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Rios e Paisagens Urbanas em Cidades Brasileiras
Rios e Paisagens Urbanas em Cidades Brasileiras
Leonardo Ventapane
Patrícia Façanha
Rafael Cazes prourb~
Programa de Pós-graduação em Urbanismo FAUIUFRJ
IMAGEM DA CAPA
Av. Reitor Pedro Calmon, sln-
Leonardo Venta pane- still de vídeo
Prédio da FAU- Reitoria- 5• andar- sala 521
Cidade Universitária- Rio de Janeiro, R) - 21941.590
DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL
APOIO
Rios e paisagens urbanas em cidades brasileiras I
~APERJ Lúcia Maria Sá Antunes Costa (org.).- Rio de Janeiro :
Viana & Mosley: Ed. PROURB, 2oo6.
192 p.: i!.; 20 x 24 em.
Inclui bibliografia.
ISBN 85-88721-38-4-
2006
Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
A cidade é fecundada_
por aquela espada
que se derrama
Paisagem, país
foito de pensamento da paisagem,
na criativa distância espacitempo,
à margem de gravuras, documentos,
quando as coisas existem com violência
mais do que existimos: nos povoam
e nos olham, nos fixam. Contemplados,
submissos, delas somos pasto,
somos a paisagem da paisagem.
1
Carlos Drummond de Andrade
INTRODUÇÃO
Existem muitas maneiras de falarmos sobre As contribuições dos autores se dão a partir de
cidades. Elas são uma das materializações mais alguns desdobramentos principais. Inicialmente,
complexas da inteligência e da imaginação huma- explorando e conectando diferentes possibilidades
nas, e portanto apresentam múltiplas possibili- de leitura da paisagem fluvial urbana, como plane-
dades de abordagem 2 • Este livro fala de algumas jamento ambiental, ecologia da paisagem, estudos
cidades brasileiras a partir da paisagem de seus culturais, história das cidades e fenomenologia,
rios urbanos. Em cada capítulo, os autores bus- demonstram a riqueza da abordagem interdisci-
cam observar uma cidade tendo seus rios como plinar nos estudos sobre a paisagem. Segundo, e
ponto de partida, trazendo questionamentos, a partir destas conexões, contribuem para o enten-
indagações e observações que ampliam o nosso dimento do conceito de paisagem- com ênfase na
entendimento sobre os valores e significados dos paisagem fluvial urbana- enquanto um processo,
rios urbanos no Brasil. que participa ativamente na construção de nossa
O livro tem como objetivo principal a divulgação visão de mundo 3. E finalmente, ao iluminar os rios
de um conjunto representativo de estudos sobre como foco principal de uma leitura da paisagem
rios urbanos em cidades brasileiras, enfocando as da cidade, ressaltam a imagem poética trazida por
relações entre rios, cidades e suas populações sob Carlos Drummond de Andrade: os rios, enquanto
diferentes perspectivas. Os capítulos apresentados paisagem, "nos povoam e nos olham, nos fixam''. _
buscam reunir fundamentos e métodos em
Paisagismo, Arquitetura e Urbanismo que possam
contribuir para a valorização dos recursos hídricos
em ambientes urbanos, reconhecendo ainda o
enfoque interdisciplinar inerente ao tema.
É muito antiga a relação de intimidade que se um tecido urbano. A base desta dificuldade se Lawrence Halprin uma de suas bases conceituais a busca do controle
estabelece entre rios e cidades brasileiras. Muitas situa, de um modo geral, principalmente numa das enchentes urbanas, são muito criticadas não
das cidades coloniais surgiram inicialmente às visão dos rios enquanto estrutura de saneamen- Paisagem e cidade estão destinadas a uma per- só pela fragilidade sócio-ambiental no resultado
margens dos rios - mesmo aquelas situadas em to e drenagem urbanas. Os conflitos entre pro- manente relação de cumplicidade. Em um texto final do projeto, como também pela pouca eficiên-
baias ou à beira-mar 5• É, portanto, a partir de rios cessos fluviais e processos de urbanização tem seminal, o arquiteto paisagista Lawrence Halprin cia no controle destas mesmas enchentes' 2 •
- grandes, médios, ou ainda pequenos cursos sido de um modo geral enfrentados através de argumenta que as cidades mais interessantes são No adensamento do espaço construído, os rios
d'água- que muitos núcleos urbanos brasileiros drásticas alterações na estrutura ambiental dos aquelas que deixam esta cumplicidade transpa- trazem uma outra importante contribuição para a
vão surgir. Os rios tinham muito a oferecer, rios, onde, em situações extremas, chega-se ao recerw. A nossa experiência da paisagem urbana experiência urbana: como espaços livres de edifi-
além de água: controle do território, alimentos, desaparecimento completo dos cursos d'água da se enriquece quando a complexidade do sítio pai- cações, ampliam a possibilidade de fruição da pai-
.
paisagem urb ana 6 . sagístico se faz presente na forma e no desenho sagem da cidade. O que se pode ver de um rio? Ele
possibilidade de circulação de pessoas e bens,
energia hidráulica, lazer, entre tantos outros. Certamente estas questões não se dão apenas da cidaden. nos permite ver uma água que corre, o céu, as nu-
E desta forma as paisagens fluviais foram entre os rios das cidades brasileiras 7 . Sabemos Já sabemos da importância da água desenhando vens, as estrelas. Ele nos traz a perspectiva de um
paulatinamente se transformando também em que idéias, modelos e gestos projetuais circulam a paisagem, em suas diversas escalas. Neste con- horizonte longínquo, ou o desejo do outro lado da
paisagens urbanas. internacionalmente, e as experiências relaciona- texto, a compreensão do papel dos cursos d'água margem, ou mesmo ainda sua fabular "terceira
A complexidade das relações entre rios e cida- das às inserções paisagísticas dos rios urbanos é de fundamental importância. Os rios, córregos margem'', como nos conta Guimarães Rosa' 3.
des brasileiras são abordadas ao longo dos capítu- não seriam uma exceção. Porém, enquanto alguns e riachos são os caminhos das águas doces que O desenho da paisagem fluvial urbana na esca-
los a partir de suas congruências e contradições. dos valores atribuídos aos rios podem ser observa- buscam um nível mais baixo de repouso. E des- la do pedestre que favorece esta fruição inclui pos-
Veremos que rios são importantes corredores bio- dos em muitas outras cidades ao redor do mundo, ta forma vão desenhando seu percurso em linha sibilidades de caminhar ao longo do rio e de ter
lógicos que permitem a presença e a circulação outros são mais específicos, e se relacionam com ao sabor da topografia, conectando montanhas e acesso físico à água. Permite ainda atravessar para
da flora e fauna no interior das cidades. Veremos a história e a cultura do lugar. planícies, florestas e mares, conectando enfim di- a outra margem, onde as pontes que trazem um
também que eles são espaços livres públicos de Voltamos, então, à questão: como as cidades ferentes fisionomias paisagísticas. outro ritmo ao seu percurso são também como
grande valor social, propiciando oportunidades habitam os rios? Habitar é construir, como ar- O rio é assim uma estrutura viva, e portanto terraços que nos permitem observar os horizon-
de convívio coletivo e lazer que atendem aos mais gumenta Norbeg-Schulz a partir de Heidegger, mutante. É principalmente uma estrutura fluida, tes urbanos estando sobre a água. E já discutimos
diversos interesses. E veremos também que olhar é tornar-se um com a paisagem e com os atri- que pela sua própria natureza se expande e se re- anteriormente como visibilidade e acesso público
para as relações entre cidades e rios a partir de sua butos do lugar 8. É quando a intervenção huma- trai, no seu ritmo e tempo próprios. Ocupa tanto aos rios urbanos e suas margens, além de conec- _
bacia hidrográfica nos permite expandir e entrela- na, no seu processo de construção, e portanto de um leito menor quanto um leito maior, em fun- tividade com os demais corpos d'água que com-
çar suas dimensões culturais e ambientais. transformação de mundo, revela e valoriza ainda ção do volume sazonal de suas águas. Ao fluir, seu põem a rede hidrográfica, são critérios de desenho
Esta relação de intimidade entre rios e cidades mais os significados e os atributos da paisagem, percurso vai riscando linhas na paisagem, como importantes para valorizar sua dimensão ambien-
brasileiras, entretanto, não tem se dado sem con- tornando-os visíveis. Por este enfoque, muito de um pincel de água desenhando meandros, arcos e tal e cultural'4 .
flitos. Veremos que os rios tem tido suas margens nossos rios ainda estão por ser habitados. Não te- curvas. O rio traz o sentido de uma maleabilidade Desenhar a paisagem urbana a partir das águas
ocupadas por habitações informais ou irregulares, mos olhado para eles como o menino na estória primordial no desenho da paisagem. dos rios que cruzam ou bordeiam a cidade é, por-
Esta paisagem? sagens fluviais urbanas. Neste sentido, podemos r- A ANDRADE, Carlos D. de. "Paisagem: como se faz''. In As retomado e elaborado por outros arquitetos paisagistas. Ver,
Não existe. Existe espaço dizer que este é um livro otimista, que traz uma Impurezas do Branco, Rio de janeiro: José Olympio Ed., 1974, por exemplo, SPIRN, A.W. The Granite Garden: urban nature
vacante, a semear visão prospectiva, destacando o quanto ainda há pg46. and human design. New York: Basic Books, 1984, ou ainda
de paisagem retrospectiva somos a paisagem da por fazer para que possamos apreender a riqueza HOUGH, M. Cities and Natural Processes. London: Routledge,
paisagem. do sítio paisagístico a partir do desenho da pai- 2- Ver LYNCH, Kevin. Good City Form. Mass.: The MIT Press, 1995·
Carlos Drummond de Andrade'' sagem. Como nos lembra o poeta Carlos Drum- !980.
. . ,r6
12- Ver RILEY, Op.cit.
mon d d e An d ra d e: "a paisagem vai ser .
Esperamos que este livro seja um indutor de Para o sonhador de paisagens, desenhar com a 3- Ver CORNER, )ames (ed) Recovering Landscape: essays in
novos encaminhamentos e debates em torno da água é sempre uma aventura transformadora, traz Contemporary Landscape Architecture. New York: Princeton 13- GUIMARÃES ROSA, João. Primeiras Estórias. Rio de
inserção paisagística e urbanística dos rios urba- a dinâmica de um devir. Este livro portanto espera Architectural Press, 1999; janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1988.
nos em cidades brasileiras. Os capítulos que se se- abrir novas janelas, sugerir aberturas metodológi-
guem não apenas discutem experiências passadas cas de projeto paisagístico e urbanístico, provocar 4- ZIRALDO. Menino do Rio Doce. São Paulo: Companhia das 14- Estas questões foram discutidas, considerando o contexto
e suas repercussões na paisagem, mas principal- novos horizontes. A água, na sua mutante primor- Letrinhas, 1996, sjp. brasileiro, em COSTA, L.M.S.A. e MONTEIRO, Patrícia M.
mente sugerem caminhos a serem experimenta- dialidade, permite múltiplos desenhos. "Rios urbanos e valores ambientais" In: Del Rio, V.; Duarte,
dos na busca do nosso relacionamento com pai- 5- Ver, por exemplo, REIS, Nestor G. Imagens de Vilas e C. R. e Rheingantz, P.A. (org) Projeto do lugar: colaboração
Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSPjFAPESP, 2000. entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de janeiro: Contra
Capa, 2002, pp. 291-298, e ainda em COSTA, L.M.S.A. "A
6- Ver, por exemplo, BARTALINI, Vladimir. "Os córregos paisagem em movimento". In Pinheiro Machado, D.B. (org)
ocultos e a rede de espaços públicos urbanos". In Revista do Sobre Urbanismo. Rio de janeiro: Viana & Mosley f PROURB,
Figura 1 -foto Carlos Murad Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da 2006, p. 154·163.
FAUUSP, W r6, 2004, pp. 82-96.
15- ANDRADE, Carlos D. de. Op.cit., pg. 46.
7- Ver, por exemplo, MANN, Roy. Rivers in the City. New York:
Praeger Publishers, 1973: PENNING-ROWSELL, Edmund r6- Ibid, p-46.
& BURGESS, jaquelin. "River landscapes: changing the
concrete overcoat?" In Landscape Research, Vol. 22, N°I, 1997,
pp. 5 a n; ou ainda RILEY, Ann L. Restoring Streams in Cities: a
guide for planners, policymakers and citizens. Washington D.C.:
Island Press, 1998.
IO· Ibid.
Os rios são elementos de fundamental impor- rem o problema para jusante e agravam significa-
tância na paisagem do Rio de Janeiro. Porém, no tivamente a situação das enchentes excepcionais.
processo de crescimento urbano da cidade, sua Por outro lado, as obras de saneamento, ao lon-
importância foi menosprezada. Dos 250 rios exis- go de várias décadas, priorizaram a construção de
tentes, poucos são visíveis. O processo de ocupa- sistemas de coleta de esgotos e relegaram a segun-
ção urbana da cidade fez com que a maior parte do plano a questão do tratamento destas águas
deles fosse canalizada e coberta, desaparecendo da usadas. Os rios eram usados indiscriminadamen-
paisagem visível, e, aos poucos, da memória dos te como receptáculo destes esgotos não tratados,
habitantes do Rio de Janeiro. em uma concepção de saneamento que desconsi-
O tratamento dado aos rios pelas obras tradi- derava as conseqüências nefastas da poluição dos
cionais de engenharia hidráulica, através de reti- corpos hídricos urbanos para o meio ambiente e
ficações e canalizações, além de mudar sua fisio- para a qualidade de vida da população da cidade.
nomia e retirar sua visibilidade, fez com que eles A poluição dos rios e os riscos freqüentes de
se transformassem em um sistema de drenagem enchentes fizeram com que, até muito recente-
subterrâneo, cuja função inicial seria a de evitar mente, grande parte das áreas ribeirinhas fosse
enchentes e facilitar a ocupação urbana de um considerada espaço desvalorizado, desprezado
território com amplas terras de baixada, sujeitas pelos processos formais de urbanização, transfor-
a inundações no período de chuvas mais fortes. mando-se em paisagem residual, sujeita a ocupa-
Com nascentes nas montanhas, mas correndo ções irregulares.
em áreas de baixada, os rios apresentavam uma De fato, um dos graves problemas sócio-am-
velocidade baixa de escoamento da água, fazendo bientais que a cidade hoje precisa enfrentar, asso-
com que as terras das faixas marginais permane- ciado às inundações, é a ocupação irregular da fai-
cessem alagadas por longos períodos de tempo. O xa marginal dos rios, principal causa de seu asso- _
sistema de canalização adotado buscava direcionar reamento e, conseqüentemente, das inundações.
e conduzir as águas das enchentes o mais rápido No município do Rio de Janeiro, a lei prevê que
possível rio abaixo, esperando assim controlar o seja preservada a distância mínima de quinze me-
problema. Hoje se reconhece que essas obras, em- tros de cada lado do espelho d'água, para que a na-
bora proporcionem melhorias locais em épocas de tureza seja preservada. Como aponta a equipe da
enchentes mais freqüentes, muitas vezes transfe- extinta Fundação Rio Águas, hoje Subsecretaria de
I
I
Águas Municipais, na revista Rio-Águas, em ma- expostas as populações de baixa renda que vivem não se distribui de forma aleatória, mas obedece
téria onde tece comentários a respeito do Progra- em ocupações irregulares e favelas nas margens aos padrões de desigualdade e segregação social
ma de Proteção das FNAs, (faixas non aedíficandi), dos rios que cortam o município do Rio de Janeiro, que marcam a estruturação das cidades. Ou seja,
esta delimitação de faixas, em alguns casos muito apresentando um estudo de caso da Favela Parque são as populações situadas nos níveis inferiores da
extensa, inviabiliza qualquer tipo de ocupação re- Unidos de Acari, situada às margens do rio Acari escala da estratificação social, por características
gular ao longo das mesmas. Isto provoca o desin- no bairro da Pavuna, AP3 (Área de Planejamento 3), de renda, escolaridade, cor e gênero, que residem
teresse dos proprietários de terrenos, que acabam do município do Rio de Janeiro. ou utilizam os territórios de maior risco ambien-
ficando abandonados e sujeitos a invasões e ocu- Esta reflexão se insere no âmbito da pesquisa tal, como a população das favelas, o que as coloca
pações irregulares, atingindo níveis alarmantes "Desigualdades Sócio-Ambientais e Risco Am- numa situação que denominamos de vulnerabili-
no município do Rio. A Superintendência Estadu- bientar' desenvolvida por uma equipe de professo- dade sócio-ambiental, onde se sobrepõem vulnera-
al de Rios e Lagoas (SERLA) calcula que existam res e pesquisadores do PROURB (Ana Lucia Brit- bilidades sociais à exposição a riscos ambientais.
hoje na cidade cerca de 25 mil construções irregu- to e Victor Andrade Carneiro da Silva) e do IPPUR Todavia, dentro de uma estratégia de sobrevi-
lares dentro da faixa marginal de proteção de 30 (Luciana Correa do Lago e Adauto Lucio Cardo- vência, uma parcela destes moradores vivencia
metros ao longo de rios, canais e lagoas. so). Nesta pesquisa, foram realizados estudos de esta exposição aos riscos ambientais como parte
Como mostra Maricato (2003), no Rio de Ja- caso sobre diferentes áreas de habitação popular integrante de seu cotidiano, criando mecanismos
neiro, como em outras metrópoles brasileiras, a na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esses para conviver com eles, a ponto de, muitas vezes,
invasão de terras é uma regra e não uma exceção, estudos tinham, entre os diferentes objetivos es- não identificá-los mais enquanto risco, como ob-
servamos no caso de Parque Unidos de Acari. Figura 1 - Foto área do Rio Acari
sendo esta ditada pela falta de alternativas. O pro- pecíficos às três pesquisas, avaliar condições de
blema é grave e de difícil solução, pois está direta- acesso a serviços de saneamento, problemas am-
mente ligado à situação pobreza em que vive parte bientais e situações de risco ambiental. A pesquisa
importante da população carioca, que não conse- de campo referente ao estudo aqui apresentado foi
gue aceder à moradia dentro do mercado formal realizada entre outubro e novembro de 2004. Fo-
de habitação, e à inexistência de políticas de pro- ram feitas diversas visitas à área Parque Unidos A ÁREA DE ESTUDO: O TERRITÓRIO DA BACIA
visão de habitação popular para a população de de Acari, e a equipe de bolsistas de iniciação cien- DO RIO AcARI
baixa renda. tífica aplicou 79 questionários domiciliares. Além
Estas políticas, visando ampliar o acesso legal destas informações, foram utilizados neste traba- Localizado na parte noroeste da bacia hidro- Acari. O plano indica que, na maior parte da ba-
e regular destes moradores da cidade à habitação lho os estudos e diagnósticos elaborados por pes- gráfica da Baía de Guanabara o rio Acari compõe cia, os efluentes são lançados nas galerias fluviais
com infra-estrutura adequada, são essenciais para quisadores no âmbito do projeto de urbanização uma das sub-bacias desta macro-bacia (sub-bacia e encaminhados para os córregos e para o rio Aca-
evitar a ocupação irregular das margens dos rios. da área, produzidos pelo escritório de arquitetura Pavuna- Acari) (Fig.I). O rio Acari possui 8300 ri, que tem a qualidade das suas águas bastante
A legislação de proteção da faixa marginal e as metros de extensão e uma área de drenagem de comprometida, sendo classificado na categoria 4
Arqui Traço. '
políticas de ordenamento do solo urbano são ino- Na pesquisa aqui apresentada, compreendemos cerca de 107 Km\ e drena áreas de 8 bairros: Ma- pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Am-
perantes se não vierem associadas às políticas de por risco ambiental a existência de uma maior pro- rechal Hermes, Guadalupe, Pavuna, Coelho Neto, biente, que significa o grau mais alto de compro-
provisão de habitação. babilidade de ocorrência de desastres que afetem Irajá, Acari, Parque Columbia e Jardim América, metimento das águas, que tem seus usos restritos
Assim, é preciso enfrentar uma situação onde, a integridade física, a saúde ou os vínculos sociais formando uma planície aluvionar. Tem sua foz no à navegação, harmonia paisagística e outros usos
o que do ponto de vista ambiental é identificado da população em determinadas porções do terri- rio São João de Meriti, no bairro de Jardim Améri- menos exigentes.
como problema, do ponto de vista de parte dos mo- tório. O fato de que determinadas áreas estejam ca. Um de seus principais afluentes é o rio Tingui, Apenas em uma pequena área da bacia existe
radores da cidade é percebido como solução. Toda- em situação de risco ambiental é uma decorrência cuja foz se encontra no trecho final do rio Acari, rede de esgotamento e tratamento dos efluentes
via, esta solução implica para estes moradores em da interação entre processos ambientais (carac- na travessia do mesmo com a estrada Camboatá em duas estações: ETE (Estação de Tramamento _
uma série de riscos, decorrentes das enchentes e terísticas geofísicas do sítio, clima, pluviosidade, no bairro de Deodoro, quando ele passa a ser de- de Esgoto) Realengo e ETE Acari. Esta área cor-
do convívio diário com as águas poluídas, pois na etc.), processos econômicos (existência de indús- nominado rio Sapopemba. responde a parte do bairro de Realengo e de Padre
maior parte das vezes os esgotos domésticos e o trias poluidoras ou de equipamentos ou infra-es- O território da bacia hidrográfica do rio Acari Miguel e aos bairros de Vila Militar, Magalhães
lixo destas ocupações são despejados diretamente truturas sujeitas a acidentes) e processos sociais corresponde ao que foi designado no Plano Dire- Bastos e Deodoro. Os outros bairros que com-
nos rios. Neste trabalho, nos propomos a refletir (características da população, como renda, escola- tor de Esgotamento de Sanitário da Região Metro- põem a planície aluvional do rio Acari são despro-
sobre as situações de risco ambiental a que estão politana do Rio de Janeiro de 1994 como bacia do vidos de redes de esgotamento. Esta área deveria
ridade, etc.). Entendemos que o risco ambiental
RHJS
ser atendida pelo Sistema Pavuna, projetado pelo relação ao rio Acari é a limpeza e dragagem, para
Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, minimizar o problema que tem como causa prin-
que inclui estação de tratamento (ETE Pavuna) e cipal a ocupação irregular de suas margens.
