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All content following this page was uploaded by João Pedro Barreiros on 04 September 2016.
CROCODYLIA:
UMA LONGA
HISTÓRIA
DE SUCESSO
EVOLUTIVO1
[1]
EVOLUÇÃO MORFOLOGIA
Os primeiros fósseis reconhecidamente identificáveis como O sucesso dos crocodilos está directamente ligado à sua ana-
crocodilianos têm cerca de 200 milhões de anos (MA) e tomia e a um design que provou, ao longo de milhões de anos,
incluem as antigas subordens Protosuchia e Sphenosuchia. ser capaz de se adaptar a tudo o que a evolução da vida na
Contrariamente ao cenário clássico, os primeiros crocodilos, Terra lhes atirou.
do género Ortosuchus, eram terrestres e assim se mantiveram
durante cerca de 20 MA altura em que evoluíram para formas Alguns aspectos anatómicos e fisiológicos são cruciais para se
predominantemente aquáticas em mares, lagos e rios. entender esta questão:
O primeiro grande grupo de crocodilianos denomina-se 1. As válvulas nasais e palatais – garantem a estan-
Mesosuchia e inclui formas terrestres e marinhas sendo que quicidade das aberturas nasais e esofágicas per-
estas últimas apresentavam os membros posteriores e ante- mitindo que os crocodilos se mantenham sub-
riores em forma de barbatanas, uma cauda achatada similar à mersos sem que entre água nas vias respiratórias.
Este detalhe aparentemente simples permite aos tiagudas na cauda e possuindo tecido ósseo no
crocodilos uma respiração aérea eficiente pelas dorso formando a clássica “armadura” que pro-
narinas – quando apenas estas assomam fora de tege os órgãos internos dos crocodilos principal-
água – ou pela boca quando se encontram com- mente de combates intra-específicos.
pletamente emersos.
[3]
da incubação, nomeadamente pela temperatura. Se esta for de
5. Maxilas e dentes – os dentes dos crocodilos são
30°C ou menos existe um desenvolvimento lento e nascem
cónicos e sub-iguais substituindo-se constantemen-
apenas fêmeas. Incubações a 31°C produzem neonatos de
te ao longo da vida do animal e prendem eficaz-
ambos os sexos enquanto entre 32 e 33°C geram sobretudo
mente qualquer presa. Os músculos que fecham as
machos. Se a temperatura for superior a 33°C continuam a
mandíbulas são extremamente poderosos e facil-
gerar-se apenas machos ou acontece uma reversão para
mente esmagam a carapaça de uma tartaruga ou o
fêmeas. Este processo tem sido ultimamente visto como um
crânio de um porco.
mecanismo de aumento das probabilidades de se atingirem
6. Coração – ao contrário dos outros répteis, cujo co- grandes tamanhos, uma vez que o crescimento é mais rápido
ração é mono-ventricular, os crocodilos possuem nas fêmeas, num menor espaço de tempo e, assim, aumentar
um coração com quatro câmaras similar ao das as possibilidades de sobrevivência de cada indivíduo.
aves e mamíferos sendo extremamente eficaz nos
mecanismos de troca gasosa. Durante toda a incubação, as fêmeas dedicam um extremo-
so cuidado com a ninhada e interagem por sons com as crias
7. Estômago – a eficiência digestiva dos crocodilos mesmo antes da eclosão estabelecendo um laço de reconhe-
permite-lhes um aproveitamento do alimento cimento que é vital à sobrevivência dos neonatos nos primei-
engolido cerca de 40% superior ao de um mamí- ros dias de vida. De facto, um neonato é vulnerável a um
fero carnívoro. As enzimas digestivas são eficazes vasto leque de predadores que compreende aves, mamífe-
com ossos, cascos e demais estruturas rígidas das ros, répteis, alguns peixes e mesmo invertebrados como
presas engolidas. caranguejos. Para além destes, o canibalismo é frequente nos
Crocodylia pelo que os recém-eclodidos são mantidos pelas
8. Pele – as escamas apresentam formas e consis- mães em pequenos charcos isolados e activamente defendi-
tências diferentes sendo macias no ventre, pon- dos até que se dispersem e possam sobreviver por sua conta.
