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ISSN 1413-3555

Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 3 (2005), 347-353


©Revista Brasileira de Fisioterapia

TREINAMENTO FÍSICO E DESTREINAMENTO EM


HEMIPLÉGICOS CRÔNICOS: IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA

Teixeira-Salmela, L. F., Faria, C. D. C. M., Guimarães, C. Q.,


Goulart, F., Parreira, V. F., Inácio, E. P. e Alcântara, T. O.
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil
Correspondência para: Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela, Rua Conselheiro Andrade Figueira, 82/801, Gutierrez,
CEP 30430-280, Belo Horizonte, MG, e-mail: jhsalmela@hotmail.com ou chrismoraisf@yahoo.com

Recebido: 29/6/2004- Aceito: 8/4/2005

RESUMO
Contextualização: A alta incidência de Acidentes Vasculares Encefálicos (AVE), a significativa taxa de sobrevida e a permanência
de incapacidades pós-AVE justificam a importância de avaliar a Qualidade de Vida (QV) desses pacientes. Objetivo: Avaliar os
ganhos na QV de hemiplégicos crônicos comunitários após a realização de um programa de treinamento físico em grupo e apontar
os domínios de QV significativamente responsáveis por tais ganhos. Método: 30 indivíduos de ambos os sexos realizaram 30 sessões
de um programa de treinamento físico envolvendo atividades aeróbias associadas a exercícios de musculação e foram avaliados
antes e imediatamente após a intervenção. Desses, 22 (57,66 ± li ,95 anos) foram reavaliados após um ano do término das atividades
(follow-up). A QV foi investigada nas três avaliações mediante o Perfil de Saúde de Nottingham, questionário com seis domínios
de QV. ANOVA medidas repetidas com contrastes pré-planejados foi utilizada para investigar o comportamento da pontuação total
e de cada domínio nos três momentos avaliados (a< 0,05). Resultados: Foram observadas melhoras significativas com o treinamento
físico na pontuação total e nos domínios de nível de energia, reações emocionais e habilidades físicas (p < 0,05), sendo habilidade
física o que apresentou os maiores ganhos (34,2%). Os resultados do follow-up revelaram que não houve diminuição significativa
em nenhuma das medidas. Conclusão: Os benefícios obtidos com o treinamento físico permaneceram após um ano do término das
atividades, sugerindo que os indivíduos incorporaram os ganhos advindos com o programa em suas rotinas diárias, mantendo uma
melhor percepção de QV.
Palavras-chave: AVE, hemiplegia, treinamento, destreinamento, qualidade de vida, Perfil de Saúde de Nottingham.

ABSTRACT
Physical training and detraining among chronic stroke survivors: impact on quality of life
Background: The high incidence of stroke, the significant survival rale and the permanence of the disabilities following stroke
make it important to evaluate quality of life (QL) in the treatment of chronic stroke survivors. Objective: To investigate the gains
in QL among chronic stroke survivors living within the community after a physical training program and to identify the domains
o f QL that are significantly responsible for such gains. Method: Thirty stroke subjects o f both genders participated in a I 0-week,
thrice weekly combined program of aerobic exercises and muscle strengthening performed in a fitness center and were assessed
before and immediately after the intervention. Twenty-two of these individuais (57.66 ± 11.95 years) were reassessed ata follow-
up one year after the program finished. QL was investigated in ali three assessments by means of the Nottingham Health Profile,
a questionnaire that includes six domains o f QL. ANO VA measurements repeated with pre-planned contrasts were used to investigate
the variance patterns for total scores and for each domain at the three times (a< 0.05). Results: Significant gains were found for
the total score and for the domains of energy levei, emotional reactions and physical ability (p < 0.05). Physical ability was the
domain that showed the greatest gains (34.2%). The results from the follow-up study showed that there were no significant de-
creases in any of the domains, thus indicating that the benefits obtained from the training were maintained. Conclusion: These
findings suggest that subjects may have incorporated the gains from the program into their daily routines, and may therefore have
maintained better perceptions of their QL.
Key words: stroke, hemiplegia, training, detraining, quality of life, Nottingham health profile.
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INTRODUÇÃO com indicadores objetivos, como morbidade e mortalidade,


