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Pavilhão
do Brasil
2018

Muros
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Comissário
João Carlos de Figueiredo Ferraz
Fundação Bienal de São Paulo

Curadores
Gabriel Kozlowski
Laura González Fierro
Marcelo Maia Rosa
Sol Camacho

Organização
Fundação Bienal de São Paulo

Com o apoio de
Ministério das Relações Exteriores /
Embaixada do Brasil em Roma
Ministério da Cultura / Funarte

apoio

realização
Pavilhão
do Brasil
2018

Muros
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Presidente da República
Michel Temer

Ministério das Ministério


Relações Exteriores da Cultura

Ministro das Ministro da Cultura


Relações Exteriores Sérgio Sá Leitão
Aloysio Nunes Ferreira
Secretária Executiva
Secretário-geral Mariana Ribas
Embaixador Marcos Bezerra
Abbott Galvão diretor do departamento de
promoção internacional
Subsecretário-geral de Secretário Adam Jayme Muniz
Cooperação Internacional,
Promoção Comercial e
Temas Culturais
Embaixador Santiago Irazabal Fundação Nacional de Artes
Mourão
Presidente da Funarte
Diretora do Stepan Nercessian
Departamento Cultural
Ministra Paula Alves de Souza Diretor Executivo
Reinaldo Verissimo
Chefe da Divisão de Operações
de Promoção Cultural Diretor do Centro de
Conselheiro Gustavo de Sá Artes Visuais
Duarte Barboza Francisco de Assis Chaves Bastos
(Xico Chaves)

Embaixada do Brasil
em Roma

Embaixador
Antonio de Aguiar Patriota

Ministra-conselheira
Fátima Keiko Ishitani

Chefe do Setor Cultural


Secretário Alexandre Siqueira
Gonçalves (em memória)
Fundação Bienal de São Paulo

Fundador Marcelo Eduardo Martins


Francisco Matarazzo Sobrinho Marcelo Mattos Araújo · licenciado
1898–1977 · presidente perpétuo Marcelo Pereira Lopes de Medeiros
Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa
Conselho de administração Marisa Moreira Salles
Tito Enrique da Silva Neto · Miguel Wady Chaia
presidente Neide Helena de Moraes
Alfredo Egydio Setubal · Paula Regina Depieri
vice‑presidente Paulo Sérgio Coutinho Galvão
Ronaldo Cezar Coelho
Membros vitalícios Sérgio Spinelli Silva Jr.
Adolpho Leirner Susana Leirner Steinbruch
Alex Periscinoto Victor Pardini
Álvaro Augusto Vidigal
Beatriz Pimenta Camargo Conselho fiscal
Beno Suchodolski Carlos Alberto Frederico
Carlos Francisco Bandeira Lins Carlos Francisco Bandeira Lins
Cesar Giobbi Claudio Thomas Lobo Sonder
Elizabeth Machado Pedro Aranha Corrêa do Lago
Jens Olesen
Julio Landmann Conselho consultivo internacional
Marcos Arbaitman José Olympio da Veiga Pereira ·
Pedro Aranha Corrêa do Lago presidente
Pedro Paulo de Sena Madureira Susana Leirner Steinbruch ·
Roberto Muylaert vice-presidente
Rubens José Mattos Cunha Lima Barbara Sobel
Bill Ford
Membros Catherine Petitgas
Alberto Emmanuel Whitaker Debora Staley
Ana Helena Godoy de Almeida Pires Eduardo Costantini
Andrea Matarazzo · licenciado Frances Reynolds
Antonio Bias Bueno Guillon Kara Moore
Antonio Henrique Cunha Bueno Lonti Ebers
Cacilda Teixeira da Costa Mariana Clayton
Camila Appel Patricia Phelps de Cisneros
Carlos Alberto Frederico Paula e Daniel Weiss
Carlos Augusto Calil Sarina Tang
Carlos Jereissati Filho
Claudio Thomas Lobo Sonder Diretoria
Danilo Santos de Miranda João Carlos de Figueiredo Ferraz ·
Daniela Villela presidente
Eduardo Saron Eduardo Saron · 1º vice-presidente
Emanoel Alves de Araújo Lidia Goldenstein · 2º vice-presidente
Evelyn Ioschpe Flavia Buarque de Almeida
Fábio Magalhães João Livi
Fersen Lamas Lambranho Justo Werlang
Geyze Marchesi Diniz Renata Mei Hsu Guimarães
Heitor Martins Ricardo Brito Santos Pereira
Horácio Lafer Piva Rodrigo Bresser Pereira
Jackson Schneider
Jean-Marc Robert Nogueira
Baptista Etlin
João Carlos de Figueiredo Ferraz
Joaquim de Arruda Falcão Neto
José Olympio da Veiga Pereira
Kelly Pinto de Amorim
Lorenzo Mammì
Lucio Gomes Machado
Luis Terepins
A 16ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal
de Veneza propõe uma pertinente reflexão, a partir do
conceito de Freespace, sobre a multiplicidade de formas
que a ideia de espaço livre pode assumir no pensamento e
nas realizações arquitetônicas.
A capacidade de propor temas aderentes ao presente,
como o desta Bienal de Arquitetura, e de pensar formas
alternativas e críticas de estar no mundo é também
característica da Fundação Bienal de São Paulo, razão
pela qual nos cabe a concretização das representações
brasileiras no evento italiano.
Expressar-se plasticamente não é privilégio das
artes visuais; as mais diversas áreas do conhecimento
produzem manifestações sensíveis de seu trabalho.
A Fundação Bienal se encontra, portanto, numa posição
privilegiada para ativar, a partir das exposições e ações
que promove, conexões entre campos distintos do
fazer humano.
Esse encontro de vocações que motiva a colaboração
entre as duas instituições também se estende aos outros
agentes culturais, igualmente comprometidos com as
questões de nosso tempo, que integram a rede global
cultivada pela Fundação Bienal.
Dentre esses parceiros encontram-se o Ministério
das Relações Exteriores e o Ministério da Cultura, com
os quais a Fundação Bienal realiza as participações
brasileiras na Bienal de Arquitetura de Veneza desde sua
sexta edição, em 1996, e na Bienal de Arte de Veneza
desde 1964, em sua 32ª edição.
Sabemos que a participação do Brasil na 16ª Bienal
de Arquitetura de Veneza – verdadeiro espaço livre para
discutir a construção do futuro de nossas cidades – será
fonte de diálogos que contribuirão para a formação
sensível de sujeitos emancipados.

João Carlos de Figueiredo Ferraz


Presidente da Fundação Bienal de São Paulo
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Construindo Gabriel
a proposta do Kozlowski,
Pavilhão do Laura González
Brasil para Fierro, Marcelo
a 16ª Mostra Maia Rosa,
Internacional Sol Camacho
de Arquitetura
da Bienal de
Veneza
Esta publicação condensa o exercício
de exploração, discussão, debate e
intercâmbio realizado entre os quatro
curadores e centenas de colaboradores
para criar um projeto que vai além da
exposição no pavilhão dos Giardini.
Nossa intenção foi utilizar a plataforma
da Bienal de Veneza – momento de
dedicação intensa, quando questões
semelhantes estão sendo discutidas ao
redor do mundo simultaneamente – para
ampliar uma conversa e suas possíveis
repercussões além do ponto singular
da exposição. Por isso, também, a
necessidade desta publicação não se
apresentar somente como um catálogo
tradicional, ou um espelho do que foi
exposto nas paredes do pavilhão, mas
sim oferecer a possibilidade de uma
imersão no tema.
O conceito e título Muros de ar foi
pensado para responder à proposta
Freespace, das curadoras Yvonne Farrell e
Shelley McNamara, como uma provocação
capaz de questionar: 1. as diferentes
formas de muros que constroem, em
diversas escalas, o território brasileiro;
2. as fronteiras da própria arquitetura em
relação a outras disciplinas.
Assim, partimos para uma reflexão
sobre o quanto a arquitetura no Brasil e
seus desdobramentos urbanos são de
fato, livres. Sem a pretensão de chegar
a uma resposta, mas com a ambição de
abrir a conversa para um público grande e
diverso, optamos por tentar tornar visíveis
processos que muitas vezes não são
percebidos, em função de sua natureza
ou escala. As barreiras imateriais que são
erguidas entre pessoas ou bairros, e os
processos de urbanização do Brasil em
uma escala continental são exemplos de
questões sobre as quais nos debruçamos.
Para discutir essas ideias, decidimos
tanto apresentar projetos existentes
quanto desenvolver pesquisas para
construir conteúdos novos. Essa estrutura
bilateral se reflete também na ocupação
espacial do Pavilhão do Brasil, edifício
projetado pelos arquitetos Mindlin, Palanti,
Amaral e Marchesin em 1964.
Francis Alÿs
The Leak (São Paulo)
[O vazamento (São Paulo)], 1995
Documentação de uma ação
(São Paulo)
Manoela Medeiros
Fronteira, 2017
Escavação na parede e revestimento
Primeira sala: projetos contemporânea; buscamos entender as
influências exteriores e os intercâmbios
A seleção de projetos se deu por meio de que vão modificando a prática local.
uma convocatória pública, iniciativa inédita
na história das representações brasileiras 02 – Fluxos humanos
na Bienal de Veneza. Desde o princípio, Mapeamos os movimentos contemporâneos
entendíamos como extremamente de imigração, a busca por refúgio e a
importante a realização desse chamamento migração interna no Brasil, para suscitar
pois, embora ele seja uma prática já muito uma conversa sobre a permeabilidade do
disseminada em outros países, ainda não país a essa dinâmica global.
havia encontrado seu lugar aqui. Vimos
esse processo como o primeiro passo 03 – Fluxos materiais
ao nosso alcance para democratizar a Além do fluxo de pessoas, procuramos
representação nacional nessa exposição. entender também o trânsito de mercadorias,
A convocatória resultou no recebimento analisando o vínculo entre as grandes
de 289 projetos arquitetônicos e infraestruturas do país, a exploração e o
urbanísticos, um número satisfatório; transporte das commodities, e as cicatrizes
deles, foram selecionados dezessete. A que esses fluxos criam no território.
seleção pretende apresentar trabalhos que
permitem compreender maneiras novas 04 – Paisagem fluida
e contemporâneas de se relacionar com Para explorar a relação entre os
a cidade por intermédio de um projeto ecossistemas humano e natural, delineamos
– a arquitetura como instrumento para uma conjunção entre elementos naturais
enfrentar condições urbanas em princípio da paisagem – como a conformação
incompatíveis. O último capítulo desta geográfica da América Latina, a umidade
publicação reúne detalhes sobre cada um da atmosfera e o movimento dos ventos
dos projetos selecionados: localização, – e os impactos da urbanização do país,
arquiteto e os argumentos para a escolha. procurando instigar arquitetos e urbanistas
a buscar um entendimento holístico do
lugar onde atuam.
Segunda sala: Cartografias
05 – O mapa não é o território
O conteúdo foi construído a partir do “Redesenhamos” a imensa fronteira política
mais amplo entendimento possível da do Brasil, relacionando-a às possibilidades
arquitetura, relacionando a disciplina aos de acesso e aos biomas que a atravessam,
diversos campos e forças que compõem o para mostrar a dificuldade de atingi-la – ou
meio físico contemporâneo. até mesmo compreendê-la – com precisão.
Organizamos a pesquisa em
dez grandes abordagens/linhas de 06 – Sucessão de bordas
estudo, com a intenção de revelar, em Pesquisamos a localização e as
diferentes escalas, um novo olhar datas de fundação das 5.570 cidades
diante da proposição do Freespace, brasileiras, ressaltando o processo
sob a perspectiva dos processos de contínuo de construção de um país
urbanização em andamento no Brasil: quase totalmente urbano.

01 – Cruzamentos 07 – Geografia dos investimentos


Começando pela escala global, levantamos imobiliários e 08 – Habitar a casa ou
dados sobre arquitetos brasileiros que a cidade?
estudam ou trabalham no exterior, para Analisamos as principais dinâmicas
tentar visualizar melhor esse território responsáveis pela configuração das
expandido da prática arquitetônica milhares de cidades, mostrando a grande
free
Quão franca é a troca dos arquitetos brasileiros com o mundo?

Quão aberto é o Brasil à recepção de imigrantes?

Quão sensível é o ambiente urbano à movimentação de commodities?

Quão desregulada é a relação entre os ecossistemas humano e natural?

Quão desempedido é o acessao é à fronteira brasileira?

Quão desvinculada de um projeto coeso de país tem sido a formação urbana do Brasil?

Quão desobstruída é a agenda do mercado imobiliário em relação àquela da arquitetura?

Quão generosos são os programas habitacionais brasileiros em oferecer o direto à cidade?

Quão livre é a transposição de limites entre tecidos urbanos distintos?

Quão liberador pode ser o pixo em revelar as lógicas de poder da cidade?


máquina que é o mercado imobiliário privadas. De Norte a Sul do país, este
brasileiro e o imenso impacto do programa grupo de pessoas torna visíveis, com seus
que mais construiu moradias populares no textos, as inúmeras maneiras de entender
país, o Minha Casa Minha Vida. os muros que conformam nosso país
e, assim, de refletir sobre o significado
09 – Divisões sólidas de Freespace.
Descendo à escala da cidade, examinamos Juntaram-se à consultoria e ao
os muros verdadeiros, físicos, que intercâmbio com estes profissionais
dividem a paisagem urbana e reforçam a dinâmicas de trabalho envolvendo mais
segregação socioespacial brasileira. de sessenta imigrantes; um workshop
com estudantes do mestrado da escola
10 – Criptografias do poder de arquitetura do Massachusetts Institute
Chegando à escala do edifício, estudamos of Technology (MIT); e, sobretudo, a
o fenômeno do pixo como representação mineração rigorosa de dados realizada
palpável do muro enquanto espaço por nossa equipe de jovens arquitetos:
de embate. baseados em São Paulo, Rio de Janeiro,
Nova York e Boston, eles se dedicaram
exclusivamente a dar consistência e
Para pesquisar cada uma destas precisão à pesquisa.
abordagens – e materializar a intenção O resultado desta complexa
de envolver uma equipe maior e mais constelação de pessoas, que trabalharam
diversa no processo de construção da incessantemente durante seis meses,
exposição –, montamos um conselho toma no Pavilhão do Brasil a forma de
multidisciplinar e convidamos para dez enormes desenhos cartográficos,
participar dele agentes e profissionais de reproduzidos aqui em miniatura. Com
destaque em campos variados: cineastas, 3 × 3 metros cada um, foram criados
historiadores, incorporadores imobiliários, especificamente para a mostra Muros
ativistas, artistas, empresários, geógrafos, de ar, e cartografam de forma minuciosa
antropólogos, médicos, gestores públicos, as dez abordagens que nos parecem
matemáticos, advogados, pixadores e relevantes na prática daqueles que são
cientistas de dados. responsáveis por construir o meio físico,
Com um representante por tema, o sejam arquitetos ou não.
conselho multidisciplinar teve a tarefa
de orientar a equipe na investigação e 10 escalas
apontar fontes e caminhos para o uso 10 abordagens
dos dados e o desenvolvimento das 10 maneiras de entender a arquitetura
ideias. Parte desta troca foi registrada e de relacioná-la com outras
em entrevistas, que estão publicadas disciplinas
aqui. Elas foram planejadas e editadas
com a colaboração do coletivo Entre, do A escolha de uma linguagem cartográfica
Rio de Janeiro; e gravadas com a parceria para apresentar essas pesquisas foi uma
do Arq.Futuro. das primeiras e mais enfáticas decisões
Paralelamente, sondamos o panorama de nosso projeto expográfico. A escolha
nacional de pesquisadores e profissionais se deu em parte para fugir de modelos
com trabalhos relevantes, no espectro tradicionais de exposição, saturados de
dessas dez abordagens, e convocamos imagens realistas (fotografias, renders
mais de vinte especialistas para escrever etc.); e, por outro lado, com a finalidade
ensaios aprofundando cada uma delas. de unir o desenho, recurso clássico e
Alguns trabalharam sozinhos, outros principal do arquiteto para representar
envolveram na tarefa seus grupos de o espaço, com ferramentas avançadas
pesquisa, universitários ou de empresas de georreferenciamento.
Marcius Galan
Seção diagonal, 2008
Montagem para a exposição
Lula Buarque de Hollanda
Fragmento da instalação
O muro, 2017
O formato dos painéis, de enorme Veneza, olhamos para cada uma das mais
dimensão, remete à incomensurável de duzentas pessoas que acreditaram
extensão do território brasileiro, o quinto em nossa ideia e ficamos extremamente
maior do mundo, e permite perceber as gratos pela confiança, na certeza de
centenas de camadas sobrepostas que a termos usado essa oportunidade para
pesquisa descortina. São narrativas dentro desencadear uma onda de discussão sobre
de narrativas. a arquitetura como agente para transpor
Ao mesmo tempo em que trazem novas ou relevar algumas das dificuldades
maneiras de compreender a informação atuais de nosso país e de nossa profissão.
exposta, os desenhos carregam uma Esperamos que esse livro seja o começo,
estética cuidadosamente articulada que, e não o final, da conversa sobre nossos
de certa forma, remete à ideia da pintura e Muros de ar.
à relação com o mundo das artes visuais,
impossível de excluir, no contexto da
Bienal de Veneza.
Este vínculo final é fortalecido pela
extensão do convite a artistas brasileiros
e internacionais que realizam trabalhos no
Brasil a participarem desta publicação. A
seleção destes artistas e obras conforma
um grupo de pessoas e trabalhos sensíveis
aos mesmos temas que nos inquietam
nessa Bienal. Fotografia artística e
documental, vídeo, performance, colagem
digital, escultura e pintura são os meios
utilizados para provocar a conversa
sobre barreiras tangíveis ou invisíveis;
o embate entre natureza e construção;
os desencontros entre planejamento,
políticas e realidades habitacionais; as
cicatrizes de projetos que respondem a
lógicas econômicas distantes da escala do
ser humano. Críticas, as obras mostram
uma geração que considera o meio
físico indissociável do trabalho e usa a
manifestação artística para explicitar suas
preocupações.
Finalmente, a peça do Atelier Marko
Brajovic – desenvolvida em parceria com a
prefeitura de São Paulo – e comissionada
para a área externa do Pavilhão, materializa
o conceito de transpor fronteiras com a
transformação de grades da cidade em
mobiliários urbanos.
Assim, desde a opção inicial da
Fundação Bienal de São Paulo por quatro
curadores, o norte que nos orientou no
desenvolvimento desse projeto foi a
ideia do trabalho como esforço coletivo.
Escrevendo esse texto a poucas semanas
de inaugurar o Pavilhão do Brasil em
Cildo Meireles
Através, 1983-1989
Vista da instalação
1. Cbrasileiros
ruzamentos: arquitetos
no exterior 4. Pdos
aisagem fluida: encontro
ecossistemas
natural e humano
32 Introdução
34 Nicolás Robbio  130 Introdução
depoimentos 132 Carolina Caycedo
36 Arquitetos brasileiros no exterior 136 Helena Wolfenson e Aline Lata
entrevista entrevista
42 Claudio Haddad 142 Antonio Donato Nobre
ensaios ensaios
48 Eduardo Aquino 148 Paulo Tavares
Aquilá (HereThere): a construção de As cheias, as secas
um outro mapa 154 Álvaro Rodrigues dos Santos
58 Ana Luiza Nobre Arquitetura, urbanismo e geologia:
Casas de brasileiros: fluxos casamento indispensável
arquitetônicos, migratórios e
simbólicos entre Brasil e Portugal

5. Oo redesenho
mapa não é o território:
da fronteira

2. Fassimilação
luxos humanos:
cultural como
diluição de barreiras
166
168
Introdução
Runo Lagomarsino
172 Paulo Nazareth
72 Introdução entrevista
74 Rivane Neuenschwander 174 Ailton Krenak
entrevista ensaios
84 Carla e Eliane Caffé 180 Gabriel Duarte
depoimentos O horizonte é apenas o início:
88 Uma reflexão a partir da Ocupação fronteiras, cidades e identidades
9 de Julho, em São Paulo 190 Celma Chaves Pont Vidal
ensaios Amazônia múltipla e os significados
92 Ana Carolina Tonetti e Ligia Nobre da fronteira
Contracondutas: políticas da arquitetura
e escravidão contemporânea
100 Paula Miraglia, Gabriel Zanlorenssi
e Rodolfo Almeida
Sete gráficos sobre a imigração no Brasil
6. Snarrativas
ucessão de bordas:
da construção
de um país urbano

202 Introdução

3. Fluxos materiais: rastros


físicos da negociação
de commodities
204

208
Jonathas de Andrade
entrevistas
Luiz Felipe de Alencastro
212 Antonio Risério
110 Introdução ensaio
112 Melanie Smith 218 Iris Kantor
114 Cássio Vasconcellos Linhas imaginárias, muralhas e
entrevista mobilidade: fronteiras continentais na
116 Sérgio Besserman cartografia luso‑brasileira
ensaio
122 Philip Yang e Marcela Ferreira
As cidades e o rastro das commodities
7. Gimobiliários:
eografia dos investimentos
discordâncias
entre as agendas do capital
9. Divisões sólidas:
fronteiras na cidade

e da arquitetura 308 Introdução


310 Antoni Muntadas
228 Introdução 312 Pedro Victor Brandão
230 Renata Lucas entrevista
236 Bárbara Wagner e Benjamin de Burca 318 Gilson Rodrigues
238 Mauro Restiffe ensaios
entrevista 324 Marcos L. Rosa
244 Claudio Bernardes Contestando fronteiras: práticas
ensaios culturais, desenho urbano e
250 Danilo Igliori e Sergio Castelani construção de situações na cidade
Espaço e mercado: uma reflexão 330 Rodrigo Agostinho
sobre a geografia imobiliária Transpondo e quebrando barreiras
e economia das cidades 338 Bruno Santa Cecília
256 Eudoxios Anastassiadis Construindo espaços livres
Está na hora de derrubarmos este muro 346 GRU.A + OCO
Desmontar, aterrar e perfurar

8. Hohabitacional
abitar a casa ou a cidade?
impacto do programa
Minha Casa 10. Criptografias do
poder: desobediência
Minha Vida e exclusão na cidade

266 Introdução 360 Introdução


268 Tuca Vieira 362 Ivan Padovani
270 Carol Quintanilha 368 Pablo López Luz
entrevista entrevistas
278 Drauzio Varella 372 Cripta Djan
ensaios 376 Kenarik Boujikian
284 Elisabete França ensaios
Formas de morar no século 21: 382 Paulo Orenstein
minha casa é minha cidade Probabilidades no pixo
292 Raquel Rolnik 392 Victor Carvalho Pinto
Os invisíveis da cidade e os muros A cidade e a lei: o papel do direito na
que os confinam recuperação da urbanidade perdida
298 Marc Angélil e Rainer Hehl
Minha casa, nossa cidade: sobre a
transformação micropolítica da oferta 398 Instalação nsdc no exterior
de moradia no Brasil do Pavilhão do Brasil
Atelier Marko Brajovic

402 Os limites dos objetos


Seleção de projetos pelo edital

444 Bibliografia e créditos de imagens


454 Créditos gerais
1
Cruzamentos:
arquitetos brasileiros
no exterior
Quão franca é a troca
dos arquitetos brasileiros
com o mundo?
No começo do século 20, o sociólogo principais fatores de estímulo ao fluxo de
Georg Simmel definiu o caráter social pessoas capacitadas para fora do país,
do viajante como o de alguém que está sobretudo nas duas últimas décadas.
constantemente entre situações, próximo Como o programa Ciência sem Fronteiras,
e distante, e cuja principal qualidade criado em 2011 e implementado em 2012,
vem de fora do lugar que ocupa.1 Entre pelos ministérios da Ciência e Tecnologia
a assimilação do novo e a alienação do e Inovação e da Educação, para oferecer
familiar, o viajante está sempre negociando bolsas por períodos de quatro anos a
sua identidade. Como profissional que estudantes brasileiros em diferentes níveis
projeta o espaço físico e, cada vez mais, de educação superior.2
as redes que os conectam, o arquiteto- Com foco nas áreas do conhecimento
viajante passa por uma espécie de associadas às ciências e à tecnologia,
cruzamento que levanta questões sobre o programa objetivava, em linhas
a permeabilidade da disciplina a novas gerais, favorecer o intercâmbio entre
influências arquitetônicas e culturais. estudantes e pesquisadores brasileiros
Quais muros são desconstruídos quando e estrangeiros; inserir as instituições
movimentos de imigração passam a e a produção acadêmica brasileiras no
integrar um campo muitas vezes fechado panorama científico internacional; e atrair
e autorreferente? Esse capítulo se profissionais das ciências altamente
concentra nos benefícios das práticas de qualificados para o Brasil. O programa
intercâmbio – que, historicamente, não são distribuiu mais de 100 mil bolsas, 70% delas
desconhecidas da arquitetura brasileira. para estudantes de graduação. Embora
Arquitetos e urbanistas brasileiros não se relacionasse diretamente ao estudo
sempre foram altamente influenciados de arquitetura, teve o importante papel
por práticas importadas, mesmo quando de encorajar o ingresso de estudantes
a profissão ainda estava em processo brasileiros, inclusive de arquitetura, em
de estruturação no país. Três grandes instituições estrangeiras. Entre 2012 e 2015,
momentos são mais notáveis: na os brasileiros passaram da 11ª para a 6ª
implementação da primeira faculdade posição entre os estudantes estrangeiros
de arquitetura, no Rio de Janeiro de 1816, com maior presença em instituições de
envolvendo grande número de professores ensino superior nos Estados Unidos.
estrangeiros; durante e depois das duas Embora o Ciência sem Fronteiras
guerras mundiais, com a imigração, para continue apoiando programas de
a América do Sul, de arquitetos europeus, pós-graduação, o custo total de sua
como o alemão Franz Heep, o polonês implementação foi considerado muito
Victor Reif e os italianos Lina Bo Bardi, alto para o país, no cenário da recessão
Giancarlo Palanti e Gian Carlo Gasperini; econômica do início de 2015. Como
e após o fim da ditadura militar, quando observa Claudio Haddad em sua entrevista,
arquitetos e professores brasileiros, a iniciativa não se ajustava completamente
como João Batista Vilanova Artigas, à realidade econômica do Brasil.
voltaram do exílio trazendo as mais No atual contexto de trocas globais
diversas referências. de perfis acadêmicos e culturais, o
Recentemente, no entanto, o capítulo “Cruzamentos” expõe pontos
movimento de busca de oportunidades de concentração e de ausência de
de desenvolvimento fora do país intercâmbios. Para tentar entender o
cresceu entre estudantes e profissionais impacto dessas políticas e tendências nos
de arquitetura brasileiros. No nível profissionais de arquitetura e design, o
educacional, os programas de estudo no capítulo apresenta uma leitura quantificada
exterior – apoiados por iniciativas federais da presença de arquitetos brasileiros
e viabilizados por parcerias institucionais ao redor do mundo. A informação
entre universidades – vêm sendo um dos provém majoritariamente de instituições
governamentais especializadas, e é O mapa
complementada pela coleta de dados
pela plataforma online organizada para a O mapa Cruzamentos olha o globo
exposição Muros de ar.3 desde uma perspectiva do movimento
O ensaio de Ana Luiza Nobre discute de estudantes e profissionais que se
o papel da arquitetura contemporânea movem do Brasil para fora. As barras
local no atual movimento de migração em diferentes pontos representam o
de brasileiros para Portugal, sugerindo número de estudantes brasileiros de
uma espécie de inversão em relação ao arquitetura e design recebidos em cada
período colonial – ou mesmo a anos mais uma das cidades, entre 1998 e 2016, por
recentes, quando arquitetos portugueses universidades afiliadas à CAPES, agência
vieram bater à porta dos escritórios de governamental brasileira que é a principal
arquitetura de São Paulo e do Rio de responsável por promover intercâmbios
Janeiro. A realidade arquitetônica dos acadêmicos internacionais. As instituições
interiores brasileiros chega à Europa com são listadas, ao longo da circunferência, e
uma população que, mudando seu local da os diagramas mostram o número anual de
moradia, leva a domesticidade brasileira participantes. O ano de 2012, destacado
a Portugal. em vermelho, marca o início do programa
Com quase dez mil novos arquitetos Ciência sem Fronteiras.
formados todos os anos – e os desafios de No território brasileiro, cada seta
sua inserção no mercado de trabalho – a representa o número de arquitetos
análise do arquiteto-viajante se mostrou registrados e em atividade por cidade,
pertinente. O mapa desse capítulo revela segundo informações do Conselho de
que quase 88% dos estudantes escolhem Arquitetura e Urbanismo (CAU). O diagrama
fazer essa troca em cidades norte- correspondente mostra a relação entre
americanas e europeias, onde vão para homens e mulheres nas 400 cidades com
estudar ou trabalhar. Além da facilidade de dois ou mais arquitetos registrados.
acesso, isso confirma como as preferências
associadas à inspiração cultural e às
1. Ver Georg Simmel, O estrangeiro,
referências projetuais ainda estão altamente trad. Mauro Guilherme Pinheiro
concentradas nesses dois polos. Koury. Disponível em: paginas.
Como nas fronteiras subjetivas da cchla.ufpb.br/grem/SIMMEL.O%20
obra de Nicolás Robbio, e nas Américas estrangeiro.Trad.Koury.rbsedez05.
pdf Acesso em: 23 abr. 2018.
especulativas sugeridas pelas imagens
2. Ver Ciência sem Fronteiras.
que ilustram o ensaio de Eduardo Disponível em: www.
Aquino, o Brasil é transformado por cienciasemfronteiras.gov.br/web/
meio das experiências subjetivas vindas csf/o-programa. Acesso em: 23
de diferentes países, cidades, culturas abr. 2018.
3. Disponível em:
e histórias. As linhas se misturam e
www.murosdear.org.br.
desaparecem, às vezes sugerindo a
realidade imaterial das fronteiras, em
outras, a de geografias alternativas. No
final, o Brasil também se torna produto de
experiências de cruzamentos. Em última
análise, na medida em que o arquiteto-
viajante transforma a percepção de seu
lugar de origem enquanto está fora, ele
leva consigo a ideia de um Brasil menos
fechado e mais híbrido; a ideia de um
país que se sente em casa também em
outras geografias.
Nicolás Robbio
Plano expandido (Questões
ao traçar uma linha), 2016
319 peças de arame
Arquitetos brasileiros 36
no exterior

Para fazer uma leitura mais sensível e


palpável da forma como os arquitetos e
urbanistas brasileiros atuam no exterior,
procuramos profissionais que, em algum
momento (ou vários), tenham vivido a prática
da profissão fora do país. O contato com
arquitetos brasileiros de destaque em outras
geografias foi feito por meio de indicações
da rede de colaboradores de Muros de
ar. A seleção enfocou profissionais que
abordam a prática em múltiplas frentes e
nos contextos mais distintos: arquitetos que
atuam na América do Norte, Europa, África
e Ásia, em diferentes campos – fotografia,
pesquisa, curadoria, arte e projeto. A eles
foi solicitado que refletissem sobre a
pergunta: “Como o seu deslocamento
pessoal permitiu uma outra compreensão
de Brasil e como esta experiência definiu
uma nova posição relativa à pesquisa e à
prática da arquitetura?”
Um aspecto de extrema valia observado
em suas respostas é que não há, no embate
entre o aprendizado brasileiro e as atividades
no exterior, nenhuma forma de barreira ou
fronteira. Ao contrário, praticamente todos
os arquitetos falam de enriquecimento e de
oportunidades para o crescimento pessoal
e profissional. Para eles, viver e atuar em um
local diferente de sua origem possibilitou,
inclusive, uma nova amplitude em suas
reflexões e sentimentos em relação ao Brasil.
Aliando a isso o conhecimento
relacionado às suas formações como
arquitetos e suas vivências no Brasil, os
relatos abrem campo para pensar sobre
nosso papel e nossos objetivos enquanto
profissionais. Com uma essência brasileira
que jamais poderia ser negada, cada um
desses colaboradores pontua brevemente
aquilo que os remete ao Brasil. Se são
responsáveis por levar pequenos pedaços
do país para o exterior, também têm de ir
além das especificidades brasileiras. Ao
ampliar seus horizontes, levam juntos os
nossos até outros cantos do planeta.
“O lugar de nascimento é o lugar onde a “Por que trabalhar no exterior? A princípio,
vida faz sentido. Há lugares de registro fui morar em Londres para estudar
e de adoção. O privilégio de ter vivido a com alguns dos arquitetos sobre os
maior parte de minha vida adulta em vários quais eu havia lido na biblioteca da
lugares fora do Brasil está em me sentir universidade, em Belo Horizonte. Depois,
cidadão não somente de um país, mas para minha completa surpresa, me dei
de várias cidades, entre elas São Paulo, conta de que também poderia ter uma
Grenoble, Nova York, Florença, Tóquio carreira internacional no contexto da
e Saint Louis. prática, da curadoria e do ensino. Minha
Como arquiteto, essa experiência é experiência internacional me permitiu
extraordinária. Ela permite compreender trabalhar com um tipo de arquitetura
concretamente que cada sociedade cria que eu queria praticar – experimental e
seus próprios espaços, a matéria-prima inovadora –, preservando um pensamento
da arquitetura e da cidade. Mais do que independente. Ela me permitiu valorizar as
outra visão do Brasil, essa perspectiva duas coisas: o que a arquitetura brasileira é,
humanística confirmou valores e práticas mas também o que poderia ser. Em outras
que aprendi na minha formação acadêmica palavras, a principal lição que tirei de
e em minhas experiências profissionais morar fora foi, talvez, investir e pesquisar
iniciais, que continuei a desenvolver e a o futuro próximo, apesar dos problemas
expandir em outros países. sociais agudos de meu país natal. Sonhar
Nas últimas duas décadas, minha com alternativas não é um luxo, mas uma
prática profissional tem se concentrado necessidade, se quisermos transformar
em educação, pesquisa e prática artística. nossa realidade hoje.
Ensino projeto e história da arquitetura e Há muitos anos tenho me inspirado
da cidade, escrevo, desenho e organizo na cultura brasileira e em seus desafios
exposições. Os muitos anos que venho ambientais. Em nosso trabalho atual, nos
dedicando a pesquisar e escrever sobre inspiramos na cultura amazônica. Um de
a vida e a obra da arquiteta Lina Bo Bardi nossos projetos é um Centro de Pesquisa
têm sido minha autoeducação sobre o Florestal em Bangladesh. Nele, utilizamos
Brasil e sobre a amplidão da arquitetura lições aprendidas no contexto ambiental
como representação cultural e como lugar amazônico e traduzidas para o local, um
de prática da vida cotidiana.” litoral afetado pelo aquecimento global.
Se a inovação é também um exercício
arqueológico, estou feliz de poder tomar
emprestados alguns sonhos do rio Negro.
Por que não?”

Zeuler Lima, Ricardo de Ostos,


Saint Louis, EUA Londres, Grã-Bretanha
“Os primeiros meses fora do Brasil “Fui criado dentro do ideário do
misturam estupor e incompreensão. modernismo brasileiro, sendo parte da
Coloque no mesmo prato os ícones da família de Olavo Redig de Campos, que me
arquitetura moderna, acrescente um colocou em contato com a arquitetura.
modelo de cidade que sempre apostou no Em 1974, cursando arquitetura em
âmbito público, apartamentos insalubres, pleno período do opressivo governo
um bom vinho, e junte uma pitada da militar brasileiro, fui morar no Canadá
inevitável vontade de divulgar a arquitetura para continuar meus estudos. Havia
brasileira (“ei, europeu, de onde eu venho liberdade de movimento na estrutura
as marquises se inundam de paisagem!”). social e também na metodologia de
Como na Europa não há lugar para ensino da Faculdade de Arquitetura da
uma marquise generosa, a paisagem não Universidade de Toronto, que oferecia
invade espaço algum e poucos entendem uma experimentação dinâmica dentro da
a arquitetura brasileira, ajuda ser oriundo instituição. O diretor, George Baird, tinha
de um país que “não passa de moda”. contatos importantes com arquitetos e
As portas se abrem sem que se precise teóricos de pensamento assemelhado em
mostrar muito currículo, e saber enfrentar Nova York e Londres; na verdade, era um
desafios faz parte do nosso pedigree, o ambiente cultural sem fronteiras.
que nos permite nos adaptar, enfrentar Foi aí que desenvolvi a Arquitetura
as crises econômicas e ser mutantes: Paralaxe, uma ferramenta crítico-teórica
arquiteto, urbanista, paisagista, tradutor para examinar e interrogar a arquitetura.
ou fotógrafo. Ela foi aplicada à minha ligação com
Porque é difícil explicar a força de um o Brasil, forte e sempre presente. Em
Oscar, Lina, Paulo ou Rino. Pouca gente 1984, graças a um convite de Lina Bo
entende o que significa esse desafio Bardi para ser curador de uma exposição
de voltar à essência da arquitetura. no Sesc Pompeia, em São Paulo, a
Dentro desse panorama, a fotografia de metrópole interrompida e o colapso de
arquitetura que proponho na Europa é sua profundidade de campo geraram
estranhamente melancólica e solitária. uma pesquisa e um trabalho continuados
Deixo implícita a ideia de que aquela envolvendo a Paralaxe.
frondosidade ou aquele concreto do outro Projetos e aulas em Toronto, Stuttgart,
lado do Atlântico são inalcançáveis na Guernsey, Barcelona, Londres, Montreal
velha Europa.” e São Paulo são parte essencial da minha
prática, uma navegação arquitetônica e social
por situações urbanas e arquitetônicas.”

Flavio Coddou, Alexander Pilis,


Barcelona, Espanha Montreal, Canadá
“Logo depois que me formei em arquitetura “Como arquiteto e urbanista especializado
pela USP, veio a crise do governo Fernando em habitação popular, urbanização
Collor e não havia muito trabalho por informal, desenho urbano e urbanização de
aqui. Era 1991. Resolvi me mudar para o favelas, vim a trabalhar com a desigualdade
Japão, que vivia a sua bolha econômica. na cidade, a utilizar meus conhecimentos
Morando em Tóquio, trabalhei por alguns em prol dos excluídos das políticas
anos em um escritório de arquitetura. públicas, para fomentar o acesso a uma
Mas gostava também de lidar com arte habitação digna, à arquitetura de qualidade,
e, devagar, fui deixando a arquitetura a um espaço residencial onde possam viver
para ser artista. Deixei de projetar um com cidadania plena. Um trabalho pioneiro
mundo físico, mas minhas obras sempre com as invasões e os acampamentos
foram bastante influenciadas pela originados da construção de Brasília me
arquitetura e pelo urbanismo. Nas minhas levou à Holanda e depois à Guiné‑Bissau,
pinturas, o personagem principal são onde dei início a uma carreira internacional
os ambientes internos, as edificações que me levou a mais de trinta países.
e as paisagens imaginárias e reais. Os Nesses anos, residi na Holanda, na
anos foram passando e, para ampliar os Guiné‑Bissau, no Egito, no Quênia e na
horizontes, mudei-me para Nova York. Meu Arábia Saudita, e trabalhei com certa
deslocamento pessoal me trouxe uma frequência e continuidade em países como
compreensão melhor do Brasil. A distância Bulgária, Moldávia, Cuba, Bolívia e Brasil
em relação ao meu país de origem me – como consultor internacional. Minha
permitiu refletir sobre minha bagagem identidade e minha base cultural foram
cultural e pensar como meu imaginário foi fundamentais para interagir com uma
sendo construído. Não me arrependo de ter diversidade de contextos sociais, políticos
saído do país ainda jovem. Graças à minha e econômicos, e compreender melhor
educação e à herança cultural adquirida no processos sociais tangíveis e intangíveis.
Brasil, pude ter uma base sólida para fazer Os fundamentos construídos em minha
uma carreira internacional.” interação com a população excluída nas
cidades brasileiras tornaram‑se uma
vantagem comparativa em minha atividade
profissional em outros países, ajudando
a contextualizar e aprofundar a busca de
soluções adequadas, numa troca e num
aprendizado constantes.”

Oscar Oiwa, Claudio Acioly,


Nova York, Eua Nairóbi, Quênia
“Sempre tive um espírito viajante e Nosso escritório, o Girimun Architects,
desbravador, o que me fez sair do Brasil atua desde 2009 realizando esses projetos,
em busca de novas experiências, sem que promovem uma fusão de escalas,
imaginar que terminaria por desenvolver exigindo soluções de urbanismo, desenho
minha carreira no exterior. Apos um urbano, arquitetura, interiores, desenho
período de quatro anos em Londres, onde gráfico, sinalização e branding, tudo num
cursei pós‑graduação na Architectural só projeto e ao mesmo tempo.
Association School of Architecture e Nos últimos anos, temos buscado
trabalhei como arquiteto em grandes colaborar em projetos no Brasil, por
escritórios, me estabeleci em 2002 em entender que nossa experiência é
Hong Kong, que considero a capital extremamente relevante na busca de
da Ásia. ideias e soluções para os grandes centros
É aqui que questões importantes urbanos brasileiros.”
das grandes cidades contemporâneas,
como infraestrutura, mobilidade urbana
e acessibilidade têm sido enfrentadas
com grandes projetos e boa dose
de criatividade. Uma combinação
de pujança econômica, grandes
investimentos em infraestrutura,
pressão demográfica e alta densidade
urbana criam um ambiente propício ao
desenvolvimento urbano e ao apetite
para a realização de grandes projetos.
Desde então tenho focado meu fascínio
pela cidade e meu interesse criativo na
realização de projetos que incorporam
e testam, na prática, os princípios da
mistura de usos nos bairros e quadras e
da sinergia entre edifícios e as atividades
que abrigam, bem como a integração com
a malha de transportes da cidade. São os
chamados empreendimentos de uso misto
integrado ao transporte, os Transport
Oriented Mixed-Use Developments (TOD).
Planejados e desenhados com
criatividade, adequação ao contexto
urbano e pertinência imobiliária, esses
empreendimentos se convertem em
verdadeiros marcos de referência
da cidade, destinações atraentes de
trabalho, lazer, moradia e, por que não,
espontaneidade urbana.

Mauro Resnitzky,
Hong Kong, China
“Durante um intercâmbio no Porto em “Deslocar-se do próprio ponto referencial
2001, a oportunidade de viajar e explorar a é um ato de ruptura no tempo e no
arquitetura que víamos somente em livros espaço. A própria ideia do país muda na
e revistas era imperdível para quem estava memória de sua existência naquele lugar
de passagem pela Europa. Os poucos dias em um dado momento. O deslocamento
na Holanda foram marcantes: época boa comporta distanciar-se e transpor-se em
do SuperDutch! novas dinâmicas sociais e profissionais. O
A liberdade e a experimentação que distanciamento me permitiu, em primeiro
norteiam grande parte da produção lugar, observar o valor das relações sociais
contemporânea holandesa sempre foram no Brasil, caracterizadas pela empatia
extremamente atraentes, motivando e a generosidade, mas também pela
jovens arquitetos estrangeiros a explorar o desigualdade e a informalidade. Quase
pensamento aberto de incontáveis opções como uma metáfora da geografia e da
projetuais. Em contrapartida, a cultura paisagem brasileiras: generosas, vastas,
arquitetônica do Brasil e de Portugal nos diversas e contrastantes. Ao enfrentar
faz pensar de maneira linear, buscando novos paradigmas profissionais, pude
a melhor solução, quando não a única! O observar o valor da técnica e da estética
grande dilema. no contexto brasileiro, caracterizadas pela
A visão de arquitetura ao longo desses leveza e a generosidade de traços, simples
anos de prática – e dilemas pelo caminho –, mas rigorosos, que integram função e forma
trabalhando na Europa, na Ásia e na com economia e expressão. A transposição
América, me faz perceber o embasamento de um país para outro ocorre através de
fundamental de meus primeiros anos de um processo de síntese e adaptação. Essa
trabalho no Brasil e dos anos bem vividos síntese, na minha experiência profissional,
de estudo no Rio de Janeiro e no Porto. é o resultado destas observações sobre
Estudar a arquitetura que fez o Brasil o Brasil: uma constante busca pelo
ser reconhecido mundialmente neste significado e pelo valor humano e social
campo, e entender, ser crítico e apreciador na prática do ensino e da pesquisa em
de sua produção contemporânea, são arquitetura e urbanismo. Isso se transforma
o legado que tenho e que me permite em uma procura de leveza e de precisão,
atuar como professional num mundo pelo equilíbrio e o rigor do traço e pela
onde a arquitetura enfrenta questões de compreensão da paisagem (e de suas
globalização e identidade. dinâmicas) como sítio natural e cultural.
Há 13 anos sou arquiteto no Mecanoo Enfim, uma busca pelo essencial como ato
architecten, na pequena cidade de fundamental do projeto.”
Delft, que fica a 15 minutos de Roterdã,
onde vivo.”

Taneha
Rodrigo Louro, Kuzniecow Bacchin,
Delft, Holanda Delft, Holanda
entrevista: 42
Claudio Haddad

Claudio Haddad (Rio de Janeiro,


1946) é engenheiro e economista.
Formado em engenharia mecânica
e industrial pelo Instituto Militar de
Engenharia e PhD em economia
pela University of Chicago, foi
diretor do Banco Central, professor
de economia na Fundação Getúlio
Vargas, no Rio de Janeiro, e sócio
do Banco Garantia. É fundador do
Insper, cujo conselho preside.
Muros

Quais são as principais barreiras a um


intercâmbio de conhecimento mais
amplo entre o Brasil e outros países,
no âmbito da educação superior?
A barreira é fruto de várias coisas, desde
o material humano, em função da baixa
escolaridade no ensino básico. Para se
ter uma ideia, apenas cerca de metade
dos jovens com dezoito anos completam
o ensino médio e, desses, só 10% têm
um nível de matemática considerado
minimamente adequado pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Claro que o Brasil
sempre tem pessoas que se destacam,
mas dado o tamanho do país, se esperaria
muito mais em termos de nível educacional,
intercâmbio, pesquisa científica, trabalhos
e assim por diante.

Evidências

O que o programa Ciência sem


Fronteiras representou para a academia
brasileira, por exemplo?
Acredito que o Ciência sem Fronteiras
foi um programa bem bolado, que teve
impacto positivo. Infelizmente, talvez
tenha sido ambicioso demais e isso
tenha atrapalhado. Todavia, a intenção é
boa, e ele deveria ser continuado dentro
de uma escala mais condizente com a
nossa realidade.

Efeitos colaterais

O que esses cruzamentos educacionais


com outros países significam para a
cultura e a economia brasileiras? Qual é
o efeito de quebrar as barreiras entre as
disciplinas, em um contexto maior?
No Brasil, ainda temos uma economia
muito fechada. Não só em termos
de ideias e intercâmbios, mas
também de comércio internacional.
É muito importante para o próprio
desenvolvimento do país, assim como
para o desenvolvimento das pessoas, que trazer novos conhecimentos e práticas
haja essa troca de ideias. Há muita coisa do exterior, atuam como elementos
para se fazer, principalmente no ensino catalisadores desse círculo virtuoso.
superior. Nosso ensino é feito em torno
de silos. As pessoas estudam certas
coisas sem que haja uma interconexão Experiência disciplinar
maior entre as várias disciplinas e
escolas. Em arquitetura, sobretudo, isso Quais estratégias você busca para
é absolutamente essencial. O arquiteto superar as fronteiras da desigualdade
não tem de se preocupar só com a social a partir de sua atuação no sistema
forma, mas com uma série de outras educacional brasileiro, no Insper, por
coisas: a viabilidade física e econômica, exemplo? Como a educação se relaciona
a interação cultural, artística e estética com o que você chama de capital social?
do projeto com o resto da comunidade. Boa parte da desigualdade se deve ao
Isso deveria ser a base de nossas escolas problema educacional. O baixo nível
de arquitetura, engenharia, economia e educacional gera ganhos excepcionais
assim por diante. para quem se destaca e tem um nível
No Insper, começamos do zero. Não há mais alto, dado o nosso sistema
departamentos, nós temos programas – regressivo, em que a educação pública
de engenharia, economia, administração. tem qualidade inferior à educação
Os engenheiros se envolvem em projetos oferecida pelos colégios privados. Um
desde o início, e a teoria é dada ao longo aluno que tem dinheiro paga a escola
do caminho; é o Project-Based Learning. privada até o ensino médio e depois
O engenheiro também deve se preocupar entra numa universidade pública, que é
não apenas com a viabilidade física, mas de graça. Já as pessoas que não tiveram
também com a econômica, e se aquela essa oportunidade, mas uma educação
coisa é interessante e desejável para a pública de qualidade inferior, têm de
sociedade e o meio ambiente. cursar uma faculdade privada paga,
embora haja programas como o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies). No Insper
Comportamento e micropolítica queremos ser uma escola inclusiva: temos
um fundo de bolsas para que todo jovem
Como o conhecimento acumulado talentoso que passe no nosso vestibular
individualmente em intercâmbios possa estudar, independentemente de
é disseminado e apropriado pelo renda e patrimônio. Isso é fundamental
coletivo? Como a experiência individual para nos tornarmos uma escola não
pode influenciar o comportamento de de ricos, mas de todos que queiram
uma comunidade? entrar. Isso realmente causa impacto na
A evidência mostra que a interação entre formação de cidadãos competentes, não
indivíduos capacitados é fundamental para só em termos de conhecimento, mas de
a disseminação de ideias, conhecimento outras habilidades: pensamento crítico,
e atividades produtivas. E que isso se trabalho em grupo, e uma série de coisas.
dá de forma cumulativa, por meio do Educação entendida como conteúdo
que chamamos externalidades. Não é uma condição necessária, mas não
somente um conjunto de profissionais suficiente, porque você tem de aliar essa
capacitados gera mais do que a soma educação à cidadania, resultando na
individual de suas partes, mas também mistura que se chamaria de capital social.
se expande em uma rede de apoio a esses É o que procuramos fazer no Insper:
profissionais, composta por profissionais aprendizagem não são só de conteúdos,
mais qualificados, o que beneficia toda mas de várias outras competências e
a comunidade. Os intercambistas, ao habilidades e, inclusive, valores.
Potencial transformador modelo de uma instituição americana
privada: nos envolvemos muito em
Qual seria a perspectiva para a levantamento de fundos de terceiros,
educação pública, tendo em vista o atual temos uma interação muito grande com
corte de investimentos no setor? Quais a comunidade, doadores, financiadores,
outros agenciamentos e investimentos pessoas que nos ajudam de várias formas.
podem contribuir para o acesso Nosso objetivo é, daqui a 400 anos –
universal à educação, propiciando como Harvard, que está com 400 anos –,
tanto a educação interna quanto o continuarmos oferecendo ensino e
intercâmbio educacional? geração de conhecimento da mais alta
O Brasil gasta razoavelmente bem em qualidade possível no Brasil.
educação se comparado com outros
países. O problema é que gasta mal, já
que os gastos públicos em geral deixam a
desejar em termos de eficácia. Há escolas
que gastam pouco e têm desempenho
excelente, e vice-versa. Não é gastar
mais que vai elevar o nível educacional,
é gastar melhor. A educação no Brasil
é fundamentalmente um problema
de liderança e gestão – as várias
barreiras que fazem com que seja difícil
exercê-las. Sou sempre a favor de uma
complementação entre governo e setor
privado. Uma coisa é colocar direitos
na Constituição que são válidos – todo
mundo tem que ter educação. Porém,
não necessariamente o governo tem que
suprir. Isso pode ser suprido pelo setor
privado de forma muito mais eficiente,
claro que regulada, fiscalizada. Com
parcerias público-privadas, por exemplo.
Como vai ser feito o processo para que
esse aluno seja atendido da melhor forma
possível? Pouco importa se é o governo,
se é o setor privado, desde que seja o
mais eficiente.
Uma escola com fins lucrativos
pode perfeitamente cumprir bem sua
missão de ensino. Agora, no nosso caso,
queríamos incluir também a pesquisa,
que é geração de conhecimento. Teórica,
mas aplicada, por meio de debates,
discussões, seminários, trabalhos.
Pesquisa com fins lucrativos é muito mais
complicada. Primeiro, por que você vai
gerar conhecimento para a sociedade se
precisa gerar resultado para o acionista?
Segundo, você fica muito amarrado ao
seu próprio orçamento. Ao passo que,
sem fins lucrativos, nós seguimos o
Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab
(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Cruzamentos.
Estudantes de intercâmbio de
arquitetura
(lançamento do programa de mobilidade
“Ciência sem Fronteiras” em 2012)
2007 - 2011
2012 - 2016

- estudantes + estudantes
0.40
nível 5.60 - topo cobertura
nível 5.20 - teto cozinha

2.20
0.30 0.20 nível 3.00 - teto sala
nível 2.80 - 1º pav.
5.60

nível 2.50 - teto cozinha


divisa

divisa
5.00
2.50

nível 0.00 - pav. térreo


0.40

nível -0.40 - teto garagem


2.80

2.40

nível -2.80 - pav. inferior


2
Fluxos humanos:
assimilação cultural
como diluição de
barreiras
Quão aberto é o
Brasil à recepção
de imigrantes?
O capítulo Fluxos humanos faz uma o estabelecimento do estado nacional
análise sócio-espacial do território moderno se reafirma no influxo de
brasileiro para estimar o quanto o país se espanhóis, italianos, japoneses, franceses
abriu aos imigrantes no século passado e holandeses nos dois primeiros séculos
e viabilizou a dissolução das barreiras após a chegada dos portugueses ao Brasil.
sociais, culturais e políticas inerentes aos Pouco depois da crise da sucessão em
movimentos populacionais. Portugal e a consequente formação da
A historia da cultura brasileira é União Ibérica, em 1580, as possessões
marcada pela miscigenação entre portuguesas na América do Sul foram
estrangeiros e nativos. Do nascimento do violentamente contestadas pela Holanda
país ao desenvolvimento de sua política e a França, que tentaram rivalizar com o
internacional, a abertura política acelerou poder ibérico comercializando açúcar e
a urbanização do território e a fusão de escravos africanos. No século 17, cerca de
dinâmicas externas e internas. No Brasil 20 mil imigrantes holandeses viviam no
contemporâneo, o conceito de imigrante Nordeste do Brasil.
urbano é cada vez mais presente no Do século 18 ao 20, à medida que as
cotidiano das cidades, principalmente trocas de capital foram se desenvolvendo
devido ao movimento migratório doméstico em paralelo às tecnologias de
sem precedentes produzido pela recente comunicação, aos conflitos bélicos e às
recessão econômica e a crise social. crises econômicas sistêmicas, o Brasil
Fluxos humanos refaz as trajetórias de continuou atraindo imigrantes de países
milhões de seres humanos para questionar europeus que sofriam com recessões
a estrutura e os acontecimentos que econômicas e escassez de emprego,
produziram ondas de imigração entre como a Alemanha pós-unificação em 1870.
países e estados. Pretendemos visualizar Na verdade, o país buscou ativamente
e compreender a escala das ondas de europeus para servir de mão-de-obra
deslocamento que tornam ainda mais barata para a lavoura, e também visando
complexa a composição do panorama ao branqueamento da enorme população
social e urbano do Brasil. de escravos africanos, sobretudo depois
Os mitos de origem do povo brasileiro de 1888, quando a Lei Áurea aboliu a
contam invariavelmente a história da escravidão. Com uma política de imigração
miscigenação das chamadas três matrizes que financiava os custos de transporte,
raciais: os três milhões de índios nativos, o número de imigrantes quase dobrou
aproximadamente, que habitavam o de 1867 a 1872. A maioria eram italianos e
território antes de 1500; o colonizador japoneses – os últimos, após o governo
europeu, que se estabeleceu na terra no italiano reagir aos relatos de condições de
século 16; e a população africana forçada vida precárias no Brasil com um decreto
pela escravidão a viver no país. Mesmo proibindo a imigração subsidiada para o
admitindo um quarto grupo, com outras país, em 1902.
nacionalidades presentes no processo Hoje, a imigração para o Brasil segue
inicial de formação do país, essa história padrões de deslocamento motivados
não explica cinco séculos de imigração. por questões semelhantes às de um
Hoje, embora os imigrantes legais sejam século atrás. Deixando seus países
menos de um por cento da população natais por motivos relacionados a
brasileira, sua presença indica importantes guerras, perseguições ou apenas o
vínculos culturais, acontecimentos sonho e a esperança de uma vida melhor,
históricos e possibilidades tecnológicas milhões de homens e mulheres desejam,
ligados à consolidação do Brasil e da conscientemente ou não, integrar-se ao
paisagem global atual. país. Vale notar que, cada vez mais, o
A íntima relação entre a troca intensa influxo de imigrantes se origina no próprio
de mercadorias na era mercantilista e continente americano, e que a recessão e a
crise social dos últimos vinte anos geraram arquitetônicos a pretexto de inserção em
um fluxo interno sem precedentes entre um contexto global.
metrópoles e áreas rurais e urbanas. Enquanto grupos de outros buscam
As novas narrativas da imigração são o oportunidades e acham espaço nas
tema principal deste capítulo, que mostra margens da sociedade brasileira, os muros
o imigrante como uma força que desafia, que atravessaram começam a compor uma
com sucesso, os muros representados nova paisagem no país. Como mostram as
pelos limites geográficos na definição fotografias de Rivane Neuenschwander,
tradicional. No entanto, a fala de grupos de lugares como o velho Hotel Cambridge – e
imigrantes expõe outras barreiras impostas outros, fora da fronteira política do Brasil
à livre circulação: a atitude antagônica – mostram como imigrantes e a economia
expressa em expectativas frustradas, global impactam a sociedade brasileira: até
preconceitos, ajustes linguísticos e nas cidades mais simples, há o desejo de
processos extremamente burocráticos. pertencer a uma (ou à) cultura global.
Embora uma consideração espacial
e histórica da imigração demonstre o
impacto do fluxo de pessoas de dentro e O mapa
de fora do Brasil no panorama do país, as
dificuldades descritas pelos grupos de Para mapear tendências recentes de
imigrantes com os quais tivemos contato movimentos populacionais no território
em uma oficina organizada pelas irmãs brasileiro, o mapa resume os fluxos
Carla e Eliane Caffé revelam a dimensão migratórios de 2000 a 2016, indicando
humana dessas trajetórias. As cineastas a direção e a intensidade das chegadas
mostram as evidências de segregação de mais de um milhão refugiados e de
sistêmica que testemunharam na produção imigrantes internacionais e dos fluxos de
de seu filme Era o Hotel Cambridge. O migração doméstica.
título se refere a um hotel abandonado do Além disso, uma linha do tempo
centro de São Paulo onde vivem mais de permite visualizar o número total de
150 famílias de desabrigados e refugiados. pessoas imigrando, por país de origem,
Revelando a presença do corpo físico como e o aumento ou decréscimo dos fluxos
espaço final dessa segregação, o filme ano a ano.
reforça que a imigração pode ser lida, em Em uma oficina organizada com auxílio
uma multiplicidade de dimensões, como de Eliane e Carla Caffé, foram traçados
ato político. O que equivale a dizer que os percursos que 23 indivíduos e famílias
muitos desses corpos, embora tenham percorreram de sua casa até São Paulo.
cruzado fronteiras geográficas com Numerados, eles são acompanhados por
sucesso, ainda vivem à margem de uma narrativas sobre sentimentos e obstáculos
sociedade que os exclui com outros muros. ao cruzar diferentes tipos de margem.
Enquanto o filme documenta e especula
sobre o espaço marginal no qual essa
dinâmica de poder ocorre, Ana Carolina
Tonetti e Ligia Nobre, convidadas a
escrever neste capítulo, descrevem as
condições de trabalho de semi-escravidão
nas quais muitos desses imigrantes rurais
acabam se encontrando quando se mudam
para as cidades. As autoras relembram
questões enfrentadas pelos imigrantes
italianos no início do século 20, colocando
questões sobre a realidade regional de
pessoas deslocadas por grandes projetos
Rivane Neuenschwander
Mapa-Múndi BR (Postal), 2007
Cartões postais e prateleiras
de madeira
entrevista: 84
Carla Caffé
Eliane Caffé

Carla Caffé formou-se em


arquitetura na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo
(FAU‑USP) no início da década
de 1990. Trabalha nos campos
da direção de arte e do desenho.
É professora na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da
Associação Escola da Cidade (AEC)
e em oficinas do Sesc Pompeia.