redes de coleta. A ETE Pavuna foi construída, mas Seu curso atravessa a zona norte do município
opera abaixo da sua capacidade, pois até de 2oo6 do Rio de Janeiro, na região identificada como AP3,
apenas 23% dos coletores haviam sido instalados. sendo a área marcada por um número importante
De fato, não foram realizadas intervenções im- de favelas e ocupações irregulares (Fig. 2e 3). Segun-
portantes para ampliação da rede de esgotamento do análise realizada por Silva, com base em dados
existente na bacia. O mesmo ocorre com a rede do IBGE relativos à renda, escolaridade e acessos a
de drenagem. As obras realizadas de esgotamento serviços de saneamento (abastecimento de água, es-
e drenagem se inseriram dentro dos programas gotamento sanitário e coleta de lixo) esta é uma área
Favela Bairro e Bairrinho da prefeitura, voltados de alta vulnerabilidade sócio-ambiental, onde se as-
para urbanização de favelas, e de outros progra- sociam pobreza, precárias condições de saneamento
BAÍA DE
mas também da prefeitura como Rio-Cidade, Rio e exposição a riscos ambientais. (Silva, 2oo6) SEPETIBA . I
Comunidade e o programa de regularização de lo- É na AP3 que se concentra o maior número de OCEANO ATLÂNTICO
teamentos. Em 2005, no âmbito do Favela-Bairro favelas do município (312 favelas). Segundo infor-
Figura 2 - Mapa das APs com a localização do Rio Acari
estavam sendo realizadas intervenções na área do mações da prefeitura do Rio de Janeiro, em 2000,
Fonte: Acervo Grupo de Pesquisa Britto, PROURB
Complexo de Acari (Vila Esperança, Parque Prole- aproximadamente 544·737 dos habitantes da AP3
tário Acari, Vila Rica de Irajá) e havia sido concluí- viviam em favelas, o correspondente a 23,1% do
da a intervenção na comunidade de Fazenda Bota- total da população da área. Levando em conta
fogo. O bairro de Acari sofreu intervenção do Rio que a população de favela, em 1991, correspon-
Comunidade, e os bairros de Marechal Hermes e dia a 480.524 habitantes (ou 20,7%), houve um lares das margens, com casas construídas pratica- As margens do rio Acari encontram-se assorea-
Pavuna do Rio-Cidade. acréscimo dessa população na ordem de 13,4% no mente dentro d'água. É neste trecho, na margem das ou erodidas. A presença de casas nas margens
A bacia do rio Acari foi objeto de um projeto período I99I/2ooo. Enquanto isso, no mesmo in- esquerda, que se localiza a comunidade Parque dificulta o trabalho de dragagem feito rotineira-
básico de macrodrenagem e de um projeto de tervalo, a AP viu crescer sua população total em Unidos de Acari, objeto deste trabalho. Na mar- mente pela SERLA e pela Rio-Águas, da prefeitu-
canalização elaborado em 1991 e modificado em 1,5%. A AP3 possui um total de 4-9n lotes distri- gem direita está o bairro de Parque Columbia. No ra, pois o leito não pode ser aprofundado como
I997· Mesmo assim, o problema das inundações buídos em 768.r8r m 2 , com 74,7% destes, ou seja, trecho entre a avenida Automóvel Clube e a aveni- deveria porque os barracos na margem correm o
permanece concentrado no rio, segundo a SERLA 3.667 lotes, edificados em loteamentos irregula- da Brasil, o rio está canalizado, com 6o metros de risco de desabar. Além disso, a intensificação do
um dos mais problemáticos do município, com 27 res inscritos no Núcleo de Regularização de Lotea- largura de acordo com o cadastro da SERLA. De processo de ocupação irregular das margens do
pontos de inundação. A área de inundação das en- mentos. Além do grande número de favelas, com acordo com o estudo da Secretaria Municipal de rio, transformou partes do Acari em um esgoto a
chentes em 2006 na bacia do Acari atingiu uma alta densidade de ocupação do espaço, a região Meio Ambiente, neste trecho, o canal serve como céu aberto. Pouco valorizado na paisagem local,
população de mais de 5o.ooo habitantes. Além do apresenta um expressivo esvaziamento econômi- bacia de sedimentação de sólidos e detritos, o que o rio recebe grande quantidade de resíduos, tais
assoreamento, que afeta seis trechos de rios da ba- co que se caracteriza pelo abandono de terrenos e exige dragagens permanentes (SMAC, 2006). No como entulhos, galhada e lixo.
cia como o Piraquê, o Catarino e o próprio Acari, instalações onde havia uso industrial ou galpões, trecho seguinte, entre a avenida Brasil e a estrada Emrelaçãoàfaixamarginaldeproteçãodosrios,a
há problemas ocasionados por pontes e travessias notadamente ao longo da avenida Brasil. A AP3 é João Paulo, em Honório Gurgel, as margens direi- revista Rio-Águas apresenta uma matéria onde
de pedestres, construídas pelos próprios morado- ainda caracterizada pela carência de áreas verdes ta e esquerda estão parcialmente ocupadas pelas tece comentários a respeito do Programa de Pro-
res, que impedem o escoamento das águas e acu- (menos de r mz por habitante), de espaços cultu- comunidades de Parque Bela Vista e Almirante teção das FNAs. Esta matéria informa que, para
mulam lixo; é o caso das pontes das ruas Recife, rais e esportivos, de lazer, de contemplação. Tamandaré. No trecho entre a estrada João Paulo, cursos d'água perenes e com vazão igual ou superi- _
Manuas e da avenida Marechal Alencastro Guima- Uma parte importante das ocupações irregula- em Deodoro, até a rua Luis Coutinho Cavalcante, ora rom3fs no município do Rio de Janeiro, a faixa
rães, todas sobre o rio Acari 2 .Constatamos que as res localiza-se às margens de rios, como o rio Aca- em Guadalupe, a margem esquerda está ocupada mínima determinada pela legislação vigente é de
obras hidráulicas realizadas não trouxeram solu- ri. Neste rio, segundo estudo da Secretaria Muni- com edificações, algumas de baixo, outras de bom 15 m para cada bordo (Rio Águas, 2002). Porém, o
ção para o problema das inundações, que ainda cipal de Meio Ambiente, no trecho entre a nascen- padrão construtivo. Na margem direita, existe projeto de canalização do rio Acari anotou uma fai-
são recorrentes na época de chuvas intensas. Hoje te no rio São João de Meriti e a avenida Automóvel uma área livre, possível de ser usada para reassen- xa de ro m para cada lado da borda do canal, onde
as principais ações da prefeitura e da SERLA com Clube, o maior problema são as ocupações irregu- tamento de população. foi prevista uma via com o nome de avenida Canal.
A coMUNIDADE PARQUE UNIDOS DE AcARI
relato de que algumas pessoas da comunidade tra- Durante a década de 70, áreas próximas às mar-
balham no CEASA, situado próximo dali. A maior gens do rio Acari passaram a servir de vazadouro
A comunidade Parque Unidos do Acari é uma pação no ano de 1946 e atualmente possui uma parte dos chefes de família garante o sustento fami- de lixo, a Lixeira de Acari. O despejo de lixo próxi-
área residencial localizada próximo à grande área população de cerca de 42 mil habitantes. Hoje liar com atividades informais como biscates (guar- mo ao brejo da favela Corta Rabo acabou alterando
industrial situada na margem esquerda do rio Aca- apresenta um dos maiores índices de pobreza no dadores de carros, camelôs e catadores de material o leito do rio que, na segunda metade da década de
para reciclagem como papéis, ferro velho e garra- 70, foi oficialmente retificado. (Figs. 4, 5 e 6).
ri, enquadrada como Zona Industrial 2. Ela ocupa estado do Rio de Janeiro. A comunidade aqui estu-
a área entre a ma Embaú e o rio Acari, sendo re- dada, Parque Unidos de Acari, está fora do Com- fas). Constatou-se, ainda, na pesquisa de campo,
cortada pela Linha Verde. No entorno imediato, plexo, como mostra a figura a seguir. a importância dos programas sociais oficiais ou de
está localizada a avenida Automóvel Clube e a es- A população de Parque Unidos de Acari tem re- igrejas locais que distribuem cestas básicas. Algu-
tação de metrô Fazenda BotafogojAcari. Na escala gistrado um crescimento expressivo nos últimos mas famílias vivem exclusivamente destes e de ou-
metropolitana, Parque Unidos de Acari localiza-se dez anos, pois, de acordo com o censo de 1991 tros donativos, sendo que alguns poucos entrevis-
entre a avenida Brasil e a rodovia Presidente Du- possuía 418 unidades habitacionais. Já na época tados têm acesso ao cheque cidadão do governo do
tra, dois importantes eixos rodoviários da região da elaboração de uma proposta do programa de estado. A situação sócio-econômica é caracterizada
metropolitana do Rio de Janeiro No entorno, há urbanização Favela-Bairro para a área, os dados também pela baixa escolaridade, que limita as pos-
outras ocupações irregulares localizadas nos bair- indicavam 650 domicílios (dados do edital). O le- sibilidades de uma melhor inserção no mercado de
ros de Acari e Irajá (Parque Proletário Acari, Par- vantamento realizado pela equipe da Arqui-Traço trabalho. A escolaridade média destes chefes de fa-
que União, Vila Esperança, Vila Rica de Irajá), e indicou a existência de r.o3r domicílios. mília chega a cinco anos de atividade escolar, sem
Pavuna (Pedreira, Fazenda Botafogo e Parque Co- Segundo dados censitários IBGE de 2000, Par- completar o ciclo fundamental.
lúmbia). A denominação Acari é usada para o bair- que Unidos de Acari é uma comunidade de baixa Estando assentada próximo ao morro da Con-
ro, em função do rio que passa nas proximidades renda, onde os chefes de família têm remuneração ceição e ao morro da Pavuna, e sendo limitada ao
da região, hoje chamada de Complexo de Acari média de r salário mínimo e meio. Consta que pre- sul pelo rio Acari, a comunidade apresenta uma
- que na verdade é a junção do Conjunto Ama- dominam moradores com faixa de renda de até 500 topografia variada, com uma encosta na parte cen-
relinho, constmído no final dos anos 50 na beira reais (68%). Existe uma parcela muito pequena de tral e uma área mais plana junto ao rio. Os taludes
da avenida Brasil, e mais três localidades: Parque moradores com empregos fixos. Entre as empre- das margens do rio Acari, junto à comunidade,
Proletário de Acari, Coroado e Vila Esperança. O sas empregadoras destacam-se a Casas Bahia, na encontram-se com solo exposto e vegetação rala,
Complexo de Acari iniciou seu processo de ocu- ma Embaú e o Ponto Frio, em Irajá. Há também o constituindo num ponto de lançamento de lixo;
entulhojaterro. O lançamento desses detritos pro-
voca mobilizações recorrentes do talude em épo-
cas chuvosas, assoreando o rio a jusante. Na parte
oeste da comunidade existe uma grande elevação
resultado do acúmulo irregular de entulho em va-
zadouro clandestino.
Na década de 50, o morro da Ferraria (ma Em-
baú) e terras próximas foram loteadas e vendidas.
Foi o início da ocupação residencial e da pequena
favela conhecida como "Corta Rabd' na encosta do
morro da Ferraria próximo ao brejo.
A década de 6o marcou o crescimento da favela
impulsionado pelo desenvolvimento do parque in-
FAVElAS dustrial de Fazenda Botafogo atraindo migrantes
Favelas do Norte Fluminense. Figuras 4, 5 e 6 - Mapa histórico, elaborado por
Pq Un1dos deAcari
Flavia Royse.
ARQ UITRAÇO. Projeto Urbanístico e Paisagístico da Comunidade MELO, V. M. Dinâmicas das paisagens de rios urbanos. Anais do
Parque Unidos de Acari- Rio de Janeiro: PROGRAMA FAVELA XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação
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In: Anais do Seminário GRANDES METROPOLIS DEL landscapes: changing the concrete overcoat?" In Landscape
MERCOSUR: PROBLEMAS Y DESAFÍOS pelo Instituto de Research Journal, Vol.22, N°1, pp. 5-n. Este capítulo apresenta um diagnóstico das Este estudo procura demonstrar as vantagens
Estudios Urbanos (lEU) y la Escuela de Arquitectura de la condições ambientais e paisagísticas da bacia do da utilização de bacias hidrográficas como recorte
Facultad de Arquitectura y Bellas Artes (FABA) de la Pontificia RILEY. A.. "What is restoration". In Heeler, S. e Beatley, T. The Rio Carioca, no Rio de Janeiro, embasado por uma espacial em análises ambientais e paisagísticas,
Universidad Católica de Chile. Santiago, 1999. sustainable urban development reader. London, Routeledge, 2004 abordagem transdisciplinar que integra análises com aplicação direta no planejamento e gestão de
históricas, biológicas, urbanísticas e de ecologia cidades. O mapeamento ambiental e paisagístico
BRITTO, A. L. "Implantação de infra-estrutura de saneamento RIO ÁGUAS. "Devolvendo os rios aos cariocas". Revista Rio- da paisagem, através de mapeamento geo-referen- de bacias hidrográficas apresenta-se como um ins-
na região metropolitana do Rio de Janeiro - Brasil: uma Águas ano II-n° I Dez(2002, pp. ro-r5. ciado que reúne indicadores tais como qualidade trumento eficaz para auxiliar planejadores, gesto-
avaliação das ações do programa de despoluição da Baía de da água, evolução do uso do solo e cobertura vege- res e membros da comunidade no planejamento,
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CEDAE. Plano Diretor de Esgotamento Sanitário da Região Urbanismo. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. servação, configuração da fronteira floresta-malha O processo de urbanização levado a cabo no
Metropolitana do Rio de Janeiro e das bacias contribuintes à Baía urbana e correlação entre o sistema viário local e Rio de Janeiro a partir do século XVI promoveu
de Guanabara. Agosto de 1994 Pretertura Municipal do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal o adensamento construtivo, organizados coletiva- alterações radicais no sistema ambiental local, dei-
de Meio Ambiente (SMAC). Reabilitação Integrada na Bacia do mente ao longo de um perfil topográfico longitu- xando profundas marcas em seus corpos d'água.
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1992: Subsfdios para sua revisão 2005. Disponível em www. paisagem que ocorreu nesta bacia reflete bastante rioca foi escolhido como objeto de estudo devido a
HOUG, M .. Cíties and natural process. London, Routeledge, armazemdedados.rio.rj.gov.br bem a tensão existente entre a estruturação urba- sua importância histórica para a cidade do Rio de ·
2005 (capítulo 2).
na carioca e a natureza tropical. Primeira fonte Janeiro e por tratar-se de elemento representativo
SPIRN, A. W. O jardim de granito. I' ed. São Paulo: EDUSP, de abastecimento d'água para seus habitantes, o da bio-região na qual se insere.
MARICATO, E. "Conhecer para resolver a cidade ilegat'. In: I995· (parte IV) O rio ainda vivo nasce na Serra da Carioca, lo-
Carioca foi vetor de ocupação humana em direção
Castriota, L.B.(org) Urbanização Brasileira; redescobertas.
às encostas e indutor na preservação da floresta calizada a nordeste do Maciço da Tijuca, dentro
Belo Horizonte, C( Arte, 2003·PP·78-96.
Atlântica carioca. dos limites do Parque do Nacional da Floresta da
BREVE HISTÓRICO DAS TRANSFORMAÇÕES DA
PAISAGEM NO VALE DO Rro CARIOCA
o objetivo deste estudo é avaliar a transforma- O Rio Carioca constituiu-se, ao longo da histó-
ção da paisagem ao lo~go da bacia. hidrográ~ca do ria da cidade, como elemento ambiental e paisa-
Rio Carioca e seus efeitos na quahdade ambiental gístico importante na apropriação e controle des-
urbana local. O diagnóstico das condições am- te trecho do território carioca. Principal fonte de
bientais e paisagísticas da bacia do Carioca foi fei- abastecimento d'água da cidade do Rio de Janeiro
to a partir de uma série de avaliações em campo, até meados do século XIX, funcionou como vetor
embasadas por uma abordagem transdisciplinar de expansão urbana em direção as encostas do vale
que integra análises históricas, biológicas, urba- do Carioca ao longo do caminho das suas águas
nísticas e de ecologia da paisagem 2 • Este capítulo desde o século XVII. Inversamente, exerceu papel
oferece uma síntese visual e gráfica das avaliações relevante como agente indutor da regeneração da
e análises que compõem este estudo. floresta Atlântica nas encostas do Maciço da Tiju-
Figura 1 -Delimitação da bacia e traçado atual do Rio Carioca, SCHLEE 2002, sobre Ortofoto Armazem de Dados/IPP-PCRJ ca, em mais de um momento da sua história.
Tijuca. Este primeiro trecho do rio ainda conserva as especificidades geo-ecológicas e os problemas
parte significativa das suas características geomor- ambientais decorrentes da inadequação dos pa-
fológicas originais. Ao deixar o parque, o Carioca drões urbanísticos adotados nas cidades brasilei-
cruza uma área favelizada, densamente ocupada ras tendem a estar circunscritos. A idéia da adoção
pela Comunidade Guararapes e, logo após, ressur- de bacias hidrográficas como unidade de planeja-
ge canalizado a céu aberto em meio a uma área mento ambiental já está amplamente difundida e
residencial de padrão elevado, na confluência en- fundamentada r, mas esta prática no planejamento
tre os bairros de Santa Teresa e Cosme Velho, na e gestão de cidades ainda é insipiente.
porção média do rio. Depois disso, percorre o fun- A bacia do Carioca é uma pequena sub-
do do vale até a planície costeira, completamente bacia que deságua na Baía da Guanabara, com
submerso na densa matriz urbana até alcançar o aproximadamente oito kmz de extensão territorial
Parque do Flamengo, onde segue confinado em e vazão total medida em tempo seco de 575 Ljs
uma galeria de cintura, recentemente encoberta (Fundação para a Engenharia do Meio Ambiente
pelo poder público municipal, até desaguar na - FEEMA, marçoj2oor). Apresenta uma confor-
Baía de Guanabara. mação geomorfológica característica do litoral
O recorte espacial utilizado neste estudo - bacia sudeste brasileiro (Figura r e Mapa r): uma
hidrográfica- apresenta vantagens na análise, ava- planície costeira com cotas até 5m acima do nível
liação e no tratamento da paisagem em contextos do mar; uma planície interior que se estende até
urbanos. Trata-se de um sistema natural delimita- a cota 25 aproximadamente; encostas suaves entre
do no espaço pela topografia, a qual define a área 25 e 6o m acima do nível do mar; um trecho de Planície costeira (O a 5 ml
de convergência de fluxos d'água, de sedimentos encostas bastante íngremes entre 6o e 430 m Planície interior (5 a 25 ml
e de elementos solúveis que convergem para uma aproximadamente, que compreende o degrau Encostas suaves (25 a 60 m]
saída comum (Coelho Netto, 2oor). A bacia hidro- estrutural (zona de ruptura de gradiente) e um
Degrau estrutural (60 a 430 ml
gráfica configura-se como uma unidade geomor- vale suspenso, que se situa entre 430 e s6s m
fológica que conforma um anfiteatro natural onde acima do nível do mar. Vale suspenso (430 a 565 ml
O Carioca chegou a ter todo o seu curso con- sua integridade era necessana para garantir o da população carioca ao longo do século .XIX, com a implantação destes três grandes corredores
servado por atos legislativos, que vigoraram entre abastecimento da cidade. O restante do rio foi so- agravado pelas freqüentes inun~ações na ndade viários, acelerando o processo de avanço e super-
o início do século XVII até a metade do século frendo gradativas alterações na sua forma, função e a aceleração de processos erosrvos nas encostas posição da malha urbana sobre a floresta local.
XVIII, com o objetivo de proteger suas águas para e na qualidade de suas águas (Mapa 2). do Maciço da Tijuca, levou o governo imperial a A preocupação com a questão ambiental come-
consumo da população carioca (Cavalcanti 1997). Se o rio conseguiu manter parte do seu trajeto estabelecer um programa de reflorestamento e çou a atingir a população do vale do Rio Carioca a
O processo de transformação do rio iniciou-se protegido, a floresta que encobria as encostas do desapropriar fazendas de café localizadas nas en- partir do início dos anos 1980. Organizações não
com o término das obras do primeiro aqueduto da vale sofreu graves perdas neste período. Entre fins costas mais íngremes do maciço para proteger as governamentais locais atuaram na época em ini-
cidade. A partir de meados do século XVIII, este dos séculos XVIII e XIX, grande parte das encos- nascentes e cabeceiras dos seus principais rios. A ciativas pontuais de reflorestamento das encostas
aqueduto passou a captar efetivamente a maior tas do Maciço da Tijuca foi desmatada, seja devido recomposição da floresta da Tijuca deu origem ao e arborização das ruas do vale, e pressionaram
parte das águas do alto Carioca, criando um braço à extração de lenha, seja devido à disseminação do Parque Nacional da Tijuca, no qual estão localiza- o poder público municipal a desistir da abertura
artificial para distribuí-las em fontes públicas lo- cultivo do café nas encostas do maciço, afetando das as nascentes do Carioca (GEOHECO-UFRJ/ de um novo eixo viário e a desobstruir as galerias
calizadas nas principais praças da área central da até mesmo os mananciais aí existentes (Abreu SMAC-PCRJ 2000, Heynemann 1995, Abreu subterrâneas do Rio Carioca, devido ao despejo de
cidade (Cavalcanti 1997, Abreu 1992, Magalhães 1992, Magalhães Correa 1936). 1992, Cesar e Oliveira 1992). . resíduos sólidos no canal do rio e nas galerias de
Correa 1939). Desde então, o rio foi dividido em O aumento progressivo da necessidade de abas- Desde então, a floresta nas encostas do vale fm drenagem que deságuam nele. Entretanto, a pres-
dois. As nascentes continuaram protegidas, pois tecimento d'água devido ao crescimento contínuo aos poucos se recompondo, mas o rio não teve a são da comunidade pela melhoria das condições
mesma sorte. Canalizado a céu aberto desde sua ambientais do Carioca traduziu-se, na visão do
porção média até a foz, a partir de meados do sé- poder público municipal, na construção de uma
Mapa 2 - Evolução paisagística do Rio Carioca. Fonte: Presente estudo, a partir de Barreiros, 1965 culo XIX, foi enterrado em galerias subterrâneas galeria de cintura em 1992, que alterou mais uma
no início do século XX, que o conduzem, à mar- vez o curso do Carioca, deslocando sua foz da
gem da vida da cidade, até a Baía da Guanabara. Praia do Flamengo, com a intenção de dar fim à
A aceleração do processo de ocupação urbana língua-negra que desaguava na praia.
em direção às encostas nesta bacia se deu a partir As leis preservacionistas estabelecidas pelo po-
de 1870, com a implantação do sistema de bondes. der municipal a partir de 1984, com a criação de
Este processo se consolidou com a abertura dos seis Áreas de Proteção Ambiental e Cultural (APAs
eixos transversais de circulação viária para ligação e APACs) na bacia do Carioca, funcionaram como
entre as zonas norte e sul da cidade. O corte dos instrumentos de proteção ao patrimônio cultural
morros Azul e Mundo Novo, entre as décadas de e natural, contendo a ocupação desenfreada das
19ro e 1920, a execução do aterro da orla da baía áreas formais nas encostas do vale. No entanto, a
para implantação do Parque do Flamengo ao lon- ocupação informal continuou a crescer. Em âmbi-
go do anel viário formado por vias expressas entre to federal, já se encontravam protegidos o Parque
as décadas de 1950 e 1960 e a abertura dos túneis Nacional da Tijuca (1961) e o Parque do Flamengo
Santa Bárbara e Rebouças, entre as décadas de (1965). O reinício do programa municipal de re-
1960 a 1970, atuaram localmente como indutores florestamento para toda a cidade a partir de 1986
do adensamento construtivo, simultaneamente ao voltou a ter um impacto positivo nas encostas do
processo de verticalização da arquitetura formal, vale, a exemplo do que aconteceu no final do sécu-
promovido com o apoio da legislação edilícia es- lo XIX, contribuindo para desacelerar a perda da
O Rio Carioca é dividido em dois a partir de meados do século XVIII tabelecida a partir do final da década de 1930 (De- floresta nessa bacia, conforme sugerem os dados
creto 6oooj1937). Paralelamente, e não por acaso, que serão apresentados a seguir nesse estudo.
