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Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Teixeira Giacomasso Vergílio, Maria Silvia;Oliveira, Neila Regina de


Considerações sobre a clínica ampliada no processo de enfermagem
Saúde Coletiva, Vol. 38, Núm. 7, 2010, pp. 61-66
Editorial Bolina
Brasil

Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=84212375006

Saúde Coletiva
ISSN (Versión impresa): 1806-3365
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Editorial Bolina
Brasil

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Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto
clínica ampliada em saúde e enfermagem
Vergílio MSTG, Oliveira NR. Considerações sobre a clínica ampliada no processo de enfermagem

Considerações sobre a clínica ampliada


no processo de enfermagem
A clínica ampliada propõe rever o cuidado fragmentado, ampliando a atuação dos profissionais fundamentada no com-
promisso ético, autonomia e co-responsabilidade dos sujeitos pelo seu processo saúde-doença. Este trabalho propõe
repensar o fazer da enfermagem à luz da clínica ampliada. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica baseada nos refe-
renciais teóricos do planejamento da assistência de enfermagem pelo método do processo de enfermagem (PE) e da
clínica ampliada. Discute-se a possibilidade de qualificar a operacionalização das etapas do PE, já estabelecido nas
instituições de saúde, com valores da clínica ampliada, proporcionando maior visibilidade ao saber e fazer da enfer-
magem inseridos no trabalho multiprofissional e intersetorial, valorizando a subjetividade e a integralidade dos usuá-
rios assistidos nos serviços de saúde.
Descritores: Assistência à saúde, Cuidados de enfermagem, Gerência.

The extended General Practice, or amplified clinic, aims to take another look at the usually fragmented care, broadening
the role of healthcare professionals based on: ethical commitment; autonomy; and on the subjects’ co-responsibility on
their health-disease process. The purpose of this work is to re-think nursing care on the light of the extended general prac-
tice. This is a literature review, having nursing care plan, as part the nursing process (NP), and amplified clinic as theore-
tical frameworks. The work discusses the possibility of qualifying the practical aspects of NP steps already established in
health institutions, with values and concepts of the amplified clinic. The acknowledgement of the clients’ subjectivity and
wholeness is believed to provide greater visibility to nurses’ knowledge and practice, both included in the multidisciplinary
and intersectional work.
Descriptors: Health care, Nursing care, Management.

La clínica ampliada tiene por objeto revisar la fragmentación de la atención, la ampliación del papel de los profesionales
sobre la base de compromiso ético, la autonomía y la corresponsabilidad de los sujetos por su proceso salud-enfermedad.
Este trabajo propone la re-evaluación del quehacer de la enfermería a la luz de la clínica ampliada. Se trata de una investi-
gación de la literatura basada en marcos teóricos de la planificación de los cuidados de enfermería mediante el método del
proceso de enfermería (PE) y de la clínica ampliada. Se discute la posibilidad de calificar el funcionamiento de los pasos
del PE, ya establecidos en las instituciones de salud, con valores mayores de la clínica ampliada proponiendo una mayor
visibilidad al conocimiento y hacer de la enfermería incluidas en el trabajo multidisciplinario e intersectorial valorizando la
subjetividad y la integridad de los usuarios en la asistencia en los servicios de salud.
Descriptores: Asistencia a la salud, Cuidados de enfermería, Gerencia.

INTRODUÇÃO
Maria Silvia Teixeira Giacomasso Vergílio
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Docente do
Departamento de Enfermagem da Faculdade de
A motivação para a discussão do tema proposto surgiu
do interesse das autoras em refletir a partir da prática
cotidiana vivenciada como docentes atuando em instituições
Ciências Médicas da Universidade Estadual de públicas e privadas, das áreas de atenção básica e hospitalar,
Campinas (UNICAMP) – Campinas, São Paulo. com profissionais da enfermagem e discentes do curso de
vergilio@fcm.unicamp.br graduação em enfermagem.
Neste fazer cotidiano do ensino da prática de enfermagem,
Neila Regina de Oliveira tanto na perspectiva assistencial quanto gerencial, o desafio
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Docente da é ampliar a visão dos alunos para além das perspectivas
Universidade José do Rosário Velano (UNIFENAS) - biológicas e médico-centrada do processo saúde-doença
Poços de Caldas, Minas Gerais. para a compreensão do sujeito integrado com o seu meio
social, político, econômico e cultural.
Tem-se discutido o fazer em enfermagem buscando a
mudança do paradigma da fragmentação da assistência e do
trabalho baseado no “modelo funcional” para a modalidade
de “cuidados integrais” utilizando várias tecnologias as-
Recebido: 08/08/2009 sistências e gerenciais para isto.
Aprovado: 10/02/2010 Uma delas é o planejamento da assistência de enfermagem

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valorizando a subjetividade e a integralidade dos usuários


assistidos nos serviços de saúde.