também são avaliados utilizando variáveis subjetivas, que
O Brasil está passando por duas importantes transições: incorporam as percepções individuais sobre bem-estar e
a demográfica, com aumento proporcional de idosos na qualidade de vida (QV). 2
população, e a epidemiológica, com mudança no perfil de Ainda não há uma definição consensual para o termo
morbi-mortalidade, sendo as doenças infecto-contagiosas QV, sendo questão de grande discussão na literatura.
substituídas pelas doenças crônico-degenerativas. Hoje, as Entretanto, para a OMS, a QV refere-se à percepção do
principais causas de morte em nosso país são doenças que, indivíduo de sua posição na vida, dentro de seu contexto
além de crônicas, geram incapacidade e dependência. 1 cultural e de seu sistema de valores, e em relação a seus
Portanto, o aumento do tempo de vida proporcionado pelas objetivos, expectativas e padrões sociais. 17 A QV é, portanto,
mudanças ocorridas, principalmente o avanço tecnológico um construto subjetivo e de múltiplas dimensões positivas
aplicado à área da saúde, vem acompanhado de períodos e negativas. 2· 17 Apesar dessa multidimensionalidade do termo,
de déficits de funcionalidade física, psíquica e social. 1•2 é de consenso na literatura que a QV inclui, no mínimo, três
É consenso na literatura científica que o Acidente dimensões: física, emocional e social. 2
Vascular Encefálico (AVE) ainda apresenta elevada incidência Apesar de o AVE gerar impacto em diversas dimensões
e, dado os altos índices de sobrevivência, apresenta também da vida, como física, emocional e social,1 tendo os indivíduos
elevada prevalência, que aumenta substancialmente com a de conviver com as incapacidades e as limitações por longos
idade.'.4 Em um estudo de base populacional realizado períodos de tempo,x a QV relacionada ao AVE ainda é pouco
predominantemente em países desenvolvidos, foi encontrada investigadaY Sobreviventes de AVE, quando comparados
uma incidência de AVE de 0,01% a 0,03% em indivíduos a indivíduos de idade semelhante, apresentaram piora na
com menos de 45 anos de idade e de I ,2% a 2,0% em vitalidade e nos aspectos emocionais, demonstraram ser
indivíduos com mais de 75 anos. Em relação à prevalência, socialmente isolados 13 e relataram pior satisfação com seu
foi encontrado um valor de 4,6% a 7,3% em pessoas com relacionamento familiar e com a sua funcionalidade. 16 Em
mais de 65 anos de idade. 1 Em nosso país, o AVE é indivíduos com no mínimo seis anos de ocorrência do último
considerado a principal causa de morte. Além disso, estudos episódio de AVE foram encontrados valores significa-
realizados nas cidades de Salvador e Joinville indicam tivamente menores em todos os oito domínios de QV
incidência em adultos jovens variando de 0,08% a O, 18%. avaliados: capacidade funcional, aspecto físico, dor, estado
Apesar de a prevalência ainda ser desconhecida, ela não deve geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspecto emocional
ser muito diferente da apresentada em outros países;1 ·6 e saúde mental. 14 Programas de reabilitação parecem ter
considerando o crescente envelhecimento populacional e influência positiva na QV desses indivíduos. Ll.tx Entretanto,
a mudança no quadro de morbi-mortalidade que está não foram encontrados estudos que avaliassem o impacto
ocorrendo nos últimos anos. 1 do treinamento físico e do destreinamento na QV de
As conseqüências do AVE para o indivíduo são diversasó· 7 portadores crônicos de seqüelas de AVE. Portanto, o objetivo
e, geralmente, permanecem por longos períodos,x podendo deste estudo foi: a) investigar o comportamento da QV de
atingir os três níveis do modelo de Classificação Internacional hemiplégicos crônicos comunitários após um programa de
de Funcionalidade (ClF) proposto pela Organização Mundial treinamento físico, bem como após um ano do término das
de Saúde (OMS): o nível de estrutura e função do corpo, o atividades; e b) destacar os domínios de QV
nível de atividade e o nível de participação. 9 Isso faz do AVE significativamente responsáveis pelas possíveis mudanças
a maior causa de incapacidade crônica 10 em países encontradas.
desenvolvidos e em desenvolvimento. 11 Entretanto, suas
conseqüências extrapolam o âmbito individual, afetando
METODOLOGIA
também a família e os serviços de assistência à saúde. 10 Assim,
pelo enorme impacto gerado pelo AVE, é cada vez maior a Amostra
utilização por profissionais da área da saúde de métodos que Foram recrutados na comunidade indivíduos de ambos
avaliam os resultados das ações na Qualidade de Vida os sexos, residentes na metrópole de Belo Horizonte, com
Relacionada à Saúde (QVRS). 7' 10 ' 12 - 16 idade superior a 20 anos, portadores de seqüela de AVE