Trecho preservado junto às cabeceiras Em 2002;, foi instalada uma estação de trata-
a ocupação informal se consolidou no mesmo pe-
Principal estrutura de captação, conhecida como Mãe d·água mento primário de esgotos pelo poder público es-
ríodo, avançando progressivamente sobre as en-
Trecho preservado até meados do século XIX, ao longo do braço artificial que transpôs a bacia costas da bacia. tadual junto a sua foz. Este equipamento até hoje
Trecho do traçado original, gradativamente canalizado e esquecido O eixo longitudinal de ocupação do vale, que não entrou em pleno funcionamento. Em 2004,
Aterro ao longo da orla da Baía da Guanabara a partir do início do século XX se estruturou ao longo do trajeto do Rio Carioca a o trecho final do rio junto à sua foz, dentro dos
partir do século XVII, sofreu um grande impacto limites do Parque do Flamengo, foi encoberto por
QUALIDADE DA ÁGUA As coletas de amostras de água foram também
realizadas nos quatro trechos identificados acima,
o diagnóstico da qualidade das águas do Rio Ca- em janeiro de 2001. Estas amostras foram então
rioca foi realizada através de avaliações biológicas e correlacionadas com dados pré-existentes dispo-
bioquímicas. Estas avaliações foram realizadas, ao nibilizados pela Fundação para a Engenharia do
longo de 2001, em cada um dos seguintes trechos do Meio Ambiente - FEEMA (1991) e Companhia
Rio Carioca: Parque Nacional da Tijuca, Favela Gua- Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro -
rarapes, Largo do Boticário e Parque do Flamengo. CEDAE (1994) referentes aos seguintes trechos
A aplicação de indicadores biológicos, através estudados: Parque Nacional da Tijuca (FEEMA
da avaliação dos níveis de tolerância da biota aquá- 1991), Largo do Boticário (FEEMA 1991) e Parque
tica (macro-invertebrados) à poluição, foi correla- do Flamengo (FEEMA 1991 e CEDAE 1994). A Ta-
cionada com uma verificação temporal da presen- bela r revela a progressiva degradação do rio devi-
ça de coliformes fecais, indicadores bioquímicas do ao despejo de esgoto sanitário entre as décadas
Figura 2 - Recobrimento do leito do Rio Carioca com um deck de madeira implantado junto à foz comumente empregados na avaliação da qualida- de 1990 e 2000 e demonstra a enorme variação
pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em 2004. SCHLEE, Mônica Bahia, setembro 2005 de da água. Este procedimento possibilitou avaliar de qualidade da água entre a cabeceira e a foz que
possíveis perdas em relação aos habitats e ameaças o Carioca apresenta ainda hoje (Tabela r).
à biodiversidade, além de aferir o nível de poluição A correlação entre os resultados das análises
por esgoto doméstico em cada trecho estudado. biológicas e bioquímicas revelou que existe um
Em termos de abundância da fauna aquática, as enorme contraste em termos de qualidade da
um deck de madeira em uma intervenção da Pre- relativas aos censos IBGE 1991 e 2ooo), as análises demonstraram que o número de macro- água do Carioca entre a área das nascentes e a sua
feitura da Cidade do Rio de Janeiro, obstruindo o unidades de conservação, a configuração da invertebrados nas cabeceiras do Rio Carioca equi- foz. Já as avaliações biológicas demonstraram que
contato visual da população com o rio e tomando fronteira floresta-malha urbana e a correlação vale a apenas I/3 do número de macro-invertebra- a biota aquática e a diversidade de habitats encon-
ainda mais difícil qualquer contato físico com as entre o sistema viário local e a verticalização da dos no rio de referência no trecho utilizado como tram-se sob algum impacto mesmo nas cabeceiras
suas águas (Figura 2). arquitetura formal. parâmetro de qualidade (nascente do Rio Iconha, do rio. A análise dos dados bioquímicos no perío-
Os resultados das avaliações em campo e das na Serra dos Órgãos). A fauna aquática do Rio Ca- do entre 1991 e 2001 indicou um progressivo de-
demais análises de dados secundários foram ta- rioca em seu trecho mais preservado concentra-se clínio da qualidade da água do Carioca ao longo da
bulados e mapeados usando o ArcView G IS sof. principalmente junto aos nichos de folhas e ma- última década.
tware (Environmental Systems Research Institute téria orgânica acumuladas. No rio de referência, a
METODOLOGIA 1999) a partir da base cadastral elaborada pelo ocorrência é melhor distribuída entre os três habi-
Instituto de Urbanismo Pereira Passos, nas esca- tats - folhas, pedras e areia.
AVALIAÇÃO DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS E las noooo e 1:2ooo (Armazém de Dados- PCRJ/ Os indicadores biológicos sugerem que o gra-
PAISAGÍSTICAS AO LONGO DO RIO CARIOCA IPP 1999) , e organizados coletivamente ao longo diente de degradação no Rio Carioca começa já no Uso DO SOLO E COBERTURA VEGETAL
de um perfil longitudinal-síntese (representação Parque Nacional da Tijuca, onde 23% dos organis- (1972, 1984, 1996, 1999)
Mapeamento de Indicadores gráfica modificada de Coutinho 2001), de modo a mos J encontrados são sensíveis à poluição, 15%
facilitar a comunicação do diagnóstico e das ações toleram níveis intermediários de poluição e 62% O mapeamento do uso do solo e da cobertura
O diagnóstico apresentado neste estudo recomendadas a cidadãos e administradores pú- são tolerantes à poluição por esgoto doméstico. A vegetal registra a evolução dos fragmentos paisa-
integra resultados das análises do inventário pa- blicos (Schlee 2002). degradação aumenta significativamente no trecho gísticos em períodos determinados, possibilitan-
ra avaliação visual das condições ambientais de que percorre a Favela Guararapes, onde 0,1% dos do avaliar as transformações ocorridas em quais-_
rios tropicais urbanos e do mapeamento geo- organismos encontrados são sensíveis à poluição, quer unidades de paisagem. A evolução histórica
referenciado de indicadores biológicos, urbanos e 5,3% toleram níveis intermediários de poluição e do uso do solo e cobertura vegetal foi elaborada
de ecologia da paisagem, tais como qualidade da 94,6% são tolerantes à poluição por esgoto domés- a partir de estudos prévios realizados pela Pre-
água, evolução do uso do solo e cobertura vegetal tico; e atinge um nível crítico a partir do Largo do feitura do Rio de Janeiro (PCRJJSMAC 2ooo) e
(análises temporais de 1972, 1984, 1996 e 1999), Boticário, onde 1oo% dos organismos encontra- pelo Laboratório de Geo-Hidroecologia (GEOHE-
a dinâmica populacional (análises temporais dos são tolerantes à poluição por esgoto doméstico. CO-UFRJJSMAC-PCRJ 2ooo). O presente estudo
RIOS
TABELA 1. aplicou a metodologia desenvolvida por Coelho De acordo com os dados gerados por este estu-
RIO CARIOCA: AVALIAÇÃO BIOQUIMÍCA DE QUALIDADE DA AGUA Netto no trabalho Estudos de Qualidade Ambien- do, 58% da área total da bacia do Rio Carioca ainda
Fonte: FEEMA (1991, 2001) e presente estudo (2001) tal do Geoecossistema do Maciço da Tijuca (GEO- possui algum tipo de cobertura vegetal, porém a
HECO-UFRJfSMAC-PCRJ zooo), adequando-a qualidade da cobertura vegetal não é homogênea.
Trechos avaliados para o contexto da bacia do Rio Carioca, uma vez Uma parte significativa da área coberta com vege-
que o estudo anterior abrangia apenas o domínio tação apresenta algum tipo de alteração. A análise
Par Na Tijuca Favela Guararapes Largo do Boticário Praia do Flamengo das encostas do Maciço da Tijuca (a partir de 40m do uso do solo e da cobertura vegetal ao longo do
acima do nível do mar). Estes mapas foram revi- tempo indicou um progressivo avanço da malha
sados através de novos exames de fotos aéreas de urbana sobre a floresta no período analisado. En-
Jul-Ago Jan Jul-Ago Jan Jul-Ago Jan Jul-Ago Mar 1972, 1984, 1996. As condições referentes ao ano tre 1972 e 1999, uma significativa redução da área
1991 2001 1991 2001 1991 2001 1991 2001 de 1999 foram avaliadas através do exame das or- de floresta tropical teve lugar nas encostas do alto
(FEEMA) (p.s.f) (FEEMA) (p.s.f.) (FEEMA) (p.s.t:) (FEEMA) (FEEMA)
tofotos de 1999 (Armazém de Dados/ IPP-PCRJ) Carioca, em resposta à pressão urbana exercida,
e da checagem em campo realizada em zoor. tanto pelos assentamentos formais quanto pelos
DBO
}O 2.0 2.0-3-6 20-50 8o
(mgfl)
OD
> 6.o 8.6-9.2 7·8-8.8 !.6-2.0 0-4
(mgfl) Mapa 3- Uso do solo e cobertura vegetal, 1972
PRAIA DO fLAMENGO
AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA DE QUALIDADE DA ÁGUA
Fonte: FEEMA (1991, 2001) e CEDAE (1994)
Valores Máximos
Parâmetros 1991 1994 2001
(Resolução CONAMA
(FEEMA) (CEDAE) (FEEMA)
20(I986 e 27I(2ooo)
DBO
}O 20-50 40-60 8o
(mgfl)
OD
>6.o !.6-2.0 0.2-0.9 0-4
(mgfl)
Parque do Flamengo
Malha urbana alta densidade 31% Comunidades pioneiras e floresta secundária inicial15%
Coliformes fecais até 200 (ideal)/
(NMP(Iüoml)
até 8oo (satisfatório) r6o.ooo-1.6oo.ooo 900.000-4-300.000 > r6.ooo.ooo Malha urbana baixa densidade 16% Floresta secundária tardia 9,5%
para contato humano
Capim colonião 2,5% Floresta climax 19%
2,2
partir de 1986. Porém, o desenvolvimento urbano N
continua a avançar sobre as encostas do vale, no E 2,0
~
entorno do Parque Nacional da Tijuca, como será co
-c 1,8
demonstrado a seguir. co
>
.....
(\)
U1 1,6
DINÂMICA POPULACIONAL (\)
.....
a.. 1,4
co
.....
A análise da dinâmica populacional da bacia do Vl
(\)
Rio Carioca demonstra que a maioria dos bairros ..... 1,2
o
que a integram perderam população no período ü::
1,0
de 1991 a 2000. Já a população favelizada aumen-
1970 1980 1990 2000
tou significativamente no mesmo período (Mapa 5 Ano
e Tabela 3). Enquanto a população total dos bair-
ros Laranjeiras e Cosme Velho decresceu 6,79% 20000
e 1,6o%, respectivamente, no período de 1991 a
2000, a população favelizada que habita estes bair- õ
ros cresceu em média mais de 25% no mesmo pe- ~ 15000
ríodo (PCRJ-IPP 2000, IPP/Armazém de Dados-
Morei). Júlio Otoni, Guararapes e Vila Cândido,
--
N
E
o 10000
ICO
Parque do Flamengo favelas localizadas dentro dos limites dos bairros U•
co
Malha urbana alta densidade 40% Comunidades pioneiras e floresta secundária inicial 22,5%
Laranjeiras e Cosme Velho, foram as que mais .........
(\)
cresceram, apresentando variação populacional c::: 5000
Malha urbana baixa densidade 9% Floresta secundária tardia 8,5% acima de 35%. As favelas Guararapes, Vila Cândido
Capim colonião 1,5% Floresta climax 14,5%
e Cerro-Corá, todas localizadas no bairro de Cosme
Velho, encontram-se em processo de conurbação. 1972/1984 1984/1996 1996/1999
Mapa 4- Uso do solo e cobertura vegetal, 1999 Período em anos
Gráficos de perda de floresta
PoPULAÇÃO ToTAL
"'
Glória !4033 IIS-3 9365 77-0 •49·84% !0098 89.0 p6%
Alto da Boa Vista ro88s 270·7 I0084 250.8 ·7·94% 8254 }O -22,!7% Alto da Boa Vista {-22,17%)
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Rio Carioca
INTRODUÇÃO
Em 2003, com a condição inicial de contribuir- biental e arquitetura paisagística. Nossa contribui-
mos com aspectos referentes à caracterização da ção específica de arquitetos paisagistas e bióloga
vegetação e ao paisagismo urbano, integramos ao Plano de Bacia Urbana se deu com a aplicação
um grupo de pesquisadores em águas urbanas da de conceitos de ecologia, conservação e recupera-
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. ção ambiental, e, neste sentido, desenvolvemos o
Formada por professores, pesquisadores e estu- material que apresentamos aqui como um progra-
dantes de diversos departamentos, destacando-se ma de recuperação ambiental e da paisagem.
o Departamento de Engenharia Hidráulica e Sani- O conjunto de princípios que utilizamos como
tária, e de outras unidades da USP, além de con- base para os procedimentos de pesquisa que rea-
sultores externos, esta equipe vinha de um projeto lizamos no âmbito deste projeto e as proposições
anterior de criação de um "Sistema de Suporte à que ajudamos a delinear para as intervenções es-
Decisãd' (SSD). Esse sistema tinha como objetivo tratégicas indicadas no plano são o cerne deste
o gerenciamento da água urbana e contava com capítulo.
representantes das áreas de hidrologia, qualidade O objetivo geral do Plano de Bacia Urbana era
da água, transporte de sedimentos, planejamento buscar proposições para interceder na redução ej
urbano, ecologia, além de especialistas em siste- ou eliminação das inundações que afetam trechos
mas de informações geográficas e desenvolvimen- desta bacia, atuando como modelo para outras ba-
to de software. cias urbanas detentoras de problemas semelhan-
O seu estudo de caso, a bacia do rio Cabuçu de tes. O nosso interesse em participar desta equipe
Baixo, situada integralmente no município de São multidisciplinar se deu pela oportunidade de tes-
Paulo, se tornou o objeto de um plano visando en- tarmos com especialistas em tecnologias aplicadas _
frentar prioritariamente os problemas relativos a à infra-estrutura urbana, especialmente de hidro-
inundações, contaminação de recursos hídricos, logia e hidráulica, o papel que os espaços abertos
degradação do solo e saúde pública. urbanos, livres de edificações e vegetados, podem
Entretanto, esse objetivo inicial, no processo desempenhar para o atendimento desse objetivo,
de desenvolvimento do plano, acabou sendo am· entre outros.
pliado, englobando aspectos de planejamento am-
fUOS
LEGENDA A partir da espacialização dessas informações
foram aplicados os princípios de planejamento,
ecologia da paisagem, corredores verdes e alaga-
Drenagem Parque Corumbé- Área de lazer/recreação e equipamento urbano
Caminhos Verdes
dos construídos para o estabelecimento de uma
Parque Linear do Bananal- Faixa 1
Faixa da linha de transmissão (Eietropaulo)
possível infra-estrutura verde para este setor da
Parque Linear do Bananal - Faixa 2
bacia, no qual estabeleceu-se como premissas os Figura 3 - Rua verde- antes, foto Paulo Pellegrino
Intervenção paisagística em condomínio particular Urbanização densa
Intervenção paisagística em conjuntos habitacionais
seguintes pontos:
Urbanização pouco densa
: Parque Bananal- área de lazer e recreação Wetland
Parque Corumbé - Área de lazer e recreação
Relocação da população em área de risco de
Área de Manutenção intensa do Piscinão
inundação para tempo de retorno de 25 anos;
_: Área de Manutenção ocasional do Piscinao- wetlands e áreas de recreaçao
Áreas de recuperação da vegetação (declividades acentuadas e sem abastecimento)
Relocação da população situada em locais de
alta declividade e sem rede de abastecimento
Áreas de uso rural: culturas, pasto. reflorestamento homogêneo comercial
Buffer_of_Drenagern
de água;
• Criação de zonas de transição entre as áreas flo-
restais e a malha urbana.
• ,.. Meters • Criação de áreas de adensamento populacional;
o 87,5175 350 525 700
• Delimitação de faixas com diferentes intensida-
des de manutenção nos piscinões;
• Conexão de remanescentes de vegetação atra-
vés de corredores verdes.
Figura 9- Visão geral do Parque Corumbé/Parque Linear do Bananal e entorno -antes Figura 10- Visão geral do Parque Corumbé/Parque Linear do Bananal e entorno- depois, foto Savio A. Fernandes
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CoNcLusÃo
natural ou recuperada, com a ocupação humana. O plano geral aqui delineado apresenta um sis-
Nas áreas a serem reurbanizadas (Jardim Da- Como resultado, constatamos que na sub-bacia Com os exemplos aqui delineados, procura-se tema de parques e áreas verdes associado aos siste-
masceno e outras) está prevista a adoção de índi- do córrego Bananal, área piloto escolhida para o mostrar uma alternativa de como manter abertos, mas de drenagem c tratamento natural das águas
ces urbanísticos de baixa e média densidade. A detalhamento do Plano de Bacia, é possível ain- ou abrir os fundos de vale e conectar parte de uma em um trecho da bacia. Posteriormente, este es-
urbanização de média densidade prevê áreas ver- da se manter e desenvolver uma infra-estrutura das mais importantes estruturas verdes da cidade, quema mais amplo aqui desenvolvido poderá ser
ticalizadas envoltas por áreas verdes, com vegeta- verde com a dimensão e importância da aqui pro- a serra da Cantareira, aos espaços livres limítrofes, dividido em projetos específicos a serem adapta-
ção ornamental nativa. E para as áreas de densi- posta. Esta infra-estrutura baseia-se em conceitos dando sentido e organização a uma estrutura ver- dos aos planos regionais das subprefeituras e em
dade baixa, a configuração de pólos concentrando paisagísticos e ecológicos, de modo a integrar o de de dimensão metropolitana, visando à recupe- seus detalhamentos, atendendo diversos horizon-
as edificações e demais estruturas urbanas, tais conjunto dos espaços ainda não edificados ou a ração e integração dos espaços ainda naturais com tes de implantação; sua complementação confor-
como o sistema viário. Entre esses pólos man- serem desocupados em um único sistema, que os já urbanizados. maria a rede ambiental e hídrica que está expressa
têm-se ou criam-se áreas florestais. Esse desenho permeia todas as escalas destes espaços: do entor· Como parte do Plano de Bacia Urbana, este como uma das metas do PDE para 2oro.
da paisagem deverá conter o avanço irregular da no das edificações ao parque estadual, num todo programa de recuperação ambiental e da paisa- Os critérios adotados neste plano deverão ser
urbanização e criar zonas de transição entre a área coerente e legível, otimizando as diversas funções gem avança além do nível da estética paisagística, utilizados como diretrizes para todos os novos
urbana e as naturais. exercidas por suas partes. procurando fomentar uma sustentabilidade só- projetos na bacia, especialmente aqueles que en-
Conforme anteriormente mencionado, atual- cio-ambiental através da indicação de projetos de volvem os espaços abertos vinculados à circulação
mente pouca importância é dada aos fragmentos parques, de espaços abertos urbanos e rurais, bem de pedestres, conexões viárias, equipamentos ur-
florestais urbanos, ou próximos das cidades. Um como de áreas legalmente protegidas que confor- banos e áreas de recreação e lazer.
dos principais objetivos deste plano é desenvolver mam a implantação de uma infra-estrutura verde. O resultado esperado será uma sucessiva trans-
uma metodologia que vise o estabelecimento de Especificamente, seu foco se dá na restauração formação dos espaços públicos locais, com a estmtu-
processos de planejamento capazes de conciliar a e preservação do ambiente natural e na melhoria ração de uma nova paisagem urbana que qualifique
manutenção de fragmentos de vegetação nativa, da qualidade do espaço aberto público urbano. e reorganize este trecho da periferia de São Paulo.
A FLUVIALIDADE EM RIOS PAULISTAs'
BIBLIOGRAFIA
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Island Press. 1996 snvation 2 : the role of corridors. Chipping Norton: Surrey Beatty As preocupações que norteiam este texto nasce- com os rios, talvez os únicos patrimônios ambien-
FORMAN, R. Land Mosaics The ecology oflandscapes and re- & Sons, 3-8, 1991. ram da observação de rios em São Paulo, iniciada tais que restam na cidade de São Paulo, e entender
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42,80
224,0
Figura 3- Projeto da Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê, Saturnino Brito, 1924/25 Figura 4- Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo de Prestes Maia (19301: Retificação do Rio Tietê
A fase de reservação
O plano restringia os impactos à jusante de cada XIX e de forma mais aguda nas décadas de 70 e
O aumento da recorrência das enchentes, es- A partir desta experiência bem sucedida, a Prefei- bacia, estabelecendo vazões de restrição para cada 8o, ou seja, a utilização das canalizações rápidas e
pecialmente nas grandes planícies do Tietê, do tura de São Paulo, o Comitê da bacia do Alto Tietê e o sub-bacia, ou seja, vazões máximas que poderiam vias em fundos de vale.
Pirajuçara, do Tamanduateí e do Aricanduva, de- Departamento de Águas e Energia Elétrica passaram ser despejadas pelos afluentes. Também orientava O estudo da (sub)bacia do Aricanduva é inte-
monstrou as falhas do modelo anterior de ocupa- a orientar a implantação de reservatórios de amorte- a localização dos reservatórios, através de um es- ressante por ter sido a primeira a ser objeto de
ção das várzeas através de canalizações rápidas de cimento em várias bacias: do Tamanduateí, do Ari- tudo de áreas públicas disponíveis ou, em última um estudo de macrodrenagem urbana no Brasil,
córregos. Tal modelo tornou as enchentes mais canduva, do Pirajussara e do Cabuçu de Baixo. instância, desapropriáveis a baixo custo. a partir de meados da década de 90. Nesta sub-
freqüentes, além de transpô-las para jusante, não Entre 1998 e 2002, o DAEE (Departamento de bacia, foram estudadas soluções para equacionar
resolvendo na essência o problema das inunda- Águas e Esgotos do Estado de São Paulo) contrata as enchentes, problema criado basicamente pela
ções, que se resume em reduzir o déficit de áreas o consórcio Enger-Promon-CKC para executar um impermeabilização do solo e pela eliminação das
de armazenamento de águas nas cheias, onde es- estudo que analisasse a bacia do Alto Tietê segun- várzeas dos rios, causado pelas canalizações rápi-
38
tas foram suprimidas pela ocupação. do as perspectivas de expansão da mancha urbana Ü CASO DA SuB-BACIA DO RIO ARICANDUVA das de corpos d'água.
