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— A partir de hoje o seu nome é Draz’Kael. Tenha orgulho da sua herança!

— a voz poderosa do dragão prateado soou forte fazendo com que um tremor se
espalhasse dentro da caverna. Após a cerimônia, o grande dragão se ergueu da
melhor forma que pode e caminhou para fora da caverna, olhando diretamente a lua
nova que pouco brilhava no céu. Ao seu lado, andando apressado para acompanhar
o enorme lagarto, algo que parecia um dragão bem menor o seguia.
Não era um dragão, porém. A criatura era o que dragões provavelmente
seriam se andassem sobre duas patas, não tivessem asas ou caudas e tivessem o
tamanho de um ser humano, ou um elfo, ou um meio orc. Espinhos azuis saíam do
topo de sua cabeça e do maxilar, como se fossem cabelos e barba petrificados.
Seus braços também pareciam ter mais desses espinhos de azul brilhante e todo o
seu corpo parecia ser coberto de escamas.
— Não me sinto preparado. — a voz da criatura soou grave e tímida na noite
escura.
— Ninguém nunca está, criança. — respondeu o dragão, parecendo
cansado. — Mas você também não é obrigado a brigar na guerra de seus pais. Ou
mesmo de outros dragões. Você sabe, muitos consideram mestiços como você uma
blasfêmia. No entanto, você deve se lembrar o que é importante para você e o que
você deseja. O desgraçado ainda vai reinar por longos períodos de tempo sem que
ninguém possa se opor a ele e, se conseguir, conquistará todos os povos desse
deserto. Nós podemos ir embora se quiser. Se desejar, levo você para outros reinos
distantes deste sobre as minhas asas, e você nunca mais vai precisar voltar aqui de
novo. Mas, e aqui eu apenas estou supondo, acredito que você nunca terá paz se
assim o fizer.
— Eu sinto como se tivesse sido jogado num mundo de caos e que esperam
de mim mais do que posso oferecer. — falou o meio-sangue enquanto observava a
floresta mergulhada em trevas abaixo dele. — Ao mesmo tempo, eu sinto que tem
tanto que eu gostaria de ver e fazer! Porém me sinto puxado para o desejo de meus
pais e trazer a vida de volta a esse deserto tão sombrio.
— E por que você não faz as duas coisas? — sob a pergunta incisiva da
magnífica criatura que mais parecia uma estátua viva, Draz’Kael pareceu fazer uma
careta de desconforto, exibindo parte dos dentes. — O quê, acha que não é
possível? Isso é porque você é muito jovem e tem uma longa vida que o aguarda à
sua frente. Deveria sair, observar o mundo, conhecer outras criaturas mortais e
aprender com eles. Aliás, só os seus poderes não são o suficiente para você
marchar até as montanhas e lutar contra o tirano. Em pouco mais de quinhentos
anos ninguém se mostrou capaz de derrotá-lo ainda. Não é você, um pobre filhote,
que vai conseguir. Não agora, pelo menos.
Draz’Kael parecia refletir, levando as palavras de seu mentor em
consideração. De fato, ele não precisava realizar os sonhos de seus pais agora.
Eles esperaram até agora, poderiam esperar mais um pouco. Aliás, mortos não
podem esperar nada de qualquer forma, então não havia necessidade de correr.
— Sendo assim, eu quero ir agora! — a convicção tomou conta do
homem-dragão subitamente.
— Sério? — a voz rouca e grave do dragão soou cheia de bom humor e logo
depois ele soltou uma breve risada. — Muito bem então, se está decidido.
Lembre-se: você precisa mergulhar no mundo das criaturas sem chifres e escamas.
Eles são mais sensíveis do que o que você está acostumado, mas são mais vivos e
alegres do que dragões; por vezes exagerados devido as suas curtas vidas. Mas é
nisso que são mais divertidos! Eles aproveitam bem a vida, então aprenda com eles
a beber, dançar, amar! E com essa força (que você também tem dentro de si, não se
esqueça), aprenda e encontre aliados para rasgar a garganta do miserável azul!
Enquanto falava, a nobre criatura estendeu uma das patas dianteiras e
começou a fazer movimentos com suas garras. Símbolos mágicos desenharam-se
no ar e uma porta feita de pura luz surgiu no espaço diante deles. Quando o portal
parecia pronto, o dragão enfiou todo o braço dentro de um saco muito pequeno e
retirou de lá objetos comuns para viagem.
— Você vai precisar disso. E de um pouco de dinheiro também. Mas não
muito, você sabe… essas são riquezas que conquistei com muita luta, então tenha
certeza de gastar sabiamente com suas necessidades. — O dragão e
homem-dragão se encararam por algum tempo e com uma luz brilhante súbita, o
dragão assumiu a forma de um elfo alto e elegante de longos cabelos prateados.
Usava vestes longas e com brilhantes pedrinhas brancas e cinzas. Pequenos
cristais de gelo flutuavam ao redor dele e, ao se aproximar, o elegante dragão
abraçou ternamente o seu aluno, enquanto dizia: — Vá em paz, criança. E
lembre-se dos nomes de seus pais. Lembre-se do seu nome!

