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MARÇO, 2020

1. INTRODUÇÃO
Assim como todo mundo, ao ver as coisas acontecendo ao
meu redor em relação ao novo coronavírus (COVID-19), eu tenho
me angustiado com algumas situações. Às vezes são só pontos que
me fazem pensar, outros me desgastam emocional, e ainda outros
me fazer querer agir de alguma forma. Esse e-book de distribuição
gratuita é uma dessas ações, uma forma de elaborar para mim
mesmo certos conteúdos e também levar essas reflexões às pessoas
que tiverem acesso ao material.
Desculpe, sei que estamos vivendo momentos de muita
tensão e que muitas pessoas estão tendo profundos impactos em
sua saúde mental, porém, este livro não é um manual de como
relaxar em meio à crise. Muitos colegas psicólogos e de outras
áreas estão produzindo conteúdos bem bacanas em relação a isso e
indico que você os procure, se esse for seu objetivo. Apenas deixo
aqui registrado que eu não sei fazer esse tipo de material, aqui
você encontrará um e-book curto em que eu não vou ter muitas
respostas para você, apenas estarei te convidando a refletir comigo
sobre pontos importantes da crise que estamos vivendo. Se no final
dessa leitura você não conseguir achar as respostas que quer, mas
de alguma forma se sentir implicado com tudo isso que está
acontecendo, então já terá valido a pena.
Sempre que citar dados ou informações aqui, colocarei
também a fonte. Apesar de ser um material autoral, entendo que é

3
de responsabilidade de todos nós, apenas repassar informações
confiáveis e embasadas. Essas fontes estão como hiperlinks, ou
seja, se você quiser acessá-las basta clicar (se estiver em um
dispositivo ligado à internet).
Boa leitura, e se você achar que esse material pode de alguma
forma agregar algo à vida de alguém que você conhece, sinta-se
à vontade para compartilhá-lo.

4
2. O PÂNICO DA PANDEMIA

A palavra pandemia deriva do grego, PAN (tudo) + DEMOS


(povo), fala de uma doença que ataca muitas pessoas em muitos
lugares1. Segundo o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom
Ghebreyesus2:
"Pandemia não é uma palavra para ser usada à toa ou
sem cuidado. É uma palavra que, se usada
incorretamente, pode causar um medo irracional ou
uma noção injustificada de que a luta terminou, o que
leva a sofrimento e mortes desnecessárias"

Desta forma, vemos que a palavra em si não está


necessariamente ligada ao sentimento de pânico que muitas
vezes a acompanha. Aqui, entendo que o cuidado deve ser evitar os
extremismos: nem significa pânico, nem significa negligência.
A palavra mais denota uma constatação de que uma doença,
como é o caso do novo coronavírus, está se espalhando por muitos
lugares do mundo, mas que por si só não muda as ações de
contenção da disseminação.
Se pudermos atrelar um significado ao conceito de pandemia
podemos pensar na coletividade. Ou seja, falar ou pensar em um
contexto de pandemia é também pensar e constatar que não
vivemos sozinhos no mundo. Esses dias ainda vi uma publicação
do perfil @menos1lixo no Instagram em que a imagem dizia: “ao
jogar o lixo fora, pense que não existe fora”.

1
FONTE: https://origemdapalavra.com.br/palavras/pandemia/
2
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51363153