A clínica tradicional não atende mais as necessidades de


saúde da população
O desenvolvimento da medicina ocidental moderna
caminhou passo a passo com a biologia. Quanto mais
se estabeleceu a visão mecanicista da vida, mais esta foi
sendo incorporada aos saberes e atitudes dos profissionais
médicos e de outros da área da saúde em relação à
concepção do processo saúde-doença 1.
Nesta perspectiva, o modelo assistencial que se
estabeleceu é o chamado biomédico que sofreu fortemente
influência do paradigma cartesiano do século XX.
O corpo humano considerado como máquina foi
fragmentado em partes, cada vez menores, sendo estudado
do ponto de vista da biologia celular e molecular. Cada
parte foi estudada como peças de um circuito/sistema
para se detectar o problema. Nesse contexto cabe ao
médico a função de intervir física ou quimicamente no
seu “conserto”1.
Ao se concentrar nas partes a medicina moderna,
passou-se a ter uma visão reducionista do processo
saúde-doença perdendo a integralidade do sujeito. Desse
modo, a doença tornou-se o foco das preocupações dos
profissionais da saúde.
Nessa perspectiva os profissionais se vestem de todo
saber e assumem o comando do tratamento daquela
doença. O sujeito implicado é desvalorizado na sua
capacidade de opinar e participar da produção de saúde
e melhorar sua qualidade de vida.
Há de se considerar que os grandes avanços
tecnológicos da área da saúde conquistados, nas últimas
décadas, são inquestionáveis quanto a sua eficácia na
luta contra o sofrimento e morte. O desenvolvimento
da indústria farmacêutica com os antimicrobianos,
neurolépticos e quimioterápicos em geral, exames
laboratoriais e de imagens, cada vez mais, sofisticados
para fazer diagnósticos precisos, as técnicas cirúrgicas
cada vez menos invasivas são espaços de conquistas
mensuráveis e objetivas no combate às doenças2.
Porém, apesar dos avanços das tecnologias, as doenças
realizada pelo processo de enfermagem e o sofrimento não deixaram de existir e
(PE), método sistematizado por etapas outras questões passam a ser pontos de
com o objetivo de estabelecer a partir do reflexão. Como por exemplo, a exclusão
diagnóstico de enfermagem, os cuidados
"APESAR DOS AVANÇOS DAS de algumas pessoas da sofisticada
e ações necessárias para a resolução dos TECNOLOGIAS, AS DOENÇAS medicina pelo seu alto custo apontando
problemas encontrados para cada caso aten- E O SOFRIMENTO NÃO que a falta de acesso aos serviços de
dido na perspectiva individual e coletiva. saúde é incompatível com o ideal de
Deste modo, propôs-se um repensar DEIXARAM DE EXISTIR E democratização dos serviços públicos.
sobre o planejamento da assistência pelo OUTRAS QUESTÕES PASSAM A Outros aspectos, como o tratamento
processo de enfermagem aproximando-o de doenças crônicas que apenas a
do referencial teórico da clínica ampliada. SER PONTOS DE REFLEXÃO" medicalização não responde, a falta de
Se aposta com isso, na possibilidade adesão dos pacientes ao seu tratamento
de ampliar o olhar do fazer assistencial comprometendo o planejamento da
cotidiano da enfermagem qualificando a participação do sua assistência são pontos que vêm abalar os alicerces do
enfermeiro no trabalho multiprofissional e intersetorial paradigma mecanicista da atenção à saúde, pois se acredita
que a resolução dos problemas de saúde estão no campo