Com a redefinição da OMS sobre o conceito de saúde isquêmico ou hemorrágico, apresentando fraqueza muscular
após a Segunda Guerra Mundial, incorporando a noção de e/ou espasticidade no dimídio acometido e com evolução
bem-estar físico, emocional e social, iniciaram-se as pós o último episódio de AVE de, no mínimo, nove meses.
discussões a respeito da medida do bem-estar e, Esses indivíduos foram selecionados dentre aqueles que já
conseqüentemente, da QVRS. A partir de 1970, aumentou haviam sido atendidos ou aguardavam atendimentos em
o uso do termo no contexto da atenção à saúde e, atualmente, serviços de fisioterapia de referência na metrópole, como
os resultados das intervenções, tradicionalmente medidos as clínicas escolas. Como critério de inclusão, esses sujeitos
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deveriam ser capazes de deambular por 15 minutos, podendo somatória do número de itens com resposta "NÃO" em todos
ter intervalos de repouso e utilizar auxílios mecânicos, exceto os domínios e, da mesma forma, foi realizada uma proporção.
andadores; apresentar tolerância ao exercício por 45 minutos Portanto, quanto mais próximos de I 00%, melhor a percepção
com intervalos de repouso; possuir autorização de um de QV daquele indivíduo, de acordo com o PSN. Foi
cardiologista para participar do programa de treinamento realizado, também, um cálculo utilizando proporção para
físico; ter boa compreensão para seguir as orientações durante determinar o ganho obtido com o programa de treinamento
as sessões; e estar disponível por 12 semanas consecutivas. físico na pontuação total e em cada domínio.
Todos os participantes assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa Programa de Treinamento Físico
da UFMG (parecer 031 /99). As atividades foram realizadas em um laboratório de
musculação durante 10 semanas consecutivas, com três
Procedimentos sessões semanais, durando em média 120 minutos cada, as
Dados relativos à idade, à escolaridade, ao tempo de quais eram realizadas em grupo, acompanhadas por músicas
evolução pós o primeiro episódio de AVE, à data do AVE apropriadas às atividades e às idades dos participantes. Foram
recorrente, quando presente, ao dimídio afetado e à utilização utilizados cardiofreqüencímetros para o monitoramento
de órteses e auxílios para a deambulação foram coletados constante da freqüência cardíaca, a qual era, juntamente com
de todos os participantes. a pressão arterial, registrada antes do início e após o término
Para a coleta dos dados foram realizadas três avaliações: das atividades e a cada modalidade de exercício aeróbio. O
pré e pós-programa de treinamento físico e um ano após o programa de treinamento físico seguiu um protocolo de
término das atividades (jollow-up). Para determinar a QV atividades já utilizado em hemiplégicos crônicos 1x· 2024 e foi
nos três momentos avaliados foi utilizado o Perfil de Saúde detalhado em um estudo prévio. 24
de Nottingham (PSN), instrumento recentemente adaptado
para o português-Brasi 1. 19 Destreinamento
O PSN é um indicador simples da percepção do Todos os indivíduos que participaram do programa de
indivíduo em relação a sua saúde física, emocional e social. treinamento físico foram convidados a participar de uma nova
É um questionário genérico, composto por 38 itens com reavaliação e o único critério para sua inclusão nessa etapa do
formato "SIM"/"NÃO", que são baseados na classificação estudo foi a assinatura do termo de consentimento livre e
de incapacidades descrita pela OMS. Esses itens são esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG
agrupados em seis domínios de QV: nível de energia (NE), (parecer 172/02). Foi considerado destreinamento a ausência
dor (D), reações emocionais (RE), sono (S), interação social do programa de treinamento físico utilizado neste estudo.
(IS) e habilidades físicas (HF). 20 Suas propriedades
psicométricas têm sido extensivamente testadas, demonstrando Análise Estatística
bons resultados em relação à confiabilidade e à validade. 2021 O programa SPSS para Windows (Versão I 0.0) foi
Em uma revisão literária sobre questionários genéricos de utilizado para a análise. Estatística descritiva e testes de
QV utilizados em pacientes pós-AVE, apenas dois normalidade (Shapiro-Wilk) foram realizados para todas as
instrumentos demonstraram ter confiabilidade, validade e variáveis. ANOVA medidas repetidas com contrastes pré-
responsividade, sendo o PSN um deles. 22 planejados foi utilizada para investigar o comportamento da
O questionário foi administrado para todos os pontuação total e de cada domínio nos três momentos avaliados.
participantes e nas três avaliações em forma de entrevista O nível de significância estabelecido foi de a= 0,05.