5
Em situações críticas como de uma catástrofe natural ou de
uma pandemia, reinauguramos em nós mesmos a concepção de que
apesar de todo nosso desenvolvimento, todas as nossas tecnologias,
ainda assim estamos intimamente ligados ao mundo que nos
cerca. Mundo no todo, seja a natureza, sejam as pessoas. Tal qual
a ideia do efeito borboleta3, nos damos conta de que nossas ações
têm consequências e um alcance que não podemos prever.
Numa entrevista um dado político, ao ser questionado sobre
uma atitude de risco, disse que se ele se contaminasse o problema
seria só dele e “ninguém tinha a ver com isso”4. Será?
Quando pensamos em saúde do coletivo, ou seja, a minha
saúde e das pessoas que estão ao meu redor, os argumentos
normalmente válidos para discutir nossos direitos, podem ter que
passar por uma revisão. Por mais ‘insano’ que isso possa parecer,
a questão aqui é: “E se eu, deliberadamente, quiser me contaminar
com o vírus, eu tenho esse direito?”.
O que a princípio parece lógico - sim cada um deve ditar as
regras de seu corpo – toma outra perspectiva quando lembramos
que vivemos em sociedade. Assim como eu não tenho o direito de
beber e dirigir por estar assumindo o risco de causar um acidente e
ferir outras pessoas – afetando assim o direito dela de não ser
machucada – eu também não tenho o direito de me infectar e correr

3
Efeito borboleta é um termo que se refere, segundo a cultura popular, na teoria de que o bater de
asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez
provocar um tufão do outro lado do mundo.
4
FONTE: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/16/apos-cumprimentar-apoiadores-bolsonaro-
diz-que-e-o-responsavel-caso-tenha-se-contaminado.ghtml

6
o risco de passar essa doença adiante. Isso ganha ainda mais
importância quando falamos de um vírus que tem alta taxa de
transmissibilidade.
Poderíamos aqui adentrar as discussões acerca das vacinas,
por exemplo, “será que tenho o direito de não vacinar o meu filho
e assim assumir o risco de trazer de volta à sociedade doenças já
erradicadas?”. Bom, está acontecendo né? Matéria do jornal BBC:
Movimento antivacina gera surto de doenças nos EUA5. Mas esse
é assunto para outra hora.
Assim, resumindo, nosso direito individual não pode
sobrepor os cuidados com o todo. Assim, cada indivíduo integra a
responsabilidade do todo em combater a disseminação do COVID-
19. Você faz isso quando escolhe não sair de casa, quando opta por
não dar aquela festa, quando adia a viagem, quando trabalha em
home office, quando higieniza as mãos, quando não compra
produtos, seja de mercado ou farmácia, para estocar.
E esse é um ponto importante, a seguir coloco aqui um texto
que publiquei no facebook, o relato de uma vivência:
Muito
contribuímos
quando não
entramos em
pânico, e
consequentemente,
não somos
egoístas. Esse é o
melhor ponto de
partida.
5
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/02/140221_vacinas_doencas_dg

7
3. E A SAÚDE MENTAL?
Vi um meme que dizia assim: “Viver a história em tempo real
é muito cansativo”. É fato de que estamos vivendo um momento que
ficará marcado na história, futuras gerações falarão sobre o tempo
em que seus pais ou avós enfrentaram uma pandemia.
E apesar de toda modernidade que podemos lançar mão hoje,
ainda a sensação de insegurança e falta de controle diante do
desconhecido, diante de uma doença que não se tem remédio ou
vacina, ainda são bastante intensos.
Lidar com um inimigo invisível e imprevisível pode abalar a
saúde mental de muitas pessoas, e é isso que temos observado.
Converse com as pessoas que você conhece e verá que muitos,
muitos mesmo, estão ficando quase paranoicos com relação à
limpeza e esterilização dos locais que frequentamos.
Perceba que esta não é uma questão nova, há muito tempo que
infectologistas e profissionais da área da saúde pregam sobre a
limpeza das mãos e os cuidados com microrganismos. Porém,
mesmo assim, ainda há pessoas que ao carregar sacolas nas duas
mãos, coloca a chave da porta na boca. Ao chegar no mercado e não
conseguir abrir a sacola plástica, dá uma ‘lambida’ no dedo para
ajudar, e essa técnica da lambida também é utilizada para virar
páginas de livros. Nos encostamos nos lugares e em pessoas,
comemos sem lavar as mãos, e assim vai. Ok, devo reconhecer, nem