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de quimioterapia e da clínica reduzida na queixa-conduta usuário, sua família e sociedade buscando um equilíbrio na
baseada na correlação de sinais e sintomas sem relevância produção da saúde e, consequentemente, na sua qualidade
de sentimentos e da relação do indíviduo com o seu meio de vida.
ambiente3. Nesta perspectiva, a clínica ampliada propõe um
Neste sentido articular, a dimensão biológica com outras compromisso radical dos profissionais de saúde com os
(político, sociais, psicológicas, econômicas e cultural) seus usuários ampliando sua responsabilidade e ética no
do indiví duo na compreensão do processo de adoecer se sentido de evitar as exclusões e dar resolutividade as suas
faz necessário para a adoção de práticas e atitudes que demandas. Deste modo, os profissionais devem desenvolver
realmente sejam eficazes no tratamento das doenças e na a capacidade de ajudar as pessoas não somente a prevenir
promoção da saúde. e tratar as doenças, mas de transformar-se, ou seja, mesmo
A enfermagem inserida no trabalho em saúde seguiu a que a doença seja crônica, esta não o impeça de continuar
mesma lógica de construção do modelo assistencial. A visão a produzir, trabalhar e viver o seu dia a dia 6,7.
fragmentada se desenvolveu não somente na assistência, Entende-se que, assim os profissionais passam a ter um
como também na organização da equipe de enfermagem. compromisso com o usuário de modo singular tornando-o
A prática de enfermagem tem sido desenvolvida por várias parceiro e co-responsável no seu processo saúde-doença2,6,7.
categorias profissionais cabendo ao enfermeiro a parte Também se faz necessário que os profissionais reconhe-
intelectual do trabalho, se distanciando e delegando a çam os limites do seu núcleo de ação e das tecnologias
assistência direta aos outros elementos da equipe (técnicos empregadas e façam parcerias com outros setores para além
e auxiliares) que ficam alienados das da saúde. O campo do saber da clínica
decisões, cabendo-lhes apenas cumprir ampliada passa a ser multiprofissional
as tarefas normalizadas por protocolos e e intersetorial, e essa ampliação da
rotinas 4. "NESTE FAZER COTIDIANO clinica e das práticas de atenção integral
Essa forma fragmentada de assistir, bem dependem da reorganização dos novos
como a divisão do trabalho em diversas
DO ENSINO DA PRÁTICA DE padrões para o atendimento.
classes de profissionais mostra sinais de ENFERMAGEM, TANTO NA Uma forma para organizar a prestação
esgotamento, tanto para o entendimento PERSPECTIVA ASSISTENCIAL da assistência é a adoção de equipes de
da manifestação das doenças no referência. Estas equipes obedeceriam
homem como no seu comportamento QUANTO GERENCIAL, O a uma composição multiprofissional
epidemiológico, uma vez que as doenças DESAFIO É AMPLIAR A VISÃO com três, quatros ou mais profissionais
não se reportam apenas as expressões (psicólogos, médicos, enfermeiros,
dos sinais e sintomas e as medidas DOS ALUNOS PARA ALÉM DAS terapeutas ocupacionais, infectologistas,
terapêuticas do padrão queixa-conduta PERSPECTIVAS BIOLÓGICAS fisioterapeutas, e outros), organizados
não são mais eficazes. As situações conforme o objetivo, características
sócio-econômicas do contexto capitalista E MÉDICO-CENTRADA DO da clientela operando em atenção
emergente como o desemprego, a PROCESSO SAÚDE-DOENÇA primária, hospital, especialidades.
concentração de renda, a pobreza, Os profissionais discutiriam cada ca-
entre outras, também são questões para
PARA A COMPREENSÃO DO so e elaborariam projetos terapêuticos
a compreensão dos profissionais, pois SUJEITO INTEGRADO COM O individuais conforme as necessidades e
afetam direta ou indiretamente a saúde disponibilidade de recursos 6,8.
dos sujeitos 5.
SEU MEIO SOCIAL, POLÍTICO, Essa reorientação do processo de trabalho
ECONÔMICO E CULTURAL" em saúde cria uma relação mais próxima
A proposta da clínica ampliada para atender favorecendo o vínculo e compromisso
o cenário atual dos profissionais na resolutividade dos
A clínica tradicional reduzida ao atendimento feito pelo problemas dos usuários de forma mais integral e integrada.
médico, de acordo com a queixa conduta, passa a ser
questionada, repensada para uma visão mais abrangente e O fazer da enfermagem pela metodologia do processo de
singular. Os diagnósticos médicos são comuns aos sinais enfermagem (PE)
e sintomas, mas as pessoas não se limitam às expressões Historicamente, a enfermagem construiu seu fazer centrado
das doenças e suas manifestações estão relacionadas aos no modelo assistencial individual e curativo baseado na
seus valores, cultura e hábitos de vida e nesta perspectiva clínica presidida pelo médico. A organização do trabalho
a gravidade da doença será distinta de acordo com cada assistencial feita de maneira funcional baseada no
situação. A clínica empobrece quando se desenvolve apenas cumprimento de tarefas e atividades rotineiras conferiu um
com a racionalidade do biológico não considerando as caráter técnico à profissão, tanto nos aspectos do cuidado
inter-relações do sujeito com o seu meio2,6. direto quanto ao ambiente9.
A proposta da clínica ampliada é rever a forma de A preocupação com a organização de um fazer científico
trabalhar reduzida ao modelo médico-centrado e biológico- surge com enfermeiras americanas, na década de 1930, com
fragmentado ampliando as possibilidades de intervenções a utilização do método de estudos de casos e, deste modo,
retirando o foco na doença passando o usuário para o centro o pensar e fazer da enfermagem foi sendo sistematizado
das atenções. Isto implica em estabelecer parceria com o

