigoroso
com a cabeça como resposta.
— Isso é como… se os espíritos do fogo, água e ar estivessem todos misturados.
Eu não gosto muito disso.
O anão e o homem-lagarto tinham expressado uma preferência pelo vinho e
comida sobre os banhos e partiram para a cidade.
E depois havia Matador de Goblins.
Ele tinha dito alguma coisa estranha sobre enviar uma carta e logo depois
desapareceu.
— Oh! Eu vou também! — Alta-Elfa Arqueira tinha dito e foi atrás dele, e
Sacerdotisa não podia dizer que não entendia como a arqueira se sentia.
Senhor Matador de Goblins…
Sim, foi nele em que os pensamentos de Sacerdotisa se estabeleceram.
— Deuses… Já se passaram meio ano…
Meio ano desde que ela tinha quase morrido naquele covil de goblins. Desde que
ele tinha salvado sua vida.
Ainda hoje, sonhava com essa aventura. Algumas vezes ela não se via como ela,
mas como uma das garotas sequestradas pelos goblins. Às vezes ela tinha um
sonho passageiro que ela e os outros três novatos tinham atravessado a aventura
em segurança.
Ambos foram uma possibilidade para ela.
O que ela deveria ter feito, naquele dia, naquela hora? O que ela havia de ter
feito?
Se.
Se ela tivesse acabado sua primeira aventura com sucesso…
Ela certamente não conheceria nenhum dos amigos que tinha atualmente. E
então, o que teria acontecido na sua luta nas ruínas subterrâneas ou com o senhor
goblin?
O que seria da cidade, as pessoas na fazenda, todos os seus amigos, todos os
conhecidos dela, todos os aventureiros? E ele, Matador de Goblins? Teria ele
sobrevivido?
Sacerdotisa não era egoísta o suficiente para acreditar que ela salvou a vida dele,
mas…
— Ele não é tal pessoa ruim.
Ela passou a mão em sua cintura, onde ele tinha envolvido o braço há não muito
tempo. Comparado ao seu braço, ela parecia fina e frágil. Ele parecia como um
herói — e às vezes um demônio vingativo — mas, ele provavelmente não era
uma coisa nem outra.
— ……
A dada altura, Sacerdotisa puxou os pés para cima do banco e se contraiu em
uma bola. Sua cabeça estava flutuando agradavelmente com o vapor, e
pensamento atrás de pensamento vagueavam através dela como bolhas na
superfície da água. Se entregando a eles, ela sentiu uma combinação incomum
de conforto e impaciência.
Era como acordar mais cedo do que o habitual em um dia em que ela não tinha
de trabalhar. Ela podia simplesmente adormecer assim. Mas talvez seria melhor
para ela se mexer e se levantar. Ela tinha de fazer alguma coisa. Sentia que havia
algo que ela tinha que fazer…
— O que devo fazer…?
— Sobre o quê?
— Masoque!
Quando uma voz suave respondeu seu murmuro abatido, Sacerdotisa se levantou
tão rapidamente que as bolhas se espalharam por toda parte. Seus olhos se
lançaram para ver um corpo tão rechonchudo quanto uma fruta madura.
— Hee-hee. O sangue vai subir à cabeça a esse ritmo.
— M-me desculpe, eu estava apenas pensando em voz alta…
Sacerdotisa curvou apressadamente a cabeça para a arcebispa de pé diante dela,
Donzela da Espada.
— Não tem problema — disse ela balançando a cabeça, o que fez ondas pelos
seus lindos cabelos dourados. — Pelo contrário, perdão por assustá-la. Meus
deveres me deixaram lenta…
Sacerdotisa se viu encantada pela mulher. Ela não usava mais do que um fio de
roupa, mas ela não tentou se cobrir, nem mostrou qualquer preocupação com sua
nudez. Ela era tão bem-dotada que nem sequer uma mulher podia se forçar a
desviar o olhar. Sua única cobertura, o pano sobre seus olhos, a fazia de alguma
forma unicamente sedutora. A atmosfera era praticamente reverente: Seu corpo,
que difundia à luz do sol e a sombra, a fazia diferente e puramente linda a cada
momento. Não apenas isso, o vapor em seu corpo ressaltava o resplendor em sua
pele, tanto que mesmo Sacerdotisa se encontrou engolindo em seco
intensamente.
Mas…
— Hum… são essas…?
A voz de Sacerdotisa falhou.
Linhas brancas ténues percorriam o corpo senão perfeito de Donzela da Espada.
Muitas, muitas delas estratificadas mutuamente. Algumas estreitas, outras
grossas, longas e curtas. Algumas fluíam direto como uma flecha, e outras faziam
padrões como se foram forçadas e puxadas. A ligeira coloração rosa de sua pele
fazia elas destacarem ainda mais.
Tatuagens? Não, não podiam ser. Elas eram…
— Ah, essas…
A arcebispa localizou uma linha torta que percorria por todo seu braço com o
dedo branco e fino. Quando a ponta do dedo pressionou contra a pele suave, ela
quase parecia estar se cariciando carinhosamente.
Sacerdotisa só tinha visto isso em livros, mesmo assim ela olhou para baixo
timidamente. Ela não conseguia continuar a olhar para elas.
— As marcas de um erro.
Donzela da Espada sorriu, falando das cicatrizes por todo seu corpo como se não
valessem ser notadas. A expressão pareceu surgir por conta própria.
— Eles me golpearam na cabeça, por trás… Isso foi há mais de dez anos.
— Ah, hum, eu…
Sacerdotisa agora entendeu muito bem o que isso significava. O que ela deveria
dizer? Como deveria dizer? Sua voz estava tensa, e ela não olhou para a outra
mulher.
— Você está… bem… agora?
Donzela da Espada parou de se mexer por um segundo. Se seus olhos não
estivessem escondidos, Sacerdotisa certamente teria visto ela piscar. — Você é
uma pessoa gentil, não é? — disse ela calmamente, e sua expressão desapareceu
até que ela parecesse uma escultura. — A maioria, quando conto, diz que sentem
muito.
— Eu… Eu só…
…não consegui pensar em mais nada para dizer, pensou Sacerdotisa, mas as
palavras pararam em sua garganta.
Ela mal conseguia dizer isso para Donzela da Espada.
— Hee-hee… Não se preocupe.
Donzela da Espada alcançou e pegou um ramo de bétula. Seus movimentos eram
tão elegantes e precisos que alguém nunca poderia imaginar que os seus olhos
estavam cobertos. Então, ela bateu o ramo como um chicote contra si mesma,
um pequeno “hmm!” escapou dos seus lábios. Sacerdotisa afastou seus olhos,
mas não pôde deixar de olhar, olhar e olhar.
Donzela da Espada finalmente parou de bater com o ramo em si mesma, quando
ela percebeu que Sacerdotisa estava olhando.
— Com esses olhos… — murmurou Donzela da Espada, pondo sua face perto
de Sacerdotisa.
Sacerdotisa engoliu em seco, silenciosamente.
— Com esses olhos, eu vejo muitas coisas… Uma grande quantidade de coisas.
Sacerdotisa deixou escapar uma respiração estrangulada pelo seu nariz. Uma
sensação de meia embriaguez tomou conta dela, não muito diferente de quando
ela cheirou o doce aroma floral.
— Coisas que você não pode imaginar…
— Ah…
Então, assim de repente, Donzela da Espada deixou Sacerdotisa cheia de temor
e se retirou para a sauna fumegante do banheiro. Ela se envolveu nas nuvens
como uma garota tímida. As ondas do seu cabelo cor de linho eram meras
sombras agora.
— Aquele homem com você…
— O que…?
Sacerdotisa balançou a cabeça para limpar a bruma quente de sua mente.
— Matador de Goblins, não era assim que se chamava? Ele parece uma pessoa…
muito fiável.
— Ah, uhm, hum-hum… Sim. Ele realmente é.
Sacerdotisa tinha o ar de uma criança inocente revelando um tesouro. As
extremidades dos lábios de Donzela da Espada se tornaram levemente em um
sorriso encantador.
— Estou muito feliz que suas investigações parecerem prosseguir sem
problemas.
— Mas… — acrescentou ela, o que lembrava a franqueza dele. — … Sem
dúvida, ele um dia, também desaparecerá.
Sacerdotisa engoliu em seco, delicadamente.
Ela me vê.
Ela podia sentir aqueles olhos sem visão em si; isso fez sua pele arrepiar. Os
olhos de Donzela da Espada estavam cobertos. E ainda assim, Sacerdotisa sentiu
que Donzela da Espada estava olhando diretamente para ela, para as profundezas
do seu coração…
— A-ahn, eu… eu…!
— Sim. É melhor sair do banho antes que fique tonta.
Sacerdotisa tinha parado sem se dar conta. Donzela da Espada lhe deu um longo
e lento aceno, e Sacerdotisa saiu do banheiro, tropeçando ligeiramente nos pisos
brancos escorregadios, desesperada para fugir daquele olhar.
Ela não sabia bem como tinha conseguido secar a si mesma ou vestir seu pijama
depois que chegou ao vestiário. Ela só sabia que repentinamente, estava de pé no
corredor do Templo da Lei, com a brisa da noite soprando à sua volta.
Às vezes, durante à noite, a chuva mitigava, revelando um céu estrelado, bonito
e gelado. As luas gêmeas pareciam emitir um frio, embora fosse verão. Olhando
para elas, Sacerdotisa se abraçou e tremeu.
Ela sabe.
Isso veio como um lampejo de compreensão, como uma revelação.
Aquela mulher sabe.
Sabe o que?
Sobre os goblins.
Ela sentiu um frio em seu coração muito maior que a da sua pele.
— Opa, aqui está.
Orcbolg — ou seja, Matador de Goblins — disse que deviam se encontrar na
Guilda dos Aventureiros.
Estava, é claro, próximo ao portão da cidade; maior que a guilda na cidade
fronteiriça, mas, menor que o Templo da Lei. Havia um escritório administrativo,
taverna e pousada, juntamente com uma fábrica e várias outras instalações. Tudo
como a guilda da cidade fronteiriça, mas essa aqui era muito diferente na
aparência.
Era construída com pedra branca, que a concedia um ar de tranquilidade. Parecia
que podia ser confundida com um banco. Não que Alta-Elfa Arqueira tinha ido
alguma vez em um banco. O que a surpreendeu em vez disso era o tamanho do
local.
— Uou, olhe para lá. É uma alta-elfa…!
— Nem pensar. Nunca vi uma antes!
— Uau! Que espécime! E não quero dizer apenas como uma elfa!
Ela estivera nessa cidade antes, mas os aventureiros próximos ainda a
observavam com fascinação. Suas bocas diziam tudo que queriam, e seus olhos
a secaram com seus olhares de curiosidade ou luxúria.
— ……
Alta-Elfa Arqueira franziu a testa bem ligeiramente. Nunca tinha a incomodado
antes, mas ela tinha se habituado com sua vida confortável na cidade fronteiriça.
Isso é um pouco… desconfortante.
Talvez porque, ao contrário da pequena cidade fronteiriça, essa era uma cidade
grande e desenvolvida.
Tinha um número grande de aventureiros circulando à volta. Alta-Elfa Arqueira
olhava em volta com suas orelhas balançando.
— Vejamos, onde está Orcbolg…? Ah, ali está ele!
Não havia como confundir aquele capacete de aparência barata e a armadura
encardida. Matador de Goblins estava sentado rigorosamente em um banco no
canto do local, com os braços cruzados. Era assim que ele sempre se sentava, se
não fosse no lugar de sempre, não seria ele. Mas, havia outras coisas que eram
diferentes do costume.
Um grupo sussurrava, gozando claramente dele. Talvez eles pensassem que ele
não ouvia, mas para as orelhas compridas de Alta-Elfa Arqueira, suas vozes eram
tão claras como se estivessem gritando.
— Céus, qual é a dessa imundice aí?
— Sim, qual rio ele lavou isso? Por favor. Temos normas por aqui!
Alta-Elfa Arqueira olhou para eles e deu um “hmph”. Ela não gostava nada disso.
Ela atravessou o salão em direção ao banco, como se vagando pelos olhares dos
aventureiros, e pisou deliberadamente ao longo do caminho de uma forma
bastante contrariante a seus habituais passos silenciosos.
— Desculpe por ter feito você esperar, Orcbolg.
Então, ela se sentou ao lado dele, bem ao lado dele. Ela se aninhou para seu lado.
Como uma gata, ela assistiu um sussurro entusiasmado atravessar a multidão de
aventureiros e sorriu. Isso ia mostrar a eles. Alta-Elfa Arqueira disse baixinho:
— Sinto muito. Eu meio que adormeci. Você foi capaz de enviar a carta?
— Sim — respondeu ele, suavemente.
Bem, não tinha parecido estar zangado com ela. Isso a ajudou a relaxar só um
pouco. Então ela não tinha de se preocupar também.
Sabendo ou não o que ela estava pensando, ele mostrou seu recibo para Alta-Elfa
Arqueira. Ele exibia um lacre indicando que a carta foi aceita.
— Encontrei um aventureiro indo na direção, então eu pedi a ele para fazer isso.
Eu já paguei ele também.
Havia um sistema de correio, para onde a estrada fosse, um cavalo correio
poderia ir. A maioria das correspondências eram assim, mas, com um pouco de
dinheiro, você podia ainda contratar um aventureiro.
Afinal, aventureiros eram apenas valentões com armadura, armas e força. Se
você pagasse eles o suficiente, eles iam levar a sua carta até o seu destino,
especialmente útil em emergências ou se a carta tinha de chegar a algum lugar
remoto e o correio não podia chegar. E se você apresentasse a missão pela guilda,
eles confirmariam quando estivesse concluído. Isso ajudava a impedir que os
mensageiros fugissem com seu item ou apenas jogasse a carta longe e fingisse
que tinham entregado.
Claro, alguém nunca confiaria a um jovem valentão desconhecido uma entrega
importante, por mais forte que ele fosse. Uma das vantagens do sistema de
classificação da guilda era saber quem confiar suas encomendas.
— Agora que penso nisso, nunca escrevi uma carta — disse Alta-Elfa Arqueira,
acrescentando um “hmm” enquanto olhava atentamente o formulário da missão.
— O que foi que escreveu? Relatando que você fez com segurança?
— Sim, de certa forma.
An-ham…
Ela tinha a certeza que entendeu, e isso trouxe um leve rubor a suas bochechas.
Alta-Elfa Arqueira quase jogou o recibo de volta para ele. Ele deve ter escrito
para aquela garota da fazenda. Tenho certeza disso. — Caramba, Orcbolg, então
você tem um lado gentil.
— Tenho?
— Claro.
— Na verdade…
An-ham, an-ham. As orelhas de Alta-Elfa Arqueira se moviam para cima e para
baixo alegremente; ela estava bastante impressionada com a conclusão que ela
tinha precipitado.
— Certo! — Ela se levantou do banco, se sentindo renovada.
Seu cabelo voou para trás quando se estirou, se esticando como uma estrela
cadente.
— Você precisa fazer algumas compras, Orcbolg? Uma arma ou algo assim?
— Sim.
Matador de Goblins assentiu, então se levantou lentamente. Ele tocou o seu
quadril com a mão. Ele indicou a bainha, geralmente ocupada pela sua espada
com um comprimento estranho, ou algum outro armamento rudimentar. Durante
a aventura do dia anterior, sua habitual disposição para lançar inabalavelmente
suas armas acabou o deixando sem.
— Não confio em uma adaga… Você vai comprar roupas?
