Você está na página 1de 3

GIORGIO

BARATTA
Ver: americanismo; libertinismo; taylorismo.

anti-Croce: v. Croce, Benedetto.

anti-história: v. história.

antimaquiavelismo: v. maquiavelismo e antimaquiavelismo.

antinacional: v. nacional-popular.

antiprotecionismo: v. liberismo.

antissemitismo: v. judeus.

antropologia: v. filosofia da práxis.

aparelho hegemônico
Desde as primeiras notas em que fala de hegemonia, G. introduz também
referências ao “aparelho hegemônico” como expressão não muito presente, mas que
aparece em vários cadernos (Q 1, 6, 7, 10 e 13) de épocas diferentes, incluindo dois
textos de segunda redação (Q 10 II, 12 [CC, 1, 320] e Q 13, 37 [CC, 3, 92]). No
caso da nota do Q 10, a frase que contém a referência ao aparelho hegemônico não
aparece no relativo Texto A (Q 4, 38, 464).
G. começa a elaborar seu conceito de hegemonia, novo em relação àquele usado
no período pré-carcerário, desde o Q 1 (1929-1930): no Q 1, 44 o termo aparece
pela primeira vez; no Q 1, 47, 56 [CC, 3, 119; “Hegel e o associacionismo”] começa
a se delinear um novo conceito de Estado (“o Estado tem e pede consenso, mas
também ‘educa’ este consenso através das associações políticas e sindicais, que,
porém, são organismos privados”); no Q 1, 48 G. se detém sobre a história política
francesa e “põe para trabalhar” o conceito de hegemonia, conferindo-lhe, durante
esse processo, uma de suas “versões” fundamentais: “O exercício ‘normal’ da
hegemonia no terreno tornado clássico do regime parlamentar é caracterizado por
uma combinação da força e do consenso, que se equilibram, sem que a força supere
em muito o consenso, mas antes, que pareça apoiada pelo consenso da maioria
expresso pelos assim chamados órgãos de opinião pública” (ibidem, 59). Em
seguida, poucas linhas depois, aparece a expressão “aparelho hegemônico”: “No
período do pós-guerra – prossegue G. –, o aparelho hegemônico se quebra e o
exercício da hegemonia se torna sempre mais difícil” (idem). É um Texto A. A
última frase, aquela que interessa aqui, encontramos quase igual no Texto C (datado
de 1932-1934): “No período do pós-guerra, o aparelho hegemônico se estilhaça e o
exercício da hegemonia torna-se permanentemente difícil e aleatório” (Q 13, 37,
1.638 [CC, 3, 95]). O aparelho hegemônico surge, portanto, como imediatamente
fundamental para o exercício da hegemonia: sua desagregação é simultânea à crise
desta. Tal conceito parece também ser o trait d’union entre o conceito de hegemonia
e aquele, em via de formação, de “Estado integral” e oferece uma base material à
concepção gramsciana de hegemonia, não assimilável a uma concepção idealista,
culturalista ou liberal.
Mas o que é o “aparelho hegemônico”? Como funciona? G. não responde
diretamente a essa pergunta, mas dá uma série de “pistas” em alguns Textos B. No
Q 6, 81, 752 [CC, 3, 235-6], escreve: “Unidade do Estado na distinção dos poderes:
o Parlamento, mais ligado à sociedade civil; o Poder Judiciário, entre Governo e
Parlamento, representa a continuidade da lei escrita (inclusive contra o Governo).
Naturalmente, os três poderes são também órgãos da hegemonia política, mas em
medida diversa: 1) Parlamento; 2) Magistratura; 3) Governo. Deve-se notar como
causam no público impressão particularmente desastrosa as incorreções da
administração da justiça: o aparelho hegemônico é mais sensível neste setor, ao qual
também podem ser remetidos os arbítrios da polícia e da administração política”. O
aparelho hegemônico está ligado à articulação estatal propriamente dita. Mas o
conceito de Estado integral ainda não parece plenamente operante. Ainda uma vez,
“aparelho hegemônico”, como no Q 1, 48, surge num contexto voltado à formação
da opinião pública, certamente não deixada a uma volátil “batalha de ideias”, mas
organizada por uma precisa “estrutura” (em outro lugar G. fala de “estrutura
ideológica” para indicar tudo aquilo que forma a “opinião pública”). No mesmo Q
6, de fato, lemos: “Numa determinada sociedade, ninguém é desorganizado e sem
partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo, e não
formal. Nesta multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo – natural e
contratual ou voluntário –, uma ou mais prevalecem relativamente ou absoluta​-
mente, constituindo o aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da
população (ou sociedade civil), base do Estado compreendido estritamente como
aparelho governamental-coercivo” (Q 6, 136, 800 [CC, 3, 253]). O “aparelho
hegemônico” é uma “socieda​de particular” (formalmente “privada”), que se torna o
equivalente do “aparelho governamental-coercivo” do “Estado integral”: “força” e
“consenso” possuem ambos os respectivos aparelhos, e já está delineado o “Estado
integral” como unidade-distinção de sociedade civil e Estado tradicionalmente
entendido. Um passo posterior é realizado por G. no Q 7, em que a problemática
do Estado está mais explícita: “A discussão sobre a força e o consenso demonstrou
como está relativamente avançada na Itália a ciência política [...] Esta discussão é a
discussão da “filosofia da época”, do motivo central da vida dos Estados no período
do pós-guerra. Como reconstruir o aparelho hegemônico do grupo dominante,
aparelho que se desagregou em razão das consequências da guerra em todos os
Estados do mundo?” (Q 7, 80, 912 [CC, 3, 264]). O “aparelho” se desagregou
sobretudo “porque grandes massas, anteriormente passivas, entraram em
movimento”, embora “num movimento caótico e desordenado, sem direção, ou
seja, sem uma precisa vontade política coletiva” (idem). A reconstrução é confiada a
uma combinação de força e consenso. Também o fascismo com sua “ilegalidade” foi
funcional à restauração de um novo “aparelho hegemônico”: “O problema era
reconstruir o aparelho hegemônico destes elementos antes passivos e apolíticos, e
isso não podia acontecer sem o emprego da força: mas essa força não podia ser a
‘legal’ etc.” (ibidem, 913 [CC, 3, 265]).
Enfim, no Q 10 II, 12 lemos – logo após a conhecida afirmação segundo a qual
“Ilitch teria feito progredir [efetivamente] a filosofia [como filosofia] na medida em
que fez progredir a doutrina e a prática política” – o aceno mais maduro ao conceito
de “aparelho hegemônico”, agora em segunda redação: “A realização de um aparelho
hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma
das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato de conhecimento, um
fato filosófico. Em linguagem crociana: quando se consegue introduzir uma nova
moral conforme a uma nova concepção de mundo, termina-se por introduzir
também essa concepção, ou seja, determina-se uma completa reforma filosófica”
(ibidem, 1.250 [CC, 1, 320]). Aqui, aparelho hegemônico e ideologia estão
explicitamente ligados. Um “aparelho” serve para criar um “novo terreno
ideológico”, para afirmar uma “reforma filosófica”, uma “nova concepção de
mundo”. A luta entre diferentes hegemonias é aberta, mas o papel que nela assume
o Estado na passagem das primeiras décadas do século XX é delineado em toda sua
centralidade.

Você também pode gostar