por um examinador devidamente treinado para a aplicação.
Considerando que as perguntas de todos os itens são redigidas RESULTADOS
afirmando percepções negativas de QV, como "eu fico
cansado o tempo todo" e "eu sinto dor à noite", o número Caracterização da Amostra
de respostas NÃO indica o quanto a percepção de QV do Trinta indivíduos, 17 homens e 13 mulheres, com idades
indivíduo é positiva. Portanto, para quantificar a percepção variando entre 34 e 83 anos (56,36 ± I 0,86) participaram
de QV, o número de respostas "NÃO" em cada domínio foi do programa de treinamento físico. Apresentavam tempo de
somado. Em seguida, foi realizado um cálculo de proporção evolução pós o primeiro episódio de AVE variando entre I
para obter um valor em porcentagem, permitindo, assim, a e 14 anos (3,81 ± 3,37 anos), metade com comprometimento
comparação da pontuação entre os domínios, uma vez que motor no dimídio direito e a outra metade no esquerdo, sendo
o número de itens em cada um não é homogêneo. Assim, que 15 utilizavam dispositivos de auxílio à marcha e IO, órtese
se todos os itens de determinado domínio tivessem como de tornozelo/pé.
resposta "NÃO", o valor seria 100% e indicaria QV máxima Da amostra inicial, oito não participaram da última
naquele domínio. Para a pontuação total foi realizada uma avaliação: um faleceu, quatro mudaram de endereço e os
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outros três não puderam comparecer à reavaliação. Para a físicas, mentais e sociais dos indivíduos. 7 Embora possa existir
análise dos dados foram considerados os 22 indivíduos que uma relação entre déficits neurológicos e percepção de QV,
participaram das três avaliações, sendo 14 homens e 8 mulheres, não há, necessariamente, melhora da QV a partir da melhora
com idades variando entre 34 e 83 anos (57 ,66 ± 11 ,95). da função neurológica, 2õ pois pacientes com níveis similares
Quanto à escolaridade, dez possuíam ensino fundamental de disfunção e limitação funcional podem apresentar níveis
incompleto, um apresentava ensino fundamental completo, completamente diferentes de incapacidade, uma vez que esta
dois apresentavam nível médio incompleto, seis, nível médio não se relaciona apenas com as habilidades funcionais, mas
completo e três, nível superior. também com a percepção que cada um tem de sua função
física, social e emocional. A QV é, portanto, um conceito
Qualidade de Vida complexo e multidimensional e sua avaliação tem por
A média e o desvio-padrão da pontuação obtida em cada finalidade destacar o impacto das disfunções e das limitações
domínio, assim como da pontuação total, nas três avaliações, funcionais nas dimensões físicas, emocionais e sociais de
estão representados na Tabela I. Comparando os resultados cada indivíduo. 4
pré e pós-programa de treinamento físico foram encontradas É de consenso na literatura e os achados do presente
melhoras significativas na pontuação total (F= I0,71; p = 0,003) estudo também indicam que indivíduos pós-AVE reportam
e nos domínios de NE (F = 4,63; p = 0,043), RE (F = 3,41; pior QV 7•14• 1" e tal fato apresenta associação com a presença
p = 0,039) e HF (F = 8,36; p = 0,008). Os ganhos obtidos de depressão e de dependência física 12 · 1" e a ausência de
com o programa de treinamento físico na percepção da QV vitalidade 12 e de reabilitação. 1õ
foram de 20,97% em NE, 9,17% em D, 18, I% em RE, A depressão pós-AVE tem ocorrência comum, resultante
13,59% em S, li ,06% em IS, 34,2% em HF e 17,34% no de múltiplos fatores e na maioria dos casos segue o modelo
total. Após um ano do término das atividades não ocorreram biopsicossocial de doença mental. Apesar dessa
perdas significativas em nenhuma das variáveis analisadas multicausalidade, são relatados fatores de risco biológicos
e as médias dos valores obtidos após o destreinamento foram, e psicossociais associados à depressão pós-AVE, estando
em todas as variáveis, maiores que as da avaliação inicial, a limitação funcional 2" e a diminuição da participação
sendo que o valor médio do domínio de dor não apresentou social 12 ·26 dentre os mais fortes. Os benefícios mentais
alteração após o destreinamento. advindos com a prática regular de atividade física são bem
definidos na literatura, sendo os exercícios físicos regulares
DISCUSSÃO considerados uma efetiva terapia não farmacológica para
estresse, ansiedade e depressão. Ainda são investigados seus
Os danos neurológicos do AVE geram disfunções efeitos no organismo para gerar tal benefício, sendo o aumento
sensitivas, cognitivas e motoras," que podem permanecer da função e perfusão cerebral e da secreção de beta-endorfina
como déficits residuais importantes, H alterando as capacidades alguns dos já estabelecidos. 27