* * *

Os burburinhos de aventureiros eram sempre exagerados, mas as notícias


sobre o dragão azul terrível que vivia nas montanhas pareciam seguir sem
modificações. Alguns falavam sobre encontros com crias azuis que sobreviviam
sozinhas e com medo de serem mortas pelo próprio pai. Outros supunham que o
grande ser estava buscando por ferramentas terríveis que seriam a chave para
conquistar todo o deserto e moldá-lo à sua imagem. Alguns eram ousados o
suficiente para falarem que haviam encontrado escravos e servos do grande dragão
infiltrados pelas cidades em busca de informações. E poucos loucos diziam ter visto
a enorme monstruosidade ao se atreverem pelas montanhas, mas ninguém
acreditava neles.
Porém, o que todos concordavam era o fato de que a criatura não estava
morta, apesar de ser pouco vista nos céus das montanhas. E algumas pessoas com
maior conhecimento afirmavam categoricamente que o comportamento solitário da
besta parecia pouco típico para um dragão azul. Mas para Draz’Kael, isso tornava
tudo ainda pior. Se a criatura sozinha não havia sido derrotada, significava que ele
era muito mais poderoso do que qualquer dragão existente em todo o deserto.
Após três anos morando na cidade e servindo como mercenário em algumas
missões em regiões próximas, o mestiço havia se adaptado bem aos costumes das
criaturas sem escamas. O jeito positivo de Draz’Kael, a prática de bebedeiras e a
habilidade em contar piadas ruins desenvolveram uma reputação de alguém
agradável de se ter por perto. Curiosamente, porém, o homem-dragão não parecia
ter nenhuma amizade significativamente próxima e seu jeito reservado, e o mistério
quanto às suas origens, tornavam-no em uma fonte de curiosidade para os
moradores. Além de, é claro, a sua aparência exótica.
Das poucas informações que Draz’Kael reuniu ao longo desses três anos, era
a busca pelos suspeitos itens mágicos que chamava mais atenção. Estas pareciam
estar sendo caçadas por várias organizações simultaneamente e os boatos em
torno delas continuavam a aumentar. Além disso, entendeu um pouco mais sobre os
conflitos dos dragões, todos expulsos por um único tirano que tinha a ambição de,
com seus raios, tornar todo o deserto em vidro moldado à sua imagem, guardando
todos os tesouros e escravizando a todos do lugar. Talvez as ferramentas mágicas
que todos pareciam buscar fossem a chave para vencer essa longa batalha.
Draz’Kael iria investigar tudo isso e encontrar um bando que pudesse
ajudá-lo a realizar o sonho de seus pais. Não agora, não amanhã. Talvez não depois
de amanhã, mas com certeza iria um dia. No momento, porém, havia essa deliciosa
cerveja para beber e esse belo e forte meio orc que claramente estava flertando
com ele do outro lado da mesa.
Sim, com certeza iria realizar os desejos de seus pais um dia! Mas não hoje.

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