Em 1992, é inaugurado o primeiro reservatório de metropolitana, o Plano Diretor de Macrodrenagem
amortecimento de cheias em São Paulo, sob a praça da bacia do Alto Tietê.
Charles Miller, no Pacaembu, que ficou conhecido Este plano definiu as premissas básicas para as Intervenções e perspectivas A cultura das canalizações e vias marginais
como "piscinão". Este reservatório introduziu um principais sub-bacias afluentes ao Tietê, conside·
novo conceito de drenagem urbana, o da sustenta- rando as características da calha aprofundada de· As intervenções na sub-bacia do Aricanduva re- As retificações sanitaristas que ocorreram fre-
bilidade das bacias quanto ao amortecimento das pois das obras serem concluídas, e o volume dos fletem o padrão de urbanização praticado nas vár- qüentemente nas primeiras décadas do século XX
cheias, evitando-se o seu impacto a jusante. reservatórios já existentes. zeas da Grande São Paulo desde o fim do século nos rios Tietê e Tamanduateí eliminaram seus
Figura 5 - Reservatório Rincão - Bacia do Aricanduva - 2002, Foto Adriano Estevam Figura 6- Bacia do Alto Tietê: Sub-bacia do Aricanduva. Elaboração Adriano Estevam, a partir do IPT. s/ escala
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Pontos de inundação
Mancha urbana
r- Veja-se noção de fluvialidade em Oseki, j .H. "La fluvialité des 15- Veja-se Rougerie e Beroutchachvili, 1991. 28- Cf. Ab'Saber, Aziz Nacib, 1978 40- Idem
fleuves urbains" in Ostrowetsky, S. ed. Lugares, d 'un continent
l 'autre ...perception et production des espaces publics, L'Harmattan, r6- Berque, op. cit. 29- Arnaldo Sérgio Kutner participou como geólogo do 41- Ibidem
Paris, 2001 e Oseki, ).H. "A Fluvialidade no Rio Pinheiros: um Plano Diretor de Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê,
projeto de estudd', revista Pós n. 8, dez 2000, FAUUSP 17- Béguin, idem desenvolvido pelo Consórcio Enger-Promon-CKC para 0 42- Berque, A. Daruma, 1998
DAEE - Departamento de Âguas e Energia Elétrica do Estado 'Tóquio-a- Feia
2- Em uma pesquisa desenvolvida na FAUUSP, dentro do r8- Béguin, ibidem de São Paulo.
NAPPLAC, da qual participaram, entre outros, os profs.drs. 43- A reforma do rio ltachi, na cidade de Yokohama (r982),
Lucrécia D. Ferrara, Marlene Picarelli, Maria Ângela F. P. 19- Béguin, ibidem 30- "Combinam-se de tal forma rede hidrográfica e relevo, revelou as formas naturais do rio. Este rio atravessa uma
Leite, Yvonne M.M. Mautner e Paulo M. Pellegrino. ambos determinantes da expansão demográfica paulista, área residencial em Yokohama; trata-se, portanto, de um rio
20- Cf. Lefebvre, La Production de l' Espace, op. cit.,1974 para darem a São Paulo a primazia do cenh·o do povoamento urbano com cerca de 18m de largura e 3m de profundidade.
3- Cf. Lefebvre, H. La Production de I: Espace, Paris, Anthropos, do planaltd' Prado j r. Caio A cidade de São Paulo: geografia e Foram utilizados materiais naturais, para conservar a
21- Cf Berque, Augustin "La forme de Tokyo: parler du história, São Paulo, Brasiliense, 1983 aparência original e não foram construídas proteções nas
1986, p. 350 e 379-80.
paysage, c'est le fàire" in Lígeia n. 19-20, oct. 96, juin 97· margens do rio, abaixo do nível d'água. Na linha marginal à
4- Lefebvre, H., La Pensée Marxiste et la Ville, Paris, Tournai, 31- Prado )r., Caio, op. cit.
água foi feito um aterro de curvas brandas, e no canal embaixo
Casterman, l978, p. 8r. 22- Berque, A "Le sens de la riviêre: nature et simulacres à da água, foram fincadas estacas de madeira para a formação
Tôkyô, fin de siêcle" in Berque, A org. La Ma!trise de la Ville: 32- Frase de Teodoro Sampaio, citado por Prado )r, C., op. cit., de poços e correntezas, com a finalidade de se reconstituir o
5- Lefebvre, H, La Production de !'Espace, op. cit., p 265-7 urbanité française, urbanité nippone Études japonaises 2, Paris: P·47 ecossistema primitivo. Veja-se Shimatani, Y., op. cit.
Éd. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1994
6- Berque, Augustin. "Â f Origine du Paysage" in Les Camets 33- Em duas décadas, a população dobra (1872 a 1890) para,
du Paysage n°1, printemps, Actes SudjENSP,1998 23- Mattes, D. "O espaço das águas: as várzeas de inundação na década seguinte, quadruplicar. Segundo Ernani da Silva
na cidade de São Pauld', Dissertação de Mestrado, FAUUSP, Bruno "de um burgo de estudantes a cidade se transforma
7- Cf. Lefebvre, H. De fÉtat, t IV, Paris: UGÉ jro-18, 1978, p São Paulo, 2001 em metrópole do café", citado por Matos, Odilon Nogueira BIBLIOGRAFIA
285 e 410 "A cidade de São Paulo no século XIX", in Revista da História,
24- Ab'Saber, Aziz Nacib, Geomo1jologia do Sítio Urbano de São SP, (21/22):89-125, jan-jul, 1955. AB'SABER, Aziz Nacib Geomorfologia do sítio urbano de São
8- CfBerque, A., op.cit., p 135 Paulo- Tese de Doutorado- FFLCH/ USP- São Paulo, 1956 Paulo, Tese de doutorado, FFCL USP, São Paulo, 1957
34- Langenbuch, jurgen Richard, A Estruturação da Grande
9- Berque, idem, p 137-8 25- Cf. II Concurso das Águas: "Concurso Público Nacional São Paulo- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
São Paulo Ensaios Entreveros, São Pau-
de Idéias para o Melhor Aproveitamento das Âguas da -Rio de janeiro, 1971 lo: EDUSP/ Imprensa Oficial, 2004
ro- Lefebvre, H La Production de !'Espace, op. cit., p 137 Região Metropolitana de São Pauld', PMSP, Consórcio
Intermunicipal das bacias do Alto Tamanduateíf Billings, 35- Veja-se "A abolição da escravatura e a grande imigração BÉGUIN, François Le Paysage, Paris: Dominos, Flammarion,
n- Idem, p139 SBPC, São Paulo, 1992 (1886j88)" em Martins,). S., O Cativeiro da Terra, LECH, São l995
Paulo, 197 9
12- Béguin, François Le Paysage, DominosjFlammarion, Paris, 26- Almeida identifica quatro tipos básicos de relevo, baseando-se BERQUE A, "Le Sens de la Riviere; nature et simulacres à
1995 na constituição litológica do Planalto Paulistano: Serras e Morros 36- Veja-se Brito, Saturnino de "Defesa contra Inundações" Tôkyô, fin de siêcle" in La maftrise de la Ville: urbanité française,
Isolados (sustentados por granitos), Morros e Cristas Quartzísticas, in Obras Completas 23 vols., vol. XIX, Ministério da Educação urbanité nippone Berque, A. (dir.), Paris: École des Hautes Étu-
13- No nosso caso conviria ressaltar o papel das pinturas dos Morros Alongados, Colirws e Cristas Monoclinais (mantidas por e Saúde, Imprensa Nacional, Rio de janeiro 1943-44 des em Sciences Sociales, 1994.
viajantes europeus nas expedições exploratórias científicas no filitos, micaxistos e gnaisses micáceos) e Espigões Ramijicados e
Colinas Amplas (sustentados por rochas sedimentares da bacia 37· Cf. Villaça, F., 2001
mesmo século, que nos deram uma primeira imagem (ainda - - - - · "La Forme de Tôkyô: parler du paisage, c'ést le
que talvez eurocêntrica) de nós mesmos, em nosso espaço. de São Paulo). Cf.Almeida, F.F.A.- Fundamentos Geológicos do faire" in Ligeia n 19-20, Paris, octobre 1996 juin 1997
Relevo Paulista, Instituto Geográfico e Geológico do Estado de 38- Esta bacia será objeto de estudo da dissertação de
São Paulo. Vol. 41, 1964, pp.168 mestrado de Adriano Estevam.
14- Cf. Béguin, op.cit
_ _ _ _ , "À f Origine du Paisage" in Les Camets du Paysage PRADO Jr., Caio A cidade de São Paulo: geografia e história, São RIBEIRÃO PRETO: OS VALORES NATURAIS
n°.T, printemps 1998, Arlesl Tolouse, Actes Sud I École Nationa- Paulo: Brasíliense, 1983
!e Supérieure du Paysage E CULTURAIS DE SUAS PAISAGENS URBANAS
ROUGERIE, G. & BEROUTCHACHVILI, N. Géosystemes et
CUSTÓDIO, Vanderlí A persistência das inundações na Grande Paysages: bilans et méthodes Paris: Armand Colín, 1991 Alessandra Soares Ghilardi,
São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH IUSPIDG, SãoPaulo, Cristiane Rose de Siqueira Duarte
200I SEABRA, Odette Carvalho de Lima Os meandros dos rios nos
meandros do poder: Tietê e Pinheiros, valorização dos rios e das "( .. .)As águas risonhas, os riachos irônicos, as cascatas ruidosamente
LEFEBVRE H., La Production de L' Espace 3 éd. Paris: Antrhpos, várzeas na cidade de São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH 1 alegres encontram-se nas mais variadas paisagens literárias.
1986 USPIDG, São Paulo, 1987 Esses rios, esses chilreios são, ao que parece, a linguagem pueril da natureza"
(Bachelard, 1998:;5)
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orie des représentations Tournai, Castermasn, 1980 do desenho de paisagens fluviais no Japão) Tsukuba, PWRIJ
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cadas por autores de disciplinas variadas, tem
MARTINS, José de Souza O cativeiro da Terra, São Paulo: Li- sido abordada de forma cada vez mais integral.
vraria Editora Ciências Humanas, 1979 Os processos naturais e sociais de um determi-
nado lugar estão sendo pensados de forma con-
MATTES, Delmar O espaço das água.\· as várzeas de inundação junta, resultando numa visão mais ecológica da
na cidade de São Paulo, Dissertação de Mestrado, FAUUSP, paisagem urbana. Além disso, o espaço da cidade
2001 passa a ser estudado através da experiência huma-
na, ressaltando os valores e significados que cada
NAKAMURA, Y. Fúkeigaku Nyumon (Introdução ao Estudo da grupo de pessoas tem com o espaço e a natureza.
Paisagem), Tóquio, Chúô Koronsha, 1994 Esta visão permitiu o reconhecimento dos rios
urbanos como paisagens culturais (Hough r995,
NUNES, Mônica Balestrin A configuração espacial da várzea do Penning -Rowsel & Burgess, 1997).
rio Tietê: a região da Água Branca e as áreas municipais, disserta- Com o intuito de compreender a dinâmica das
ção de mestrado, FAUUSP, 2004 paisagens ribeiras urbanas, buscamos revelar a
importância dos valores ambientais, estéticos, so-
OSEKI J. H., "La Fluvialité des Fleuves Urbains" in OSTRO- ciais e culturais existentes nos seus espaços livres
WESTSKY, Sylvia ed. Lugares, d' un Continent l' Autre ...percep- públicos. Tais valores vêm sendo descartados pelas
tion et production des espaces publics, 'Paris: Harmattan, , 2001 ações das administrações públicas, principalmen-
te quando os espaços livres envolvem os peque-
_ _ _ _ , "A ftuvialídade no rio Pinheiros: um projeto de nos rios. O ribeirão Preto, como exemplo de um
estudd', in Pós 8, dez 2000 processo de degradação gerado principalmente a
partir do descaso do poder público com o sistema
_ _ _ _ , "O único e o homogêneo na produção do espaço" natural, foi o nosso estudo de caso. Cientes de sua
in MARTINS, José de Souza, org. Henri Lefebvre e o Retomo à grande importância para o patrimônio histórico e
Dialética- São Paulo: Hucitec, 1996 paisagístico da cidade que leva seu nome- Ribei- Figura 01 - O ribeirão Preto canalizado na Baixada do Centro da ci-
rão Preto (Fig. or) -procuramos compreender a dade, Av. Jerônimo Gonçalves, 1997, Foto Alessandra S. Ghilardi.
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dinâmica de suas paisagens, tanto pela influência tentes ao longo da área de estudo. Os resultados \
das ações públicas ao longo da evolução histórica do trabalho reforçaram nossa convicção de que 0 \
da cidade como pela experiência cotidiana atual da ribeirão Preto é mais do que um canal de água po-
população ribeirinha. luída, e possui, além do valor histórico, presença
Este capítulo apresenta alguns resultados de fundamental na paisagem da cidade, sendo poten-
uma pesquisa que se baseou na utilização de mé- cialmente capaz de produzir a interação adequada
todos quantitativos e qualitativos (Zeizel, 1984; en- entre o meio natural, o meio (social) urbano e as
tre outros), estruturados a partir de duas etapas: o pessoas, como já foi demonstrado em inúmeras
levantamento de documentos históricos e material outras paisagens ribeiras urbanas.
iconográfico, e a pesquisa de campo. A primeira Autores de diversas disciplinas vêm estudando
etapa buscou, além da literatura existente, regis- a presença da paisagem natural nas cidades não só
tros documentais primários, plantas cadastrais, do ponto de vista ecológico, mas principalmente
planos diretores, projetos e fotografias (atuais e an- através da experiência humana com estes espaços.
tigas), ou seja, todo material que elucidasse prin- Lynch (1978) já comentava que a importância so-
cipalmente as diversas ações do poder público que cial de um espaço traduz o "sentido do lugar", pois
influenciaram a estruturação urbana da área de considera os valores e experiências adquiridas pe-
estudo, conseqüentemente o uso e a apropriação las pessoas, ou seja, além das qualidades físicas de
do ribeirão Preto e seu entorno. Na segunda etapa um ambiente, considera os significados derivados
metodológica, a pesquisa de campo, estudamos o do processo cultural. No entanto, o autor obser-
comportamento dos usuários ribeirinhos atuais e va que muitos profissionais ainda pensam maisc
buscamos compreender as relações que estes man- nos aspectos físicos dos lugares e esquecem que
têm com os espaços do entorno do ribeirão, nossa uma das principais características do ambiente a
área de estudo, através de questionários', entrevis- ser construído é a qualidade de interação entre as
tas2 e observação de uso e comportamento 3• pessoas e o lugar. Veremos adiante que esta obser-
A metodologia que está na base do presente tra- vação se confirma nas ações públicas que envolve-
balho nos permitiu compreender melhor a relação ram a evolução urbana do ribeirão Preto.
riojcidade, tanto nos aspectos físicos e paisagísti- Cada vez mais os projetos de intervenção am-
cos, como na questão social e cultural dos habi- biental estão procurando unir a especificidade de
tantes em relação à área proposta para o estudo. cada lugar às relações entre seus elementos cons-
Vimos que, apesar de o ribeirão passar pelo centro truídos, naturais e culturais. Estudar a cidade na
histórico da cidade (Fig. oz), alvo de diversas revi- perspectiva dos usuários representou o reconhe-
talizações, não existe nenhuma intervenção efeti- cimento de que cada indivíduo tem uma diferente
va que proponha a integração e a valorização deste percepção da natureza e da paisagem, o reconhe-
elemento da natureza com a estrutura urbana e cimento das questões culturais nos diversos cam-
cultural da cidade. Este estudo se propõe a contri- pos que trabalham com a paisagem. Estudar a pai-
buir para o preenchimento desta lacuna. sagem como um meio da interação direta entre as
Deste modo, com o intuito de compreender o pessoas de um grupo social e o espaço é reconhe-
papel social que os rios urbanos vêm exercendo cê-la como Paisagem Cultural, que Groth (199Tor)
ao longo do processo evolutivo das cidades, vamos define como a paisagem onde as pessoas "estabcle· Figura 02 - Bacia hidrográfica do ribeirão Preto ressaltando
analisar as formas pelas quais a presença do ribei- cem suas identidades, articulam suas relações sociais, o município com o anel viário que contém a malha urbana, e a
rão Preto tem sido conduzida nas administrações e obtêm os significados culturais". área de estudo demarcada.
públicas ao longo do tempo, bem como identifi- Trazendo estas questões para as relações enc Base: Mapa Hidrográfico do Município de Ribeirão Preto. Fon-
car os significados e valores atribuídos ao ribeirão tre rios, cidades e população, Penning-Rowsel & te: Plano Diretor de Macro drenagem do Município de Ribeirão
pela população atual dos diferentes lugares exis- Burgess (1997) verificaram que os rios possuem Preto, mar/2002.
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resolveu os problemas de inundação que natural-
mente já existiam. E as questões de salubridade
com relação às áreas ribeiras, verificadas no Có-
digo de Posturas de 1889, apenas alertavam so-
e
e
se
dos
banhos
bons costumes, ressaltada na questão dos
nos rios: "É prohibido tomar banhos nos rios
carregas
estar
da cidade e povoações do município sem
vestido de modo a não offinder o pudor'.z.
bairros operários ao longo dos vales, por onde pas-
sam as ferrovias, devido à facilidade da presença
de água corrente e transporte para a instalação de
grandes estabelecimentos industriais.
nas áreas periféricas. Deste modo, a elite distan-
ciou-se das chácaras ribeirinhas, dos córregos e
das habitações populares em bairros onde o cal-
çamento, a água encanada e a captação de esgoto
bre a existência de chiqueiros nas proximidades Acreditamos, portanto, que o banho nos rios fosse Verificamos, finalmente, que a Estrada de Ferro eram praticamente inexistentes. Somente na dé-
li
I
dos ribeirões: "É prohibido fazer-se chiqueiros nos uma prática comum, visto que o novo código de
leitos dos córregos ou ribeirões, de modo a perturbar posturas impôs regras para ele.
o livre curso e asseio da água, quando haja morado- A vinda de imigrantes a Ribeirão Preto foi in-
da Mogiana, em Ribeirão Preto, não só permitiu
que a malha urbana ultrapassasse o limite imposto
pelo ribeirão, como impulsionou o crescimento da
cada de 20 é que os lotes rurais efetivamente re-
ceberam melhoramentos, como galerias de águas
pluviais e esgotos, guias e calçamento, mudando
I res águas "abaixo. "6 centivada pela criação do Núcleo Colonial Senador cidade ao longo dele. Seus trilhos implantados
paralelamente ao rio chamaram a atenção para os
o modo de vida da população periférica. Contudo,
a cidade nesta época possuía todas as galerias de
l, As discussões no poder público até a década Antônio Prado, em 1887. Sua grande contn
de 1890, de acordo com os relatórios da prefei- foi a expansão urbana do município ao longo da terrenos marginais de custo inferior em relação esgoto conectadas e desaguando no ribeirão Preto
tura neste período, estavam relacionadas prin- várzea do ribeirão. A divisão do Núcleo em sede e ao centro urbano, possibilitando a instalação e seus afluentes. As decorrentes péssimas condi-
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destas paisagens, e pudemos ressaltar os valores e Ecológico, as praças e rotatórias, que se encon-
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significados atribuídos ao rio pela população, que tram em sua maioria na Baixada do Centro. No
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utilização de suas águas e seu entorno no futuro. inapropriados para a cultura local, encobrindo,
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Além disso, observamos, na evolução urbana do conseqüentemente, a possibilidade de apropria-
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'O públicos de implantação dos parques lineares, lugar. As praças, que antes eram os jardins da Es-
embora jamais tenham sido concretizados. O tação da Mogiana, hoje perderam a sua finalidade
lazer, muito mais que inerente às margens e às e a conseqüente apropriação dos usuários; o pátio
águas do rio, é uma necessidade requerida pelos de manobras, que hoje forma o parque ecológico,
usuários ao longo de toda a área de estudo. O va- não é usado, pois não existe nenhum elemento de
estrutura física não contempla a escala humana lor recreacional, bem como o estético, jamais pode atração para a cidade e a maioria dos usuários que
clusivamente por terrenos particulares, não existe ser excluído de qualquer uso ou tratamento dado estão no seu entorno imediato apenas trabalha no
afetando "a natureza da vida pública". Constatamos
acesso público às suas margens, estando o ribeirão a um rio (Manning 1997), principalmente se este local. A rotatória, ponto antigo dos circos e local
que o isolamento do entorno do rio pelas avenidas
escondido do habitante comut :1. Neste lugar, o ri- for um rio urbano. Mais do que isto, as margens para jogar bola, foi urbanizada com um jardim e
impedem a criação de experiências sensoriais que
beirão faz duas curvas acentuadas, definidas pelo do ribeirão Preto, como um espaço livre público, perdeu seu valor de uso para os usuários. Desig-
contribuiriam para maior sentimento de afeto e
processo de urbanização, perdendo a principal ca- devem ser reconhecidas como espaços comunitá- ners que seguem um conceito abstrato ou um esti-
permitiriam o estabelecimento de processos de
racterística de um curso d'água: a fluidez contínua, rios, possíveis para a recreação e relaxamento. Tais lo formal particular podem criar ambientes hostis,
principalmente no seu caráter visual. Apesar do rio moldagem do lugar (Duarte 1993).
