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PROJETO EDITORIAL

Lucia Maria Sá Antunes Costa


PROURB- Programa de Pós-graduação ViANA & MOSLEY
Editora
em Urbanismo FAUjUFR]
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Paisagismo
Av. Ataulfo de Paiva, 1.079 I sala 704
Leblon- Rio de Janeiro
CooRDENAÇÃO EDITORIAL CEP: 22440-034
Marta Mosley Diretor Comercial: Richard Mosley
Editora Viana & Mosley Te! I Fax: 21-2540-8571
E-mail: vmeditora@globo.com
CAPA E PROJETO GRÁFICO www.vmeditora.com.br

Leonardo Ventapane
Patrícia Façanha
Rafael Cazes prourb~
Programa de Pós-graduação em Urbanismo FAUIUFRJ
IMAGEM DA CAPA
Av. Reitor Pedro Calmon, sln-
Leonardo Venta pane- still de vídeo
Prédio da FAU- Reitoria- 5• andar- sala 521
Cidade Universitária- Rio de Janeiro, R) - 21941.590
DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL

Larissa Averbug Coordenação: Prof. Denise Barcellos Pinheiro Machado


Rafael Secim Te!: (55.21) 2598-1990
Fax: (55.21) 2598-1991
e-mail: prourb@fau.ufrj.br
REVISÃO DE TEXTO www.fau. ufrj. br lprourb
Lilian Dias

APOIO
Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras I
~APERJ Lúcia Maria Sá Antunes Costa (org.).- Rio de Janeiro :
Viana & Mosley: Ed. PROURB, 2oo6.
192 p.: i!.; 20 x 24 em.

Inclui bibliografia.
ISBN 85-88721-38-4-

r. Arquitetura paisagística. 2. Urbanismo.


3· Cidades e vilas - Brasil. 4- Rios.
I. Costa, Lúcia Maria Sá Antunes.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de RIO DE RO
Pós-Graduação em Urbanismo.
PROURB - FAU- UFRJ
CDD: 7n

2006
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.

A cidade é fecundada_
por aquela espada
que se derrama

"O Cão sem Plumas"


João Cabral de Melo Neto
ÍNDICE

RIOS URBANOS E O DESENHO DA PAISAGEM


Lucia Maria Sá Antunes Costa 9
VIVER ÀS MARGENS DOS RIOS: UMA ANÁLISE DA SITUAÇÃO
DOS MORADORES DA fAVELA PARQUE UNIDOS DE ACARI
Ana Lucia Britto e Victor Andrade Carneiro da Silva 17

MAPEAMENTO AMBIENTAL E PAISAGÍSTICO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS URBANAS:


ESTUDO DE CASO DO RIO CARIOCA
Mônica Bahia Schlee, Ana Luiza Coelho Netto e Kenneth Tamminga 33
A PAISAGEM DA BORDA: UMA ESTRATÉGIA PARA
A CONDUÇÃO DAS ÁGUAS, DA BIODIVERSIDADE E DAS PESSOAS
Paulo Renato Mesquita Pellegrino, Paula Pinto Guedes, Fernanda Cunha Pirillo e
Sávio Almeida Fernandes 57
A FLUVIALIDADE EM RIOS PAULISTAS
Jorge Hajime Oseki e Adriano Ricardo Estevam 77
RIBEIRÃO PRETO: OS VALORES NATURAIS E CULTURAIS DE SUAS PAISAGEM URBANAS
Alessandra Soares Ghilardi e Cristiane Rose de Siqueira Duarte 95
A FORMAÇÃO HISTÓRICA DAS PAISAGENS DO RIO CAPIBARIBE NA CIDADE DO RECIFE
Vera Mayrink I2I

o RIO SANHAUÁ E A CIDADE DE JOÃO PESSOA


Flaviana Vieira Raynaud I4/

A PAISAGEM DO RIO RIO ITAJAÍ-AÇU NA CIDADE DE BLUMENAU


Soraia Loechelt Porath e Sonia Afonso r63
BELÉM, CIDADE DAS ÁGUAS GRANDES
Cristóvão Fernandes Duarte I77
RIOS URBANOS E O DESENHO DA PAISAGEM
Lucia Maria Sá Antunes Costa

Paisagem, país
foito de pensamento da paisagem,
na criativa distância espacitempo,
à margem de gravuras, documentos,
quando as coisas existem com violência
mais do que existimos: nos povoam
e nos olham, nos fixam. Contemplados,
submissos, delas somos pasto,
somos a paisagem da paisagem.
1
Carlos Drummond de Andrade

INTRODUÇÃO

Existem muitas maneiras de falarmos sobre As contribuições dos autores se dão a partir de
cidades. Elas são uma das materializações mais alguns desdobramentos principais. Inicialmente,
complexas da inteligência e da imaginação huma- explorando e conectando diferentes possibilidades
nas, e portanto apresentam múltiplas possibili- de leitura da paisagem fluvial urbana, como plane-
dades de abordagem 2 • Este livro fala de algumas jamento ambiental, ecologia da paisagem, estudos
cidades brasileiras a partir da paisagem de seus culturais, história das cidades e fenomenologia,
rios urbanos. Em cada capítulo, os autores bus- demonstram a riqueza da abordagem interdisci-
cam observar uma cidade tendo seus rios como plinar nos estudos sobre a paisagem. Segundo, e
ponto de partida, trazendo questionamentos, a partir destas conexões, contribuem para o enten-
indagações e observações que ampliam o nosso dimento do conceito de paisagem- com ênfase na
entendimento sobre os valores e significados dos paisagem fluvial urbana- enquanto um processo,
rios urbanos no Brasil. que participa ativamente na construção de nossa
O livro tem como objetivo principal a divulgação visão de mundo 3. E finalmente, ao iluminar os rios
de um conjunto representativo de estudos sobre como foco principal de uma leitura da paisagem
rios urbanos em cidades brasileiras, enfocando as da cidade, ressaltam a imagem poética trazida por
relações entre rios, cidades e suas populações sob Carlos Drummond de Andrade: os rios, enquanto
diferentes perspectivas. Os capítulos apresentados paisagem, "nos povoam e nos olham, nos fixam''. _
buscam reunir fundamentos e métodos em
Paisagismo, Arquitetura e Urbanismo que possam
contribuir para a valorização dos recursos hídricos
em ambientes urbanos, reconhecendo ainda o
enfoque interdisciplinar inerente ao tema.

RlDS E PAW~lGENS URBANH~L 9


de Ziraldo que, ao olhar para o rio, descobriu-o, Esta maleabilidade deve encontrar uma corres-
RIOS URBANOS
descobrindo também a si mesmo. pondência no desenho da paisagem urbana, para
O menino tinha certeza de que e suas águas transformadas em coletores de lixo Reconhecer o rio como paisagem, portanto, é que o rio possa vibrar na cidade. Portanto, é básico
havia nascido no dia e de esgoto doméstico e industrial. Ao longo dos habitar o rio. considerar propostas projetuais a partir das quais
em que viu o rio. anos, cidades e rios tem travado muitos embates, o tecido urbano que tem o privilégio de receber
(. .. ) principalmente através de enchentes periódicas. um curso d'água possa participar desta qualidade,
O menino amou o rio Cidades invadindo as águas, e águas invadindo as que é um dos atributos da paisagem fluvial.
pois acreditou que o rio havia cidades - situações pendulares, cíclicas, geradas Por este motivo, já sabemos que não é mais
também nascido no dia em que ele o viu. a partir de antigos conflitos entre os sistemas da Desenho da paisagem aceitável pensar em retificar um rio, revestir seu
Ziraldo
4
cultura e os sistemas da natureza. leito vivo com calhas de concreto, e substituir suas
Seja cruzando a cidade ou passando ao lar- Cada cidade, em seu habitat paisagístico, margens vegetadas por vias asfaltadas, como uma
Como as cidades habitam os rios? go dela, é muito difícil para um rio, principal- estabelece um ambiente ecológico e cultural único alternativa de projeto para sua inserção na paisa-
mente os pequenos rios e córregos, atravessar em si mesmo (. .. ) gem urbana. Estas propostas, que tinham como
9

É muito antiga a relação de intimidade que se um tecido urbano. A base desta dificuldade se Lawrence Halprin uma de suas bases conceituais a busca do controle
estabelece entre rios e cidades brasileiras. Muitas situa, de um modo geral, principalmente numa das enchentes urbanas, são muito criticadas não
das cidades coloniais surgiram inicialmente às visão dos rios enquanto estrutura de saneamen- Paisagem e cidade estão destinadas a uma per- só pela fragilidade sócio-ambiental no resultado
margens dos rios - mesmo aquelas situadas em to e drenagem urbanas. Os conflitos entre pro- manente relação de cumplicidade. Em um texto final do projeto, como também pela pouca eficiên-
baias ou à beira-mar 5• É, portanto, a partir de rios cessos fluviais e processos de urbanização tem seminal, o arquiteto paisagista Lawrence Halprin cia no controle destas mesmas enchentes' 2 •
- grandes, médios, ou ainda pequenos cursos sido de um modo geral enfrentados através de argumenta que as cidades mais interessantes são No adensamento do espaço construído, os rios
d'água- que muitos núcleos urbanos brasileiros drásticas alterações na estrutura ambiental dos aquelas que deixam esta cumplicidade transpa- trazem uma outra importante contribuição para a
vão surgir. Os rios tinham muito a oferecer, rios, onde, em situações extremas, chega-se ao recerw. A nossa experiência da paisagem urbana experiência urbana: como espaços livres de edifi-
além de água: controle do território, alimentos, desaparecimento completo dos cursos d'água da se enriquece quando a complexidade do sítio pai- cações, ampliam a possibilidade de fruição da pai-
.
paisagem urb ana 6 . sagístico se faz presente na forma e no desenho sagem da cidade. O que se pode ver de um rio? Ele
possibilidade de circulação de pessoas e bens,
energia hidráulica, lazer, entre tantos outros. Certamente estas questões não se dão apenas da cidaden. nos permite ver uma água que corre, o céu, as nu-
E desta forma as paisagens fluviais foram entre os rios das cidades brasileiras 7 . Sabemos Já sabemos da importância da água desenhando vens, as estrelas. Ele nos traz a perspectiva de um
paulatinamente se transformando também em que idéias, modelos e gestos projetuais circulam a paisagem, em suas diversas escalas. Neste con- horizonte longínquo, ou o desejo do outro lado da
paisagens urbanas. internacionalmente, e as experiências relaciona- texto, a compreensão do papel dos cursos d'água margem, ou mesmo ainda sua fabular "terceira
A complexidade das relações entre rios e cida- das às inserções paisagísticas dos rios urbanos é de fundamental importância. Os rios, córregos margem'', como nos conta Guimarães Rosa' 3.
des brasileiras são abordadas ao longo dos capítu- não seriam uma exceção. Porém, enquanto alguns e riachos são os caminhos das águas doces que O desenho da paisagem fluvial urbana na esca-
los a partir de suas congruências e contradições. dos valores atribuídos aos rios podem ser observa- buscam um nível mais baixo de repouso. E des- la do pedestre que favorece esta fruição inclui pos-
Veremos que rios são importantes corredores bio- dos em muitas outras cidades ao redor do mundo, ta forma vão desenhando seu percurso em linha sibilidades de caminhar ao longo do rio e de ter
lógicos que permitem a presença e a circulação outros são mais específicos, e se relacionam com ao sabor da topografia, conectando montanhas e acesso físico à água. Permite ainda atravessar para
da flora e fauna no interior das cidades. Veremos a história e a cultura do lugar. planícies, florestas e mares, conectando enfim di- a outra margem, onde as pontes que trazem um
também que eles são espaços livres públicos de Voltamos, então, à questão: como as cidades ferentes fisionomias paisagísticas. outro ritmo ao seu percurso são também como
grande valor social, propiciando oportunidades habitam os rios? Habitar é construir, como ar- O rio é assim uma estrutura viva, e portanto terraços que nos permitem observar os horizon-
de convívio coletivo e lazer que atendem aos mais gumenta Norbeg-Schulz a partir de Heidegger, mutante. É principalmente uma estrutura fluida, tes urbanos estando sobre a água. E já discutimos
diversos interesses. E veremos também que olhar é tornar-se um com a paisagem e com os atri- que pela sua própria natureza se expande e se re- anteriormente como visibilidade e acesso público
para as relações entre cidades e rios a partir de sua butos do lugar 8. É quando a intervenção huma- trai, no seu ritmo e tempo próprios. Ocupa tanto aos rios urbanos e suas margens, além de conec- _
bacia hidrográfica nos permite expandir e entrela- na, no seu processo de construção, e portanto de um leito menor quanto um leito maior, em fun- tividade com os demais corpos d'água que com-
çar suas dimensões culturais e ambientais. transformação de mundo, revela e valoriza ainda ção do volume sazonal de suas águas. Ao fluir, seu põem a rede hidrográfica, são critérios de desenho
Esta relação de intimidade entre rios e cidades mais os significados e os atributos da paisagem, percurso vai riscando linhas na paisagem, como importantes para valorizar sua dimensão ambien-
brasileiras, entretanto, não tem se dado sem con- tornando-os visíveis. Por este enfoque, muito de um pincel de água desenhando meandros, arcos e tal e cultural'4 .
flitos. Veremos que os rios tem tido suas margens nossos rios ainda estão por ser habitados. Não te- curvas. O rio traz o sentido de uma maleabilidade Desenhar a paisagem urbana a partir das águas
ocupadas por habitações informais ou irregulares, mos olhado para eles como o menino na estória primordial no desenho da paisagem. dos rios que cruzam ou bordeiam a cidade é, por-

10 _ f<IOS E PAISAGENS URBANAS


tanto, um desafio e uma oportunidade privilegia- Kenneth Tamminga apresentam um diagnóstico a rios urbanos e argumentam sobre a importância mostra como, a partir do momento em que foram
da. Os autores que contribuem para este livro, em- partir do mapeamento sócio-ambiental do rio de de se propor uma nova apropriação social para abertas as relações viárias de João Pessoa com o
bora tragam abordagens distintas para diferentes maior importância histórica para a cidade: o rio as paisagens fluviais urbanas, superando a visão mar, a cidade foi aos poucos de desvinculando do
cidades brasileiras, apresentam muitos pontos em Carioca, hoje parcialmente oculto da paisagem quantitativa das engenharias. rio. Desta forma, o local, antes uma viva e impor-
comum. Entre estes, deixam claro que compreen- urbana. Ressaltando a importância da bacia hidro- Uma ênfase no valor social dos rios, principal- tante área de comércio, foi tornando-se esquecido
der o rio urbano como paisagem é também dar à gráfica como recorte para análises ambientais e mente como espaços livres públicos de lazer, é uma e desvalorizado. A paisagem ribeirinha foi sendo
ele um valor ambiental e cultural que avança na paisagísticas, os autores propõem uma metodolo- das questões discutidas por Alessandra Ghilardi e ocupada por comunidades carentes, e as edifica-
idéia de uma peça de saneamento e drenagem. É gia de caráter interdisciplinar para avaliar a trans- Cristiane Duarte no estudo sobre o Ribeirão Preto, ções históricas foram recebendo novos usos. A au-
reconhecer que rio urbano e cidade são paisagens formação da paisagem ao longo da bacia e seus principal rio na cidade de mesmo nome situada tora ressalta que este processo de abandono resul-
mutantes e com destinos entrelaçados. efeitos na qualidade ambiental urbana local. Os re- no estado de São Paulo. Neste capítulo, as autoras tou numa degradação ambiental e urbanística com
sultados encontrados apontam que, quanto maior fazem uma apresentação da evolução urbana da grandes prejuízos para a cidade como um todo.
a transformação da paisagem conforme os padrões cidade, ressaltando as diferentes intervenções e O rio Itajaí-Açu e sua participação fundamen-
de urbanização existente, mais intensos e negati- projetos visando a inserção do rio no tecido urba- tal na construção da paisagem pública da cidade
vos são os efeitos da qualidade ambiental local. no. Mostram que o rio vai perdendo importância de Blumenau, em Santa Catarina, é a contribui-
A bacia hidrográfica é também o ponto de par- à medida que as intervenções sobre seu curso vão ção trazida por Soraia Porath e Sonia Afonso. As
Cidades brasileiras tida do capítulo apresentado por Paulo Pellegrino, acontecendo, visando conter as enchentes perió- autoras destacam a importância da navegabilida-
Paula Guedes, Fernanda Pirillo e Sávio Fernandes dicas. Ao avaliar os diferentes usos ao longo do de fluvial e acesso à água para a escolha do sítio
Ao apresentar um breve conteúdo das contri- para o córrego Bananal, pertencente à bacia do rio Ribeirão Preto, concluem argumentando que o de implantação da cidade, fundada por imigran-
buições dos autores separadamente, é preciso Cabuçu de Baixo, no município de São Paulo. Eles lazer é um dos valores mais importantes que a po- tes alemães. A partir de então, a cidade vai se es-
também ressaltar outro aspecto da relevância do discutem um programa de recuperação ambiental pulação local atribui ao rio, apesar de sua situação truturar a partir da topografia e do rio. Os lotes
conjunto destes textos. Sua leitura vai nos reve- e da paisagem, visando principalmente a redução ambiental degradada. são demarcados em relação ao rio, para permitir
lando lentamente o grande valor do patrimônio ou eliminação das inundações. Os autores salien- A partir de uma outra perspectiva, Vera Mayrink acesso à água. Avaliando as grandes e sucessivas
cultural, ambiental e paisagístico que representa a tam o importante papel dos espaços abertos urba- apresenta o rio Capibaribe, na cidade do Recife, enchentes, as autoras também argumentam que
paisagem fluvial urbana nas cidades no Brasil. nos, livres de edificações, para a exploração de um através das representações de sua paisagem a bacia hidrográfica deve ser o principal recorte
Ana Lucia Britto e Victor Silva iniciam a dis- novo paradigma para a drenagem das águas, que retratadas em mapas, poemas, relatos de viajantes de análises ambientais, e ressaltam a importân-
cussão sobre rios e paisagem urbana em cidades alia a melhoria da qualidade de vida urbana à me- e outros documentos, desde sua fundação até cia de um desenho da paisagem urbana que au-
brasileiras, apresentando uma situação que se lhoria das condições ambientais. A metodologia os dias de hoje. Reconhecendo o rio enquanto mente o contato da população com as margens
dá não apenas na cidade do Rio de Janeiro, mas utilizada para a apresentação de uma proposta de paisagem cultural, a autora argumenta que os dos rios, de modo a valorizá-las.
também em muitas outras cidades no Brasil: a infra-estrutura verde inclui o planejamento am- diferentes grupos sociais, a partir de sua maneira E finalmente, o livro apresenta a leitura de Cris-
apropriação das faixas marginais de proteção por biental, ecologia da paisagem, corredores verdes de ver o mundo, nos trazem várias representações tóvão Duarte sobre a paisagem líquida da cidade
ocupações irregulares e favelas. Os autores dis- urbanos, e alagados construídos. da paisagem do Capibaribe, contribuindo assim de Belém do Pará, situada na foz do rio Amazo-
cutem relação entre pobreza e riscos ambientais Para uma avaliação das paisagens fluviais da ci- para um melhor entendimento das relações nas, numa estratégica posição de posse e controle
apresentando a complexidade dos elos que se es- dade de São Paulo, Jorge Oseki e Adriano Estevam entre a população e o rio. Aponta a importância daquela parte do território brasileiro. O autor nos
tabelecem entre o rio Acari e sua população ribei- trazem o conceito de mediância. Partindo de uma do rio na fundação da cidade, constituindo um mostra que, ao patrimônio edificado de Belém,
rinha: inundações, lixo, esgoto, mau cheiro, do- breve descrição do sítio paisagístico da cidade e dos elementos mais marcantes de sua paisagem junta-se na construção de sua paisagem cultural
enças. Argumentam que a situação só irá mudar dos processos de urbanização que desembocaram urbana. Finalizando, a autora pergunta, a partir a imensidão das águas que a cercam e a emoldu-
quando forem tomadas medidas que reconheçam na inserção paisagística de seus rios e córregos, de uma relação contraditória com o rio, qual ram, e que também deságuam sobre ela em chu-
o rio e sua várzea inundável como uma única uni- os autores discutem as propostas de cunho higie- tem sido o significado do rio Capibaribe para a vas torrenciais que comandam a vida cotidiana da
dade ambiental. E ressaltam que a recuperação nista, as fases de canalizações e das avenidas de população do Recife. cidade. Tantos rios, tanta água, que ele argumenta -
dos recursos hídricos precisa estar necessaria- fundo de vale, e as experiências dos reservatórios Flaviana Raynaud nos traz também uma avalia- que água e cidade se misturam em constante es-
mente atrelada a uma política habitacional para de amortecimento nas bacias hidrográficas urba- ção de um rio de importância histórica, local de tado de transição. E, para avançar nesta imagem,
população de baixa renda. nas, discutindo com detalhes as propostas para a fundação da cidade: o rio Sanhauá, em João Pes- Cristóvão nos fala de uma Belém submersa e re-
Ainda com o enfoque na cidade do Rio de Ja- sub-bacia do rio Aricanduva. Os autores ressaltam soa. Olhando para o trecho do rio no bairro de Va- nascente a partir de uma chuva que diariamente
neiro, Monica Schlee, Ana Luiza Coelho Neto e a gradativa perda da relação entre a cidade e seus radouro, local de fundação da cidade, a autora nos renova a paisagem mutante da cidade.

l '12 _FHDS PAISAGENS tmBANAS H!DS PAISf4GENS UmlANAS~ 13


NoTAS
HoRIZONTEs

Esta paisagem? sagens fluviais urbanas. Neste sentido, podemos r- A ANDRADE, Carlos D. de. "Paisagem: como se faz''. In As retomado e elaborado por outros arquitetos paisagistas. Ver,
Não existe. Existe espaço dizer que este é um livro otimista, que traz uma Impurezas do Branco, Rio de janeiro: José Olympio Ed., 1974, por exemplo, SPIRN, A.W. The Granite Garden: urban nature
vacante, a semear visão prospectiva, destacando o quanto ainda há pg46. and human design. New York: Basic Books, 1984, ou ainda
de paisagem retrospectiva somos a paisagem da por fazer para que possamos apreender a riqueza HOUGH, M. Cities and Natural Processes. London: Routledge,
paisagem. do sítio paisagístico a partir do desenho da pai- 2- Ver LYNCH, Kevin. Good City Form. Mass.: The MIT Press, 1995·
Carlos Drummond de Andrade'' sagem. Como nos lembra o poeta Carlos Drum- !980.
. . ,r6
12- Ver RILEY, Op.cit.
mon d d e An d ra d e: "a paisagem vai ser .
Esperamos que este livro seja um indutor de Para o sonhador de paisagens, desenhar com a 3- Ver CORNER, )ames (ed) Recovering Landscape: essays in
novos encaminhamentos e debates em torno da água é sempre uma aventura transformadora, traz Contemporary Landscape Architecture. New York: Princeton 13- GUIMARÃES ROSA, João. Primeiras Estórias. Rio de
inserção paisagística e urbanística dos rios urba- a dinâmica de um devir. Este livro portanto espera Architectural Press, 1999; janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1988.
nos em cidades brasileiras. Os capítulos que se se- abrir novas janelas, sugerir aberturas metodológi-
guem não apenas discutem experiências passadas cas de projeto paisagístico e urbanístico, provocar 4- ZIRALDO. Menino do Rio Doce. São Paulo: Companhia das 14- Estas questões foram discutidas, considerando o contexto
e suas repercussões na paisagem, mas principal- novos horizontes. A água, na sua mutante primor- Letrinhas, 1996, sjp. brasileiro, em COSTA, L.M.S.A. e MONTEIRO, Patrícia M.
mente sugerem caminhos a serem experimenta- dialidade, permite múltiplos desenhos. "Rios urbanos e valores ambientais" In: Del Rio, V.; Duarte,
dos na busca do nosso relacionamento com pai- 5- Ver, por exemplo, REIS, Nestor G. Imagens de Vilas e C. R. e Rheingantz, P.A. (org) Projeto do lugar: colaboração
Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSPjFAPESP, 2000. entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de janeiro: Contra
Capa, 2002, pp. 291-298, e ainda em COSTA, L.M.S.A. "A
6- Ver, por exemplo, BARTALINI, Vladimir. "Os córregos paisagem em movimento". In Pinheiro Machado, D.B. (org)
ocultos e a rede de espaços públicos urbanos". In Revista do Sobre Urbanismo. Rio de janeiro: Viana & Mosley f PROURB,
Figura 1 -foto Carlos Murad Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da 2006, p. 154·163.
FAUUSP, W r6, 2004, pp. 82-96.
15- ANDRADE, Carlos D. de. Op.cit., pg. 46.
7- Ver, por exemplo, MANN, Roy. Rivers in the City. New York:
Praeger Publishers, 1973: PENNING-ROWSELL, Edmund r6- Ibid, p-46.
& BURGESS, jaquelin. "River landscapes: changing the
concrete overcoat?" In Landscape Research, Vol. 22, N°I, 1997,
pp. 5 a n; ou ainda RILEY, Ann L. Restoring Streams in Cities: a
guide for planners, policymakers and citizens. Washington D.C.:
Island Press, 1998.

8- NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci: Towards a


Phenomenology of Architecture. New York: Rizzoli, 1980.

9- HALPRIN, Lawrence. "The collective perception of cities:


we reflect our urban landscapes". In Taylor, L. (ed) Urban
Open Spaces. Londres: Academy Ed., 1981, pp-4-6.

IO· Ibid.

n-Este argumento, inicialmente levantado pelo arquiteto


paisagista McHARG, Ian. Design with Nature. Washington
D.C: The Conservation Foundation, 1967, foi posteriormente

RIOS E PAISAGENS URBANAS_ 15


VIVER ÀS MARGENS DOS RIOS:
,
UMA ANALISE DA SITUAÇAO DOS MORADORES
-
DA FAVELA PARQUE UNIDOS DE AcARI
Ana Lucia Britto
Victor Andrade Carneiro da Silva

Os rios são elementos de fundamental impor- rem o problema para jusante e agravam significa-
tância na paisagem do Rio de Janeiro. Porém, no tivamente a situação das enchentes excepcionais.
processo de crescimento urbano da cidade, sua Por outro lado, as obras de saneamento, ao lon-
importância foi menosprezada. Dos 250 rios exis- go de várias décadas, priorizaram a construção de
tentes, poucos são visíveis. O processo de ocupa- sistemas de coleta de esgotos e relegaram a segun-
ção urbana da cidade fez com que a maior parte do plano a questão do tratamento destas águas
deles fosse canalizada e coberta, desaparecendo da usadas. Os rios eram usados indiscriminadamen-
paisagem visível, e, aos poucos, da memória dos te como receptáculo destes esgotos não tratados,
habitantes do Rio de Janeiro. em uma concepção de saneamento que desconsi-
O tratamento dado aos rios pelas obras tradi- derava as conseqüências nefastas da poluição dos
cionais de engenharia hidráulica, através de reti- corpos hídricos urbanos para o meio ambiente e
ficações e canalizações, além de mudar sua fisio- para a qualidade de vida da população da cidade.
nomia e retirar sua visibilidade, fez com que eles A poluição dos rios e os riscos freqüentes de
se transformassem em um sistema de drenagem enchentes fizeram com que, até muito recente-
subterrâneo, cuja função inicial seria a de evitar mente, grande parte das áreas ribeirinhas fosse
enchentes e facilitar a ocupação urbana de um considerada espaço desvalorizado, desprezado
território com amplas terras de baixada, sujeitas pelos processos formais de urbanização, transfor-
a inundações no período de chuvas mais fortes. mando-se em paisagem residual, sujeita a ocupa-
Com nascentes nas montanhas, mas correndo ções irregulares.
em áreas de baixada, os rios apresentavam uma De fato, um dos graves problemas sócio-am-
velocidade baixa de escoamento da água, fazendo bientais que a cidade hoje precisa enfrentar, asso-
com que as terras das faixas marginais permane- ciado às inundações, é a ocupação irregular da fai-
cessem alagadas por longos períodos de tempo. O xa marginal dos rios, principal causa de seu asso- _
sistema de canalização adotado buscava direcionar reamento e, conseqüentemente, das inundações.
e conduzir as águas das enchentes o mais rápido No município do Rio de Janeiro, a lei prevê que
possível rio abaixo, esperando assim controlar o seja preservada a distância mínima de quinze me-
problema. Hoje se reconhece que essas obras, em- tros de cada lado do espelho d'água, para que a na-
bora proporcionem melhorias locais em épocas de tureza seja preservada. Como aponta a equipe da
enchentes mais freqüentes, muitas vezes transfe- extinta Fundação Rio Águas, hoje Subsecretaria de
I
I

Águas Municipais, na revista Rio-Águas, em ma- expostas as populações de baixa renda que vivem não se distribui de forma aleatória, mas obedece
téria onde tece comentários a respeito do Progra- em ocupações irregulares e favelas nas margens aos padrões de desigualdade e segregação social
ma de Proteção das FNAs, (faixas non aedíficandi), dos rios que cortam o município do Rio de Janeiro, que marcam a estruturação das cidades. Ou seja,
esta delimitação de faixas, em alguns casos muito apresentando um estudo de caso da Favela Parque são as populações situadas nos níveis inferiores da
extensa, inviabiliza qualquer tipo de ocupação re- Unidos de Acari, situada às margens do rio Acari escala da estratificação social, por características
gular ao longo das mesmas. Isto provoca o desin- no bairro da Pavuna, AP3 (Área de Planejamento 3), de renda, escolaridade, cor e gênero, que residem
teresse dos proprietários de terrenos, que acabam do município do Rio de Janeiro. ou utilizam os territórios de maior risco ambien-
ficando abandonados e sujeitos a invasões e ocu- Esta reflexão se insere no âmbito da pesquisa tal, como a população das favelas, o que as coloca
pações irregulares, atingindo níveis alarmantes "Desigualdades Sócio-Ambientais e Risco Am- numa situação que denominamos de vulnerabili-
no município do Rio. A Superintendência Estadu- bientar' desenvolvida por uma equipe de professo- dade sócio-ambiental, onde se sobrepõem vulnera-
al de Rios e Lagoas (SERLA) calcula que existam res e pesquisadores do PROURB (Ana Lucia Brit- bilidades sociais à exposição a riscos ambientais.
hoje na cidade cerca de 25 mil construções irregu- to e Victor Andrade Carneiro da Silva) e do IPPUR Todavia, dentro de uma estratégia de sobrevi-
lares dentro da faixa marginal de proteção de 30 (Luciana Correa do Lago e Adauto Lucio Cardo- vência, uma parcela destes moradores vivencia
metros ao longo de rios, canais e lagoas. so). Nesta pesquisa, foram realizados estudos de esta exposição aos riscos ambientais como parte
Como mostra Maricato (2003), no Rio de Ja- caso sobre diferentes áreas de habitação popular integrante de seu cotidiano, criando mecanismos
neiro, como em outras metrópoles brasileiras, a na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esses para conviver com eles, a ponto de, muitas vezes,
invasão de terras é uma regra e não uma exceção, estudos tinham, entre os diferentes objetivos es- não identificá-los mais enquanto risco, como ob-
servamos no caso de Parque Unidos de Acari. Figura 1 - Foto área do Rio Acari
sendo esta ditada pela falta de alternativas. O pro- pecíficos às três pesquisas, avaliar condições de
blema é grave e de difícil solução, pois está direta- acesso a serviços de saneamento, problemas am-
mente ligado à situação pobreza em que vive parte bientais e situações de risco ambiental. A pesquisa
importante da população carioca, que não conse- de campo referente ao estudo aqui apresentado foi
gue aceder à moradia dentro do mercado formal realizada entre outubro e novembro de 2004. Fo-
de habitação, e à inexistência de políticas de pro- ram feitas diversas visitas à área Parque Unidos A ÁREA DE ESTUDO: O TERRITÓRIO DA BACIA
visão de habitação popular para a população de de Acari, e a equipe de bolsistas de iniciação cien- DO RIO AcARI
baixa renda. tífica aplicou 79 questionários domiciliares. Além
Estas políticas, visando ampliar o acesso legal destas informações, foram utilizados neste traba- Localizado na parte noroeste da bacia hidro- Acari. O plano indica que, na maior parte da ba-
e regular destes moradores da cidade à habitação lho os estudos e diagnósticos elaborados por pes- gráfica da Baía de Guanabara o rio Acari compõe cia, os efluentes são lançados nas galerias fluviais
com infra-estrutura adequada, são essenciais para quisadores no âmbito do projeto de urbanização uma das sub-bacias desta macro-bacia (sub-bacia e encaminhados para os córregos e para o rio Aca-
evitar a ocupação irregular das margens dos rios. da área, produzidos pelo escritório de arquitetura Pavuna- Acari) (Fig.I). O rio Acari possui 8300 ri, que tem a qualidade das suas águas bastante
A legislação de proteção da faixa marginal e as metros de extensão e uma área de drenagem de comprometida, sendo classificado na categoria 4
Arqui Traço. '
políticas de ordenamento do solo urbano são ino- Na pesquisa aqui apresentada, compreendemos cerca de 107 Km\ e drena áreas de 8 bairros: Ma- pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Am-
perantes se não vierem associadas às políticas de por risco ambiental a existência de uma maior pro- rechal Hermes, Guadalupe, Pavuna, Coelho Neto, biente, que significa o grau mais alto de compro-
provisão de habitação. babilidade de ocorrência de desastres que afetem Irajá, Acari, Parque Columbia e Jardim América, metimento das águas, que tem seus usos restritos
Assim, é preciso enfrentar uma situação onde, a integridade física, a saúde ou os vínculos sociais formando uma planície aluvionar. Tem sua foz no à navegação, harmonia paisagística e outros usos
o que do ponto de vista ambiental é identificado da população em determinadas porções do terri- rio São João de Meriti, no bairro de Jardim Améri- menos exigentes.
como problema, do ponto de vista de parte dos mo- tório. O fato de que determinadas áreas estejam ca. Um de seus principais afluentes é o rio Tingui, Apenas em uma pequena área da bacia existe
radores da cidade é percebido como solução. Toda- em situação de risco ambiental é uma decorrência cuja foz se encontra no trecho final do rio Acari, rede de esgotamento e tratamento dos efluentes
via, esta solução implica para estes moradores em da interação entre processos ambientais (carac- na travessia do mesmo com a estrada Camboatá em duas estações: ETE (Estação de Tramamento _
uma série de riscos, decorrentes das enchentes e terísticas geofísicas do sítio, clima, pluviosidade, no bairro de Deodoro, quando ele passa a ser de- de Esgoto) Realengo e ETE Acari. Esta área cor-
do convívio diário com as águas poluídas, pois na etc.), processos econômicos (existência de indús- nominado rio Sapopemba. responde a parte do bairro de Realengo e de Padre
maior parte das vezes os esgotos domésticos e o trias poluidoras ou de equipamentos ou infra-es- O território da bacia hidrográfica do rio Acari Miguel e aos bairros de Vila Militar, Magalhães
lixo destas ocupações são despejados diretamente truturas sujeitas a acidentes) e processos sociais corresponde ao que foi designado no Plano Dire- Bastos e Deodoro. Os outros bairros que com-
nos rios. Neste trabalho, nos propomos a refletir (características da população, como renda, escola- tor de Esgotamento de Sanitário da Região Metro- põem a planície aluvional do rio Acari são despro-
sobre as situações de risco ambiental a que estão politana do Rio de Janeiro de 1994 como bacia do vidos de redes de esgotamento. Esta área deveria
ridade, etc.). Entendemos que o risco ambiental

RHJS
ser atendida pelo Sistema Pavuna, projetado pelo relação ao rio Acari é a limpeza e dragagem, para
Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, minimizar o problema que tem como causa prin-
que inclui estação de tratamento (ETE Pavuna) e cipal a ocupação irregular de suas margens.
redes de coleta. A ETE Pavuna foi construída, mas Seu curso atravessa a zona norte do município
opera abaixo da sua capacidade, pois até de 2oo6 do Rio de Janeiro, na região identificada como AP3,
apenas 23% dos coletores haviam sido instalados. sendo a área marcada por um número importante
De fato, não foram realizadas intervenções im- de favelas e ocupações irregulares (Fig. 2e 3). Segun-
portantes para ampliação da rede de esgotamento do análise realizada por Silva, com base em dados
existente na bacia. O mesmo ocorre com a rede do IBGE relativos à renda, escolaridade e acessos a
de drenagem. As obras realizadas de esgotamento serviços de saneamento (abastecimento de água, es-
e drenagem se inseriram dentro dos programas gotamento sanitário e coleta de lixo) esta é uma área
Favela Bairro e Bairrinho da prefeitura, voltados de alta vulnerabilidade sócio-ambiental, onde se as-
para urbanização de favelas, e de outros progra- sociam pobreza, precárias condições de saneamento
BAÍA DE
mas também da prefeitura como Rio-Cidade, Rio e exposição a riscos ambientais. (Silva, 2oo6) SEPETIBA . I
Comunidade e o programa de regularização de lo- É na AP3 que se concentra o maior número de OCEANO ATLÂNTICO
teamentos. Em 2005, no âmbito do Favela-Bairro favelas do município (312 favelas). Segundo infor-
Figura 2 - Mapa das APs com a localização do Rio Acari
estavam sendo realizadas intervenções na área do mações da prefeitura do Rio de Janeiro, em 2000,
Fonte: Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB
Complexo de Acari (Vila Esperança, Parque Prole- aproximadamente 544·737 dos habitantes da AP3
tário Acari, Vila Rica de Irajá) e havia sido concluí- viviam em favelas, o correspondente a 23,1% do
da a intervenção na comunidade de Fazenda Bota- total da população da área. Levando em conta
fogo. O bairro de Acari sofreu intervenção do Rio que a população de favela, em 1991, correspon-
Comunidade, e os bairros de Marechal Hermes e dia a 480.524 habitantes (ou 20,7%), houve um lares das margens, com casas construídas pratica- As margens do rio Acari encontram-se assorea-
Pavuna do Rio-Cidade. acréscimo dessa população na ordem de 13,4% no mente dentro d'água. É neste trecho, na margem das ou erodidas. A presença de casas nas margens
A bacia do rio Acari foi objeto de um projeto período I99I/2ooo. Enquanto isso, no mesmo in- esquerda, que se localiza a comunidade Parque dificulta o trabalho de dragagem feito rotineira-
básico de macrodrenagem e de um projeto de tervalo, a AP viu crescer sua população total em Unidos de Acari, objeto deste trabalho. Na mar- mente pela SERLA e pela Rio-Águas, da prefeitu-
canalização elaborado em 1991 e modificado em 1,5%. A AP3 possui um total de 4-9n lotes distri- gem direita está o bairro de Parque Columbia. No ra, pois o leito não pode ser aprofundado como
I997· Mesmo assim, o problema das inundações buídos em 768.r8r m 2 , com 74,7% destes, ou seja, trecho entre a avenida Automóvel Clube e a aveni- deveria porque os barracos na margem correm o
permanece concentrado no rio, segundo a SERLA 3.667 lotes, edificados em loteamentos irregula- da Brasil, o rio está canalizado, com 6o metros de risco de desabar. Além disso, a intensificação do
um dos mais problemáticos do município, com 27 res inscritos no Núcleo de Regularização de Lotea- largura de acordo com o cadastro da SERLA. De processo de ocupação irregular das margens do
pontos de inundação. A área de inundação das en- mentos. Além do grande número de favelas, com acordo com o estudo da Secretaria Municipal de rio, transformou partes do Acari em um esgoto a
chentes em 2006 na bacia do Acari atingiu uma alta densidade de ocupação do espaço, a região Meio Ambiente, neste trecho, o canal serve como céu aberto. Pouco valorizado na paisagem local,
população de mais de 5o.ooo habitantes. Além do apresenta um expressivo esvaziamento econômi- bacia de sedimentação de sólidos e detritos, o que o rio recebe grande quantidade de resíduos, tais
assoreamento, que afeta seis trechos de rios da ba- co que se caracteriza pelo abandono de terrenos e exige dragagens permanentes (SMAC, 2006). No como entulhos, galhada e lixo.
cia como o Piraquê, o Catarino e o próprio Acari, instalações onde havia uso industrial ou galpões, trecho seguinte, entre a avenida Brasil e a estrada Emrelaçãoàfaixamarginaldeproteçãodosrios,a
há problemas ocasionados por pontes e travessias notadamente ao longo da avenida Brasil. A AP3 é João Paulo, em Honório Gurgel, as margens direi- revista Rio-Águas apresenta uma matéria onde
de pedestres, construídas pelos próprios morado- ainda caracterizada pela carência de áreas verdes ta e esquerda estão parcialmente ocupadas pelas tece comentários a respeito do Programa de Pro-
res, que impedem o escoamento das águas e acu- (menos de r mz por habitante), de espaços cultu- comunidades de Parque Bela Vista e Almirante teção das FNAs. Esta matéria informa que, para
mulam lixo; é o caso das pontes das ruas Recife, rais e esportivos, de lazer, de contemplação. Tamandaré. No trecho entre a estrada João Paulo, cursos d'água perenes e com vazão igual ou superi- _
Manuas e da avenida Marechal Alencastro Guima- Uma parte importante das ocupações irregula- em Deodoro, até a rua Luis Coutinho Cavalcante, ora rom3fs no município do Rio de Janeiro, a faixa
rães, todas sobre o rio Acari 2 .Constatamos que as res localiza-se às margens de rios, como o rio Aca- em Guadalupe, a margem esquerda está ocupada mínima determinada pela legislação vigente é de
obras hidráulicas realizadas não trouxeram solu- ri. Neste rio, segundo estudo da Secretaria Muni- com edificações, algumas de baixo, outras de bom 15 m para cada bordo (Rio Águas, 2002). Porém, o
ção para o problema das inundações, que ainda cipal de Meio Ambiente, no trecho entre a nascen- padrão construtivo. Na margem direita, existe projeto de canalização do rio Acari anotou uma fai-
são recorrentes na época de chuvas intensas. Hoje te no rio São João de Meriti e a avenida Automóvel uma área livre, possível de ser usada para reassen- xa de ro m para cada lado da borda do canal, onde
as principais ações da prefeitura e da SERLA com Clube, o maior problema são as ocupações irregu- tamento de população. foi prevista uma via com o nome de avenida Canal.
A coMUNIDADE PARQUE UNIDOS DE AcARI
relato de que algumas pessoas da comunidade tra- Durante a década de 70, áreas próximas às mar-
balham no CEASA, situado próximo dali. A maior gens do rio Acari passaram a servir de vazadouro
A comunidade Parque Unidos do Acari é uma pação no ano de 1946 e atualmente possui uma parte dos chefes de família garante o sustento fami- de lixo, a Lixeira de Acari. O despejo de lixo próxi-
área residencial localizada próximo à grande área população de cerca de 42 mil habitantes. Hoje liar com atividades informais como biscates (guar- mo ao brejo da favela Corta Rabo acabou alterando
industrial situada na margem esquerda do rio Aca- apresenta um dos maiores índices de pobreza no dadores de carros, camelôs e catadores de material o leito do rio que, na segunda metade da década de
para reciclagem como papéis, ferro velho e garra- 70, foi oficialmente retificado. (Figs. 4, 5 e 6).
ri, enquadrada como Zona Industrial 2. Ela ocupa estado do Rio de Janeiro. A comunidade aqui estu-
a área entre a ma Embaú e o rio Acari, sendo re- dada, Parque Unidos de Acari, está fora do Com- fas). Constatou-se, ainda, na pesquisa de campo,
cortada pela Linha Verde. No entorno imediato, plexo, como mostra a figura a seguir. a importância dos programas sociais oficiais ou de
está localizada a avenida Automóvel Clube e a es- A população de Parque Unidos de Acari tem re- igrejas locais que distribuem cestas básicas. Algu-
tação de metrô Fazenda BotafogojAcari. Na escala gistrado um crescimento expressivo nos últimos mas famílias vivem exclusivamente destes e de ou-
metropolitana, Parque Unidos de Acari localiza-se dez anos, pois, de acordo com o censo de 1991 tros donativos, sendo que alguns poucos entrevis-
entre a avenida Brasil e a rodovia Presidente Du- possuía 418 unidades habitacionais. Já na época tados têm acesso ao cheque cidadão do governo do
tra, dois importantes eixos rodoviários da região da elaboração de uma proposta do programa de estado. A situação sócio-econômica é caracterizada
metropolitana do Rio de Janeiro No entorno, há urbanização Favela-Bairro para a área, os dados também pela baixa escolaridade, que limita as pos-
outras ocupações irregulares localizadas nos bair- indicavam 650 domicílios (dados do edital). O le- sibilidades de uma melhor inserção no mercado de
ros de Acari e Irajá (Parque Proletário Acari, Par- vantamento realizado pela equipe da Arqui-Traço trabalho. A escolaridade média destes chefes de fa-
que União, Vila Esperança, Vila Rica de Irajá), e indicou a existência de r.o3r domicílios. mília chega a cinco anos de atividade escolar, sem
Pavuna (Pedreira, Fazenda Botafogo e Parque Co- Segundo dados censitários IBGE de 2000, Par- completar o ciclo fundamental.
lúmbia). A denominação Acari é usada para o bair- que Unidos de Acari é uma comunidade de baixa Estando assentada próximo ao morro da Con-
ro, em função do rio que passa nas proximidades renda, onde os chefes de família têm remuneração ceição e ao morro da Pavuna, e sendo limitada ao
da região, hoje chamada de Complexo de Acari média de r salário mínimo e meio. Consta que pre- sul pelo rio Acari, a comunidade apresenta uma
- que na verdade é a junção do Conjunto Ama- dominam moradores com faixa de renda de até 500 topografia variada, com uma encosta na parte cen-
relinho, constmído no final dos anos 50 na beira reais (68%). Existe uma parcela muito pequena de tral e uma área mais plana junto ao rio. Os taludes
da avenida Brasil, e mais três localidades: Parque moradores com empregos fixos. Entre as empre- das margens do rio Acari, junto à comunidade,
Proletário de Acari, Coroado e Vila Esperança. O sas empregadoras destacam-se a Casas Bahia, na encontram-se com solo exposto e vegetação rala,
Complexo de Acari iniciou seu processo de ocu- ma Embaú e o Ponto Frio, em Irajá. Há também o constituindo num ponto de lançamento de lixo;
entulhojaterro. O lançamento desses detritos pro-
voca mobilizações recorrentes do talude em épo-
cas chuvosas, assoreando o rio a jusante. Na parte
oeste da comunidade existe uma grande elevação
resultado do acúmulo irregular de entulho em va-
zadouro clandestino.
Na década de 50, o morro da Ferraria (ma Em-
baú) e terras próximas foram loteadas e vendidas.
Foi o início da ocupação residencial e da pequena
favela conhecida como "Corta Rabd' na encosta do
morro da Ferraria próximo ao brejo.
A década de 6o marcou o crescimento da favela
impulsionado pelo desenvolvimento do parque in-
FAVElAS dustrial de Fazenda Botafogo atraindo migrantes
Favelas do Norte Fluminense. Figuras 4, 5 e 6 - Mapa histórico, elaborado por
Pq Un1dos deAcari
Flavia Royse.