8
todos são assim, mas eu mesmo pratiquei muitas destas coisas
muitas vezes antes do novo vírus tomar os noticiários.
Essas ações que antes eram feitas no modo automático, hoje já
não são (ou não devem ser). Fui ao mercado e comecei a me dar
conta de algumas coisas como: as várias vezes que fiz o movimento
para tocar meu rosto; o porquê segurar no corrimão da escada
rolante; o fato de pegar nos produtos e depois do meu celular; o
porquê se apoiar no caixa; pegar o cartão de crédito, colocá-lo na
máquina de cartões (onde tantos outros já foram colocados) e depois
ir direto para o bolso, etc.
Veja, são atos que agora fazemos de modo consciente, e deve
ser assim. Devemos pensar e tomar atitudes que visem uma maior
proteção de nós mesmos e das pessoas que moram conosco. Nessa
mesma lógica, montei ainda uma “área suja” na porta do meu
apartamento: um banco para tirar os sapatos e deixá-los separados
para não transitar com eles em casa; um gancho para deixar minha
bolsa do trabalho; um apoio para deixar carteira, chaves e algo mais
que tenha levado no bolso. Transferi ainda o cesto de roupas sujas
do quarto para a lavanderia e, como já fazia antes (por trabalhar no
hospital), chegar em casa e ir direto para o banho.
Essas são só algumas medidas que eu tomei dentre tantas
possíveis. Agora a questão é: até que ponto esses cuidados são
saudáveis?

9
Nesse momento de pandemia tudo que for dito sobre regras de
higiene não podem ser tomadas como rígidas e inflexíveis, mas
devem sim ser consideradas a partir do princípio que as rege.
O que quero dizer é que é preciso reconhecer que nossas casas,
nossos carros, nossos corpos, não são estéreis. Estamos à mercê não
só do novo coronavírus, mas como de outros vírus e bactérias. Mais
do que um check-list que deve ser seguido à risca, devemos analisar
dentro das nossas rotinas, formas de conseguir criar barreiras e
dificuldades para que o vírus se espalhe.
Tem gente que não tem espaço para uma “área suja”, pessoas
que têm que pegar ônibus todos os dias, metrô, e outros. Muitos
trabalhos não têm a possibilidade de home office. E aí? Vi uma
tirinha que representada meu pensamento:

10
Quando as preoupações se tornam a maior parte do nosso dia,
quando o cuidado com a limpeza nos enrijece a ponto de não
conseguirmos seguir com a nossa vida, ai o sinal de alerta deve ser
ligado.
Perceba que devemos evitar sair de casa devido os
direcionamentos das autoridades sanitárias, mas isso é diferente de
uma pessoa que não consegue fazer o almoço, não consegue
trabalhar, não consegue viver devido o peso de sua preocupação.
Não é incomum ouvir pessoas relatando insônia e sofrimento mental
devido ao medo de pegar o vírus.
Não esqueçamos que antes do COVID-19 doenças mentais já
eram uma realidade, e com o aparecimento dele, elas não
desapareceram, muitas ainda se agravaram. Então pessoas com
transtorno de humor podem ser muito mais afetadas em relação à
essa nova realidade.
É importante que ao perceber sintomas e sofrimentos que
estejam difíceis de suportar, a pessoa procure uma válvula de
escape, seja se comunicando (online) com amigos e familiares, seja
fazendo uma atividade que lhe dê prazer como leituras e jogos, ou
ainda buscando ajuda profissional.
Considerando o contexto atual, o Conselho Federal de
Psicologia se posicionou:

“profissionais poderão fazer atendimento online sem


necessidade de aguardar confirmação de cadastro no E-

11
Psi”6. Isso significa que os profissionais que optarem pela
prestação de serviços psicológicos realizados por meios
de tecnologia da informação e da comunicação, como o
atendimento on-line, devem realizar o cadastro pelo site
Cadastro e-Psi. Porém, temporariamente para os meses de
março e abril, não será necessário aguardar a confirmação
da plataforma para começar o trabalho remoto”7.

