Você está na página 1de 9

O século XX caracterizou-se pelo surgimento de novas formas de compreendermos o

fenômeno teatral. Neste marco surgiu a teoria de Antonin Artaud, desenvolvida na obra O
Teatro e seu Duplo . Trata-se de uma filosofia do teatro, uma revolução na forma de conceber
essa manifestação artística. Possivelmente como uma reação diante de fórmulas teatrais
esquemáticas e ultrapassadas, Antonin Artaud dizia que o teatro deveria ser considerado como
um Duplo, não da realidade cotidiana e direta da qual foi reduzido a ser uma cópia inerte, mas
de uma realidade perigosa e arquetípica. Para tornar-se essencial, o teatro deve nos dar tudo o
que pode ser encontrado no amor, no crime, na guerra ou na loucura. Tem que ser
desenvolvida a idéia de um teatro sério que ultrapasse todos os nossos preconceitos, que
implique uma crueldade, uma ação extrema levada aos últimos limites, sem, portanto, deixar
de ser uma realidade verossímil. Artaud concebe um espetáculo dirigido ao organismo inteiro
(orgânico), no qual haja uma mobilidade intensiva de objetos, gestos, signos, que seriam
utilizados em um novo sentido, já que o teatro requer uma expressão no espaço. Para Artaud é
importante acabar com a sujeição do teatro ao texto. A linguagem teria que ir mais além das
palavras, ser também uma linguagem de sons, luzes, onomatopéias, incluir música, dança,
pantomima, mímica, efeitos de toda espécie. Na obra é proposta toda uma revolução dos
elementos teatrais, a ruptura com a noção tradicional: a concepção do espaço, da cenografia,
da indumentária, etc. Segundo Artaud, o ator é um elemento de fundamental importância
(pois o êxito do espetáculo depende de sua interpretação eficaz), uma espécie de elemento
passivo e neutro, já que é negada a ele toda a iniciativa pessoal.

****************************************************

RESENHA: O teatro e seu duplo

I – Apresentação

Antonin Artaud (1896 - 1948) lutou contra o formato e o conteúdo do teatro de seu tempo.
Buscou instaurar uma nova linguagem para o teatro, reformulando o já existente e edificando
uma nova proposta. O teórico Alain Virmaux apresenta na sua obra Artaud e o teatro como se
estruturou o seu entendimento sobre as idéias de Artaud e de como a sua obra preconiza uma
visão renovada do fazer teatral: “Atonin Artaud disse tudo em O teatro e seu duplo, da
maneira mais clara possível” (VIRMAX, pag. 35).

O que pretendo com a seguinte resenha é extrair de cada capítulo do livro as idéias e
propostas mais pertinentes ao processo de entendimento do teatro contemporâneo associado
à linguagem proposta por Artaud. No decorrer do texto, faço também citações das reflexões
que Virmaux fez do seu entendimento das propostas de Artaud.
(Foto divulgação)

II – Parte 1: O TEATRO E A CULTURA

Na primeira parte do livro, Artaud faz algumas considerações a respeito da relação dos seres
humanos com a cultura, onde apresenta esta ultima como “um meio apurado de compreender
e exercer a vida” (ARTAUD, pag. 18). Para ele, o teatro deve ser uma linguagem artística que
rompa com todas as limitações e que represente a vida como uma eterna magia, constituindo
uma arte de elementos vivos. Alain conclui que essa relação do teatro com a vida torna-se
muito significativa quando Artaud fala do teatro como se falasse da própria vida e questiona se
o teatro seria o duplo da vida para Artaud, pois “de fato, no final da trajetória, teatro e vida
acabam em uma fusão completa” (VIRMAX, pag. 39).

Artaud busca a magia para o teatro, pois ele define o teatro como um verdadeiro passe de
mágica, isto é, “é preciso acreditar num sentido de vida renovado para o teatro onde o homem
impavidamente torna-se o senhor daquilo que não existe e o faz nascer” (ARTAUD, pag. 22).

III – Parte 2: O TEATRO E A PESTE

Artaud imagina o teatro como uma revelação, uma exteriorização da crueldade presente num
indivíduo. Dessa maneira ele compara a revelação que se dá, através do teatro, com a peste no
sentido de ver explodindo em cena todas as forças profundas e ocultas que estão em potência
no interior do ator. “Como a peste, o teatro é, portanto, uma formidável convocação de forças
que conduz o espírito, pelo exemplo, à origem de seus conflitos” (ARTAUD, pag. 42). O teatro,
assim como a peste, leva o homem a se ver exatamente como ele é, sem máscara,
exteriorizando todos os sentimentos por piores que sejam: “O teatro, como a peste, é feito à
imagem dessa carnificina, dessa essencial separação. Desenrola conflitos, libera forças, aciona
possibilidades, e se essas possibilidades e essas forças são regras, a culpa não é da peste ou do
teatro, mas da vida” (ARTAUD, pag. 44).