Figura 3 - Mapa da Favelas do Entorno

RIOB PniSAGENS UR8ANf!S _ 23


revestimento. Neste setor, as melhores casas estão
localizadas ao longo da rua Projetada e no largo
da Associação.
O setor Parque Unidos apresenta três eixos
principais: Linha Verde, rua Padre Lima e rua Pro-
jetada. Este setor tem o campo de futebol Beira
Rio, importante área livre interna em uma ocupa-
ção de alta densidade.
O campo do "Beira Rid', na parte central da co-
Figura 9 - Mapa histórico com a localização de munidade, abriga os campeonatos que mobilizam
Figura 7 - Barracos sob a Linha Verde, Figura 8 - Vazadouro, Terra Nostra, elaborado por Flavia Royse. times do entorno, como o do Ceasa, o "Sensação
Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB. Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB. do Nordeste", o do "Ferro Velho" e o "Flor do Em
Cima da Hora" - os dois últimos, times do local,
cujos fundadores ajudam a manter esse campo.
A ocupação se deu a partir da migração interna Segundo entrevistas com os moradores, o campo de
O aterro de lixo criou solo para a expansão da junto ao "barranco", e no caminho do que seria a de moradores mais pobres da comunidade para futebol se situa numa área deprimida, o que faz as
favela, onde foi construído um campo de futebol drenagem "naturaY' do terreno. Nessa encosta, há essa área, principalmente com as desocupações águas da chuva convergirem para ele, drenando-as,
(1978) e também novos barracos. Estes barracos risco de deslizamentos geradas pela construção da Linha Verde. Mora- o que colabora com as pessoas que vivem no seu en-
foram vendidos pelo Sr. Souza, primeiro presiden- Como outras favelas do município do Rio de Ja- dores que foram removidos da área para a cons- torno. Somente quando ele é saturado, a água passa
te da Associação de Moradores criada em r98o e neiro, Parque Unidos de Acari apresenta uma forte trução da via, migraram para o mangue, situado a atingir os moradores das suas proximidades.
que mudou o nome da favela Corta Rabo para Par- heterogeneidade interna, com áreas de ocupação próximo ao local de intervenção. Nesta área há o maior contato da população com
que Unidos de Acari. Observa-se, portanto, que mais antiga já consolidadas e de ocupação mais re- Esta área possui hoje cerca de 150 barracos, rio. As casas estão localizadas à margem do rio
parte da ocupação se deu sobre um solo frágil, centes extremamente precárias. Na década de 8o, construídos com materiais precários, e é desprovi- Acari, que corre paralelamente à rua Padre Lima,
com a camada superior do terreno constituída de a favela se expandiu para as margens do rio Acari e da de saneamento; a maior parte dos moradores sendo que as casas têm a frente para a rua e os
material de aterro e entulho. sob os viadutos da Linha Verde, onde foram cons- não possui qualquer tipo de renda, e subsiste ca- fundos para o rio. Não existem limites entre o rio
A Linha Verde, inaugurada em 1974, separou truídos novos barracos em situação de risco. tando entulho, ou com apoio de programas sociais e as casas. Os lotes têm como limite o leito do rio.
a comunidade em duas partes e criou uma cisão O período registrou uma piora das condições que distribuem cestas básicas. Segundo relatos dos Esta parte posterior das casas é usada muitas vezes
espacial entre elas (Fig. 7). econômicas dos moradores em função da falência moradores da área, parte das casas é atingida quan- como depósito de objetos sem uso, de lixo e entulho.
O projeto da Linha Verde criou uma ponte so- de inúmeras indústrias como Formiplac, princi- do as águas do rio Acari sobem com as chuvas.
bre o rio Acari, proporcionando um acesso mais pal empregadora da região. No caso das moradias Em levantamento realizado para o diagnóstico
rápido até a rua Automóvel Clube. Para a cons- construídas ao longo da Linha Verde, não há afas- do programa Favela-Bairro, foram identificados na
trução da Linha Verde, foi necessário fazer novas tamento frontal. comunidade três setores com diferentes padrões
obras de movimento de terra, gerando uma rearti- No final da década de 8o, parte do terreno da de ocupação. O primeiro é denominado setor
culação dos barracos da favela. A encosta "central", antiga Olaria, então desocupado, começou a ser Parque Unidos, ou Beira-Rio, delimitado pelo rio
conhecida como morro da Ferraria, foi cortada na utilizada como vazadouro clandestino de entulho. Acari que conforma o eixo referencial da comuni-
época da execução da Linha Verde, e não foram Com quinze anos de funcionamento, o vazadouro dade no sentido leste-oeste, reafirmado pela rua
feitos no corte remanescente a contenção e o sis- conforma uma montanha de entulho de aproxi- Padre Lima, que é paralela ao rio. A estrutura de
tema de drenagem adequados, nem foi plantado madamente ro metros de altura, que continua a lotes característica do setor foi sendo conformada
algum tipo de vegetação que auxiliasse na prote- crescer e se projetar em direção à Linha Verde. O de maneira não planejada, com acesso às edifica-
ção da encosta. A parte superior foi densamente vazadouro clandestino de entulho é fonte de re- ções por becos e travessas com traçado irregular
ocupada e apresenta árvores de grande porte loca- cursos para diversas famílias (Fig. 8). e alta densidade de edificações. No setor Parque
lizadas no limite do corte e que se projetam sobre Nos anos 90, foi criada uma nova área de expan- Unidos, embora existam algumas casas de ma-
as casas edificadas na parte baixa. Essa parte baixa são da comunidade em área contígua a este vaza- deira, o padrão construtivo da maioria das casas Figura 1O -Terra Nostra,
também apresenta um grande número de casas douro, conhecida como Terra Nostra (Fig. 9 e 10). é de alvenaria e grande parte delas não apresenta Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB.
ficativa quantidade de residências de alvenaria e uma elevação de cerca de ro m de altura, decor- o abastecimento da grande maioria das residên-
com revestimento externo. Este setor, nos trechos rente do acúmulo irregular de material de aterro. cias é realizado por meio de ligações domiciliares
da rua Embaú e da rua Projetada é conhecido pe- Junto ao vazadouro existe um depósito de ferro precárias e clandestinas na rede oficial. Existem
los moradores como a "Zona Sul da comunidade", velho, do qual o vice-presidente da associação de redes executadas pelos moradores para atender
pois segundo eles, é habitado por pessoas com moradores é um dos proprietários. os becos. Não há sistema de medição de água e
maior poder aquisitivo. Mesmo assim, podemos O setor sofre com as inundações freqüentes. O controle de perdas através da instalação de micro-
constatar que não há sistema de drenagem na rio Acari, neste trecho, é bastante poluído, exala medidores (hidrômetros) nas moradias, e de ma-
comunidade e muitas casas possuem pequenas mau cheiro, e suas margens são tomadas por ha- cro-medição nas redes principais. Na maioria dos
trincheiras de cimento nas portas de entrada, para bitações precárias, algumas com estrutura seme- domicílios pesquisados (59%) o abastecimento se
impedir a entrada da água em dias de chuva. Se- lhante à de palafitas. Para passar entre as casas dá através de ligações clandestinas na rede oficial,
gundo moradores, a água chega a atingir um me- nas pequenas ruelas, a população coloca, perma- não havendo pagamento de conta de água.
tro de altura próximo à rua projetada. nentemente, tábuas que servem como caminho Durante uma das visitas de campo, havia um
O setor Terra Nostra, de mais recente ocupação, sobre a lama enorme vazamento jorrando água em uma das ca-
não possui uma estrutura formalizada, e os acrés- Esse trecho pode ser considerado área de risco, nalizações da CEDAE que atravessa a comunidade.
cimos e modificações nos barracos de madeira são levando-se em conta que não houve um planeja- O setor denominado Terra Nostra é atendido
registrados com freqüência. mento para sua ocupação como aterro, nem foram por uma rede muito precária pendurada sob a
Segundo informações do presidente da associa- realizadas obras de contenção para o armazena- estrutura da ponte sobre o rio Acari. Esta linha,
Figura 11 - Casas na margem do rio, ção de moradores, a "Terra Nostra" seria uma área mento do material. Além disso, não há controle da construída pelos moradores, é proveniente da
Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB. de ocupação "provisória" para aqueles (as) que, procedência e nem da forma como foi e continua rede que alimentava a desativada fábrica de gelo
por algum motivo, passassem por necessidades sendo depositado o material no local. Sendo as- seco, com diâmetro de roo mm, ramal da 2" linha
extremas de moradia e tivessem algum tipo de re- sim, pode haver deslizamentos ou contaminação, da av. Automóvel Clube, localizada na margem
lação com a associação de moradores, no sentido dependendo do tipo de material que foi usado no sul do rio Acari. As ruas do setor Terra Nostra não
E DSC é o trecho mais sujeito a inundações, de obter indicação e permissão para assentar-se aterro (Figs. n e r2). O setor Terra Nostra é o ex- são pavimentadas, e a rede que alimenta a comu-
que ocorrem em épocas de chuvas fortes, quando ali. Desta forma, várias das unidades existentes tremo oposto do Embaú, por apresentar uma he- nidade se encontra aparente, com canos rachados
o rio Acari extravasa seu leito, chegando a inundar não seriam de posse dos moradores, mas mora- gemonia de edificações de madeira e sucata com
até o campo de futebol. Algumas casas, para se dias provisórias, nas quais as pessoas permanece- alta vulnerabilidade, constituindo uma situação
proteger das enchentes, passaram por reformas, riam até a superação das dificuldades pelas quais de alta precariedade ambiental e de risco.
tendo sido soerguidas sobre pilotis; outras apre- passam. Assim, segundo uma espécie de pacto A comunidade de Parque Unidos possui redes
sentam a tipologia de palafita, ou então uma ver- estabelecido, não é permitido que os moradores de abastecimento de água operadas pela CEDAE
são simplificada de porão com o objetivo de impe- edifiquem com alvenaria o local. Melhorias reali- Companhia Estadual de Águas e Esgotos). Na al-
dir o alagamento do interior das casas. zadas nas moradias ficam por conta dos morado- tura da rua Embaú, foi executado um ramal com
O segundo setor- Em baú tem como elemen- res. Tivemos informação, também, de que, embo- diâmetro de 300 mm, que se desenvolve ao longo
tos marcantes: a própria encosta do morro da Fer- ra as pessoas autorizadas a morar nas casas tem- desta via, e atende ao setor morro da Ferraria. Pró-
raria, fator determinante na paisagem do setor; porariamente não precisassem pagar nenhuma ximo à Linha Verde, os moradores, juntamente
a rua Embaú, importante eixo viário do entorno forma de aluguel, deveriam contribuir com algum com a CEDAE, instalaram um ramal secundário
imediato, que funciona como principal eixo do se- dinheiro para os que deixam a moradia no mo- de 75 mm para atender ao setor Parque Unidos.
tor e determina o limite da comunidade; e o lote- mento da ocupação, como forma de compensar as Na Linha Verde, o ramal de 75 mm segue no di-
amento projetado em r942 no morro da Ferraria benfeitorias realizadas. âmetro de 2"-PVC. As moradias são atendidas
onde foram planejadas vilas perpendiculares à rua O setor apresenta um beco principal com traça- por ramais secundários que percorrem todas as
Embaú. Vale ressaltar uma característica peculiar do extremamente irregular que conecta os barra- ruas dos setores Embaú e Parque Unidos. A área
do setor Em baú: a maioria das ruas são sem saída, cos de madeira. A área oeste do setor é delimitada nordeste da comunidade se encontra urbanizada
dando um caráter privado aos becos e travessas da pelo vazadouro clandestino de entulho em terreno e, desta forma, a região ribeirinha ao rio Acari,
comunidade. O setor Embaú apresenta o padrão pertencente à Pulmman, pelo rio Acari e pela Li- junto à rua Leão Cordado, é atendida por rede de Figura 12- Casas na margem do rio, Acervo Grupo de
construtivo de melhor qualidade, com uma signi- nha Verde. O vazadouro clandestino já apresenta água executada durante a urbanização. Todavia, Pesquisa Britto, PROURB.
que passam por dentro do esgoto e da lama con- intensa, ocorra o afloramento e estagnação dessas dações. Foram realizados pela SERLA serviços de radores. Este sistema, no entanto, parece não ser
taminada. Não há ligação formal de água para águas servidas em diversos trechos da rede, tra- dragagem do rio Acari (Contrato 043/98). Segun- suficiente pois existe grande quantidade de lixo
nenhum domicílio desse setor. O diagnóstico re- zendo problemas de toda natureza, acompanha- do a associação de moradores, após a realização acumulado nas margens do rio Acari, principal-
alizado para o Favela-Bairro, indica que, segundo dos de mau cheiro e mau aspecto, além de facilitar destes servips, a situação melhorou. Porém, como mente próximo à ponte da Linha Verde. De fato,
informações obtidas junto à associação dos mo- a proliferação de ratos e outros vetores transmis- a dragagem do rio não é executada regularmente, nas áreas de mais difícil acesso, a coleta de lixo
radores, o sistema de abastecimento de água não sores de doenças. Durante as entrevistas e as visi- nos períodos de chuva intensa o rio extravasa seu não é realizada. Segundo uma moradora de Terra
atende satisfatoriamente a comunidade, com for- tas de campo, o forte cheiro de esgoto foi relatado leito e inunda as regiões ribeirinhas, neste caso a Nostra, todos os moradores desta região levam o
necimento fraco em alguns períodos do ano. Nas pelos pesquisadores. área ocupada pela comunidade Parque Unidos de lixo doméstico para o terreno ao longo do leito do
entrevistas que realizamos, apenas no setor Terra Acari. Na área da comunidade, segundo os proje- rio, para onde é dirigido todo o esgoto local; isto
Nostra foram levantados problemas com relação à "tinha um cheiro muito forte que fazia arder os tos analisados na Rio Águas e dados levantados é relatado de forma natural, já que, segundo ela,
qualidade do abastecimento. olhos e os moradores dali não sentiam nada e nem co- em campo para o diagnóstico do programa Favela é feito há anos. Ela informou ainda que doenças
Como visto anteriormente, a região não dispõe mentavam do cheiro, apenas reclamavam dos insetos Bairro, só foram executadas redes de drenagem como dengue, cólera, leptospirose, ascaridíase e
de sistema de coleta de esgotos. Conforme dados e ratos, que estão até mesmo dentro de casa." nas ruas Embaú, Projetada e nas ruas da área ur- diarréias já apareceram em sua família. Apesar
do cadastro da CEDAE, o entorno da comunidade banizada localizada no nordeste da comunidade. da existência de diversos depósitos irregulares e
é caracterizado por loteamentos particulares. Exis- De fato, o principal problema relacionado à As águas pluviais são enc:;minhadas ao rio Acari do vazadouro clandestino de entulho em terreno
tem loteamentos que utilizam fossas, e outros que precariedade do sistema de coleta de esgoto, iden- por meio das redes de drenagem existentes cons- pertencente à empresa Pulmman (no limite oeste
são desprovidos de sistema de coleta de esgotos. tificado nas entrevistas com os moradores, foi a truídas pelos moradores. Estas redes são em geral da comunidade) alguns moradores afirmaram nas
O efiuente das fossas e o esgoto "in natura" são proliferação de insetos e ratos. constituídas por tubos de concreto com diâmetros entrevistas que não existem depósitos de lixo na
encaminhados para as redes de drenagem execu- As redes de esgoto executadas pelos moradores variando entre 40 em e 150 em, e PV's com espa- comunidade. Outros moradores entrevistados de-
tadas nas ruas dos loteamentos, e lançados no rio são utilizadas também para captação de águas plu- çamento de cerca 40 m. A captação é realizada por monstraram a consciência da necessidade de pre-
Acari. A comunidade Parque Unidos é totalmente viais, por meio de ralos instalados ao longo dos meio de caixas de ralo nos dois lados das ruas. O servação do rio Acari, e consideram as pessoas mal
desprovida de redes formais para coleta de esgoto becos. Em algumas áreas, estas redes passam por estado geral das redes não é satisfatório, pois foi informadas por continuarem jogando lixo no rio.
sanitário. A maioria dos moradores executou re- baixo de várias residências, para permitir o lança- verificado que a maioria dos ralos estão assorea-
des coletoras improvisadas nos becos e na Linha mento do esgoto no rio. Segundo informações ob- dos e com lixo.
Verde, com tubos em anéis de concreto com os di- tidas junto aos moradores, não foram executadas No cruzamento das ruas Embaú e Projetada foi
âmetros variando de 200 mm e po mm e caixas fossas nas residências. executada uma bateria de ralos. Na travessa de Lima
de passagem em alvenaria. Estas redes se desen- Apesar do governo estadual, sob a gerência da e rua Padre Lima, e em vários becos, foram cons- Os MORADORES E O RIO ACARI
volvem em determinados trechos sob as residên- SERLA, ter contratado a dragagem do rio Acari, truídos pelos moradores redes provisórias para co-
cias correndo o risco de serem obstruídas, e sem segundo os moradores em alguns períodos o rio leta de esgoto que também são utilizadas indevida- O trecho da comunidade aterrado próximo ao
condições de recuperação. Destaca-se ainda o fato fica assoreado. Este fato provoca, em épocas de mente para o transporte de águas pluviais e obvia- rio Acari, identificado como Parque Unidos ou
de existirem várias casas geminadas e aglomera- chuva intensa, inundações em algumas regiões mente não atendem a nenhum dos dois sistemas. Beira Rio, apresenta um grande número de habi-
das, o que prejudica a delimitação da rede pública às margens do rio. Como as redes de drenagem Um dos problemas que contribui para o agrava- tações. Muitas delas são palafitas que estão locali-
com a ligação domiciliar. As residências lançam o que coletam também esgoto desembocam no rio, mento das enchentes é a presença de lixo deposita- zadas na faixa de inundação do rio. Há, portanto,
esgoto "in natura" no sistema de drenagem pre- acontece o inevitável: o retorno do esgoto às resi- do em vários pontos da comunidade. Existe coleta o risco recorrente de inundações. Todavia, são os
visto para a comunidade, ou diretamente no rio dências. regular de lixo em Parque Unidos, executada pela fundos dos lotes que estão em contato com o rio;
Acari. Foi verificada, em diversos locais da comu- As moradias existentes ribeirinhas ao rio Acari COMLURB (Companhia Municipal de Limpeza pode-se afirmar que, em termos de estrutura físi-
nidade, a existência de rasgos no pavimento para lançam o esgoto diretamente no rio, por meio de Urbana). A coleta de lixo é realizada três vezes por ca, a comunidade está de costas para o rio.
a instalação de tubos de esgoto. tubulações penduradas nas paredes, caracterizan- semana das TOOh às r5:2oh, nas ruas principais: As precárias condições de saneamento, associa-
A situação é mais precária no setor Terra Nos- do que na maioria das residências não há caixas Linha Verde, nas ruas Padre Lima, Projetada e das ao risco de inundações, fazem com que a relação -
tra, onde foi executada pelos moradores uma rede separadoras de gordura, peça indispensável para Embaú, e nas travessas Padre Lima, União, Bom da comunidade de Parque Unidos de Acari com o
destinada à coleta de águas pluviais e esgoto sani- viabilizar qualquer tratamento de esgoto. Jardim e Embaú. A con:unidade possui garis co- rio Acari seja extremamente complexa. As entrevis-
tário. Em alguns trechos desta rede, o esgoto é en- Um dos principais problemas enfrentados pela munitários que realizam a varredura e limpeza tas revelaram que, para muitos, o rio é visto como
caminhado a céu aberto, no meio de amontoados comunidade são as inundações. Dos domicílios geral das áreas públicas. Os garis comunitários uma fonte de problemas, em conseqüência das
de lixo. Este fato permite que, em épocas de chuva pesquisaclos, 78% afirmaram sofrer com as inun- têm seu apoio funcionando na associação de mo- inundações que já foram extremamentefreqüentes.
medidas, de caráter local, voltadas para as particu- O projeto exige um volume de recursos finan-
Na pesquisa de campo, a maior parte dos mo- ção, tinham um custo financeiro muito elevado. laridades de Parque Unidos de Acari, que seriam ceiros importante, pois implica na construção de
radores assinalou que a área sofre com as inun- A proposta envolvia a construção de casas para o necessárias para reduzir os riscos e melhorar as novas habitações para grande parte das famílias
dações, sendo este, juntamente com a os riscos reassentamento da população ribeirinha na área condições ambientais e de habitabilidade para a removidas. Como as casas apresentam, na maioria
ligados à violência, os principais problemas apon- onde hoje existe o vazadouro de lixo. Este deveria população que vive nas margens do rio. Estas me- dos casos, baixo padrão construtivo, a indenização
tados pelos moradores do bairro. Alguns aponta- ser desativado e a área devidamente adequada à didas partem do princípio de que o rio e sua vár- por benfeitoria implicaria no pagamento de um
ram como principal problema a poluição do rio, construção de habitações para a população do se- zea são uma unidade. valor muito baixo, o que inviabilizaria o realoja-
reconhecendo que ela decorre do despejo de lixo tor Terra Nostra e do setor Parque UnidosjBeira Uma primeira medida a ser aplicada no âmbito mento das famílias cujas casas fossem removidas.
nas águas e da inexistência de sistemas adequa- Rio. Alegando que os custos eram muito elevados, da sub-bacia seria a construção das redes de esgoto Isso demonstra de forma extremamente objetiva
dos de coleta e tratamento de esgotos, fazendo a prefeitura não chegou a desenvolver a proposta. previstas, e a complementação do Sistema Pavuna, que a política de proteção da faixa marginal e de
com que, em determinadas épocas, o rio exale um que reduziria o lançamento de esgotos não tratados recuperação dos recursos hídricos têm que estar
cheiro forte de esgoto. no rio. Uma outra medida seria a dragagem do rio necessariamente integradas a uma política públi-
É interessante notar que as casas ribeirinhas Acari a ser realizada com a freqüência adequada e ca de provisão de habitação para a população de
se estruturam com a parte de fundos para o rio, baseada em estudos hidrológicos e hidráulicos. Se- baixa renda. Somente a possibilidade de acesso à
com a sala e as partes mais nobres voltadas para CONSIDERAÇÕES FINAIS ria necessária a delimitação de áreas polder, previs- habitação dentro do mercado formal poderá evitar
a rua, o que denota o pouco valor dado a este im- tas para o armazenamento das águas de enchente que a população de baixa renda venha ocupar irre-
portante elemento da paisagem. Outros morado- Os rios são atributos importantes da paisagem e o aumento da largura do canal, assim como a gularmente as áreas ribeirinhas.
res, sobretudo os mais antigos, lembram de um da cidade e podem propiciar uma situação privile- delimitação de logradouros públicos nas margens A criação de áreas de lazer e parque lineares nas
rio não poluído, onde era possível nadar e pescar, giada aos seus habitantes, particularmente àqueles do rio, com o uso de pavimentação permeável que áreas de várzea ao longo das margens liberadas,
atividades que hoje são pouco freqüentes devido à que vivem na sua proximidade. Eles podem usu- permita que a água da chuva se infiltre no solo. com tratamento paisagístico e implantação
alta contaminação das águas; estes moradores re- fruir dos recursos hídricos, e de um habitat rico, Observamos que a maior parte dos autores que de equipamentos seria um passo importante
conhecem a necessidade de buscar soluções para com grande variedade de características biológicas discute a preservação e valorização paisagística dos para impedir a invasão da área por novas
os problemas de inundação e poluição. (espécies vegetais, de pássaros e outros pequenos rios urbanos ressaltam a visibilidade e o acesso habitações. As áreas de lazer, das quais a região
A melhoria do sistema de esgotamento aparece animais) e geomorfológicas (Penning - Rowsell público como importantes estratégias de melhoria da AP3 é extremamente carente, permitiram o
entre as reivindicações de alguns moradores. To- & Burgess, 1997 e Costa e Medeiros, 2002). Por ambiental de rios urbanos. Neste sentido, seriam estabelecimento de uma nova relação entre os
davia, as principais reivindicações dos entrevista- outro lado, as paisagens dos rios são elementos importantes intervenções que possibilitassem ca- moradores, grande parte deles de comunidades
dos em Parque Unidos de Acari estão vinculadas a de contemplação, podem ter efeitos relaxantes e minhadas ao longo de suas margens e permitis- carentes, e o rio. Neste sentido, faz-se necessária
serviços relacionados ao trabalho, como creches e estimulantes, através do fluxo das suas águas e da sem o acesso público à água. No caso do rio Acari, também a recuperação da mata ciliar e das
melhor acesso aos transportes. De fato, a situação vegetação das suas margens, assim como podem esta é uma estratégia importante, pois hoje, em di- áreas de mangue, que vão atuar no sentido de
de pobreza em que vive a maior parte dos mora- ser um lugar para atividades esportivas e de lazer. ferentes trechos, inclusive no trecho que margeia a minimizar a erosão e a sedimentação. O plantio
dores, a questão da violência relacionada ao tráfico Neste sentido, os rios podem ser percebidos como comunidade de Parque Unidos de Acari, o rio fica de árvores e a recuperação da vegetação poderiam
de drogas, e a premência da garantia da subsistên- amenidades urbanas. oculto da paisagem por estar como fundo de lote. ser acompanhados da implantação de caminhos
cia cotidiana indicam que os problemas relativos Diferentemente de outras áreas onde os rios No caso específico de Parque Unidos de Acari, fa- para bicicletas e pedestres, e lugares de descanso
à qualidade do ambiente são considerados secun- são elemento de contemplação e lazer, constituin- zem-se necessários a remoção e o reassentamento e contemplação da água.
dários. Mesmo reconhecendo que a qualidade do do-se em uma amenidade ambiental que valoriza da população que vive na área sujeita à inundação, A região, mesmo com a retirada da população ri-
ambiente é precária, as entrevistas mostram que a paisagem e o espaço de vida cotidiana para aque- bem como da que vive na área de risco junto à Linha beirinha, continuará marcada pela presença de fa-
a comunidade, apesar de já densamente ocupada, les que habitam suas margens, em Parque Uni- Verde. Esta proposta, que já estava presente na in- velas, e por isso é imprescindível a implantação de
continua em expansão, com famílias recém-insta- dos de Acari e em grande parte da zona norte do tervenção do programa Favela-Bairro, elaborado pelo um programa de coleta de lixo adequado a este tipo
ladas. A escolha do local se faz através de família ou Rio de Janeiro, os rios são ameaças à segurança e escritório Arqui-Traço, e não chegou a ser executada, de ocupação, para que as áreas liberadas e recupe- _
amigos que já moravam na área, e da localização, integridade física dos habitantes ribeirinhos, que está contida na proposta de reabilitação integrada radas não se tornem depósitos de lixo. Estes progra-
que facilita as possibilidades de acesso ao trabalho. temem as enchentes, enfrentam o rnau cheiro e o do rio Acari, elaborada pela Secretaria Municipal de mas devem envolver a capacitação dos garis comu-
A proposta de urbanização para a área dentro contato com as águas poluídas. Meio-Ambiente. Segundo este estudo, não apenas nitários, e a utilização de equipamentos de peque-
do programa Favela-Bairro de 2003 implicava Refletindo sobre os caminhos para transformar na área de Parque Unidos de Acari, mas também em no porte, capazes de percorrer ruas e vielas estrei-
várias ações que, segundo a equipe técnica do es- esta situação, podemos relacionar algumas medi- outros trechos ao longo do rio, deveria haver remo- tas. Seria interessante conceber sistemas de com-
critório Arqui-Traço, responsável pela sua elabora- das no âmbito da sub-bacia do Rio Acari, e outras ções das habitações construídas na faixa marginal. pra de lixo, como os existentes em outras cidades.
NoTAS MAPEAMENTO AMBIENTAL E PAISAGÍSTICO
r- Nos referimos aos estudos elaborado por Victor Carneiro da DE BACIAS HIDROGRÁFICAS URBANAS:
Silva e Tatiana Dahmer Pereira.
EsTuDo DE cAso Do Rio CARIOCA
2- Informação do Jornal o Globo de r6(o2(2oo6, pp.r6.
Mônica Bahia Schlee
Ana Luiza Coelho Netto
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2005 (capítulo 2).
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Carioca foi vetor de ocupação humana em direção
Castriota, L.B.(org) Urbanização Brasileira; redescobertas.
às encostas e indutor na preservação da floresta calizada a nordeste do Maciço da Tijuca, dentro
Belo Horizonte, C( Arte, 2003·PP·78-96.
Atlântica carioca. dos limites do Parque do Nacional da Floresta da
BREVE HISTÓRICO DAS TRANSFORMAÇÕES DA
PAISAGEM NO VALE DO Rro CARIOCA

o objetivo deste estudo é avaliar a transforma- O Rio Carioca constituiu-se, ao longo da histó-
ção da paisagem ao lo~go da bacia. hidrográ~ca do ria da cidade, como elemento ambiental e paisa-
Rio Carioca e seus efeitos na quahdade ambiental gístico importante na apropriação e controle des-
urbana local. O diagnóstico das condições am- te trecho do território carioca. Principal fonte de
bientais e paisagísticas da bacia do Carioca foi fei- abastecimento d'água da cidade do Rio de Janeiro
to a partir de uma série de avaliações em campo, até meados do século XIX, funcionou como vetor
embasadas por uma abordagem transdisciplinar de expansão urbana em direção as encostas do vale
que integra análises históricas, biológicas, urba- do Carioca ao longo do caminho das suas águas
nísticas e de ecologia da paisagem 2 • Este capítulo desde o século XVII. Inversamente, exerceu papel
oferece uma síntese visual e gráfica das avaliações relevante como agente indutor da regeneração da
e análises que compõem este estudo. floresta Atlântica nas encostas do Maciço da Tiju-
Figura 1 -Delimitação da bacia e traçado atual do Rio Carioca, SCHLEE 2002, sobre Ortofoto Armazem de Dados/IPP-PCRJ ca, em mais de um momento da sua história.

Mapa 1 - Geomorfologia local, modificado de Asmus e Ferrari, 1978

Tijuca. Este primeiro trecho do rio ainda conserva as especificidades geo-ecológicas e os problemas
parte significativa das suas características geomor- ambientais decorrentes da inadequação dos pa-
fológicas originais. Ao deixar o parque, o Carioca drões urbanísticos adotados nas cidades brasilei-
cruza uma área favelizada, densamente ocupada ras tendem a estar circunscritos. A idéia da adoção
pela Comunidade Guararapes e, logo após, ressur- de bacias hidrográficas como unidade de planeja-
ge canalizado a céu aberto em meio a uma área mento ambiental já está amplamente difundida e
residencial de padrão elevado, na confluência en- fundamentada r, mas esta prática no planejamento
tre os bairros de Santa Teresa e Cosme Velho, na e gestão de cidades ainda é insipiente.
porção média do rio. Depois disso, percorre o fun- A bacia do Carioca é uma pequena sub-
do do vale até a planície costeira, completamente bacia que deságua na Baía da Guanabara, com
submerso na densa matriz urbana até alcançar o aproximadamente oito kmz de extensão territorial
Parque do Flamengo, onde segue confinado em e vazão total medida em tempo seco de 575 Ljs
uma galeria de cintura, recentemente encoberta (Fundação para a Engenharia do Meio Ambiente
pelo poder público municipal, até desaguar na - FEEMA, marçoj2oor). Apresenta uma confor-
Baía de Guanabara. mação geomorfológica característica do litoral
O recorte espacial utilizado neste estudo - bacia sudeste brasileiro (Figura r e Mapa r): uma
hidrográfica- apresenta vantagens na análise, ava- planície costeira com cotas até 5m acima do nível
liação e no tratamento da paisagem em contextos do mar; uma planície interior que se estende até
urbanos. Trata-se de um sistema natural delimita- a cota 25 aproximadamente; encostas suaves entre
do no espaço pela topografia, a qual define a área 25 e 6o m acima do nível do mar; um trecho de Planície costeira (O a 5 ml
de convergência de fluxos d'água, de sedimentos encostas bastante íngremes entre 6o e 430 m Planície interior (5 a 25 ml
e de elementos solúveis que convergem para uma aproximadamente, que compreende o degrau Encostas suaves (25 a 60 m]
saída comum (Coelho Netto, 2oor). A bacia hidro- estrutural (zona de ruptura de gradiente) e um
Degrau estrutural (60 a 430 ml
gráfica configura-se como uma unidade geomor- vale suspenso, que se situa entre 430 e s6s m
fológica que conforma um anfiteatro natural onde acima do nível do mar. Vale suspenso (430 a 565 ml
O Carioca chegou a ter todo o seu curso con- sua integridade era necessana para garantir o da população carioca ao longo do século .XIX, com a implantação destes três grandes corredores
servado por atos legislativos, que vigoraram entre abastecimento da cidade. O restante do rio foi so- agravado pelas freqüentes inun~ações na ndade viários, acelerando o processo de avanço e super-
o início do século XVII até a metade do século frendo gradativas alterações na sua forma, função e a aceleração de processos erosrvos nas encostas posição da malha urbana sobre a floresta local.
XVIII, com o objetivo de proteger suas águas para e na qualidade de suas águas (Mapa 2). do Maciço da Tijuca, levou o governo imperial a A preocupação com a questão ambiental come-
consumo da população carioca (Cavalcanti 1997). Se o rio conseguiu manter parte do seu trajeto estabelecer um programa de reflorestamento e çou a atingir a população do vale do Rio Carioca a
O processo de transformação do rio iniciou-se protegido, a floresta que encobria as encostas do desapropriar fazendas de café localizadas nas en- partir do início dos anos 1980. Organizações não
com o término das obras do primeiro aqueduto da vale sofreu graves perdas neste período. Entre fins costas mais íngremes do maciço para proteger as governamentais locais atuaram na época em ini-
cidade. A partir de meados do século XVIII, este dos séculos XVIII e XIX, grande parte das encos- nascentes e cabeceiras dos seus principais rios. A ciativas pontuais de reflorestamento das encostas
aqueduto passou a captar efetivamente a maior tas do Maciço da Tijuca foi desmatada, seja devido recomposição da floresta da Tijuca deu origem ao e arborização das ruas do vale, e pressionaram
parte das águas do alto Carioca, criando um braço à extração de lenha, seja devido à disseminação do Parque Nacional da Tijuca, no qual estão localiza- o poder público municipal a desistir da abertura
artificial para distribuí-las em fontes públicas lo- cultivo do café nas encostas do maciço, afetando das as nascentes do Carioca (GEOHECO-UFRJ/ de um novo eixo viário e a desobstruir as galerias
calizadas nas principais praças da área central da até mesmo os mananciais aí existentes (Abreu SMAC-PCRJ 2000, Heynemann 1995, Abreu subterrâneas do Rio Carioca, devido ao despejo de
cidade (Cavalcanti 1997, Abreu 1992, Magalhães 1992, Magalhães Correa 1936). 1992, Cesar e Oliveira 1992). . resíduos sólidos no canal do rio e nas galerias de
Correa 1939). Desde então, o rio foi dividido em O aumento progressivo da necessidade de abas- Desde então, a floresta nas encostas do vale fm drenagem que deságuam nele. Entretanto, a pres-
dois. As nascentes continuaram protegidas, pois tecimento d'água devido ao crescimento contínuo aos poucos se recompondo, mas o rio não teve a são da comunidade pela melhoria das condições
mesma sorte. Canalizado a céu aberto desde sua ambientais do Carioca traduziu-se, na visão do
porção média até a foz, a partir de meados do sé- poder público municipal, na construção de uma
Mapa 2 - Evolução paisagística do Rio Carioca. Fonte: Presente estudo, a partir de Barreiros, 1965 culo XIX, foi enterrado em galerias subterrâneas galeria de cintura em 1992, que alterou mais uma
no início do século XX, que o conduzem, à mar- vez o curso do Carioca, deslocando sua foz da
gem da vida da cidade, até a Baía da Guanabara. Praia do Flamengo, com a intenção de dar fim à
A aceleração do processo de ocupação urbana língua-negra que desaguava na praia.
em direção às encostas nesta bacia se deu a partir As leis preservacionistas estabelecidas pelo po-
de 1870, com a implantação do sistema de bondes. der municipal a partir de 1984, com a criação de
Este processo se consolidou com a abertura dos seis Áreas de Proteção Ambiental e Cultural (APAs
eixos transversais de circulação viária para ligação e APACs) na bacia do Carioca, funcionaram como
entre as zonas norte e sul da cidade. O corte dos instrumentos de proteção ao patrimônio cultural
morros Azul e Mundo Novo, entre as décadas de e natural, contendo a ocupação desenfreada das
19ro e 1920, a execução do aterro da orla da baía áreas formais nas encostas do vale. No entanto, a
para implantação do Parque do Flamengo ao lon- ocupação informal continuou a crescer. Em âmbi-
go do anel viário formado por vias expressas entre to federal, já se encontravam protegidos o Parque
as décadas de 1950 e 1960 e a abertura dos túneis Nacional da Tijuca (1961) e o Parque do Flamengo
Santa Bárbara e Rebouças, entre as décadas de (1965). O reinício do programa municipal de re-
1960 a 1970, atuaram localmente como indutores florestamento para toda a cidade a partir de 1986
do adensamento construtivo, simultaneamente ao voltou a ter um impacto positivo nas encostas do
processo de verticalização da arquitetura formal, vale, a exemplo do que aconteceu no final do sécu-
promovido com o apoio da legislação edilícia es- lo XIX, contribuindo para desacelerar a perda da
O Rio Carioca é dividido em dois a partir de meados do século XVIII tabelecida a partir do final da década de 1930 (De- floresta nessa bacia, conforme sugerem os dados
creto 6oooj1937). Paralelamente, e não por acaso, que serão apresentados a seguir nesse estudo.
Trecho preservado junto às cabeceiras Em 2002;, foi instalada uma estação de trata-
a ocupação informal se consolidou no mesmo pe-
Principal estrutura de captação, conhecida como Mãe d·água mento primário de esgotos pelo poder público es-
ríodo, avançando progressivamente sobre as en-
Trecho preservado até meados do século XIX, ao longo do braço artificial que transpôs a bacia costas da bacia. tadual junto a sua foz. Este equipamento até hoje
Trecho do traçado original, gradativamente canalizado e esquecido O eixo longitudinal de ocupação do vale, que não entrou em pleno funcionamento. Em 2004,
Aterro ao longo da orla da Baía da Guanabara a partir do início do século XX se estruturou ao longo do trajeto do Rio Carioca a o trecho final do rio junto à sua foz, dentro dos
partir do século XVII, sofreu um grande impacto limites do Parque do Flamengo, foi encoberto por
QUALIDADE DA ÁGUA As coletas de amostras de água foram também
realizadas nos quatro trechos identificados acima,
o diagnóstico da qualidade das águas do Rio Ca- em janeiro de 2001. Estas amostras foram então
rioca foi realizada através de avaliações biológicas e correlacionadas com dados pré-existentes dispo-
bioquímicas. Estas avaliações foram realizadas, ao nibilizados pela Fundação para a Engenharia do
longo de 2001, em cada um dos seguintes trechos do Meio Ambiente - FEEMA (1991) e Companhia
Rio Carioca: Parque Nacional da Tijuca, Favela Gua- Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro -
rarapes, Largo do Boticário e Parque do Flamengo. CEDAE (1994) referentes aos seguintes trechos
A aplicação de indicadores biológicos, através estudados: Parque Nacional da Tijuca (FEEMA
da avaliação dos níveis de tolerância da biota aquá- 1991), Largo do Boticário (FEEMA 1991) e Parque
tica (macro-invertebrados) à poluição, foi correla- do Flamengo (FEEMA 1991 e CEDAE 1994). A Ta-
cionada com uma verificação temporal da presen- bela r revela a progressiva degradação do rio devi-
ça de coliformes fecais, indicadores bioquímicas do ao despejo de esgoto sanitário entre as décadas
Figura 2 - Recobrimento do leito do Rio Carioca com um deck de madeira implantado junto à foz comumente empregados na avaliação da qualida- de 1990 e 2000 e demonstra a enorme variação
pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em 2004. SCHLEE, Mônica Bahia, setembro 2005 de da água. Este procedimento possibilitou avaliar de qualidade da água entre a cabeceira e a foz que
possíveis perdas em relação aos habitats e ameaças o Carioca apresenta ainda hoje (Tabela r).
à biodiversidade, além de aferir o nível de poluição A correlação entre os resultados das análises
por esgoto doméstico em cada trecho estudado. biológicas e bioquímicas revelou que existe um
Em termos de abundância da fauna aquática, as enorme contraste em termos de qualidade da
um deck de madeira em uma intervenção da Pre- relativas aos censos IBGE 1991 e 2ooo), as análises demonstraram que o número de macro- água do Carioca entre a área das nascentes e a sua
feitura da Cidade do Rio de Janeiro, obstruindo o unidades de conservação, a configuração da invertebrados nas cabeceiras do Rio Carioca equi- foz. Já as avaliações biológicas demonstraram que
contato visual da população com o rio e tomando fronteira floresta-malha urbana e a correlação vale a apenas I/3 do número de macro-invertebra- a biota aquática e a diversidade de habitats encon-
ainda mais difícil qualquer contato físico com as entre o sistema viário local e a verticalização da dos no rio de referência no trecho utilizado como tram-se sob algum impacto mesmo nas cabeceiras
suas águas (Figura 2). arquitetura formal. parâmetro de qualidade (nascente do Rio Iconha, do rio. A análise dos dados bioquímicos no perío-
Os resultados das avaliações em campo e das na Serra dos Órgãos). A fauna aquática do Rio Ca- do entre 1991 e 2001 indicou um progressivo de-
demais análises de dados secundários foram ta- rioca em seu trecho mais preservado concentra-se clínio da qualidade da água do Carioca ao longo da
bulados e mapeados usando o ArcView G IS sof. principalmente junto aos nichos de folhas e ma- última década.
tware (Environmental Systems Research Institute téria orgânica acumuladas. No rio de referência, a
METODOLOGIA 1999) a partir da base cadastral elaborada pelo ocorrência é melhor distribuída entre os três habi-
Instituto de Urbanismo Pereira Passos, nas esca- tats - folhas, pedras e areia.
AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS E las noooo e 1:2ooo (Armazém de Dados- PCRJ/ Os indicadores biológicos sugerem que o gra-
PAISAGÍSTICAS AO LONGO DO RIO CARIOCA IPP 1999) , e organizados coletivamente ao longo diente de degradação no Rio Carioca começa já no Uso DO SOLO E COBERTURA VEGETAL
de um perfil longitudinal-síntese (representação Parque Nacional da Tijuca, onde 23% dos organis- (1972, 1984, 1996, 1999)
Mapeamento de Indicadores gráfica modificada de Coutinho 2001), de modo a mos J encontrados são sensíveis à poluição, 15%
facilitar a comunicação do diagnóstico e das ações toleram níveis intermediários de poluição e 62% O mapeamento do uso do solo e da cobertura
O diagnóstico apresentado neste estudo recomendadas a cidadãos e administradores pú- são tolerantes à poluição por esgoto doméstico. A vegetal registra a evolução dos fragmentos paisa-
integra resultados das análises do inventário pa- blicos (Schlee 2002). degradação aumenta significativamente no trecho gísticos em períodos determinados, possibilitan-
ra avaliação visual das condições ambientais de que percorre a Favela Guararapes, onde 0,1% dos do avaliar as transformações ocorridas em quais-_
rios tropicais urbanos e do mapeamento geo- organismos encontrados são sensíveis à poluição, quer unidades de paisagem. A evolução histórica
referenciado de indicadores biológicos, urbanos e 5,3% toleram níveis intermediários de poluição e do uso do solo e cobertura vegetal foi elaborada
de ecologia da paisagem, tais como qualidade da 94,6% são tolerantes à poluição por esgoto domés- a partir de estudos prévios realizados pela Pre-
água, evolução do uso do solo e cobertura vegetal tico; e atinge um nível crítico a partir do Largo do feitura do Rio de Janeiro (PCRJJSMAC 2ooo) e
(análises temporais de 1972, 1984, 1996 e 1999), Boticário, onde 1oo% dos organismos encontra- pelo Laboratório de Geo-Hidroecologia (GEOHE-
a dinâmica populacional (análises temporais dos são tolerantes à poluição por esgoto doméstico. CO-UFRJJSMAC-PCRJ 2ooo). O presente estudo

RIOS
TABELA 1. aplicou a metodologia desenvolvida por Coelho De acordo com os dados gerados por este estu-
RIO CARIOCA: AVALIAÇÃO BIOQUIMÍCA DE QUALIDADE DA AGUA Netto no trabalho Estudos de Qualidade Ambien- do, 58% da área total da bacia do Rio Carioca ainda
Fonte: FEEMA (1991, 2001) e presente estudo (2001) tal do Geoecossistema do Maciço da Tijuca (GEO- possui algum tipo de cobertura vegetal, porém a
HECO-UFRJfSMAC-PCRJ zooo), adequando-a qualidade da cobertura vegetal não é homogênea.
Trechos avaliados para o contexto da bacia do Rio Carioca, uma vez Uma parte significativa da área coberta com vege-
que o estudo anterior abrangia apenas o domínio tação apresenta algum tipo de alteração. A análise
Par Na Tijuca Favela Guararapes Largo do Boticário Praia do Flamengo das encostas do Maciço da Tijuca (a partir de 40m do uso do solo e da cobertura vegetal ao longo do
acima do nível do mar). Estes mapas foram revi- tempo indicou um progressivo avanço da malha
sados através de novos exames de fotos aéreas de urbana sobre a floresta no período analisado. En-
Jul-Ago Jan Jul-Ago Jan Jul-Ago Jan Jul-Ago Mar 1972, 1984, 1996. As condições referentes ao ano tre 1972 e 1999, uma significativa redução da área
1991 2001 1991 2001 1991 2001 1991 2001 de 1999 foram avaliadas através do exame das or- de floresta tropical teve lugar nas encostas do alto
(FEEMA) (p.s.f) (FEEMA) (p.s.f.) (FEEMA) (p.s.t:) (FEEMA) (FEEMA)
tofotos de 1999 (Armazém de Dados/ IPP-PCRJ) Carioca, em resposta à pressão urbana exercida,
e da checagem em campo realizada em zoor. tanto pelos assentamentos formais quanto pelos

DBO
}O 2.0 2.0-3-6 20-50 8o
(mgfl)

OD
> 6.o 8.6-9.2 7·8-8.8 !.6-2.0 0-4
(mgfl) Mapa 3- Uso do solo e cobertura vegetal, 1972

Coli- até 200


formes (ideal)
1.200- 16.ooo- 3000- 16o.ooo- >
Fecais até 8oo 0-34 150
NMP( (satisfató·
3-000 50o.ooo 24oo.ooo r.6oo.ooo 16.ooo.ooo
rooml rio)

PRAIA DO fLAMENGO
AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA DE QUALIDADE DA ÁGUA
Fonte: FEEMA (1991, 2001) e CEDAE (1994)

Valores Máximos
Parâmetros 1991 1994 2001
(Resolução CONAMA
(FEEMA) (CEDAE) (FEEMA)
20(I986 e 27I(2ooo)

DBO
}O 20-50 40-60 8o
(mgfl)

OD
>6.o !.6-2.0 0.2-0.9 0-4
(mgfl)
Parque do Flamengo

Malha urbana alta densidade 31% Comunidades pioneiras e floresta secundária inicial15%
Coliformes fecais até 200 (ideal)/
(NMP(Iüoml)
até 8oo (satisfatório) r6o.ooo-1.6oo.ooo 900.000-4-300.000 > r6.ooo.ooo Malha urbana baixa densidade 16% Floresta secundária tardia 9,5%
para contato humano
Capim colonião 2,5% Floresta climax 19%
2,2
partir de 1986. Porém, o desenvolvimento urbano N
continua a avançar sobre as encostas do vale, no E 2,0
~
entorno do Parque Nacional da Tijuca, como será co
-c 1,8
demonstrado a seguir. co
>
.....
(\)
U1 1,6
DINÂMICA POPULACIONAL (\)
.....
a.. 1,4
co
.....
A análise da dinâmica populacional da bacia do Vl
(\)
Rio Carioca demonstra que a maioria dos bairros ..... 1,2
o
que a integram perderam população no período ü::
1,0
de 1991 a 2000. Já a população favelizada aumen-
1970 1980 1990 2000
tou significativamente no mesmo período (Mapa 5 Ano
e Tabela 3). Enquanto a população total dos bair-
ros Laranjeiras e Cosme Velho decresceu 6,79% 20000
e 1,6o%, respectivamente, no período de 1991 a
2000, a população favelizada que habita estes bair- õ
ros cresceu em média mais de 25% no mesmo pe- ~ 15000
ríodo (PCRJ-IPP 2000, IPP/Armazém de Dados-
Morei). Júlio Otoni, Guararapes e Vila Cândido,
--
N

E
o 10000
ICO
Parque do Flamengo favelas localizadas dentro dos limites dos bairros U•
co
Malha urbana alta densidade 40% Comunidades pioneiras e floresta secundária inicial 22,5%
Laranjeiras e Cosme Velho, foram as que mais .........
(\)
cresceram, apresentando variação populacional c::: 5000
Malha urbana baixa densidade 9% Floresta secundária tardia 8,5% acima de 35%. As favelas Guararapes, Vila Cândido
Capim colonião 1,5% Floresta climax 14,5%
e Cerro-Corá, todas localizadas no bairro de Cosme
Velho, encontram-se em processo de conurbação. 1972/1984 1984/1996 1996/1999
Mapa 4- Uso do solo e cobertura vegetal, 1999 Período em anos
Gráficos de perda de floresta

assentamentos informais, e à ocorrência de in- pioneiras, quanto às florestas em estágio secundá-


cêndios. Os fragmentos de florestas em avançado rio de desenvolvimento aumentaram em tamanho TABELA2
estágio de desenvolvimento (Floresta Secundária entre 1984 e 1999, indicando uma desaceleração Uso DO SOLO E COBERTURA VEGETAL
Tardia ejou Clímax Local) decresceram em área de da taxa de retração da floresta tropical local (Tabela Fonte: GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ 2000 e presente estudo 2001
28% em 1972 para 23% em 1999 (Mapas 3 e 4). 2 e Gráficos de perda de floresta 1972/1999).
Cobertura 1972 1984 1996 1999
Porém, os dados do presente estudo indicam A correlação destes dados com a análise históri-
que a progressiva perda da floresta nesta bacia ca sugere que três fatores interconectados podem vegetal mz % mz % mz % mz %
vem sofrendo uma desaceleração nos últimos ter contribuído para a desaceleração do processo Floresta
anos. O processo de retração da floresta, que che- de retração da floresta: a ação dos movimentos so- Atlântica local 2029420 28.55 1836299 25.80 1663764 23·37 1644841 2p6
gou a atingir 16.093 m 2 jano entre 1972 e 1984, ar- ciais organizados na conscientização ambiental e preservada
refeceu para 14.378 m 2 jano entre 1984 e 1996, di- sua participação nos esforços de reflorestamento Perda de
minuindo para 6.308 m 2 jano entre 1996 e 1999. que tiveram lugar no vale do Rio Carioca no início floresta 193121 172 535 18923
Enquanto as áreas cobertas por florestas em avan- dos anos 1990, a promulgação pelo governo mu- preservada
çado estágio de desenvolvimento apresentaram nicipal de leis ambientais a partir de 1984, com Taxa de
uma diminuição na velocidade do seu processo a criação de áreas de proteção ambiental, e o iní- retração 16093 14378 6308
de declínio, tanto as áreas cobertas por formações cio do programa municipal de reflorestamento a

HIU~; PAIS?1GENS URBANAS_ 43


TABELA 3.
DINÂMICA POPULACIONAL DA BACIA DO RIO CARIOCA

PoPULAÇÃO ToTAL

<t: <t: <t:


1-I-l oo 1-I-l o o~ 1-I-l o o~
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Glória !4033 IIS-3 9365 77-0 •49·84% !0098 89.0 p6%

Catete 28n6 5IL5 23720 43L5 - r8.s3% 2!724 319· 0 ·9,!9%


Flamengo 6868o 396·3 55839 322.2 -23.00% 51939 324.0 ·7·5 1 %
Laranjeiras 57608 319-4 49533 274-6 -!6.30% 4638! r86.o -6,79%

CosmeVelho 7346 139-4 7345 1 39-4 -o.or% 7229 8r.o -r,6o%


Ocupação formal
Santa Teresa 5°9°7 228.2 44554 199·7 - !4-26% 4II45 8o.o -8,28% {variação populacional IBGE 1991-2000)

Alto da Boa Vista ro88s 270·7 I0084 250.8 ·7·94% 8254 }O -22,!7% Alto da Boa Vista {-22,17%)

Santa Teresa {-8,28%)


POPULAÇÃO fAVELIZADA
Ocupação informal
Cosme Velho {-1,60%)
{variação populacional IBGE 1991-2000]
Laranjeiras {-6,79%)
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Bacia do Rio Carioca {17%]

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v;:S:X: +++ Catete {-9,19%) O Júlio Otoni {43,44%)
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O::: o,. Glória {7,26%) Guararapes {35,60%]
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"' Mapa 5 - Dinâmica populacional


Morro dos Prazeres 44°9 3528 •24·97%
Morro Azul 922 !2!3 23·99%

Júlio Otoni 306 54 1 43-44%


Vila Pereira da Silva 993 IOII q8% A maioria das favelas encontradas no vale do encostas do vale do Rio Carioca é caracterizado
Tavares Bastos 1446 Carioca, coincidentemente as que mais cresceram, pela co-existência de favelas e lotes de grandes
localizam-se entre 6o e 200 m acima do nível do dimensões, concernentes com a legislação urba-
Vila Santo Amaro 20!7 u6r ·59·95% mar. Porém as encostas do vale também são habi- nística vigente, demonstrando que o desenvolvi--
Vila Cândido + 735+II07= tadas por classes sociais de alto poder aquisitivo. mento urbano formal e a presença de loteamen-
Guararapes n87 3s.6o%
1842 Como demonstrado por estudos anteriores sobre tos destinados a classes sociais médias e altas não
Cerro-Corá 8or !0!2 20,85% o Maciço da Tijuca e confirmado neste estudo, o inibem a expansão de favelas nas suas imediações
padrão de desenvolvimento urbano ao longo das (GEOHECO-UFRJ/SMAC-PCRJ 2ooo).
Vila Imaculada
Conceição
Figura 3- A.Crescimento populacional acelerado e retração da floresta; B. Declínio do sub-bosque, incêndios
e desmoronamentos eventuais e C. Despejo de lixo e modificações nas linhas de drenagem natural ao longo
Áreas favelizadas das margens das vias de penetração do Parque Nacional da Tijuca. Fotos: SCHLEE, Mônica Bahia, abril2002
Faixa 1: crescimento populacional acelerado e retração da floresta

Faixa 2: declínio do sub-bosque, incêndios e desmoronamentos eventuais

Faixa 3: despejo de lixo e modificações nas linhas de drenagem natural

APARU do Alto da Boa Vista TABELA4

Mapa 6 - Fronteira Floresta x Malha Urbana LEGISLAÇÃO EnníciA


Fonte: PCRJ/Código de Obras 2000

Ano Decreto Critérios e observações Número de pavimentos


4 a 6 pavimentos ou
Para vias com até IO m de largura
altura máxima 21m
CONDIÇÕES DA FLORESTA: A FRONTEIRA ENTRE A Decreto 6ooo de 07 jo1(1937•
1937 artigo rr Para vias com mais de 10m de
FLORESTA E A MALHA URBANA 10 pavimentos ou altura
largura (altura edificação =dobro da
máxima som
largura da via)
Baseado em recentes estudos de ecologia da Na borda mais externa (faixa situada entre 6o
6 Decreto 8547 de 22fo6fr 94 6 Legislação específica para algumas
paisagem (Swenson and Franklin 2000, Forman e 200 m acima do nível do mar), o crescimento 194 11947
Decreto 9002 de I3/II/I947 ruas dos bairros Catete e Flamengo
I995· Laurence I99I), foram identificadas três populacional e a retração da floresta têm sido mais
dinâmicos. É nesta faixa que estão localizadas a Substituído pelo decreto 322
principais faixas de fronteira entre a floresta e a Decreto de 2o(o4(I970
em
malha urbana, que ameaçam a integridade da ve- maioria das favelas do vale. Na faixa interna de
getação do Parque Nacional da Tijuca (Mapa 6). fronteira (faixa de wom de largura acima do eixo Decreto 322 de 03(03(1976,
Para edificações até a cota 50 m Até 18 pavimentos
viário situado a 200 m acima do nível do mar, Rua artigos 8o, 81 e 82
Estas faixas correspondem a áreas de borda no
entorno do Parque Nacional da Tijuca e aos eixos Almirante Alexandrino) verificou-se o declínio do Para edificações nos limites das
Decreto 3155 de 21/07(1981, Até 15 pavimentos
de penetração no parque, que se encontram atual- sub-bosque, ocorrências ocasionais de incêndios na divisas até a cota m
vegetação remanescente e desmoronamentos par- artigo 5
mente sob múltiplos impactos devido à sua inter- Até
face com a matriz urbana. ciais a cada evento de chuva de maior intensidade.
Nas bordas dos eixos de penetração ao parque com 10 pavimentos ou mais, dependendo da
(faixas de 30 m ao longo das margens das estra- largura das vias, deu início à febre construtiva
das) foram observadas modificações nas linhas de que teve lugar no vale do Carioca a partir dos
drenagem natural, enclaves de espécies exóticas e anos 1940.
ocorrências de despejo ilegal de lixo (FIGURA 3). O decreto 322 de 03/03/1976 regulamentou o
gabarito de r8 pavimentos (independente da situa-
ção da edificação no lote) até a cota 50 m acima do
nível do mar. O decreto 3155 de 07/21/1981 defi-
niu a altura de 15 pavimentos para edificações nos
SISTEMA VIÁRIO E VERTICALIZAÇÃO DA limites das divisas e 23 pavimentos para edifica-
ARQUITETURA FORMAL ções afastadas das divisas até a cota 50 m acima
do nível do mar (ver Tabela 4). O impacto causado
O sistema viário na bacia do Rio Carioca é ca- pelo processo desenfreado de verticalização da ar-
racterizado pela presença de grandes eixos trans- quitetura formal sobre a infra-estrutura urbana foi
versais ao vale e um eixo longitudinal principal muito grande. Redes de drenagem, esgotamento
que percorre o fundo do vale da planície às suas sanitário e o sistema de transporte local não acom-
encostas. São eles: o corredor viário na orla da panharam o ritmo das construções formais e nem
Baía da Guanabara, formado pelas vias expressas dos assentamentos informais. A paisagem local
ao longo do Parque do Flamengo; a Rua Pinheiro também sofreu uma transformação radical em
Traçado atual do Rio Carioca 1500M
Machado, corredor viário interno de grande movi- conseqüência deste processo.
mento diário, localizado ainda na planície do vale, Tipo de ocupação A: Parque do Flamengo
que dá seqüência ao túnel Santa Bárbara em dire- Tipo de ocupação 8: densidade aproximada acima de 300 hab/ha
ção a Botafogo; o corredor formado pelo complexo
viário do túnel Rebouças, localizado acima da cota Tipo de ocupação C: densidade aproximada acima de 180 hab/ha
so; e o corredor tronco longitudinal, formado pe- RESULTADOS Tipo de ocupação 0: densidade aproximada 80 hab/ha
las ruas Cosme Velho e das Laranjeiras, que liga
• Tipo de ocupação E: Parque Nacional da Tijuca (porção íntegra)
os demais à principal praça do vale, o Largo do Fragmentos paisagísticos observados
Machado e, mais adiante, à orla da baía. A cor- Mapa 7- Fragmentos Paisagísticos
relação entre os traçados dos principais eixos de Cinco fragmentos paisagísticos foram identifi-
circulação viária e o processo de verticalização da cados a partir da correlação dos dados apresenta-
arquitetura formal no vale do Carioca permite per- dos -<este estudo4 (Mapa 7). O primeiro refere-se à
ceber que a abertura destes eixos contribuiu para área onde foi implantado o Parque do Flamengo,
o adensamento construtivo e, conseqüentemente, resultado de aterro realizado na orla da Baía da O terceiro fragmento corresponde à área entre O quarto fragmento corresponde à área com-
para o adensamento populacional do vale entre as Guanabara entre as segundas metades das déca- este último corredor e o eixo formado pelo com- preendida entre este último eixo (corredor Rebou-
décadas de I940 a I98o. das de 1950 e 1960 (Mapa 7, tipo A). O segundo plexo viário de acesso ao Túnel Rebouças (Mapa 7, ças) e a faixa interna de fronteira floresta-malha
O processo de verticalização nesta área inicia- corresponde à área da planície localizada entre a tipo C). Neste trecho a verticalização mais intensa urbana, à roo m de largura acima da Rua Almi-
se com a promulgação do decreto 6ooo de orla da baía e o corredor formado pelo Túnel Santa ocorre ao longo do corredor longitudinal, identi- rante Alexandrino (Mapa 7, tipo D). Apresenta
07 joi/1937, que institucionalizou o edifício de Bárbara e Rua Pinheiro Machado (Mapa 7, tipo B), ficado pela legislação como centro de bairro, com um tecido urbano rarefeito, com predomínio de
apartamentos como um novo tipo de habitação onde a massa edificada é altamente verticalizada, predomínio de edifícios de 6 a 12 pavimentos, tor- lotes com maiores dimensões e edificações de até
multi-familiar na cidade. Segundo Vaz (1994), com predomínio de edifícios com gabarito supe- nando-se mais rarefeita à medida que a ocupação 4 pavimentos, juntamente com ocupações irregu-
esta tipologia passou a ser associada pelos agen- rior a 12 pavimentos, formando um tecido urbano atinge as encostas laterais do vale, onde há dois lares (Guararapes, Vila Cândido, Vila Imaculada
tes da especulação imobiliária ao conforto, à compacto e muito denso (acima de 300 habfha, enclaves de favelas (Júlio Otoni e Vila Pereira da Conceição e Cerro-Corá). A densidade dos bairros
modernidade e, principalmente, a um novo sím- ver Tabela 3- Dinâmica populacional e 4- Legisla- Silva}. A densidade do bairro de Laranjeiras cor- de Santa Teresa e Cosme Velho é da ordem de
bolo de status social. A construção de edifícios ção edilícia). responde a r86 habfha (Tabela 3 e 4). 8o habfha (ver Tabela 3 e 4). O quinto fragmento

RIDS E PAlSf'lGENS URBANélS_49


TABELA 5.
RECOMENDAÇÕES PARA O MANEJO DA PAISAGEM NA BACIA DO RIO CARIOCA
Fonte: SCHLEE 2002

Rio Carioca

Trecho Valor Avaliação Ação recomendada

Conservação com recomposição pontual das


condições do solo e vegetação nas encostas e da
Parque Nacional da Tijuca Excelente
biota aquática no leito do rio, e monitoramento
constante para evitar futuros impactos.

Alterações morfológicas e ecológicas se fazem


necessárias, com a restauração das condições
Favela Guararapes 5·52 Regular
das margens onde couber, da água, da vegetação
ripária e da biota aquática.

Largo do Boticário à foz do Completa reestruturação urbanística e restauração


Pobre
Rio Carioca ecológica.

Traçado atual do Rio Carioca


Padrão 1: águas balneáveis, composição vegetal em avançado estágio de desenvolvimento e uma comunidade
biológica que, apesar de afetada pela pressão urbana e alterações isoladas, manteve-se preservada
(Mapa 7, tipo E) corresponde à porção íntegra do nal da Tijuca até a principal estrutura de captação,
Parque Nacional da Tijuca, acima da faixa interna conhecida como Mãe D'Água, localizada a 200m Padrão 2: configuração do leito do rio e habitat da biota aquática alterados devido à poluição
por despejos sólidos e líquidos, mas o rio ainda pode ser visto e sentido, ocupação integrada ao rio
de fronteira floresta-malha urbana identificada, acima do nível do mar. Neste segmento, o moni-
sem ocupações formais ou informais. toramento das condições biofísicas para proteção Padrão 3: configuração do leito do rio e habitat da biota aquática alterados e bastante degradados devido à
poluição por despejos líquidos, alteração morfológica (canalização a céu aberto I, ocupação dissociada do rio
das condições existentes e o restabelecimento de
determinadas condições ecológicas já se fazem Padrão 4: poluição elevadíssima, ocorrências de obstrução de fluxo e ausência quase total de biota aquática,
necessários, como por exemplo, a retirada de uma rio submerso na malha urbana, ocupação ignora totalmente o rio

caixa de captação aparentemente abandonada que,


Mapa 8- Padrões ambientais
PADRÕES AMBIENTAIS E RECOMENDAÇÕES PARA O em tempo de estiagem severa, desvia o curso do
MANEJO DA PAISAGEM LOCAL rio, comprometendo o habitat da biota aquática
ao longo de um trecho com declive acentuado em
Através do diagnostico sócio-ambiental aplica- meio ao degrau estrutural.
do neste estudo, foi possível estabelecer quatro Para o trecho intermediário, que atravessa a co-
padrões ambientais ao longo do vale do Rio Cario- munidade Guararapes e, logo a seguir, uma área lises bioquímicas e biológicas demonstraram que, to, escutado e seu odor pode ainda ser sentido no
ca (Mapa 8), que se correlacionam em sua maior de alto padrão residencial até o acesso ao Túnel mesmo necessitando de alterações morfológicas e dia-a-dia pela comunidade.
parte, aos fragmentos paisagísticos previamente Rebouças, entre 6o e zoom acima do nível do ecológicas (principalmente em relação ao despejo A qualidade da água do Rio Carioca atinge um
descritos. O trecho que percorre a floresta, carac- mar, foi estabelecido o padrão 2. No trecho que de esgotos), este trecho ainda pode ser recupera- nível crítico a partir do Largo do Boticário, para o
terizado por águas balneáveis, composição vegetal corresponde à Favela Guararapes, a poluição por do, especialmente na porção superior da favela, qual foi definido o padrão 3, que corresponde à
em avançado estágio de desenvolvimento e uma despejo de resíduos sólidos e líquidos e as alte- onde a configuração do leito do rio ainda não foi porção canalizada a céu aberto do Carioca, ainda
comunidade biológica que, apesar de afetada pela rações morfológicas, ainda que em parte do seg- alterada. Neste trecho, a ocupação, mesmo sendo perceptível pela população. Neste trecho, que se
pressão urbana, manteve-se preservada, foi iden- mento, já alteraram a configuração do leito do informal, integra-se ao rio (as moradias voltam-se estende do Largo do Boticário ao terminal de ôni-
tificado como padrão L Este trecho compreende a rio e o habitat da biota aquática, cujo estado de para o Carioca e o caminho principal que percorre bus do Cosme Velho, a ocupação formal deu as
porção inicial do rio, que percorre o Parque Nacio- degradação é evidente. No entanto, ambas as aná- a favela chama-se Via Carioca). O rio pode ser vis- costas para o rio. Mesmo no espaço público jun-

50 .. fUDS Pn!SAGENS lJRflflNf4S RIOS E PAISAGENS URBANAS_ 51


to ao terminal, o rio quase não é mais acessível descreve uma trajetória oposta. Quanto maior a ve é muito acentuado), entre os bairros de Santa sociais, situação da criminalidade); áreas reflores-
visualmente. Ao visitante desinformado, ele pode transformação na paisagem, conforme os padrões Teresa e Cosme Velho. Este trecho vem sofrendo tadas; áreas atendidas por infraestrutura (abaste-
passar desapercebido devido às altas muretas de de urbanização existente, mais intensos e negati- r. rtes impactos e se degradando rapidamente cimento d' água, coleta de lixo, drenagem, esgo-
!O '
concreto e às paredes de pedra que o confinam. vos os efeitos na qualidade ambiental local. nas últimas décadas. E aí que se encontram os tamento sanitário e sistema transporte); equipa-
A biota aquática se encontra severamente com- Como ocorreu na cidade como um todo, o de- mais contrastantes níveis sociais encontrados mentos públicos (creches, escolas, espaços livres
prometida e a poluição é bastante elevada devido senvolvimento urbano no vale do Rio Carioca le- nesta bacia. públicos (praças, mirantes, jardins e parques),
às ligações clandestinas de esgoto na rede de dre- vou a uma progressiva perda da floresta tropical, o padrão de desenvolvimento urbano nesta equipamentos culturais, unidades policiais, uni-
nagem, que se tornam mais freqüentes à medida que contribuiu para intensificar deslizamentos área é caracterizado pela co-existência de parcela- dades de saúde e estruturas de captação de água);
que o rio se esconde sob a malha urbana. A partir nas encostas (Coelho Netto 1999, GEOHECO- mentos regulares para classes de alto poder aqui- interface político-administrativa (divisão admi-
daí, o padrão de qualidade decai drasticamente em UFRJJSMAC-PCRJ 2ooo, Abreu e Coelho Netto sitivo e assentamentos irregulares ocupados por nistrativa, abrangência de atuação dos diversos
direção a sua foz. in: Abreu 1992). comunidades de baixa renda. É nesta área onde a órgãos que atuam nas sub-bacias) e legislação ur-
Para a porção totalmente submersa do rio foi Porém, os dados do presente estudo indicam retração da floresta tem sido mais dinâmica, pro- bana (zoneamento e grau de proteção dos imóveis
estabelecido o padrão 4- O segmento final do rio que a progressiva perda da floresta nesta bacia vem duzindo impactos como a fragmentação do habitat de valor cultural significativo).
é caracterizado por índices de poluição elevadíssi- sofrendo uma desaceleração nos últimos anos. Tal da fauna endêmica e o declínio da biota aquática Ao mapear as demais bacias que compõem a
mos, ocorrências de obstrução de fluxo, prolifera- qual ocorreu no final do século XIX, esses resulta- em termos de riqueza de espécies e de biomassa. Área de Planejamento I da cidade do Rio de Janei-
ção de ligações clandestinas de esgoto na rede de dos sugerem que as intervenções humanas podem Ainda que progressos significativos tenham ro, a meta é incorporar a prática de levantamento,
drenagem e, conseqüentemente, pela quase total ser ativamente restauradoras e, ao mesmo tempo, sido alavancados pela comunidade local e pelo po- medição e análise de parâmetros biofísicos e de
ausência de biota aquática. É também o trecho que preventivas, ao invés de apenas destrutivas. Em der público em direção à construção de uma cons- ecologia da paisagem, correlacionando-os a parâ-
percorre a área do vale mais densamente ocupada. conseqüência das ações implementadas localmen- ciência coletiva dos valores históricos, culturais e metros urbanísticos e sócio-demográficos, na ava-
Nele, as intervenções terão um custo muito mais te durante as décadas finais dos séculos XIX e XX, ambientais, o Rio Carioca e seu vale continuam a liação da qualidade ambiental urbana carioca.
alto, e os programas de recuperação serão muito a floresta tropical ainda mantém-se razoavelmen- sofrer os mesmos problemas sociais e ambientais A adoção do mapeamento sócio-ambiental
mais difíceis de serem encampados pela socieda- te preservada na porção superior da bacia, apesar que assolam a cidade como um todo e que tendem como instrumento inclusivo de diagnóstico, pla-
de, uma vez que o rio não é mais percebido nem da forte pressão exercida pelo crescimento urbano a aprofundar-se se futuras abordagens de plane- nejamento, reestruturação e gestão, utilizada nes-
mais faz parte da sua vida cotidiana. no entorno ao Parque Nacional da Tijuca. jamento e gestão do ambiente urbano continua- te estudo, pode servir como um precedente no de-
A experiência local durante as décadas de r98o rem a seguir os mesmos padrões. Uma solução senvolvimento de novas e dinâmicas abordagens
e I990 demonstrou que ações conjuntas co- ambientalmente responsável para a regeneração aplicadas à regeneração da paisagem em contextos
munidade-administração pública podem ter do Rio Carioca ao longo de todo o seu curso ainda tropicais urbanos. A abordagem transdisciplinar
efeitos positivos sobre o ambiente urbano. Inver- não foi levada a cabo. Essas são importantes lições aplicada neste estudo pode vir a ser transferível,
CONCLUSÕES E DESDOBRAMENTOS DESTE ESTUDO samente, as intervenções públicas levadas a cabo a serem aprendidas e aplicadas na gestão da paisa- com alguns ajustes, para outras áreas da cidade,
pelas administrações estaduais e municipais mais gem de outras sub-bacias da cidade. ou mesmo, para outros ambientes tropicais.
A correlação entre os parâmetros estudados recentemente junto à foz do Carioca demons- Como desdobramento deste estudo, estão em
revelou os efeitos drásticos dos processos de de- tram que os rios urbanos cariocas ainda são con- construção mapeamentos sócio-ambientais das
senvolvimento urbano ainda em uso na cidade do siderados como problemas e obstáculos a serem bacias hidrográficas que compõem a Área de Pla-
Rio de Janeiro e permitiram identificar gradientes transpostos e seus atributos cênicos e ecológicos nejamento I da cidade do Rio de Janeiro, utilizan-
contrastantes de qualidade ambiental ao longo do dificilmente são considerados pelo poder público do metodologia semelhante, com a agregação de
perfil longitudinal do Rio Carioca. As intervenções como elementos de valorização da paisagem urba- outros indicadores. Alguns elencados com a parti-
humanas no vale do Rio Carioca induziram a um na carioca. cipação da comunidade local organizada, com vis-
continuum de transformação que cresce em in- O desenvolvimento urbano continua a avançar tas a possibilitar a avaliação de aspectos conside-
tensidade desde o alto Carioca, atualmente ainda sobre as encostas do vale, como acontece em todas rados relevantes para a melhoria da qualidade de
preservado dentro dos limites do Parque Nacional as encostas do Maciço da Tijuca. Indicadores bio- vida. Outros, devido a disponibilização de novos
da Tijuca, em direção ao baixo Carioca, enterrado lógicos e de ecologia da paisagem demonstram dados pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
sob a densa matriz urbana, e à sua foz, às mar- que o processo de transformação da paisagem a partir de 2002.
gens da Baía da Guanabara. Inversamente, e não vem ocorrendo com especial intensidade na área São eles: dinâmica social (espacialização dos
por acaso, o continuum de qualidade do ambiente que compreende o degrau estrutural (onde o decli- estratos sociais, áreas atendidas por programas

52 ~RIOS PAISAGENS E Pt-1IS~1GENS URBPlNAS,"_53


NoTAS GEOHECO-UFRJ(SMAC-PCRJ. Estudos de Qualidade Am- SCHLEE, Mônica Bahia. Landscape change along the Carioca
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3 - As espécies identificadas como sensíveis à poluição CESAR, Paulo Bastos e OLIVEIRA, Rogério Ribeiro de. A Flo- Press. 1997. dade do Rio de janeiro- Estudo da Modernidade através da Mora-
pertencem às taxa Ephemeroptera, Plecoptera, Trichoptera resta da Tijuca e a Cidade do Rio de Janeiro. Rio de janeiro: Edi- dia. São Paulo: FAU(USP. 1994-
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(Insecta) e Pelecypoda (Bivalvia). As espécies tolerantes tion in a Humid Region (SE Brasil): Inheritances from Tec-
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2J-48. I999· PCRJ!IPP. Anuário Estatístico da Cidade do Rio de Janeiro. Rio
4 - O mapa 9 foi elaborado com base em pesquisas de campo de Janeiro: PCRJ/ IPP. 2000.
conduzidas ao longo do curso do Rio Carioca entre maio e _ _ . Hidrologia de Encosta na Interface com a Geomorfolo-
setembro de 2001, no exame dos mapas de evolução do uso gia. In: Guerra, Antonio José Teixeira e Cunha, Sandra Baptis- PCRJ!SMAC. Mapeamento e caracterização do Uso das Terras e
do solo no período de 1972 a 1999, e na correlação entre a ta da. Orgs. Geomorfologia: uma Atualização de Bases e Conceitos. Cobertura Vegetal no Munidpio do Rio de Janeiro entre os anos de
legislação edilícia, relativa a gabarito das edificações, e na 4'•. Edição. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2oor. 1984 e 1999. Rio de Janeiro: PCRJ!SMAC. 2000.
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Geociências(UFRJ. 2oor. UFRJ. 1996.
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54 _RIOS E PAISAGENS URBANAS