É uma tentativa de facilitar o acesso da população ao


atendimento psicoterapêutico de forma segura, evitando
atendimentos presenciais. Grupo de psicológos estão se organizando
e realizando, voluntariamente, atendimentos gratuitos de forma
online e em caráter excepcional. Assim, se você está em sofrimento
devido a este contexto de pandemia, procure ajuda, pesquise
profissionais na sua região que possam fornecer esse apoio.
Tenha em mente que devemos estar isolados fisicamente, mas
que emocionalmente o isolamento pode ter um impacto muito
profundo e duradouro.

6
FONTE: https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-sobre-atendimento-on-line/
7
FONTE: https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-sobre-atendimento-on-line/

12
4. Quantidade x Qualidade de informações.

Você já deve ter visto que a Globo, uma das principais


emissoras de televisão aberta, mudou drasticamente sua
programação de modo a privilegiar os jornais e informes sobre a
pandemia8.
Desde cedo pela manhã até a hora de dormir, pipocam na TV
ou nas redes sociais um volume muito grande de informações. A
avalanche de dados é tão grande que pode mais atrapalhar do que
ajudar.
Esteja você de férias, folga, home office ou quarentena, cuide
para conseguir manter uma rotina em casa, cuide para conseguir ter
uma vida para além da crise do corona vírus. Lembre que essa é
uma situação específica e grave, mas que ela não deve apagar ou
anular as outras áreas da sua vida.
Escrevo isso porque muitas pessoas ao entrarem em contato
com esses dados, com os números crescentes e com a iminente
disseminação do vírus, acabam ficando impressionados e abalados.
Uma pessoa próxima a mim está passando por isso, e quando eu
sugeri que talvez ela se afaste um pouco disso, já que está lhe
fazendo mal, ela contrapôs que a situação é grave demais para não
se inteirar.
Concordo com a gravidade, claro, minimizar essa crise é algo
irresponsável e quase insano de se fazer. Deixo claro aqui meu

8
FONTE: https://gshow.globo.com/noticia/mudancas-na-globo-em-funcao-do-covid-19.ghtml

13
posicionamento, não entendo que essa seja apenas uma “gripezinha”
como fora falado por ai9, mas sim uma crise a nível mundial e que
precisa ser levada a sério.
Porém, para o bem da nossa saúde mental, é preciso manter
algum tipo de controle sobre como essa realidade nos afeta. Isso
significa compreender que estejamos atualizados em tempo real ou
não, os números continuarão sua curvatura no gráfico da
disseminação. Assim, uma vez tomada ciência do problema e
adotadas as medidas necessárias, precisamos filtrar o quanto dessa
informação vai adentrar em nosso dia-a-dia.
Você não controla a curva de disseminação! É preciso
reconhecer que muito desse processo não está em nossas mãos e que
não podemos controlá-lo e se perguntar: o que está sob o nosso
controle? Está sob nosso controle quantas vezes por dia eu acessarei
os sites de notícias, quantas vezes ligarei a TV e, se eu não quiser
ser tomado por esses números, tentar encontrar alternativas
plausíveis.
Avalie os perfis que você segue, se você não consegue logar
no facebook sem chover gráficos do coronavírus, será que você não
precisa tentar seguir outros? Se a TV só traz essas informações, será
que você consegue se socorrer dos serviços de streaming? Tentou
mudar o hábito e encontrar bandas novas de música? E jogos de
aplicativos como STOP, UNO, PERGUNTADOS, etc? Filtre, se