Alain Virmaux, sobre a definição da peste em Artaud, diz que ela “não é a imagem do teatro,
ela é o teatro (VIRMAUX, pag. 45). Dessa forma, o teatro teria em si mesmo os meios de
florescimento de idéias da apresentação de um mundo superior, uma forma verdadeira de
vida renovada.

IV – Parte 3: A ENCENAÇÃO E A METAFÍSICA

Nessa terceira parte, o que mais me chama a atenção e o interesse é a descrição que Artaud
faz do que ele chama de “linguagem concreta” e de como essa teoria pode ser vista sob a ótica
da metafísica. Para ele, a cena é um lugar concreto e físico que deve ser construída através de
uma linguagem independente da palavra e que satisfaça os sentidos onde os pensamentos
expressados escapam a linguagem articulada.

Artaud diz que essa linguagem concreta, antes de se direcionar ao espírito deve,
primeiramente, se comunicar aos sentidos do espectador e, possivelmente, num segundo
momento, ser entregue à análise racional e intelectual. Essa poesia idealizada por ele deve
resultar numa combinação de todos os meios de expressão (música, dança, artes visuais,
pantomima, mímica, gesticulação, entonações, arquitetura, iluminação e cenário). O formato
dessa linguagem proposta pertence à linguagem dos signos, ou seja, “esta linguagem que
evoca no espírito imagens de uma poesia natural (o espiritual) intensa dá bem a idéia do que
poderia ser no teatro uma poesia no espaço, independente da linguagem articulada” (ARTAUD,
pag. 54). Tal poesia seria a descoberta de uma linguagem ativa, que é também anárquica, onde
foram abandonados os limites comuns entre os sentimentos e a palavra.

O caráter metafísico dessa poesia é o que resultaria todo o seu real valor de ser. Ao se
encontrar com o tempo e o movimento é que a poesia se torna teatral sob um ponto de vista
metafísico. Nesse sentido, o teatro resgataria o seu conteúdo religioso e místico que se perdeu
e essa nova linguagem, proposta por Artaud, seria estruturada sob a forma de encantamento,
ou seja, “fazer a metafísica da linguagem articulada é fazer com que a linguagem sirva para
expressar tudo aquilo que rotineiramente ela não expressa: é usá-la de um novo modo,
excepcional e incomum (ARTAUD, pag. 62).

(foto divulgação)

V – Parte 4: O TEATRO ALQUÍMICO

Para Artaud o teatro é metafísico da mesma maneira que seria alquímico, ou seja, ele quer se
tornar sensível a multiplicidade da vida, fazer um teatro de ambivalência onde “a ilusão é
verdadeira, a destruição construtiva e a desordem ordenada” (VIRMAX, pag. 46).

Artaud aproxima o teatro da alquimia por conta do caráter do movimento que o teatro tem
entre as forças antagônicas. Segundo ele, a operação teatral deverá fazer “ouro” pela relação
conflitante que é provocada, pois “tanto a alquimia quanto o teatro são artes por assim dizer
virtuais e que carregam em si tanto a sua finalidade quanto sua realidade” (ARTAUD, pag. 65).

VI – Parte 5: SOBRE O TEATRO DE BALI

Artaud apropria-se do teatro de Bali para exemplificar e inspirar a sua teoria teatral. Num
primeiro momento, as aparições espectrais das personagens do teatro de Bali, antes de
evoluírem para a linguagem simbólica, são para Artaud, a essência do teatro puro que ele
busca, onde a sua concepção e execução só valerão quando atingirem certo grau de
objetivação da cena. A eliminação das palavras, a opção pelos temas abstratos, a
complexidade dos artifícios cênicos resultariam na aplicação da metafísica extraída de uma
nova utilização da voz e dos gestos: “No seu novo emprego, a palavra vai então servir para
desintegrar as funções habituais da palavra” (VIRMAX, pag. 90).

A tradução dessas imagens numa linguagem nova e discursiva, torara-se totalmente inútil
diante do sentido preciso e intuitivo que os signos espirituais do teatro de Bali propõem. O
efeito que essas imagens resultariam no público é uma intensa sensação de fantasia e riqueza
enlouquecedoras.