Eliane Caffé formou-se em


psicologia na Pontifícia
Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) em 1988.
Estudou cinema em Cuba e
estética das artes na Espanha.
Diretora e roteirista, estreou em
longas‑metragens com Kenoma
(1997), exibido na 56ª Bienal
de Veneza.
Muros

Quais parecem ser as principais


barreiras que imigrantes encontram na
luta pelo acesso a moradia?
Carla Caffé: A moradia envolve hábitos
íntimos. Esse choque cultural vem de
coisas básicas. Algo comum para a família
brasileira, como o filho dormir no mesmo
quarto que os pais, é inadmissível para
congoleses. Essas diferenças aparecem de
uma forma muito violenta em um universo
de zonas de conflito.
Eliane Caffé: Quando vivemos o problema,
vemos que estamos longe de conseguir
traduzir, por meio do debate, o que
enfrentamos hoje em dia. É muito forte
e pesado, não temos noção. Há uma
seleção no que eles nos contam. Não
sabemos onde está a fronteira do que é
permitido falar, não dominamos o código
da cultura deles.

Evidências

Quais evidências físicas dessa


segregação são reveladas pelas
ocupações e movimentos por moradia?
CC: A presença física.
EC: O grau de doença que existe nesses
corpos e o enorme sofrimento. É uma
ferida aberta. São pessoas vulneráveis e,
no desespero, se envolvem com o tráfico
de drogas.
CC: Quando falamos em refugiados,
imaginamos uma abstração. Há universos
muito distintos e uma enorme segregação
entre eles, assim como entre nós. O
universo dos refugiados é essencialmente
diverso, mas colocamos todos em uma
única categoria.
EC: Talvez isso seja um dos tijolos que
vão construindo esse muro. Quando um
muro finalmente se desfaz, vemos que tem
um outro atrás dele. Nosso sistema está
chegando a um nível de crueldade muito
grande, tudo gira em torno do capital
e das formas de exploração. A palavra
não é mais explorar e sim expropriar. A
exploração está em todos os níveis: redes
sociais, bienais, festivais, universidades. de se expor e que não acreditam que no
O que significa continuar a reproduzi-lo? A coletivo podemos resolver coisas que não
consequência é enriquecer poucos e lançar somos capazes no individual.
muitos na miséria. Por trás das guerras CC: São pessoas que vivem em zonas de
que provocam essas buscas por refúgio, conflito e estão destituídas do seu direito
existem seres humanos que as articulam. à moradia. Durante o filme exploramos
Se acharmos que a guerra faz parte da o lúdico para ultrapassar a barreira das
natureza humana, nos acostumamos com línguas. Era por meio de jogos lúdicos que
a fabricação de muros. o coletivo se entendia.
CC: Os muros são essas bolhas nas quais EC: Um exemplo disso é que crianças
vivemos. Com as redes sociais vamos de diferentes nacionalidades não têm
ficando ensimesmados, discutindo nenhuma dificuldade de brincar juntas.
questões somente entre nossos grupos.
Esquecemos a presença do corpo. É o
corpo que desloca zonas de conforto; Comportamento e micropolítica
ultrapassando esses muros é que
conseguimos perceber o outro. Que experiência de atravessamento
Mudamos muito depois de junho de de barreiras vocês apreendem do
2013, quando entendemos o que é uma contato com os movimentos de luta
presença corporal no espaço público por moradia? Qual pode ser o papel
e a força política que ela tem. Estamos do cinema e do docuficção
entendendo a importância disso via nesta discussão?
Carnaval, quando perdemos todas as CC: O filme Era o Hotel Cambridge
fronteiras, nos expomos de uma maneira conseguiu criar um entendimento
que não acontece no resto do ano. entre várias nacionalidades, entre seis
línguas. A relação entre arquitetura e
cinema foi interessante e muito fértil.
Experiência disciplinar A cenografia do filme foi concebida para
ser um melhoramento das instalações do
Como o imigrante e a população de edifício. O cenário de uma lan house, por
baixa renda – as categorias sociais exemplo, transformou-se na biblioteca
mais atingidas pelas dificuldades do Cambridge.
de acesso a moradia – têm suas EC: Já que o roteiro pedia que
subjetividades afetadas nesse processo construíssemos cenários, a ideia da
de luta? Que tipo de corpo coletivo Carla foi aproveitar a oportunidade
surge deste encontro em um contexto para transformar o lugar conforme as
de vulnerabilidade e luta por um necessidades deles. Nesse momento é
teto comum? que começa a poderosa contrapartida
EC: Percebemos claramente uma mudança e por meio dela conseguimos acessar
nessa subjetividade, sobretudo em aquele território. Ao mesmo tempo
relação aos africanos, no entendimento que pedimos, também oferecemos.
do que é uma ação coletiva. Em muitos Começa a existir uma reciprocidade e
de seus vocabulários não há registro do um vínculo afetivo entre as partes, que
termo “movimento social”. Não existe a reconhecem que precisam uma da outra
referência de unir o povo para lutar por para acontecer.
direitos. Percebemos essa dificuldade ao Quando estamos presentes, nossas
fazer o trabalho de base com os imigrantes ferramentas são nossos sentidos. Lemos
lá na ocupação. Reunidos em uma roda sobre um assunto, mas quando vamos
de conversa, ninguém fala; mas quando para a prática captamos outros níveis
termina, vemos surgir as comunicações do problema. A presença física ainda
paralelas. Percebemos que eles têm medo é insubstituível.
CC: Nos primeiros chamamentos para CC: Um refugiado já é o resultado de uma
formar um coletivo para o filme, não vieram relação de exploração. Essa coisa do
adultos, somente crianças. Foram elas que brasileiro ser generoso e aberto às novas
trouxeram os adultos, aos poucos, para as culturas não é verdade. A mestiçagem,
oficinas de dramaturgia. Eu jamais poderia que é o carimbo da nossa sociedade, é
pensar, refletir ou imaginar esse método de preconceituosa e perigosa.
trabalho. Foi provocado a partir da presença. EC: O sistema se protege criando máscaras,
EC: A criança leva o assunto para o interior fazendo com que aceitemos essas
da casa e a família vai se abrindo para nós. circunstâncias como algo normal. Todos
Esse é um dos métodos que vão surgindo. criticam o Estado, mas ninguém fala das
empresas. Nós que fazemos festivais,
bienais, nascemos neste contexto e
Potencial transformador não percebemos que é um sistema que
explora e lucra.
Que tipo de potência e de novos Não estamos falando só de Brasil:
usos do espaço urbano podem 82% de toda a riqueza mundial gerada
surgir a partir da relação entre a em 2017 ficou nas mãos do 1% mais rico
diversidade cultural brasileira e a da população.
dos imigrantes contemporâneos?
EC: Não existe uma política pública para
agregar esses imigrantes à sociedade. A
Por meio de uma narrativa
tendência é que eles se isolem em guetos experimental que transita entre
com seus semelhantes. Criam assim um realidade e ficção, os filmes da
sistema fechado de códigos que alimenta o diretora e roteirista Eliane Caffé
preconceito. Os movimentos por moradia exploram “zonas de conflitos
reais”, tanto no contexto do Brasil
talvez sejam uma forma de encarar essa
rural quanto nos grandes centros
problemática de frente, mas estamos urbanos. A artista e diretora de arte
longe de resolvê-la. É impossível fazer Carla Caffé, pesquisa as práticas
qualquer coisa efetiva se não mudarmos do desenho, da cartografia e do
a forma sistêmica como nos organizamos mapeamento como formas de
representação da paisagem urbana.
no mundo ocidental. Enquanto estivermos
Uma parceria entre as irmãs
marcados pela presença hegemônica do gerou o projeto do filme Era o
capital, do mercado que atravessa tudo, Hotel Cambridge (2016), que tem
não será possível. Um exemplo concreto é como locação um edifício ocupado
que, em poucos dias, os migrantes viram pelo movimento Frente de Luta
por Moradia (FLm) de São Paulo.
escravos das fábricas no Bom Retiro. São
O filme foi dirigido por Eliane
contratados por empreiteiras para fazer Caffé e contou com a participação
colocação de mármore e não recebem dos habitantes do edifício, que
por isso. A grande maioria está sendo atuam e confundem‑se com atores
escravizada. E nem podem brigar por seus profissionais. A direção de arte é
de Carla Caffé, em parceria com
direitos porque não possuem documentos,
um grupo de alunos da Escola
somente um protocolo. Não podem acionar da Cidade.
a polícia. Se fogem desse sistema, são
automaticamente cooptados pelo tráfico.
Não conseguiremos implementar uma
política de entrosamento enquanto existir
fome. Enquanto esse sistema existir, tudo
o que discutirmos – com filmes, bienais
de arquitetura, livros e outros meios – no
sentido de fazer um mundo melhor será
enxugar gelo.
Uma reflexão 88
a partir da
Ocupação 9
de Julho, em
São Paulo

Uma das camadas do mapa que integra Os percursos dessas famílias


este capítulo recompõe os trajetos evidenciam ainda as fronteiras materiais
feitos por famílias que vieram de outros e imateriais que marcam nossos
estados e países e se radicaram em São territórios, sejam elas aéreas, marítimas
Paulo recentemente. Para desenhá-la, ou terrestres. Uma única família
realizamos um evento de mapeamento realizou o trajeto entre a Bahia e São
coletivo em parceria com o Movimento Paulo seis vezes – o que só demonstra
Sem Teto do Centro, grupo que luta a intensidade dos fluxos humanos da
por acesso à moradia em São Paulo. atualidade. As histórias são muitas,
A dinâmica de trabalho, em torno de fortes, e apontam alguns dos desafios
um almoço, aconteceu na Ocupação impostos à observância dos direitos
9 de Julho,1 em janeiro de 2018. Entre humanos no Brasil.
facilitadores, convidados, cozinheiros Para além das adversidades vividas
e interessados, o encontro reuniu por essas famílias, é evidente, ao
mais de cem pessoas, e contou com a que nos parece, que o diálogo e a
participação de 23 famílias de migrantes, convivência podem construir novas
imigrantes e refugiados – parte delas possibilidades. A extração predatória
residentes nesse edifício ocupado. de minério na República Democrática
Seus 23 enredos se intersectam na do Congo também atua na construção
cidade São Paulo, mas são diversos em de significados da vivência na
muitos sentidos. Entre elas, conhecemos cidade de São Paulo. Essas pontes
famílias vindas de outras regiões do discursivas precisam ser construídas
Brasil e também do Congo, de Angola, e compreendidas, já que podem
de Gana, do Peru, do Paraguai, da iluminar novos caminhos para as
Venezuela e do Haiti. Para além do cidades contemporâneas.
acesso à moradia, elas mencionam a
instabilidade financeira, a busca por
emprego, a insuficiência de serviços
públicos – como transporte e saúde –, 1. Prédio da antiga sede do Instituto
a língua portuguesa, a rigidez da Nacional de Seguro Social
burocracia, a ilegalidade, o racismo, a (INSS) no centro de São Paulo,
ocupado desde outubro de 2016
solidão e o medo da morte como alguns por movimentos que reivindicam
dos principais problemas colocados pela moradia e refugiados, migrantes
metrópole de 20 milhões de pessoas. e imigrantes.
Metropolitana de Belém

Norte maranhense

Metropolitana de Fortaleza

Leste potiguar

Mata paraibana

Metropolitana de Recife

Leste alagoano

Leste sergipano

Metropolitana de Salvador

Central espírito-santense

Metropolitana do Rio de Janeiro

Metropolitana de São Paulo

Metropolitana de Curitiba

Grande Florianópolis

Metropolitana de Porto Alegre

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Fluxos Humanos.
Fluxo de deslocamento para trabalho
e estudo por mesorregião
População total
Deslocamento: para outro Município
Deslocamento: para outro Estado
Rodovias/Ferrovias
Portos/Aeroportos
contracfoucault:
Para uMa vida
não-fascista
trabalho Escravo

trabalho análogo ao de escravo, de acordo com o artigo


é caracterizado por quatro cenários que podem ocorrer simul
degradantes de trabalho incompatíveis com a dignidade humana;
excessivo ou sobrecarga de trabalho com danos à saúde ou ri
isolamento geográfico ou ameaças e violência física; e/
servidão por dívida.

“Então é o seguinte: tá decidido e tá claro e tá visto e tá provado. nunca acabou a escravidão aqui no brasil, nunca
acabou, nunca. tá assinado. é a maior realidade de todas as histórias”. trabalhador resgatado na obra do Terminal 3
de Guarulhos – em projeto centoeonze –coletivo Metade

lho Escravo GrandEs


E traba obra
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dEs o E l
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Gr
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“a maneira como o trabalhador da


construção civil é incorporado na
Mo

tErMo dE aJustaMEnto dE conduta


economia nacional não permite que a
,

construção civil e nem a arquitetura


o termo de ajustamento de conduta (tac) é um acordo que o Ministério Público celebra com
on

evoluam”. anália amorim – em De Brasília


a Guarulhos, reportagem 1, sabrina duran o violador de determinado direito coletivo. Este instrumento tem a finalidade de impedir a
tE

continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a


M

ação judicial.
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Gran
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ras E dirEit
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cEntoEonZE
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no cantEiro

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uma construção coletiva,
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de obras, e a questão do
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devemos pensar em condiç


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apontamentos críticos, cu
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b
fa
é-
ná Pr
a

li
sE da
c r í t ic a

“o consumo é fundamental ao capitalismo contemporâneo. os homens


[resgatados] do trabalho análogo à escravidão [no terminal 3] estavam
com celular, participavam do mundo do consumo. o trabalhador escravizado
interessa ao capitalismo nessa ambiguidade: da mais absoluta exploração
do trabalho dele e do status dele como consumidor, que também faz a roda
girar. o trabalhador escravizado [na construção civil] também vai comprar
o nike que foi feito com trabalho escravo em outro lugar. Estamos em um arQuitEtura E cidadE
momento muito violento da exploração capitalista”. rodrigo bonciani –
em Escravos de ontem e de hoje: nexos entre trabalhadores no canteiro na Era do caPital
colonial e contemporâneo, reportagem 2, sabrina duran
financEiro – os EsPaÇos
aEroPortuários

“o descolamento entre des


de trabalho da construção
reforçador. as faculdades
trabalho coletivo no cant
se instala –, o que seria
arquiteto, de onde, em qu
se materializa”. sabrina
papel do arquiteto na dim
de obras, reportagem 3
condutas
149 do código Penal brasileiro,
ltânea ou isoladamente: condições
; jornadas exaustivas em que há esforço
isco de vida; trabalho forçado por
/ou trabalhadores submetidos à

a tErcEira
Escravidão
no brasil
“o processo da
escravização
contemporânea é
muito sutil e
complexo. [...]
Manter um depósito
de gente é como
manter um depósito

:
das
de mercadorias”.
Jônatas andrade –
em Documentário

nGi
Terminal 3,
Papel social

ati
lic
En

Es
ci

dad
a
ME

uni
n to

coM
EM
do
di

os
“a escravidão e a liberdade são os índices fundamentais para
Zi qualificação do poder: a escravidão estabelece o poder despótico

JEt
vE e a tirania, enquanto a liberdade estabelece o poder político e a
l autoridade pública. a soberania nas américas é incompleta porque o
E

Pro
poder privado ou senhorial dos colonos sobre os indígenas e africanos
do enfraquecia a autoridade política. Essa contradição se aprofundava
porque o rei construiu sua legitimidade pela legalização, regulação

E
lho
in

ont
e controle da escravidão e das formas de trabalho forçado. Esse é um

dEs
vi elemento estrutural para a confusão entre o público e o privado na

atlas do trabalho Escravo no brasil


si história americana”. rodrigo bonciani – em Escravo, forro e livre:

o M
vE

ran
tetura
O antigo regime e o Brasil atual, artigo de história e Escravidão
l

bEl
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111 contracarto
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ausê
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ncia

intErvEnÇõEs
o

M
E
dE
— ca
MPo
r
labo Pr oJE to —

encial […], não somente a discussão de cada trabalho isoladamente, mas pensá-los dentro de
com um diálogo real com os problemas que envolvem o aeroporto de Guarulhos, o canteiro
trabalho análogo à escravidão. [...] se a intenção é um ajuste de contas (ou de conduta),
ções efetivas de uma comunicação real com a população local”. thiago tozawa – em Intervenções:
uradoria e Mediação / unifEsP
“a copa do Mundo precisou de uma série
de decretos de emergência para que fosse
construída. ou seja: [esses canteiros]
operam sob um regime em que tanto os
direitos da natureza quanto humanos
precisam ser diminuídos ou violados. isso
é muito interessante de trabalhar: o
canteiro como um espaço onde a exceção é
a regra”. Paulo tavares – em Precarização
e lucro: trabalho degradante na construção
civil e a produção e consumo da cidade
Escola da cidadE neoliberal, reportagem 5, sabrina duran

a associação Escola da cidade – arquitetura e urbanismo (aEc) – é uma entidade civil sem fins lucrativos,
de gestão democrática e financeiramente autônoma. criada em 1996, surgiu da união de arquitetos, intelectuais,
artistas e técnicos comprometidos com a melhoria da realidade brasileira. Esse grupo, embasado na experiência
de ensino, na pesquisa (teórica e aplicada), assim como na prática profissional e acadêmica, tem como desígnio
fundamental a criação de um espaço privilegiado para a liberdade de reflexão e proposição.

senho e canteiro que se vê nas relações arQuitEtura coMo uMa tEcnoloGia Politica
o civil encontra na academia um poderoso
s de arquitetura pouco ou nada ensinam sobre o
teiro – muito menos sobre a violência que ali
a fundamental para a visualização mínima, pelo
uais condições e pelas mãos de quem seu desenho
duran – em Entre o projeto e a execução: o
minuição (ou aumento) da violência no canteiro
Sete gráficos Paula Miraglia, 100
sobre a Gabriel
imigração Zanlorenssi
no Brasil e Rodolfo
Almeida, do
Nexo Jornal

FLUXO DE POPULAÇÕES ESTRANGEIRAS É PARTE


IMPORTANTE DA HISTÓRIA DO PAÍS. ONDA RECENTE
DE IMIGRAÇÃO PROVOCA DEBATE DE ORDEM
POLÍTICA, INSTITUCIONAL E CULTURAL

Desde o tempo em que o Brasil foi colônia, a vinda


de imigrantes foi um tema para o país, que já teve
uma parcela expressiva da sua população composta
por estrangeiros. Hoje, no entanto, o cenário é outro.
Estamos falando de cerca de 700 mil imigrantes
estimados entre os mais de 200 milhões de brasileiros.
Isso é pouco quando comparado a países como os
Estados Unidos, que têm o maior volume absoluto de
imigrantes na sua população, ou países reconhecidos
por políticas específicas para a atração de estrangeiros,
como o Canadá e a Austrália.
Este conjunto de gráficos traz uma compilação de
dados que permitem olhar como o tema atravessa a
história brasileira. As diferentes ondas migratórias
ajudaram a moldar o país em relação à sua demografia,
tiveram impactos econômicos e culturais importantes e
são parte essencial da construção da identidade nacional.
Na sua versão atualizada, o fluxo de estrangeiros
ganha novas dimensões, mas também recoloca reflexões
antigas. O Brasil deseja e está pronto para receber essas
pessoas? Como controlar sua entrada e regular sua
permanência? Quais serão os efeitos, do ponto de vista
social e cultural? Até agora, o investimento parece ter
sido maior no plano legal e institucional. Desde maio
de 2017, o país conta com uma nova Lei de Migração,
que substitui o Estatuto do Estrangeiro, formulado
originalmente no período da ditadura militar, em 1980.
Esforços de documentação e regularização dessa
população estão em curso.
Mas como avaliar o impacto que tal diversidade
de culturas produz no cotidiano de muitas cidades
brasileiras? Estamos diante de novas dinâmicas urbanas,
muitas vezes com bairros inteiros transformados em
verdadeiros territórios étnicos, capazes de mobilizar,
entre outras coisas, a economia, o mercado habitacional,
os serviços públicos, além de promover novas
experiências culturais.
Os dados mostram um novo padrão de imigração, com
diferentes países de origem, refletindo crises locais e
questões da ordem da geopolítica mundial. Mais de 50%
dos indivíduos que chegam ao país hoje têm entre 19 e 30
anos. Ou seja, estão em plena idade produtiva. A região
Sudeste é de longe o destino mais procurado. A categoria
“estudante” aparece com frequência entre as ocupações.
Tal combinação sugere que estamos falando de indivíduos
que terão a oportunidade de “fazer sua vida” no país. Ao
mesmo tempo, é claro que estamos diante de um novo
ciclo de negociações culturais em que as possibilidades
de troca terão, como em outros momentos, grandes
implicações na identidade brasileira.

Paula Miraglia (São Paulo) é cofundadora e


diretora‑geral do Nexo Jornal. Graduada em ciências
sociais pela Universidade de São Paulo (USP), é
mestre e doutora em antropologia social pela mesma
instituição. Foi diretora de organizações internacionais
e consultora do Banco Mundial e do Banco
Interamericano para o Desenvolvimento.

Gabriel Zanlorenssi (Guarapuava-PR) é cientista de


dados do Nexo Jornal. É graduado em ciências sociais
e mestrando em ciência política pela Universidade de
São Paulo (USP). Como pesquisador, integra o Centro
de Estudos de Política e Economia do Setor Público da
Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e o Núcleo de Estudos
Comparados e Internacionais da USP.

Rodolfo Almeida (São Paulo) é infografista do Nexo


Jornal. É jornalista visual, graduado em jornalismo
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Trabalhou com produção de vídeo no
jornal O Estado de S. Paulo e desenvolve projetos de
visualização de dados e design da informação.
Imigração de portugueses para o Brasil
Entre 1500 e 1991, segundo estimativas do IBGE
imigrantes portugueses
0 100 mil 200 mil 300 mil 400 mil 500 mil 600 mil

1500 − 1580 estimativa total


do período

1581 − 1640

1641 − 1700

1701 − 1760

os períodos das
1808 − 1817 estimativas são
descontinuados

1881 − 1900
1901 − 1930
1931 − 1950

1981 − 1991

Qual a nacionalidade dos imigrantes que chegaram ao Brasil


Entre 1884 e 1959, segundo estimativas do IBGE
em % do total de imigrantes
100%

TURCOS E ÁRABES*
OUTROS

ESPANHÓIS ALEMÃES

JAPONESES
50%

ITALIANOS

PORTUGUESES

0
1884 − 1893 1894 − 1903 1904 − 1913 1914 − 1923 1924 − 1933 1945 − 1949 1950 − 1954 1955 − 1959

INTERVALOS DE 9 EM 9 ANOS INTERVALOS DE 4 EM 4 ANOS

* Inclui os imigrantes que vieram dos territórios que integravam o império otomano, como turcos, sírios e libaneses.
Fonte: "Brasil: 500 anos de povoamento", IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Gênero dos imigrantes
Dos que imigraram entre 2000 e 2016, segundo dados da Polícia Federal

66% 34%

HOMENS MULHERES

Idade dos imigrantes quando chegaram ao Brasil


Dos que imigraram entre 2000 e 2016, segundo dados da Polícia Federal
imigrantes
40 mil

30 mil

20 mil

10 mil

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
IDADE AO IMIGRAR
Origem e destino dos que imigraram ao Brasil
Das principais nacionalidades que imigraram entre 2000 e 2016,
segundo dados da Polícia Federal

VIERAM DE FORAM PARA

Bolívia
106 mil imigrantes

Haiti
Sudeste
81,5 mil
306 2 mil
306,2

EUA
72 2 mil
72,2

Argentina
54,1
, mil

China Sul
49,4
49,4 mil 87,7 mil

Colômbia
Nordeste
42 8 mil
42,8
37 0 mil
37,0 il
Portugal Norte
42,8
42 ,8 mil 24,6
24 6 mil
il
Peru Cen
Centro-
Centro-Oeste
O t
22,6
22 6 mil
il
35 mil
il

Nacionalidade dos imigrantes que chegaram ao Brasil


Entre 2000 e 2016, segundo dados da Polícia Federal
em % do total de estrangeiros
100%
ARGENTINOS

BOLIVIANOS
COLOMBIANOS

CHINESES

NORTE-AMERICANOS HAITIANOS

PERUANOS
PORTUGUESES
50%

OUTROS

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Profissão dos imigrantes quando chegaram ao Brasil
Das principais nacionalidades que imigraram entre 2000 e 2016, segundo dados da
Polícia Federal*, em % do total de imigrantes de cada país

Portugal Peru Haiti

ENGENHEIRO
MARINHEIRO

DO LAR
ESTUDANTE PADEIRO
APOSENTADO ENGENHEIRO

OUTROS
ESTUDANTE ESTUDANTE

VENDEDOR

OUTROS
PEDREIRO
PROPRIETÁRIO
DIRETOR/

OUTROS

SEM OCUPAÇÃO
COSTUREIRO

EUA Colômbia China

OCUPAÇÃO

MÉDICO

DO LAR

ENGENHEIRO
ESTUDANTE
MARINHEIRO OUTROS

SEM
ESTUDANTE VENDEDOR
SACERDOTE

DIRETOR/
VENDEDOR PROPRIETÁRIO

ESTUDANTE
OUTROS
OUTROS

Bolívia Argentina
Os nomes das profissões são
ENGENHEIRO

PROFESSOR

OCUPAÇÃO

provenientes dos registros da


Polícia Federal e foram adaptados
SEM

ESTUDANTE para melhor leitura. Por exemplo,


vendedor inclui: empregado de casa
comercial, comerciário, vendedor
COSTUREIRO ambulante, vendedor a domicílio,
jornaleiro ou assemelhado.
OUTROS Costureiro inclui: decorador, alfaiate,
modista, peleteiro, tapeceiro ou
assemelhado. Pedreiro inclui:
servente, ladrilheiro, gesseiro,
PROPRIETÁRIO

vidraceiro ou assemelhado.
DOMÉSTICAS
DIRETOR/

Marinheiro inclui: piloto, maquinista,


PRENDAS

MENOR
ESTUDANTE DE marinheiro ou trabalhador na
IDADE
navegação marítima ou fluvial.

Fonte: Sincre 2016 (Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros), Polícia Federal.
3
Fluxos materiais:
rastros físicos da
negociação de
commodities
Quão sensível é o
ambiente urbano à
movimentação de
commodities?
Ao redor do globo, a evolução das quadrados, e a distribuição geográfica da
cidades está intrinsecamente ligada produção e dos destinos de escoamento
à produção primária: agricultura, implica na criação de uma complexa rede.
pecuária e extrativismo. Desde as Historicamente, essa infraestrutura foi
primeiras civilizações, o homem sempre implementada de maneira desconexa, sem
escolheu estabelecer-se em locais planejamento integrado e, como pontua
que possibilitariam sua subsistência. Sergio Besserman em sua entrevista, sem
No decorrer da história, porém, com o racionalidade econômica. O resultado
surgimento de mecanismos tecnológicos foi a predominância de um transporte
e da ideia de mercado externo, a produção de carga em caminhões a diesel, sem
primária passou a gerar excedentes de ferrovias de destaque e sem hidrovias (num
forma contínua; mais do que subsistência, país com uma das maiores capacidades
tornou-se riqueza. O desenvolvimento hídricas do mundo). Em um cenário de
de um sistema mundial em torno dessa políticas globais de redução de emissões
produção adicionou particularidades ao de carbono, o Brasil começa atrás, com
que é chamado genericamente hoje de um sistema lento, oneroso e de impacto
mercado de commodities. O termo define ambiental considerável.
produtos com menos processos industriais Há outras questões ligadas a essa
agregados, mas necessários às mais distribuição. Uma vez que grande parte da
diversas economias e sociedades. produção primária brasileira se origina na
País essencialmente agrário e porção continental do país, em especial o
exportador, com uma história marcada Centro-Oeste, e os pontos de escoamento
por grandes ciclos (açúcar, ouro, café), estão, invariavelmente, na costa leste,
o Brasil desenvolveu papel significativo um enorme fluxo de caminhões pesados
na produção global de produtos deve passar necessariamente pela porção
primários. Firmou-se entre os 25 maiores de maior densidade populacional e área
exportadores mundiais, vendendo mais urbanizada – as grandes metrópoles.
sobretudo soja, minério de ferro, açúcar, Com isso, regiões onde o transporte
petróleo e carne de frango. público e a mobilidade já são questões
Mas por que tratar de um tema complexas, se veem obrigadas a pensar
econômico e rural, se estamos falando também em redes urbanas de circulação
de arquitetura e urbanismo? Voltemos de mercadorias.
no tempo até o ciclo do café. A produção As externalidades dessa circulação
do Paraná, interior de São Paulo e Rio de no intra-urbano são tema de discussão
Janeiro tinha como principal saída para nos mais diversos polos. Como o
o exterior o porto de Santos. Para vencer fotógrafo Cássio Vasconcellos ilustra na
as distâncias, foi inaugurada em 1867 a composição Ceasa, a logística tornou-se
São Paulo Railway, primeira ferrovia do um dos maiores problemas na pauta das
estado. A cidade de São Paulo, que não grandes cidades brasileiras. Onde situar
era produtora nem escoadora, tornou- as artérias – remetendo ao metabolismo
se ponto estratégico do percurso e urbano mencionado por Philip Yang, que
recebeu a infraestrutura financeira do escreve neste capítulo – e os entrepostos
negócio. A produção cafeeira, mesmo a de abastecimento são questões chave
centenas de quilômetros, foi primordial no no planejamento e na gestão das
desenvolvimento e na consolidação urbana cidades brasileiras.
da capital paulista. Relacionando origem e destino da
Embora os latifúndios de produção produção primária, cabe perguntar quais
primária fiquem distantes dos grandes cidades e populações estão se formando
centros, seu destino principal ainda hoje nesses polos. Cidades como Fordlândia
é a costa brasileira. O vasto território, que (Pará), retratada pela artista Melanie
ultrapassa os 8 milhões de quilômetros Smith nas páginas deste livro, foram
inteiramente construídas em torno da O mapa
agricultura, da pecuária ou da exploração
extrativista. Em vez de pensadas para O mapa considera essencialmente
quem vive nelas, foram materializadas a paisagem criada pelo impacto
ao redor de determinados produtos. da produção primária no Brasil.
Áreas de escoamento também acabam Quatro questões, em especial, estão
por desenvolver toda sua estrutura em representadas: a especialização das
função do papel de entreposto; voltam- commodities – mineração (sobretudo
se para seus portos, aeroportos ou de ferro), agropecuária (soja, carne de
ferrovias e, como os grandes produtores aves), petróleo e madeira; como elas
primários, tornam-se cidades de uma circulam pelo país; a composição da
função única. balança comercial; e as camadas urbanas
Enquanto a ponta produtora torna‑se que se relacionam a essas dinâmicas. O
mais frágil na geração de emprego, objetivo é tornar visível a escala dessa
renda e condições de vida, algo diferente produção que, embora seja uma das
acontece nas cidades que estão no principais fontes econômicas do país, sua
caminho entre origens e destinos. pujança não se traduz em progressos nas
Em geral, a ver pelo exemplo paulista, questões sociais relacionadas a ela.
elas acabam sendo mais dinamizadas O mapa contou com colaborações
e gerando novas oportunidades de diversas, em especial de Pedro Camargo,
trabalho. Daí a importância de uma desenvolvedor do projeto AequilibraE.,
compreensão sistêmica: a relação ferramenta utilizada no QGIS. Coube a ele
dos fluxos materiais pelo território o processamento dos dados consolidados
brasileiro não é uniforme, e a matriz sobre a movimentação das commodities.
produtiva constitui um muro quase A informação nacional de empresas de
invisível de desigualdade social. Em logística foi transformada em uma rede,
geral, cidades produtoras têm uma constituída por eixos e nós – representando,
economia menos dinâmica e oferecem respectivamente, a circulação de
menos oportunidades sociais; em mercadorias entre as microrregiões
contrapartida, cidades que estão mais brasileiras e suas centralidades. Foram
afastadas dessa produção tendem a consideradas nestes fluxos quatro categorias
explorar outras atividades econômicas, principais: carga geral, líquida, agrícola
mais especializadas e diversificadas; é o sólida e não-agrícola sólida. As informações
que Yang chama de “cidades-máquina”: sobre importações estão representadas à
aquelas que não estão produzindo esquerda, e sobre exportações, à direita, de
commodities, mas são essenciais para acordo com produtos, países e entrepostos.
sua comercialização. Por fim, numa camada social, o mapa
O que se coloca em xeque neste aponta a densidade populacional nas
capítulo, para além do desgaste ambiental cidades brasileiras onde se extrai e
que é tema do próximo, “Paisagem fluida”, processa petróleo – commodity que é mais
é como um entendimento mais profundo usada em áreas distantes dos locais de
dos fluxos materiais no território pode exploração –, sugerindo as desigualdades
auxiliar nos projetos de desenvolvimento decorrentes dos fluxos materiais pelo
regional, de modo que as relações entre território brasileiro.
Centro-Sul e Centro-Oeste-Norte-
Nordeste saiam da dependência para
estruturar ações conjuntas e adequadas
à realidade urbana brasileira latente, e a
dualidade rural-urbano passe a ser vista
como complementaridade e oportunidade
de desenvolvimento local e regional.
Melanie Smith
Stills de Fordlândia, 2014
HD 30’
Cássio Vasconcellos
CEASA, 2012
Fotografia
entrevista: 116
Sérgio Besserman

Sérgio Besserman Vianna (Rio


de Janeiro, 1957) é ecologista
e economista. É graduado em
ciências econômicas e mestre
em economia pela PUC-Rio. Foi
diretor de planejamento do Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES),
presidente do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE),
presidente do Instituto Pereira
Passos (IPP) da Prefeitura do
Rio de Janeiro e de sua Câmara
Técnica de Desenvolvimento
Sustentável; professor do
Departamento de História da UFF.
É membro do conselho diretor
do World Wildlife Fund (WWF),
professor do Departamento de
Economia da PUC Rio e presidente
do Instituto de Pesquisas Jardim
Botânico do Rio de Janeiro.
Muros

Quais são os maiores obstáculos


logísticos e econômicos para o fluxo
de mercadorias no Brasil?
Nosso estoque de infraestrutura para
viabilizar e organizar esse fluxo foi
construído sem nenhuma racionalidade
econômica. Nunca tivemos uma
governança capaz de planejamento
de longo prazo e temos dificuldade
de viabilizar soluções coletivas. Em
consequência, hoje padecemos de uma
infraestrutura de baixa produtividade: é
um país continental que transporta carga
com caminhão a diesel. Numa época
que pode ser definida como a era da
transição para o baixo carbono, temos
pouquíssima navegação de cabotagem,
poucas hidrovias para o nosso potencial.
Só agora começamos a construir no
Brasil a governança sofisticada e
complexa necessária para viabilizar
soluções coletivas que levem em conta
o baixo carbono.

Evidências

Existe uma dissociação, projetada


ou resultante, entre planejamento
econômico e planejamento
urbano/territorial?
É um caos, totalmente desconectado. Não
há planejamento nem controle sobre o uso
do solo nas cidades, o que causa riscos e
impactos desnecessários no ambiente e na
saúde e bem-estar das pessoas. Vivemos
um problema que não é só brasileiro: a
mineração, ou qualquer atividade de alto
retorno econômico em baixo período de
tempo, sempre atrai muita gente. Quando
a atividade acaba, porque esgotou-se o
recurso, temos pessoas em condições
degradadas e o lugar ambientalmente
impactado. Hoje, municípios, grandes e
médias empresas têm consciência disso,
então começa a haver experiências muito
interessantes. Temos grandes empresas
apoiando quilombolas, de modo que eles
consigam obter renda com uma atividade
relacionada ao que a empresa faz – mel de os plásticos. Podemos fazer agricultura
eucalipto, por exemplo. Essa integração protegendo reservas, com atenção
de ciência, tecnologia e produção rigorosa às conexões entre biomas.
com populações tradicionais é um dos Sozinhos, não podemos ajudar a natureza
caminhos importantes para resolver o a lidar com as mudanças climáticas que
drama da falta de condições econômicas criamos. A natureza é extraordinária e
e sociais depois que o empreendimento já muito resiliente, mas precisa de conexões.
atingiu o auge ou simplesmente acabou. Bichos, plantas e fungos precisam circular
entre os ambientes naturais.

Efeitos colaterais
Comportamento e micropolítica
Quais os impactos socioeconômicos e
ambientais mais críticos da produção Como a produção das commodities
e movimentação de mercadorias no país se relaciona com os diferentes
pelo território? Como balancear a padrões de consumo da população
alta demanda de mercados externos, brasileira? Como o modelo de
como a China, e um desenvolvimento desenvolvimento atrelado à noção
equilibrado na escala local? de crescimento afeta o estilo de
Do ponto de vista socioeconômico, vida individual?
o impacto mais crítico é a baixa Primeiro, o Brasil é um país injusto, e
produtividade da nossa infraestrutura. Isso a forma mais eficiente de lidar com
diminui nossa competitividade em relação a pobreza gerada pela desigualdade
a outros países, eleva o custo do Brasil, gigante é crescer, crescer, crescer.
gera menos renda, gera menos emprego. Então somos prisioneiros da visão do
O impacto ambiental pode ser gigantesco, desenvolvimentismo a todo custo. Temos
por duas razões principais: primeiro, que descobrir como crescer com menos
nem sempre a gestão de riscos é bem impacto. A sociedade brasileira tem uma
feita; segundo, por causa das mudanças hierarquia que aparece pela ostentação
climáticas. O Banco Mundial prevê que de consumo, um consumo inconsciente
elas têm potencial de eliminar todos os e perverso. O estímulo ao consumo
ganhos obtidos quanto à pobreza nos gratuito é muito ruim, mas não acho ético
últimos vinte a trinta anos. É uma ameaça dizer para uma família pobre consumir
terrível que trará guerras, genocídios, menos. É interessante conversar sobre
sofrimentos perversos. Já vai esquentar um consumo mais consciente, em que
2°C ou mais até o final do século, mesmo obrigatoriamente os produtos tenham
se fizermos tudo que tem que ser feito. informações para sabermos se estamos
O maior impacto de vender commodities poluindo, esquentando o planeta,
para o mundo inteiro costuma ser o reduzindo a biodiversidade, desmatando.
empreendimento em si, até mais do que
seu transporte. A pecuária desmata e
emite gás; a agricultura desmata e elimina Experiência disciplinar
a biodiversidade. Mas para tudo isso
tem solução, baseada em conhecimento Com base em seu envolvimento com o
científico e no saber dos povos. A Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
agricultura não pode continuar utilizando do Rio de Janeiro, qual é sua perspectiva
a mesma quantidade de nitrogênio e para o desenvolvimento sustentável em
fósforo. Sabemos que quando chove, esses florestas tropicais brasileiras? E como
materiais vão dos riachinhos para os rios modelos alternativos ao extrativismo
e terminam causando as zonas mortas predatório podem transformar nossas
dos oceanos, um problema maior que matrizes energéticas?
É preciso aumentar a governança e soluções coletivas. Que cada território seja
engajar todos em sua construção. Uma estudado em função de sua especificidade.
ferramenta importante para isso é o Você pode, na Amazônia, achar que uma
Cadastro Ambiental Rural (CAR), que estrada é mais barata, mas uma estrada
georreferencia as propriedades e permite propicia o desmatamento da floresta. Já
a qualquer cidadão monitorar se há com a ferrovia, você tem que chegar na
desmatamento. Precisamos gerar eficiência estação, onde conseguem controlar se a
no monitoramento e punir quem desmata; madeira é de manejo ou ilegal. E também
mas também gerar oportunidades e valor tem o caminho das hidrovias. Mas que
ao evitar o desmatamento, do manejo tudo isso leve em consideração, sempre,
sustentável de florestas até oportunidades a economia de baixo carbono que um
para populações do entorno. O Brasil tem a dia vai ser componente do preço de
maior restauração florestal a fazer no mundo. tudo, especialmente das commodities.
Só a quantidade de pastos degradados Oferecer as commodities mais baratas e
permitiria alimentar o mundo. Isso ajudará mais competitivas do mundo, com pouco
muito na luta contra as mudanças climáticas. impacto ambiental, está ao alcance da
Não é só interromper o desmatamento, é nossa mão. Só exige engajamento e
sequestrar carbono com agricultura, com aplicação do conhecimento.
indústria florestal, com biomassa utilizada
para finalidades inimagináveis.
Tirando a matriz hidrelétrica, nossa
infraestrutura é da civilização dos
combustíveis fósseis. Isso é um
baita problema, mas é também uma
oportunidade. Se fizermos a transição
da infraestrutura para o baixo carbono,
as vantagens competitivas do Brasil
serão extraordinárias. Podemos oferecer
alimentos, energia, materiais, baseados
em muita biotecnologia e biologia sintética,
tudo a carbono quase zero.

Potencial transformador

Quais mecanismos econômicos


ou de planejamento territorial
podem ser associados à produção e
movimentação de commodities para
garantir a preservação e evitar crimes
ambientais como o caso do Rio Doce?
E qual é importância do redesenho
da infraestrutura de transporte de
carga no Brasil, ante os parâmetros do
desenvolvimento sustentável?
Aumentar a qualidade da democracia no
Brasil é a melhor forma de evitar desastres.
O maior desafio da infraestrutura
brasileira é ser reorganizada com maior
eficiência, o que depende principalmente
de governança, capacidade de encontrar
VENEZUELA

MÉXICO
E STA D OS U N I D OS
C A N A DÁ
GUIANA

C O LÔ M B I A

PERU

BOLÍVIA

PA R AG U A I

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Fluxos Materiais. URUGUAI
P O RT U G A L
E S PA N H A
I R L A N DA
REINO UNIDO
FRANÇA Soja brasileira
B É LG I C A
PA Í S E S B A I XOS Volume de produção por município
Fluxo comercial

ALEMANHA
Portos
E S LOV Ê N I A
D I N A M A RC A
L E TÔ N I A
LITUÂNIA
N O R U EG A
FINLÂNDIA

S E N EG A L GANA
M A R RO C OS EG I TO
A LG É R I A G R ÉC I A
TUNÍSIA T U RQ U I A
I TÁ L I A ISRAEL
RO M Ê N I A G EÓ RG I A
P O LÔ N I A R ÚSS I A

C A M A RÕ E S
ANGOLA
CONGO
A R Á B I A S A U D I TA
OMÃ
IRÃ
PAQ U I STÃO

ÍNDIA
M YA N M A R
VIETNÃ
C A M B O JA
TA I L Â N D I A
CHINA

MALÁSIA
INDONÉSIA
FILIPINAS
C O R É I A D O N O RT E
CORÉIA DO SUL
JA PÃO

ÁFRICA DO SUL
MOÇAMBIQUE
M A DAG Á S C A R
A UST R Á L I A
N OVA Z E L Â N D I A
4
Paisagem fluida:
encontro dos
ecossistemas natural e
humano
Quão desregulada
é a relação entre os
ecossistemas humano
e natural?
Quando analisamos o impacto das questões estéticas, estruturais, de conforto
dinâmicas humanas no espaço, notamos ambiental e de requalificação de edificação,
que a fronteira territorial não é um fator a lei entende o objeto habitacional como
limitante. Ecossistemas não respeitam parte de um ambiente mais complexo.
fronteiras geopolíticas. A análise de um Apesar de importante e inédita, a lei
ecossistema – conceito que pressupõe a encontra empecilhos: as famílias-alvo a
relação entre seres e fatores físico‑químicos desconhecem e, na falta de diálogo mais
de determinado meio – não implica, amplo entre arquitetos e urbanistas,
portanto, apenas em questões visíveis. engenheiros, geólogos e técnicos de saúde,
Na definição comum, um ecossistema é não produz resultados significativos.
um ambiente natural, sem transformações Conflitos de ordem ambiental não se
antrópicas. Aqui, porém, trata-se do ser limitam à escala das cidades. Para alcançar
humano e suas interações com o entorno, uma compreensão profunda de nosso
influenciadas por questões naturais, ecossistema, é preciso considerar as
econômicas, culturais e sociais. Como externalidades, positivas ou negativas, em
um ecossistema pode ser impactado pelo diversas escalas simultaneamente.
homem e vice-versa? Qual é o papel das Nos últimos anos, houve uma redução
fronteiras geográficas nisso? significativa das florestas brasileiras, em
A análise de territórios como o Brasil e especial na Amazônia. O território de 325
a América do Sul ajuda a entender essas milhões de hectares no Norte do país perde
questões. Com uma população urbana de cerca de 800 mil ao ano – quase um Distrito
mais de 80%, o país vê esse conflito crescer Federal e meio – em decorrência da expansão
a cada dia nas áreas florestais, cerca de da produção agropecuária e extrativista. Se,
55% de seu território, por ação direta ou por um lado, os desmatamentos legais se
pelo impacto do consumo. relacionam com uma parcela dos ganhos
Na escala da cidade, os conflitos entre com exportação; por outro, repercutem
homem e ecossistema são constantes, drástica e negativamente na manutenção
muitas vezes atrelados a fatores sociais. de ecossistemas naturais fundamentais
O rápido processo de urbanização para o equilíbrio bio-climático brasileiro e
brasileiro resultou em cidades onde o sul‑americano.
planejamento não foi suficiente para Como lembra Antonio Donato Nobre em
controlar o crescimento informal. A mão de sua entrevista para este tema, a localização
obra industrial, sem acesso a alternativas da América do Sul em relação ao Equador
habitacionais de qualidade, estabeleceu-se garante ao continente temperaturas
em áreas sem infraestrutura, nas bordas relativamente amenas, o que permitiu o
dos centros urbanos, muitas vezes em áreas estabelecimento de uma flora equatorial
de proteção ambiental. Casas erguidas com significativa, de alta umidade, graças aos
materiais baratos, descartados, impróprios, vapores de transpiração da vegetação. Os
sem acompanhamento técnico, compõem ventos do litoral empurram esses vapores
núcleos distantes dos centros, insalubres para o Oceano Pacífico, provocando
e sujeitos a situações de alto risco – como chuvas na região equatorial; em seguida,
mostra o geólogo Álvaro Rodrigues dos ao encontrar com a Cordilheira dos Andes,
Santos neste capítulo. Em 2000, apenas a umidade é desviada para o interior do
33% dos domicílios brasileiros eram país, alcançando Centro, Sul e Sudeste,
considerados adequados. chegando até a Argentina.
Em 2008, foi sancionada a Lei de Nobre, assim como Paulo Tavares,
Assistência Técnica1, que garante a ressalta que a produção agropecuária e
famílias com renda de até três salários extrativista deveria entrar em acordo com
mínimos, de áreas urbanas ou rurais, o sistema da floresta amazônica, já que o
projeto técnico e acompanhamento da fim desta teria impactos consideráveis no
construção de moradia. Abrangendo regime de chuvas no Brasil e em terras sul-
americanas. Se a produção primária não O mapa
for reduzida, seu escoamento e consumo
também terão grandes impactos ambientais. Paisagem fluida constrói sua narrativa a
A construção de infraestruturas para a partir de elementos naturais sobrepostos à
distribuição desses produtos, como rodovias base topográfica da América do Sul. Em vez
asfaltadas, devasta terras verdes e agrava a das fronteiras geopolíticas, o mapa enfatiza
condição de impermeabilidade do solo. barreiras físicas de impacto significativo.
No plano urbano, o aumento da As emissões de carbono provenientes
população e das atividades ligadas da perda de biomassa são representadas
a indústria e serviços2 geram novas em tons de vermelho e amarelo. Quanto
necessidades energéticas. Nos últimos mais escura a mancha, mais intensa a
anos, viu-se um expressivo aumento no emissão. Quando em equilíbrio, a vegetação
número de usinas hidrelétricas nas bacias equatorial absorve taxas significativas de
da Amazônia, Pantanal e no cerrado.3 Duas carbono pela fotossíntese, permitindo que o
delas, Itaipu e Belo Monte, estão em A solo se decomponha lentamente. Quando é
Gente Rio – Be Dammed, publicada aqui; na desmatada ou substituída pela agropecuária,
obra, a artista Carolina Caycedo investiga por exemplo, a concentração de carbono na
ideias de fluxo, assimilação, resistência, atmosfera aumenta, contribuindo também
representação, controle, natureza e cultura para o aquecimento global.
lançando um olhar crítico para grandes Este cenário é complementado pelo
infraestruturas desenvolvimentistas.4 acúmulo de vapor no ar e os ventos que
Efeitos de ordem sistêmica mostram que o move, reguladores do regime pluvial na
as externalidades não são necessariamente América do Sul.
lógicas ou diretas. É necessária uma Ao destacar elementos naturais
análise global que contemple da escala distantes do meio urbano, o mapa instiga
local à regional, para que a percepção de arquitetos e urbanistas a um entendimento
processos de degradação não fique apenas mais global de seu território.
no imaginário coletivo. As barreiras devem
deixar de ser invisíveis e atingir o campo
1. Lei 11.888/2008. Disponível em:
sensível de todos que atuam no espaço www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
urbano brasileiro. Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm.
Trabalhos como os das fotógrafas Helena Acesso em: 20 abr. 2018.
Wolfenson e Aline Lata, que documentam 2. Cabe mencionar que a produção
primária é também essencial para a
o resultado do rompimento da represa de
indústria, influenciando até mesmo
Bento Rodrigues em Mariana (MG), expõem a construção civil – que, em 2015,
o conflito entre sistemas naturais e artificiais representava mais de 5% do PIB
e alertam para seus impactos na vida brasileiro e respondia por mais
humana. Há, cada vez mais, a necessidade de 8% da população empregada
do país (CBIC, 2015), incluindo
de desenvolver consciência e mecanismos
arquitetos e urbanistas.
para que cenas como estas não se tornem 3. Das treze usinas hidrelétricas das
cada vez mais frequentes no Brasil. bacias Amazônica, Tocantins/
Em vez de manter os ciclos da natureza Araguaia e Paraguai, seis foram
e nossa integração com eles como muros inauguradas após 2000. Só em
2014, mais de quinze hidrelétricas
desconhecidos para a organização
estavam em planejamento na região
do território urbano, esses devem ser (Agência Nacional de Águas, 2014).
compreendidos por todos os agentes 4. O trabalho foi realizado para a 32ª
que constroem as cidades brasileiras: Bienal de São Paulo – Incerteza
proprietários dos meios de produção e Viva (2016).
fundiários, promotores imobiliários, poder
público, grupos sociais, e, não menos,
arquitetos e urbanistas.
Carolina
Caycedo
A Gente Xingú,
A Gente Doce,
A Gente
Paraná, 2016
Da série A
Gente Rio –
Be Dammed
Fotografias
de satélite
Helena Wolfenson
Paracatú de Baixo, 2015
Marlon, Bento Rodrigues, 2015
Da série Rastro de lama
Fotografia
Aline Lata
Bento Rodrigues, Mariana –
Brasil, 2015
Da série Rastro de lama
Fotografia
entrevista: 142
Antonio Donato
Nobre

Antonio Donato Nobre (Santo


André-SP, 1958) é graduado em
agronomia pela Universidade
de São Paulo (USP), mestre em
biologia tropical no Instituto
Nacional de Pesquisas da
Amazônia (Inpa) e PhD em Earth
Systems Sciences pela University
of New Hampshire (1994). Foi
membro do Comitê Científico
Superior do Global Carbon Project
e relator do Código Florestal. É
pesquisador titular no Centro de
Ciência do Sistema Terrestre, do
Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (INPa), onde atua na
agenda de inovação tecnológica
e estuda o fenômeno dos rios
voadores da Amazônia. Tem
forte atuação na divulgação e
na popularização da ciência e
da agenda do desenvolvimento
sustentável da Amazônia.
Muros

Quais características da cultura


ocidental lhe parecem responsáveis pela
violenta segregação entre paisagem
natural e paisagem antrópica?
Os ocidentais se encantaram com a
capacidade analítica, de raciocínio
abstrato, propiciada pelo desenvolvimento
do hemisfério esquerdo do cérebro, a
única estrutura funcional da natureza que
é exclusiva do ser humano. Culturalmente,
cultivando essa estrutura nos divorciamos
de nosso próprio corpo e, assim, do
ambiente, porque o corpo não existe
fora dele. Temos esse distanciamento,
enquanto povos nativos da Amazônia,
povos milenares da Ásia, têm o lado
lúdico mais cultivado que o racionalista.
Eles mantêm uma raiz porque o lúdico
é totalmente ligado ao hipotálamo, ao
cérebro animal, emocional e sensitivo que
nos conecta à atmosfera.