O ribeirão Preto, deste modo, atravessa a cidade valores foram reconhecidos pelos usuários de toda sem nenhuma proposta social: "quando projetos
permanecer oculto dos olhos do habitante comum, área de estudo: não estabelecem um entendimento social, eles podem
construindo múltiplas paisagens que se forma·
consideramos a importância deste lugar pelo fato ceder nas certezas relativas da geometria, na preftrên-
ram ao longo da sua evolução urbana. Conside-
de ser um grande espaço livre às margens do ribei- O rio serve para isto mesmo, você ter um lugar cia das vagas aparências de uso e significado" (Carr et
rando estas paisagens juntamente com as diferen·
rão que mantém suas características de um espaço para sentar, conversar com alguém, pescar, tomar ba- al, 1995:r8).
tes percepções e comportamentos dos usuários
natural, diferenciando-o da cidade que o engloba. nho. Acho importante sim, uma cidade seca é muito Contudo, dos usuários que freqüentam estas
atuais que delas usufruem, foi possível ressaltar
Já a Via Norte compreende a paisagem de maior ruim. Ribeirão é muito seco, e o único rio que nós áreas de lazer, 62% o fazem para caminhar, le-
os valores e significados comuns que permeiam
extensão e largura da área de estudo. No entanto, temos é sujo ... var crianças para brincar, conversar, andar de bi-
todo o percurso do rio, fortificando-o como urna
é o lugar de menor fluxo e presença de pessoas (moradora.- maioj2003, Vila Guiomar) cicleta, passear e fazer piquenique. Além disso,
identidade única para os usuários ribeiros e co-
(excluindo-se a paisagem anteriormente descrita, independentemente de conhecer ou não áreas
nectando-o na similaridade de outros rios urbanos
onde não existe acesso ao público). Esta paisagem A maioria das pessoas (72%) não reconheceu de lazer ao longo do ribeirão Preto, a maioria das .
já estudados na literatura. Como observamos em
do ribeirão Preto é caracterizada pelas avenidas ~ . .~u""'-'HJld
área de lazer existente ao longo do ribei- pessoas que responderam ao questionário (59%)
diversos estudos, os espaços públicos urbanos, de
expressas (ver fig.o5). Mesmo tendo áreas livres
forma geral, não podem simplesmente respo~der Preto, bem como suas margens, propriamen- praticam alguma atividade de lazer fora de casa,
próximas às suas águas, o desenho urbano deste quase não foram percebidas como área verde sendo a principal atividade jogar bola, seguida por
a questões formais estéticas, ou mesmo amb1en·
lugar não colabora para uma maior apropriação existente. As poucas pessoas que reconheceram passear, pescar, nadar, correr, conversar e andar
humana. Este local não apresenta o que Carr et al tais; eles devem estabelecer um
social e promover o bem-estar das pessoas. áreas que formalmente foram concebidas de bicicleta. Deste modo, com tantas atividades
(199s:3o) apontam como caráter fundamental do o lazer como os clubes particulares, o Parque de lazer exercidas ao ar livre e em grupo, pode-
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da é usado para a pesca, para elas esta é uma ativi- nar uma grande área de lazer. Acreditamos que a
dade do passado. A canalização dos rios urbanos, necessidade de áreas para o lazer nestes lugares é
além de tirar a vitalidade possível de suas margens, bastante relevante porque a maioria das pessoas
Figura OB - A grande maioria dos usuários reconheceu como áreas de lazer ao longo do ribeirão Preto apenas aquelas já concebidas tira muitas vezes a capacidade das pessoas de idea- (6o%) que usam seus espaços livres é residente,
para isto, existente principalmente na Baixada do Centro. No entanto, poucos dos que reconheceram utilizam tais espaços para o lazer.
lizarem uma área de lazer no seu entorno. à exceção da Vila Guiomar que extrapola a média,
Base: planta cadastral de Ribeirão Preto. Fonte: Secretaria de Planejamento e Gestão Ambiental- Cadastro Técnico de Obras.
Mesmo não vislumbrando a recreação direta com 83% dos usuários. As principais inquietações
com o ribeirão, várias outras formas de lazer emer- dos usuários são a falta de áreas recreativas como
giram para os espaços públicos que ainda existem quadras de futebol e vôlei, praças para passear e
no seu trecho canalizado. O espaço público deve descansar, e uma melhor infra-estrutura no entor-
também improvisar atrações e performance que no do rio com bancos e possibilidade de acessá-lo
para lazer citadas foram a pesca e o banho, segui- contemple um dos aspectos que Carr et al (1995) facilmente para tomar banho, pescar ou simples-
mos destacar que os espaços livres públicos têm
das pela contemplação da paisagem ribeira. definiram como sendo uma das necessidades dos mente usufruir de uma área arborizada e florida
um papel importante na vida social da população,
usuários, o contato passivo, a possibilidade das pes- com pequenos animais às margens do rio.
criando oportunidades de convívio em conjunto.
Poderia ter um lugar, por exemplo, para ler um soas participarem de um espaço público apenas
O ribeirão Preto, como um espaço livre, também
livro, (. .. ). Pode estar de baixo da tua árvore num assistindo. Aspecto que também improvisa a ima- Se ele fosse tratado poderia chegar mais perto,
pode ampliar o valor social que já vem cumprindo,
banco confortável se sentindo seguro, porque você vai gem pública de áreas centrais da cidade. colocar uns bancos embaixo das árvores e poderia
através de um maior incentivo ao lazer (Fig. o8).
estar despreocupado, lendo um livro, né? Seria bom As áreas de lazer não são somente uma pos- passar umas horas observando o rio.
Os próprios usuários comentaram que estes
né, ouvindo a sua música, vendo uma paisagem sibilidade de criar espaços sociais às margens (usuário- fevj2003, Via Norte)
espaços deveriam ser promovidos para realmente
bonita. (. .. ) do ribeirão Preto possibilitando meios para a sua
serem utilizados como forma de lazer. Nas análi-
(empresário- maioj2003- Baixada do Centro) apropriação; são também a principal necessidade O rio serve para muitas coisas, ( ... ) se a água fosse
ses dos questionários e entrevistas, s8% dos usuá-
requerida pelos usuários de toda a área de estudo. limpa ... daria peixe... é uma recreação para as pesso-
rios visualizaram a possibilidade de um dia virem
Ao contrário da maioria dos usuários da área de A natureza existente na Vila Guiomar (ver fig.o9), as pescarem, tomarem banho, então, era um canto a
a utilizar os espaços ribeiros de alguma forma. A
estudo que vislumbraram a possibilidade de vir a a proximidade das pessoas com o rio na Baixada mais de recreação em Ribeirão Preto.
possibilidade de utilizar o ribeirão como recreação,
usar as águas do ribeirão, os usuários da Baixada da Vila Virgínia (ver fig.o7), as seringueiras em- (usuário- maioj2003, Baixada do Centro)
presente nos lugares por onde ele passa na cida-
do Centro, onde o ribeirão encontra-se num canal belezando o seu curso na Baixada do Centro (ver
de, aponta para a potencialidade de criar áreas de
de pedras, pouco manifestaram o desejo de usá-las fig.w) e o grande espaço livre existente às suas Com estes depoimentos, percebemos que os
lazer nos espaços públicos ao longo de seu curso.
de alguma forma, pois a maioria não visualizou a margens na Via Norte (ver fig.o5) torna evidente, usuários gostariam que toda a margem do ribeirão
O valor de lazer das áreas livres que cercam o ri-
possibilidade dela vir a ser limpa algum dia. Além na percepção dos usuários, a possibilidade de todo fosse trabalhada com vistas a se tornar um lugar
beirão Preto é acentuado ao se imaginar suas águas
disso, as pessoas nem sequer sabem que o rio aín- o espaço livre que envolve o ribeirão vir a se tor- aprazível de passeio e recreação, principalmente
limpas. As principais formas de utilização do rio
com árvores e infra-estrutura para utilização do presente em 84% dos depoimentos. Após tratar Tudo tem importância. Vivemos em um monte de A presença do corredor biológico nos centros
rio. A presença de elementos da natureza tem do ribeirão como valor de lazer, percebemos que pedras, a única coisa que tem de natural é o rio e um urbanos, além de trazer os sentimentos de tran-
especial significado para as pessoas. Em áreas ele está intimamente associado ao seu intrínseco pouco de mato com terra em volta. qüilidade e sossego dos lugares bucólicos como o
urbanas, elementos como água, árvores e verde valor ecológico. Mais do que o lazer recreativo, (usuário- fevj2003, Via Expressa Norte) campo, acentua a afetividade com o espaço ribei-
em geral são valorizados por pessoas que usam o rio apresenta a possibilidade de um lazer ro. A importância do ribeirão Preto e dos diversos
os espaços livres, fato que se reflete na utilização contemplativo e bastante aprazível através da Diante disso, o rio torna-se o protagonista desta elementos que identificam a presença da natureza
destes elementos nos diversos projetos de espaços fruição dos elementos naturais presentes numa paisagem natural esteticamente bonita e valiosa- na área de estudo é sempre retratada pela afeição
paisagem ribeira, obrigando a paisagem urbana, mente ecológica nos centros urbanos, ressaltada ao lugar. Nas áreas onde o ribeirão Preto se apre-
urbanos atuais (Carr et al 1995).
Seja como for, a importância do ribeirão Preto geralmente fechada, a se abrir e a respirar uma pela própria questão vital que a sua água propor- senta fisicamente de forma mais natural, onde ele
para os usuários de toda a área de estudo está paisagem natural. ciona aos outros elementos da natureza, à cidade e não está canalizado entre dois paredões é inevitá-
às próprias pessoas. A importância da água como vel a citação da palavra natureza ou dos elementos
elemento essencial à vida, possibilitando a ameni- que pertencem a ela como a 'água', o 'ar', o 'tempo
zação do clima quente da cidade, juntamente com fresco', e as 'árvores', para descrever os motivos que
a presença de áreas verdes existentes no seu entor- levam o apreço ao lugar. Animais são freqüente-
Figura 1o_ As seringueiras plantadas ao longo do ribeirão Preto no seu trecho canalizado (Baixada do Centro] ainda recriam no, foi pronunciada por vários usuários: mente lembrados no entorno do ribeirão: flamin-
um ambiente bucólico de beleza natural citado por vários usuários da área de estudo. Foto de Alessandra S. Ghilardi. gos, capivaras, cágados e garças.
Não sei se o ar aqui é tão bom, fresco, por causa da Mesmo com o valor biológico do ribeirão Preto
arborização ou (. ..) pelo o rio passar aí, uma corrente ressaltado na pesquisa empírica, ele está encober-
de água pode ajudar a refrescar (... ) Se você mora nas to por diversas ações degradantes, como a presen-
imediações ... é pegar um filho à tardinha, no domin- ça de lixo e esgoto no seu leito, como verificamos
go, levar para ele ver a água correr(. ..). Eu acho que anteriormente. Estas ações têm levado os usuários
tudo isto é importante para a cidade. a uma certa rejeição à presença do ribeirão, trans-
(usuário- maioj2003- Cerâmica São Luiz) formando-o muitas vezes numa paisagem com
um caráter residual (Costa 2002). Deste modo,
Os rios nos centros urbanos, segundo Costa, criar áreas de lazer recreativas e contemplativas
(2002:sjp) "... são verdadeiros corredores biológicos ao longo do ribeirão Preto, gerando uma paisagem
por onde a natureza chega e pulsa no tecido urba- natural linear atravessando a área urbana, estaria
no". O entorno do ribeirão Preto, não estando mais contribuindo para melhorar as condições do uso e
degradado e suas águas não mais poluídas, pos- apropriação já recorrente em diversos espaços às
sibilitaria o desenvolvimento de uma diversidade suas margens, mas principalmente estaria criando
de vegetação e o conseqüente fornecimento de oportunidades de prover uma melhor qualidade
um habitat natural para pequenos animais, além de vida aos diferentes grupos de usuários localiza-
dos peixes presentes no rio. O desenvolvimento dos às suas margens, bem como para a população
da fauna e da flora ao longo da cidade emergiu da cidade inteira.
nos depoimentos de praticamente todos os usu- O lazer em um ambiente natural, além de pro-
ários entrevistados no entorno do ribeirão Preto, porcionar bem-estar às pessoas, é uma maneira de
reforçando o valor ecológico da sua presença na socialização dos habitantes de uma comunidade,
cidade: pois muitas das atividades de recreação e de espor- _
te, que podem ser promovidas neste espaço, são
(... ) o pessoal joga coisa, contrariando a natureza, desenvolvidas em grupo. Os parques lineares pro-
contrariando os animais (... ).Já imaginou esse rio movem a criação de espaços mais democráticos,
com a água limpinha, mais animais teríamos recebi- devido à possibilidade de diversificação dos usos,
do, não só garças, como outros animais silvestres. bem como conectam diversos bairros e áreas livres
(usuário- maioj2003, Baixada da Vila Virgínia). existentes ao longo de seu trajeto, distribuindo me-
ocorram no Município, de acordo com o código florestal. Landscapes: Changing the concrete overcoat? " In Landscape de 31 de outubro de 1995. Fonte: Departamento de Urbanismo
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-Via Expressa de Fundo de Vale- destinada a alta velocidade cafteira de 1870 a 1930. Dissertação de Mestrado, Departamento VICARI, José V. Contribuição para o Plano Diretor da cidade
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INTRODUÇÃO
O enfoque deste trabalho é a formação históri- história, que a inter-relação de ambos não ocorre
ca de um recorte da paisagem do rio Capibaribe, apenas, segundo Chacon (1959:9), como "uma
situado na cidade do Recife. Nosso olhar se de- unidade geográfica, histórica, econômica e sociológi-
bruçará sobre uma paisagem cultural, pois ela foi ca, mas também sentimental e poética".
apropriada e transformada pela ação do homem, As transformações decorrentes da ação do ho-
expressando diferentes valores culturais. Para en- mem sobre esse elemento natural e suas margens,
tender o processo da formação desta paisagem, num processo de construção social ao longo da
foram interpretadas as formas como alguns gru- história, resultaram nas paisagens atuais repletas
pos culturais se apropriaram das margens do rio de diversas camadas de significados. Para enten-
Capibaribe na cidade do Recife e confeccionaram dermos as paisagens originadas desse processo
as suas paisagens, e como esses grupos represen- histórico, é necessário situá-las dentro do seu con-
taram/representam essas paisagens e os significa- texto natural, social e cultural, assim como na sua
dos que o rio teve ou tem para eles. Este trabalho ancestralidade (Baker 1992:2). Durante todo esse
visa contribuir para a reflexão sobre a necessidade processo, tais paisagens inspiraram as mais diver-
de requalificar as águas do rio Capibaribe e revita- sas representações, revelando a multiplicidade de
lizar as suas margens, pois só assim esse bem úni- significados que delas emanam. É nesse contexto
co, representado como o símbolo que identifica a que, através das representações retratadas em ma-
cidade do Recife, poderá voltar a ser usufruído pe- pas, crônicas, poesias, romances, relatos de viajan-
los habitantes desta cidade e pelos turistas como tes, litografias, fotografias e pinturas, poderemos
lazer ativo e contemplativo. detectar os significados que tiveram, ao longo de_
O processo de formação das paisagens do rio diferentes períodos históricos, as paisagens do rio
Capibaribe, na cidade do Recife, teve início com a Capibaribe na cidade do Recife, tanto para os que
fundação desta cidade no período colonial, no sé- a construíram, vivenciaram e usufruíram, como
culo XVI, pois esse rio (mapa I) contribuiu como para os viajantes que as contemplaram, admira-
elemento marcante na sua construção e estrutu- ram e exploraram.
ração, estando tão intimamente vinculado à sua
SÉcuLOs XVI A XVIII - FoRMAÇÃO DAS (Castro sjd:34), que se alongava das encostas de
PAISAGENS DO RIO CAPIBARIBE SEGUNDO A Olínda, paralelamente aos arrecifes. Eis como re-
"MANEIRA DE VER" Dos CoLONIZADORES presentou Carlos Pena, no seu poema "O Início",l
a ocupação do "Povo" pelo colonizador português:
II' As primeiras paisagens observadas pelos por-
tugueses, que aportaram no sítio do Recife no sé- "No ponto onde o mar se extingue
culo XVI, ou seja, as paisagens gravadas no olhar e as areias se levantam
! daqueles que a reinventaram na sua representa- cavaram seus alicerces
I ção (Oramas 1999:218), olhar nada ingênuo do na surda sombra da terra
I I
'I
Beberibe e "Tejipió" (Lins 1982:101).
Esta paisagem, com características fisiográficas
únicas, contendo componentes de caráter for-
No entanto, além das questões fisiográficas,
contribuiu para a formação desse povoado, entre
temente aquoso, era o que caracterizava o sítio que outros fatores, o cultural, que influenciou sua es-
daria origem à cidade do Recife Como observou colha, fundação e desenvolvimento pelos coloni-
Oliveira (1942:38), "no Reci:fo, o que não é água,Joi zadores. Nesse sentido é que devemos entender
água, ou lembra a água, sendo essa a razão porque a a "maneira de ver" do colonizador português, que,
crismaram de 'cidade anjfbia"'. (. .. ) "Por toda a parte, ao chegar a esse sítio, escolheu a colina de Marim,
revivem as lembranças que as águas desaparecidas que depois passou a se chamar Olinda, como sede
deixaram". do seu domínio. Esta escolha foi feita por um povo
Entre esses elementos fisiográficos aquosos, que, vindo de um país montanhoso, preferiu ocu-
formados pelos rios, o mais evidente, na planície par as colinas, dominando do alto as planícies e as
do Recife, é o rio Capibaribe (Oliveira 1942:43). águas. Isso ocorreu tanto como estratégia de de-
Esse rio tem suas nascentes nas lagoas do Araçá, fesa, já utilizada na Idade Média, como pelo fator
das Estacas e do Angu, na Serra do Jacarará, e ao cultural, pois, para esse colonizador, apesar da pla-
descer a serra, vai percorrendo, através dos seus nície apresentar várzeas fecundas, com água em
meandros, os 253 quilômetros que o separam da abundância e vegetação frondosa, ela era encharca-
sua foz, no litoral do Recife. Nesse percurso, ele Ja e, assim, pouco propícia a um assentamento ur-
vai refletindo uma grande diversidade de paisa- bano por não parecer saudável (Castro sjd:6o-61).
gens, através dos 44 municípios que atravessa e, Como em Olinda não havia um ancoradouro
na cidade do Recife, ele se divide em dois braços: tão seguro quanto aquele que ficava a uma lé-
um que vai para o sul e toma o nome de braço gua de distância, localizado no "Reci:fo de Areia",
......... Limite do município do Recife
Limite de bairros
morto do Capibaribe, e outro que segue para o foi escolhido como porto o "Povo". Assim surgiu
~ Principais vias norte, continuando com o mesmo nome. Antes o povoado do Recife, inicialmente em forma de_
Aeroporto de desaguar no mar, suas águas abraçam ilhas e porto. Este porto, que tinha capacidade para abri-
..+ Aeroclube coroas que ele ajudou a formar. gar embarcações de grande porte, era de grande
:f!P. Terminal Integrado de Passageiros Esse conjunto de elementos fisiográficos contri- importância, pois tinha como principal atividade a
* Farol
buiu para a fundação do "Reci:fo de Areia", primeiro
povoado localizado na extremidade sul do istmo
exportação de açúcar, produto de grande valor no
mercado europeu e que constituía, naquele perío-
Porto
de areia, "mistura ainda incerta de terra e de água" do, a maior riqueza da colônia.
Mapa 1: Bacias Hidrográficas do Recife. Fonte: Atlas Ambiental do Recife, 2000, P· 52
Para dar suporte às atividades portuárias, se- muito restritos. 6 O mapeamento não se restrin- Os rios tiveram um papel fundamental para a no abastecimento d'água para o seu consumo, o
ria necessária a construção de algumas instala- ge apenas a registrar graficamente um terreno produção do açúcar, pois eram responsáveis pela qual "os nobres de Olinda deviam atravessar pisando
ções. Inicialmente, o "Povo", localizado no istmo mas, como "produto cultural", representa també~ fertilidade dos solos de aluvião onde se implan- em ponta de pé, receando os alagados e os mangues"
I~
j
de areia, atualmente uma ilha, possuía a "largura
do istmo, variável entre 30 e 6o passos" (Cavalcanti
o ato de trilhar, perscrutar e experienciar (Lima
2ooo:29). Assim, a interpretação desses "códigos
taram os engenhos, forneciam suas águas para
rnoer a cana, abasteciam os engenhos e eram utili-
(Mello 1987=35).
Entretanto, o porto, considerado o mais impor-
I zados como via fluvial, para o transporte do açúcar tante da América portuguesa devido ao movimen-
1977=61), onde estavam instalados "alguns arma- simbólicos" informará o significado contido na pai-
zéns em que os mercadores agasalhavam os açucares sagem para aqueles que "a fizeram, a alteraram, ao porto, onde seria comercializado e exportado.7 to de exportação de carga tão valiosa como o açú-
e outras mercadorias", algumas casas para abrigar (e) a mantiveram( ... ) (Cosgrove 1998:ro9). O porto, os rios e os engenhos foram fatores deter- car, despertou o interesse dos Países Baixos, que,
"alguns pescadores e oficiais da ribeira", 4 e posterior- A fundação do porto e seu desenvolvimento minantes na formação e estruturação da cidade do com o financiamento e o apoio de embarcações da
mente foi construída uma ermida dedicada a São como atividade econômica só foram possíveis em Recife, pois representavam o suporte para as ativi- Companhia das Índias Ocidentais, uma empresa
Frei Bento Gonçalves, também chamada pelos virtude da produção de açúcar pelos engenhos dades econômicas, baseadas na exploração agríco- tipicamente mercantilista, criada em 1621, invadi-
portugueses de Santelmo. estabelecidos nas várzeas dos rios: "na várzea do la, assim como contribuíram para a formação da ram-no em 1630. A paisagem que se apresentava
d
I O povoado do Recife foi documentado pelos
portugueses, em 1631, através do mapa de J. Tei-
xeira Albernaz 5 (mapa 2), embora os registros ico-
baixo Capibaribe e do baixo Beberibe, na planície do
Recife, possuidora de excelentes solos de cana e situ-
ada à pequena distância do nódulo da colonização"
sociedade existente naquele período.
O povoamento do Recife foi sendo feito ao lon-
go do século XVI e no início do século XVII, pro-
aos olhos dos holandeses que chegaram a Pernam-
buco era a vila de Olinda, o núcleo portuário, na
freguesia de S. Pedro Gonçalves, "as águas do delta,
·I nográficos do Recife e de Olinda, elaborados pelos (Melo 1978:49). longando-se da freguesia de São Pedro Gonçalves,
núcleo inicial, para a ilha em frente ao istmo, do
o verde dos manguezais, a vegetação nativa dos mor-
ros que circundavam a planície e, mais ao interior, os
portugueses nos séculos XVI e XVII, tenham sido
outro lado do rio, chamada de Antônio Vaz, onde engenhos de açúcar com os seus canaviais sa.frejando
foi fundado o convento de Santo Antônio. No en- no massapê das várzeas do Beberibe, do Jiquiá, do
tanto, esse povoamento também ocorreu no sen- Pirapama e do Capibaribe" (Silva 1992:12).
Mapa 2. Porto e Barra de Pernambuco, 1631. Fonte: MENEZES, J.L. (1999, p.88)
tido contrário, "igualmente importante - economi- Essas paisagens foram sendo socialmente cons-
camente importante - que vem do interior no sentido truídas, a partir de várias ações do colonizador por-
do porto.( ... ) àquele movimento que tinha por origem tuguês e dos nativos, que, de forma intencional,
os engenhos de açúcar, desde meados do século XVI foram transformando a natureza, tentando do-
estabelecidos à margem do rio Capibaribe" (Mello mesticá-la, visando satisfazer as necessidades ma-
1992:265-266). teriais e político-sociais desses grupos culturais.
Os engenhos situados na "Várzea do Capibari- O olhar do colonizador holandês que ocupou
be", na segunda metade do século XVI, já tinham a colônia de Pernambuco era diferente do olhar
tomado um grande impulso, tornando-se a princi- do colonizador português, por pertencerem a gru-
pal área produtora de açúcar, devido a certas van- pos culturais distintos, apesar de ambos terem
s -rr...l..f>·"· "''"r~· .