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com o histórico do paciente; sintomas subjetivos e Para a prescrição, a enfermeira deve ter uma determinação
objetivos; exames, diagnóstico e tratamento médico; cui- global da assistência que o usuário deva receber a partir
dados de enfermagem. A preocupação estava centrada na do diagnóstico estabelecido. A implementação representa
normalização de cuidados de enfermagem baseado no o desenvolvimento de todo plano de ação desde o seu
diagnóstico médico e não no cuidado individualizado. início até a finalização das ações necessárias a consecução
Na década seguinte, desenvolveram-se os planos de dos resultados esperados, envolvendo a realização das
cuidados, como uma atividade feita pelo enfermeiro, para intervenções e o registro de todos os atendimentos,
guiar a prática do cuidado. Deste modo, os estudos de caso intervenções, encaminhamentos e orientações realizadas.
e plano de cuidados caminharam numa primeira tentativa A evolução ou avaliação de enfermagem constitui um
dos enfermeiros dominarem conhecimento científico e relato diário ou periódico das mudanças sucessivas que
organizarem o cuidado de forma planejada, mas ainda, com ocorrem no ser humano, enquanto estiver sob assistência
base no diagnóstico medico e como ações isoladas. profissional. Nessa etapa é possível avaliar a resposta
Na década de 1950 e 1960, enfermeiras dos Estados humana à assistência de enfermagem oferecida e a decisão
Unidos da América e Reino Unido expressavam preocupação em continuar, modificar ou encerrar o plano assistencial11,12.
com o status da profissão e por meio de estudos das teorias O processo de enfermagem, portanto, caracteriza-se
de enfermagem buscavam a construção de um corpo de pelo inter-relacionamento e dinamismo de suas etapas,
conhecimentos específicos para atuar com mais autonomia. focalizando a individualização do cuidado através de
Os planos de cuidados foram aperfeiçoados e passaram a ser uma abordagem de soluções de problemas, orientada a
concebidos como um conjunto de etapas com uma estrutura partir das teorias e modelos conceituais de enfermagem,
conceitual sendo desenvolvido o chamado de conhecimentos técnico-científicos e
processo de enfermagem dando ênfase pelas experiências individuais. É possível
aos aspectos interpessoais da relação desenvolver a prática assistencial de
enfermeiro/paciente, ao cuidado total nos "O CAMPO DO SABER DA enfermagem por meio do PE nas diversas
aspectos psicológicos, sociais e espirituais. CLÍNICA AMPLIADA PASSA áreas de atuação, ou seja, pronto
Também aparece a terminologia diagnóstico atendimentos, atendimento na rede
de enfermagem para determinar as A SER MULTIPROFISSIONAL básica, nas internações hospitalares,
necessidades ou problemas dos pacientes E INTERSETORIAL, E ESSA unidades de saúde da família, entre outros
a serem considerados e trabalhados pela fazendo as adequações necessárias e se
equipe de enfermagem9. AMPLIAÇÃO DA CLÍNICA E embasando nas teorias de enfermagem
Na década de 1970, o processo de DAS PRÁTICAS DE ATENÇÃO mais apropriadas para o tipo de clientela
enfermagem foi introduzido no Brasil a ser atendida10-12.
por Wanda de Aguiar Horta. A autora
INTEGRAL DEPENDEM
definiu processo de enfermagem como DA REORGANIZAÇÃO DOS A operacionalização do processo de enferma-
sendo o desenvolvimento de ações de gem qualificado pela clínica ampliada
enfermagem sistematizadas em seis fases
NOVOS PADRÕES PARA O Como já apontado, existe um preo-
inter-relacionadas visando à assistência ATENDIMENTO" cupação constante da enfermagem em
ao ser humano baseando-se na teoria desenvolver sua prática com um saber
das necessidades humanas básicas do ser científico fundamentado direcionado aos
humano10. usuários de forma integral, humanizada com responsabilidade
Há uma divergência entre os autores quanto ao número e ética, nada diferente do que apontamos no que se referem
das etapas do processo de enfermagem. As mais utilizadas, no aos elementos preconizados pela clínica ampliada6,9,11,12.
entanto, são: o histórico de enfermagem ou coleta de dados, Nos últimos anos, muito se tem discutido em cursos,
o diagnóstico de enfermagem, a prescrição de enfermagem, congressos, nas produções científicas sobre como de-
implementação e evolução ou avaliação. senvolver o processo de enfermagem (PE), e até mesmo, foi
O histórico de enfermagem ou coleta de dados é um assegurado pela lei do exercício profissional de enfermagem
roteiro sistematizado para o levantamento de dados que estabeleceu a prescrição de enfermagem como atri-
do cliente de forma abrangente que tornam possível a buição privativa do enfermeiro 13. No entanto, apesar de
identificação de seus problemas na perspectiva psicológica, esforços para sensibilizar os profissionais de enfermagem
biológica, social, econômica e espiritual. Para a construção para a sua importância e da obrigatoriedade da lei, ainda há
dos diagnósticos de enfermagem tem-se a identificação muita dificuldade para a implantação do PE.
das necessidades do ser humano e a determinação pela As causas apontadas são diversas, destacando-se a falta de
enfermeira do grau de dependência deste atendimento em um adequado dimensionamento de enfermeiros, de apoio
natureza e extensão a partir dos dados obtidos no histórico. da administração superior das instituições de saúde pela
O diagnóstico de enfermagem deve ser relacionado com forma de trabalhar fragmentada e centrada no fazer médico,
os próprios diagnósticos identificados a partir de sinais, de um modelo conceitual norteador, de competências dos
sintomas e fatores de risco identificados. Além disso, deve enfermeiros para avaliar os pacientes resultando em uma
estar fundamentado em evidências e possuir um fator prática simplificada (nas etapas), automatizada (para cumprir
relacionado àquela situação. a rotina), burocratizada (no preenchimento de formulários) e
com pouca criatividade no seu desenvolvimento 9,14.