Evidência

Quais os maiores exemplos dessa


segregação na escala global? E como
isso toma forma no contexto brasileiro?
Hoje, na nova era geológica do
Antropoceno, a desconexão com o
ambiente faz com que a humanidade
modifique todo o sistema, dentro da
lógica de retroalimentação positiva,
multiplicando poderosamente o número
de seres humanos na Terra. O uso de
nossas tecnologias nos equipara a forças
geológicas. A humanidade produziu na
Terra, em curtíssimo tempo, a mesma
marca estratigráfica do impacto massivo
de um meteoro ou de processos que levam
milhões de anos.
Os índios acreditam nos espíritos, não
têm problema com o que não conseguem
enxergar. Não veem o que está acontecendo
na floresta, mas foram ensinados que ali
acontece algo muito complexo, que deve
ser respeitado. A sociedade exportada da
Europa perdeu a palavra “veneração”, no
sentido de “eu respeito aquela coisa porque
ela está extraordinariamente além da Mesmo comprovando, o raciocínio linear
minha compreensão”. Os indígenas veem não venera o que desconhece. Na discussão
a floresta, os animais, a onça, com muito do código florestal, nosso grupo acadêmico
respeito. Perdemos isso, especialmente por e da Sociedade Brasileira para o Progresso
influência da ciência, do racionalismo. da Ciência (SBPC) mostrou a situação aos
políticos. Anos depois, o Supremo Tribunal
Federal (STF) deu alguma razão para o que
Efeitos colaterais tínhamos falado. Mas os memes europeus
são ativíssimos na cabeça do Blairo Maggi,
Qual a relação entre a Amazônia, no da Kátia Abreu, de todos os ruralistas
Norte, e as cidades do Sul e Sudeste do brasileiros. Uma oligarquia retrógrada que
Brasil? Como os chamados rios voadores determina como será. São uma fração
são afetados por um progresso pautado insignificante da sociedade, desde o tempo
pelo agronegócio, pela exploração de do Brasil colônia. Estamos falando: vocês
recursos naturais não renováveis (fósseis estão destruindo a galinha dos ovos de ouro,
e minerais) e por intervenções drásticas a agricultura depende, umbilicalmente, da
na paisagem natural, como a construção floresta… Tira a floresta, acaba a agricultura,
de hidrelétricas? não plantaremos em desertos.
A Amazônia está na zona equatorial, que
gera uma enorme quantidade de calor e
vapor d’água. A zona equatorial é o motor Comportamento e micropolítica
que gera, enquanto as zonas polares e
temperadas são o radiador do planeta. Existe alguma relação entre a atual crise
Estamos muito preocupados com o econômica e política brasileira e a maneira
aquecimento global e a emissão de carbono, como nos portamos frente ao meio
mas há pouca ênfase na proteção das ambiente? Como as mudanças climáticas
florestas. Mais importante que o carbono é influenciam hoje os conflitos por terras
o controle do vapor d’água e de seus fluxos urbanas, rurais e aquelas habitadas ou
atmosféricos, o fenômeno que chamamos reivindicadas por povos indígenas?
de rios voadores. Esses “rios” transportam A mineração está entranhada no nosso
umidade do oceano, dessalinizada pelo ethos nacional, por exemplo. A área da
sol, para os continentes, produzindo uma Renca [Reserva Nacional do Cobre e
quantidade absurda de vapor d’água. A água, Associados] foi aberta à mineração. Era a
porém, só chega aos continentes por causa última reserva conectada ao oceano – que
das florestas, que agem como uma bomba faz com que os rios voadores passem pelo
biótica de umidade. A floresta Amazônica, interior – preservada. Se interromper a
por meio das árvores, coloca em torno de 20 correia transportadora de umidade, todo o
bilhões de toneladas de água diariamente interior seca. E o presidente [Michel Temer]
na atmosfera – o que é mais água do que libera exatamente essa área.
o rio Amazonas. O vapor é devolvido pela A empresa Icomi explorou minério de
atmosfera com chuva, propagando-se para manganês da Serra do Navio, no Amapá,
o interior do continente. por cinquenta anos, levando 37 bilhões de
Com o desmatamento, a floresta já toneladas de minério; 85% foram para os
entrou em processo de degradação Estados Unidos e a Europa. O manganês
terminal. Estamos quebrando a bomba custa hoje 2 mil dólares por tonelada. O
biótica de umidade. A invasão da Brasil recebeu como royalties, por cinquenta
Amazônia faz parte da mentalidade a anos, o equivalente a 0,07 dólares por
que me referi antes: não vemos o vapor, tonelada. A Icomi pagou 12% do lucro líquido
assim não percebemos sua importância. ao Brasil, a maior taxa de royalties já paga.
Então, se planto soja, não me interessa. Hoje, os maiores royalties de mineração
Reproduziu‑se, aqui, o desastre europeu. são de 3%, pagos pela Vale e BHP Billiton, as
duas empresas que destruíram o rio Doce. propusemos um sistema que produziria
Foram isentadas de ICMS, o Estado não plantas pioneiras em fibras. Pessoas do
ganhou e ainda bancou toda a infraestrutura. departamento de Engenharia de Materiais
O que fica? Buracos imensos, poluição e da Universidade Federal de São Carlos,
desmatamento associados, pois as estradas inspiradas pelo projeto, aplicaram essas
que criam dão acesso a quem desmata. fibras e desenvolveram a madeira plástica.
Quando um minério sai daqui e entra Madeira criada de fragmentos da embaúba
em uma economia desenvolvida, ele é como componente em uma placa prensada
infinitamente reciclado. O ferro velho lá com cimento. Onde estiver degradado,
faz mais dinheiro do que quem possuía podemos produzir fibras e fazer uma
a riqueza original. Quem mais ganha composição de ciclo rápido e lento. Vamos
com as commodities são as traders, não regenerar florestas na Amazônia como os
o Brasil, o agricultor ou o agronegócio. povos antigos faziam. É o futuro.
Exatamente como no tempo em que os
europeus chegavam e davam um espelho
para o índio em troca de ouro. A riqueza Potencial transformador
amazônica está sendo dilapidada por 0,07
dólares por tonelada. Se o Brasil ganhasse Você acredita que a crise ambiental
o que esses minérios valem no mercado, pode nos despertar para uma
não teria problemas econômicos. Estaria compreensão mais holística do sistema
no topo, se simplesmente valessem aqui Terra e, então, transformar as fronteiras
as mesmas regras que valem nos países que existem entre os homens e entre
que nos colonizam. Nosso problema não homens e natureza?
é a pobreza na Amazônia. É a pobreza na Existem distâncias astronômicas entre
riqueza, a pobreza mental das elites. nós. Talvez entre um ruralista e eu – que
tenho convicções ambientalistas – haja uma
distância maior do que até a fronteira do
Experiência disciplinar universo. É instransponível. “Me ensinaram,
desde muito cedo, que devo acabar com
Quais práticas você e seus grupos de a fome do mundo plantando soja.” Na
pesquisa têm desenvolvido no Centro verdade, é para a fome dos porcos, galinhas
de Ciência do Sistema Terrestre para e vacas lá na China que a soja serve. Isso
promover uma relação mais balanceada gera um autismo cultural, a ponto de a
entre ecossistemas humanos e não pessoa falar que não precisa da floresta
humanos, visando o desenvolvimento Amazônica, precisa de soja. Autismo cultural
sustentável do país? que prevalece na sociedade e lembra um
Desenvolvi um trabalho chamado Fênix fenômeno da oncologia, quando uma
Amazônico (referência à capacidade célula deixa de pactuar dentro do sistema
extraordinária de renascimento da e passa a defender somente a exuberância.
região), no qual fiz um ecossistema de Adjetivos como “economia exuberante”,
empreendimentos sustentáveis numa área de “crescimento vigoroso”, “crescimento sem
produção de madeira. Usei conhecimentos limites” demonstram essa mentalidade
que obtive militando na engenharia florestal individualista, cancerígena, que comanda
e em plantios de recuperação de áreas Wall Street, London Stock, Bovespa. O
degradadas. Se um terremoto destrói uma egoísmo introduz um fator de desagregação
cidade, você reconstrói com tijolo, concreto, – isso finalmente está aparecendo na biologia.
ferro. Se algo semelhante acontece com Hoje voltamos para a estaca zero e fala-se
uma floresta, é só jogar sementes e ela se que a seleção natural é um fator coadjuvante
autoconstrói – e não paramos para respeitar muito importante, mas que o principal é
e venerar a dimensão tecnológica de uma a colaboração. A floresta Amazônica só
semente. Usando a tecnologia da floresta, funciona por causa da colaboração.
23°26’N

23°26’S

Por que a região sudeste


do Brasil não é árida
como as outras regiões
nos trópicos?

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Paisagem Fluida.
Cobertura da terra
Florestas
Regiões áridas e semi-áridas
Florestas tropicais
Desertos tropicais
As cheias, Paulo 148
as secas Tavares

Em junho de 2013, enquanto o governo brasileiro corria


para terminar a construção de caríssimos estádios e
projetos urbanos para receber a Copa do Mundo de
Futebol da FIFA de 2014 – evento que supostamente
mostraria ao mundo a alardeada “emergência global” da
maior economia da América do Sul –, uma multiplicidade
de protestos populares inundou centenas de cidades por
todo o país, convergindo em manifestações de massa
como não se viam desde os movimentos pelas reformas
democráticas que puseram fim aos vinte anos de ditadura
militar, na década de 1980. As pessoas tomaram as ruas
pedindo melhorias na saúde, na educação e nos serviços
urbanos; as redes sociais foram povoadas pelas hashtags
#nãovaitercopa e #semdireitossemcopa; e naqueles dias
também surgiriam revoltas e ataques a prédios públicos,
bancos e outros símbolos de poder político e econômico.
Temendo uma escalada do caos social capaz de
comprometer o evento, as forças de segurança impuseram
uma reação rápida. No centro das cidades, a polícia militar
conteve os manifestantes com gás lacrimogêneo, balas
de borracha e prisões arbitrárias; nas periferias, onde os
projetos da Copa do Mundo e das Olimpíadas de 2016 no
Rio de Janeiro deixaram um legado de desapropriações
generalizadas,1 empregaram os meios usuais de repressão 1. “ArticulaçãoNacionaldosComitês
contra os pobres, aterrorizando a população com toques Populares da Copa e Olimpíadas”,
in “Dossie Megaeventos e
de recolher, veículos blindados e execuções extrajudiciais.
violações dos direitos humanos
Embora tenham atraído muito menos atenção da no Brasil”. Ancop, s.l., nov., 2014.
grande imprensa, as Jornadas de Junho haviam sido Disponível em: comitepopulario.
prenunciadas por uma série de rebeliões em regiões files.wordpress.com/2014/11/
remotas da fronteira amazônica, muito distantes dos ancop_dossie2014_web.pdf.
Acesso em: 6 abr. 2018.
principais centros urbanos e da opinião pública. No dia
15 de março de 2011, o canteiro de obras do Complexo
Hidrelétrico do Rio Madeira se tornou o palco da maior
sublevação de trabalhadores da história recente do
Brasil, deflagrando uma onda de revoltas que se espalhou
rapidamente para diversos outros imensos canteiros de
obras na Amazônia. O primeiro item da lista de exigências
dos trabalhadores era “o fim da truculência dos guardas e
supervisores, das ameaças físicas e psicológicas e do uso
2. Instituto Humanitas Unisinos, de cárceres privados.”2
“Conjuntura da semana: A rebelião Dois anos depois, uma greve de dez dias no canteiro
de Jirau”, IHU On-Line, 31 mar.
da represa de Belo Monte, no rio Xingu, expôs um
2011; Raúl Zibechi, Rebellion in the
Brazilian Amazon, CIP Americas, regime de trabalho igualmente opressivo, revelando
abril de 2011. que trabalhadores migrantes viviam em situação
de “confinamento”, sob vigilância policial constante e
3. Entrevista com um trabalhador em sofrendo agressões.3 Assim como os projetos construídos
Belo Monte, publicada em 18 abr. para a Copa do Mundo e as Olimpíadas nas cidades, as
2013. Disponível em: www.youtube.
represas e outras obras gigantescas que vêm sendo
com/watch?v=XcmcO7KkkiQ.
Acesso em: 6 abr. 2018. instaladas no interior da Amazônia tornaram-se campos
sociais de batalha para conflitos envolvendo direitos.
Os protestos populares de massa por todo o país
– e a incompreensível derrota para a Alemanha por 7
a 1 nas semifinais do Mundial – não foram os únicos
acontecimentos históricos sísmicos que abalaram
o Brasil entre 2013 e 2014. Tão impactantes quanto
as convulsões políticas foram as duras secas que
atingiram o país naqueles meses. E, conforme as secas
se agravavam cada vez mais, o governo começou a
se dar conta de que a inquietação popular não era o
único problema a ameaçar a realização da Copa do
Mundo, e que também seria preciso lidar com os efeitos
desestabilizadores da mudança climática.
No início de 2014, milhares de cidades do Nordeste,
região propensa às secas, declararam estado de
emergência; no Sudeste, as reservas das hidrelétricas
que abastecem as áreas metropolitanas do Rio de Janeiro
e de São Paulo chegaram à beira do colapso, originando
o medo de que a falta de água e os blackouts de energia
pudessem interromper serviços essenciais e comprometer
4. Ver R7, “Mais de 1.500 cidades do a realização de jogos da Copa.4
Nordeste estão em situação de Nesse ínterim, uma cheia devastadora e histórica na
emergência por causa da seca”,
Amazônia engolia vastas extensões de terras, fazendas,
R7, 2 nov. 2014; “Uma em cada
dez cidades brasileiras já tem cidades e aldeias ribeirinhas inteiras, forçando o
epidemia de dengue”, Folha de deslocamento de milhares de pessoas. As principais
S. Paulo, 19 abr. 2015. estradas e redes de comunicação foram interrompidas
e imensas regiões ficaram completamente isoladas
por meses, gerando escassez de alimentos e remédios,
impedindo o acesso das operações humanitárias e
5. Eduardo Duarte, “Mais de 82 mil trazendo surtos de leptospirose.5
estão desabrigados com cheias Os impactos do que foi chamado de um “tsunami em
dos rios Madeira e Acre”, UOL terra firme” na Amazônia foram tão massivos que se
Notícias, 14 mar. 2014; José Maria
fizeram sentir indiretamente em regiões muito distantes,
Tomazela, “Cheia do Rio Madeira
atinge novo recorde na região como a área metropolitana de São Paulo. A inundação
amazônica”, O Estado de S. Paulo, obrigou à suspensão das operações nas hidrelétricas
3 abr. 2014. de Santo Antônio e Jirau, no Complexo Hidrelétrico do
Rio Madeira, duas represas construídas para atender à 150
crescente demanda energética da poderosa economia
do Sudeste brasileiro, onde, no mesmo momento, um
clima extremo igualmente catastrófico secava os maiores
reservatórios hidrelétricos.6 6. Lúcio Flávio Pinto, “Os Rios
Além da coincidência temporal, aparentemente não há enchem como nunca, o
rodoviarismo chega ao fim”,
nenhuma relação entre esses acontecimentos históricos
Amazônia Real, 12 maio 2014.
excepcionais. As turbulências sociais e os extremos
climáticos foram percebidos e analisados como episódios
independentes, pertencentes a domínios separados.
Enquanto as primeiras foram alocadas na história
sociopolítica, os últimos foram tratados como fenômenos
sem historicidade, resultantes de perturbações naturais,
e situados fora do domínio dos conflitos sociais que dão
forma à história.
No entanto, vistas de uma perspectiva mais ampla, as
turbulências políticas, inundações e secas que varreram
o território brasileiro simultaneamente parecem ser
acontecimentos interdependentes em níveis muito
diferentes, traçando os contornos de um complexo terreno
político-ambiental no qual forças sociais e naturais estão
inter-relacionadas por múltiplas interações, que operam
em escalas e temporalidades diversas.
Alguns estudos científicos recentes demonstram que a
Amazônia é responsável pelo suprimento da maior parte
das chuvas da América do Sul, sobretudo para as regiões
centrais modernizadas do sudeste do continente. As
correntes eólicas transportam periodicamente a umidade
que é liberada pelas árvores da floresta na atmosfera,
pelo interior da bacia, em direção aos Andes, e quando
a gigantesca barreira montanhosa reverte o movimento
das massas de ar, os vapores migram para o Sul sobre a
massa de terra, alimentando no caminho vastos campos
agrícolas e inúmeros reservatórios de hidrelétricas.
Na região de São Paulo, onde a grande seca de
2013/2014 foi mais grave, estima-se que até 70% das
precipitações da estação das chuvas derivam das águas
produzidas pela Amazônia; o clima dessa região, portanto,
depende estruturalmente da sustentabilidade da floresta
tropical, sem a qual seria um ecossistema inóspito,
semelhante a um deserto.7 7. Philip M. Fearnside, “A água de
As inundações históricas do rio Madeira em 2014, São Paulo e a floresta Amazônica”,
Ciência Hoje, vol. 34, n. 203,
as últimas de uma série de alterações excepcionais pp.63‑65, abr. 2014.
registradas na Amazônia na década passada, foram provas
ainda mais fortes de que a produção de água da floresta
tropical está mudando e se fraturando rapidamente,
uma condição que, no contexto do aquecimento global,
provavelmente se intensificará exponencialmente,
causando inundações mais extremas e frequentes na
porção oeste da bacia e, ao mesmo tempo, um processo
cada vez maior de savanização nas regiões sul e leste.
Mais do que um simples fenômeno natural, a contínua
desestabilização climática da floresta tropical é o resultado
ambiental de projetos implementados no final do século
20, quando as ditaduras militares da América do Sul, vendo
a si mesmas como uma força modernizante, buscaram
transformar toda a bacia em uma máquina global de
extração de recursos e exportação de commodities. A
ocupação do interior da floresta por meio de uma série de
empreendimentos monumentais – rodovias continentais,
represas, fazendas de agronegócio, complexos de
extração de petróleo e minérios – deflagrou um processo
massivo de desflorestamento em um breve período de
tempo, prejudicando gravemente a estrutura biofísica e a
resistência ecológica da Amazônia. Esse projeto foi imposto
às populações locais pela disseminação da violência e da
repressão, especialmente contra povos indígenas, que
foram sistematicamente deslocados e visados por políticas
coloniais cruéis de extermínio cultural e físico.
As convulsões políticas testemunhadas recentemente
na Amazônia foram dirigidas contra esquemas similares
de planejamento, criados pelos governos militares
para “desenvolver” a região durante a corrida global
por recursos naturais gerada pela Guerra Fria. Sua
implementação no território também foi marcada pela
disseminação das violações dos direitos das comunidades
locais que se opunham a esse projeto.

Os numerosos projetos de perfuração e mineração da


floresta tropical que estão em curso ou previstos, mais
as centenas de gigantescos esquemas de reengenharia
de seus rios de fluxo natural, contribuirão para acentuar
o desflorestamento e o aquecimento global, que, em
viciosa contrapartida, acabarão por quebrar a resistência
ecológica da floresta, engendrando uma biodiversidade
muito menor e um ambiente muito menos fértil em todo
o continente latino-americano. Os habitats regionais
serão prejudicados, o que agravará os conflitos por terra
e água, alimentando a fronteira de violência, levando a
linha de disputas para dentro dos territórios indígenas
e das reservas ecológicas e aprofundando ainda mais a
degradação ambiental.
Os deficits hídricos cada vez maiores acabarão
comprometendo o solo das regiões produtoras de
grãos mais importantes da América Latina, reduzindo
dramaticamente a área adequada para as culturas
de exportação, como café, milho e principalmente
soja. “Veremos uma migração de plantas, em busca de
8. Hilton S. Pinto e Eduardo D. melhores condições climáticas, para regiões onde elas
Assad, Global Warming and the
New Geography of Agricultural
não são nativas”, afirmam cientistas da Agência Brasileira
Production in Brazil. Brasília: de Pesquisa em Agricultura,8 acelerando a expansão da
British Embassy, 2008. fronteira agrícola em direção ao interior da Amazônia.
O deslocamento de espécies vegetais induzido por 152
mudanças climáticas será acompanhado por ondas de
migração de populações pobres urbanas e rurais, cujos
meios de vida também serão prejudicados pela escassez
de água e pelas secas. Como aconteceu nas décadas de
ditadura, quando os generais promoviam deslocamentos
massivos de camponeses de regiões secas do Nordeste
para colonizar a floresta, “estamos prestes a testemunhar
um novo êxodo para a Amazônia”, alegam os cientistas, pois
um grande contingente será obrigado a se mudar, “fugindo
da maior crise hídrica já registrada em nossa história.”9 9. Id., ibid.
Com os influxos migratórios, o desflorestamento tende a
aumentar. E, como a Amazônia produz enormes quantidades
de chuva, que são exportadas para o Sudeste, a perda de
áreas de floresta agravará ainda mais a escassez de água e os
períodos de seca no cerne de regiões modernas em torno de
Buenos Aires e São Paulo. Assim, mais refugiados do clima
se deslocarão, aumentando a pressão sobre os territórios
indígenas e as reservas ecológicas, em consequência.

Os impactos ambientais dessa estratégia neocolonial/


neodesenvolvimentista aumentarão o desflorestamento e
a fragmentação ecológica, contribuindo para intensificar
os efeitos da mudança climática na Amazônia e para
prejudicar ainda mais sua capacidade de produzir água, o
que comprometerá o suprimento de chuvas da América do
Sul. Isso deve gerar, inevitavelmente, secas extremas nas
populosas regiões do Sudeste do Brasil.
Em São Paulo, a maior aglomeração urbana do continente,
a redução drástica do suprimento de água é praticamente
certa em um futuro próximo, segundo especialistas.
Conforme os reservatórios e aquedutos forem secando, a
água passará a ser um dos principais objetos de conflito
urbano. Indiretamente catalisadas pelo desmatamento da
Amazônia, as novas Jornadas de Junho serão disparadas por
revoltas e rebeliões envolvendo recursos naturais comuns,
tanto nas cidades quanto no interior, enquanto os efeitos
sociais devastadores da mudança climática se tornam uma
questão de segurança nacional que será tratada com a
repressão e a violência de Estado exercidas tipicamente nas
periferias urbanas e nas fronteiras florestais do Brasil.
A Amazônia, território com a maior biodiversidade
do planeta, é atualmente uma das regiões mais mortais
do mundo para os defensores da terra e os ativistas
ambientais. Os povos indígenas e as comunidades de
camponeses com frequência são forçados a abandonar
suas terras para abrir espaço para infraestrutura de
transporte e energia, enclaves corporativos de extração
e fazendas e sítios da agroindústria. As pessoas
que estão na linha de frente da luta para proteger o
meio ambiente nesses territórios disputados vêm
sendo sistematicamente assassinadas, ameaçadas e
perseguidas como terroristas.
Fortalecer os direitos à terra e os direitos humanos
dos povos da floresta garantindo a integridade de seus
territórios e apoiando as suas práticas sustentáveis de
gestão ambiental, desenvolvidas ao longo de séculos,
é, portanto, uma forma não só de reforçar a resistência
do mecanismo amazônico que liga floresta e oceano,
mas também de influenciar a dinâmica do sistema da
Terra. Isso ajudaria a equilibrar o ciclo do carbono global,
mantendo o planeta mais frio e preservando o regime
hídrico de todo o continente sul-americano.
Os efeitos combinados de formas brutas de extração
de recursos, do aumento da degradação ambiental, da
redução das reservas naturais e da mudança climática
não estão levando apenas à constituição de uma ordem
ecológica radicalmente nova, mas também de uma
ordem política, ao inscrever as fronteiras, separações,
enclaves e divisões que definem a nova geografia dos
conflitos globais. Na condição geopolítica pós-mudança
climática, os fatores ambientais serão decisivos na
formulação dos conflitos, na medida em que o poder e a
resistência se tornaram “forças geofísicas”, coextensivas
e com impactos nos processos de formação da vida que
constituem o sistema da Terra.

Compilado a partir de um esboço


escrito em 2015.

Paulo Tavares (Campinas-SP, 1980)


é arquiteto e professor adjunto
da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de
Brasília, onde vive. Como autor e
conferencista, passou pelo ETH
(Zurique), Haus der Kulturen der
Welt (Berlim) e pelas bienais da
Irlanda, do Mercosul e de São
Paulo. Foi professor do Ateliê
de Projeto e Teoria do Espaço
da Faculdade de Arquitetura da
Pontifícia Universidade Católica
do Equador (Quito) e do Centro
de Pesquisa em Arquitetura da
Goldsmiths University. É diretor da
plataforma autonoma, dedicada à
pesquisa e à intervenção no espaço,
e colaborador da agência de
pesquisa Forensic Architecture.
Arquitetura, Álvaro 154
urbanismo Rodrigues
e geologia: dos Santos
casamento
indispensável

Para ser comandada, a natureza precisa ser obedecida.


– Francis Bacon, 1620

A DISSOCIAÇÃO COMUM ENTRE ARQUITETURA,


URBANISMO E GEOLOGIA

É importantíssimo considerar que os conceitos


orientadores de como se darão as relações entre
determinado empreendimento e o meio natural com o
qual interfere são definidos, primeira e originalmente,
nas concepções arquitetônicas que lhe são propostas.
São essas concepções determinantes na disposição
espacial e no ajuste do empreendimento ao terreno,
que influenciarão, por decorrência, a escolha dos
procedimentos construtivos e das futuras regras de
operação e manutenção, todos elementos essenciais
nas inter‑relações com o meio natural.
Assim, será a concepção arquitetônica inicial que
determinará o êxito ou fracasso de um empreendimento
no que se refere às relações de mútua interferência que
ele estabelece com o ambiente geológico-geotécnico no
qual se instala.
Em que pese a concordância com essa premissa
conceitual, problemas de ordem geológico-geotécnica
graves e onerosos, como processos de erosão/
assoreamento, enchentes, deslizamentos de encostas
naturais e taludes de corte, recalques ou abatimentos
de terrenos, produção maciça de áreas de risco,
deterioração de infraestrutura instalada etc., incluindo
comumente a perda de inúmeras vidas humanas,
têm origem em evidentes desencontros entre as
concepções urbanísticas e arquitetônicas dos projetos
e as características naturais dos terrenos onde são
[Fig. 1] Uma concepção de ocupação
radicalmente inadequada para a
conformação natural do terreno.
[Fig. 2] Encostas de alta declividade
e predisposição natural a
deslizamentos, que jamais poderiam
ser objeto de ocupação urbana.
[Fig. 3] Ocupações de orlas marítimas
sujeitas a avanços sazonais do nível
do mar: desastres anunciados.
156

[Fig. 4]  A população de baixa renda


é levada a ocupar terrenos de alto
risco potencial.
implantados. Isso evidencia a ausência ou a insuficiência
de um trabalho integrado entre arquitetos e geólogos.
Alguns exemplos práticos são esclarecedores. Ao
exigir insistentemente a produção de áreas planas por
meio de procedimentos generalizados de terraplenagem,
por exemplo, os projetos arquitetônicos associados
à expansão urbana – sejam habitacionais, sejam
empresariais – e instalados em áreas de relevo mais
acentuado trabalham com uma cultura de terra arrasada.
Utilizam-se obsessivamente de serviços intensivos de
terraplenagem para produzir platôs. Resultado: criação
de áreas de risco para deslizamentos, exposição dos
solos mais profundos, extremamente suscetíveis
à erosão, processos erosivos intensos em cortes,
aterros e bota-foras, destruição da infraestrutura
instalada, assoreamento de drenagens, favorecimento
de enchentes etc. Uma concepção urbanística e
arquitetônica orientada conceitualmente para relevos
mais acentuados evitaria, de início, todos esses
problemas. [fig. 1, 2, 3]
Ao pretender ocupar faixas litorâneas sujeitas
sazonalmente (no âmbito do tempo geológico) ao
alcance do mar, projetos arquitetônicos associados
a empreendimentos turísticos particulares ou
empresariais têm, em muitos casos, redundado
em clamorosos fracassos, com a destruição ou
o comprometimento estrutural das instalações
implantadas. Os expedientes de proteção das
instalações normalmente adotados nesses casos
primam pelo mesmo desconhecimento da dinâmica dos
processos geológico-marinhos naturais, e acabam por
comprometer ainda mais os empreendimentos locais e
também aqueles que se situam em regiões próximas.
Em resumo, nesse contexto de ausência de um
planejamento urbano tecnicamente suportado, são
ocupados terrenos que, por sua alta suscetibilidade
natural a eventos geológicos destrutivos, nunca deveriam
ser. Mesmo em áreas de risco natural baixo, com
condições mais favoráveis, que poderiam perfeitamente
ser ocupadas, os projetos são de tal inadequação técnica
que acabam por gerar situações de risco geotécnico alto.
Vários outros exemplos poderiam ser relatados, todos
testemunhando a necessidade urgente da arquitetura e
do urbanismo incorporarem em suas práticas a atenção
às características geológicas, geotécnicas e hidrológicas
dos terrenos que utilizam. Essa nova cultura levaria
automaticamente a uma colaboração mais estreita
entre arquitetura e geologia, no caso, a geologia de
engenharia, especialidade profissional que tem como
responsabilidade maior o domínio tecnológico da
interface homem/natureza.
COMPARTIMENTOS CARACTERÍSTICAS DO MEIO FÍSICO PROBLEMAS EXISTENTES OU ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS OBRIGATÓRIAS

GRUPOS tipo Geomorfologia Geotecnia ESPERADOS PARA A ÁREA PARA O LOTE/CONSTRUÇÃO

Áreas de platô, Solos profundos. Solos Erosões, uma vez removida Impedir terminantemente que Atender exigências do Código
topografia suave superficiais mais resistentes a camada de solos águas servidas ou pluviais de Obras para áreas de
em maciço à erosão e de melhor superficiais (~3 m). sejam lançadas para encosta topografia suave.
cristalino. comportamento geotécnico. a jusante sem proteção
i Solos residuais mais adequada.
profundos com grande
suscetibilidade à erosão. Boa
qualidade para fundações.

Áreas ii
passíveis de
ocupação iii

Encostas Solos rasos (~2,0 m), em sua Franca possibilidade Área de urbanização Terminantemente proibida
predominante- maior parte coluvionares. de deslizamentos a desaconselhada, somente a execução de cortes na
mente retilíneas qualquer ação de corte, podendo receber encosta. Cuidar para que as
com inclinação sobrecarregamento ou infraestruturas leves águas pluviais e recebidas de
iv entre 20° e 30°. recebimento de fluxo de associadas a atividades montante não sejam lançadas
drenagem concentrado educacionais de lazer/ para a encosta jusante sem a
originado de montante. ecoturismo. proteção adequada.

Segmentos de Solos rasos (~1,0 m) Grande suscetibilidade Restrição absoluta a qualquer —


encosta com coluvionares podendo a deslizamentos tipo de urbanização e uso
declividades haver exposições rochosas. translacionais rasos. físico da área. Eventuais
v superiores a 30°. Normalmente trincas, fissuras Grande vulnerabilidade a ocupações existentes deverão
e solos fofos logo abaixo da intervenções antrópicas. ser removidas. Setores
ruptura de declive superior. desmatados deverão ser
reflorestados.

Áreas não vi
ocupáveis non vii
edificandi
Faixas de risco Solos profundos, podendo Grande probabilidade Restrição absoluta a qualquer —
situadas na crista haver acúmulo de material de ser atingida ou por tipo de urbanização e uso
ou na base de escorregado. descalçamento (crista) ou físico da área. Eventuais
encostas definidas Topografia suave. por material escorregado ocupações existentes ou
viii como suscetíveis a (sopé). deverão ser removidas, ou se
deslizamentos. uma análise custo/benefício
sugerir, protegidas por obras
geotécnicas.
[Fig. 5] A Carta Geotécnica dos
morros das cidades de Santos
e São Vicente (SP) identifica
os diferentes compartimentos
geológico-geotécnicos e as
opções urbanísticas e construtivas
para uma ocupação segura de
suas áreas.
[Fig. 6] Uma típica Carta de Riscos
indicando os compartimentos com
diferentes graus de risco de uma
área já ocupada e atingida por
eventos de instabilidade. A Carta
é acompanhada por instruções
sobre medidas emergenciais e
corretivas para cada grau de risco.
DESAFIO 160
Como diretriz concisa, podemos entender que o seguinte
desafio se coloca para a arquitetura brasileira: usar a
ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à
natureza, em vez de, burocraticamente, pretender adequar
a natureza a seus projetos.

FATOR SOCIAL

No Brasil, como na maior parte dos países tropicais e


subtropicais pobres, um terrível agravante de ordem social
dá a esse desencontro tecnológico um aspecto trágico.
Nessas regiões, uma família de baixa renda somente
consegue constituir moradia própria – ou alugada –
que caiba em seu parco orçamento se aceitar alguma
combinação das seis seguintes condições: distância
dos centros urbanos, periculosidade, insalubridade,
desconforto ambiental, precariedade construtiva e
irregularidade fundiária. Essa situação leva a população
pobre, inexoravelmente, a três alternativas de habitação:
favelas, cortiços ou zonas periféricas de expansão urbana.
Especialmente nas últimas, a população de renda muito
baixa tem sido protagonista, ativa e passiva, da grave
tragédia das áreas de risco que se instalam de forma
generalizada em terrenos de relevo mais acidentado, áreas
baixas inundáveis e margens de córregos. [fig. 4]

SOLUÇÕES ESTRUTURAIS

Se o objetivo é a interrupção radical da instalação de


novas áreas de risco (o que exige trabalhar com uma
abordagem preventiva) e a eliminação de áreas de risco
já instaladas (o que exige trabalhar com uma abordagem
corretiva), quatro medidas de ordem estrutural
indispensáveis se impõem:

–– Planejamento criterioso do crescimento urbano, de


forma a impedir a ocupação de terrenos com condições
naturais de alta suscetibilidade a eventos geológicos
destrutivos, e adoção de planos urbanísticos e técnicas
construtivas corretas na ocupação de terrenos
geologicamente urbanizáveis.
–– Implementação de programas de habitação popular
que atendam à demanda da população de baixa renda
por casa própria, reduzindo, assim, a pressão pela
ocupação de terrenos impróprios à urbanização.
–– Desocupação de áreas de risco muito alto já instaladas em
terrenos com condições naturais de alta suscetibilidade
a eventos geológicos destrutivos, e realocação dos
moradores em novas habitações, dignas e seguras.
–– Consolidação urbanística e geotécnica de áreas de
alto, médio e baixo riscos já instaladas em terrenos
geologicamente urbanizáveis.

DUAS FERRAMENTAS PRECIOSAS

Dois documentos cartográficos destacam-se como


ferramentas de alto nível resolutivo para orientar ações
de caráter preventivo e corretivo: a Carta Geotécnica e a
Carta de Riscos, respectivamente.
A Carta Geotécnica é um documento cartográfico
que informa sobre o comportamento dos diferentes
compartimentos geológicos e geomorfológicos
homogêneos de uma área, ante as solicitações típicas de
um determinado tipo de intervenção, como a urbanização.
Ela ainda indica as melhores opções técnicas para realizar
a intervenção com pleno sucesso técnico e econômico.
A Carta Geotécnica se destaca, portanto, como uma
ferramenta de caráter preventivo e de planejamento.
Ela oferece a administradores públicos, arquitetos e
urbanistas as informações necessárias e indispensáveis
para evitar ocupar áreas de alta potencialidade natural a
eventos geotécnicos e hidrológicos destrutivos, e utilizar
as concepções urbanísticas e técnicas construtivas
mais adequadas à ocupação de áreas com restrições
geológicas, mas potencialmente urbanizáveis.
A Carta de Riscos delimita, em uma área ou região
já ocupada, as zonas ou compartimentos submetidos
a um determinado tipo de ocorrência (por exemplo,
escorregamentos) em um dado tipo de ocupação (por
exemplo, urbana), definindo os diferentes graus de risco
(internacionalmente fixados em quatro, Baixo, Médio,
Alto e Muito Alto) e as providências necessárias em cada
um. A Carta de Riscos aplica-se, assim, a situações com
problemas já detectados ou em curso, e constitui um
instrumento de ações emergenciais de Defesa Civil e de
correção de riscos instalados. [fig.5, 6]

O presente ensaio contou com a Álvaro Rodrigues dos Santos (Batatais-SP, 1942) é
colaboração dos geólogos Cássio graduado em geologia pela Universidade de São
Roberto da Silva (Serviço Geológico Paulo (USP) e pesquisador sênior V pelo Instituto
do Brasil – CPRM), Eduardo Soares de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Especializado em
de Macedo (Instituto de Pesquisas geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente,
Tecnológicas – IPT), Lídia Keiko é autor de numerosos trabalhos e livros técnicos.
Tominaga (Instituto Geológico – IG) e Ganhou o prêmio Ernesto Pichler da geologia de
da arquiteta Cristina Boggi da Silva engenharia brasileira. É diretor-presidente da ARS
Rafaelli (Instituto Geológico – IG). Geologia Ltda.
5
O mapa não é o
território: o redesenho
da fronteira
Quão desimpedido
é o acesso à
fronteira brasileira?
O termo território foi introduzido pela Runo Lagomarsino, que acha rachaduras
botânica e pela zoologia como sinônimo similares ao mapa da América do Sul no
de área de dominância de determinada concreto da marquise do parque Ibirapuera.
espécie. Com a evolução das ciências Entre constituição da fronteira e
humanas, incorporou-se a campos diversos concepção dos territórios brasileiro e
do conhecimento, ganhando construções vizinhos, é necessário tratar das dinâmicas
distintas. O conceito da geografia humana socioeconômicas dessas áreas. Abordado
e urbana é a chave para entender seu uso por Vidal e Gabriel Duarte, esse aspecto
em estudos de arquitetura e urbanismo traz o que Ailton Krenak chama de fronteira
no Brasil. Território relaciona-se a uma fluida – aquela que não diz respeito ao
formação socioeconômica: uma população físico, mas à cultura de uma sociedade. A
em um espaço determinado,1 assim como instituição física de limitações territoriais
a outras variantes que trazem aspectos não reflete, em definitivo, as relações
políticos importantes para a discussão sociais desses espaços, que permanecem
sobre territorialidade nas áreas de fronteira.2 em constante modificação.
Na concepção do geógrafo Friedrich Ratzel, Fundamentais para entender as áreas
um território está submetido à atuação de de fronteira, as chamadas cidades gêmeas
um Estado, que exerce o papel de defesa. ou de tríplices fronteiras são aquelas
Para Stuart Elden, professor de Ciências onde populações de diferentes origens,
Políticas e Geografia, território é uma culturas e economias se somam, criando
tecnologia política. Assim, um território uma realidade plural. Como Krenak
necessariamente implica uma questão de pontua, precisamos entendê-las como
limite e fronteiras. áreas de interação de fluxos, baseados na
Um território, no entanto, não experiência indígena da troca, e não nas
necessariamente está atrelado às experiências de captura de identidade. A
características físicas de um sítio, mas linha, mais que um limitante físico, pode ser
sim às dinâmicas políticas entre ele e um local de concentração e irradiação de
países, estados e cidades; como afirma atividades; ou, como afirma Duarte, não um
Celma Chaves Pont Vidal em seu ensaio, abismo, mas um centro.
as fronteiras perpassam o ambiente físico, Para além das barreiras conceituais,
relacionando-se a questões simbólicas constituir territórios fronteiriços enquanto
e subjetivas. unidades de esferas maiores requer um
O modo como podemos entender entendimento profundo. Lidamos com
esses conceitos frente à vasta fronteira evoluções históricas distintas. Em alguns
política – em escala continental – do Brasil locais mais antigos, enfrentamentos
é explorado nesse capítulo. A divisa do resultaram na edificação de elementos físicos
país com seus vizinhos da América do Sul, de proteção territorial, como fortalezas e
tem 16.886 quilômetros de extensão e foi muros. Outros locais são territórios recentes:
construída por portugueses e espanhóis cidades isoladas e cidades‑empresa,
nos anos de colonização sem considerar desgarradas de seu contexto maior.
as dinâmicas sociais e fluxos espaciais dos Colonização, base produtiva e infraestrutura,
primeiros habitantes dessas terras. Envolta entre outros, impactam sua estrutura
por objetivos políticos, a fronteira foi sendo organizacional, política e morfológica.3
esculpida conforme interesses, sobretudo São 558 municípios fronteiriços,4 ou seja,
comerciais, e era traçada pelos limites mais de 10% das cidades brasileiras. Eles
ou obstáculos físicos, de forma omissa se diferenciam por seu papel em relação
aos povos existentes. A aleatoriedade ao Brasil e também à América do Sul, com
do traçado em relação a esses outros a qual carecemos de permeabilidade e
componentes faz com que se pergunte conhecimento comum.
se aquele desenho não poderia ter sido Se os territórios estão em constante
encontrado pronto, a exemplo da obra de transformação, podem ser vistos como fluxos
e, então, devem ser tratados como tais 1. Definição utilizada pelo geógrafo
através de propostas dinâmicas e valores brasileiro Milton Santos a partir
da década de 1970. Ver Antonio
coletivos. Quem sabe, assim, as fronteiras
Carlos Robert Moraes, “Território”,
não passem a ser momentos enriquecedores in Revista Orientação, nº5. São
para os que estão nelas ou conectados a elas. Paulo: Instituto de Geografia da
Universidade de São Paulo, 1984.
2. “Fronteira” vem do latim frons ou
frontis e pode significar também in
O mapa
fronte, “na frente”. Ver Maria Lucia
Torrecilha, A gestão compartilhada
O mapa não é o território sobrepõe a como espaço de integração na
fronteira política do Brasil aos limites reais fronteira Ponta Porã (Brasil) e
que definem a percepção desse território. Pedro Juan Caballero (Paraguai).
Tese de doutorado, universidade
Estrutura-se, portanto, a partir de dois
de São Paulo, 2013.
tipos de limite – o instituído e o percebido 3. IPEA DATA. Banco de Dados, 2017.
–, ilustrando as camadas que compõem a Disponível em: www.ipeadata.gov.
fronteira e definem as zonas de contração e br/Default.aspx. Acesso em: 18
dilatação dessa separação. abr. 2017. Maria Lucia Torrecilha,
“Na linha da fronteira”, Colóquio
A rotação do mapa em 90 graus reforça a
Internacional Sobre o Comércio e
imagem da fronteira como muro e distancia Cidade: uma relação de origem,
o observador da imagem tradicional do 2015. Disponível em: www.
território sul-americano. Traçados em labcom.fau.usp.br/wp-content/
vermelho, os trajetos possíveis ao longo da uploads/2015/05/1_cincci/041.pdf.
Acesso em: 18 abr. 2018.
fronteira abrangem rodovias, rios e trechos
4. Ministério da Integração Nacional.
aéreos. As divisões administrativas dos Proposta de Reestruturação do
países dão lugar às subdivisões que de fato Programa de Desenvolvimento
definem a experiência desses espaços: a da Faixa de Fronteira. Bases
intersecção entre os biomas, as ecorregiões para uma Política Integrada de
Desenvolvimento Regional para a
de água doce, os pontos de controle Faixa de Fronteira. Brasília, 2005.
alfandegados, as cidades e os aglomerados Disponível em: www.retis.igeo.
urbanos, as reservas indígenas e áreas de ufrj.br/wp-content/uploads/2005-
preservação ambiental, os rios e corpos de livro-PDFF.pdf. Acesso em: 18 abr.
água, as memórias das missões jesuíticas, 2018.
os pelotões especiais de defesa territorial
na Amazônia, os portos e aeroportos.
Os principais pontos são acompanhados
por dados sobre proporção entre habitantes
(homens e mulheres, população rural e
urbana, estrangeiros, arquitetos atuantes)
e traduzem visualmente a intensidade das
relações nos diferentes trechos da fronteira,
expondo níveis variados de permeabilidade
e interação de Norte a Sul do país. Enquanto
no Chuí (RS), as cidades gêmeas uruguaia
e brasileira pulsam juntas, vinculadas por
uma avenida que tem como razão de ser
as relações de troca entre os dois países,
no Oiapoque (AP) o acesso de brasileiros à
Guiana Francesa – por uma ponte de 378
metros concluída em 2011 mas liberada para
o tráfego apenas em 2017 –, ainda depende
de permissão especial.
Runo Lagomarsino
ContraTiempos, 2010
Projeção Dia, 27 imagens originais
em carrossel de projeção de slide
Kodak com timer
Paulo Nazareth
Premium Bananas / 
Mapa Guarani, 2012
Costura e técnica mista
sobre tecido
entrevista: 174
Ailton Krenak

Ailton Krenak (Rio Doce-MG, 1953)


é uma liderança histórica do
movimento indígena. Desde a
década de 1980 dedica-se a essa
articulação, tendo exercido um
papel crucial nas conquistas dos
direitos indígenas na Constituinte
de 1988. Participou da fundação
da União das Nações Indígenas
(UNI) e da Aliança dos Povos da
Floresta, e idealizou o Festival de
Dança e Cultura Indígena na Serra
do Cipó (MG). Em 2016 recebeu o
título de professor honoris causa
na Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), onde ensina cultura e
história dos povos indígenas.
Muros

Quais são as principais fronteiras em


disputa hoje no Brasil?
No Brasil, as fronteiras estão o tempo
inteiro se deslocando, demarcando
ou sugerindo limites entre mundos,
que poderiam ser identificados como
mundos em guerra. É uma guerra em
que percebemos a insistência em dar
modernidade ao que é arcaico. Em algum
momento, disputando esse território
que chamamos de Brasil, principalmente
do século 20 para cá, ficamos com a
ideia confortável de que tínhamos um
desenho estável do país. Isso é uma ficção.
Essas fronteiras nunca se estabilizam. O
povo indígena é o que mais sofre nessa
acomodação das fronteiras internas do
nosso país. Quando pensamos a realidade
de trezentas etnias, povos, vivendo o
conflito de identidade, de direitos, todas
essas fronteiras se articulam na própria
ideia de mundo que essa diversidade
cultural tem. E pensar em fronteira não
só como conflito, mas também como
possibilidade de interpenetração de
mundos, todo o tempo interagindo.

Evidências

Quais marcas podem ser percebidas


em ocupações indígenas atravessadas
por fronteiras nacionais? Como esse
desenho no papel organiza o espaço em
que os índios vivem?
Temos povos transfronteiriços que
atravessam de um lado para o outro, dando
uma autonomia e fluidez a essas relações,
protegidos pela Convenção 169, convenção
internacional sobre populações indígenas
e tribais que assegura aos povos que vivem
em fronteiras entre Estados nacionais o
direito de livre trânsito. O princípio de livre
trânsito de comunidades que não têm
passaporte é muito criativo. Temos que
pensar cada vez mais em instrumentos
internacionais que assegurem essa fluidez
entre os povos, para a gente ir, devagarinho,
mudando um padrão arcaico que os povos
colonizadores trouxeram para a América Agora no Sul, temos uma grave ameaça
– uma memória dos tempos dos castelos, sobre o Aquífero Guarani, um dos maiores
de povos acuados pela peste, pela guerra. reservatórios de água pura do planeta.
Fronteira é uma coisa medieval. Se estamos Corporações transnacionais querem
querendo um mundo de paz, temos que comercializar e se apropriar do aquífero, e o
pensar um mundo no qual fronteiras não atual governo brasileiro é muito suscetível a
sejam bloqueios. A ideia de fronteira esse tipo de pressão.
imposta, como a demarcação das terras
indígenas, é uma violência para os povos
originários das Américas. Reclamamos Comportamento e micropolítica
a demarcação das terras indígenas pelo
Estado brasileiro, como se fosse um mal Como os povos indígenas entendem a
menor. Já que vivemos em uma cultura questão das fronteiras ou dos limites?
na qual fronteira é marca de domínio, Uma vez, ouvi uma história de um chefe
reivindicamos a fronteira para uma leitura do povo Kaiapó, no Xingu, conversando
mais externa do que interna. com um Guarani, do litoral de São Paulo:
“Meu parente, tenho muita gratidão por
você. Você ficou duzentos anos no litoral
Efeitos colaterais suportando a presença dos brancos
enquanto éramos protegidos dessa invasão
Que tipo de fronteira um no Xingu. Eles só chegaram na nossa
desenvolvimento econômico pautado terra no século 20, década de 1940, e na
pelo extrativismo primário, como a sua chegaram há mais de trezentos anos.
mineração, representa para a existência Vocês tiveram um prejuízo muito grande,
das reservas indígenas? protegendo nossa fronteira. Por causa
Representa uma ameaça constante, um do assédio que sofreram da cultura dos
risco iminente de desastre. O extrativismo, brancos, muitos de vocês não falam mais
principalmente quando ativado pelo capital a língua materna, perderam importantes
financeiro, se constitui numa fronteira ativa referências da tradição, da cultura
e invasiva sobre diferentes sítios, ecologias ancestral”. É fronteira fluida; não é física,
e territórios. A Amazônia está integrada é cultural. Os hábitos mudam totalmente
dentro das fronteiras do Brasil, mas o meio com essa interação entre culturas. Tem
ambiente não está na alma, no coração, no gente que acha uma tendência natural
pensamento das pessoas que planejam as nos constituírmos todos numa espécie de
políticas públicas. Temos um Ministério comunidade global, onde as diferenças
do Meio Ambiente muito mais ocupado são diluídas. Eu vejo essa diluição como
em fazer a administração das mazelas uma espécie de autofagia. É um organismo
urbanas, negligenciando a grande riqueza comum se autoempobrecendo. Estamos
que temos. Precisamos chamar atenção passando por um empobrecimento global:
para a grande importância da Amazônia, aquilo que parecia positivo na verdade é
para a complexidade cultural dos povos que uma perda da qualidade de vida dos povos
ainda vivem com autonomia nessa região. e da paisagem.
Porque esses povos, por não serem reféns
do mercado ou da indústria de alimentos,
são capazes de ter segurança alimentar Experiência disciplinar
autossustentada. Além da invasão do
extrativismo predatório, entram a pecuária Quais outros territórios são
e a monocultura nas fronteiras avançadas, desenhados pela articulação entre
que conflitam com práticas tradicionais povos indígenas, como no caso da
de manejo. Essas fronteiras se movem União das Nações Indígenas (UNI) e da
constantemente na horizontal e na vertical. Aliança dos Povos da Floresta? Como
essas articulações se relacionam com como resposta do então presidente
a ideia da nação brasileira? brasileiro, José Sarney, uma reação
Há uma ideia de que toda diversidade primária: um projeto chamado Calha Norte,
de povo, de gênero, de tudo, tenha seu a ocupação da fronteira com quartéis
lugar assegurado. Se a gente for pensar militares. Hoje, em meio à gravíssima crise
isso em um debate sobre fronteiras, num socioeconômica, esse sonho virou um
mundo com essa mobilidade toda, o que pesadelo e o que temos que administrar é a
seria esse lugar? Um holograma? Um crise migratória entre os dois países.
lugar constantemente reconfigurado? Na Essas narrativas de mundos fixos,
década de 1980, pensamos na Aliança do Trump, do Kim Jong-un, implantam
dos Povos da Floresta como uma aliança muros dentro de nossas cabeças, dentro
afetiva, como possibilidade de fluxo entre do coração. Em vez de ficarmos parados
lugares e da presença que cada cultura nisso, poderíamos pensar mundos
reivindica. Quando começou o debate intercambiáveis. Os Ticuna, por exemplo,
sobre a União Europeia, na década de vivem na fronteira Brasil-Colômbia, no
1990, tentavam diluir a dureza daquelas rio Solimões. Caçam, vivem, trocam com
fronteiras internas e também criar um fluxo gente sem perguntar quem é colombiano,
que beneficiasse a economia. De repente, quem é brasileiro. São capazes de viver
a economia tornou-se mais determinante na fronteira sem que ela limite suas
do que a vontade cultural de compartilhar. relações. A melhor maneira de diminuir o
Sinto como temos dificuldades de provocar conflito é fazendo interação de fluxos, o
fluxos criativos de relacionamento; nos que é muito diferente de fazer integração.
relacionamos pouco com a fluidez das Integração é quando um agente ativo
fronteiras entre nossos povos. Os Guarani captura as identidades alheias; interação
estão na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, é quando todos podem trocar, quando
o que gera até mal entendidos, como há mutualidade. Acho que é nos
sugerir que venham do Paraguai. Este territórios indígenas que isso acontece,
sempre foi um território compartilhado. porque não há uma coisa chamada
propriedade privada.

Potencial transformador

Quais tentativas já foram feitas


no intuito de criar uma região de
cooperação entre o Brasil e os demais
países da região amazônica?
Houve um ensaio, que coincidiu com
a iniciativa do Tratado de Cooperação
Amazônica (TCA), no final dos anos 1970,
que seria maravilhoso se tivesse evoluído.
O então presidente da Venezuela [Carlos
Andrés Pérez], talvez inspirado por
programas da Unesco, propôs a criação
de uma reserva da Biosfera Amazônica,
compartilhada entre Brasil e Venezuela.
Essa região incluía o território Yanomâmi
(11 milhões de hectares) que na época
sofria forte invasão do garimpo. Seria
um mecanismo para manter a autonomia
desses povos e resguardar aquele imenso
território. Essa ideia, tão avançada, teve
Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab
(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
O Mapa não é o Território.
Bioma Amazônico
Potencial ganho de carbono
Territórios indígenas
Áreas naturais protegidas

- habitantes + habitantes

BRASIL
O horizonte é Gabriel 180
apenas o início: Duarte
fronteiras,
cidades e
identidades

REGERE FINES, OU A IMPOSIÇÃO DE LIMITES

Yo no sé de dónde soy, mi casa está en la frontera


Y las fronteras se mueven, como las banderas.
– Jorge Drexler, Frontera, 19991 1. Não sei de onde sou, minha casa
é na fronteira / E as fronteiras se
mexem, como as bandeiras.
Na canção Frontera, do compositor uruguaio Jorge
Drexler, a natureza mutável das fronteiras sul-americanas
é louvada como o ethos de identidades muito particulares:
uma é a fronteira em si, imprecisa e difusa; e outra é a do
habitante da fronteira, nômade e desterritorializado.2 Essa 2. Anthony Giddens, The
dualidade das fronteiras sul-americanas é única, e sua Consequences of Modernity.
Stanford: Stanford University
origem remonta aos conflitos violentos e meticulosamente
Press, 1990.
planejados entre as civilizações pré-colombianas e os
colonizadores europeus, bem como aos projetos de
independência dos governos regionais. Desde a definição
imprecisa das ocupações iniciais da América do Sul até
a oscilação do controle territorial, devido às intervenções
militares e econômicas, diversos tipos de zonas de
transição territoriais surgiram.3 3. Brasil, Ministério da Integração
Como as fronteiras nacionais não são tão impermeáveis Nacional. Proposta de
Reestruturação do Programa
quanto os governos gostariam, sua rigidez ignora o de Desenvolvimento da Faixa de
modo como inúmeras práticas sociais, econômicas e Fronteira. Brasília: Ministério da
culturais inadvertidamente desconsideram as limitações Integração Nacional, 2005.
impostas pelas políticas de controle. A fronteira é mais
do que um mero fato geopolítico. Ela representa uma
ruptura sociocultural forçada, que pode ser ilustrada
pela analogia com a expressão latina regere fines, que
significa, literalmente, traçar as linhas que limitam algo,
definem seu fim. Na igreja católica, regere fines é um ritual 4. Claude Raffestin, “A ordem e a
realizado por padres antes da construção de um templo desordem, ou os paradoxos da
fronteira”, in Tito Carlos Machado de
para definir claramente a fronteira entre espaços sagrados Oliveira (org.), Território sem limites:
e não sagrados.4 Esses ritos religiosos e a criação de estudos sobre fronteiras. Campo
fronteiras nacionais na América Latina compartilham Grande: Ed. UFMS, 2005, p.10.
outros procedimentos. A soberania nacional é reforçada
pela definição de limites, pela diferença clara entre dentro
e fora, nós e eles, ordem e caos.
No entanto, as manifestações de regere fines nas
fronteiras sul-americanas criam curtos-circuitos com
contextos pré-existentes, nos quais as transgressões
são inevitáveis. Essa condição é particularmente visível
ao longo das fronteiras da América do Sul, cujos legados
de ocupação territorial (urbana, rural e tudo o que
existe entre as duas) não se valem necessariamente de
5. Michel de Certeau, The Practice of acordos internacionais em suas práticas cotidianas.5
Everyday Life. Berkeley: University Hoje, enquanto os governos sul-americanos lutam com
of California Press, 1984.
processos problemáticos de integração, suas fronteiras
oferecem formas alternativas de urbanismo (tanto locais
quanto estrangeiras) e culturas híbridas únicas, que
raramente são levadas em conta. Os modos como a vida
nessas regiões ultrapassa limites geopolíticos impostos
e mecanismos de controle são exemplos formidáveis de
como – às vezes – prevalece a visão “de baixo para cima”.
Uma vez que essas regiões foram geradas a partir
de limites territoriais mutáveis entre as colônias no
continente, muitos sistemas e redes territoriais específicos
se desenvolveram em meio a imprecisões geopolíticas.
Tanto os campos neutrales [campos neutros] dos pampas
quanto as redes formadas pelas missões jesuíticas, as
zonas de extração da borracha na Amazônia (seringais) e
os complexos de mineração em Potosi e em Jujuy, entre
outros, todos se transformaram em sistemas territoriais
coesos com culturas comuns que persistem até hoje. Suas
identidades se tornaram altamente hibridizadas e difíceis
6. Néstor García Canclini, Hybrid de categorizar.6 A alternância de poder nesses contextos
Cultures: Strategies for Entering criou pontos de transição urbanizados fundamentais para a
and Leaving Modernity.
resistência dos sistemas econômicos locais. Esses pontos
Mineápolis: University of
Minnesota Press, 2005. aparecem na forma de cidades gêmeas – às vezes trigêmeas
– de fronteira, para onde convergem diferentes poderes
e interesses. No atual cenário conturbado de integração
regional sul-americana, é crucial reconhecer e identificar
o modo como as fronteiras e suas cidades alimentam as
redes regionais. Esse argumento motivou a criação de uma
cartografia alternativa da fronteira, na qual ela não é uma
margem, mas um centro. Este artigo narra a construção
desse mapa e os desafios conceituais que a permearam.