A PAISAGEM DA BORDA:
, ,
UMA ESTRATEGIA PARA A CONDUÇAO DAS AGUAS, DA
-
BIODIVERSIDADE E DAS PESSOAS
Paulo Renato Mesquita Pellegrino
Paula Pinto Guedes
Fernanda Cunha Pirillo
Sávio Almeida Fernandes

INTRODUÇÃO

Em 2003, com a condição inicial de contribuir- biental e arquitetura paisagística. Nossa contribui-
mos com aspectos referentes à caracterização da ção específica de arquitetos paisagistas e bióloga
vegetação e ao paisagismo urbano, integramos ao Plano de Bacia Urbana se deu com a aplicação
um grupo de pesquisadores em águas urbanas da de conceitos de ecologia, conservação e recupera-
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. ção ambiental, e, neste sentido, desenvolvemos o
Formada por professores, pesquisadores e estu- material que apresentamos aqui como um progra-
dantes de diversos departamentos, destacando-se ma de recuperação ambiental e da paisagem.
o Departamento de Engenharia Hidráulica e Sani- O conjunto de princípios que utilizamos como
tária, e de outras unidades da USP, além de con- base para os procedimentos de pesquisa que rea-
sultores externos, esta equipe vinha de um projeto lizamos no âmbito deste projeto e as proposições
anterior de criação de um "Sistema de Suporte à que ajudamos a delinear para as intervenções es-
Decisãd' (SSD). Esse sistema tinha como objetivo tratégicas indicadas no plano são o cerne deste
o gerenciamento da água urbana e contava com capítulo.
representantes das áreas de hidrologia, qualidade O objetivo geral do Plano de Bacia Urbana era
da água, transporte de sedimentos, planejamento buscar proposições para interceder na redução ej
urbano, ecologia, além de especialistas em siste- ou eliminação das inundações que afetam trechos
mas de informações geográficas e desenvolvimen- desta bacia, atuando como modelo para outras ba-
to de software. cias urbanas detentoras de problemas semelhan-
O seu estudo de caso, a bacia do rio Cabuçu de tes. O nosso interesse em participar desta equipe
Baixo, situada integralmente no município de São multidisciplinar se deu pela oportunidade de tes-
Paulo, se tornou o objeto de um plano visando en- tarmos com especialistas em tecnologias aplicadas _
frentar prioritariamente os problemas relativos a à infra-estrutura urbana, especialmente de hidro-
inundações, contaminação de recursos hídricos, logia e hidráulica, o papel que os espaços abertos
degradação do solo e saúde pública. urbanos, livres de edificações e vegetados, podem
Entretanto, esse objetivo inicial, no processo desempenhar para o atendimento desse objetivo,
de desenvolvimento do plano, acabou sendo am· entre outros.
pliado, englobando aspectos de planejamento am-

f~ IOS PAISHGENS Uf\Bf1N0-1S -~57


UM TRECHO NA BORDA DA RESERVA DA BIOSFERA
DO CINTURÃO VERDE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Dentro desse contexto, a criação de uma assim Paralelamente, um dos principais desafios dos
chamada infra-estrutura verde na sub-bacia do pesquisadores que trabalham nas áreas de conser-
córrego Bananal, pertencente à bacia do rio Ca- vação e preservação ambiental é a mensuração da
A área de estudo localiza-se no extremo norte te 19 milhões de habitantes, o que representa uma buçu de Baixo e aqui adotado como área piloto, natureza e da taxa de fragmentação dos ambientes
da cidade de São Paulo, e está inserida na porção densidade demográfica superior a 1.100 habjkm2 • permitiu a exploração de um novo paradigma para pelo homem e a determinação das suas implica-
da região metropolitana abrangida pela bacia hi- Distintamente de outras reservas da biosfera a drenagem das águas, que aliasse a melhoria da ções na redução da diversidade biológica. Porém,
drográfica do Alto Tietê, aproximadamente entre baseadas exclusivamente na conservação de áreas qualidade de vida urbana com a recuperação dos a quase totalidade dos trabalhos também se res-
as latitudes 23° 30' 36" e 23° 24' 42" sul, e as lon- naturais preservadas, com pouca ou nenhuma in- ecossistemas locais. tringe às áreas bem preservadas, onde a ativida-
gitudes 46° 42' 21" e 46° 38' so" oeste. terferência humana, a manutenção da Reserva da Apesar dos ambientes urbanos ou suburba- de humana é pequena. Pouca importância ain-
Verifica-se que ao longo das margens do córre- Biosfera do Cinturão Verde só poderá ser perpetu- nos e a biodiversidade ainda serem vistos como da é dada aos fragmentos florestais urbanos, ou
go Bananal existem muitas áreas com ocupação ada se forem efetuadas medidas que conciliem a mutuamente exclusivos, alguns trabalhos de pla- próximos das cidades (Morellato & Leitão Filho,
irregular, notadamente favelas. Do ponto de vista preservação de uma região altamente afetada pe- nejamento urbano mais recentes reconhecem os 1995). É necessário o desenvolvimento de pesqui-
hidrológico, ocorre na área da bacia um reservató- los problemas inerentes aos de uma megacidade serviços ecológicos que a manutenção da biodi- sas sobre a utilização dos conceitos e critérios da
rio de regulação de vazões ("Piscinão do BananaY') como São Paulo, quarta maior região metropolita- versidade no ambiente urbano pode trazer tanto Ecologia da Paisagem associados aos urbanísticos,
com o objetivo de redução das enchentes no local. na do mundo. Acredita-se que este trabalho pode- para uma maior sustentabilidade dos fragmentos como a que propomos aqui, a fim de criar novas
Processos desordenados e muitas vezes caóti- rá contribuir com várias propostas e metodologias remanescentes no interior das zonas urbanizadas, abordagens que visem conciliar a manutenção de
cos de urbanização estabeleceram-se a partir da pioneiras no contexto da RMSP e da RBCVSP. como para áreas naturais em suas áreas de influ- fragmentos de vegetação ou de ecossistemas natu-
região central e no entorno do córrego até o sul da ência (Hellmund & Smith, 1993). Nestes traba- rais à ocupação humana.
bacia, à medida que o relevo e as declividades se lhos, as áreas de vegetação em sítios urbanos são Do mesmo modo, a idéia de uma infra-estru-
tornam mais brandos. vistas como grandes desafios de manejo para os tura verde, agregando corredores verdes urbanos
A porção norte da bacia, detentora das mais al- planejadores preocupados com a biodiversidade, e ( Grecnways), alagados construídos (constructed we-
tas declividades, é formada por vegetação florestal, ÜS ESPAÇOS LIVRES COMO UMA não apenas como terrenos baldios biologicamente tlands), reflorestamentos de encostas e ruas verdes,
cuja maior parte se encontra preservada pela exis- INFRA-ESTRUTURA VERDE pouco significativos, de pouca importância sócio- entre outras intervenções de baixo impacto e incor-
tência do Parque Estadual da Cantareira. Esta área econômica ou meramente justificados para o lazer porando melhores práticas de manejo das águas,
de mata atlântica constitui a maior reserva flores- Sabe-se que os processos de desmatamento humano. poderá fornecer importantes contribuições para
tal localizada em uma área urbana do planeta, e com a de retirada da vegetação original, o reafei- Este interesse pela biodiversidade em áreas ur- um desenho ecologicamente mais eficiente da cida-
é abarcada pela Reserva da Biosfera do Cinturão çoamento topográfico para a implantação de vias banas iniciou-se a partir da década de 90 e, ape- de, reforçando o papel crucial dos espaços livres ve-
Verde da Cidade de São Paulo. e edificações, a impermeabilização do solo e a im- sar do maior foco dos estudos ecológicos ser os getados para uma maior sustentabilidade urbana.
Estas características condicionam o uso e ocu- plantação de obras de drenagem convencionais ambientes altamente conservados, tem aumenta- Um sistema de espaços livres que agregasse
pação do solo, sendo que atualmente a sub-bacia modificam hidrologicamente uma bacia hidro- do rapidamente o número de pesquisadores que todos esses elementos, que aqui denominamos
do córrego Bananal possui cerca de 50% de urba- gráfica aumentando a velocidade de escoamento trabalham na manutenção da biodiversidade nas de infra-estrutura verde, oferece condições de ir
nização e so% de vegetação. das águas para o seu curso principal, contribuindo cidades e nas paisagens suburbanas (Soulé, 1991). além das funções que um urbanismo e um plane-
As reservas da biosfera têm por objetivo a ges- para o agravamento das inundações e a poluição A conservação urbana, que teve um menor inte- jamento urbano mais convencional reservam para
tão correta dos recursos naturais e a busca do difusa das águas. Contudo, reduções significativas resse para os pesquisadores e conservacionistas estes espaços, ou seja, o do atendimento daquelas
desenvolvimento sustentável através da pesqui- da cobertura vegetal são intrínsecas ao estabele- nos anos 1960 e 1970, se tornou um movimento funções relacionadas à circulação e acessibilidade,
sa científica, da conservação, da biodiversidade, cimento das áreas urbanas, proporcionalmente à maior e sua importância tende a aumentar pro- ou de permanência como contemplação e recre-
da promoção social e da integração dos diversos ampliação dos processos de impermeabilização do gressivamente com a ampliação da concentração ação, estando aí uma das origens da percepção
agentes que atuam no seu interior e entorno. solo. Este aparente paradoxo constitui a questão populacional em áreas urbanas e os inúmeros pro- eminentemente estética ou funcionalista que ain:
A região abrangida pela Reserva da Biosfera do principal que decidimos enfrentar neste trabalho, blemas decorrentes (Heywood, 1995). Assim, as da hoje restringe a prática do projeto dos espaços
Cinturão Verde da Cidade de São Paulo faz parte da com o objetivo de testar outros modelos de plane· abordagens próprias da Biologia da Conservação, livres em nosso meio, naquilo que é conhecido
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, e abarca vá- jamento ambiental e do desenvolvimento urbano, que tratam comumente da seleção de áreas com como paisagismo. Assim, na escala e nas condi-
rios municípios incluindo toda região metropolita- e para proposição de espaços livres capazes de aliar prioridade de conservação e do uso de corredores, ções dadas para este estudo, assumimos que es-
na de São Paulo- RMSP. Ocupando um território a manutenção e fou recuperação de fragmentos de etc. têm sido estendidas levando-se em considera- tes espaços podem exercer várias outras funções,
de cerca de r.6oo.ooo ha, contém aproximadamen- vegetação com os demais usos urbanos. ção o estudo de áreas urbanas (Soulé et alii, 1991). como conectar fragmentos de vegetação, conduzir

58. R!DS E PAISAGENS URBANAS RIOS E PAISr1GENS URBANAS. 59


as águas com segurança, oferecer melhorias mi- Os setores propostos para ter sua estrutura físicas, e redução do estresse pelo oferecimento "ruas verdes". São implantados tratamentos espe-
cro-climáticas, atender os usos relacionados à mo- urbana consolidada e qualificada, bem como as de espaços para contemplação, interação social cíficos na, áreas residuais ao longo das vias: va-
radia, trabalho, educação e lazer, garantindo uma áreas previstas para ocupação pela população a e expressão cultural; letas verdes, alagados construídos e demais solu-
maior segurança social, acomodar as funções das ser relocada das áreas de risco deverão atender as • Criar um retorno financeiro de longo alcance ções de tratamento das superfícies que recebem e
demais infra-estruturas urbanas como transpor- seguintes diretrizes: em termos de valor das propriedades, investi- conduzem as águas pluviais no lugar das galerias
te e abastecimento, além de atender os objetivos mentos urbanos e, finalmente, no aumento da de águas pluviais tradicionais. Por esta alternati-
mais tradicionais de recreação e melhorias am- • Preservar espaços abertos, usos rurais, debele- base fiscal municipal; va, a água das chuvas poderia ser captada e limpa
bientais e estéticas. za cênica e áreas ambientalmente relevantes; • Oferecer uma alternativa menos custosa que a através da vegetação, para depois se infiltrar no
O sistema paisagístico proposto cria um quadro • Tirar vantagem do projeto de edificações com- de uma infra-estrutura urbana tradicional, solo ou ser encaminhada ao córrego (minimizan-
de referência para que o desenvolvimento urbano pactas; • cujo valor aumenta ao invés de diminuir com do a necessidade de um sistema subterrâneo de
e os projetos específicos dos diversos setores se- • Criar uma variedade de escolha e de oportuni- o tempo. captação de águas pluviais).
jam embasados nos sistemas naturais atuantes na dades de habitação;
região e no caráter único da paisagem local; por- • Integrar diferentes tipos de uso do solo; Este novo enfoque avança sobre os existentes de
tanto, o que procuramos foi o estabelecimento de • Criar vizinhanças mais "caminháveis"; redes verdes e de sistemas de espaços livres, por
um contínuo "naturaY' de espaços vegetados (ditos • Prover variedade nos meios de transporte; aplicar o conceito de procl. ção e de oferecimento
verdes) de usos diversificados, que cumprissem Fomentar espaços distintos, atraentes, com um de recursos básicos para a sustentação dos espaços ÜS PRINCÍPIOS APLICADOS EM UM PROCESSO DE
as funções múltiplas de: forte significado de lugar; urbanizados que os espaços não edificados podem AVALIAÇÃO E PLANEJAMENTO
• Fortalecer e dirigir o crescimento para as áreas desempenhar, do mesmo modo que encontramos
• Proteção e controle da densidade das áreas edi- já construídas e ocupadas; o conceito de infra-estrutura no abastecimento Para o atendimento desses objetivos dentro
ficadas, contribuindo para o conforto ambiental • Prever zonas de transição entre as áreas já ocu- de água, no viário ou na distribuição de energia. da realidade ambiental encontrada, e tendo ao
e a saúde pública; padas, a ocupar, as áreas florestais e as áreas São as grandes redes que estruturam os espaços mesmo tempo de atender aos objetivos específi-
• Contribuição para a qualidade das águas ur- legalmente protegidas. da cidade e que de certa maneira contribuem para cos do plano de bacia urbana no qual se insere,
banas, com a conformação de um sistema de a definição de padrões de habitação, qualidade de foram adotadas abordagens multidisciplinares
drenagem que propicie uma maior retenção, Denomina-se infra-estrutura verde, portanto, o vida, saneamento, saúde pública, etc. provenientes principalmente da geografia, eco-
filtragem e sedimentação dos resíduos difusos conjunto de espaços abertos ou áreas verdes que O aspecto diferencial desta abordagem é que logia, arquitetura e urbanismo, com a utilização
que seriam lançados diretamente nos canais ligam o meio urbano ao campo vizinho. Estes es- as áreas livres verdes devem ser entendidas como e integração dos conceitos de planejamento am-
principais; paços não construídos, seja em razão de seu estado parte da infra-estrutura urbana, e não simples- biental, ecologia da paisagem, corredores verdes
• Conservação dos espaços rurais de produção; inicial, seja em função de um manejo, situam-se mente consideradas em função de seus aspectos (greenways) e alagados construídos (constructed
• Recreação e lazer: educação ambiental, estudo no interior e nas proximidades dos setores reser- estéticos. Na realidade, as áreas verdes propostas wetlands). Esses princípios foram utilizados para a
do meio, interpretação; vados à construção, sendo predominantemente articulam o tecido deste trecho da cidade com o definição das intervenções aqui descritas, e serão
• Proteção e conservação dos fragmentos de vege- vegetados e bastante diversificados quanto as suas sistema viário e as edificações, abrigando as fun- rapidamente apresentados a seguir.
tação de mata atlântica em áreas urbanas, que, dimensões, exercendo as múltiplas funções de: ções já referidas e as tradicionalmente emprega-
além de contribuir significativamente como os das como lazer, recreação e contemplação.
objetivos mencionados acima, também servirão • Manter, criar e enriquecer os habitats e proteger A vegetação, o solo, o reafeiçoamento topográ- Planejamento ambiental
como zona tampão ou de amortecimento para a diversidade de espécies; fico e as estruturas de apoio, quando combinadas
restringir o avanço da ocupação humana sobre • Proteger os recursos hídricos e ajudar no ma- com outros equipamentos urbanos e redes de Atualmente no Brasil, os conceitos sobre plane-
o Parque Estadual da Cantareira. nejo das águas pluviais, reduzindo a exposição sustentação, fazem parte de soluções tecnológi- jamento ambiental ou da paisagem confundem-se
dos moradores às áreas de risco de inundação; cas aplicadas ao desenho da paisagem para várias erroneamente com os próprios de projetos paisa-
Visando assegurar: • Contribuir para a melhoria do microclima lo- situações sócio-ambientais, como tão duramente gísticos. Nestes trabalhos, em geral, a destinação
cal, bem como, pelo efeito acumulativo, influir expressas neste setor da cidade. ou definição dos usos é feita sem a consideração
• A adequada fluidez da drenagem hídrica e at- no conjunto do espaço urbano metropolitano; Este programa prevê, por exemplo, enfrentar de aspectos teóricos e metodológicos de planeja-
mosférica; • Reduzir os problemas de saúde pública pelo parte do grande problema da poluição difusa ori- mento ambiental e sem a incorporação de aspec-
• A diversidade biológica dos ecossistemas e sua controle do contato com solo e água contami- ginada pelas superfícies pavimentadas das ruas, tos ecológicos. Nesse contexto, são reservados a
sustentabilidade. nados, 'Jem como pela promoção de atividades calçadas e áreas de estacionamentos através de "áreas verdes" os espaços não incorporados pelos
projetos em lotes ou sistema viário, e que não ser- comunidades vivas (biocenoses) e as condições da investigação dos fatores humanos que inter- refúgio para a fauna quando ocorrem perturba-
viriam para outros usos, seja pela legislação ou ambientais preponderantes em seções específicas vêm sobre as respectivas áreas ou paisagens. ções;
por dificuldades técnicas e econômicas para sua da paisagem. Isto se torna aparente numa classi- Sob uma ótica mais pragmática, pode-se consi- facilitar a propagação de algumas perturbações,
comercialização. ficação do espaço natural em diferentes ordens de derar a paisagem como um conjunto interativo de tais como o fogo ou certas doenças.
Um dos pesquisadores pioneiros na área de tamanho'' (Troll, 1968 apud Scheiber, 1990). manchas, corredores e matrizes, e a Ecologia da
planejamento ambiental foi o arquiteto paisagis- Na Europa, a ecologia da paisagem é bastante Paisagem como a ciência que estuda os processos Outro conceito da ecologia da paisagem que en-
ta Ian McHarg, que lançou em 1969, Design with utilizada no planejamento do uso das terras e em de fragmentação, isolamento e conectividade re- contramos grande potencial de aplicação em nos-
Nature, a obra seminal que veio marcar uma pos- tomadas de decisão (Vink, 1983). Na Tchecoslová- alizados pelo homem nos ecossistemas naturais sa área de estudo foi o de stepping stones (pontos
tura frente à avaliação e incorporação dos valores quia, estudos no nível de paisagem servem como para investigar a influência de padrões espaciais de ligação, trampolins ecológicos, caminho das
ecológicos nos planos e projetos. O método expos- base na determinação regional da capacidade de sobre os processos ecológicos. pedras), estas pequenas áreas de habitat dispersas
to por McHarg há quase quarenta anos continua uso das terras (Ruzicka et al, 1988 apud Turner & Os processos de fragmentação causam a rup- pela matriz (no nosso caso as áreas urbanizadas
válido, sendo porém, infelizmente, ainda muitas Gardner, 1989). tura na continuidade dos ecossistemas naturais, ou em processo de urbanização) que facilitam o
vezes desconsiderado pelos planejadores, urba- A ecologia da paisagem enfatiza grandes áreas gerando dois efeitos distintos e inter-relacionados: movimento das espécies em uma determinada
nistas e arquitetos que acabam por utilizar apenas e os efeitos ecológicos dos padrões espaciais dos diminuição da área e redução da conectividade paisagem, possibilitando um aumento na taxa de
critérios sócio-econômicos, desconsiderando a ecossistemas. O que a distingue é a consideração entre eles. Estes processos restringem, ainda, as recolonização dos habitats favorecendo a chegada
base natural e as relações ecológicas que as novas da estrutura espacial destes, que freqüentemente possibilidades de recolonização e aumentam os de animais e sementes. Sua eficácia depende da
estruturas projetadas passam a definir com ela. nos estudos ecológicos tradicionais são assumidos riscos de extinção local das espécies em diferentes resistência da matriz aos fluxos e da densidade;
Baseados nestes conceitos elaborados inicial- como sistemas espacialmente homogêneos (Tur- graus, dependendo da estrutura espacial resultan- assim, no caso da área de interferência do córre-
mente por McHarg, e posteriormente desenvolvi- ner & Gardner, 1989). Os estudos ecossistêmicos te, e ameaçam de forma direta a manutenção da go Bananal, a matriz formada pelas áreas urbanas
dos pela ecologia da paisagem, foi que aplicamos enfocam a integração vertical dos objetos dentro biodiversidade (Soulé, 1991). apresenta áreas de não-habitat para as espécies
às unidades paisagísticas identificadas de acordo de um sistema e seus modelos geram poucas A conectividade (Tischendorf & Fahrig, 2ooo) vegetais e animais de interesse à conservação,
com as características apresentadas pela área de informações relevantes sobre as interações espa- é a capacidade de uma paisagem facilitar fluxos com as manchas correspondendo aos fragmentos
estudo, um processo de avaliação das suas capaci- ciais, como por exemplo, entre unidades de paisa- entre os seus elementos bióticos. São elementos florestais existentes e aos que estão previstos para
dades e adequações aos processos de recuperação gem ou categorias de uso da terra adjacentes. de conectividade: os corredores, a permeabilidade sofrerem processos de recuperação.
das bases naturais e da consolidação da urbaniza- Talvez seja de Risser (1990) a definição mais da matriz, os stepping stones, a proximidade (per- Portanto, para a ampliação da conectividade
ção em trecho da bacia selecionado. simples e precisa desta nova ciência, definindo-a colação) entre as manchas ou fragmentos de ecos- entre estas manchas prevê-se a criação de uma
como o estudo de processos naturais e humanos sistemas naturais. Estes conceitos aplicados serão área de vegetação recomposta a partir do plantio
que operam dentro de áreas geograficamente he- descritos a seguir. de espécies nativas, que formará um importante
Ecologia da paisagem terogêneas de dimensões variáveis entre poucos e Corredores correspondem a estruturas lineares corredor ecológico com o objetivo de conectar os
muitos quilômetros quadrados. da paisagem que diferem das unidades vizinhas ecossistemas naturais presentes na paisagem da
A noção de "landschaft'' (paisagem) dominou Numa outra definição, Forman & Godron e que ligam pelo menos dois fragmentos de ecos- área de intervenção. Esta área deverá formar o
toda a geografia germânica desde a metade do (1986) concebem a ecologia das paisagens como: sistemas naturais anteriormente unidos (Beier & Parque Linear do Bananal, onde se prevê a retirada
século XIX. Mas foi somente no final da década "O estudo da estrutura, função e mudança Noss, 1998). da urbanização marginal e a recuperação das áreas
de 3c que o termo "ecologia da paisagem" (Lan- numa área heterogênea de terra composta de São características dos corredores: de mata ciliar. Ainda, para ampliar o transporte
dschaftsokologie) foi criado pelo geógrafo e eco- ecossistemas interagindo". Esta ciência considera de sementes, pólen, plântulas e animais entre
logista alemão Carl Troll, inspirado na observação especificamente: o desenvolvimento e a dinâmica • facilitar fluxos hídricos e biológicos na paisa- as manchas de vegetação em foco, planejou-se
de fotografias aéreas, em 1937. Segundo Troll: "De da heterogeneidade espacial, as interações e tro- gem;
a criação de stepping stones que corresponderão
lados completamente diferentes, da ciência da ve- cas entre paisagens heterogêneas, a influência da • reduzir os riscos de extinção local e favorecer a pequenas praças ou áreas de lazer arborizadas
getação florestal e da interpretação biológica de heterogeneidade espacial em processos bióticos e as recolonizações, aumentando a sobrevivência com espécies nativas e predominantemente
fotos aéreas e da geografia como ciência da paisa- abióticos, e o manejo da heterogeneidade espacial das populações; zoocóricas (que possuem sementes disseminadas
gem e ecologia, todos os métodos das ciências na- (Turner, 1989). • atuar como suplemento de habitat na paisa- por animais).
turais encontram-se aqui" (Troll, 1939 [tradução] Outros aspectos relevantes que o estudo das gem;
apud Scheiber, 1990). E a definiu como: "o estudo paisagens detém sobre trabalhos convencionais
de uma complexa rede de causa e efeito entre as em ecologia são a noção das escalas e a relevância

62 _H![)S PAISAGENS UR8AN!~S RIOS E PAISAGENS URBf1Nf~S- 63


Corredores verdes urbanos (Greenways) parques lineares: faixas destinadas ao lazer e à • Fatores hidrológicos Alagados construídos ( Constructed
prática de esportes. Devem contar com equipa- Os rios fazem parte de um sistema complexo Wetlands)
Os corredores verdes ou greenways, do iglês (Fris- mentos esportivos e recreativos como quadras, formado por uma série de elementos como solo,
chenbmder & Pellegrino, 2004), têm função eco- playgrounds, ciclovias, etc. energia, água, que expressam sua dinâmica natural De um modo geral, na natureza, as áreas ala-
lógica definida pelos conceitos de "ecologia da pai- • faixas de preservação de cursos d'água: têm nos cursos d'água. As alterações artificiais advindas gáveis são locais onde os níveis da água subter-
sagem". Contudo, é necessário estabelecer outras como objetivo recuperar e conservar a vegeta- dos projetos de engenharia alteram essa dinâmica, rânea estão próximos à superfície, criando uma
relações para esses elementos lineares, ampliando ção marginal dos rios e córregos; de modo que os rios não conseguem mais cumprir camada rasa de água sobre o solo por um período
sua importância sócio-econômica e tornando-os • faixas lindeiras a linhas de transmissão: ele- suas funções naturais. suficiente para manter o solo saturado ao longo
mais compatíveis aos usos urbanos. mentos já lineares existentes na cidade que po- A retificação e canalização do rio com muros do ano e uma vegetação característica. Estas áre-
De modo geral, os corredores verdes urbanos dem receber tratamento paisagístico; de concreto fazem com que a relação entre rio e as abrangem uma grande variedade de ambientes
são elementos lineares que servem como conexão • áreas revegetadas ao longo de vias: espaços li- as margens inundáveis seja interrompida, aumen- naturais que oferecem as condições ideais para o
entre um fragmento verde e outro, e que integram vres com potencial para aproveitamento junto tando a vazão de água e conseqüentemente contri- estabelecimento de plantas macrófitas aquáticas
equipamentos e outras funções importantes para às grandes vias de circulação, como por exem- buindo para a ocorrência de enchentes a jusante. como as representadas pelos gêneros Typha, Pis-
a cidade. plo a principal via de fundo de vale da bacia, a A existência de corredores verdes permite, por tia e Eichornia, e Montrichardia. Exemplo destes
Entre as funções básicas dos corredores verdes avenida Inajar de Souza. exemplo, a reintegração dos rios à paisagem me- ambientes são os brejos, pântanos, banhados, pe-
urbanos estão: tropolitana, preservando os córregos ainda em es- quenos lagos superficiais e regiões litorâneas de
Pode-se avaliar as vantagens de um corredor tado natural efou melhorando a situação dos rios lagos e lagunas.
• Manutenção da biodiversidade: tem como obje- verde como parte de uma estrutura que integre canalizados. Podem ser incorporados aos cursos Uma característica típica destas áreas é o alto
tivo permitir a movimentação das espécies ani- funções ecológicas e urbanas para a sub-bacia do d'água equipamentos de uso da população, áreas teor de matéria orgânica acumulada no solo e nos
mais e vegetais, garantindo assim a continuida- Bananal através dos seguintes critérios: de recreação e áreas de preservação. sedimentos, dada a grande produtividade do sis-
de das espécies. Em São Paulo, os corredores tema. As macrófitas aquáticas são as principais
podem ampliar a movimentação e a dissemi- - Fatores climáticos e de qualidade do ar - Fatores culturais, de educação ambiental e lazer responsáveis pela produção de matéria orgânica,
nação de animais (aves e pequenos animais) e A existência de vegetação urbana é responsável A existência de um sistema de parques e corre- tornando-se uma fonte de alimento importan-
vegetais (principalmente sementes); pela melhoria microclimática e do conforto tér- dores integrados deverá facilitar o acesso da popu- te para uma série de animais. Além disso, outro
• Proteção dos cursos d'água: tem como objeti- mico mediante fatores como o aumento da umi- lação a equipamentos esportivos e recreativos. A fator relevante deve-se à capacidade deste tipo de
vo preservar a qualidade da água e recuperar as dade e sombreamento, redução da temperatura desconcentração das áreas de lazer permite uma vegetação de absorver nitrogênio, fósforo, metais
áreas com interesse para drenagem, principal- e proteção contra ventos. A qualidade do ar tam- melhor apropriação das mesmas, gerando tam- pesados, bactérias e outros materiais contaminan-
mente as várzeas e fundos de vale; bém é significativamente melhorada por meio da bém uma maior oferta de espaços livres. Essas tes, o que faz com que tenham um grande valor
• Criação e incremento de espaços para recreação interceptação das partículas e absorção de gases áreas de recreação devem proporcionar também como depurador natural, sendo ainda capazes de
e cultura: tem a função de abrigar áreas de la- poluentes pelas plantas. Outro fator considerável outras possibilidades de locomoção pela cidade, regularizar os fluxos d'água, amortecer enchentes
zer e priorizar o uso de transportes alternativos do <:feito das plantas sobre o aumento da quali- incorporando ciclovias e pistas para caminhada. e controlar a erosão.
não poluentes. Podem incorporar elementos dade de vida urbana é relacionado à redução da Além disso, prevê-se a existência de roteiros Devido a estas características, os alagados cons-
culturais importantes para a população, conec- poluição sonora. culturais e de educação ambiental. Em locais com truídos nada mais são que uma simulação de um
tando-os e permitindo um percurso cultural e interesse ecológico-educacional podem ser desen- alagado natural, com a diferença que seus compo-
recreativo pela cidade. - Fatores biológicos volvidas parcerias com escolas e universidades, nentes (regime hidrológico, vegetação, substrato,
A incorporação de um sistema de corredores de modo a promover roteiros educativos. Estão etc.) são controlados para garantir um ou mais
Os corredores podem se configurar na sub-ba- verdes tornaria mais fácil a movimentação de ani· previstos roteiros de educação ambiental junto às objetivos.
cia do Bananal através dos seguintes elementos: mais e vegetais de uma área verde até a outra, per- áreas dos piscinões e wetlands, além de trilhas in- O objetivo principal da implantação destas áre-
mitindo que o habitat de certas espécies não seja terpretativas em locais específicos na mata. as é a melhoria da qualidade da água, pela remo-
• mas arborizadas: vias que recebem tratamen- exclusivo de uma determinada área e facilitando a ção de sedimentos, nutrientes, cargas orgânicas
to paisagístico e servem de interligação entre recuperação ambiental destas áreas. A movimen- e demais fontes de poluição difusa superficial,
áreas verdes. Devem funcionar como marcos tação permitiria que parte das espécies se dissemi· podendo ser utilizado também para o controle de
visuais, proporcionando a possibilidade de um nasse pelas áreas verdes da cidade, diminuindo as cheias e como reposição de fragmentos de vegeta-
percurso pelas áreas verdes da cidade; possibilidades de extinção local. ção natural suprimidos indevidamente.
Assim como nas áreas naturais, o processo de de de transporte até uma estação de tratamento.
remoção de poluentes se dá por três mecanismos: Apesar de ser uma tecnologia relativamente
físicos (sedimentação, filtração, absorção, reten- mais nova (no Brasil a primeira área de alagados
ção), químicos (resultantes das interações quími- construídos foi feita em 1982 em Piracicaba por
cas com outros componentes dos alagados) e bio- Salati e Rodrigues ) não são necessários equipa-
lógicos (realizados pelos vegetais). mentos ou técnicas complexas para sua constru-
A eficiência de um sistema de alagados cons- ção e manutenção. Isso porque todo o processo de
truídos pode variar muito dependendo do projeto, tratamento da água baseia-se em energias reno-
concentração dos nutrientes, hidrologia, solo, cli- váveis como a energia solar e a energia cinética,
ma e qualidade de manutenção; contudo, há que sendo a vegetação e os microorganismos os verda-
se garantir um fluxo contínuo de água. deiros responsáveis pelo processo.
De um modo geral, a remoção dos componen- A população diretamente beneficiada pelo sis-
tes é eficiente da seguinte maneira: tema pode ser incentivada a participar dos traba-
lhos de manutenção, fortalecendo associações de
• matéria orgânica : remoção moderada a alta moradores e disseminando o conhecimento sobre LEGENDA
• metais : remoção moderada a alta o tratamento da água. Outros sistemas reque- ~IR~IM~.~~~~=====m~~M
• fósforo: remoção baixa a moderada rem mão-de-obra mais especializada e controle o 120 240 480 720 960 Are as sem Rede Esgoto e Agua
• nitrogênio: remoção baixa constante, havendo grande gasto de energia. De Mancha 25anos-Corumbe
• bactérias: remoção moderada a alta maneira indireta, ao se optar por um sistema de Drenagem
alagados, contribui-se para a redução do uso de Dec!ívidade(> 30%)
A quantidade de remoção também está direta- matérias-primas não-renováveis. METODOLOGIA PARA CRIAÇÃO DO MAPA-SÍNTESE:
Vegetação
mente relacionada ao tempo em que a água per- Outra grande vantagem de um sistema de ala- A SÍNTESE DOS DADOS E O DELINEAMENTO DA
manece no sistema e à distância que ela percorre gados é sua função ecológica. Funcionalmente, INFRA-ESTRUTURA VERDE
(France, 2003). estes sistemas atraem uma grande quantidade de
Os alagados construídos podem ser utilizados animais, que utilizam a vegetação para se alimen· Para a elaboração do mapa-síntese do PRAP, 25 anos, considerando a nova bacia de detenção
para tratamento da água isoladamente ou em tar, acasalar e habitar. utilizou-se a metodologia proposta por McHarg (piscinão Corumbé) proposta pelo Plano de Ba-
conjunto com outros sistemas convencionais. Além disso, por se tratar de um ambiente natu· em 1969, adaptada aos conhecimentos científicos cia Urbana
Representam custos menores de implantação e ralizado, os alagados possuem ainda outras fun- atuais e à tecnologia digital. O autor propõe que • Área atendida por rede de abastecimento de
manutenção, principalmente visando o tratamen- ções, podendo atuar como centros educacionais os processos de planejamento/zoneamento sejam água
to da poluição difusa carreada das águas pluviais; ejou recreativos, se incorporados painéis explica- baseados na vocação intrínseca das terras, a partir • Áreas com declividade superior a 30%
assim, a sua eficiência é ampliada quando o seu tivos, trilhas, plataformas, etc. Na verdade, se bem da definição de critérios de aptidão e do estabe- • Mapeamento da vegetação atual e áreas de solo
uso é feito concomitantemente com os sistemas estruturada, uma área de alagados construídos lecimento de zonas pela sobreposição de mapas exposto: onde as categorias de vegetação natu-
de tratamento de esgoto. pode tornar-se um verdadeiro parque, reunindo temáticos. ral utilizadas foram definidas considerando o
O tamanho do wetland depende do tipo de solu- áreas verdes, caminhos interpretativos, mirantes Assim sendo, o mapa-síntese foi elaborado a disposto no art. 6°, do Decreto n° 750, de IO de
ção projetual e da área disponível, podendo variar e demais equipamentos. partir de uma base cartográfica digital formada por fevereiro de 1993 e a Resolução CONAMA n°
desde lagoas extensas até versões mais compactas. um mosaico de fotografias aéreas ortorretificadas ro, de 10 de outubro de I993 e regulamenta-
Na sub-bacia do Bananal existem áreas propícias e uma série de mapas produzidos especificamente ções para o Estado de São Paulo, a partir da de-
para a implantação de soluções deste tipo. De para este projeto. Todos estes produtos cartográfi- finição de vegetação primária e secundária nos
acordo com France, 2003, o custo médio para im- cos foram sobrepostos e trabalhados digitalmente estágios pioneiro, inicial, médio e avançado de ·
plantação de uma área de alagados gira em torno por meio do SIG (Sistema de Informações Geo- regeneração de mata atlântica e complementa-
de U$ 24.ooo por hectare. gráficas) Are View 3.2. ções posteriores.
O uso desse sistema é consideravelmente inte- Para o delineamento da proposta foram cruza- • Linhas de drenagem
ressante em caso de intervenções pontuais, pois a das as seguintes informações espaciais: • Topografia, a partir de curvas de nível com in-
água pode ser tratada localmente sem a necessida- • Áreas de inundação com tempo de retorno de tervalo de 5 metros

fUOS
LEGENDA A partir da espacialização dessas informações
foram aplicados os princípios de planejamento,
ecologia da paisagem, corredores verdes e alaga-
Drenagem Parque Corumbé- Área de lazer/recreação e equipamento urbano
Caminhos Verdes
dos construídos para o estabelecimento de uma
Parque Linear do Bananal- Faixa 1
Faixa da linha de transmissão (Eietropaulo)
possível infra-estrutura verde para este setor da
Parque Linear do Bananal - Faixa 2
bacia, no qual estabeleceu-se como premissas os Figura 3 - Rua verde- antes, foto Paulo Pellegrino
Intervenção paisagística em condomínio particular Urbanização densa
Intervenção paisagística em conjuntos habitacionais
seguintes pontos:
Urbanização pouco densa
: Parque Bananal- área de lazer e recreação Wetland
Parque Corumbé - Área de lazer e recreação
Relocação da população em área de risco de
Área de Manutenção intensa do Piscinão
inundação para tempo de retorno de 25 anos;
_: Área de Manutenção ocasional do Piscinao- wetlands e áreas de recreaçao
Áreas de recuperação da vegetação (declividades acentuadas e sem abastecimento)
Relocação da população situada em locais de
alta declividade e sem rede de abastecimento
Áreas de uso rural: culturas, pasto. reflorestamento homogêneo comercial
Buffer_of_Drenagern
de água;
• Criação de zonas de transição entre as áreas flo-
restais e a malha urbana.
• ,.. Meters • Criação de áreas de adensamento populacional;
o 87,5175 350 525 700
• Delimitação de faixas com diferentes intensida-
des de manutenção nos piscinões;
• Conexão de remanescentes de vegetação atra-
vés de corredores verdes.

De maneira geral, as áreas de intervenção propos-


tas abrangem toda a bacia do Cabuçu; porém, para a
aplicação da metodologia aqui descrita optou-se por
considerar uma área mais restrita. Esta foi definida
principalmente a partir dos seguintes critérios:

Figura 4- Rua verde- depois, desenho Savío A. Fernandes


• Possibilidade de conexão entre o piscinão do
Bananal, já existente, e o piscinão Corumbé,
previsto pelo Plano de Bacia Urbana;
• Localização entre a área do Parque Estadual da
Cantareira e a área de expansão urbana, configu-
rando uma zona de amortecimento ou tampão;
• Contemplar o maior número de fragmentos de
vegetação nativa, ou áreas passíveis de recupe-
ração da vegetaçã" natural;
• Englobar a mancha de inundação para um pe-
ríodo de retorno de 25 anos, nas áreas lindeiras
a esse trecho do córrego do Bananal.

Assim, definiu-se uma área de intervenção


longitudinalmente, entre as áreas envoltórias aos
piscinões, e transversalmente, desde os limites do
Figura 2- Plano de recuperação ambiental e da paisagem, foto Fernanda Pirillo parque ao norte até a faixa da linha de transmissão
ao sul.
APRESENTAÇÃO DE UMA INFRA-ESTRUTURA VERDE
peração da mata ciliar que fará a estabilização das
margens e encostas, a filtragem de material pro-
NA SUB· BACIA DO BANANAL
veniente do escoamento superficial, a regulação
Todo o sistema foi projetado a partir da inter- térmica do córrego e a criação de condições favo-
Figura 7- Piscinão Bananal- antes, foto Paulo Pellegrino
Figura 5- Wetlands- antes, foto JB Brandão ligação entre corredores e manchas de vegetação, ráveis para o fluxo gênico entre as populações ani-
associados aos fragmentos florestais existentes, e mais e vegetais, conectando a vegetação ciliar aos
com a incorporação de novas propostas urbanísti- fragmentos florestais existentes e recuperados.
Na faixa I será implantada, ainda, uma área de
cas e de usos múltiplos.
Para os corredores, são aproveitados os ele- wetlands, para exemplificar o tratamento da polui-
mentos lineares já existentes na região, ou seja, as ção difusa a partir de uma concepção paisagísti-
ruas, rios e linhas de alta tensão. ca. Sabe-se que seu impacto na despoluição do
A escolha das ruas verdes prioriza as linhas de córrego do Bananal é bastante limitado, mas tem
drenagem e a localização das manchas de vegeta- grande significado educacional e estratégico, visto
ção. A utilização dessas ruas como corredores ver- que se trata de uma área livre passível de invasões,
des é interessante não somente pelo aspecto agra- próxima aos núcleos urbanos.
dável da arborização viária, mas principalmente Apesar da função prioritariamente ecológica
pela possibilidade de adaptação de estruturas para dessa faixa, é necessário garantir sua manutenção
retenção e infiltração de águas pluviais, minimi- num período inicial de consolidação, para impe-
zando o aporte de águas nos rios e o controle da dir a reocupação dessas áreas e o desenvolvimento
da vegetação. Deve ser enfatizada a importância
poluição difusa.
Pretende-se, portanto, combater as enchentes educativa e social desta área para divulgação da
urbanas não somente no leito do rio, mas em todo importância dos ecossistemas nativos e para re-
o sistema, com a utilização de tecnologias econô- dução dos riscos urbanos. A implantação da faixa
I do Parque Linear portanto, é a prioridade des-
micas de longo prazo. Estima-se que, num primei-
ro momento, existam 1700 metros lineares poten- se plano, visto que não somente contribui para a
ciais de caminhos verdes nesse setor da bacia. redução das enchentes como elimina as situações
de risco criadas pela ocupação ilegal das margens. Figura 8- Parque Bananal - depois, desenho Savio A. Fernand'
Figura 6- Wetlands- depois, desenho Savio A. Fernandes Outros espaços lineares que merecem aten-
ção na cidade são as faixas de proteção das linhas Está prevista para sua implantação a relocação de
de alta tensão. Por questões de segurança, não é aproximadamente 750 pessoas que habitam ile-
possível habitar essas áreas ou implantar equipa- galmente essa faixa.
mentos urbanos. Entretanto, algumas atividades A população que reside em situações precárias
podem ser desenvolvidas. Sugere-se a criação de e de risco às margens do córrego será deslocada
viveiros e hortas como fonte geradora de renda para outras áreas dentro da sub-bacia, por meio da
para a comunidade local e como forma de impedir verticalização de algumas áreas e da ocupação de
a ocupação indevida dessas áreas de risco. Estima- espaços livres não-vegetados. Propõe-se a substi-
se que, para essa faixa de transmissão, a área a ser tuição das edificações das quadras lindeiras a esse
parque por edifícios de apartamentos de 4 a 8 pa-
tratada seja de 12,5 ha.
O corredor central do sistema articulador dos vimentos de acordo com os parâmetros adotados
demais espaços conforma-se no Parque Linear do para conjuntos habitacionais em áreas de interes-
Bananal, ao longo do córrego de mesmo nome. se social, ressalvando-se algumas diretrizes arqui-
Este parque será estruturado em duas faixas tetônicas que garantam a integração e o aproveita-
longitudinais. A primeira faixa é delimitada pelo mento da paisagem a ser criada.
limite da cota de inundação para um tempo de re- Este desejado aumento de densidade nessa
torno de 25 anos. Nesta área está prevista a recu- orla garantiria a efetivação dos limites da área
urbanizada, através do controle exercido pelos A possibilidade de relocação da população afe- lação humana do entorno às áreas de manutenção uso público. A idéia geral, contudo, é evidenciar
próprios moradores, interessados na valorização tada não precisa ser necessariamente atendida na intensiva dos piscinões. o papel das bacias de detenção e deixar visível
do seu espaço cotidiano. Este seria igualmente área da sub-bacia, ainda que esta possa compor- A utilização do entorno dos "piscinões" como o resultado do lixo jogado atualmente nos cór-
enriquecido se fossem adotadas edificações de tála em um desenho mais eficaz como o propos- áreas de lazer cria novas possibilidades na cida- regos, contribuindo para um processo de cons-
usos múltiplos, integrando comércio e serviços to. Sabe-se que esta pressão de ocupação sobre as de e contribui para a compreensão das soluções cientização ambiental.
no térreo. áreas periféricas é produzida em grande parte em convencionais de engenharia hidráulica adotadas Está prevista ainda a recuperação de cerca de
A Faixa 2, imediatamente limítrofe à anterior, decorrência do esvaziamento da área central, mais para a resolução dos problemas de drenagem ur- 4,2 ha de áreas em estágio inicial de regeneração,
compreende as áreas não-alagáveis para esse valorizada do ponto de vista sócio-econômico, o bana em nossa realidade. de modo a garantir a continuidade e estabilidade
tempo de retorno. Na margem direita, o seu que ocasiona a expulsão da população de baixa Assim, em ambos os parques foram defini- dos fragmentos. Nestes projetos de recomposição
limite é definido pelas ruas existentes em renda. dos níveis de acessibilidade, com base nas cotas será dada preferência a espécies nativas, escolhi-
toda a sua extensão. Já na margem oposta, de Para valorizar as áreas adjacentes às bacias de nos tempos de retorno das inundações. As áreas das levando-se em consideração seu estágio su-
urbanização não consolidada, os limites foram detenção mencionadas e ao mesmo tempo res- constantemente alagadas e com solos potencial- cessional e suas características ecológicas, entre
definidos pela incorporação das áreas de risco guardar as áreas de mata, são propostos dois gran- mente contaminados são de acesso restrito ex- outros itens.
(declividades acima de 30% e outras áreas de risco des parques urbanos: o Parque Bananal (5.5 ha) e clusivamente para manutenção, enquanto que Ainda no intuito de criar zonas de amorteci-
de erosão). Estão previstos aí usos mais variados, o Parque Corumbé (4.5 ha). Além de consolidar o áreas de alagamento eventual, com característi- mento e estabelecer parâmetros sustentáveis para
caracterizando um parque urbano com quadras sistema formado pelo Parque Linear, essas duas cas de alagados naturais, podem ser acessadas a urbanização da área, são feitas intervenções pai-
esportivas, pistas de corrida, áreas de lazer, etc. grandes áreas servem como áreas de conservação por meio de plataformas elevadas. As áreas do sagísticas nos loteamentos existentes e definidos
Também será necessária a relocação de cerca de ambiental para os fragmentos florestais existen- perímetro englobadas nestes parques serão tra- determinados índices urbanísticos a serem segui-
rso famílias. tes, bem como para reduzir a exposição da popu- tadas como parques de lazer e conservação de dos para novos empreendimentos.

Figura 9- Visão geral do Parque Corumbé/Parque Linear do Bananal e entorno -antes Figura 10- Visão geral do Parque Corumbé/Parque Linear do Bananal e entorno- depois, foto Savio A. Fernandes
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Figura 12- Visão geral do sistema- depois, foto Savio A. Fernandes

CoNcLusÃo
natural ou recuperada, com a ocupação humana. O plano geral aqui delineado apresenta um sis-
Nas áreas a serem reurbanizadas (Jardim Da- Como resultado, constatamos que na sub-bacia Com os exemplos aqui delineados, procura-se tema de parques e áreas verdes associado aos siste-
masceno e outras) está prevista a adoção de índi- do córrego Bananal, área piloto escolhida para o mostrar uma alternativa de como manter abertos, mas de drenagem c tratamento natural das águas
ces urbanísticos de baixa e média densidade. A detalhamento do Plano de Bacia, é possível ain- ou abrir os fundos de vale e conectar parte de uma em um trecho da bacia. Posteriormente, este es-
urbanização de média densidade prevê áreas ver- da se manter e desenvolver uma infra-estrutura das mais importantes estruturas verdes da cidade, quema mais amplo aqui desenvolvido poderá ser
ticalizadas envoltas por áreas verdes, com vegeta- verde com a dimensão e importância da aqui pro- a serra da Cantareira, aos espaços livres limítrofes, dividido em projetos específicos a serem adapta-
ção ornamental nativa. E para as áreas de densi- posta. Esta infra-estrutura baseia-se em conceitos dando sentido e organização a uma estrutura ver- dos aos planos regionais das subprefeituras e em
dade baixa, a configuração de pólos concentrando paisagísticos e ecológicos, de modo a integrar o de de dimensão metropolitana, visando à recupe- seus detalhamentos, atendendo diversos horizon-
as edificações e demais estruturas urbanas, tais conjunto dos espaços ainda não edificados ou a ração e integração dos espaços ainda naturais com tes de implantação; sua complementação confor-
como o sistema viário. Entre esses pólos man- serem desocupados em um único sistema, que os já urbanizados. maria a rede ambiental e hídrica que está expressa
têm-se ou criam-se áreas florestais. Esse desenho permeia todas as escalas destes espaços: do entor· Como parte do Plano de Bacia Urbana, este como uma das metas do PDE para 2oro.
da paisagem deverá conter o avanço irregular da no das edificações ao parque estadual, num todo programa de recuperação ambiental e da paisa- Os critérios adotados neste plano deverão ser
urbanização e criar zonas de transição entre a área coerente e legível, otimizando as diversas funções gem avança além do nível da estética paisagística, utilizados como diretrizes para todos os novos
urbana e as naturais. exercidas por suas partes. procurando fomentar uma sustentabilidade só- projetos na bacia, especialmente aqueles que en-
Conforme anteriormente mencionado, atual- cio-ambiental através da indicação de projetos de volvem os espaços abertos vinculados à circulação
mente pouca importância é dada aos fragmentos parques, de espaços abertos urbanos e rurais, bem de pedestres, conexões viárias, equipamentos ur-
florestais urbanos, ou próximos das cidades. Um como de áreas legalmente protegidas que confor- banos e áreas de recreação e lazer.
dos principais objetivos deste plano é desenvolver mam a implantação de uma infra-estrutura verde. O resultado esperado será uma sucessiva trans-
uma metodologia que vise o estabelecimento de Especificamente, seu foco se dá na restauração formação dos espaços públicos locais, com a estmtu-
processos de planejamento capazes de conciliar a e preservação do ambiente natural e na melhoria ração de uma nova paisagem urbana que qualifique
manutenção de fragmentos de vegetação nativa, da qualidade do espaço aberto público urbano. e reorganize este trecho da periferia de São Paulo.
A FLUVIALIDADE EM RIOS PAULISTAs'
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FORMAN, R. Land Mosaics The ecology oflandscapes and re- & Sons, 3-8, 1991. ram da observação de rios em São Paulo, iniciada tais que restam na cidade de São Paulo, e entender
2

