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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO” (UNESP)

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS, DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – câmpus


de Assis
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (LICENCIATURA)

Disciplina: Fontes para a Pesquisa Histórica


Professor Responsável: Wilton Silva

ALUNO: Thiago Pereira Camargo Comelli

PETERSEN, Sílvia; LOVATO, Bárbara: Fontes para a História: A Opacidade do


transparente. Introdução ao Estudo da História, temas e textos, UFRGS

Autoras: Silvia Regina Ferraz Petersen graduada em História pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul (1963), mestra em Estudos Latinoamericanos de Historia -
Universidad Nacional Autonoma de Mexico (1977) e doutora em Estudos Latinoamericanos -
Universidad Nacional Autonoma de Mexico (1983). professora aposentada da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, atuando como colaboradora no Curso de Graduação e
Pós-Graduação em História. Sua atividade acadêmica está voltada principalmente para Teoria e
Metodologia da História e História Social do Trabalho; Bárbara Hartung Lovato Médica
Dermatologista, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da UNICAMP
(2019-atual), Bacharel em História pela UFRGS (2003-2006) com experiência em pesquisa nas
áreas de Teoria e Metodologia da História e História Social do Trabalho.

As autoras iniciam a seção apresentando a importância intrínseca das fontes no trabalho


da historiografia, alegando que a aparente transparência delas é opaca e deve ser transposta pelo
historiador. As fontes, atos da vontade de um determinado presente, são a matéria da
representação histórica.
Portanto, a garantia das objetividades e intersubjetividades é subordinada à comparação
das fontes, que por sua vez se transformaram muito do século XIX para a atualidade. Após o
positivismo histórico, representado por figuras como Fustel de Coulanges e Leopold Von Ranke,
a historiografia não poderia passar ilesa da revolução perpetrada pela Nova História da escola dos
Annales, que deixou de restringir as fontes históricas aos escritos oficiais, tratando-as como
marcas de intenções e subordinadas às problemáticas trazidas pelo historiador que as delimita
para estudos.
Pertinente ao tema, vejamos Le Goff:

Os fundadores da revista “Annales d’histoire économique et sociale” (1929), pioneiros


de uma história nova, insistiram sobre a necessidade de ampliar a noção de documento: “A história
faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve
fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do
historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com
palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os
eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e
com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao
homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”. (LE GOFF, 1992)

Assim, as autoras discorrem sobre a ampliação do conceito de fontes, passando do “culto


aos fatos e documentos”, das grandes personalidades e seus feitos políticos e militares,
configurados numa história documental que se impunha por si própria, tradicionalista. Porém, já
no século XIX se nota uma crise nessa mentalidade, que começa a tratar os documentos como
testemunhos potenciais, que se tornam fontes quando interrogados pelo historiador. De modo que
o conteúdo considerado como fonte histórica sofreu um alargamento no decorrer do século XX
para o XXI, ampliando o espaço de pesquisa para arquivos paroquiais, judiciais, associações,
hospitais, sindicatos, isso sem citar aquilo que não se encontra devidamente arquivado (sendo a
própria falta de documentos por si só uma fonte histórica, como veremos mais à frente).
Não obstante, o diálogo com outras ciências ampliou o repertório dos materiais que
poderiam ser empregados, de modo que novas técnicas e métodos de processamentos de dados
surgem como instrumentos ao historiador. Ademais, as autoras apontam ao fato de que mesmo
tratando dos mesmos materiais, as respostas mudavam conforme o historiador, revelando assim o
caráter interpretativo da fonte ao invés de uma objetividade absoluta. De modo que a pergunta e o
trabalho do historiador é que tornam o documento em fonte histórica, perguntas e práxis de
trabalho que mudaram conforme as concepções e ideias das épocas.
Ilustrativo disso é a passagem de uma história com uma noção restrita aos documentos
escritos (século XIX), mais preocupada com a história política, e a Nova História (século XX),
que alargou o conceito de fontes e das áreas de pesquisa historiográfica. Passa-se então a tratar do
contexto de surgimento do documento, conforme as autoras apontam, suas intenções sociais
produzidas por um poder vigente, e sua trajetória até o presente.
Assim, as autoras trazem o conceito de documento-monumento como uma construção que
preservasse uma determinada memória/história:

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da
sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do
documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo
cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.” (LE GOFF, 1992)

Assim, as autoras trazem o conceito de Jacques Le Goff sobre a monumentalidade do


documento, que por meio das relações de força de uma época ou dos historiadores, fixa e
solidifica as interpretações possíveis dos fatos e das personalidades. Com isso, temos uma
perpetuação voluntária ou involuntária de uma imagem social por meio do
documento/monumento.
Não obstante, as autoras apontam para a necessidade do historiador em tratar do ausente e
silenciado na documentação. Aí entra a “problematização do historiador”, sendo suas perguntas e
processamento documental que irão constituir as fontes, não sendo necessário uma acumulação
infinita, mas um diálogo constante, que gere novas hipóteses, pesquisas e questionamentos.
“Compreensão, criticidade e comparação” das fontes, como bem colocam as autoras.
Tomar os conflitos e divergências históricas suscitados pelas fontes como inerentes à realidade
social. Aqui, reforçam a importância de distinguir documentos (fontes em potencial) das fontes
(documentos interrogados e delimitados pela pesquisa histórica). Portanto, fontes para a história,
pois foram transformadas.
Outra problemática trazida pelas autoras é a da localização das fontes, fator que toma
muito tempo e por vezes pode ser infrutífero. Vejamos Carla Pinsky sobre o tema:

