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ARTAUD

[Martin Esslin, 1978, Editoras Cultrix e USP]

MESTRE OU LOUCO

Um acontecimento de grande importância para Artaud foi a publicação, em


1923, de sua correspondência com o escritor e editor da “Nouvelle Revue Française”,
Jacques Riviére. A partir daí, Artaud descobriu que o tema de seus poesia seria si
mesmo e seus pensamentos. Logo depois, Artaud se filiou ao Movimento Surrealista,
mas a aproximação deste movimento com o Partido Comunista e outras polêmicas o
fizeram ser cruelmente expulso com a publicação de um documento oficial. Na sua
trajetória, soma-se a contribuição da fundação do Teatro Alfred Jarry, um teatro de
vanguarda que procurava misturar fantasia com o grotesco.
No cinema, suas contribuições não se restringiram a sua atuação, mas também a
roteirização de filmes. “A concha e o clérigo”, de 1927, antecipou os sonhos surrealistas
de “O cão andaluz”, de Buñuel. No entanto, a direção da cineasta francesa Germaine
Dulac que mostrou a visão feminina sobre a obsessão violenta de um padre por uma
mulher pelas ruas de Paris não agradou Artaud, o que o fez gritar ofensas a cineasta
durante a primeira exibição pública do filme, que também não agradou o público e a
crítica. Em 1936, Artaud visitaria o México para conhecer a tribo indígena dos
Tarahumaras.
Enquanto estava internado em Rodez, asilo psiquiátrico, Artaud manteve
correspondências com diversos amigos, inclusive seu psiquiatra Dr. Frediere que,
mesmo reconhecendo o gênio criativo de Artaud o submeteu a inúmeras sessões de
eletrochoque que o deixavam sem consciência. Em uma dessas cartas trocadas com
amigos é possível reconhecer os delírios sofridos por Artaud. Ele acusou a polícia
francesa e a comunidade judaica de envenenamento por esperma. Ele afirmou que a
polícia e os judeus reuniam uma multidão de homens em um transe erótico para uma
masturbação ritual a fim de envenena-lo.

OS LIMITES DA LINGUAGEM

Para Artaud, havia uma diferença entre o pensamento e as palavras e, em sua


teoria teatral, persistiu obstinadamente em superar essa cisão e hierarquização. Artaud
se via como um herói encerrado na turbulência de suas “intuições poéticas interiores”,
incapaz de expressa-las em palavras e, isto, em sua visão, o tornava incapaz de viver em
sociedade ou de executar minimamente bem qualquer atividade.
Consciente deste problema de traduzir em palavras estas imagens complexas e
contraditórias que passavam por sua cabeça, Artaud convenceu-se de que o pensamento
podia ser pré-linguístico e também de que poderia superar este espaço vazio localizado
entre o pensamento interior e sua expressão.
Artaud chegou a conclusão que a tradução do pensamento em palavras não era
apenas um problema seu, resultado de seu sofrimento psíquico e das inúmeras sessões
de eletrochoque, mas um limite da própria linguagem. Inadequada na transmissão de
comunicar suas sensações interiores, a linguagem reduz e precariza o pensamento.
“Estou com frio”, dizia ele, é uma construção frasal que não corresponde ao seu intenso
tráfego do desfile de imagens e sensações interiores.
O que era um problema de ordem pessoal se tornou um problema linguístico.
Assim, na década de 1930, enquanto desenvolvia sua Teoria do Teatro da Crueldade,
Artaud se tornou mais consciente disso e passou a desdenhar de escritores que
ostentavam facilidade em lidar com as palavras. Artaud atribuiu isto a uma preguiça
intelectual. Desconhecer tal dificuldade na relação do pensamento com a linguagem
representava uma negligencia por aquilo que lhe valia mais: os sofrimentos e os
tormentos da escrita poética.
Nesse sentido, a filiação ao movimento surrealista foi uma oportunidade de
Artaud desenvolver experimentos com a linguagem em prol de uma defesa da vida e de
recuperação da realidade, do encontro do homem com o homem. No entanto, Artaud
acabou se envolvendo mais com o teatro do que com a poesia surrealista.
Artaud defendeu que este elemento pré-linguístico e não verbal seria de
fundamental importância para o poeta, haja vista que está vinculado àquilo que é a
matéria-prima da poesia: a emoção humana. Para Artaud, as emoções podem ser
evocadas por palavras, mas pertencem inequivocamente a uma dimensão não verbal.
Elas se manifestam através de sensações corpóreas como relaxamento de tensões
musculares, aceleração da pulsação ou a liberação de hormônios sexuais. Logo, a
contemplação de uma obra de arte, a aproximação do ser amado ou a exaltação do pôr-
do-sol são vivenciadas através das sensações corporais. As palavras, por sua vez, não
dão conta da beleza e complexidade destas sensações. Daí, a proposta de fazer com que
a poesia utilize aspectos concretos da linguagem para se comunicar com o corpo, como
“a qualidade musical das palavras, a natureza sensual dos sons de que são feitas, a
qualidade rítmica do poema que ativa diretamente os ritmos próprios do corpo: o latejar
do sangue e a enorme multidão de associações não-verbais inerentes à linguagem e
ativadas pelas palavras”.
Desse modo, a projeto do Teatro da Crueldade é uma proposta que visa atingir e
provocar a complexidade das emoções humanas em detrimento do uso discursivo da
linguagem para a volta da saúde total.