— Claro. Esse esgoto cheira mal. Eu ia detestar se o fedor se impregnasse em
mim… — Você é o único que não parece se importar. Alta-Elfa Arqueira
entrecerrou os olhos para ele. — Você me banhando com entranhas de goblins
foi muito pior, no entanto.
— Tsc… — grunhiu silenciosamente Matador de Goblins, ainda de pé à frente
dela. — Se isso chateou tanto você, eu deveria pedir desculpas?
— Vá em frente. Não me importa. — Ela deu um simples e leve aceno com a
mão. Calmíssima. — Eu acho que se pedir desculpas, provavelmente poderei
parar de falar nisso.
— …Entendi.
Sua resposta, é claro, era a mesma de sempre.
Assim como o ambiente na Guilda. A multidão de aventureiros, funcionários,
todos estavam olhando para eles com curiosidade. E alguns, porventura, com
inveja. O que uma alta-elfa faz com um vagabundo desse? Todos tinham suas
próprias teorias. Houve algum engano, ou alguém estava tendo. Assim
sucessivamente.
— Eu notei — disse Matador de Goblins, discretamente, e cada ouvido presente
tentou escutar o que viria a seguir — que apesar dos esgotos, não existem missões
de extermínio de ratos gigantes.
— Hum. Agora que falou nisso, acho que tem razão.
Quando ela esticou o pescoço para olhar o quadro de missão, Alta-Elfa Arqueira
notou alguns risos abafados. Mesmo que eles não falassem, suas expressões
diziam tudo. Rapaz do campo. Ela conseguia os ver olhando praticamente de
maneira esnobe. Você acha que haveria ratos em nossos esgotos? Em uma cidade
tão bonita?
Mas, Alta-Elfa Arqueira apenas deu uma pequena gargalhada contente e olhou
em volta.
— Bom, devemos ir?
Quando, com um sorriso, ela pegou a mão de Matador de Goblins, o sussurro se
tornou um rugido. Ela gostou disso mais do que podia dizer. A sensação da luva
de couro áspera dele em sua mão era nova, também, e seu sorriso só se ampliou.
— Ei, eu quero fazer uma pergunta a você.
Em pouco tempo, eles estavam de volta à estrada que ela tinha vindo pouco
tempo antes, voltando para a cidade.
— O que?
— Você precisa de roupa íntima aí em baixo? — Sempre quis saber.
Matador de Goblins deu um grande suspiro incomum para as palavras dela.
— Não me pergunte.
Alto-elfos gostavam de perguntar o que quisessem, é claro, ela deu pouca atenção
à sua reação. Segurando sua mão enluvada com uma espécie de fascinação, ela
olhou para seu rosto.
— Então. Só uma espada que você precisa, Orcbolg?
— Não. Algumas outras coisas também.
— Hmm.
Alta-Elfa Arqueira voltou a pensar em tudo no saco de itens de Matador de
Goblins.
Todos os itens que não conseguiu identificar, todas as coisas que nunca tinha
visto. Todos os equipamentos que ela gostaria de conhecer a sensação. Uma
curiosidade irresistível surgiu em seu pequeno peito, e sem um pingo de
relutância, ela sorriu e perguntou:
— O que vai comprar?
Capítulo 5: Avance Até a
Morte
Ahh, droga! Meu traseiro dói! Eu sabia que não podia confiar em carruagens.
Eu e meu amigo aqui tem se venturado por todos os lados, e me deixe lhe dizer,
se os deuses quisessem que os aventureiros rolassem por aí, eles teriam nos dado
rodas.
Nós? Estamos… bem, estamos fazendo uma entrega. Nós fazemos isso às vezes.
Às vezes… alguém nos pede.
E quanto a vocês, garotas? Quero dizer, um grupo feminino pode ter os seus
próprios desafios.
O que você quer dizer com “tipo o quê”? Digo, vocês não podem montar, e uma
vez por mês, vocês… vocês sabem. Vocês precisam descansar o tempo to…
Ouch!
Pfft! O que está fazendo? Quem simplesmente lança Teia de Aranha em um cara
de repente?
— Eu, peço desculpas pela minha, companheira, indelicada…
…É, é. Desculpe por isso… você sabe…
Mas, sinceramente. Um grupo de três garotas? Vocês devem ter cuidado. Não
apenas com monstros e bandidos também. Existem também alguns aventureiros
bem despudorados à solta. Iniciantes, não são? dizem eles. Precisam de ajuda?
Bem, parece que a aventura de vocês foi muito bem! Só precisamos de um pouco
de grana por lhes mostrar como se faz! E se vocês não puderem pagar… bem, se
tiverem sorte, eles só irão pegar seus equipamentos. Mas, caso contrário, vocês
podem acabar manietado de dívidas.
Sempre existiram pessoas mais experientes que vão se aproveitar daqueles
menos experientes. Não está pior do que costumava ser, no entanto. Antigamente
eles davam porrada nos novatos no bar e depois os despia.
— Isso foi, vinte, ou trinta anos, atrás, não foi?
O quê? Não quer que eu as assuste com histórias dos velhos tempos? Está tudo
bem. Um pouco de medo faz você prestar atenção. Não somos todas pessoas tão
más, mas também não somos todos tão bons.
Digo… somos todos aqueles-que-possuem-palavras. Todos rezamos da mesma
forma, não é?
Algumas vezes nós discutimos, nós lutamos, nós não nos damos muito bem. É
assim que as coisas são.
Ah, é. Por vezes se vê grupos que são, tipo, cheios de garotas exceto por um cara.
Muito bom. Mesmo meio sórdido.
Pessoalmente, não me interessa, no entanto. Sou a favor do amor, sabe? O amor
tem que ser livre!
— ……
Ei, o que eu disse para merecer um olhar assim?
Enfim, garotas, o ponto é; tenham cuidado.
Ouvi dizer que há coisas estranhas acontecendo ao redor dessa “cidade da água”
recentemente. E se ele está lá, significa que tem algo a ver com goblins.
Leve a melhor espada que goste, mas se eles atacarem você antes de poder puxá-
la, não servirá de nada.
Capítulo 8: Um Momento de
Descanso
A luz quente do sol irradiava do céu, e uma brisa fresca soprava sobre a água.
Pessoas conversavam em um mercado animado, se divertindo.
Em um lugar onde tantas pessoas de raças e credos diferentes se reuniam, os
aventureiros praticamente não eram uma visão incomum. Mas, a maioria dos
aventureiros não eram uma sacerdotisa jovem, e um homem usando um elmo de
aço em sua cabeça no meio da cidade, em plena luz do dia.
— Estou tão feliz por termos um tempo bom!
— Sim.
Sacerdotisa seguia atrás de Matador de Goblins, com seus lábios ligeiramente
erguidos. Ela caminhava escrupulosamente, segurando algo cuidadosamente em
seus braços.
— …Quer que eu segure?
— Não, estou bem — respondeu ela com um sorriso.
— Percebo — disse Matador de Goblins, assentindo enquanto ele diminuía o
ritmo.
Logo, seus ombros estavam nivelados com a cabeça de Sacerdotisa, e ela olhou
para o seu capacete. O seu gesto lembrava um cachorrinho curtindo sua primeira
caminhada.
Os pedestres olhavam para eles enquanto passavam; os comerciantes
espreitavam para fora de suas barracas. Sacerdotisa abriu a boca para lhe
perguntar sobre isso, mas, acabou por fechá-la outra vez sem dizer nada. Esse
era Matador de Goblins. Sem dúvida, ele não estava dando nenhuma
importância.
O que seus amigos achariam se eles vissem isso? Ela não conseguia imaginar.
Ela sabia, contudo, que Alta-Elfa Arqueira, Lagarto Sacerdote e Anão Xamã
estavam os acompanhando naquele momento.
— Certo, Orcbolg! Vai com calma!
— Será menos um lutador na linha de frente e um conjurador. Não vamos tomar
nenhum risco indevido.
— Mas, eu vou te dizer o que é arriscado: um guerreiro sem armadura!
Os três aventureiros tinham mencionado essa ideia durante a refeição.
Sacerdotisa, que ainda estava se sentindo diferente, só podia curvar a cabeça e
pedir desculpa.
O que os surpreendeu, no entanto, foi mesmo a resposta bastante sincera de
Matador de Goblins.
— Obrigado. Vou deixar vocês cuidarem disso.
Sacerdotisa ainda não conseguia compreender o que estava no fundo do seu
coração, mas, agora ela tinha uma ideia bastante boa de como ele pensava.
Os goblins usaram aquela câmara funerária como o local para uma emboscada,
significando que era claramente parte do território deles. Isso queria dizer que os
aventureiros tinham de revistar a escadaria escondida que eles tinham encontrado
atrás do caixão de pedra, se por qualquer outra razão o campeão ainda estivesse
vivo.
Essa batalha tinha, presumivelmente, enfraquecido significativamente os
goblins, mas também tinha impactado o seu grupo.
E o tempo estava no lado dos goblins.
O grupo tinha uma patrulheira, um monge e um conjurador, perfeitamente
capazes, e não podiam se darem o luxo de perderem tempo. Nesse meio tempo,
o guerreiro e a sacerdotisa ficariam para trás para descansar suas mentes, corpos
e reparar seus equipamentos para estarem preparados para a próxima excursão.
Contudo, houve um problema.
Talvez, devido ao volume de clientes, a oficina na Guilda dos Aventureiros daqui
não prestavam ordens especiais. Quando Matador de Goblins tinha solicitado por
uma armadura de couro, um escudo e uma espada, lhe fora recusado com um não
lento de cabeça.
Por fim, ele tinha determinado sair para comprar o que precisava, e Sacerdotisa
disse que iria com ele. Ela o questionava insistentemente, mesmo ele dando
respostas claras…
— Sei que todos estão preocupados com você. Tem certeza de que está bem?
— Sim.
— Seus ferimentos estão curados?
— Sim.
— Suas feridas foram muito piores que as minha.
— Sim.
— Você sabe que não deve fazer nada tolo, certo?
— Sim.
— Hmm. — Sacerdotisa estufou as bochechas e parou de andar.
Matador de Goblins deu vários passos a mais antes de notar. Ele parou e olhou
para trás; ela estava o encarando. Ele inclinou a cabeça, claramente alheio a
qualquer problema.
— Qual é o problema?
— …Céus! Como assim “qual é o problema”? — Sacerdotisa apontou o seu dedo
diretamente para ele. — Estou zangada! — Ela franziu as sobrancelhas o máximo
que pôde, mas não conseguiu o intimidar.
Em parte, era o olhar das pessoas à volta. Eles deveriam ter pensado que os dois
aventureiros estavam tendo uma discussão de namorados ou talvez que estavam
tendo uma briga de irmãos. Quem poderia dizer? Os transeuntes olharam
desconfiados no início, mas, alguns sorrisos logo surgiram entre eles.
— Matador de Goblins… senhor! Sim foi a única coisa que você disse nessa
conversa toda!
— É?
— É!
— É…?
— E você disse muitos “é” também.
— …Hum.
Matador de Goblins cruzou os braços e grunhiu.
A dupla ficou em silêncio, cercados pelos balbuciar da rua. Os pássaros voavam
vagarosamente no céu azul acima deles enquanto ele refletia sobre algo ao longo
do tempo. Por fim, ele deu um aceno devagar.
— …Eu irei mudar.
— Por favor! — disse Sacerdotisa e riu.
Quando um aventureiro sério desse dizia que iria mudar, ele provavelmente iria.
Eles tinham se conhecido apenas há alguns meses, mas ela sabia bem sobre ele.
Ela partiu de novo com um ritmo alegre, e Matador de Goblins logo a igualou.
Em pouco tempo, eles estavam andando lado a lado de novo, com Sacerdotisa
mais uma vez nivelada aos seus ombros. De certa forma, isso, por si só, a fez
muito feliz.
— Você disse algo sobre compras…?
— Sim — respondeu ele, então levantou a mão com se dissesse espere.
Aparentemente, ele tinha algo mais para dizer.
Outra pequena gargalhada escapou de Sacerdotisa com sua demonstração
inexperiente de consideração.
— Irei ver algumas armas e armadura. As minhas estão danificadas.
O capacete de Matador de Goblins estava virado na direção dela. Ele escondia
seu rosto e qualquer expressão, mas seus olhos vermelhos brilhavam
ligeiramente dentro dele.
— O que você vai fazer?
— Hmm… — Sacerdotisa pôs o dedo magro em seus lábios e inclinou a cabeça.
A brisa levantou seu cabelo, o lançando atrás de sua cabeça.
Ela achava que a resposta ao que estava prestes a dizer era óbvia, mas…
— Você está realmente tentando perguntar a minha opinião?
— Acho que sim.
— Caramba…
Matador de Goblins parecia achar que sua resposta foi bastante natural.
Sacerdotisa suspirou. Por ora, ela deixaria estar. — Minha cota de malha também
foi arruinada — respondeu ela, obedientemente, ajustando sua expressão. —
Pensei que talvez houvesse algum lugar que conseguisse consertar.
— Provavelmente seria mais rápido comprar uma nova.
A resposta de Matador de Goblins foi completamente inexpressiva.
Ele realmente não entendeu. Sacerdotisa olhou para ele com os olhos
entreabertos.
— Eu não quero.
— Por que não?
Dessa vez, foi a vez de Matador de Goblins parecer perplexo.
Sacerdotisa apertou o embrulho contendo sua cota de malha e murmurou: —
Porque… essa é a primeira coisa que fiz no qual você me elogiou.
Matador de Goblins parou e olhou para ela.
Sacerdotisa ajustou o pacote em seus braços como se para lhe mostrar um
tesouro. Envergonhada, ela desviou seus olhos.
— Você não se lembra? Você tinha dito que era um pouco largo, mas pararia
uma lâmina.
— Disse? — Sua voz parecia de alguma forma tensa, e então ele sussurrou: —
Suponho que sim.
Eles entraram em uma loja de equipamentos com aspecto bastante próspero.
Os tinidos de um martelo batendo em metal vinha do fundo da loja. Armas e
armaduras estavam espalhadas pelo interior escuro. Ela tinha uma vitalidade que
estava faltando na oficina da guilda.
— Uau… — Sacerdotisa piscou várias vezes, compreensivelmente
impressionada.
Estava cheio de armas que ela nunca tinha visto, armaduras que ela não podia
imaginar como usar e uma raridade após outra. Ela notou uma arma que tinha
reconhecido no meio de tudo isso e a pegou gentilmente com um suspiro suave.
— Eles têm até manguais. — Esses consistiam em dois bastões com um metal
pesado fixado, conectado por uma corrente; se dizia que tinham evoluídos de
uma ferramenta de debulha. Clero da Mãe Terra tinha sido conhecido por os
usarem, e Sacerdotisa estufou seu pequeno peito orgulhosamente com o seu
conhecimento humilde.
— Vai comprar?
— Não… — Ela observou a sala com a pergunta direta de Matador de Goblins.
Ela não tinha a coragem para ficar na linha de frente do grupo, e para a proteção
pessoal, ela tinha o cajado de monge. — …Acho que não.
Sacerdotisa devolveu cuidadosamente o mangual à sua prateleira, então começou
a falar quando ela notou um homem que parecia ser o lojista.
— Hm, com licença…
— Hmm? — O homem olhou para ela, e Sacerdotisa olhou para o chão.
Ele era jovem, talvez cerca de vinte, mas tinha o ar de um adolescente que tinha
acabado de se tornar adulto.