O MAPA E A REESCRITURA DAS FRONTEIRAS

A noção de limite é em si própria artificial, a criação


de civilização, da humanidade. […] Não há fronteira
7. Oswaldo Aranha, Fronteiras e
limites (a política do Brasil). Rio de
forte, não importa quais condições naturais ou defesas
Janeiro: Imprensa Nacional, 1940, militares existam, para uma nação fraca, sem princípios.
p.43. – Oswaldo Aranha7
182

[Fig. 1] A fronteira não deve limitar,


mas irradiar. Imagem: Gabriel
Duarte e Barbara Graeff, 2018.
O exercício cartográfico que dialoga com este artigo
se intitula “O mapa não é o território” e põe em
movimento duas investigações empíricas sobre como
é possível visualizar a dicotomia entre a dimensão
vivida (experiência) das fronteiras sul-americanas e
seus limites definidos institucionalmente. A primeira
visava identificar de forma pragmática os aspectos
espaciais contínuos que atravessam fronteiras e
são atravessados por elas. Os aspectos usados
mais comumente para exemplificar essa condição
eram, evidentemente, naturais. A continuidade
dos biomas, quedas d’água, aquíferos, florestas e
relevos, entre outros, expressa a dicotomia vivido/
definido da fronteira. Eles existem e são contínuos,
mas nunca são percebidos ou representados na
integridade. A segunda, por outro lado, traçaria
uma viagem imaginária (porém verossímil) ao longo
da fronteira ocidental internacional do Brasil. Esse
itinerário sugere possibilidades reais para uma viagem
hipotética pelas paisagens que foram reveladas na
primeira investigação.
O primeiro passo desse itinerário foi essencialmente
procedimental. O mapa precisou ser desenhado a
partir de um eixo central; as fronteiras, de dentro
para fora. A fronteira, nesse caso, não deveria limitar,
mas irradiar [fig. 1]. Isso foi um desafio em relação
aos métodos tradicionais de desenho, em que os
limites são desenhados primeiro e os conteúdos
acrescentados depois (de modo muito semelhante
aos mapas tradicionais, cujas principais fronteiras
são traçadas como estrutura para a definição de
subdivisões e localidades). Neste caso, a fronteira
desempenha o papel de limite catalisador, enfatizando
os componentes espaciais que deveriam ser
acrescentados ao mapa. Esse método usa a fronteira
não apenas como referência cartográfica, mas a
incorpora com qualidade gravitacional, que direciona
o olhar e a atenção.
Em termos práticos, esse mapa alternativo das
fronteiras seria basicamente uma colcha de retalhos
resultante da colagem de diferentes bases de dados
geográficos. Em princípio, sua feitura não oferece
necessariamente nenhum conteúdo original. O que ela
oferece, na verdade, é uma nova perspectiva (uma nova
estrutura) a realidades territoriais que se encontram
hoje desassociadas. Apesar da tarefa aparentemente
simples, essa colagem envolveu uma sincronização
complexa de parâmetros cartográficos oriundos de
fontes internacionais completamente diferentes. A
sobreposição de dados geográficos que na verdade
descrevem as mesmas paisagens contínuas revelou
184

[Fig. 2] A continuidade das paisagens


transfronteiriças. Imagem: Gabriel
Duarte e Barbara Graeff, 2018.
[Fig. 3] Itinerário hiopotético
costurando a fronteira através
de caminhos verdadeiros.
Imagem: Gabriel Duarte e Barbara
Graeff, 2018.
condições impressionantes, vistas apenas parcialmente
na maior parte do tempo. [fig. 2]. Paisagens diferentes
que continuam sendo entendidas como entidades
separadas, sendo que a realidade mostra outra coisa.
O itinerário hipotético que entrelaça o mapa inteiro
demonstra pragmaticamente as possibilidades e
dificuldades para de fato incorporar a fronteira como
entidade espacial [fig. 3]. Muito embora o mapa revele
uma série de continuidades, na maior parte do tempo elas
são de difícil acesso (exceto pelas populações localizadas
exatamente ali). Isso torna evidente o ethos presente no
título do mapa: a discordância entre a realidade vivida
e sentida e a realidade representada pela cartografia
política. Em certo sentido, foi um experimento bastante
cínico, em que a cartografia demonstrou suas limitações,
expostas no uso de seus próprios termos, um mapa.

TERRA LIMITANEA, O CASO DAS FRONTEIRAS DO SUL

Entre as relações que o mapa revela, é especialmente


importante abordar a emergência do urbano. Além das
continuidades evidentes que são ignoradas pelos limites
artificiais da fronteira, as cidades fronteiriças gêmeas
oferecem a oportunidade de ser entendidas em sua
especificidade, a partir do projeto e de perspectivas do
planejamento urbano, para reencontrar uma agência
local que se perde em escala territorial. Historicamente
dependentes de suas irmãs, essas cidades (identificadas
com precisão no mapa) desempenham de forma
contínua um papel de ponto de ligação para sistemas
territoriais maiores, que ultrapassam as fronteiras
vigentes. Esse patrimônio é aparente em suas vidas
cotidianas ainda hoje e na implementação de tratados
e políticas internacionais.
As posições intermediárias que elas assumiram ainda
são válidas e oficialmente reconhecidas, embora de forma
difusa. Comparáveis às zonas de transição fronteiriças
8. M. C. Castro; Lia Osorio Machado; criadas pelos romanos na Bretanha, as terra limitanea,8
Rebeca Steiman; Letícia Parente; áreas menos controladas onde moradores locais e
Paulo Peiter; André Reyes Novaes;
famílias de militares podiam se estabelecer, as cidades
Cristiane Adiala; Flavia Lins de
Barros; Maurício Martins; Pedro gêmeas de fronteira sul-americanas expandem as linhas
Fernandes Neto; João Sousa de fronteira, criando regiões interligadas por redes cuja
Lima; Lucimar Arararuna, Terra articulação depende delas. Para descrever, documentar e
limitanea: Atlas da fronteira analisar essas regiões, é necessário repensar os léxicos
continental do Brasil. Rio de
Janeiro: UFRJ/CNPq, 2002.
tradicionais do urbanismo e da arquitetura para melhor
acomodar seus aspectos híbridos. O fundamento desse
desafio analítico se baseia no conceito de hibridismo do
antropólogo argentino Néstor García Canclini. Segundo
ele, as hibridizações são “processos socioculturais em que
estruturas ou práticas distintas, previamente existentes
[Fig. 4] Jovem gaúcho treinando
para um rodeio em Santana do
Livramento (Brasil). Fotografia:
Gabriel Duarte, 2013.
[Fig. 5] Campo de pecuária próximo
às cidades de fronteira de Monte
Caseros (Argentina) and Bella
Unión (Uruguai). Fotografia: Gabriel
Duarte, 2013.
[Fig. 6] Paisagem dos pampas no Rio
Grande do Sul (Brasil). Fotografia:
Gabriel Duarte, 2013.
[Fig. 7] Gaúchos em roupas típicas
durantes as festividades do dia que
celebra a Revolução Farroupilha na
cidade gêmea de fronteira de Rivera
(Uruguai) e Santana do Livramento
(Brasil). Fotografia: Gabriel
Duarte, 2013.
de forma separada, são combinadas gerando novas
9. Néstor García Canclini, op. cit., estruturas, objetos e práticas.”9
p.XXV. As condições híbridas encontradas nas cidades gêmeas
de fronteira são particularmente identificáveis nos limites
meridionais entre Brasil, Argentina e Uruguai, onde
os padrões de ocupação da paisagem dos pampas se
converteram em um sistema denso de redes de agricultura
intensiva e criação de gado. Trata-se de uma das regiões
mais (talvez a mais) negligenciadas e disputadas da
América do Sul. Sua forma política foi submetida a
uma série de negociações e batalhas cruentas entre
portugueses e espanhóis. Diferentemente de outras
partes da América do Sul, como muitas regiões dos Andes,
a ocupação espanhola dos pampas – as vastas planícies
que se estendem do sul do Brasil, no estado do Rio
Grande do Sul, à maior parte do Uruguai e da Argentina
(províncias de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fe, Entre
Ríos e Córdoba) – foi extremamente rarefeita no século 16.
Os pampas e os rios da Prata e Paraná foram considerados
pontos de ligação com outras regiões, onde a extração de
minérios raros prosperava.
Essa condição resultou em uma intensa oscilação do
poder territorial na região. A impressionante indefinição
do controle político chegou ao ponto de forçar a criação
oficial de porções de terra que não pertenciam a ninguém,
os campos neutrales. Essas faixas desabitadas que se
estendiam dos charcos do Taim ao arroio Chuí foram
criadas para evitar confrontos diretos entre colonos
portugueses e espanhóis, pelo Tratado de San Ildefonso,
assinado pelos dois impérios através da mediação do
papa Pio VI. Mais tarde, seriam ocupadas por ex-militares,
tanto espanhóis quanto portugueses. Curiosamente,
essa ausência de controle político não gerou um foco de
anarquia na região, mas a oportunidade de uma cultura
unificada emergir – toda uma cultura que, desde o início,
não era restrita por limites artificiais, mas criada a partir
da própria efemeridade.
Hoje, vestígios desse período ainda persistem na cultura
mítica do gaucho, equivalente sul-americano do caubói
[fig. 4, 5]. A regularidade monótona e a extensão anônima
dos pampas não são desvantagens, mas a própria condição
que permite que sejam compreendidos e funcionem como
tal [fig. 6, 7]. As fronteiras políticas não passam de um limite
virtual para os sistemas de redes que vivem através delas.
E as cidades gêmeas que interceptam sua superfície não
são ocupações isoladas. São os entrepostos, ou momentos
de intensificação de uma lógica territorial mais ampla, que
se baseia no legado do nomadismo cotidiano do gaucho.
A metonímia do gaucho exemplifica perfeitamente essa
noção: alguém constantemente em movimento e que não
pertence a lugar nenhum.
É possível supor que a emergência do urbano nos 188
pampas também tenha incorporado essa mesma
qualidade transitória, que não pode ser entendida
no isolamento. Entre as cidades que permeiam essa
paisagem, aquelas que se localizam nas fronteiras
nacionais se destacam devido ao aspecto comum de
ocupar posições intermediárias nos processos comerciais
e agrícolas regionais localizados sobre os vestígios de
redes históricas. Essas cidades não possuem uma lógica
em si mesmas, mas dependem de polaridades externas.
A fronteira, aqui, é vista como o limiar que fornece um
impulso, não como impermeabilidade.
Sobretudo considerando os desafios de integração
propostos nas últimas décadas por iniciativas em
toda a América do Sul, hoje é possível prever os
benefícios de discutir o que os urbanismos adaptáveis
das cidades gêmeas podem oferecer nesse sentido.
Os acontecimentos recentes no cenário geopolítico
sul‑americano – com a implementação de projetos de
infraestrutura em transporte, energia e telecomunicações
– apontam a necessidade de mudanças radicais no modo
como a região marca sua posição no mercado global
como comunidade coesa. Como podemos pensar em
planejamento internacional complementar e em projetar
ações que considerem as qualidades transitórias e
híbridas dos territórios de fronteira? Como o papel das
cidades de fronteira pode ser repensado para fazer
convergir esforços que tirem vantagem dessa sua
condição? Como as mudanças atualmente propostas na
infraestrutura do continente transformarão as culturas e
economias locais?
Não são perguntas fáceis. E, da mesma forma que a
lógica operacional por trás das fronteiras sul‑americanas
e de suas cidades gêmeas depende de movimentos e
transições, exigem modos semelhantes de entendimento.
O itinerário imaginário traçado através das paisagens
identificadas no mapa demonstra que o contexto das
operações atuais nas fronteiras não requer estudos
pontuais. Para apreender realmente a complexidade disso,
deve-se usar uma abordagem contínua e transnacional.
Uma abordagem que não seja necessariamente governada
por limites virtuais e institucionais, mas pelo modo como
essas paisagens promoveram tipos diferentes de redes
regionais ao longo da história.
Referências adicionais
–– ABINZANO, Roberto Carlos. “Las regiones de frontera:
Espacios complejos de la resistencia global”. In: Tito
Carlos Machado de Oliveira (org.), Território sem
limites: Estudos sobre fronteiras. Campo Grande:
Ed. UFMS, 2005, pp.113-130.
–– BRASIL, Ministério da Integração Nacional.
Proposta de Reestruturação do Programa de
Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília:
Ministério da Integração Nacional, 2005.
–– CASTRO, M. C.; MACHADO, Lia Osorio; STEIMAN,
Rebeca; PARENTE, Letícia; PEITER, Paulo; NOVAES,
André Reyes; ADIALA, Cristiane; BARROS, Flavia Lins
de; MARTINS, Maurício; FERNANDES NETO, Pedro;
LIMA, João Sousa; ARARARUNA, Lucimar. Terra
Limitanea. Atlas da Fronteira Continental do Brasil.
Rio de Janeiro: UFRJ/CNPq, 2002.
–– CLEMENCEAU, Georges. Notes de voyage dans
l’Amérique du Sud, Argentine, Uruguay et Brésil.
Paris: Hachette, 1911.
–– GARCIA, Fernando Cacciatore. Fronteira iluminada:
História do povoamento, conquista e limites do Rio
Grande do Sul a partir do Tratado de Tordesilhas
(1420-1920). Porto Alegre: Sulina, 2012.
–– GIDDENS, Anthony. The Consequences of Modernity.
Stanford: Stanford University Press, 1990.
–– LEJEUNE, Jean-François (org.). Cruelty and Utopia:
Cities and Landscapes in Latin America. Nova York:
Princeton Architectural Press, 2005.
–– MACHADO, Lia Osório. “Cidades na fronteira
internacional: Conceitos e tipologia”. In: A. Nuñez,
M. M. Padoin e T. C. M. de Oliveira (orgs.), Dilemas
e diálogos plantinos: Fronteiras. Dourados: EdUFGD,
2010, pp.59-72.
–– GRAZIANO, Manzio. What is a Border? Stanford:
Stanford University Press, 2018.
–– MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo
entre duas culturas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
–– OLIVEIRA, Márcio Gimene de. “A formação das
cidades-gêmeas Ponta Porã-Pedro Juan Caballero”. II
Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e
Poder – I Simpósio Internacional de Geografia Política
e Territórios Transfronteiriços. Foz do Iguaçu, 2011.

Gabriel Duarte (Niterói-RJ, 1979) é Diretor de


Urbanismo do escritório Bernardes Arquitetura
e Professor do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da (PUC-Rio). Foi um dos fundadores
do escritório CAMPO (2008-2016), quando cocriou
o grupo Novas Cartografias que pesquisa novos
métodos de mapeamento colaborativo. É também
Pesquisador Associado no Instituto de Paisagismo
da Universidade Leibniz de Hannover (Alemanha).
Foi Professor Visitante na Architectural Association,
MIT, Harvard, entre outras, e ocupou a cadeira de
Lemann Visiting Scholar do Centro David Rockefeller
de Estudos Latino-Americanos de Harvard (DRCLAS).
Formou-se em arquitetura e urbanismo pela UFRJ e
pela Universidade Técnica de Delft (Holanda).
Amazônia Celma Chaves 190
múltipla e os Pont Vidal
significados
da fronteira

A HISTORICIDADE DA FRONTEIRA AMAZÔNICA


E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS

Para além das concepções e dos significados habituais,


o termo “fronteira” tem acepções distintas nas diversas
áreas do conhecimento. Trindade Jr.1 promove um diálogo 1. Saint-Clair Cordeiro Trindade Jr.,
pertinente entre estudos que cotejam perspectivas “Pensando a noção de fronteira:
Um olhar a partir da ciência
diferentes do tema. O autor nos apresenta a definição
geográfica”, in Durbens Martins
geral da palavra, à luz do pensamento de Ramoneda: Nascimento (org.), Amazônia
e defesa: Dos fortes às novas
As fronteiras marcam um dentro e um fora, um conflitualidades. Belém: NAEA/
nós e os outros. As fronteiras são de muitos tipos: UFPA, 2010, pp.100-123.
físicas, políticas, culturais e também psicológicas.
Uma fronteira cria um espaço interior que pretende
ser homogêneo e deliberadamente diferenciado
do exterior. Porém, as fronteiras são, também,
barreiras invisíveis que se interpõem entre os
homens, inclusive entre as suas relações pessoais.2 2. Ramoneda, 2006, p.6, apud Saint-
Clair Cordeiro da Trindade Júnior,
“Pensando a noção de fronteira:
Na história da Amazônia dos últimos séculos, esse termo
Um olhar a partir da ciência
atravessa variações semânticas e ganha um amplo geográfica”, in Durrens Marins
espectro de significados. Não se trata, aqui, de relacionar Nascimento (org.), Amazônia
todos esses sentidos e nem de categorizar o conceito e defesa: Dos fortes às novas
exaustivamente. O que nos interessa é caracterizar duas conflitualidades. Belém: NAEPA/
UFPA, 2010, p.102.
dimensões de fronteira que são pertinentes no contexto
da Amazônia brasileira. A primeira é a dimensão objetiva
que pode caracterizá‑la: seus aspectos físicos, políticos,
demográficos, econômicos, modos de produção etc.
A segunda dimensão está no âmbito do intangível, do 3. Saint-Clair Cordeiro Trindade Jr.,
não palpável, mas que é absolutamente visível por meio “Cidades na floresta: Os ‘grandes
objetos’ como expressões do meio
de percepções subjetivas e psicológicas, individuais
técnico-científico informacional
e coletivas.3 no espaço amazônico”, Revista do
As fronteiras podem ser concebidas e interpretadas Instituto de Estudos Brasileiros,
com base nas diferentes maneiras de ocupar e de n.51, pp.113-137, mar./set. 2010.
4. Philippe Lená e Adélia Engrácia urbanizar o espaço amazônico. Não se pode deixar de
de Oliveira (org.), Amazônia: a considerar que existe “uma complexidade de fenômenos
fronteira agrícola 20 anos depois.
abrangidos pelo conceito de ‘fronteira’ quando aplicado
Belém: Museu Paraense Emílio
Goeldi, 1991, p.10. à Amazônia”.4 A fronteira como fenômeno diferenciado
nessa região passou a ser debatida principalmente
após os projetos de desenvolvimento de ocupação e de
5. Antônio Cláudio Rabello,
“Amazônia: uma fronteira volátil”, colonização iniciados no século 20.5 Algumas discussões
em Estudos Avançados, v. 27, n. 78, visavam compreender a dinâmica de expansão das
2013, pp.213-235. fronteiras a partir da percepção da incorporação da
Amazônia, analisando as disputas políticas, econômicas
e socioculturais a partir de um olhar relacionado às
características ou ao próprio cotidiano na fronteira.
Foram desenvolvidas estruturas conceituais para dar
conta da pluralidade da fronteira na região amazônica.
Novas categorias analíticas surgiram para tentar oferecer
um entendimento melhor do fenômeno: fronteira de
expansão, fronteira econômica, fronteira agrária,
fronteira urbana, fronteira militar, fronteira corporativa
etc. A fronteira é quase sempre vista como uma área de
expansão do povoamento e de incorporação econômica
ao centro do país. Apresenta-se uma rede de cidades,
um sistema de povoamento, mas também um sistema
institucional frágil, que usualmente resulta em uma
6. John O. Browder e Brian J. tendência de urbanização desarticulada em nível regional.6
Godfrey, Cidades na floresta: É possível identificar a configuração dessas fronteiras em
Urbanização, desenvolvimento
e globalização na Amazônia
momentos distintos. No primeiro, aproximadamente entre
brasileira. Manaus: EDUA, 2006, 1880 e 1910, no auge da atividade extrativista da borracha,
p.105. caracteriza-se uma fronteira extrativista ou populista,
agrária.7 A introdução do sistema de aviamento nos
7. Id., ibid. seringais amazônicos no século 19, por meio de empresas
dos chamados “aviadores”, explicita uma das primeiras
separações entre grupos sociais e culturais da região: os
trabalhadores e os proprietários dos seringais. O sistema
do aviamento, que coexistia com a moeda, configura um
momento em que a fronteira extrativista passou a existir
em paralelo com a fronteira urbana nas principais capitais
da Amazônia. A fronteira deixava de ser um espaço
8. Id., ibid. abstrato8 para converter-se em um lugar de transformação
das relações de trabalho e do capital, alterando a
apropriação e o acesso aos lugares, criando um muro ora
visível, com a expansão das grandes propriedades, ora
invisível, nas diferenças culturais, individuais e coletivas.
Na década de 1940, difundiu-se a ideia de modernização
do Estado Nacional de Getúlio Vargas, que tinha
como importante vetor a ocupação da Amazônia, na
chamada marcha para o Oeste. Contudo, a Amazônia se
manteria à margem das políticas nacionais até os planos
desenvolvimentistas do presidente Juscelino Kubitschek,
nos anos 1950. A inauguração da rodovia Belém-Brasília,
em 1960, e as políticas de colonização desordenada ao
longo de seu traçado promoveram outro tipo de ocupação,
levando à materialização de uma nova fronteira: entre os 192
novos espaços urbanos, às margens das rodovias, e a
ocupação ribeirinha tradicional. As bordas entre o novo e o
tradicional configurariam separações inéditas.
A inserção da Amazônia no sistema capitalista de livre
comércio, a partir da implantação dos grandes projetos
extrativistas de mineração das décadas de 1960 e 1970,
promoveu a ocupação desordenada do espaço, com
novos núcleos urbanos planejados – as company towns.
Assim se materializariam outras fronteiras: aquelas que
separavam e separam as cidades tradicionais, ribeirinhas,
e as novas cidades dos grandes projetos mineradores.
Novas fronteiras eram criadas, dentro da Amazônia e entre
ela e as demais regiões brasileiras.
Na Amazônia contemporânea, as áreas caracterizadas
por assentamentos de grupos diversos – pequenos
agricultores, garimpeiros, comerciantes – contrapõem‑se
às frentes de expansão dominadas pelo capital, o que
faz surgirem as fronteiras populares e as fronteiras
corporativistas, estas últimas dominadas por empresas de
capital nacional e transnacional.9 Ao mapa da ocupação e 9. Id., ibid.
inserção da Amazônia no capitalismo mundial contrapõe‑se
um território fragmentado e assimétrico, marcado por
conflitos de caráter fundiário e sociocultural.

DO TERRITÓRIO FORTIFICADO ÀS ATUAIS


FRONTEIRAS INTERNACIONAIS

A fronteira norte do Brasil pode ser entendida em seus


sentidos urbano, econômico, político, militar e subjetivo.
A presença militar nas cidades de fronteira da Amazônia
remonta às primeiras fortificações portuguesas, instaladas
entre 1616 e 1776. A geopolítica encarnada nestas
fortificações, a partir de 1616, coincide com os primeiros
povoados, transformados em vilas e cidades da Amazônia.
Posteriormente, acompanha a acomodação europeia
inscrita na Westphalian Order de 1648 e contextualiza a
demarcação de espaços transfronteiriços subsequentes
ao Tratado de Madri (1750). Nesse sentido, a cartografia,
a arquitetura, a história e as relações internacionais
vinculam‑se no exame do papel das fronteiras amazônicas. 10. Ligia Terezinha Lopes Simonian e
Márcia Pires Saraiva, “Fronteiras
Historicamente, as áreas fronteiriças da Amazônia
em construção: Índios,
brasileira – que é parte da Pan-Amazônia – se tornaram mocambeiros e as disputas
loci de escaramuças, massacres, batalhas e até revolução. colonialistas no rio Araguari,
A expansão lusitana, ao ultrapassar o Tratado de Amapá”, in Ligia Terezinha Lopes
Tordesilhas (1494), exigiu a construção de inúmeros fortins, Simonian (org.), Políticas públicas,
desenvolvimento, unidades de
fortes e fortalezas, já no decorrer do século 17,10 sendo os
conservação e outras questões
principais a fortaleza de Macapá (AP) e os fortes de Rio socioambientais no Amapá.
Branco (RR) e Costa Marques (RO). A presença de militares Belém: NAEA/UFPA; Macapá:
foi importante na região, principalmente na segunda MPEAP, 2010, pp.51-90.
metade do século 18, quando a ocupação portuguesa
11. Christiane Figueiredo Pagano estava consolidada.11
de Mello, “Amazônia colonial: Contemporaneamente, são muitas as áreas habitadas
fronteiras e forças militares
que apresentam conflitos ao longo das fronteiras
(segunda metade do século XVIII)”,
Anais do XVI Encontro Regional internacionais da Amazônia. Do norte para o oeste, essas
de História da Anpuh-Rio. Rio de áreas são polarizadas por núcleos urbanos, vilas e cidades
Janeiro: Anpuh, 2014. de pequeno porte. Também são encontradas nessa imensa
fronteira aldeias indígenas e de maroons. A fronteira entre
o Brasil e a Guiana Francesa, na qual há disparidades
de status social entre os habitantes, ainda é eivada por
tensões, como em Oiapoque, no Amapá, onde os conflitos
com garimpeiros são constantes.
Contraditoriamente, diversas situações criadas nessas
fronteiras falam de uma convivência pacífica. Pontes que
ligam o país à Bolívia e ao Peru foram construídas há
alguns anos, diversos festivais culturais e esportivos têm
acontecido e diferentes povos indígenas compartilham
saberes com base na biodiversidade. As tensões, contudo,
permanecem, a exemplo do que ocorreu durante o mundial
de futebol de 2014, quando tanto brasileiros quanto
colombianos foram impedidos de cruzar a fronteira.

CIDADES COMO FRONTEIRAS:


ESPAÇOS DE COABITAÇÃO OU DE SEPARAÇÃO?

Observam-se uma materialidade e uma dinâmica de


fronteira diferenciada no caso das company towns
da Amazônia. Caracterizadas pelo isolamento e pela
idealização de um espaço com suposta qualidade de
vida, essas cidades foram criadas para abrigar operários
de empresas responsáveis pela implantação de grandes
projetos, funcionários de instituições e trabalhadores
de empresas terceirizadas. A inserção dessas cidades,
planejadas pelas empresas proprietárias, desencadeou
um processo de reorganização socioespacial, alterações
em modos de vida locais, uso predatório da natureza
e esgotamento de recursos minerais. Esses núcleos
se apresentam como uma nova espacialidade, tanto
no âmbito das fronteiras físicas quanto imaginárias,
compondo, assim, um novo cenário amazônico.
Essa tipologia de cidade se estabeleceu em vários
estados. No Pará, a primeira foi Fordlândia (1927), projeto
do industrial Henry Ford que visava recuperar o cultivo da
Hevea brasiliensis (seringueira). Posteriormente, cidades
similares são construídas como suporte para projetos de
mineração: Belterra (década de 1930); Porto Trombetas
(década de 1970); Nova Marabá (1976); Vila dos Cabanos,
Vila Permanente de Tucuruí e Núcleo Urbano de Carajás
(todas na década de 1980). No Amapá, surgem a Vila Serra
do Navio (1957) e a Vila Amazonas (1957).
194
12. Bertha Becker, Amazônia. São Company towns,12 “cidades-empresas”13 ou “cidades na
Paulo: Ática, 1990. floresta” são denominações do processo urbanístico que
configurou a região amazônica por meio da compreensão
13. Rosélia Piquet, Cidade‑empresa: de que esse território em potencial deveria ser integrado
Presença na paisagem urbana ao processo de crescimento do país, sobretudo entre as
brasileira. Rio de Janeiro: Jorge décadas de 1960 e 70. A partir da visão do então presidente
Zahar, 1998.
Castelo Branco de que era preciso “integrar para não
entregar”, iniciou-se, em 1966, o processo migratório
para a região, com a criação da Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). As atividades
das company towns têm elevado teor de produção
capitalista, desempenhando importante papel no cenário
14. Maria Isabel Sobral Escada et da apropriação fundiária,14 já que permitem inserir seus
al., “Processos de ocupação nas proprietários na base da estrutura político-administrativa
novas fronteiras da Amazônia: O
de possíveis futuros municípios. É um processo
interflúvio do Xingu/Iriri”, Estudos.
São Paulo, v. 19, n. 54, 2005. característico das regiões de fronteira.
Ao incorporar a Amazônia ao cenário econômico
emergente do século 20, as company towns
estabeleceram novas dinâmicas territoriais, que
resultaram na geração intensa de divisas culturais, sociais
e políticas. Isso é enfatizado pelo modelo construtivo
adotado para as cidades-empresas. Configuradas de
acordo com um padrão arquitetônico e urbanístico, elas
15. Saint-Clair Cordeiro Trindade Jr., se transformaram em polos técnico-científicos:15 além
op. cit., mar./set. 2010, pp.113-137. de equipamentos como escolas, hospitais, clubes e
cinema-teatro, possuíam água e tratamento de esgoto,
o que garantiria aos moradores um elevado padrão de
vida. Contudo, apenas uma parcela deles – a mão de obra
especializada – usufruía desses serviços. Promovia-se,
assim, o isolamento social, na forma de uma fronteira
interna, um muro invisível entre os moradores.
Além dessa separação dentro das company towns,
havia divergências entre elas e os assentamentos que
surgiram em suas periferias, o que evidencia o outro lado
16. Id., ibid. dos grandes projetos voltados para a Amazônia,16 como
a pobreza e a segregação. Essas divergências também
tornam claro o desequilíbrio entre a cidade-empresa e seu
entorno, já que a primeira não amplia seus equipamentos
e serviços e atende a população local apenas de maneira
residual e excludente, fomentando barreiras que, sejam
elas transparentes ou cercadas, expressam o exercício da
dominação e da autoridade de um povo, uma fronteira de
17. RosaMoura,“Fronteirasinvisíveis: ar entre os povos.17
O território e seus limites”, Revista
Território, ano V, n. 9, pp.85‑101,
jul./dez. 2000.
FRONTEIRAS NA AMAZÔNIA:
CONFLITOS E SEPARAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Na Amazônia dos dias atuais, em que diferentes espaços


e temporalidades se sobrepõem, as fronteiras externas e
internas continuam a marcar as maneiras de coabitação
ou separação nos espaços. O que hoje se identifica como 196
a fronteira amazônica, porém, não pode ser definida de
maneira unívoca. A fronteira é um lugar de encontros
entre diferentes e, ao mesmo tempo, de desencontros, por
força da situação histórica de conflito social que a define.18 18. José de Souza Martins, Fronteira:
Mais que um desencontro de alteridades, o desafio da A degradação do outro nos limites
do humano. São Paulo: Hucitec,
fronteira é que ela coloca em perspectiva um desencontro
1997.
de temporalidades históricas.19 Portanto, a fronteira, e
especialmente na Amazônia:
19. Id., ibid.
não pode mais ser pensada exclusivamente como
franjas do mapa em cuja imagem se traduzem os
limites espaciais, demográficos e econômicos de uma
determinada formação social. Uma nova definição
de fronteira mais abrangente torna-se necessária,
capaz de captar sua especificidade – como espaço
excepcionalmente dinâmico e contraditório – e a
relação desta com a totalidade de que é parte.20 20. Bertha Becker, “Significância
contemporânea da fronteira: Uma
interpretação geopolítica a partir
Pensar as fronteiras na Amazônia hoje significa
da Amazônia brasileira”, in C.
estabelecer vínculos com as dimensões que compõem as Aubertin (org.), Fronteiras. Brasília:
diversas escalas espaciais do urbano e do rural, com os Editora UnB, 1988, pp.60-89.
valores coletivos e subjetivos, com as atividades e políticas
econômicas, com as formas de inserção das empresas
nacionais e corporações transnacionais e com as políticas
de defesas das fronteiras internacionais. O compromisso
deve ser, sobretudo, com os grupos que vivem e
constroem suas histórias no território real da região
amazônica, mais do que com as linhas, planos e manchas
que compõem os mapas de suas representações.
Referências adicionais
–– COSTA, Graciete Guerra da. “Fortes portugueses
na Amazônia brasileira”, relatório final de pós-
doutorado. Brasília: IREL/UNB, 2014.
–– LIMA, José Júlio. “A tentativa urbanista da
Companhia Ford na Amazônia ou a primeira
geração de company towns na floresta”, 2011.
Disponível em: fauufpa.org/2011/12/14/a-tentativa-
urbanista-da-companhia-ford-na-amazonia-ou-a-
primeira-geracao-de-company-towns-na-floresta-
por-jo… Acesso em: 20 fev. 2018.
–– SANTOS, Milton. O trabalho do geógrafo no 3º mundo,
trad. Sandra Lencine. São Paulo: Hucitec, 1986.
–– PIQUET, Rosélia. “Pensando a noção de fronteira:
um olhar a partir da ciência geográfica”, em
Durbens Martins Nascimento (org.), Amazônia e
defesa: dos fortes às novas conflitualidades. Belém:
NAEA/UFPA, 2010, 267, pp.101-123.
–– LIMA, Soeli Regina da S. “Capital transnacional,
company town e a produção do espaço urbano”, in
Revista Caminhos de Geografia, v.9, n.25, 2008.
–– CONCEIÇÃO, Suellen. “ICOMI e suas company towns
no meio da floresta Amazônica”, 2011. Disponível
em: www.thegreenclub.com.br/projetos-urbanos/
icomi-e-suas-company-towns-no-meio-da-
floresta-amazonica/. Acesso em: 27 fev. 2018.

Celma Chaves Pont Vidal é arquiteta e urbanista,


doutora em arquitetura e urbanismo pela Escola Tècnica
Superior d’Arquitectura de Barcelona/Universitat
Politècnica de Catalunya (2005) e pós‑doutora pela
mesma instituição (2016). É docente de graduação
e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA),
onde coordena o Laboratório de Historiografia e Cultura
Arquitetônica (LAHCA). Foi responsável pela pesquisa,
coordenação e estruturação do texto final deste artigo.
Colaboraram: Graciete Guerra da Costa, arquiteta
e urbanista, pós-doutora pelo Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e
coordenadora do curso de arquitetura e urbanismo
da Universidade Federal de Roraima (UFRR); Ligia
Terezinha Simonian Lopes, PhD em antropologia
e pós‑doutora pela City Unisersity of New York,
professora titular e pesquisadora do Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA; Bernadeth Beltrão
Rosas Bentes e Rodrigo Augusto de Lima Rodrigues,
mestrandos da UFPA; George Bruno de Araújo Lima,
Rebeca Barbosa Dias Rodrigues, Luciane Santos de
Oliveira, Stephany Aylla de Nazaré Carvalho Pereira e
Glenda de Souza Santos, graduandos da UFPA.
6
Sucessão de bordas:
narrativas da
construção de um
país urbano
Quão desvinculada de
um projeto coeso de
país tem sido a formação
urbana do Brasil?
5570 municípios e 208.846.175 habitantes. Com a abolição da escravatura, o
Esta é a composição do território brasileiro, governo da jovem República estabeleceu
construída pelas populações originárias convênios internacionais para buscar
e, a partir de 1500, pela chegada dos mão de obra. Na Europa, conflitos e
desbravadores portugueses à Terra Brasilis. processos unificadores empurraram um
Aqui, eles encontraram um vasto território expressivo número de imigrantes para o
e três milhões de indígenas, distribuídos Brasil, visto como país promissor com boas
sobretudo ao longo do fértil litoral. Essa condições de vida. Essa onda imigratória,
população era constituída por grupos especialmente intensa entre 1884 e 1939,
diversos – tupis, guaranis, tupinambás, trouxe mais de 4 milhões de imigrantes
tupiniquins, tamoios, tupinaés, temiminos, de diversos países. Como afirma Antonio
kaetés, potiguares, tabajaras – com Risério, o (tímido) meio urbano brasileiro
culturas e construções sociais distintas. se tornou cenário do convívio de senhores,
Já nos primeiros anos de colonização, ela escravos livres e estrangeiros, e, nessa
começou a ser dizimada e, em menos de mescla, somaram-se diferenças culturais
setenta anos, caíra pela metade. Como intrínsecas para constituir a nova
afirma Iris Kantor em seu ensaio, ao receber população urbana.
europeus em suas terras, os índios viram- Este período foi também de intenso
se reduzidos a súditos, a ponto de ter seu adensamento e consolidação das cidades
idioma‑mãe proibido. no Brasil. Não por acaso, o primeiro
Posteriormente, os primeiros sítios de censo demográfico de caráter urbano
exploração agrícola brasileiros, destinados é de 1940, ainda que a população rural
à produção de cana-de-açúcar, seriam (69%) superasse de longe a urbana (31%).
implementados também no litoral nordestino. Pequenas vilas tornavam-se metrópoles:
Com o colonizador, veio o sistema São Paulo, com 240 mil habitantes na
escravocrata e os primeiros contingentes virada do século 19, já tinha 3,5 milhões na
africanos, que chegaram ao Brasil sobretudo segunda metade do século 20.
de Angola e da Costa do Marfim. A transição de colônia agrário-rural
Nesse período, o território brasileiro para república moderna capitalista e
sofreu modificações decorrentes da urbana trouxe desafios que iam da ordem
ação não só de portugueses, mas sanitária à burocrática. Como organizar
também de espanhóis, franceses e essas cidades? Quais recursos teriam?
holandeses, colonizadores de terras Uma das respostas administrativas foi
vizinhas. As fronteiras que conhecemos a criação de novos municípios. Entre
hoje só se configurariam em 1903, com 1945 e 1964, na chamada República
a incorporação do Estado do Acre. Populista, descentralizada, a criação de
Guerras e disputas territoriais marcaram municípios era incentivada por interesses
a conformação do Sul, Norte e Oeste do estaduais, já que os recursos federais eram
país; o Rio Grande do Sul foi disputado por proporcionais ao número de unidades
portugueses e espanhóis; o Maranhão, por administrativas. Entre 1940 e 1970, o Brasil
franceses e portugueses. passou de 1671 municípios para mais de 4
A evolução dos ciclos produtivos – da mil, e a população urbana ultrapassou 50
cana para o ouro e o café – intensificou milhões de pessoas.
a escravidão no Sul e do Sudeste. Entre A centralização política extrema do
1531 e 1855, mais de 4 milhões de escravos regime militar se reflete na Constituição
entraram no Brasil. A importância desse Federal de 1967, que impôs uma série de
contingente é expressiva: negros e pardos condições à criação de municípios. Os
são mais de 50% dos brasileiros hoje, parâmetros iam do censo populacional às
algo de que, como aponta Luiz Felipe de receitas tributárias municipais. Ao fim da
Alencastro em sua fala, nem o próprio ditadura, em 1985, o Brasil havia ganhado
movimento negro tem noção. perto de 500 novos municípios.
Na virada do século 20 para o 21, o Brasil O MAPA
não só chegara a mais de 5500 municípios
como também já ultrapassava os 160 milhões O mapa Sucessão de bordas primeiramente
de habitantes. 81% desses habitantes já apresenta os momentos de criação das
vivia em cidades, municípios, aglomerados cidades brasileiras de maneira a possibilitar,
urbanos e regiões metropolitanas, que se graficamente, a distinção entre os anos
consolidaram como instrumentos de análise onde tais eventos mais ocorreram. Assim,
do território e ganharam papel significativo pretende possibilitar uma leitura dos
na economia nacional. com períodos de maior expansão urbana
A transição para o urbano não foi brasileira, no qual as divisões territoriais não
uniforme. Conhecidamente, o adensamento são mais relevantes.
maior da mancha urbanizada se deu ao longo Em seguida, apresenta a expansão
da costa. Como Kantor afirma, a integração e definição da linha fronteiriça do país.
com o interior só faria avanços significativos Tomando o Tratado de Tordesilhas (1494)
no século 18, com o ciclo do ouro em Minas como marco inicial, são apresentados
Gerais e, depois disso, ganharia impulso os desenhos resultantes de cada
apenas em 1960, com a criação de Brasília reordenação do território, das fronteiras
– que, além de mudar radicalmente a sede estaduais às nacionais, até a conformação
dos três poderes, foi propulsora de uma geopolítica atual.
nova e complexa ocupação populacional no Uma outra camada traz elementos
Centrooeste, das cidades-satélite à nova humanos da construção social inicial do
sociedade da capital. país. O mapa aponta de onde vieram e
Em uma sociedade construída de onde chegaram os principais contingentes
maneira excludente, a consolidação de estrangeiros, dos primeiros colonos
urbana foi marcada pela desigualdade. portugueses às últimas navegações, e
A população que chegava à cidade vinda variação da população indígena ao longo
do campo e, sobretudo, os negros tinham dos anos.
dificuldade de encontrar moradia adequada, Por fim, uma linha de acontecimentos
estudo e trabalho. Essa situação encontra históricos permite um entendimento mais
sua metáfora nas cenas de Jonathas de global de outros aspectos que impactaram
Andrade, onde carroceiros em Recife, hoje e ainda impactam a constituição
proibidos de transitar no centro urbano, sociocultural brasileira e a história da
reforçam a visão de um país urbanizado que urbanização do país. Apresentam-se
não se permite lembrar práticas rurais até há elementos estruturantes da evolução do
pouco importantes para sua subsistência. Brasil Colônia até 2017, separados em nove
É um Brasil desigual que não quer lembrar categorias: arquitetura; conflitos e guerras;
a razão pela qual o é. País em que a maioria cultura; economia; país; internacional;
de sua população, pobre e negra, não tem meio-ambiente; política; e sociedade.
voz. Um Brasil que esquece de suas origens
indígenas, dos caminhos traçados, de como
chegamos onde estamos. Ou, como afirma
Risério, um Brasil em que o espaço público
urbano retrata, mais do características
sociais, disputas.
A tensão suscita a reflexão sobre a forma
como processos aparentemente distintos
e independentes podem impactar de
maneira significativa um parcela enorme
da população. Parcela esta que acaba se
encontrando entre os muros históricos da
construção de um país urbano.
Jonathas de Andrade
1a Corrida de Carroças do
Centro do Recife / O levante, 2012
Documentação fotográfica e vídeo
entrevista: 208
Luiz Felipe de
Alencastro

Luiz Felipe de Alencastro


(Itajaí-SC, 1946) é historiador
e cientista político. Formado
no Institut d’Etudes Politiques
d’Aix-en-Provence, tem
doutorado em história moderna
e contemporânea pela Université
de Paris Nanterre. É professor
emérito da Université Paris-
Sorbonne, membro da seção
de História e Arqueologia da
Academia Europaea, coordenador
do Centro de Estudos do Atlântico
Sul e professor titular da Escola
de Economia de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas (EESP/
FGV). É autor e coautor de diversas
publicações, como O trato dos
Viventes: Formação do Brasil no
Atlântico sul, 2000.
Muros

Como a histórica condição escravista


no Brasil gerou uma sucessão de
fronteiras sociais e raciais nas cidades
de nosso país?
O Brasil tinha uma escravidão urbana
muito significativa. Em 1850, 42%
da população do Rio de Janeiro era
escrava: 110 mil escravos entre 266 mil
habitantes, a maior concentração urbana
de escravos desde o fim do Império
Romano. A presença maciça de negros
livres misturados a uma população de
negros ainda escravos levava os primeiros
a viver numa situação de infracidadania.
Alguns escravos em fuga iam para o
quilombo na Floresta da Tijuca, outros
ficavam na cidade e confundiam-se aos
negros livres. Usar sapato indicava que o
negro era livre, pois escravos não podiam
calçá-los. Também não podiam andar
na rua sozinhos após as nove horas da
noite sem ordem do senhor e podiam
ser interpelados pela polícia a qualquer
momento. Essa situação fazia com que o
negro livre já fosse desrespeitado, criando
um padrão de desrespeito aos negros
bem antes da Abolição.

Evidência

Como a segregação social e racial,


perpetuada desde a colonização,
manifesta-se hoje no espaço urbano?
Um resultado disso em São Paulo são
esses clubes que pretendem ser chiques,
criados nos anos 1920. Eles excluíam
a presença de negros no regulamento
interno, recusavam um sócio negro sem
dar qualquer satisfação – porque não estar
escrito faz parte do racismo brasileiro. Isso
criou um modelo de segregação muito
real que leva, por exemplo, a colegas
negros serem interpelados pela polícia
violentamente por serem negros e estarem
em um carro. Em massacres como o do
Carandiru, a maioria dos mortos sempre
são negros. A bala sabe aonde vai quando
a polícia atira.
Hoje esses clubes ainda invadem áreas No México ou na Bolívia, a reforma
públicas centrais sem pagar IPTU, como agrária vinha ao encontro de demandas
o Jóquei de São Paulo, que o ex-prefeito de comunidades com uma tradição
Fernando Haddad tentou transformar camponesa bem‑estabelecida e sem
em parque público. Falam com orgulho posse da terra, algo parecido com a Europa
que São Paulo é a cidade com mais no século 18, antes da Revolução Francesa.
heliportos no mundo. O que é sinal de Aqui havia o trabalhador rural que era
falta de regulamento em benefício de escravo ou imigrante. Essa corrente da
poucos privilegiados. Haveria muito mais esquerda defendia melhores condições
helicópteros em Nova York, Londres e Paris de trabalho no campo, direitos sindicais,
se a legislação permitisse fazer heliporto e achava que concentrar toda a luta na
em qualquer canto. Não deixam por reforma agrária era um erro estratégico. A
respeito à população destas cidades. história evoluiu neste sentido: o MST hoje
nem encontra mais tanta militância para
pedir terra. É muito mais um formador de
Comportamento e micropolítica agricultura ecológica, a ponto de ser o
maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
Como a cultura escravista afeta a vida A própria concepção de luta do MST está
pública nas cidades brasileiras? em evolução. E o Bolsa Família diminuiu
Acho o seguinte dado, produzido por Elza o impacto humano da seca no Nordeste,
Berquó e outros demógrafos, interessante: que era sempre trágico. Porque, nesse
a mortalidade infantil procedente de mães tempo de programa, milhares de cisternas
analfabetas, separada por cor, aumenta foram construídas, possibilitando uma
conforme a gradação de branco para reserva básica de água.
mulato e negro. Nos bairros onde moram
negros tem menos hospital, menos
cuidado pré-natal. A mortalidade infantil Experiência disciplinar
no Brasil diminuiu pela metade entre
2000 e 2015, caiu de 39 para 19 por mil Pensando em sua vivência nos Estados
pessoas, um esforço gigantesco. Mas no Unidos, quais as principais diferenças
interior dessa cifra tem desigualdades que relativas à segregação racial em relação
se perpetuam. Obviamente não há uma ao Brasil?
discriminação escrita, mas existe de fato Enquanto nos Estados Unidos, em 1950,
um apartheid. mais da metade dos estados ainda proibia
casamento misto, no Brasil ele nunca foi
proibido. O casamento aqui sempre foi
Efeitos colaterais assimétrico, reproduzindo um padrão no
qual a mulher é da comunidade dominada
Como a reforma agrária, reivindicada, e o marido, da comunidade dominante.
por exemplo, pelo Movimento dos Mestiçagem, sempre apresentada como
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma qualidade brasileira, não quer
se relaciona com a escravidão? E que dizer igualdade ou respeito. Enquanto
outras disputas remontam à nossa os Estados Unidos, do pós-guerra
herança escravista? até o ano 2000, evoluíram muito em
Sempre houve duas interpretações política afirmativa, por meio lutas civis e
da esquerda brasileira a respeito da mobilização – tiveram até um presidente
herança da escravidão no campo. Uma negro –, o Brasil ficou na ideia de que não
parte defende a reforma agrária; outra era preciso política afirmativa porque
parte, representada por Caio Prado não havia racismo. Essa interpretação
Júnior, a que sigo, acha que não havia foi derrubada pela decisão histórica
uma tradição camponesa forte no Brasil. do Supremo Tribunal Federal (STF) em
2012, que considerou constitucional, por tentou-se esquecer a África e achar que
unanimidade, a política de cotas nas os negros sumiriam. No começo, a noção
universidades federais. Isso é muito de mestiçagem era para branquear o povo.
importante porque está implícita na Mas os negros se tornaram maioria. E a
decisão a ideia de que existe racismo, e de imigração africana vem aí. Nós temos um
que não existe democracia racial no país. novo encontro com a África.

Potencial transformador

Quais ações afirmativas de cunho


racial você vê surgir no contexto
brasileiro? Quais outras medidas
contribuiriam para a dissolução de
desigualdade racial?
É preciso voltar à herança da escravidão
e ver que não se trata da luta de uma
minoria. O próprio movimento negro às
vezes perde a noção de que a população
negra é maioria demográfica, conforme
mostra o Censo de 2010. Políticas
afirmativas são necessárias para a
democracia, não só para garantir o direito
de uma comunidade – como os índios,
que hoje são menos de 1,5% da população
e precisam ter suas terras ancestrais
–, mas também garantir o direito da
maioria. Uma estratégia de luta diferente
é dizer: “Os negros compõem a maioria
da população. Não há democracia se a
maioria social não estiver representada”.
Conquistas estão sendo anuladas
por este governo reacionário, e que
arbitrariamente mudou o currículo do
ensino médio por medida provisória (mp),
tirando a obrigatoriedade do ensino de
história e geografia, por exemplo. Isso
ameaça a ideia da história afro‑brasileira.
Mas é preciso pensar no futuro.
Já começa uma onda de imigração
africana para o Brasil, que vai aumentar.
Segundo um recente censo da ONU, há um
boom demográfico na África subsaariana.
A Nigéria passará os Estados Unidos e
terá a terceira maior população do mundo.
No final do século 21, a língua portuguesa
será mais falada na África do que no Brasil
e em Portugal, fortemente marcada pela
variante brasileira por causa das novelas
e da presença de pastores ou padres
missionários. No início do século 20
entrevista: 212
Antonio Risério

Antonio Risério (Salvador, 1953) é


historiador, antropólogo, tradutor,
poeta, romancista e ensaísta.
Formou-se em sociologia com
especialização em antropologia
na UFBA (1995). No âmbito das
políticas públicas, foi assessor
especial do Ministério da
Cultura durante gestão de
Gilberto Gil, no governo Lula;
implantou a televisão educativa
na Bahia; trabalhou com o
arquiteto João Filgueiras
Lima (Lelé) na implantação do
hospital Sarah Kubitschek, em
Salvador; e formulou o projeto
geral para a implantação do
Museu da Língua Portuguesa
em São Paulo. Nos anos 2000
engajou‑se no marketing político,
integrando o núcleo de criação e
estratégia de campanhas de Lula
da Silva e Dilma Rousseff à
Presidência da República.
Publicou diversos livros, entre os
quais, Textos e tribos: poéticas
extraocidentais nos trópicos
brasileiros (1993), Oriki Orixá
(1996), Uma história da cidade da
Bahia (2004), A utopia brasileira
e os movimentos negros (2007),
A cidade no Brasil (2012), Mulher,
casa e cidade (2015) e Que você é
esse? (2017).
Muros

Como o trio expansão-segregação-


exclusão, ao qual você se refere no
âmbito da urbanização brasileira, se
articula politicamente e se materializa
no espaço das cidades?
No Brasil, esse trio marcou a transição
de um país rural para um país urbano,
atravessando diversos e distintos regimes
políticos – da democracia populista à
ditadura militar –, se consolidando em
governos que se disseram de esquerda. A
cidade escravista, barroco-escravista, não
foi especialmente segregadora. Senhores
e escravos dividiam espaços domésticos
e urbanos. A segregação vem mesmo com
a cidade capitalista moderna, e se torna
sistemática com a modernização urbana.
Quem pilota isso, de umas décadas
para cá, é a burguesia da construção
civil, independentemente do regime
político. Por isso são essencialmente
semelhantes programas habitacionais
como os da ditadura militar e o Minha Casa
Minha Vida: todos não só nasceram para
providenciar uma forte injeção de dinheiro
na veia do empresariado, numa conjuntura
de crise, como entregaram a esta iniciativa
privada o comando das políticas urbanas.
O setor da construção civil que decide
o que vai ser feito no espaço da cidade
e onde: ali um novo bairro de luxo, aqui
um shopping center, acolá um programa
habitacional popular. Nossos governos vão
a reboque.

