Santos, M.P.
UNIVERSO, curso Farmácia
Revisão / Review
Cannabis sativa e Salvia divinorum – Uso irresponsável de plantas medicinais com
atividades psicoativas
Cannabis sativa and Salvia divinorum - Irresponsible use of medicinal plants with psychoactive
activities
Magno Pereira dos Santos1
Cláudio Cirne Santos2
Meriane Pires Carvalho3
INTRODUÇÃO
As plantas medicinais vêm sendo
utilizadas desde os tempos mais remotos e com
variados fins que vão desde tratamento, cura até
prevenção de doenças. O conhecimento passado de
geração a geração é uma importante fonte para a
descoberta dos princípios ativos. De acordo com a
OMS (Organização Mundial da Saúde), a
designação “planta medicinal” significa qualquer
planta que, em um ou mais de seus órgãos, contém
substâncias que podem ser empregadas para fins
terapêuticos, ou que são precursoras para a síntese
1
Aluno do 8º período do curso de Farmácia da Universidade Salgado de Oliveira, campus São Gonçalo, RJ, Brasil.
2,3
Professores do curso de Farmácia da Universidade Salgado de Oliveira, campus São Gonçalo, RJ, Brasil.
Correspondência: Magno Pereira dos Santos
Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO
Rua Lambari, 10 – Trindade
24456-570 – São Gonçalo-RJ – Brasil
Tel.: (21) 2138-3400
E-mail: universo@universo.edu.br / magno.pds@hotmail.com
RESUMO: As plantas medicinais que contêm substâncias psicoativas
exercem importantes efeitos sobre o sistema nervoso central (SNC) e devido
a isso, têm sido utilizadas desde tempos pretéritos com fins terapêuticos,
ritualísticos e recreacionais. Neste artigo foi realizada uma revisão
bibliográfica e conseqüente comparação entre duas plantas medicinais com
efeitos alucinógenos: a Cannabis sativa L. (Cannabaceae) e sua possível
sucessora Salvia divinorum L. (Lamiaceae), enfocando seus efeitos tóxicos
relacionados com o uso irresponsável.
Palavras-chave: Plantas medicinais, alucinógenos, Salvia divinorum,
Cannabis sativa, toxicidade.
ABSTRACT: Medicinal plants with psychoactive substances have
significant effects on the central nervous system (CNS) and for this reason,
have been used since past times for therapeutic, spiritual and recreational
activities. This review critically evaluates the reported pharmacological and
toxicologigal properties of Salvia divinorum and does a short discussion
between two medicinal plants with hallucinogenic effects: Cannabis sativa
L. (Cannabaceae) and it’s possible successor S. divinorum L., focusing on
the toxic effects associated with irresponsible use.
Keywords: Medicinal plants, hallucinogens, Salvia divinorum, Cannabis
sativa, toxicity.
de fármacos. Entre o uso primitivo e místico das
plantas pelos curandeiros até o conhecimento atual,
existem diferenças difíceis de serem mensuradas.
Entretanto, a partir do momento em que as plantas
passaram a ser utilizadas fora do seu contexto
original, tornou-se necessária a avaliação de sua
eficácia e segurança.1,2
O surgimento do conceito “natural”, em
muito contribuiu para o aumento do uso das plantas
medicinais nas últimas décadas. Para muitas
pessoas essa designação significa a “ausência de
produtos químicos”, que são aqueles que podem
causar algum dano ou, de outra forma, representam
1
UNIVERSO, curso Farmácia
perigo.3 Assim, produtos naturais passaram a ser
sinônimo de produtos saudáveis, seguros e
benéficos. Esse conceito é extremamente
equivocado, já que as plantas foram e são as
fornecedoras dos grandes venenos da história da
humanidade. Muitas plantas contêm substâncias
capazes de exercer ação tóxica sobre organismos
vivos.2,4 Essas são produzidas com diversas
funções, tais quais defesa, competição por espaço,
atração de polinizadores, dentre outras; e por esse
motivo muitas plantas acumulam substâncias de
elevada toxicidade.5
Plantas com atividade psicoativa exercem
importantes efeitos sobre a consciência, as emoções
e a cognição e, devido a isso, têm sido utilizadas há
bastante tempo com finalidades terapêuticas e
ritualísticas, porém o consumo de substâncias