9
FONTE: https://oglobo.globo.com/brasil/veja-dez-vezes-em-que-bolsonaro-minimizou-crise-do-novo-
coronavirus-24322385

14
posicione, faça algo que vai conseguir quebrar essa bola de neve de
números e informações.
Mas além da quantidade, é preciso também pensar sobre a
qualidade dessas informações. Em época de fake news, onde você
tem se informado? Como você tem contribuído para que as
informações repassadas sejam confiáveis?
Um levantamento da MindMiners, realizado a pedido da
agência Leo Burnett, aponta que sites de notícias e TV aberta são
os maiores fornecedores de informações verídicas. Como menos
confiáveis foram apontados os conteúdos do facebook e
WhatsApp10. O baixo índice de confiança nessas redes mostra que o
trabalho para desmascarar as fake News estão sendo efetivos, mas
muito ainda precisa ser feito.
Empresas estão dedicadas a combaterem as informações falsas
e podem ser uma ótima ajuda no que se refere a tirar a dúvida sobre
a veracidade dos fatos. Um desses portais é o “Fato ou Fake” 11 da
Globo.com. Veja por exemplo que tipo de informação eles têm que
desmentir:

10
FONTE: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/23/coronavirus-crescem-audiencia-
e-relevancia-de-noticias.htm
11
FONTE: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/03/23/e-fake-que-governo-russo-soltou-
leoes-nas-ruas-para-amedrontar-a-populacao-e-faze-la-ficar-em-casa-por-conta-do-coronavirus.ghtml

15
...vou deixar uns segundos para você digerir a surpresa de descobrir
que essa notícia é falsa...
...
...
...
Pronto? Então vamos continuar.
Sim, se para você pode parecer surreal que as pessoas
acreditem que tem leões soltos a serviço da quarentena, para tantas
outras pessoas pode ser que não. Lembre-se que os tempos de crise
mexem com a imaginação das pessoas e podem fazer aflorar medos
irracionais.
Por isso, quando você ler uma notícia sobre o coronavírus,
pode ser que ela não seja tão surreal quanto a do leão, mas ainda
assim ser duvidosa. Então pesquise a mesma notícia em jornais de
grande expressão, procure fontes confiáveis, verifique a veracidade
antes de repassar para mais pessoas. Na dúvida: não compartilhe!
A BBC12 fez um passo-a-passo sobre como não repassar fake
news, veja:
1) Leia a notícia inteira, não apenas seu título
2) Cheque a fonte e a autoria da notícia
3) Digite o título da notícia recebida em buscador como o
Google
4) Destrinche os fatos da notícia e tente checá-los
individualmente
5) Se for uma imagem, faça uma busca reversa por ela no
Google
6) É um áudio ou um vídeo? Resuma o acontecimento e faça
uma pesquisa no buscador

12
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/geral-45967195

16
7) Pergunte à pessoa que encaminhou a notícia de quem ela
recebeu e se essa pessoa conseguiu verificar a informação
8) Por último, não compartilhe se não estiver certeza de que a
notícia é verdadeira.

Se cada um de nós fizermos a nossa parte, menos clima apocalíptico


será propagado e mais pessoas poderemos ajudar!

17
5. AS MORTES EM NÚMEROS

13

Aqui trataremos de um assunto delicado para quem já está em


sofrimento emocional acerca da pandemia: os números. Assim, se
você achar melhor, pule este capítulo. Siga para o próximo e se
poupe, às vezes, é o melhor que podemos fazer por nós mesmos.
No mundo todo, até a data de hoje (24/03/2020) já são 396.249
casos confirmados no mundo todo, só no Brasil já são 1967, como
mostra a imagem a seguir14.

13
FONTE: https://www.facebook.com/TeoEOMiniMundo
14
FONTE: http://www.saude.ms.gov.br/coronavirus-em-tempo-real/

18
Print do site do ministério da saúde - 24/03/2020 às 13h

Sobre os índices de mortalidade, constata-se que em pessoas


jovens, esse número é menor, como mostra o gráfico a seguir:

15

15
Fonte: https://exame.abril.com.br/mundo/oms-diz-que-criancas-ja-morreram-por-coronavirus/

19
Desde que isso tudo do coronavírus começou no Brasil,
quando ouvi o primeiro podcast sobre isso, escutei o dr. Dráuzio
Varella falando com muita propriedade que a letalidade do vírus é
baixa. Para pessoas com menos de 60 anos é de 0,2%16 - ou seja, a
cada mil pessoas só 2 morrerão. Essa taxa explica que muitos vão
pegar mas só alguns vão morrer... Depois disso já ouvi políticos e
empresários dizendo que alguns vão morrer mesmo (e isso até é
triste), mas que faz parte e não devemos impactar a economia por
causa disso17.