ALIMENTAÇÃO As famílias Alligatoridae, Crocodylidae e Gavialidae distin-
guem-se entre si por diversos detalhes sendo que esta últi-
Todos os Crocodylia são predadores activos logo após a eclo- ma, que contém apenas uma espécie (Gavialis gangeticus) é
são. Os neonatos consomem primeiramente insectos e imediatamente distinguível das demais, sobretudo pelas
outros invertebrados, bem como pequenos peixes e anfíbios. características únicas das suas maxilas extremamente alonga-
Uma vez que o seu crescimento é, inicialmente, rápido, o das e adaptadas a uma dieta eminentemente piscívora.
tamanho das suas presas aumenta de modo proporcional
sendo que a maior parte dos crocodilos são predadores
As famílias Alligatoridae e Gavialidae terão evoluído a partir
oportunistas bem como necrófagos. Em África, por exemplo,
de ancestrais de água doce enquanto a família Crocodylidae,
não é raro observar grupos de muitas dezenas de Crocodylus
niloticus devorando cadáveres de hipopótamos ou de elefan- tendo em conta as características da sua língua e a eficiência
tes o mesmo acontecendo na Índia em que grupos de C. na excreção de excesso de sal, terá evoluído de ancestrais
palustris se agregam à volta de cadáveres de elefantes asiáti- marinhos. Ainda hoje existem duas espécies com ocorrências
cos. Mesmo animais em avançado estado de decomposição marinhas conhecidas – Crocodylus acutus e C. niloticus – ou
são ingeridos por crocodilos sendo que a captura de grandes com hábitos predominantemente marinhos e mesmo capa-
presas por parte de animais de maiores dimensões tanto zes de longas travessias oceânicas – C. porosus.
pode ir de antílopes a javalis como de leões a jaguares, gran-
des serpentes, outros crocodilos, animais domésticos, peixes A família Alligatoridae compreende oito espécies inseridas
e, naturalmente, humanos (este aspecto é discutido abaixo).
em três géneros:
[4]
[5]
Figura 1. “Close-up” de um Caiman crocodilus,
fotografado pelo autor na Colômbia em 2009.
tida dada a exponencial recuperação das populações a partir C. yacare são, também, relativamente comuns e a primeira
dos anos 80 do séc. XX. ocorre inclusive em áreas de elevada densidade humana
nomeadamente no Rio Tietê – que atravessa a megalópole de
Os caimões, ou jacarés, são exclusivos da América do Sul com São Paulo – ou a Baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Todas
excepção da espécie Caiman crocodilus genericamente conhe- as espécies deste género são de porte intermédio (máx. 3,5m)
cida como Caimão-de-lunetas (Fig. 1). De facto, C. crocodilus e não constituem uma ameaça real para pessoas.
ocorre desde o S do México e em toda a América Central com
populações particularmente abundantes na Venezuela esten- Melanosuchus niger, pelo contrário, é o único caimão (e o
dendo-se ao Perú, NW da Bolívia e praticamente toda a meta- segundo Alligatoridae juntamente com Alligator mississippiensis)
de Centro Norte do Brasil. Algumas populações ferais estão que atinge as dimensões e a fama de atacar humanos, normal-
hoje estabelecidas em Cuba, na Florida e em Porto Rico. De mente atribuída aos grandes crocodilos. Atinge 5m ou mais de
facto, C. crocodilus parece beneficiar da presença humana e do comprimento e ocorre na bacia Amazónica incluindo Bolívia,
efeito que o excesso de caça de algumas espécies sul-america- Perú, Equador, Colômbia, Guiana e Guiana Francesa. Curio-
nas de maior porte (Melanosuchus niger e Crocodylus intermedius) samente não foi descrito na Venezuela e Suriname embora
teve na facilitação da sua expansão. As espécies C. latirostris e possam existir populações nesses países.
A família Alligatoridae completa-se com as duas espécies ATAQUES E INTERACÇÕES
Amazónicas de caimões anões, Paleosuchus palpebrosus e P.
COM HUMANOS
trigonatus. Ambas não ultrapassam 1,7m de comprimento e
possuem hábitos marcadamente florestais sendo, aparente- Os grandes exemplares de algumas espécies causam aciden-
mente, menos aquáticos que os seus parentes de maiores tes graves, muitas vezes fatais, com humanos. Para além de
dimensões. existir uma pressão humana cada vez mais elevada em
regiões outrora remotas e com saudáveis populações de cro-
A família Gavialidae compreende apenas uma espécie – codilos, o próprio turismo de natureza coloca em contacto
Gavialis gangeticus. Este animal único foi relativamente comum humanos sem preparação para prevenir acidentes e muito
na maioria dos rios e lagos desde o Paquistão à Birmânia. Hoje, menos para lidar com um evento, se este se produzir. As
apenas cerca de 2.000 adultos sobrevivem no N da Índia e no populações que residem em áreas com Crocodylia de gran-
Nepal. O excesso de procura da sua pele foi fatal para o Gavial des dimensões e reconhecidamente perigosos adoptam algu-
que, hoje, sobrevive sobretudo devido aos intensivos progra- mas formas de protecção, nomeadamente recorrendo a
mas de criação em cativeiro e repovoamento. estruturas físicas que impedem ou reduzem a aproximação
destes animais a aldeias ribeirinhas ou locais de pesca.