Não era que ele parecia rude. Suas roupas estavam arrumadas, e seu cabelo e
barba bem cortados. Mas, a sua resposta desinteressada o fez parecer
estranhamente frio.
— Hmm. Seja bem-vinda. O que posso fazer por você?
— Ah, uhum… Você poderia… consertar essa cota de malha?
Sacerdotisa estendeu sua armadura hesitantemente, e o comerciante lhe deu uma
olhada rápida. Depois, ele chegou ao buraco no ombro, esticou a armadura, e
expirou.
— Esse é um belo buraco. Não acha que seria melhor comprar um novo
conjunto?
— Eu preferiria… que fosse reparada…
— Reparar, claro. O cliente sempre tem razão…
O olhar do homem percorreu ao longo dos braços finos de Sacerdotisa. Sem
reserva, lascivo, ele olhou para ela dos pés à cabeça como se a tragando.
— Precisa de um novo visual, senhorita?
— Não, obrigada…! — Sacerdotisa balançou a cabeça, sentindo uma onda de
calor em suas bochechas.
Era assim que os lojistas da cidade tratavam normalmente os seus clientes? Teria
sido inconcebível na fronteira.
Ou ele estava simplesmente provocando porque ela era claramente uma novata?
Esse pensamento a incomodava.
— Eu também preciso de alguns reparos.
Era Matador de Goblins. Quando Sacerdotisa levantou os olhos novamente, eles
se encontraram com uma costas vestida de malha.
Perante o capacete de aço sujo, o comerciante deu um murmúrio estranho.
— Um ranque P-Prata… — estremeceu a voz do lojista. Aparentemente, ele
tinha reparado a insígnia de prata pendurada envolta do pescoço de Matador de
Goblins. — Oh, s-sim, senhor. Reparos. Com certeza, senhor.
— Minha armadura de couro e meu escudo redondo. Rápido, se não se importa.
Juntamente com essa cota de malha.
— G-gostaria que fossem limpos? E seu escudo parece estar perdendo seu
cabo…
— Não os limpe. E eu mesmo removi a empunhadura.
— Hum-hum, quanto ao pagamento, senhor, incluindo a taxa de urgência…
— Não se preocupe.
Sem hesitar, Matador de Goblins revirou sua bolsa e soltou um saco de couro em
cima do balcão. Ele fez um barulho grande quando caiu e se esparramou. Peças
de ouro caíram da abertura.
— Obr-obrigado, senhor…!
— Eu também preciso dar uma olhada nas suas espadas.
— Ah, hum, eu tenho uma lâmina de mithril nesse momento!
— Eu não preciso disso.
O seu passo ousado e despreocupado o levou para onde uma variedade de
espadas estavam penduradas na parede. Ele pegou uma com uma lâmina de dois
gumes completamente normal. Tinha uma empunhadura longa: uma espada de
“uma-mão-e-meia”.
— Ahh, se esse é o tipo de lâmina que você prefere, senhor, eu tenho uma forjada
por anão…
— Muito longa.
Ele pendurou a espada de volta no suporte, depois começou a olhar pelas
mercadorias até que ele chegou a uma espada pequena de um gume.
— As espadas curtas são mais do seu agrado, senhor? Eu tenho uma encantada
encontrada em alguma ruína…
— Encantada?
— Sim, senhor! — A voz do lojista aumentou à uma oitava. — Ela evita que a
lâmina cegue, claro, mas também soa um alarme quando inimigos estão perto.
— Eu não preciso disso. — Seu tom foi franco o suficiente para ser uma arma
por si mesmo. — Vou levar essa. É um pouco longa, mas posso raspá-la eu
mesmo. Eu vou usar a sua pedra de amolar enquanto esperamos por seus reparos.
— M-mas, senhor… Com uma lâmina dessa, o melhor que poderia esperar caçar
é… goblins…
— Isso é o que pretendo fazer.
O comerciante não teve nada para dizer com isso.
Mas, Matador de Goblins, como sempre, pareceu não perceber. Talvez ele
quisesse dizer para ela: Não deixe isso te afetar.
Ele era uma pessoa difícil de se compreender.
Sacerdotisa ficou ligeiramente vermelha e deu um suave e silencioso suspiro.
— Hee-hee… Ah-ha-ha-ha-ha-ha!
— O quê?
— P-porque você… Ele…
Quando eles deixaram a loja depois de terem feito os reparos, uma brisa da tarde
se agitava em torno deles. O céu azul brilhava com o sol nos princípios do verão,
e o som do fluxo de um riacho próximo era agradável aos ouvidos.
— Eu… eu sei que não deveria rir, mas…
Sacerdotisa limpou as lágrimas nos cantos dos seus olhos, com sua risada tão
clara quanto um sino.
O comerciante desconcertado tinha tentado dizer algo quando Matador de
Goblins desbastou a espada mais e mais, mas…
— “Eu só vou a lançar; não faz diferença”!
— É verdade, não é?
— Mas a cara que ele fez! Foi inacreditável!
— Foi?
— Sim, foi! — Sacerdotisa finalmente falou entre a torrente de riso.
Ela supôs que esse comportamento não era agradável para uma discípula da Mãe
Terra, mas certamente parecia bom. Sua consciência a repreendeu, então ela
também fez uma pequena oração: Apenas um pouco não fará nenhum mal, fará?
Nessa hora…
— Se aproximem! Um delicioso “ice crème” que derrete-na-boca! É um sabor
sensacional!
Uma voz ressoou sobre o ruído, juntamente como um sino de mão tilintando.
— Ice crème…?
A curiosidade fez Sacerdotisa parar em frente a uma barraca apertada. As
crianças comemoraram e se apressaram pela rua pavimentada para dar ao dono
seus trocados.
— Me pergunto o que aquele lugar está vendendo.
A essa distância, era difícil dizer, mas a julgar pelas expressões das crianças, era
algum tipo de doce.
Sacerdotisa deu uma olhadela para Matador de Goblins, que assentiu e disse: —
Pode ir.
— Sim, senhor! Obrigada!
Sacerdotisa balançou a cabeça assentindo rapidamente toda sorridente, depois
correu, com seus cabelos voando por trás dela.
Ela ficou um pouco envergonhada por fazer fila com as crianças, mas…
Ainda estou com quinze.
Era só uma diferença de dois ou três anos, ela disse a si mesma. E, finalmente,
ela teve um dos doces para si.
O ice crème acabou por se parecer com um gelo branco derretendo. Havia uma
cereja vermelho-viva no topo, possivelmente para lhe dar uma coloração.
Sacerdotisa pegou uma parte boa do recipiente crocante e frito, e levou a sua
boca.
— U-uau!
Instantaneamente, suas bochechas se avermelharam, e um sorriso desabrochou
em seu rosto. Ela se virou para Matador de Goblins com uma mistura de surpresa
e empolgação.
— Isso é incrível! É gelado e doce…!
— Você gosta disso?
— Sim, muito! No Templo, nós não conseguíamos comer muitas coisas doces…
— Ela sorriu desconfortavelmente com um pequeno riso. — Me sinto como se
estivesse quebrando as regras… só um pouco.
— Entendi. Hmm. Uma sobremesa gelada.
Matador de Goblins observou a barraca com uma certa quantidade de fascínio.
O ice crème estava armazenado em um recipiente de metal bem arrefecido. Ele
seria tirado e empilhado nos potes. Tanto quanto ele poderia dizer, não tinha
sinais de magia envolvido.
Ou seja, o comerciante moreno não parecia ser nenhum mago.
— …Isso não é magia. Como é que você faz isso?
— Beeeem, tenho de admitir que é um mistério para mim como funciona. — O
comerciante não pareceu incomodado com a questão; ele continuou a sorrir
enquanto deslizava uma tampa sobre o recipiente. — Algum professor descobriu
que a água esfria mais rápida se colocar um pouco de impurezas nela.
— Hmm?
— E se você adicionar mais disso no gelo, ele fica ainda mais gelado!
— Entendo.
— Quer um pouco de vinho gelado? É fácil com isso, acredite em mim, funciona
com frutas também.
— Hmm.
— Então ele pensou, e se você tentar com leite de vaca? E aqui estamos nós!
— Entendi. Muito interessante. — Ele parecia tão intrigado quanto uma criança
que tinha aprendido o segredo de um truque de mágica. Era um tom pouco
familiar para ele, que provocou Sacerdotisa piscar várias vezes.
Matador de Goblins pegou uma peça grande de ouro da sua bolsa e deu ao
comerciante.
— Um, por favor. Fique com o troco.
— Certamente, senhor!
O comerciante extasiado pegou o ice crème com um movimento hábil. Matador
de Goblins o observou, hipnotizado.
— …Hee-hee.
Matador de Goblins olhou para trás, mistificado pela risada que escapou de
Sacerdotisa.
— O quê?
— Nada. Eu só entendi finalmente como você conseguiu saber tanta coisa,
senhor.
— …Entendi.
Talvez fosse bom se sentar calmamente em vez de ficarem em pé enquanto
comiam. Com a sugestão de Sacerdotisa, os dois se sentaram em um banco ao
longo da beira da estrada.
Eles se sentaram lado a lado, levando a sobremesa até suas bocas e saboreando
o frio e a doçura em suas línguas, vendo a multidão passar.
Quando Sacerdotisa roubou um olhar de soslaio, ela o viu comendo através da
sua viseira como de costume.
A luz quente do sol se infiltrava através das árvores. Uma brisa fresca soprava
através da água. As pessoas conversavam alegremente. Homens e mulheres bem
vestidos passavam, enquanto as crianças corriam pelas redondezas com sorrisos
enormes em seus rostos. As carruagens puxadas por cavalos ribombavam pelos
ladrilhos cuidadosamente colocados.
— É estranho, não é? — sussurrou Sacerdotisa, franzindo sua testa com a cena.
— Nenhuma dessas pessoas têm ideia de que existem goblins bem debaixo
delas…
— …Sim.
— Algumas pessoas foram feridas, e tenho certeza… que eles têm medo disso,
mas…
Mas, ninguém parecia realmente se importar. O empregado da loja de
equipamentos não. O vendedor de ice crème não. Ninguém perdia o tempo aqui.
E quanto a cidade fronteiriça? Ela sentia que a ameaça dos monstros era real e
próxima, mas…
— …Quando eu era pequeno… — murmurou ele.
— O quê…?
— Houve uma época em que pensei que se eu desse um único passo, a terra
poderia se abrir debaixo de mim e eu morreria.
— Hã…?
A colher ainda estava na mão de Sacerdotisa quando Matador de Goblins falou.
— Eu estava com medo de andar.
A cereja tombou do topo do seu ice crème derretido e rolou para o fundo. Ela
ignorou isso e se focou no rosto de Matador de Goblins, embora ela não pudesse
ver a expressão dele por detrás do seu capacete.
— Tal coisa não é impossível. Mas, ninguém se preocupa com isso. Eu acho isso
estranho.
Mas, ele parecia rir silenciosamente.
— Minha irmã riu de mim, e dela também, mas foi necessário muito tempo antes
de perceber que, com medo ou não, eu tinha de caminhar.
— Isso é…? Isso é verdade?
— É verdade.
O vento passava por eles, trazendo consigo o farfalhar das folhas.
— Mas ainda hoje, estou com muito medo.
Do que e porque, ele não disse. Nem Sacerdotisa considerou perguntar.
Faziam apenas alguns meses desde que eles tinham se conhecido, mas ela
estivera com ele constantemente todo esse tempo. Não tinha como ela não
compreender.
— Eu agradeço sua ajuda — disse Matador de Goblins, se esforçando para soar
desapegado e legal, como sempre. — Mas, sua ajuda não é estritamente
necessária.
Sacerdotisa não respondeu.
Ela olhou para baixo e rodou atoa sua colher no seu ice crème derretido. Por fim,
ela pegou a cereja e a estourou em sua boca. Em meio ao gosto agridoce estava
o caroço duro.
Ela estufou suas bochechas, ficando emburrada.
— Você disse para fazer o que eu gostasse, não foi?
— Disse?
— Sim, você disse.
—…
— …Você realmente não tem jeito.
Matador de Goblins olhou para o céu azul, como se estivesse incerto se deveria
responder a isso.
Sacerdotisa brincou com o caule da cereja entre seus lábios, ignorando as boas
maneiras.
Finalmente, ela disse só uma palavra curta.
— Desculpa.
— Não quero ouvir isso.
— …Desculpa.
— …Não que eu me importe.
— Quero dizer, têm coisas que me assustam também — sussurrou ela.
Se as palavras alcançaram seus ouvidos ou não, ela não tinha certeza.
— …Que frio!
Um pouco do ice crème derretido pingou em sua mão, provocando sua
exclamação surpresa. Ela olhou desajeitadamente para Matador de Goblins e
limpou a gota com um lenço.
A sobremesa crocante que servia como um recipiente estava completamente
encharcada.
— …Tsc.
Ela enfiou o resto da sobremesa em sua boca, e o frio lhe deu dor de cabeça. Ela
limpou discretamente as lágrimas que brotaram de seus olhos, fingindo que elas
não estavam lá; então se levantou.
— Muito bem! Vamos agora, Matador de Goblins, sen…
— Matador de Goblins! Aí está você!
Sacerdotisa parou. Ela tinha certeza que reconhecia essa voz espirituosa, mas ela
certamente não esperava em ouvi-la.
Ela olhou para cima para ver um aventureiro de aparência durona em uma
armadura azul, carregando uma lança; era Lanceiro.
— Que ideia foi essa, chamar um cara por carta…? Vou contar sobre você para
Garota da Guilda!
— Contar a ela o quê?
— Que você e essa garota estavam tendo um encontrozinho!
— Estávamos fazendo compras.
Matador de Goblins esbarrou em Lanceiro, que tinha vindo com pleno vigor, tal
como o fez na terra natal.
Próxima, Sacerdotisa ficou ligeiramente vermelha e rapidamente se recompôs,
embora não houvesse razão.
— Heh, heh, heh-heh.
Bruxa, que tinha os membros bem formados, seguia Lanceiro tão fielmente
quanto uma sombra. Seus olhos caíram sobre Sacerdotisa, depois se fecharam
um pouco, sedutoramente. Sacerdotisa se viu engolindo em seco.
— Ah, hum…
— Você me parece, bem. Isso é, bom.
— Ah, sim, senhora.
Sacerdotisa se levantou apressadamente do banco e curvou a cabeça, depois a
ergueu para endireitar sua mitra.
Ela achava Bruxa uma mulher impressionante e era relutante em se envergonhar
na frente da conjuradora. Ela limpou a garganta discretamente.
— Hum-hum… E… O que traz vocês aqui? Vocês têm trabalho aqui também?
— Sim, trabalho. Isso está, bastante, correto.
Um risinho. Sua resposta, como a sua risada, parecia envolta de fumaça.
Sacerdotisa não estava certa se a conjuradora estava brincando com ela.
Bruxa tirou um cachimbo longo de algum lugar ou outro com um abanar de mão,
e o acendeu com um murmúrio de “Inflammarae”.
Um aroma doce flutuou dele. Envolta pelo aroma, Bruxa disse “anda”, e deu a
Lanceiro um tapinha no ombro.
— …Tsc.
Lanceiro continuou a olhar para Matador de Goblins, e depois de um tempo, ele
deu um estalo forte com a língua.
— Escute.
— Hmm.
— Céus. Eu não sou o teu rapaz de entregas, entendeu? Você me fez vir até aqui
para te trazer isso…
Ele deu a Matador de Goblins um saco de linho com alguma coisa dentro o
estufando. Parecia pesado.