Posso. .L. f"':'"'., .l.AJ•~•;'~ ·
tagens, como: "uberdade do solo, abundancia d'água o mesmo interesse de observar, visando ocupar,
.fi.... I.<"( ..J t..l<-\.••""''""'-
~t,;;~~. para as moagens, e mattas para a extração de lenha controlar e explorar. Nesse sentido, a nova "manei-
e madeira" (Costa r9os:VII). Devido à existência ra de ver" do colonizador holandês influenciou na
desses engenhos, foram-se formando núcleos de preferência do núcleo do Recife como sede do seu
povoações em seus entornvs, constituídos por domínio. Isto ocorreu como resultado de fatores
uma numerosa população multicultural, consti- estratégico-militares e mercantis, pois, segundo
tuída por brancos e negros, senhores e escravos, os holandeses, a cidade de Olinda, devido à irre-
numa convivência, em geral, conflitante, baseada gularidade do seu sítio, só "poderia ser fortificada
na relação escravocrata. mediante grandes despesas e uma força militar muito-
Enquanto esses núcleos eram "centros de grande considerável (... ) mas o Recife, (... ) é considerado ca-
atividade, (... ) verdadeiras zonas de riqueza e pros- paz de ser traniformado num lugar inexpugnável"
peridade" (Costa 1944:129), o núcleo central em (Mello 1976:9).
- .. --~~· .------· _..//
r63o era um simples bairro portuário, com ruas Assim, instalando-se junto ao porto, também
IJPo~TqE~~.DE.PERNABVCO / / / estreitas e irregulares, dependente de Olinda até estariam em segurança seus navios e os carrega-
PA!SilC:HlS URBAI'iA~l
constituiu problema para um povo que dominava nais, ao "modo de Holanda" (Calado 1985). "Não
a técnica de construir em solos abaixo do nível do era bem uma Veneza ... ", como se referiria ao Recife
rnar. Assim, seguindo o projeto proposto pelo ar- o poeta Gonçalves Dias, no século XIX, em sua
quiteto Pieter Post, 9 o conde Maurício de Nassau "Dedicatória aos Pernambucanos""'o (. .. ) mas uma
mandou aterrar mangues e alagados, construir Amsterdam com seus palácios, seus fortes, suas ruas
diques e abrir canais, geometricamente traçados, beira-rio" (Cavalcanti I97TI52):
visando facilitar o fluxo fluvial, evitando, assim, as
inundações, de forma a "impor à água a marca da "Salve, terra formosa, oh Pernambuco,
vontade humana" (Castro sjd:r22). Aproveitando a Veneza Americana, transportada,
existência de um braço de rio que cortava a ilha boiando sobre as águas!
em toda a sua extensão, foi construído um largo Amigo gênio te formou na Europa,
canal, onde "entravam canoas, batéis e barcas para o gênio melhor te despertou sorrindo
serviço dos moradores" (Calado r985:rn). Posterior- à sombra dos coqueiros".
mente, foram construídas sobre os canais pontes
de madeira para a travessia dos pedestres, com Com relação à organização urbana, encontrava-
Figura 1: T'Recif de Pernambuco por Joannes de Laet. Povoação do Recife em 1635. Fonte: MELLO, J.A (1999 p.53) altura suficiente para o tráfego dos barcos, sendo se presente uma nova concepção de cidade, como
as habitações distribuídas às margens desses ca- podemos ver no mapa 3, apresentado por Johan
126
Nieuhof, em 1703, no qual consta um projeto de mas permanecendo nos arruamentos a ordenação dução açucareira, e foram vendendo as suas terras
criação da cidade Maurícia. Essa concepção tinha regular holandesa (Menezes 1988:63). (Mello 1992:195-196).
como base os preceitos que, desde o Renascimen- Nesse contexto, o Recife prosseguiu desenvol- Segundo Mello (1992:199), a expansão do Reci-
to, vinham orientando os urbanistas, tendo como vendo-se, e a sua paisagem já não era a daquele fe seguindo o curso dos rios também ocorreu em
diretriz o traçado racional e geométrico da cidade. povoado do início do século, antes da ocupação virtude de o transporte fluvial, principalmente a
Assim, a geometria da cidade formal e regular ho- holandesa, pois, mesmo com a transferência ofi- canoa, desde o século XVI fazer a comunicação en-
landesa prevaleceu, em oposição à irregularidade cial da capital para Olinda, que foi reedificada, os tre o Recife e Olinda, o Recife e a cidade Maurícia e
da cidade informal portuguesa, e com isso "( ... ) 0 portugueses continuaram a utilizar o Recife como o Recife e os engenhos da "Várzea do Capibaribe".
primeiro choque de culturas vem se dar na nova forma centro comercial e sede do governo. Com relação A canoa era utilizada para diversos tipos de trans-
de conceber o núcleo urbano" (Menezes 1999:89). à ocupação rural, os engenhos, com suas casas- porte: de pessoas, de água para beber e de material
Além do plano urbano, Nassau dedicou atenção grandes, senzalas, capelas e com seus núcleos de construção, tornando a comunicação entre os
aos edifícios monumentais, construindo dois pa- populacionais, formando um conjunto ligado pelo núcleos de povoações distantes e o centro urbano
lácios. Mais uma vez, a relação com a água, resul- rio, permaneceram marcando a paisagem. mais fácil e mais rápida. E ainda ressalta Freyre
tante da sua referência cultural, foi determinante Até o fim do séc. XVII, não foram ocupadas, na (1961:69), referindo-se às condições precárias das
na escolha da localização desses palácios. O palá- ilha de Antônio Vaz, as áreas de mangues e alaga- estradas de ligação com os subúrbios e a vantagem
cio de Friburgo ou das Torres (figura 2) moradia dos voltadas para o continente, a Boa Vista. No sé- do transporte de canoa pelos rios: "Preftria-se a sua
oficial de N assau, foi construído na porção norte culo XVIII, essas áreas foram aterradas, visando a água aos caminhos cheios de poeira e de lama por
da ilha de Antônio Vaz, em frente à foz do rio Ca- criação de novas quadras onde foram construídas onde nos tempos mais antigos os carros-de-boi se ar-
Figura 2: Palácio de Friburgum. Gravura em cobre pibaribe, representando um marco na paisagem, habitações, assim como foi sendo feita a ocupação rastavam aos solavancos de um engenho a outro e no
de 1647. Fonte: LAGO, B& P.l1999 p. 266) com as suas duas torres. Esse palácio teve como do continente, ao longo da via originada a partir da século XIX os cabriolés pulavam, as molas morrendo
influência arquitetônica o renascimento italiano. construção da ponte da Boa Vista construída pelos de raiva e de cansaço no fim da primeira légua".
O outro palácio, o da Boa Vista, (figura 3) residên- holandeses (Melo 1978:55). O crescimento da po- O século XVIII não teve a mesma riqueza de
cia de verão de Nassau, ficava situado do lado oeste voação da Boa Vista foi-se dando com a constru- informação iconográfica do século XVII, embora,
da cidade, também voltado para o rio Capibaribe. ção de casas esparsas ao longo do rio Capibaribe, através do relato de Loreto Couto, Iz um cronista
Tendo em vista o desenvolvimento da cidade como também de sítios, chácaras e pomares. da época, possamos verificar como era represen-
Maurícia, o conde Maurício de Nassau mandou Assim, as diretrizes no crescimento da cidade tada a paisagem do Recife naquele período: "O
construir uma ponte, ligando-a ao Recife, cen- foram seguindo as águas dos rios em direção aos caudaloso rio Capibaribe dilatando por este valle suas
tro comercial da colônia. Ao mesmo tempo, foi núcleos de povoações dos engenhos, ou seja, em cristalinas correntes, parece que compassivo de sua
construída a ponte da Boa Vista que ligava a ci- busca dos caminhos naturais das águas. Como sede quer sair a regalo. Occupa o centro deste ameno
dade Maurícia ao continente.n Assim, as pontes ressalta Castro (sjd:134), mais uma vez a presença valle, em que se achão já fundadas mil cento e trese
foram-se constituindo em marcos na paisagem das águas do mar e dos rios influenciava os ca- moradas de casa de pedra e cal, e muitas dellas de
do Recife, inspirando, ao longo da história, as minhos que direcionariam a expansão da cidade dous sobrados,feitas ao estilo moderno".
mais diversas representações, tornando-se oRe- do Recife, sobretudo os rios "( ... ) dirigindo a sua No início do século XVIII, em 1721, o Recife
cife e suas pontes o símbolo mais manifesto da localização, a sua evolução e a sua direção, enfim, a passou à categoria de Vila, contribuindo ainda
cidade. Conforme Freyre (1961:52), são elas que sua colonização urbana da paisagem". mais para o seu desenvolvimento. Assim, no final
fazem o Recife ter uma fisionomia única entre Nesse contexto é que alguns engenhos locali- do século XVIII, Recife possuía quase 2o.ooo ha-
as cidades brasileiras. zados na "Várzea do Capibaribe", numa extensão bitantes, que ocupavam tanto as partes mais eleva-
Os holandeses, ao se retirarem, devastaram que vai da Boa Vista até a Várzea, foram sendo das do núcleo do Recife e da ilha de Santo Antônio,
grande parte do tecido urbano da cidade Maurí- gradativamente retalhados em sítios e chácaras. evitando as inundações, como o continente, cujas
cia, que, mesmo assim, continuou a ser a princi· A maioria dos engenhos que passaram por essa áreas de manguezais, ao longo do rio Capibaribe,
pal cidade da colônia. A ilha de Antônio Vaz foi transformação no final desse século, estavam situ- foram sendo gradativamente aterradas para dar
reocupada pelos luso-brasileiros e reconstruída à ados na margem esquerda do rio Capibaribe. Isso lugar a habitações (Gomes 1997 96-97).
Figura 3: Palácio d Boa Vista. Gravura em cobre maneira portuguesa, com ruas estreitas e largas, foi ocorrendo porque os proprietários dos enge- Assim, a calha do rio foi-se estreitando, com
de 1647.Fonte: LAGO, B& P.l1999 p. 266) os canais aterrados e as fortificações destruídas, nhos foram-se endividando, devido à crise na pro- o aterro dos manguezais em ambas as margens,
uma ruptura progressiva entre o homem e esses vas monumentais, de acordo com as concepções sobreviver de biscates e ocupar áreas sem nenhu- dais dominantes perderam o interesse por deixar
elementos hídricos. de Haussman. ma infra-estrutura, localizadas, em sua maioria, sua marca nessas paisagens, de acordo com a sua
No final do século XIX, a cidade do Recife já O crescente adensamento populacional no Re- à beira dos manguezais. Assim, as áreas pobres "maneira de ver", elas passaram a ser esquecidas.
não tinha feições tão provincianas como no início cife faria com que a saúde pública se tornasse uma foram-se expandindo pela cidade e ocupando aos Enquanto no centro do Recife, as paisagens do rio
do século. Como ressalta Menezes (1978 b:26o), questão fundamental nas ações de modernização poucos as áreas alagáveis de mangues e de várzeas Capibaribe, cortado por pontes e com edifícios im-
"O século XIX será, na verdade, o grande século do dessa cidade, pois se encontrava em uma situação do "baixo curso do Capibaribe" (Melo 1978:29). Foi ponentes às suas margens, viraram cartão postal,
Recife. Veremos o seu crescimento, mas também crítica. Eram feitas denúncias nos jornais da épo- nesse contexto que a histórica "Várzea do Capiba- as paisagens nesse conjunto de bairros passaram
assistiremos o seu caminhar lento para a destruição ca, assim como diagnósticos sanitários, mostran- ribe" começou a ser compartilhada por pobres e a ser visíveis apenas para o observador que as vis-
que se processará nos seus últimos anos com as obras do os níveis de insalubridade que a cidade tinha ricos, e os contrastes entre os palacetes e os mo- lumbrava em suas margens ou que fazia o percur-
do porto". alcançado. Diante desse quadro, o poder público cambos passaram a constituir uma característica so pelo rio. Foi através desse percurso, retratado
As reformas urbanas visando a dar à cidade percebeu que a questão da higiene estava levan- das paisagens do rio Capibaribe nos subúrbios em sua memória, que João Cabral de Melo Neto
uma fisionomia "moderna", de acordo com os pre- do a cidade a uma situação de ingovernabilidade ali localizados. representou as paisagens do Capibaribe, no seu
ceitos urbanos adotados nessa época, foram im- e, assim, seria necessário que se buscassem so- Esses contrastes inspiraram crônicas, poesias e poema "O cão sem plumas". 26
plementadas de acordo com a "moda" européia. luções visando o enfrentamento do problema de artigos de jornal que, nesse século começaram a
Nesse contexto, essa "maneira de ver" buscou criar saúde pública. Essa causa passou a ser abraçada surgir, denunciando e lamentando a degradação "I I Paisagem do Capibaribe"
"novas paisagens" urbanas, centradas na abertura por médicos, higienistas, autoridades governa- das paisagens do rio Capibaribe. Para Josué de
de vias, prédios e monumentos. mentais e intelectuais (Rezende 199T44l· Castro (1992: 258), "O Recife, cidade dos rios, das '/l cidade é passada pelo rio
Com o intuito de solucionar essa questão, foram pontes e das antigas residências palacianas, é também como uma rua
formalizados Planos de Saneamento e Políticas a cidade dos mocambos -das choças, casebres de bar- passada por um cachorro;
sanitaristas conduzidos pelo paulista Saturnino ro batido a sopapo, com telhados de capim, de palha uma fruta por uma espada.
de Brito, que, em 1908, foi convidado a assumir de folhas de flandres (... )".
SÉC. XX- DEGRADAÇÃO DAS PAISAGENS a Repartição de Obras Públicas. A reforma de As paisagens do rio também se apresentavam Aquele rio
DO RIO CAPIBARIBE Brito, pautada no higienismo e no esteticismo, degradadas, como resultado da poluição causada era como um cão sem plumas.
apontou alguns problemas como prioritários pelas usinas, que jogavam as suas caldas, ou vi- Nada sabia da chuva azul,
As reformas urbanas que, desde o século XIX, na resolução da questão sanitária, entre eles o nhoto, no rio, causando um grande impacto no da fonte cor-de-rosa.
visavam dar à cidade ares de "modernidade", conti- dessecamento e a drenagem dos pântanos, pois, meio fluvial. O lançamento do vinhoto das desti- (. .. )
nuariam a ser viabilizadas no século XX. Segundo sob a perspectiva higienista, os pântanos e os larias, nos períodos em que o volume d'água dos Sabia dos caranguejos
Rezende (199T3I), "passados os tempos da colônia e manguezais eram considerados insalubres e focos rios era reduzido, causava grandes danos à fauna de lodo e ftrrugem.
do Império, consumada a abolição da escravatura e de miasmas. Nesse sentido, os pântanos foram ictiológica, tendo repercussões nas condições sa- Sabia da lama
proclamada a tão sonhada República, o Recife entra- aterrados e transformados em parques, visando nitárias das regiões atravessadas pelos rios (An- como de uma mucosa.
va no século XX acreditando nos sinais do progresso". o embelezamento da cidade. Foram ressaltados drade 1989:34). (. .. )
Nesse sentido, além de serem iniciadas as re- também como causa da precariedade da higiene No século XX, a partir da década de 20, os ba- Aquele rio
formas das instalações do porto, o que se planeja- pública, as condições de moradia de grande nhos de mar e o uso da praia com a finalidade te- jamais se abre aos peixes,
va era investir na sua transformação urbana, pau- parte da população recifense que habitava a beira rapêutica, de recreação e de lazer se tornaram cor- ao brilho,
tada no traçado da cidade e numa ação higieniza- dos mangues, além dos mocambos, visíveis na riqueiros, com os veraneios passando a ser feitos, Abre-se em flores
dora. Assim, a paisagem do Recife passou a ser paisagem, que expressavam a condição de miséria principalmente na praia de Boa Viagem, zona sul pobres e negras
forjada a partir da "maneira de ver modernizante" da cidade, indo de encontro aos padrões de estética da cidade. E, assim, a água nobre, que antes era a como negros.
imposta pelas elites, visando o embelezamento da e beleza que se pretendiam alcançar. do rio, passou a ser a do mar. Abre-se numa flora
cidade. Nessa direção, o bairro do Recife passou a A mudança nas relações de trabalho no inte- A partir desse período, as paisagens do rio Capi- suja e mais mendiga
ser palco da destruição de uma parte do seu teci- rior, a partir de 1930, promovida pela indústria baribe, no trecho que envolve o conjunto de bair- como são os mendigos negros.
do urbano, tendo como justificativa a renovação açucareira, resultou na expulsão dos trabalhado· ros localizados na antiga "Várzea do Capibaribe", Abre-se em mangues
do porto. As duas avenidas abertas, a Rio Branco res para a cidade em busca de emprego (Barreto passaram a ser produzidas pelos grupos sociais de folhas duras e crespas
e a Marquês de Olinda, ligavam o porto às pon- 1994:58). Devido à baixa qualificação profissional não dominantes, os "excluídos", sendo os mocam- como um negro.
tes, ou seja, o mar ao rio, visando criar perspecti- desses trabalhadores, a única opção na cidade era bos parte destas paisagens. Como os grupos so- (. .. )
vezes "perdeu a paciência" e deixou a população fazia o rio Capibaribe degradar-se cada vez mais; Através das representações, desde o século
do Recife amedrontada, ao procurar retornar além do vinhoto das usinas, passaram a ser lança- XVII, pôde ser constatada a importância desse rio
ao seu leito original, atingindo principalmente dos no rio os esgotos domésticos, sem nenhum na formação das paisagens do Recife e a relação
140
19- Apud Lima (op.cit.: 46).
NoTAS BAKER A (r 9 2) "I d .
20· Em 1845. publicou nos Estados Unidos o livro "Brazil ' · 9 · ntro uctron on ideology and land ,
I . Id scape.
engenheiro Pistor ou Marcgrave -, a capital foi iniciada, n. _eology and landscape in Historical Perspective: Essays on the
and the brazilians portrayed in historical aMd
»
descn't.we sketc hes.
r- Cidade flúvio-marinha, capital do Estado de Pernambuco, com a assistência do conde, de acordo com a concepção meamngs ofsome places in the past. (Orgs.) Baker A t 1.. C
A obra sobre o Brasil mais conhecida nos Estados Un'd b ·d . , ·e a n. am-
I OS,
está situada entre 8°o4'oo" de latitude sul e 43°52'oo" de norte-européia (Mello:198T84). Esse plano urbanístico foi n ge, Cambndge University Press. pp. 1. _
ten do alcançado um grande sucesso (M awr
· & s·l .
1 va: op.crt.: 14
latitude oeste (Gomes:r99T58). considerado um dos primeiros nas Américas. 149)-
BALTAR, A. (2ooo). Diretrizes de um Plano Regional para oRe-
2· Segundo Melo (1978:66), o reconhecimento da superfície ro- Gonçalves Dias (1983=63) In: Presença Poética do Recijé: 21· Apud Chacon (op.cit.:8o). cife. ReCJfe: Ed. Universitária da UFPE.
líquida no sítio primitivo do Recife, assim como da crítica e antologia poética. (Org.) Coutinho, E. Rio de Janeiro,
importância da água na sua configuração são referência Livraria José Olympio Editora( Fundarpe. BARRETO A M ( )0 · ,
22-Apud Cavalcanti (op.cit.: 271 . 272 ). . ' · · 1994 Recife atraves dos tempos: a formação
comum daqueles autores que tratam das origens do Recife da sua pmsagem. Recife: FUNDARPE.
e da sua fisionomia urbana. Dentre esses, são citados: II- Essas foram as pontes mais importantes, não só porque 23· Apud Auler (1975=361).
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Gilberto Freyre (2ooo). 12- Loreto Couto apud Chacon (1959:78). na. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estud t d
Brasil. an e o
26- Melo,]. C. (r965.: 16r).
3- Carlos Pena apud Chacon (1959:122). 13· Até então, o Recife estava vinculado aos interesses da
metrópole portuguesa. No entanto, foi-se rebelando contra
27· Os últimos investimentos no saneamento da cidade foram --~(1992). Visões do Recife.In: O Recijé: quatro séculos de
4- Gabriel Soares de Souza, op. cit. p. 19. o "pacto colonial" e abrindo o seu porto para o desembarque sua pmsagem (Orgs ) M · M S ..
feitos por Saturnino Brito, em 190 8. • c·alor, · · et aln. Recife: FUNDAJ I
das idéias liberais européias. Massangana; PCR. Pp_ 253 _2 6o.
5- Segundo Mello (1976:170), a cartografia portuguesa, até o 28- Atlas Ambiental do Recife (2000 : _ _
103 1041
século XVII, era essencialmente costeira, atendo-se pouco aos 14- Henry Koster veio ao Recife para tratamento de uma CAVALCANTI VB (1 ·
. . ' · · 977) Recijé do Corpo Santo. Recife: Com-
registros do interior das terras e à topografia urbana. Assim, é tuberculose, permanecendo aqui por um longo tempo. Sendo panhia Editora de Pernambuco; Prefeitura Mu . . l d
cife. mCJpa 0 Re-
surpreendente que, neste mapa, de acordo com Mello, esteja bom observador e anotando o que via: os costumes, o povo, os
representado um arruamento no bairro de São Frei Pedro detalhes da cidade, publicou em Londres, em 1816, ''Travels in
Gonçalves, e algumas ruas que não constam em um mapa Brazil" (Maior & silva:199278). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CH~CON, V. (1959) O Capibaribe e o Recife. História social e
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daMtdP a
~ a , e .ernambuco, pelo despejo de resíduos e águas servidas
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y, · ·· msagem,
FUNDAJjMassanganajPCRjURBjDPSH. interessado em botânica, costumando escrever suas notas ao~ . empo e Cultura. ( Org.) Corrêa R L t l .. R. d .
• · · e a n. 10 e }ane1ro·
domingos (Maior & Silva: op.cit.: 90). EdUERJ, pp. 9 2-1 2 3- .
;---:--(1984)- Poder político e produção do espaço. Recife:
7· Os engenhos de açúcar, num período em que não undaJ, Ed. Massangana.
havia estradas que facilitassem o escoamento do produto, 17- Autor do livro sobre o Brasil ·~ history ofthe Brazi!: COSTA, 0.(1944)- O Recife, o Capibaribe e os antigos enge-
localizavam-se próximos de rios navegáveis e da costa comprising its geography, commerce, colonization, aborígina! nhos. In: Revista do Norte, no 2, dezembro. Recife, p. VI.
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o capitão Thomas Graham, comandante da fragata Doris.
. n. Rev!sta do Arquivo Público do Estado de Pernambuco
9· Hoje se questiona a estada de Pieter Post no Brasil. (Maior & Silva: op.cit.: 122). a. XXI 'no 31. .