A sutileza dos gestos, as variações de voz e os movimentos precisos seriam como um despertar
mágico que acontece diretamente no espírito humano. A linguagem do teatro de Bali seria
como uma fala anterior as palavras, “um estado anterior à linguagem e que pode escolher sua
linguagem em música, gestos, movimentos e palavras” (ARTAUD, pag. 81).

Virmaux resume a visão que Artaud tem do teatro de Bali dizendo que “o que o entusiasma
particularmente no espetáculo dos balineses é que, ao contrário de todo o teatro ocidental,
ele encena uma lição de espiritualidade” (VIRMAX, pag. 48).

VII – Parte 6: TEATRO ORIENTAL E TEATRO OCIDENTAL

Artaud privilegia o teatro oriental ao ocidental. Ele dá como exemplo e inspiração o teatro de
Bali que, segundo ele, nos fornece uma idéia física e não verbal, independente do texto, que
no teatro ocidental é visto como literatura, como elo psicológico da cena, como supremacia da
palavra no teatro.

O que Artaud pretende é buscar uma linguagem teatral pura, que atinja os mesmos objetivos
interiores das palavras através das formas, sons, gestos e que coloque o seu sentido no mesmo
nível que a linguagem articulada. O espírito deverá absorver essa nova linguagem teatral pura,
que atinja os mesmos objetivos interiores das palavras através das formas, sons, gestos e que
coloque o seu sentido no mesmo nível que a linguagem articulada. O espírito deverá absorver
essa nova linguagem através do pensamento, ou seja, através daquilo que ela realmente
representa e não simplesmente do que ela mostra. “Fazer isso, ligar o teatro à possibilidade de
expressão pelas formas, e de tudo que houver em matéria de gestos, ruídos, cores,
plasticidades, etc, é devolvê-lo à sua primitiva desatinação, é colocá-lo em seu aspecto
religioso e metafísico, é reconciliá-lo como universo” (ARTAUD, pag. 92).

A real intenção de Artaud é saber se o espírito poderá ser capaz de absorver a linguagem
icônica e visual no espaço da mesma maneira que consegue captar a linguagem articulada e o
seu conteúdo psicológico. Para ele, o domínio do teatro não é psicológico, mas plástico. Com
isso, ele não tenta eliminar a palavra do teatro, mas mudar a sua destinação, ou seja, torná-la
apenas um meio de conduzir a expressão humana juntamente com os outros signos teatrais.

Essa metafísica formal de várias possibilidades no teatro fará surgir a idéia de uma poesia que
se confundirá com a bruxaria. Essa tendência metafísica do teatro oriental, que se opõe a
psicologia do ocidental domina, segundo Artaud, ao mesmo tempo, todos os planos do
espírito. Extrair dos gestos, palavras, sons, músicas e da combinação deles a objetividade
necessária é utilizar uma linguagem mágica que constituirá a encenação como uma bruxaria.

(foto divulgação)

VIII – Parte 7: É PRECISO ACABAR COM AS OBRAS PRIMAS

Ao dizer que as obras primas são qualidades do passado e que não servem para o tempo atual,
Artaud propõe uma linguagem inovadora, recheada de riscos, na qual as imagens físicas e
violentas instiguem a sensibilidade do público que se vê preso por forças superiores. Ele
propõe a quebra dos antigos padrões em prol do movimento, da inquietação, da reflexão
através de caminhos que não são confortáveis para nós. Ao abandonar as fórmulas
psicológicas, vamos nos ater ao extraordinário da vida, que através da arte, mais
empiricamente através do teatro, nos livre do lugar comum ao qual estamos habituados.

IX – Parte 8: O TEATRO DA CRUELDADE

Artaud nos diz que tudo o que atua é uma crueldade, portanto propõe um teatro que
transforme o público presente com nervos e corações despertados.

O teatro da crueldade propõe estabelecer sobre os interesses das massas através de um


espetáculo em movimento influenciando todos os espectadores, ou seja, um “espetáculo
total” que explore a sensibilidade nervosa do público, “nesse espetáculo de tentação onde a
vida tem tudo a perder e o espírito tudo a ganhar” (ARTAUD, pag. 112).

Alain Virmaux nota que Artaud “preconiza para o teatro da crueldade um espetáculo giratório
e que propõe colocar o espectador no meio da ação para que seja envolvido e marcado por
ela” (VIRMAUX, pag. 52).