Matador de Goblins o colocou cuidadosamente em sua bolsa. Seu capacete se
virou para Lanceiro, e ele disse indiferentemente: — Desculpe. Obrigado pela
ajuda.
— …Hrg.
— Eu te pedi porque você é o aventureiro mais tranquilo e confiável que
conheço.
— …Hrrrrgg…!!
— Heh, heh, heh-heh.
Bruxa pareceu incapaz de conter sua risada, e Lanceiro olhou furiosamente para
ela.
Naturalmente, Bruxa não se preocupou, e o olhar a ela não surtiu efeito.
— …Precisa de mais algumas pessoas? Talvez sejamos capazes de ajudar… por
uma recompensa, obviamente.
— Não. Daremos um jeito.
Sacerdotisa olhou para Bruxa e corou um pouco.
Desde sua batalha contra os goblins, as duas conjuradoras pareciam ter
conseguido se entender de certa forma.
— Enfim, eles não têm coisa assim por aqui? Compre localmente!
— Não posso usar a variedade local. — Isso era vergonha, arrependimento, ou
os dois? Matador de Goblins balançou a cabeça com a queixa de Lanceiro. —
Não é bom o suficiente.
— Que seja. — Lanceiro deu de ombros, se esforçando em expressar
aborrecimento e desinteresse simultaneamente. — Para que vai usar isso, afinal?
— Eu acho que você sabe.
O sorriso de Sacerdotisa aumentou. Sim, é claro. Ele sempre tinha apenas uma
coisa em mente. Na verdade, era isso que a preocupava às vezes, o que a fazia
incapaz de o deixar sozinho……
— Extermínio de goblins.
Ele era um caso perdido.
Assim, Sacerdotisa e Matador de Goblins se separaram de Lanceiro e Bruxa,
terminando suas compras e seguindo de volta. O longo dia de verão estava
lentamente avançando ao crepúsculo, com o pôr-do-sol vermelho projetando
sombras longas. Mesmo na silhueta exagerada, Sacerdotisa só alcançava até seus
ombros.
— ……
Ela olhou distraidamente para ele; ou o capacete que escondia sua expressão.
Será que algum dia vou o alcançar?
A insígnia que balançava ao redor do seu próprio pescoço era Obsidiana. O nono
ranque. Muito distante do seu Prata.
Ele era chamado de Matador de Goblins por causa dos goblins que ele sempre
lutava. Tinha passado meses desde que ela tinha o conhecido. Havia algumas
coisas que ela entendia agora, mas havia outras que não. E havia algumas coisas
que ele lhe tinha ensinado, e outras não.
— …Ah.
Saindo do seu devaneio, ela percebeu que eles já tinham chegado ao seu destino.
O borbulhar da água era bastante alto agora, e quando ela olhou para cima, lá
estava o Templo da Lei.
E três aventureiros totalmente equipados.
Um sorriso se espalhou pelo rosto de Sacerdotisa. No pôr-do-sol, parecia uma
rosa desabrochando.
— Pessoal! Conseguiram voltar!
— Pode acreditar que sim! Céus, isso foi difícil! — Alta-Elfa Arqueira acenou,
parecendo cansada, mas despreocupada. — Quando voltamos à superfície, vocês
não tinham retornado ainda. Então…
— Obviamente, estávamos conversando sobre à possibilidade de ir encontrá-los.
— Ao lado dela, Anão Xamã afagava sua barba branca e esbofeteou sua barriga
saliente. — Bem, tivemos alguns problemas. Nos deixem contar durante o jantar.
— Espere ai, anão! Falar sobre trabalho na hora das refeições não é permitido!
Não pode!
— Ah, tudo é “não permitido” com você! Como pretende arranjar um homem
desse jeito?
— Tsc…!
Alta-Elfa Arqueira entendeu o que ele quis dizer com isso, e suas orelhas se
esticaram.
Anão Xamã, é claro, tinha uma resposta pronta, e em pouco tempo eles estavam
lá como sempre.
— Céus. É sempre bom ver vocês dois se dando tão bem.
Quando eles tinham se conhecidos, Sacerdotisa tinha tentado parar essas
discussões, mas agora ela estava acostumada com elas.
Matador de Goblins deu uma olhada para suas brincadeiras animadas, mas logo
desviou o olhar.
— Me diga. Sobre esses problemas? …Eles envolveram goblins?
— Receio que não seja uma história boa para ser contada enquanto estamos aqui
parados. — Lagarto Sacerdote fez um barulho com a garganta e bateu a cauda
no chão. — Realizemos um conselho dentro do Templo.
— Bem, nesse caso… — veio Sacerdotisa com uma ideia. Ela passou o pacote
que estava segurando para Lagarto Sacerdote, que estendeu a mão para o pegar.
Ele incluía seu equipamento pessoal, juntamente com provisões para todo o
grupo. Todos eles iriam dar uma olhada nele juntos. — Eu faço o jantar dessa
noite. Conversamos depois disso.
— Não tenho nenhuma objeção. Meu senhor Matador de Goblins?
— Também não me importo — veio a resposta desapaixonada.
Sacerdotisa contraiu os lábios. Esse era o momento da verdade.
— Está bem, Matador de Goblins, senhor. Durante o jantar, você tem de falar
sobre algo além de goblins.
— Hr…
— Ha! Ha! Ha! Ha! — Lagarto Sacerdote revirou os olhos alegremente, e tocou
o seu nariz com a língua. — Devemos respeitar os pedidos dos seus
companheiros de viagem. Venham, vocês dois, vamos entrar.
Alta-Elfa Arqueira e Anão Xamã ficaram em silêncio quando ele sibilou para
eles… como sempre.
Lagarto Sacerdote os liderou bem de perto para entrar. Sacerdotisa foi em
seguida, mas:
— …?
— ……………
Ela percebeu repentinamente que Matador de Goblins, próximo a ela, parou onde
estava.
Nas sombras longas feitas pelo sol carmesim, ele ficou sozinho. Ele parecia uma
criança cujos amigos tinham ido para casa enquanto ele estava preso em seus
jogos.
Sacerdotisa não sabia o que trouxe a imagem a sua mente.
— Matador de Goblins, senhor? Vamos?
— …Sim… — murmurou ele quando ela o chamou. — Hmm.
— Companheiros. — Ele revirou a palavra estranha em sua boca. — …Suponho
que sim.
Então, Matador de Goblins e Sacerdotisa seguiram lentamente atrás deles, os
seus companheiros.
Interlúdio: Da Matança da
Seita do Mal
— Quando digo situação, quero dizer… essa coisa — disse Anão Xamã, quando
os exploradores se reuniram no dia seguinte.
Nas regiões mais profundas das catacumbas, eles tinham encontrado uma sala
com uma capela. Bancadas de pedra esculpida preenchiam a pequena sala, até o
fim do que era um altar. Um espelho de corpo inteiro estava fixado na parede,
com sua superfície estranhamente molhada. Era enorme, quase do tamanho de
um escudo grande de batalha. Provavelmente um objeto de culto.
Se assim o for, então essa sala era um templo ou, pelo menos, algum lugar
sagrado.
Eles haviam ido pela escada escondida, que descia e descia até, por fim, começar
a subir de novo. E na sua extremidade mais distante estava esse corredor.
E o problema — a situação — estava descansando lá.
— O-o que… é isso…? — perguntou Sacerdotisa com uma voz baixa,
espreitando nas sombras da entrada.
Alta-Elfa Arqueira, com suas orelhas caídas, balançou a cabeça.
— Não sabemos. Mas… acho que é um olho.
À primeira vista, alguém poderia o descrever como um olho voador.
O olho enorme era quase do tamanho de uma pessoa. Ele flutuava ligeiramente
acima do chão, à espera dos aventureiros no meio da sala.
O monstro geometricamente em forma de pupila avermelhada se virava para ali
e para lá. Da sua pálpebra — se assim se pode chamar — saíam tentáculos que
balançavam. Na ponta de cada um havia um olho, um vasto número deles. Cada
um parecia ser uma versão miniatura do olho principal de um jeito difícil de
descrever, e cada um deles tinha um brilho cintilante. Sua boca estava cheia de
dentes afiados que parecia de um gato grande. Parecia muito improvável ser
amigável.
A criatura deve ter notado eles observando do corredor, mas ele não demonstrou
reação. Parecia impossível que não os tivesse visto. Ele só não os tinha
reconhecido ainda como uma ameaça.
Era uma coisa de outro mundo verdadeiramente profana, uma praga nesse lugar
sagrado.
— Apenas por sua aparência, estou disposto a achar que é um agente do caos —
disse Lagarto Sacerdote, com seus olhos se estreitando, descontente. — Ao
menos, ele não foi criado por nenhum deus da ordem.
— Poderia contribuir para nosso crédito se livrar dele, mas, não sabemos bem o
que é — resmungou Anão Xamã, dando de ombros.
— É um daqueles monstros cujo… cujo nome não deve ser falado — respondeu
Sacerdotisa, tremendo.
Em uma aventura, poucas coisas são mais perigosas do que desafiar um inimigo
que você não sabe nada. Se você não consegue estabelecer as suas linhas de
frente e da retaguarda, pior ainda.
Três dos exploradores tinham ficado cara-a-cara com essa criatura estranha
enquanto investigavam as ruínas no dia anterior. Foi Lagarto Sacerdote, seu
melhor lutador, que os tinha ordenado a evitar o combate e determinou fazer uma
retirada tática no dia anterior.
Não era isso um pouco além de extermínio de goblins? E não deveriam perguntar
à sua registradora de missão, Donzela da Espada, por suas instruções?
— Isso não importa — disse sem hesitação Matador de Goblins. — Ainda é
extermínio de goblins.
Depois disso, eles não tinham discutido com ele. O grupo não queria vir aqui,
em primeiro lugar.
Mas, quais eram os aventureiros que não iam ocasionalmente em perigos
desconhecidos? Em segurança, é claro.
Agora, vendo a criatura na capela, Matador de Goblins disse: — Olho Gigante
será um nome bom.
— Nunca consegue um muito enfeitado, não é? — disse Anão Xamã com um
pouco de sarcasmo.
— Se referindo ao Monstro Olho-Esbugalhado como um Olho Gigante — disse
Lagarto Sacerdote, com seus olhos revirando de diversão.
— Nada mal. Eu concordo. — Alta-Elfa Arqueira assentiu, com suas orelhas
balançando. Ela preparou uma flecha no arco e puxou sua corda suavemente.
— E — disse Sacerdotisa, trazendo seu cajado de monge para mais perto — o
que vocês pretendem fazer sobre esse… Olho Gigante? Acha que devíamos
começar com Proteção?
Ninguém contestou a ideia.
— Então, de acordo com nosso hábito, me permitam ir na frente. Quanto mais
tanque termos, melhor.
— Vou ficar aqui atrás e atirar como sempre, tudo bem?
— Agora, e quanto a mim…? — Anão Xamã acariciou sua barba e olhou para o
teto. Algumas raízes de árvores tinham se espalhado através da pedra antiga. O
grupo estava provavelmente bem para fora da cidade agora, já não estavam
debaixo das ruas da cidade da água. A vida vegetal que esteve crescendo nos
campos por quem sabe quantos anos, tinha penetrado até aqui embaixo. Antes
que tivesse passado mais séculos, essas ruínas pertenceriam provavelmente às
árvores.
Era simplesmente um lembrete: Ninguém pode melhor que o tempo.
— Não importa como se analise, isso é um Olho Gigante.
— Tentando ser engraçado, anão?
— Deixe disso, orelhuda. Estou falando sério.
Anão Xamã ignorou soturnamente a provocação da elfa.
Dragões cuspiam fogo, harpias cantavam e cobras tinham seus venenos… Olhos
Gigantes eram capazes de ver.
Alguém não sobreviveria subestimando todos aqueles tentáculos se balançando,
nem o olho sinistro que se escondia abaixo deles.
— Tiremos sua visão — murmurou Matador de Goblins. — Não me importa
como. Consegue o fazer?
— Tão certo quanto céu aberto. — Assentindo, Anão Xamã remexeu na sua bolsa
de catalisadores, depois começou a percorrer sua mão sobre o chão aos seus pés.
— Gnomos são muito bons. Mas, que tal eu levantar uma Parede Espiritual?
— Está bem.
Anão Xamã assentiu firmemente e deu um tapa na barriga.
A conversa acabou, Matador de Goblins começou a verificar suas armas e
equipamentos.
Tudo parecia que funcionaria tão bem quanto um novinho em folha, mas sua
armadura de couro bem usada estava quebrada, e isso o agradava. Ele fixou seu
escudo pequeno firmemente no braço esquerdo; a espada que ele tinha limado
estava boa para se usar em um espaço apertado. Tudo na sua bolsa de item estava
em ordem. O último era, como de costume, seu capacete sujo.
Eram coisas terrivelmente ruins para um aventureiro. Até um principiante teria
equipamento com melhor aparência.
Mas, aqueles que conheciam quem esse homem era, jamais o menosprezaria por
isso. Matador de Goblins tinha exatamente o que ele precisava.
— Você podia tentar parecer um pouco mais legal — disse Alta-Elfa Arqueira
com uma risada.
— Sim… — disse Sacerdotisa, franzindo seu rosto pensando nisso, antes de bater
a palma ligeiramente. — Já sei! Que tal uma pena no seu capacete, Matador de
Goblins, senhor?
— Não estou interessado.
Ele dispensou sumariamente a opinião das garotas, depois se levantou.
Alta-Elfa Arqueira olhou com surpresa para o lampião balançando em seu
quadril.
— Ei, Orcbolg. Sem tocha hoje?
— Tem uma coisa que quero testar. O fogo só iria atrapalhar — disse ele,
fechando cuidadosamente o anteparo do lampião. — Vamos.
Ao seu sinal, os aventureiros avançaram para dentro da sala e entraram na sua
formação de batalha habitual. O anão e a sacerdotisa ficaram por detrás, se
concentrando para que pudessem oferecer as suas magias e orações.
À princípio, o Olho Gigante só se arregalou com a intrusão rude.
Foi Sacerdotisa quem percebeu primeiro que isso era na verdade a forma de
atacar da criatura.
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda
segurança para nós que somos fra… Ahh!
— BEBBEBEBEBEHOOOO!!
Seus olhos abriram amplamente enquanto ela foi jogada pelo ar por uma onda de
choque invisível.
Alta-Elfa Arqueira deu um grito quando Sacerdotisa foi açoitada, depois
contorceu e caiu.
— Você está bem?! — gritou ela ruidosamente, tentando correr mesmo enquanto
mantinha uma linha de visão para disparar. Sacerdotisa se sentou, arfando.
— Si… sim… — Pálida e se ajoelhando, ela assentiu.
Esse olhar brutal tinha cortado violentamente o fio do espírito que a ligava aos
deuses acima. Parecia como se a sua própria alma tivesse sofrido o impacto, e
seu espírito doía amargamente.
Mas, isso não foi o que chamou sua atenção quando se levantou, ainda agarrada
ao seu cajado.
— Eu não posso… eu não posso usar magia…!
O grito percorreu através do grupo antes que alguém pudesse lançar alguma
coisa. Eles tinham dois sacerdotes e um xamã. Mais da metade do grupo era de
conjuradores. A capacidade de utilizar magia era nada menos que uma questão
de vida ou morte para eles.
— É aquele olho! — exclamou Anão Xamã, rangendo os dentes. — Corta-barba,
dê cabo dele!
— Certamente.