No entanto, graças a ele ou a outro engenheiro- como o
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fe: Fundaj f Massanganaj PCR. Pp. 77-88. Recife.Pp. II-57·
0 RIO SANHAUÁ E A CIDADE DE JOÃO PESSOA
Flavíana Vieira Raynaud
INTRODUÇÃO
1
Este capítulo apresenta uma discussão sobre a tância da presença dos rios nas cidades. No que
importância dos rios urbanos e dos espaços livres diz respeito à inserção destas águas no meio ur-
públicos na estruturação das cidades, compreen- bano, destaca-se com freqüência a ausência de po-
dendo a paisagem e a forma urbana como produto líticas públicas que promovam sua valorização, o
da experiência de seus usuários. Neste sentido, di- que contribui para configurá-las como os recursos
rige um olhar específico sobre o rio Sanhauá, loca- mais intensivamente utilizados e mais freqüen-
lizado na cidade de João Pessoa- PB e sobre os es- temente agredidos em todo o mundo. Os vários
paços livres que se estabelecem às suas margens e estudos sobre a importância dos valores ambien-
no entorno do bairro do Varadouro, local original tais e as várias conferências internacionais sobre
de fundação da cidade. O caminho percorrido por o meio ambiente, realizados a partir da década de
este rio, ao longo da nossa área de estudo, com- 6o, conduziram ao reconhecimento da fragilidade
preende trechos de ocupação irregular de suas dos sistemas naturais e dirigiram um maior enfo-
margens, através da implantação das habitações que sobre a necessidade de sua conservação e inte-
de comunidades carentes sobre o manguezal, e gração à vida das cidades (Mann, 1973). A partir de
diversos outros obstáculos que contribuem para então, tem-se observado o incremento de estudos
o isolamento e segregação dessa paisagem. Reco- e projetos que valorizam a questão do equilíbrio
nhecendo seu potencial ambiental, paisagístico e entre os sistemas naturais e humanos na constru-
cultural, esta pesquisa tem como objetivo compre- ção da paisagem urbana, questionando o desenho
ender as dinâmicas dos processos de desenvolvi- urbano convencional predominante nas cidades
mento desta área a fim de fornecer subsídios para contemporâneas e as dificuldades de interação
elaboração de propostas que valorizem esta área entre esses sistemas (Hough, 1995). Os espaços_
ribeirinha, a conservação do seu ecossistema e a livres públicos, compreendidos como centros de
redescoberta de uma paisagem oculta da cidade. cultura e natureza nas cidades, se constituem em
A construção da paisagem urbana, compreendi- elementos fundamentais para o estudo destas pai-
da aqui como um processo dinâmico de combina- sagens. Neste sentido, várias pesquisas têm pro-
ção entre sistemas naturais e urbanos, é analisada curado demonstrar a importância da análise da
neste capítulo a partir da compreensão da impor- experiência humana nestes espaços para a com-
I
'~
relações entre paisagem natural e humana nos
espaços livres, em particular nos espaços livres
processo evolutivo da área e das diferentes formas
de estruturação do seu espaço urbano e natural a
localizados ao longo desses cursos de água. partir da compreensão das dimensões sociais e
Destaca-se aqui a importância dos processos culturais que os conduziram. Figura 2 - Mapa de caracterização da área de estudo e entorno.
0 Antigo Tesouro Provincial @Antiga Alfandega O Hotel Globo (l)lgreja de S. Pedro Gonçalo
O Ponte de Sanhauá
A atual ausência de comunicação entre esse tal. As margens do rio Sanhauá, protegidas pela fundamental para a construção do panorama que
conjunto histórico e o rio Sanhauá evidencia um legislação como zona especial de preservação na- conduziu o processo de ocupação e fundação da
processo de urbanização que desvalorizou a pre- tural, é recoberta por um expressivo manguezal- cidade em meados do século XVI, até a estrutura-
sença das águas na estruturação da cidade. Apesar elemento de ligação entre os ambientes terrestres ção de sua configuração urbana atual.
da tradição histórica e paisagística da cidade com e ribeirinhos, considerado como uma verdadeira Como marco da primeira ocupação desse espa-
seus rios urbanos, estes não foram ainda efetiva- floresta de beira-rio com influência marinha- que ço, destaca-se o estabelecimento das moradias dos
mente integrados à vida urbana. O rio Sanhauá tem sido alvo de fortes agressões, o que explica a povos indígenas às margens do Sanhauá- indício
com seus oito quilômetros de extensão compõe fragmentação da grande faixa vegetal que deveria de um ordenamento do espaço selvagem que estes
o estuário do Paraíba do Norte, um dos maiores emoldurar as margens deste rio. Neste processo povos encontraram ao longo das águas. A chegada
rios do estado e situa-se na linha divisória entre de degradação incluem-se não apenas os man- das expedições portuguesas através deste mesmo
os municípios de João Pessoa e Bayeux. No tre- guezais, mas todos os demais componentes que rio, em 1579, é marcada pelo deslumbramento em
cho percorrido pelo rio Sanhauá ao longo do bair- compõem o equilíbrio deste ecossistema. Enfim, relação ao sítio descoberto e os relatos dos viajan-
ro do Varadouro, verifica-se a ocupação irregular esta pesquisa pretende compreender e analisar o tes traduzem o forte encantamento despertado por
das suas margens através da implantação de edi- processo de construção dessa paisagem, destaca- esse lugar. É importante lembrar que nesse mes·
ficações das comunidades carentes (denominadas da pelos valores históricos, ambientais e paisagís- mo período haviam sido fundadas duas das mais
favelas Porto do Capim(Fig. 3a e 3b), Vila Nassau ticos aqui brevemente apresentados, realçando a antigas cidades do Brasil Salvador (1549) e Rio
e Vilas da Ilha do Bispo) e a área do antigo depósi- importância de sua integração à dinâmica urbana do Janeiro (1565) -e que anos mais tarde, em 04
to de lixo a céu aberto, conhecido como "lixão do através da recomposição de seu ecossistema e da de novembro de 1585, outra expedição portuguesa
Roger" 3, desativado a partir do ano de 2003. Na valorização de suas águas urbanas. desembarcaria no local, confirmando o desejo de
sua margem oposta, onde situa-se o município de fundar uma cidade no alto da colina, às margens
Bayeux, a área ainda é pouco urbanizada, coberta desse mesmo rio.
por um vasto manguezal.
Figura 3a e 3b - Vista da Favela Porto do Capim e edificações Nossa análise compreende a área do bairro do "Procurando melhor lugar para plantar a cidade,
do centro histórico de João Pessoa, a partir do Rio Sanhauá, Varadouro que se estende por aproximadamente Ü VARADOURO: EVOLUÇÃO DE UMA PAISAGEM escolhe o alto de uma colina, tendo o rio Sanhauá aos
Foto Mariana Vieira um quilômetro ao longo do rio Sanhauá e os es- pés, a dezoito quilômetros da foz do Parahiba, defron-
paços livres localizados em seu entorno. Esta área, Durante aproximadamente 350 anos, o rio Sa- te do sítio em que João Tavares havia anteriormente
seccionada longitudinalmente pela presença da nhauá, localizado no bairro do Varadouro, repre- feito paz com Piragibe" (Pinto,19o8 op cit Mene-
via férrea, conforma duas áreas com característi· sentou a porta principal da cidade de João Pessoa zes,1985 sjp).
cas distintas. O trecho localizado às margens do e os primeiros séculos da existência da cidade es-
rio Sanhauá (a oeste da via férrea) caracteriza-se tiveram associados aos acontecimentos que trans- A ocupação portuguesa foi então responsável
pela situação de abandono e pela dificuldade de correram às margens dessas águas ou em seu en- por uma estruturação urbana mais ordenada e
acesso e comunicação com o tecido urbano adja- torno. É possível recorrer à trajetória do rio para formal desse espaço. Preocupados com questões
cente; a área oposta (localizada a leste da via fér- compreender o processo de estruturação dessa de segurança e defesa, os portugueses utiliza-
rea), comunica-se diretamente com o tecido ur· área e a evolução na forma de percepção e apro- ram-se da situação geográfica privilegiada deste
bano e destaca-se pelo aspecto de fragmentação priação pela população. O bairro do Varadouro, sítio e implantaram a cidade na porção mais alta,
morfológica, devido às sucessivas intervenções tendo preservado até os dias de hoje muitas carac- liberando a porção ribeirinha para instalação de
viárias, apresentando dificuldades quanto a sua terísticas do seu traçado original, sofreu diversas edificações de apoio às atividades do cais do Va-
leitura, apreensão e apropriação. Os espaços li· transformações, tais como a construção da via fér- radouro, como as oficinas náuticas, fortes, paióis,
vres públicos localizados nessa área, em especial rea ao longo do rio, a transferência do porto oficial armazéns e edificações para o alojamento de ofi·
as praças, apresentam-se desarticuladas entre si, da cidade para o município vizinho de Cabedelo, a dais e soldados encarregados da defesa da cidade.
gerando espaços onde se desenvolvem poucas ocupação das áreas ribeirinhas e as sucessivas in- Uma análise do sistema de arruamento dessas
atividades coletivas. Paralelamente ao processo tervenções viárias que seccionaram seus espaços duas áreas demonstra a implantação de um sis-
de ocupação desordenada dessa área, verifica-se públicos. A compreensão dos vários acontecimen· tema ortogonal de ruas na porção mais alta em
também a perda sucessiva de sua cobertura vege· tos que transcorreram às margens do Sanhauá é contraposição à implantação irregular e orgânica
evolutivo da cidade, é reconhecido por grande par- lidade do bairro e de sua vizinhança. Esse reco-
te dos usuários entrevistados. No nosso levanta- nhecimento de segurança da área apontado pelos Como procuramos demonstrar, a cidade de
mento, frases como, "a cidade começou aqui (... )", moradores não é, no entanto, compartilhado pe- João Pessoa tem o privilégio de contar com a pre-
"o porto era aqui (... )", foram diversas vezes regis- los demais grupos de usuários da área. Na opi- sença de um significativo curso de água no seu
tradas. Os vestígios do passado, ainda presentes nião dos usuários não moradores, a dificuldade perímetro urbano, mais especificamente ao longo
na área, fornecem aos usuários algumas dicas de acesso físico e visual e as diversas barreiras de extensa faixa de seu sítio histórico - berço do
para o entendimento do processo de evolução da- estabelecem uma relação de insegurança que nascimento da cidade. Associam-se à presença da
quele trecho da cidade, como é o caso da presença representa um forte obstáculo para a utilização água nesse meio, valores ambientais, paisagísticos
dos antigos atracadouros do porto, das correntes dos espaços livres dessa área. Torna-se claro que e simbólicos fundamentais para o fortalecimento
de ferro recentemente descobertas nas obras de os moradores, por possuírem maior intimidade da identidade da cidade e conseqüentemente da
saneamento do local e da antiga ponte Sanhauá. com o local, desenvolvem uma percepção dife- requalificação de sua dinâmica urbana e valoriza-
Figura 6b -Vista do Rio Sanhauá a partir da torre da Igreja de
A maioria dos usuários demonstra conhecimento rente a respeito dessa questão. A degradação do ção das noções de cidadania.
São Pedro Gonçalves. Em primeiro plano, o Largo de São Pedro
sobre a origem portuária e comercial dessa área da espaço físico é apontada como um dos princi- A situação de atual degradação dessa área,
Gonçalves e o Hotel Globo à direita. Fotografia: Mariana Vieira
cidade, e alguns deles reconhece:-.-. o fato de que pais problemas da área, tanto do ponto de vista discutida nessa pesquisa, representa mais um
ela abrigou um intenso movimento comercial no de sua infra-estrutura como da manutenção das exemplo da ausência de reconhecimento dos
passado, como demonstra o depoimento a seguir: edificações e monumentos históricos. Os usu- valores ambientais no processo de estruturação
ários entrevistados alternam posicionamentos urbana. A valorização dos recursos naturais nas
"Através desse rio surgiu João Pessoa". de reivindicação e pessimismo através de suas cidades, neste caso os rios urbanos, tem sido alvo
percepções a respeito da desvalorização da área, de vários estudos que argumentam, entre outros
Do ponto de vista da valorização da área, os como demonstram os trechos de seus discursos aspectos, a necessidade de considerá-los como
usuários entrevistados ressaltaram aspectos rela- selecionados a seguir: elementos fundamentais nos processos de plane-
tivos à presença da natureza - o rio, o mangue jamento e de desenho urbano, através da promo-
e a vegetação local - e do centro tradicional, de "Está chegando o fim, não existe mais futuro para ção de acessibilidade física e visual às suas águas.
forma mais abrangente. As facilidades oferecidas essa área, a praia é melhor"; "Acho que isso aqui já No caso do rio Sanhauá, a ocupação irregular de
pelo comércio local foram freqüentemente cita· morreu"; suas margens, a poluição de suas águas, a degra-
das, assim como a proximidade da área em rela· dação de sua vegetação ribeirinha, a ocupação
ção ao centro da cidade. Identificamos as princi· "A cidade está crescendo para outro lado e é muito indevida das edificações do entorno e o proces-
pais razões que explicam a relevância atribuída diflcil trazer algo de bom para cá". so desordenado de planejamento viário geraram
à localização da área pelos moradores locais. A grandes prejuízos de ordem ambiental, cultural
l
e paisagística para esse espaço e para a cidade de e iba significa mau. Donde se segue que esse rio, o maior dessa COSTA, Lúcia M.S.A. Popular Values jàr Urban Parks: a case
uma forma geral. região, tira o seu nome da boca ou entrada sinuosa que tem, e por study of the changing meanings of Parque do Flamengo in Rio de
Os desafios ambientais e a necessidade de pre- sua vez a região tira o seu nome do rio, que se chama Paraíba. janeiro. Ph.D.Thesis Londres: University College of London,
servação e valorização da diversidade natural nas (Herckmans, 1982:10) Até a década de 30, a cidade ficou 1993
cidades fazem das águas urbanas, em seus vários conhecida por "Parahyba", tendo somente sido denominada
formatos, um recurso de significativa importância "João Pessoa", após a morte do governador de mesmo nome, COSTA, Lucia M.S.A. e MONTEIRO, Patrícia M. (2002) "Rios
para as cidades contemporâneas. Essa pesquisa representando até hoje a denominação oficial desta cidade urbanos e valores ambientais" In: Del Rio, V.; Duarte, C.R. e
aponta para a possibilidade de requalificação am- (Lavieri e Lavieri,1999). Rheingantz, P .A. (org) Projeto do lugar: colaboração entre psico-
biental e urbana desse lugar a partir do seu rio e logia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contra Capa, pp.
das infinitas relações que podem ser estabelecidas 7- "O estuário do rio Paraíba do Norte tem uma extensão total 291-298
entre sistemas naturais e urbanos. de 380 quilômetros, desde o planalto da Borborema, onde tem
sua nascente, até a foz em Cabedelo. Sua bacia hidrográfica GARDINER, John L. "River landscape and sustainable devel-
drena uma área de 14-397,35 Km2 e intercepta 37 municípios" opment: a framework for project appraisal and catchment
(Gualberto, 1977 op cit Marcelino,2ooo:29). Está dividida em managemenf'. In Landscape Research joumal, Vol.22, N°01,
três compmtimentos: bacia do alto Paraíba, com 114,5 quilômetros 1997, PP·9S-II4-
AGRADECIMENTOS e extensão, bacia do médio Paraíba, com 155,5 quilômetros
e bacia do baixo Paraíba, com 110 quilômetros. Sua porção HERCKMANS, Elias. Descrição geral da capitania da Paraíba.
Este trabalho é parte da dissertação de Mestra- estuarina recebe as águas de 8 tributários: pela margem esquerda, João Pessoa: Ed. A União,1982
do, Águas Ocultas: o rio Sanhauá e a cidade de João os rios Portinha, Tiriri, da Ribeira e da Guia e, pela margem
Pessoa, desenvolvida no PROURB-FAUjUFRJ, direita, os rios Sanhauá, Paroeira, Tambiá e Mandacaru." HONORATO, Rossana. Se essa cidade fosse minha ... A experiên·
com bolsa CAPES, a quem agradecemos o apoio. (Marcelino,2ooo:29) cia urbana na perspectiva das produções culturais de João Pessoa.
João Pessoa: Editora UFPb, 1999
A pesquisa mostra que a cidade de Blumenau introduzida no sul do Brasil pelos imigrantes ale- No Centro da cidade de Blumenau (Stadtplatz) dade no lugar da Colônia Blumenau. Nessa época,
que conhecemos hoje foi moldada através dos mães que vieram colonizar Santa Catarina e o Rio observamos o traçado do ribeirão Bom Retiro a rua XV de Novembro, apelidada de Wurststrasse
anos por uma série de agentes e fatores cujas Grande do Sul no século XIX. (entre o ribeirão Garcia e o ribeirão da Velha) e (rua da Lingüiça), teve seu sinuoso traçado par-
ações sobre o rio e suas margens se sobrepuse- À medida que os novos imigrantes chegavam de vários afluentes que nos próximos mapas irão cialmente retificado.
ram, gerando a atual paisagem urbana. Segundo à Colônia, iam sendo demarcados lotes urbanos e desaparecer devido à urbanização da área. O se- No ano de 1903, circulou o primeiro veículo a
Costa (2002), "( ... ) os diferentes tratamentos, usos rurais ao longo das picadas já abertas. As picadas gundo mapa da colônia foi elaborado em 1872, motor, fazendo com que aos poucos houvesse a re-
e apropriações dos rios urbanos em diferentes cidades seguiam os cursos dos rios, ribeirões e riachos dos mostrando o início da divisão dos lotes coloniais tificação dos antigos caminhos coloniais e a aber-
nos mostram as especificidades culturais de muitos fundos de vale. na margem direita do rio Itajaí-Açu. Assim como tura de vias mais retilíneas.
outros valores, com uma repercussão direta na quali- Os lotes coloniais foram então traçados de for- no mapa de 1864, os cursos d'água continuam em A infra-estrutura básica acompanhava o cres-
dade da paisagem". ma a que todos pudessem ter o acesso a água, tan- amplo destaque indicando sua importância para cimento da cidade, surgindo os primeiros passos
Partindo da cidade como um complexo produto to para utilização na irrigação e consumo domés- a cidade. para a instalação de luz elétrica e água encanada.
cultural de uma sociedade, que reflete a contribui- tico, quanto para transporte. A ligação com a água A partir de 188o, os irmãos Hermann e Bru- A partir daí o povoamento tomou impulso trans-
ção de várias gerações sobre o meio é que sele- e com os primeiros caminhos, juntamente com a no Hering fundaram a indústria têxtil Hering, a formando-se numa cidade em constante e contí-
cionamos as transformações ocorridas no trecho topografia acidentada da cidade, gerou lotes estrei- primeira do Brasil, localizada na rua XV de No- nuo processo de transformação de sua paisagem:
navegável do rio Itajaí-Açu e suas margens, na ci- tos e compridos, paralelos entre si e perpendicu- vembro, e próxima ao rio Itajaí-Açu. Sempre ins- em 1909, Blumenau passou a ter um sistema de
dade de Blumenau, iniciando pela sua fundação lares tanto ao rio, quanto ao caminho e às curvas taladas próximas aos cursos d'água, as indústrias iluminação pública; em 1913, com o objetivo de
como colônia, em 1850, para então avançar até os de nível. iniciaram um novo processo na cidade, quebran- melhorar o transporte de produtos, entrou em
nossos dias. Segundo Deeke (1995, p. 198), "a topografia do o ciclo de manufatura diretamente ligado ao operação o primeiro barco com motor a combus-
Esperamos que o leitor possa percorrer com obrigou o colonizador a adotar o sistema de lotes, pois setor primário. tão, fazendo a ligação entre Blumenau e Itajaí; e
interesse essas páginas e encontrar aqui informa- o terreno de Blumenau é montanhoso e só apresenta A primeira grande ponte sobre o rio Itajaí-Açu no ano seguinte, em 1914, surgiu o primeiro ôni-
ções que lhe sejam úteis e que contribuam para a áreas planas nas margens dos rios". Essa caracterís- foi a Lauro Muller, popularmente conhecida como bus da cidade.
reflexão sobre a paisagem de rios urbanos. tica foi determinante para a conformação dos lotes Ponte do Salto, cujas obras começaram em 1896 Em 1931 foi inaugurada a ponte metálica da Es-
com frente (testada) estreita para a estrada, princi- e foram concluídas somente 17 anos depois, em trada de Ferro (hoje denominada ponte Aldo de
palmente junto ao vale do rio, e os fundos tão ex- 1913- Neste período, começavam a surgir no mu- Andrade, conhecida como ponte da Prefeitura)
tensos que se confrontavam, nas linhas divisoras nicípio novos e grandes edifícios, erguidos por sobre o rio Itajaí-Açu, na foz do ribeirão da Velha,
de água, com lotes de outros vales. Essa forma de comerciantes que principiavam a acumular fortu- ligando o Centro com a Ponta Aguda. Frotscher
A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM divisão de lotes marcou profundamente a estrutu- na com os negócios de importação e exportação (2ooo, p. 59) afirma que "após a conclusão das
DE BLUMENAU :a fundiária e conseqüentemente as malhas urba- através do escoamento de mercadorias pelo rio obras da ponte, alguns operários construíram suas ca-
nas de Blumenau e de outras cidades de origem Itajaí-Açu. sas ali e, aos poucos, os casebres foram se somando a
Em 2 de setembro de r8so, Hermann Bruno alemã, tanto do Vale do Itajaí, como do estado de Em 4 de fevereiro de 188o, Blumenau foi eleva- outros fazendo surgir a favela Farroupilha".