psicoativas não está necessariamente relacionado
com esses propósitos.6 De fato, a população tem
feito o uso por mera curiosidade, estímulos
diversos, fugas, moda, rebeldia e uso recreativo.7
O ser humano descobriu há muito tempo
que certas plantas e substâncias tinham a
capacidade de alterar estados de consciência ao
serem ingeridas, aplicadas ou fumadas.8,9 Algumas
civilizações atribuíram esses estados a formas de
contato espiritual, deuses e forças mágicas da
natureza. O uso de plantas capazes de alterar os
estados de consciência tinha como finalidade
“quebrar” a percepção ordinária do mundo que
temos.10,11 Conhecidas como “plantas de poder”,
usadas para fins místicos.
O presente trabalho propõe uma revisão
comparando os efeitos toxicológicos de S.
divinorum e C. sativa, apontando a utilização das
plantas de forma irresponsável.
Salvia divinorum
S. divinorum é uma planta perene, nativa
da região de Sierra Madre, em Oaxaca, no sul do
México. Possui folhas macias, ovais, serrilhadas,
aveludadas e de coloração verde intenso, porém
podem apresentar tom amarelado em determinadas
condições. Suas flores são branco-azuladas, como
um lilás claro. A planta tem cerca de um metro de
altura e quando fresca quase não possui cheiro.12-15
De acordo com análises realizadas, foi
encontrada na espécie a substância Salvinorina A
(1), um diterpeno que apresentou ação psicoativa
em ensaios in vitro e in vivo diferenciada das
demais substâncias já conhecidas.2,6,16
A espécie é utilizada tradicionalmente
pelos xamãs Mazatecas com fins ritualísticos para a
cura e adivinhação, haja vista acreditarem que a
planta seja a reencarnação da Virgem Maria, por
isso a atribuição de nomes populares tais como
2
Santos, M.P.
“Maria ska”, “ska Pastora”, “hojas de Maria”, ou
“hojas de Pastora”.15
Existe uma grande variedade de espécies
dentro do gênero Salvia, porém essa atividade
psicoativa é uma característica exclusiva desta
espécie.17,18
São conhecidas três vias de administração
da planta: I – folhas secas fumadas, II – folhas
mastigadas e mantidas na boca para maior absorção
e III – folhas trituradas para se obter o extrato que é
utilizado juntamente com bebidas. Sendo as duas
primeiras vias mais comumente utilizadas de
maneira recreativa.10,19
Acredita-se que o uso recreativo teve
início nas últimas décadas com jovens de várias
cidades mexicanas. Essa utilização se dá sob a
forma de cigarros e então, vem sendo usada como
uma substituta da maconha.10,20
Os efeitos iniciam entre 5 a 10 minutos e
duram em média 40 minutos. Dependendo da dose,
podem ser sutis ou uma experiência psicodélica
intensa com distorções na noção de tempo,
encontros com seres, viagens para outros espaços,
planetas ou épocas, experimentar totalmente a vida
de outra pessoa, perda total da identidade.10,21-23
Em humanos, uma dose de 200 a 500 µg
de Salvinorina A (1) produz alucinações severas
com duração de aproximadamente uma hora, e
potência similar a do alucinógeno sintético
dietilamina do ácido lisérgico (LSD) (2). Diferente
de outras substâncias alucinógenas clássicas, o alvo
molecular responsável por sua ação não são os
receptores serotoninérgicos 5-HT2A.24-27
Estudos in vitro e in vivo indicaram que
salvinorina A é um agonista pleno dos receptores
opióides κ, responsáveis pelos efeitos analgésico e
psicotomimético.28-32
Santos, M.P.
Pesquisas realizadas pelo governo federal
norte-americano revelaram que cerca de 1,8 milhão
de pessoas já fizeram uso de S. divinorum. Dentre
os homens de 18 a 25 anos, 3% relataram o
consumo da espécie. Tornando-a duas vezes mais
utilizada que o LSD (2) e quase tão popular quanto
o ecstasy (3).13,33,34
Cannabis sativa (Maconha)
O gênero Cannabis (do Grego ‘κάνναβις” -
a que produz fumaça) é constituído por três
espécies principais a C. sativa, C. indica e C.
ruderalis, sendo a primeira de maior ocorrência.35,36
A espécie C. sativa (do Latin ‘sativus’ -
cultivado) é uma planta originária da Ásia Central,
com extrema adaptabilidade no que se refere ao