Enquanto falava, Matador de Goblins pegou um ovo da sua bolsa e lançou na
criatura. Voou direto para o alvo, se estilhaçando em uma nuvem de fumo
vermelho-enegrecido; gás lacrimogêneo.
— OOOOODEEARARARA?!?!
A coisa urticante voou por todos os seus muitos olhos, invocando um berro de
consternação do monstro. É claro, o Olho Gigante estava em um nível totalmente
diferente de qualquer goblin, e esse truque não era suficiente para o fazer
qualquer dano.
No entanto…
— Muuuito bem, aqui vou eu!
…foi mais do que suficiente para eles obterem o turno de agir.
Anão Xamã entendeu, pegando um punhado de terra da sua bolsa e jogando no
ar com um movimento suave.
— Saiam, seus gnomos, é hora de construir! Deixem todo esse espaço com terra
ser preenchido! Não temas vento e não temas ondas, uma parede sólida os
mantém à distância!
Ele dispersou a poeira enquanto entoava.
Depois, Anão Xamã largou no chão o que parecia ser uma parede de pedra versão
brinquedo de criança.
Ela cresceu enquanto observavam, até que uma muralha de terra completa ficou
perante eles.
Parede Espiritual era como Proteção, mas tomava uma forma física em vez de
imaterial. E diferente de uma barreira de Proteção, era impossível ver através de
uma Parede Espiritual.
— O que acha disso?
Mas, ele parecia ter conseguido a atenção do Olho Gigante, que tinha dissipado
atualmente o gás lacrimogêneo.
Seus tentáculos se remexendo se viraram para a Parede Espiritual e cintilaram
maliciosamente.
— BEEEHOOOOLLLL!!
No instante seguinte, uma luz deslumbrante preencheu o espaço sagrado.
— Hrrg…!
— Isso não vai adiantar!
— He… O qu…?!
Matador de Goblins e Lagarto Sacerdote gritaram e voltaram para trás. Anão
Xamã grunhiu.
Uma linha vermelha percorreu pela frente da Parede Espiritual, borbulhando
enquanto viam, derretendo ela.
— Isso é quente…!
— Ahh, não!
Sacerdotisa gritou quando a parede explodindo a apanhou. Anão Xamã a apoiou
o melhor que pôde enquanto ajudava ambos a correr dos destroços. Tão rápido
quanto tinha rompido através da sua barreira, a luz desapareceu, deixando marcas
de queimaduras no chão da capela.
Visão de calor? Não…
Foi uma forma intensa de Desintegrar lançada por um dos tentáculos com olhos
do Olho Gigante.
— Esses olhos malignos são capazes de Dissipar e Desintegrar! — Mesmo seu
grande lutador corpo-a-corpo, Lagarto Sacerdote, só poderia manter distância.
Por mais duro que suas escamas fossem, elas não conseguiriam defletir
Desintegrar. Ele queria invocar um Guerreiro Dragãodente como uma espécie de
parede própria, mas era claro demais que o Olho Gigante iria simplesmente dar
um olhar e dissipar ele.
Mas, por outro lado, atacar com suas garras, presas e cauda, se fazendo uma arma
em pessoa, o colocaria no risco do raio de calor.
— O que e-exatamente devemos fazer em relação a essa coisa?!
— Por ora, recuemos!
Enquanto Alta-Elfa Arqueira tentava armar um ataque, a resposta de Matador de
Goblins foi afiada e certa. Ele sacou sua espada com a mão direita e segurou seu
escudo com a esquerda, pondo Anão Xamã e Sacerdotisa atrás dele.
— Entendi…!
A elfa procurou um lugar seguro lá também, tomando os poucos passos que
faltavam para um salto.
— BEBEBEBEBEEEEHOO!!
— Quê?!
Ela pulou para evitar o impacto sob seus pés. O raio de calor chamuscou uns fios
de cabelo, e ela amaldiçoou uma ou duas vezes em élfico. Ela rolou
atabalhoadamente, mas se viu perto de Matador de Goblins.
— Você está bem?
— Hã?! — Alta-Elfa Arqueira se levantou, com suas orelhas longas tremendo de
surpresa. — Estou bem… Obrigada.
— Entendi.
— Bem, isso é um problema de fato… — Lagarto Sacerdote, que tinha se
rastejado de volta a fim de evitar o raio de calor, deu um suspiro penoso.
— BEEHOHOHO…
O Olho Gigante não mostrou um novo sinal de atacar, aparentemente satisfeito
em ter levado os aventureiros para fora da capela. Ele flutuou de volta para onde
esteve no começo, observando a entrada novamente.
— Parece que… enquanto nós não… entrarmos na sala… ele não nos atacará —
disse Sacerdotisa, respirando irregularmente e escorregando contra a parede. —
Ele deve estar… protegendo esse lugar.
— Não importa por enquanto. Descanse… Aqui, água.
— Ah, ob-obrigada…
Alta-Elfa Arqueira umedeceu seus lábios com um ou dois goles do seu cantil,
depois entregou para Sacerdotisa. A jovem o pegou com as duas mãos, então
bebeu delicadamente, engolindo quase que inaudivelmente.
— Acho que… se ele não pudesse me ver, eu poderia realizar o milagre…
— Mas, chegue a uma distância curta, e ele vai te ver com certeza. — Anão
Xamã não tentou esconder a sua frustração enquanto se sentava com força. —
Não podemos usar magias, e ele tem um raio de calor e mais extremidades que
todos nós juntos. Não temos como ganhar!
— Não — disse Matador de Goblins, fuçando no seu saco de itens. — Tem uma
coisa que quero testar.
— Só quero te lembrar, fogo, água e gás venenoso estão fora de questão.
— Eu me lembro — disse Matador de Goblins calmamente a Alta-Elfa Arqueira,
que tinha entrecerrado os olhos para ele. — Eu não trouxe nenhum implemento
de fogo ou água comigo. E duvido que veneno funcione.
Alta-Elfa Arqueira deu uma pequena fungada e murmurou “bom”, dando as suas
orelhas uma sacudida deliberada.
— Só para ter certeza, estamos fora da cidade, certo?
— Acho que sim — disse Anão Xamã, ficando intrigado e inclinando a cabeça.
— Andamos por um longo tempo, e a sensação aqui é definitivamente diferente.
— Então não há problema.
— Então está decidido — disse Lagarto Sacerdote, batendo as mãos. — Como
não temos nenhuma outra ideia engenhosa e temos de eliminar esse demônio
amaldiçoado, devemos confiar na tática do meu senhor Matador de Goblins.
— Obrigado — disse Matador de Goblins com um aceno. Seu capacete se virou
para Alta-Elfa Arqueira. — Preciso que a criatura se distraia, só por um
momento. Preciso que alguém entre e comece a correr. Consegue fazer isso?
— Deixa comigo! — assentiu Alta-Elfa Arqueira entusiasticamente, com suas
orelhas se balançando para cima e para baixo.
— Você pode lançar Estupor? Não quero que ele possa usar seu raio de calor.
— Daqui? — Anão Xamã acariciou sua barba, depois levantou o polegar e
fechou um olho.
Ele estendeu o braço para o Olho Gigante na capela como se estivesse mirando,
avaliando a distância.
— Pelo número de ladrilhos, eu diria… Certo. Acho que vai funcionar! — Ele
deu um sorriso incongruente e bateu na barriga como que para enfatizar seu
orgulho.
Bom. Matador de Goblins assentiu e se virou próximo a Lagarto Sacerdote.
— Precisamos de um Guerreiro Dragãodente. Um é o suficiente. Consegue
fazer?
— Estou um tanto quanto preocupado com esse Dissipar…
— Vou me certificar de que ele não consiga ver.
— Sem esse olho maligno, acho que pode ser feito. Pode contar comigo. — Ele
revirou os olhos com satisfação.
— Por fim — disse Matador de Goblins, olhando para Sacerdotisa — quando eu
der o sinal, quero que você lance Proteção na entrada.
Ela engoliu em seco profundamente e encarou ele o quanto pôde.
— Será capaz de fazer isso?
— …Sim, senhor! Vai dar tudo certo! — Ela segurou seu cajado de monge
firmemente com as duas mãos e deu um aceno forte com a cabeça. — Vamos lá!
E então, a batalha começou.
— Bom, se tudo o que tenho de fazer é não ser frita…
O Olho Gigante rolou para olhar Alta-Elfa Arqueira quando ela veio correndo
para a sala, saltitando tanto quanto uma lebre. Ela movia suas pernas esbeltas,
correndo sobre os bancos pelo salão.
O Olho Gigante flutuava no ar, com seu olhar a seguindo no sentido mais literal.
Seus tentáculos cheios de olhos começaram a obter aquele lampejo perigoso.
— BEBEBEBEBEHOHOOOOOL!!
— Caraaamba, aí vem ele, aí vem ele…
Gritando com uma voz alta demais para ser coquete e suave demais para ser um
grito, Alta-Elfa Arqueira saltou fora da frente. Obviamente, nem mesmo um elfo
é mais rápido que a velocidade da luz. Desviar de um olho quando ele tentava
mirar, sério? Isso é outra história.
O feixe brilhou silenciosamente, queimando a silhueta de Alta-Elfa Arqueira até
as paredes antigas e o chão.
Há um pouco de satisfação nisso, pensou ela, sorrindo enquanto dançava
agilmente para longe.
Sua irmã mais velha ou sua prima, ambas muito mais experiente que ela, poderia
fazer ainda melhor. Deveria ter sido fácil para disparar no Olho Gigante enquanto
fazia acrobacias para longe do seu Desintegrar.
Ela ainda tinha muito que aprender. Mas, ela não foi a primeira dos seus irmãos
a seguir esse caminho.
Ela sabia que tinha tempo de sobra. Tempo sempre estava do lado de um elfo.
Ao menos, desde que ela não se matasse.
Isso significava que o futuro era menos importante que concentrar tudo que ela
tinha no presente momento. Alta-Elfa Arqueira saltava corajosamente pela sala
sem preocupações, sem medo.
Nada poderia ter sido mais enfurecedor ao Olho Gigante.
— OOOOOLLDER!!
O olho grande principal girou mais rápido, tentando lançar mais ataques e mais
precisamente.
— Oh-ho! Essa é a minha orelhuda! Ela aparenta estar indo bem por si mesma.
Tal fato fez a criatura tirar seus olhos — todos eles — de Anão Xamã, que estava
rindo alegremente perto da entrada da capela.
Ele enfiou a mão na bolsa e tirou um jarro vermelho cheio de vinho. Uma
fragrância extraordinária flutuou para fora quando ele o destampou e tragou tão
rapidamente que algumas gotas pingaram em sua barba comprida.
Ele agitou o vinho em sua boca, depois espirrou alegremente no ar.
— Beba fundo, cante alto, deixe os espíritos te guiar! Cante alto, pise rápido, e
quando dormir eles te vejam, que uma jarra de vinho de fogo esteja em seus
sonhos para te cumprimentar!
E de fato, o jato dos espíritos voaram pela sala e envolveram o Olho Gigante.
— BE… DERRRR…?
Ele começou a balançar no ar, parecendo que cairia no chão.
Ninguém sabia o que o agente do caos sonharia quando finalmente adormecesse.
— Ahh — disse Anão Xamã alegremente — apenas olhem o que um homem
pode fazer quando não está sendo menosprezado por um olho flutuante da morte.
— Ele limpou a boca com a luva.
— …Bom. — Para o aceno de Anão Xamã, Matador de Goblins veio
rapidamente para a capela. Ele não se movia nada parecido com a leveza de Alta-
Elfa Arqueira, mas, mesmo assim, mostrava uma agilidade impressionante para
alguém em uma armadura completa.
Enquanto corria, ele espalhava alguma coisa de um saco que ele tinha retirado
da sua bolsa de itens. Pouco tempo depois, um rastro denso de pó branco estava
flutuando atrás dele.
— O que é isso, Orcbolg? — perguntou Alta-Elfa Arqueira.
— Farinha de trigo. Não respirem ela.
— Tenho certeza que não sei o que você tem em mente, mas poderia ter dito isso
mais cedo.
Ela franziu a testa e cobriu a boca, mas ele a ignorou enquanto lançava a farinha
de trigo por todo o lugar.
Não demorou muito para que a capela apertada estivesse cheia dessa coisa.
Agora, o Olho Gigante estupefato — juntamente com tudo ao redor a uma
polegada em frente dos seus rostos — foi escondido da vista.
— Ah, Corta-barba, orelhuda! A magia não vai durar muito mais tempo!
Antes que Matador de Goblins pudesse responder o anão, Alta-Elfa Arqueira
estava se movendo.
— Por aqui, Orcbolg!
Os sentidos apurados da elfa a deixava ficar bem sem sua visão. Matador de
Goblins seguiu a voz clara pela capela.
— Hrrah!
Quando Matador de Goblins saiu, Lagarto Sacerdote deu um passo à frente,
jogando várias presas para dentro da entrada. Os ossos cresceram rapidamente e
se juntaram, se erguendo na forma de um guerreiro portando uma espada e
escudo. Os aventureiros estavam muito acostumados com esses temíveis
esqueletos à essa altura, e esse aqui avançou para o salão.
Assistindo ele desaparecer na fumaça branquinha, Lagarto Sacerdote abriu a
boca.
— Meu senhor Matador de Goblins, eu confio no meu Guerreiro Dragãodente,
mas ainda assim não pode fazer face a Desintegrar.
— Sem problemas — disse Matador de Goblins, e se virou para Alta-Elfa
Arqueira e Sacerdotisa. — Dispare uma flecha. Se você puder acertar o monstro,
isso será o suficiente.
— Entretanto, isso irá interromper os efeitos de Estupor.
— Não importa. Depois você lança imediatamente Proteção na entrada. — Ele
continuou calmamente: — Seu papel é crucial. Se falhar, todos morreremos.
— S-sim, senhor! — Ela assentiu tão confiantemente quanto pôde, apertando seu
cajado com ambas as mãos.
— Você realmente não podia pensar em uma maneira melhor de dizer isso? —
resmungou Alta-Elfa Arqueira, mas ela colocou uma flecha em seu arco. A corda
sedosa sibilou quando ela a puxou tensionando, fixando o alvo da haste de galho
de árvore.
Elfos arqueiros miram não com seus olhos, mas com a mente.
— …!
A flecha voou; eles nem sequer puderam ouvir o ar sendo cortado, apenas viram
a silhueta tecendo quando ela penetrou a nuvem de pó.
Mas, ela não precisou ver nada para saber o que tinha acontecido.
— Consegui!
— Ó Mãe Terra, abundante em misericórdia, pelo poder da terra conceda
segurança para nós que somos fracos…!
Dessa vez, a Mãe Terra conseguiu conceder o milagre rezado da sua humilde
seguidora.
Uma parede invisível selou a entrada da capela. Anão Xamã piscou várias vezes.
— O pó, a sala selada, espera, você não pode…
Matador de Goblins gritou:
— Tampem os ouvidos, abram a boca… e se abaixem!
— BE… HOOLLLOOHOHOHO!!
O Olho Gigante foi despertado do seu estupor por uma dor súbita e penetrante.
Ele viu seu olho transpassado por uma flecha ponta-broto. Havia pó por todo o
lado; ele mal conseguia enxergar.
Mas, ele podia distinguir uma silhueta humanoide vindo em sua direção com
arma na mão. Esses intrusos nunca iriam aprender? Se a criatura tivesse alguma
coisa que pudéssemos reconhecer como sentimentos, ele estava provavelmente
bastante irritado naquele momento.