Obviamente não entendo de economia e não é disso que estou


escrevendo. O que me deixa extremamente desconfortável é a
“normalização de algumas mortes”.

Até quantas mortes deixam você tranquilo? A partir de


quantas você começaria a se assustar? Existe um número aceitável?
793 morreram em 24h lá na Itália, aqui 34 morreram desde o início
até ontem à noite. Isso é pouco ou muito pra você? 34 vidas, 34
famílias, 34 histórias, 34 pessoas ainda poderiam estar vivendo ao
lado dos seus entes queridos.

“Ah, mas todos tinham comorbidades prévias”

Você sabe o que isso significa? Se seu pai tem pressão alta,
se sua mãe tem diabetes, se seu avô tem marca-passo, se você tem
asma... todos vocês têm essa tal de “comorbidades prévias”. São

16
FONTE: https://drauziovarella.uol.com.br/infectologia/coronavirus-e-hora-de-manter-a-calma/
17
FONTE: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/24/empresarios-coronavirus-o-que-
dizem-criticas.htm

20
essas pessoas que você ama, que se morressem hoje pelo COVID-
19, muitos diriam: “ah, mas já estava doente mesmo”.

Mas vamos além, será que precisa ser alguém próximo a mim
para que eu me importe? Toda vez que você ou alguém falar
“alguns vão morrer”, se questione: Quem são esses alguns? Eles
importam?

Quando mantemos essas pessoas como números, as


despersonificamos, deixamos ela como sendo apenas mais um
dado. Não, é preciso reforçar o caráter biográfico dessas mortes, é
preciso resgatar o caráter humano. Veja, pensando nessas
PESSOAS, eu te questiono:

Quanto vale UMA vida?

Não duas, não três, não sete mil... UMA, quanto vale uma
vida?

No meu post do facebook fui questionado sobre mortes por


dengue e outras doenças, que já estamos morrendo delas faz tempo.
Isso é fato. Porém, elas invalidam o esforço para que ninguém mais
morra por corona?

Quanto vale UMA vida?

“Estamos todos morrendo, todos os dias”, alguém diria. Eu


sou profissional que atua com cuidados paliativos, e ao tratar
pessoas com doenças graves e muitas vezes incuráveis, aprendi que
reconhecer a concretude da finitude deve nos levar a afirmar ainda
mais a vida, até que ela já não seja mais possível.

21
Quanto vale UMA vida?

Então, eu sei, não vai dar para salvar todo mundo. Mas eu
acho que entender essa parte é diferente de se apegar a isso como
um preço “barato” a se pagar para manter a economia funcionando.

22
6. ISOLAMENTO SOCIAL E PERDA DE
AUTONOMIA.

Virou piada na internet sobre como é difícil manter os velhinhos


em casa para distanciamento social, mas por que será?

18

Talvez seja porque eles já viviam isolados faz tempo e a gente


que nunca nem percebeu. Você já se imaginou idoso? Pensa viver
toda uma vida, e dai no final, em que você tem toda uma
experiência e uma bagagem, vem alguém e te trata como criança:
“Não, não, vovô, não pode sair”.

18
FONTE: imagem retirada do Google.

23
Esse ‘espírito’ de rebeldia é quase um grito de “ESTOU VIVO”.
E talvez essa quarentena e esse isolamento social acione o lado
idoso que todos nós temos.