Tabela 1. Médias e desvios-padrão da pontuáção (%)total e de cada domínio, nos três momentos avaliados (n = 22).

Domínio Pré Pós Follow-up


Nível de energia* 82,61 ± 24.35 100,00 ±o 94,21 ± 12.91
Dor 88,59 ± 19,19 96,74 ± 7,74 96,74 ± 7,74
Reações emocionais* 78,27 ± 21 ,05 92.76 ± 10,90 83,58 ± 22,94
Sono 77,39 ± 30,93 88,70 ± 18,90 81.74 ± 31.86
Interação social 81,74 ± 19,92 90,43 ± 14,61 85,22 ± 21 ,08
Habilidades físicas* 6!,96±22.13 83,15 ± 18,70 72,28 ± 20,97
Total* 77,58 ± 12,39 91,30 ± 8,08 84,77 ± 1!,87
*Pré e pós p < 0,05.
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Neste estudo, houve melhora significativa do domínio aeróbios, além de favorecerem o desenvolvimento de fibras
de reações emocionais com o programa de treinamento físico. oxidativas, parecem melhorar, também, o recrutamento das
Apesar de esse domínio não ser específico para depressão, unidades motoras. 30 No presente estudo, essas propriedades
é importante destacar que, como citado anteriormente, essa morfológicas não foram investigadas.
é uma alteração emocional bastante comum nos indivíduos A melhora nos domínios nível de energia e habilidades
pós-AVE e, com o programa de treinamento físico, houve físicas, encontrada neste estudo, representa o impacto positivo
melhora significativa do domínio emocional. Além disso, do programa na diminuição da dependência física e no ganho
os fatores mais fortes associados à depressão pós-AVE, de vitalidade, que também pode ser demonstrado pela melhora
limitação funcionaF 6 e diminuição da participação social, 12 ·26 nos valores de torque dos principais grupos musculares do
sofreram, de uma forma ou de outra, modificação com a tronco e dos membros inferiores, 24 na velocidade da marcha
intervenção proposta: houve melhora significativa da e na habilidade para manusear escadas (velocidade de subida
velocidade de marcha, da habilidade de manusear escadas 2x e descida). 24
e do domínio de habilidades físicas. Soma-se a isso que as Apesar de a média dos valores obtidos após o programa
atividades eram realizadas em grupo em um ambiente com de treinamento físico ter sido maior em todos os domínios
música, o que facilitava a interação social entre os indivíduos. de QV avaliados e na pontuação total, ela foi significativa
As alterações motoras apresentadas pós-AVE, como apenas nos domínios de nível de energia, reações emocionais
fraqueza muscular, espasticidade e padrões anormais de e habilidades físicas. Entretanto, os ganhos obtidos nesses
movimento, 6·29 podem impedir ou dificultar as transferências, domínios foram suficientes para aumentar, também de forma
a deambulação e a realização de atividades básicas e significativa, a pontuação total. Como citado anteriormente,
instrumentais de vida diária, 4 ·6 tornando o indivíduo a pior percepção de QV apresentada pelos indivíduos pós-
fisicamente dependente. A inatividade física associada à AVE possui associação com a presença de depressão e de
hemiparesia é um agravante para a função muscular, pois dependência física 12· 16 e com a ausência de vitalidadc 12 e de
a atrofia depende tanto do grau de disfunção motora quanto reabilitação/' fatores relacionados aos três domínios
da inatividade. 30 Em um estudo histopatológico de músculos modificados de forma significativa pela participação na
de pacientes hemiplégicos, a atrofia da fibra muscular não reabilitação proposta. Portanto, essa pode ser a explicação
apresentou relação com o tempo pós-AVE nem com a para a melhora observada na pontuação total mesmo sem
severidade da patologia, mas foi relacionada ao nível de a ocorrência de alterações significativas em todos os domínios.
atividade física diária do indivíduo. Portanto, o desuso parece Os domínios dor, sono e interação social não obtiveram
ser o principal mecanismo responsável pela atrofia muscular melhora significativa. É importante considerar que o
