A CANOA DE PAPEL – TRATADO DE ANTROPOLOGIA TEATRAL
[Eugenio Barba, Teatro Caleidoscópio e Dulcina Editora, 2012]
GÊNESE DA ANTROPOLOGIA TEATRAL
A teoria da Antropologia Teatral, desenvolvida por Eugenio Barba, encontra no
cruzamento entre diferentes culturas a sua gênese. Segundo o encenador, a primeira é a “cultura da fé”, onde ele recorda memórias de sua infância, como as celebrações de Páscoa, da cidade Gallipoli, no sul da Itália. Como um garoto muito religioso, ele se emocionava ao ver a mãe de um amigo caminhando de joelhos durante da Procissão da Virgem, na Sexta-feira Santa. Outra memórias são de quando observava sua avó se pentear durante o período que morou com ela, além da morte de seu pai, uma memória de dor profunda. Aos 18 anos, ele se mudou para a Noruega. Lá, como imigrante, vivia uma rotina de aceitação e de exclusão com bases “pré-expressivas”, como quando subia no ônibus e, mesmo sem expressar nada, as pessoas reagiam a sua presença silenciosa como estrangeiro e se aproximavam ou distanciavam. Assim, ele desenvolveu as atribuições para o seu ofício posterior como encenador de teatro: a observação do comportamento humano. Aprendeu a identificar onde, no corpo, nasce o impulso e como ele se move. Para Barba, outro episódio marca a sua memória: seu trabalho com Grotowski, em Opole, na Polônia, entre 1961 e 1964, onde ele viveu uma experiência rara: um momento de transição. Para ele, estes rebeldes reformadores do teatro, como Stanislavski, Artaud, Brecht, Grotowski e etc. são criadores de um teatro de transição. Segundo ele, seus espetáculos mudaram os modos de se ver e de se fazer teatro obrigando uma reflexão sobre o passado e o futuro sob uma perspectiva completamente diferente. Para Barba, a transição é uma cultura e a cultura deve possuir três aspectos: “a produção de material através de técnicas, a reprodução biológica que permite transmitir a experiência de geração a geração e a produção de significados” (BARBA, 2012, p. 17). É essencial criador novos significados e novos valores. Artaud, com seu projeto do Teatro da Crueldade, conseguiu criar novos valores para a relação social do teatro. Isso é uma característica própria destes reformadores do teatro. Estes valores pertencem a cultura da transição quando as pessoas “recusam o seu próprio tempo e não se deixam possuir pelas gerações futuras. De suas escolas, só se pode aprender a ser homens e mulheres da transição, que inventam o valor pessoal e seu próprio teatro” (BARBA, 2012, p. 18). Em 1964, após a criação de sua companhia Odin Teatret, Barba fez uma viagem a Ásia, visitando países como Bali, Taiwan, Sri Lanka, Japão. Foi quando percebeu que atores e bailarinos asiáticos atuavam com joelhos dobrados, como seus atores do Odin Teatret. Seus atores, após anos de experiência, têm a tendência de assumir essa posição de joelhos flexionados que contém o “sats, o impulso de uma ação que ainda se ignora e que pode tomar qualquer direção” (BARBA, 2012, p. 19). Assim, Barba descobriu um dos princípios da Antropologia Teatral: o equilíbrio. Em 1978, seus atores fizeram viagens ao mundo para encontrar novos estímulos. Na Dinamarca, aprenderam tango, valsa vienense, foxtrote, quick step. Em Bali, aprenderam o Baris e o Legong. Na índia, o Kathakali. No Brasil, a capoeira e danças de candomblé. Incomodado com o vislumbre exótico de seus atores, Barba começou a perceber que seus atores mudavam de comportamento cênico quando experimentavam estas novas técnicas. Esta habilidade de vestir-se e de despir-se de uma técnica para outra, apesar de expressividades distintas, compartilhavam os mesmos princípios. Essa transição da técnica cotidiana para a técnica extra cotidiana, da técnica pessoal para a técnica aprendida fez com que ele elaborasse as primeiras questões sobre a Antropologia Teatral e, em 1979, criou o ISTA (Escola Internacional de Antropologia Teatral).
DEFINIÇÃO
A Antropologia Teatral é um estudo de como a presença física e mental do
ator/bailarino se sustenta sobre um comportamento cênico pré-expressivo que, distinto dos princípios da vida cotidiana, está na base de toda representação organizada, isto é, gêneros, estilos, papeis e tradições culturais, sejam pessoais ou coletivas.