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Com a perspectiva de atuação nos moldes da clí- contraída, cumprir normas e rotinas pré-determinadas, e
nica ampliada, reflete-se que uma dificuldade para o de- para se distanciar da tarefa bem cumprida é coisa difícil,
senvolvimento do PE possa estar também, na forma pois será cobrado por isto. Entendemos que outros valores
centrada apenas no núcleo de atuação da enfermagem, devem ser agregados no seu fazer diário e a compreensão
como geralmente esta metodologia é desenvolvida, sem que um impresso não totalmente preenchido, em um
compartilhar a sua percepção ou achados (diagnósticos de primeiro momento, não seja tão importante quanto ouvir o
enfermagem) com a equipe multiprofissional. que aquele usuário tem para dizer.
O PE tem sua base conceitual na integralidade do ser A atenção e atitude de uma escuta ampliada também
humano numa visão ampla procurando trabalhar seus se fazem necessária em outras etapas do PE, como na
medos, ansiedades, preocupações e desconhecimentos que, implementação do plano de ações pela atenção no
até então, a clínica tradicional não considerava em seus acompanhamento e avaliação da adequação das condutas.
diagnósticos (médicos). Porque não discutir os diagnósticos Para ampliar as possibilidades de intervenções, a escuta
apontados pelo enfermeiro, construídos nessa perspectiva da ampliada deve ser empregada às considerações da família;
integralidade, em conjunto com a equipe multidisciplinar e da comunidade por meio dos aparelhos sociais, como por
a partir deles, traçarem um plano de ação em conjunto? Isto exemplo: escolas; profissionais da equipe de enfermagem e
provocaria uma participação mais efetiva do enfermeiro nas de saúde; bem como dos agentes comunitários de saúde que
equipes de referência, elemento citado como importante na circulam pelo território e conhecem as diversas realidades e
reorganização do processo de trabalho em saúde. contextos em que vivem os usuários.
O que se percebe pela vivência da prática e mencionado na Mudando o foco do cumprimento dos protocolos, rotinas
literatura, a falta de tempo é apontada para justificar o motivo, e da doença já se transferirá a preocupação para o usuário
pelo qual, o enfermeiro não participa das reuniões da equipe que será percebido como uma manifestação de afeto. Isto
multiprofissional (de referência) ou mesmo provocará maior responsabilidade e
das visitas médicas na área hospitalar, vínculo dos profissionais para com os
momento onde se discute as possibilidades usuários e deles para com a sua saúde 6.
de intervenções para os usuários/ família. Na "FAZ-SE NECESSÁRIO QUE Assim, o planejamento da assistência
prática cotidiana a atuação do enfermeiro está OS PROFISSIONAIS orientaria a organização do cuidado
muito voltada para o controle, manutenção necessário a cada situação/usuário, a
da ordem e rotina das atividades dos serviços RECONHEÇAM OS LIMITES DO partir de um acordo dos membros da
