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Pastor que guia

O ponto de partida para a compreensão de Deus como pastor que guia está na
experiência do Êxodo. O canto entoado por Moisés e pelos filhos de Israel (Ex 15)
glorifica a Deus pela sua prodigiosa ação através da qual libertou o seu povo da
escravidão do Egito e o conduziu para a terra prometida: “Conduziste com o teu amor
este povo que redimiste e o guiaste com amor para a morada que consagraste! ” (Ex
15,13). A experiência de ser tirado de uma situação e levado para outra, a qual evoca já
uma ação que é própria do pastor (Sl 78,52), une-se à experiência de ter sido conduzido
com segurança e protegido diante das ameaças do exército egípcio: “Os carros de Faraó
e suas tropas, ao mar ele lançou” (Ex 15,4).
O texto do livro do Gênesis que narra como Jacó adota e ao mesmo tempo abençoa os
dois filhos de José, une a experiência da vida nômade da família de Jacó com a
experiência do Deus-pastor que se solidariza com o povo que ama: “o Deus diante de
quem caminharam meus pais Abraão e Isaac, [...] o Deus que foi meu pastor desde que
vivo até hoje” (Gn 48,15). Como você pode perceber, a compreensão de Deus como
pastor está intimamente associada à ação de caminhar com seu povo, de conduzir e
guiar nos caminhos que levam à vida.
Os termos que indicam a ação de Deus como guia estão presentes de forma ainda mais
ampla nos salmos. Grenzer (2012, p. 302) nota que o Salmo 23, um dos textos mais
populares e mais amados pelo povo brasileiro, deve, em boa parte, sua popularidade ao
fato que o Senhor Deus de Israel é apresentado como pastor: “para águas tranquilas me
conduz e restaura as minhas forças; ele me guia por caminhos justos, por causa do seu
nome” (Sl, 23,2-3). Como você certamente terá percebido, os verbos usados aqui são os
mesmos usados em Ex 15,13 – conduzir e guiar – o que mostra o quanto a experiência
da libertação do Egito marcou a história do povo de Israel e também a sua compreensão
de Deus.
O Salmo 78 se apresenta como uma longa meditação sobre a história do povo de Israel,
com a finalidade de recordar e celebrar. Narrar os fatos do passado permite, de certa
forma, trazê-los para o presente e sobretudo renovar a confiança de que o mesmo Deus
que libertou e conduziu o seu povo pelo deserto continua apascentando o seu povo
também no momento atual. Deste modo o salmista transmite para as próximas gerações
o que ele mesmo ouviu dos seus pais1. A imagem que usa para referir-se à saída do
Egito é a das ovelhas que saem do estábulo guiadas pelo pastor divino: “Fez seu povo
sair como um rebanho e como ovelhas conduziu-os no deserto. Guiou-os com segurança
e não temeram” (v. 52-53).
O Salmo 80, que tem como pano de fundo a difícil situação vivida pelo reino do Norte,
apresenta-se como uma súplica para que Deus venha em socorro do seu povo. Para isso
o salmista volta-se para o passado, recordando as ações de Deus e pede para que Ele
intervenha e, como pastor que apascenta e conduz, salve o seu povo (v. 2-3).
A originalidade dos profetas está no fato de terem inserido o tema do pastor que guia na
perspectiva do novo Êxodo. Neste contexto, Oséias assume uma postura crítica diante
1
“O que nós ouvimos e conhecemos, o que nos contaram nossos pais, não esconderemos a seus filhos;
nós o contaremos à geração seguinte” (Sl 78,3-4).
da dureza de coração do povo; denuncia sua rebeldia e reclama de sua teimosia
comparando-o a uma novilha indomável (Os 4,16). Deus mantém sua atitude de pastor
que conduz e guia, porém, depara-se com uma situação de resistência por parte do seu
povo.
O Segundo-Isaías, por sua vez, serve-se da alegoria do pastoreio para consolar o seu
povo apresentando Deus como pastor que reúne, protege e conduz o seu rebanho:
“Como um pastor apascenta ele o seu rebanho, com o seu braço reúne os cordeiros,
carrega-os no seu regaço, conduz carinhosamente as ovelhas que amamentam” (Is
40,11). No capítulo 49, a ação de conduzir e guiar está associada a apascentar. Por isso,
os prisioneiros que caminham em direção a Sião encontrarão pastagens e não sofrerão
nem fome nem sede, pois aquele que se compadece deles os guiará e os conduzirá aos
mananciais (Is, 49,9-10).
A compreensão de Deus como pastor, na literatura sapiencial, não se reduz ao que já
identificamos nos salmos. Os livros do Eclesiastes e do Eclesiástico apresentam Iahweh
como o pastor que conduz e guia o seu povo mas o fazem de forma original: a relação
não é mais com o Êxodo e sim com a Criação. O pastor é associado ao mestre e ao sábio
que criou a sabedoria e a difundiu em todas as suas obras (Eclo 1,8-9). Assim, Ecl 12,11
compara as palavras dos sábios a aguilhões e a estacas fincadas pelo pastor. A partir
desta perspectiva, o Deus que é a fonte da sabedoria guia o seu povo mapeando o seu
caminho para que nenhum de seus filhos se perca. Por sua vez, o livro do Eclesiástico,
refletindo sobre a caducidade da existência, afirma que a brevidade da vida humana soa
para Deus como um apelo à sua compaixão: “A misericórdia do homem é para com o
seu próximo, mas a do Senhor é para com toda a carne: admoesta, corrige, ensina,
reconduz, como o pastor, o seu rebanho” (Eclo 18,13).

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