Ele se virou, abrindo amplamente seus olhos e apontando seus tentáculos com
olhos. Seu terrível Desintegrar acumulou calor suficiente para infligir dano
crítico, e sua luz começou a brilhar…
— LDEEERRRRRRRR!!!
Inicialmente, Sacerdotisa não sabia o que aconteceu.
Ela pensou que talvez o lugar tivesse sido atingido por um raio.
Houve uma explosão.
Ela tinha ouvido uma série de sons de estouros; então a sala fora envolvida em
uma bola de fogo. Quando se expandiu, ela dizimou tudo na capela, esmagando
tudo com seu rugido e a fúria do seu calor.
— Hu… ah!
Sacerdotisa cobriu seu rosto; mesmo no outro lado da barreira de Proteção, estava
suficientemente quente para se queimar.
Na extremidade da sua visão contraída, ela viu Alta-Elfa Arqueira curvada como
uma bola e cobrindo desesperadamente suas orelhas. Pó caiu do teto, e as ruínas
se abalaram tão violentamente que ela se perguntou se toda a estrutura não
poderia vir abaixo.
Por fim, a fumaça ondulante começou a sumir.
— …Olhem — disse Matador de Goblins brevemente. Ele tinha se abaixado,
mas fora isso, parecia imperturbado.
Alta-Elfa Arqueira deu uma espreitadela obediente para a capela e viu que o Olho
Gigante ainda estava lá.
Lá em cima.
Ele deveria ter sido lançado para cima e batido no teto pela explosão. Os
tentáculos enegrecidos do monstro se contorciam pateticamente. Um após o
outro, eles caíram irresistivelmente, como se eles estivessem sendo arrancados…
Splaft.
Eles fizeram um nojento som de carne quando atingiram o chão no meio da sala.
A criatura era apenas um pedaço de carne tostada agora. Ela convulsionou várias
vezes, vomitando algum tipo de líquido, depois parou finalmente de se mexer.
Assim, o Observador, o monstro do caos invocado de outro reino, conheceu seu
fim.
— …Parece que o truque funcionou — disse categoricamente Anão Xamã. Ele
começou a se levantar lentamente.
Lagarto Sacerdote ofereceu a mão, balançando a língua. — Farinha de trigo, meu
senhor Matador de Goblins? O que você fez exatamente?
— Uma coisa que ouvi de um mineiro de carvão. — Matador de Goblins entrou
na capela com seu habitual passo ousado e despreocupado. — Ele disse que se
uma faísca fosse acesa em uma sala cheia de pó, ela se espalharia rapidamente e
depois explodiria.
Ele sacou a espada e a levou à criatura no chão, se certificando de que não
reagiria. — Mas isso foi mais problemático elaborar do que eu esperava. E há
muito risco de o fogo se propagar incontrolavelmente. Absolutamente muito
perigoso. — Matador de Goblins balançou a cabeça e murmurou: — Isso não
servirá de nada contra os goblins.
— E isso foi uma explosão! — Alta-Elfa Arqueira pôs suas orelhas para trás e
criticou Matador de Goblins.
Ela deveria mesmo. Ele não tinha prometido? Mas, ele estava indiferente pela
sua acusação.
— Não foi um ataque com fogo, água ou gás venenoso.
— Você está fugindo do ponto! Você… ahhh, esqueça.
Suspirando, Alta-Elfa Arqueira entrou questionando no salão de culto.
Eu sei que ele é uma boa pessoa, mas ele não é muito bom em manter o espírito
das suas promessas.
Afortunadamente para eles, com o Olho Gigante despachado, parecia que não
havia mais sinais de vida ali na sala. Esse agente do caos parecia ter sido o chefe
dessa masmorra.
Talvez aquele aligátor, nadando nos esgotos como o dono do lugar, fora o mestre
das ruínas anterior. Seja como for, ocorreu uma transferência de proprietário.
— Hmm… O que planejava fazer se não tivesse explodido? — perguntou
Sacerdotisa, mantendo o ritmo com Matador de Goblins com passos pequenos.
— Como você disse, essa coisa só parecia interessada em defender esse lugar —
respondeu ele, empurrando a criatura com o pé. — Poderíamos ter disparado
flechas nele do corredor, depois correr antes dele se recompor. Faríamos isso até
que morresse.
Matador de Goblins assentiu como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
— Leva tempo, mas é confiável.
— Argh. Isso não faz de mim a única que teria de fazer o trabalho todo? Me dá
um tempo! — Alta-Elfa Arqueira tinha completado a inspeção da área, satisfeita
que estavam seguros.
Por perto, Anão Xamã acariciou a barba, tentando não rir do tom resignado dela.
— Seria um problema para você, não é? Com todo esse exercício, você nunca
vai engordar, e será uma tábua para sempre!
— Olha quem fala. Como se você pudesse aguentar perder uns quilos.
— Não seja tonta. Anões são a imagem viva de um físico excelente!
Lagarto Sacerdote deu de ombros, feliz, e revirou os olhos; Sacerdotisa pôs a
mão na boca e riu.
Mesmo Alta-Elfa Arqueira se viu atraída a rir, e Anão Xamã riu calmamente
seguindo ela.
Matador de Goblins não riu, mas…
—…
— Uff… — Com um suspiro, ele embainhou a espada que ele estava segurando
com a mão direita até aquele momento.
O clima tenso que havia dominado suas explorações se dissipou, abrindo
caminho para um sentimento surpreendente de conforto.
Eles tinham vencido.
— Muito bem… Isso é muito intrigante.
A última risada tinha ecoado pela capela escura.
Lagarto Sacerdote apontou silenciosamente para a coisa que ainda pairava sobre
o altar: um espelho de corpo inteiro gigantesco. A superfície dele tremulava
como se fosse água, com ondulações estranhas se propagando.
O espelho e o trabalho em metal complexo e cativante em torno dele, não tinha
sido muito danificado pela explosão. Não poderia ser mais que óbvio que isso
não parecia um espelho normal.
— Poderia ser… um objeto de adoração? — Sacerdotisa se inclinou um pouco
para frente, se aproximando do altar.
— Seria melhor você se abster de tocá-lo descuidadamente.
— Sim, mas… Não podemos o deixar de investigar, podemos?
— Nos falta um batedor ou um ladrão no grupo — disse Anão Xamã.
Sacerdotisa estendeu a mão com o dedo pálido e tocou suavemente a superfície
do espelho.
Plim! Seu dedo afundou nele.
— …?!
Ela puxou instintivamente sua mão de volta, e a superfície do espelho ondulou
como um lago. Ondas pequenas surgiram de onde ela tinha o tocado, percorrendo
por toda a superfície.
— Oh! Uh, isso…
— Entrem em formação — ordenou Matador de Goblins, substituindo
Sacerdotisa perto do espelho enquanto ela recuava apressadamente.
Cada um dos membros do grupo sacara suas armas e se prepararam para a batalha
enquanto o espelho continuava oscilando. As ondulações na superfície se
distorciam e giravam loucamente e, depois de um tempo, começou a brilhar com
uma luz estranha.
Eles viram um deserto, eles não sabiam onde; estava coberto por uma areia verde
peculiar. Um sol brilhava no céu crepuscular perturbadoramente morto.
Porém, o que atraiu a atenção deles, sobretudo, foi um dispositivo mecânico
bizarro enorme. Pequenas silhuetas humanas se esforçavam em o empurrar;
enquanto se movia, ele balançava lentamente, como uma munição de morteiro
em um trilho.
Não… eles não eram humanos. Matador de Goblins sabia o que eles eram.
— …Goblins.
Era uma gangue de diabinhos cruéis. Outro goblin, com um chicote na mão e a
boca bem aberta — gritando com raiva, sem dúvida — tentava os apressar ao
trabalho. O que estavam fazendo e qual o propósito? Era temível até de imaginar.
Relativo à máquina e suas engrenagens enormes, eram feitas de ossos humanos.
— Mas que coisa é essa…?
— O lar dos goblins, eu acho.
Ao lado de uma Sacerdotisa tremendo, Lagarto Sacerdote assentiu lentamente.
Ele foi em frente com um ritmo calmo e tocou o espelho de novo com a garra de
uma mão escamada…
Subitamente, a imagem no espelho se distorceu.
Ela se comprimiu, percorreu para um lado, girou, e começou a se dissipar como
se tivesse sido apanhado por uma tempestade de areia.
— Oh…!
Alta-Elfa Arqueira exclamou com a cena pouco visível no panorama agitado.
Suas orelhas compridas balançaram, e ela apontou com sua mão maravilhosa e
gritou: — Olhem para isso! — Todo mundo olhou. — Agora mesmo eu vi… eu
vi as ruínas daquela selva! Onde fomos outro dia!
— Na selva? — murmurou Matador de Goblins. — Aquela com os goblins
anormalmente bem equipados?
— Isso é tudo o que lembra sobre ela? Mas, sim. É essa mesma. — Alta-Elfa
Arqueira assentiu para Matador de Goblins, com suas orelhas balançando de
entusiasmo. — Quais são as chances de que eles foram enviados daqui?
— Você acha que isso é uma relíquia antiga que pode produzir um Portal? —
sussurrou Anão Xamã, como se ele não pudesse acreditar.
Ele tinha uma boa razão para não acreditar. Portal, uma magia que poderia
conectar dois lugares, se perdera há muito tempo.
Pergaminhos como aquele que Matador de Goblins tinha usado eram
praticamente os únicos lugares onde se poderia encontrar a magia agora. E
mesmo esses eram itens caros que foram obtidos de ruínas antigas primeiro.
A ideia de um item mágico que pudesse invocar essa magia elusiva a qualquer
momento era incompreensível. Os aventureiros, é claro, não sabiam exatamente
como o usar, mas se eles pudessem descobrir como…
Imaginem só o preço que isso valeria. Mais do que eles podiam imaginar.
— Então alguém estava invocando goblins com essa coisa…
Alta-Elfa Arqueira recuou lentamente do espelho como se pudesse a atacar.
— …lhes deu armas e os fez viver aqui embaixo…
Anão Xamã captou o raciocínio, fechando um dos olhos e fazendo uma careta
para o espelho.
— …e então aquela besta imunda estava o vigiando.
Lagarto Sacerdote terminou com uma pancada com sua cauda.
— O que faremos, Matador de Goblins, senhor…?
Sacerdotisa olhou aflita para ele.
Matador de Goblins não respondeu.
— Não… — Ele balançou a cabeça lentamente de um lado para o outro, depois
se afastou com um passo ousado e decidido.
Ele rolou o cadáver do Olho Gigante com seu pé, pegando um pano encharcado
que só poderia ser visto por baixo.
Ele provavelmente fora levado para lá pela explosão. Estava chamuscado,
coberto de fuligem e imundo, mas, quando ele o desamarrotou, um estandarte de
guerra horrível foi revelado. Havia um desenho bruto no pigmento vermelho-
enegrecido de sangue seco.
Um simples olho.
A imagem era infantil, mas o que ela significava era assustadoramente clara.
O brasão significava que eles teriam retribuição pelo olho roubado. Era o símbolo
dos goblins, a prova de que os aventureiros tinham encontrado a sua cidadela.
— Eu sabia que era goblins — murmurou Matador de Goblins.
Como se estivessem respondendo, vozes uivantes vieram das profundezas da
terra.
Vozes de ódio imenso. Vozes de ciúmes e luxúria. Vozes que procuravam roubar,
violar, matar. Gritos cruéis cheios de ganância.
Dos confins desse buraco sujo, os barulhos vieram da escuridão que parecia a
província dos pesadelos.
— …Ee…
Sacerdotisa apertou seu cajado com as duas mãos e tremeu. Ela conhecia esses
sons, os conhecia de uma forma que a enojava. Essas vozes… esses goblins…!
— Ah-ha… Nossa explosão deve ter repercutido até eles. — Lagarto Sacerdote
exalou uma grande quantidade de oxigênio, esticando o pescoço.
As vozes pareciam vir de todos os lugares, de cada um dos inúmeros corredores
que levavam para fora da capela. Passos e ecos das armas e equipamentos
retinindo uns sobre os outros, se aproximando.
Eles não tinham muito tempo.
— Se é daqui que esses diabinhos estão vindo, então não podemos o ignorar.
— Então, você está dizendo…
Anão Xamã pegou sua garrafa de vinho de fogo e deu uma boa golada.
Seu rosto se enrijeceu e se tornou um pouco vermelho, depois mostrou
subitamente um sorriso estranho, como se para afastar a sua consternação.
— …eles estão vindo para tomar esse lugar de volta?
— Ei… Ah, cara… Não podemos ter um descanso? — Alta-Elfa Arqueira se
sentou debilmente. Suas orelhas caíram penosamente, toda a sua energia de
momentos atrás se foi. Seu rosto delicado abaixou, e parecia que ela iria chorar.
Sacerdotisa se aproximou dela, com uma expressão muito semelhante. Com
medo, tremendo, mãos rígidas, ela agarrou tão forte seu cajado de monge que sua
pele começou a ficar branca, e seus olhos estavam tremendo.
Mas, ela olhou para Matador de Goblins, embora não de modo suplicante nem
em desespero. Ela olhou diretamente para ele.
— Matador de Goblins, senhor.
Seu sussurro baixo fez com que todo mundo se focasse nele. Assim como eles
tinha feito com o ogro, assim como eles tinham feito com o senhor goblin, então
eles fizeram agora. Nos seus momentos mais terríveis, esse era o homem que
poderia fazer algo. Pode ser que tenha parecido que eles estavam desistindo, mas
não estavam, não exatamente.
Se o fizessem, quem iria recorrer a Matador de Goblins como um líder?
Nos termos mais amplos, era uma espécie de confiança.
— ……
Matador de Goblins analisou silenciosamente toda a sala.
A capela desmoronando. O espelho contendo o poder incrível de Portal. Os
goblins se aproximando por todas as direções. Os quatro aventureiros exaustos.
Eles tinham sido completamente encurralados em um beco sem saída, ou tinham
eles?
— O que eu tenho no meu bolso…?
Ele não estava à procura de uma resposta, estava apenas falando consigo mesmo.
Era uma adivinha que ele nunca tinha compreendido. Mesmo agora, ele não sabia
se entendia.
Não havia nada ali… exceto a sua mão.
Uma mão que podia segurar nada. Ou tudo.
Não foi sempre assim?
E se foi, então…
—…
Ele olhou para Alta-Elfa Arqueira, que não fez nenhum movimento para fugir
apesar do seu medo óbvio.
Para Anão Xamã, fortalecendo sua coragem com vinho.
Para Lagarto Sacerdote, que estava se preparando para a batalha se aproximando.
Para Sacerdotisa, que estava olhando diretamente para ele.
Então ele assentiu e disse tranquilamente:
— Não se preocupem.
Era impossível decifrar sua expressão por trás daquele elmo de aço.
Mas, para Sacerdotisa, não, para todos eles, seus únicos companheiros no
mundo…
— Isso não será um problema.
…parecia que, mesmo tão baixinho, ele estava rindo.
Capítulo 10: Ruínas da
Cidade e Armadilhas Mágicas
Não demorou muito para tudo parecer acabado, como se todos tivessem morrido.
Esse lugar, onde um pó marrom e belo subia ao ar, fora realmente uma capela
poucos momentos antes?
Agora, qualquer sinal do que isso havia sido estava coberto de terra, escombros,
rochas e destroços. Onde o teto deveria estar, só havia um antro de raízes
torcidas. A luz fraca do sol — ou, agora, a luz da lua e das estrelas — se infiltrava
através delas.