Evidência

Como a noção do sincretismo


cultural brasileiro, em oposição ao
multiculturalismo norte-americano, se
manifesta em nosso espaço urbano?
Como vê a história das tensões entre
as culturas africana, indígena e
europeia em relação à construção das
nossas cidades?
Apesar das crueldades da escravidão, as
coisas se mesclaram profundamente
nas cidades brasileiras. Já Nova York,
por exemplo, é uma cidade multicultural. urbanas são um estoque rigorosamente
Nunca tivemos guetos de italianos, limitado, sem reposição. O que se vê hoje
irlandeses e judeus no Rio; Nova York é é o solo citadino brasileiro inteiramente
um mosaico de diferenças que se olham, repartido em meio a um pequeno clube de
mas não se fundem espontaneamente. proprietários. Se o empresariado é dono
O multiculturalismo como ideologia do chão da cidade, ele comanda a política
se opõe às interpenetrações culturais, urbana. Essas pessoas selecionam faixas
defendendo o desenvolvimento separado territoriais para extraírem altos lucros,
das comunidades. situando seus empreendimentos segundo
As cidades brasileiras não eram ilhas, critérios de classe social. Despacham para
como nos Estados Unidos, nem apartavam as pirambeiras distantes e desaparelhadas
internamente, como na América hispânica. os conjuntos habitacionais que o governo
Eram cidades promíscuas. Enquanto banca. Por isso dizemos que o Minha Casa
espanhóis construíam primeiramente Minha Vida é um programa voltado para
a cidade e só então deixavam os índios construir, hoje, as favelas de amanhã. Para
entrarem, portugueses recrutavam a mão comandar a política urbana, o governo
de obra indígena para construí-la. Os precisaria acionar mecanismos efetivos
espanhóis faziam a grelha e distribuíam de controle do uso do solo. Bastaria fazer
a população nela, segundo a hierarquia cumprir a lei, segundo o princípio da função
social. O poder ficava na plaza mayor. social da cidade e da propriedade urbana.
Os índios, depois os negros, ficavam
praticamente do lado de fora do núcleo
urbano: cidade espanhola, periferia Comportamento e micropolítica
afro‑ameríndia. Os espanhóis segregavam
para afastar os riscos da mestiçagem e Como o histórico de violência do
do sincretismo – o contrário do que se viu Estado, da Colônia até hoje – da
no Brasil. Especialmente, a zona central escravidão às políticas de segurança e
da cidade barroco-escravista era local de remoções forçadas em favelas – afeta a
trabalho e moradia tanto para senhores subjetividade do brasileiro e sua relação
quanto para escravos. Vidas assimétricas, com o espaço público?
mas embaralhadas. Nossos desenhos Teremos de ver a especificidade brasileira
urbanísticos indisciplinados expressavam em termos comparativos. Em plano geral,
um convívio indisciplinado. Eram nosso processo (colonialismo, escravidão)
núcleos citadinos que tendiam a agregar, foi bem próximo daquele que se viu nos
confundir, misturar, dando visibilidade EUA e na Argentina. Talvez menos extremo,
ao outro, favorecendo mesclas genéticas já que a população negra simplesmente
e simbólicas. sumiu do mapa demográfico argentino. Nos
EUA, além de remoções locais forçadas,
negros quase foram removidos em bloco
Efeitos colaterais para a África, como queria o abolicionista
Abraham Lincoln, quando presidente.
Como a periferização da moradia da Como será que esse histórico de violência
população de baixa renda se relaciona afetou a subjetividade norte‑americana e
com a consolidação das bordas urbanas? sua relação com o espaço público? Como
E como a lógica mercadológica tem acontece na Argentina e nos EUA, é o
organizado o solo urbano hoje? espetáculo da diversidade das pessoas, no
Há um problema específico, que espaço público, que dá às nossas cidades
compromete a própria perspectiva de sua qualidade essencial. Em todo lugar do
organização da cidade: o mercado privado mundo o espaço público é um horizonte
de terras urbanas. O patrimônio fundiário de jogo e disputa, sujeito sempre a leituras
de um município não se expande; terras móveis e múltiplas.
Experiência disciplinar do que garantiu em campanha, não
reconduziu o Ministério ao seu leito
Considerando sua experiência com original. É a sociedade, os movimentos
campanhas presidenciais, como a ativistas, que têm de ir para a linha de
construção de narrativas é capaz de frente. O Brasil, mais uma vez, se vê
transformar a autoimagem de um obrigado a acontecer à revelia do Estado.
povo? E como essa narrativa comum, As manifestações de 2013 nasceram das
manipulada pelo marketing político, se ruínas precoces do Ministério das Cidades,
relaciona com a memória coletiva? de um tremendo fracasso do governo de
É mais rico pensar nas grandes narrativas Lula, que em vez de investir no sistema
nacionais, das quais as subnarrativas público de transporte, passou a subsidiar
marqueteiras são somente um capítulo a indústria automobilística, a produção e
espiritualmente empobrecido. Tome-se o consumo de carros particulares. O ano
o caso de Casa-grande & senzala, de de 2013 se configurou justamente a partir
Gilberto Freyre, discurso de afirmação da disso – falando de mobilidade urbana,
mestiçagem que veio à luz no mesmo ano direito à cidade. Para fazer frente ao que
da vitória do nazismo na Alemanha. As temos aí, os movimentos sociais citadinos
grandes ideologias da identidade, embora precisam encontrar uma narrativa comum
nascendo de representações do senso e apostar na auto-organização social. Os
comum e de comportamentos visíveis, dois grandes lances dos protestos de 2013
podem produzir efeito de retorno, afetando – a recusa do partidocratismo e a luta pelo
de volta a existência social. Disseminam‑se direito à cidade – não foram deletados.
na sociedade, passam a estruturar Voltarão acesos ao meio da rua a qualquer
discursos e condutas. Pode acontecer momento. Veremos no que vai dar.
que um discurso identitário descreva não
aquilo que somos, mas o que gostaríamos
de ser – e tentamos nos encaminhar
nessa direção, do mesmo modo como um
orixá, como arquétipo comportamental a
ser seguido, vai redesenhando condutas
e gestos daqueles simbolicamente
considerados seus filhos.

Potencial transformador

Visto o atual cenário político brasileiro,


quais são as perspectivas de reinvenção
e democratização do país, se analisadas
pela ótica do uso do solo urbano?
Já vimos que nossos governantes são
cúmplices dos empresários do setor de
transporte, da indústria automobilística,
do setor da construção civil. O Ministério
das Cidades, criado em resposta a
demandas sociais, logo foi completamente
desfigurado. O Ministério renunciou
à sua missão de formular e coordenar
uma estratégia nacional de recuperação,
viabilização e avanço ecossocial das
cidades. Dilma Rousseff, ao contrário
1940 1960

RR AP
MA
AM PI CE RN
PA
AC PE AL
TO SE
RO
MT DF BA
GO MG ES
MS SP RJ
PR
SC
RS

1920 1950

30.6
(eixo-y) população
em milhões

(eixo-x) dados por


ano do censo

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Sucessão de Bordas.
Urbanização no Brasil

Rural Urbano

1980 2000

1970 1991 2010

160.9

29.8
Linhas Iris Kantor 218
imaginárias,
muralhas e
mobilidade:
fronteiras
continentais
na cartografia
luso-brasileira

Desde o início da colonização, cronistas e cosmógrafos


europeus representaram o que viria a ser o território
brasileiro como um espaço de dimensões continentais,
separado dos domínios hispano-americanos por uma
linha divisória fluvial que interligava as bacias dos
rios da Prata e Amazonas. Os cosmógrafos do Velho
Mundo situaram no entroncamento das duas bacias
uma grande lagoa interior, da qual, acreditavam eles,
nasciam os dois grandes rios. Localizada no coração
do bioma dos grandes pantanais do Alto Paraguai
e na intersecção entre Brasil, Paraguai, Argentina e
Bolívia, essa lagoa – denominada por vezes Eupana,
Ilha-Brasil ou, mais comumente, Xarayets – configura
o espaço brasileiro como uma unidade coesa e
contígua. Essa percepção não apenas se cristalizou na
cartografia portuguesa, como também foi difundida
em numerosos mapas jesuítas, holandeses, venezianos
e ingleses por mais de dois séculos.1 1. Jaime Cortesão, O Brasil nos
Embora os instrumentos de observação Velhos Mapas. Lisboa: Imprensa
Nacional, vol.1, 2009, p.383;
astronômica e mapeamento topográfico só tenham
Sérgio Buarque de Holanda, “Um
sido introduzidos na década de 1730, os primeiros mito geopolítico: A ilha Brasil”,
conquistadores europeus e os missionários jesuítas In Tentativa de Mitologia. São
transmitiram aos seus contemporâneos informações Paulo: Perspectiva, 1979; Maria
plausíveis sobre a geografia física dos confins na de Fátima Costa, “De Xarayes ao
Pantanal: A cartografia de um mito
América do Sul. Curiosamente, ainda que não existisse geográfico”, Revista do Instituto de
uma interligação direta entre as bacias do Paraguai e Estudos Brasileiros – IEB, 2007.
do Amazonas, sabemos hoje, graças às imagens de
satélite, que as cheias na região do Pantanal dão a
ver uma grande lagoa, que desaparece anualmente
no período de estiagem, entre junho e setembro.
Conjugada com o meridiano de Tordesilhas – a
conhecida linha imaginária nunca demarcada no
terreno –, reforça a motivação geográfica para o
estabelecimento da fronteira entre os dois impérios.
Os mapas sugerem uma verdadeira muralha natural,
pontilhada por um sistema de serras e cordilheiras de
baixa altitude.
Em 1773, Luís de Albuquerque de Melo Pereira
e Cáceres, governador da capitania do Mato
Grosso, chegou a projetar a abertura de um canal
de 5,2 quilômetros entre os rios Alegre (afluente do
Amazonas) e Aguapeí (afluente do Paraguai), com
o objetivo de conectar as duas bacias e facilitar as
comunicações diretas entre Cuiabá e Belém.
Até a descoberta das minas auríferas de Cuiabá e
Mato Grosso, na década de 1730, a presença efetiva
do governo metropolitano português naquela região
era rarefeita. A fundação da Vila Real do Senhor do
Bom Jesus de Cuiabá, em 1727, teve justamente o
objetivo de barrar a expansão dos jesuítas oriundos
da Província do Paraguai e das missões indígenas
de Chiquitos e Moxos. Estes, por sua vez, tinham
estabelecido uma rede de povoados em que atuavam
com razoável grau de autonomia, até serem expulsos
do império espanhol, em 1767. No império português,
a expulsão dos jesuítas ocorrera oito anos antes, em
1759, sob a alegação de que os padres inacianos teriam
sabotado as expedições de demarcação do Tratado de
Madri, assinado entre as coroas ibéricas em 1750.
Conforme correspondência de um alto conselheiro
ao governador da capitania do Mato Grosso, em
1758, “os religiosos nos fizeram sempre, e continuam
ainda, uma duríssima guerra nas fronteiras desses
sertões, para nos desviarem delas; de sorte que nem
penetremos nos segredos das suas colônias nem
embaracemos os progressos das suas conquistas”.
Escrevia que o rei deveria dar um basta geral nessas
2. Carta enviada por T. J. Corte Real violências ou, em dez anos, “não haveria mais Brasil”.2
ao governador Rolim de Moura em Fundamental destacar que a extinção da
22 de agosto de 1758. Ver Marcos
Companhia de Jesus na América portuguesa visava
Carneiro de Mendonça, Rios
Guaporé e Paraguai: Primeiras sedentarizar, urbanizar e controlar diretamente a
fronteiras definitivas do Brasil. Rio mão de obra indígena, especialmente nas regiões
de Janeiro: Xerox, 1985, p.9. missionárias, como foi o caso do Alto Paraguai e da
Amazônia, especialmente na raia com as Guianas
inglesa, holandesa e francesa.
O Tratado de Madri estabeleceu que o direito
à soberania territorial devia ser derivado do uti
possidetis, ou seja, de uma ocupação efetiva e
continuada no tempo. Assim, a coroa portuguesa
iniciou o processo de reordenamento territorial
deslocando compulsoriamente populações
indígenas para zonas litigiosas, transformando
seus aldeamentos em verdadeiras “muralhas do
sertão”, como eram frequentemente denominados
na documentação colonial. Entre 1750 e 1808, foi
criada uma rede de 95 vilas e numerosas fortalezas, 220
casas‑fortes e presídios, evidenciando a capacidade
de planejamento estratégico da coroa portuguesa no
que toca à conservação de suas conquistas.
Entre 1755 e 1758, a política indigenista ilustrada
elevou o status dos súditos indígenas, tornando-os
vassalos úteis, fosse para o trabalho nas construção
de fortalezas ou para o serviço nas tropas regulares
que guarneciam as expedições fluviais.3 O Diretório 3. José Roberto Amaral Lapa,
dos índios instruiu que todos os aldeamentos Economia colonial. São Paulo:
Perspectiva, 1973, pp.31-36; Renata
missionários (desde então transformados em vilas
Malcher Araújo, A urbanização
com senado da câmara) adotassem nomes de cidades do Mato Grosso no século XVIII:
portuguesas. A atribuição dessas denominações ficou Discurso e método, tese de
ao encargo dos governadores de cada capitania. A doutorado. Lisboa: Universidade
nova toponímia urbana deveria mimetizar os senhorios Nova de Lisboa, 2000; Luiz Felipe
de Alencastro, “O Rio de Janeiro
nobiliárquicos portugueses, num momento em que e o Atlântico”, in Lorelai Kury e
as donatarias hereditárias americanas estavam sendo Heloisa Gesteira (orgs.), Ensaios
progressivamente extintas. O Diretório proibiu também das ciências no Brasil. Rio de
o uso da língua geral e obrigou os indígenas a falar Janeiro: Eduerj, 2012.
português e adotar nomes e sobrenomes lusitanos. A
política de doação de terras (sesmarias) às novas vilas
indígenas suscitou tensões e conflitos fundiários com
os grandes fazendeiros e posseiros, que viram seus
privilégios de ocupação imemorial das terras ameaçados.
Como sabemos, na época da assinatura do Tratado
de Madri eram enormes as incertezas a respeito do
uso dos topônimos dos acidentes geográficos nas
diferentes localidades. O texto do tratado admitia
a fluidez das nomenclaturas, e as expedições
demarcadoras eram orientadas a preparar mapas
indicando com exatidão os diferentes nomes dos
lugares, em comum acordo entre os comissários de
ambas as coroas. Recomendava-se que as cópias
fossem autenticadas in loco: “para que se não ofereça
a mais leve dúvida, os referidos comissários porão
nome de comum acordo aos rios, montes, que o
não tiverem, e assinalarão tudo no Mapa com a
individualização possível”.
A militarização das fronteiras externas deu-se
por meio da construção de uma linha de fortalezas
no interior do continente, com recursos financeiros
oriundos da Companhia Geral de Comércio do
Grão‑Para e Maranhão, estabelecida em 1755. Fosse
pelo comércio regular ou pelos destacamentos
militares nas feitorias-fortalezas, a coroa portuguesa
logrou efetivar sua soberania territorial, ao menos
perante as demais potências.
O reordenamento territorial também implicou a
abertura de novas vias de comunicação interna e
na proibição de caminhos antigos, frequentados
por sertanistas e comerciantes locais. Temia-se o
contrabando de mercadorias e metais preciosos, e
por isso inibia-se a exploração econômica de certas
rotas, como a via fluvial entre os rios Arinos e Tapajós.
O processo de definição das fronteiras externas teve
impacto também no modo como diferentes regiões
coloniais se articulavam. A exploração aurífera na
Capitania de Minas Gerais foi vetor importante de
integração espacial e econômica desde o início do
século 18. As expedições de demarcação, por sua
vez, promoveram a militarização da sociedade e a
expansão interna da fronteira colonial.
As sucessivas invasões espanholas da capitania
do Rio Grande do Sul, a tomada da Colônia do
Sacramento e a ocupação de Santa Catarina, no
período entre 1763 e 1777, obrigaram a Coroa a
reforçar a defesa no extremo oeste e no norte. A
estratégia de alianças com os líderes indígenas e a
política de reassentamento forçado das populações
locais ampliaram o controle sobre territórios que
pertenciam virtualmente aos vice-reinos do Peru e
de Nova Granada. As expedições de reconhecimento
geográfico interiorizaram a ocupação ao longo de 2400
quilômetros do rio Amazonas.
O Tratado de Santo Idelfonso, de 1777, definiu que o
rio Amazonas seria de navegação privativa de Portugal
da embocadura do rio Japurá à foz, no oceano Atlântico.
Na direção contrária, até o marco do rio Javari – numa
extensão de cerca de quatrocentos quilômetros –, a
navegação seria comum às duas coroas. A partir
do forte de Tabatinga, águas acima, seria exclusiva
da coroa espanhola. As moedas de troca nessas
paragens eram sal, ferro, ferramentas e escravos.
Pelo rio Jauru, os negociantes espanhóis e indígenas
comercializavam manadas de bois e muares, além de
alguma prata. Desde 1770, a coroa portuguesa passou
a conceder privilégios aos comerciantes da Companhia
do Comércio do Grão Pará na venda de mercadorias
em terras espanholas, sendo que uma parte dos
rendimentos destinava-se a presentes oferecidos às
autoridades castelhanas. A Companhia também obteve
da coroa portuguesa a isenção de tributos para vender
os escravos africanos deportados da feitoria negreira
4. Ver Luiz Felipe de Alencastro e da Guiné‑Bissau aos comerciantes do Mato Grosso.4
Marcos Carneiro de Mendonça, Assim, os portugueses puseram em prática uma
op. cit.
estratégia militar, comercial e cartográfica para efetivar
– material e simbolicamente – sua presença naqueles
rincões de soberania indecisa.
O Tratado de Santo Idelfonso também estipulava
que os governadores das regiões limítrofes entre os
impérios deveriam entrar em acordo sobre o problema
recorrente da fuga de escravos africanos, “sem
que, por passar a um domínio diverso, consigam a 222
liberdade”. São numerosos os relatos de militares e
mercadores que se ressentem da fuga de escravos,
que escapavam pelo mato e pelos igarapés.
Em correspondência com a corte madrilena, o
engenheiro e governador espanhol Francisco Requeña
queixava-se que os portugueses remanejaram índios
das povoações castelhanas, fundando povoações lusas
novas em áreas virtualmente castelhanas e apagando
intencionalmente os vestígios da precedência alheia
em solos visados. No entanto, sem o concurso dos
indígenas não era possível adentrar o coração da
floresta. A atração, a aliança e a cooptação violenta das
populações foi decisiva, como evidenciam os registros
dos demarcadores e as aquarelas e a cartografia
produzidas nesse contexto de interação forçada.
A carta Nova Lusitânia nos apresenta uma projeção da
territorialidade pretendida pela administração colonial
em finais do século 18. Nela, as redes urbanas, viárias e
fluviais inter-regionais são hiperbolizadas com intuito
evidenciar uma fluidez e uma contiguidade territorial
nem sempre existentes. O artefato cartográfico busca
destacar a integração entre as diferentes partes
do mosaico colonial, superando a imagem de um
arquipélago de conquistas. Uma análise de conjunto
permite observar o destaque dado aos fluxos de
comunicação inter-regional de macroescala.
A percepção da unidade geopolítica da América
portuguesa que se projeta na cartografia dessa
época resulta, assim, de um processo de acumulação
de experiências adquiridas durante as expedições
demarcadoras nas regiões onde a soberania ibérica
não era uma realidade local. Produto do reformismo
ilustrado, essa cartografia ilustra os axiomas da
economia liberal – propriedade alienável, impostos
per capita, desoneração das taxas alfandegárias e
revogação dos monopólios comerciais – ao projetar
um território razoavelmente uniforme e homogêneo,
eliminando os enclaves coloniais onde se localizavam
quilombos ou comunidades resistentes – por vezes
provisórios, nem sempre estáveis – e representando-o
como uma malha de povoamento densa e coesa.
Pensar o território nos seus usos cotidianos implica
reconstituir regressivamente as infraestruturas
materiais pretéritas, imaginando os caminhos terrestres
e fluviais, os meios de transporte utilizados, a diferença
entre viajar em canoas, carros de boi, no lombo de
mulas, em redes ou a pé, por dias a fio. Os mapas, ao
fim e ao cabo, nos revelam mais sobre as projeções de
soberania pretendida do que efetivada, como ensinou o
geógrafo Antonio Carlos Robert de Moraes.
Iris Kantor é professora de
história ibérica na Universidade
de São Paulo (USP), onde
coordena o Laboratório de
Estudos de Cartografia Histórica
da Cátedra Jaime Cortesão.
Foi professora‑visitante na
Universidade de Stanford e no
Centre de Recherches sur le
Brésil Colonial et Contemporain,
da École des Hautes Études
en Sciences Sociales (EHESS),
em Paris. Publicou Esquecidos
& renascidos: historiografia
acadêmica luso-americana (1724-
1759), 2004. É membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) e da rede ibero-americana
de história da cartografia.
7
Geografia dos
investimentos
imobiliários:
discordâncias entre as
agendas do capital e da
arquitetura
Quão desobstruída é
a agenda do mercado
imobiliário em relação
àquela da arquitetura?
Para tratar das cidades brasileiras, Por um lado, o cliente corporativo, inserido
é indispensável discutir o mercado numa lógica mercadológica, é complexo. Em
imobiliário.1 A matéria edificada e seu grande parte porque seus objetivos finais
espaço negativo – os vazios – perpassam a estão intrinsecamente ligados à geração de
produção imobiliária de qualquer escala em lucro mas também por dominar um sistema
qualquer cidade. Envolvendo investidores, econômico e financeiro o qual o arquiteto
corretores, construtores, incorporadores, muitas vezes não é preparado para entender.
publicitários, bancos, arquitetos Por outro, embora se conectem à economia
urbanistas, engenheiros, consumidores e das cidades – um ponto abordado neste
o poder público, ele é a principal força da capítulo por Danilo Igliori e Sergio Castelani
construção do meio físico das cidades. – não necessariamente levam em conta as
Para entender as práticas do mercado entranhas sociológicas e antropológicas do
imobiliário e dos arquitetos urbanistas, é território e a repercussão que seus objetos
necessário compreender o cerne em que podem ter nele.
se definem os embasamentos acadêmicos A relação arquitetura-urbanismo e
e profissionais de ambos. mercado imobiliário é de estranhamento
Embora existam cursos de arquitetura mútuo. Há diferenças que hora são
desde o início do século 19 e de urbanismo simplificadas entre pragmáticas e sensitivas
desde a década de 1920,2 sua estrutura mas que não necessariamente possuem
acadêmica passou por alterações uma resposta correta. Habitações, centros
significativas; em 1969, as disciplinas se comerciais, shopping centers ou galpões?
fundiram. Com isso, formaliza-se a união Horizontais, verticais? Permeáveis ou
dos aspectos relativos às edificações e enclausurados? Estruturados em concreto,
às cidades, e se reforçam as ideias de aço ou madeira? Com fachada ventilada
multidisciplinaridade, generalidade e ou ventilação não-natural? Vendidos ou
complexidade.3 As determinações para a alugados? Financiáveis ou não? Localizados
estruturação dos cursos de arquitetura e em áreas centrais, periféricas ou afastadas?
urbanismo estabelecem que eles devem A lista de variáveis é extensa, e entender
oferecer entendimento antropológico, os efeitos dessas escolhas na economia e
sociológico, econômico, ambiental, na dinâmica das cidades exige que os dois
técnico construtivo e executivo, histórico lados se ouçam.
e metodológico. A urgência de aproximar arquitetos,
Ainda que se enfatize a importância urbanistas e investidores imobiliários
desse conhecimento global para atuar para construir pontos de convergência – e
em um mercado competitivo, não se olha uma sociedade menos desigual – não é
para as questões relativas à prática junto desconhecida das partes. Entretanto, a
ao mercado imobiliário4. Comumente, incompreensão mútua das possibilidades
a prática arquitetônica e urbanística ou de ação na construção das cidades tem
se dá na relação direta com um cliente e provocado desavenças entre esses agentes.
seus desejos individuais – normalmente É necessário entender que não se trata de
de pequena escala frente à cidade e de uma rivalidade ou de um jogo de certo e
viés habitacional ou comercial; ou se liga errado, mas que há a necessidade de se
à construção pública do espaço urbano, chegar a uma visão mais coletiva de cidade.
de caráter mais social. Pouco se atua Nesse ponto, a obra da artista Renata
propriamente na escala da grande massa Lucas se volta para a vista do Masp em
da construção, do mercado de interesses direção à avenida 9 de Julho e se pergunta:
capitalistas. Pouco se reflete sobre a havia aqui um projeto de cidade que não
perspectiva apresentada por Claudio foi executado?
Bernardes neste capítulo da existência Este embate entre as duas disciplinas
de uma clara dissociação entre o produto precisa ser encarado como oportunidade
arquitetônico e o produto do mercado. inexplorada de construção de um
espaço urbano com mais convívio social, 1. No Brasil, ele envolve, sobretudo:
mais possibilidades e alternativas para imóveis residenciais horizontais e
verticais; corporativos; logísticos;
a população e, por que não, melhores
shopping centers; e hotéis.
condições financeiras para agentes 2. O primeiro curso de arquitetura
privados, públicos e usuários. no Brasil foi proposto em 1816, por
Dom João vi, em meio à Missão
Artística Francesa. A Escola
Real de Ciências, Artes e Ofícios
O mapa
(depois Escola de Belas Artes)
formou mestres da arquitetura
Na elaboração do mapa da geografia dos brasileira como Lucio Costa, Oscar
investimentos imobiliários, a deformação Niemeyer e Roberto Burle Marx.
territorial expõe as discrepâncias de O curso de urbanismo foi fundado
em 1935, pela Universidade do
investimento entre regiões. As marcações
Distrito Federal, no Rio de Janeiro.
de latitude e longitude foram alteradas 3. Na definição do Ministério da
conforme o PIB de cada município: índices Educação, “a proposta pedagógica
maiores representam quadrantes maiores. para os cursos de graduação
Fica claro, portanto, que São Paulo e Rio de em Arquitetura e Urbanismo
deverá assegurar a formação de
Janeiro criam um Brasil por si só.
profissionais generalistas, capazes
Seguindo a mesma lógica, são atribuídos de compreender e traduzir as
aos solos urbanos seu valor monetário. necessidades de indivíduos, grupos
Assim, se desenham as áreas urbanas do país sociais e comunidade, com relação
com maior preço de terra. Concentrações à concepção, à organização e à
construção do espaço interior e
populacionais e número de domicílios maiores
exterior, abrangendo o urbanismo,
correspondem, inversamente, à concentração a edificação, o paisagismo, bem
de renda – outro indicativo de desigualdade, como a conservação e a valorização
agora na escala urbana. do patrimônio construído, a
Para dar mais peso à análise, foram proteção do equilíbrio do ambiente
natural e a utilização racional dos
traçadas as redes infraestruturais urbanas, recursos disponíveis”.
com rodovias e ferrovias, indicando que 4. “Uma coisa que eu acho
também elas são variáveis consideráveis importante é entendermos que
na determinação dos valores atribuídos aos no mundo capitalista tudo exige
imóveis. Resumidamente, quanto maior capital. Não existe um arquiteto,
que milita numa área de tão
o valor do solo, mais alto o cume e mais grandes investimentos, que acha
escura a cor. que porque ele é bonito, tem
Junto às cidade e a partir de dados relativos bons olhos ou faz um gesto mais
à construção civil e à prática arquitetônica curvo, o capital venha pedir a ele
e urbanística, foram adicionados gráficos para ajudá-lo. Não. Vocês têm
que se preocupar, arquitetos, em
em barra que representam a quantidade de entender de que maneira vocês vão
empresas e funcionários de cada setor. Neste conseguir uma associação com o
recorte, a discrepância entre os números capital.” Fala do arquiteto Joaquim
relativos à indústria da construção e ao campo Guedes. Ver Carlos Alberto
da arquitetura ilustram o muro que ainda Maciel, Arquitetura, indústria da
construção e mercado imobiliário.
separa as duas atividades. Ou a arte de construir cidades
O último item de análise quantitativa insustentáveis, in Arquitextos, São
enfoca as ações imobiliárias mais Paulo, ano 14, n. 163.00, Vitruvius,
direcionadas à cultura e ao lazer, com dez. 2013. Disponível em: www.
dados sobre shopping centers (quantidade, vitruvius.com.br/revistas/read/
arquitextos/14.163/4986. Acesso
público alvo em classes sociais, e em: 20 abr. 2018.
equipamentos, como cinemas e teatros)
em comparação com a quantidade de
equipamentos culturais por município.
Renata Lucas
aqui havia um projeto de cidade
2018
Bárbara Wagner e
Benjamin de Burca
DESENHO/CANTEIRO, 2014
Video colagem, HD, cor, som,
12min12
Mauro Restiffe
Itaquerão #2, 2014
Estacionamento Oficina, 2014
São Paulo – Viaduto Antártica, 2014
Fotografia
entrevista: 244
Claudio
Bernardes

Claudio Bernardes (São Paulo,


1954) é empresário da construção
civil. Formado em engenharia
civil pela Escola de Engenharia
Mauá, é mestre em engenharia
pela University of Sheffield e
especialista em engenharia
de produção para construção
civil pela Fundação Vanzolini/
USP. Há mais de 40 anos, atua
como empresário no mercado
imobiliário, com ênfase na área de
desenvolvimento urbano no estado
de São Paulo. É diretor-presidente
da Ingaí Incorporadora S/A,
presidente do conselho consultivo
do Secovi-SP, que integra desde
1985, e presidente do Conselho
de Gestão da Secretaria de
Urbanismo e Licenciamento na
Prefeitura Municipal. Professor
de desenvolvimento urbano no
MBA em Gestão de Negócios
Imobiliários da Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM),
é colunista da Folha de S.Paulo
e autor dos livros Plano diretor
estratégico, lei de zoneamento e
atividade imobiliária em São Paulo
(2005) e Qualidade e o custo das
não-conformidades em obras de
construção civil (1988).
Muros

Quais são os conflitos que distanciam as


práticas da arquitetura, do planejamento
urbano e do mercado imobiliário?
A maior barreira é a academia, porque ela
dissocia o produto “arquitetura” do produto
“mercado”. O produto arquitetura, como
ente acadêmico, tem seu valor, mas muitas
vezes, quando colocado no mercado, do
ponto de vista prático, não têm valor algum.
Assim, é preciso que haja a compreensão
de que só vai sair do papel aquilo que tiver
mercado. Mesmo arquitetos renomados só
encontram espaço no mercado para seus
projetos se atuarem em um nicho em que
haja equilíbrio econômico-financeiro e que
seja receptivo às suas ideias.
Não deveria haver distância nenhuma,
mas às vezes existe por questões de
mercado. Normalmente, embora as
pessoas não acreditem, o empreendedor
imobiliário tem a função social de equilibrar
oferta e demanda. Para que isso aconteça,
ele tem de fazer os produtos que as pessoas
querem por um preço que possam pagar.
É uma questão complexa e difícil de ser
solucionada. Às vezes, o produto não é
exatamente aquele que a boa técnica da
arquitetura ou do planejamento urbano
coloca. Existe esse embate entre o setor
público, responsável por planejar o
crescimento da cidade e o setor imobiliário,
que precisa fazer o elo entre o consumidor
e o regramento. Quando falam “tal regra vai
beneficiar o setor imobiliário”, na verdade
estão tentando fazer com que aquela regra
caiba no bolso do consumidor. Lógico que
também existem os excessos, afinal, há
setores do mercado que querem maximizar
o lucro. Mas sempre de forma a viabilizar
o mercado.

Evidência

Que tipo de cidade a segregação


entre arquitetos e empresários da
construção produz?
Temos que entender que o mercado
imobiliário é um veículo de transformação
da cidade e, na verdade, é quem a o atendimento da faixa 1, a de menor renda.
constrói. Ele só faz isso baseado no Em um curto período foram produzidos 3
regramento estipulado por quem conduz milhões de unidades. Apesar de todos os
a política urbana. O mercado aprendeu problemas urbanísticos, ainda é melhor do
recentemente que precisa participar do que morar em uma favela ao longo de um
processo de discussão da cidade e do córrego com esgoto. Mas, sem subsídio, a
plano diretor, e assim mostrar aos gestores única maneira é fazer com que a economia
urbanos o que vai ou não vai dar certo. cresça para as pessoas ganharem mais,
Dentro do regramento disposto, existe pois existe um gap de rendimento muito
uma certa flexibilidade. Introduzir no grande. Como cidadãos, precisamos lutar
mercado imobiliário a consciência de que para que isso diminua.
não se deve maximizar os lucros, mas
ganhar o suficiente, deixando uma cidade
mais ventilada, mais verde, é um conceito Comportamento e micropolítica
que vem sendo incutido aos poucos. Isso
significa que os regramentos têm de ser Quem constrói o imaginário da casa
detalhados ao extremo. Os mecanismos para as classes média e alta? Qual é a
básicos que orientam o desenvolvimento casa que o brasileiro de classe média
urbano devem estar contidos no deseja hoje?
regramento. E tem de existir a consciência O mercado cria o produto a partir da
de que a cidade deve ser para todos, demanda do consumidor ou é o contrário?
privilegiando espaços para pessoas. É um mix das duas coisas. Tem muita coisa
que o consumidor não sabe querer até que
lhe seja apresentada. Existe a pesquisa
Efeitos colaterais quantitativa e qualitativa para entender o
que o consumidor quer e também existe a
Qual é o espaço da população de criatividade do arquiteto e do empresário
baixa renda no mercado imobiliário de para entender o que seria um produto
São Paulo? interessante. Talvez a função do arquiteto
Há alguns anos não havia praticamente seja conceber as ideias interessantes que
nenhum. Vemos tanta favela justamente vão passar pelo crivo do incorporador e
por não existir uma política habitacional do consumidor, para termos então um
que privilegie alternativas. Falamos em não produto palatável no mercado.
maximizar o lucro, mas o mercado precisa
ter algum lucro que mantenha a empresa
viva, pague seus funcionários. Experiência disciplinar
O Minha Casa Minha Vida é um
programa interessante mas, sem dúvida, Como o Secovi-SP atua diante do
tem uma série de problemas e erros do conflito de interesses entre o poder
ponto de vista do planejamento urbano. público, a iniciativa privada e a
Juntar um excesso de gente em um população? Pensando, por exemplo,
lugar bem distante, porque o terreno é no projeto da Nova Luz.
barato, implica em um custo muito maior O projeto da Nova Luz foi, primeiramente,
para levar a infraestrutura. O mérito do proposto pelo governo municipal. Queriam
programa foi trazer condições para que a participação da iniciativa privada, mas
o mercado começasse a atender essa isso não era viável economicamente, da
população, o que obviamente só começou forma como nos foi apresentado. Com
a partir de um subsídio do próprio Estado. algumas mudanças, se conseguíssemos
Grande parte da população do Brasil tem fazer um núcleo importante no centro
uma renda tão baixa que não pode comprar da cidade, achávamos que isso irradiaria
nada do mercado. Esse subsídio viabilizou um processo de desenvolvimento que,
além de revitalizar o centro, criaria um
mercado interessante. Muitas pessoas
gostariam de morar no centro, que possui
boa infraestrutura, apesar do problema
da segurança. Imaginamos um projeto
que conciliasse os interesses público,
privado e das pessoas que poderiam morar
lá, mas o projeto foi muito mal vendido
do ponto de vista do marketing. Houve
reações contrárias, como a do pessoal
da Santa Efigênia. O projeto era dar um
banho de loja nessa rua e transformá-la
no maior centro de eletroeletrônicos da
América do Sul, sem tirar ninguém de
lá. Mas alguém falou que eles seriam
desapropriados, desencadeando uma
série de desencontros. Não foi possível ir à
frente com o projeto, mas em compensação
alguns regramentos foram adiantados,
como a concessão urbanística, que é um
instrumento interessante.

Potencial transformador

Quais são suas expectativas para o


desenvolvimento urbano e habitacional
a partir do modelo da Parceria
Público‑Privada (PPP)? Que tipo de
poder é capaz de regular essas parcerias
e garantir a função social pública do
solo urbano?
As PPPs são uma alternativa muito
interessante para a ambiência econômica que
vivemos, pois a crise é muito grande e temos
pouco recurso público. Essas parcerias
devem envolver questões de interesse
do Estado, da população e ainda sobrar
lucro para o investidor. Acho interessante,
por exemplo, o Estado pegar uma área
totalmente deteriorada e oferecê-la para
o poder privado explorar por trinta anos.
A empresa provavelmente investirá para
transformar a região e fazer com que a área
seja valorizada, devolvendo-a para o Estado
com uma arrecadação de IPTU maior. Se o
poder público tem um ativo que pode ser
colocado na mesa e se tem o poder de regular
essa questão, acho que esse é um modelo
supervencedor. Em vez de descartá‑lo, temos
que lutar para aperfeiçoá-lo.
S ÃO PA U LO
Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab
(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Geografia dos Investimentos Imobiliários.
Airbnb e a cidade
Número de domicílios
Número de residentes
Número de ofertas Airbnb
Média de aluguel Airbnb
Renda média por domicílio

R I O D E JA N E I RO
Espaço e Danilo Igliori 250
mercado: e Sergio
uma reflexão Castelani
sobre a
geografia
imobiliária
e economia
das cidades

As decisões que são causa e consequência das


geografias imobiliárias que observamos – comprar,
vender, alugar, financiar, construir, incorporar – estão
diretamente conectadas com questões relativas ao
funcionamento da economia das cidades. Algumas são
de natureza macroeconômica, mas outras têm um caráter
essencialmente microeconômico.
Exemplos: quanto os preços podem cair durante uma
crise? Qual é o momento ideal para comprar ou vender?
Ao vender um imóvel, devo observar as taxas de juros? No
Brasil apenas, ou também nos EUA? As expectativas de
inflação e de crescimento do PIB devem ser consideradas
na hora de comprar um imóvel? Ou seria mais importante
mapear as mudanças potenciais no plano diretor da
cidade? A construção de mais prédios na vizinhança
valoriza ou desvaloriza meu imóvel? E a criação de um
novo shopping center, ou de uma escola? Devemos
pensar num imóvel como bem de consumo ou como
ativo financeiro? Vale a pena vender meu apartamento,
aplicar os recursos e passar a pagar aluguel? Por que,
em alguns lugares, os preços caem, enquanto em outros
sobem? Qual é o risco de um bairro tranquilo virar um
centro comercial, ou de uma área pouco valorizada se
requalificar? Será que o congestionamento vai aumentar
ou diminuir no acesso ao meu bairro? Afinal, quais são os
determinantes dos preços dos imóveis?
A lista acima, apesar de extensa, está longe de ser
exaustiva. Entretanto, deixa claro que, para entender a
economia imobiliária, é necessário combinar um conjunto
grande de fatores de forma particular e complexa. Nesse
sentido, três características do setor são essenciais.
Primeiramente, imóveis são bens de enorme valor,
muitas vezes superior à renda mensal da expressiva
maioria das pessoas. Isso faz com que o mercado
imobiliário dependa da disponibilidade de crédito e que as
decisões de comprar, vender ou financiar precisem levar
em consideração longos horizontes de tempo.
Em segundo lugar, imóveis demoram alguns anos para
ser construídos (e o custo para destruí-los é altíssimo).
Isso faz com haja fortes restrições para ajustar a oferta
de imóveis às mudanças econômicas – o que, por sua vez,
facilita a formação de ciclos acentuados de preços, ou a
geração de bolhas.
Por fim, imóveis têm endereço. E, com isso, estão
sujeitos às dinâmicas das cidades, bairros e ruas onde estão
localizados. Aqui precisamos compreender as relações entre
economias de aglomeração e efeitos de congestionamento
que, juntamente com a presença de amenidades, formam e
transformam as paisagens econômicas.
Sem falar das características físicas dos próprios
imóveis – tamanho, número de quartos, vagas, varanda,
suítes etc. –, que obviamente também são bastante
relevantes na formação dos preços.
Percebe-se, então, que na realidade as decisões
imobiliárias têm dimensões temporais (quando),
espaciais (onde) e estruturais (o que). Tudo isso junto
faz com que a geografia do setor envolva inúmeras
conexões econômicas, macro e micro, que caracterizam
as economias das cidades e apresentam importantes
desafios para cidadãos, empresas e governos.
Uma pergunta central na geografia do mercado
imobiliário refere-se naturalmente à variação de preços no
espaço: por que imóveis com atributos físicos similares,
mas em endereços diferentes, variam tanto de preço? A
resposta para essa pergunta pode parecer simples ou até
mesmo óbvia: a variação de preços decorre das qualidades
– ou da falta delas – que fazem com que um lugar seja mais
atrativo do que outro. Mas o que atrai as pessoas para um
determinado lugar? Um pouco de reflexão indica que a
lista dos atributos locacionais pode ser longa e novamente
envolve fatores que explicam a economia das cidades.
De forma geral, podemos dizer que o que acontece
nas localidades é resultado do embate entre um conjunto
de forças positivas, que aumentam a atratividade local,
e outro de forças negativas, que a reduzem. Essas
forças são criadas dentro e fora dos mercados em
que os indivíduos interagem, por estarem próximos
uns dos outros. Essas interações podem ocorrer na
esfera econômica – proximidade do trabalho, clientes,
fornecedores, concorrentes, locais de consumo – ou fora
dela – proximidade de amigos, familiares, locais de lazer e
entretenimento. Além disso, as características ambientais,
naturais ou construídas, contam muito.
Em uma perspectiva econômica, as localidades
devem ser pensadas como espaços pequenos e abertos.
Independentemente do tamanho que tenham, tendem a 252
se sujeitar a livres movimentos de capital e do trabalho.
Em um contexto de economia aberta, pessoas e firmas
realizam escolhas de localização e “votam com os pés”.
Dessa forma, a atratividade das cidades e de seus bairros
e ruas pode ser vista por meio de seus mercados de
trabalho e ativos imobiliários. Seus incentivos e restrições
seguem as estruturas de oferta e demanda destes
mercados. Mercados de trabalho e imobiliário também
estão conectados, uma vez que os preços de imóveis e os
salários se influenciam mutuamente.
Em uma escala um pouco mais macro, percebemos
que as cidades tampouco são entidades isoladas. Elas se
conectam, formando redes ou sistemas. Sistemas urbanos
assumem diferentes formas e estruturas. Municípios têm
tamanhos diversos e também se distinguem em uma
variedade de aspectos. E o mais importante é que esses
sistemas urbanos são dinâmicos. Pessoas e empresas
se movem no espaço ao longo do tempo, redesenhando
a geografia, impactando suas funções econômicas e
transformando seus mercados imobiliários.
Para entender a economia das cidades é preciso
lançar mão de dois conceitos fundamentais: retornos
crescentes de escala e externalidades. Para o bem ou para
o mal, são as inúmeras manifestações das relações entre
esses dois conceitos que estão por trás de muito do que
vemos acontecer em nossas cidades. Dizemos que uma
tecnologia exibe retornos crescentes quando, ao aumentar
os insumos utilizados, conseguimos ganhos mais do
que proporcionais em aumento de produtividade. Já as
externalidades são os impactos não intencionais, positivos
ou negativos, que causamos em nossos vizinhos.
Os casos mais conhecidos de retornos crescentes são
características tecnológicas de processos produtivos e
gerenciais. O que ocorre em muitas fábricas, plantas de
geração de energia ou hospitais, quando crescem, são
exemplos usuais. Por outro lado, poluição – do ar, da água
ou sonora – e congestionamentos constituem exemplos
clássicos de externalidades negativas. Misturando os
dois conceitos, os retornos crescentes de escala externos
são encontrados nos mercados de trabalho, nas cadeias
de valor e na geração ou difusão do conhecimento. Uma
economia local dinâmica não explica tudo, mas sem
dúvida é fundamental para entender os preços dos
imóveis no seu entorno. Vista para o mar sempre vai valer
algo, mas se puder ser perto de bons empregos, aí sim o
potencial será enorme.
É certo que as dinâmicas do mercado imobiliário
ultrapassam em muito as fronteiras das cidades. Isso
ficou mais do que evidente depois que a maior crise global
desde a depressão dos anos 1930 começou exatamente
no mercado imobiliário americano, seguindo-se a um
período de intensa valorização. Será que o mercado
imobiliário no Brasil pode sofrer algo parecido? Parte
da resposta é imediata. O mercado imobiliário brasileiro
é muito diferente do americano. Em especial, estamos
apenas engatinhando na elaboração de instrumentos
financeiros que agrupam ativos imobiliários diversos em
títulos negociáveis – a chamada securitização. E o abuso
na utilização desses instrumentos foi uma das principais
causas do que ocorreu nos EUA.
Na realidade, a securitização de ativos imobiliários
faz parte do amadurecimento natural dos mercados
financeiros, e esse desenvolvimento é certamente bem
vindo no Brasil. Mas, por outro lado, na falta de regulação
adequada, ela pode ser utilizada para esconder os
reais riscos envolvidos nos financiamentos que lhe dão
estrutura e permitem ampliar, de forma dramática, a
alavancagem dos investidores.
Além disso, apesar do crescimento expressivo da última
década, os volumes de financiamento imobiliário ainda
são modestos no Brasil, se compararmos a outros países.
Sobretudo levando em consideração que a grande maioria
daqueles que contraem um financiamento, aqui, fazem
isso para adquirir seu primeiro imóvel. Mas, infelizmente,
essas diferenças não foram suficientes para produzir um
ajuste suave no mercado imobiliário brasileiro durante a
última recessão. Longe disso.
A gravidade da conjuntura econômica desencadeou
fatores objetivos e subjetivos que jogaram muito
fortemente contra a saúde do setor. Em termos objetivos,
tivemos a associação da deterioração do mercado de
trabalho – mais desemprego, menos renda real – com
condições mais restritivas de crédito (juros maiores,
menor disposição ao risco). Subjetivamente, baixa
confiança e incertezas renovadas afugentaram decisões
envolvendo pagamentos de longo prazo. Completando o
cenário, não podemos deixar de mencionar que, do lado
da oferta, muitas incorporadoras vinham de um período de
grandes investimentos e sofreram sérias dificuldades com
o ritmo menor, sem considerar o aumento dos distratos, o
que piorou muito o cenário.
A interação entre o contexto macroeconômico e os
fatores espaciais criam os sistemas de incentivo que
se refletem nos padrões de ocupação do solo e nas
geografias do mercado imobiliário. Como acontece em
todos os países, a distribuição da população, da riqueza e
da atividade econômica no espaço é bastante desigual no
Brasil. Podemos enxergar estas desigualdades de diversas
formas. De um lado, sabemos que a região Sudeste
concentra uma parte desproporcionalmente grande do
produto e da população. Mas, de outro, também é verdade
que boa parte da população já mora nas grandes cidades 254
de todo o país. Por um terceiro viés, sabemos que muitas
das atividades econômicas estão concentradas perto da
costa do Atlântico.
Se essas constatações são verdadeiras, nada
garante que permanecerão assim. O que se percebe
é que vêm ocorrendo processos de desconcentração
nas últimas décadas. Outras regiões do Brasil têm
acelerado seu crescimento, ultrapassando vez ou outra
as taxas apresentadas pelo Sudeste. Por outro lado,
testemunhamos o crescimento acelerado de um conjunto
de cidades médias espalhadas pelo país. Finalmente,
também assistimos à interiorização do desenvolvimento,
com a expansão de Brasília, Minas Gerais e interior de
São Paulo, entre outras regiões.
A estrutura de nosso sistema urbano e as configurações
internas de nossas cidades são fruto de desdobramentos
que se sucederam ao longo dos séculos, algumas vezes
domésticos, outras globais. Nossas cidades resultam de
migrações de todos os continentes, voluntárias ou não, e
também de fluxos migratórios internos. Como seria São
Paulo sem os nordestinos? Como seria a Amazônia sem
os sulistas? Mas, de forma geral, podemos dizer que o
processo de urbanização das últimas décadas produziu
no Brasil um marcante espraiamento das manchas
urbanas, associado antes de tudo à tendência de ocupação
privada do espaço. Distâncias maiores entre trabalho,
lazer, serviços e moradia não só pressionaram os recursos
públicos de forma ineficiente, pela necessidade de expandir
as redes de infraestrutura urbana, mas também reduziram
as oportunidades de interação em espaços públicos.
Mais recentemente, entretanto, temos observado
movimentos na direção contrária. Em algumas cidades,
percebem-se indícios de que um grupo crescente de
pessoas vem escolhendo e valorizando uma ocupação do
espaço que prioriza os equipamentos públicos e a interação
com a cidade. Os impactos dessas mudanças na geografia
imobiliária são evidentes: construção de moradias mais
compactas, revalorização de áreas centrais, aumento da
densidade populacional, promoção de usos mistos do
espaço. Diversos pontos positivos resultam disso, como,
por exemplo, permitir maior interação entre firmas e
pessoas, e racionalizar os investimentos de infraestrutura.
Mas é claro que também surgem desafios. Ampliar o
acesso ao transporte público é fundamental. Aperfeiçoar
regras de convivência em maiores densidades é urgente.
Finalmente, a despeito desse processo incipiente de
revitalização de áreas centrais, é preciso não esquecer
que parte importante da geografia e da economia
imobiliárias no Brasil persiste nas periferias das grandes
cidades. Esses territórios, marcados pela infraestrutura
deficiente, habitações precárias e uso informal da terra
frequentemente convivem com indicadores sociais
comparáveis aos de países mais pobres ou até de nações
em conflito. As diferenças, no espaço construído, entre
regiões ricas e pobres das grandes cidades possivelmente
se igualam às piores dimensões da desigualdade no país.
Planejar o desenvolvimento urbano não tem nada
de trivial. Entretanto, o custo de não termos uma boa
estratégia para nossas cidades é alto. O capital urbano é
um bem público e todos perdem sem ele. E, nesse sentido,
compreender as interfaces entre espaço e mercado
materializadas no funcionamento das cidades não poderia
ser mais uma tarefa mais central.

Danilo C. Igliori (São Paulo, 1970) Sergio André Castelani (São


é professor do Departamento de Paulo, 1983) é doutor em teoria
Economia da USP e chairman da econômica pela Faculdade de
DataZAP Inteligência Imobiliária. Economia, Administração e
PhD pela University of Cambridge, Contabilidade da USP (2014).
onde lecionou no Department Especialista em econometria,
of Land Economy, recebeu economia espacial e economia
a Adam Smith Fellowship in urbana, leciona no curso de
Political Economy do Pembroke economia urbana do Programa
College. É coeditor da Spatial de Educação Continuada da
Economic Analysis. Atuou nos Escola Politécnica da USP. É
setores privado e público e em economista-chefe da DataZap
organismos internacionais. Inteligência Imobiliária.
Está na Eudoxios 256
hora de Anastassiadis
derrubarmos
este muro

muro mura a rua


a rua mura o muro
muro a rua mura
morte ao muro
arquitetura é rua

Há um muro que separa a arquitetura e o mercado


imobiliário brasileiro. Um muro invisível, impenetrável,
coberto por uma névoa densa e pesada como chumbo.
Esse muro separa duas culturas, duas atmosferas. Em
nenhum país do mundo temos um muro tão alto e tão
espesso assim, como um monumento ao separatismo.
Grande parte dos arquitetos fica de um lado do muro,
com sua linguagem, suas influências, sua cultura. Do
outro lado, temos os incorporadores, com suas próprias
razões e cultura. Sem comunicação adequada, os dois
lados travam uma guerra surda há mais de quarenta anos.
A cidade sofre. A população sofre. De ambos os lados
há iniciativas tímidas de paz e de convívio. Analistas do
confronto se dividem: uns dizem que não tem jeito, que
a guerra condenou ambos os lados à estagnação e à
decadência, que nunca haverá paz. Outros, que a única
saída para arquitetos e incorporadores é reunificar os dois
lados e que é possível quebrar o muro de um território que
foi unido e próspero até os anos 1960. Quem estará com a
razão? Qual será o destino destes dois grupos?
Assim como os muros separam as propriedades das
ruas, as pessoas das outras pessoas, as ruas das pessoas,
as pessoas das culturas e assim por diante, este muro
invisível separa os arquitetos, de um lado, e os projetos
de casas, prédios, habitações, shoppings, hotéis, do
outro. Os arquitetos permitem-se apenas realizar projetos
públicos e relevantes do ponto de vista social, bem como
algumas casas para famílias de maior poder aquisitivo,
clientes estetas, que cultuam sua cartilha. Veem-se como
justos, colaborativos e ligados ao social, aos cidadãos e
à cidade. A ideologia socialista é forte no grupo, presa a
visões de mundo ultrapassadas, calcadas nas diferenças
entre esquerda e direita e em paradigmas modernistas
dos anos 1950, há muito sepultados e estudados como
parte da história arquitetônica mundial. Combatem os
incorporadores do outro lado do muro, que veem como
os capitalistas que destroem a cultura arquitetônica com
construções sem valor cultural e de qualidade duvidosa
em todos os sentidos.
Os arquitetos que um dia passaram para o outro
lado do muro são praticamente proscritos, acusados
de terem se vendido ao capital, o que é considerado
crime inafiançável. Tão logo atravessam o muro, os
dissidentes são automaticamente rebaixados, mudam
de categoria, viram párias da sociedade arquitetônica
brasileira. Poucos pares conversam com eles, as revistas
especializadas torcem o nariz para seus projetos, não
são convidados para bienais, premiações ou palestras
nas universidades. E, se ganham algum dinheiro, são
combatidos e discriminados. Isolados, estes “traidores”
são acolhidos por incorporadores que precisam de
seu trabalho, mas rapidamente os conformam à sua
cultura. Pobre arquiteto dissidente: será alimentado e
domesticado como um animal de estimação por uma
raça que pouco respeita a arte e a cultura da arquitetura.
Incorporadores são a última categoria para a qual
gostariam de projetar. São gananciosos, pretensiosos,
antiquados, dinheiristas; pouco entendem de design,
história, natureza, proporção e beleza.
No sentido inverso, mas com a mesma intensidade, os
incorporadores querem conviver com arquitetos cordatos,
focados no melhor aproveitamento do terreno e da
implantação, bons de planta e de legislação, que sejam
do mercado e obedeçam às orientações das empresas de
vendas e de publicidade. Se agregarem alguma inovação,
desde que não custe caro, melhor ainda; mas isso não é
condição essencial. Normalmente, os incorporadores são
bons empresários, dominantes; querem que prevaleça
sua vontade. Afinal, é seu capital que está em jogo, e a
preservação do capital e do lucro da atividade são objetivo
primordial. São formados em engenharia, economia,
finanças, direito, administração, mas pouquíssimos
são arquitetos. Nada mais capitalista, certo? Arquiteto
é mais um prestador de serviço para sua indústria de
fazer metros quadrados e vendê-los com algum lucro.
Arquiteto é um insumo, como cimento e aço. Deve ser
tratado com respeito, mas não é protagonista dessa
atividade. Nem como estratégia de marketing o status do
arquiteto é devidamente utilizado; o destaque maior do
modelo de incorporação atual recai sobre os decoradores 258
(muitos deles ótimos arquitetos, por sinal) e os infalíveis
apartamentos decorados.
A fórmula da incorporação pouco mudou nos últimos
vinte anos: prédios sem graça, com volumetrias e
fachadas antiquadas e de baixo custo, áreas comuns
generosas e bem equipadas, plantas flexíveis, que
agradam à maioria dos clientes, e acabamentos de
baixa qualidade ou inexistentes. Pouco se reconhecem,
nesse país, os arquitetos da edificação, seja no esforço
de marketing do empreendimento, seja simplesmente
em uma placa de obra ou de entrega do edifício. Os
incorporadores veem as pessoas do outro lado do muro
como idealistas, sonhadoras, de grande conteúdo
cultural mas pouca valia no mundo empresarial de
hoje. A diferença ideológica limita o diálogo, pois elas
não sabem fazer contas e não colocam o lucro como
prioridade. Então, mesmo precisando de arquitetos, os
incorporadores se limitam a consultar e a trabalhar com
os dissidentes daquela comunidade, ignorando por
completo o outro lado do muro .
Como começou essa divisão? Por quê? E, antes dela,
como era a vida desses dois povos? Em sua recente
obra São Paulo nas alturas, o jornalista Raul Juste Lores
conta essa história em detalhes. Elegantemente, nos
mostra que, na São Paulo dos anos 1940, 1950 e início
dos 1960, os arquitetos participavam ativamente, como
vetores, da maioria dos projetos, ou eram, eles mesmos,
os incorporadores. Verdadeiros parceiros do crescimento
e do progresso da cidade, nomes como Franz Heep,
Henrique Mindlin, Irmãos Roberto, Artacho Jurado,
Oscar Niemeyer, Rino Levi, Luciano Korngold, Gregori
Warchavchik, Maria Bardelli e Ermanno Siffredi, Jacques
Pilon, Giancarlo Gasperini, Francisco Beck, Alfredo
Duntuch, David Libeskind, Samuel e João Kon, Israel
Galman e Giancarlo Palanti, entre outros, projetaram e
incorporaram edifícios, dos quais muitos foram sucesso
de público e são cultuados pela comunidade de arquitetos
até hoje. Edificações que aliavam bom projeto e bons
acabamentos, modernas e adequadas a um Brasil cheio
de otimismo e expectativas de crescimento. Com o final
dos “anos dourados” da era JK e a inflação desenfreada
gerada pela construção de Brasília, muitas incorporadoras
quebraram e boa parte dos arquitetos e incorporadores
empobreceram. Logo na sequência, a partir de 1964, a
repressão dura da ditadura militar terminaria de arruinar
a comunidade arquitetônica e seus sonhos empresariais.
Muitos arquitetos militavam no Partido Comunista
Brasileiro, como Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer, por
exemplo. Muitos foram perseguidos, além de deixados
à margem do novo sistema habitacional lançado pelo
governo e entregue a empresários das mais diversas
áreas. A criação do BNH e a racionalização dos processos
tiraram o espaço necessário ao desenvolvimento de
ideias. Os arquitetos se posicionaram nas poucas
trincheiras disponíveis: nas universidades, em alguns
concursos públicos e em projetos de casas para clientes
e admiradores com certo poder aquisitivo, interessados
em comprar algo com conceito e qualidade. Ali houve
uma ruptura; nas palavras de Lores, o divórcio entre a
arquitetura e a incorporação.
Sabemos que divórcios são em geral doloridos, e que
tendem a gerar lacunas e ressentimentos. Infelizmente, foi
o que ocorreu em nosso país. Como exemplo, contam‑se
nas mãos os projetos de edifícios comerciais e residenciais
realizados pelo maior arquiteto brasileiro vivo, Paulo
Mendes da Rocha, ganhador do Prêmio Pritzker e do Leão
de Ouro da Bienal de Veneza. Isso se pode dizer também
de Oscar Niemeyer no período pós-1964. Em uma cidade
como São Paulo, com mais de 20 mil edifícios construídos
nas últimas seis décadas, por que um número tão pequeno
de projetos de dois dos maiores representantes da
arquitetura brasileira no mundo? Talvez por diferenças
ideológicas; obviamente, não por falta de talento.
O pensamento de líderes como esses influenciaram
massivamente as novas gerações de arquitetos.
A reserva de mercado que a ditadura militar defendia
para vários setores nos anos 1970 foi conveniente para os
arquitetos brasileiros, dando espaço para que realizassem
projetos e obras sem qualquer concorrência externa.
Criou-se um comportamento xenófobo: desde então,
nenhum arquiteto estrangeiro seria bem recebido por aqui.
Em vez de serem tratados como influências, divulgadores
de novas tecnologias, foram vistos como inimigos. A
política do IAB se alinhou ao que era pregado no Brasil
da época: economia fechada, o Brasil para os brasileiros.
Acabava ali a possibilidade de arquitetos estrangeiros
trabalharem no país. Bem diferente do que aconteceu
quando o suíço Le Corbusier esteve no Rio de Janeiro para
1. Pesquisas e documentação no projetar o edifício do Ministério da Educação, em 1936.1
Brasil afirmam que o projeto desse É desnecessário mencionar a grande influência que esse
edifício foi realizado por um grupo
projeto teve na arquitetura e no modernismo brasileiros.
liderado por Lúcio Costa (Affonso
Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Nesse caldo complexo, parte do muro foi formada.
Vasconcellos, Jorge Machado O mesmo ocorreu do outro lado do muro. Depois do fim
Moreira e Oscar Niemeyer), com da era dos incorporadores-arquitetos, outros tomaram
consultoria de Le Corbusier. seu lugar e rapidamente implantaram novos modos de
Ver, entre outros, Elizabeth D.
Harris, Le Corbusier – Riscos
produção imobiliária, mais baseados em fundamentos da
brasileiros. São Paulo: Nobel, 1987; engenharia de produção e financeira do que em conceitos
e Guilherme Wisnik, Lúcio Costa. arquitetônicos. O Brasil dos anos 1970 crescia, e assim se
São Paulo: Cosac Naify, 2001. [n.e] formou uma nova casta de empresários bem-sucedidos e
confiantes, num cenário em que o que valia era a produção,
o dinheiro, a empresa. Arquitetura virou insumo; cada
vez mais, foi sendo aniquilada como vetor de impulsão 260
do setor. O lado dos incorporadores ficou com muito
trabalho e muitos riscos; adaptou-se rapidamente ao jogo
econômico, apesar de tropeços e de algumas quebras
assustadoras. A arquitetura dos edifícios deixou de ser
prioridade, dando lugar ao custo, à oferta e a demanda, ao
financiamento imobiliário, às politicas do setor. O diálogo
sobre estética, projeto, planta e tendências tornou-se
dispensável. O mercado passou a ser o grão-mestre e
regente da engrenagem toda. O resultado, infelizmente,
ficou visível nas cidades: de 1960 para cá, depois do início
da construção do muro, a qualidade arquitetônica do
que foi produzido pelo setor imobiliário brasileiro caiu
vertiginosamente. Incorporadores, a maioria deles sem o
repertório cultural necessário para ocupar uma posição
tão relevante, ajudaram a piorar o quadro. Com suas
certezas, baseadas em resultados comerciais, e suas
debilidades conceituais, aliadas ao poder e à influência do
dinheiro, ampliaram a largura e a altura do muro.
Os frutos dessa separação – e a consequente
decadência das partes – são avassaladores. Citando
alguns exemplos: (1) nenhuma faculdade de arquitetura
de ponta do Brasil oferece disciplinas ligadas de forma
consistente à incorporação imobiliária. O mesmo,
com relação à arquitetura, nos cursos e mestrados de
incorporação imobiliária. (2) O diálogo entre os dois lados
do muro praticamente inexiste e é evitado a todo custo;
quando acontece, a discussão é difícil, entremeada
com mágoas e acusações. (3) Convivemos hoje, em
nossas cidades, com bizarrices como prédios em estilo
mediterrâneo ou neoclássico (que dominou a produção
imobiliária local por décadas), fruto direto da falta
de debate, diálogo e cultura arquitetônica. (4) Se nos
compararmos ao que foi produzido no mundo nos últimos
20 anos, o Brasil, que era a vanguarda da arquitetura
e do urbanismo nos anos 1950, transformou‑se em
um dos mercados mais antiquados e irrelevantes do
cenário arquitetônico mundial. (5) Quase não temos
projetos de grandes arquitetos estrangeiros. O índice
de internacionalização e de abertura da arquitetura
brasileira é o mais baixo entre as vinte maiores
economias mundiais.
Está na hora de derrubar esse muro. Reunificar algo
que nunca deveria ter se separado. Precisamos criar
imediatamente um diálogo e estabelecer uma cultura
alinhada aos valores mais avançados em âmbito mundial.
Arquitetos e incorporadores precisam se adaptar,
tornar-se colaborativos, ampliar seus conhecimentos e
compartilhá-los com generosidade e agilidade. Fechar
as feridas e sentar à mesa para construir um novo pacto.
Precisamos melhorar rapidamente as condições do
mercado imobiliário, tornando-o mais participativo e
justo, um vetor de tecnologia e de inovação. As faculdades
e universidades precisam incluir de fato essas ciências
em seus programas. Precisamos ser globais, atravessar
nossos medos e nos preparar para evoluir em um padrão
mundial. Precisamos despolitizar o debate profissional,
nessa relação que tanto nos atrasa e nos separa.
Derrubar esse muro nos libertará do atraso, da
discriminação, da mágoa.
Morte ao muro.
Arquitetura é rua.