19

Eu passei por isso no último final de semana, passei o sábado e


domingo em casa, como bem orientaram as autoridades sanitárias.
O dia estava lindo, sol forte, céu azul, convidativo, mas... vamos
ficar em casa, claro. De repente, tomando café no domingo de
tarde, me dei conta que eu estava com muita vontade de ir ao parque
aproveitar aquele clima maravilhoso.

Falei com a minha esposa:

19
FONTE: https://www.facebook.com/TeoEOMiniMundo

24
“Nossa, se fosse qualquer outro final de semana e você
me chamasse para ir ao parque, provavelmente eu
estaria com preguiça e diria que não, mas só porque eu
sei que não pode, deu uma vontaaade de dar uma volta”.

É cômico como parece que a gente, quando sabe que não


pode, tem ainda mais vontade de fazer algumas coisas! Deve ser
esse ‘espírito de rebeldia’ que nos habita.

Fato é que ao sermos colocados para sentar a bunda no sofá,


ao se ter tempo para fazermos vários nadas, nos deparamos com
algo que, muitas vezes, não temos a oportunidade: nós mesmos,
nossas vidas, nossas escolhas.

Numa publicação aleatória da internet alguém perguntou:


“Gente, como passar todos esses dias em casa com meu marido sem
pedir o divórcio?”.

20

20
S. FREUD. (1905) “Os chistes e sua relação com o inconsciente”. Volume VIII das obras completas.

25
7. APLAUSOS PARA OS PROFISSIONAIS

Houve um movimento em todo o mundo, e que aconteceu


também no Brasil, de marcar um horário específico em que as
pessoas fossem às suas janelas para aplaudir os profissionais da
saúde, estes que estão na linha de frente do combate ao novo
coronavírus. Uma homenagem justa.

A mídia repercutiu21 e fez ainda outras homenagens, bem


como alguns dos próprios profissionais fizeram postagens para
agradecer o apoio.

Vejo como um movimento muito justificável, pois muitos


desses profissionais estão colocando suas vidas em risco, de suas
famílias, para estarem exercendo sua função. A bem da verdade, eu
sou psicólogo da área da saúde, mas atuo em um serviço que não é
referência para tratar os casos suspeitos. O hospital em que eu
trabalho trata câncer, então não somos o primeiro lugar que essas
pessoas vão procurar.

Linha de frente mesmo são os que estão nos serviços de


referência, as UPA’s da vida. Todos esses profissionais merecem
aplausos sim.

Mas eu acho que não pode parar por aí, por dois motivos:
primeiro que esses profissionais merecem mais que aplausos,

21
FONTE: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus-profissionais-de-saude-sao-homenageados-
com-aplausos-nas-janelas-24319194

26
merecem condições dignas de trabalho e valorização; segundo que
tem muito mais gente por trás dessa galera aí, você não acha?

Se você der uma busca sobre as reportagens, a grande maioria


vai colocar em destaque os médicos e os enfermeiros, profissionais
essenciais a todo o trabalho, mas e os outros personagens dessa
história?

Não quero correr o risco de deixar alguém de fora, por isso


vou citar apenas alguns daqueles que me vêm à cabeça e que estão,
muitas vezes, passando despercebidos por nós.

Quando você vê a atuação de um hospital, você percebe que


tem uma categoria está em contato direto com o paciente: os
técnicos de enfermagem. Esses são profissionais que fazem muitos
procedimentos e cuidados, e por vezes, não são reconhecidos.
Saibam, essas palmas também são para vocês.

Como as pessoas são complexas, é preciso ainda que para um


cuidado completo, haja uma equipe multiprofissional. Saibam,
essas palmas também são para vocês.

Quando um paciente tem alta ou falece, para que um outro


possa ser recebido é preciso que haja a limpeza minuciosa do leito,
quem faz isso são as equipes de apoio. Saibam, essas palmas
também são para vocês.

Todo material utilizado deve ser descartado adequadamente,


seja num hospital ou em nossas casas. Aliás, passando mais tempo
em casa, produzimos ainda mais lixo, e dependemos de

27
profissionais que façam o recolhimento, as equipes de coleta de
resíduos (hospitalares e residenciais). Saibam, essas palmas
também são para vocês.