clima, altitude, solo, apesar de haver variação
quanto à conservação das suas propriedades
psicoativas, pois esta requer clima quente, seco e
umidade adequada do solo. É uma planta arbustiva,
com folhas em forma serrilhada, finamente
recortadas em segmentos lineares e verdes. Suas
flores, unissexuais e inconspícuas, têm pêlos
granulosos que, nas femininas, segregam uma
resina, seu caule possui fibras conhecidas como
cânhamo. A planta pode atingir ate 2,50 metros de
altura, sendo cultivada em quase todo planeta. C.
sativa é conhecida popularmente como “maconha”,
porém existem vários sinônimos como “erva santa”,
“marijuana”, “erva suruma”, “cânhamo”,
“cânhamo-da-índia”, “hanf”, “chanvre”, “hemp” e
“canapé”.37-39
A principal substância psicoativa presente
na espécie é o Tetraidrocanabinol (∆9 THC) (4)
sendo que as demais espécies, C. indica e C.
ruderalis, apresentam baixo teor de ∆9 THC e
ausência de substâncias psicoativas,
respectivamente.17,18,40,41
C. sativa vem sendo utilizada há séculos,
pela humanidade para diversos fins, tais como,
alimentação, rituais religiosos e práticas medicinais,
onde apresenta grande potencial terapêutico, apesar
de suas propriedades psicotrópicas. O seu uso
medicinal é permitido hoje em alguns estados
norte-americanos e países como Holanda, Bélgica e
3
UNIVERSO, curso Farmácia
Canadá, para aliviar sintomas relacionados ao
tratamento de câncer, AIDS, esclerose múltipla e
síndrome de Tourette.6,42
Segundo Noto e Formigoni (2002) os
efeitos prejudiciais da maconha em curto prazo são
distúrbios de concentração e memória, dificultando
a aprendizagem e a execução de tarefas de dirigir
ou operar máquinas. O uso contínuo dessa
substância pode causar tosse crônica, alteração da
imunidade, redução dos níveis de testosterona,
desenvolvimento de doenças mentais como a
esquizofrenia, depressão, crises de pânico, redução
do interesse e de motivação pela vida, com a
observação da síndrome amotivacional.43,44
Já Graeff (1989) relata outros efeitos,
como a hipersensibilidade a estímulos sensoriais e
principalmente alterações da percepção temporal.
Com doses mais elevadas surgem perturbações da
memória, alterações do pensamento e sentimentos
de estranheza. Somente em doses muito altas
aparecem alucinações e despersonalização.45
A atividade biológica da planta se deve a
uma série de substâncias de 21 átomos de carbono,
os canabinóides, estruturas terpenofenólicas que
não foram isoladas de qualquer outra espécie
vegetal ou animal.46
Dentre os canabinóides, o mais importante,
devido ao seu efeito psicotrópico, é o ∆9-
tetraidrocanabinol (∆9- THC). São relatadas
algumas atividades terapêuticas pelo uso desta
substância como analgesia, controle de espasmos
em pacientes portadores de esclerose múltipla,
ansiolítica e anticonvulsivante, porém podem ser
acompanhadas de efeitos adversos como alterações
na cognição e memória, euforia, depressão e
sedação.7,47,48
Basicamente, as folhas de C. sativa são
usadas como fumo e algumas vezes, as flores
também são utilizadas. Quando fumada os efeitos
se manifestam mais rapidamente do que quando
ingerida.49-51
O pico da intoxicação da C. sativa, quando
fumada, geralmente ocorre após 10 a 30 minutos,
quando os níveis de ∆9- THC são máximos.
Altamente lipossolúvel, o ∆9- THC e os metabólitos
tendem a acumular-se nas células adiposas e têm
uma meia-vida de aproximadamente 50 horas. A
maioria dos cigarros de C. sativa, "baseados",
contêm 5 a 20 mg de ∆9-THC.52 A intoxicação dura
geralmente de 2 a 4 horas, dependendo da dose;
entretanto, o prejuízo comportamental e psicomotor
pode continuar por várias horas após. A ingestão
oral de C. sativa produz um início de intoxicação
mais lento (45 a 60 minutos) e efeitos psicoativos
mais poderosos. A intoxicação geralmente envolve
achados fisiológicos, comportamentais, subjetivos e
neuropsicológicos característicos.10,51,53,54 O ∆9-
THC se liga especificamente a receptores
canabinóides acoplados à proteína G no encéfalo,
 UNIVERSO, curso Farmácia Santos, M.P.