gions, Cambridge: Cambridge University Press, 1997


de forma sistematizada em 1992 , tendo por objeto por que, dentre as capitais brasileiras, esta cidade
TISCHENDORF, L & FAHRIG, L, "On the usage and mea- o rio Pinheiros. O Pinheiros atravessa o quadrante se comporta de maneira diferenciada em relação à
surement oflandscape connectivity". Oikos, 90:7-19, 2ooo. sul-sudoeste da cidade de São Paulo - uma locali- valorização de sua paisagem urbana, e em particu-
FRANCE, R. Wetland Design. New York: Norton, 2003
zação privilegiada do ponto de vista da alta renda lar, de sua paisagem fluvial.
TURNER M.G., Gardner R.H., Dale V.H. & O'Neill R.V., Pre- de seus moradores, os bairros residenciais de elite Para a maioria dos entrevistados na pesquisa
FRISCHENBRUDER & PELLEGRINO, P.R.M. "Using Green-
dicting the spread of disturbance in heterogeneous landscapes. Oi- (os assim chamados "jardins") e uma nova zona (cerca de rooo pessoas), que moravam ou traba-
ways to Reclaim Nature in Brazilian Cities". In Landscape and
Urban Planning, 2005, disponível no site www.sciencedirect. kos, 55, 121-129, 1989. de empreendimentos imobiliários comerciais de lhavam junto ao rio Pinheiros, este rio não existia,
alto luxo e sedes de empresas multinacionais e, nem como presença, nem como representação,
com. TURNER, M. G., Landscape ecology: The effect ofpattem on pro- portanto, poderia apresentar alguma qualidade podendo ser tamponado e transformado em uma
HELLMUND, P. & SMITHS, D. Ecology ofGreenways: Design
cess. Annu. Rev. Ecol. Syst. zo:r7I-I97, 1989. paisagística. Este rio, entretanto, permaneceu por via expressa.
and Functions ofLinear Consnvations Arcas, Minnesota: Univer-
décadas um canal de esgotos a céu aberto ladeado Isto nos leva a (re)pensar as relações complexas
VINK, A.P.A., Landscape ecology and land use. In: Davidson, P. por duas vias expressas de trânsito intenso e uma entre espaço social e natureza, isto é entre socie-
sity of Minnesota Press, 1993·
A. (ed.) Longman, London. 1983. linha de trens de subúrbio, em flagrante contraste dade e paisagem.
HEYWOOD, V.H., "lntroduction''. In: Heywood, V.H. & Wat-
com a imponência dos edifícios que são construí- Toda tentativa de qualificar o uso e a apropria-
son, R.T. (eds.). Global biodiversity assessment. Cambridge:
dos às suas margens. ção social de "espaços naturais" traz consigo gran-
Esta situação não se resume apenas a este rio. des dificuldades como, por exemplo, a de qual se-
UNEP, Cambridge University Press.II25 P· 1995·
Na verdade todos os rios que fazem parte da bacia ria o estatuto da natureza primeira dentro de uma
MORELLATO, L.P.C. & LEITÃO FILHO, H.F. Ecologia e preser- do Alto Tietê, dentro da região metropolitana da teoria social do espaço.
vação de uma floresta tropical urbana. Campinas: Editora Uni-
Grande São Paulo, os rios Tamanduateí, Cotia, Ca- Natureza e espaço têm em comum o fato de
buçu, Baquirivu-guaçu, Aricanduva, além do Tietê serem imediação e mediação, mas são totalidades
camp. 1995·
e do Pinheiros, vêm sendo, com raríssimas exce- que se abrem para possibilidades diferentes.
PELLEGRINO, P. R. M. Pode-se planejar a paisagem? In Paisa-
ções, ignorados tanto pelos governos municipais Nos projetos urbanísticos atuais, servindo-se
gem e Ambiente n.13, FAUUSP, São Paulo. 2000, p. 159-180.
e estaduais, como por engenheiros, urbanistas e de técnicas aperfeiçoadas, tudo é produzido: o
paisagistas responsáveis pela proteção das paisa- ar, a luz, a água e o próprio solo. Tudo é factí-
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO (2oo2) Plano
gens fluviais urbanas. cio, a natureza desaparece, permanecendo como
Um estudo mais aprofundado foi feito na épo- símbolo: é "reproduzida". O espaço urbano é
Diretor Estratégico para 2010.
ca, procurando identificar as razões deste descaso recriado a partir das capacidades produtivas,
http:j jwww.prefeitura.sp.gov.br
destacando-se do natural, esgotando-o e anu- exemplo desse duplo processo é a paisagem tos- A pintura está longe de possuir apenas um ca- lariam insuficientes para explicar uma paisagem.
lando-o. Este espaço natural, por sua vez, antes cana. Nesta região, uma elite de comerciantes e ráter subjetivo, refletindo estados transitórios da Se a natureza das terras e a localização das fontes
um abundante repositório de bens naturais (de banqueiros seguindo um plano pré-concebido e alma do artista, ela é capaz de apreender realidades de energia e de matéria-prima induziriam modos
valores de uso) infinitos, se torna um bem raro um projeto, modela "o país jaqui no sentido de complexas em sua totalidade, ainda que de uma de ocupação e exploração do meio, haveria outros
e esta raridade se espacializa. Agora se tratam região, paysj e a paisagemjpaysagej" 7 . maneira efêmera. Consegue, assim, revelar aspec- fatores intervenientes importantes, como a cultu-
de raridades em termos de matérias-primas ou Desde o princípio, portanto, ainda na opinião tos singulares (temporais) de espaços e situações, ra e a história' 6 .
de fontes de energia localizadas em apenas algu- de Berque, a paisagem ocidental terá esta ambi- consistindo em um meio privilegiado de explora- Em seguida se invocou a ordem técnico-econô-
mas parcelas do globo 3• güidade de significados, se referindo tanto ao meio ção do real porque permite documentar, através mica como a verdadeira explicadora da região (ex-
Segundo Lefebvre 4 "na cidade e pela cidade ambiente em sua forma intrínseca, quanto a sua dos sentidos, e esclarecer algumas mediações que pressa pela paisagem) porque esta seria moldada
a natureza dá lugar à natureza segunda" através representação do ponto de vista de um sujeito. A nos religam aos fatos (ao real). A percepção capta em primeira instância, no capitalismo, por razões
da violência, do terror, da agressão e até mesmo partir do Renascimento "a Europa, doze séculos potencialidades virtuais em imagens reais de coi- econômicas gerais que determinariam e financia-
da destruição da natureza, engendra-se o espaço após a China, se tornará por sua vez uma civili- sas reais. Em relação às paisagens, a arte poderia riam as opções de ocupação.
mundial. Este espaço social tende a extrapolar a zação paisagista" 8. Mas enquanto na China, a pai- servir como testemunho, mas também ajudaria a Com a mundialização dos mercados, a gene-
imediação, mas o espaço anterior (que perma- sagem é, ao mesmo tempo, uma representação e explorar devires possíveis para o mundo que nos ralização das redes de trocas e a circulação exa-
nece imediato) não desaparece por completo, há uma presença, no Ocidente já cindido entre teoria cerca, tornando patentes processos que se encon- cerbada de mercadorias, pessoas e capitais pelo
sobrevivências da natureza primeira no seio da e prática (ou seja, entre pensar e fazer), a paisagem tram ainda latentes' 4 . território, as paisagens começam a perder seu va-
natureza segunda, no construído. As qualidades também significará um "dilaceramento da nature- A visão da Geografia nos instrui sobre realidades lor informativo tornando-se resíduos de regiões
espaciais têm uma gênese e uma sobrevivência so- za". A modernidade européia divide a paisagem em físicas, econômicas e técnicas expressas pelas naturais entre regiões econômicas de um mundo
bre uma base espacial anterior que lhes serve de dois modos incompatíveis: de um lado através dos paisagens. No interior desta ciência, entretanto, globalizado.
fundamento. A natureza, mesmo partida e separa- sentidos (a arte), de outro, pela razão (a ciência) 9. a palavra paisagem compreende desde uma Ainda segundo Béguin'7, a paisagem perma-
da, localizada, permanece o fundamento último, Mas "se há uma paisagemjpaysagej, foram os acepção imprecisa (e meramente visual) ainda neceria como uma espécie de memória onde se
irredutível do espaço sociaiS. camponeses jpaysansj que a modelaram, portanto, que fértil em possibilidades de aplicação prática, registraria e totalizaria a história das atitudes do
10
as comunidades aldeãs" • Como todas as obras, até o conceito rigoroso de "geossistema" (ou homem em relação à terra, o rosto que a superfí-
as paisagens foram modeladas pelo trabalho hu- seja, a paisagem-objeto da ciência da paisagem cie terrestre oferece à observação, composto por
mano ao longo da história. A descrição (ou leitura) soviética) que se reduz ao resultado de um overlay um mosaico de traços de sistemas há muito aban-
das paisagens é, então, necessária, mas não sufi- de representações espaciais que condensaria donados, em meio a testemunhos do estado atual
PAISAGENS FLUVIAIS E MEDIÂNCIA ciente. Para compreendê-las é preciso expô-las, dados técnicos: uma representação-síntese de um da ocupação dos solos.
explicar sua gênese no tempo, já que a paisagem sistema material bio-fisico-químico' 5, cujo rigor Para a visão da arquitetura, os edifícios são ele-
Recuando no tempo, Augustin Berque conside- é uma realidade que se concretiza através de uma acaba por comprometer sua aplicação em projetos mentos centrais na definição das paisagens. Na
ra a paisagem como tendo sido descoberta na Chi- praxis desenvolvida no tempo e engendrada pelo paisagísticos, onde a interação intersubjetiva é tradição da pintura paisagística pitoresca do sé-
na, pela primeira vez na história da humanidade, tempo. É preciso superar as descrições geográficas fundamental. culo XVIII, há já uma combinação estranha entre
no século IV de nossa era. Há em chinês várias do espaço-natureza e caminhar em direção a um Mesmo Von Humboldt considera importan- meio natural e edifícios construídos pelo homem.
palavras representando nuances em torno do sig- estudo dos ritmos naturais, da inscrição no espaço te examinar as variações aparentes da anatomia Trata-se, em geral, de uma arquitetura rústica,
nificado de paisagem, mas o termo mais genérico dos gestos humanos, de uma natureza transfor- terrestre, da mesma forma como os pintores en- campestre, onde, por vezes, ruínas da Antigüida-
seria "shanshui'', cuja tradução livre seria "monta- mada pela prática socialn. xergavam as paisagens. As paisagens foram, no de clássica ajudam a compor as telas, dando-lhes
' 6, 12
n h as e aguas . Para François Béguin haveria três interpreta- século XVIII, meios para geógrafos e geólogos um caráter melancólico' 8.
No Ocidente, a palavra e a noção surgem na Eu- ções significativas da paisagem: a dos artistas, a apreenderem unidades espaciais (regiões), onde No século XIX, começam a despertar interesse
ropa, a partir do Renascimento, em decorrência dos geógrafos e a dos arquitetos. relevo, hidrografia e vegetação poderiam ser con- as arquiteturas regionais, tendo como conseqüên-
de uma prática contemplativa em relação à nature- No primeiro caso, a pintura paisagística re- siderados globalmente e de forma integrada. cia as várias pesquisas geográficas e etnográficas
za que passa a ser efetuada de forma sistemática, nascentista dá à noção de paisagem seu primeiro No século XIX, Vidal de La Blache e Demange- sobre os patrimônios arquitetônicos regionais.
mas que é fruto de transformações espaciais con- significado. A partir do século XIX, através do Im- on ampliaram esta visão procurando encontrar as Nesta relação entre construções e paisagens, pode-
cretas importantes (isto é, datadas e localizadas) pressionismo, a pintura paisagística se aliará à lite- causas que explicassem a fisionomia de uma dada se, primeiro, inferir uma qualidade intrínseca das
que acontecem no campo e nas cidades, levadas a ratura e conhecerá um impulso formidável, haven- região. Entre elas, em primeiro lugar, estariam as construções em caracterizar regiões, climas e tra-
cabo por oligarquias urbanas italianas. O melhor do um reforço recíproco entre ilustração e texto' 3• geológicas e as climáticas, mas estas logo se reve- dições, já que são também "produzidas" historica-
mente pelo meio e se enraízam na terra. Segundo, "No ecúmeno, jisto é, no conjunto dos meios hu- te diferenciados: de um lado, a bacia sedimentar amplas e extensas planícies aluvionares do Tietê
paradoxalmente, nelas está também sempre pre- manos,/ as coisas só existem enquanto sua relação de São Paulo composta essencialmente por relevos e do Pinheiros, até formas bastante acidentadas,
sente uma sensação de atemporalidade, de valor com os sujeitos humanos lhes imprime um sentido que suavizados, contendo colinas e espigões tabulares compostas por montanhas.
seguro dos edifícios, contrapondo-se à variabilida- é uma mediância (ou seja, o sentido de uma socieda- com níveis escalonados, de outro, o seu entorno A área dos terrenos sedimentares conforma as
de do meio natural. de com seu ambiente exterior). Na paisagem, que é a rnais acidentado e muito mais abrangente em ex- denominadas Colinas de São Paulo. Estas, jun-
Ruskin insistia na necessidade de se conce- expressão sensível desta mediância, este "como ser" é tensão de área, constituído por rochas cristalinas tamente com a Morraria de Embu, constituem o
ber edifícios levando em consideração seu efeito um "ver como", que desdobra as formas materiais em pré-cambrianas. Planalto Paulistano · zona geomorfológica predo-
sobre a paisagem, pois não haveria construções jàrmas simbólicas" 21 • No conjunto, o relevo é bastante heterogêneo, minante em toda a bacia do Alto Tietê, ocupando
neutras. Estas ou enriqueceriam ou deteriora- com uma enorme variedade de unidades, desde as cerca de 6o% de sua área, distribuída predomi-
riam a paisagem 19 . A mediância deve ser considerada em seus três
Esta posição só foi perseguida no Movimento momentos, pois ela é ao mesmo tempo tendência,
Moderno de Arquitetura, por Frank Lloyd Wright, isto é, o sentido da evolução de um meio físico;
cujo testemunho principal continua a ser a casa sensibilidade comum, ou seja, uma mediação en-
de Edgar J. Kaufmann em Bear Run, na Pensilvâ- tre sujeito e objeto ou entre indivíduos e grupos, Figura 1 -Rio Tietê, traçado original. Mapa da SARA f 1928
nia, a Fallingwater (a casa da cascata) de I935· Para e uma significação subjetiva ou inter-subjetiva 22 •
além das utopias futuristas e expressionistas com Tais aspectos seriam os principais reveladores de
suas paisagens-máquina no espaço moderno, a uma paisagem.
arquitetura moderna seguiu a tendência majori- Expor a história da relação entre rios e cidades
tária representada por Le Corbusier e a Bauhaus seria então tentar compreender-lhes a mediância,
de se produzirem industrialmente os espaços ou auferir um valor a ela. Haveria segundo ele, cida-
(cidades e campos), o que conduziu, no segundo des com baixa mediância como a cidade de Tôkyô,
pós-guerra, ao espaço homogeneizado, fragmen- e com alta mediância, como é o caso de Paris.
tado e hierarquizado, característico do modo de Trataremos, a título de ilustração, de percorrer
produção estatista 20 • o destino de uma parte dos rios urbanos no sítio
Para a análise da paisagem de rios no Japão de São Paulo, iniciando com uma breve descrição
moderno, Berque propõe a noção-indicador de deste sítio que serve de base para a aglomeração
"mediância", vaga, mas de grande importância metropolitana, e um rápido histórico do proces-
para o paisagismo, que segundo ele, seria capaz so de urbanização e dos vários projetos técnicos
de apreender os descompassos entre sociedade e de engenharia elaborados para as calhas de seus
meio-ambiente. principais rios.
Se considerarmos a paisagem como metáfora
de uma sociedade, o problema que se coloca para
Berque é como explicar a pouca qualidade das
Figura 2- Rio Tietê, no mesmo local, após retificação em 1990
paisagens urbanas japonesas - em comparação
às cidades européias, por exemplo - frente ao oti- ESTUDO DO SÍTIO
mismo da identidade coletiva japonesa como país URBANO DA CIDADE DE SÃO PAULO
líder tanto em crescimento econômico como em
avanço tecnológico.
Esta noção trataria de uma "racionalidade me- Caracterização geomorfológica
sológica" (isto é uma racionalidade relativa à apro- da bacia do Alto Tietê
priação humana do meio natural) das paisagens,
duplamente determinada, pois a paisagem é um Segundo Delmar Mattes 23 , os traços geomorfo-
meio (entre sociedade, espaço e natureza), mas lógicos da bacia do Alto Tietê são caracterizados
guarda um sentido simbólico. pela presença de dois compartimentos nitidamen·
nantemente entre as altitudes de 715 e 9oom (Co- postas de 15 a 25m acima das planícies de uma influência marcante no desenvolvimento da sobre a bacia sedimentar de São Paulo. As planí-
missão da bacia do Alto Tietêj2ooo). As colinas inundação do Tietê e Pinheiros (Praça. da Re- morfologia da região, controlando o entalhamento cies aluviais são encontradas junto às margens dos
de São Paulo se desenvolvem tanto sobre os se- pública, Santa Ifigênia, Campos Elísios, Jardim da drenagem e a extensão das planícies aluviais. rios e córregos, e estão por isso sujeitas a inunda-
dimentos da bacia de São Paulo como nas áreas Europa- cotas 740 a 745 m) ções periódicas.
pré-cambrianas mais próximas, enquanto que a (5) Baixas colinas terraceadas contígüas aos pri- Os terraços fluviais relativamente enxutos
morraria de Embu ocupa os terrenos cristalinos ao meiros terraços fluviais (Itaim, Pq. São Jorge A rede de drenagem acompanham de forma descontínua as principais
sul, leste e oeste. As duas subunidades possuem -cotas 730 a 735m) baixadas dos rios, são levemente inclinados e en-
padrões de relevo distintos: enquanto nas colinas (6) Terraços fluviais de baixadas relativamente A rede hidrográfica da bacia do Alto Tietê nasce contram-se a poucos metros (3 a 7 metros, segun-
de São Paulo predominam sistemas de colinas e enxutas. (Áreas típicas: Brás, Pari, Canindé, nas vertentes continentais cristalinas da Serra do do Ab'Saber) acima das planícies de inundação.
pequenas áreas de morrotes, situadas entre as al- Presidente Altino, Jardim América, Pinheiros, Mar e segue em direção ao Planalto Paulistano, No trecho entre Penha e Os asco podemos ob-
timetrias de 700 e 83om, na morraria de Embu Vila Nova Conceição, Itaim, Santo Amaro e condicionada pelo efeito de algumas soleiras ro- servar duas planícies de inundação distintas 27 ,
predominam morrotes, colinas e morros, que os- Lapa -724 a 73om); chosas, em especial a soleira granítica de Barueri, uma entre 719 e 722m, sujeita a inundações anu-
cilam entre as cotas de 8oo e rooom. (7) Planícies de inundação, formadas por aluviões limite físico responsável pela formação da bacia ais e outra entre 722 e 724 m, sujeita apenas a
Nas demais porções da bacia também há formas recentes, sujeitas a inundações periódicas, zo- sedimentar de São Paulo. grandes cheias.
mais acidentadas, destacando-se especialmente nas largas e contíguas (722 a 724m) Os afluentes de maior área de contribuição A drenagem meândrica do Tietê, com suas
morrotes, morros e serras. No setor setentrional (8) Planícies de inundação, formadas por aluviões para o Tietê são o Aricanduva, o Tamanduateí e o extensas e amplas planícies aluviais excepcional-
da bacia (na subzona da serraria de São Roque, recentes, sujeitas a enchentes anuais, zonas de Pinheiros pela margem esquerda, e o Baquirivu- mente contínuas, tinha larguras que oscilavam
28
por exemplo) são encontrados sistemas monta- banhados marginais e meandros abandonados Guaçu, o Cabuçu de Cima e o Juqueri, pela mar- entre 1,5 a 2,0 km , e se estendiam por mais de
nhosos (as Serras Alongadas) com declividades (718 a 722m). gem direita. 6o km, desde a confluência com o rio Paraitin-
médias altas e amplitudes locais acima de 3oom. Predominam na bacia os padrões dendríticos ga até a soleira de Barueri. A várzea do Pinheiros,
A rede de drenagem - cujo principal rio coletor O rio Tietê possui uma extensa e ampla faixa e paralelos, para os afluentes. Podemos notar o bastante semelhante, possuía 20 km de extensão
é o Tietê e seus principais afluentes, os rios Pi- aluvial disposta no sentido leste-oeste, que pode padrão paralelo nos córregos Aricanduva, Tatua- e largura entre r e 1,5 km.
nheiros e o Tamanduateí- é acompanhada de pla- ser observada na planta de São Paulo. Ainda se- pé, Tamanduateí, Anhangabaú, Pacaembu e Água As planícies aluviais do Tietê possuíam (e ainda
nícies aluviais bastante desenvolvidas nos cursos gundo Aziz Ab'Saber (em depoimento dado no li Branca. O padrão dendrítico, é mais comum em possuem a montante da barragem da Penha) um
d'água maiores, na forma de terrenos baixos, mais Concurso das Águas) 25 , a proporção mais usual porções de rochas cristalinas e pode ser encontra- cinturão meândrico envolvendo o canal, de largura
ou menos planos ao longo de suas margens. Pla- entre tamanho do rio e sua planície é rfr8. Em do no Baquirivu-Guaçu, Cabuçu de Cima e Cabu- entre 200 e 400 me abrigando pântanos, áreas bre-
nícies menores podem ser encontradas, de forma São Paulo, essa proporção chegava a rj4o, sendo çu de Baixo. josas, lagos em ferradura e meandros em desuso.
dispersa, ao longo da rede da drenagem regional, que a quase totalidade das planícies está recoberta O rio Tietê, entre Guarulhos e Osasco, possuía
26
integrando as feições geomorfológicas que com- pela mancha urbana . originalmente, através de seus meandros, 46.po
põem o relevo da bacia do Alto Tietê. metros de extensão e, após sucessivas canalizações, Processos de erodibilidade e sedimentação
Aziz Nacib Ab'Saber24 classifica a geomorfo- passou a ter apenas 26.ooo metros (Fig. r e 2).
logia do sítio suporte da região metropolitana de As soleiras rochosas Segundo o geólogo Arnaldo Kutner 29 , a bacia
São Paulo em 8 situações típicas: do Alto Tietê apresenta um elevado potencial de
As planícies da capital têm sua gênese relacio- Várzeas: Planícies aluviais e terraços fluviais re- produção de detritos sólidos. O elevado poten-
(r) Altas colinas de topo aplainado do espigão cen- nada às atividades erosivas desenvolvidas após o lativamente enxutos cial de erodibilidade da região é proveniente dos
tral (Av. Paulista, Av. Domingos de Morais); enchimento da bacia sedimentar, iniciadas no iní- efeitos de conformação geomorfológica, além das
(2) Altas colinas de rebordos dos espigões centrais cio do Pleistoceno ou do Holoceno. Seguindo uma O termo várzea (várzea de inundação) corres- grandes espessuras e da estruturação dos solos
(colinas do Sumaré, da Aclimação); evolução global, teria ocorrido o encaixamento do ponde às planícies aluviais sujeitas a inundações constituintes. Acresça-se a tais condições naturais,
(3) Patamares e rampas suaves escalonados dos rio após a formação de patamares intermediários anuais e aos terraços fluviais relativamente enxu- a ação antrópica de ocupação urbana, que envol- -
flancos do espigão central perpendiculares ao entre as cotas 745 e 75om, isto é, entre as antigas tos, submetidos a inundações menos freqüentes e veu grande volume de desmatamentos e terrapla-
eixo do divisor Tietê-Pinheiros (Lins de Vascon- planícies fluviais. Os avanços dos processos ero- localizados em posições mais elevadas dos fundos nagens, não se observando normas básicas para
celos, Liberdade, Brig. Luis Antonio, Consola- sivos que promoveram o encaixamento do Tietê achatados dos vales. a preservação dos solos. Isto nos dá uma idéia do
ção, Angélica, Cardoso de Almeida, Pompéia); acabaram atingindo as rochas do embasamento São resultantes da esculturação morfológica do estado preocupante em que se encontra o proces-
(4) Colinas tabulares de nível intermediário dis- cristalino; as soleiras rochosas tiveram, então, sistema de drenagem do Tietê e de seus afluentes so de sedimentação na cidade de São Paulo.

RIOS E PAISAGENS URBANAS .• 83


Um dos aspectos mais destrutivos da ocupação comercial que a cidade exerce entre o interior e o extensão, junto ao leito dos rios, potencializou a nidas, em função do baixo custo e da topografia
ocorre durante as obras de implantação de lotea- Porto de Santos3'. aparição de vilas operárias, por outro lado, o fe- suave. As várzeas deixariam de ser os "fundos" da
mentos (em sua maior parte, irregulares). A remo- O século XIX marca um período de reorganiza- nomenal incremento populacional provocou uma cidade, isto é espaços antes utilizados para recrea-
ção dos horizontes superficiais dos solos residuais, ção econômica no Brasil, com a introdução da agti- conurbação da cidade com esses novos pólos de ção, pesca, plantação de hortas e lavagem de rou-
e a exposição dos horizontes inferiores, geralmen- cultura de exportação (açúcar e café). A cultura de crescimento. As chácaras que envolviam a área pas. A implantação das avenidas de fundo de vale
te mais friáveis e erodíveis, potencializa este pro- cana se concentra em região tributária da capital, central aos poucos foram sendo loteadas, configu- representava importante mudança nas referências
cesso de acúmulo de material nos corpos d'água. mas, em relação ao café, São Paulo perderá momen- rando este "mosaicd' de loteamentos com diferen- espaciais da cidade, unindo loteamentos antes
O processo de ocupação urbana implicou tam- taneamente a hegemonia econômica para o Rio de tes desenhos viários, característicos da cidade. separados por córregos e trazendo uma grande
bém na produção de lixo e entulho que são lança- Janeiro. Isto até meados do século XIX, quando a As grandes cheias ocorridas durante o século quantidade de pessoas e mercadorias circulando
dos diretamente nas encostas e nos cursos d'água. terra roxa, e não mais o vale de Paraíba, atrairá as XIX, bem como o déficit na coleta de esgotos por estas modernas vias. Tais avenidas passaram a
Estes detritos são então captados pela rede hidro- fazendas de café para o oeste da província. (presente até hoje) foram causadores de diversas abrigar usos diversos, depósitos, estabelecimentos
gráfica e carreados rapidamente para jusante, as- A partir da produção café, uma rede de estra- epidemias, sendo que a maior delas se deu em comerciais e de serviços, pela situação estratégica
soreando os cursos d'água nos trechos de menor das de ferro (e posteriormente de estradas de ro- r855, quando a cidade sofreu um grave surto de que ocupavam.
velocidade e profundidade. dagem) se desenhará na carta do estado de São cólera. A conjugação de canais e vias marginais tor-
Para Kutner, o intenso assoreamento verificado Paulo "como uma vasta mão espalmada32 ". Isto Deste fato decorre a característica principal da nou-se a prática urbanística recorrente para ocu-
no lago da barragem da Penha, após cerca de 4 ou possibilitará a São Paulo, como o lugar central de primeira fase das intervenções nos cursos d'água pação das várzeas na cidade de São Paulo. O bi-
5 anos, quando esta entrou em operação, consti- um sistema hidrológico (isto é, um sistema de co- paulistas, denominada de "fase higienista". Entre nômio saneamento/vias públicas enraizou-se na
tui um bom exemplo da intensidade com que este municações), que viabilizou até agora a coloniza- meados do século XIX e a década de 1920, foram administração municipal e metropolitana como
processo pode se desenvolver. ção, manter sua supremacia, pois comandará uma retificados diversos trechos do Tamanduateí e maneira eficiente do poder público resolver vários
extensa região, além de permitir, pela sua topogra- do Tietê, visando, sobretudo, o saneamento e problemas simultaneamente. Posteriormente, isto
fia, um acesso relativamente fácil ao litoral. Estes o controle das enchentes (e das epidemias) na ainda foi associado a programas de relocação habi-
rios, o curso encachoeirado do Tietê, e o desnível cidade 36 (Fig. 3). tacional de populações invasoras das margens de
da Serra do Mar, fornecerão ainda a força hidráuli- rios, o que possibilitava à administração pública
BREVE HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO E DAS INTERVENÇÕES ca que permitirá seu desenvolvimento urbano-in- marcar presença, "saneandd', ambientalmente e
EM FUNDO DE VALE NA CIDADE DE SÃO PAULO dustrial nos séculos XIX e XX. A fase das canalizações e socialmente, vários setores da cidade com conse-
das avenidas de fundo de vale qüente dividendos políticos.
Os jesuítas fundaram a vila de São Paulo de Pi- Destaca-se, na década de 70, a retificação dos
ratininga no século XVI, em uma colina situada A fase higienista A expansão da mancha urbana pressionou a rios e a implantação nas maiores várzeas paulista-
entre os rios Tamanduateí e o Anhangabaú. Do ocupação das planícies. Os grandes planos que nas das vias marginais ao rio Tietê e Pinheiros, e a
Pátio do Colégio, marco zero da cidade, já podiam Um crescimento comedido daria lugar a uma ex- nortearam a produção do espaço da cidade de- retificação-canalização do rio Tamanduateí para a
ser avistadas as amplas planícies descampadas do plosão demográfica observada nas primeiras déca- terminariam a ocupação destes novos espaços. O construção, sobre ele, da avenida do Estado.
Tamanduateí e Tietê, rios que se constituirão por das do século XX; fala-se inclusive em uma terceira Plano de Avenidas, apresentado por Prestes Maia Em meados da década de 8o, o PROCAV (Pro-
muito tempo em limites físicos da cidade ao nor- fundação da cidade33 . De fato, a população paulis- em 1929, introduziu o conceito de "cidade efi- grama de Canalização de Córregos, Implantação
te e a leste. A própria cidade deve a sua condição tana que em r874 era de 23.253 habitantes, passou ciente"37, sugerindo um sistema radioconcêntrico de Vias e Recuperação Social e Ambiental de Fun-
de centro de uma região pobre pelo fato de estar a 579.033 habitantes em 192034 , caracterizando de vias arteriais par::: resolver o iminente colapso dos de Vale), implantado pela PMSP a partir de
situada próxima a rios (ao contrário de sua rival um surto de crescimento urbano sem precedentes. da circulação de transportes na cidade, através de 1987, representa o auge das intervenções de ca-
Santo André da Borda do Campo, a primeira vila Acresça-se a isto a r" Guerra Mundial, que fez com um conjunto de túneis, viadutos e avenidas de nais entre vias de fundo de vale.
do planalto) 30 . que aumentasse enormemente o número de imi- talvegue (Fig. 4). Apesar das inegáveis melhorias (algumas certa-_
No século XVII, toda a capitania passa por grantes da Europa e posteriormente do Japão 35 . O caráter rodoviário dos Planos Moses (1950) mente discutíveis) quanto ao saneamento, à habi-
um processo de decadência, já que a atividade da A crise de 1929 mudou o foco da economia da e Sagmacs (1957), contratados pela prefeitura de tação e ao tráfego, esse programa trouxe consigo
Colônia se volta para a extração das minas e há cafeicultura para as indústrias urbanas e o adven- São Paulo, reafirmaria a necessidade destas ave- vários problemas intrínsecos, como por exemplo,
uma queda geral na atividade agrícola. O desen- to da ferrovia estimulou a tendência da cidade a nidas de fundo de vale, consolidada na publicação a supressão das várzeas dos rios e a impermeabi-
volvimento de São Paulo, até o fim século XVIII, ocupar as planícies circundantes. Se a implanta- do Plano Urbanístico Básico em 1969, que reco- lização de suas áreas verdes, com a conseqüente
é impulsionado apenas pela função de entreposto ção das estradas de ferro e de indústrias na sua mendava o uso dos vales como suporte das ave- intensificação das enchentes.
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56,0
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42,80
224,0

Figura 3- Projeto da Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê, Saturnino Brito, 1924/25 Figura 4- Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo de Prestes Maia (19301: Retificação do Rio Tietê

A fase de reservação
O plano restringia os impactos à jusante de cada XIX e de forma mais aguda nas décadas de 70 e
O aumento da recorrência das enchentes, es- A partir desta experiência bem sucedida, a Prefei- bacia, estabelecendo vazões de restrição para cada 8o, ou seja, a utilização das canalizações rápidas e
pecialmente nas grandes planícies do Tietê, do tura de São Paulo, o Comitê da bacia do Alto Tietê e o sub-bacia, ou seja, vazões máximas que poderiam vias em fundos de vale.
Pirajuçara, do Tamanduateí e do Aricanduva, de- Departamento de Águas e Energia Elétrica passaram ser despejadas pelos afluentes. Também orientava O estudo da (sub)bacia do Aricanduva é inte-
monstrou as falhas do modelo anterior de ocupa- a orientar a implantação de reservatórios de amorte- a localização dos reservatórios, através de um es- ressante por ter sido a primeira a ser objeto de
ção das várzeas através de canalizações rápidas de cimento em várias bacias: do Tamanduateí, do Ari- tudo de áreas públicas disponíveis ou, em última um estudo de macrodrenagem urbana no Brasil,
córregos. Tal modelo tornou as enchentes mais canduva, do Pirajussara e do Cabuçu de Baixo. instância, desapropriáveis a baixo custo. a partir de meados da década de 90. Nesta sub-
freqüentes, além de transpô-las para jusante, não Entre 1998 e 2002, o DAEE (Departamento de bacia, foram estudadas soluções para equacionar
resolvendo na essência o problema das inunda- Águas e Esgotos do Estado de São Paulo) contrata as enchentes, problema criado basicamente pela
ções, que se resume em reduzir o déficit de áreas o consórcio Enger-Promon-CKC para executar um impermeabilização do solo e pela eliminação das
de armazenamento de águas nas cheias, onde es- estudo que analisasse a bacia do Alto Tietê segun- várzeas dos rios, causado pelas canalizações rápi-
38
tas foram suprimidas pela ocupação. do as perspectivas de expansão da mancha urbana Ü CASO DA SuB-BACIA DO RIO ARICANDUVA das de corpos d'água.
Em 1992, é inaugurado o primeiro reservatório de metropolitana, o Plano Diretor de Macrodrenagem
amortecimento de cheias em São Paulo, sob a praça da bacia do Alto Tietê.
Charles Miller, no Pacaembu, que ficou conhecido Este plano definiu as premissas básicas para as Intervenções e perspectivas A cultura das canalizações e vias marginais
como "piscinão". Este reservatório introduziu um principais sub-bacias afluentes ao Tietê, conside·
novo conceito de drenagem urbana, o da sustenta- rando as características da calha aprofundada de· As intervenções na sub-bacia do Aricanduva re- As retificações sanitaristas que ocorreram fre-
bilidade das bacias quanto ao amortecimento das pois das obras serem concluídas, e o volume dos fletem o padrão de urbanização praticado nas vár- qüentemente nas primeiras décadas do século XX
cheias, evitando-se o seu impacto a jusante. reservatórios já existentes. zeas da Grande São Paulo desde o fim do século nos rios Tietê e Tamanduateí eliminaram seus

86 _RIOS E PAISAGENS URBANAS RlDS E PAISAGENS URBANAS_ 87


meandros naturai" e as características originais de A partir de 1987, a cnaçao do PROCAV da Os afluentes também sofreram canalizações, Este cenário foi sendo agravado ano após ano,
suas várzeas. Mesmo depois das primeiras evidên- PMSP reafirmaria este padrão de intervenções como foi o caso do córrego Rincão (na década de o que resultou nas graves ocorrências verificadas
cias de piora da qualidade da água, os meandros e com canais velozes e vias de fundo de vale. 7o, pela Prefeitura Municipal de São Paulo e pos- todos os verões, acarretando enormes prejuízos,
as matas ciliares continuaram a ser vistos, parado- teriormente, pelo metrô e pela PMSP em conjun- tanto às populações ribeirinhas, com grandes per-
xalmente, como problemas e não como soluções. to, em 1985) e seu afluente, o córrego Gamelinha, das materiais e riscos à saúde pública, quanto aos
As freqüentes inundações - intrínsecas às caracte- As primeiras obras de no início da década de 1990. usuários da avenida Aricanduva e suas transver-
rísticas morfológicas do suporte físico-hidrológico canalização e seus efeitos Os principais afluentes do rio Aricanduva pela sais, das avenidas Radial Leste e Itaquera, totali-
da cidade - e o crescente despejo de esgotos nas margem esquerda, ou seja, os córregos Taboão, zando uma enorme área afetada.
águas induziram a soluções de "obras de melho- As obras de canalização e melhorias hidráulicas Inhumas e Machados, passaram a ser objeto de Em certos eventos, as inundações chegaram a
ria", cujo objetivo era escoar as águas para longe, e na (sub)-bacia do Aricanduva iniciam-se na década intervenção do PROCAV a partir de 1995, quando prejudicar até mesmo o tráfego dos trens do me-
o mais rápido possível. de 70, com a canalização do trecho da sua foz até as foram iniciadas as obras de canalização em seu cur- trô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Me-
Essa prática continuou com os grandes planos imediações da avenida Radial Leste. Entre 1976 e so inferior. tropolitanos), pois estes cruzam o córrego Arican-
que referendaram a produção do espaço na cida- 1984, a EMURB (Empresa Metropolitana de Urba- Com a gradual mudança do comportamento duva, paralelamente à avenida Radial Leste.
de. O Plano de Avenidas, apresentado por Prestes nização) realiza obras de implantação de vias mar- hidrológico da sub-bacia devido, principalmente,
Maia em 1929, introduziu a necessidade das ave- ginais e a canalização em gabião do rio até a avenida à redução dos tempos de concentração e conse-
nidas de fundo de vale, o que foi posteriormente Afonso de Sampaio e Souza. O metrô continuará qüente aumento dos picos de vazão e dos pontos Os primeiros reservatórios
consolidado na publicação do PUB, em 1969. Na as obras até a avenida Ragheb Chohfi, entre 1987 e de alagamento, as inundações passaram a ter uma nas cabeceiras e as melhorias na foz
década de 70, há a retificação e a implantação das 1988. Deste ponto até as cabeceiras, as intervenções periodicidade praticamente anual, sendo provoca-
Marginais no rio Tietê e Pinheiros e a canalização se restringem à retificação de alguns sub-trechos, das em sua maior parte, por chuvas com duração Devido a estes sérios problemas de inundação,
global do Tamanduateí. mantendo-se em geral a calha natural do rio. entre 30 e 120 minutos. em meados da década de 1990, a Prefeitura Mu-

Figura 5 - Reservatório Rincão - Bacia do Aricanduva - 2002, Foto Adriano Estevam Figura 6- Bacia do Alto Tietê: Sub-bacia do Aricanduva. Elaboração Adriano Estevam, a partir do IPT. s/ escala

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Pontos de inundação

Mancha urbana

RIOS E P~1ISf1CENS URBnNnfL 89


Os cinco piscinões somaram cerca de L40o.ooo que causam enormes congestionamentos com re- Figura 8- Rio ltachigawa em Yokohama, antes da restauração
nicipal de São Paulo, juntamente com a realização
m3 à capacidade inicial de reservação. Para uma chu- percussões negativas na economia da cidade e pre-
de obras de melhoria na canalização existente no
va de recorrência de ro anos, no final do tr·echo, na se- juízos à saúde pública das populações ribeirinhas,
trecho inferior, iniciou a implantação de reserva-
ção efluente do reservatório Aricanduva 3 (RAR3). os onde as águas já estão contaminadas. Para atenu-
tórios de amortecimento de cheias, os "piscinões",
picos de cheia calculados foram reduzidos de r6sm3f ar estes efeitos negativos foram tomadas duas me-
no terço superior da bacia (denominado de Alto
s para 24m3 js, com a presença dos reservatórios. didas principais pelas atuais administrações esta-
Aricanduva). Foi planejada a implantação de cinco
Essas obras foram concluídas no final de 1998, dual e municipal: o aprofundamento da calha do
reservatórios de detenção, sendo três ao longo do
antecedendo o período chuvoso 98/99. rio Tietê e a construção de vários reservatórios de
curso superior, e os outros nos córregos Limoeiro
O programa de implantação deste conjunto de contenção de águas em córregos e rios tributários.
e Caaguassu, afluentes da margem esquerda do
reservatórios do Alto Aricanduva foi pioneiro no Estas intervenções dão uma nova feição à cidade.
Aricanduva. Foram ainda previstas obras de me-
país, para o controle integrado de enchentes em Pelo bem e pelo mal.
lhoria hidráulica no canal do Aricanduva, como o
sub-bacias urbanas (Figs. 5· 6 e 7). Justamente no Japão, sobretudo em Tóquio, a
alteamento de pontes e a remoção de lajes de co- 42
cidad~ de baixa mediância de Berque , Tôkyô-la-
bertura nas proximidades da foz.
Laide", a partir da década de 70 foram projetados
A implantação deste programa sofreu diversas
os primeiros rios-parque aquafílicos (shinsui) no
interrupções, tendo sido finalizado pela PMSP/
distrito de Edogawa, que a princípio se constituí-
SIURB (Secretaria Municipal de Infra-estrutura
CoNSIDERAÇÕEs FINAIS ram em parques lineares sobre córregos com o in-
Urbana), com a conclusão dos reservatórios Ari-
tuito de refamiliarizar as crianças com a presença
canduva 2 e Aricanduva 3- O reservatório Aricandu-
Através desse breve recuo histórico, tentamos da água. Antigos córregos foram destamponados
va r e os reservatórios Limoeiro (RLir) e Caaguaçu
descrever o processo de perda gradativa da relação ejou renaturados para que se pudesse restabelecer
(RCAr) já haviam sido concluídos anteriormente.
entre a cidade e seus rios, rios estes que foram res- neles a fauna e flora originais. Nas primeiras expe-
ponsáveis pela sua própria condição de primeira riências, entretanto, só se pretendeu a despoluição
metrópole brasileira. dos rios e um tratamento paisagístico adequado. Figura 9- Rio ltachígawa restaurado, 1980. Acervo Napplac/FAUUSP
39 Na década seguinte, foi introduzido para os rios
Até a década de p, segundo Caio Prado Jr.
São Paulo era uma cidade de ladeiras e viadutos. urbanos um desenho ecológico, com uma nova ótica
Figura 7 -Obras na calha do rio Tietê- 2005, Foto Adriano Estevam
Devido a sua topografia e hidrologia, "a cidade sobre o ambiente natural das vias fluviais, preocu-
acabará com um verdadeiro sistema completo de pada com as determinantes ecológicas do desenho
vias públicas suspensas o que lhe emprestará um paisagístico. Como exemplo, temos na cidade de
caráter talvez único no mundo 40 ". Ainda segundo Yokohama, os rios Itachigawa43 e Izumigawa. Esta
Caio Prado, "os antigos cursos d'água, sumidos tendência tem caracterizado a recente restauração
em canalizações subterrâneas ou represados em de rios urbanos no Japão.
leitos de cimento e pedra, estarão ainda aí, seja no Em relação às paisagens fluviais paulistas,
acidentado da topografia por eles esculpida, seja também é chegado o momento de superar a
no traçado das ruas e avenidas, cujas linhas mes- intervenção puramente quantitativa da engenharia
tras serão sempre estas grandes vias que acom- e caminhar em direção à criação de espaços que,
panham, como as velhas estradas do São Paulo além de resolver problemas viários e de saneamento
quinhentista, os espigões, ou o fundo dos vales, básico, consigam propor uma nova apropriação
saltando por pontes as escarpas mais abruptas ou social para estas áreas, levando em conta a estética
varando-as por túneis" .
41 e a dimensão ecológica, cultural e afetiva que está
Atualmente, os principais afluentes do Tietê na sempre contida nas paisagens fluviais urbanas.
região central de São Paulo estão canalizados ou
tamponados. Isto tem causado vários problemas
durante a época de chuvas de verão, tais como ala-
gamentos generalizados das vias em fundo de vale
NoTAs 27- Cf. Ab' Sáber, Aziz Nacib, op.cit. 39- Prado )r., C., op. cit. p. 77

r- Veja-se noção de fluvialidade em Oseki, j .H. "La fluvialité des 15- Veja-se Rougerie e Beroutchachvili, 1991. 28- Cf. Ab'Saber, Aziz Nacib, 1978 40- Idem
fleuves urbains" in Ostrowetsky, S. ed. Lugares, d 'un continent
l 'autre ...perception et production des espaces publics, L'Harmattan, r6- Berque, op. cit. 29- Arnaldo Sérgio Kutner participou como geólogo do 41- Ibidem
Paris, 2001 e Oseki, ).H. "A Fluvialidade no Rio Pinheiros: um Plano Diretor de Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê,
projeto de estudd', revista Pós n. 8, dez 2000, FAUUSP 17- Béguin, idem desenvolvido pelo Consórcio Enger-Promon-CKC para 0 42- Berque, A. Daruma, 1998
DAEE - Departamento de Âguas e Energia Elétrica do Estado 'Tóquio-a- Feia
2- Em uma pesquisa desenvolvida na FAUUSP, dentro do r8- Béguin, ibidem de São Paulo.
NAPPLAC, da qual participaram, entre outros, os profs.drs. 43- A reforma do rio ltachi, na cidade de Yokohama (r982),
Lucrécia D. Ferrara, Marlene Picarelli, Maria Ângela F. P. 19- Béguin, ibidem 30- "Combinam-se de tal forma rede hidrográfica e relevo, revelou as formas naturais do rio. Este rio atravessa uma
Leite, Yvonne M.M. Mautner e Paulo M. Pellegrino. ambos determinantes da expansão demográfica paulista, área residencial em Yokohama; trata-se, portanto, de um rio
20- Cf. Lefebvre, La Production de l' Espace, op. cit.,1974 para darem a São Paulo a primazia do cenh·o do povoamento urbano com cerca de 18m de largura e 3m de profundidade.
3- Cf. Lefebvre, H. La Production de I: Espace, Paris, Anthropos, do planaltd' Prado j r. Caio A cidade de São Paulo: geografia e Foram utilizados materiais naturais, para conservar a
21- Cf Berque, Augustin "La forme de Tokyo: parler du história, São Paulo, Brasiliense, 1983 aparência original e não foram construídas proteções nas
1986, p. 350 e 379-80.
paysage, c'est le fàire" in Lígeia n. 19-20, oct. 96, juin 97· margens do rio, abaixo do nível d'água. Na linha marginal à
4- Lefebvre, H., La Pensée Marxiste et la Ville, Paris, Tournai, 31- Prado )r., Caio, op. cit.
água foi feito um aterro de curvas brandas, e no canal embaixo
Casterman, l978, p. 8r. 22- Berque, A "Le sens de la riviêre: nature et simulacres à da água, foram fincadas estacas de madeira para a formação
Tôkyô, fin de siêcle" in Berque, A org. La Ma!trise de la Ville: 32- Frase de Teodoro Sampaio, citado por Prado )r, C., op. cit., de poços e correntezas, com a finalidade de se reconstituir o
5- Lefebvre, H, La Production de !'Espace, op. cit., p 265-7 urbanité française, urbanité nippone Études japonaises 2, Paris: P·47 ecossistema primitivo. Veja-se Shimatani, Y., op. cit.
Éd. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1994
6- Berque, Augustin. "Â f Origine du Paysage" in Les Camets 33- Em duas décadas, a população dobra (1872 a 1890) para,
du Paysage n°1, printemps, Actes SudjENSP,1998 23- Mattes, D. "O espaço das águas: as várzeas de inundação na década seguinte, quadruplicar. Segundo Ernani da Silva
na cidade de São Pauld', Dissertação de Mestrado, FAUUSP, Bruno "de um burgo de estudantes a cidade se transforma
7- Cf. Lefebvre, H. De fÉtat, t IV, Paris: UGÉ jro-18, 1978, p São Paulo, 2001 em metrópole do café", citado por Matos, Odilon Nogueira BIBLIOGRAFIA
285 e 410 "A cidade de São Paulo no século XIX", in Revista da História,
24- Ab'Saber, Aziz Nacib, Geomo1jologia do Sítio Urbano de São SP, (21/22):89-125, jan-jul, 1955. AB'SABER, Aziz Nacib Geomorfologia do sítio urbano de São
8- CfBerque, A., op.cit., p 135 Paulo- Tese de Doutorado- FFLCH/ USP- São Paulo, 1956 Paulo, Tese de doutorado, FFCL USP, São Paulo, 1957
34- Langenbuch, jurgen Richard, A Estruturação da Grande
9- Berque, idem, p 137-8 25- Cf. II Concurso das Águas: "Concurso Público Nacional São Paulo- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
São Paulo Ensaios Entreveros, São Pau-
de Idéias para o Melhor Aproveitamento das Âguas da -Rio de janeiro, 1971 lo: EDUSP/ Imprensa Oficial, 2004
ro- Lefebvre, H La Production de !'Espace, op. cit., p 137 Região Metropolitana de São Pauld', PMSP, Consórcio
Intermunicipal das bacias do Alto Tamanduateíf Billings, 35- Veja-se "A abolição da escravatura e a grande imigração BÉGUIN, François Le Paysage, Paris: Dominos, Flammarion,
n- Idem, p139 SBPC, São Paulo, 1992 (1886j88)" em Martins,). S., O Cativeiro da Terra, LECH, São l995
Paulo, 197 9

12- Béguin, François Le Paysage, DominosjFlammarion, Paris, 26- Almeida identifica quatro tipos básicos de relevo, baseando-se BERQUE A, "Le Sens de la Riviere; nature et simulacres à
1995 na constituição litológica do Planalto Paulistano: Serras e Morros 36- Veja-se Brito, Saturnino de "Defesa contra Inundações" Tôkyô, fin de siêcle" in La maftrise de la Ville: urbanité française,
Isolados (sustentados por granitos), Morros e Cristas Quartzísticas, in Obras Completas 23 vols., vol. XIX, Ministério da Educação urbanité nippone Berque, A. (dir.), Paris: École des Hautes Étu-
13- No nosso caso conviria ressaltar o papel das pinturas dos Morros Alongados, Colirws e Cristas Monoclinais (mantidas por e Saúde, Imprensa Nacional, Rio de janeiro 1943-44 des em Sciences Sociales, 1994.
viajantes europeus nas expedições exploratórias científicas no filitos, micaxistos e gnaisses micáceos) e Espigões Ramijicados e
Colinas Amplas (sustentados por rochas sedimentares da bacia 37· Cf. Villaça, F., 2001
mesmo século, que nos deram uma primeira imagem (ainda - - - - · "La Forme de Tôkyô: parler du paisage, c'ést le
que talvez eurocêntrica) de nós mesmos, em nosso espaço. de São Paulo). Cf.Almeida, F.F.A.- Fundamentos Geológicos do faire" in Ligeia n 19-20, Paris, octobre 1996 juin 1997
Relevo Paulista, Instituto Geográfico e Geológico do Estado de 38- Esta bacia será objeto de estudo da dissertação de
São Paulo. Vol. 41, 1964, pp.168 mestrado de Adriano Estevam.
14- Cf. Béguin, op.cit
_ _ _ _ , "À f Origine du Paisage" in Les Camets du Paysage PRADO Jr., Caio A cidade de São Paulo: geografia e história, São RIBEIRÃO PRETO: OS VALORES NATURAIS
n°.T, printemps 1998, Arlesl Tolouse, Actes Sud I École Nationa- Paulo: Brasíliense, 1983
!e Supérieure du Paysage E CULTURAIS DE SUAS PAISAGENS URBANAS
ROUGERIE, G. & BEROUTCHACHVILI, N. Géosystemes et
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São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH IUSPIDG, SãoPaulo, Cristiane Rose de Siqueira Duarte
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meandros do poder: Tietê e Pinheiros, valorização dos rios e das "( .. .)As águas risonhas, os riachos irônicos, as cascatas ruidosamente
LEFEBVRE H., La Production de L' Espace 3 éd. Paris: Antrhpos, várzeas na cidade de São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH 1 alegres encontram-se nas mais variadas paisagens literárias.
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(Bachelard, 1998:;5)
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_ _ _ _ _ , La Pensée Marxiste et la Ville 3 éd. Tournai,
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cadas por autores de disciplinas variadas, tem
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vraria Editora Ciências Humanas, 1979 Os processos naturais e sociais de um determi-
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2001 passa a ser estudado através da experiência huma-
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Paisagem), Tóquio, Chúô Koronsha, 1994 Esta visão permitiu o reconhecimento dos rios
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NUNES, Mônica Balestrin A configuração espacial da várzea do Penning -Rowsel & Burgess, 1997).
rio Tietê: a região da Água Branca e as áreas municipais, disserta- Com o intuito de compreender a dinâmica das
ção de mestrado, FAUUSP, 2004 paisagens ribeiras urbanas, buscamos revelar a
importância dos valores ambientais, estéticos, so-
OSEKI J. H., "La Fluvialité des Fleuves Urbains" in OSTRO- ciais e culturais existentes nos seus espaços livres
WESTSKY, Sylvia ed. Lugares, d' un Continent l' Autre ...percep- públicos. Tais valores vêm sendo descartados pelas
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te quando os espaços livres envolvem os peque-
_ _ _ _ , "A ftuvialídade no rio Pinheiros: um projeto de nos rios. O ribeirão Preto, como exemplo de um
estudd', in Pós 8, dez 2000 processo de degradação gerado principalmente a
partir do descaso do poder público com o sistema
_ _ _ _ , "O único e o homogêneo na produção do espaço" natural, foi o nosso estudo de caso. Cientes de sua
in MARTINS, José de Souza, org. Henri Lefebvre e o Retomo à grande importância para o patrimônio histórico e
Dialética- São Paulo: Hucitec, 1996 paisagístico da cidade que leva seu nome- Ribei- Figura 01 - O ribeirão Preto canalizado na Baixada do Centro da ci-
rão Preto (Fig. or) -procuramos compreender a dade, Av. Jerônimo Gonçalves, 1997, Foto Alessandra S. Ghilardi.

H1DS
dinâmica de suas paisagens, tanto pela influência tentes ao longo da área de estudo. Os resultados \
das ações públicas ao longo da evolução histórica do trabalho reforçaram nossa convicção de que 0 \
da cidade como pela experiência cotidiana atual da ribeirão Preto é mais do que um canal de água po-
população ribeirinha. luída, e possui, além do valor histórico, presença
Este capítulo apresenta alguns resultados de fundamental na paisagem da cidade, sendo poten-
uma pesquisa que se baseou na utilização de mé- cialmente capaz de produzir a interação adequada
todos quantitativos e qualitativos (Zeizel, 1984; en- entre o meio natural, o meio (social) urbano e as
tre outros), estruturados a partir de duas etapas: o pessoas, como já foi demonstrado em inúmeras
levantamento de documentos históricos e material outras paisagens ribeiras urbanas.
iconográfico, e a pesquisa de campo. A primeira Autores de diversas disciplinas vêm estudando
etapa buscou, além da literatura existente, regis- a presença da paisagem natural nas cidades não só
tros documentais primários, plantas cadastrais, do ponto de vista ecológico, mas principalmente
planos diretores, projetos e fotografias (atuais e an- através da experiência humana com estes espaços.
tigas), ou seja, todo material que elucidasse prin- Lynch (1978) já comentava que a importância so-
cipalmente as diversas ações do poder público que cial de um espaço traduz o "sentido do lugar", pois
influenciaram a estruturação urbana da área de considera os valores e experiências adquiridas pe-
estudo, conseqüentemente o uso e a apropriação las pessoas, ou seja, além das qualidades físicas de
do ribeirão Preto e seu entorno. Na segunda etapa um ambiente, considera os significados derivados
metodológica, a pesquisa de campo, estudamos o do processo cultural. No entanto, o autor obser-
comportamento dos usuários ribeirinhos atuais e va que muitos profissionais ainda pensam maisc
buscamos compreender as relações que estes man- nos aspectos físicos dos lugares e esquecem que
têm com os espaços do entorno do ribeirão, nossa uma das principais características do ambiente a
área de estudo, através de questionários', entrevis- ser construído é a qualidade de interação entre as
tas2 e observação de uso e comportamento 3• pessoas e o lugar. Veremos adiante que esta obser-
A metodologia que está na base do presente tra- vação se confirma nas ações públicas que envolve-
balho nos permitiu compreender melhor a relação ram a evolução urbana do ribeirão Preto.
riojcidade, tanto nos aspectos físicos e paisagísti- Cada vez mais os projetos de intervenção am-
cos, como na questão social e cultural dos habi- biental estão procurando unir a especificidade de
tantes em relação à área proposta para o estudo. cada lugar às relações entre seus elementos cons-
Vimos que, apesar de o ribeirão passar pelo centro truídos, naturais e culturais. Estudar a cidade na
histórico da cidade (Fig. oz), alvo de diversas revi- perspectiva dos usuários representou o reconhe-
talizações, não existe nenhuma intervenção efeti- cimento de que cada indivíduo tem uma diferente
va que proponha a integração e a valorização deste percepção da natureza e da paisagem, o reconhe-
elemento da natureza com a estrutura urbana e cimento das questões culturais nos diversos cam-
cultural da cidade. Este estudo se propõe a contri- pos que trabalham com a paisagem. Estudar a pai-
buir para o preenchimento desta lacuna. sagem como um meio da interação direta entre as
Deste modo, com o intuito de compreender o pessoas de um grupo social e o espaço é reconhe-
papel social que os rios urbanos vêm exercendo cê-la como Paisagem Cultural, que Groth (199Tor)
ao longo do processo evolutivo das cidades, vamos define como a paisagem onde as pessoas "estabcle· Figura 02 - Bacia hidrográfica do ribeirão Preto ressaltando
analisar as formas pelas quais a presença do ribei- cem suas identidades, articulam suas relações sociais, o município com o anel viário que contém a malha urbana, e a
rão Preto tem sido conduzida nas administrações e obtêm os significados culturais". área de estudo demarcada.
públicas ao longo do tempo, bem como identifi- Trazendo estas questões para as relações enc Base: Mapa Hidrográfico do Município de Ribeirão Preto. Fon-
car os significados e valores atribuídos ao ribeirão tre rios, cidades e população, Penning-Rowsel & te: Plano Diretor de Macro drenagem do Município de Ribeirão
pela população atual dos diferentes lugares exis- Burgess (1997) verificaram que os rios possuem Preto, mar/2002.

96~f-HOS Pf4ISAGENS URBnNAS


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,t I caremos os valores e significados que permane-
i . diferentes significados para diferentes grupos de
pessoas, por estarem intimamente relacionados cem na relação das pessoas com rio, apesar de sua
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I com suas culturas. Contudo, várias características paisagem fragmentada, fortificando-o ainda como
' da paisagem ribeira são apreciadas pela maioria uma identidade única na cidade.
I das pessoas. Como afirmam os autores, a água
em movimento, determinados sons e cheiros, e
pequenos animais que vivem às margens dos rios,
trazem o prazer de se estar próximo à natureza.
Deste modo, os rios e toda a paisagem que os en- EvoLUÇÃO URBANA DO RIBEIRÃO PRETO
volve podem contribuir para o bem-estar da popu-
lação nos seus espaços livres urbanos.
Os rios urbanos, quando valorizados como re- Da origem da cidade à estruturação da paisa-
curso natural nos espaços livres públicos da cida- gem urbana
de, atraem as pessoas e, deste modo, são capazes
de dar suporte a uma vida pública, portanto ao seu "Muitas cidades devem sua localização, seu
próprio espaço público (Carr et al 1995), e ainda crescimento histórico e a distribuição da
contribuir para aumentar o "sentido do lugar". Se- população, bem como o caráter de seus edifícios,
guindo este viés, acreditamos que os temas su- ruas e parques às características diferenciadas do Figura 03- O tecido inicial da cidade foi traçado num eixo perpendicular ao ribeirão Preto a partir da Igreja Matriz [mapa 1). O
geridos podem enfatizar, promover e revelar, os seu ambiente natural". crescimento da cidade limitou-se as margens do ribeirão Preto (mapa 2). Base: Planta esquemática da Vila de São Sebastião
valores sociais e culturais existentes na Paisagem (SPIRN, 199P7) de Ribeirão Preto, 1874 e Planta da cidade de Ribeirão Preto de 1884. Fonte: Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto.
dos Rios Urbanos. Neste trabalho, especificamen-
te, daremos ênfase ao tema que acreditamos que Assim aconteceu com a cidade de Ribeirão Pre-
mais valoriza o potencial das paisagens ribeiras to. O ribeirão, que leva o mesmo nome da cidade,
nas cidades: o uso das margens pelas diversas for- como parte do meio ambiente natural, foi funda-
mas de lazer. mental para a origem da cidade, servindo como
Manning (1997) defende que a paisagem ribei- referência para a implantação e demarcação ini- cimento da vila, suas ruas se prolongaram até as Além disso, observamos que o fato da vila es-
ra deva ser manipulada de acordo com o seu valor cial do centro urbano. Sua importância continuou margens do ribeirão Preto e do córrego Retiro sem tar localizada entre o ribeirão Preto e o córrego do
estético, mas principalmente recreativo. A questão nas primeiras décadas do processo evolutivo da alterar o traçado original na forma de grelha. Ca- Retiro, e os rios Pardo e Mogiguaçu, tinha tanta
do lazer como uso dos espaços livres é um valor cidade, estruturando espacialmente e socialmente sas passaram a ser construídas nas proximidades importância que, em r879, a vila passou a ser de-
que historicamente está intrínseco a este elemento a paisagem urbana. do leito, e as águas do ribeirão a ser utilizadas para nominada oficialmente de 'Entre Rios'. Curiosa-
natural, pois suas águas e margens estão sempre A origem do povoado de Ribeirão Preto foi de- a lavagem de roupas. Neste primeiro período, o ri- mente, segundo Cione (r989), este também foi
relacionadas aos banhos de sol, pesca, canoagem e terminada em I856, quando a doação de terras de beirão Preto também era usado para o escoamento o primeiro nome dado a esta região pelos indí-
contemplação. As águas urbanas são utilizadas de fazendeiros da região para a construção da Igreja dos dejetos do Matadouro que se localizava próxi- genas: 'Ipamerim'. No entanto, a impopularidade
diversas maneiras, sendo um dos melhores exem- Matriz foi reconhecida por um juiz do Estado. A mo à foz do córrego do Retiro (Pinto, 2ooo). do nome 'Entre Rios' fez com que dois anos mais
plos a oportunidade de criar um cenário panorâ- área doada foi demarcada em um único quinhão Deste modo, observamos que o povoado de Ri- tarde fosse restabelecido o antigo nome de Ribei-
mico atraente com facilidades recreacionais ao ar no ponto mais alto entre o ribeirão Preto e o córre- beirão Preto interagia diretamente com o ribeirão, rão Preto 4 .
livre e um espaço confortável para o descanso dos go do Retiro, garantindo para o edifício religioso não somente pelo seu valor de uso, mas também A partir de r876, a constatação da fertilidade da
habitantes urbanos (Carr et al 1995). um destaque na paisagem (Cione, 1989), local na sua relação com o desenho urbano, à medida terra roxa da região e de seu potencial para a cul-
Desta forma, analisaremos o papel social que hoje considerado o marco zero da cidade. A demo· que as ruas, mesmo com um traçado reticulado, tura do café em larga escala foram fundamentais
o ribeirão Preto vem exercendo no seu processo ra para a construção da capela não impediu a for- posicionavam-se num eixo imaginário perpendi- para a chegada da estrada de ferro à cidade, cujo
evolutivo urbano, desde a origem da cidade até a mação do povoado que passou a ser reconhecido cular a ele e limitavam-se às margens do seu vale traçado seguia as margens do ribeirão. Este fato
formação das diferentes paisagens que se configu- pelo seu nome: São Sebastião de Ribeirão Preto. alagado, impondo-se como referência inicial do provocou mudanças profundas tanto na estrutura
raram hoje no trecho que corta a cidade de Ribei- Seus primeiros arruamentos foram executados or· traçado e limite para o crescimento da cidade até o fundiária como na estrutura urbana da vila. A es-
rão Preto, nossa área de estudo. Por fim, identifi- togonalmente aos dois pequenos rios. Com o cres- final do século XIX (Fig. 03). tação da Companhia Mogiana, implantada além

R!(]S E PAISAGENS lJRBANf1S_ 99


do ribeirão com relação ao núcleo original, trouxe cipalmente aos conceitos de higiene e limpeza, mais quatro seções coincidia com o limite natu- dos imigrantes e trabalhadores que chegaram à
uma nova relação urbanística para a cidade. Ape- ao defenderem a salubridade pública. Porém, na ral do rio que cortava o núcleo ao meio. O ribeirão cidade (Silva, 2002). Esta condição, fundamental
sar de o lugar ter sido considerado inadequado entrada do novo século, emergia a questão do em- passou também a gerar energia mecânica para os à expansão da paisagem urbana, alterou
para os vereadores da época, por ser "maleitoso" belezamento da cidade. Com relação às áreas ri- diversos moinhos de fubá que começaram funcio- significativamente a sua estrutura morfológica
e sofrer inundações que "impedem a passagem beiras, a resposta a esta questão foi a canalização nar com a emancipação do Núcleo. A multiplica- urbana inicial, que passou a ser estruturada no
para fora do leito"5, a Companhia não cedeu aos dos trechos retificados. Mais do que isto, a reti- ção das chácaras, como vimos, trouxe novos usos eixo do ribeirão Preto.
pedidos de mudança de local, o que resultou na ficação e canalização do ribeirão Preto facilitaram para as águas do ribeirão Preto.
construção da primeira ponte da cidade sobre o ri- a transposição do rio pela cidade, resultando em Além disso, o desenvolvimento de novos bair-
beirão Preto, possibilitando sua transposição pelo seu crescimento rápido para além do núcleo origi- ros dava indícios da divisão social que se estabe- Do embelezamento ao desprezo urbano
tecido urbano. nal, pois várias pontes foram construídas unindo leceria na cidade. As classes baixas da população
A localização da estação além do ribeirão e a as duas margens. Além disso, voltou os principais cresciam para o norte da cidade nos lotes rurais Vimos que o desenvolvimento da cidade tomou
consolidação da cidade como importante centro acontecimentos sociais, políticos e econômicos da do antigo núcleo colonial, devido ao baixo valor um novo rumo, não só na questão econômica,
cafeicultor na última década do século XIX, de- cidade para a marginal do ribeirão Preto (Cione, comercial das terras na baixada do ribeirão Preto. como também na urbanística. Contudo, o ribeirão
terminou um novo rumo ao desenvolvimento da 1989). Tanto a ferrovia Mogiana quanto a cafei- Enquanto isso, as classes mais abastadas cresciam Preto, como elemento natural, passou a perder
cidade, tanto na questão econômica como urba- cultura foram responsáveis pelo desenvolvimento para o sudeste, a partir do núcleo original. A divi- importância quando começou a ser retificado e
nística. Entre as primeiras intervenções urbanas da cidade, em especial da baixada do ribeirão. A são social da cidade também foi percebida quando canalizado. Apesar das primeiras retificações do
realizadas, está a retificação do ribeirão no trecho marginal passou, assim, a ser vista como símbolo o Código de Posturas de 1921 dividiu a cidade em ribeirão terem como principal objetivo a expan-
limítrofe à área urbana da época, e o aterro dos do progresso urbano e o 'cartão postar da cidade. três distritos para definir taxas e benefícios de di- são da malha urbana para além de suas águas,
meandros remanescentes do seu antigo traçado. A cidade, além de ultrapassar o ribeirão Preto, ferentes valores. O ribeirão e o córrego do Retiro acreditava-se que elas possibilitariam também
O ribeirão Preto, como elemento natural, passou a cresceu ao longo das terras que o margeiam. A foram referências na divisão dos distritos 9 . Obser- que as áreas ribeiras deixassem de ser insalubres,
perder importância quando começou a ser retifi- estrada de ferro trazia à vila muitos imigrantes, vamos, desta forma, que o ribeirão Preto passou a prevenindo futuras epidemias. Porém, tais medi-
cado. O importante, na época, era a possibilidade obrigando a abertura de novas ruas. Com a neces- ser identificado como um elemento estruturador das não foram suficientes e a cidade passou pela
de expansão da malha urbana, o que o pântano, sidade de numerar as casas, estruturou-se a cida- da morfologia urbana, e mais do que isto, ele foi primeira vez por uma epidemia de febre amarela
formado pelos meandros do ribeirão, impedia. de a partir dos rios que a atravessavam: (e ainda é) uma referência à divisão de bairros e e malária no ano de 1903. Este fato comprovou,
As retificações do ribeirão Preto faziam com classes sociais que se configurou na cidade. mais uma vez, que os serviços de retificação não
que suas águas transbordassem e inundassem Todas as casas de cada rua devem ser numeradas Esta estrutura urbana foi acentuada no pro- cumprem o papel neles depositado pelo poder pú-
as áreas próximas, formando terrenos alagadiços de uma a outra extremidade, por duas séries de nu- cesso de industrialização, como veremos adiante, blico de 'controlar' as águas do rio, bem como de
nos meandros do antigo traçado do ribeirão que meros, sendo a de numeras pares do lado esquerdo e a onde o núcleo colonial foi responsável pelas con- evitar uma epidemia.
permaneciam esburacados e propensos à prolife- dos numeras ímpares do lado direito partindo dos cor- dições ideais ao surgimento das primeiras indús- As classes sociais em ascensão estabeleciam-se
ração dos mosquitos transmissores de diversas regos, ou dos prolongamentos das ruas além delles7 trias que se instalaram ao longo do ribeirão Preto. na 'cidade' (núcleo urbano original), onde a salu-
moléstias, como a febre amarela. A primeira re- Geiger (1963), ao estudar a rede urbana brasileira, bridade e o conforto resultavam dos melhoramen-
tificação do ribeirão Preto, como verificamos, não Outra preocupação foi a preservação da moral observou a freqüente localização das indústrias e tos urbanos, medidas que foram negligenciadas

li
1
i I
I
resolveu os problemas de inundação que natural-
mente já existiam. E as questões de salubridade
com relação às áreas ribeiras, verificadas no Có-
digo de Posturas de 1889, apenas alertavam so-
e

e
se
dos
banhos
bons costumes, ressaltada na questão dos
nos rios: "É prohibido tomar banhos nos rios
carregas
estar
da cidade e povoações do município sem
vestido de modo a não offinder o pudor'.z.
bairros operários ao longo dos vales, por onde pas-
sam as ferrovias, devido à facilidade da presença
de água corrente e transporte para a instalação de
grandes estabelecimentos industriais.
nas áreas periféricas. Deste modo, a elite distan-
ciou-se das chácaras ribeirinhas, dos córregos e
das habitações populares em bairros onde o cal-
çamento, a água encanada e a captação de esgoto
bre a existência de chiqueiros nas proximidades Acreditamos, portanto, que o banho nos rios fosse Verificamos, finalmente, que a Estrada de Ferro eram praticamente inexistentes. Somente na dé-

li
I
dos ribeirões: "É prohibido fazer-se chiqueiros nos uma prática comum, visto que o novo código de
leitos dos córregos ou ribeirões, de modo a perturbar posturas impôs regras para ele.
o livre curso e asseio da água, quando haja morado- A vinda de imigrantes a Ribeirão Preto foi in-
da Mogiana, em Ribeirão Preto, não só permitiu
que a malha urbana ultrapassasse o limite imposto
pelo ribeirão, como impulsionou o crescimento da
cada de 20 é que os lotes rurais efetivamente re-
ceberam melhoramentos, como galerias de águas
pluviais e esgotos, guias e calçamento, mudando
I res águas "abaixo. "6 centivada pela criação do Núcleo Colonial Senador cidade ao longo dele. Seus trilhos implantados
paralelamente ao rio chamaram a atenção para os
o modo de vida da população periférica. Contudo,
a cidade nesta época possuía todas as galerias de
l, As discussões no poder público até a década Antônio Prado, em 1887. Sua grande contn
de 1890, de acordo com os relatórios da prefei- foi a expansão urbana do município ao longo da terrenos marginais de custo inferior em relação esgoto conectadas e desaguando no ribeirão Preto
tura neste período, estavam relacionadas prin- várzea do ribeirão. A divisão do Núcleo em sede e ao centro urbano, possibilitando a instalação e seus afluentes. As decorrentes péssimas condi-