sem priorizar a participação no momento das SEU NÚCLEO DE AÇÃO E DAS equipe de enfermagem, da equipe de
reuniões (ou visitas)9. referência e do usuário, com um plano de
Outro aspecto a ser considerado na
TECNOLOGIAS EMPREGADAS, ação desenvolvido por um processo que
operacionalização da clínica ampliada E FAÇAM PARCERIAS COM valoriza a comunicação e o entendimento
é o processo de comunicação, ou de entre a equipe multiprofissional. Isto
uma escuta ampliada entre a equipe de
OUTROS SETORES PARA ALÉM articulado às diretrizes de uma gestão
enfermagem, o usuário, coletividade e DA SAÚDE" colegiada e de interdisciplinaridade
outros profissionais. Essa escuta significa das práticas possibilitariam a superação
acolher a queixa e buscar entender o que do modelo assistencial fragmentado e
está por detrás dela, ou seja, os motivos de seu adoecimento, médico hegemônico.
para alem dos sinais e sintomas, e as correlações em relação Com estas breves reflexões se acredita ter muito a ganhar
ao seu conto e modo de vida6. Nesta perspectiva, o agir acrescentando os elementos e valores da clínica ampliada à
comunicativo pela escuta ampliada indica que se pode metodologia do PE, já estabelecida e amplamente divulgada
romper com a rotina baseada em protocolos, para uma nas instituições de saúde.
aproximação do objeto de interesse, o usuário, quando
isto for necessário. Pensar na possibilidade de desligar- CONSIDERAÇÕES FINAIS
se da ideologia da rotina/ protocolos, em busca de um A metodologia do planejamento do cuidado individualizado
cuidado individualizado, criando condições para que os pelo processo de enfermagem (PE) está amplamente
próprios usuários opinem e participem das possibilidades de divulgada e implantada nas instituições de todos os níveis
intervenções e não sejam subjugados e constrangidos pelo do Sistema de Saúde brasileiros, até mesmo porque existe
todo saber dos profissionais uma exigência legal fiscalizada pelos Conselhos Regionais
Esta escuta é fundamental na coleta de dados da primeira (Estaduais) de Enfermagem. Teoricamente, o PE tem uma
etapa do PE, onde se tem um impresso construído, muitas visão ampla do ser humano buscando a sua integralidade,
vezes, com grande quantidade de itens para obter as porém a sua operacionalização tem mostrado dificuldade
informações biológicas, mas não nos deixa tempo e nem que o afastam desses propósitos. Nessa perspectiva, a aposta
espaço (no papel) para anotar a percepção do que realmente é de que ao se realizar as etapas do PE, esse método seja visto
aquele sujeito veio buscar ou precisa. Para a escuta ampliada, de maneira diferenciada, se afastando da rotina cumpridora
em alguns momentos precisa se distanciar de roteiros pré- de formulários e se retome os princípios de humanização e
estabelecidos e ter sensibilidade para compreender a que o integralidade norteadores das práticas do cuidado.
usuário veio e no que se pode realmente ajudá-lo. A proposta de reformulação da clínica ampliando-a
O enfermeiro tem como premissa básica, historicamente