Eudoxios Stefanos Anastassiadis


(São Paulo, 1975), incorporador,
administrador e arquiteto de
coração. É sócio da Anastassiadis
Arquitetos desde 1993 e fundador
e CEO da Alfa Realty desde 2002.
8
Habitar a casa ou a
cidade? o impacto
do programa
habitacional Minha
Casa Minha Vida
Quão generosos
são os programas
habitacionais brasileiros
em oferecer o direito
à cidade?
Projetar habitação tem sido, historicamente, de grandes muros ao redor das casas
uma das principais tarefas da arquitetura. Na térreas indica a presença do muro como
complexidade da atual demanda habitacional elemento impregnado no imaginário
brasileira, porém, o arquiteto urbanista brasileiro. Ambientes internos não atendiam
tem tido pouco espaço para atuar. Há um aos padrões de ergonomia nem às
verdadeiro muro, especialmente no que diferentes demandas familiares: as mesmas
toca à habitação popular – seja pelo formato unidades eram ocupadas tanto por duas
dos programas governamentais, da falta de pessoas como por famílias muito maiores.
alinhamento com o mercado imobiliário, ou As imagens de Carol Quintanilha publicadas
mesmo por causa da autoconstrução. aqui mostram as diversas formas de
Este capítulo aborda um dos processos apropriação dos mesmos espaços.
mais recentes da produção de moradia Os empreendimentos do PMCMV têm
em escala no país, o Programa Minha outras questões. Ainda predominam, entre
Casa Minha Vida (PMCMV). Como explicam os domicílios brasileiros, as casas que ficam
Elisabete França e Rainer Hehl, ele não de frente para a rua; no Censo de 2010,
é a primeira experiência brasileira com menos de 13% dos brasileiros viviam em
programas habitacionais e nem a única apartamentos ou condomínios. A vida em
com consequências dúbias para as comunidade fechada não é, portanto, natural
cidades. Lançado em 2009, na gestão do para grande parte da população. De forma
então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o similar, o público da primeira faixa atendida
programa consistia fundamentalmente em pelo programa não costumava pagar taxas
uma macro-política federal, implementada condominiais nem tarifas como água e luz. A
em municípios de todo país até 2015.1 nova vida frequentemente não cabia em seu
O objetivo, descrito em lei, era orçamento, resultando em endividamento.
subsidiar a aquisição de imóveis novos Como afirmam Marc Angélil e Rainer
por populações de renda menor. A Hehl, pontos como esses escapam ao
proposta política era criar, mais do que um campo macro-político, ainda que haja um
instrumento financeiro, uma medida que aparato econômico para a manutenção do
garantisse condições de moradia melhores programa. Falta um planejamento que inclua
para aqueles que não tinham acesso a os principais envolvidos – os moradores –
ela. Mais do que apenas fornecer tetos, o além de profissionais qualificados para este
programa deveria atender as populações planejamento, como arquitetos.
que, excluídas dos grandes centros pelo Sob a ótica urbana, compostos
preço elevado da terra, viviam de forma majoritariamente por grandes conjuntos
precária em áreas sem infraestrutura nas mono-funcionais, os empreendimentos
periferias das cidades brasileiras. habitacionais interagem pouco com seu
Como qualquer produto inserido entorno e são, na maioria dos casos,
na lógica da produção imobiliária, o afastados das áreas comerciais e culturais
PMCMV foi concebido basicamente com das cidades. É o que mostra a série
vistas à rentabilidade, buscando a maior fotográfica de Tuca Vieira. Geralmente
economia possível, por meio de processos murados, separam seus moradores
padronizados, rápidos e baratos, como de serviços urbanos básicos (saúde,
descreve Raquel Rolnik em seu ensaio. educação, abastecimento), privando-os de
Em matéria de arquitetura, pouco se um convívio urbano saudável. É como se a
avaliou o modo de vida dessas populações, concepção da vida imaginada para esses
o que gerou questões na adaptação dos moradores se restringisse às suas casas –
moradores. Relatórios sobre os cenários minha casa, minha vida, de fato.
encontrados após a ocupação dos Mais do que um programa estritamente
empreendimentos indicam uma série de social, no entanto, o MCMV representou, na
modificações nos projetos originais2, do perspectiva da macro-política brasileira, uma
espaço interno às fachadas. A construção oportunidade de reativar setores afetados
pela crise econômica mundial de 2008, como colorido conforme a renda média por
a construção civil. O programa gerou mais de domicílio. Ficam visíveis a desigualdade
5 milhões de empregos e produziu mais de 4 da produção dentro dos perímetros
milhões de unidades habitacionais. urbanos e a distância dos conjuntos dos
É evidente que existem méritos no MCMV, centros econômicos.
contudo, o ponto discutido nesse capítulo é Casos no Ceará, Amazonas, Pará,
seu caráter eminentemente quantitativo. No Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de
que toca à qualidade, suas inconsistências Janeiro servem de base a análises das
vão das unidades às relações sociais tipologias dos conjuntos habitacionais em
e urbanas. A escala e a velocidade da relação a sua inserção na vizinhança. Por
produção foram priorizadas em detrimento fim, plantas e axonométricas detalham os
de aspectos como bem-estar de seus conjuntos na escala de suas edificações,
habitantes, inserção social, materialidade representando as diferentes configurações
da construção, espacialidade, conforto de unidades, casas singulares, casa
e urbanidade. Consolidou-se, assim, geminadas e edifícios, onde é clara
um programa para abrigar a população a percepção da rigidez do modelo
desprovido de uma reflexão maior sobre o arquitetônico aplicado.
que significa viver em sociedade e o papel
da moradia nesse contexto.
1. Das unidades habitacionais
contratadas para o Programa,
5,51% foram destinadas à região
O mapa Norte; 24,38% ao Nordeste;
38,70% ao Sudeste; 19,38% ao Sul;
e 12,02 % ao Centro-Oeste. Ver
Preparados em colaboração com o
Câmara Brasileira da Indústria da
LabCidade da FAU-USP e o Instituto Construção – CBIC, Perenidade dos
Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), Programas Habitacionais. PMCMV:
esses mapas analisam o alcance e as sua importância e impactos de
consequências do PMCMV no Brasil em eventual descontinuidade. Brasília,
2016. Disponível em: cbic.org.
quatro aspectos: Território, Cidade,
br/wp-content/uploads/2017/11/
Vizinhança e Moradia. Perenidade_dos_Programas_
Uma linha do tempo sobre a produção Habitacionais_2016.pdf. Acesso
de habitação no Brasil cruza aspectos em: 22 abr. 2018.
socioeconômicos com eventos políticos 2. Rafael Garbin; Andréia Saugo;
Dustin Ferrari; Gisele Loli; Luciana
para traçar correlações geralmente
Cristina Klein; Monique Danielli
imperceptíveis. Os eixos estruturam-se em Xavier, Avaliação pós ocupação
macro e micropolíticas federais desde a dos primeiros empreendimento
década de 1930, ressaltando dados como do Programa Minha Casa Minha
déficit habitacional, PIB, população e Vida, faixa 1 e 2 na cidade de
Erechim-RS. Universidade Federal
quantidade de investimentos.
da Fronteira Sul, 2016. Simone
Um mapa do Brasil ressalta a escala de Barbosa Villa; Rita de Cássia Pereira
produção do PMCMV em cada município e Saramago; Lucianne Casasanta
suas respectivas faixas de atendimento. Garcia, Desenvolvimento de
Em uma aproximação e estruturados a metodologia de avaliação pós-
ocupação do Programa Minha Casa
partir do notável aporte da Rede Cidade
Minha Vida: Aspectos funcionais,
e Moradia – equipes autônomas de seis comportamentais e ambientais.
universidades públicas, uma privada e Instituto de Pesquisa Econômica
duas organizações não-governamentais Aplicada (IPEA), 2016. Disponível em:
que estudam o PMCMV em rede desde 2012 www.ipea.gov.br/portal/images/
stories/PDFs/TDs/07102016td_2234.
– mapas de cinco cidades selecionadas pdf. Acesso em: 22 abr. 2018.
mostram as unidades produzidas
por faixa em cada setor censitário,
Tuca Vieira
Marabá, 2013
Da série Viagem ao Brasil
Fotografia
Carol Quintanilha
concreto-armado, 2014
Fotografias
entrevista: 278
Drauzio Varella

Drauzio Varella (São Paulo, 1943) é


médico cancerologista e escritor.
Formado pela Universidade de
São Paulo (USP), trabalhou como
voluntário em presídios como o
extinto Carandiru, em São Paulo.
Foi um dos fundadores do Curso
Objetivo e um dos pioneiros
na pesquisa do tratamento
da Aids no Brasil. Tornou-se
presença constante na mídia,
falando de saúde à população
em programas de televisão e
rádio. Seus diversos livros, entre
eles Estação Carandiru (1999),
revelam conhecimentos que se
estendem de medicamentos da
floresta Amazônica à situação
carcerária brasileira.
Muros

Quais os maiores desafios da


saúde pública nacional frente
ao desenvolvimento urbano das
cidades brasileiras?
O Brasil experimentou um processo
de urbanização muito rápido e maciço.
Lidamos até hoje com as consequências.
Durante a Segunda Guerra Mundial
estávamos com 70 a 80% da população
no campo; hoje essa relação é invertida.
Essa urbanização aconteceu sem nenhum
planejamento, cidades incharam do
centro para a periferia. Nos anos 1950 e
1960 houve um grande boom do mercado
imobiliário em São Paulo; muitas pessoas
vinham do Nordeste e conseguiam
emprego imediatamente.
Quando fui residente no Hospital
das Clínicas, via a consequência
dessa urbanização desenfreada: uma
mortalidade infantil altíssima. Em um
plantão de doze horas perdiam-se quatro
crianças ou mais. Antes da criação do
Sistema Único de Saúde (SUS) pela
Constituição de 1988, pessoas sem
carteira assinada não tinham direito à
assistência médica, eram consideradas
indigentes. O SUS foi uma revolução,
levou medicina ao país inteiro. O Brasil é
o único país do mundo com mais de 100
milhões de habitantes que ousou oferecer
assistência médica gratuita para toda a
população. Conseguimos avanços muito
grandes, mas com essa urbanização é
muito difícil atender todas as demandas.
A escala do país é o maior desafio.
Temos problemas organizacionais e falta
gestão adequada.

Evidências

Quais reflexos da precariedade


habitacional e infraestrutural em
favelas e periferias podem ser
percebidos no sistema público
de saúde?
Como as periferias crescem sem
projeto urbanístico, fica difícil levar
água e saneamento básico. Por que Comportamento e micropolítica
duplicamos a expectativa de vida no
século 20? Saneamento básico, vacinas Qual é a conexão entre condição
e antibióticos, os três grandes avanços habitacional e violência urbana? Qual
da saúde pública no século. Mas metade é o impacto da falta de oportunidades
da população brasileira, aquela que vive de trabalho nas periferias sobre o
nas periferias, ainda não tem acesso índice de criminalidade das grandes
ao saneamento básico. Então temos cidades brasileiras?
doenças causadas por diarreias infantis, O principal problema é que quanto
complicações infecciosas. Precisamos mais pobre, mais crianças. Hoje,
de uma organização muito complexa no muitas mulheres têm filhos com trinta
sistema de saúde para atender os dois e tantos anos, no limite da fertilidade,
tipos de necessidades: das doenças porque quiseram ter uma carreira. É o
crônicas e das doenças agudas e oposto do que acontece nas periferias.
transmissíveis. Na penitenciária feminina, encontro
mulheres de trinta anos já com sete,
oito filhos. Começam a engravidar com
Efeitos colaterais treze e vão tendo um depois do outro.
Tem mulher de vinte oito anos que é
Quais são os efeitos da segregação avó; tem mulher de quarenta com três
social entre centro e periferia e das bisnetos. Vocês também venderiam
longas jornadas de deslocamento entre drogas nessas circunstâncias. Qual é
casa e trabalho para a saúde – física e a alternativa? Você para de estudar. Os
mental – da população de baixa renda? homens desaparecem completamente.
Houve um tempo em que tínhamos Em casas de periferia, tipicamente vemos
grandes dificuldades de acesso à uma senhora de cinquenta anos que
alimentação adequada no Brasil; hoje parece ter oitenta, uma ou duas filhas,
o problema maior é a obesidade. Há e os netos. A aposentadoria da senhora
muitas mulheres e homens obesos nas sustenta a família. Qual o futuro dessas
periferias. Primeiro, porque carboidrato crianças? A mãe trabalha, fica o dia
é mais barato que proteína. Segundo, inteiro fora, chega em casa às 10:00 da
porque muitos levam uma vida que noite. A criança fica na rua.
não deixa tempo para fazer exercício. Temos três fatores de risco,
Pegam o trem, duas horas pra chegar no cientificamente demonstrados, quando
trabalho, duas horas e meia pra voltar; falamos em violência urbana: primeiro,
chegam 9:30 da noite e dormem. No dia uma infância em que a criança foi
seguinte trabalham cedo. No domingo abusada ou não teve carinho; segundo,
de folga, os homens aproveitam para adolescente criado sem controle, sem
dormir, porque estão cansados, e as limites; terceiro, convivência com pais
mulheres faxinam a casa. Essa estrutura violentos. Isso é uma grande realidade
é muito insalubre, porque não sobra nas periferias. É até estranho não termos
tempo para cuidar da própria saúde. A mais violência no Brasil. Encontramos
pessoa só tem o fim de semana livre, violência em todas as camadas sociais,
quando as unidades básicas de saúde mas nas camadas mais pobres ela cria
estão fechadas. Se começa a ter algo características epidêmicas – é o que
mais crônico, como pressão alta, é difícil estamos vivendo agora. No Brasil, 25%
marcar uma consulta durante a semana, dos jovens entre 18 e 25 anos não estudam
por medo de faltar ao trabalho e perder o nem trabalham. Essa molecada fica
emprego. Os cuidados com a saúde vão parada na esquina conversando, fumando
sendo negligenciados e no fim a pessoa maconha. Você para em uma rodinha para
tem complicações mais graves. conversar e eles só falam de jeans, de
menina, de moto, de óculos escuros, esse vê aquelas casinhas todas iguais, sem
é o universo deles. Jovens que vêm de uma única praça. Dar apenas uma casa
famílias pobres com muitos filhos viram é muito pouco. Quais são as condições
uma massa de manobra para o crime mínimas para a habitação? Ter uma casa,
organizado. Temos aí todas as sementes um espaço de lazer, escola próxima – para
para a explosão da violência. as crianças não terem de se deslocar
pela cidade –, unidades de saúde, uma
unidade do Programa de Saúde da
Experiência disciplinar Família, saneamento básico. Tudo tem que
vir junto. É o mínimo de estrutura pública
Considerando sua experiência no necessário. A moradia tem de ser parte de
sistema carcerário, como a superlotação um projeto maior, e não um fim.
dos presídios se relaciona com a vida
nas periferias e com a política de guerra
às drogas?
A principal causa da criminalidade é a
falta de perspectiva. A superlotação é
diretamente ligada à guerra às drogas. Na
penitenciária feminina daqui, 60 ou 70% de
1200 mulheres foram presas por tráfico. O
tráfico é uma forma de ter boas condições,
poder criar os filhos direito, dar o que
pedem. Hoje o crime organizado domina as
cadeias; essas mulheres saem de lá mais
conectadas. Na cadeia, encontros entre
pessoas de diferentes localidades, que
não se conheceriam fora dali, permitem
a formação de uma organização criminal.
Ao sair, a maioria das ex-presidiárias volta
ao tráfico, pois como conseguir emprego
com uma passagem pela cadeia? Não
temos programas sérios de inserção
social. Algumas que conseguiram guardar
dinheiro vão para pequenos negócios,
compram uma carrocinha ou um barzinho.
Mas isso é incomparável ao dinheiro que a
droga gera.

Potencial transformador

Qual é a perspectiva dos programas


governamentais de habitação e saúde
pública serem pensados de forma
integrada, para estimular a melhora
da qualidade de vida nas cidades e o
combate à violência?
Os programas habitacionais parecem
se limitar a pegar uma área da cidade e
fazer casinhas ou prédios e acabou, né?
Você viaja de avião, ou pela estrada, e
559 KM 315 KM

E STA D O D E S ÃO PA U LO

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Habitando a Casa ou a Cidade?
Acesso a moradia
Municípios com 100.000 ou
mais habitantes
Número de unidades habitacionais
MCMV
Vulnerabilidade social
Áreas não-urbanas
Município de São Paulo
Formas de Elisabete 284
morar no França
século 21:
minha casa é
minha cidade

A produção de moradia em grande escala se transformou


em questão social em fins do século 19, primeiramente em
resposta às condições insalubres das cidades europeias
onde se instalaram as atividades industriais – e para as
quais afluíam a população vinda do mundo rural, em
busca de emprego e melhores oportunidades. Eram os
primeiros fluxos populacionais para as cidades modernas,
desconhecidos até aquele momento.
Na segunda década do século 20, a Europa enfrentou
a Primeira Guerra Mundial, que dividiu os antigos
impérios, dizimando cidades e populações; apenas duas
décadas depois, teve início a segunda grande guerra,
que transformou o continente em campo de batalha e
obrigou milhões de pessoas a se deslocarem de suas
regiões de origem. Ao final desse período conturbado, e
em consequência da destruição que devastou as grandes
cidades europeias, os governos do pós-guerra se viram
obrigados a buscar soluções visando a produção de
habitação em escala industrial.
Várias dessas experiências nos servem de referência
até hoje, sobretudo aquelas em que a habitação,
considerada parte importante para a reconstrução
da cidade, era integrada a uma série de serviços para
atender às necessidades dos moradores. A produção em
escala tinha como pressuposto projetos de qualidade,
que respondessem a formas de habitar adequadas à
sociedade moderna.
Ao lado das boas práticas que foram desenvolvidas,
principalmente nas cidades europeias, outras fracassaram,
principalmente em decorrência de construções de baixa
qualidade, da multiplicação de projetos padronizados e
sem identidade, e da opção pela localização das moradias
nas bordas das cidades, o que obrigava a população a
fazer deslocamentos significativos.
O conjunto das experiências desenvolvidas nos
países europeus nos dois períodos de pós-guerra, com
ramificações nos Estados Unidos, permitiu criar uma
plataforma de conhecimento e aprendizado sobre as good
and bad practices (práticas boas e más). Se, por um lado,
as primeiras experiências europeias de construção em
grande escala mostraram ser possível inserir a habitação
social no território urbano de forma integrada com uma
série de serviços públicos, por outro, o exemplo dos
conjuntos habitacionais que se multiplicaram pelas
cidades do chamado bloco soviético, bem como os
projects implantados em várias cidades norte-americanas,
mostravam como resultado a formação de enclaves
isolados, separados da cidade mesmo que por barreiras
imaginárias, relacionadas a diferenças sociais e raciais.
As moradias concentradas nesses conjuntos não se
integravam aos serviços essenciais à vida nas cidades,
sobretudo de educação e saúde. Em consequência, eram
estigmatizadas como algo que não fazia parte da cidade,
ou que representava um perigo.
Em geral, esses conjuntos habitacionais buscavam
seguir os padrões definidos pelo movimento moderno:
grandes blocos residenciais separados por espaços
verdes e públicos, espalhados entre as quadras. Com o
passar dos anos, esquecidos pelo poder público, eles
foram se deteriorando, em especial aqueles construídos
com materiais de baixa qualidade; e viram aumentar os
índices de violência e consumo de bebidas e drogas,
principalmente entre jovens e adolescentes.
O resultado da experiência dos grandes conjuntos
foi bem ilustrado quando o arquiteto norte-americano
Charles Jencks anunciou que “a arquitetura moderna”
tinha morrido “em St. Louis, Missouri, em 15 de julho
1. Charles Jencks, The Language of de 1972, às 15h32 ”,1 no momento exato da implosão das
Post-modern Architecture. Nova 33 torres do empreendimento habitacional Pruitt-Igoe.
York: Rizzoli, 1984. Tradução nossa.
Acreditava-se que esse modelo – tão caro aos arquitetos
herdeiros dos conceitos dos primeiros Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs),
influenciados pelas ideias de Le Corbusier – pudesse
ser substituído por novas formas de produzir moradias,
sobretudo quando destinadas a famílias de baixa renda.
Infelizmente, o anúncio de Jencks não se transformou
em realidade e, em pleno século 21, muitos países
continuam adotando padrões similares às bad practices
do passado. No Brasil, onde a tradição moderna
teve e continua tendo forte influência, os primeiros
conjuntos habitacionais de grande porte, implantados
na década de 1950, ilustravam um desejo dos
arquitetos de aplicar os melhores padrões da tradição
modernista a seus projetos. Entre vários exemplos, o
Conjunto Habitacional Pedregulho, promovido pelo
Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal, 286
sob a direção da engenheira Carmen Portinho, e
projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy em 1947,
é a maior referência dessa produção, que se destaca
pelos elementos que notabilizaram internacionalmente
a arquitetura moderna brasileira.
Essa trajetória de bons projetos habitacionais, que
apenas se iniciava, foi interrompida com o advento do
regime militar instalado no país a partir de 1964. A criação
do Banco Nacional da Habitação (BNH), que propunha
transformar em realidade o “sonho da casa própria” das
camadas médias e de baixa renda, foi uma das estratégias
centrais do novo governo, voltada a atrair o apoio de
setores da sociedade para o seu projeto autoritário.
Desse período, resultou a construção massiva de
conjuntos habitacionais que primavam, em geral, pela
baixa qualidade construtiva, reprodução de tipologias
inadequadas para os territórios onde eram implantados e
despreocupação com especificidades locais, como clima,
e com o uso de materiais apropriados a cada região. O
sonho da casa própria trazia em seu bojo, como se fazia
crer à época, o aquecimento da economia, em função dos
recursos injetados na construção civil e dos milhares de
empregos gerados.
Geração de empregos e recursos infinitos: os mesmos
mitos relacionados às grandes obras de engenharia
haviam sido usados quando da construção de Brasília.
Inflação, corrupção e deslocamentos populacionais,
subprodutos do mito dos grandes projetos como redenção
para as mazelas do país, nos perseguem até hoje.
Nos quase vinte anos do BNH, mais de um milhão de
moradias foram entregues a famílias de baixa renda,
a maioria delas rapidamente integradas a enclaves
isolados do conjunto da cidade. Morando longe das
áreas centrais, as famílias se viram obrigadas a fazer
deslocamentos diários e cansativos – longos percursos
de transporte público, nem sempre oficial – para acessar
seus empregos ou equipamentos públicos como
escolas e postos de saúde. Ainda sob a influência da
tradição modernista, os conjuntos do BNH pretendiam
corresponder a apenas uma das funções da Carta de
Atenas: o morar. Assim, espaços para a implantação de
comércio e serviços não eram permitidos, obrigando
os moradores a se deslocar para adquirir produtos do
dia a dia, ou resultando na implantação de comércio e
serviços irregulares, que se reproduziram aos milhares
nos espaços livres dos condomínios.
Em pouco tempo, os conjuntos do BNH foram se
transformando em espaços da exclusão simbólica tão
comum às cidades brasileiras: uma parte do território
urbano que não é considerado como tal.
Mais uma vez, um elenco de lições poderia ter sido
extraído dos resultados da adoção dessa forma de
produzir moradias. Um mesmo modelo, centrado em uma
mesma solução, para todo o país: conjuntos implantados
em terrenos baratos, em regiões distantes dos centros,
que se opunham à cidade existente. No modelo adotado
pelo BNH, o princípio da integração da moradia à cidade
não era uma das diretrizes; o projeto voltava-se apenas à
construção massiva de unidades habitacionais.
Alguns conjuntos habitacionais produzidos manu
militari tornaram-se representativos dos erros cometidos
nesse período: Cidade de Deus e Vila Kennedy, no Rio
de Janeiro, e Cidade Tiradentes, em São Paulo. Cada um
deles foi habitado por milhares de pessoas, que eram
obrigadas a fazer deslocamentos diários de várias horas
para ter acesso a qualquer um dos benefícios oferecidos
pela cidade: emprego, serviços de saúde e educação e
atividades da vida cotidiana, como comércio e lazer.
Ao contrário da solução encontrada para o Pritt-Igoe,
os conjuntos produzidos na época do BNH, com o passar
dos anos, viram aumentar sua população moradora, e se
tornaram bairros cada vez mais precários, isolados da
vida urbana. Os moradores, a seu modo, buscaram reduzir
as deficiências desses enclaves, procurando alternativas
para transformá-los em algo próximo de uma cidade.
Começaram ampliando suas casas – muitas passaram
a ocupar todo o lote – sempre que fosse necessário
para a implantação de um comércio ou serviço local. Na
sequência, vislumbraram a possibilidade de verticalizar
as habitações, construindo uma, duas ou três novas lajes
sobre elas – para abrigar famílias que cresciam ou novos
núcleos que surgiam, ou para gerar renda extra, oferecidas
ao mercado de aluguéis.
Em certa medida, esses bairros mantiveram sua
condição de territórios isolados da cidade, como
consequência da precariedade dos serviços públicos;
não raro, permaneceram ausentes dos cadastros oficiais
da cidade. Uma das consequências mais dramáticas
dessa forma de produzir moradias foi o crescimento
exponencial dos índices de violência urbana, ao mesmo
tempo que aumentavam as dificuldades de acesso
à educação de boa qualidade e às oportunidades de
inserção no mercado de trabalho.
Com raras exceções, a produção habitacional desse
tempo – de triste memória na história brasileira – apenas
ampliou as barreiras imaginárias que separam os ricos dos
mais pobres, que ainda hoje buscam se integrar à cidade.
E, apesar dos resultados constatados, mais uma vez,
nenhuma lição foi aprendida.
Ao contrário do que imaginavam os estrategistas do
regime militar, o crescimento das cidades continuou
a ocorrer em escala progressiva, acompanhado pela 288
precarização urbana. Enquanto a propaganda alardeava
o acesso dos mais pobres ao sonho da casa própria, os
resultados da produção habitacional financiada com
os recursos administrados pelo BNH atenderam a uma
parcela mínima da população.
O sonho rapidamente se transformou no pesadelo
das dívidas do financiamento, que só aumentavam, em
função da inflação e das várias crises econômicas das
décadas de 1970 e 1980, em paralelo à precarização
dos conjuntos. O pesadelo se estenderia ao conjunto
das cidades que viam crescer em seus territórios o
número de favelas, classificadas pelo discurso oficial
como “subnormais”, “espontâneas”, “não controladas”,
“informais” ou “marginais”. Essa foi a forma de
ocupação do território encontrada pelos contingentes
populacionais que migravam para as cidades, e passou
a compor a paisagem urbana brasileira, como retrato de
um processo de urbanização não inclusivo e desatento
aos mais pobres.

SÉCULO 21: PRÁTICAS ANTIGAS COM NOVAS FORMAS

E com esse quadro urbano, chegamos ao século 21. Desde


o início dos anos 1980, voltamos a ser governados por um
regime democrático, com uma Constituição aprovada em
1988. A população urbana atingiu a marca de 80% do total
do país. As regiões metropolitanas abrigam milhões de
pessoas, com São Paulo e Rio de Janeiro ultrapassando a
dezena de milhões, seguidas por Belo Horizonte, Brasília
e outras. Todas com demandas impossíveis de serem
atendidas a curto ou médio prazo pelo poder público,
todas com déficits acumulados de infraestrutura e
equipamentos públicos.
Nesse processo de expansão urbana, as áreas
ocupadas pela população de baixa renda vão se
estendendo para territórios ambientalmente vulneráveis,
como faixas de preservação de córregos, morros
com declividades acentuadas e áreas com vegetação
protegida e mananciais hídricos. Além da fragilidade
ambiental desses terrenos, a falta de redes de coleta de
esgoto domiciliar contribui para agravar a condição das
ocupações precárias, resultando em altos índices de
poluição das águas urbanas.
Nesse quadro de fragilidade e precariedade crescentes,
o governo brasileiro optou, em 2009, por retomar o modelo
do BNH, concentrando esforços e recursos na produção
massiva de conjuntos habitacionais, no que se transformou
no programa Minha Casa Minha Vida. O nome já indicava
a estratégia adotada na configuração do projeto: produzir
moradias em grande escala, visando atender às famílias de
baixa renda, com altos subsídios permitidos pela captação
de recursos do orçamento federal – mas principalmente
do FGTS – e, ao mesmo tempo, atrair o apoio da população
para a plataforma política do partido escolhido para dirigir
o país em 2002, bem como dos demais grupos integrantes
de seu projeto político.
À semelhança dos projetos implantados pelo BNH,
repete-se a mesma fórmula na concepção das moradias
do novo programa oficial: implantação de conjuntos
habitacionais em áreas distantes dos centros das cidades,
em consequência da pequena oferta de terrenos com
baixo custo em áreas mais centrais; qualidade construtiva
que não resiste ao tempo; e adoção de tipologias nem
sempre adequadas às condições locais.
Como resultado, os problemas se sucedem, em
relação tanto à qualidade das construções quanto
aos déficits de equipamentos e de mobilidade que as
prefeituras têm herdado, sem condições financeiras
de atender. Em fevereiro de 2017, o Ministério da
Transparência divulgou um levantamento que apontava
problemas construtivos em 48,9% dos imóveis da faixa 1
do programa, destinados a famílias que ganham até dois
salários mínimos. Também foram apontados problemas
relacionados à falta de equipamentos comunitários,
falhas na drenagem e na rede de esgotamento sanitário
e calçadas e iluminação pública deficitárias.
Além dos problemas construtivos, os moradores
enfrentam as velhas questões relacionadas à mobilidade
urbana: acessar equipamentos públicos e empregos exige
grandes deslocamentos diários. Em muitos casos, as
novas moradias são abandonadas e as famílias retornam a
seus antigos bairros, muitas vezes favelas, em geral mais
próximas dos serviços urbanos básicos.
De acordo com a propaganda em torno do programa,
ele é o maior da história da República, com investimentos
da ordem de US$ 120 bilhões entre 2009 e 2017. É
importante destacar que apenas 21,4% desse valor foi
destinado às famílias de baixa renda, a chamada faixa 1.
Mais uma vez, investe-se em um programa habitacional
único, cujo retorno será um déficit de serviços e
problemas para as cidades.
Assim como o BNH, o programa MCMV não se mostrou
sustentável como modelo para suprir a demanda por
novas habitações e sequer reduziu os números do déficit
habitacional do país. Tampouco contribuiu para diminuir o
número de favelas ou de famílias vivendo em situação de
risco. Números mais recentes apontam o crescimento da
verticalização nas favelas existentes, também como efeito
perverso da crise econômica que teve início em meados
da década de 2010.
Em um período de cinquenta anos de nossa história, 290
os governos optaram duas vezes pela produção massiva
de conjuntos habitacionais como forma de atrair setores
da sociedade, em especial aqueles de renda mais baixa,
para o sonho da casa própria, sempre apoiados pelos
segmentos que se beneficiam dessa política, dependendo
de um aporte significativo de recursos financeiros. Ambas
as vezes, a sociedade viu seu sonho se transformar em
um revés que pode ser ilustrado pela realidade cotidiana
desses territórios apartados da cidade: um quadro de
carências generalizadas, agravado pelo crescimento da
violência relacionada a grupos criminosos quase sempre
vinculados ao tráfico de drogas.

QUEBRANDO BARREIRAS:
NOVAS FORMAS DE PRODUZIR MORADIAS E CIDADES

Nas duas últimas décadas, as cidades brasileiras viram


crescer desigualdades que resultam em um cenário de
territórios marcados por uma indesejável segregação
social. Para enfrentar o desafio de transformar territórios
excluídos, temos que romper corajosamente com a lógica
da solução única, tão ao gosto das políticas oficiais.
A cidade do novo século, essa que conhecemos e na
qual realizamos nossos melhores desejos, foi construída,
em parte, observando-se esses parâmetros oficiais.
Outra parte dessa mesma cidade, porém, foi erigida
por seus próprios moradores, que, desprovidos dos
mecanismos de acesso à moradia oficial, construíram
suas casas em locais que não despertavam o interesse
da cidade oficial. Aos poucos, e com esforços coletivos,
implantaram a infraestrutura necessária para atender às
suas necessidades imediatas; só tardiamente o poder
público foi atendendo às demandas prioritárias desses
bairros pobres.
O que nos serve de lição para seguir na busca de
soluções habitacionais é a maior riqueza encontrada
nesses territórios, constituída pelas redes sociais que os
moradores estabelecem e que lhes permitem sobreviver
às dificuldades de seu cotidiano. Para esses bairros
e seus moradores é que devem ser dirigidos todos os
esforços na construção participativa de uma política
pública habitacional diferente daquelas que foram
adotadas até aqui. Uma política de longo prazo, que
reconheça a diversidade de nossos problemas urbanos
e seja composta por soluções várias, capazes de atender
a cada problema identificado nas cidades; que reative
os programas de urbanização de favelas, vinculados à
produção de novas moradias para atender às famílias
em situação de risco; que invista no aproveitamento do
parque habitacional localizado nas áreas centrais, bem
como incentive a produção de moradias nessa região; que
priorize a regularização desses bairros, fazendo com que
constem nos cadastros oficiais.
Os muros imaginários só desaparecerão em um cenário
de diversidade e de aposta na construção coletiva de
soluções que respeitem a diversidade existente nos vários
territórios que compõem a riqueza de cada uma das
nossas cidades.

Elisabete França (Curitiba, 1956)


é PhD em arquitetura. Atua há
três décadas na coordenação
de programas habitacionais,
ambientais e de desenvolvimento
urbano no município e no Estado
de São Paulo. Entre outros
trabalhos, publicou Arquitetura
em retrospectiva: 10 Bienais de
São Paulo (2017), pesquisa que
teve início em 2002, quando foi
curadora do Pavilhão Brasileiro
na Bienal de Veneza.
Os invisíveis Raquel 292
da cidade e os Rolnik
muros que os
confinam

Agosto de 2016. Em pleno processo de votação do


impeachment da presidente Dilma Roussef, a Caixa,
banco público encarregado da operação do programa
Minha Casa Minha Vida, anuncia que, ao longo de sete
anos, já contratou 4,5 milhões de moradias e entregou
3 milhões de unidades em 96% dos 5570 municípios de
todo o país.1 1. “Minha Casa Minha Vida vai
Mais de mil casas por dia, distribuídas pelas cidades ultrapassar a marca dos 3 milhões
de unidades entregues”, Agência
e zonas rurais do Brasil, em um programa voltado a
Caixa de Notícias., 01 ago. 2016.
famílias de baixa renda, com níveis de subsídio que Disponível em: www20.caixa.gov.
chegam a 96% do valor dos imóveis. Nunca antes, na br/Paginas/Noticias/Noticia/
história do país, um programa havia ganhado esta Default.aspx?newsID=3943.
escala e velocidade. Em sete anos, foram produzidas e Acesso em 13 mar. 2018.
entregues mais moradias do que nos 22 anos de história
do Banco Nacional de Habitação (BNH), constituído em
plena ditadura militar. Além disso, as moradias do Minha
Casa Minha Vida foram direcionadas a faixas de renda
mais baixas, se comparadas às políticas habitacionais
históricas do país.
2. Alessandra Duarte e Carolina
Janeiro de 2013. Cristine, moradora do Vivenda das Benevide, “Sem transporte
Patativas, conjunto do Minha Casa Minha Vida na estrada para Minha Casa Minha Vida”,
do Campinho, zona Oeste do Rio de Janeiro, acabou O Globo, 07 jan. 2013. Disponível
perdendo o emprego num mercado em Nova Iguaçu após em: oglobo.globo.com/brasil/
se mudar para o conjunto: “Achavam que a passagem semtransporte-para-minha-
casaminha-vida-7224679. Acesso
ia ficar muito cara. Para ir pra lá, eu tinha que pegar três em 13 mar. 2018.
ônibus. Meu marido trabalha na Barra, tem que pegar um
ônibus até Campo Grande e outro de Campo Grande até 3. Caio Santo Amore, “Minha Casa
lá”. Carolina, outra moradora, acrescenta: “Ônibus, por Minha Vida para iniciantes”, in
aqui, só até 23h30. Depois, só van”.2 Caio Santo Amore, Lúcia Zanin
Na introdução de um livro que consolidou o resultado Simbo, Maria Beatriz Cruz Rufino
(orgs.), Minha casa… e a cidade?
do trabalho de onze grupos de pesquisa em distintas
Avaliação do programa Minha
regiões do país, articulados pela Rede Cidade e Moradia, Casa Minha Vida em seis estados
o programa Minha Casa Minha Vida foi apresentado brasileiros. Rio de Janeiro: Letra
assim por Caio Santo Amore:3 Capital, 2015.
Suponhamos um brasileiro que tenha vivenciado
os anos de luta contra a ditadura militar, assistido à
rápida e concentrada urbanização e à emergência
dos movimentos sociais urbanos. Que tenha
acompanhado a política rodoviarista que incentivou
o crescimento urbano horizontal e espraiado, a
política habitacional autoritária do BNH, que
beneficiou amplamente as classes médias e que
construiu conjuntos habitacionais populares de
baixa qualidade em áreas periféricas, e a política
habitacional “real” que relegou as populações de
menor renda a favelas e loteamentos precários.
Suponhamos que este brasileiro tenha entrado em
estado de coma em 1986, isolando-se, portanto, de
qualquer notícia sobre o Brasil e o mundo, e que
tenha voltado à vida apenas em meados de 2014.

De cara, ele receberia uma avalanche de notícias:


saberia do processo constituinte e da Constituição
Cidadã; do primeiro presidente eleito de forma direta
depois de mais de duas décadas, e que se viu obrigado,
no meio de seu mandato, a renunciar ao cargo depois
de forte pressão popular; de seus sucessores, todos
com duplo mandato: o professor-sociólogo, o operário
que liderava as greves nos anos 1980, a militante da
luta armada nos anos da ditadura. Seria informado
das mudanças da moeda, dos anos de recessão, dos
níveis de desemprego alarmantes no início dos anos
1990, que fizeram explodir a violência nas vilas e favelas,
do descontrole/controle da inflação, da retomada do
crescimento. Provavelmente se assustaria com os
83% de nossa população vivendo nas cidades, e lhe
contariam como os problemas urbanos se agravaram:
trânsito, violência, poluição, ocupação de áreas de
proteção ambiental, precariedade e falta de moradia.
Seria informado de que, na sua “ausência”, o BNH foi
extinto, a política urbana e habitacional se pulverizou
pelos estados e municípios e só depois de dezessete
anos foi criado um ministério para lidar com as cidades.
Contariam a ele que um programa habitacional
lançado em 2009 ganhou uma escala e velocidade
jamais vistas, e que a produção habitacional ganhou
escala industrial. […]
Possivelmente, depois do espanto, depois de
imaginar que uma revolução urbana tenha ocorrido
no Brasil ou que, finalmente, um pacto socioterritorial
de inclusão dos trabalhadores tenha finalmente
se realizado entre nós, se nosso brasileiro tivesse
a possibilidade de percorrer nossas cidades e,
particularmente, suas periferias, ele talvez questionasse
4. Id., pp.11-12. até que ponto isto de fato teria ocorrido. […]4
A análise e compreensão de um programa 294
habitacional das dimensões do Minha Casa Minha Vida
requer uma observação ampla e cuidadosa do desenho
político e financeiro e de seus impactos indeléveis sobre
as cidades, que ultrapasse a análise mais imediata
das quantidades ou das aparências urbanísticas e
arquitetônicas dos empreendimentos. O Minha Casa
Minha Vida é, antes de tudo, uma “marca”, sob a qual
se organiza uma série de subprogramas, modalidades,
fundos, linhas de financiamento, tipologias
habitacionais, agentes operadores e formas de acesso
ao produto “casa própria”, esta sim uma característica
que unifica as diferentes experiências.
O Minha Casa Minha Vida é, na origem, um
programa econômico. Foi concebido pelos ministérios
da Fazenda e da Casa Civil, em diálogo com o setor
imobiliário e da construção civil, e lançado como
Medida Provisória (MP 459) em março de 2009, como
uma forma declarada de enfrentamento da chamada
crise financeira hipotecária que pouco antes havia
provocado a quebra de bancos e impactado a economia
financeira mundial. O Ministério das Cidades teve,
nesse momento, um papel bastante lateral. Estava,
desde 2003, em um processo muito mais cuidadoso
de construção política de um sistema de cidades e de
habitação de interesse social. Tentava implementar
o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
(SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (FNHIS) – nascidos do primeiro projeto de lei de
iniciativa popular, apresentado ao Congresso Nacional
em 1991 e aprovado em 2005 – e conduzia um processo
participativo de elaboração de um Plano Nacional de
Habitação. Mas o governo optou por acolher a proposta
do setor da construção, que, ameaçado pela crise, já
havia, por meio da abertura de seu capital, entrado no
mercado financeiro global, apostando no potencial
econômico da produção de habitação em massa. Numa
iniciativa de caráter anticíclico, previa gerar empregos
num setor da economia capaz de mobilizar diversos
outros setores associados, desde a indústria extrativista
e produtora dos materiais básicos da construção civil
até a indústria moveleira e de eletrodomésticos, que é
ativada no momento da entrega das chaves. […]5 5. Id., p.15.
As apresentações oficiais que acompanharam o
lançamento do programa se apoiavam nos dados
quantitativos do déficit habitacional – àquela altura
calculado em 7,2 milhões de moradias, 90% delas
concentradas nas faixas de renda inferiores a três
salários mínimos, 70% nas regiões Sudeste e Nordeste,
quase 30% nas regiões metropolitanas – para afirmar
que o MCMV o reduziria em 14%. De um milhão de
unidades inicialmente prometidas, 400 mil (40% da
meta) deveriam ser destinadas a famílias com renda de
até três salários mínimos, o que se viabilizaria com o
aporte de 16 bilhões de reais em recursos da União (70%
de todo o investimento).
O Programa fazia uma leitura bastante simplificada
do problema habitacional, reduzindo a política à
produção de unidades novas, a cargo de construtoras
privadas que, obedecendo aos requisitos mínimos,
ficariam encarregadas de comprar os terrenos e
6. Id., p.17. desenvolver os empreendimentos.6

Para as construtoras, o governo garantiria compradores,


já que os futuros moradores poderiam mobilizar os
financiamentos e subsídios disponíveis; promovia-se, assim,
um negócio sem risco. O programa atribuiu o poder de
decisão sobre a localização e o desenho dos projetos aos
agentes privados. No entanto, o critério para orientar as
decisões desses agentes não poderia ser outro que não o
da rentabilidade. Considerando que o teto dos preços e as
dimensões das unidades estão previamente estabelecidos,
o lucro do empreendedor se baseia na economia de custos
feita no processo de produção. Essa economia é obtida pela
padronização, pela escala (número de unidades reproduzidas),
pela rapidez de aprovação e construção e pelo menor custo
7. Lúcia Zanin Shimbo, Habitação possível com a compra do terreno.7 O resultado dessa
social de mercado: A confluência equação financeira é a construção de megaempreendimentos
entre estado, empresas
padronizados inseridos nas piores localizações das cidades,
construtoras e capital financeiro.
Belo Horizonte: C/Arte, 2012. isto é, onde o solo urbano é mais barato. A padronização
das tipologias habitacionais está em estreita relação com a
padronização do processo de produção, que envolve desde
a uniformização das medidas, materiais e componentes até
as formas de execução e gestão no canteiro. Isso explica,
por exemplo, como uma empresa pode ter produzido “40
mil unidades em um ano, seguindo apenas três tipologias
8. Id., p.211. habitacionais em mais de setenta cidades brasileiras”.8 A
padronização, tanto do tamanho das unidades como de seus
arranjos internos, tem como consequência a inadequação
ao tamanho das famílias e, sobretudo, a não flexibilidade
da moradia, que, ao longo do ciclo familiar, não permite
incorporar atividades econômicas ou acomodar parentes.
O tema da localização, por sua vez, está diretamente
relacionado aos efeitos que o aumento vertiginoso de
disponibilidade de crédito, e o crescimento da renda
tiveram sobre os preços fundiários, principalmente nas
grandes cidades. Considerando que, na maior parte das
cidades brasileiras, empregos, serviços e oportunidades
econômicas e culturais se concentram em pequenas
parcelas dos territórios de média e alta renda, esses locais
conheceram uma verdadeira explosão de preços. Por essa
razão, os empreendimentos para a faixa 1 estão claramente
dispersos pelas periferias mais afastadas, próximas das 296
margens das cidades, em lugares não apenas distantes
das centralidades, mas também homogêneos do ponto de
vista social. Se o programa passou a atingir uma camada
da população que historicamente não era atendida pelas
iniciativas federais na área habitacional, não chegou a
interferir no lugar tradicionalmente ocupado por ela nas
cidades, reproduzindo o padrão periférico.
Trata-se da concentração de um conjunto expressivo
de empreendimentos de grande porte, com tipologia
padronizada, destinados a uma faixa de renda específica
e inseridos num tecido urbano monótono, com pouca
diversidade de usos – ainda que, agora, disponha de um
mínimo de equipamentos e serviços básicos no entorno
ou em bairros vizinhos.
Se, na escala urbana, a localização mantém a
invisibilidade da presença dos pobres, ao bloquear seu
acesso à cidade, na escala do bairro a forma do condomínio
fechado e murado, obrigatória para conjuntos verticais do
programa, reproduz enclaves fortificados sobre o tecido
urbano das periferias consolidadas. Esse tecido, que foi
constituído de forma fragmentada e desconexa, não é
transformado ou qualificado por essa política .
Por outro lado, a forma do condomínio murado exige
dos moradores o pagamento de uma taxa mensal de
manutenção. As entrevistas realizadas com moradores do
MCMV em cidades do estado de São Paulo demonstraram
que, embora o peso da prestação não seja relevante
em relação à renda, quando se adiciona o valor da taxa
condominial, o comprometimento médio já dá um primeiro
salto, passando para quase 40% da renda, na faixa 1. Em
muitos dos conjuntos pesquisados, a inadimplência com as
taxas condominiais e os conflitos decorrentes de problemas
com a manutenção, a cargo dos moradores/proprietários,
já anunciam uma perspectiva de possível colapso da
manutenção dos empreendimentos em poucos anos.
O peso das despesas dos moradores é ainda maior se
considerarmos os gastos com água, luz e gás. Esse impacto
afeta principalmente os reassentados, que sofreram
remoção forçada, uma vez que a nova moradia traz consigo
9. Raquel Rolnik, Guerra dos lugares:
gastos que muitos deles não tinham antes, por se beneficiar A colonização da terra e da
de ligações clandestinas de água e luz, por exemplo, e moradia na era das finanças. São
certamente por não arcar com taxas condominiais.9 Paulo: Boitempo, 2015.
Essa questão remete a outro efeito colateral do
programa: disponibilizar um instrumento para reassentar
famílias removidas em função de habitarem áreas de
risco ou de estarem no meio do caminho de grandes
projetos. O programa viabilizou políticas massivas de
remoção, reassentando moradores de diversas favelas em
grandes conjuntos nas franjas das cidades. Nesse caso,
os deslocamentos contribuíram claramente para “ajustar”
os valores do solo, retirando as famílias de baixa renda de
localizações mais centrais e reassentando-as em regiões
homogêneas de renda média domiciliar muito baixa.
Desde os tempos da Primeira República, as favelas
são vistas como lugares sem norma e nem lei e, portanto,
espaços propícios para acolher desordeiros, bandidos e
criminosos. Essa ideia termina justificando, por exemplo,
que a polícia entre nas casas de moradores de favelas
arrebentando tudo, atirando e deixando vítimas pelo
caminho. Essa ideia alimenta uma outra, repetida há
pelo menos cinquenta anos no Brasil: a de que cabe à
política habitacional retirar os moradores desses lugares
e realocá-los em conjuntos habitacionais murados,
formalizados, regularizados e ordenados pelo mercado,
com pouco ou nenhum diálogo com os envolvidos, a
partir de um modelo que reafirma a exclusão territorial e o
confinamento. Assim, apesar da enorme disponibilização
de recursos públicos e seu direcionamento para quem
mais precisa, os muros que definem o padrão de
segregação socioespacial das cidades brasileiras são
reafirmados e reatualizados pelo programa.

Este texto se baseia em uma pesquisa sobre o


programa Minha Casa Minha Vida realizada por uma
rede de equipes autônomas, que analisaram seus
diferentes aspectos a partir de projetos de pesquisa
aprovados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério das
Cidades, em edital lançado em 2012. A Rede Cidade e
Moradia incluiu, além dos objetos específicos de cada
grupo, uma perspectiva de análise comum: a questão
da inserção urbana dos conjuntos habitacionais. Foi
integrada pelos seguintes grupos LABCAM FAU-UFPA
(RM Belém e Sudeste do Pará); LEHAB DAU-UFC (RM
Fortaleza); LaHabitat DARQ – UFRN (RM Natal); Praxis
Escola de Arquitetura –UFMG (RM Belo Horizonte);
IPPUR-UFRJ (RM Rio de Janeiro); CiHaBe PROURB-
UFRJ (RM Rio de Janeiro); Polis-SP; NEMOS – CEDEPE
– PUC-SP (RM São Paulo / Osasco); LabCidade FAUUSP
(RM São Paulo e RM Campinas); IAU-USP São Carlos +
PEABIRU (RM São Paulo); IAU-USP São Carlos (Regiões
administrativas de São Carlos e Ribeirão Preto).