100 _RIOS E PAISAGENS URBANAS RIOS E PAISAGENS lJRBf\NAS_ 101


ções de salubridade dos rios foram alertadas pela feito de balaústres, recebeu em 1927 as Palmeiras veis ao saneamento do ribeirão, e principalmente aconteciam as principais comemorações e debates
alteração do Código de Posturas de 1921, que pas- Imperiais (fig.o1), que se tornaram a marca regis- estavam preocupados com o embelezamento de populares. A Baixada do Centro foi formada
sou a proibir os banhos nos rios da cidade: trada da avenida. As palmeiras, segundo REZENDE urna das partes mais importantes da cidade. por um complexo significativo de elementos
(2003), são muito mais que belas, são suntuosas Por tudo isso, outras retificações do ribeirão fo- construídos que, juntamente com a Estação da
É prohibido tomar banhos nos rios e córregos da elegantes e, sobretudo, não significam apenas em~ ram realizadas no ano de 1929, e discursos de que Mogiana, por onde pessoas ilustres chegavam,
cidade e povoações do município. Quando sqa de- belezar e modernizar as cidades, elas constituem a cidade baixa estaria livre das inundações com es- fizeram da margem do ribeirão Preto um local de
signado local próprio para banhos, jogos ou esportes um símbolo que cria o cenário do poder, uma ima- tas obras continuaram a acontecer: recepção e comemoração.
nauticos, as pessoas que nelles tomarem parte deverão gem que produz uma identificação com o imagi- A maioria do comércio e das indústrias locali-
estar vestidos com roupas apropriadas, de modo a não nário oficial do Império. E esta foi exatamente Um dos problemas serias que preocupava todas zava-se no antigo núcleo colonial, boa parte nas
offinder o pudor. (art. 2 59) a conotação que o poder público da cidade quis as administrações do Município eram as constantes áreas de várzeas às margens do ribeirão Preto. Es-
apresentar aos visitantes de Ribeirão Preto que enchentes do carrego Ribeirão Preto, (... ) resolvemos tes terrenos apresentavam baixo valor comercial
Enquanto isso, o ribeirão Preto adquiria um desembarcavam na estação da Mogiana, principal dar solução immediata e definitiva a este problema, e estavam próximos aos recursos hídricos para
novo uso: a empresa de Força e Luz forneceu via de chegada de celebridades e políticos. O lugar, e assim fizemos obras de vulto rectijicando o Ribeirão o fornecimento de energia elétrica e despejo dos
energia elétrica aos edifícios públicos e privados que simbolizava a "entrada" da cidade, deveria ser Preto (... ), estando hoje (... ) toda a parte baixa da dejetos, além de desfrutar da proximidade da es-
através da primeira usina hidrelétrica de Ribeirão um cenário grandioso que demonstrasse o perfil cidade livre completamente das calamitosas e periodi- trada de ferro, que transportava sua mercadoria e
12
Preto, construída no seu leito, logo abaixo da foz do poder econômico da cidade. A paisagem do ri- cas innundaçõeS. matéria-prima. É interessante notar que as terras
do córrego do Retiro (ClONE, 1989). A usina fun- beirão Preto, principalmente na avenida Jerônimo localizadas nas várzeas do ribeirão Preto foram
cionava com águas desviadas através de um canal Gonçalves, representou mais do que um cenário De todo modo, a avenida Jerônimo Gonçalves, abandonadas pelos agricultores no final do século
construído especialmente para alimentá-las. Além aprazível; representou a interação direta entre as marginal do ribeirão Preto, foi sempre pioneira XIX, por apresentarem terrenos desfavoráveis ao
desta, encontramos um projeto de 1912 de outra pessoas de um grupo social com o espaço, uma em receber os melhoramentos e embelezamentos plantio do café, mas tornaram-se locais ideais para
usina hidrelétrica que também usava a água do paisagem cultural. realizados no centro urbano: a primeira retificação, o desenvolvimento da indústria (SILVA, 2002).
ribeirão, próxima à estação ferroviária de Santa Te- Apesar de todas as benfeitorias realizadas para a primeira canalização e foi uma das primeiras a Os principais fatores que levaram a marginal do
reza localizada ao sul da cidade. o embelezamento da cidade, o ano de 1927 foi ter suas vias calçadas e arborizadas. A avenida ribeirão Preto a atingir seu auge foram os mesmos
Além desses melhoramentos, no início da dé- marcado por uma das mais graves enchentes da marginal assistiu a construção de um complexo que levaram à sua decadência: a Estrada de Ferro
cada de 1910, foram construídas mais de vinte história da cídade. de atividades comerciais que tiveram início com da Mogiana e a produção cafeeira. Em meados da
pontes sobre os rios da cidade 10 • As pontes, como o Mercado Municípal, em 1901, dando impulso década de 30, a produção do café nacional assis-
observa GEIGER (1963), são os pontos ao longo dos (... ) parte da nossa Cidade foi castigada por uma econômico à avenida e à própria cidade, tornando- tiu o seu declínio. Ribeirão Preto neste período
rios onde a mancha urbana avança ocupando os enchente do Ribeirão Preto, o carrego que atravessa se o símbolo de progresso da cidade. Deste modo, não dependia exclusivamente do plantio de café.
vales aterrados, além de impulsionar a urbaniza- a parte baixa da Cidade.( ... ) Os seus habitantes, na a cidade de Ribeirão desenvolveu-se não somente A queda do café trouxe o aumento da população
ção para áreas além deles. Em função de todas maioria pobres e operarias, tiveram os seus lares in- pela qualidade do solo, mas porque se formou urbana, o que favoreceu o desenvolvimento da in-
estas obras, a cidade entra na década de 1920 com vadidos pela agua e viram destruidos quasi todos os um mercado interno de consumo, possibilitando dústria na cidade devido à abundâncía de mão-de-
• 11
diversos melhoramentos realizados para deixar a seus movefs. o desenvolvimento do setor industrial. Produtos obra. E as indústrias voltaram-se para o mercado
cidade limpa e salubre. Apesar das tentativas de que a importação não supria ou eram de custo interno da cidade, com mercadorias de consumo
arborizar a cidade desde o início do século, mui- Verificamos assim que as ações do poder públi- alto passaram a ser produzidos localmente, e a não-duráveis.
to pouco havia sido realizado até então. Com o co estão na maioria das vezes voltadas para a ima- instalação das indústrias ocorreu às margens do Até a década de 50, instalaram-se indústrias de
enriquecimento do município, principalmente gem da cidade e ignorando muitas vezes os reais ribeirão Preto. grande porte na cidade, como as Indústrias Reuni-
devido à produção do café, a preocupação com problemas urbanos. Pontes foram construídas e A cidade passou a ser alvo de investimentos. O das Francisco Matarazzo que ocuparm um grande
os aspectos paisagísticos tornou-se prioridade, reconstruídas devido à destruição causada pela en- grande marco para a marginal foi a inauguração lote às margens do ribeirão Preto e mais três indús-
voltando-se os investimentos neste momento às chente de 1927. No entanto, não se chegou ao cer- da Cervejaria Antártica em 19rr e da Cervejaria trias de menor porte que também se instalaram
obras de embelezamento. ne do problema da enchente, a pensá-lo como um Paulista no ano seguinte (CloNE, 1989), dando ao longo do ribeirão: Indústria de Bebidas Gino
O ribeirão Preto, na avenida marginal Jerônimo fenômeno natural dos rios na época das chuvas, grande impulso à economia industrial e Alpes, Frigorífico Morandi e Cerâmica São Luiz
Gonçalves, aberta desde o início do século, foi sen- que precisam de espaço às suas margens para a comercial (Fig. 04). A marginal não só foi o (SILVA, 2002)
do canalizado com pedras até a confluência com sua natural inundação. Continuaram acreditando marco da ascensão econômica, como também Durante a década de 1940, o município experi-
o córrego do Retiro. Juntamente com o parapeito que a retificação e a canalização eram indispensá- social da cidade. Em frente à Estação da Mogiana mentou a retomada do crescimento econômico e

102 .. RIOS E PAISAGENS URBANAS


Ribeirão recebe seu Primeiro Plano Diretor' 3 em no cruzamento de duas vias, e os "parques lineares"
1945, desenvolvido pelo engenheiro e urbanista seguiriam as vias marginais dos córregos criando
José Oliveira Reis, nativo da cidade. Através do os "Parkways". Apesar deste plano nunca ter sido
memorial do plano escrito por Reis (r945) ' 4 e do posto em prática, a prioridade do sistema viário
seu próprio esquema projetual, verificamos a im- sobre a paisagem natural refletiu-se nas ações pú-
portância dada aos rios, principalmente como ele- blicas realizadas posteriormente.
mento estruturador do sistema viário e das áreas Nos dez anos que sucederam ao primeiro plano
verdes na cidade. O principal elemento condutor diretor, não houve preocupação alguma na preser-
da proposta de implantação das áreas verdes públi- vação das áreas de várzeas, apesar das ressalvas
cas foram os espaços livres das várzeas dos cursos feitas por Reis. Hough (1995) enfatiza que a aná-
d'água que atravessam a cidade, através da criação lise do meio ambiente deve ser o primeiro estágio
de parques lineares. REis (1945:04) enfatizou que de um plano geral, mostrando claramente que a
o reflorestamento destas áreas deveria ser um dos balança hidrológica mantida é a chave do plane-
primeiros pontos a serem estudados e executados jamento para adaptar a forma urbana à influência
na cidade: desse processo natural. Certamente, Oliveira Reis
entendia esse processo, pois, em uma conferência
Figura 04 - Localização das lndustrias de grande porte que se instalaram às margens do ribeirão Preto até a (... ) Estas faixas de vegetação na zona de expansão realizada na cidade no ano 1955, alertou o municí-
metade do século XX. 1-Cervejaria Antártica; 2-Cervejaria Paulista; 3-Cerâmica São Luiz; 4-Bebidas Gino Alpes; da cidade e em geral ao longo das várzeas, visam por pio para a necessidade de iniciar os estudos de pla-
5-Frigorífico Morandi; 6-lndustrias Matarazzo I Ciane. Base: Planta Cadastral e fotos aerofotogramétricas de outro lado manter uniforme o regime dos rios, bem nejamento a nível regional. REIS (r955:os) voltou a
Ribeirão Preto. Fonte: Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental- Cadastro Técnico de Obras. como fazer o saneamento da baixada, com o mínimo insistir em um aspecto que já dizia fundamental
de despesas. (... ).Os espaços verdes ao longo dos rios de ser posto em prática:
permitirão a criação dos parkways, que, além de faci-
litarem as ligações de zonas, possibilitarão o estabele- (... ) os parkways ao longo dos córregos e nas zo-
cimento de centros esportivos e de recreação ativa no nas baixas inundáveis e desvalorizadas deveriam ser
seu percurso, valorizando a região, tornando-a, além objeto de séria cogitação da Municipalidade, país o
o aparecimento de diversos problemas urbanísti- certo desprezo com o rio, revelado principalmen- disso, mais atraente. benefício, a economia, a salubridade que essas áreas
cos com o aumento populacional. Ribeirão Preto te pela falta de comprometimento com a quali- proporcionam à população, justificam plenamente as
passou quase um século sem um plano geral que dade de suas águas, alvo de despejo dos esgotos Enquanto isso, o sistema viário apresentado na despesas que a Prefeitura teria com a sua aquisição e
envolvesse ou contemplasse a cidade como um domésticos e dos resíduos das fábricas. A cidade, proposta de Reis (1945) constitui-se por avenidas transformação em parques.
todo. A preocupação da municipalidade concen- então, foi progressivamente "dando as costas" ao radiais e perímetraís. A perimetral externa teria como
trava-se, até então, em sanear, melhorar e embele- ribeirão, fazendo com que sua importância sim- guia o ribeirão Preto e o córrego do Tanquinho, seu Entretanto, mais cinco anos se passaram e qua-
zar o centro urbano, intervindo esporadicamente bólica, como referência da origem e estruturação afluente. A função desta perimetral era estabelecer se nada foi colocado em prática, quando o arquite-
em pequenos trechos isolados no resto da cidade, da cidade, e seus valores de elemento natural e de comunicação entre os bairros, mas principalmen- to urbanista Vicari (r96o) contribuiu para o plano
e apenas quando extremamente necessário. uso, como o banho e a pesca, além de seu valor te, como afirmou Reis (r945:sjp) "dtifinír de modo diretor original propondo que, quando as linhas
Além disso, a 'vocação industriaf a jusante do paisagístico, diminuíssem. claro o perímetro urbano (... ) impedindo o desenvol- ferroviárias da Cia Mogiana que seguem o ribei-
ribeirão se consolidou com as fábricas que se ins- vimento desordenado e nocivo à cidade". Verificamos rão Preto fossem retiradas, como fora proposto por
talaram. Toda a área do ribeirão ao norte da cidade, então, que o ribeirão Preto, além de conduzir as Reis (1945), deveriam ser substituídas por uma
que pertencia ao antigo núcleo colonial, foi povo- As tentativas de revalorização áreas verdes do plano da cidade, foi um dos ele- grande área arborizada destinada a residências,
ada por imigrantes da lavoura, que vieram traba- mentos usados para estruturar o sistema viário, parques e recintos culturais e desportivos. Acredi-
lhar tanto na indústria como no comércio e nos Diante do cenário de renovação metropolitana bem como definir os limites urbanos. tamos que esta proposta foi bastante significativa
serviços, formando-se os bairros de classe social que Ribeirão Preto preparava-se para entrar na Neste primeiro plano diretor, observamos que e impulsionou o atual uso da área: praças, rodovi-
baixa, que permanece até os dias de hoje. O de- década de 40, tomou-se inevitável o planejamen- a preocupação com as áreas verdes, praças e par- ária e um parque ecológico. Contudo, ao falar dos
senvolvimento da cidade, mais especificamente to da cidade como um todo, e os planos urbanos ques esteve diretamente ligada ao sistema viário. fundos de vales, Vicari (r96o) incentivou apenas
a marginal do ribeirão Preto, trouxe consigo um passaram a direcionar o crescimento da cidade. As "praças de circulação" 15 orientariam o tráfego a construção de avenidas marginais, deixando de
lado os parques lineares citados no plano original físico da cidade, do ambiente natural ao construí- encontravam-se em grande parte degradadas. Se- As vias marginais expressas construídas ao lon-
de Reis (1945), e ainda os designou como diretri- do. Bem mais completo que o primeiro plano, este gundo este plano, o seu reflorestamento tornou-se go do ribeirão Preto não solucionaram o problema
zes das canalizações sanitárias. propõe, entre outras coisas, estimular a ocupação urna ação necessária e urgente, e as matas cilia- das enchentes, como foi justificado pelo PAITT.
Durante quase duas décadas, a cidade de Ribei- dos vazios urbanos, promover a recuperação de res assumiram um papel importante, não só na Em 23 de fevereiro de 2002, todo o entorno do ri-
rão Preto esteve à mercê do crescimento urbano áreas públicas, e especialmente garantir a pre- preservação de recursos hídricos e proteção do beirão foi atingido por uma nova enchente que co-
espontâneo. Neste período, não encontramos ne- servação e valorização do patrimônio natural e do solo, mas também como corredor ecológico para a locou a cidade em estado de calamidade pública.
nhum plano que envolvesse toda a cidade. Con- patrimônio histórico cultural representativo e sig- dispersão da fauna e flora. Contudo, observamos Verificamos assim que o ribeirão Preto, ao lado
tudo, a idéia de criar avenidas marginais aos seus nificativo da memória urbana (e rural). Este plano que, apesar de existir desde 1995 uma política dos outros córregos da cidade, freqüentemente
rios não foi abandonada, sendo retomada e desen- diretor ainda ressalta a proposta de formação de municipal de conservação e preservação do meio foi alvo de projetos de intervenções nos planos
volvida no Plano de Ação Imediata de Trânsito e parques lineares para atividades culturais e de la- ambiente e, mais especificamente, a revitalização designados a resolver os vários conflitos urbanos
Transporte (PAITT), em junho de 1978' 6 , ratifi- zer, utilizando os fundos de vales como parte das das áreas marginais fazer parte do plano de 2001 existentes em toda a região. Apesar dos diversos
20
cando a importância do sistema viário nos planos Zonas de Proteção Máxima (ZPM) , recordando como um meio de determinar um novo ambiente valores destes rios urbanos serem apresentados,
da cidade. Desde o primeiro plano diretor, o com- o plano proposto por Reis. Observamos, no entan- e uma nova paisagem à cidade, atualmente ainda principalmente no plano diretor de 1995, como
plexo viário sobrepôs-se às demais questões que to, que a desapropriação destas áreas de proteção cogitam-se apenas "projetos" de recuperação, mas lazer ativo e contemplativo, preservação ambien-
envolvem a cidade, e o PAITT foi a condecoração não tem ocorrido. A falta de verba para a desapro- quase nada efetivamente está sendo realizado. tal, e de valor histórico na área central, nada foi
de todo este pensamento. Os fundos de vale foram priação é continuamente uma justificativa para a
novamente reservados para compor as vias arte- sua não realização. No entanto, acreditamos que
riais da cidade, proposta herdada do plano diretor é muito mais uma questão de prioridade do go-
de Reis, com a diferença que os parques lineares, verno. Além disso, as áreas de fundo de vales, que
que também seguiriam os rios, não foram leva- incluem principalmente as áreas marginais do ri-
dos em conta. A abertura destas vias de circulação beirão Preto, fazem parte de programas distintos
local serviria, segundo o PAITT (1978:sjp), para dentro do plano diretor que procuram renovar e
coibir a invasão indevida dos fundos de vales. No melhorar vários lugares e aspectos urbanos da
entanto, a ausência de ações efetivas nos anos que cidade de Ribeirão. Notamos, assim, que a des-
se seguiram permitiu o contínuo loteamento e centralização das questões que envolvem as áreas
povoamento das áreas marginais do ribeirão em ribeiras da cidade talvez seja a razão da falta de
diversos trechos da cidade. ações efetivas para melhorar estas paisagens.
Quando a cidade foi assolada por uma grande Cinqüenta anos se passaram desde o primeiro
enchente, em 1983, o governo municipal pela pri- plano diretor desenvolvido por Oliveira Reis, mas
meira vez solicitou ao DAEE'7 o desenvolvimento a idéia dos rios urbanos apenas constituírem uma
de um projeto que solucionasse o problema das referência para o sistema viário persiste na cida-
inundações. O projeto, entregue dois anos depois, de de Ribeirão Preto. Os fundos de vale também
propôs duas barragens ao longo do ribeirão Preto, a estão presentes no sistema viário do plano diretor
montante do centro da cidade, que também nunca de 1995 21 • Parte do complexo viário sugerido para
foram executadas. Este projeto, entregue em 1985, os fundos de vale foi recentemente construído, do
serviu de base para o Plano Diretor de Macrodre- qual destacamos a Via Expressa Norte (Fig.o5),
nagem desenvolvido em 2002' 8, o qual comenta- que segue o ribeirão Preto do centro da cidade até
remos posteriormente. o anel viário ao norte. Mais uma vez prevaleceu a
O município de Ribeirão Preto finalmente ga- construção da via que exclui a participação de pes-
nhou um plano diretor completo em 1995 19 , que soas, resultando na ausência de atividades sociais
ainda está em vigor na cidade. O plano, de forma neste espaço livre ribeiro.
geral, preocupou-se com a imagem da cidade, ob- Finalmente, um plano de ação proposto em Figura 05- Avenidas Expressas construídas ao longo do vale do ribeirão Preto em 1996 ao norte da cidade. Mais uma
jetivando a melhor qualidade do meio ambiente, 2001 pela prefeitura municipal incentivou a cria· vez prevaleceu a via em detrimento de uma área de lazer aos habitantes. Ao fundo estão os antigos galpões da industria
ao pensar na organização e produção do espaço ção dos parque lineares nas áreas de várzeas que Matarazzo em estado de abandono. Foto de Alessandra S. Ghilardi.
feito na prática para a valorização destes aspectos. ribeirão Preto, também faz parte do complexo
E, para completar, o único projeto concretizado foi urbano, mas continua a ser negligenciada pelas
o das avenidas marginais na via expressa Norte, ações do poder público.
acentuando nossa proposição de que a estrutura
viária da cidade está sempre, ou quase sempre em
posição prioritária.
De qualquer forma, o ribeirão Preto e seus
córregos não saíram da mira dos planos das Ü RIBEIRÃO PRETO HOJE
administrações públicas, provavelmente pela
impossibilidade de esconder os problemas
causados à cidade e à população pelas ações Paisagem em fragmentos
indevidas ao longo da história, como a urbanização
das áreas ribeiras. 'A cidade quer definir-se por meio de contradições,
A enchente, conseqüência desta urbanização, quer estalar"
tornou-se um dos principais problemas a serem (Wim Wenders, 1994:90).
resolvidos atualmente na cidade, e o Plano Dire- Figura 06- Área de estudo dividida nos seus cinco Fragmentos paisagísticos: 1- Vila Guiomar, 2- Baixada da Vila Virgínia,
tor de Macrodrenagem, apresentado no início de A falta de uma interação maior entre as diver- 3- Baixada do Centro, 4- Cerâmica São Luiz e 5- Via Norte. Planta Figura-fundo da área de estudo. Base: planta cadastral
2002, tornou-se a base para a solução. Observa- sas áreas que trabalham com os rios urbanos, de Ribeirão Preto, Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental- Cadastro Técnico de Obras.
mos que as medidas pontuais realizadas durante a somando propostas que conciliem objetivos de
evolução urbana mostraram-se insuficientes, daí engenharia com sensibilidade ecológica e com
a importância deste estudo integrado envolvendo valores sociais presentes nos espaços ribeiros, im-
medidas estruturais de caráter institucional, pre- pede soluções com resultados satisfatórios, desco-
servacionista e de educação ambiental. As propos- nectando cada vez mais o ribeirão Preto da vida das
tas deste plano têm o seu mérito por ter estudado pessoas. Observamos que, conseqüentemente, as 'tranquilidade', 'ar puro' e 'lugar gostoso' de se viver. mais se mobilizam para cuidar do meio ambiente
de modo sistemático os rios da cidade e por rea- diversas intervenções realizadas no processo de No entanto, esta mesma natureza também cola- e do entorno de seu bairro (GHILARDI ET AL, 2004-
firmar o inevitável controle dos impactos urbanís- desenvolvimento da cidade resultaram em dife- bora para o sentimento de insegurança de alguns b). Confirmamos, assim, urna questão defendida
ticos no sistema de macrodrenagem. No entanto, rentes paisagens ao longo do ribeirão e, principal- usuários, na medida em que o rio traz a enchente, por HoucH (1995), de que a visibilidade dos pro-
peca por não levar em conta o potencial paisagísti- mente, influenciaram as relações existentes entre e a mata do seu entorno pode "esconder bandidos cessos naturais é urna estratégia que promove a
co e social dos espaços ribeiros dentro da cidade. as pessoas e seus espaços. e ações ilícitas". A natureza representando este consciência e a responsabilidade ambiental.
Observamos que falta uma interação Fazendo uma análise atual ao longo da área de contraste de tranqüilidade e insegurança para a co- Enquanto isso, na Baixada do Centro onde o ri-
multidisciplinar nos projetos de intervenção da estudo, foi possível definir semanticamente cinco munidade não é uma particularidade deste lugar, e beirão Preto está canalizado (ver fig.or) e sua paisa-
cidade. Os projetos técnicos não interagem com fragmentos paisagísticos do ribeirão Preto onde sim urna das principais características que os rios gem se caracteriza por elementos antigos que aju-
as questões paisagísticas e sociais, como o inverso nossa pesquisa revelou suas peculiaridades físicas urbanos apresentam atualmente em algumas cida- dam a contar a história da cidade, as pessoas não
também não acontece. Os planos e projetos, de e formas de apropriação e uso distintas. A estes des brasileiras (Costa e Monteiro 2002). demonstram estar atentas ao rio, expressando, na
um modo geral, ao longo da história perceberam fragmentos, denominamos a partir do trecho ur- Na paisagem da Baixada da Vila Virgínia, por maioria dos casos, uma grande indiferença para
os fundos de vales como uma ameaça de enchente bano mais a montante: Vila Guiomar, Baixada da sua vez, observamos que as pessoas têm um con- com ele. Muitos dos entrevistados sequer sabiam
ou como referência para o desenvolvimento do Vila Virgínia, Baixada do Centro, Cerâmica São tato mais íntimo com o ribeirão, o que as torna o nome do rio que por ali passava, ignorando que
sistema viário. As propostas de parques lineares, Luiz e Via Norte (Fig. o6). participantes efetivas da vida ribeira. Ressalta- ele dá nome à própria cidade! Vimos que o fato _
por exemplo, que valorizam o potencial ecológico Verificamos que a paisagem denominada Vila mos aqui o predomínio da ocupação residencial, do rio se apresentar canalizado pode trazer gran-
e cultural das paisagens ribeiras e permearam Guiomar é caracterizada pela presença da água do com casas dispostas de frente para o rio, onde as de apatia aos espaços livres públicos, privando sua
vários planos na evolução urbana do ribeirão ribeirão Preto e da mata ciliar, ainda bastante pre- margens do ribeirão Preto são apropriadas pelos população de uma experiência satisfatória com a
Preto, em nenhum momento foram colocados em servada (ver fig.o9). A forte presença da natureza moradores, que as transformam em verdadeiros paisagem urbana.
prática. A valorização do potencial paisagístico promove o afeto das pessoas por este lugar revelado jardins de suas casas (Fig. 07). Seus usuários, em A paisagem denominada Cerâmica São Luiz
e principalmente social que envolve a área do por nossos informantes através de adjetivos como comparação às demais paisagens, são aqueles que constitui o lugar por onde o ribeirão Preto passa ex-
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destas paisagens, e pudemos ressaltar os valores e Ecológico, as praças e rotatórias, que se encon-
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embora jamais tenham sido concretizados. O tação da Mogiana, hoje perderam a sua finalidade
lazer, muito mais que inerente às margens e às e a conseqüente apropriação dos usuários; o pátio
águas do rio, é uma necessidade requerida pelos de manobras, que hoje forma o parque ecológico,
usuários ao longo de toda a área de estudo. O va- não é usado, pois não existe nenhum elemento de
estrutura física não contempla a escala humana lor recreacional, bem como o estético, jamais pode atração para a cidade e a maioria dos usuários que
clusivamente por terrenos particulares, não existe ser excluído de qualquer uso ou tratamento dado estão no seu entorno imediato apenas trabalha no
afetando "a natureza da vida pública". Constatamos
acesso público às suas margens, estando o ribeirão a um rio (Manning 1997), principalmente se este local. A rotatória, ponto antigo dos circos e local
que o isolamento do entorno do rio pelas avenidas
escondido do habitante comut :1. Neste lugar, o ri- for um rio urbano. Mais do que isto, as margens para jogar bola, foi urbanizada com um jardim e
impedem a criação de experiências sensoriais que
beirão faz duas curvas acentuadas, definidas pelo do ribeirão Preto, como um espaço livre público, perdeu seu valor de uso para os usuários. Desig-
contribuiriam para maior sentimento de afeto e
processo de urbanização, perdendo a principal ca- devem ser reconhecidas como espaços comunitá- ners que seguem um conceito abstrato ou um esti-
permitiriam o estabelecimento de processos de
racterística de um curso d'água: a fluidez contínua, rios, possíveis para a recreação e relaxamento. Tais lo formal particular podem criar ambientes hostis,
principalmente no seu caráter visual. Apesar do rio moldagem do lugar (Duarte 1993).
O ribeirão Preto, deste modo, atravessa a cidade valores foram reconhecidos pelos usuários de toda sem nenhuma proposta social: "quando projetos
permanecer oculto dos olhos do habitante comum, área de estudo: não estabelecem um entendimento social, eles podem
construindo múltiplas paisagens que se forma·
consideramos a importância deste lugar pelo fato ceder nas certezas relativas da geometria, na preftrên-
ram ao longo da sua evolução urbana. Conside-
de ser um grande espaço livre às margens do ribei- O rio serve para isto mesmo, você ter um lugar cia das vagas aparências de uso e significado" (Carr et
rando estas paisagens juntamente com as diferen·
rão que mantém suas características de um espaço para sentar, conversar com alguém, pescar, tomar ba- al, 1995:r8).
tes percepções e comportamentos dos usuários
natural, diferenciando-o da cidade que o engloba. nho. Acho importante sim, uma cidade seca é muito Contudo, dos usuários que freqüentam estas
atuais que delas usufruem, foi possível ressaltar
Já a Via Norte compreende a paisagem de maior ruim. Ribeirão é muito seco, e o único rio que nós áreas de lazer, 62% o fazem para caminhar, le-
os valores e significados comuns que permeiam
extensão e largura da área de estudo. No entanto, temos é sujo ... var crianças para brincar, conversar, andar de bi-
todo o percurso do rio, fortificando-o como urna
é o lugar de menor fluxo e presença de pessoas (moradora.- maioj2003, Vila Guiomar) cicleta, passear e fazer piquenique. Além disso,
identidade única para os usuários ribeiros e co-
(excluindo-se a paisagem anteriormente descrita, independentemente de conhecer ou não áreas
nectando-o na similaridade de outros rios urbanos
onde não existe acesso ao público). Esta paisagem A maioria das pessoas (72%) não reconheceu de lazer ao longo do ribeirão Preto, a maioria das .
já estudados na literatura. Como observamos em
do ribeirão Preto é caracterizada pelas avenidas ~ . .~u""'-'HJld
área de lazer existente ao longo do ribei- pessoas que responderam ao questionário (59%)
diversos estudos, os espaços públicos urbanos, de
expressas (ver fig.o5). Mesmo tendo áreas livres
forma geral, não podem simplesmente respo~der Preto, bem como suas margens, propriamen- praticam alguma atividade de lazer fora de casa,
próximas às suas águas, o desenho urbano deste quase não foram percebidas como área verde sendo a principal atividade jogar bola, seguida por
a questões formais estéticas, ou mesmo amb1en·
lugar não colabora para uma maior apropriação existente. As poucas pessoas que reconheceram passear, pescar, nadar, correr, conversar e andar
humana. Este local não apresenta o que Carr et al tais; eles devem estabelecer um
social e promover o bem-estar das pessoas. áreas que formalmente foram concebidas de bicicleta. Deste modo, com tantas atividades
(199s:3o) apontam como caráter fundamental do o lazer como os clubes particulares, o Parque de lazer exercidas ao ar livre e em grupo, pode-
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modo, analisamos alguns temas que


espaço público - ser um espaço dinâmico - e sua
Figura 09 - Crianças sempre utilizam as margens do ribeirão
Preto para recreação, sendo a pesca uma das principais ativi-
dades (Vila Guiomarl. Foto de Alessandra S. Ghilardi.

da é usado para a pesca, para elas esta é uma ativi- nar uma grande área de lazer. Acreditamos que a
dade do passado. A canalização dos rios urbanos, necessidade de áreas para o lazer nestes lugares é
além de tirar a vitalidade possível de suas margens, bastante relevante porque a maioria das pessoas
Figura OB - A grande maioria dos usuários reconheceu como áreas de lazer ao longo do ribeirão Preto apenas aquelas já concebidas tira muitas vezes a capacidade das pessoas de idea- (6o%) que usam seus espaços livres é residente,
para isto, existente principalmente na Baixada do Centro. No entanto, poucos dos que reconheceram utilizam tais espaços para o lazer.
lizarem uma área de lazer no seu entorno. à exceção da Vila Guiomar que extrapola a média,
Base: planta cadastral de Ribeirão Preto. Fonte: Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental- Cadastro Técnico de Obras.
Mesmo não vislumbrando a recreação direta com 83% dos usuários. As principais inquietações
com o ribeirão, várias outras formas de lazer emer- dos usuários são a falta de áreas recreativas como
giram para os espaços públicos que ainda existem quadras de futebol e vôlei, praças para passear e
no seu trecho canalizado. O espaço público deve descansar, e uma melhor infra-estrutura no entor-
também improvisar atrações e performance que no do rio com bancos e possibilidade de acessá-lo
para lazer citadas foram a pesca e o banho, segui- contemple um dos aspectos que Carr et al (1995) facilmente para tomar banho, pescar ou simples-
mos destacar que os espaços livres públicos têm
das pela contemplação da paisagem ribeira. definiram como sendo uma das necessidades dos mente usufruir de uma área arborizada e florida
um papel importante na vida social da população,
usuários, o contato passivo, a possibilidade das pes- com pequenos animais às margens do rio.
criando oportunidades de convívio em conjunto.
Poderia ter um lugar, por exemplo, para ler um soas participarem de um espaço público apenas
O ribeirão Preto, como um espaço livre, também
livro, (. .. ). Pode estar de baixo da tua árvore num assistindo. Aspecto que também improvisa a ima- Se ele fosse tratado poderia chegar mais perto,
pode ampliar o valor social que já vem cumprindo,
banco confortável se sentindo seguro, porque você vai gem pública de áreas centrais da cidade. colocar uns bancos embaixo das árvores e poderia
através de um maior incentivo ao lazer (Fig. o8).
estar despreocupado, lendo um livro, né? Seria bom As áreas de lazer não são somente uma pos- passar umas horas observando o rio.
Os próprios usuários comentaram que estes
né, ouvindo a sua música, vendo uma paisagem sibilidade de criar espaços sociais às margens (usuário- fevj2003, Via Norte)
espaços deveriam ser promovidos para realmente
bonita. (. .. ) do ribeirão Preto possibilitando meios para a sua
serem utilizados como forma de lazer. Nas análi-
(empresário- maioj2003- Baixada do Centro) apropriação; são também a principal necessidade O rio serve para muitas coisas, ( ... ) se a água fosse
ses dos questionários e entrevistas, s8% dos usuá-
requerida pelos usuários de toda a área de estudo. limpa ... daria peixe... é uma recreação para as pesso-
rios visualizaram a possibilidade de um dia virem
Ao contrário da maioria dos usuários da área de A natureza existente na Vila Guiomar (ver fig.o9), as pescarem, tomarem banho, então, era um canto a
a utilizar os espaços ribeiros de alguma forma. A
estudo que vislumbraram a possibilidade de vir a a proximidade das pessoas com o rio na Baixada mais de recreação em Ribeirão Preto.
possibilidade de utilizar o ribeirão como recreação,
usar as águas do ribeirão, os usuários da Baixada da Vila Virgínia (ver fig.o7), as seringueiras em- (usuário- maioj2003, Baixada do Centro)
presente nos lugares por onde ele passa na cida-
do Centro, onde o ribeirão encontra-se num canal belezando o seu curso na Baixada do Centro (ver
de, aponta para a potencialidade de criar áreas de
de pedras, pouco manifestaram o desejo de usá-las fig.w) e o grande espaço livre existente às suas Com estes depoimentos, percebemos que os
lazer nos espaços públicos ao longo de seu curso.
de alguma forma, pois a maioria não visualizou a margens na Via Norte (ver fig.o5) torna evidente, usuários gostariam que toda a margem do ribeirão
O valor de lazer das áreas livres que cercam o ri-
possibilidade dela vir a ser limpa algum dia. Além na percepção dos usuários, a possibilidade de todo fosse trabalhada com vistas a se tornar um lugar
beirão Preto é acentuado ao se imaginar suas águas
disso, as pessoas nem sequer sabem que o rio aín- o espaço livre que envolve o ribeirão vir a se tor- aprazível de passeio e recreação, principalmente
limpas. As principais formas de utilização do rio
com árvores e infra-estrutura para utilização do presente em 84% dos depoimentos. Após tratar Tudo tem importância. Vivemos em um monte de A presença do corredor biológico nos centros
rio. A presença de elementos da natureza tem do ribeirão como valor de lazer, percebemos que pedras, a única coisa que tem de natural é o rio e um urbanos, além de trazer os sentimentos de tran-
especial significado para as pessoas. Em áreas ele está intimamente associado ao seu intrínseco pouco de mato com terra em volta. qüilidade e sossego dos lugares bucólicos como o
urbanas, elementos como água, árvores e verde valor ecológico. Mais do que o lazer recreativo, (usuário- fevj2003, Via Expressa Norte) campo, acentua a afetividade com o espaço ribei-
em geral são valorizados por pessoas que usam o rio apresenta a possibilidade de um lazer ro. A importância do ribeirão Preto e dos diversos
os espaços livres, fato que se reflete na utilização contemplativo e bastante aprazível através da Diante disso, o rio torna-se o protagonista desta elementos que identificam a presença da natureza
destes elementos nos diversos projetos de espaços fruição dos elementos naturais presentes numa paisagem natural esteticamente bonita e valiosa- na área de estudo é sempre retratada pela afeição
paisagem ribeira, obrigando a paisagem urbana, mente ecológica nos centros urbanos, ressaltada ao lugar. Nas áreas onde o ribeirão Preto se apre-
urbanos atuais (Carr et al 1995).
Seja como for, a importância do ribeirão Preto geralmente fechada, a se abrir e a respirar uma pela própria questão vital que a sua água propor- senta fisicamente de forma mais natural, onde ele
para os usuários de toda a área de estudo está paisagem natural. ciona aos outros elementos da natureza, à cidade e não está canalizado entre dois paredões é inevitá-
às próprias pessoas. A importância da água como vel a citação da palavra natureza ou dos elementos
elemento essencial à vida, possibilitando a ameni- que pertencem a ela como a 'água', o 'ar', o 'tempo
zação do clima quente da cidade, juntamente com fresco', e as 'árvores', para descrever os motivos que
a presença de áreas verdes existentes no seu entor- levam o apreço ao lugar. Animais são freqüente-
Figura 1o_ As seringueiras plantadas ao longo do ribeirão Preto no seu trecho canalizado (Baixada do Centro] ainda recriam no, foi pronunciada por vários usuários: mente lembrados no entorno do ribeirão: flamin-
um ambiente bucólico de beleza natural citado por vários usuários da área de estudo. Foto de Alessandra S. Ghilardi. gos, capivaras, cágados e garças.
Não sei se o ar aqui é tão bom, fresco, por causa da Mesmo com o valor biológico do ribeirão Preto
arborização ou (. ..) pelo o rio passar aí, uma corrente ressaltado na pesquisa empírica, ele está encober-
de água pode ajudar a refrescar (... ) Se você mora nas to por diversas ações degradantes, como a presen-
imediações ... é pegar um filho à tardinha, no domin- ça de lixo e esgoto no seu leito, como verificamos
go, levar para ele ver a água correr(. ..). Eu acho que anteriormente. Estas ações têm levado os usuários
tudo isto é importante para a cidade. a uma certa rejeição à presença do ribeirão, trans-
(usuário- maioj2003- Cerâmica São Luiz) formando-o muitas vezes numa paisagem com
um caráter residual (Costa 2002). Deste modo,
Os rios nos centros urbanos, segundo Costa, criar áreas de lazer recreativas e contemplativas
(2002:sjp) "... são verdadeiros corredores biológicos ao longo do ribeirão Preto, gerando uma paisagem
por onde a natureza chega e pulsa no tecido urba- natural linear atravessando a área urbana, estaria
no". O entorno do ribeirão Preto, não estando mais contribuindo para melhorar as condições do uso e
degradado e suas águas não mais poluídas, pos- apropriação já recorrente em diversos espaços às
sibilitaria o desenvolvimento de uma diversidade suas margens, mas principalmente estaria criando
de vegetação e o conseqüente fornecimento de oportunidades de prover uma melhor qualidade
um habitat natural para pequenos animais, além de vida aos diferentes grupos de usuários localiza-
dos peixes presentes no rio. O desenvolvimento dos às suas margens, bem como para a população
da fauna e da flora ao longo da cidade emergiu da cidade inteira.
nos depoimentos de praticamente todos os usu- O lazer em um ambiente natural, além de pro-
ários entrevistados no entorno do ribeirão Preto, porcionar bem-estar às pessoas, é uma maneira de
reforçando o valor ecológico da sua presença na socialização dos habitantes de uma comunidade,
cidade: pois muitas das atividades de recreação e de espor- _
te, que podem ser promovidas neste espaço, são
(... ) o pessoal joga coisa, contrariando a natureza, desenvolvidas em grupo. Os parques lineares pro-
contrariando os animais (... ).Já imaginou esse rio movem a criação de espaços mais democráticos,
com a água limpinha, mais animais teríamos recebi- devido à possibilidade de diversificação dos usos,
do, não só garças, como outros animais silvestres. bem como conectam diversos bairros e áreas livres
(usuário- maioj2003, Baixada da Vila Virgínia). existentes ao longo de seu trajeto, distribuindo me-

RIOS E PA!Si'IGENS URBANAS_ 115


NoTAS
lhor o lazer e a natureza por toda a cidade, e prin-
cipalmente investindo no papel social dos espaços r· O questionário foi aplicado na população que reside, formado bairro do Tanquinho, às margens do córrego do
livres existentes no entorno do ribeirão Preto. trabalha ou freqüenta a área de estudo, objetivando identificar Tanquinho outro afluente do ribeirão.
0 perfil dos usuários e as suas relações com o ribeirão.

10- Segundo o relatório do prefeito apresentado a Câmara


2· As entrevistas foram divididas em dois grupos distintos: Municipal em 15 de janeiro de 1920.
profissionais de instituições que trabalham com a área de
estudo, como representantes da Secretaria de Planejamento II· In Relatório apresentado a Câmara Municipal pelo seu
CoNSIDERAÇÕEs FINAIS e Gestão Ambiental, do Conselho do Patrimônio Histórico presidente Camillo de Mattos em janeiro de 1928, pg. 6-7.
e do Meio Ambiente do município de Ribeirão Preto, e um
A pesquisa que embasou este trabalho revelou valores sociais e culturais existentes na paisagem pequeno número de moradores e comerciantes significativos 12· In Relatório apresentado a Câmara Municipal em sessão
que o ribeirão Preto não foi considerado como foco dos rios urbanos. ao longo do ribeirão Preto, identificando as suas experiências, de 15 de jan. de 1930 pelo prefeito Dr. Joaquim Camillo de M.
e ponto de partida do planejamento e desenho da Assim, observamos que, apesar de não ser um necessidades e anseios, bem como os elementos e espaços Mattos (p.o9)
paisagem urbana no seu processo evolutivo. As elemento representativo na cidade como uma en- que consideram significativos.
benfeitorias realizadas no seu leito durante a evo- tidade única, pela própria fragmentação formal 13- É clara a influência do plano Agache, plano diretor para a
lução urbana tinham, em sua maioria, preocupa- de sua paisagem, o ribeirão Preto ainda é parti- 3· A observação de campo foi registrada através de anotações, cidade do Rio de Janeiro, onde Reis trabalhou como assistente
ções visuais referentes à imagem da cidade. negli- cipante efetivo da vida de muitas pessoas. A aná- mapeamentos e fotografias, identificando os diferentes grupos do arquiteto Alfred Agache (1927-1930).
genciando questões paisagísticas, que ressaltam o lise das experiências dos usuários nos mostrou de usuários e os diferentes usos e apropriações desses espaços.
valor natural, social e cultural existente no espaço que diversos valores tornaram a importância dos 14- Intitulado "Observações e Notas Explicativas do esquema
ribeirinho. O ribeirão assistiu, assim, a uma frag- espaços ribeirinhos à cidade mais evidentes e tão 4· _Ribeirão Preto- Memória Fotográfica. Ribeirão Preto: do Plano Diretor de Ribeirão Preto- Rio de janeiro 04jsetj1945
mentação semântica dos espaços que percorrem representativos como outras paisagens ribeiras. Ed. Colégio Ltda., sjd -José Oliveira Reis".
em sua passagem pela cidade, o que impossibili- Acreditamos que o projeto paisagístico que consi-
tou a revelação do grande potencial das paisagens dera tanto os processos naturais quanto os valores 5· In Ata da Câmara Municipal apud CloNE (r987=r87·I88) 15- Projetadas para serem implantadas nos cruzamentos das
ribeiras nos centros urbanos, a interação da natu- de cada grupo de usuários surge como uma das vias radiais com as perimetrais criadas por Reis (1945)
reza (e tudo que ela representa) com as pessoas. formas de requalificar e valorizar o ribeirão Preto 6- Artigo 66- Cap.III Higiene e Salubridade Pública
No entanto, ao compreender a evolução urba- para a cidade, aumentando a possibilidade de uso Código de Posturas- o3jagoj1889- da Câmara Municipal 16- Plano desenvolvido pela CODERP (Companhia de
na do ribeirão Preto e a conseqüente formação das e apropriação, além de potencializar os valores de- do Ribeirão Preto, p.655. Desenvolvimento e Econômico de Ribeirão Preto)
múltiplas paisagens, resultado do tratamento for- positados nele, podendo, acima de tudo, promo-
mal diferenciado dado a cada fragmento da área ver a conservação da paisagem natural ribeira e 7· Artigo 20 -Câmara Municipal do Ribeirão Preto Código de 17- Departamento de Águas e Energia Elétrica.
de estudo ao longo da história da cidade, pudemos assim desvendar à cidade as múltiplas paisagens Posturas - 1902, p.15.
identificar as peculiaridades naturais e culturais que hoje se encontram invisíveis para a maioria da 18- Plano desenvolvido pelo escritório Hidrostudio
presentes em cada uma, características que influí- população ribeirão pretana. 8- Artigo 225- Câmara Municipal do Ribeirão Preto Código Engenharia da cidade de São Paulo, a pedido do governo
ram no modo como as pessoas de cada lugar usam de Posturas- 1902, p.88. municipal de Ribeirão Preto.
e se apropriam de seus espaços livres atualmente.
Nossa pesquisa veio se juntar a outros trabalhos 9· O Primeiro Distrito compreendeu o quadrilátero do núcleo 19· Este Plano Diretor foi coordenado pelo Secretário de
que têm confirmado que os rios urbanos, quando original da cidade, situado entre os dois rios já citados. O Planejamento e Desenvolvimento, Isac Jorge Filho, durante o
valorizados como um recurso natural nos espa- Segundo Distrito compreendeu os bairros próximos a área governo do prefeito Antônio Pallocci.
ços livres públicos da cidade, atraem as pessoas central: parte da Vila Tibério, além do ribeirão Preto, e o
e, deste modo, são capazes de dar suporte a uma atual Campos Elíseos, além do córrego do Retiro. O Terceiro 0
20· Item I do art. 42. do Plano Diretor de 1995, de acordo
vida pública, e contribuir para aumentar o pa- Distrito referia-se a todas as outras áreas que não pertenciam com o zoneamento ambiental- Zona de Proteção Máxima
pel social do entorno ribeiro. Seguindo este viés, aos dois primeiros, dentre elas estavam os bairros que (ZPM): abrangendo as planícies aluvionares (várzeas);
acreditamos que se a questão do lazer for levada formavam as regiões operárias e ocupavam as várzeas da margens de rios córregos, lagoas, reservatórios artificiais
em consideração nos processos de planejamento cidade: República, Vila Virgínia, Barracão, às margens do e nascentes, nas larguras previstas pelo código Florestal
e desenho da cidade, pode promover e revelar os ribeirão Preto; Retiro próximo ao córrego do Retiro; e o recém (Lei Federal n. 0 4-771/65 alterada pela a Lei n. 0 7803/89)

116 _RIOS E PAISAGENS URBANAS RIOS E PRISAGENS URBRNRS_ 117


e Resolução n. o 04/85 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA); áreas de preservação permanente que PENNING-ROWSEL E. P. & BURGESS )acqueline. "River Plano Diretor de Ribeirão Preto - Lei Complementar n. so 1
0

ocorram no Município, de acordo com o código florestal. Landscapes: Changing the concrete overcoat? " In Landscape de 31 de outubro de 1995. Fonte: Departamento de Urbanismo
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21- Segundo o artigo 25 do Plano Diretor de 1995 foram Municipal de Ribeirão Preto.
definidos hierarquicamente em três tipos de vias: Via Arterial PINTO, Luciana S. G. Ribeirão Preto: A dinâmica da economia
-Via Expressa de Fundo de Vale- destinada a alta velocidade cafteira de 1870 a 1930. Dissertação de Mestrado, Departamento VICARI, José V. Contribuição para o Plano Diretor da cidade
e proibida ao o trânsito de pedestres; Via Principal Avenidas de Economia da UNESP. Araraquara, 2000. de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 1960. Fonte: Arquivo Públi-
Parques - destinada à circulação geral de velocidade média; co Histórico de Ribeirão Preto.
e Vias Secundárias - Parques Lineares de Fundo de Vale SILVA, Adriane C. B. Imigração e urbanização: O Núcleo Antônio
-destinada à circulação local com via marginal contínua ou Prado em Ribeirão Preto. Dissertação de Mestrado em Engenha-
interrompida, para acesso local. ria Urbana, Centro de Ciências e Tecnologia da UFSCar. São
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cl18 ~fnDS E PAISAGENS URBANAS


A FORMAÇÃO HISTÓRICA DAS PAISAGENS DO
RIO CAPIBARIBE NA CIDADE DO RECIFE
Vera Mayrínck Melo

INTRODUÇÃO

O enfoque deste trabalho é a formação históri- história, que a inter-relação de ambos não ocorre
ca de um recorte da paisagem do rio Capibaribe, apenas, segundo Chacon (1959:9), como "uma
situado na cidade do Recife. Nosso olhar se de- unidade geográfica, histórica, econômica e sociológi-
bruçará sobre uma paisagem cultural, pois ela foi ca, mas também sentimental e poética".
apropriada e transformada pela ação do homem, As transformações decorrentes da ação do ho-
expressando diferentes valores culturais. Para en- mem sobre esse elemento natural e suas margens,
tender o processo da formação desta paisagem, num processo de construção social ao longo da
foram interpretadas as formas como alguns gru- história, resultaram nas paisagens atuais repletas
pos culturais se apropriaram das margens do rio de diversas camadas de significados. Para enten-
Capibaribe na cidade do Recife e confeccionaram dermos as paisagens originadas desse processo
as suas paisagens, e como esses grupos represen- histórico, é necessário situá-las dentro do seu con-
taram/representam essas paisagens e os significa- texto natural, social e cultural, assim como na sua
dos que o rio teve ou tem para eles. Este trabalho ancestralidade (Baker 1992:2). Durante todo esse
visa contribuir para a reflexão sobre a necessidade processo, tais paisagens inspiraram as mais diver-
de requalificar as águas do rio Capibaribe e revita- sas representações, revelando a multiplicidade de
lizar as suas margens, pois só assim esse bem úni- significados que delas emanam. É nesse contexto
co, representado como o símbolo que identifica a que, através das representações retratadas em ma-
cidade do Recife, poderá voltar a ser usufruído pe- pas, crônicas, poesias, romances, relatos de viajan-
los habitantes desta cidade e pelos turistas como tes, litografias, fotografias e pinturas, poderemos
lazer ativo e contemplativo. detectar os significados que tiveram, ao longo de_
O processo de formação das paisagens do rio diferentes períodos históricos, as paisagens do rio
Capibaribe, na cidade do Recife, teve início com a Capibaribe na cidade do Recife, tanto para os que
fundação desta cidade no período colonial, no sé- a construíram, vivenciaram e usufruíram, como
culo XVI, pois esse rio (mapa I) contribuiu como para os viajantes que as contemplaram, admira-
elemento marcante na sua construção e estrutu- ram e exploraram.
ração, estando tão intimamente vinculado à sua
SÉcuLOs XVI A XVIII - FoRMAÇÃO DAS (Castro sjd:34), que se alongava das encostas de
PAISAGENS DO RIO CAPIBARIBE SEGUNDO A Olínda, paralelamente aos arrecifes. Eis como re-
"MANEIRA DE VER" Dos CoLONIZADORES presentou Carlos Pena, no seu poema "O Início",l
a ocupação do "Povo" pelo colonizador português:
II' As primeiras paisagens observadas pelos por-
tugueses, que aportaram no sítio do Recife no sé- "No ponto onde o mar se extingue
culo XVI, ou seja, as paisagens gravadas no olhar e as areias se levantam
! daqueles que a reinventaram na sua representa- cavaram seus alicerces
I ção (Oramas 1999:218), olhar nada ingênuo do na surda sombra da terra

~I colonizador que perscruta a terra incógnita, com-


punha-se de "C'roas e bancos de areia, cordões lito-
e levantaram seus muros
do frio sono das pedras.
:I râneos arenosos e restingas, associados a pântanos de
água salobra, manguezais, lagamares, esteiras e cam-
Depois armaram seus flancos:
Trinta bandeiras azuis
I boas," resultado dos estuários dos "rios Capibaribe, Plantadas no litoral"

I I
'I
Beberibe e "Tejipió" (Lins 1982:101).
Esta paisagem, com características fisiográficas
únicas, contendo componentes de caráter for-
No entanto, além das questões fisiográficas,
contribuiu para a formação desse povoado, entre
temente aquoso, era o que caracterizava o sítio que outros fatores, o cultural, que influenciou sua es-
daria origem à cidade do Recife Como observou colha, fundação e desenvolvimento pelos coloni-
Oliveira (1942:38), "no Reci:fo, o que não é água,Joi zadores. Nesse sentido é que devemos entender
água, ou lembra a água, sendo essa a razão porque a a "maneira de ver" do colonizador português, que,
crismaram de 'cidade anjfbia"'. (. .. ) "Por toda a parte, ao chegar a esse sítio, escolheu a colina de Marim,
revivem as lembranças que as águas desaparecidas que depois passou a se chamar Olinda, como sede
deixaram". do seu domínio. Esta escolha foi feita por um povo
Entre esses elementos fisiográficos aquosos, que, vindo de um país montanhoso, preferiu ocu-
formados pelos rios, o mais evidente, na planície par as colinas, dominando do alto as planícies e as
do Recife, é o rio Capibaribe (Oliveira 1942:43). águas. Isso ocorreu tanto como estratégia de de-
Esse rio tem suas nascentes nas lagoas do Araçá, fesa, já utilizada na Idade Média, como pelo fator
das Estacas e do Angu, na Serra do Jacarará, e ao cultural, pois, para esse colonizador, apesar da pla-
descer a serra, vai percorrendo, através dos seus nície apresentar várzeas fecundas, com água em
meandros, os 253 quilômetros que o separam da abundância e vegetação frondosa, ela era encharca-
sua foz, no litoral do Recife. Nesse percurso, ele Ja e, assim, pouco propícia a um assentamento ur-
vai refletindo uma grande diversidade de paisa- bano por não parecer saudável (Castro sjd:6o-61).
gens, através dos 44 municípios que atravessa e, Como em Olinda não havia um ancoradouro
na cidade do Recife, ele se divide em dois braços: tão seguro quanto aquele que ficava a uma lé-
um que vai para o sul e toma o nome de braço gua de distância, localizado no "Reci:fo de Areia",
......... Limite do município do Recife
Limite de bairros
morto do Capibaribe, e outro que segue para o foi escolhido como porto o "Povo". Assim surgiu
~ Principais vias norte, continuando com o mesmo nome. Antes o povoado do Recife, inicialmente em forma de_
Aeroporto de desaguar no mar, suas águas abraçam ilhas e porto. Este porto, que tinha capacidade para abri-
..+ Aeroclube coroas que ele ajudou a formar. gar embarcações de grande porte, era de grande
:f!P. Terminal Integrado de Passageiros Esse conjunto de elementos fisiográficos contri- importância, pois tinha como principal atividade a
* Farol
buiu para a fundação do "Reci:fo de Areia", primeiro
povoado localizado na extremidade sul do istmo
exportação de açúcar, produto de grande valor no
mercado europeu e que constituía, naquele perío-
Porto
de areia, "mistura ainda incerta de terra e de água" do, a maior riqueza da colônia.
Mapa 1: Bacias Hidrográficas do Recife. Fonte: Atlas Ambiental do Recife, 2000, P· 52
Para dar suporte às atividades portuárias, se- muito restritos. 6 O mapeamento não se restrin- Os rios tiveram um papel fundamental para a no abastecimento d'água para o seu consumo, o
ria necessária a construção de algumas instala- ge apenas a registrar graficamente um terreno produção do açúcar, pois eram responsáveis pela qual "os nobres de Olinda deviam atravessar pisando
ções. Inicialmente, o "Povo", localizado no istmo mas, como "produto cultural", representa també~ fertilidade dos solos de aluvião onde se implan- em ponta de pé, receando os alagados e os mangues"
I~
j
de areia, atualmente uma ilha, possuía a "largura
do istmo, variável entre 30 e 6o passos" (Cavalcanti
o ato de trilhar, perscrutar e experienciar (Lima
2ooo:29). Assim, a interpretação desses "códigos
taram os engenhos, forneciam suas águas para
rnoer a cana, abasteciam os engenhos e eram utili-
(Mello 1987=35).
Entretanto, o porto, considerado o mais impor-
I zados como via fluvial, para o transporte do açúcar tante da América portuguesa devido ao movimen-
1977=61), onde estavam instalados "alguns arma- simbólicos" informará o significado contido na pai-
zéns em que os mercadores agasalhavam os açucares sagem para aqueles que "a fizeram, a alteraram, ao porto, onde seria comercializado e exportado.7 to de exportação de carga tão valiosa como o açú-
e outras mercadorias", algumas casas para abrigar (e) a mantiveram( ... ) (Cosgrove 1998:ro9). O porto, os rios e os engenhos foram fatores deter- car, despertou o interesse dos Países Baixos, que,
"alguns pescadores e oficiais da ribeira", 4 e posterior- A fundação do porto e seu desenvolvimento minantes na formação e estruturação da cidade do com o financiamento e o apoio de embarcações da
mente foi construída uma ermida dedicada a São como atividade econômica só foram possíveis em Recife, pois representavam o suporte para as ativi- Companhia das Índias Ocidentais, uma empresa
Frei Bento Gonçalves, também chamada pelos virtude da produção de açúcar pelos engenhos dades econômicas, baseadas na exploração agríco- tipicamente mercantilista, criada em 1621, invadi-
portugueses de Santelmo. estabelecidos nas várzeas dos rios: "na várzea do la, assim como contribuíram para a formação da ram-no em 1630. A paisagem que se apresentava

d
I O povoado do Recife foi documentado pelos
portugueses, em 1631, através do mapa de J. Tei-
xeira Albernaz 5 (mapa 2), embora os registros ico-
baixo Capibaribe e do baixo Beberibe, na planície do
Recife, possuidora de excelentes solos de cana e situ-
ada à pequena distância do nódulo da colonização"
sociedade existente naquele período.
O povoamento do Recife foi sendo feito ao lon-
go do século XVI e no início do século XVII, pro-
aos olhos dos holandeses que chegaram a Pernam-
buco era a vila de Olinda, o núcleo portuário, na
freguesia de S. Pedro Gonçalves, "as águas do delta,
·I nográficos do Recife e de Olinda, elaborados pelos (Melo 1978:49). longando-se da freguesia de São Pedro Gonçalves,
núcleo inicial, para a ilha em frente ao istmo, do
o verde dos manguezais, a vegetação nativa dos mor-
ros que circundavam a planície e, mais ao interior, os
portugueses nos séculos XVI e XVII, tenham sido
outro lado do rio, chamada de Antônio Vaz, onde engenhos de açúcar com os seus canaviais sa.frejando
foi fundado o convento de Santo Antônio. No en- no massapê das várzeas do Beberibe, do Jiquiá, do
tanto, esse povoamento também ocorreu no sen- Pirapama e do Capibaribe" (Silva 1992:12).
Mapa 2. Porto e Barra de Pernambuco, 1631. Fonte: MENEZES, J.L. (1999, p.88)
tido contrário, "igualmente importante - economi- Essas paisagens foram sendo socialmente cons-
camente importante - que vem do interior no sentido truídas, a partir de várias ações do colonizador por-
do porto.( ... ) àquele movimento que tinha por origem tuguês e dos nativos, que, de forma intencional,
os engenhos de açúcar, desde meados do século XVI foram transformando a natureza, tentando do-
estabelecidos à margem do rio Capibaribe" (Mello mesticá-la, visando satisfazer as necessidades ma-
1992:265-266). teriais e político-sociais desses grupos culturais.
Os engenhos situados na "Várzea do Capibari- O olhar do colonizador holandês que ocupou
be", na segunda metade do século XVI, já tinham a colônia de Pernambuco era diferente do olhar
tomado um grande impulso, tornando-se a princi- do colonizador português, por pertencerem a gru-
pal área produtora de açúcar, devido a certas van- pos culturais distintos, apesar de ambos terem
s -rr...l..f>·"· "''"r~· .
Posso. .L. f"':'"'., .l.AJ•~•;'~ ·
tagens, como: "uberdade do solo, abundancia d'água o mesmo interesse de observar, visando ocupar,
.fi.... I.<"( ..J t..l<-\.••""''""'-
~t,;;~~. para as moagens, e mattas para a extração de lenha controlar e explorar. Nesse sentido, a nova "manei-
e madeira" (Costa r9os:VII). Devido à existência ra de ver" do colonizador holandês influenciou na
desses engenhos, foram-se formando núcleos de preferência do núcleo do Recife como sede do seu
povoações em seus entornvs, constituídos por domínio. Isto ocorreu como resultado de fatores
uma numerosa população multicultural, consti- estratégico-militares e mercantis, pois, segundo
tuída por brancos e negros, senhores e escravos, os holandeses, a cidade de Olinda, devido à irre-
numa convivência, em geral, conflitante, baseada gularidade do seu sítio, só "poderia ser fortificada
na relação escravocrata. mediante grandes despesas e uma força militar muito-
Enquanto esses núcleos eram "centros de grande considerável (... ) mas o Recife, (... ) é considerado ca-
atividade, (... ) verdadeiras zonas de riqueza e pros- paz de ser traniformado num lugar inexpugnável"
peridade" (Costa 1944:129), o núcleo central em (Mello 1976:9).
- .. --~~· .------· _..//
r63o era um simples bairro portuário, com ruas Assim, instalando-se junto ao porto, também
IJPo~TqE~~.DE.PERNABVCO / / / estreitas e irregulares, dependente de Olinda até estariam em segurança seus navios e os carrega-