em pacientes hemiplégicos 31 e, conseqüentemente, pelas instrumento utilizado para avaliar a QV é um questionário
limitações associadas a tal alteração. Programas de atividade genérico e, portanto, apresenta algumas desvantagens quando
física em hemiplégicos têm demonstrado impacto positivo utilizado em um grupo de indivíduos com algumas
na melhora da fraqueza muscular, 1x· 202 ·" tendo o ganho de características específicas, como os hemiplégicos. Dor e sono
força muscular elevada associação com a melhora do não são fatores classicamente alterados em indivíduos com
desempenho funcional, 1x.n 202 ' 34 pois a diminuição na incapacidades crônicas advindas do AVE. Além disso, o
produção normal de força limita a produção máxima de programa de treinamento físico não tinha por objetivo
momento e potência. 34 diminuição da dor e, portanto, não foi realizada nenhuma
A ausência de vitalidade pode ter diferentes causas. Uma intervenção específica para essa disfunção. Em relação à
delas pode estar associada a mudanças nas propriedades interação social, é importante considerar a característica
morfológicas e contráteis das unidades motoras e nas cultural presente em nossa sociedade de superproteção e
propriedades mecânicas dos músculos paréticos: foi cuidados excessivos com os indivíduos que apresentam
encontrada uma classe de unidades motoras de contração- incapacidades e limitações funcionais, principalmente as
lenta e fatigável nos músculos hemiparéticos de pacientes decorrentes de um episódio súbito.
pós-AVE. O mesmo não foi observado em músculos normais. Os programas de reabilitação de hemiplégicos crônicos
Além disso, é observado clinicamente nos indivíduos pós- baseados em atividade física de condicionamento e/ou
AVE um aumento da fadigabilidade do sistema motor fortalecimento muscular têm proporcionado melhora no nível
hemiparético pela pobreza de resistência física na realização de estrutura e função do corpo, como aumento do torque
de atividades ou movimentos repetitivos. 29 Indivíduos pós- muscular 1x· 33 e da capacidade aeróbia, 1x· 32 ·"' e no nível de
AVE submetidos a um programa de condicionamento físico atividade, como aumento da velocidade de marcha2:UDs e
apresentaram melhora significativa da capacidade aeróbia, de subida de escadas. 1x.:n Entretanto, ainda é pouco investigado
da produção de C0 2 , do número de expirações por minuto, o impacto gerado no nível de participação. Portanto, neste
da carga e do tempo de atividade comparados aos integrantes estudo, os três níveis foram investigados e em todos foi obtida
do grupo que não participaram do programa. 35 Os exercícios melhora. 24 ·24 Além disso, em relação à QV, a diminuição com
352 Teixeira-Salmela, L. F. et ai. Rev. bras. fisioter.

o destreinamento não foi significativa em nenhuma das Dado o enorme impacto gerado pelo AVE, 6· 7 a permanência
variáveis, indicando a manutenção dos benefícios de incapacidades por longos períodos de tempox e a alta
proporcionados, mesmo após um ano da interrupção das prevalência observada em indivíduos idosos H que,
atividades. caracteristicamente, têm maior chance de apresentarem
O destreinamento em hemiplégicos crônicos é pouco déficits na funcionalidade física, emocional e social, 1.2 a
investigado. Sharp et a/., 13 após a realização de um programa avaliação e a reabilitação dos indivíduos não devem ser
de fortalecimento isocinético de flexores e extensores de facadas apenas em suas habilidades para realizar atividades
joelho em hemiplégicos crônicos, encontraram, após um mês básicas ou instrumentais de vida diária, mas também em sua
do término das atividades, manutenção dos ganhos de percepção sobre suas funções física, emocional e sociai,4
velocidade de marcha, apesar de ter ocorrido discreta sendo a QV questão essencial a ser considerada.
diminuição da força. Eng et al., 32 analisando equilíbrio,
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