Raquel Rolnik (São Paulo, 1966) é urbanista, professora


de Planejamento Urbano da FAU-USP e coordenadora
do LabCidade. Livre docente e titular pela FAU-USP e
doutora pela New York University, foi coordenadora de
urbanismo do Instituto Pólis, diretora de Planejamento
Urbano da cidade de São Paulo, secretária de
Programas Urbanos do Ministério das Cidades e relatora
especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. É
autora dos livros O que é a Cidade, A Cidade e a Lei, São
Paulo: história conflito e território e Guerra dos Lugares:
a colonização da terra e moradia na era das finanças.
Minha casa, Marc Angélil 298
nossa cidade: e Rainer Hehl
sobre a
transformação
micropolítica
da oferta
de moradia
no Brasil

MINHA CASA MINHA VIDA

Com o slogan “Minha Casa Minha Vida” o governo federal


brasileiro lançou em 2009 um dos maiores programas de
moradia social do mundo, por um lado para lidar com a aguda
escassez de moradia, especialmente entre as famílias de baixa
renda, e por outro como política anticíclica no contexto da
crise financeira internacional. Embora o programa tenha tido
sucesso em resultados quantitativos e sido fundamental para
proteger a economia brasileira de um impacto mais profundo
na crise financeira global de 2008, a qualidade espacial e
a igualdade social engendradas pelos projetos das casas
resultantes são amplamente percebidas como deficientes.
O ambicioso projeto reflete as contradições entre
desempenho econômico e agendas sociais, e ilustra como
a resistência urbana e o desenvolvimento sustentável das
cidades só pode ser atingido por meio da integração de
movimentos micropolíticos. A maioria dos 3,64 milhões de
casas construídas desde o início do programa (IBGE, nov.
2017) foram idealizadas de cima para baixo, por instituições
estatais e empresas de construção em larga escala, sem
considerar necessidades locais específicas, o que resultou
em bairros-dormitórios monofuncionais e (mal) construídos
com base em modelos padronizados.
Consequentemente, o Minha Casa Minha Vida acabou
sendo implementado em todo o país de forma genérica,
desconsidendo os serviços urbanos e em locais remotos,
onde o terreno é barato. Embora o objetivo de transformar
populações de baixa renda em proprietários de um lar
tenha reduzido significativamente o deficit habitacional no
Brasil, o programa acabou favorecendo a fragmentação
urbana e a divisão social. A promessa de transformar a vida
dos brasileiros, ao dar-lhes uma moradia, negligenciou o
fato de que inevitavelmente casas acabam constituindo
cidades, e o modo como organizamos as relações sociais
e a vida coletiva. Mais do que isso, o programa também
exemplifica como a oferta de moradia é instrumentalizada
por agentes macropolíticos, em detrimento de movimentos
micropolíticos, no sentido de priorizar interesses individuais.
A bem da verdade, a dimensão micropolítica da produção
de moradia é particularmente relevante no que toca ao
domicílio privado, o lugar mais íntimo para a produção
da subjetividade. Mas, ao mesmo tempo, a unidade de
moradia individual é também constitutiva da esfera pública,
refletindo as condições macropolíticas. A questão da
moradia, portanto, sempre deve ser abordada por dois
lados: da perspectiva “de cima para baixo”, das instituições
e políticas governamentais, e do ponto de vista “de baixo
para cima”, da apropriação e da produção popular. No Brasil,
a dicotomia entre micropolítica e macropolítica é mais
explícita no contraste entre o ambiente vivo e autoproduzido
da favela e as unidades padronizadas dos programas
habitacionais do Estado. Enquanto a produção popular
reflete as aspirações e negociações das pessoas que vivem
no território, a oferta de moradias em larga escala pelo Estado
costuma seguir as modalidades dos fluxos de capital e dos
interesses corporativos presentes. Como esses modelos
aparentemente opostos influenciam a produção de meios de
vida? Como determinam a relação entre individual e coletivo,
e como influenciam nossa subjetividade? Como as condições
macropolíticas controlam o modo com habitamos a cidade,
e até que ponto podemos conceber a ação micropolítica
como um contraprojeto que se opõe à lógica dominante da
produção capitalista?
A premissa de que a casa determina o modo como
concebemos a sociedade como um todo tem um duplo
aspecto. As novas realidades urbanas, estabelecidas por
meio de modelos quantitativos para subordinar indivíduos
à lógica do capitalismo, não refletem necessariamente a
produção de subjetividades da população. Uma abordagem
inclusiva, que permitisse a coexistência de uma diversidade
de entidades sociais, dependeria de interações intensivas
entre a administração que age de cima para baixo e os atores
que agem de baixo para cima. Seria o principal motivo da
proliferação de muros invisíveis e fronteiras urbanas o fato de
que a macro e a micropolítica estão desconectadas?

CIDADE DE DEUS

Se olharmos para a história da construção de moradias no


Brasil, perceberemos que forças macropolíticas e impactos
micropolíticos sempre estiveram fortemente emaranhados.
O caso da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, é um exemplo
disso. Com o romance de Paulo Lins, ex-morador da
região, e o filme homônimo, que ficou internacionalmente 300
conhecido, o bairro foi estigmatizado como um gueto, a
típica favela dominada por facções criminosas e pela
decadência social. Na realidade, a Cidade de Deus não
começou como favela; era uma nova cidade, modelada como
uma espécie de protosubúrbio, e construída em meados dos
anos 1960 na periferia da zona Oeste do Rio, mais ou menos
da mesma maneira como o programa Minha Casa Minha
Vida se desenvolveria meio século depois.
Esse modelo de ocupação se originou nos Estados Unidos
e foi trazido para o Brasil no contexto da Aliança para o
Progresso, programa introduzido pelo presidente John F.
Kennedy em 1961 para estabelecer cooperações econômicas
com países latino-americanos. Havia ali objetivos geopolíticos,
e, entre eles, deter a onda comunista e promover reformas
políticas e econômicas por todo o continente. O programa
disseminou os princípios do capitalismo ao promover a ideia
da casa própria e oferecer condições decentes de vida como
meio de influenciar a classe média, agenda identificada
pelo historiador Gerald Haines como a “americanização do
Brasil”.1 O bairro foi concebido para acomodar no máximo 10 1. Ver Gerald K. Haines,
mil pessoas; constituindo uma solução formal para remover Americanization of Brazil: A Study
of U.S. Cold War Diplomacy in the
os moradores da favela do centro da cidade, concentrou os
Third World, 1945-1954. Lanham:
pobres em um local remoto, o que exigia longas viagens até Rowman & Littlefield, 1997.
os postos de trabalho próximos ao centro.
Para abrigar esses removidos, foram sugeridos dois
tipos de modelo: casas térreas típicas para famílias,
repetidas lado a lado, e blocos de apartamentos de cinco
andares sem elevadores, ou conjuntos, com unidades de
35 metros quadrados. Com o passar do tempo, cada vez
mais moradores foram se mudando para lá; além disso, a
migração do meio urbano para o rural exacerbou o dilema
de uma Cidade de Deus já superpovoada. As construções
ilegais logo vieram abrir espaço para os removidos,
disparando uma explosão de soluções irregulares, ad hoc,
que expandiam os padrões construtivos existentes. Os
espaços entre as construções foram preenchidos e
alpendres, agregados; comércios e oficinas se instalaram
ali, lajes e andares adicionais foram erguidos sobre as
casas originais. Tudo isso criou uma engenhosa colagem de
autoconstruções que basicamente retirou o verniz moderno
do projeto, reafirmando a cultura popular da informalidade.
A Cidade de Deus decaiu até se converter em uma espécie
de inferno do crime e das drogas nos anos 1980, após o fim
do regime militar. Tornou-se uma imensa favela, dominada
por uma aliança entre o crime organizado e a polícia
corrupta. Em relação à espiral do crime que assombrava
o local, buscou-se uma solução no final dos anos 2000,
com o emprego de uma força policial especial, formada
para pacificar a comunidade aflita e conquistar o apoio
dos moradores traumatizados por décadas de violência:
a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A tática funcionou
e produziu por algum tempo um bairro popular que, por
sua vez, oferecia um possível modelo de empoderamento
e reabilitação urbana. Segundo relatos recentes, porém,
a pacificação da Cidade de Deus teve vida curta. Devido
a cortes de orçamento e ao enfraquecimento da UPP, a
vizinhança acabou voltando às condições anteriores.

DÉJÀ-VU?

Parece até um déjà-vu quando comparamos a história da


Cidade de Deus e a das moradias do programa Minha Casa
Minha Vida. Construídas de maneira semelhante, ora com
casas suburbanas de uma família só, ora com condomínios
de cinco andares, a maioria das moradias novas começou
a se deteriorar em dois anos. É impressionante ver como
o programa também foi, ao mesmo tempo, financiado por
capitais estrangeiros, visando atrair investimentos e produzir
uma classe média consumidora emergente para a expansão
do mercado capitalista. Estaríamos hoje testemunhando
uma repetição da história da Cidade de Deus, multiplicada
por milhões de unidades e distribuídas ao longo de todo o
território do país?
A comparação pode não valer para todas as construções
recentes do programa Minha Casa Minha Vida na periferia
das cidades brasileiras. Mas uma observação mais atenta das
condições políticas anteriores e atuais revela, efetivamente,
outra semelhança surpreendente. Enquanto a implementação
de projetos massivos de moradia na periferia das cidades
nos anos 1960 deve ser lida no contexto do golpe militar e da
instalação de um regime de opressão, agora enfrentamos outro
tipo de tomada do poder pelas elites da indústria e do capital
financeiro, que ultrapassa em muito a escala e o impacto
das relações corporativas de poder. O que impressiona não
é apenas a quantidade de moradias de massa produzidas
atualmente, se comparada ao surto de meio século atrás;
parece também que o modo como o poder é exercido e
consolidado segue agora estratégias perversas, que vão além
do tipo de opressão direta e violenta que marcou a ditadura
militar. Com a ascensão do vice‑presidente Michel Temer
após o impedimento de Dilma Rousseff, a agenda política
brasileira se voltou radicalmente para os interesses de agentes
do mercado em larga escala e do capital de investimento
internacional. Enquanto uma aliança entre políticos corruptos,
juristas, elite financeira e mídia cimenta seu poder, alterando a
Constituição e afastando políticos da oposição com escândalos
e processos duvidosos, as agendas sociais e as instituições
democráticas vêm sendo sistematicamente destruídas.
A virada para um sistema autocrático que simplesmente
segue os interesses corporativos não vem só desfazendo
as conquistas que resultaram de décadas de mobilizações 302
e lutas sociais de baixo para cima. Segundo a psicanalista
e crítica cultural Suely Rolnik, a nova estratégia da elite
financeira também consiste em influenciar e manipular
diretamente o modo como a subjetividade é produzida.

Enquanto intensifica-se a operação macropolítica de


desmonte da Constituição e da economia nacional,
intensifica-se igualmente a operação micropolítica de
produção de subjetividades entregues à cafetinagem
do desejo. Com esta dupla operação indissociável,
prepara-se a sociedade para a terceira e última
temporada: a tomada do poder político e econômico
pelo capitalismo globalitário.2 2. Suely Rolnik, A nova modalidade
de golpe de Estado: Um seriado
em três temporadas. Disponível
Não surpreende que as unidades padronizadas do programa
em: www.outraspalavras.net/
Minha Casa Minha Vida se pareçam com os tipos de brasil/666381. Acesso em:
edificação desenvolvidos na fase anterior das moradias 16 mar. 2018.
de massa no Brasil. Concebidas como ferramenta para
promover e consolidar a produção capitalista, a oferta de
casas foi, em última análise, estabelecida para direcionar
e controlar a reprodução da vida em si. Também é claro
que essa estratégia está longe de se alinhar ao objetivo de
produzir ambientes urbanos sustentáveis e igualitários.
Embora a perspectiva de transformação nas constelações
macropolíticas dominantes pareça nula no momento, o foco
na mudança micropolítica pode ser mais promissor. Com a
mobilização de estratégias de baixo para cima e o engajamento
cívico, as próprias pessoas podem assumir o controle do modo
como seus meios de vida são produzidos. Mas, como o caso
da Cidade de Deus também ilustra, se a produção popular
assume os modelos padronizados que o mercado oferece,
ainda é incerto se a informalidade e a apropriação popular
poderão criar ambientes mais inclusivos e sustentáveis. Qual
seria o contramodelo micropolítico que verdadeiramente
permitiria uma produção sustentável e cidades igualitárias?

RUMO À PRÁTICA COOPERATIVA

Parece irônico que o mesmo programa que vinha produzindo


fragmentação urbana e divisão social também contivesse
uma solução possível para o dilema da oferta de moradia
padronizada dominada por interesses do mercado. Quando
o programa Minha Casa Minha Vida foi implementado, no
governo de esquerda do presidente Lula, também visava
promover a autogestão e a autoconstrução por comunidades
e organizações não governamentais. A ideia de criar um setor
especial do programa dedicado a entidades autogeridas
tinha por base o modelo de mutirão desenvolvido pela
prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, entre
1989 e 1992. Com a introdução de políticas públicas de
moradia que estimulavam e apoiavam o desenvolvimento
cooperativo, as associações de autoconstrução tinham
autonomia de administração, financiamento e desenho
do projeto, o que também levou a um aumento no número
de entidades atuantes e de escritórios prestando apoio
técnico. A experiência da prefeitura de São Paulo repercutiu
em projetos de moradia similares em outras cidades, e
posteriormente o governo do estado estabeleceu paradigmas
e regulamentação para a promoção das cooperativas de
moradia. Nesse sentido, o conhecimento obtido em São
Paulo deixou rastros em programas federais, como o Crédito
Solidário, iniciativa introduzida em 2005 e finalmente
incorporada à estrutura do programa Minha Casa Minha Vida.
Embora apenas 5% do orçamento federal fosse dedicado
ao programa Minha Casa Minha Vida – Entidades, ele
permitiu que organizações locais construíssem modelos de
moradia adaptados às necessidades dos moradores e às
condições específicas dos contextos locais. A modalidade
Entidades do programa corresponde a uma tentativa de
integrar a organização de baixo para cima à estrutura das
práticas institucionais de cima para baixo – e pode ser
considerada um primeiro passo rumo a uma oferta inclusiva
de moradia, capaz de fortalecer a mobilização micropolítica
dentro da escala macropolítica.
Pode ser que ainda exista um longo caminho até que as
práticas cooperativas e participativas sejam consideradas
componentes integrais do desenvolvimento urbano
sustentável. Embora as constelações do poder macropolítico
cada vez mais ameacem a produção de cidades inclusivas
e igualitárias, a lição da história da moradia social no Brasil
nos mostra que a próxima revolução urbana dependerá da
cooperação e do empoderamento micropolítico.

Marc Angélil (Alexandria, Egito, 1954) é professor Rainer Hehl (Rottweil, Alemanha, 1973) é arquiteto/
do Departamento de Arquitetura da ETH de Zurique. urbanista e professor convidado na TU Berlin e na
Pesquisa o desenvolvimento social e espacial Universidade Nacional de Yokohama, Graduate School
de grandes regiões metropolitanas. Publicou of Architecture. Entre 2010 e 2013 Hehl dirigiu o mestrado
livros como Cidade de Deus!, sobre moradias em estudos avançados de planejamento urbano da ETH
populares informais no Rio de Janeiro, Indizien, de Zurique com projetos de pesquisa e planejamento
sobre a economia política dos territórios urbanos em desenvolvimento de territórios emergentes, com
contemporâneos, e Cities of Change Addis Ababa, foco no Brasil. Conferencista em informalidade urbana,
sobre transformação urbana nos países em arquitetura popular e urbanidades híbridas, foi consultor
desenvolvimento. Atua no escritório de arquitetura para o desenvolvimento de novas diretrizes do programa
agps, com filiais em Los Angeles e Zurique, e Minha Casa Minha Vida. Em seu doutorado na ETH,
integra o conselho da LafargeHolcim Foundation pesquisou estratégias de urbanização para ocupações
for Sustainable Construction. informais, com foco no estudo de casos do Rio de Janeiro.
9
Divisões sólidas:
fronteiras na cidade
Quão livre é a
transposição de limites
entre tecidos urbanos
distintos?
Divisões sólidas explora o tema Muros de congestão e pautada pelo uso do transporte
ar a partir da escala urbana, familiar não só individual transformou os condomínios
a arquitetos e urbanistas, mas também a fechados em cenário frequente no Brasil afora.
todos os que vivem em cidades. Ainda que Os centros urbanos, por sua vez, por falta de
os temas abordados nos capítulos anteriores políticas de moradia para população de média
tenham repercussões diretas no meio urbano, e baixa renda e pelo movimento centrífugo
aqui a finalidade é discutir as barreiras que descrito anteriormente, se esvaziaaram e
existem concretamente em bairros e entre homogeneizaram as funções que abrigam.
edifícios. Barreiras que podem ser facilmente Conforme as metrópoles brasileiras
percebidas por seus habitantes. se alimentam – ou deixam de combater –
No Brasil, mais de 160 milhões vivem em esses movimentos de expansão, diversas
ambientes urbanos, um contingente que externalidades da falta de planejamento se
supera o total de países como Japão, México tornam comuns a todas elas: infraestrutura
ou Alemanha. Os brasileiros urbanos se insuficiente; rios canalizados e poluídos;
distribuem em mais de 100 mil quilômetros carência de áreas verdes e espaços públicos
quadrados. A construção das cidades de convivência; excesso de rodovias sem
brasileiras foi caracterizada por um processo transporte público eficiente, etc. Aos poucos
desigual e segregativo nas escalas local e o território urbano se fragmenta em fatias
regional. Como afirma Rodrigo Agostinho em desconexas e o muro, solução descabida
seu ensaio, a população não se acomodou no para mediação entre os espaços, torna-se o
espaço urbano da melhor maneira possível, protagonista dessa paisagem, agora dividida
mas sim da maneira que pôde. e monitorada. A vida é cada vez menos pública
Embora a maioria da população brasileira e compartilhada somente entre pessoas
viva em cidades, o aumento populacional dos mesmos grupos sociais, em enclaves
urbano não representou sempre um controlados.
adensamento. Em vez de se concentrar em Apesar da história da urbanização das
áreas centrais, a população se distribuiu cidades brasileiras contar com propostas
de forma irregular. Os antigos centros louváveis de se transpor barreiras nas cidades
urbanos não foram capazes de receber e repensar suas configurações espaciais, é
novos habitantes, vindos de outros países ou perceptível como muitas vezes a destruição
regiões brasileiras, e esses acabaram por se de uma barreira acaba por construir uma nova,
estabelecer em bairros distantes e com menos como pontuam os grupos GRU.A e OCO em seu
infraestrutura. A dispersão populacional é ensaio. O Aterro do Flamengo, por exemplo,
presente em cidades brasileiras e, ao mesmo espetacular do ponto de vista técnico e como
tempo, não se restringe somente à parcela espaço público, esconde questões sociais,
menos privilegiada da população. econômicas e ambientais que contradizem
Ainda que as áreas mais densas das sua proposta.
cidades fossem vistas como lugares de Infraestruturas que, em vez de conectar
trabalho, cultura e entretenimento, problemas partes da cidade, constroem divisões físicas,
urbanos como poluição e insegurança – que também são constantes. Elas são tema
aumentaram exponencialmente entre as recorrente no trabalho do artista espanhol
décadas de 1970 e 80 – começaram a afetar Antoni Muntadas, aqui representado.
o cotidiano dos habitantes, incentivando Traçando paralelos entre grandes obras
parte da população de maior poder aquisitivo viárias e monumentos comemorativos, ele
a mudar para áreas não mais centrais. Alia- critica as transformações na paisagem urbana
se a este fato, modelos de urbanização que implicam em perda de identidade, ainda
importados dos Estados Unidos e Inglaterra, que essas tenham representado progressos
uma constelação de bairros suburbanos foi técnicos ou econômicos.
criada ao mesmo tempo em que o tecido Em meio a esse cenário de desafio
urbano vai se espraiou. A promessa de uma há também aquelas experiências que
vida familiar de maior qualidade, afastada da apresentam oportunidades e possibilidades
de mudança. O ensaio de Bruno Santa observava, que “O mundo é um conjunto de
Cecília remete a resultados notáveis criados possibilidades e não apenas um conjunto de
por projetos arquitetônicos como o edifício realidades […] outros mundos poderiam ser
Copan e o Parque Ibirapuera. Além do poder criados a partir dos mesmos materiais”.
público, ele lembra, a iniciativa privada
também tem um papel fundamental na
geração de experiências urbanas de qualidade. O mapa
Alternativas para reinventar o espaço comum
são tema, também, das reflexões de Marcos O mapa proposto para chamar atenção à
Rosa. Por que não encarar ruas, avenidas e problemática das fronteiras intraurbanas
rodovias como possibilidades? A abertura de traz o recorte de 30 cidades brasileiras,
uma via emblemática como a avenida Paulista distribuídas entre as cinco regiões do país.
aos pedestres, nos fins de semana, e as Cada uma delas apresenta a sobreposição
manifestações de interesse público realizadas de informações de topografia e malha viária
nas ruas de grandes cidades brasileiras são como base, porém em uma abstração gráfica
formas de confrontar barreiras urbanas em que omite marcações de linha costeiras,
princípio limitadoras. águas, áreas verdes ou quaisquer outros
Reverter a lógica de segregação que se elementos convencionalmente utilizados para
criou nas cidades brasileiras não é tarefa representar cidades. Sobre essas bases, as
simples. Diferentemente do direito ao espaço barreiras urbanas são extraídas.
urbano coletivo, o muro físico privado está Grandes rupturas no tecido urbano e
regulamentado no Código Civil.1 É preciso uma contrastes da morfologia edificada nas
nova lógica para se pensar as cidades e, como cidades, que sugerem momentos de divisão,
propõe Gilson Rodrigues em sua entrevista, são identificados a partir da rica base de
construir uma sociedade menos desigual. A dados elaborada pelo QUAPÁ (Quadro do
vontade e necessidade de resistência à difusão Paisagismo no Brasil), pesquisa desenvolvida
desses padrões de exclusão não é pouca, e na FAU-USP desde 1994 que examina as
está aqui representada em breves registros principais estruturas da forma urbana e
sobre os protestos de 2013 no Rio de Janeiro, sistemas de espaço livre da cidade brasileira.
através do olhar de Pedro Victor Brandão . Essa pesquisa é a fonte da qual foram
Finalmente, este capítulo tem forte conexão extraídos os tipos de divisão apresentados
com os projetos selecionados mediante no mapa. Das 23 categorias levantadas pelo
chamamento público e apresentados na seção QUAPÁ, 10 foram consideradas barreiras a se
final do livro. Se aqui se colocam barreiras, mostrar no mapa de Divisões sólidas.
lá se propõem maneiras de as atravessar. A essas categorias foram aplicadas cores
Propostas como a passarela dos arquitetos – para diferenciá-las entre si – sobre imagens
Sauermartins + Metropolitano ou a Escola de satélite – para mostrar a realidade no chão.
sem muros, da Sem Muros Arquitetura O mosaico resultante torna-se uma mistura de
Integrada, são soluções capazes de transpor pintura e mapa onde não se percebe ao certo
as condições adversas apresentadas pelos o começo ou o final de cada cidade, mas que
seus contextos. O Farol da Maré, de Pedro tem os fragmentos de divisões extraídos para
Évora, e o projeto do grupo Gru.a com Pedro construir um retalho de momentos reais de
Varella são belos exemplos da possibilidade separação urbana.
de ultrapassar barreiras físicas ao se abrir
novas visadas sobre o meio urbano. Cada
um dos dezessete projetos luta de uma 1. Ver Brasil, Lei nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002: Código Civil.
forma específica contra as condições de
Disponível em: www.planalto.gov.
impedimento impostas por seus contextos,
não se restringindo às limitações presentes
mas imaginando possibilidades. Eles
lembram, como o geógrafo Milton Santos
Antoni Muntadas em
colaboração com Paula Santoro
On Translation: Comemorações
urbanas, 1998-2002, São Paulo
Placa em bronze, cartão postal
e website
Pedro Victor Brandão
Da série Mitigação sem
impacto (Convite à pintura), 2013
Impressões em jato de tinta sobre
papel de algodão
entrevista: 318
Gilson
Rodrigues

Gilson Rodrigues (Bahia, 1984) é


líder comunitário em Paraisópolis,
favela na zona Sul de São Paulo.
Foi presidente da União dos
Moradores de Paraisópolis e
um dos implementadores do
Instituto Escola do Povo (IEP). É
protagonista na condução do
projeto Nova Paraisópolis, criado
em 1994, que busca qualificar a
vida na comunidade por meio de
diversas iniciativas locais.
Muros

Quais são as principais fronteiras sociais


e políticas que separam Paraisópolis
do resto da cidade de São Paulo, em
especial da cidade dita “formal”?
A principal fronteira é a desigualdade
social. Quanto mais se prega a divisão
entre nosso vizinho rico (o Morumbi) e
Paraisópolis, mais ficamos divididos.
O que mudou recentemente em
Paraisópolis é que as famílias ricas,
que sempre moraram no Morumbi e
exploraram a força de trabalho da favela,
começaram a enxergar que nós precisamos
de oportunidade para podermos ser
iguais. Hoje Paraisópolis tem médicos,
administradores, pedagogos.
O que divide hoje um cara rico de
Paraisópolis e um cara rico do Morumbi?
Acredito que quando quebrarmos os
“muros” nas nossas cabeças e criarmos
oportunidades para essa população poder
avançar, nosso país vai avançar cada vez
mais. O que vai nos unir e já nos une não é
o dinheiro, mas o conhecimento, o acesso
à arte e à cultura. Esses muros tendem
a diminuir se as pessoas enxergarem
seu potencial.

Evidências

Quais são as barreiras físicas que


reforçam a separação? E como se
dá a dinâmica de suas construções
e destruições sob a perspectiva do
tempo, considerando a velocidade de
transformação da comunidade?
A principal barreira que se tem é a do
Estado. Paraisópolis tem uma situação
especial porque o governo estabeleceu
que um dia seria tudo removido. A ideia
era oprimir mais e investir menos, assim
a violência aumentaria, as pessoas não
aguentariam mais e o Estado viria com
uma reintegração de posse para retirar
as pessoas. Porém, a comunidade foi se
organizando, resistindo.
Em poucos bairros no Brasil é possível
definir onde começam e terminam. Em
Paraisópolis você atravessa a rua e sabe quebrar muros e como passar isso
que é o Morumbi, especialmente por causa adiante para as pessoas?
das mansões. Existe a separação, mas não Quando fizemos o “Paraisópolis das
é um muro sem acesso ao outro lado. Artes”, nosso objetivo era transformar a
Nesse sentido, tudo que as pessoas visão das pessoas, que passariam a olhar
em Paraisópolis não queriam era a a favela e pensar em coisas boas. Pensar
construção de uma avenida cruzando a em projetos como o do Gaudí, do Berbela,2
favela. Na época do prefeito Paulo Maluf da Orquestra Filarmônica de Paraisópolis,
(anos 1990) existia o plano de uma avenida e não em violência, marginalidade
que se chamaria avenida de Itapaúna. ou pobreza. Falar em muros hoje nos
Nós queríamos, mas preferíamos que ela atrapalha, principalmente falar daqueles
fosse mais para o canto. Então, fomos que não existem. A principal ferramenta
“empurrando” o traçado onde havia mais para divulgar nossas ideias é através de
espaço, o que geraria remoção de menos ações culturais, atraindo pessoas que
pessoas. Isso resultou na avenida Hebe imaginam que exista um muro a atravessar
Camargo de hoje. Existia a preocupação da e, em contrapartida, mostrando a elas
população de que a avenida não fosse uma que nós temos uma porta aberta. As
cicatriz dentro do bairro, demonstrando pessoas, naturalmente, perguntam qual
nossa vontade de integração. é a minha formação. Uma coisa que me
estabeleceu bem entre as pessoas é
procurar relacionamentos que não nos
Efeitos colaterais limitem ou nos submetam. Conseguimos
estabelecer relações que fortaleceram a
Quais são os maiores efeitos colaterais Nova Paraisópolis e mostramos que uma
que a cidade de São Paulo sofre ao ter comunidade que se organiza consegue
um território tão segregado? alcançar o que quiser.
Situações como a de Paraisópolis, a do Ainda falta muita coisa, mas queremos
córrego do Antonico ou a do Grotão afetam finalizar o que iniciamos e passar para a
o desenvolvimento humano. geração que estamos formando nossa
Hoje o Morumbi sofre com a questão mentalidade e nossos desejos.
do pancadão. Jovens do Morumbi vêm a
Paraisópolis para dançar em bailes que
antes eram algo exclusivo das favelas. Comportamento e micropolítica
Isso tem impacto na região, e a omissão
do governo, ao deixar isso acontecer de Você acha que existe uma resistência
forma desorganizada, reverbera na cidade. a essa transformação dentro da
Posteriormente, isso passou a acontecer própria Paraisópolis?
em outros bairros também. As pessoas Existe a fronteira quando começamos
olham para as favelas mais famosas como a lidar com questões políticas. No
Paraisópolis e Heliópolis e isso acaba atual momento do país, em que tudo é
repercutindo o que há de bom ou de ruim. considerado corrupção, alguém pode falar
Então, nós temos a missão de buscar ser que o que estamos fazendo é errado. Assim
exemplo para outras comunidades. como no Brasil, em Paraisópolis existe uma
série de divisões de pensamentos, mas nós
sempre buscamos construir algo que seja
Experiência disciplinar comum a todos.
Nós construímos a Nova Paraisópolis
Quais barreiras você busca superar por com uma campanha chamada “Todos
meio do seu projeto Nova Paraisópolis? Unidos por uma Nova Paraisópolis”. E o que
Como sua experiência como líder é Paraisópolis? Um bairro. Independente
comunitário pode contribuir para de partido político, cor ou religião, nós
queremos a rua asfaltada. Assim avançamos, é interrompido e nós perdemos alguns
buscando consensos. Precisamos trabalhar milhões de reais por causa da paralisação
para as pessoas terem a oportunidade de das obras.
ser o que elas quiserem. Em alguns bairros de São Paulo não
Eu digo que existe a periferia da periferia se veem pessoas, elas estão isoladas
em Paraisópolis. Quando houve esses dentro de seus muros. E uma coisa boa
investimentos da iniciativa privada e dos que o Brasil tem é a vida – portanto,
governos para transformar Paraisópolis em bom seria se as pessoas pudessem ter
um bairro, algumas famílias conseguiram contato, se relacionar, trocar experiências.
melhorar sua condição de vida. É uma Paraisópolis proporciona isso, mas essas
comunidade muito empreendedora: trocas podem gerar experiências boas e
eram três organizações, hoje são 62. As ruins. Então, estamos preparando uma
oportunidades educacionais e culturais geração com mais oportunidade. É um
cresceram bastante. Apesar disso, processo em construção. Acredito que
algumas famílias não conseguiram dar Paraisópolis seja o maior exemplo de um
resposta a essas oportunidades, até por espaço informal que quer ser formalizado.
estarem mais impactadas por questões Porém, talvez não seja possível se
como drogas ou violência. enquadrar nas regras existentes.
Hoje, no Brasil, existem 25 milhões Precisamos estabelecer outros processos.
de pessoas analfabetas, e é de interesse
de algumas classes que as mesmas
1. Áreas com ocupação irregular,
continuem sem aprender a ler e escrever. sujeitas a enchentes e a doenças
Isso tem um impacto importante, tanto provocadas por esgoto a céu
econômica como socialmente. Enquanto aberto (Antonico) e deslizamentos
alguns tiveram todas as oportunidades, de terra (Grotão). [n.e.]
2. O jardineiro Estevão Conceição
outros não tiveram nenhuma.
recebeu esse apelido por ter
adornado sua casa com pedras
e outros artefatos cerâmicos, à
Potencial transformador semelhança da obra do espanhol
Antoni Gaudí. Berbela se refere ao
mecânico Edinaldo da Silva, que
Qual potencial transformador reside
utiliza peças automotivas para a
nas iniciativas comunitárias? Em construção de esculturas artesanais
que medida podemos integrar
esses aprendizados às práticas de
escala metropolitana?
Quem olha Paraisópolis se impressiona
com o quanto foi feito e o quanto houve de
dedicação e mobilização da comunidade
para se transformar. Há dez anos, as casas
eram de madeira, aconteciam incêndios
e ameaças de remoção. À medida que
conseguimos melhorar a condição
das ruas, as pessoas reformaram suas
casas, a comunidade ficou mais bonita, o
comércio se regularizou e outras empresas
começaram a ser atraídas.
No último período sofremos um
retrocesso por causa da política.
Tivemos ocupações, grandes incêndios
e desabamentos. Isso é um exemplo do
que acontece quando um investimento
Centro

Paraisópolis:
a favela mais populosa
em São Paulo

Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab


(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Divisões Sólidas.
Nível de escolaridade
Ensino superior/pós-graduação
Ensino médio
Ensino fundamental
Ensino fundamental incompleto

Á R E A U R B A N A D E S ÃO PA U LO
Contestando Marcos 324
fronteiras: L. Rosa
práticas
culturais,
desenho urbano
e construção
de situações
na cidade

PRELÚDIO: VOO SOBRE SÃO PAULO

Um helicóptero voa sobre o centro de São Paulo. Do


alto, vê-se uma cidade verticalizada espraiada sobre sua
topografia. Fora do centro, artérias rodoviárias atravessam
o território, fragmentando grandes áreas urbanas,
caracterizadas por bairros constituídos uniformemente
por edifícios de um a três andares, às vezes interrompidos
por grupos de torres, outros edifícios mais baixos
encerrados em condomínios murados, áreas empresariais,
shopping centers e outros enclaves comerciais, alguns
trechos com casas unifamiliares distribuídas de forma
mais esparsa, e favelas.
Em uma banca de jornal, cartões-postais exibem vistas
panorâmicas que mostram uma paisagem maciça de
torres. Essa imagem “nos permite, como se diz, capturar
a cidade em um momento”.1 No entanto, ela não reflete a 1. Em Paris: Invisible City, o filósofo
multiplicidade de imagens produzidas pela vida urbana e antropólogo Bruno Latour
critica a visão panorâmica usada
no nível do chão. Em um exercício e um esforço de
para representar a cidade, dada
aproximação em relação à cidade vivida, a apreensão sua distância e simplificação
da cidade a partir de uma visão panorâmica (distante) em relação à cidade real. Nesse
torna‑se problemática, pois revela que a imagem virtual, trabalho, a imagem virtual e
padrão, separou-se da cidade real, aquela da experiência estática de Paris é desconstruída
com base em processos
do cotidiano. descompactados na escala local.
Um olhar mais atento para esse território exige Ver: Bruno Latour, Emilie Hermant,
observar suas questões específicas e em escala local; Paris, Invisible City. Paris: [s.n.],
é preciso aproximar-se de diferentes agentes e de suas 2006, p.6.
perspectivas. A cidade dos relacionamentos pode não ser
visível à primeira vista. Mas o reconhecimento das várias
formas como os diferentes atores colaboram na criação
do espaço joga luz sobre os modos de coprodução da
cidade. Esse ponto de vista questiona as fronteiras que
os enclaves e o urbanismo rodoviarista impuseram ao
desenho urbano, indicando formas de experimentação
no projeto e na operação do espaço coletivo para criar
práticas inovadoras que superem estas limitações.
Para aprender com os diferentes atores, suas
perguntas, suas demandas e seu agenciamento, deve‑se
observar, ouvir, ler, questionar o que se vê, aprender a
olhar para as coisas de perspectivas diversas; assim, é
possível desvelar camadas da coprodução da cidade
para além daquelas que os arquitetos projetam ou os
legisladores regulamentam. Para revelar esses “outros”
em uma perspectiva mais palpável e complexa, uma série
de processos de mediação são descompactados: as
estruturas, os relacionamentos e as operações por trás
daquela imagem estática.

POUSO

No nível da rua, a imagem das torres seriais encontrada


nos cartões-postais das bancas de jornal faz pouco
sentido: a vida é agitada e as paisagens da rua
frequentemente não são homogêneas e incluem uma
multiplicidade social e cultural. Os edifícios ocupam os
lotes de formas diversas: há desde casas de um andar até
edifícios de dois a três, com portas abrindo diretamente
para a calçada; de casas geminadas a torres isoladas no
lote, recuadas do alinhamento com a rua e, eventualmente,
isoladas por muros e grades. Em frente a esses edifícios,
ao lado, atrás, através deles, o que poderia ser uma
barreira rígida muitas vezes cria espaço para uma zona
de negociação.
A vida cotidiana se desdobra no espaço público: a
pavimentação autoconstruída nas calçadas recebe
cadeiras e mesas; uma banca de churrasquinho e um
banco improvisado; um sarau, sessão noturna de leitura,
transborda para a rua; um cinema ao ar livre é instalado
perto da guia; uma peça de teatro encenada nas janelas
de um edifício atrai o público sentado nas pistas para
automóveis; carrinhos de comida de rua; pixos e grafites
cobrem fachadas; carroças de catadores de papelão
estacionados na rua; plantas cultivadas em frente às
portas, um jantar na calçada, com degraus de escada
usados como bancos; em uma esquina, cadeiras de
plástico empilhadas esperam para serem espalhadas
pela calçada, à noite.
Diferentemente de espaços onde a vida cotidiana
segue um roteiro preestabelecido, no espaço urbano a
vida se desdobra de formas inesperadas, transpassando,
borrando e redefinindo muros, bordas e limites
predeterminados. A observação desses vestígios revela
práticas sociais e culturais que vêm oferecendo ideias
inovadoras sobre como redefinir as fronteiras, ao repensar
nossa relação com o espaço coletivo, as políticas de uso e 326
a gestão e a construção do espaço urbano.
Apesar do não reconhecimento da inteligência
operacional embutida nessas situações, são práticas
urbanas cotidianas que oferecem um vislumbre
das possibilidades de reinvenção de um espaço: da
experiência desses espaços à participação proativa em
sua operação, na colaboração na construção do lugar,
na formulação de políticas e no desenvolvimento de
processos inovadores de projeto.

UMA CIDADE DE FRONTEIRAS ABERTAS?

São Paulo tem sido descrita com frequência como


uma cidade fragmentada, que parece resultar não da
ordenação, mas do caos. O surto de industrialização
que começou no fim do século 19 – e que demandou
sucessivos fluxos migratórios para prover a cidade de
força de trabalho – levou a um aumento populacional de
7200% no século 20: de 239.820 habitantes (1900) para
quase 20 milhões (2011).2 2. Marcos L. Rosa, From Large Scale
Outra leitura deste fenômeno descreve São Paulo Utility Infrastructures to Operational
Networks: The Qualification of
como uma aglomeração de edifícios e pessoas,
Local Space at Existing Large Scale
construída pela exploração livre da terra (visando o Utility Infrastructure: A Method
lucro); um lugar onde “o espaço urbano não existe e for Reading Community-driven
nunca existiu, [o que existe é] apenas um processo iIitiatives. The Case of São Paulo.
de justaposições, descontinuidades e fragmentação Munique: Technische Universität
München, 2015, p.334.
que não para e que transforma a cidade inteira em
um movimento autofágico de produção de valor e
de segregação”.3 3. LeandroMendrano,LuizRecaman,
“Espaços públicos na região
A ideia de uma cidade fragmentada é demonstrada central da cidade de São Paulo: O
por bordas hoje materializadas em barreiras físicas, Telecentro Elevado Costa e Silva”,
como muros, grades e guaritas. Os exemplos incluem Vitruvius Arquitextos, n. 07.075, p.1,
condomínios fechados, shopping centers, centros de ago. 2006, Disponível em: www.
negócios e até mesmo favelas: todos promovem uma vitruvius.com.br/revistas/read/
arquitextos/07.075/32.
vida confinada em áreas controladas, protegidas ou Acesso em: 01 mar. 2018.
vulneráveis, de alta ou de baixa renda. Esse espaço
fragmentado é uma anticidade com novas formas de
urbanidade baseadas na negação do contato com o outro.4 4. Raquel Rolnik, São Paulo. São
A confirmação deste território fragmentado – que Paulo: Publifolha, 2001, p.77.
desestimula a interação social – contrasta com uma
São Paulo de fronteiras abertas, perceptível na riqueza
de sua formação étnica (baseada na miscigenação,
sobretudo no século 20): “[uma cidade] que abriu a
possibilidade concreta do desenvolvimento humano
individual e coletivo, com base na intensidade de trocas
e interações sociais existentes”.5 Contrasta, ainda, com 5. Id., ibid.
a cidade que experimentou recentemente uma intensa
miscigenação cultural e a consequente transformação
de sua vida urbana. Nas cidades brasileiras, isso pode
ser observado em “inúmeros eventos imprevisíveis [que]
estabelecem temporalidades, permitindo o surgimento
de situações, lugares e relacionamentos de outra forma
6. Wellington Cançado, “Utopias nunca imaginados”.6
recreativas”, Piseagrama, n. 6, A observação de São Paulo abre a possibilidade de
pp.43-48, 2011.
valorizar e reconhecer sua diversidade cultural e seus
grupos sociais, alinhados com práticas que afetam a
cultura urbana, assim como a experiência do espaço,
nessa cidade contemporânea. Uma constelação de
situações urbanas de pequena escala – desencadeadas
por uma nova atitude em relação ao uso do espaço urbano
– relaciona-se com a produção da cultura urbana e com a
reinvenção do espaço coletivo.
Esse fenômeno revela a efervescência na produção do
espaço na cidade – tanto por arquitetos como por não
arquitetos – e apresenta outras vozes, que contribuem
para a compreensão das formas práticas de colaboração
e oferecem uma noção de coletividade compartilhada na
coprodução e na operação do (espaço) urbano, pensado
como lugar de encontrar, de habitar, de viver junto.
O Observatório que organizamos entre 2016 e 2018
permitiu identificar e documentar práticas urbanas com
foco em São Paulo e em relação a outras iniciativas no
7. O Observatório da 11ª Bienal de Brasil e no mundo.7 Os casos compilados tornaram-se
Arquitetura de São Paulo foi criado um arquivo em construção que se concentrou na “relação
como um arquivo em processo,
operacional” entre as pessoas e a cidade, no sentido de
para dar apoio e guiar o trabalho
curatorial daquela edição do contestar suas fraturas e espaços fragmentados em vários
evento. A partir dele, compilou‑se níveis, por meio de uma vasta gama de métodos:
um arquivo, posteriormente
exibido em suportes diversos, –– A produção de outro imaginário da cidade – presente
com centenas de iniciativas. Ver:
Marcos L. Rosa et al, Catálogo:
em cartografias, passeios urbanos, ensaios
11a Bienal de Arquitetura de São fotográficos, material audiovisual, performances,
Paulo. São Paulo: Meli-melo, 2018, literatura, dispositivos auditivos, sinalização, guias,
p.270. ações experimentais etc. –, que revela, atravessa e
subverte muros invisíveis.
–– Novas práticas experimentais – incluindo construções
temporárias, protótipos, ações-teste, rascunhos de
leis, jogos, mockups, criação de lugares, retrofitting
etc. –, que atuam de forma propositiva sobre cicatrizes
urbanas prévias.
–– Inovação social e tecnologias aplicadas à esfera
urbana – encontradas em programas de reurbanização
de favelas, políticas de habitação social, estratégias
para a melhoria de assentamentos urbanos, manuais,
projetos de código aberto, aplicativos voltados para
a gestão colaborativa etc. – que explorem formas de
superar os muros invisíveis presentes em uma geografia
social de desigualdade.
–– Práticas arquitetônicas que permitam repensar o
impacto do projeto no espaço urbano – iniciativas
concentradas no reconhecimento de formas de uso
e ocupação da cidade, capazes de subsidiar políticas 328
públicas – e que proponham uma prática de projeto
que apoie a cidade real e sua cultura urbana, em vez
de fraturar e desencorajar a diversidade de formas de
expressão na cidade.

A natureza do projeto urbanístico pode ser repensada com


base na observação de nossas cidades contemporâneas.
As ideias praticadas em diferentes frentes – a exemplo
das que listei acima – e que forjam níveis diversos
de colaboração podem gerar estruturas abertas ao
desdobramento da vida e à transformação de sua própria
concepção inicial. Talvez essas estruturas devam ser
pensadas como membranas abertas e inacabadas, em vez
de barreiras impermeáveis, que desencorajam o encontro.
À luz da cultura urbana contemporânea, o projeto
pode ser empregado para definir a cidade como uma
estrutura que está aberta a diferentes temporalidades,
estabelecendo constantemente novas codificações no
espaço físico. Assim como na Teoria dos Momentos,8 8. Desenvolvida em paralelo à
o projeto pode conceituar o espaço para abrigar Internacional Situacionista, para a
qual o elemento play e o playful man
situações, utilizando a ideia de jogo (play) como
(homo ludens) são conceitos básicos
estratégia de subversão para transformar a moderna que preparam o campo (site) para
“cidade do espetáculo” em uma cidade cheia de uma cidade cheia de possibilidades
possibilidades lúdicas. lúdicas. Ver “The Theory of Moments
and the Construction of Situations”,
Internationale Situationniste, n. 4,
jun. 1960. Disponível em: www.
A REINVENÇÃO DO ESPAÇO URBANO notbored.org/moments.html.
Acesso em: 01 mar. 2018.
“O espaço, em si, é social”.9 A natureza política do ato
social de participar da reinvenção do lugar oferece
oportunidades de operar com o objetivo de convocar o 9. Milton Santos, A natureza do
coletivo para um projeto comum. “O espaço, enquanto espaço: técnica e tempo, razão e
agente e produto da ação social, é registro cultural. emoção. São Paulo: Edusp, 1996,
p.260.
Registra, em sua morfologia habitada, o sítio que
foi, a ação que o construiu e as possibilidades de
sua reinvenção.”10 10. Id., p.22.
Apesar disso, em grande medida, o projeto de nossos
espaços urbanos não responde às demandas observadas
no uso do próprio espaço. É ali que as relações
sociais e as manifestações culturais colidem com sua
materialização espacial.
As formas de contestação das limitações espaciais que
atuam como fronteiras – dos muros às artérias viárias –
realizadas pela arquitetura e pelas práticas culturais criam
alternativas para reinventar o espaço comum.
O mergulho proposto, da vista aérea à perspectiva
da calçada, sugere uma aproximação entre a prática
arquitetônica e outros saberes, a fim de revelar formas de
contestação das barreiras e muros construídos na cidade,
materializadas em intervenções no espaço urbano.
Este estudo que relaciona projeto e vida nos espaços
urbanos embasa uma crítica direta à correspondência
entre conteúdo e forma materializada no discurso
moderno, e questiona a universalização do design
proposta pela implementação dessa ideia. Ao fazê-lo,
alude às possibilidades de manipulação e intervenção, por
parte dos cidadãos, e às práticas de design que poderiam
ser oferecidas por esses espaços, como uma alternativa
à disciplina normativa e ao caráter prescritivo da cidade
funcional, que, conforme descrita por Wellington
11. Wellington Cançado, op. cit. Cançado,11 ainda determina uma cidade controlada,
que continua tentando anular derivações típicas da
natureza urbana.
Por vezes, o “muro” – nas diversas formas em que se
apresenta – pode servir como um suporte arquitetônico
para a ação humana, ou provocar uma transgressão,
12. MarcAugèdescrevelieux[lugares] levando à construção de situações e “lugares”.12 Então,
como espaços definidos por meio ele se recodifica como ponto de encontro, a partir do qual
da relação com sua história e da
se percebe o próprio cotidiano de forma transformada,
identidade formada a partir dela.
Ver Marc Augè, Não lugares: repropondo a relação com a vizinhança com base na
Introdução a uma antropologia da reintegração de estruturas fragmentadas, por meio de
supermodernidade. São Paulo: atividades comuns.
Papirus, 1994.

Marcos L. Rosa (São Paulo, 1980) é arquiteto e


urbanista (FAU USP) e doutor em Planejamento
Regional e Desenho Urbano (Technical University of
Munich). Atua como pesquisador, professor, editor
e designer, com foco no estudo de estratégias
urbanas. Foi pesquisador na Alfred Herrhausen
Gesellschaft (junto à London School of Economics)
e lecionou na Technical University of Munich, na
Escola da Cidade e no Instituto Federal Suíço
(ETH). Publicou extensamente, proferiu palestras,
participou de bancas e oficinas em todo o mundo.
Seus livros incluem Microplanejamento: práticas
urbanas criativas (2011), Handmade Urbanism: From
Community Initiatives to Participatory Models (2013),
From Large Scale Infrastructures to a Network
Urbanism (2016) e Co-desenhando a Cidade (2017).
Transpondo Rodrigo 330
e quebrando Agostinho
barreiras

Houve uma escolha pela cidade. Mais de 84% da


população brasileira vive em áreas urbanas (IBGE,
2010). Segundo a Organização das Nações Unidas,
teremos, até 2050, um aumento de 3,1 bilhões de
habitantes nas cidades. Infelizmente, os motivos
que levam a isso nem sempre são os mais nobres,
e quase não importam para os tomadores de
decisão. Milhões de pessoas se acomodaram do
jeito que foi possível e hoje vivem concentradas
nos grandes centros, muitos deles sujeitos a uma
terrível escassez de serviços públicos de qualidade
e apresentando altos índices de exclusão em todos
os sentidos.
Nas 5.570 cidades brasileiras, 11 milhões de
pessoas vivem em favelas (IBGE, 2010), áreas
inteiras desprovidas de saneamento básico. Na
ausência do Estado, os indicadores de violência são
terríveis: mais de 60 mil homicídios anuais (IPEA,
2017). Também temos 12 milhões de desempregados
(IBGE, 2018), os maiores congestionamentos do
mundo – que roubam anos de vida de todos – e o
quarto pior índice de mortes no trânsito do planeta,
com 47 mil vítimas por ano (OMS, 2016), mais do que
qualquer guerra da atualidade. Mas o que fazer?
Como atacar esses problemas e desafios? Quais
são, efetivamente, as barreiras? Como enfrentar a
falta de recursos e de projetos acessíveis? (E tudo
isso sem contar os novos – e grandes – desafios
que podem surgir no futuro, com as mudanças
climáticas: cidades desprovidas de abastecimento
de água, ameaçadas por incêndios florestais ou
submersas pelo aumento do nível do mar. Talvez
os mais resilientes estejam preparados para a
mudança, mas o que dizer dos demais?)
Por outro lado, temos também nas cidades
brasileiras os maiores centros públicos e privados
de saúde, educação e ciência e tecnologia,
uma oferta maior de empregos de qualidade,
alternativas de mobilidade, inclusão digital,
espaços para a prática de esporte e uma cultura
diversa e cosmopolita. É nesse sentido que
Edward Glaeser aponta a cidade como a melhor
invenção da sociedade em seu livro O triunfo
1. Edward Glaeser, O triunfo da cidade.1 As cidades precisam reconectar as
da cidade, trad. Leonardo pessoas umas às outras, com serviços eficientes
Abramowicz. São Paulo: Bei, 2016.
e espaços públicos de qualidade. Para Glaeser, a
mistura de ideias, valores e culturas que ocorre no
ambiente urbano não apenas amplia as fronteiras
do conhecimento como nos torna mais empáticos,
produtivos e criativos.
Muitas experiências bem-sucedidas
desenvolvidas nas cidades brasileiras recentemente
apontam caminhos e soluções mais sustentáveis.
O Instituto Ethos, a Rede Nossa São Paulo e a Rede
Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis
têm conseguido mostrar isso com seu programa
Cidades Sustentáveis, por meio de um imenso
banco de boas práticas e de uma gestão baseada
em indicadores alicerçados nos 17 Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
(Agenda 2030). Hoje, 172 cidades brasileiras, que
reúnem 50% da população do país, já aderiram
ao programa.
Nunca se falou tanto em habitabilidade,
mobilidade, inclusão, garantia de direitos e
empreendedorismo. Estratégias de enfrentamento
para estes desafios são discutidas em todos os
espaços. As cidades passaram a receber títulos
– inteligentes, criativas, saudáveis, educadoras,
resilientes, sustentáveis. Enfim, parece que as
pessoas já sabem o que querem. Mas como chegar
a isso? Como fazer cidades capazes de convidar
mais do que repelir, integrar mais do que segregar e
reunir mais do que dispersar, como propõe Jan Gehl
2. Jan Gehl, Cidades para pessoas, no livro Cidades para pessoas?2 Para o autor, as
trad. Anita Di Marco. São Paulo: cidades possuem uma dimensão humana. Primeiro
Perspectiva, 2015.
nós as moldamos – e então elas nos moldam.
Como garantir a boa saúde destes grandes
organismos vivos que são as cidades, como diz
3. Jane Jacobs, Morte e vida de Jane Jacobs em Morte e vida de grandes cidades?3
grandes cidades, trad. Carlos S. Escrita em 1961 e a primeira a gritar pela necessidade
Mendes Rosa. São Paulo: Martins
da mudança na forma como construímos nossas
Fontes, 2009.
cidades, a obra continua atual até hoje.
Como produzir um planejamento urbano
de qualidade, capaz de trazer soluções e
transformações acessíveis aos grandes 332
aglomerados urbanos, como propõe Anthony Ling,
criador do site Caos Planejado? E, mais que isso,
como reciclar e renovar os espaços existentes
sob um novo paradigma do coabitar? Como fazer
com que a cidade, essa real construção da cultura
humana, sirva de fato a seu propósito, sem muros
e barreiras visíveis ou invisíveis? Para Ling, existem
ferramentas de gestão urbana, envolvendo os
espaços público e privado, que ajudam nesse
enfrentamento: a equalização e a potencialização
do uso do solo urbano; a eliminação do zoneamento
que segrega atividades residenciais e comerciais
e dos afastamentos e recuos obrigatórios; a
regularização fundiária; a criação de espaços
compartilhados; a municipalização de calçadas
e a eliminação de vagas de estacionamento. São
medidas que parecem polêmicas, mas que ajudam
a mudar o planejamento urbano.
Para outros, a solução está no desenvolvimento
tecnológico: na quarta Revolução Industrial, todos
serão monitorados, os carros funcionarão de forma
autônoma, a iluminação será controlada à distância
e as cidades serão autolimpantes. Tudo será
operado via internet.
Mas as experiências no mundo mostram que
as soluções para estes desafios já existem e não
estão necessariamente ligadas à tecnologia. Muitas
vezes, o pequeno, o simples, o mais barato pode
ser a melhor solução. Às vezes, a solução está
ao lado e não é percebida. Um exemplo presente
no mundo todo é a guerra contra o carro. Ruas e
avenidas estão sendo fechadas para carros para
que ciclistas e pedestres circulem, enquanto vagas
de estacionamento são suprimidas; em troca, a
população ocupa os espaços públicos cada vez
mais e de forma saudável. São ações relativamente
simples, mas que mudam a vida das pessoas e a
cara das cidades.
Talvez a busca por cidades mais inclusivas e
sustentáveis exija a participação da população
em todas as fases da construção das políticas
públicas. Sim, aquele mesmo diálogo que existia
na ágora da Grécia Antiga há mais de 2 mil anos,
e que foi sendo deixado de lado. Burocratas,
projetistas, o mercado imobiliário e os gestores
públicos autoritários deixaram de ouvir as pessoas.
E foi assim que nossas cidades chegaram ao
ponto atual. Jane Jacobs reafirma: “Não podemos
tratar as cidades como um grande problema
arquitetônico”. Para enfrentar os desafios
urbanísticos desesperadores que surgem com o
êxodo rural dos anos 1960, inúmeras tentativas de
colocar regras nas cidades – leis de zoneamento,
códigos de posturas, códigos de obras, leis de
parcelamento do solo e planos diretores – foram
implementadas, mas sempre com um grande
distanciamento em relação à população e à
realidade local. É um planejamento urbano feito
entre quatro paredes.
A história mostrou que isso não funciona. É
preciso combinar com os moradores, com cada um
dos setores vivos de uma cidade. O planejamento
tem de levar em conta as necessidades das
pessoas. Infelizmente, mesmo sabendo disso, o
Brasil implementou, recentemente, o Minha Casa
Minha Vida, maior programa habitacional de sua
história, envolvendo milhões de unidades, e repetiu
nele os mesmos erros de programas do passado
– notadamente, levar as pessoas para morar em
lugares cada vez mais distantes das áreas centrais,
em que o preço da terra é baixo mas faltam os
serviços públicos mais básicos. O programa poderia
ter se utilizado dos vazios urbanos para buscar
cidades compactas, onde os deslocamentos são
menores. Não se trata de desvalorizar o projeto ou
seus méritos: com ele, muita gente que não tinha
onde morar passou a ter um teto. Mas tudo poderia
ter sido diferente se houvesse uma consulta
pública adequada.
Em 2001, depois de amplo debate e longo
período de maturação, e com o engajamento de
instituições como o Instituto Pólis, foi aprovada
a Lei Federal n. 10.257, instituindo o Estatuto da
Cidade e regulamentando os artigos 182 e 183 de
nossa Constituição Federal. A lei é clara: voltada
a ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, a
política urbana se faz por meio de uma gestão
democrática, com a participação da população
e de associações representativas dos vários
segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas
e projetos de desenvolvimento urbano. Assim, a
participação passou a estar na lei e ser exigência
nos instrumentos transformadores, como os
planos diretores. De qual participação estamos
falando, porém? Daquela que legitima os
processos políticos? Ou daquela que se apropria
do conhecimento local para construir estratégias
de sustentabilidade? Talvez devamos refletir mais
sobre isso.
Uma participação que envolva os mais diversos 334
atores sociais e o poder público é a chave para
apontar medidas estratégicas capazes de quebrar
os paradigmas e barreiras existentes. E isso
passa por mais transparência e pela construção
e o empoderamento de espaços com múltiplos
níveis e atores. É a busca de soluções inovadoras
e sustentáveis coproduzidas pelos cidadãos e pela
gestão pública. A sociedade civil sabe disso. Em
muitas cidades brasileiras, mesmo à revelia do setor
público, as pessoas se reúnem, debatem e propõem
soluções criativas para os desafios urbanos. Na
grande megalópole de São Paulo, centenas de
entidades discutem e transformam a cidade,
mesmo quando o poder público não parece estar
disposto a ouvir. Experiências como a Rede Nossa
São Paulo, que acompanhou recentemente todo o
processo de elaboração do Plano Diretor, e da
Arq.Futuro, que discute com muita transparência
cada um dos grandes temas urbanos, merecem
todos os aplausos. Mesmo as iniciativas que se
restringem a um determinado território, como o
esforço da Fundação Tide Setúbal para transformar
um bairro com todas as carências possíveis, como
São Miguel, na zona Leste, em referência nacional,
demonstram que é possível, sim, fazer diferença.
Recentemente, o Banco Mundial reconheceu,
em seu Relatório de Desenvolvimento Global (WDR
2017), que a decisão sobre quem participa (ou
não) da mesa de negociações em um processo de
desenho e implementação de políticas públicas
pode determinar a maior ou menor eficácia das
soluções propostas pelas autoridades. Ou seja, a
participação na formulação de políticas públicas
é decisiva para seu êxito. O relatório diz, ainda: “O
sucesso das políticas depende da governança.
Para serem eficazes, elas precisam aperfeiçoar o
comprometimento, a coordenação e a cooperação”.
Isso não é novidade: diversos outros estudos
mostraram o mesmo, defendendo sociedades
democráticas. Nenhum deles, contudo, tinha a
assinatura de uma instituição quase hermética
como o Banco Mundial, que no passado financiou
projetos governamentais marcados pela ausência
de controle social, por denúncias de corrupção
e por danos irreversíveis ao meio ambiente e a
comunidades tradicionais – além de não serem
necessariamente bem‑sucedidos em promover
desenvolvimento e qualidade de vida.
Nessa mesma direção, começam a surgir
iniciativas que dialogam com a Nova Política
Urbana adotada durante a Conferência das Nações
Unidas para Habitação e Desenvolvimento Urbano
Sustentável (Habitat III), no final de 2016, em Quito,
Equador. O documento defende que cidades e
assentamentos sejam participativos; promovam
engajamento civil; engendrem sentimentos de
pertença e apropriação entre todos os seus
habitantes; priorizem espaços públicos seguros,
inclusivos, acessíveis, verdes e de qualidade,
adequados a famílias; fortaleçam interações
sociais e intergeracionais, expressões culturais e
a participação política de forma adequada.
No Brasil, a busca pela participação na vida das
cidades não é tão recente: ganhou força há apenas
30 anos, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988. As cidades passaram a criar
conselhos temáticos com a participação de
organizações da sociedade civil organizada. Muitos
desses conselhos evoluíram de meras instâncias
de assessoramento, exclusivamente consultivas,
para órgãos deliberativos, paritários e de controle
social. Em alguns casos, passou a ser comum
a formação de conselhos para equipamentos
públicos. É bem verdade que essa imensidão
de conselhos inclui alguns tantos sem pauta,
desmotivados, que existem apenas para legitimar
a aplicação de recursos. Mas o avanço é inegável.
Audiências públicas, conferências, orçamentos
participativos, ouvidorias, aplicativos e planos
participativos passaram a ser rotina nas cidades
brasileiras. São espaços institucionalizados que
foram surgindo e vieram para ficar em um país, em
princípio, sem grande cultura de participação. Em
muitas cidades, começam a surgir observatórios
sociais, estruturas formalizadas ou não que
buscam uma análise mais clara da efetivação de
gastos governamentais e do resultado de políticas
públicas. Talvez este seja um bom caminho em um
país onde a corrupção possui raízes históricas e
em muitos lugares é quase rotineira, um câncer
metastático a drenar recursos que poderiam fazer
diferença para a população mais vulnerável.
O Instituto Arapyaú, organização não
governamental que atua nesse campo, está
avaliando a participação dos moradores de cidades
a partir da construção de planos estratégicos
baseados em uma visão de futuro de longo prazo.
É uma experiência um pouco diferente dos planos
convencionais, nos quais a participação é um
mero ingrediente obrigatório por lei. Uma delas foi
realizada em Sobral, no Ceará, internacionalmente
famosa por ter servido de sede à comprovação 336
da Teoria da Relatividade de Einstein, em
1919, e também por seus elevados indicadores
educacionais atuais. Em parceria com o Instituto
Votorantim, o Arapyaú realizou 56 oficinas com mais
de 2 mil sobralenses para elaborar o documento
Sobral de Futuro – que, em seguida, serviu de
inspiração aos planos de governo dos postulantes
ao cargo de prefeito da cidade, e agora está sendo
transformado em lei orçamentária (Plano Plurianual
Participativo – PPA) e em um plano de metas, com o
apoio do Instituto Pólis.
Em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, a
capital da celulose, outra experiência vai na mesma
direção, com uma metodologia diferente. Uma
pesquisa realizada – também em parceria com o
Instituto Votorantim – em 1060 domicílios e oficinas
territoriais e temáticas resultou nos 129 indicadores
e estratégias de futuro reunidos no documento Três
Lagoas Sustentável. O conteúdo serviu de base para
o desenho do Plano Diretor e para a construção do
PPA Participativo e do Plano de Metas da cidade.
Nesse caso, foi utilizada uma metodologia criada
pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) em seu Programa de Cidades Emergentes
e Sustentáveis, presente hoje em seis cidades
brasileiras: Florianópolis, Vitória, João Pessoa,
Goiânia, Palmas e Três Lagoas.
Para avaliar estes planos de futuro, foi feita
uma parceria com o Centro de Estudos em
Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas
(GVCES), que resultou na publicação online
“Construindo a participação em agendas para
cidades sustentáveis”.4 Ela extrai lições importantes 4. Disponível em mediadrawer.
destas e de outras iniciativas. Além de Sobral e Três gvces.com.br/publicacoes/
original/2017_participacaocidades-
Lagoas, o projeto enfocou projetos em Curitiba e
sustentaveis-final.pdf. Acesso em:
na região metropolitana do Rio de Janeiro, como a 3 mar. 2018.
Casa Fluminense.
Entre as lições aprendidas estão a necessidade
de um planejamento setorial que harmonize
políticas, instrumentos e espaços de decisão; de
recursos que garantam condições mínimas de
participação e implementação; de um diálogo
inclusivo, que equilibre conhecimento técnico e a
experiência real dos cidadãos; e, por fim, de gerar
mecanismos fundamentais de controle social,
transparência e monitoramento, catalisadores do
capital social e do fortalecimento das capacidades.
Ou seja, não é apenas a participação, mas um
processo qualificado, capaz de atender à finalidade
de construir espaços sustentáveis.
Apesar de isoladas, essas experiências
demonstram a importância das tomadas de
decisão sobre o futuro das cidades brasileiras
envolverem processos participativos. Já passou
do momento de a população ser ouvida. Decisões
técnicas ou políticas precisam ser construídas em
conjunto com a comunidade se quisermos viver
em cidades sustentáveis.
Assim, quem sabe, possamos transpor
e quebrar barreiras.