PA!SilC:HlS URBAI'iA~l
constituiu problema para um povo que dominava nais, ao "modo de Holanda" (Calado 1985). "Não
a técnica de construir em solos abaixo do nível do era bem uma Veneza ... ", como se referiria ao Recife
rnar. Assim, seguindo o projeto proposto pelo ar- o poeta Gonçalves Dias, no século XIX, em sua
quiteto Pieter Post, 9 o conde Maurício de Nassau "Dedicatória aos Pernambucanos""'o (. .. ) mas uma
mandou aterrar mangues e alagados, construir Amsterdam com seus palácios, seus fortes, suas ruas
diques e abrir canais, geometricamente traçados, beira-rio" (Cavalcanti I97TI52):
visando facilitar o fluxo fluvial, evitando, assim, as
inundações, de forma a "impor à água a marca da "Salve, terra formosa, oh Pernambuco,
vontade humana" (Castro sjd:r22). Aproveitando a Veneza Americana, transportada,
existência de um braço de rio que cortava a ilha boiando sobre as águas!
em toda a sua extensão, foi construído um largo Amigo gênio te formou na Europa,
canal, onde "entravam canoas, batéis e barcas para o gênio melhor te despertou sorrindo
serviço dos moradores" (Calado r985:rn). Posterior- à sombra dos coqueiros".
mente, foram construídas sobre os canais pontes
de madeira para a travessia dos pedestres, com Com relação à organização urbana, encontrava-
Figura 1: T'Recif de Pernambuco por Joannes de Laet. Povoação do Recife em 1635. Fonte: MELLO, J.A (1999 p.53) altura suficiente para o tráfego dos barcos, sendo se presente uma nova concepção de cidade, como
as habitações distribuídas às margens desses ca- podemos ver no mapa 3, apresentado por Johan

e coroas, entremeadas pelas águas dos seus rios,


mentos de açúcar. Um outro fator na escolha da Mapa 3: Mapa de Recife, do livro de Johan NIEUHOF, 1703. Fonte: MENEZES, J.L. (1999 P. 1021.
passaram por um processo de mutação decorrente
localização da cidade foi o cultural, ditado pela ex-
da ação dos grupos culturais. Esse processo foi re-
periência de um povo que tinha o domínio sobre
presentado no poema "Soneto", de Francisco José
as águas no seu país de origem, a Holanda, cujo
Sales 8 , na segunda metade do século XVIII:
sítio, recortado pela água, assemelhava-se ao do
Recife. Neste contexto, os holandeses se estabele-
"Muito tempo não há, que o mar cobria
ceram no Recife e incendiaram a Vila de Olinda,
Este mesmo lugar, onde hoje estamos;
sede da capitania de Pernambuco, em r63r, por
Ainda que agora a areia que pisamos
ser considerada uma ameaça à segurança. Diante
Mal seca está das águas que vert.:)( ... )"
disso, a população de Olinda teve que se alojar no
Recife, havendo um adensamento nesse núcleo.
O conde João Maurício de Nassau, ao chegar
Com a expansão do Recife, iniciou-se a ocu-
a Pernambuco, em r637, instalou-se na ilha de
pação da ilha de Antônio Vaz. Podemos observar
Antônio Vaz, onde construiu a cidade Maurí-
como Recife era edificado, em r635, através da
cia, "Mauritzstaadt" para os holandeses. Devido
gravura com o título " Recife de Pernambuco", onde
ao costume de lidar com a água no seu país de
aparecem edificações de dois pavimentos, o sobra-
origem, os holandeses procuraram usá-la corno
do "magro, esguio" e "alto", havendo uma tendência
proteção militar, contribuindo para isso a locali-
à verticalização, devido à escassez de solo firme
zação da ilha de Antônio Vaz, estrategicamente
(figura r). entre os rios Capibaribe e Beberibe. Outros fato-
' Têm início, nesse período, os aterros dos man-
I gues e alagados, dos lados do mar e do rio, visando
res importantes na localização dessa cidade eram
a proximidade do porto, situado em frente à ilha
I a ampliação da terra firme, principiando o alarga-
(Castro sjd:ro8).
I mento do estreito istmo de areia. Assim, desde
O fato de a ilha de Antônio Vaz ter uma parte
sua gênese, as históricas paisagens do Recife,
do seu solo pantanoso e coberto de mangues não
formadas de alagados, mangues, camboas, ilhas

126
Nieuhof, em 1703, no qual consta um projeto de mas permanecendo nos arruamentos a ordenação dução açucareira, e foram vendendo as suas terras
criação da cidade Maurícia. Essa concepção tinha regular holandesa (Menezes 1988:63). (Mello 1992:195-196).
como base os preceitos que, desde o Renascimen- Nesse contexto, o Recife prosseguiu desenvol- Segundo Mello (1992:199), a expansão do Reci-
to, vinham orientando os urbanistas, tendo como vendo-se, e a sua paisagem já não era a daquele fe seguindo o curso dos rios também ocorreu em
diretriz o traçado racional e geométrico da cidade. povoado do início do século, antes da ocupação virtude de o transporte fluvial, principalmente a
Assim, a geometria da cidade formal e regular ho- holandesa, pois, mesmo com a transferência ofi- canoa, desde o século XVI fazer a comunicação en-
landesa prevaleceu, em oposição à irregularidade cial da capital para Olinda, que foi reedificada, os tre o Recife e Olinda, o Recife e a cidade Maurícia e
da cidade informal portuguesa, e com isso "( ... ) 0 portugueses continuaram a utilizar o Recife como o Recife e os engenhos da "Várzea do Capibaribe".
primeiro choque de culturas vem se dar na nova forma centro comercial e sede do governo. Com relação A canoa era utilizada para diversos tipos de trans-
de conceber o núcleo urbano" (Menezes 1999:89). à ocupação rural, os engenhos, com suas casas- porte: de pessoas, de água para beber e de material
Além do plano urbano, Nassau dedicou atenção grandes, senzalas, capelas e com seus núcleos de construção, tornando a comunicação entre os
aos edifícios monumentais, construindo dois pa- populacionais, formando um conjunto ligado pelo núcleos de povoações distantes e o centro urbano
lácios. Mais uma vez, a relação com a água, resul- rio, permaneceram marcando a paisagem. mais fácil e mais rápida. E ainda ressalta Freyre
tante da sua referência cultural, foi determinante Até o fim do séc. XVII, não foram ocupadas, na (1961:69), referindo-se às condições precárias das
na escolha da localização desses palácios. O palá- ilha de Antônio Vaz, as áreas de mangues e alaga- estradas de ligação com os subúrbios e a vantagem
cio de Friburgo ou das Torres (figura 2) moradia dos voltadas para o continente, a Boa Vista. No sé- do transporte de canoa pelos rios: "Preftria-se a sua
oficial de N assau, foi construído na porção norte culo XVIII, essas áreas foram aterradas, visando a água aos caminhos cheios de poeira e de lama por
da ilha de Antônio Vaz, em frente à foz do rio Ca- criação de novas quadras onde foram construídas onde nos tempos mais antigos os carros-de-boi se ar-
Figura 2: Palácio de Friburgum. Gravura em cobre pibaribe, representando um marco na paisagem, habitações, assim como foi sendo feita a ocupação rastavam aos solavancos de um engenho a outro e no
de 1647. Fonte: LAGO, B& P.l1999 p. 266) com as suas duas torres. Esse palácio teve como do continente, ao longo da via originada a partir da século XIX os cabriolés pulavam, as molas morrendo
influência arquitetônica o renascimento italiano. construção da ponte da Boa Vista construída pelos de raiva e de cansaço no fim da primeira légua".
O outro palácio, o da Boa Vista, (figura 3) residên- holandeses (Melo 1978:55). O crescimento da po- O século XVIII não teve a mesma riqueza de
cia de verão de Nassau, ficava situado do lado oeste voação da Boa Vista foi-se dando com a constru- informação iconográfica do século XVII, embora,
da cidade, também voltado para o rio Capibaribe. ção de casas esparsas ao longo do rio Capibaribe, através do relato de Loreto Couto, Iz um cronista
Tendo em vista o desenvolvimento da cidade como também de sítios, chácaras e pomares. da época, possamos verificar como era represen-
Maurícia, o conde Maurício de Nassau mandou Assim, as diretrizes no crescimento da cidade tada a paisagem do Recife naquele período: "O
construir uma ponte, ligando-a ao Recife, cen- foram seguindo as águas dos rios em direção aos caudaloso rio Capibaribe dilatando por este valle suas
tro comercial da colônia. Ao mesmo tempo, foi núcleos de povoações dos engenhos, ou seja, em cristalinas correntes, parece que compassivo de sua
construída a ponte da Boa Vista que ligava a ci- busca dos caminhos naturais das águas. Como sede quer sair a regalo. Occupa o centro deste ameno
dade Maurícia ao continente.n Assim, as pontes ressalta Castro (sjd:134), mais uma vez a presença valle, em que se achão já fundadas mil cento e trese
foram-se constituindo em marcos na paisagem das águas do mar e dos rios influenciava os ca- moradas de casa de pedra e cal, e muitas dellas de
do Recife, inspirando, ao longo da história, as minhos que direcionariam a expansão da cidade dous sobrados,feitas ao estilo moderno".
mais diversas representações, tornando-se oRe- do Recife, sobretudo os rios "( ... ) dirigindo a sua No início do século XVIII, em 1721, o Recife
cife e suas pontes o símbolo mais manifesto da localização, a sua evolução e a sua direção, enfim, a passou à categoria de Vila, contribuindo ainda
cidade. Conforme Freyre (1961:52), são elas que sua colonização urbana da paisagem". mais para o seu desenvolvimento. Assim, no final
fazem o Recife ter uma fisionomia única entre Nesse contexto é que alguns engenhos locali- do século XVIII, Recife possuía quase 2o.ooo ha-
as cidades brasileiras. zados na "Várzea do Capibaribe", numa extensão bitantes, que ocupavam tanto as partes mais eleva-
Os holandeses, ao se retirarem, devastaram que vai da Boa Vista até a Várzea, foram sendo das do núcleo do Recife e da ilha de Santo Antônio,
grande parte do tecido urbano da cidade Maurí- gradativamente retalhados em sítios e chácaras. evitando as inundações, como o continente, cujas
cia, que, mesmo assim, continuou a ser a princi· A maioria dos engenhos que passaram por essa áreas de manguezais, ao longo do rio Capibaribe,
pal cidade da colônia. A ilha de Antônio Vaz foi transformação no final desse século, estavam situ- foram sendo gradativamente aterradas para dar
reocupada pelos luso-brasileiros e reconstruída à ados na margem esquerda do rio Capibaribe. Isso lugar a habitações (Gomes 1997 96-97).
Figura 3: Palácio d Boa Vista. Gravura em cobre maneira portuguesa, com ruas estreitas e largas, foi ocorrendo porque os proprietários dos enge- Assim, a calha do rio foi-se estreitando, com
de 1647.Fonte: LAGO, B& P.l1999 p. 266) os canais aterrados e as fortificações destruídas, nhos foram-se endividando, devido à crise na pro- o aterro dos manguezais em ambas as margens,

128 _f·HDS Pf-HSAGENS URBf:1NnS


na ilha e no continente, e as enchentes foram-se formulassem uma imagem "típica" da paisagem Continuando a trilhar o seu caminho, Koster e velhos, estrangeiros e nativos", conforme constatou
sucedendo, com o rio querendo resgatar o seu dos trópicos (Lima 2000:12). vislumbrou o rio Capibaribe e, situando-se nas o inglês Waterton, que esteve em Pernambuco em
leito original. A cidade foi-se construindo paula- Assim, é a partir do relato dos viajantes que suas margens, observou: 'A vista é excessivamente fins de 1816. I5
tinamente sobre as áreas de mangues e alagados, desembarcaram no Recife nesse período, que po- encantadora, casas, árvores, jardins de cada banda. O Em 1816, também desembarcou no Recife o
conforme relata o poema de Carlos Pena Filho, no deremos interpretar os significados da paisagem rio Jaz a curva adiante e parece perder-se no meio da francês Tollenare ' 6 que, nas suas "Notas Domini-
século XIX, ao se referir à cidade do Recife: da cidade do Recife e do rio Capibaribe para eles, mata. As canoas indo docemente descem com a maré, cais" (1978: 20), relatou suas impressões sobre a
através das representações contidas em seus di- (... ) e tudo reunido forma um espetáculo delicioso. O cidade do Recife, a partir da sua "maneira de ver".
Hoje, serena, flutua, ários e anotações. Esses relatos devem ser lidos rio Capibaribe é navegável todo o ano até Apicucos, a Referindo-se à parte urbana do Recife, teceu co-
metade roubada ao mar, como registros "simbólicos" de grande valor, repre- meia légua além do Monteiro( ... )." mentários sobre os três principais bairros daque-
metade à imaginação, sentando o ato desses viajantes de trilhar os terre- Koster observou também um outro aspecto do le período. O bairro do Recife além de ser o mais
pois é dos sonhos dos homens nos, observar as paisagens e descrevê-las. rio, que amedronta: as cheias. "O rio transborda movimentado, era o que se apresentava "( .. .)mais
que uma cidade se inventa". Logo após a abertura dos portos, em 1809, che- para suas margens na estação das chuvas e, às ve- mal edificado e o menos asseado".
gou ao Recife, vindo da Inglaterra, Henry Koster/4 zes, com grande violência. As terras através das quais Nos arrabaldes, como os sítios e chácaras pos-
No século XIX, com a abertura dos portos a ou- publicando, em 1816, Travels in Brazil (1992:82- ele passa são extremamente baixas nessa região, e a suíam grandes terrenos, enterravam-se o lixo e os
tras nações, a construção dessas paisagens passou 85). Segundo o seu relato, a organização urbana inundação é muito temida por estender-se longe e lar- esgotos nos quintais, quando não eram atirados
a ter uma outra dimensão, como resultado das ex- da "( ... ) vila de Santo Antônio do Recife, comumente gamente. As choupanas de palha, situadas nas bor- nos rios ou mangues. No entanto, na área urba-
pressões culturais ocorridas nesse período. chamada Pernambuco, (... ), consiste em três bairros das, são sempre carregadas e todos os arredores ficam na, principalmente no bairro do Recife, por haver
ligados por uma ponte (... ). Recife, colocada precisa- debaixo d'água." As cheias do Capibaribe eram espaços exíguos e ausência de quintais, o lixo era
mente sobre o arrecife, (... ), (é) o primeiro bairro da uma constante na relação do rio com a cidade, atirado à maré pelos escravos, a água servida joga-
cidade ... composto de casas de tijolos, com três, quatro causando em seus habitantes um sentimento de da na rua e os dejetos eram carregados em barris
e mesmo cinco andares. medo. Durante o P~culo XIX, há informações de pelos escravos, para serem despejados no rio Ca-
SÉcuLo XIx- Os RElATos DOS VIAJANTES A ponte que leva a S. Antônio tem uma estrada cheias que ocorreram em 1854, r869 e r894- pibaribe (Sette 1978:247).
REPRESENTANDO A PAISAGEM DO RIO CAPIBARIBE empedrada nas extremidades. Em cada ponta há Desde o final do século XVIII, começaram Assim, podemos constatar que, já nesse perí-
uma capelinha (... ). A ponte éformada parte de arcos a surgir na margem esquerda das "Várzeas do odo, existia a prática cultural de considerar o rio
O século XIX foi um período marcado por gran- de pedra, parte de madeira (... ) e ladeada de pequenas Capibaribe", sítios e chácaras que se foram mul- como ponto de despejo, ficando clara a relação es-
des transformações na paisagem do Recife, tanto lojas que a tornam tão estreita que dois carros não tiplicando no século XIX, modificando o tipo de tabelecida pelos habitantes da cidade com o rio Ca-
urbana como em seus arredores. Isso ocorreu a passam um perto do outro. ocupação nos arredores do Recife. No entanto, pibaribe, uma relação contraditória, de admiração
partir da abertura dos portos às nações amigas, S. Antônio, o bairro central, é composto inteira- ainda existiam nesse período grandes extensões e desrespeito, que permanece até os dias atuais.
em 18o8, integrando o Brasil no circuito do co- mente de casas altas e de ruas largas, (... ). É o prin- de matas pertencentes a engenhos que ainda Tollenare (1978: 34) também se referiu à exis-
mércio internacional, rompendo assim o mono- cipal bairro da cidade. A ponte que liga S. Antônio a não tinham sido loteados para casas de campo tência de "cabanas" onde residia a população mais
pólio comercial com Portugal. IJ Boa Vista é construída inteiramente de madeira. Não (Mello 1992:197). Na margem direita do rio, pobre. O aparecimento desses aglomerados onde
Nesse período, houve a instalação de agentes do tem lojas, mas é igualmente estreita. A rua principal nos engenhos com seus núcleos habitacionais habitava a população mais pobre teve início com
comércio internacional, principalmente ingleses, de Boa Vista, erguida em terreno antigamente batido também localizados nas "Várzeas do Capibaribe", a instituição da liberdade de alguns escravos ne-
passando a haver um revigoramento do comércio no preamar, é formosa e larga .. O rio Capibaribe, tão esse processo foi-se dando de forma mais lenta, gros, os "negros livres", e com a extinção de alguns
da cidade. No entanto, os viajantes estrangeiros de famoso na história pernambucana, deságua num ca- caracterizando um tipo de ocupação diferente da engenhos. Como ressalta Freyre (2ooo:2n), "( ... )
diversas nacionalidades que à cidade chegaram não nal entre S. Antônio e Boa Vista, depois de ter corrido ocorrida na margem esquerda, com a diversificação os casebres e mucambos foram-se levantando, rastei-
tinham apenas interesses comerciais, financeiros numa certa distância, (... )a leste e oeste( ... )." dessas paisagens. ros, pelas partes baixas e imundas da cidade. Pelos
ou industriais, mas também científicos e artísticos. A expansão da cidade foi sendo feita do Assim, foram-se instituindo os arrabaldes nes- mangues, pelas lamas, pelos alagadiços (... ) ".
Muitos desses viajantes eram artistas ama- continente, da Boa Vista, em direção ao interior, ses núcleos habitacionais rurais, tendo de início Outro aspecto da cidade que chamou a atenção
dores, colecionadores e naturalistas, vindo em como podemos verificar no relato de Koster um caráter sazonal, pois esses sítios e chácaras de Tollenare foi a ponte entre a ilha de Santo An-
expedições financiadas por instituições de seus (1978:38-39): "Passamos Boa Vista e seguimos por eram habitados no verão, visando-se o tratamento tônio e a Boa Vista. Segundo a sua descrição, "( ... )
países de origem, com o intuito de observarem e um apertado caminho arenoso, (... ) dos lados estão das doenças e o deleite proporcionado pelos ba- a ponte (... ) serve de passeio durante as belas noites
fornecerem informações para que os europeus, a as numerosas residências de verão dos abastados nhos de rio. Esses banhos eram compartilhados deste clima; é guarnecida de bancos; o panorama que
partir das "maneiras de ver" desses observadores, habitantes da cidade." por todos os habitantes, "( ... )ricos e pobres, jovens dali se descortina é encantador; ao norte vê-se a cidade

130 .. f<IOS Pf'l!SAGENS lJf<BANAS RIOS P~UEf-iGENS 131


e os pitorescos oiteiros de Olinda; ao sul o rio Capiba- Outro viajante que esteve no Recife entre r8r
9
ribe, o aterro dos Afogados e também o oceano. Ca- e r82r foi o inglês James Henderson 17 • Esse inglês
noas indígenas, escavadas num só tronco de árvores, também destacou alguns aspectos do percurso da
conduzidas por negros nus e munidos de compridas Boa Vista, indo em direção aos arredores do Reci-
varas, cruzam-se em todos os sentidos sobre as águas fe. Entre a Boa Vista e a Ponte D'Uchoa, observou
mansas do rio; (. .. ). " elegantes casas brancas, aparentando um "excelen-
Nesse período, as duas pontes existentes conti- te estado de conservação. Segundo ele, ''li cada cem
nuavam sendo as mesmas que foram construídas jardas, lugares como esse são encontrados, (. .. ),onde
no período nassoviano. Foram várias as represen- o rio se alarga e apresenta um cenário muito agradá-
tações sobre as pontes do Recife feitas pelos via- vel, com a estrada indo por uma curta distância ao
jantes, através dos seus relatos, assim como as re- longo de sua margem".
presentações dos moradores da cidade, através das Assim, mesmo que o percurso para os arra-
iconografias e poesias, demonstrando como estão baldes fosse feito pelas estradas de terra, vislum-
vinculados ao Recife seus rios e suas pontes, como brava-se, em vários momentos, a paisagem do rio
no poema de Ledo Ivo (r98poo), que declara: Capibaribe e das suas margens, num prenúncio
de que o rio no futuro prosseguiria banhando os
''limar mulheres, várias, 21 bairros da cidade, estando sempre presente na
amar cidades, só uma - Recife sua paisagem.
e assim mesmo com as suas pontes Para Henderson, também foi muito agradável
e os seus rios que cantam. o passeio por esses arredores feito pelo rio Capi-
E seus jardins leves como sonâmbulo baribe "(. .. ) cujas margens sinuosas são orladas por
E suas esquinas que desdobram o sonho de Nassau". casas e cabanas brancas, algumas com ótima aparên- Figura 4: Parte de Passagem da Madalena. Litogravura de Luis Schlappriz, meados do século XIX.
cia, (. .. ), cada uma com sua casa de banhos bastante Fonte: Fundação Joaquim Nabuco. Setor de Iconográfica.
Os arredores do Recife foram relatados por Tol- rústica, feita com palha de coqueiro".
lenare (1978) de forma prazerosa, enriquecidos Essas casas, construídas com a frente para o
com detalhes: "Há em volta da cidade do Recife lin- rio, cada uma possuindo um cais de atracamento,
das casas de campo, onde a gente abastada reside de com as escadas descendo para dar acesso às cano·
novembro até o começo da quaresma; as mais notá- as e aos botes, constituíam o perfil de ocupação
veis estão situadas nas risonhas margens do Capibari- da margem esquerda do rio, característico desses ções, não é desprovido de ambigüidade. Curvier I9 Com relação à defesa, ela comentou que, ape-
be; a classe média dos habitantes principia também a arredores no século XIX, como podemos ver nas dizia ser importante para esse tipo de observador sar de a cidade não ser murada, estava cercada por
erguer ali as suas casinhas muito alegres". paisagens retratadas na figura 4· Nos arredores a liberdade de observar a natureza e, ao mes- rios largos, com fluxo d'água rápido, e por estuá-
Quando comenta o prazer estimulado pelo ba- cidade, na margem direita do rio, o perfil de ocu· mo tempo, controlá-la, para não ser surpreendido rios. Assim, só seria possível o acesso ao Recife e
nho revela, que "é nas margens do Capibaribe que pação marcante continuava a ser as extensas áreas ela. No entanto, existia também o momento a Santo Antônio através dos aterros, "(. .. ) mas a
cumpre ver famílias inteiras mergulhando no rio e de matas e os engenhos. reJ1otnenolóf!lOD, que compreendia aquilo que era melhor defesa é o pântano na boca do Capibaribe que
nele passando parte do dia, abrigadas do sol sob pe- A escritora inglesa e artista amadora e visto pelo sujeito. Foi nessa direção que se inunda na preamar, e que se estende até quase o Be-
quenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem Graham, rs desembarcou da fragata Doris deu o relato de Maria Graham. Ao atravessar a beribe". E ainda, sobre o Capibaribe: 'ílpós cavalgar
o seu, perto do qual há um pequeno biombo de folha- Recife, em r82r e, apesar de a cidade estar entre a ilha de Santo Antônio e a Boa Vis- através do pântano, (... ), chegamos à corrente prin-
gem para se vestir e despir". No entanto, Tollenare estado de guerra, visando a independência, ela ressaltou que não poderia haver "( ... )nada cipal do Capibaribe, profunda, larga e muito rápida; -
(1978) não se limitou a tecer comentários sobre os não deixou de observar a cidade e seus belo no gênero do que o vivo panorama verde, suas margens são íngremes e a água lindamente clara:
banhos de rio, também ressaltou a qualidade da selecionando os elementos que o largo rio sinuoso (.. ). A vegetação é deliciosa as margens são guarnecidas de casas de campo, ador-
água do rio Capibaribe, constatando que ''li limpe- essa paisagem, segundo a sua "maneira de os olhos ingleses. Não tenho dúvidas que os pra- nadas de pomares ejardins. (Graham 1992:I3J).
za das águas permite ver um fundo de areia pura, que atribuindo-lhes significado. planos e os rios que fluem vagarosamente atra- As experiências dos viajantes não eram divul-
toma um colorido, verde esmeralda escuro, do reflexo O olhar do viajante que observa a paisagem, particularmente os holandeses, fundadores do gadas apenas através dos livros publicados, mas
da folhagem'. sando posteriormente narrá-la através de (Graham 1992: 126). também em relatórios oficiais, jornais, revistas e
guns edifícios de vulto destinados a fins comerciais bitos e costumes da cidade. Nesse sentido, foram
situavam-se em frente ao rio. Esse já era o prenún- construídos às margens do rio Capibaribe, na área
cio dos edifícios que foram sendo construídos urbana, o palácio do Governo, a penitenciária, o
defronte ao rio, com as vias e os cais localizados teatro Santa Isabel, assim como foram criados
às suas margens; hoje só existe parte desse belo passeios públicos, praças e jardins ribeirinhos,
conjunto arquitetônico. A imagem desse conjunto incluindo alguns trechos da rua da Aurora e da
foi sendo representada, ao longo do tempo, através rua do Sol (Mesquita r998:27). E assim o rio foi-se
da iconografia, e atualmente é uma das imagens impondo à cidade construída, sem permitir que
mais presentes nos cartões-postais. ela se fechasse a ele, constituindo-se o elemento
Ao se dirigir aos arrabaldes, ele ressaltou que as marcante da paisagem urbana.
suas paisagens apresentavam um cenário diversifi- Vauthier, ao chegar ao Recife, declarou-se en-
cado e agradável, apesar de as estradas serem sujas, cantado com as "margens do Capibaribe, agrestes e
l malcheirosas e esburacadas. Visitou o Poço da Pa- belas". Quando dirigiu a Companhia de Obras
2
'

nela e o Monteiro, arrabaldes situados na margem Públicas, formulou um relatório propondo um


esquerda do rio Capibaribe, e a Madalena e a Vár- sistema de navegação fluvial, comunicando as
,I zea, localidades da margem direita, onde caminhou diversas partes da cidade às localidades vizinhas,
por "uma esplêndida estrada nova, margeada por es- uma vez que a mesma era cortada por rios que se
plêndidos canaviais e a cavaleiro de magnijico panora- dirigiam até algumas cidades do interior. Ele tam-
ma" até o rio, atravessando-o de canoa para a Ponte bém sugeriu a canalização de alguns trechos do
d'Uchoa por uma "passagem' (Kidder r972:8o). Capibaribe e recomendou precaução nas mudan-
Figura 5: Cais do Capibaribe- Rua da Aurora., 1911. (Cartão postal do Recife, aquarela!.
A ligação entre os engenhos e o ancoradouro ças de percurso dos rios, que poderiam prejudicar
Fonte: MAIOR, M. & SILVA, l.. (1992, p, 234} das canoas era feita através de "passagens", que co- as futuras retificações (Chacon I959:46-8o).
meçaram a ser abertas a partir da implantação dos Com relação aos serviços de infra-estrutura,
primeiros engenhos na "Várzea do Capibaribe". foi planejado o abastecimento de água potável, e
Como as pontes construídas no século XX foram a iluminação pública passou a ser a gás. Foram
as da Torre e a da BR-ror, não existindo outras no construídas as pontes da Madalena, de Afogados,
(. .. ) para o público. É muito agradável sentar-se af percurso de dez quilômetros ao longo do sinuoso de Jaboatão, a ponte pênsil da Caxangá, e foram
palestras para as comunidades científicas, missio- rio Capibaribe, ainda hoje permanecem algumas
pela manhã ou à noite(. .. )" (Kidder 197279). reformadas a do Recife e a da Boa Vista. Ainda
nárias ou filantrópicas, entre outras. Nesse sen- dessas "passagens", que dão acesso aos barcos que nesse período, começaram a ser feitos grandes
tido, ressalta Lima (2oor:48), "( ... ) a autoridade O cais era um dos elementos muito presentes
nas imagens do Recife, representado na iconogra- fazem a travessia de pedestres ligando as duas investimentos no sistema viário, tanto no núcleo
daquele que falava ou escrevia, mesclava-se ao projeto margens do rio, conservando na paisagem um as- urbano, com a abertura de grandes vias visando
colonizador ou imperialista; a legitimidade do discur- fia do século XIX, porque havia uma movimenta-
ção fluvial muito intensa, de canoas, jangadas, bar- pecto rural (Rocha r96B4-35). o embelezamento da cidade e o fluxo de veículos,
so era garantida pelo papel civilizador do autor, fosse ,As primeiras mudanças relevantes ocorri-
cos a vela (Fig 5). Os pintores da época retratavam como na melhoria dos caminhos existentes e na
ele missionário, hidrógrafo, naturalista, ou artista." das na cidade passaram a ser implementadas na abertura de estradas, facilitando o acesso aos ar-
Foi nessa direção que ocorreu o relato do mis- os transeuntes parados observando a fluência do
rio. No núcleo urbano, o rio predomina na paisa- gestão de Francisco do Rego Barros, o conde da redores da cidade, possibilitando que algumas fa-
sionário americano, Daniel Kidder (r972), que es-
gem até os dias atuais, como também predomina- Boa Vista, que governou Pernambuco entre r837 mílias passassem a residir e não apenas veranear
teve no Brasil durante o período de r836-37 e de e r845. Tendo estudado na França, o governador nos subúrbios.
r84o-42, visitando o Nordeste, para divulgar sua va nas paisagens dos arrabaldes naquele período.
Como enfatiza Sette (1978:57), "Os cais do Recife convidou para participar da sua administração téc- Esse conjunto de reformas implementadas na
religião. 20 De acordo com Kidder, a população do nicos e trabalhadores franceses, coordenados por
revestem-se, (. .. ), de um encanto e de uma sedução ex- administração de Rego Barros deu à cidade uma
Recife ficava em torno de sessenta mil habitantes. Louis Vauthier, visando dar um caráter "moderno"
perimentada, ao que se vê das velhas gravuras, desde outra dimensão, como podemos constatar no rela-
Com relação ao núcleo urbano do Recife, Santo à organização urbana da cidade.
as mais distantes gerações que os palmilharam'. to de Ave-Lallemant/ 2 em r859. Ao chegar a Per-
Antônio era o bairro mais bonito, segundo a sua Nesse contexto, as propostas de urbanização nambuco, ele constatou ser "uma cidade inteira-
"maneira de ver", tendo, em frente ao arsenal do Continuando seu relato, Kidder comentou que
o bairro da Boa Vista era ocupado principalmente da cidade foram sendo implementadas, segundo mente comercial", com uma população de roo.ooo
exército, um cais à margem do rio, construído
por residências e casas de campo. No entanto, al- uma "maneira de ver" européia, mudando os há- habitantes. 'Ao longo das encantadoras lagunas e no
recentemente. "junto à muralha colocaram bancos

RHJS PAWAGENS UF:BANAS ~- 135


meio da cidade, já começaram a desenvolver-se certa Veneza, porque assenta as massas de sua construção servidas. Nesse contexto, quando a situação já nos mesmos a calda da cana, que eles supunham
distinção e beleza nas casas e edifícios públicos recém- quase dentro d'água, aparecendo numa perspectiva tinha atingido graves proporções, diante do de- não ter nenhuma serventia, prejudicando até a
construídos, que um dia farão desta cidade, que sur- aérea, com seus diferentes bairros, flutuando esqueci- sencadeamento das epidemias de febre amarela e população que morava nos arredores dessas des-
ge das águas, uma das mais bonitas do mundo, que do à flor das águas". cólera morbus, respectivamente em r85o e r855, tilarias. A partir daí, as relações entre o homem e
nada tem a invt:jar, nem mesmo de Hamburgo com Joaquim Nabuco,Z 5 ao representar a cidade do é que foi contratada uma empresa para explorar a água começaram a modificar-se drasticamente,
sua magnífica bacia de Alster. De fato, a vista das Recife, comparou as suas diferenças e similari- os serviços de coleta de lixo, escoamento de águas pois, até então, mesmo que não houvesse o devido
diversas pontes para todos os lados, sobretudo para o dades com Veneza, em uma carta publicada n'O servidas e esgoto. As águas servidas continuaram respeito a esses recursos hídricos, o homem não
norte onde pompeia a velha Olinda, é indizivelmente Paiz, no final do século XIX. De acordo com a sua sendo escoadas para o rio através de canalização. os poluía na mesma proporção que passou a fazer
bela. Com todos esses elementos, é Pernambuco a ver- "maneira de ver", "O Recife é com efeito uma Veneza A Companhia Recife Draynage, passou a ser res- com o advento das usinas.
dadeira cidade do fUturo do Brasil". (. .. ) não pelos palácios de mármore do grande canal, ponsável pelo sistema de esgotamento sanitário e Por essas estradas também foram chegando os
Muitos dos viajantes que estiveram na cida- que mostram, (. .. ), a mais bela fase da arquitetura da das águas servidas.
escravos libertos, que até então estavam ligados
de do Recife a compararam a cidades européias, Renascença, não por essa praça de S. Marcos, que só Na segunda metade do século XIX, continua- à agricultura de exportação e que, devido às mo-
sobretudo àquelas em cuja paisagem a água, as tem uma rival no mundo, não pela tradição de más- riam a ser implementadas as propostas urbanas dificações nas relações sociais de trabalho, com
pontes e os canais eram um elemento marcante, caras e barcarolas, doges e pintores, de amor e style- visando "modernizar" a cidade do Recife. Nesse a criação do trabalho assalariado, vieram para os
como Hamburgo, Amsterdã e Veneza. Assim, a te, de cárcere e carnaval, que flutua sobre as lagunas período, o Brasil procurava se inserir no processo centros urbanos, sobrevivendo às custas de bis-
paisagem da cidade do Recife foi sendo represen- (. .. ).O Recife não tem nada disso, mas como Veneza de expansão mundial do capitalismo, o que acar- cates e outros serviços (Barrreto 1994=44). Essa
tada por aqueles que a descreveram e a reinven- é uma cidade que sai da água e que nela se reflete, retou profundas mudanças na economia nacional maioria pobre e livre, sem ter onde morar, foi ocu-
taram, pelos viajantes, através dos seus relatos, e é uma cidade que sente a palpitação do oceano no e, em conseqüência, na economia local. As reper- pando as áreas menos valorizadas nos mangues e
pelos habitantes dessa cidade, através das poesias, mais profUndo dos seus recantos (... ). Melhor porém cussões dessas mudanças vão se dar sobretudo alagados, às margens dos rios, e aí construindo os
crônicas e demais produções literárias. do que em Veneza, os canais do Recife são rios, a ci- nas cidades, com investimentos na modernização seus mocambos, nos monturos que ia aterrando.
Dom Pedro IV3 ao visitar o Recife em r859, dade sai da água doce e não da maresia das lagunas, da infra-estrutura urbana. Nesse período, o Recife (Lubambo 1999:54).
imagina a cidade como Veneza, ao observar que o seu horizonte é amplo e descoberto, as suas pontes era o pólo comercial da região e não tinha somen- Paralelamente às aberturas das vias, os meios
"(. .. ) as casas iluminadas sobre os rios que contornam são compridas como terraços suspensos sobre a água, te a função portuária, embora esta ainda fosse a de transportes foram sendo inovados, com a cria-
a ilha de Santo Antônio, (. .. ), dão-lhe o aspecto do e o oceano vem se quebrar diante dela em um lençol de dominante. Segundo Lubambo (1991:29), o Reci- ção dos trens e das maxambombas, que tiveram
que imagino será Veneza". espumas por sobre o extenso recife que a guarda como fe "(. .. )já não era apenas o 'Porto', era a 'Cidade'". um papel muito importante na expansão da ci-
O Recife também foi comparado a um pedaço trincheira, genuflexório f" Nesse contexto é que foram sendo direcionadas dade, ligando o centro urbano ao interior e aos
da Holanda por Teresa, princesa da Baviera, 24 que Ainda no final da primeira década do século as reformas urbanas, com a remodelação do porto arrabaldes que surgiam (Gomes I99TI03)- A pri-
esteve na cidade em r888. Segundo seu relato, XIX, foram instituídos como normas locais, de- do Recife, que começou a ser implementada no meira maxambomba, cuja linha ia até Apipucos,
"Recife e Santo Antônio causou-nos uma impressão terminados espaços para o despejo dos dejetos, início do século XX, e os investimentos no siste- foi inaugurada em r866, contribuindo para uma
muito agradável. Em lugar algum, em todo o país, os assim como das águas servidas. Essas normas vie- ma viário. As vias foram sendo abertas, conver- grande transformação na ocupação do solo dos ar-
vestígios da ocupação holandes.: conservam-se de for- ram atender às reclamações estampadas nos jor- gindo para o porto e seguindo o curso dos princi- rabaldes.
ma tão clara como aqui; (. .. ). É como se um pedaço nais da época, com relação ao mal-estar causado pais rios, com uma distribuição radioconcêntrica, Com a abertura das estradas e a comodidade
da Holanda tivesse sido transplantado para o Brasil por esses despejos que eram feitos no rio, em lo- característica marcante na forma de expansão da dos meios de comunicação, as casas passaram a
(. .. ). Casas estreitas e altas, com telhados inclinados cais próximos às estações de passageiros dos trens cidade, ligando-a ao interior, facilitando, assim, a ser construídas com a frente para essas vias, ape-
(a pique) permitem-nos supor que nos achamos no e das maxambombas, (Sette 1981:248). Apesar de comercialização dos produtos de subsistência que sar de não serem abandonados os acessos ao rio,
Norte germânico". os locais de despejo terem sido mudados, os de- abasteciam a cidade.
pois ele ainda oferecia a vantagem do transporte
Alguns habitantes representaram o Recife, jetos continuaram sendo jogados ao longo do rio Era transportado também por essas vias, o açú- de canoa e do banho como lazer ou higiene. No
durante o século XX, recorrendo a comparações Capibaribe, e somente algum tempo depois é que. car trazido das usinas localizadas no interior, que entanto, o lado da estrada foi paulatinamente se
com Amsterdã e Veneza. O cientista social Josué foi proibido fazer despejos em qualquer sítio onde começaram a substituir os engenhos bangüês a impondo como o lado nobre, com a frente das ca-
de Castro (1992:34), ao se referir à formação da o rio passasse. partir de r884- De acordo com Andrade (1966:84), sas se voltando para ela e o lado do rio foi se tor-
cidade do Recife, ressaltou: "Foi nesses bancos de Com o crescimento da cidade e o seu com as usinas, os rios perderam as funções que ti- nando os fundos das casas. Esse contexto também
solo ainda mal consolidados - mistura ainda incerta sarnento, as condições higiênicas foram-se nham ao tempo dos engenhos, "como fonte de ener- se verificou em outras cidades brasileiras que,
de terra e de água - que nasceu e cresceu a cidade do teriorando, principalmente devido à falta de gia, (e) como força motriz", e começou o processo durante o processo de urbanização, passaram a
Recife, chamada de cidade an.fivia, como Amsterdã e sistema de eliminação dos dejetos e das de poluição, pois os usineiros passaram a lançar negar os rios, dando-lhes as costas, iniciando-se
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uma ruptura progressiva entre o homem e esses vas monumentais, de acordo com as concepções sobreviver de biscates e ocupar áreas sem nenhu- dais dominantes perderam o interesse por deixar
elementos hídricos. de Haussman. ma infra-estrutura, localizadas, em sua maioria, sua marca nessas paisagens, de acordo com a sua
No final do século XIX, a cidade do Recife já O crescente adensamento populacional no Re- à beira dos manguezais. Assim, as áreas pobres "maneira de ver", elas passaram a ser esquecidas.
não tinha feições tão provincianas como no início cife faria com que a saúde pública se tornasse uma foram-se expandindo pela cidade e ocupando aos Enquanto no centro do Recife, as paisagens do rio
do século. Como ressalta Menezes (1978 b:26o), questão fundamental nas ações de modernização poucos as áreas alagáveis de mangues e de várzeas Capibaribe, cortado por pontes e com edifícios im-
"O século XIX será, na verdade, o grande século do dessa cidade, pois se encontrava em uma situação do "baixo curso do Capibaribe" (Melo 1978:29). Foi ponentes às suas margens, viraram cartão postal,
Recife. Veremos o seu crescimento, mas também crítica. Eram feitas denúncias nos jornais da épo- nesse contexto que a histórica "Várzea do Capiba- as paisagens nesse conjunto de bairros passaram
assistiremos o seu caminhar lento para a destruição ca, assim como diagnósticos sanitários, mostran- ribe" começou a ser compartilhada por pobres e a ser visíveis apenas para o observador que as vis-
que se processará nos seus últimos anos com as obras do os níveis de insalubridade que a cidade tinha ricos, e os contrastes entre os palacetes e os mo- lumbrava em suas margens ou que fazia o percur-
do porto". alcançado. Diante desse quadro, o poder público cambos passaram a constituir uma característica so pelo rio. Foi através desse percurso, retratado
As reformas urbanas visando a dar à cidade percebeu que a questão da higiene estava levan- das paisagens do rio Capibaribe nos subúrbios em sua memória, que João Cabral de Melo Neto
uma fisionomia "moderna", de acordo com os pre- do a cidade a uma situação de ingovernabilidade ali localizados. representou as paisagens do Capibaribe, no seu
ceitos urbanos adotados nessa época, foram im- e, assim, seria necessário que se buscassem so- Esses contrastes inspiraram crônicas, poesias e poema "O cão sem plumas". 26
plementadas de acordo com a "moda" européia. luções visando o enfrentamento do problema de artigos de jornal que, nesse século começaram a
Nesse contexto, essa "maneira de ver" buscou criar saúde pública. Essa causa passou a ser abraçada surgir, denunciando e lamentando a degradação "I I Paisagem do Capibaribe"
"novas paisagens" urbanas, centradas na abertura por médicos, higienistas, autoridades governa- das paisagens do rio Capibaribe. Para Josué de
de vias, prédios e monumentos. mentais e intelectuais (Rezende 199T44l· Castro (1992: 258), "O Recife, cidade dos rios, das '/l cidade é passada pelo rio
Com o intuito de solucionar essa questão, foram pontes e das antigas residências palacianas, é também como uma rua
formalizados Planos de Saneamento e Políticas a cidade dos mocambos -das choças, casebres de bar- passada por um cachorro;
sanitaristas conduzidos pelo paulista Saturnino ro batido a sopapo, com telhados de capim, de palha uma fruta por uma espada.
de Brito, que, em 1908, foi convidado a assumir de folhas de flandres (... )".
SÉC. XX- DEGRADAÇÃO DAS PAISAGENS a Repartição de Obras Públicas. A reforma de As paisagens do rio também se apresentavam Aquele rio
DO RIO CAPIBARIBE Brito, pautada no higienismo e no esteticismo, degradadas, como resultado da poluição causada era como um cão sem plumas.
apontou alguns problemas como prioritários pelas usinas, que jogavam as suas caldas, ou vi- Nada sabia da chuva azul,
As reformas urbanas que, desde o século XIX, na resolução da questão sanitária, entre eles o nhoto, no rio, causando um grande impacto no da fonte cor-de-rosa.
visavam dar à cidade ares de "modernidade", conti- dessecamento e a drenagem dos pântanos, pois, meio fluvial. O lançamento do vinhoto das desti- (. .. )
nuariam a ser viabilizadas no século XX. Segundo sob a perspectiva higienista, os pântanos e os larias, nos períodos em que o volume d'água dos Sabia dos caranguejos
Rezende (199T3I), "passados os tempos da colônia e manguezais eram considerados insalubres e focos rios era reduzido, causava grandes danos à fauna de lodo e ftrrugem.
do Império, consumada a abolição da escravatura e de miasmas. Nesse sentido, os pântanos foram ictiológica, tendo repercussões nas condições sa- Sabia da lama
proclamada a tão sonhada República, o Recife entra- aterrados e transformados em parques, visando nitárias das regiões atravessadas pelos rios (An- como de uma mucosa.
va no século XX acreditando nos sinais do progresso". o embelezamento da cidade. Foram ressaltados drade 1989:34). (. .. )
Nesse sentido, além de serem iniciadas as re- também como causa da precariedade da higiene No século XX, a partir da década de 20, os ba- Aquele rio
formas das instalações do porto, o que se planeja- pública, as condições de moradia de grande nhos de mar e o uso da praia com a finalidade te- jamais se abre aos peixes,
va era investir na sua transformação urbana, pau- parte da população recifense que habitava a beira rapêutica, de recreação e de lazer se tornaram cor- ao brilho,
tada no traçado da cidade e numa ação higieniza- dos mangues, além dos mocambos, visíveis na riqueiros, com os veraneios passando a ser feitos, Abre-se em flores
dora. Assim, a paisagem do Recife passou a ser paisagem, que expressavam a condição de miséria principalmente na praia de Boa Viagem, zona sul pobres e negras
forjada a partir da "maneira de ver modernizante" da cidade, indo de encontro aos padrões de estética da cidade. E, assim, a água nobre, que antes era a como negros.
imposta pelas elites, visando o embelezamento da e beleza que se pretendiam alcançar. do rio, passou a ser a do mar. Abre-se numa flora
cidade. Nessa direção, o bairro do Recife passou a A mudança nas relações de trabalho no inte- A partir desse período, as paisagens do rio Capi- suja e mais mendiga
ser palco da destruição de uma parte do seu teci- rior, a partir de 1930, promovida pela indústria baribe, no trecho que envolve o conjunto de bair- como são os mendigos negros.
do urbano, tendo como justificativa a renovação açucareira, resultou na expulsão dos trabalhado· ros localizados na antiga "Várzea do Capibaribe", Abre-se em mangues
do porto. As duas avenidas abertas, a Rio Branco res para a cidade em busca de emprego (Barreto passaram a ser produzidas pelos grupos sociais de folhas duras e crespas
e a Marquês de Olinda, ligavam o porto às pon- 1994:58). Devido à baixa qualificação profissional não dominantes, os "excluídos", sendo os mocam- como um negro.
tes, ou seja, o mar ao rio, visando criar perspecti- desses trabalhadores, a única opção na cidade era bos parte destas paisagens. Como os grupos so- (. .. )

138 _f-H OS F'f.HSAGENS URBANí:tS RIOS P(l!Sf1GENS URBANAS_ D9


Ele tinha algo, então, os pobres, que perdiam seus mocambos (Silva tratamento, pois desde a década de vinte do sécu-
da estagnação de um louco. q_ue foi sendo estabelecida entre os habitantes da
1992:67)- lo XX, houve uma pequena expansão, seguida de
Algo da estagnação Foi a partir da década de 1930 que a paisagem nda~e ,e.o seu rio, pois a "História do Capibaribe é
estagnação, dos investimentos no saneamento da
do hospital, da penitenciária, dos asilos, da cidade começou a ser moldada segundo a "ma- a H~stona do Recife" (Chacon 1959:roo). É nesse
cidade"7• Na década de 90, há apenas 30% de rede
da vida suja e abafada de esgotamento sanitário. 2 s contexto. que este autor questiona: "Por que, então,
neira de ver" dos urbanistas. Foram vários os urba-
de roupa suja e abafada) nistas contratados para elaborar planos urbanos, a~ a~t~nd~des o desprezam tanto com a sua negli-
O quadro de degradação que apresenta o rio
genna. Dnxam-no sujo, coberto de lama, assoreado".
por onde veio se arrastando. visando remodelar a cidade, tendo como perspec- Capib~r,ib: tem sido alvo de denúncias na impren-
~ntretanto, cabe acrescentar: será que só as auto-
Algo da estagnação tiva sua "modernização", pautada num saber técni- sa penodiCa e em outras publicações literárias,
dos palácios cariados, co e racional. Entre esses planos, alguns previam ndades o desprezam ou a própria população, na
como aponta Chacon (op.cit.:roo), desde 1847.
comidos sua relação contraditória com o rio? Qual tem sido
o tratamento das margens do Capibaribe, como Apesar desse contexto, o rio ainda continua a ins-
de mofo e erva-de-passarinho. o significado desse rio para a população do Recife?
a proposta de Fernando Almeida, em 1932, que pirar poetas e intelectuais, como Josué de Castro
Ess_a população não tem desenvolvido uma relação
Algo de estagnação previa mudar o traçado urbano da cidade com a (1992 257-258}, que, apesar de ter denunciado a
das árvores obesas implantação de parques no entorno do rio Capi- de mtegração com o rio e a água no seu cotidia-
miséria em que vive a população que ocupa as áre-
pingando os mil açúcares no. Será que existem possibilidades de mudança
baribe e ao longo das grandes avenidas (Barreto as alagadas às margens dos rios, também mostrou
nessa relação? Ou o rio Capibaribe continuará
(. .. ) 1994:68). a contribuição dos rios na formação da paisagem
do Recife: sendo representado por sua presença nem sem-
Aquele rio saltou alegre em alguma parte? Em 1942, foi convidado o urbanista Ulhôa Cin-
pre poética na cidade e como símbolo da cidade
Foi canção ou fonte tra, diretor de obras da prefeitura de São Paulo, "Este ar~ este solo onde assenta a cidade do Recife,
em alguma parte? do Recife, juntamente com suas pontes, mas sem
para elaborar o plano de remodelação e expansão e donde a ndade tira toda a vida de sua fisionomia,
Por que então seus olhos da cidade do Recife, juntamente com uma comis- o aproveitamento de todas as potencialidades que
são eftitos exclusivos dos rios que a banham. Do Ca- ele oferece?
vinham pintados de azul são. A sua proposta procurou aproveitar algumas pibaribe e do Beberibe. Por toda a cidade eles correm
nos mapas? diretrizes existentes em planos anteriores e consi- em zigue-zague, passando ali, acolá, debaixo duma
derar as condições físicas existentes, de maneira ponte, dando um ar de doçura à cidade. Cidade de
As usinas não só degradaram as águas do que não fossem feitos grandes investimentos em paisagem doce, em pleno nordeste ardusto (... ).
rio, como produziram um impacto ecológico aterros. Com relação ao rio Capibaribe, a proposta Recife _( ... ) é, un: dom dos seus rios (. ..). Rios que
da maior gravidade. Isso porque, ao expandir a desse urbanista foi valorizá-lo, sugerindo que fos- deram ongem a ndade e foram importantes fatores
área cultivada de cana, as usinas derrubavam as se implantado um parque linear até Dois Irmãos, de sua história. Rios nativistas, (.. .), que ajudaram a
matas ainda preservadas, muitas delas em terre- seguindo o seu curso até o ponto em que o rio expulsar da pátria o invasor holandês. Rios valentes
nos de encostas, provocando erosão e o entulha- flete a noventa graus, (Baltar 2ooo:121). Tanto a aos. quais o caboclo do Nordeste empresta em sua Jan:
mento dos vales, o que repercutia nos rios, que proposta de Ulhôa Cintra, como a de Fernando tas~a, uma alma impetuosa e violenta, de quem nasce
se enchiam de sedimentos transportados pelas Almeida, com respeito ao rio Capibaribe não fo- predestinado à aventura (.. .).
enxurradas, tornando-se cada vez menos profun- ram realizadas. O Capibaribe que vem de mais longe, (.. .), desce
dos e mais largos. A destruição das matas ainda A cidade do Recife, que se configurava como aos francos por cima das pedras, encontrando cida-
provocava alteração nos regimes dos rios (Andra- centro de atração de imigrantes, continuou expan- des e povoações, contando simbolicamente todas as
de 1966:34). Esses fatores, juntamente com os dindo-se, incorporando mangues e alagados, para peripécias da vida do sertão. Ora num tom humilde
aterros que foram sendo feitos às margens do rio abrigar a população que, em 1950, era de 534.468 quando é tempo de seca e de necessidade (... ). Or;
Capibaribe, desde o século XVII, foram responsá- habitantes. Os serviços de abastecimento d'água, num tom de pabulagem, transbordando das mar-
veis pelos grandes danos causados à população, coleta de lixo e saneamento não atendiam a 30% gens a opulência das suas águas ruidosas, relatando
resultado das cheias que se sucederam como um da população, e ainda existia um grande déficit a abundância das terras onde as chuvas ftrtilizan-
fenômeno cíclico. Durante o século XX, foram habitacional: 55% das habitações do Recife, nesse t:s se derramaram copiosamente. Na descida vão as
registradas várias cheias, a mais catastrófica de período, eram mocambos (Barreto 199473). aguas refletindo sempre paisagens diferentes" (Castro
todas em 1975. Assim, o rio Capibaribe algumas A precariedade nos serviços de saneamento 199 2:257}-

vezes "perdeu a paciência" e deixou a população fazia o rio Capibaribe degradar-se cada vez mais; Através das representações, desde o século
do Recife amedrontada, ao procurar retornar além do vinhoto das usinas, passaram a ser lança- XVII, pôde ser constatada a importância desse rio
ao seu leito original, atingindo principalmente dos no rio os esgotos domésticos, sem nenhum na formação das paisagens do Recife e a relação

140
19- Apud Lima (op.cit.: 46).
NoTAS BAKER A (r 9 2) "I d .
20· Em 1845. publicou nos Estados Unidos o livro "Brazil ' · 9 · ntro uctron on ideology and land ,
I . Id scape.
engenheiro Pistor ou Marcgrave -, a capital foi iniciada, n. _eology and landscape in Historical Perspective: Essays on the
and the brazilians portrayed in historical aMd
»
descn't.we sketc hes.
r- Cidade flúvio-marinha, capital do Estado de Pernambuco, com a assistência do conde, de acordo com a concepção meamngs ofsome places in the past. (Orgs.) Baker A t 1.. C
A obra sobre o Brasil mais conhecida nos Estados Un'd b ·d . , ·e a n. am-
I OS,
está situada entre 8°o4'oo" de latitude sul e 43°52'oo" de norte-européia (Mello:198T84). Esse plano urbanístico foi n ge, Cambndge University Press. pp. 1. _
ten do alcançado um grande sucesso (M awr
· & s·l .
1 va: op.crt.: 14
latitude oeste (Gomes:r99T58). considerado um dos primeiros nas Américas. 149)-
BALTAR, A. (2ooo). Diretrizes de um Plano Regional para oRe-
2· Segundo Melo (1978:66), o reconhecimento da superfície ro- Gonçalves Dias (1983=63) In: Presença Poética do Recijé: 21· Apud Chacon (op.cit.:8o). cife. ReCJfe: Ed. Universitária da UFPE.
líquida no sítio primitivo do Recife, assim como da crítica e antologia poética. (Org.) Coutinho, E. Rio de Janeiro,
importância da água na sua configuração são referência Livraria José Olympio Editora( Fundarpe. BARRETO A M ( )0 · ,
22-Apud Cavalcanti (op.cit.: 271 . 272 ). . ' · · 1994 Recife atraves dos tempos: a formação
comum daqueles autores que tratam das origens do Recife da sua pmsagem. Recife: FUNDARPE.
e da sua fisionomia urbana. Dentre esses, são citados: II- Essas foram as pontes mais importantes, não só porque 23· Apud Auler (1975=361).
Valdemar de Oliveira (1942), Aderbal Jurema (1952), Antônio ligavam o Recife a Maurícia e esta ao continente, como por CALADO, F.M. (1985) O valeroso lucideno e triunfo da liberdade
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Brasil. an e o
26- Melo,]. C. (r965.: 16r).
3- Carlos Pena apud Chacon (1959:122). 13· Até então, o Recife estava vinculado aos interesses da
metrópole portuguesa. No entanto, foi-se rebelando contra
27· Os últimos investimentos no saneamento da cidade foram --~(1992). Visões do Recife.In: O Recijé: quatro séculos de
4- Gabriel Soares de Souza, op. cit. p. 19. o "pacto colonial" e abrindo o seu porto para o desembarque sua pmsagem (Orgs ) M · M S ..
feitos por Saturnino Brito, em 190 8. • c·alor, · · et aln. Recife: FUNDAJ I
das idéias liberais européias. Massangana; PCR. Pp_ 253 _2 6o.
5- Segundo Mello (1976:170), a cartografia portuguesa, até o 28- Atlas Ambiental do Recife (2000 : _ _
103 1041
século XVII, era essencialmente costeira, atendo-se pouco aos 14- Henry Koster veio ao Recife para tratamento de uma CAVALCANTI VB (1 ·
. . ' · · 977) Recijé do Corpo Santo. Recife: Com-
registros do interior das terras e à topografia urbana. Assim, é tuberculose, permanecendo aqui por um longo tempo. Sendo panhia Editora de Pernambuco; Prefeitura Mu . . l d
cife. mCJpa 0 Re-
surpreendente que, neste mapa, de acordo com Mello, esteja bom observador e anotando o que via: os costumes, o povo, os
representado um arruamento no bairro de São Frei Pedro detalhes da cidade, publicou em Londres, em 1816, ''Travels in
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daMtdP a
~ a , e .ernambuco, pelo despejo de resíduos e águas servidas
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y, · ·· msagem,
FUNDAJjMassanganajPCRjURBjDPSH. interessado em botânica, costumando escrever suas notas ao~ . empo e Cultura. ( Org.) Corrêa R L t l .. R. d .
• · · e a n. 10 e }ane1ro·
domingos (Maior & Silva: op.cit.: 90). EdUERJ, pp. 9 2-1 2 3- .
;---:--(1984)- Poder político e produção do espaço. Recife:
7· Os engenhos de açúcar, num período em que não undaJ, Ed. Massangana.
havia estradas que facilitassem o escoamento do produto, 17- Autor do livro sobre o Brasil ·~ history ofthe Brazi!: COSTA, 0.(1944)- O Recife, o Capibaribe e os antigos enge-
localizavam-se próximos de rios navegáveis e da costa comprising its geography, commerce, colonization, aborígina! nhos. In: Revista do Norte, no 2, dezembro. Recife, p. VI.
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8- Francisco José Sales apud (Gomes:199776). 18- Maria Graham veio ao Recife acompanhando seu re1ra em Pernambuco r . C ,1: • .
I~- (r9:5) "Dom Pedro li- Viagem a Pernambuco (em Recife.
· n. onJerenna Assucareira do Recijé.
o capitão Thomas Graham, comandante da fragata Doris.
. n. Rev!sta do Arquivo Público do Estado de Pernambuco
9· Hoje se questiona a estada de Pieter Post no Brasil. (Maior & Silva: op.cit.: 122). a. XXI 'no 31. .
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142 _Rim; Pí~lSAGENS Uf<BANAS


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0 RIO SANHAUÁ E A CIDADE DE JOÃO PESSOA
Flavíana Vieira Raynaud

INTRODUÇÃO

1
Este capítulo apresenta uma discussão sobre a tância da presença dos rios nas cidades. No que
importância dos rios urbanos e dos espaços livres diz respeito à inserção destas águas no meio ur-
públicos na estruturação das cidades, compreen- bano, destaca-se com freqüência a ausência de po-
dendo a paisagem e a forma urbana como produto líticas públicas que promovam sua valorização, o
da experiência de seus usuários. Neste sentido, di- que contribui para configurá-las como os recursos
rige um olhar específico sobre o rio Sanhauá, loca- mais intensivamente utilizados e mais freqüen-
lizado na cidade de João Pessoa- PB e sobre os es- temente agredidos em todo o mundo. Os vários
paços livres que se estabelecem às suas margens e estudos sobre a importância dos valores ambien-
no entorno do bairro do Varadouro, local original tais e as várias conferências internacionais sobre
de fundação da cidade. O caminho percorrido por o meio ambiente, realizados a partir da década de
este rio, ao longo da nossa área de estudo, com- 6o, conduziram ao reconhecimento da fragilidade
preende trechos de ocupação irregular de suas dos sistemas naturais e dirigiram um maior enfo-
margens, através da implantação das habitações que sobre a necessidade de sua conservação e inte-
de comunidades carentes sobre o manguezal, e gração à vida das cidades (Mann, 1973). A partir de
diversos outros obstáculos que contribuem para então, tem-se observado o incremento de estudos
o isolamento e segregação dessa paisagem. Reco- e projetos que valorizam a questão do equilíbrio
nhecendo seu potencial ambiental, paisagístico e entre os sistemas naturais e humanos na constru-
cultural, esta pesquisa tem como objetivo compre- ção da paisagem urbana, questionando o desenho
ender as dinâmicas dos processos de desenvolvi- urbano convencional predominante nas cidades
mento desta área a fim de fornecer subsídios para contemporâneas e as dificuldades de interação
elaboração de propostas que valorizem esta área entre esses sistemas (Hough, 1995). Os espaços_
ribeirinha, a conservação do seu ecossistema e a livres públicos, compreendidos como centros de
redescoberta de uma paisagem oculta da cidade. cultura e natureza nas cidades, se constituem em
A construção da paisagem urbana, compreendi- elementos fundamentais para o estudo destas pai-
da aqui como um processo dinâmico de combina- sagens. Neste sentido, várias pesquisas têm pro-
ção entre sistemas naturais e urbanos, é analisada curado demonstrar a importância da análise da
neste capítulo a partir da compreensão da impor- experiência humana nestes espaços para a com-

RIOS PfHSAGENS URB(lNfiS~ 14 7


preensão dos valores e significados atribuídos de planejamento e projeto que considerem aspec- Ü VARADOURO E O RIO SANHAUÁ

a estas paisagens, levando em consideração a tos ambientais e sociais na construção da paisagem


diversidade dos grupos sociais e a forma como (Lynch, r96o; Carr et al,r992; Penning-Rowsel e A associação destas duas dimensões de análise - estabelecimento da comunicação funcional, visual
interagem e apropriam-se destas áreas. Burgess, 1997;Marcus e Francis,1998). ambiental e cultural- permite uma compreensão do e simbólica da cidade com as águas do Sanhauá,
2
Esta pesquisa caracteriza-se pelo seu caráter Os procedimentos metodológicos utilizados processo de construção da paisagem do Varadouro contribuindo para que a cidade de João Pessoa per-
multidisciplinar e estrutura-se a partir de duas para realização desta pesquisa tiveram como obje- e, mais especialmente, das relações que se estabele- manecesse durante três séculos e meio "presa" ao
abordagens teóricas (Costa, 1993; Costa e Mon- tivo coletar dados quantitativos e qualitativos que ceram entre o rio Sanhauá e seu entorno. Localiza- rio e "de costas" para o mar. No entanto, o processo
teiro, 2000). A primeira refere-se ao estudo contribuíssem para a discussão destas relações da no centro histórico da cidade de João Pessoa, às de intensificação da urbanização em direção ao lito-
dos rios urbanos como forma de compreender a aplicadas à cidade de João Pessoa, sua população margens do rio Sanhauá, este bairro abriga o local ral alterou completamente a relação entre a cidade
dinâmica do processo natural na formação da e suas águas. Estes procedimentos estruturaram. de fundação da cidade - a porta de entrada para as e este curso d'água e conduziu ao processo contí-
paisagem urbana e sua importância na cons- se a partir de uma primeira etapa de pesquisa do- primeiras embarcações portuguesas, em fins do sé- nuo de desvalorização e abandono das atividades
trução dos valores ambientais, paisagísticos, cumental e iconográfica, e de uma segunda etapa culo XVI. O bairro do Varadouro, um dos principais locais, as quais foram praticamente extintas a partir

I culturais e estéticos destas paisagens (Hough,


1995; Manning, 1997). A segunda refere-se às
referente à pesquisa de campo propriamente dita.
O cruzamento entre elas possibilitou a análise do
centros comerciais da cidade, foi responsável pelo da segunda metade do século XX (Fig. r e 2).