Produzimos lixo porque comemos, porque usamos produtos


e consumimos, faz parte da vida. Para tanto devemos estar
abastecidos com aquilo que supre nossas necessidades, produtos
vendidos em farmácias e mercados, locais que são mantidos por
profissionais que deixam suas casas para manter funcionando esses
estabelecimentos. Saibam, essas palmas também são para vocês.

Aos caminhoneiros que abastecem os estabelecimentos.


Saibam, essas palmas também são para vocês.

Aos jornalistas que cumprem seu papel informativo. Saibam,


essas palmas também são para vocês.

Aos bombeiros, aos policiais, aos guardas, aos taxistas e


motoristas de aplicativos, aos entregadores, etc... Saibam, essas
palmas também são para vocês.

EM RESUMO, o que eu quero dizer com tudo isso é


que me incomoda classificar os profissionais como tendo funções
essenciais ou não essenciais. Prefiro pensar que são funções que
permitem ou não uma adaptação, que podem ou não colocar seus
trabalhos em pausa.

No começo deste e-book eu reforcei a ideia do coletivo,


vivemos em sociedade, um quebra-cabeça com peças tão distintas,

28
mas ainda assim, tão ligadas umas às outras. Faça esse exercício,
pare de rotular graus de importância, se dê conta de quantas pessoas
compõe o seu cotidiano.

Quem sabe assim vamos começar a aplaudir não só aos


fardados ou de jalecos, perceberemos que a vida é feita de pessoas
e não carteiras profissionais. Esse é um ótimo ponto de partida!

29
8. CONCLUSÃO

Concluo este material concluindo que não conclui nada (risos).


Ok, eu sei que parece estranho, mas acho que é uma verdade. Se
você me perguntar o que deve fazer, como deve agir, qual check-
list seguir, eu vou ser categórico: eu não sei.

Eu sei que precisamos pensar na saúde coletiva, eu sei que


todos temos responsabilidades para com a nossa situação atual, eu
sei que cada um tem que ver dentro de suas funções as adequações
necessárias, eu sei que precisamos achar formas de nos cuidarmos
e cuidarmos de quem está ao nosso redor.

Agora você pega tudo isso, filtra, e decide o que quer


absorver. Longe de mim querer ditar regras para a sua vida, mas se
eu puder contribuir te tirando um pouco da zona de conforto, já fico
satisfeito. Para tanto, deixo aqui uma letra de música que se chama
“Da cor do girassol” e uma sugestão de postura: “ninguém solta a
mão higienizada de ninguém (nem que seja que virtualmente)”.

#FICAADICA DE TATUAGEM ATUALIZADA VERSÃO 2020


30
“DA COR DO GIRASSOL”
Bryan Behr22

Eu sei que você sabe E eu sei, o mundo pede pressa


Que no fundo e na verdade E viver, às vezes aparenta ser
Ninguém quer se machucar Irreal

Mas nesse meio tempo a vida Trago pra você uma dança
Pode abrir uma ferida Um ensaio, uma lembrança
Que o tempo demora pra curar Alguém só pra te contar

Trago pra você um abraço Que o amor distrai a morte


Um descanso pro cansaço A gente nem sempre é forte
Um amparo pra alma Pra entender e aceitar

Trago junto essa conversa Sei, que a vida às vezes perde a


A gente senta e fala à beça cor
Sem ter hora pra parar E parece acabar
Calma, que a alegria tem a cor de
Sei, que a vida às vezes perde a uma flor
cor Que vai desabrochar
E parece acabar
Calma, que a alegria tem a cor de E eu sei, o mundo pede pressa
uma flor E viver, às vezes aparenta ser
Que vai desabrochar Irreal (mas não é)

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Ouça a música clicando neste link: https://www.youtube.com/watch?v=AtQidf7msrY

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