Era noite, início do verão. As estrelas que tremeluziam acima se dizia ser os olhos
dos deuses observando do firmamento. Eles observavam esse lugar, mas agora
não havia nada que testemunhasse os seus antigos habitantes.
À exceção talvez — apenas talvez — dos corpos terríveis de goblins que
poderiam ser vislumbrados em meio aos escombros.
…Não.
Havia um espelho ali.
No meio do santuário devastado estava uma montanha de escombros onde um
altar outrora esteve. No seu pico estava um espelho enorme, refletindo a luz das
estrelas em direção ao céu.
Daí, houve um barulho.
— Pfft!
Uma voz doce soou, e a montanha de escombros se desmoronou bem
ligeiramente.
Uma rocha foi empurrada de lado, e fazendo um túnel estreito pela terra veio…
uma garota elfa.
Era Alta-Elfa Arqueira, com seu rosto sujo de poeira.
— B-bons deuses, Orc… Orcbolg! O que estava pensando?!
Ela se contorceu como um gato que havia caído na água, com suas orelhas caídas.
Uma camada fina de poeira parecia ser o pior que ela havia tirado. Sacerdotisa,
que rastejava atrás dela, deu um suspiro. Ela tossiu várias vezes, cuspindo terra
da sua boca.
— Is-isso foi surpreendente…
— Surpreendente? É assim que você chama isso?
— Acho que estou meio que… acostumada com isso agora.
— Ah, pelo…!
Alta-Elfa Arqueira estendeu a mão para ajudar Sacerdotisa subir, ainda furiosa.
Os olhos de Lagarto Sacerdote se reviraram em seu rosto com a cena quando ele
saiu; então, ele se sentou com força. — Deuses… Tal é a nossa sorte por ter um
espelho Portal no momento certo.
Enquanto ele dava um suspiro, o Guerreiro Dragãodente próximo dele balançou
a cabeça também, em um toque inteligente de artista.
O altar continuava de pé. Era por isso que todos eles continuavam vivos… Mas,
havia uma coisa estranha.
Terra e poeira estavam amontoadas ao redor deles, mas o altar no centro de tudo
estava limpo.
O motivo era o espelho, o qual o Guerreiro Dragãodente estava agora apoiando
sozinho. Segurado pelo guerreiro e Lagarto Sacerdote, ele tinha transportado os
destroços que caíam através de Portal. Se não tivesse, os aventureiros estariam
tão mortos quanto todos os goblins ao redor deles.
— Ele absorveu todos os escombros. Só é uma pena ele ser tão pesado — disse
Lagarto Sacerdote.
— Bem, você fez quase todo o trabalho, Escamoso. — Anão Xamã escalou para
fora e tombou próximo a Lagarto Sacerdote com uma gargalhada. — Acho que
é um pouco grande para um escudo, não é?
Ele poderia finalmente beber sem interrupção. Ele não perdeu tempo em pegar o
odre de vinho e dar uma golada. Suas bochechas estavam pálidas pelo
esgotamento que as suas magias tinham feito ao seu espírito, mas beber um
pouco de bebida espirituosa rapidamente restaurou o rubor saudável.
— Mas, tenho de dizer, me sinto um pouco mal por aqueles do outro lado.
Apenas os antigos sabiam como usar exatamente esse artefato antigo da mesma
forma. Era impossível dizer quem trouxera essa coisa aqui, mas certamente foi
para uma utilização indevida do Portal.
O espelho conectava um ninho de goblin com o subterrâneo da cidade da água;
por que levava à essas ruínas?
— Talvez fosse dessa forma que as pessoas vieram aqui naquela época. Hein,
Corta-barba?
— Não estou interessado.
Era Matador de Goblins.
O último a sair da montanha de escombros, ele não mostrava sinais de fadiga,
falando calmamente e desapaixonadamente. Ele estava coberto de poeira e
respingos de sangue, mas seu capacete de aço com aparência barata e a armadura
de couro suja eram os mesmos de sempre.
Sacerdotisa, que tinha finalmente ficado de pé com a ajuda do seu cajado,
contraiu seus lábios com essa visão dele.
— Somos muito afortunados por não estarmos embaixo da cidade.
— Se tivéssemos, eu teria pensado em outra coisa.
Ela estufou suas bochechas com um grunhido. Ele estava, é claro, indiferente.
O capacete de aço de Matador de Goblins se virou ao redor, inspecionando a
área.
Ele viu a aparência exasperada de Sacerdotisa, a aparência jovial de Lagarto
Sacerdote, e Anão Xamã que ficava mais e mais vermelho enquanto bebia.
E por fim, ele viu Alta-Elfa Arqueira, que estava o olhando feio — ou talvez de
escabreio — para ele, com os olhos entrecerrados.
— Ei — disse ele.
— …O quê?
— Sem fogo, sem água, sem veneno, sem explosão.
Ele parecia um pouco impressionado consigo mesmo.
À luz da lua, um sorriso veio ao rosto de Alta-Elfa Arqueira. Um sorriso
translúcido e belo como se fosse feito de vidro.
— Orcbolg?
— O quê?
— Você é um idiota. — E ela deu um pontapé que enviou Matador de Goblins
cambaleando para trás nos escombros.
Capítulo 11: Lá e de Volta
Outra Vez
Para ela, esse mundo parecia um branco puro, um espaço em branco totalmente
impregnado pela luz.
O ar quente, a brisa refrescante, o farfalhar das folhas, a grama contra a sua pele
nua. Tudo isso.
Tudo isso era revigorante, cheio de luz, não dando lugar ao caos. Ela caminhou
por isso bem regiamente, sentindo uma sensação gentil em seu coração.
Sim, ela estava à vontade. Isso a surpreendia.
Nos últimos dias, ela tinha sentido um calor incomum em seu coração. Ela não
conseguia compreender o que era, mas ela tinha uma ideia de onde vinha.
Havia começado quando tinha dormido com o homem ferido, ou assim ela
pensava.
Ele era um guerreiro comum sem nenhum talento especial, cujo corpo falava de
uma devoção singular ao treino. Mais um motivo por ela estimar isso mais do
que a de qualquer herói. Ela mesma viu o valor de cada uma das cicatrizes na
pele dele e as dela, enquanto se pressionava contra o corpo dele.
De repente, ela parou.
Passos suaves ecoavam pela grama do jardim do Templo.
Algo preto em meio ao branco. Uma silhueta vaga e escura.
Seus lábios se separaram ligeiramente, e um sorriso pequenino se espalhou pelo
seu rosto.
Como ela poderia se esquecer dessa forma?
— Que bom vê-lo bem.
A silhueta — ele — assentiu brevemente.
Ele estava usando uma armadura de couro e um capacete de aço; no seu quadril
estava uma espada que parecia ter um comprimento estranho. Ela tinha sonhado
com ele muitas vezes, uma escuridão sacolejante escondia sua forma de
guerreiro.
— Eu vim com uma pergunta — disse ele, caminhando ousadamente até o lado
dela.
Ela ficou brevemente perdida quanto à forma de agir. Ela deveria permanecer
indiferente, ou um sorriso honesto seria melhor? Parecer encantada demais seria
infantil e vergonhoso.
— Sim, o que é? Se estiver em meu alcance para responder…
No fim, ela escolheu seu habitual sorriso calmo. Para ela, isso parecia mais
consigo mesma. Ela esperava que ele pensasse assim também.
Ela se perguntava com que expressão ele estava. A forma enevoada que ela via
não revelava nada. Embora mesmo que pudesse ver, seu capacete ainda assim a
esconderia dela.
E isso era só um pouquinho de se lamentar.
Com uma voz suave, ele disse:
— Você sabia de tudo, não é?
Ela sentiu seu coração acelerar, suas bochechas ficaram quentes. Ela trouxe seu
cajado espada-e-balança para mais perto de si, depois esticou as costas
revigorantemente.
Assim, ela esperava que sua voz não tremulasse.
— …Sim. Sabia.
Ela pôde ouvir ele dizer baixinho “entendi”.
Foi o mesmo tom desapaixonado que ele havia usado quando eles tinham se
encontrado e quando conversaram na cama.
Ela achava isso curiosamente e inacreditavelmente triste.
Só agora que ela percebeu que tinha esperado alguma coisa mudar. Ela nunca
tivera tal sensação perturbadora antes.
— Mas… como é que você descobriu?
— Não descobri.
Ela inclinou curiosamente a cabeça para ele.
— Eu tinha a intenção de perguntar isso a todo mundo que tivesse condições de
saber.
— Todo mundo… — murmurou Donzela da Espada. — Heh. Então é assim…?
Ela se viu inflando as bochechas com um toque de decepção.
Isso é vergonhoso. Não seja tão infantil, se repreendeu ela.
— Talvez eu deveria ter sido menos próxima então… — Ela suspirou
ligeiramente e olhou para ele, para sua sombra. — Mesmo assim… não estou
triste por ser a primeira a quem você perguntou.
Seus lábios se ergueram um pouco, formando um meio círculo. Ela fez isso? Ou
isso só aconteceu? Ela mesma não tinha certeza.
— Posso lhe perguntar por que suspeitava?
— Diversas razões.
A sombra negra se moveu ligeiramente na sua visão. Ela tinha um modo de andar
ousado e despreocupado. Mas não fazia nenhum som.
Ela amava o jeito que ele andava.
— Aquele branco… Como se chamava?
— Aligátor?
— Sim. — Ele assentiu. — Algo assim. Não acho que foi um encontro aleatório.
— Você acha que foi um encontro planejado então?
— Pelo menos na medida em que ele tentou nos espantar e atacar unilateralmente
os goblins.
— Sabia que você soa só um pouquinho paranoico?
Ele balançou a cabeça em resposta. — Você tem ruínas assim e ainda não tem
mapas e nenhuma missão de matar ratos. Aventureiros evitam o lugar. Não há
sequer patrulhas. É impossível.
— Você é inteligente.
— …Sim — disse Matador de Goblins. — Quando se trata de aventureiros, eu
sou.
— Hee-hee. — Uma gargalhada surgiu da parte de trás de sua garganta com a
resposta franca dele.
— Em outras palavras, tinha de haver alguma coisa montando guarda lá
embaixo… Um familiar.
—…
Ela não disse nada, apenas ficou olhando para ele com um sorriso colado em seu
rosto.
Ela odiava admitir isso, mas seria vergonhoso negar isso também. Ele estava
certo. O aligátor era um guardião da ordem ao serviço do Deus Supremo, o
protetor do subsolo da cidade.
O frio da chuva, o calor da batalha, o fedor de goblins, as lâminas enferrujadas
perfurando escamas e pele.
Ela tinha entrado no banheiro para aliviar as sensações que ela partilhava com o
aligátor.
O pensamento do modo como ela tinha se exposto para a sacerdotisa, fez suas
bochechas queimarem tão intensamente que mesmo ela os pôde sentir.
— Irônico, não é? — sussurrou ela. — Que a mensageira do Deus Supremo deve
proteger a cidade e só.
— Então você sabe. — Que os que mataram a mulher, abriram suas entranhas e
largaram seu corpo… — Eles não eram goblins.
Ele estava certo de novo.
Goblins eram covardes, cruéis, brutais e muito pouco inteligentes.
Provavelmente jamais ocorreria de eles permanecerem no território humano para
viver e devorar suas presas.
Suas cativas infelizes sempre eram levadas para o ninho, para ser diligentemente
despojadas da virtude lá. Ou, se as prisioneiras fossem numerosas o suficiente,
os goblins poderiam simplesmente brincar com elas até morrerem.
Em todo caso, suas mortes não seriam fáceis.
Ela sabia de tudo isso.
— …Não, eles não eram.
A cena estava gravada em sua memória, literalmente.
Ela tinha sido confinada numa câmara de pedra escura, cheia com a própria
sujeira e a dos seus captores, chorando lastimavelmente…
Eles tinham queimado ambos os seus olhos com uma tocha. Isso foi há mais de
dez anos agora.
— Eles estavam planejando alguma coisa com esse espelho… Os apoiadores
desse Deus Demônio infame. O mentor já…
Não está mais nesse mundo.
Em algum lugar completamente separado deles, tudo estava acabando.
Ela se curvou contra um pilar, virando seus olhos cegos para a paisagem além.
— Afinal…
O mundo branco vibrava diante dela. Ela olhou para aquele branco interminável
e suspirou. Era o tipo de coisa que uma aldeã jovem cansada de falar poderia ter
feito.
— Afinal, se os goblins atacassem, tenho certeza que eu teria simplesmente…
entrado em colapso e chorado.
Donzela da Espada estava muito ciente dos movimentos da Seita do Mal, contra
a qual ela mesmo tinha se oposto. Quando ela soube dos rituais de sacrifício
medonhos que eles estavam realizando, ela teve uma boa ideia do que eles
queriam conseguir.
Se vingar dela. A maioria de tais retaliações, ela poderia ter suportado.
Mas, goblins.
Seus pés tremeram. Agarrando a espada e balança, ela se levantou. Ela estava
contente por seus olhos estarem escondidos pela faixa.
Para quem ela poderia dizer?
Para quem ela poderia dizer que a heroína chamada Donzela da Espada precisava
ser salva de simples goblins?
— Quem acreditaria em mim?
Enquanto falava, ela puxou graciosamente o pano de suas vestimentas e começou
a massagear seus próprios ombros. Seus lábios se curvaram provocantemente, e
ela disse com um tom malicioso:
— O que você pretende fazer comigo?
— Nada. — Ele soou o mesmo de sempre: ordeiro, ainda mecânico e frio. —
Porque você não é um goblin.
Ela contraiu seus lábios como se estivesse amuando; não, de fato,
ela estava amuando.
— Por isso que você não pergunta por que, não é?
— Se quiser falar, vou ouvir.
— Oh-ho. — Um suspiro lânguido escapou dela. — Eu queria alguém que
entendesse.
Uma rajada longa de vento farfalhou galhos e folhas.
Medo, tristeza, dor, terror, impotência; tais coisas estão nesse mundo, e nesse
mundo são as pessoas que inspiram essas coisas.
— …Só queria alguém que entendesse.
Os goblins viviam debaixo da cidade.
Eles surgiam do esgoto à noite para atacar as pessoas nas ruas. Os aventureiros
que foram enviados atrás deles não voltaram; não havia como e quando saber
quem iria se tornar suas vítimas. Os goblins podiam estar se escondendo debaixo
da cama, à sombra da porta. Se você adormecesse, eles atacariam você. Ela tinha
certeza que todos sentiriam esse medo, assim como ela.
— Mas no fim… ninguém sentiu…
No fim, ninguém vivia com medo que os goblins os matariam. Era sempre outra
pessoa que morreria. Nunca eles.
— …Eu posso te dar esse espelho Portal.
Ela pôs um grande sorriso adulador em seu rosto. Mesmo ela sabia que tudo era
muito obviamente falso e frágil.
— Você certamente entende… Você acima de todos deve…
Ele a interrompeu bruscamente:
— Eu me desfiz dele.
— O quê…? — Pela primeira vez, algo mais do que um sorriso atravessou seu
rosto. Surpresa e uma pitada de confusão. — Isso era uma relíquia antiga. Um
tesouro que vale milhares de peças de ouro.
— Outros goblins podem ter aprendido como o usar. — Ele falou friamente,
franco, como se para salientar seu desinteresse. — Nós envolvemos o espelho
em concreto e o mandamos para o fundo do canal. Isso será um bom leito para o
seu branco… seja lá como se chama.
Sua silhueta não vacilou nem um centímetro. Ele soou como se isso fosse a coisa
mais natural do mundo.