principalmente nas áreas do controle motor, no
córtex cerebral e nas vias da dor. Dois tipos de
receptores canabinóides são conhecidos atualmente:
receptores CB1, localizados no encéfalo, e
receptores CB2, que se localizam no sistema
periférico sendo expressos principalmente por
células imunes.22,47
Os receptores CB1 e CB2 junto com os
ligantes canabinóides endógenos (anandamida, 2-
AG, noladin éter, virodamina e NADA) constituem
o sistema endocanabinóide. Os endocanabinóides
são derivados do ácido araquidônico, o que os
diferencia estruturalmente dos fitocanabinóides.53
A análise comparativa de aspectos
relevantes entre as duas espécies são mostradas na
tabela1.

Tabela 1. Análise comparativa entre as espécies S. divinorum e C. sativa.

ESPÉCIE Salvia divinorum Cannabis sativa

ASPECTO
MACROSCÓPICO55,56

ORIGEM Sul do México Ásia Central

FAMÍLIA Lamiaceae Cannabaceae
Planta perene com folhas macias,
Planta arbustiva com folhas
ovais, serrilhadas, aveludadas e de
DESCRIÇÃO serrilhadas e verdes, podendo atingir
coloração verde intenso, podendo
ate 2,50 metros de altura
atingir 1,00 metro de altura
Utilizada como fumo, ingestão de Utilizada como fumo ou por ingestão
FORMAS DE USO
folhas ou extrato das folhas
PRINCÍPIO ATIVO Salvinorina A ∆9- THC (Tetraidrocanabinol)

O THC se liga especificamente a

A Salvinoria A é um agonista pleno receptores canabinóides acoplados à
MECANISMO DE dos receptores opióides κ, proteína G no encéfalo,
AÇÃO responsáveis pelos efeitos analgésico principalmente nas áreas do controle
e psicomimético motor, no córtex cerebral e nas vias
da dor

LEGALIDADE NO Considerada legal, vendida Proibido uso, tráfego e comércio

BRASIL livremente na internet

4
Santos, M.P.
DISCUSSÃO
É sabido que plantas com atividade
psicoativa exercem efeitos sobre a cognição,
consciência e emoções, e por isso não devem ser
utilizadas de forma deliberada e irresponsável.
Os estudos apontam que a Salvia
divinorum causa efeitos psicoativos diferenciados
de outras substâncias conhecidas. A salvinorina A,
seu princípio ativo, é um diterpeno que produz
efeito analgésico, no entanto, até o momento, não
há nenhum relato na literatura científica sobre o uso
dessa planta para fins medicinais.
Em contrapartida, de acordo com
pesquisas realizadas, a Cannabis sativa, apesar de
suas atividades psicotrópicas, é utilizada em alguns
estados norte-americanos, no tratamento de câncer,
AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette.
É válido citar que legisladores de dezesseis
estados americanos, entre eles a Flórida, visam criar
um projeto de lei que proíba não só o uso, mas
também a comercialização e o tráfego da Salvia
divinorum.Entretanto, é de extrema importância
ressaltar que essa atitude provavelmente dificultará
as pesquisas com a espécie com a finalidade de
bioprospecção e atividade farmacológica, uma vez
que o corpo científico encontraria obstáculos na
realização de pesquisas e possíveis testes em
humanos em virtude de tal proibição.
CONCLUSÃO
As plantas medicinais, citadas no presente
trabalho, apresentam efeitos psicoativos e, portanto,
atuam diretamente sobre o sistema nervoso central
em vários aspectos e, em sua maioria, induzindo
sintomas que simulam ou mimetizam psicoses
(efeitos psicomiméticos).
Em verdade, o uso irresponsável da Salvia
divinorum é uma grande preocupação para os
pesquisadores no que se refere à criminalização, já
que a ilegalidade da erva dificulta as pesquisas que
têm como objetivo a descoberta de novos fármacos
para o tratamento de doenças, assim como ocorrido
com a Cannabis sativa.
Dessa forma, é interessante que a
comercialização ocorra de maneira regulamentada,
sendo direcionada a centros ou instituições que
realizem pesquisas científicas sobre tratamento e
cura de doenças neurológicas, ao contrário do que
acontece, atualmente, em sítios virtuais que
disponibilizam extratos, tinturas e mudas da Salvia
divinorum para fins recreacionais, sem nenhuma
restrição.
5
UNIVERSO, curso Farmácia
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço a Deus por estar
sempre presente em minha vida, tornando-a cheia
de paz, saúde, tranqüilidade, amor e perseverança.
Agradeço aos meus pais, José Ignácio e
Joana, por todo incentivo e apoio dado até mesmo
sem perceber. Palavras não são suficientes para
expressar a gratidão e o respeito que tenho por
vocês.
Agradeço a minha coordenadora Vanessa
Honorato, que me ajudou no que pôde me
mantendo sempre atualizado e informado.
Agradeço a todos os professores, e em
especial a minha orientadora, Meriane Pires, por
toda paciência, ensinamento, apoio e incentivo que
levarei para toda a vida.
Por fim, porém não menos importante,
agradeço ao Victor Magalhães, que de forma
especial e carinhosa me deu força e coragem,
sempre me apoiando nos momentos mais difíceis. A
você não bastará somente um muito obrigado, mas
sei que este será o primeiro de muitos outros artigos
que publicaremos ao longo de nossa caminhada.
"Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis."
Bertolt Brecht
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