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para uma visão mais abrangente, parte da suposição da pensar podem criar e recriar o fazer em enfermagem, já
reorganização do trabalho em saúde na perspectiva de estabelecido e sistematizado pelo processo de enfermagem,
estabelecer realmente vínculo e responsabilidade entre contribuindo para um cuidar mais efetivo, humano e integral
as equipe de saúde com os usuários dando resolutividade ao usuário, família, coletividade compartilhado com a
aos seus problemas de saúde. Esse arranjo estimula equipe multiprofissional / referência.
a produção de novos padrões de inter-relação entre Entende-se que o desafio da época atual é ter ousadia,
equipe multiprofissional e interdisciplinar ampliando o criatividade, discernimento para rever os antigos e assumir
compromisso dos profissionais/usuários com a produção de novos conceitos sobre o modo de agir e gerir. Acreditamos
saúde quebrando obstáculos organizacionais à comunicação que o PE qualificado pelos elementos da clínica ampliada
e ao fazer burocratizado. pro­porcionará maior visibilidade ao saber e fazer da
Os elementos da clínica ampliada adicionados no enfermagem.

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de 2 cm e letra tamanho 12. Os originais deverão ser encaminhados em CD- 10 O ori­gi­nal do arti­go não acei­to para publi­c a­ç ão será devol­v i­d o ao autor
ROM, no programa Word for Windows e uma via impressa. indi­ca­do, acom­pa­nha­do de jus­ti­fi­ca­ti­va do Conselho Científico.
04 Caberá à reda­ção jul­gar o exces­so de ilus­tra­ções, supri­min­do as redun­ 11 O con­teú­do dos arti­gos é de exclu­s i­v a res­p on­s a­b i­li­d a­d e do(s)
dan­tes. A ela cabe­rá tam­bém a adap­ta­ção dos títu­los e sub­tí­tu­los dos tra­ autor(es). Os tra­ba­lhos publi­ca­dos terão seus direi­t os auto­r ais res­g uar­d a­
ba­lhos, bem como o copi­des­que do texto, com a fina­li­da­de de uni­for­mi­zar a dos por Editorial Bolina Brasil e só pode­rão ser repro­d u­z i­d os com auto­r i­
pro­du­ção edi­to­rial. za­ção desta.
05 As refe­rên­cias deve­rão estar de acor­do com os requi­si­tos uni­for­mes 12 Os tra­ba­lhos deve­rão pre­ser­var a con­fi­den­c ia­li­d a­d e, res­p ei­t ar os prin­
para manus­cri­tos apre­sen­ta­dos à revis­tas médi­cas ela­bo­ra­do pelo Comitê cí­pios éti­cos e tra­zer a acei­ta­ção do Comitê de Ética em Pesquisa (Res-
Internacional de Editores de Revistas Médicas (Estilo Vancouver Sistema olução CNS – 196/96) quando for pesquisa.
Numérico de Entrada). 13 Os tra­ba­lhos, bem como qual­quer cor­r es­p on­d ên­c ia, deve­r ão ser
06 Evitar ­siglas e abre­via­tu­ras. Caso neces­sá­rio, deve­rão ser pre­ce­di­das, na pri­mei­ envia­dos para a revista: Saúde Coletiva – A/C CON­S E­L HO CIENTÍFICO,
ra vez, do nome por exten­so. Solicitamos des­ta­car fra­ses ou descritores. Al. Pucuruí, 51/59 - Bl.B - 1º andar - Cj.1030 - Tamboré - Barueri - SP -
07 Conter, no fim, o endereço completo do(s) autor(es) e telefone(s), CEP: 06460-100 - E-mail: editorial@saudecoletiva.com.br.

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