I
'~
relações entre paisagem natural e humana nos
espaços livres, em particular nos espaços livres
processo evolutivo da área e das diferentes formas
de estruturação do seu espaço urbano e natural a
localizados ao longo desses cursos de água. partir da compreensão das dimensões sociais e
Destaca-se aqui a importância dos processos culturais que os conduziram. Figura 2 - Mapa de caracterização da área de estudo e entorno.

Figura 1 -Vista aérea do bairro do Varadouro - 1994, Foto Gustavo Moura

Mangue Tecido urbano Via férrea


Aterro I ocupação irregular -Praças Município de Bayeus

O Rodoviária E) Quartal de Polícia E) Estação Ferroviária 0 Estação de Esgoto I SAELPA

0 Antigo Tesouro Provincial @Antiga Alfandega O Hotel Globo (l)lgreja de S. Pedro Gonçalo

O Ponte de Sanhauá
A atual ausência de comunicação entre esse tal. As margens do rio Sanhauá, protegidas pela fundamental para a construção do panorama que
conjunto histórico e o rio Sanhauá evidencia um legislação como zona especial de preservação na- conduziu o processo de ocupação e fundação da
processo de urbanização que desvalorizou a pre- tural, é recoberta por um expressivo manguezal- cidade em meados do século XVI, até a estrutura-
sença das águas na estruturação da cidade. Apesar elemento de ligação entre os ambientes terrestres ção de sua configuração urbana atual.
da tradição histórica e paisagística da cidade com e ribeirinhos, considerado como uma verdadeira Como marco da primeira ocupação desse espa-
seus rios urbanos, estes não foram ainda efetiva- floresta de beira-rio com influência marinha- que ço, destaca-se o estabelecimento das moradias dos
mente integrados à vida urbana. O rio Sanhauá tem sido alvo de fortes agressões, o que explica a povos indígenas às margens do Sanhauá- indício
com seus oito quilômetros de extensão compõe fragmentação da grande faixa vegetal que deveria de um ordenamento do espaço selvagem que estes
o estuário do Paraíba do Norte, um dos maiores emoldurar as margens deste rio. Neste processo povos encontraram ao longo das águas. A chegada
rios do estado e situa-se na linha divisória entre de degradação incluem-se não apenas os man- das expedições portuguesas através deste mesmo
os municípios de João Pessoa e Bayeux. No tre- guezais, mas todos os demais componentes que rio, em 1579, é marcada pelo deslumbramento em
cho percorrido pelo rio Sanhauá ao longo do bair- compõem o equilíbrio deste ecossistema. Enfim, relação ao sítio descoberto e os relatos dos viajan-
ro do Varadouro, verifica-se a ocupação irregular esta pesquisa pretende compreender e analisar o tes traduzem o forte encantamento despertado por
das suas margens através da implantação de edi- processo de construção dessa paisagem, destaca- esse lugar. É importante lembrar que nesse mes·
ficações das comunidades carentes (denominadas da pelos valores históricos, ambientais e paisagís- mo período haviam sido fundadas duas das mais
favelas Porto do Capim(Fig. 3a e 3b), Vila Nassau ticos aqui brevemente apresentados, realçando a antigas cidades do Brasil Salvador (1549) e Rio
e Vilas da Ilha do Bispo) e a área do antigo depósi- importância de sua integração à dinâmica urbana do Janeiro (1565) -e que anos mais tarde, em 04
to de lixo a céu aberto, conhecido como "lixão do através da recomposição de seu ecossistema e da de novembro de 1585, outra expedição portuguesa
Roger" 3, desativado a partir do ano de 2003. Na valorização de suas águas urbanas. desembarcaria no local, confirmando o desejo de
sua margem oposta, onde situa-se o município de fundar uma cidade no alto da colina, às margens
Bayeux, a área ainda é pouco urbanizada, coberta desse mesmo rio.
por um vasto manguezal.
Figura 3a e 3b - Vista da Favela Porto do Capim e edificações Nossa análise compreende a área do bairro do "Procurando melhor lugar para plantar a cidade,
do centro histórico de João Pessoa, a partir do Rio Sanhauá, Varadouro que se estende por aproximadamente Ü VARADOURO: EVOLUÇÃO DE UMA PAISAGEM escolhe o alto de uma colina, tendo o rio Sanhauá aos
Foto Mariana Vieira um quilômetro ao longo do rio Sanhauá e os es- pés, a dezoito quilômetros da foz do Parahiba, defron-
paços livres localizados em seu entorno. Esta área, Durante aproximadamente 350 anos, o rio Sa- te do sítio em que João Tavares havia anteriormente
seccionada longitudinalmente pela presença da nhauá, localizado no bairro do Varadouro, repre- feito paz com Piragibe" (Pinto,19o8 op cit Mene-
via férrea, conforma duas áreas com característi· sentou a porta principal da cidade de João Pessoa zes,1985 sjp).
cas distintas. O trecho localizado às margens do e os primeiros séculos da existência da cidade es-
rio Sanhauá (a oeste da via férrea) caracteriza-se tiveram associados aos acontecimentos que trans- A ocupação portuguesa foi então responsável
pela situação de abandono e pela dificuldade de correram às margens dessas águas ou em seu en- por uma estruturação urbana mais ordenada e
acesso e comunicação com o tecido urbano adja- torno. É possível recorrer à trajetória do rio para formal desse espaço. Preocupados com questões
cente; a área oposta (localizada a leste da via fér- compreender o processo de estruturação dessa de segurança e defesa, os portugueses utiliza-
rea), comunica-se diretamente com o tecido ur· área e a evolução na forma de percepção e apro- ram-se da situação geográfica privilegiada deste
bano e destaca-se pelo aspecto de fragmentação priação pela população. O bairro do Varadouro, sítio e implantaram a cidade na porção mais alta,
morfológica, devido às sucessivas intervenções tendo preservado até os dias de hoje muitas carac- liberando a porção ribeirinha para instalação de
viárias, apresentando dificuldades quanto a sua terísticas do seu traçado original, sofreu diversas edificações de apoio às atividades do cais do Va-
leitura, apreensão e apropriação. Os espaços li· transformações, tais como a construção da via fér- radouro, como as oficinas náuticas, fortes, paióis,
vres públicos localizados nessa área, em especial rea ao longo do rio, a transferência do porto oficial armazéns e edificações para o alojamento de ofi·
as praças, apresentam-se desarticuladas entre si, da cidade para o município vizinho de Cabedelo, a dais e soldados encarregados da defesa da cidade.
gerando espaços onde se desenvolvem poucas ocupação das áreas ribeirinhas e as sucessivas in- Uma análise do sistema de arruamento dessas
atividades coletivas. Paralelamente ao processo tervenções viárias que seccionaram seus espaços duas áreas demonstra a implantação de um sis-
de ocupação desordenada dessa área, verifica-se públicos. A compreensão dos vários acontecimen· tema ortogonal de ruas na porção mais alta em
também a perda sucessiva de sua cobertura vege· tos que transcorreram às margens do Sanhauá é contraposição à implantação irregular e orgânica

150 o. RlflS E PAHJAGENfl Uf18ANAS RIOS E PAISAGENS URBANAS_ 151


"Os 350 anos comprimidos entre a colina e o rio, las Porto do Capim e Vila Nassau. O assentamento
da porção mais baixa. As margens do Sanhauá da estação ferroviária Great Western (1894), pos-
apertando a largura das ruas e das casas, expandem-se, destas comunidades ao longo desta área conforma
representavam não apenas o lugar de encontro te~i~rmente :ubstituída pela .estação atual (19 43 ),
numa fração desse tempo, em áreas muitas vezes supe- uma ocupação de risco, uma vez que suas habita-
dos marinheiros, mas também o espaço da troca f01 mstalada as margens do no Sanhauá no bairro
riores ao núcleo original. O centro é abandonado pela ções estruturam-se a partir de aterros ilegais sobre
de mercadorias e informações, o espaço das cele- do Varadouro. Sua localização representava um
população residente, que se distrib~i, confo~e. pode, o mangue. Essa ocupação indevida das margens
brações e dos eventos sociais da cidade (Menezes, ponto intermediário entre as cidades do interior
para os bairros elegantes que marge1am a Eprtacw Pes- do rio Sanhauá representa uma contribuição con-
1985; Aguiar, 1989,1992). do estado e o município de Cabedelo, onde fun-
soa ou para os tabuleiros do sul e sudeste, rapidamente siderável para a degradação deste meio ambiente,
No início do século XVII, a cidade de João Pes- cionava (e ainda funciona) o porto de Cabedelo
convertidos em conjuntos residenciais com população tanto no que diz respeito à poluição das águas e
soa, até então pouco desenvolvida e denominada (Melo, 1993). Os governos das primeiras décadas
dez vezes superior à de toda JP dos anos 50." do seu entorno, como também pela destruição
Felipéia de Nossa Senhora das Neves, assistiu a do século XX, por sua vez, foram responsáveis pe-
(Rodrígues,I99r:r8) da sua vegetação ribeirinha. Do ponto de vista
chegada da expedição holandesa por esse mes- los impulsos decisivos para o desenvolvimento da
de seu impacto na leitura da paisagem, é impor-
mo braço do rio Paraíba4 . A população local, no cidade. O abastecimento de água (1912), a ener-
A transferência do porto oficial da cidade para tante destacar que estas ocupações constituem-se
entanto, reagiu contrariamente à nova forma de gia elétrica substituindo os bondes de burro pelo
povoado vizinho de Cabedelo e o conseqüente em obstáculos que impedem completamente o
dominação holandesa, protestando através da des- serviço de carris (1913), e mais tarde a pequena 0
esvaziamento das atividades sociais conduziu à acesso físico e visual às águas, sendo apenas pos-
truição de armazéns e depósitos localizados às revolução urbanística (1916-1920) modificaram 0
desvalorização dessa área. Apesar do processo sível perceber sua presença através dos quintais
margens do Sanhauá. Apesar das reações locais, aspecto colonial da cidade (Melo, 1993). As reali-
gradativo de abandono, algumas atividades ligadas dessas habitações - aterros encharcados de lama
o governo holandês, especialmente o governo de zações de estruturação urbana mais representati-
ao armazenamento e comércio de produtos e depósitos de lixo sem qualquer infra-estrutura
Maurício de Nassau (1637-1644), trouxe ao Nor- vas deste período foram: a urbanização da lagoa
agrícolas vindos do interior ainda se mantiveram de saneamento local. Algumas destas habitações,
deste o brilho da cultura holandesa. Nesta época, Solon de Lucena, hoje transformada em parque
na área até meados do século XX. Estas atividades construídas no local onde anteriormente existia o
a paisagem do Varadouro -com suas águas, edifi- público com mesmo nome (1920), a implantação
representavam um dos poucos atrativos da cais do Varadouro, escondem em seus interiores
cações e seus habitantes: índios, negros e mulatos do sistema de saneamento da cidade (1924), e o
área que, com a intensificação dos processos os antigos atracadouros de ferro ainda fincados
- inspirou a maior parte dos relatos e ilustrações, surgimento de novos bairros na direção do litoral,
de urbanização, foram perdendo importância e nos seus locais de origem (Fig. 4a e 4b).
como mapas e pinturas realizadas por visitantes e que marcaram de forma decisiva o desenvolvi-
artistas holandeses 5 (Melo, 1997). mento urbano da capital. desapareceram a partir da segunda metade deste
"O mar que em três séculos e meio tinha o povo
Os portugueses voltaram a lutar pelo controle Assim como acontecia no Rio de Janeiro, onde mesmo século.
passado longe e ao largo, agora se transforma no gran-
destas terras e conseguiram vencer e expulsar os o prefeito Pereira Passos remodelava a cidade
"João Pessoa demorou três séculos e meio presa ao de centro de interesses e lazer. O rio, que foi rota de
holandeses, encerrando vinte anos de dominação através da abertura da Avenida Central (1906)
rio e de costas para o mar. Rio que alguns traduziam sagas, de riquezas, desce hoje solitário, o desprezo as-
holandesa. A cidade, a partir de então denominada - obras que no Brasil soavam como ecos da Paris
soreando mais que a lama e o mangue"
de Parayba 6 , passou a receber maior atenção por do Barão de Haussmann - na cidade da Paraíba, como mau, imprestável, pouco piscoso, e outros viam,
(Rodrigues, 199I:I9r)
parte da coroa portuguesa, e vários melhoramen- o governo reformista de João Pessoa (1928-30) pelas mesmas raízes, como braço de mar ou água que
tos urbanos começaram a ser realizados. O cais construía a avenida Epitácio Pessoa, com cinco com o mar se confunde. De qualquer modo, veio do
rio o nome da terra. Foi nele que navegaram o ín- Por outro lado, a utilização das edificações
do Varadouro, localizado às n,drgens do Sanhauá, quilômetros de comprimento, partindo da praça
dio, o colonizador fidalgo ou degredado, as armas, os históricas para o desenvolvimento de atividades
continuou sendo durante muito tempo o marco da Independência, no centro da cidade, em dire-
mantimentos, os materiais de construção, inclusive as comerciais de grande porte, como é o caso de gal-
principal de vida pública, não apenas pelo movi- ção à praia de Tambaú (Menezes, 1985). A pavi-
pedras trazidas do Rio de Janeiro para calçar a rua pões de oficinas mecânicas, marcenarias e mar-
mento provocado pelo embarque e desembarque mentação dessa avenida em 1954 contribuiu para
da Direita, além de outros importados menos gros- morarias, tem se mostrado incompatível com a
de mercadorias, mas pelas diversas relações so- o fortalecimento da praia como principal atividade
seiros. Suas águas mansas coalhadas de lama foram tipologia existente no local e conduzido a altera-
ciais que ali se estabeleciam (Rodriguez,1994). de lazer da população (Lavieri e Lavieri,1999:4o).
portadoras do açúcar, do fumo, de todas as cabotagens ções grosseiras desse patrimônio edificado. Os
Apesar da importância deste comércio fluvial, os Mais de trezentos anos após sua fundação, a cida-
atraídas para uma das capitanias mais prósperas do espaços livres públicos do entorno têm também
projetos relacionados à criação de um porto neste de alcançou o mar:
começo do século XVII." sofrido diversas agressões, como as intervenções
local nunca vieram a ser concretizados.
(Rodrígues,1993 In Melo e Rodrigues,r993:r88) no sistema viário que acarretaram a fragmenta-
Em fins do século XIX, vários melhoramentos "não tivemos pressa em atingir o oceano, porque
ção de sua área livre, a cessão indevida de seu uso
foram responsáveis por transformações importan- nosso caminhar, partindo do rio, foi cheio de dificul-
Abandonada, essa área passou a ser apropriada a interesses particulares, ou a ausência de manu-
tes na estrutura da cidade, entre eles a construção dades e percalços"
pela população de baixa renda que, através da inva- tenção e fiscalização da área pelos poderes públi-
da linha férrea (1875) e a inauguração do ferro car- (Aguíar,1992:282).
ril puxado a burro (1883). Mais tarde, a construção são das margens do rio Sanhauá, originou as fave- cos competentes.
O privilégio da inserção natural de um curso de Ü VARADOURO, HOJE
água no meio urbano, revelado no caso específico
do bairro do Varadouro através de suas extraordi- Com a intenção de compreender a dinâmica das seja necessária, deve-se observar a necessidade do
nárias características paisagísticas, da possibilida- diversas relações que se estabelecem entre cidade assentamento destas comunidades nas proximi-
de de sua fruição contemplativa e, sobretudo, atra- e rio, selecionamos seis subáreas de análise segun- dades desta área, com a qual mantêm relações de
vés do reconhecimento de sua importância para do as características específicas de cada localidade. trabalho e subsistência.
o estabelecimento do equilíbrio das qualidades A faixa de um quilômetro e trezentos metros de O conjunto urbano situado a leste da via férrea
ambientais desse meio, não tem sido considerado extensão (r,3km), disposta paralelamente às mar- apresenta uma seqüência de três praças- praça rs
nas práticas administrativas, através da proteção e gens do Sanhauá, é atualmente protegida como de Novembro, praça Alvaro Machado e praça Na-
valorização dessas áreas. Esta breve retrospectiva zona especial de preservação histórica e ambien- poleão Laureano- que são atualmente fragmentos
aponta uma progressiva desestruturação da rela- tal; no entanto, apresenta características bastante de espaços livres, desconexas entre si e em relação
ção desta paisagem com suas águas e, conseqüen- diferenciadas tanto no que diz respeito ao estado ao tecido urbano que as circunda. Em função de
temente, a desconexão desta área com seu entor- de conservação de suas edificações, do seu traçado modificações na estruturação viária do bairro do
no. Assim como aconteceu em muitas cidades, a urbano e de sua estrutura natural, como também Varadouro, a praça rs de Novembro foi completa-
cidade de João Pessoa variadas formas de percepção e apropriação pela mente segmentada, restringindo-se atualmente a
população local. As áreas estabelecidas são as se- dois pequenos canteiros em meio a uma via de trá-
"deu as costas para o rio que lhe serviu de nasce- guintes: Porto do Capim, Praça rs de Novembro, fego intenso de veículos. A superfkie que restou
douro, encantou-se com o canto das ondas" Praça Alvaro Machado, Praça Napoleão Laureano, em torno das edificações serve atualmente como
(Almeida et ai. apud por Honorato, r999:ror). Estação Ferroviária e Terminal Rodoviário. pátio de manobra e estacionamento. Com área de
aproximadamente soom 2 , esta praça estrutura-se
O Porto do Capim corresponde ao conjunto através de edificações que abrigam usos residen-
urbano que abriga as edificações históricas e os ciais e comerciais e cujas implantações valorizam
antigos armazéns portuários. Localizada entre a a presença do rio. Apesar da preservação destas
via férrea e o rio Sanhauá, esta área não estabelece edificações, a atual conformação desse espaço ur-
Figura 4b- Antigos armazéns (atuais depósitos de madeireiras) e casas da favela localizados ao longo da Rua Porto do comunicação direta com o rio nem com o tecido bano não estabelece nenhuma relação com o rio,
Capim, às margens do Rio Sanhauá, Foto Mariana Vieira urbano adjacente. O principal acesso de veículos e e a avenida Sanhauá, margeando o rio, funciona
pedestres ao Porto do Capim se dá em uma pas- como limite final da cidade.
sagem sobre essa linha de ferro, atualmente sem A praça vizinha - praça Álvaro Machado -
nenhuma proteção ou ordenamento de fluxos. Há apresenta uma apropriação indevida do seu espa-
poucos anos, um muro de alvenaria com altura de ço livre, sendo atualmente ocupada por um pos-
aproximadamente três metros (atualmente subs- to de gasolina que ocupa praticamente toda sua
tituído por gradis) se estendia por todo o percur- drea. Destaca-se como bastante relevante a forma
so dessa via, acentuando ainda mais o caráter de de implantação das edificações que conformam
segregação da área. Como comentado anterior- essa praça, que com suas fachadas principais
mente, a ocupação das margens ribeirinhas pelas orientadas em direção do rio, revelam a impor-
favelas Porto do Capim e Vila Nassau constituem- tância da presença dessas águas na construção
se em significativas barreiras físicas e visuais ao da paisagem urbana. Infelizmente, a atual forma
rio, confinando-o aos quintais construídos sobre de ocupação das atividades comerciais estrutu-
os mangues. Estas ocupações, estruturadas ini- ra barreiras visuais que impedem a valorização _
cialmente a partir de associações de pescadores, desse conjunto e de sua conexão com o entorno.
estão estabelecidas na área há mais de cinqüenta Nesta praça, encontra-se ainda uma edificação
anos, o que caracteriza a construção de um forte histórica que atualmente abriga a central eleva-
vínculo físico e social destas comunidades com tória da companhia de esgoto do município de
este espaço. Embora a remoção desta população João Pessoa (CAGEPA), responsável pelo moni-
toramento do esgotamento sanitário da área e a A implantação do Terminal Rodoviário no bair- palmente ao impacto visual que imprime a este so físico ao rio não é formalizado em nenhum tre-
edificação que abrigou o antigo hotel Luso-Bra- ro do Varadouro representou, na época de sua trecho da cidade (Fig.5, 6a e 6b). cho dessa área. A ponte Sanhauá, definida como
sileiro, atualmente abandonado. A apropriação construção, a intenção de contribuir para a re- Apesar de sua importância para a cidade, esse um dos limites da área de estudo, representa a
ilegal destes espaços livres públicos representa versão do quadro de degradação deste bairro. O rio encontra-se atualmente abandonado e suas única possibilidade de cruzamento de pedestre
um grande prejuízo para a cidade, não apenas do terreno de cinco hectares escolhido para sua cons- águas extremamente poluídas. Nessa pesquisa nesse trecho e conecta o município de João Pessoa
ponto de vista urbano, mas também do ponto de trução foi anteriormente ocupado por habitações buscamos identificar os valores e significados atri- ao município de Bayeux, tendo anteriormente ser-
vista ambiental. desordenadas e oficinas irregulares, construídas buídos ao rio, a fim de compreender como ele tem vido para circulação de automóveis, ligando a cida-
A praça Napoleão Laureano, localizada em em aterros sobre o mangue. Com a implantação sido percebido e utilizado pela população. Com de aos municípios vizinhos. A grande maioria dos
frente à estação ferroviária, apresenta o espaço do projeto, estas construções foram relocadas para este objetivo, elaboramos questionários e entre- usuários entrevistados afirmou não utilizar o rio e
livre público de maiores dimensões da área em uma área próxima, que passou a constituir-se no vistas e conversamos com os diversos usuários destacou atividades de lazer e transporte que po-
estudo (6.ooo m 2 ) e encontra-se subdividida em "distrito mecânico" da cidade. Depois de aterrada da área, abordando, entre outros temas, questões deriam ser viabilizadas através dele. Alguns exem-
três grandes áreas desarticuladas entre si. O mo- a área, a rodoviária foi construída neste lugar, no específicas relativas à presença do rio naquela pai- plos são a pesca, o banho de rio, passeios de barco,
vimento das pessoas foi praticamente afastado ano de 1981, e teve como objetivo principal a re- sagem. As noções de denominação, valor históri- transporte através de balsas para Lucena e Cabe-
dessas três praças, transformando-as em lugares valorização deste trecho abandonado da cidade. co, visibilidade, acessibilidade, uso, porte, entre dela, barcos para pescarias em ilhas próximas,
de passagem, ausentes de significado para sua A construção da rodoviária criou um novo dina- outras, foram contempladas. etc. Os usuários do Porto do Capim - moradores
população. Embora próximas umas das outras, a mismo para a área, mas o contato com o rio foi No levantamento realizado, a maioria dos usuá- das favelas e funcionários dos estabelecimen-
fragmentação morfológica deste espaço e o desor- novamente desprezado. O acesso principal de em- rios afirmou reconhecer visualmente o rio, apesar tos comerciais desta área representam o grupo
denamento do sistema viário dificultam sua inte- barque e desembarque de passageiros localiza-se das diversas barreiras existentes e já comentadas que estabelece relações mais próximas com o rio,
gração. O que poderia configurar uma seqüência na fachada leste; o trecho oeste, que se volta para o anteriormente. Embora seja possível arriscar-se destacando sua utilização através de passeios de
de praças conectadas entre si, torna-se um grande rio, permanece sem nenhum movimento de pes- por entre os corredores e quintais da favela, o aces- barco e pescarias. Estes mesmos 'moradores, no
espaço vazio e compartimentado. Por estas razões, soas. As calçadas localizadas ao longo da avenida
optamos por estudá-las associadamente, buscando Sanhauá estão quase sempre vazias e a área apre-
compreender de que forma a comunicação dessas senta um aspecto de insegurança.
paisagens pode ser restabelecida.
A Estação Ferroviária, localizada a oeste da Figura 5 -Vista do Rio Sanhauá e da ocupação irregular de suas margens. Fotografia: Mariana Vieira
avenida Sanhauá, representa um dos equipa-
mentos urbanos que impactam a dinâmica desta
área, transportando diariamente não apenas car- RIO SANHAUÁ:
gas, mas também passageiros, trabalhadores de DIMENSÕES ESPACIAIS E PERCEPTIVAS
bairros mais carentes e dos municípios vizinhos
que integram a região metropolitana de João O rio Sanhauá representa um dos quatro "bra-
Pessoa (Bayeux, Cabedelo, Conde, João Pessoa ços" que alimentam, pela margem direita, o estu-
e Santa Rita). O atual trajeto realizado pelo trem ário do rio Paraíba7 . Partindo da ponte Sanhauá
segue paralelamente à linha do rio e revela, ao no Varadouro, as águas desse rio misturam-se
mesmo tempo, trechos de paisagens bem pre- com o mar, vinte e dois quilômetros adiante,
servados e outros em situação de extrema degra- onde sua desembocadura apresenta cerca de dois
dação. Além deste grupo de trabalhadores que quilômetros e duzentos metros de largura (Mar-
utilizam o trem como meio de transporte, pou- celino, zooo), o que faz com que muitos mora-
cas pessoas aventuram-se neste passeio. Os va- dores locais o apelidem de "maré". No entanto,
gões oferecem pouco conforto e a contemplação independentemente de suas características geo-
da paisagem é dificultada pela própria estrutura gráficas ou dos seus ciclos hidrológicos, as águas
da ferrovia, onde a implantação dos assentos e a do Sanhauá assumem uma presença de rio no
tipologia das janelas não valorizam a contempla- contexto desta paisagem. Isto se deve não apenas
ção da paisagem. à generosidade das suas dimensões, mas princi-
entanto, revelaram a preocupação com a poluição primeira vantagem diz respeito à economia com Por tratar-se de uma área de preservação histó-
Figura 6a -Vista do Rio Sanhauá a partir do terraço do antigo
dos peixes e a necessidade de controlar o acesso de gastos relativos ao transporte local, uma vez que rica, a manutenção das edificações torna-se uma
Hotel Globo. Em primeiro plano, os telhados das edificações do
crianças a essas áreas. A situação de abandono e o a área localiza-se muito próxima dos principais questão ainda mais complexa. Os proprietários
Porto do Capim, Foto Mariana Vieira
isolamento visual do rio impedem a compreensão serviços necessários à comunidade, e os deslo- queixam-se da dificuldade de cumprir as especi-
dessa paisagem como um conjunto de inter-rela- camentos para lugares mais distantes (em geral, ficações estabelecidas pela legislação de preser-
ções naturais e urbanas. Alguns trechos destes co- praias ou viagens a municípios vizinhos) podem vação, e os prejuízos para a área se acumulam.
mentários destacam essa percepção: "Muita gente ser realizados através dos serviços rodoviários e Acrescenta-se, ainda, a ausência de uma política
vive dele, mas para os moradores da cidade, acho que ferroviários do bairro. Outra referência importan- pública que contemple a valorização do centro his-
não tem importância não" , ou ainda: "O rio faz par- te trata da possibilidade de surgirem oportunida- tórico da cidade, o que contribui para ocupação e
te do Varadouro, mas para as pessoas que não moram des de emprego ou trabalhos eventuais (biscates) estruturação indevida dos seus espaços livres.
aqui, acho que não tem importância, eles nem sabem nos estabelecimentos comerciais, oficinas e ma-
deireiras, localizados nas proximidades, o quere-
que o rio existe!"
O valor histórico do bairro do Varadouro, ca- presenta um auxílio significativo para o sustento
racterizado pelo lugar de surgimento da cidade de dessas famílias.
João Pessoa e pela sua importância no processo Destaca-se ainda o aspecto relativo à tranqüi- CoNSIDERAÇÕES FINAIS

evolutivo da cidade, é reconhecido por grande par- lidade do bairro e de sua vizinhança. Esse reco-
te dos usuários entrevistados. No nosso levanta- nhecimento de segurança da área apontado pelos Como procuramos demonstrar, a cidade de
mento, frases como, "a cidade começou aqui (... )", moradores não é, no entanto, compartilhado pe- João Pessoa tem o privilégio de contar com a pre-
"o porto era aqui (... )", foram diversas vezes regis- los demais grupos de usuários da área. Na opi- sença de um significativo curso de água no seu
tradas. Os vestígios do passado, ainda presentes nião dos usuários não moradores, a dificuldade perímetro urbano, mais especificamente ao longo
na área, fornecem aos usuários algumas dicas de acesso físico e visual e as diversas barreiras de extensa faixa de seu sítio histórico - berço do
para o entendimento do processo de evolução da- estabelecem uma relação de insegurança que nascimento da cidade. Associam-se à presença da
quele trecho da cidade, como é o caso da presença representa um forte obstáculo para a utilização água nesse meio, valores ambientais, paisagísticos
dos antigos atracadouros do porto, das correntes dos espaços livres dessa área. Torna-se claro que e simbólicos fundamentais para o fortalecimento
de ferro recentemente descobertas nas obras de os moradores, por possuírem maior intimidade da identidade da cidade e conseqüentemente da
saneamento do local e da antiga ponte Sanhauá. com o local, desenvolvem uma percepção dife- requalificação de sua dinâmica urbana e valoriza-
Figura 6b -Vista do Rio Sanhauá a partir da torre da Igreja de
A maioria dos usuários demonstra conhecimento rente a respeito dessa questão. A degradação do ção das noções de cidadania.
São Pedro Gonçalves. Em primeiro plano, o Largo de São Pedro
sobre a origem portuária e comercial dessa área da espaço físico é apontada como um dos princi- A situação de atual degradação dessa área,
Gonçalves e o Hotel Globo à direita. Fotografia: Mariana Vieira
cidade, e alguns deles reconhece:-.-. o fato de que pais problemas da área, tanto do ponto de vista discutida nessa pesquisa, representa mais um
ela abrigou um intenso movimento comercial no de sua infra-estrutura como da manutenção das exemplo da ausência de reconhecimento dos
passado, como demonstra o depoimento a seguir: edificações e monumentos históricos. Os usu- valores ambientais no processo de estruturação
ários entrevistados alternam posicionamentos urbana. A valorização dos recursos naturais nas
"Através desse rio surgiu João Pessoa". de reivindicação e pessimismo através de suas cidades, neste caso os rios urbanos, tem sido alvo
percepções a respeito da desvalorização da área, de vários estudos que argumentam, entre outros
Do ponto de vista da valorização da área, os como demonstram os trechos de seus discursos aspectos, a necessidade de considerá-los como
usuários entrevistados ressaltaram aspectos rela- selecionados a seguir: elementos fundamentais nos processos de plane-
tivos à presença da natureza - o rio, o mangue jamento e de desenho urbano, através da promo-
e a vegetação local - e do centro tradicional, de "Está chegando o fim, não existe mais futuro para ção de acessibilidade física e visual às suas águas.
forma mais abrangente. As facilidades oferecidas essa área, a praia é melhor"; "Acho que isso aqui já No caso do rio Sanhauá, a ocupação irregular de
pelo comércio local foram freqüentemente cita· morreu"; suas margens, a poluição de suas águas, a degra-
das, assim como a proximidade da área em rela· dação de sua vegetação ribeirinha, a ocupação
ção ao centro da cidade. Identificamos as princi· "A cidade está crescendo para outro lado e é muito indevida das edificações do entorno e o proces-
pais razões que explicam a relevância atribuída diflcil trazer algo de bom para cá". so desordenado de planejamento viário geraram
à localização da área pelos moradores locais. A grandes prejuízos de ordem ambiental, cultural
l

e paisagística para esse espaço e para a cidade de e iba significa mau. Donde se segue que esse rio, o maior dessa COSTA, Lúcia M.S.A. Popular Values jàr Urban Parks: a case
uma forma geral. região, tira o seu nome da boca ou entrada sinuosa que tem, e por study of the changing meanings of Parque do Flamengo in Rio de
Os desafios ambientais e a necessidade de pre- sua vez a região tira o seu nome do rio, que se chama Paraíba. janeiro. Ph.D.Thesis Londres: University College of London,
servação e valorização da diversidade natural nas (Herckmans, 1982:10) Até a década de 30, a cidade ficou 1993
cidades fazem das águas urbanas, em seus vários conhecida por "Parahyba", tendo somente sido denominada
formatos, um recurso de significativa importância "João Pessoa", após a morte do governador de mesmo nome, COSTA, Lucia M.S.A. e MONTEIRO, Patrícia M. (2002) "Rios
para as cidades contemporâneas. Essa pesquisa representando até hoje a denominação oficial desta cidade urbanos e valores ambientais" In: Del Rio, V.; Duarte, C.R. e
aponta para a possibilidade de requalificação am- (Lavieri e Lavieri,1999). Rheingantz, P .A. (org) Projeto do lugar: colaboração entre psico-
biental e urbana desse lugar a partir do seu rio e logia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contra Capa, pp.
das infinitas relações que podem ser estabelecidas 7- "O estuário do rio Paraíba do Norte tem uma extensão total 291-298
entre sistemas naturais e urbanos. de 380 quilômetros, desde o planalto da Borborema, onde tem
sua nascente, até a foz em Cabedelo. Sua bacia hidrográfica GARDINER, John L. "River landscape and sustainable devel-
drena uma área de 14-397,35 Km2 e intercepta 37 municípios" opment: a framework for project appraisal and catchment
(Gualberto, 1977 op cit Marcelino,2ooo:29). Está dividida em managemenf'. In Landscape Research joumal, Vol.22, N°01,
três compmtimentos: bacia do alto Paraíba, com 114,5 quilômetros 1997, PP·9S-II4-
AGRADECIMENTOS e extensão, bacia do médio Paraíba, com 155,5 quilômetros
e bacia do baixo Paraíba, com 110 quilômetros. Sua porção HERCKMANS, Elias. Descrição geral da capitania da Paraíba.
Este trabalho é parte da dissertação de Mestra- estuarina recebe as águas de 8 tributários: pela margem esquerda, João Pessoa: Ed. A União,1982
do, Águas Ocultas: o rio Sanhauá e a cidade de João os rios Portinha, Tiriri, da Ribeira e da Guia e, pela margem
Pessoa, desenvolvida no PROURB-FAUjUFRJ, direita, os rios Sanhauá, Paroeira, Tambiá e Mandacaru." HONORATO, Rossana. Se essa cidade fosse minha ... A experiên·
com bolsa CAPES, a quem agradecemos o apoio. (Marcelino,2ooo:29) cia urbana na perspectiva das produções culturais de João Pessoa.
João Pessoa: Editora UFPb, 1999

HOUGH, Michael. Cities and Natural Process. London: Editora


Routledge, 1995
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1· ·~ água, na verdade, constítui·se num dos mais poderosos 3- O lixão do Roger correspondia a uma área de I7 hectares, AGUIAR, Wellington Hermes Vasconcelos. Cidade de João Pes- de João Pessoa pós-6o". In A questão urbana na Paraíba. João
recursos do mundo da simbologia e, particularmente, da uma verdadeira cratera de poluição às margens do rio. Sua soa: a memória do tempo. João Pessoa: Editora Persona ,1992. Pessoa: Editora Universitária, 1999, PP-39-65.
psicologia (Défert,1972 op cit Castello,1996:28). Obviamente, desativação deve-se à construção do aterro sanitário da área
isolar um dos componentes naturais do ambiente . o rio - é um metropolitana de João Pessoa e à elaboração de um projeto AGUIAR, Wellington H.V. e MELO, José Octávio de A. Uma LYNCH, Kevin. The Image ofthe City. Cambridge: MIT Press,
meio operacional de isolar um dos componentes de um sistema para implantação, no futuro, de um parque público nesta área. cidade de 4 séculos: evolução e roteiro. João Pessoa: Editora A 1960
para tentar compreender seu papel neste sistema, justificando· União, 1989.
se a ênfase como mero instrumento de análíse para melhor 4- Após a vitória dos holandeses, este povoado passa a MANN, Roy. Rivers in the city. Nova York: Praeger, 1973
compreensão do todo do sistema urbano." (Needham,1977 op cit denominar-se Frederica, em homenagem ao príncipe CARR,S.; FRANCIS,M.; RIVLIN, L. e STONE, A. Public Space.
Castello, 1996:28). holandês chamado Guilherme Frederico de Orange-Nassau Cambridge: Cambridge University Press, 1992. MANNING, Owen. "Design imperatives for river landscapes".
In Landscape Research joumal, Vol.z2, N° OI,1997, pp.13-24.
2- Este bairro compreende grande área do centro histórico da s- Entre eles destacam-se os trabalhos de Frans Poste Albert CASTELLO, Lineu. ·~ percepção em Análises Ambientais: o
cidade e seu nome "lhe veio por haver no passado, à margem Eckout. projeto MABJUNESCO em Porto Alegre". In DEL RIO, Vicen- MARCELINO, Rosalve Lucas. Diagnóstico sócio-ambiental do
do rio, estaleiros para consertos e construções de veleiros. Hoje te e OLIVEIRA Lívea de. In Percepção Ambiental: A experiência estuário do rio Paraíba do Norte - PB com ênjàse nos conflitos
a denominação é popular e estende-se da ponte do Sanhauá 6- (... ) Paraíba (... )é uma palavra bárbara, ou melhor brasaica, brasileira. São Carlos: Editora UFSCar, Studio Nobel,r996. de usos e interferências humanas em sua área de influência dire-
ao Zumbi." (Medeiros, 1959: 267 j268, op cit Albuquerque, significando um mar corrompido, uma água má, outrossim um ta. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Paraíba,
r983:o8) porto mau para se entrar, e(. .. ), quer dizer um porto sinuoso, CHACEL, Fernando M. Paisagismo e ecogênese. Rio de Janeiro: João Pessoa, 2000.
cuja entrada é má; pois Pará quer dizer rio ou porto com curva, Editora Faiha, 2oor.
MARCUS, Clare Cooper and FRANCIS, Carolyn. People Places. A PAISAGEM DO Rro ITAJAÍ-Açu
Design Guidelinesfor Urban Open Spaces. Nova York: John Wi-
ley & Sons, Inc., 1998. NA CIDADE DE BLUMENAujSC
MELO, José Octávio de Arruda e RODRIGUES, Gonzaga (or- Soraia Loechelt Porath
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MELO, José Octávio de Arruda (coordenador), 'l\. invasão ho-


landesa e a defosa da terra: a contribuição cultural". João Pessoa:
Editora A União,1997.

MELO, Osvaldo Trigueiro de A. "Urbanização e subdesenvol-


vimento na Paraíba do início do século". In Paraíba: conquista,
patrimônio e povo. João Pessoa: Ed. Grafset, 1993.
INTRODUÇÃO
MENEZES, José Luiz Mota. Algumas notas a respeito da evolu-
ção urbana de João Pessoa. Recife: Ed. Pool, 1985. O desenvolvimento de importantes cidades de Santa Catarina. Concentramos-nos em um tre-
fundamenta-se em peculiaridades do sítio físico cho do rio e nas áreas onde a cidade passou pelas
PENNING-ROWSEL E. e BURGESS Jacqueline. "River land- e da paisagem, ou seja, de algumas condições maiores transformações na sua configuração es-
scapes: Changing the concrete overcoat?" In Landscape Re- ou acidentes geográficos relevantes como rios ou pacial. Para compreendermos a dinâmica urbana
search journal, Vol.2z, N° 01,1997, PP·5·II. montanhas. Desde os primórdios das civilizações, e ambiental, mostramos como diferentes elemen-
por uma questão de sobrevivência e utilidade, os tos de uma paisagem são alterados ou persistem
RODRIGUES, Gonzaga. "Parahyba: a cidade, o rio e o mar". rios serviram como fonte de recursos e meio de ao longo do desenvolvimento da cidade.
Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1991 pp.16-18. circulação. Dessa forma, se manifestaram as pro- O desenvolvimento da cidade de Blumenau
babilidades de agrupamento, de construção, e o teve o seu início com a escolha do sítio e o plane-
RODRIGUEZ, Walfredo. Roteiro sentimental de uma cidade. desenvolvimento de uma consciência que lhes or- jamento original condicionados pela navegabilida-
Coleção Biblioteca Paraibana. João Pessoa: Editora A União, denou e orientou. de fluvial e pelo acesso à água, ou seja, não para
1 994· Como diz Costa (2002), "sob o aspecto físico e da os interesses da cidade que se formaria, mas para
forma urbana, os rios são geralmente como espinhas a necessidade de uma colônia agrícola de origem
dorsais das cidades por onde passam. Eles estruturam alemã. A partir do rio e da topografia local a cida-
o tecido urbano que lhe é adjacente, tornando-se mui- de se estruturou e cresceu. O rio Itajaí-Açu então
tas vezes eixos de desenvolvimento do desenho da ci- configurou um corredor, uma via de conexão en-
dade". Os rios delimitam a configuração urbana e, tre diferentes realidades ambientais e culturais.
em alguns casos, servem como divisa de bairros, Linearmente, ao longo dos fundos de vale, o
municípios e até países. crescimento da cidade surgiu a partir do Stadtplatz
O presente texto mostra os resultados de um (Praça da cidade), localizado entre a foz do ribeirão
estudo de caso, desenvolvido dentro da linha de Garcia e a foz do ribeirão da Velha. Mesmo após
pesquisa Desenho Urbano e Paisagem do Progra- inúmeras enchentes e enxurradas, a cidade conti-
ma de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanis- nuou a se desenvolver nos fundos de vale, com os
mo da Universidade Federal de Santa Catarina fundos de lote voltados para os cursos d'água e a
(UFSC). Como objeto de estudo, temos a presença ocupar áreas facilmente inundáveis. O rio Itajaí-
do rio Itajaí-Açu na cidade de Blumenau, pelo fato Açu foi responsável por incontáveis prejuízos para
deste ser um dos rios mais expressivos do estado o assentamento urbano próximo de suas margens.

162 -~.RIOS E PAISACENr-J UF~Bí.)NHS RIOS


1

A pesquisa mostra que a cidade de Blumenau introduzida no sul do Brasil pelos imigrantes ale- No Centro da cidade de Blumenau (Stadtplatz) dade no lugar da Colônia Blumenau. Nessa época,
que conhecemos hoje foi moldada através dos mães que vieram colonizar Santa Catarina e o Rio observamos o traçado do ribeirão Bom Retiro a rua XV de Novembro, apelidada de Wurststrasse
anos por uma série de agentes e fatores cujas Grande do Sul no século XIX. (entre o ribeirão Garcia e o ribeirão da Velha) e (rua da Lingüiça), teve seu sinuoso traçado par-
ações sobre o rio e suas margens se sobrepuse- À medida que os novos imigrantes chegavam de vários afluentes que nos próximos mapas irão cialmente retificado.
ram, gerando a atual paisagem urbana. Segundo à Colônia, iam sendo demarcados lotes urbanos e desaparecer devido à urbanização da área. O se- No ano de 1903, circulou o primeiro veículo a
Costa (2002), "( ... ) os diferentes tratamentos, usos rurais ao longo das picadas já abertas. As picadas gundo mapa da colônia foi elaborado em 1872, motor, fazendo com que aos poucos houvesse a re-
e apropriações dos rios urbanos em diferentes cidades seguiam os cursos dos rios, ribeirões e riachos dos mostrando o início da divisão dos lotes coloniais tificação dos antigos caminhos coloniais e a aber-
nos mostram as especificidades culturais de muitos fundos de vale. na margem direita do rio Itajaí-Açu. Assim como tura de vias mais retilíneas.
outros valores, com uma repercussão direta na quali- Os lotes coloniais foram então traçados de for- no mapa de 1864, os cursos d'água continuam em A infra-estrutura básica acompanhava o cres-
dade da paisagem". ma a que todos pudessem ter o acesso a água, tan- amplo destaque indicando sua importância para cimento da cidade, surgindo os primeiros passos
Partindo da cidade como um complexo produto to para utilização na irrigação e consumo domés- a cidade. para a instalação de luz elétrica e água encanada.
cultural de uma sociedade, que reflete a contribui- tico, quanto para transporte. A ligação com a água A partir de 188o, os irmãos Hermann e Bru- A partir daí o povoamento tomou impulso trans-
ção de várias gerações sobre o meio é que sele- e com os primeiros caminhos, juntamente com a no Hering fundaram a indústria têxtil Hering, a formando-se numa cidade em constante e contí-
cionamos as transformações ocorridas no trecho topografia acidentada da cidade, gerou lotes estrei- primeira do Brasil, localizada na rua XV de No- nuo processo de transformação de sua paisagem:
navegável do rio Itajaí-Açu e suas margens, na ci- tos e compridos, paralelos entre si e perpendicu- vembro, e próxima ao rio Itajaí-Açu. Sempre ins- em 1909, Blumenau passou a ter um sistema de
dade de Blumenau, iniciando pela sua fundação lares tanto ao rio, quanto ao caminho e às curvas taladas próximas aos cursos d'água, as indústrias iluminação pública; em 1913, com o objetivo de
como colônia, em 1850, para então avançar até os de nível. iniciaram um novo processo na cidade, quebran- melhorar o transporte de produtos, entrou em
nossos dias. Segundo Deeke (1995, p. 198), "a topografia do o ciclo de manufatura diretamente ligado ao operação o primeiro barco com motor a combus-
Esperamos que o leitor possa percorrer com obrigou o colonizador a adotar o sistema de lotes, pois setor primário. tão, fazendo a ligação entre Blumenau e Itajaí; e
interesse essas páginas e encontrar aqui informa- o terreno de Blumenau é montanhoso e só apresenta A primeira grande ponte sobre o rio Itajaí-Açu no ano seguinte, em 1914, surgiu o primeiro ôni-
ções que lhe sejam úteis e que contribuam para a áreas planas nas margens dos rios". Essa caracterís- foi a Lauro Muller, popularmente conhecida como bus da cidade.
reflexão sobre a paisagem de rios urbanos. tica foi determinante para a conformação dos lotes Ponte do Salto, cujas obras começaram em 1896 Em 1931 foi inaugurada a ponte metálica da Es-
com frente (testada) estreita para a estrada, princi- e foram concluídas somente 17 anos depois, em trada de Ferro (hoje denominada ponte Aldo de
palmente junto ao vale do rio, e os fundos tão ex- 1913- Neste período, começavam a surgir no mu- Andrade, conhecida como ponte da Prefeitura)
tensos que se confrontavam, nas linhas divisoras nicípio novos e grandes edifícios, erguidos por sobre o rio Itajaí-Açu, na foz do ribeirão da Velha,
de água, com lotes de outros vales. Essa forma de comerciantes que principiavam a acumular fortu- ligando o Centro com a Ponta Aguda. Frotscher
A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM divisão de lotes marcou profundamente a estrutu- na com os negócios de importação e exportação (2ooo, p. 59) afirma que "após a conclusão das
DE BLUMENAU :a fundiária e conseqüentemente as malhas urba- através do escoamento de mercadorias pelo rio obras da ponte, alguns operários construíram suas ca-
nas de Blumenau e de outras cidades de origem Itajaí-Açu. sas ali e, aos poucos, os casebres foram se somando a
Em 2 de setembro de r8so, Hermann Bruno alemã, tanto do Vale do Itajaí, como do estado de Em 4 de fevereiro de 188o, Blumenau foi eleva- outros fazendo surgir a favela Farroupilha".
Otto Blumenau, juntamente com mais 17 imi- Santa Catarina. da à condição de município. Porém, essa conquis- A Primeira Guerra, por um lado, trouxe prospe-
grantes alemães, fundou a cidade de Blumenau. A economia da colônia, ao final da primeira dé- ta política se concretizou apenas em 1883, devido ridade ao setor industrial de Blumenau; por outro,
O sítio escolhido para a implantação da colônia foi cada de existência, era baseada na agricultura. O a uma enchente que ocorreu em 188o atingindo fez a população sofrer pelo fato de ser composta,
o último trecho navegável do rio Itajaí-Açu. Des- primeiro registro cartográfico, elaborado em 1864, a cota de 17,10 metros- o nível médio do leito do em sua maioria, por alemães ou descendentes
tacamos que nessa época não se estruturou um mostra o parcelamento do solo perpendicular aos rio Itajaí-Açu em Blumenau é de apenas 6 metros diretos deles. As retaliações começaram a chegar
centro histórico homogêneo e concentrado pelo cursos d'água na área navegável do rio Itajaí-Açu e acima do nível do mar. em Blumenau a partir da década de 1930. Caresia
fato das casas, construídas em lotes coloniais, es- também os primeiros caminhos paralelos ao leito O contínuo desenvolvimento econômico impul- (2000, p. 172) diz que a Campanha de Nacionali-
tarem distantes de cem a duzentos metros umas dos rios que, mais tarde, irão se transformar nas sionou os empreendedores locais a criar mais al- zação ocorreu a partir de 1938 com o advento do
das outras. estradas principais da cidade. ternativas de transporte fluvial, fazendo surgir o re- Estado Novo de Getúlio Vargas (1937) e a partir
Na colônia particular, em algumas das primei- Destacamos aqui a preocupação dos colonizado- bocador Jan (1890), os vapores Blumenau I (1895), daí, "todos os periódicos deveriam ser editados em
ras construções, foi utilizada a técnica construtiva res em mapear os cursos d'água que, no decorrer Santa Catarina (1906) e Richard Paul (19ro). português e o alemão era proibido também nas ruas,
enxaimel, na qual a madeira assume a função es- da história, passam a aparecer em segundo plano Em 1900, foi elaborado o terceiro mapa da ci- escolas, igrejas e nos clubes".
trutural e a alvenaria de tijolos é apenas emprega- nos mapas da cidade, confirmando o que diz Costa dade de Blumenau, já com a área central densa- Em relação à paisagem, segundo Siebert (1999,
da para o fechamento dos vãos. Essa técnica foi et al (2002) nos seus estudos sobre os rios cariocas. mente dividida, assumindo a configuração de ci- p. 71), "este período se traduziu pelo mascaramento

164 ~"tU OS E PniSAGENB URBANAS


das construções em enxaimel, que foram rebocadas. Apesar de já existirem quatro pontes sobre o panorâmica do rio proporcionada pela Beira-Rio, de urbanização e crescimento acelerado irá transfor-
As ruas com nomes alemães foram renominadas, rio Itajaí-Açu ligando as duas margens, a ocupa- alto impacto paisagístico, tomou-se marca registrada mar as enchentes em grandes calamidades.
através de decreto, com denominações de origem bra- ção ainda se dava quase que exclusivamente na de Blumenau, um dos seus referenciais mais fortes do Como afirma Siebert (2ooo, p. 122-3), "no Plano
sileira. A herança cultural foi negada, e seu resgate margem direita. Na margem esquerda, a ocupa- imaginário coletivo". Diretor de 1977 não havia limite máximo de altura
hoje ainda é um trabalho delicado, de superação do ção limitava-se às proximidades do rio Itajaí-Açu. Apesar da impermeabilização e da extinção da (gabarito) para as edificações, podendo-se construir
doloroso trauma da nacionalização". Neste período, Ainda em 1957, surgiu no cenário da cidade a pon- mata ciliar nesse trecho, podemos dizer que, com tantos pavimentos quanto permitisse o uso conjugado
segundo Caresia (2ooo, p. 177), "a cidade passou a te Adolfo Konder, conhecida como ponte da Mo- a construção da avenida Beira-Rio, a cidade pas- do coeficiente de aproveitamento e a taxa de constru-
sofrer mudanças significativas em sua estrutura urba- ellmann, ligando o Centro à Ponta Aguda. Nesse sou a ter um olhar mais atento ao rio Itajaí-Açu. ção". Isso resultou no adensamento do Centro da
na, aproximando a cidade aos grandes centros urba- mesmo ano, desapareceu um de seus maiores re- Nesse trecho, as construções voltaram-se para o cidade, num sistema viário sobrecarregado e na
nos, com a construção de pontes, rodovias, ferrovias, ferenciais urbanos, que, durante toda a primeira rio, era permitido o acesso, o contato, o olhar e, supervalorização de uma área já valorizada por
aeroportos e com a expansão da telefonia". metade do século XX, dominou a cena do Centro assim, houve a valorização do rio. Nessa área, o sua centralidade.
A primeira estação de tratamento de água de da cidade: o Hotel Holetz foi posto abaixo dando rio não foi mais tratado como fundo de lote, ape- Também em 1977, a paisagem de Blumenau
Blumenau foi inaugurada em 1943. Construída lugar ao Grande Hotel Blumenau com 14 pavi- sar de ainda ser tratado como local de despejos passou por graves alterações. A Lei de Incentivo
em área livre de enchente, no morro da Boa Vista, mentos, inaugurado em 1962. Ainda em 1957, pela população. Fiscal (Lei Municipal n. 0 2.262/77), que tornou
passou a atender às regiões centrais do município. ocorreram três enchentes em três meses e a maior Blumenau havia iniciado os anos de 1970 com isento o imposto predial à construção e reforma
Do morro da Boa Vista, segundo Frotscher (2ooo, delas, em agosto, inundou 2/3 da área edificada crescimento notável na economia. A industriali- de edificações em estilo germânico, transformou
p. 57), poderia ser avistada "a estação ferroviária do município. zação também provocou o fenômeno da urbani- a área central da cidade dando-lhe um forte apelo
(. .. ), as edificações ao longo da mesma rua, o cauda- Em 1963, outro edifício foi inaugurado desta- zação. O perfil urbano de Blumenau passou por turístico. A chamada febre do enxaimel gerou um
loso rio cortando a cidade ao meio, deixando de um cando-se no cenário urbano até os dias atuais: o uma verticalização, causada pela construção de fachadismo sem sinceridade estrutural com a apli-
lado o Centro, e de outro, a Ponta Aguda(... ). Entre o edifício Visconde de Mauá. diversos edifícios. A cidade viu surgir novas ruas e cação de madeirinhas cruzadas que proliferaram
trecho da Itoupava Norte e o Centro, apenas a majes- O prefeito Carlos Curt Zadrozny criou em 1967 pontes e seu comércio acompanhou o crescimen- pela cidade em réplicas de construções medievais
tosa Ponte de Ferro ligava as duas margens do rio." a Comissão Municipal de Turismo, criando ro- to da economia local através da diversificação de européias. A cultura alemã, sufocada pela nacio-
Após quase um século, o rio Itajaí-Açu estava teiros e atrações para os turistas que visitassem produtos comercializados. nalização, apelou para o pastiche no fachadismo,
deixando de ser a principal porta de entrada e saí- a cidade. Segundo Santiago (2001, p. 142), "para No decorrer da elaboração dos mapas da cida- procurando imitar o enxaimel (Figura r).
da de mercadorias e passageiros em Blumenau. O incentivar os brasileiros a visitar a cidade, a comissão de, verificamos cada vez mais o desenvolvimento
movimento de cargas e pessoas no porto da praça criou em 1968, uma campanha publicitária que ti- do ambiente urbano sobre o ambiente natural. Os
Hercílio Luz (atual Biergarten), na foz do ribeirão nha como tema 'Adivinhe que país é esse?', trazendo cursos d'água foram desaparecendo em grande
Garcia, era cada vez menor. As estradas e a ferro- sempre como ilustrações imagens de Blumenau que a quantidade desde os primeiros registros cartográ-
via passaram a concentrar a maior parte do tráfego mostravam como um pedaço da Europa no Brasil". ficos da cidade. Houve a canalização do ribeirão
e as constantes e viagens dos vapores Progresso e Em 1968, o barco Blumenau II inaugurou Bom Retiro e de muitos outros córregos, mostran-
Blumenau, ligando a cidade de Itajaí, começavam uma viagem pelas águas do rio Itajaí-Açu. Era do a prioridade do sistema viário em detrimento
a fazer parte do passado (Santiago, 2001, p. 145). mais uma iniciativa para incentivar o crescente do fluvial.
Em 1950, foi concluída mais uma ponte da es- movimento turístico na cidade. No mesmo ano, Em 1977, foi instituído o primeiro Plano Dire-
trada de ferro ligando a Ponta Aguda à rua Itajaí. o aspecto urbano do município sofreu uma gran- tor Físico-Territorial da cidade de Blumenau, tra-
Construída na forma de arcos, denominada atual- de modificação com o surgimento da avenida zendo preocupações com os aspectos tradicionais
mente ponte Eng. Antonio Vitorino Ávila Filho, a Beira-Rio, construída paralelamente à rua XV de da comunidade e com a preservação e valorização
ponte ficou conhecida como ponte dos Arcos. Era Novembro e impermeabilizando grande parte da da paisagem (Lei Municipal n. 0 2.235, de 05 de
mais um passo à definitiva ligação ferroviária en- área da margem direita do rio Itajaí-Açu no Centro maio de 1977, Capítulo VIII, Art. 24 e 25).
tre Blumenau e a cidade de Itajaí. de Blumenau. Entretanto, o maior equívoco desse plano diretor
Nessa época, a população do campo ainda era Para Siebert (1999, p. 8o), "a construção de uma refere-se às enchentes. O plano proibiu edificações
maior do que a urbana, mas já havia um crescente avenida na beira do rio foi uma mudança de paradig- apenas abaixo da cota de ro,oo metros em relação
êxodo rural onde os colonos estavam deixando o ma para a época, pois a cidade sempre cresceu de cos- ao nível do mar. Por este motivo, uma grande ex-
interior em busca de melhores condições de vida tas para os rios, com os fundos das casas aproveitan- tensão de área inundável foi ocupada nas proximi- Figura 1 -A réplica da Prefeitura de Michelstadt [Alema-
na cidade. do os cursos d'água como coletores de esgoto. A visão dades dos rios e ribeirões. Este período de intensa nha) tornou-se símbolo da cidade, foto Soraia L. Porath.