Se a linguagem se mostrava incapaz, por si mesma, de comunicar a


verdadeira sensação física de suas dolorosas lutas a outras pessoas,
talvez um assalto a seus sentidos, no teatro, as despertasse da
indiferença e, ao faze-las mergulhar em dor e angústia equivalentes,
lhes abrisse as mentes, as sacudisse de sua apatia e assim as
purificasse moralmente (ESSLIN, 1978, p. 68).

Por sua vez, a relação da encenação artaudiana com a visualidade cênica se dá na


forma como o francês pensava a linguagem, sendo ela o ponto de origem do niilismo
humano. Isto é, o primeiro subterfúgio humano para negar a vida. A linguagem, para
Artaud, é uma deterioração de um rico mundo pré-linguístico: o mundo das emoções,
dos impulsos, das forças exuberantes e do fluxo artístico onde tudo muda e toda
compreensão de realidade nada mais é do que a configuração provisória do mundo, um
equilíbrio momentâneo de forças que lutam entre si.
Segundo Artaud, o homem ocidental adoeceu porque abriu mão da beleza desse
mundo pré-linguístico para, através da linguagem, se comunicar com o outro, priorizar a
ilusão de duração, de estabilidade e de verdade, para perdurar na existência fixando
conceitos e a si próprio em um mundo linguístico onde a palavra é soberana, dona da
verdade. O teatro, por sua vez, abriu mão de sua acepção mística, religiosa e
encantatória para se tornar psicologizado, dialogado, racional. Sendo assim, Artaud
propõe pensar os diferentes elementos da linguagem teatral para fazer o homem retornar
a este estado de afirmação da vida, para devolver ao teatro as suas origens míticas,
encantatórias e rituais realçando a sua condição convulsiva e apaixonada pela vida.
O teatro, para Artaud, deve se rebelar contra a linguagem, ser independente da
palavra, atingir e satisfazer primeiro os sentidos e não o espírito humano, pois existem
pensamentos que só podem ser expressados na linguagem física e concreta do palco.
O TEATRO ARTAUDIANO – TEORIA E PRÁTICA

Esslin considera Artaud como uma das figuras centrais da renovação do teatro
europeu após um período de decadência ocorrida em meados do século XIX que o
transformou em melodrama e puro entretenimento. Dentre estas figuras, ao lado de
Artaud, estavam Ibsen Strindberg, Tchekhov, Stanislavski, Appia, Craig, Lugné Poe,
Wagner, Nietzsche, Duque de Meiningen e etc.
O cadáver da vítima da peste bubônica aparenta estar organicamente intocado,
mas por dentro escorre um líquido preto que se tornou um signo mortal da peste. Para
Artaud, assim deve ser o teatro. Atingir uma espécie de crueldade profunda, íntima e
invisível. Não se trata de uma violência física, mas de provocar as emoções profundas e
escondidas da alma humana.
O teatro da crueldade faz o dramaturgo desaparecer como fonte originária da
experiência teatral e o diretor, com seu poder criativo, é o autor da encenação e que
eliminas todas as palavras. O espaço teatral não deve ser mais o convencional e sim
espaços alternativos, como prédios especiais, celeiros, igrejas e etc. A dicotomia entre
público e palco deve ser desfeita. A cor e o estilo do figurino carregam a sua própria
significação. Eles não devem ser naturalistas ou psicologizantes.

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