Otto Blumenau, juntamente com mais 17 imi- Santa Catarina. da à condição de município. Porém, essa conquis- A Primeira Guerra, por um lado, trouxe prospe-
grantes alemães, fundou a cidade de Blumenau. A economia da colônia, ao final da primeira dé- ta política se concretizou apenas em 1883, devido ridade ao setor industrial de Blumenau; por outro,
O sítio escolhido para a implantação da colônia foi cada de existência, era baseada na agricultura. O a uma enchente que ocorreu em 188o atingindo fez a população sofrer pelo fato de ser composta,
o último trecho navegável do rio Itajaí-Açu. Des- primeiro registro cartográfico, elaborado em 1864, a cota de 17,10 metros- o nível médio do leito do em sua maioria, por alemães ou descendentes
tacamos que nessa época não se estruturou um mostra o parcelamento do solo perpendicular aos rio Itajaí-Açu em Blumenau é de apenas 6 metros diretos deles. As retaliações começaram a chegar
centro histórico homogêneo e concentrado pelo cursos d'água na área navegável do rio Itajaí-Açu e acima do nível do mar. em Blumenau a partir da década de 1930. Caresia
fato das casas, construídas em lotes coloniais, es- também os primeiros caminhos paralelos ao leito O contínuo desenvolvimento econômico impul- (2000, p. 172) diz que a Campanha de Nacionali-
tarem distantes de cem a duzentos metros umas dos rios que, mais tarde, irão se transformar nas sionou os empreendedores locais a criar mais al- zação ocorreu a partir de 1938 com o advento do
das outras. estradas principais da cidade. ternativas de transporte fluvial, fazendo surgir o re- Estado Novo de Getúlio Vargas (1937) e a partir
Na colônia particular, em algumas das primei- Destacamos aqui a preocupação dos colonizado- bocador Jan (1890), os vapores Blumenau I (1895), daí, "todos os periódicos deveriam ser editados em
ras construções, foi utilizada a técnica construtiva res em mapear os cursos d'água que, no decorrer Santa Catarina (1906) e Richard Paul (19ro). português e o alemão era proibido também nas ruas,
enxaimel, na qual a madeira assume a função es- da história, passam a aparecer em segundo plano Em 1900, foi elaborado o terceiro mapa da ci- escolas, igrejas e nos clubes".
trutural e a alvenaria de tijolos é apenas emprega- nos mapas da cidade, confirmando o que diz Costa dade de Blumenau, já com a área central densa- Em relação à paisagem, segundo Siebert (1999,
da para o fechamento dos vãos. Essa técnica foi et al (2002) nos seus estudos sobre os rios cariocas. mente dividida, assumindo a configuração de ci- p. 71), "este período se traduziu pelo mascaramento
RHJH
A PAISAGEM ATUAL DO RIO ITAJAÍ·AÇU
t 176
rio Guamá e rio Acará, a baía do Marajó recebe fronteiras iniciais, a cidade terá no forte o ponto
também (e principalmente), a importante contri- focal da ordenação geométrica do seu traçado e,
PAISAGEM I.ÍQUIDA
buição das águas do rio Pará, fartamente alimen- na "sombra" de sua vizinhança imediata, a prote-
2
Com o ciclo econômico da borracha, a partir Marco da Arquitetura do Ferro e cartão pos- :J
ro
::2:
da segunda metade do século XIX, a antiga tal da cidade, o Mercado de Peixe, inteiramente :J
(])
cidade colonial portuguesa adquire ares de construído em estrutura metálica importada da u
k,.
cidade cosmopolita. A euforia dos novos tempos, Inglaterra, se tornaria um dos símbolos mais im- i:5
o
decorrente do progresso industrial em marcha na portantes da paisagem de Belém. Com seus qua- ]
o"
Europa e Estados Unidos, exerceu grande influência tro torreões pontiagudos, sobressaindo por entre Ul
(])
e saneamento urbano, financiados pelo saldo acentuada quando da cidade se avista o mercado, >
o
"O
comercial favorável, deram origem a importantes tendo em primeiro plano o movimento oscilante e ro
u
melhoramentos urbanos e à reformulação da pendular dos mastros e velames das embarcações a
o
Belém apresenta um acervo edificado bastante uma da outra pela orla do rio. Um olhar mal acos-
diversificado que reúne muitos tempos na forma tumado com a secura de outras paisagens ou, tal-
da cidade. Contudo, não obstante as alterações na vez, o próprio olhar do arquiteto, adestrado pelo
forma urbana e o aparecimento de novas funções, estudo das formas rígidas, talhadas a cinzel, in-
as ligações entre cidade-porto-rio-mar permanece- corre muito facilmente no equívoco de desidratar
ram e se consolidaram no processo de constitui- a natureza úmida da cidade de Belém.
ção temporal diacrônica da imagem da cidade. Mais do que emoldurar ou circunscrever a cida-
Significa dizer que a paisagem urbana de Belém de, as águas grandes misturam-se com ela a ponto
apresenta uma unidade estética empiricamente re- de não se poder mais distinguir com segurança o
conhecível, que se constitui em meio à diversidade. que é água e o que é cidade. Será, portanto, a partir
Temos, assim, a paisagem natural, decisivamente desse estado de permanente transição, que entre-
marcada pela presença abundante das águas, pela laça simultaneamente processos de cristalização
extraordinária luminosidade equatorial, pela exube- da água e dissolução da pedra, que se pretenderá
rância da vegetação amazônica, juntamente com a aqui uma tentativa de decifração poética da forma
paisagem arquitetônica e humana, reunidas numa da cidade de Belém.
única idéia (imagem) de cidade.
Engana-se, porém, quem pretende enxergar
água e cidade como coisas diferentes, separadas
A CIDADE SUBMERSA abertos, enquanto se assiste a cidade ser impie-
dosamente lavada. Há que se esperar, naquele
Visitando a cidade em julho de 1927, Mário de também ele, a desejar sua benfazeja quota diária intervalo em que os relógios deixam de controlar
Andrade nos apresenta uma descrição, tão poética de umidade. os tempos dos afazeres cotidianos, que a chuva-
quanto precisa, da paisagem mutante de Belém: No verão, os dias amanhecem invariavelmente rada cesse e o céu se abra outra vez. Em geral, a
luminosos e quentes, transcorrendo como se nada chuva de verão não dura mais que dez ou quinze
"O céu está branco e reflete numa água totalmente mais, além daquela luz intensamente branca, pu- minutos.
branca, um branco feroz, desesperante, luminosíssi- desse cair do céu. Em geral, pelo início da tarde, De repente, um facho de luz irrompe por detrás
mo, absurdo, que penetra pelos olhos, pelas narinas, de uma hora para a outra, tudo se transforma. Um do aguaceiro. A chuva ainda não acabou, mas o
poros, não se resiste, sinto que vou morre1~ misericór- vento inesperado precede a mudança dos humo- sinal luminoso é o anúncio de que o sol não tarda-
dia! O melhor é ficar imóvel, nem falar. E a gente vai res celestes. Nuvens carregadas se acumulam em rá a brilhar outra vez. Com a mesma rapidez que
vivendo de uma outra vida, uma vida metálica, dura, fração de segundos. Começam os primeiros pin- tudo começou, a chuva desaparece.
sem entranhas. Não existo. Até que capto no ar uma gos. São pingos esparsos, mas grossos e velozes. A cidade se recupera rapidamente. As pessoas
esperança de brisa, é brisa sim. O céu branco se escu- Caem, certamente, de grande altura. Batem na vão deixando as marquises e seguem seu cami-
renta em cinzas pesados de nuvens. Em cinco minutos pele com força, estatelam-se no chão, ruidosos. É nho. Debaixo das copas das árvores, onde até há Figura 4- Paisagem renascente, foto Dirceu Maués
o céu está completamente cinzento escuro e venta forte o sinal para que todos os transeuntes se abriguem pouco havia gente bem abrigada, começam pin-
um vento agradável nascido das águas fUndas." 9 o mais rapidamente possível. Na seqüência, des- gos retardatários da chuva que passou. O céu já
pencará o aguaceiro. Já não há nada que se possa se abriu completamente, só as árvores continuam,
Duas estações se sucedem anualmente no Pará: fazer, a não ser se abrigar. Mesmo os guarda-chu- por mais algum tempo, chovendo.
a que chove todo dia e a que chove o dia todo. Não vas são inócuos diante de tanta água. Aliás, em Nas platibandas dos sobrados, nas cumeeiras PEDRA MOlE EM ÁGUA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE
se trata de um mero jogo de palavras, mas da tra- Belém não há o costume de usar guarda-chuvas, dos telhados, ou empoleirados nos postes, os uru- SONHA ...
dução literal do regime das águas que evaporam apenas sombrinhas para se proteger da inclemên- bus se expõem ao sol, abrindo as asas e eriçando
e se precipitam sobre a cidade. A primeira trans- cia do sol. suas penas, para acelerar o processo de secagem. "Contemplar a água é escoar-se, é dissolver-se, é
corre entre junho e novembro, e é associada ao A população, tranqüilamente abrigada debai- Com uma topografia extremamente plana, a ci- n~,oner."
verão; a segunda, correspondente ao inverno, vai xo das marquises e até debaixo das frondosas (e dade resiste excepcionalmente bem às chuvas de Gaston Bachelard (r977. P-49)
de dezembro a maio. No inverno, assim chamado espessas) copas das mangueiras, se prepara para verão. Vista do avião, Belém parece boiar sobre um
por apresentar dias menos quentes e céu quase receber do céu mais uma das muitas chuvas que tapete estendido ao nível do mar (ou do rio). Du- Descrevendo a vida da cidade por volta de 1922,
sempre nublado, a chuva é miúda e demora mais já caíram e que ainda cairão sobre Belém. rante a chuvarada, as ruas se alagam, os bueiros quando ainda o trem de ferro percorria as suas
a passar. No verão, os dias são sempre escaldantes Assim, um rio caudaloso desaba sobre a cidade. transbordam, mas em pouquíssimo tempo a água ruas, o escritor Dalcídio Jurandir diz:
e as águas da chuva desabam de uma só vez so- A partir daí, assiste-se a uma completa transfor- escoa e já se pode andar pelas ruas sem maiores
bre a cidade, concentradas em períodos de curta mação na paisagem local. A chuva de verão cons- problemas. Com a alma e o corpo lavados, Belém ';4s chuvas desabaram, desmanchava-se a cidade
duração. titui, em Belém, um espetáculo da natureza, con- retoma, outra vez apressada, o ritmo comum de no aguaceiro (... ) Varando o aguaceiro, o trem pas-
Ao contrário do que se verifica no Rio de Ja- tracenado teatralmente pela cidade. vida de uma grande cidade. sava, ruidoso efumegante submarino (... ) E rompen-
neiro, um dia de chuva não é nunca para os be- A cidade pára. Os carros param. O tempo pára. As exceções ficam por conta apenas dos perío- do o chuvaral, revezavam-se os apitos da Usina e do
lenenses um "dia feid'. Não se tem aqui o hábito Ou, por outra, um tempo novo se instala, cancelan- dos em que a chuva coincide com a maré alta, em Utinga, os toques do quartel, muito distantes, como se
carioca de maldizer os dias nublados. A chuva em do qualquer tipo de pressa. Todos os compromis- geral no mês de maio, quando se verificam alguns marcassem um tempo extinto ou pedindo socorro na
Belém é um acontecimento corriqueiro e irreme- sos do dia encontram-se agora automaticamente transtornos mais significativos na cidade, decor- cidade que naufragava ( ... ) A cidade boiava na luz
diavelmente presente na vida de todos os dias. O adiados para depois da chuva. Ninguém pode rentes do retardo no escoamento das águas plu- da manhã. Depois daquela semana d'água, as pesso-
banho de chuva, aliás, continua sendo, nas tardes nada contra a força daquela manifestação "trópi- viais. Acrescente-se ainda que, nos últimos anos, as, os animais, os trens passavam como se voltassem
quentes de Belém, uma prática freqüente e muito co-amazônida-torrencial" encarnada na cidade. algumas mangueiras centenárias (que fizeram do fundo. Unta mulher passou, meio esverdeada: do
apreciada pelas crianças. A aproximação das pessoas, forçada pelas cir- Belém ficar conhecida como "a cidade das man- limo da enchente? As samaumeiras de Nazaré tra-
Para o viajante desavisado, no entanto, faz-se cunstâncias, enseja conversas casuais debaixo das gueiras") não têm resistido com o mesmo vigor de ziam um ar do dilúvio". 11
necessário um paciente aprendizado até que ele marquises das lojas. Comenta-se a chuva, contam- outrora à ação das chuvas ro.
venha a entender como as coisas ocorrem e passe, se casos, fala-se sobre a vida, sonha-se de olhos
entanto, há muito que se ver. Os contornos per- A PAISAGEM RENASCENTE
dem definição, ao mesmo tempo em que as for-
mas ganham inusitada mobilidade. Movem-se, '11 água anônima sabe todos os segredos."
serpenteiam, revelando a metamorfose de uma Gaston Bachelard (r997, p.9)
paisagem liquefeita.
Durante a chuvarada, que mobiliza tempo e Depressa o viaJante entendeu que para par-
espaço, o movimento da cidade é inteiramente ticipar do espetáculo cotidiano da metamorfose
comandado pela força das águas. Sem sair do lu- aquática de Belém é necessário se deixar, também,
gar, casas e pessoas são "arrastadas" pela corren- dissolver na paisagem que o envolve. A astúcia
teza onírica que se desprende do fluxo da maté- macia e feminina dos fluidos exige entrega incon-
ria líquida e a ela se superpõe. Uma profusão de dicional. A água que molha e refresca a sua pele
imagens vem à tona. Imagens sempre novas que também penetra na intimidade do seu ser. Assim,
jamais irão se repetir, mas que possuem no poder como cúmplice e amante, o viajante entrega-se à
de dissolução das águas a sua matriz comum. sensualidade primitiva da água pura.
Com suas casas-navio e suas ruas-corrente- Murad, ao estudar o potencial das "imagens
za, a cidade parece agora estar à deriva: prédios imaginais" da nossa experiência de contemplação
se dissolvem em brumas; telhados escorrem de da paisagem-mundo, diz:
Figura 5 - Paisagem líquida, foto Dirceu Maués improváveis cachoeiras, em quedas d'água de es-
guichos mirabolantes; os bueiros transbordam "O dentro e fora trocam de lugar, existe um vai
em furiosos chafarizes improvisados; iluminado e vem em constante mutação e troca imagética (. ..)
como um transatlântico, o Teatro da Paz lidera, va- Neste momento não se trata de ver o exterior, mas sim
Assistir Belém debaixo da chuva é testemu- De qualquer modo, e isso é o que importa dizer, garoso, aquela caótica procissão fluvial; as torres de ver em profUndidade pelo esvaziamento de toda at-
nhar a cena mítica de uma cidade náufraga, que a chuva envolve e engaja a tudo e a todos na sua da Sé balançam, repicando o bronze amolecido moifera concreta (... )contemplamos a paisagem que
sucumbe, desmanchando-se diante dos nossos mágica duração intemporal. Diante do olhar in- dos sinos; o Mercado do Peixe baila, esguio e des- nos contempla e de um só golpe estamos contidos na
olhos. crédulo do viajante, a população, já devidamente temido, ao som dos relâmpagos; o casario encolhe imensidão desta imagem". ' 4
Até o tempo se encolhe e se aquieta para assistir abrigada, contempla impassível o espetáculo que e se agiganta, numa fantasmagoria de sanfonas
o espetáculo da chuva. Tal como o tempo sagrado, se desenrola na cidade. Não há um escasso traço emudecidas ... Mergulhar na profundidade sempre nova' 5 da
o tempo da chuva representa uma ruptura com de medo ou dúvida nos olhos daquela multidão, Já não se vê os urubus do Ver-o-Peso, nem se paisagem equivale a se deixar levar pelo fluxo que
relação ao tempo profano. Não há propriamente agora voltados para o céu. Há, isto sim, uma es- escuta os pássaros, que são muitos. Estão todos a tudo arrasta, passando a fazer parte dele. Ma-
um fluir do tempo, mas a sua reintegração num pécie de religiosidade primitiva que faz da chuva escondidos, desde os primeiros pingos, nos bura- terialidade e imaginação, simultaneamente im-
mesmo e eterno presente mítíco primordial. Um não uma ameaça, mas uma benção. A suposta im- cos secretos das copas das árvores. Quede a alga- bricadas e fluidificadas, instituem uma zona de
"tempo extinto" que é, a cada chuva, revivido pela pressão de impotência da cidade se desfaz, dando zarra canora dos periquitos da velha samaumeira transição dialética entre a matéria do devaneio e o
6
cidade. A repetição cíclica e ritualizada da chuva lugar a uma respeitosa resignação diante da pre- de Nazaré? Só depois que passar a chuva e o céu devaneio da matéria ' .
instaura na cidade um tempo circular e reversí- sença daquela força sobre-humana. Neste transe boiar outra vez. São sonhos que têm como causa a matéria lí-
12
vel, indefinidamente recuperável. místico-vegetal' 3, que é também espera e aceita- quida: "(. ..) um encantamento não pelas imagens,
Não seria, aliás, a palavra temporal, em sua ção, os habitantes de Belém "sabem'' que nada de mas pelas substâncias".' 7 Para Bachelard, a valori-
conotação semântica de chuva forte, também mal pode lhes acontecer. E, como que "possuída" zação da matéria pelas forças imaginantes, para
uma alusão ao fato de que a chuva tem um tem- por uma entidade divina que desce sobre a cida- além do impulso de novidade, age igualmente no_
po próprio de duração? (Um tempo que não se de, Belém se entrega aos desígnios chuvosos da sentido do aprofundamento: "(. .. ) escavam ofUndo
confunde com o tempo cotidiano; um período de natureza. do ser; querem encontrar no ser, ao mesmo tempo, o
. . .
duração compreendido entre o início e o fim da O céu vira um rio de águas pesadas e o rio espe- pnmawo e o eterno"18
.
chuva, cuja nitidez, em contraposição às demais lhao céu com suas negras e densas nuvens. Um O devaneio da água nos confronta com a maté-
temporalidades do cotidiano, é tão mais pronun- véu espesso cobre a cidade. Cidade, rio e céu já ria primordial, a substância das substâncias, reavi-
ciada quanto mais forte é a chuva). não se distinguem mais. Enxerga-se pouco e, no vando e atualizando no ser velhas formas mitoló-
gicas 19 . Assim, tal como nos propõe Eliade, há que A chuva vem e vai, mas a paisagem de Belém NoTAS
se considerar com atenção o simbolismo religioso não seca nunca. A água está sempre por todo lado,
das águas míticas: em cima, embaixo, dentro e fora. Com efeito, res- r."Decifra-me ou te devord'. 12. "Para o homem religioso (... ) a duração temporal profana
pirar Belém é hidratar o corpo e o espírito. Por é suscetível de ser 'parada' periodicamente pela inserção,
2.Em sua foz, o Amazonas se divide em dois braços: o braço por meio dos ritos, de um tempo sagrado, não-histórico". Cf.
'íl imersão na água simboliza o regresso ao pré- isso, talvez, Belém seja tão maleável, tão suscetí- ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Lisboa: Edição Livros
norte é o mais largo e cm-responde ao verdadeiro estuário;
formal, a regeneração total, um novo nascimento, vel às deformações, às modelagens incessantes da o braço sul é conhecido pelos nomes de rio Pará e baía de do Brasil, sjd, p. 84-
porque uma imersão equivale a uma dissolução das imaginação. Marajó.
formas, a uma reintegração no modo indiferenciado Pouco a pouco, o viajante vai se desfazendo dos 3- De acordo com Varella, a gigantesca descarga da foz do 13. "Os sinais precursores da chuva despertam um devaneio
rio Amazonas empurra o Atlântico equinocial a mais de especial, um devaneio muito vegetal (... ) Em certas horas
da preexistência; e a emersão repete o gesto cosmogô- seus preconceitos, abandonando suas certezas. Já ro milhas (cerca de 18,5 quilômetros) da costa brasileira. o ser humano é uma planta que deseja a água do céu", Cf.
nico da manifestação formal". 20 não se interessa pelas distinções absolutas, nem VARELLA, nome. In: Amazônia- o mundo das águas. São BACHELARD, Gastou. In: A água e os sonhos, São Paulo:
pela nitidez aparente dos contornos. Entre o ser Paulo: Empresa das Artes, 2004, p.ro3 a XX. Martins Fontes, 1997, p. r6r.
A dissolução da paisagem na água desmasca- e o não-ser, entre o possível e o impossível, entre
4- DUARTE, Cristovão F. "São Luís e Belém: marcos 14· MURAD, Carlos A. et alii. "Poética da visão imaginai: as
ra a ilusão da permanência das formas. A rigidez o atual e o virtual, o viajante descobre o caminho inaugurais da conquista da Amazônia no período filipind'. In: paisagens do olhar". In: Visão e visualização, IX Congresso
aparente dos fixos sucumbe diante da potência do vir-a-ser. Revista Oceanos, n. 41, Lisboa, janjmar 2000, pp. XX a XX. Tberoamericano de Gráfica Digital- Sigradi, Lima, Peru, 2005.,
transformadora das águas, associada ao "estado Familiarizado com os caprichos da paisagem p. 577·
21
fluídico do psiquismo imaginante". Como o rio de mutante que o envolve e tornado já parte do movi- 5· É o tempo da atuação de Landi em Belém, como arquiteto-
régio do Grão Pará. Antonio José Landi (1713-1791), 15. 'A profundidade é sempre nova". MERLEAU-PONTY,
Heráclito, a cidade é, ela própria (e desde sempre), mento que o arrasta, o viajante experimenta a sen- nascido em Bolonha, onde foi professor de perspectiva no Maurice. O olho e o espírito. Rio de Janeiro: Grifo Edições,
fluxo constante. sação vertiginosa de viver em dois mundos simul- Instituto das Ciências de Bolonha e membro da Academia 1969, p. 8o
Tão logo encerrado o temporal, a cidade emer- tâneos. Trata-se, a rigor, da transição entre o que já Clementina, chegou a Belém em 1753, como integrante da
Comissão Demarcadora de Limites, tendo aí permanecido r6. "De um modo geral, acreditamos que a psicologia das emoções
ge renovada. Está tudo no mesmo lugar, mas a foi e o que ainda não é. O foco de sua atenção se
até a sua morte. Seus projetos constituem o paradigma mais estéticas ganharia com o estudo da zona dos devaneios materiais
cidade já é outra. A cada chuva que passa, Belém volta, então, para esse movimento que, engloban- expressivo da presença do iluminismo pombalino no Brasil- que antecedem à contemplação. Sonha-se antes de contemplar".
se desfaz e se refaz. De aguaceiro em aguaceiro, do os fixos e os fluxos, se encarrega de reinventar Colônia, abrangendo os mais importantes edifícios públicos, Gastou Bachelard, op.cit., p. 5·
a cidade ressurge com o corpo e a alma lavados. (e produzir) permanentemente o lugar. residenciais e religiosos da cidade.
Por fim, no verso do mapa que já se tornara I7. Ibid, p. I35·
Purificada de seus pecados, redimida de suas ma-
6. Termo originário da língua tupi que significa rio pequeno.
zelas. Pronta para recomeçar tudo de novo, como para ele dispensável, o viajante anota a seguinte r8. Ibid., pp. r-3.
se acabada de nascer: observação: entre a pedra dura e a água mole (dois 7· DUARTE, Cristovão F. "Belém do Pará na virada do século
estados igualmente provisórios da matéria) assis- XIX: modernidade no plano urbanístico de expansão da 19. Ibid., pp. 140-r.
cidade". Dissertação de Mestrado em Urbanismo. PROURB f
"Desintegrando toda a forma e abolindo toda a his- te-se ao movimento (este sim duradouro e perene)
FAU- UFRJ, fevereiro de 1997, pp. 13-4- 20. Mircea Eliade. Op.cit., p. 153.
tória, as águas possuem esta virtude de purificação, de de constituição daquilo que chamamos paisagem
regeneração e de renascimento, porque o que é mergu- renascente de Belém. 8. Como, por exemplo, as cidades mineiras do ciclo do ouro, 21. BACHELARD, Gastou. O ar e os sonhos. São Paulo:
lhado nela 'morre' e, erguendo-se das águas, é seme- em que reconhecemos conjuntos urbanísticos homogêneos, Martins Fontes, 2001, p. 5·
datados do século XVI!I.
lhante a uma criança sem pecados e sem 'história', 22. ELIADE, Mircea. Op.cit., p. 158.
capaz de receber uma nova revelação e de começar 9· ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo:
uma nova vida ( ... )". 22 NoTA DO AUTOR Livraria Duas Cidades, 1983, p. 18r.
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SoBRE os AUTORES
190~RIOE