166 ~.f~IDS PRISAGENg URBmi{iS RIOS E PP.ISf.lGENS URBANAS~ 167


Esta época foi profundamente marcada pelas dices urbanísticos da área central, visando evitar das águas aos lugares mais altos. Infelizmente, Vimos até aqui todos os fatos ao longo da
grandes e sucessivas enchentes. Em 1983 ocor- o adensamento excessivo do local; a proibição do basta chover o suficiente para que a cidade revi- história que levaram à paisagem atual das áreas
reram 12 inundações. A maior delas, em julho, uso residencial abaixo da cota de 12 metros; a de- va as cenas dramáticas das grandes enchentes adjacentes ao trecho navegável do rio Itajaí-Açu,
chegou a 15,34 metros e atingiu cerca de 70% do finição de eixos industriais ao longo das rodovias de 1983 e 1984- evidenciando o Centro da cidade de Blumenau.
parque industrial e 90% do comércio. Com a ci- de acesso; e a preservação do patrimônio histórico Esse período mostrou que as vias estão hoje Observamos que a paisagem está num constan-
dade destruída houve o aumento do desemprego, e do meio ambiente. aprisionadas entre rios e montanhas num vale es- te processo de transformação e que em particular
a diminuição do poder aquisitivo da população e Depois das enchentes que marcaram a história treito e íngreme, com grande impermeabilização nas áreas urbanas e em margem de rios, há um
uma brusca reversão do processo de instalação e da cidade e da revisão do Plano Diretor realizada do solo e ausência de mata ciliar na margem direi- caráter extremamente dinâmico dessas transfor-
expansão de empresas. As enchentes, segundo em 1989, o modelo de urbanização foi modifica- ta do rio Itajaí-Açu devido à construção da avenida mações, com intensidades variáveis, em função
Siebert (1999, p. 95), "provocaram uma modificação do profundamente. Uma verticalização acelerada Beira-Rio. Houve uma preocupação com a arbori- das características de cada contexto. Notamos que
profunda no modelo de urbanização de Blumenau". foi induzida pela pressão imobiliária nas áreas zação urbana nas vias principais, mas, em relação na cidade ocorreram mudanças em termos de eco-
Em 1984, a história das enchentes se repetiu. atingidas e os morros foram sendo gradativamen- aos marcos referenciais, muito pouco foi alterado nomia, política, relações sociais e também no âm-
A cidade ainda não havia se recuperado totalmen- te ocupados, o que alterou a paisagem da área na paisagem desde 1984 devido à consolidação bito espacial, com adaptação às novas exigências e
te das cheias do ano anterior quando as chuvas central de Blumenau. dessa área. características da sociedade.
fizeram os rios subirem novamente em agosto, A segunda revisão do plano diretor ocorreu Blumenau é, em 2oo6, uma cidade de
atingindo 15.46 metros acima do seu nível nor- em 1996, na administração do prefeito Renato de aproximadamente 26o.ooo habitantes que,
mal. Nas palavras de Frotscher (2ooo, p. 188), "pe- Mello Vianna e sancionado em 1997, na adminis- fundada como colônia particular em r8so,
las ruas vazaram as águas do rio, cobrindo a cidade tração do prefeito Décio Nery de Lima. Essa revisão logo partiu da agricultura de subsistência para
com um mar de água barrenta. Durante quinze dias, foi ampla e longamente discutida pelo conselho a transformação do excedente em produtos
a cidade ficou à mercê das águas do rio Itajaí-Açu. deliberativo do recém-criado Instituto de Pesquisa artesanais, inicialmente, e industrializados, em
(. .. ) Com a degradação do meio ambiente e da ur- e Planejamento Urbano de Blumenau (IPPUB) e um segundo estágio, até se tornar o terceiro pólo
banização- em 1980 a percentagem de urbanização entidades comunitárias. da indústria têxtil e do vestuário do país, bem
em Blumenau era de 90% - as enchentes transfor- A maior contribuição desse plano foi a criação como forte centro turístico.
maram-se em azar ambiental de grande impacto no das ZRU (Zonas Recreacionais Urbanas) que, lo- O rio Itajaí-Açu faz parte da bacia hidrográfica
vale do Itajaí". Segundo Flores (1997, p. ro8), "a calizadas em fundos de vale e áreas inundáveis, de mesmo nome, que possui aproximadamente
catástrofe ocorrendo num momento recessivo para a têm o objetivo de implantar parques e áreas de 15. 50okm2 distribuídaem4 7municípios (Figura2).
economia brasileira, aumentou as dificuldades para lazer, e ao mesmo tempo preservar estas áreas da O rio Itajaí-Açu pode ser dividido, nos seus 200
a reconstrução da cidade. Isso foz com que a alterna- urbanização. Porém, o zoneamento mostra um quilômetros, em três setores principais, segundo
tiva econômica proporcionada pelo turismo fosse vista traçado viário paralelo ao leito do rio Itajaí-Açu na suas características naturais: Alto, Médio e Baixo
como uma das mais viáveis para a região atingida margem direita, onde está prevista a continuação Vales do Itajaí.
pelas enchentes". da avenida Beira-Rio. Ao ser executado esse proje- A cidade situa-se aos 26°55'26" de latitude sul
A fórmula encontrada pelo prefeito Dalto dos to, haverá o que já ocorreu na abertura dessa via: e aos 49°03'22" de longitude oeste, a uma distân-
Reis e pelo secretário de Turismo Antônio Nunes uma grande impermeabilização do solo com de- cia de 140 km por meio rodoviário da capital do
foi a realização, entre os dias 5 e 14 de outubro gradação da mata ciliar, alteração do leito do rio, estado, Florianópolis, e tem como limite os mu-
daquele ano, da primeira edição da Oktoberfest. A e, como conseqüência desses atos, teremos uma nicípios de Luiz Alves e Gaspar a leste, Indaial
festa elevou o ânimo dos habitantes, atraiu milha- maior urbanização nas margens do rio Itajaí-Açu. e Pomerode a oeste, Jaraguá do Sul e Massaran-
res de turistas e dinamizou o setor do turismo. Ao longo do desenvolvimento da cidade de duba ao norte, e Guabiruba, Botuverá e Indaial
Em 1989, o Plano Diretor de Blumenau foi Blumenau, pudemos observar a transformação ao sul.
revisado e aprovado na administração do prefei- da sua paisagem e vimos que a cidade sofre as A área total do município é de 510,3km2 , sendo Rios Principais
Serras
to Vilson Pedro Kleinubing. As maiores contri- conseqüências da urbanização dos fundos de vale 192km 2 de área urbana e 318,3km2 de área rural, Represas principais
buições deste plano diretor para o espaço urbano quando ocorre o fenômeno das enchentes. Blume- com altitude média na área urbana de 21 metros. - Bacia hidrográfica do Rio ltajaí-Açu
foram: a preocupação com a circulação viária; a nau cresceu invadindo várzeas, canalizando rios, Integra-se na Associação dos Municípios do Figura 2 -Bacia hidrográfica do rio ltajaí-Açu.
definição de um macrozoneamento que tentou cobrindo de asfalto a terra que podia absorver as Médio Vale do Itajaí (AMMVI), composta de 14 Fonte: Universidade de Blumenau/lnstituto de
direcionar a expansão urbana; a redução dos ín- águas e, como conseqüência, acelerou a chegada municípios, cujo centro polarizador é Blumenau. Pesquisas Ambientais- Elaboração: Soraia L. Porath

RHJH
A PAISAGEM ATUAL DO RIO ITAJAÍ·AÇU

No caso do rio Itajaí-Açu, em Blumenau, po-


demos observar que muitos cursos d'água trans-
formaram-se em limites, e que a topografia teve
influência no nome dos bairros (Figura 3). Por
exemplo, no bairro Ponta Aguda, a sinuosidade
do rio Itajaí-Açu configura uma ponta acentuada
de terra que deu origem ao seu nome; no bairro
Boa Vista, o morro com o mesmo nome permite a Figura 3- Mapa topográfico com destaque para a área navegável
possibilidade de uma visão completa do Centro da do rio ltajaí-Açu e bairros adjacentes. Elaboração: Soraia L.
cidade; no bairro Itoupava Seca, a palavra Itoupa- Porath, a partir de mapa da Prefeitura Municipal de Blumenau.
va tem origem no tupi-guarani, que significa cor-
redeiras, e a palavra Seca se refere ao afloramento
de pedras do rio Itajaí-Açu em época de estiagem;
o bairro Vorstadt tem origem alemã e significa en-
tradajantes da cidade (Blumenau, 1996). lha e Bom Retiro (hoje canalizado). Situa-se numa
Alexander (1980) e Afonso (1995) comentam área completamente plana, nas chamadas planí-
que, em muitas cidades, as estradas, vias expres- cies centrais da cidade. Grande parte do bairro é
sas e indústrias, assim como outras construções, atingida pelas enchentes com prejuízos graves
bloqueiam as margens dos rios de tal maneira devido à urbanização próxima ao rio. Em relação Figura 4- Destaque do Centro da cidade com as edificações e a topografia.
que resultam em inacessibilidade ao rio pela po- à vegetação, podemos dizer que essa área possui Elaboração: Soraia L. Porath, a partir de mapa da Prefeitura Municipal de Blumenau.
pulação. Infelizmente essa afirmação também se ausência de vegetação nativa devido ao cultivo da
aplica no caso de Blumenau, pois com exceção do agricultura na época colonial da cidade.
Centro, são poucos os locais em que a população Quanto ao ambiente construído, o Centro pos-
tem acesso visual ao rio Itajaí-Açu. sui construções emblemáticas em grande núme-
Damos ênfase a uma análise mais detalhada ro, tanto de patrimônios históricos, quanto de Esse trecho do rio é navegável somente por em- bana; e, finalmente, na detecção de vocações paisa-
da paisagem do bairro Centro por mais alguns falso enxaimel. Em comparação a outros bairros, barcações pequenas porque a laje de concreto da gísticas, as quais se constituem no primeiro passo da
motivos: como vimos anteriormente, essa região o Centro apresenta maior número de marcos re- avenida Beira-Rio se estende até o ponto mais bai- criação de cenários de desenho ambiental". Portanto,
localiza-se na área mais antiga da cidade, e sofreu ferenciais que se evidenciam na paisagem e uma xo do rio, e também porque há um grande número se por um lado é possível chamar a atenção para
as maiores transformações na paisagem desde a maior verticalização com conseqüente imperme- de rochas que afloram do rio mesmo no seu nível áreas de grande valor paisagístico, que deverão ser
sua fundação; também pelo fato "das áreas urba- abilização do solo. Atualmente, o Centro possui normal. Infelizmente, até hoje a cidade sofre as ocupadas de forma planejada, aproveitando-se as
nas centrais constituírem amostragens mais represen- atividades de serviços e comércio, e cada vez me- conseqüências da sua urbanização quando ocorre características naturais do meio e preservando a
tativas e compreensivas da vida urbana, pela maior nos pessoas residem nesse local. De acordo com o fenômeno das enchentes (Figura 9). mata ciliar, por outro, podemos alertar a população
presença (intensidade) e simultaneidade de funções e o Censo 2ooo, o bairro possui uma população de Observando em campo os diferentes elementos e os órgãos públicos sobre os efeitos negativos da
usos" (Rodrigues, 1986, p.14), e porque "o centro r.612 habitantes. que compõem a paisagem ao longo do rio Itajaí- urbanização em margens de rios e suas várzeas.
situa-se em geral em volta do ponto de convergência A partir do eixo do rio Itajaí-Açu podemos obser- Açu, foi possível identificar os pontos positivos e
das velhas estradas de acesso à cidade" (Lacaze, sji, var diferentes paisagens: pontes, foz de ribeirões, negativos de suas margens. Nas palavras de Fran-
p. 18). águas residuárias (Figura 5), alto índice de im- co (1997, p. 137) "todo o trabalho de planejamento
O bairro Centro localiza-se na margem direita permeabilização do solo, acesso ao rio (Figura 6), inclui a leitura perceptiva da paisagem como indica-
do rio Itajaí-Açu e tem como limites o rio Itajaí- construções emblemáticas (Figura 7), praças que dora, não só dos pontos de maior signijicado visual, CONSIDERAÇÕES FINAIS
Açu, o ribeirão da Velha, o ribeirão Garcia, vias permitem avistar o rio, ruas paralelas ao leito do como também dos aspectos críticos de transformação
principais e a topografia (Figura 4). Sua hidrogra- rio, edificações na faixa de preservação e verticali- do relevo; das condições de degradação dos solos e da Vimos que, com o desenvolvimento econômico
fia compreende também os ribeirões Garcia, Ve- zação das edificações (Figura 8). cobertura vegetal; das características da ocupação ur- e a concentração populacional crescente no Brasil,
o processo de urbanização ganha força e continua Afonso (1999) afirma que as divisões admi- conectados) a serem apropriados a curto, médio ou
se expandindo para novas áreas. A mentalidade nistrativas municipais não são competentes para longo prazo, bem como a definição de espaços livres de
brasileira sobre o planejamento urbano cristalizou- enfrentar isoladamente questões que extrapolam uso privado (através das taxas de ocupação, índice de
se a partir da Constituição de 1988, quando a suas fronteiras. De nada adianta um município aproveitamento, recuos e afastamento) são condições
elaboração de Planos Diretores Urbanos para ter uma atitude conservacionista em relação ao básicas para a concretização do planejamento e
cidades com mais de 20 mil habitantes tornou-se ambiente, se outros municípios próximos poluem desenho da paisagem urbana, visando a conservação
obrigatória. Depois, o Estatuto das Cidades não as mesmas fontes de recursos. No caso de rios ur- ambiental em áreas planas ou inclinadas".
só referendou esta exigência como apontou para banos, os Comitês de Bacias Hidrográficas são o É necessário muita cautela nos projetos em
uma visão holística sobre a urbanização e a sua fórum ideal para se discutir as questões urbano- torno de rios urbanos e em áreas de fundos de
interação com a natureza, tratando as cidades ambientais, estabelecendo condições para o alcan- vale, como no caso do rio Itajaí-Açu e a cidade de
com uma dimensão humana e social. Entretanto, ce da sustentabilidade. Blumenau que se desenvolveu debruçada às suas
poucas cidades já possuem um plano para or- A consciência ambiental, o conhecimento téc- margens. Mas, então, como proceder? O que fazer
Figura 5- Águas residuárias, foto Soraia L. Porath
denar o seu crescimento e manter a qualidade da nico, e a vontade política de realizar obras adequa- para que os rios não se tornem uma paisagem es-
sua paisagem que, na maioria das vezes, é o seu das são fatores preponderantes na valorização dos quecida e ignorada no desenvolvimento das cida-
maior atrativo. rios urbanos. A caracterização ambiental pode ser des às suas margens?
No caso de Blumenau, a transformação das áre- um dos fatores determinantes na adoção de novas Como resposta a essas indagações, destacamos
as antes rurais em urbanas, trouxe como resulta- diretrizes urbanas, como por exemplo, a simples e recomendamos, tanto para o rio Itajaí-Açu em
do o aumento da área impermeabilizada, que com adoção da faixa non aedijicandi de um corpo d'água Blumenau quanto para outros rios urbanos que:
outros fatores advindos da urbanização também pode colaborar para a sua valorização.
contribuíram para o aumento na freqüência das Ressaltamos que a presente pesquisa não se • O planejamento e projeto de rios urbanos
enchentes. Porém, a cidade possui hoje um siste- opõe à urbanização, mas observamos a necessida- devem ser realizados em escala regional, ou
ma de alerta contra enchentes desenvolvido pela de de que este processo se desenvolva levando em seja, a partir de bacias hidrográficas e por
Universidade Regional de Blumenau. A partir do consideração o ciclo hidrológico, a presença dos equipes interdisciplinares;
nível dos rios, da previsão do tempo e da quanti- rios nos centros urbanos e suas várzeas. Com isto, • A visibilidade e o acesso público são importantes
dade de chuvas, é possível prever inundações com será possível antever parte dos problemas, muitas critérios de projeto para valorização dos rios
até dez horas de antecedência e até calcular o nível vezes evitando-os e prevenindo-os, ou seja, a ocu- urbanos;
Figura 6- Acesso às águas do rio, Soraia L. Porath
da enchente que se aproxima. pação do espaço será realizada de maneira mais
A topografia acidentada fez com que a cidade harmônica com o meio, respeitando os limites do
se desenvolvesse junto aos rios e ribeirões e, nesse ambiente e reduzindo os problemas e prejuízos
processo, o desmatamento visando a urbanização causados pelo conflito entre as necessidades an-
ocorreu de forma extensiva e impensada. Verifi- trópicas e a dinâmica ambiental.
camos também que a cidade, por possuir grandes Segundo Costa (2002), um bom planejamento
intervalos entre as enchentes que atingem um ní- resulta de ações de equipes multi e interdiscipli-
vel mais elevado, termina por ocupar as várzeas e nares (administradores, políticos, arquitetos, en-
repetir um ciclo desastroso. genheiros e profissionais das mais diferentes áre-
O Brasil possui inúmeras cidades com os mes- as) preocupadas com a paisagem a planejar. Isso
mos problemas que foram apontados no caso do porque, no planejamento integrado, devem ser
rio Itajaí-Açu em Blumenau. Portanto, é inadmis- considerados todos os fatores: geológicos, biológi-
sível que os inúmeros prejuízos causados pelo cos e físicos de um ambiente, considerando suas
fenômeno natural das enchentes nas áreas com ações conjuntas, além das estruturas socioeconô-
Figura 7- A Prefeitura Municipal como construção
densa urbanização ainda não tenha servido de micas que a compõem.
emblemática em falso enxaimel, foto Soraia L. Porath
alerta aos órgãos públicos no que tange à abertura Afonso (1999, p. 73) afirma que "a reserva de
de vias, construções e alterações das margens dos terrenos para a criação de um sistema de espaços livres Figura 8- Edificações na faixa de preservação e verticalização,
rios urbanos. públicos (parques, praças, acessos e passeios inter- foto Soraia L. Porath
• A criação de parques nas várzeas do rio permite AGRADECIMENTOS
que as enchentes invadam suas áreas, funcio-
nando como uma faixa de proteção para a cidade; Esta pesquisa foi desenvolvida com auxílio do
• As ocupações das margens devem ser restritas, FUNPESQUISA e da CAPES, a quem agradece-
como por exemplo, equipamentos de lazer mos o apoio financeiro.
e recreação;
• Deve ser implantado um sistema de tratamento
de efluentes nas diversas cidades da bacia
hidrográfica;
• Deve-se incentivar a navegabilidade e o turismo BIBLIOGRÁFIA
fluvial.
AFONSO, Sonia. O que é um rio urbano?Trabalho apresentado CARESIA, Roberto Marcelo. "Blumenau e a modernização
Infelizmente sabemos que a realidade brasi- na disciplina de Paisagem e Linguagem Urbana. São Paulo: urbana: alterando costumes (1940-r96o)". In: FROTSCHER,
leira mostra-se oposta a tal nível de idealização e FAUUSP. Curso de Pós-Graduação, 1995. Méri; FERREIRA, Cristina (orgs). Visões do Vale: Perspectivas
Figura 9- Vista para o Centro da cidade de Blumenau, esses pressupostos dificilmente são aplicados nos historiográficas recentes. Blumenau: Nova Letra, zooo.
foto Soraia L. Porath. rios em centros urbanos. Por esse motivo, eviden- _ _ _ _ _ . Urbanização de encostas: crises e possibilidades. O
ciamos que é fundamental que as cidades sejam Morro da Cruz como um reftrencial de projeto de arquitetura da COSTA, Lucia M. S. A Águas urbanas: os rios e a construção da
planejadas de maneira que haja um maior contato paisagem. Tese (Doutorado). São Paulo: FAUUSP, I999· paisagem. In: Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em
da população com os rios e suas margens, e assim, Escolas de Arquitetura e Urbanismo,VI, Recife, zooz. Anais ...
uma maior conscientização de sua preservação _ _ _ _ _ . Riparian Vegetaton in Urban Áreas: is it Recife: [S.!.], zooz.
• A legislação deve ser amplamente divulgada e pela população. Afinal, só se preserva a natureza Possible? Anais do 2oth Intcrnational Conference on Passive
fiscalizada; e o meio físico quando se conhece a sua impor- and Low Energy Architecture. Rethinking Development. Are COSTA, Lucia M. S. A et al. Rios cariocas. In: Encontro
• A mata ciliar deve ser preservada e, quando hou- tância, tanto pela beleza como pelo seu papel na we producing a people oriented habitat? BUSTAMANTE, W. & Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura
ver recuperação de matas ciliares degradadas, sustentabilidade. COLLADOS, B.(Ed.) PLEA 2003- Santiago do Chile. 2003 e Urbanismo,Vl, Recife, 2002. Anais ... Recife: (S.!.], 2002.
deve-se implantar a vegetação adequada para Esperamos que essa pesquisa sobre a
cada região, segundo classificações de espe- paisagem de rios urbanos, através da análise da ALEXANDER, Christopher. A pattem language j un lenguage de DEEKE, José. O município de Blumenau e a história de seu
cialistas (AFONSO, 2003); transformação da paisagem do rio Itajaí-Açu, patrones: ciudades, edifícios, construcciones. Barcelona: Gustavo desenvolvimento. Blumenau: Nova Letra, 1995.
• As extrações de areia devem ser realizadas possa servir de alerta para a população e para os Gili, 1980.
somente na calha dos rios que suportam esta órgãos públicos, no sentido de repr,1sar o desenho BLUMENAU. Plano Diretor. Blumenau: Prefeitura Municipal, FLORES, Maria Bernadete Ramos. Oktoberfést: turismo,
ação, e rigorosamente fiscalizadas; urbano no entorno dos rios. Além disso, que 1997· ftsta e cultura na estação do chopp. Florianópolis, Letras
• Deve-se evitar a impermeabilização das mar- esse estudo possa contribuir para as próximas Contemporâneas, 1997.
gens dos rios; legislações, seja municipal, estadual ejou federal, - - - - · Blumenau por bairros. Blumenau: Prefeitura
• A construção de pontes permite a visibilidade no sentido de valorizar a paisagem dos rios e suas Municipal, 1996. FRANCO, Maria de A R. Desenho ambiental: uma introdução à
ao rio e sua conseqüente valorização, além de peculiaridades em diferentes regiões do país, arquitetura da paisagem com o paradigma ecológico. São Paulo:
permitir a ligação de suas margens; e ainda instigar os novos pesquisadores para a - - - - · Plano Diretor. Blumenau: Prefeitura Municipal, Annablume, 1997.
• No caso de urbanização em fundos de vale, a questão dos rios urbanos. FROTSCHER, Méri. Olhares sobre o saneamento em Blumenau:
faixa de preservação deve ser respeitada e, após uma perspectiva histórica. Blumenau: Nova Letra, 2ooo.
essa área, as construções devem voltar-se para _ _ _ _ . Lei n. 0 2.262/77 - Incentivo às construções tipo
os rios e não tratá-los como fundo de lote e local enxaimel. - - - - - - · Blumenau e as enchentes de 1983 e 1984:
de despejos; Identidade, memória e poder. In: FROTSCHER, Méri; FER-
• A construção de ruas e avenidas devem ser - - - - · Lei n. 0 2.235, de 05 de maio de 1977 - Plano REIRA, Cristina (orgs). Visões do Vale: Perspectivas historio-
realizadas em áreas livres de enchente que Diretor Físico-Territorial. gráficas recentes. Blumenau: Nova Letra, 2ooo. p. 187 - 205.
permitem um certo distanciamento e ao mesmo
tempo o contato visual com o rio;
BEIÉM,
,
LACAZE, jean-Paul. A cidade e o urbanismo. Coleção: Biblioteca
CIDADE DAS AGUAS GRANDES
Básica de Ciência e Cultura. Tradução de Magda Bigotte de
Cristovão Fernandes Duarte
Figueiredo. [S.!.]: Instituto Piaget, [S.!.].

"fintes de ser um espetáculo consciente,


RODRIGUES, Ferdinando de Moura. Desenho urbano: cabeça,
toda paisagem é uma experiência onírica".
campo e prancheta. São Paulo: Projeto, 1986.
Gaston Bachelard (1977, P·5)

SANTIAGO, Nelson Marcelo. Acib - 100 anos construindo


Blumenau. Blumenau: Expressão, 2oor.

SIEBERT, Cláudia A. F. A legislação urbanística de Blumenau:


1850- 1997. In: Dynamis: Revista Temo-Científica. V. 8. No.
30. Blumenau: FURB, 2000.
DECIFRA· ME ENQUANTO TE DEVORO ...

_ _ _ _ _ _ . A evolução urbana de Blumenau: o


Nada é simples quando se trata de falar da Difícil evitar essa "pororoca" de adjetivos quan-
(des )controle urbanístico e a exclusão sócio-espacial. Dissertação
Amazônia. Seja qual for o tema ou aspecto a ser do até os sentidos da percepção parecem insufi-
(mestrado). Florianópolis: UFSC, 1999.
abordado, será preciso, antes de qualquer coisa, cientemente dotados para dar conta da força extra-
aceitar o fato de que estamos lidando com uma ordinária dos acontecimentos que sucedem à nos-
escala muito particular. Uma escala que nos faz sa volta. Por isso, somente depois de constatar e
pequenos diante de tudo que vemos; uma escala reconhecer os nossos limites é que estaremos mi-
colossal, sobre-humana (a começar pelo tamanho nimamente preparados para seguir em frente. Aí
dos insetos). Essa será a primeira e a mais funda- então poderemos, com tranqüilidade e aceitação,
mental das descobertas. nos render aos seus mistérios e encantamentos.
Depois vem o vigor deste impulso vital que Diferentemente do enigma proposto pela antiga
faz tudo brotar e rebrotar o tempo todo; o verde esfinge', na Amazônia, se deixar devorar é condi-
profundo das folhagens; a exuberância da floresta ção indispensável à decifração.
com suas árvores gigantescas; a branca intensida- As linhas a seguir discorrem sobre a experiência
de da luz equatorial que a tudo devassa e escalda; vivida por um "estrangeird' numa cidade ama-
e, por fim, mas não por último, a imensidão das zônica. A cidade em questão é Belém do Pará e
águas grandes ... "estrangeiro" é como, em geral, os amazônidas
A água está em toda parte: elemento primor- denominam, coloquialmente, todos que vêm
dial e matéria-prima de todas as possibilidades de de fora, não importando aqui se o estrangeiro
existência. Na Amazônia, no entanto, essa onipre- vem de dentro ou de fora do Brasil. Não se trata
sença assume uma visibilidade absurda, quase ir- exatamente de uma atitude xenófoba, mas da
real, que nos transmuta em seres aquáticos. É ela, constatação velada de que a Amazônia é mesmo
e sempre ela, que comanda a cena. Seja na forma um "outro lugar", longínquo e estranho. Quanto a
do "rio-estrada" que rasga a floresta, serpenteando mim, contudo, prefiro imaginar-me apenas como
por dezenas, às vezes, centenas de quilômetros, um viajante numa cidade que generosamente
seja na forma do "rio-mar" que se alarga até a linha o acolheu (e enfeitiçou!), tentando, de espanto
do horizonte, ou, ainda, na forma da chuva tropi- em espanto, ir decifrando aquilo mesmo que o
cal que desaba, impiedosa, sobre nossas cabeças. devora.
1

t 176
rio Guamá e rio Acará, a baía do Marajó recebe fronteiras iniciais, a cidade terá no forte o ponto
também (e principalmente), a importante contri- focal da ordenação geométrica do seu traçado e,
PAISAGEM I.ÍQUIDA
buição das águas do rio Pará, fartamente alimen- na "sombra" de sua vizinhança imediata, a prote-
2

'!\ foz do Amazonas é uma dessas grandezas


tado por um braço secundário do rio Amazonas ção e segurança necessárias à conformação de seu
tão grandiosas que ultrapassam as percepções (que vem do norte, através do Estreito de Breves) primeiro núcleo urbano 4 •
e pelo rio Tocantins (que vem do sul). É água que As feições da cidade colonial se consolidam no
fisiológicas do homem:'.
Mário de Andrade (r983. p. 6!)
não acaba mais. E todo esse dulcíssimo aguacei- século XVIII, sob a administração do Marquês de
ro, pouco antes de inundar o oceano Atlântico e Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, de Por-
Belém do Pará ou, para fazer jus às suas origens Afastada cerca de roo km da costa atlântica, a misturar-se com as águas salgadas 3, compõe de tugal. As igrejas mudam sua modesta roupagem
históricas, Santa Maria de Belém do Grão-Pará, cidade pronuncia-se com a forma de um cotovelo modo espetacular a paisagem líquida que emol- de taipa-de-mão, sendo reconstruídas em pedra
nasceu à beira de um complexo hídrico, formado entre o rio Guamá e a baía do Guajará. Mas isso dura Belém. e cal. Erguem-se sobrados e edifícios públicos. A
pelo entrelaçamento de muitos rios e baías. Não ainda não é tudo. Contornando Belém, o rio Gua- A bacia hidrográfica amazônica, a mais vasta arquitetura oficial e religiosa assume proporções
se trata, portanto, simplesmente de um rio, mas má encontra o rio Acará e, ambos desembocam do planeta, constitui uma rede excepcional de vias clássicas e escala monumental 5, destacando-se
de um mar de água doce. Não um rio que corta na baía do Guajará. A baía do Guajará, por sua comunicantes e hierarquizadas, tendo como calha do casario residencial e tendo o rio como pano-
em duas a cidade, mas um verdadeiro wateifront vez, se junta, amistosa e tranqüilamente, à baía do principal de escoamento o rio Amazonas. Desse de-fundo. Entre os prédios mais significativos do
fluvial que afasta a outra margem para além da Marajó, situada ao norte de Belém e a sudeste do modo, a localização de Belém representa, desde a setecentos e ainda existentes na Belém de hoje,
arquipélago do Marajó. Além dos já mencionados sua fundação no início do século XVII, um ato de incluem-se o Palácio dos Governadores (defronte
linha do horizonte.
clarividência geopolítica: o controle sobre a foz e o à grande praça que se abre para o rio), as igrejas
curso do rio Amazonas significou imediatamente do Carmo, Santana, Mercês e Rosário, a Capela de
a posse virtual de todo o território setentrional da São João Batista e o conjunto da Feliz Lusitânia
Figura 1 - Cidade submersa, foto Dirceu Maués colônia. (em torno da Praça da Sé), formado pelo Forte do
Sua ligação com o mar propiciava uma inter- Presépio (também reformado no séc. XVIII), a
face direta entre o núcleo urbano e a metrópole Igreja de Santo Alexandre e o Arcebispado (antigo
portuguesa; a ligação com o rio propiciava a inter- Colégio dos Jesuítas, hoje transformado em Mu-
face com o interior, dilatando seu raio de influên- seu de Arte Sacra), a Casa das Onze Janelas (anti-
cia sobre o território conquistado. A mobilidade go Hospital Militar, hoje transformado em Museu
franqueada pelo duplo acesso às vias naturais de de Arte Contemporânea) e a Igreja da Sé.
circulação, fluvial e marítima, aumentava signifi- O perímetro da cidade correspondia, então, a
cativamente a eficiência dos sistemas defensivo e uma estreita faixa de terra situada entre a orla e
econômico, revelando uma sofisticada estratégia um grande pântano que, até o início do século
de planejamento do espaço a serviço dos propó- XIX (quando foi aterrado), representava um obs-
sitos da colonização. Belém surge, assim, como táculo natural à interiorização do núcleo urbano.
elo estratégico de ligação entre o rio e o mar. Esse Um igarapé cortando transversalmente a cidade
será, sem dúvida, seu atributo vital e razão de ser se encarregava de fazer a ligação entre as águas
de sua própria existência. do pântano e do rio. Junto à orla do rio, a foz do
Sobre um promontório, descortinando a vista igarapé formava um ancoradouro natural, mais
da baía do Guajará, construiu-se, a 6 de janeiro de tarde transformado na doca do Ver-o-Peso, onde
r6r6, o forte do Presépio, marco de fundação da ainda hoje ancoram os barcos vindos do interior,
cidade. A um tempo circunscrevendo e confinan- carregados de produtos regionais para comercia- ·
do a cidade, suas paredes fortificadas permitiram lização. Nessa localização estratégica, se formou
os primeiros contatos entre as populações indíge- uma grande feira popular, talvez a mais antiga do
nas e os conquistadores europeus, e, em decorrên- país, cujo nome deriva da corruptela de "Casa do
cia, o reconhecimento mais apurado da própria re- Haver-o-Pesd', onde era feita a pesagem e a tribu-
gião. No momento seguinte, ao ultrapassar suas tação dos gêneros trazidos para a capital.
U')
•(])

Com o ciclo econômico da borracha, a partir Marco da Arquitetura do Ferro e cartão pos- :J
ro
::2:
da segunda metade do século XIX, a antiga tal da cidade, o Mercado de Peixe, inteiramente :J
(])
cidade colonial portuguesa adquire ares de construído em estrutura metálica importada da u
k,.

cidade cosmopolita. A euforia dos novos tempos, Inglaterra, se tornaria um dos símbolos mais im- i:5
o
decorrente do progresso industrial em marcha na portantes da paisagem de Belém. Com seus qua- ]
o"
Europa e Estados Unidos, exerceu grande influência tro torreões pontiagudos, sobressaindo por entre Ul
(])

na cidade, especialmente sobre a emergente as barracas da feira do Ver-o-Peso, o prédio pare- (L


'
burguesia da borracha7. Os ideais de conforto ce flutuar sobre as águas do rio. Essa sensação é 'i''-
(])

e saneamento urbano, financiados pelo saldo acentuada quando da cidade se avista o mercado, >
o
"O
comercial favorável, deram origem a importantes tendo em primeiro plano o movimento oscilante e ro
u
melhoramentos urbanos e à reformulação da pendular dos mastros e velames das embarcações a
o

paisagem arquitetônica, em estrita observância ancoradas na doca do Ver-o-Peso.


ao novo receituário estilístico do Ecletismo. Desta mescla entre a "Lisboa dos trópicos" (da
Inaugura-se o primeiro trecho da Estrada de segunda metade do século XVIII) e a "Paris na
Ferro Belém-Bragança (r884). Constroem-se América" (da virada do século XIX para o XX),
chalés, palacetes e edifícios suntuosos. Entre as resultarão os traços mais característicos da paisa-
novas edificações, destacam-se o Grande Hotel gem arquitetônica da Belém contemporânea.
e o Teatro da Paz (r878), destinados a receber as Ao contrário dos centros históricos de outras
mais famosas companhias de ópera da Europa. cidades brasileiras, em que reconhecemos con-
Inaugura-se o Mercado de Peixe (r9or), junto à juntos urbanísticos predominantemente datados
8
doca do Ver-o-Peso. de um mesmo período , o Centro Histórico de

Belém apresenta um acervo edificado bastante uma da outra pela orla do rio. Um olhar mal acos-
diversificado que reúne muitos tempos na forma tumado com a secura de outras paisagens ou, tal-
da cidade. Contudo, não obstante as alterações na vez, o próprio olhar do arquiteto, adestrado pelo
forma urbana e o aparecimento de novas funções, estudo das formas rígidas, talhadas a cinzel, in-
as ligações entre cidade-porto-rio-mar permanece- corre muito facilmente no equívoco de desidratar
ram e se consolidaram no processo de constitui- a natureza úmida da cidade de Belém.
ção temporal diacrônica da imagem da cidade. Mais do que emoldurar ou circunscrever a cida-
Significa dizer que a paisagem urbana de Belém de, as águas grandes misturam-se com ela a ponto
apresenta uma unidade estética empiricamente re- de não se poder mais distinguir com segurança o
conhecível, que se constitui em meio à diversidade. que é água e o que é cidade. Será, portanto, a partir
Temos, assim, a paisagem natural, decisivamente desse estado de permanente transição, que entre-
marcada pela presença abundante das águas, pela laça simultaneamente processos de cristalização
extraordinária luminosidade equatorial, pela exube- da água e dissolução da pedra, que se pretenderá
rância da vegetação amazônica, juntamente com a aqui uma tentativa de decifração poética da forma
paisagem arquitetônica e humana, reunidas numa da cidade de Belém.
única idéia (imagem) de cidade.
Engana-se, porém, quem pretende enxergar
água e cidade como coisas diferentes, separadas
A CIDADE SUBMERSA abertos, enquanto se assiste a cidade ser impie-
dosamente lavada. Há que se esperar, naquele
Visitando a cidade em julho de 1927, Mário de também ele, a desejar sua benfazeja quota diária intervalo em que os relógios deixam de controlar
Andrade nos apresenta uma descrição, tão poética de umidade. os tempos dos afazeres cotidianos, que a chuva-
quanto precisa, da paisagem mutante de Belém: No verão, os dias amanhecem invariavelmente rada cesse e o céu se abra outra vez. Em geral, a
luminosos e quentes, transcorrendo como se nada chuva de verão não dura mais que dez ou quinze
"O céu está branco e reflete numa água totalmente mais, além daquela luz intensamente branca, pu- minutos.
branca, um branco feroz, desesperante, luminosíssi- desse cair do céu. Em geral, pelo início da tarde, De repente, um facho de luz irrompe por detrás
mo, absurdo, que penetra pelos olhos, pelas narinas, de uma hora para a outra, tudo se transforma. Um do aguaceiro. A chuva ainda não acabou, mas o
poros, não se resiste, sinto que vou morre1~ misericór- vento inesperado precede a mudança dos humo- sinal luminoso é o anúncio de que o sol não tarda-
dia! O melhor é ficar imóvel, nem falar. E a gente vai res celestes. Nuvens carregadas se acumulam em rá a brilhar outra vez. Com a mesma rapidez que
vivendo de uma outra vida, uma vida metálica, dura, fração de segundos. Começam os primeiros pin- tudo começou, a chuva desaparece.
sem entranhas. Não existo. Até que capto no ar uma gos. São pingos esparsos, mas grossos e velozes. A cidade se recupera rapidamente. As pessoas
esperança de brisa, é brisa sim. O céu branco se escu- Caem, certamente, de grande altura. Batem na vão deixando as marquises e seguem seu cami-
renta em cinzas pesados de nuvens. Em cinco minutos pele com força, estatelam-se no chão, ruidosos. É nho. Debaixo das copas das árvores, onde até há Figura 4- Paisagem renascente, foto Dirceu Maués
o céu está completamente cinzento escuro e venta forte o sinal para que todos os transeuntes se abriguem pouco havia gente bem abrigada, começam pin-
um vento agradável nascido das águas fUndas." 9 o mais rapidamente possível. Na seqüência, des- gos retardatários da chuva que passou. O céu já
pencará o aguaceiro. Já não há nada que se possa se abriu completamente, só as árvores continuam,
Duas estações se sucedem anualmente no Pará: fazer, a não ser se abrigar. Mesmo os guarda-chu- por mais algum tempo, chovendo.
a que chove todo dia e a que chove o dia todo. Não vas são inócuos diante de tanta água. Aliás, em Nas platibandas dos sobrados, nas cumeeiras PEDRA MOlE EM ÁGUA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE

se trata de um mero jogo de palavras, mas da tra- Belém não há o costume de usar guarda-chuvas, dos telhados, ou empoleirados nos postes, os uru- SONHA ...

dução literal do regime das águas que evaporam apenas sombrinhas para se proteger da inclemên- bus se expõem ao sol, abrindo as asas e eriçando
e se precipitam sobre a cidade. A primeira trans- cia do sol. suas penas, para acelerar o processo de secagem. "Contemplar a água é escoar-se, é dissolver-se, é
corre entre junho e novembro, e é associada ao A população, tranqüilamente abrigada debai- Com uma topografia extremamente plana, a ci- n~,oner."

verão; a segunda, correspondente ao inverno, vai xo das marquises e até debaixo das frondosas (e dade resiste excepcionalmente bem às chuvas de Gaston Bachelard (r977. P-49)
de dezembro a maio. No inverno, assim chamado espessas) copas das mangueiras, se prepara para verão. Vista do avião, Belém parece boiar sobre um
por apresentar dias menos quentes e céu quase receber do céu mais uma das muitas chuvas que tapete estendido ao nível do mar (ou do rio). Du- Descrevendo a vida da cidade por volta de 1922,
sempre nublado, a chuva é miúda e demora mais já caíram e que ainda cairão sobre Belém. rante a chuvarada, as ruas se alagam, os bueiros quando ainda o trem de ferro percorria as suas
a passar. No verão, os dias são sempre escaldantes Assim, um rio caudaloso desaba sobre a cidade. transbordam, mas em pouquíssimo tempo a água ruas, o escritor Dalcídio Jurandir diz:
e as águas da chuva desabam de uma só vez so- A partir daí, assiste-se a uma completa transfor- escoa e já se pode andar pelas ruas sem maiores
bre a cidade, concentradas em períodos de curta mação na paisagem local. A chuva de verão cons- problemas. Com a alma e o corpo lavados, Belém ';4s chuvas desabaram, desmanchava-se a cidade
duração. titui, em Belém, um espetáculo da natureza, con- retoma, outra vez apressada, o ritmo comum de no aguaceiro (... ) Varando o aguaceiro, o trem pas-
Ao contrário do que se verifica no Rio de Ja- tracenado teatralmente pela cidade. vida de uma grande cidade. sava, ruidoso efumegante submarino (... ) E rompen-
neiro, um dia de chuva não é nunca para os be- A cidade pára. Os carros param. O tempo pára. As exceções ficam por conta apenas dos perío- do o chuvaral, revezavam-se os apitos da Usina e do
lenenses um "dia feid'. Não se tem aqui o hábito Ou, por outra, um tempo novo se instala, cancelan- dos em que a chuva coincide com a maré alta, em Utinga, os toques do quartel, muito distantes, como se
carioca de maldizer os dias nublados. A chuva em do qualquer tipo de pressa. Todos os compromis- geral no mês de maio, quando se verificam alguns marcassem um tempo extinto ou pedindo socorro na
Belém é um acontecimento corriqueiro e irreme- sos do dia encontram-se agora automaticamente transtornos mais significativos na cidade, decor- cidade que naufragava ( ... ) A cidade boiava na luz
diavelmente presente na vida de todos os dias. O adiados para depois da chuva. Ninguém pode rentes do retardo no escoamento das águas plu- da manhã. Depois daquela semana d'água, as pesso-
banho de chuva, aliás, continua sendo, nas tardes nada contra a força daquela manifestação "trópi- viais. Acrescente-se ainda que, nos últimos anos, as, os animais, os trens passavam como se voltassem
quentes de Belém, uma prática freqüente e muito co-amazônida-torrencial" encarnada na cidade. algumas mangueiras centenárias (que fizeram do fundo. Unta mulher passou, meio esverdeada: do
apreciada pelas crianças. A aproximação das pessoas, forçada pelas cir- Belém ficar conhecida como "a cidade das man- limo da enchente? As samaumeiras de Nazaré tra-
Para o viajante desavisado, no entanto, faz-se cunstâncias, enseja conversas casuais debaixo das gueiras") não têm resistido com o mesmo vigor de ziam um ar do dilúvio". 11
necessário um paciente aprendizado até que ele marquises das lojas. Comenta-se a chuva, contam- outrora à ação das chuvas ro.
venha a entender como as coisas ocorrem e passe, se casos, fala-se sobre a vida, sonha-se de olhos
entanto, há muito que se ver. Os contornos per- A PAISAGEM RENASCENTE
dem definição, ao mesmo tempo em que as for-
mas ganham inusitada mobilidade. Movem-se, '11 água anônima sabe todos os segredos."
serpenteiam, revelando a metamorfose de uma Gaston Bachelard (r997, p.9)
paisagem liquefeita.
Durante a chuvarada, que mobiliza tempo e Depressa o viaJante entendeu que para par-
espaço, o movimento da cidade é inteiramente ticipar do espetáculo cotidiano da metamorfose
comandado pela força das águas. Sem sair do lu- aquática de Belém é necessário se deixar, também,
gar, casas e pessoas são "arrastadas" pela corren- dissolver na paisagem que o envolve. A astúcia
teza onírica que se desprende do fluxo da maté- macia e feminina dos fluidos exige entrega incon-
ria líquida e a ela se superpõe. Uma profusão de dicional. A água que molha e refresca a sua pele
imagens vem à tona. Imagens sempre novas que também penetra na intimidade do seu ser. Assim,
jamais irão se repetir, mas que possuem no poder como cúmplice e amante, o viajante entrega-se à
de dissolução das águas a sua matriz comum. sensualidade primitiva da água pura.
Com suas casas-navio e suas ruas-corrente- Murad, ao estudar o potencial das "imagens
za, a cidade parece agora estar à deriva: prédios imaginais" da nossa experiência de contemplação
se dissolvem em brumas; telhados escorrem de da paisagem-mundo, diz:
Figura 5 - Paisagem líquida, foto Dirceu Maués improváveis cachoeiras, em quedas d'água de es-
guichos mirabolantes; os bueiros transbordam "O dentro e fora trocam de lugar, existe um vai
em furiosos chafarizes improvisados; iluminado e vem em constante mutação e troca imagética (. ..)
como um transatlântico, o Teatro da Paz lidera, va- Neste momento não se trata de ver o exterior, mas sim
Assistir Belém debaixo da chuva é testemu- De qualquer modo, e isso é o que importa dizer, garoso, aquela caótica procissão fluvial; as torres de ver em profUndidade pelo esvaziamento de toda at-
nhar a cena mítica de uma cidade náufraga, que a chuva envolve e engaja a tudo e a todos na sua da Sé balançam, repicando o bronze amolecido moifera concreta (... )contemplamos a paisagem que
sucumbe, desmanchando-se diante dos nossos mágica duração intemporal. Diante do olhar in- dos sinos; o Mercado do Peixe baila, esguio e des- nos contempla e de um só golpe estamos contidos na
olhos. crédulo do viajante, a população, já devidamente temido, ao som dos relâmpagos; o casario encolhe imensidão desta imagem". ' 4
Até o tempo se encolhe e se aquieta para assistir abrigada, contempla impassível o espetáculo que e se agiganta, numa fantasmagoria de sanfonas
o espetáculo da chuva. Tal como o tempo sagrado, se desenrola na cidade. Não há um escasso traço emudecidas ... Mergulhar na profundidade sempre nova' 5 da
o tempo da chuva representa uma ruptura com de medo ou dúvida nos olhos daquela multidão, Já não se vê os urubus do Ver-o-Peso, nem se paisagem equivale a se deixar levar pelo fluxo que
relação ao tempo profano. Não há propriamente agora voltados para o céu. Há, isto sim, uma es- escuta os pássaros, que são muitos. Estão todos a tudo arrasta, passando a fazer parte dele. Ma-
um fluir do tempo, mas a sua reintegração num pécie de religiosidade primitiva que faz da chuva escondidos, desde os primeiros pingos, nos bura- terialidade e imaginação, simultaneamente im-
mesmo e eterno presente mítíco primordial. Um não uma ameaça, mas uma benção. A suposta im- cos secretos das copas das árvores. Quede a alga- bricadas e fluidificadas, instituem uma zona de
"tempo extinto" que é, a cada chuva, revivido pela pressão de impotência da cidade se desfaz, dando zarra canora dos periquitos da velha samaumeira transição dialética entre a matéria do devaneio e o
6
cidade. A repetição cíclica e ritualizada da chuva lugar a uma respeitosa resignação diante da pre- de Nazaré? Só depois que passar a chuva e o céu devaneio da matéria ' .
instaura na cidade um tempo circular e reversí- sença daquela força sobre-humana. Neste transe boiar outra vez. São sonhos que têm como causa a matéria lí-
12
vel, indefinidamente recuperável. místico-vegetal' 3, que é também espera e aceita- quida: "(. ..) um encantamento não pelas imagens,
Não seria, aliás, a palavra temporal, em sua ção, os habitantes de Belém "sabem'' que nada de mas pelas substâncias".' 7 Para Bachelard, a valori-
conotação semântica de chuva forte, também mal pode lhes acontecer. E, como que "possuída" zação da matéria pelas forças imaginantes, para
uma alusão ao fato de que a chuva tem um tem- por uma entidade divina que desce sobre a cida- além do impulso de novidade, age igualmente no_
po próprio de duração? (Um tempo que não se de, Belém se entrega aos desígnios chuvosos da sentido do aprofundamento: "(. .. ) escavam ofUndo
confunde com o tempo cotidiano; um período de natureza. do ser; querem encontrar no ser, ao mesmo tempo, o
. . .
duração compreendido entre o início e o fim da O céu vira um rio de águas pesadas e o rio espe- pnmawo e o eterno"18
.
chuva, cuja nitidez, em contraposição às demais lhao céu com suas negras e densas nuvens. Um O devaneio da água nos confronta com a maté-
temporalidades do cotidiano, é tão mais pronun- véu espesso cobre a cidade. Cidade, rio e céu já ria primordial, a substância das substâncias, reavi-
ciada quanto mais forte é a chuva). não se distinguem mais. Enxerga-se pouco e, no vando e atualizando no ser velhas formas mitoló-
gicas 19 . Assim, tal como nos propõe Eliade, há que A chuva vem e vai, mas a paisagem de Belém NoTAS
se considerar com atenção o simbolismo religioso não seca nunca. A água está sempre por todo lado,
das águas míticas: em cima, embaixo, dentro e fora. Com efeito, res- r."Decifra-me ou te devord'. 12. "Para o homem religioso (... ) a duração temporal profana
pirar Belém é hidratar o corpo e o espírito. Por é suscetível de ser 'parada' periodicamente pela inserção,
2.Em sua foz, o Amazonas se divide em dois braços: o braço por meio dos ritos, de um tempo sagrado, não-histórico". Cf.
'íl imersão na água simboliza o regresso ao pré- isso, talvez, Belém seja tão maleável, tão suscetí- ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Lisboa: Edição Livros
norte é o mais largo e cm-responde ao verdadeiro estuário;
formal, a regeneração total, um novo nascimento, vel às deformações, às modelagens incessantes da o braço sul é conhecido pelos nomes de rio Pará e baía de do Brasil, sjd, p. 84-
porque uma imersão equivale a uma dissolução das imaginação. Marajó.
formas, a uma reintegração no modo indiferenciado Pouco a pouco, o viajante vai se desfazendo dos 3- De acordo com Varella, a gigantesca descarga da foz do 13. "Os sinais precursores da chuva despertam um devaneio
rio Amazonas empurra o Atlântico equinocial a mais de especial, um devaneio muito vegetal (... ) Em certas horas
da preexistência; e a emersão repete o gesto cosmogô- seus preconceitos, abandonando suas certezas. Já ro milhas (cerca de 18,5 quilômetros) da costa brasileira. o ser humano é uma planta que deseja a água do céu", Cf.
nico da manifestação formal". 20 não se interessa pelas distinções absolutas, nem VARELLA, nome. In: Amazônia- o mundo das águas. São BACHELARD, Gastou. In: A água e os sonhos, São Paulo:
pela nitidez aparente dos contornos. Entre o ser Paulo: Empresa das Artes, 2004, p.ro3 a XX. Martins Fontes, 1997, p. r6r.
A dissolução da paisagem na água desmasca- e o não-ser, entre o possível e o impossível, entre
4- DUARTE, Cristovão F. "São Luís e Belém: marcos 14· MURAD, Carlos A. et alii. "Poética da visão imaginai: as
ra a ilusão da permanência das formas. A rigidez o atual e o virtual, o viajante descobre o caminho inaugurais da conquista da Amazônia no período filipind'. In: paisagens do olhar". In: Visão e visualização, IX Congresso
aparente dos fixos sucumbe diante da potência do vir-a-ser. Revista Oceanos, n. 41, Lisboa, janjmar 2000, pp. XX a XX. Tberoamericano de Gráfica Digital- Sigradi, Lima, Peru, 2005.,
transformadora das águas, associada ao "estado Familiarizado com os caprichos da paisagem p. 577·
21
fluídico do psiquismo imaginante". Como o rio de mutante que o envolve e tornado já parte do movi- 5· É o tempo da atuação de Landi em Belém, como arquiteto-
régio do Grão Pará. Antonio José Landi (1713-1791), 15. 'A profundidade é sempre nova". MERLEAU-PONTY,
Heráclito, a cidade é, ela própria (e desde sempre), mento que o arrasta, o viajante experimenta a sen- nascido em Bolonha, onde foi professor de perspectiva no Maurice. O olho e o espírito. Rio de Janeiro: Grifo Edições,
fluxo constante. sação vertiginosa de viver em dois mundos simul- Instituto das Ciências de Bolonha e membro da Academia 1969, p. 8o
Tão logo encerrado o temporal, a cidade emer- tâneos. Trata-se, a rigor, da transição entre o que já Clementina, chegou a Belém em 1753, como integrante da
Comissão Demarcadora de Limites, tendo aí permanecido r6. "De um modo geral, acreditamos que a psicologia das emoções
ge renovada. Está tudo no mesmo lugar, mas a foi e o que ainda não é. O foco de sua atenção se
até a sua morte. Seus projetos constituem o paradigma mais estéticas ganharia com o estudo da zona dos devaneios materiais
cidade já é outra. A cada chuva que passa, Belém volta, então, para esse movimento que, engloban- expressivo da presença do iluminismo pombalino no Brasil- que antecedem à contemplação. Sonha-se antes de contemplar".
se desfaz e se refaz. De aguaceiro em aguaceiro, do os fixos e os fluxos, se encarrega de reinventar Colônia, abrangendo os mais importantes edifícios públicos, Gastou Bachelard, op.cit., p. 5·
a cidade ressurge com o corpo e a alma lavados. (e produzir) permanentemente o lugar. residenciais e religiosos da cidade.
Por fim, no verso do mapa que já se tornara I7. Ibid, p. I35·
Purificada de seus pecados, redimida de suas ma-
6. Termo originário da língua tupi que significa rio pequeno.
zelas. Pronta para recomeçar tudo de novo, como para ele dispensável, o viajante anota a seguinte r8. Ibid., pp. r-3.
se acabada de nascer: observação: entre a pedra dura e a água mole (dois 7· DUARTE, Cristovão F. "Belém do Pará na virada do século
estados igualmente provisórios da matéria) assis- XIX: modernidade no plano urbanístico de expansão da 19. Ibid., pp. 140-r.
cidade". Dissertação de Mestrado em Urbanismo. PROURB f
"Desintegrando toda a forma e abolindo toda a his- te-se ao movimento (este sim duradouro e perene)
FAU- UFRJ, fevereiro de 1997, pp. 13-4- 20. Mircea Eliade. Op.cit., p. 153.
tória, as águas possuem esta virtude de purificação, de de constituição daquilo que chamamos paisagem
regeneração e de renascimento, porque o que é mergu- renascente de Belém. 8. Como, por exemplo, as cidades mineiras do ciclo do ouro, 21. BACHELARD, Gastou. O ar e os sonhos. São Paulo:
lhado nela 'morre' e, erguendo-se das águas, é seme- em que reconhecemos conjuntos urbanísticos homogêneos, Martins Fontes, 2001, p. 5·
datados do século XVI!I.
lhante a uma criança sem pecados e sem 'história', 22. ELIADE, Mircea. Op.cit., p. 158.
capaz de receber uma nova revelação e de começar 9· ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo:
uma nova vida ( ... )". 22 NoTA DO AUTOR Livraria Duas Cidades, 1983, p. 18r.

ro. Não obstante o acervo constituído pelas mangueiras de


A repetição ritual do batismo diluviano nos con- As imagens foram gentilmente cedidas pelo premiado
Belém ser tombado como patrimônio cultural do Estado do
fronta, diariamente, com uma paisagem renascen- fotógrafo Dirceu Manés, que registra Belém utilizando a Pará, sua conservação vem sendo ameaçada, sobretudo por
te, ao mesmo tempo em que a inscreve no ciclo dos técnica pinhole e câmeras artesanais. podas mal feitas e pelas agressões das concessionárias dos
processos de longa duração. A ruptura instaurada serviços de infra-estrutura urbana.
pelo tempo mítico da chuva pressupõe, como pano- 11. JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão-Pará. Belém:
de-fundo, a existência da temporalidade profana. EDUFPA; Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2004, pp.
Ao irromper no cotidiano vivido, o tempo sagrado ro8-9-
anula momentaneamente a temporalidade profa-
na, para em seguida recompô-la e (re)atualizá-la.

186
SoBRE os AUTORES

ADRIANO RicARDo EsTEVAM Pós-Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e


Arquiteto e urbanista pela FAUUSP (Faculdade de Arquitetura Urbanismo da Universidade Federal do Rio de janeiro).
e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Hidrostudio
Engenharia, área de controle de enchentes, implantação de CRISTÓVÃO FERNANDES DUARTE
parques lineares e recuperação de córregos. Professor Adjunto do PROURB- Programa de Pós-graduação
em Urbanismo da FAU/UFRJ (Faculdade de Arquitetura
ALESSANDRA SoARES GHILARDI e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Arquiteta e urbanista, Mestre em Arquitetura pelo PROARQ- Arquiteto e urbanista, foi superintendente regional do IPHAN
FAUfUFRJ (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura até zoo3-
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro). FERNANDA CuNHA PmnLo
Arquiteta e Urbanista pela FAUUSP (Faculdade de Arquitetura
ANA LUCIA BRITTO e Urbanismo da Universidade de São Paulo), e Analista
Professora Adjunta do PROURB - Programa de Pós- Ambiental do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
graduação em Urbanismo da FAU/UFRJ (Faculdade de e dos Recursos Naturais Renováveis).
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro), geógrafa, pesquisadora rC-CNPq, pesquisadora do FLAVIANA VIEIRA RAYNAUD
Observatório das Metrópoles. Arquiteta e urbanista, Mestre pelo PROURB (Programa de
Pós-graduação em Urbanismo da FAUfUFR)) e doutoranda
ANA LUIZA COELHO NETTO do PROARQ (Programa de Pós-graduação em Arquitetura da
Professora Titular, pesquisadora rB-CNPq, geógrafa, FAUfUFRJ).
coordenadora do G EO H ECO/Laboratório de Geo-Hidroecologia
do Departamento de Geografia, IGEOfUFRJ (Instituto de JORGE HAJIME ÜSEKI
Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Arquiteto e urbanista, Professor doutor da FAUUSP (Faculdade -
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo),
CRISTIANE RosE DE SIQUEIRA DuARTE nas áreas de Economia da Construção e do Edifício e de
Professora Titular, arquiteta e urbanista, pesquisadora rD- Tecnologia da Paisagem, coordenador cientifico do NAPPLAC.
CNPq, Coordenadora do Gmpo de Pesquisa AS C/ Arquitetura, FAUUSP (Núcleo de Apoio à Pesquisa Produção e Linguagem
Subjetividade e Cultura do PROARQ- FAUfUFRJ (Programa de do Ambiente).
KENNETH TAMMINGA SÁVIO ALMEIDA FERNANDES
Associate Professor, Graduate Ecology Program, Department Arquiteto e Urbanista pela FAUUSP.
ofLandscape Architecture, The Pennsylvania State University
-PSU. SoNIA AFoNso
Professora Adjunta, arquiteta e urbanista, pesquisadora 2
LuciA MARIA SÁ ANTUNES CosTA CNPq, Coordenadora do Grupo de Pesquisa Arquitetura,
Professora Titular, arquiteta paisagista, pesquisadora 2 CNPq, Paisagem e Espaços Urbanos do PósARQ (Programa
coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Paisagismo do de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) e do
PROURB Programa de Pós-graduação em Urbanismo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC
da FAUJUFRJ (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da (Universidade Federal de Santa Catarina).
Universidade Federal do Rio de Janeiro).
SoRAIA LoECHELT PoRATH
MôNICA BAHIA ScHLEE Arquiteta e Urbanista, Mestre pelo PósARQjUFSC
Urbanista e arquiteta-paisagista da Prefeitura da Cidade do (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Rio de Janeiro/ SEDREPAHC; professora substituta EAUj da Universidade Federal de Santa Catarina), pesquisadora do
UFF; doutoranda do PROARQ-FAUJUFRJ (Programa de Pós- Gmpo de Pesquisa Arquitetura, Paisagem e Espaços Urbanos.
Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro). VERA MAYRINK MELo
Professora Adjunta, arquiteta e urbanista, pesquisadora
PAULO RENATO MESQUITA PELLEGRINO do Laboratório da Paisagem do MDU (Mestrado em
Professor Doutor da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Desenvolvimento Urbano) e do Departamento de Arquitetura
Urbanismo da Universidade de São Paulo), Departamento de e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco.
Projeto, Arquiteto Paisagista, Delegado ABAPJIFLA.
VICTOR ANDRADE CARNEIRO DA SILVA
PAULA PINTO GuEDES Arquiteto e urbanista, Doutor pelo PROURB - Programa de
Bióloga, Mestre em Ecologia pelo Instituto de Biociências da Pós-graduação em Urbanismo da FAUjUFRJ (Faculdade de
USP. Coordenadora de Meio Ambiente na CNEC Engenharia Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de
S.A., São Paulo. Janeiro), pesquisador da School of Architecture, Royal Danish
Academy ofFine Arts.

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