A família Crocodylidae compreende 14 espécies inseridas
em três géneros, sendo que 12 destas pertencem ao muito Inevitavelmente, para um grande Crocodylia, um humano
disseminado género Crocodylus. As várias espécies distri- constitui apenas mais uma potencial presa pelo que a preven-
buem-se pela América do N e Central (Crocodylus acutus, C. ção dos acidentes passa, em primeira instância, pela nossa
[6]
moreletii, C. rhombifer), América do S (C. intermedius), África própria capacidade de prevenir o contacto próximo e de
(C. cataphractus, C. niloticus, Osteolaemus tetraspis), Ásia (C. assumir comportamentos preventivos.
mindorensis, C. novaeguineae, C. palustris, C. siamensis,
Tomistoma schlegelii) e Austrália (C. johnsoni). O grande cro- Mesmo assim, existem todos os anos ataques fatais em núme-
codilo do Indo-Pacífico, Crocodylus porosus, também conheci- ros consideráveis atribuídos a algumas das maiores espécies
do como crocodilo-marinho ou crocodilo dos estuários é o deste grupo. As bases de dados mais fidedignas reportam ata-
maior e mais pesado réptil actual e apresenta uma vasta dis- ques na Austrália e nos E.U.A. mas é em África, onde a reco-
tribuição geográfica que se estende do Leste da Índia e Sri lha de informações fidedignas é mais difícil, que se produzem
Lanka até remotas ilhas do Pacífico tais como Salomão e mais fatalidades – no mínimo cerca de 500 acidentes por ano.
Vanuatu.
1. Nos E.U.A., o aumento de populações humanas
O crocodilo-americano, C. acutus, também apresenta hábi- e de visitantes às vastas áreas protegidas sobretu-
tos marinhos sendo comum encontrá-lo em praias e mangais do na Florida conduzem a ataques graves e fatais
costeiros. Para além de C. intermedius, endémico da bacia do de Alligator mississippiensis;
Rio Orinoco na Venezuela/Colômbia e com populações bas-
tante reduzidas, C. acutus ocorre em áreas costeiras da 2. Na Austrália ocorrem acidentes regularmente
América do Sul desde Trinidad & Tobago até ao N do Perú. com Crocodylus porosus sendo que esta espécie é
conhecida por causar vários acidentes na Indo-
O Falso-Gavial, Tomistoma schlegelii, ocorre somente em nésia, Filipinas, Malásia e Nova Guiné (juntamen-
áreas remotas da Malásia, Samatra e Bornéu. Como o próprio te com o endémico C. novaeguineae);
nome indica trata-se de um animal semelhante ao Gavial e
igualmente piscívoro mas filogeneticamente próximo dos ver- 3. Em África, Crocodylus niloticus é o 3.º animal sel-
dadeiros crocodilos. vagem a causar mais fatalidades em humanos (em
[7]
caso particular dos E.U.A. e da Austrália é possível que o rápido, até ao tamanho médio de abate (cerca de 1,5 a 2m).
aumento de acidentes que se tem verificado desde os finais de
1980 se devam aos regimes de protecção em vigor para Actualmente, o comércio internacional de peles de crocodi-
Alligator mississippiensis e Crocodylus porosus, respectivamente. lo envolve 30 países que exportam, legalmente, cerca de 1,5
milhões de peles por ano.
QUADRO 1
[9]
pressão humana
Crocodylus palustris Sudeste do Irão, Sul Paquis- > 4 Moderada a elevada VU Destruição de
tão, Índia, Sudeste Nepal habitat
[11]
velmente extinto
fora do Camboja
e Laos
Categorias IUCN:
CR – Criticamente ameaçado ou em risco de iminente extinção no meio natural;
EN – Ameaçado ou em risco de extinção no meio natural;
VU – Vulnerável ou em risco de extinção no meio natural num futuro próximo;
LR – Menor risco (dependente de medidas de conservação, eventualmente ameaçado ou de menor preocupação);
DD – Sem dados ou sem informação suficiente para se categorizar num dos níveis acima.
BREVE CONSIDERAÇÃO FINAL
BIBLIOGRAFIA
RECOMENDADA:
Para dados actualizados sobre esta Ordem de RICHARDSON K., Webb G. & C. Manolis 2000.
répteis consulte: http://www.iucncsg.org/pages/ Crocodiles: Inside and Out. Surrey Beatty and Sons:
Crocodilian-Species.html Sydney.
Para dados actualizados sobre ataques de SIDELEAU, B. & Britton, A. 2013. An analysis of
crocodilos consulte: www.crocodile-attack.info crocodilian attacks worldwide for the period 2008
– July 2013. Pp. 110-113 in Crocodiles.
CALDWELL, J. 2015. World Trade in Crocodilian Proceedings of the 22nd Working Meeting of the
Skins, 2011-2013. UNEP-WCMC: Cambridge. IUCN-SSC Crocodile Specialist Group. IUCN:
Gland, Switzerland.
LANGLEY, R.L. 2005. Alligator attacks on humans
in the United States. Wilderness and Environmental
Medicine, 16(3): 119-124.