— Heh-heh. Você é muito… muito interessante, de fato.
A normalidade esmagadora da sua voz a fez sentir muito estranha. Ela se sentia
como se estivesse flutuando; havia uma tranquilidade incomum no coração.
— Não deve haver muitos como você.
— Talvez.
— Diga. Posso te perguntar uma coisa?
— Não posso prometer que saberei a resposta — murmurou ele.
— Agora que você já matou os goblins… alguma coisa mudou? — Ela abriu os
braços quando perguntou, como uma garota inocente partilhando um segredo.
Heróis, heróis eram diferentes.
Quando um herói põe fim a Seita do Mal, a justiça, o mundo, a paz e assim por
diante estavam todos salvos. Mas, o que dizer sobre alguém que ajudou uma
pobre garota que tinha medo de goblins? As pessoas continuariam vivendo
tranquilamente; o rio se manteria fluindo. Nada mudaria. Nada.
Essa foi a razão por ninguém a ter ajudado.
Mesmo quando uma sacerdotisa sem nome acabasse descuidadamente por ser
capturada por goblins e era aviltada. Mesmo quando a garota de quinze anos
dentro da mulher aclamada como Donzela da Espada chorava por salvação.
Quem iria se condescender para reparar em tais coisas?
Do contrário, como ela poderia emitir uma missão de goblincídio?
— Certamente nada… nada mudará.
— Não me importa — respondeu ele sem sequer hesitar. — Você disse que já
passou por coisas terríveis, certo?
Ela acenou que sim.
— Eu já os vi. Do início ao fim. Então, eu não entendo seus sentimentos. —
Matador de Goblins foi inequívoco.
— ………………………………………
Donzela da Espada vagou.
Ela estendeu a mão suavemente, suplicante, para a sombra vaga que flutuava no
seu mundo branco.
— …Então, você não vai me ajudar?
— Não.
Ele não pegou a mão dela, mas sim lhe virou as costas.
Sua cabeça se abaixou como se ela tivesse sido lançada nas profundezas do
inferno, e ela riu sem graça. Havia um elemento de resignação nele. Um
sentimento que para ela era familiar demais.
É assim que sempre foi.
Sua alma, uma vez de uma donzela, fora ferida em todos os lugares possíveis.
Mesmo agora, aquela cena terrível, sua última visão nesse mundo, foi gravada
em seus olhos. À noite, ela viria para atormentá-la. A horda de goblins a
conspurcando, a estuprando, a violando, tomando tudo dela.
E ninguém podia a salvar disso. Isso iria continuar e continuar, para sempre…
Ninguém iria a ajudar.
Nunca. Jamais.
— Mas.
Ela olhou para cima, surpresa com a única palavra soando.
— Se os goblins aparecerem de novo, me chame.
A sombra escura, suas costas, já estava distante. Mas a sua voz impassível e
mecânica a fez ouvir facilmente.
— Eu os matarei para você.
— Ah…
Ela deslizou de joelhos como se estivesse entrando em colapso. Suas
características requintadas se distorceram e um soluço escapou de sua boca; ela
não pôde conter as lágrimas que saíram dos seus olhos.
Quando foi a última vez que ela tinha chorado tanto quanto depois de um dos
seus sonhos?
— Mesmo… Mesmo em meus… meus sonhos?
— Sim.
— Você… vai… Você vai vir…?
— Sim.
— Por quê? — A voz dela estava tremendo tanto que ela não podia dizer a
palavra; ela se embaralhou com uma incompleta em sua boca.
Mas ele a respondeu claramente.
— Porque eu sou Matador de Goblins.
O único que mata os diabinhos.
A sombra escura chamada Matador de Goblins se foi.
Foi-se para destruir goblins.
— Ah…
Donzela da Espada se viu agarrando seu peito generoso.
Não era puro ou decoroso.
Mas, ela nunca havia imaginado que um dia como esse iria chegar. Ela nunca
tinha imaginado que iria mais uma vez ser capaz de sentir esses sentimentos. Ela
havia pensando que eles estariam para sempre além do seu alcance, mas agora
ela se agarrou a eles.
Não era nada.
Uma mulher arrasada tinha conversado com um homem arrasado. Nada mais do
que isso.
Mas, agora ela sabia a verdade sobre o calor que floresceu no seu peito. Era uma
longa centelha ardente, atiçada inesperadamente em uma chama furiosa. Talvez
pudesse ser comparada a uma lareira partilhada com outra pessoa: tudo indo bem,
sem preocupações, um sono pacífico.
Sem ansiedade, sem medo.
Sem tremer e chorar no escuro, sem acordar gritando de um pesadelo.
Como ela tinha ansiado por uma noite de sono sem perturbação.
— Eu… Eu… Eu…
Ela ergueu a voz, fungando e soluçando.
Com as mãos, ela limpou desesperadamente as lágrimas que saíram dos seus
olhos.
Quando uma alegria penetrante surgiu em seu coração, ela gritou:
— Eu gosto de você…!
Se as palavras alcançaram ele ou não, só os deuses sabiam.
A chuva tinha parado, mas o céu permanecia carregado de nuvens.
A carruagem ribombava por uma estrada que seguia retamente como uma flecha
pela planície no interior da fronteira, do leste ao oeste.
Alguns iam para comércio. Outros, para ver seus familiares. Outros ainda, para
fugir deles.
Alguns como pioneiros. Alguns eram do tipo tristonhos que deviam estar indo
para o exílio.
Como era tão frequente em carruagens compartilhadas, expressões de alegria e
tristeza se misturavam livremente.
Entre essas expressões, alguns poderiam ter notado alguns companheiros de
viagem cuja aparência falava de um trabalho recente e finalmente terminado.
Nenhum, no entanto, teria sido capaz, provavelmente, de adivinhar de que
aventura provinha esses poucos.
Não fazia diferença para ninguém mesmo.
Extermínio de dragão poderia ter sido interessante, mas isso era apenas coisas de
lendas, e ninguém iria supor que eles tivessem sido atacados por um dragão.
Eis como o trabalho de se aventurar era muitas vezes.
— Mm… Ahh! Isso foi divertido…!
Alta-Elfa Arqueira se estirava para longe da bagagem que ela estivera encostada,
tentando aliviar seus ombros rígidos. Suas orelhas longas se levantaram
felizmente, e ela tinha uma expressão relaxada.
Anão Xamã, que estava sentado de pernas cruzadas e descansando o queixo na
mão, disse irritado:
— Mesmo na parte em que você estava sendo assediada por goblins e chorando
como um bebê?
— Bem, nós ganhamos a luta, não? E aqui estamos nós. E temos uma recompensa
para aproveitar! — Ela ergueu um saco de couro na palma de sua mão. O peso
dele vinha das peças de ouro lotada dentro.
Não que a recompensa importasse muito para ela. Era apenas um bônus.
— Devo confessar que sinto uma pontada de arrependimento sobre aquele
espelho Portal — disse Lagarto Sacerdote, com sua cauda enrolada no chão. Ele
lambeu o nariz com a língua enquanto folheava algum tipo de caderno. Antes de
terem afundado o espelho, ele havia tomado tantas notas sobre suas propriedades
únicas quanto pôde. — Mas nós recolhemos informações valiosas, acabamos
com uma heresia e fizemos ações valorosas. Estou bem mais que satisfeito.
— Não ouvirá nenhuma queixa de mim enquanto esse ouro me der uma boa
refeição!
— Vocês anões… sempre pensando com o estômago.
— Bem, ele é a maior parte de nós, afinal!
A réplica entre a arqueira e o xamã foi animada como sempre.
Nas proximidades, Sacerdotisa estava sentada e os observava alegremente.
Já acabou? Eu acho…
Ela se perguntava quem tinha usado o Portal para invocar a ameaça goblin…
Mas essa era outra história, uma que não tinha nada a ver com a aventura que ela
e os outros tinham acabado de terminar.
— ……
Ela olhou para o lado.
Ele estava lá, espremido entre a bagagem e a cortina, ainda com sua espada e sua
cabeça com o capacete virado para o chão.
Pouco depois da carruagem ter deixado a cidade da água, ele havia começado a
adormecer.
— …Ah, bem.
Sacerdotisa riu e pegou um cobertor fino da sua bolsa.
Ele realmente se machucaria por tirar a armadura e capacete, pelo menos quando
estivesse descansando?
Ela envolveu gentilmente o cobertor em volta dos seus ombros, depois se sentou
ao lado dele silenciosamente. Ela cruzou a mão e as colocou nos joelhos,
esticando suas costas, e colocou seu cajado de monge ao lado.
Verdade: Ele era Matador de Goblins. Então, não havia nada a se fazer.
Enquanto os goblins fossem seus inimigos, ele não abaixaria a guarda nem por
um momento.
Foi por isso que ela não tinha tentado lhe perguntar nada. Quando ele havia
voltado de fazer o seu relatório a Donzela da Espada, ele só tinha dito “está feito”.
E isso foi o suficiente. Agora que tudo havia acabado, ela tinha de deixá-lo
descansar.
— Oh?
Ela reparou que ele estava segurando outra coisa além da sua espada.
Uma gaiola pequena; o canário.
O pássaro, como seu dono, estava dormindo, com os olhos fechados e
empoleirado em um galho.
Parecia que ele estava alimentando e cuidando devidamente do animal. Tanta
atenção para fazer o que era certo, parecia muito ele.
— Me pergunto se ele já o deu um nome.
Ela o conhecia. Ele iria cuidar diligentemente do pássaro e provavelmente nunca
parou para pensar que ele precisaria de um nome.
Quando eles voltassem para a cidade fronteiriça, quando ele acordasse, ela teria
que ter certeza de perguntar.
Ela poderia quase escutar: Canário é bom o suficiente.
— Hee-hee.
Ela estendeu a mão, com cuidado para não acordar ele ou o pássaro. Com seus
dedos finos, ela pegou uma pena que o pássaro havia deixado cair. Ela a pegou
silenciosamente entre as barras da gaiola, a examinando na luz que se infiltrava
através da cortina.
Ela brilhava com um verde-claro pálido. Bem gentilmente, ela a colocou em uma
fresta em seu capacete.
A pena verde-pálida parecia combinar estranhamente com o elmo sujo, mas ela
não se importou.
Ele não iria se preocupar com esse pequeno toque de ostentação.
— Você trabalhou duro, Matador de Goblins, senhor.
— Quando chegarmos em casa…
De repente, uma voz escapou do capacete.
Sacerdotisa piscou várias vezes, depois contraiu os lábios e disse: — Vamos. Se
você está acordado, então diga.
— Acabei de acordar. — A sua voz, quando ele se sentou lentamente, tinha um
toque mais suave que o habitual.
Sacerdotisa acreditou que ele estava dormindo, mas ela resmungou: — Não
posso perceber sob esse capacete.
— Entendi.
Matador de Goblins pegou um cantil da sua bolsa e bebeu uma golada, depois
duas.
Como de costume, ele bebeu pela viseira do seu capacete, sugerindo que ele
estava a ignorando.
Ou talvez ele não entenderia se eu na verdade não o dissesse para tirar essa coisa.
Ele olhou para Sacerdotisa, que tinha colocado o dedo na boca pensando, e disse:
— Quando chegarmos em casa… — As mesmas palavras de antes. — Tem uma
coisa que quero testar.
— O que é?
— Uma sobremesa gelada.
— Ah… — disse Sacerdotisa, com um sorriso. Lagarto Sacerdote respondeu
imediatamente:
— Uma sobremesa gelada! Eu poderia porventura o acompanhar na degustação
dessa coisa?
— Se você quiser um pouco, não me importo — disse Matador de Goblins e,
depois de um tempo pensando, acrescentou: — É feito com leite.
— Oh-ho! Doce néctar!
Sua cauda se desenrolou e bateu em êxtase contra o chão da carruagem,
provocando um olhar de interesse do cocheiro pela cortina.
— D-desculpa, nada de mais aqui. Sinto muito por isso! — Sacerdotisa curvou
rapidamente a cabeça para ele e exortou seus companheiros a se acalmarem.
Ela pôs as mãos em seu peito e deu um suspiro. Graças aos céus eles não foram
avisados para sair da carruagem.
Ignorando-a totalmente, Anão Xamã deu uma risada ressonante e bateu na
barriga.
— Ho, Corta-barba! Planejando ter uma refeição e não convidar o anão?
— Eu deveria?
— Certamente acho que sim!
Matador de Goblins virou seu capacete para o nada e fez um som silencioso,
depois assentiu.
— Nesse caso, por favor, se junte a nós.
Anão Xamã perguntou como ele planeava fazer essa sobremesa gelada, no qual
Matador de Goblins explicou, gesticulando com as mãos. Lagarto Sacerdote
levantou a garra para oferecer sua ideia, ao qual Matador de Goblins respondeu:
— Então, devíamos…
Matador de Goblins normalmente era reticente e fazer com que ele se abrisse era
difícil. Mas…
— Caramba…
…aqui agora, ele era claramente o centro das atenções.
O pensamento espalhou um calor agradável pelo pequeno peito de Sacerdotisa.
— Certo! — decidiu ela, levantando a mão facilmente. — Matador de Goblins,
senhor, eu também posso comer um pouco, não posso?
— Não me importo.
Ele não se importa. Ela deu um risinho e olhou para Alta-Elfa Arqueira.
Alta-Elfa Arqueira se sentava à frente dele, encarando sugestivamente o outro
lado, com suas orelhas tremulando.
Embora não fosse necessariamente um sinal de que ele havia notado, Matador de
Goblins disse:
— E você?
— … — Suas orelhas se ergueram de novo. — Sim. Me dê um pouco também.
— Entendi — disse Matador de Goblins, então ele adicionou incisivamente: —
Se isso não dar muito certo, não me odeie.
— Tsc…
Ele está guardando rancor?
Não, não pode ser. Alta-Elfa Arqueira bufou levemente.
Sim. É claro. Ele não era o tipo que ficaria chateado, mesmo que uma elfa
estourada o maltratasse. Mesmo se uma pessoa normal pudesse ficar aborrecida.
Depois de um tempo, Alta-Elfa Arqueira deu um longo suspiro e se virou para o
encarar.
— Sim, tudo bem. Nada de odiar. Então… por favor?
— Sim.
O capacete de aço balançou para cima e para baixo depois.
Sacerdotisa pensava em quando ele perceberia a pena verde-clara em seu
capacete.
Quem sabe enquanto eles ainda estivessem na carruagem, talvez depois deles
voltarem para a cidade, se calhar não até à próxima vez que ele o tirasse.
O que ele faria quando notasse? Ele ficaria com raiva, ou iria rir, ou talvez não
ligaria para isso?
Alta-Elfa Arqueira, ignorante às imaginações de Sacerdotisa, entrecerrou os
olhos como um gato.
— Eu não sei se estou gostando muito de extermínio de goblins.
Ela fez um círculo no ar com o dedo, com suas orelhas se movendo para cima e
para baixo.
Eles haviam ido em uma ruína subterrânea para explorar, foram apanhados em
uma armadilha e saíram de novo. Eles tinham lutado, derrotaram um monstro
bizarro e descobriram um artefato inestimável. Todos eles estavam viajando
nessa carruagem juntos.
Do interior à fronteira. Do leste ao oeste.
Tudo isso para retornarem para a casa agora que a aventura havia terminado.
— …Mas não foi assim tão ruim, eu acho.
Talvez ela não conseguisse muito bem dizer como se sentia. Os olhos do canário
se abriram vibrando, e ele chilreou vividamente.
Posfácio