X – Parte 9: O TEATRO DA CRUELDADE (Primeiro Manifesto)

Nesse primeiro manifesto, Artaud fortalece a idéia de que um teatro como ele imagina só será
possível através da ligação mágica que privilegie o perigo e a atrocidade. Nesse sentido, o
teatro deverá ter fundamentos orgânicos. Artaud utiliza termos como o exorcismo, as
tentações, os encantamentos, etc. A linguagem pretendida será alcançada via linguagem do
pensamento e do gesto. A crueldade é a base para que tudo se estabeleça.

A busca é feita pelo que pode ser expressado além da aplicação comum e cotidiana das
palavras, dos sons, dos gestos e de toda a expressão intelectual e sensível que fuja da
significação meramente psicológica. Uma metafísica da linguagem. O que importa para Artaud
é que “através dos meios seguros, a sensibilidade seja colocada num estado de percepção mais
aprofundada e mais apurada, é esse o objetivo da magia e dos ritos, dos quais o teatro é
apenas um reflexo” (ARTAUD, pag. 117).

A técnica utilizada será a via de fornecer ao público uma visão de sonho, imagens sensitivas,
uma absorção que o público obterá interiormente através desses estímulos. Os temas serão
como chaves que funcionarão de elo de ligação entre as imagens e projeções apresentadas
com o entendimento sensorial e intelectual.

O espetáculo deverá conter elementos físicos, objetivos e comuns a todos. A encenação será a
mola propulsora para o processo criativo. A linguagem deverá propiciar uma leitura onírica da
realidade. Os signos teatrais como a música, a luz e o figurino deverão fugir das concepções
usuais e temporais, ou seja, deverão propiciar novas leituras estéticas e reflexivas.

No lugar do cenário estarão signos plásticos que remetem a outros lugares que não os comuns
aos espectadores. O local, ou sala de espetáculo, não deverá separar a cena do público, ou, em
outro sentido, o público deverá estar no meio ou arredores da ação propiciando uma
comunicação direta entre espectadores e espetáculo. Com relação ao espaço cênico, Virmaux
afirma que Artaud “sempre desejou para seu teatro um lugar novo e fundamentalmente
diferente das salas tradicionais” (VIRMAUX, pag. 70).

O ator é um elemento de extrema importância e sua eficaz interpretação desencadeará o


sucesso do espetáculo. Sua interpretação será formatada como uma linguagem codificada em
movimentos e ritmos. A verdade e a naturalidade das entonações deverão ser aplicadas pelos
atores como um exagero da interpretação e, dessa forma, “será preciso encontrar um tom de
uma naturalidade pouco utilizada, escondida e como que esquecida, porém tão verossímil e
tão real quanto um e outro” (VIRMAUX, pag. 55). Com relação ao espectador, Virmaux observa
que “a condição essencial de uma ação física sobre o organismo do espectro reside na
presença direta do ator” (VIRMAUX, pag. 67).

(foto divulgação)

XI – Parte 10 – CARTAS SOBRE A CRUELDADE

Nas três cartas publicadas, Artaud tenta esclarecer o que é o princípio da crueldade. O termo é
usado para qualificar não uma situação de sadismo ou terrorismo e sangue, mas para qualificar
o rompimento com o sentido usual da linguagem que retornarão as origens etimológicas da
língua através dos conceitos abstratos que resultarão numa linguagem concreta. A crueldade
“é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade” (ARTAUD, pag. 132).

Esse sentido de aplicação do termo crueldade está inteiramente ligado ao desejo de vigor e
relação entre as forças opostas. Está ligado ao caráter vivo da lembrança, ao apetite e a força
para tornar a cena em um constante movimento viril. A crueldade é a força, sem resistência,
capaz de alcançar qualquer objetivo. É um impulso racional que move os desejos e
necessidades mais básicas do ser humano.

Alain Virmaux sintetiza o objetivo do teatro da crueldade dizendo que ele “pretende fazer da
representação algo tão localizado e tão preciso quanto à circulação do sangue nas artérias”
(VIRMAUX, pag. 73).

XII – Parte 11- CARTAS SOBRE A LINGUAGEM

A encenação para Artaud é a parte verdadeiramente teatral do espetáculo. A cena é um


espaço a ser ocupado e onde as coisas acontecem e, dessa forma, a linguagem das palavras
deve dar lugar à dos signos, linguagem essa que atinja nossos sentidos de modo mais imediato:
“Trata-se de conferir à representação teatral o aspecto de um espaço devorador, (...) que no
domínio psicológico ou cósmico, se identifique com a crueldade” (VIRMAUX, pag. 84).