Aventurar-se pelos arquivos, portanto, é sempre um desafio de trabalhar em instalações


precárias, com documentos mal acondicionados e preservados, e mal organizados. Portanto, o
historiador tem sempre pela frente o desafio de permanecer por meses, quando não por anos,
nesses ambientes pouco acolhedores em termos de conforto e de condições de trabalho, mas em
um esforço que quase sempre levará a alcançar resultados muito gratificantes. Encontrar os
documentos que servem ao tema trabalhado é uma sensação que todos que passaram pela
experiência recordam com prazer, e os move a novamente retornar à pesquisa. (PINSKY, 2005
pág. 49)

Nesse ponto, vital é o trabalho de heurística (repertoriar e inventariar as fontes


localizadas), que dialoga com a ciência biblioteconômica e a arquivologia. Trabalho extenso e
árduo, as autoras apontam para a importância do historiador ter claro o tema e as hipóteses de
trabalho. Neste diálogo entre dados e teorias, que a pesquisa vai tomando corpo.
Junto com a heurística, entra o trabalho da classificação e organização das fontes, da
importância dos acervos para a pesquisa, ainda que uma mesma documentação possa ter várias
classificações, que se superpõe. De acordo com as autoras, as fontes podem ser primárias ou
secundárias em relação a sua origem, privadas ou públicas conforme sua procedência e ao seu,
escritas, orais, iconográficas, etc. conforme seu suporte.
Por conseguinte, apontam para o compromisso com a veracidade das fontes e a
verificação de autenticidade, concepções historiográficas que existem desde a antiga paleografia
e diplomática de Mabillon, até a obra introdução aos estudos históricos de Langlois e C.
Seignobos do século XIX, que trazem procedimentos críticos que ainda são utilizados pela
historiografia hodierna.
De acordo com Ciro Cardoso, as autoras trazem as definições de crítica externa
(preocupada com a procedência, genealogia e cotejamento do documento) e crítica interna
(preocupada com o conteúdo documental, transcodificação hermenêutica, linguística,
credibilidade do testemunho, grau de conhecimento do autor sobre os fatos relatados). Ainda que
oriundas de uma concepção histórica do século XIX de “transparência documental”, a crítica
continua imprescindível ao ofício do historiador, que agora deve se atentar à "opacidade
documental”.
As autoras então ressaltam os limites e possibilidades das fontes históricas, seja no uso
individualizado, seja de maneira serial. Com o advento das tecnologias digitais, a pesquisa e o
processamento das fontes, sua coleta passou a ser mais prática ao historiador. Assim, a
preservação e acesso das fontes passaram a caminhar juntos. Mais do que preservar, oferecer
índices catalográficos, cópias e microfilmes dos materiais do acervo, de forma a tornar mais
prático o trabalho de pesquisa. Deste modo, preservar a longo prazo (com a microfilmagem e
armazenamento adequado) e usar da digitalização como complemento que facilite o acesso aos
documentos.
Por fim, as autoras tratam dos silêncios documentais e da memória histórica, sendo a
primeira oriunda dos agentes historicamente marginalizados (escravos, trabalhadores
assalariados, camponeses), dos quais o historiador deve esquadrinhar por meio das entrelinhas
dos relatos deixados pelo poder dominante, por relatórios policiais, processos crime, de maneira a
alargar a história desses silenciados, além de se atentar (tal qual um psicanalista) para as
motivações de um determinado silêncio histórico, seu contexto.
Quanto à memória histórica, as autoras ressaltam seu lugar como fonte, que tal como as
outras, não oferecem automática e objetivamente os dados do passado. Trata-se de uma relação
afetiva “daquele que lembra com aquilo que aconteceu”, sendo tema partilhado por outros
campos de estudo (filosofia, antropologia, linguística). segundo NORA (1993) a “memória retém
do passado aquilo que ainda está vivo na consciência do grupo que a mantém”. Portanto, o
historiador deve se atentar para as descontinuidades e narrações mnemônicas. Ilustrativa é a fala
do personagem Fred Madison (interpretado por Bill Pullman) em Lost Highway (1997) de David
Lynch: “I like to remember things my own way. How i remembered them, not necessarily the way
they happened”
Assim, as autoras realizam uma separação entre a História e a Memória, sendo o
conhecimento histórico uma reconstrução crítica e objetiva que deve utilizar a mnemônica como
fonte (dentro dos limites do possível). Conforme aumentaram os interesses pelas temáticas das
subjetividades no campo da História, a memória passou a tomar papel importante para a análise
historiográfica, abordando temas como a amnésia social, o uso do esquecimento pelos
nacionalismos, o revisionismo histórico das chamadas “tradições inventadas” (HOBSBAWM).
As autoras concluem ressaltando a importância do historiador em saber reconhecer uma
“memória elaborada” no interior da disciplina histórica, que está em permanente embates e
tensões.

REFERÊNCIAS

HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997. p. 9

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2ª. Ed. Trad. Irene Ferreira. Campinas, Editora da
Unicamp, 1992.

LYNCH, David. Lost Highway. Ciby 2000, Asymmetrical Productions. Estados Unidos. October
Films, 1997.

NORA, Pierre. apud D’ ALESSIO, Márcia Monsur. Memória; leituras de Maurice Halbwachs e
Pierre Nora. Revista Brasileira de História. São Paulo. ANPUH/Marco Zero, v.13 n.25/26,
set.92/ago.93. p. 101

PETERSEN, Silvia; LOVATO BÁRBARA. Introdução ao Estudo da História: Temas e Textos. UFRGS,
2004.
PINSKY, CARLA. Fontes Históricas. 2ª. Ed. Editora Contexto, 2008.

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