Artaud busca mudar o ponto de partida da criação teatral, substituindo a linguagem comum
por uma diferente, “cujas possibilidades expressivas equivalerão à linguagem das palavras,
mas cuja ordem será buscada num ponto mais profundo e mais recuado do pensamento”
(ARTAUD, pag. 140).

As indicações dessa nova linguagem ainda deverão ser encontradas, voltando ao gesto de
maneira espontânea, onde “gritos, onomatopéias, signos, atitudes e de lentas, abundantes e
apaixonadas modulações nervosas, plano a plano, e termo a termo, essa linguagem se
empenha em fazer todo o espaço falar, segundo o simbolismo e as analogias. Artaud busca
tornar mágica a velha linguagem articulada através dos signos e novas possibilidades,
proporcionando um “desencadeamento dialético da expressão” (ARTAUD, pag. 144).

Com relação ao principio do teatro, Artaud diz que ele é metafísico e, dessa forma, seu
objetivo seria de criar mitos, “traduzir a vida sob seu aspecto universal, imenso e extrair dessa
vida imagens nas quais gostaríamos de nos reconhecer” (ARTAUD, pag. 148).

A linguagem articulada das palavras deverá, segundo ele, ser substituída por gestos, jogos e
repetições que sugeririam um maior número de imagens no cérebro do espectador. A volta do
teatro para as origens ritualísticas seria um viés necessário para que o teatro se reafirme como
linguagem.

XIII – Parte 12 - O TEATRO DA CRUELDADE (Segundo manifesto)


Com o teatro da crueldade, Artaud procura estabelecer um teatro construído sobre as idéias
de rigor violento, condensação dos elementos cênicos, agitações e inquietudes características
da época atual. O teatro buscará produzir mitos do ser humano e da vida moderna.

O homem total é o que pretende mostrar Artaud, ou seja, o objetivo de estudo não será
apenas as características simbólicas do home e nem seu contexto puramente social. Esse
teatro se dirigirá pela submissão às leis e preceitos.

O retorno aos mitos primitivos fará com que a encenação atualize os conflitos mais antigos do
ser humano através de uma linguagem de movimentos e gestos que será sentida diretamente
pelo espírito sem as deformações da linguagem articulada em palavras. O espetáculo será
estruturado sobre todos os planos possíveis através de um grande número de imagens físicas e
signos ligados aos momentos. Essa linguagem física só terá a sua real eficácia através da magia
de uma atmosfera hipnótica em que o espírito seja atingido pela explanação dos sentidos.

Artaud sugere que as dissonâncias estejam presentes na criação do espetáculo que ocupará
toda a extensão da sala de espetáculo. Dessa forma, o teatro será apresentado como uma
continuidade da vida através dessa linguagem simbólica e icônica.

XIV – Parte 13 – UM ATLETISMO AFETIVO

Com relação ao trabalho do ator, Artaud reafirma a proposta de localizar fisicamente os


sentimentos numa espécie de musculatura afetiva. “O ator é como um atleta do coração.
(ARTAUD, pag. 162). O corpo do ator é apoiado pela respiração, uma questão primordial para
Artaud, e cada movimento corresponde a uma nova respiração. Para ele, o ator deve pensar
com o coração e deve procurar materializar suas paixões, ou seja, “a crença em uma
materialidade fluídica da alma é indisponível à profissão do ator” (ARTAUD, pag. 164).

O conhecimento da respiração dá sentido as relações que o ator faz com o ambiente e com sua
preparação física, assim, através da respiração, o ator “cava sua personalidade” (ARTAUD, pag.
166). Através de um conhecimento físico, qualquer ator pode aumentar a intensidade e o
volume dos seus sentimentos.

No desenvolvimento desse teatro, a relação da poesia com a ciência deve ser desenvolvida
segunda a noção de que toda emoção tem bases orgânicas. “Uma ciência tão exata quanto
possível e relativa aos recursos do corpo, aos efeitos da luz e do som sobre os corpos”
(VIRMAUX, pag. 74).

XV – Referências bibliográficas:

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Lisboa: Minotauro, s.d. (São Paulo: Max Limonad,
1884)
VIRMAUX, Alain. Artaud e o Teatro. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura (1 ed. Paris,
1970). São Paulo: Perspectiva, 1978.

Você também pode gostar