Rodrigo Agostinho é ambientalista


e especialista em gestão
estratégica. Foi vereador (2001-
2008), secretário do Meio
Ambiente (2005-2008) e prefeito
(2009-2016) de Bauru (SP).
Construindo Bruno Santa 338
espaços livres Cecília

A arquitetura é parte indissociável do ambiente urbano


e da vida social. Ainda que, na maior parte das vezes,
resulte de ações individuais, seus efeitos repercutem
coletivamente. Isso porque são os objetos construídos
que conformam nossa experiência do espaço urbano,
definindo os intervalos pelos quais podemos nos
mover, agir e interagir uns com os outros. Aquilo que
reconhecemos como cidade – passeios, ruas, largos,
praças, parques etc. – nada mais é do que o conjunto dos
espaços livres que sobram entre os muros que delimitam
os territórios privados.
Nesse sentido, a ocupação do território de Brasília é
das mais virtuosas, por amplificar a presença dos espaços
livres e impedir que os objetos arquitetônicos criem
barreiras excessivas no espaço urbano. O Plano Piloto
(1956) traçado por Lúcio Costa propunha eliminar o lote
como unidade urbana básica, em favor de disposições
espaciais que articulassem objetos arquitetônicos e
espaços livres, antecipando relações desejáveis entre
eles. Particularmente nas superquadras, a elevação dos
edifícios torna o chão público e derruba um dos princípios
fundamentais da cidade capitalista, muito pouco
questionado pelas vanguardas modernas, segundo o qual
os intervalos situados entre os objetos arquitetônicos e
a rua são naturalmente privados [fig. 1]. A interdição dos
solos privados no interior do Plano Piloto, em especial
nas superquadras, reverte para a coletividade todas as
áreas que resultariam residuais numa ocupação urbana
lote a lote, como os afastamentos obrigatórios previstos
em quase todos códigos urbanísticos brasileiros. Ao
contrário do que afirma o senso comum, do ponto de
vista de sua configuração espacial Brasília é uma cidade
para ser percorrida a pé. O que torna essa experiência
pouco atrativa é a baixa diversidade e a concentração
de usos que decorrem da aplicação de um zoneamento
monofuncional, que em Brasília se traduz nos mais
diversos setores. Nesse sentido, as críticas reincidentes
a Brasília miram o alvo errado – sua estrutura espacial –,
quando deveriam se direcionar às barreiras criadas pela
legislação urbanística.
Além das barreiras invisíveis que a aplicação dos
códigos urbanísticos gera, nos deparamos cotidianamente
com uma série de outras, produzidas pelos próprios
elementos que conformam o espaço urbano, como as
infraestruturas viárias especializadas – viadutos, vias
expressas e ferrovias. É notável como esses elementos
criam interrupções na continuidade dos espaços livres
e afetam significativamente a experiência cotidiana
da cidade, dirigindo nossa percepção e movimento no
espaço. Por outro lado, a arquitetura que decorre do
parcelamento do território urbano em quadras e lotes não
é menos obstrutiva do que as fissuras causadas pelos
elementos da infraestrutura viária. Ainda que a maioria
dos edifícios não ocupe integralmente a área de seus
terrenos, a presença ubíqua de grades e muros força
uma correspondência exata entre os limites dos lotes
e dos territórios privados. Nesse modelo de ocupação,
o ambiente urbano fica reduzido aos poucos espaços
livres situados entre a massa impenetrável dos muros e
edifícios, limitando o uso e a fruição da cidade quase que
exclusivamente ao seu sistema viário.
Muito embora sejam responsáveis por abrigar grande
parte das interações humanas e acontecimentos coletivos,
os espaços livres correspondem a uma pequena fração
do território, especialmente nas cidades brasileiras.
Restringir a experiência do espaço urbano à exiguidade de
suas ruas e calçadas – divididas entre veículos e pessoas
em proporções desiguais – implica atrofiar a liberdade de
ação e interação dos indivíduos, aceitando que ela só é
possível em uma parcela muito pequena do território. Essa
desproporção entre espaços públicos e enclaves privados
acaba sendo perpetuada pela imobilidade da própria
estrutura fundiária urbana. Se hoje as grandes operações
urbanísticas do passado – como as de Hausmann em
Paris, Cerdá em Barcelona ou Lúcio Costa em Brasília –
são tão improváveis como, em muitos casos, indesejáveis,
qualquer possibilidade de transformação efetiva do
ambiente coletivo parece ficar imediatamente interditada.
Compreender esse contexto implica atribuir a
cada gesto arquitetônico individual, a cada espaço
edificado – e não apenas ao planejamento e ao desenho
urbano – a tarefa de ampliar a oferta dos espaços livres
que constroem a experiência cotidiana das cidades.
Nesse sentido, a dissolução das barreiras que se colocam
desnecessariamente entre os domínios públicos e
[Fig. 1] Superquadra SQS308, Arqs.
Marcelo Campello e Sérgio Rocha.
Fotografia: Joana França.
[Fig. 2] Edifício Copan, Arq. Oscar
Niemeyer. Fotografia: Joana França.
[Fig. 3] Museu Brasileiro da
Escultura, Arq. Paulo Mendes da
Rocha. Fotografia: Joana França.
privados, ou entre cidade e edifícios, poderia reverter
em mais espaços livres para a coletividade e repercutir
positivamente na experiência do espaço urbano. Desse
modo, dissolvendo as barreiras físicas que segregam
esse espaço, algumas arquiteturas demonstram haver
formas menos obstrutivas de se ocupar a cidade. Por meio
delas, pode-se reconhecer um conjunto de estratégias de
projeto que buscam integrar edifício e cidade, evitando
que as criações arquitetônicas constituam barreiras
à livre espacialização dos acontecimentos humanos.
Destaco, a seguir, alguns exemplos notáveis da arquitetura
brasileira que ajudam a iluminar outros modos de se
construir cidades.

ROMPER A QUADRA

Um exemplo concreto dessa dissolução de fronteiras entre


os domínios públicos e privados, ou entre cidade e edifício
são as galerias e passagens urbanas que se disseminaram
nas principais cidades europeias ao longo do século 19,
e que hoje concorrem para a manutenção da vitalidade
das áreas centrais de algumas cidades brasileiras. A
lógica que preside a criação desses espaços consiste em
romper a ocupação maciça do solo urbano com atalhos
e percursos alternativos, em geral convenientemente
protegidos contra as intempéries, de modo a atrair o maior
número de passantes. É o que fez, por exemplo, David
Libeskind no Conjunto Nacional (1954-1958), ao configurar
o térreo como extensão do espaço urbano. Além da
ausência de obstáculos à livre circulação de pessoas,
Libeskind cancela a oposição entre edifício e cidade ao
criar generosas ruas internas com a mesma pavimentação
das calçadas adjacentes e reunir passantes, residentes,
trabalhadores, lojistas e clientes num mesmo espaço.
Oscar Niemeyer adotou uma estratégia similar no
projeto para o Edifício Copan (1951-1966). Abrindo-se
francamente à cidade, as galerias do prédio introduzem um
percurso peatonal intraquadra totalmente independente do
sistema viário, ativando um comércio que, de outro modo,
permaneceria invisível e inacessível [fig. 2]. No Copan, o
pavimento térreo se desdobra em uma complexa geometria
de forma a acomodar a diferença de nível entre a avenida
Ipiranga e a Vila Normanda. Assim, Niemeyer rompe com a
excessiva diferenciação entre circulações verticais e planos
horizontais habitáveis, evitando a solução simplista de
criar pavimentos estanques ligados apenas por elementos
de circulação especializados. A conformação topográfica
desse chão artificial enfatiza o caráter público do edifício ao
dissolver as diferenças entre cidade e arquitetura em favor
de um contínuo espacial e perceptivo.
REDESENHAR O CHÃO

Em certas circunstâncias, a estratégia de manipular o


desenho do chão para dissimular a presença da arquitetura
pode contribuir para preservar a integridade dos espaços
livres da cidade. Trata-se, melhor dizendo, de configurar
o edifício como uma intervenção topográfica, a fim de
dissolver intencionalmente os limites entre objeto construído
e paisagem urbana. Essa estratégia pode ser verificada no
Museu Brasileiro da Escultura (Mube), de autoria de Paulo
Mendes da Rocha (1986-1995). O projeto parte de uma
reconstrução topográfica do terreno de modo a configurar
um intervalo livre que se articula em dois níveis: uma praça
inferior, que recebe os visitantes, e uma praça superior, que
se apresenta como um jardim público [fig. 3]. Como explica
o próprio arquiteto, o museu em si não reside nos espaços
fechados do objeto construído, mas nos espaços livres que
se desdobram no jardim de esculturas da praça superior,
no anfiteatro ao ar livre e na sombra gerada pela cobertura.
Aproveitando a variação topográfica das ruas adjacentes,
Mendes da Rocha dispõe o edifício no intervalo vertical entre
essas duas praças, fazendo-o desaparecer como objeto
construído. Esse desaparecimento perceptivo do edifício
evita que a arquitetura crie obstruções que comprometam o
uso e a fruição dos espaços livres. Extrapolando sua função
de equipamento cultural, o MuBE atesta a possibilidade
de uma coexistência pacífica entre artefato construído e
espaços livres.

ELIMINAR OS MUROS

Geralmente associada a edifícios públicos, a estratégia de


eliminar os muros das construções como forma de ampliar
a oferta de espaços livres da cidade pode ser igualmente
aplicada a edifícios privados, como faz, por exemplo, Oscar
Niemeyer no edifício residencial localizado na Praça da
Liberdade, em Belo Horizonte [fig. 4]. Ali, a incomum ausência
de muros divisórios ao nível do chão dissolve os limites entre
domínios público e privado, apresentando a área em pilotis no
térreo como extensão natural do passeio. Ao mesmo tempo,
o intervalo situado entre a plataforma horizontal no nível
da praça e o desnível do terreno gera um espaço habitável
em subsolo parcialmente utilizado como estacionamento,
liberando, originalmente, o térreo para uso das pessoas. À
maneira de uma praça coberta, o edifício evita configurar-se
como espaço fechado em favor da continuidade e abertura
ao exterior, uma tradição da arquitetura brasileira desde as
primeiras experiências de Oscar Niemeyer na Pampulha.
A quase ausência de fechamentos externos, associada à
continuidade das calçadas portuguesas em direção ao
interior, introduz no edifício atributos que são comumente
associados a espaços urbanos.
Contudo, talvez o exemplo mais notável da possibilidade
de dissolução dos muros da arquitetura esteja no projeto
da marquise do Parque Ibirapuera (1952), em São Paulo
[fig. 5]. Com cerca de 28 mil metros quadrados de área
construída, a marquise funciona como ligação entre os
diversos equipamentos culturais do parque, oferecendo
um abrigo qualificado contra o excesso de chuva e de
sol. Niemeyer concebeu o edifício apenas como um teto,
sem nenhum tipo de compartimentação ou fechamentos
laterais. É, portanto, surpreendente que um arquiteto tenha
sido capaz de erguer um edifício desse porte sem função
definida, a não ser de projetar sua própria sombra sobre
o solo. Esse tipo de mediação relaxada entre diferentes
domínios – construído e não construído, interior e exterior,
edifício e paisagem – tira partido da amenidade do clima
brasileiro, que possibilita o uso dos espaços exteriores
durante praticamente todos os dias do ano. Sem dúvida, é
a ausência de muros e outras determinações que permite
à marquise ampliar significativamente a capacidade do
Parque Ibirapuera abrigar toda sorte de acontecimentos.

HABITAR AS INFRAESTRUTURAS

Para além do desenho de edifícios, há situações em que


a própria infraestrutura urbana deixa de ser uma barreira
para configurar-se como espaço habitável. O exemplo
mais notável desse tipo de estratégia é, sem dúvida, a
Plataforma Rodoviária de Brasília [fig. 6]. Situada no
principal entroncamento viário da capital federal, ela resulta
da apropriação da sombra gerada pela sobreposição
dos eixos Rodoviário e Monumental. Ainda que ocupe o
cruzamento mais importante do Plano Piloto, o edifício não é
reconhecível por sua aparência, sendo quase imperceptível
aos passantes. Essa invisibilidade do edifício como objeto é
uma de suas principais virtudes, pois reforça sua condição
de infraestrutura urbana e intensifica o conjunto de relações
1. Para uma discussão ampliada que ele estabelece com a cidade.1 Trata-se de uma estratégia
sobre o caráter infraestrutural que evita deliberadamente a obra monumental, individualista
deste e de outros edifícios, ver
e autorreferente, para se concentrar na construção do
Carlos Alberto Maciel, Arquitetura
como infraestrutura, tese de território por meio de costuras no tecido urbano.
doutorado. Belo Horizonte: Escola
de Arquitetura da UFMG, 2016. Embora a arquitetura não seja capaz de determinar
como as ações humanas se desenvolvem no espaço, sua
presença física excessiva pode facilmente interditá-las.
O muro é, por excelência, a mais perfeita materialização
dessa capacidade obstrutiva da arquitetura. Reconhecer
os conflitos que resultam dessa presença excessiva abre
uma perspectiva para que se desfaçam as determinações
[Fig. 4] Edifício Niemeyer, Arq. Oscar
Niemeyer. Fotografia: Joana França.
[Fig. 5] Marquise do Parque do
Ibirapuera, Arq. Oscar Niemeyer.
Fotografia: Nelson Kon.
[Fig. 6] Plataforma Rodoviária
de Brasília, Arq. Lúcio Costa.
Fotografia: Joana França.
materiais desnecessárias e para que as cidades se façam
essencialmente de espaços livres. Propor a construção
desses espaços livres parte do princípio de que o excesso de
materialidade da arquitetura é um dos maiores obstáculos, se
não o maior, à espacialização dos acontecimentos humanos. A
ideia de projetar ausências de construção pode ser entendida
como uma reação ao excesso de determinação imposto pela
solidez da matéria construída, porque é neles, nos espaços
livres, que reside toda possibilidade de indeterminação.
Afirmar o protagonismo do espaço livre implica decretar a
total irrelevância da aparência dos edifícios na configuração
desse que é o fato urbano essencial. Isso porque o valor de
uso da arquitetura não está na sua imagem ou materialidade,
mas nos espaços livres que ela conforma e que articulam
relações. Fazer arquitetura consiste, portanto, em construir
espaços livres para abrigar os acontecimentos humanos.
Há um belo – e conhecido – poema de João Cabral de
Melo Neto que descreve o que, a meu ver, seria essência
do trabalho do arquiteto: “A arquitetura como construir
portas, / de abrir; ou como construir o aberto; / construir,
não como ilhar e prender, / nem construir como fechar
secretos; / construir portas abertas, em portas; / casas
2. João Cabral de Melo Neto, exclusivamente portas e teto”.2 Construir portas no lugar de
“Fábula de um arquiteto”, Obra muros, aberturas no lugar de fechamentos, continuidades
completa: volume único. Rio
em vez de rupturas, integrações em vez de segregações.
de Janeiro: Nova Aguilar, 1994,
pp.345‑346. Cidades que resultassem desse modo de fazer arquitetura
se apresentariam como ambientes mais propícios a abrigar
a vida coletiva do que essas que ora habitamos. Ainda que
cidades sem muros e de portas abertas existam apenas
no domínio da imaginação literária, a potência dessa
imagem poética inspira a construção de espaços de maior
liberdade. Se há alguma possibilidade de que cidades como
essas se materializem, ela não se encontra nos grandes
gestos urbanísticos, mas na soma das pequenas ações
que constroem cada um dos espaços que as conformam.
Portanto, cabe a cada gesto arquitetônico individual, a
cada elemento construído, a tarefa de ampliar a oferta e a
qualidade dos espaços livres que conformam a experiência
cotidiana da cidade. Construir o aberto, não apenas como
imagem poética, mas como ação concreta, é a arquitetura
que hoje se faz necessária.

Bruno Santa Cecília (Belo Horizonte, 1977) é arquiteto


e urbanista (2000), mestre em teoria do projeto (2004)
e doutor em teoria, produção e experiência do espaço
(2016) pela Escola de Arquitetura da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também é
professor do Departamento de Projetos. É sócio titular
do escritório Arquitetos Associados. Vive e trabalha
em Belo Horizonte (MG).
Desmontar, GRU.A + OCO 346
aterrar
e perfurar

AS AÇÕES QUE TRANSFORMAM E OS RASTROS QUE


PERMANECEM NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Situada em uma região alagadiça, com a presença de


grandes maciços rochosos, a cidade do Rio de Janeiro
foi marcada, no curso de sua urbanização, por uma
série de operações que transformaram radicalmente
sua geomorfologia: desmontes e atravessamentos de
morros, aterros sobre o mar, lagoas. Se por um lado essas
operações criaram as condições para o assentamento da
população crescente, por outro modificaram radicalmente
sua distribuição no território, gerando importantes
impactos políticos e sociais. Nessa cidade, o raciocínio
transformador forja uma paisagem construída pelo desejo
humano, na qual os limites entre natureza e ação não
estão claramente definidos.
O presente ensaio é parte de uma pesquisa
desenvolvida por dois coletivos de arquitetos, GRU.A
e OCO, ambos sediados no Rio de Janeiro.1 Ao abordar 1. Participaram desta pesquisa, pelo
o tema, buscamos nos desprender de julgamentos GRU.A (Grupo de Arquitetos), Caio
Calafate, Pedro Varella, André
apriorísticos e nos colocar diante das contradições que
Cavendish, Júlia Carreiro e Isadora
envolvem essas operações. Se por um lado as ações Tebaldi; pelo OCO, Juliana Sicuro e
de desmontar, aterrar e perfurar foram responsáveis Vitor Garcez.
por transpor elementos físicos que se apresentavam
como obstáculos à urbanização, por outro resultaram
na criação de novas barreiras – ou muros de ar –, uma
vez que muitos dos nossos exemplos são projetos de
infraestrutura pouco atentos à necessidade de mediação
entre escalas.
Ao mesmo tempo que criaram possibilidades
extraordinárias do ponto de vista da experimentação
urbanística – como no caso do aterro do Flamengo –,
essas intervenções também foram responsáveis por
alterar elementos marcantes da paisagem, demonstrando
N 1KM 5KM

GUANABARA
BAÍA DE
34
36 34

28
01 - 17

32
16
29
RIO DE JANEIRO 30
31
18
19
23 20
21
24 22
25
26
33 27
02. lagoa da sentinela OCEANO ATLÂNTICO
07. região portuária
08. lagoa da pavuna
11. lagoa de santo antônio 01. túnel martim de sá 18. túnel do pasmado 26. túnel de são conrado
12. lagoa do boqueirão da ajuda 04. túnel joão ricardo 19. túnel novo 27. túnel do joá
13. lagoa do desterro 05. túnel nina rabha 20. túnel velho 29. túnel da covanca
14. aterro do flamengo 06. mergulhão z. portuária 21. túnel major rubens vaz 30. túnel geólogo enzo totis
23. lagoa rodrigo de freitas 03. morro do senado 15. túnel santa barbara 22. túnel sá freire alvim 31. túnel enaldo c. peixoto
28. ilha do fundão 10. morro do castelo 16. túnel noel rosa 24. túnel rafael mascarenhas 32. corredor tancredo neves
34. ilha do governador 11. morro de santo antônio 17. túnel rebouças 25. túnel dois irmãos 33. túnel jose alencar

ATERRAR DESMONTAR PERFURAR

04. perfuração do túnel joão


ricardo
05. perfuração do túnel nina rabha
06. perfuração do túnel 450 anos
07. aterro da região portuária
08. perfuração do túnel josé de
alencar
09. aterro da lagoa da pavuna
10. perfuração do mergulhão da
praça xv

GUANABARA
BAÍA DE
11. aterro da lagoa de santo
01. perfuração do túnel martim de sá antônio
02. aterro da lagoa da sentinela 12. desmonte do morro do castelo
03. desmonte do morro do senado 13. desmonte do morro de santo
antônio
14. aterro da lagoa do boqueirão
da ajuda
15. aterro da lagoa do desterro
1KM 16. aterro do flamengo
17. perfuração do túnel santa
barbara

[Fig. 1] Mapeamento das


transformações geomorfológicas
na cidade do Rio de Janeiro.
[Fig. 2] Principais alterações
geomorfológicas no centro da
cidade do Rio de Janeiro.
P_ A_ D_ P_
M³ D_ desmontar

M² A_aterrar

M P_perfurar

01. túnel martim de sá 02. lagoa da sentinela 03. morro do senado 04. túnel joão ricardo
date 1977 date 1779 date 1880 date 1921
size 304m area 8 168m² volume 6 005 960m³ size 293m

P_ P_ A_ A_ A_

05. túnel nina rabha 06. mergulhão z. portuária 07. região portuária 08. lagoa da pavuna 09. lagoa de santo antônio
date 2013 date 2015 date 1910 date 1749 date aprox. 1600
size 80m size 1 480m² area 175 000m² area 28 913m² area 20 665m²

D_ D_ A_ A_ A_

10. morro do castelo 11. morro santo antônio 12. lagoa do boqueirão 13. lagoa do desterro 14. aterro do flamengo
date 1920 date 1950 date 1780 date 1643 date 1920-65
volume 10 847 760m³ volume 11 259 960m³ area 55 866m² area 23 421m² area 2 581 165m²

P_ P_ P_ P_ P_

15. túnel santa bárbara 16. túnel noel rosa 17. túnel rebouças 18. túnel do pasmado 19. túnel novo
date 1963 date 1970 date 1962 date 1952 date 1906/49
size 1 357m size 720m size 2 800m size 220m size 250m

P_ P_ P_ A_ P_

20. túnel velho 21. túnel major rubens vaz 22. túnel sá freire alvim 23. lagoa rodrigo de freitas 24. túnel rafael mascarenhas
date 1892 date 1963 date 1960 date 1922 date 1971
size 182m size 220m size 326m area 1 497 295 m² size 500m

P_ P_ P_ A_ P_

25. túnel dois irmãos 26. túnel de são conrado 27. túnel do joá 28. ilha do fundão 29. túnel da covanca
date 1971 date 1971 date 1967 date 1952 date 1997
size 1 522m size 165m size 344m area 3 703 120m² size 2 187m

P_ P_ P_ P_ P_

30. túnel geólogo enzo totis 31. túnel enaldo c. peixoto 32. corredor tancredo neves 33. túnel josé alencar 34.ilha do governador
date 1997 date 1997 date 2016 date 2012 date 1978/99
size 161m size 153m size 1 337m size 1 112m area 5 536 337

[Fig. 3] Lista das transformações


geomorfológicas na cidade do
Rio de Janeiro.
pouca vontade de conciliação com a preexistência.
Procuramos, entretanto, construir aqui um discurso
aberto, cujo principal objetivo é contribuir para diversificar
o entendimento sobre as cidades e suas múltiplas
camadas de significação.
Nesse sentido, nos aproximamos da temática em
questão a partir da combinação de dois conjuntos
de fontes distintas: por um lado, o farto repertório
iconográfico e textual produzido ao longo do tempo
por geógrafos, arquitetos-urbanistas, literatos e
2. Foram referências fundamentais historiadores,2 e por outro os registros de uma experiência
para a elaboração desse ensaio as do cotidiano de quem habita a cidade, as impressões de
seguintes fontes cartográficas,
um tempo presente que, ao invés de produzirem provas
bibliográficas e audiovisuais:
Mauricio de Almeida Abreu, irrefutáveis sobre um passado a ser desvelado, nos
Geografia histórica do Rio de auxiliam a formular nossas próprias narrativas [fig. 1, 2,
Janeiro (1502-1700). Rio de Janeiro: 3]. Juntos, mapa e tabela têm como objetivo mensurar as
Andrea Jakobsson Estúdio; operações e localizá-las no tempo e no espaço.
Prefeitura do Município do Rio de
Janeiro, 2010. Verena Andreatta,
No período de tempo que compreende toda a
Atlas Andreatta: Atlas dos planos urbanização da cidade do Rio de Janeiro, é possível
urbanisticos do Rio de Janeiro identificar três momentos que concentram boa parte
de Beaurepaire‑Rohan ao Plano das intervenções em questão. No primeiro período –
Estratégico. Rio de Janeiro: entre meados do século 17 e meados do 18 –,a cidade se
Vivercidades, 2008. Eduardo
Barreiros Canabrava, Atlas da
expandiu do morro do Castelo em direção à várzea mais
evolução urbana da cidade do próxima, zonas alagadiças são aterradas sucessivamente
Rio de Janeiro: Ensaio, 1565-1965. e as cinco lagoas que ali existiam – Pavuna, Desterro,
Rio de Janeiro: IHGB, 1965. “Entre Santo Antônio, Boqueirão da Ajuda e Sentinela –
Morros e Mares”, Ana Luiza Nobre desaparecem do território onde hoje se situa o centro
(concepção e roteiro). Disponível
em: www.youtube.com/watch?time_
financeiro da cidade.
continue=1&v=9CWZdZDdI6w. No final do século 19 e início do 20, observa-se uma
Acesso em: 11 mar. 2018. ImagineRio. nova sequência de ações de transformação do território,
Disponível em: imaginerio.org. que foram intensificadas e encontram semelhanças
Acesso em: 16 mar. 2018. em reformas urbanas ocorridas em diversas cidades
europeias. Nesse período, foram desmontados os morros
do Senado e do Castelo para a abertura de uma zona plana
e seca na região central da cidade. Em paralelo, foram
executadas diversas obras de infraestrutura viária que
expandiram a cidade para sul e norte e envolveram tanto a
execução de túneis – como o túnel Velho e o túnel da rua
Alice – quanto de aterros, como aquele que deu origem à
avenida Beira-Mar e ao novo Porto do Rio.
Em meados do século 20, a cidade novamente sofreu
transformações de grande porte. O morro de Santo
Antônio – cujo plano de demolição estava previsto desde
o início do século – começou a ser desmontado. Com o
depósito de suas terras arrasadas, executou-se um aterro
de grandes proporções junto à avenida Beira-Mar, onde
hoje localiza-se o parque do Flamengo. Nesse mesmo
momento, grandes infraestruturas são construídas, como
a avenida Perimetral e o túnel Rebouças, que visavam
articular o tráfego de veículos entre as zonas Sul e Norte
e o centro.
350

ladeira da
misericórdia

[Fig. 4] situação – Morro do Castelo.


[Fig. 5] rastro – o que restou da
Ladeira da Misericórdia.
Na última década, o Rio de Janeiro passou por mais
um intenso processo de transformação urbana, dessa
vez motivado pelos grandes eventos esportivos que
sediou – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos
de 2016 – e pelo 450° aniversário de sua fundação. Essas
obras recentes demonstram que se faz presente ainda
hoje no Rio de Janeiro uma certa cultura da transformação,
identificada desde o início de sua urbanização, e reforçam
a atualidade do tema.
Por fim, selecionamos três casos para aproximação:
o desmonte do morro do Castelo, na área central da
cidade conhecida hoje como esplanada do Castelo; a
lagoa da Pavuna, nos arredores da atual rua Uruguaiana;
e a abertura do túnel Santa Bárbara, entre os bairros
de Botafogo, na zona Sul da cidade, e Catumbi, na zona
central. Procuramos, por meio desses casos, explorar
graficamente a sobreposição de tempos no espaço,
de modo a promover uma leitura complementar à
cartografia bidimensional.
A essas aproximações somam-se pequenos relatos
cotidianos que nos ajudam a lançar luz às presenças
materiais que evidenciam as transformações empreendidas
na cidade – e nos estimulam a pensar sobre a sobreposição
de tempos no espaço que habitamos.
inserir subtítulo, como está no inglês

A ESPLANADA DO CASTELO E A LADEIRA SEM FIM

O desmonte do morro do Castelo (1922) figura entre


as mais relevantes operações de transformação
geomorfológica da paisagem carioca. O interesse por
essa parcela da cidade data de antes de sua demolição
e se justifica pela importância que o morro teve nos
primórdios do processo de ocupação do território pelos
3. Um dos célebres escritos sobre colonos portugueses.3
o Morro do Castelo data de 1905: Um dos acessos ao morro do Castelo se dava pela
são “os subterrâneos do castelo”,
chamada ladeira da Misericórdia, que hoje se resume
conjunto de crônicas publicadas
ao longo desse ano por Lima ao seu trecho inicial, com pouco mais de cem metros de
Barreto. Ver Lima Barreto, “O extensão. Quem sobe agora o que sobrou da ladeira vê seu
Subterrâneo do Morro do Castelo”, caminhar interrompido de repente, sem que haja nenhum
Correio da Manhã, 28-29 abril tipo de mediação física entre a seção remanescente e o
1905, 2-10 mai. 1905, 12 mai. 1905,
14-15 mai. 1905, 19- 21 mai. 1905,
trecho demolido. A ladeira é, hoje, um plano oblíquo que
23-28 mai. 1905, 30 mai. 1905, 1 jun. corta o tempo e a história; mas, ao contrário do que o
1905, 3 jun. 1905. leitor possa pensar, não há nesse sítio nada do zelo pelo
passado que é comum às áreas de relevância histórica dos
grandes centros urbanos do mundo ocidental. Tanto para
os que habitam a cidade quanto para os que a visitam a
passeio, a ladeira sem fim – referida aqui tanto no sentido
da ausência de final quanto no de finalidade específica –
raramente está incluída em qualquer itinerário.
SAARA

[Fig. 6] situação – Lagoa da Pavuna.


[Fig. 7] rastro – águas retornam a
superfície em área alagadiça.
Foi nos últimos anos, no contexto da proliferação dos
blocos de rua que se espalham pelo Rio em época de
Carnaval, que tivemos a oportunidade de revisitar o local. É
relevante que tenha sido nesse contexto, quando o caminhar
se livra do pragmatismo cotidiano, que a ladeira sem fim
reapareceu em nosso imaginário, se apresentando tanto
como rastro de um tempo que não vivemos quanto como um
trágico suporte para a condição urbana atual do centro do
Rio. O odor inconfundível que se sente dali é um anúncio de
que a ladeira, que imaginávamos sem finalidade, na verdade
vem sendo usada sistematicamente como um grande
banheiro não oficial pelos moradores em situação de rua.

O SAARA E A LAGOA INSISTENTE

Pouco se sabe sobre o assunto, mas na região conhecida


agora como SAARA havia uma lagoa bordeada por uma rua,
chamada Uruguaiana, que hoje abriga um mercado popular
de mesmo nome, talvez o mais potente centro comercial
da cidade. Em 1749, o então governador Gomes Freire de
Andrade ordenou o aterro dessa lagoa, a lagoa da Pavuna, a
pretexto de expandir a malha urbana na região central.
A área correspondia a quase 30 mil metros quadrados. No
lugar onde hoje a retícula desenha o tecido vibrante de ruas
comerciais, repousa aparentemente inerte a poça em que
um dia se banharam indígenas e forasteiros. Camadas de
urbanização apagam da visão aquela que foi a mais extensa
das lagoas aterradas no centro da cidade, cinco no total.
Sua existência, no entanto, vibra em tecidos subterrâneos,
secretos, clandestinos, que o homem não vê, mas que num
piscar de olhos aflora como rastro da paisagem apagada.
Essa vibração é sentida no Rio de Janeiro a cada verão,
quando o clima tropical costuma provocar intensas
tempestades. Dez minutos de um típico temporal carioca
são suficientes para tornar as ruas do SAARA verdadeiros
canais, que rapidamente e sem pedir licença adentram as
arquiteturas. Lojistas tentam fechar suas portas, mas as
frestas não impedem que as águas ali emergidas pouco
a pouco comprimam as pessoas no interior dos recintos.
Elas vazam do asfalto que impermeabiliza o chão criado
por cima da lagoa e, para sair dali, é preciso recorrer a
pequenas pontes improvisadas ou esperar o lento retorno
das águas ao subterrâneo.

O CATUMBI E A CHAMINÉ MIRANTE

O Catumbi, um dos bairros mais antigos do Rio de Janeiro,


viveu na pele os vários momentos da urbanização da
cidade. Seu nome, de origem indígena, faz referência
chaminé
da fábrica

[Fig. 8] situação –
túnel Santa Bárbara.
[Fig. 9] rastro – silo de construção
industrial demolida.
direta à condição geográfica de vale úmido e sombreado.
Sobre as terras úmidas se ergueram sobrados e chácaras
no período colonial. Com a expansão da cidade para a orla
marítima, o bairro logo perdeu o prestígio conquistado
como residência das classes abastadas, passando a
abrigar fábricas como a Cervejaria Brahma e a Refinaria
Ramiro, conhecida também como Fábrica de Açúcar Brasil,
inauguradas em 1888 e 1855, respectivamente.
A construção do túnel Santa Bárbara, juntamente
à via que dá acesso ao bairro, coincide, entretanto,
com a desapropriação e a posterior demolição da
refinaria, nos anos 1960. O que resta dessa edificação
é um fragmento que hoje se encontra em pleno espaço
público. Sua presença não atrapalha o pragmatismo dos
fluxos metropolitanos. A antiga chaminé se apresenta
como uma das poucas referências verticais em uma
paisagem essencialmente horizontal, protagonizada
pelas infraestruturas viárias. Destituída de sua função
específica – levar aos céus os vapores produzidos na
atividade industrial –, a torre torna-se elemento sugestivo
de um movimento ascendente, reforçado pela escada de
vergalhão contígua à superfície de tijolos. Torna-se algo
como um mirante impossível ou, no mínimo, vertiginoso.

Caio Calafate (Rio de Janeiro, 1987)


é arquiteto pela PUC-Rio (2010) e
sócio do Grua (2013).

Pedro Varella (Rio de Janeiro, 1987)


é arquiteto pela UFRJ (2012) e sócio
do Gru.a (2013).

Juliana Sicuro (Rio de Janeiro,


1988) é arquiteta pela PUC-Rio
(2010) e sócia do Oco (2014).

Vitor Garcez (Rio de Janeiro, 1988)


é arquiteto pela PUC-Rio (2011) e
sócio do Oco (2014).

Colaboradoras: Julia Carreiro (Rio


de Janeiro, 1993) e Isadora Tebaldi
(Niterói–RJ, 1993).
10
Criptografias do poder:
desobediência e
exclusão na cidade
Quão libertador pode
ser o pixo em revelar
as lógicas de poder
da cidade?
É como se São Paulo fosse um negligência dos governos em relação
caderno gigante, e o pixador a uma classe com poucos canais de
preenche os vazios. expressão. Em uma atividade que envolve
– Pixobomb, pixador1 afirmações de desobediência civil – afinal,
os pixadores se apropriam de espaços
Como disse um pixador veterano de São públicos e privados sem permissão – uma
Paulo, cada muro é uma folha, escolhida população marginalizada é capaz de se
e marcada com notas que são, ao mesmo expressar, ocupando um território onde
tempo, pessoais e coletivas. Os muros geralmente não é bem-vinda.
literais que compõem a cidade são o foco Em entrevista publicada aqui, o pixador
de Criptografias do poder. O capítulo Cripta Djan – um dos maiores nomes do
analisa como o pixo – sinais gráficos em movimento – fala sobre o pixo como reação
formas de letras, pintados com spray – à segregação espacial e como forma de
desafia a dinâmica do poder na cidade, reivindicar o direito à cidade. A ocupação
além de seu potencial de romper limites simbólica de espaços onde os pixadores
entre público e privado ao denunciar não são desejados é, segundo ele, sua
questões sociais no ambiente urbano. maneira de contribuir com o espaço público.
Muitas vezes concentrado nas áreas Ao se espalhar horizontal e
centrais da cidade, o pixo é ao mesmo verticalmente pela cidade, o pixo
tempo revelador e escondido. Desde a confronta muitos dos papeis simbólicos da
resistência ao regime militar autoritário arquitetura no ambiente urbano. Da mesma
nos anos 1960, os pixadores consideram forma que edifícios altos costumam ser
a prática de pintar mensagens nos muros vistos como expressão arquitetônica da
da cidade uma forma de protesto. Na ambição humana, do poder corporativo e
época, contudo, os escritos eram claros e da modernidade dos materiais, sua altura
feitos para ser lidos por qualquer pessoa. também é um valor para os pixadores.
No início dos anos 1980, influenciado Apropriando-se desses significados,
principalmente pelo movimento punk, um eles fazem do ato de pintar com spray –
setor marginalizado da juventude começou quase sempre preto – no alto de edifícios
a explorar essas mensagens como um meio de muitos andares uma afirmação de
de comunicação que atingisse apenas seu seu poder de contestar o establishment
próprio grupo social. Assim, passaram socioeconômico e sua expressão espacial.
a cifrar ou criptografar suas mensagens Os pixadores também se apropriam
com uma espécie de código pessoal, da ideia de desafiar a lei. Se Cripta Djan
que funciona tanto como assinatura de explica isso como parte da cultura do
um pixador quanto como marca de um pixo, a juíza Kenarik Boujikian, da Corte
grupo – todos pertencentes a um espectro de Justiça de São Paulo, discute os
socioeconômico excluído da sociedade desafios do sistema judiciário brasileiro
civil e desamparado pelo Estado. As em relação ao ativismo nas cidades e à sua
mensagens cifradas nos muros da cidade penalização. Mencionando a concentração
foram feitas para ser vistas por muitos, mas espacial das penas nas margens das
entendidas apenas por alguns. cidades, ela sugere que a presença do pixo
Embora codificado, o pixo revela nos centros expressa a reivindicação de
a dinâmica de poder subjacente que espaço pelas comunidades segregadas.
define inclusão e exclusão na metrópole. A presença desse segmento específico
Expõe questões como o abandono de de ativistas anti-heroicos nas ruas é
edifícios devido à dinâmica do mercado discutida ainda por Victor Carvalho Pinto,
e à distribuição desigual de capital entre juiz especializado em infraestrutura e
diferentes áreas da cidade; a burocracia desenvolvimento urbano. Em seu ensaio para
e a legislação urbana; a privatização este capítulo, ele detalha as formas como
dos espaços públicos; e, finalmente, a os aspectos legais da administração urbana
complicam o papel do direito e das políticas no Instagram – também destacando a
públicas na recuperação de espaços importância das mídias sociais na cultura
públicos perdidos, enquanto o aspecto social urbana contemporânea – é possível
das áreas urbanas é transferido, cada vez visualizar a distribuição geográfica das
mais, para a esfera privada. menções de “pixo”, “pixação” e “xarpi” por
Embora o pixo ocorra nos espaços meio de suas localizações na cidade. Além
públicos perdidos, seu aspecto privado é disso, as multas aplicadas aos ofensores
garantido pela codificação das mensagens e as notícias dos últimos trinta anos que
pintadas nos muros. A especificidade mencionam o pixo são georreferenciadas
da linguagem de cada pixador é uma e exibidas com a data, veículo de mídia e
expressão de sua identidade no grupo e título. Combinadas, essas informações
da comunidade do pixo. A decodificação fornecem uma descrição das formas pelas
de inscrições criptografadas nos muros quais a sociedade vê essa prática e as
do Rio de Janeiro é o tema do ensaio lógicas de punição que ela implica.
de Paulo Orenstein, que descobre uma Por fim, o mapa cruza esses dados com
complexidade matemática inesperada por mais de 40.000 pontos de preços do metro
trás da expressão sem lei das comunidades quadrado dos edifícios desse recorte –
das periferias urbanas. dados fornecidos pelo DataZap – bem
Esses aspectos estão visíveis também como com informação sobre as instituições
nas obras de arte que trazem uma nova culturais emblemáticas que os pixadores
perspectiva à pesquisa. Ivan Padovani atacaram no passado. Com a coleção
fotografa as empenas cegas que dessas informações pretende-se discutir a
caracterizam a cidade de São Paulo, e que prática do pixo, visualizando a magnitude
servem constantemente como folhas em do movimento e seus alvos e, assim, refletir
branco para um caderno de pixos. Já Pablo sobre a concentração de poder nas cidades
López Luz fotografa mensagens cifradas nos e melhor entender as formas de expressão
muros do centro de São Paulo, retratando o de um grupo marginalizado da sociedade.
aspecto estético desse fenômeno espacial.
A pesquisa propõe uma nova leitura do
1. Em depoimento ao documentário
pixo, associada a uma visão mais ampla do PIXO (2009, direção João Wainer e
contexto urbano em que ele é empregado. Roberto T. Oliveira).
Evita-se discutir a presença ou ausência de
arte no pixo, para investigar, em vez disso, as
divisões sociais que o geram. Como o muro
é elemento indispensável da prática do pixo,
Criptografias do poder olha para o tema
Muros de ar, material e conceitualmente,
pelo prisma de uma forma de expressão
marginalizada no ambiente urbano.

O mapa

No intuito de revelar os lugares onde os


ataques do pixo aconteceram e para refletir
sobre as lógicas de poder da cidade por
meio do pixo, o mapa concentra-se na
área do centro expandido de São Paulo, a
cidade que é emblematicamente conhecida
como o berço dessa prática. Usando
dados coletados de 12.853 postagens
Ivan Padovani
Campo cego, 2014
Fotografia digital. Impressão jato
de tinta em papel de algodão sobre
chapa de alumínio e composto de
cimento e celulose
Pablo López Luz
Pixo III, 2015
Fotografia
entrevista: 372
Cripta Djan

Djan Ivson (São Paulo, 1984), ou


Cripta Djan (como é conhecido
nas ruas e no mundo das artes),
é pixador, artista e ativista.
Começou a pixar aos treze anos
quando integrou a gangue Cripta,
que integra até hoje. Participou
de momentos emblemáticos
para o pixo em São Paulo, como a
invasão do Centro Universitário de
Belas Artes e da 28ª Bienal de São
Paulo (2008); do documentário
PIXO, dirigido João Wainer (2009);
de exposições como Né dans la
rue, na fundação Cartier, Paris
(2009); e da Bienal de Arte
Contemporânea de Berlim (2012).
Atualmente registra o pixo em
vídeos e se empenha em levar
essa cultura para outros lugares
do mundo.
Muros

Quais fronteiras sociais e políticas


a atividade do pixo busca expor e
enfrentar? Qual é o primeiro embate
quando você vai para a ação?
O primeiro embate é a desobediência
civil: enfrentar o Estado, não seguir as
leis estabelecidas. Tem a questão da
visibilidade, da busca da promoção
existencial. O pixo reivindica o direito à
cidade, que é negado para a maioria das
pessoas. Cidade regida pelo patrimônio
privado, pela especulação imobiliária
que expulsa pessoas para as periferias.
O espaço público está virando uma
utopia, é totalmente privado. O pixo é uma
retomada da cidade por parte dos excluídos.
Ocupamos simbolicamente lugares que não
foram planejados para nós. É uma forma
pública de participar da cidade.

Evidências

Quais são os indícios das separações


geográficas que o pixo quer
desobedecer? Quais são os critérios
para a escolha do local a ser pixado?
O pixo tem vida própria. O muro separa
as pessoas por classe, o pixo cria um
diálogo através do conflito. Cada vez que
surgir um muro, vai ter um pixo, entendeu?
É consequência. Essas divisões estão
cada vez mais reforçadas: condomínios
fechados, lugares totalmente monitorados.
Acho que o pixo é a maior resposta para a
segregação espacial de São Paulo. Temos
uma tática de guerrilha, um modus operandi
– tradições, códigos de conduta. Em relação
à cidade, temos uma visão artística instintiva.
Queremos fazer o pixo bonito, queremos
seguir o padrão da arquitetura do lugar.
Sempre olhamos a cidade em transformação.
Cada muro que surge, cada prédio que se
levanta, sempre avaliando as estruturas,
onde subir, onde o pixo fica melhor. Uma vez
pixador, o cara olha a cidade assim. É uma
espécie de esporte radical da periferia. Você
enfrenta, desobedece leis. O crime é o preço
que pagamos pela nossa liberdade.
Efeitos colaterais muitos simpatizantes do pixo desenvolvem
o olhar, conseguem ler alguma coisa.
Qual a diferença entre os Cada pixador tem um mundo estético
desdobramentos quando a prática do próprio; se o cara fala que aquilo é um R
pixo é entendida como manifestação ou um L, temos que aceitar. O legal é essa
política e como expressão estética? abertura. O pixo trabalha uma questão
O ato é político, é um movimento de muito humana: apesar de vivermos em
resistência popular, é autoeducação. coletividade, temos uma individualidade
Você tem a oportunidade de recriar seu que precisamos aceitar, por mais que
nome, ser alguém diferente, com uma julguemos. Hoje, vejo o feio como estilo:
identidade estética própria. Isso leva se o cara mudar fica zoado, se fizer uma
anos, eu pixo há 21. Você escreve sob letra bonitinha não é ele.
pressão, de ponta cabeça, pendurado.
Você usa o corpo, coloca sua vida no
limite. Amadurecer a identidade envolve Comportamento e micropolítica
muito amor e dedicação. O pixo nasce da
ausência do Estado. Quando saímos para Quais experiências de transposição de
pixar a cidade, o enfrentamento e o ódio fronteiras você acredita haver no caso
são os combustíveis para ocupar um lugar dos ataques aos espaços da arte, como
que não foi construído para nós. A forma o Centro Universitário de Belas Artes e a
como somos oprimidos e agredidos na 28ª Bienal de São Paulo?
periferia. A desigualdade é violenta. Sem Essas invasões no campo da arte
igualdade não existe democracia, não aconteceram de forma meio predestinada.
tem como a cidade se tornar um corpo Nosso amigo, o Rafael Pixobomb, foi
coletivo. Essas divisões vão aumentando estudar na Belas Artes e enxergou em
a pressão. O cara está jogado, mora em que posição o pixo estava. Começou
um lugar desfavorável geograficamente, com uma visão para seu TCC: se a gente
empurrado para encostas, para as beiras já tinha pixado tudo – prédio, escalada,
dos rios, para lugares alagados, para uma janela, igreja, delegacia, fórum –, por
periferia esquecida. Tem pessoas fazendo que não pixar em uma apresentação de
riqueza com essa miséria – como não TCC? Falei: “Rafael, você vai ser expulso,
ter revolta? O pixo é a resposta. Somos o que você vai falar para sua mãe?” –, e
considerados criminosos. Pixadores já ele: “Foda-se, é pelo pixo”. Fizemos. Ele
foram assassinados por estarem pixando. foi expulso, reprovado e preso. Deu uma
Os valores estão invertidos, valorizam mais puta repercussão na mídia. Em um debate
um carro ou uma parede do que uma vida. na MTV, o curador da galeria de arte
Choque Cultural questionou a postura da
Belas Artes. Daí nasceu a ideia de fazer
Experiência disciplinar a intervenção lá. A galera passou e pixou
tudo que nem um furacão: quadro, teto,
Pensando no aspecto da criptografia – revista. Foi uma quebra de paradigma. A
no fato do pixo ser incompreensível para galeria deu queixa de crime, as máscaras
não pixadores –, que tipo de diálogo o foram caindo.
pixador quer estabelecer com os outros Depois o Rafael falou que estávamos
habitantes da cidade? convidados para a Bienal porque a
Na real é um diálogo interno. A linguagem proposta curatorial Em vivo contato era
foi se desenvolvendo e ficando cada aberta para intervenções urbanas. Nosso
vez mais cifrada por conta da disputa chamado do point vazou, os curadores
de criatividade. A originalidade é muito fizeram uma coletiva de imprensa nos
importante, você tem que ter seu estilo ameaçando. Mesmo assim fizemos.
único. Entender requer estudo; hoje, Os caras estavam preparados para o
confronto, no primeiro pixo já começou a
pancadaria com a segurança, foi luta do
começo ao fim. Esses ataques criaram uma
onda dentro do pixo: deixamos a disputa
interna para defender o pixo coletivamente
em campos que nunca imaginamos. Foi
uma mágica diferente.
Mesmo tendo o reconhecimento de
Bienais, o pixo continua transgressivo,
continua crime, continua odiado. Não
queremos que isso mude. Não buscamos
diálogo com as artes por uma aceitação.
Foi para não sermos ignorados. Quanto
mais reprimir, mais visibilidade, porque o
que projeta a gente é a recusa.

Potencial transformador

Ao tentar revelar a exclusão vivida por um


grupo da sociedade, como você acredita
que o pixo pode contribuir para mudar
a desigualdade entre classes sociais e
ativar um espaço de luta comum?
Acho que o pixo pode ser direcionado
cada vez mais como um instrumento
de revolução política, usando o
enfrentamento para pressionar o
Estado. É, acima de tudo, uma guerrilha
simbólica e pacífica. O pixo pode agredir
esteticamente, mas é tinta na parede.
Acho muito democrático reivindicar uma
questão política com tinta. Por mais que
as pessoas digam que o pixo é autoritário,
ele é inofensivo, é um grito mudo. É um
vandalismo simbólico, não físico. O
lugar pixado continua apto a cumprir sua
função, o que muda é o significado. É uma
luta entre dominantes e dominados: você
não aceita simplesmente a estética das
classes altas, você impõe o seu padrão
estético na cidade. Quando constroem
um prédio ou um shopping, a população
não é consultada. Vão lá, constroem um
muro naquele caminho, e eu não posso
pixar nele? O muro é uma intervenção
física permanente, o pixo é uma
intervenção efêmera, estética. O muro,
sim, é autoritário, impositivo. As pessoas
acusam o pixo de ser agressivo, mas
agressivo, na realidade, é o muro.
entrevista: 376
Kenarik
Boujikian

Kenarik Boujikian (Kessab,


Síria, 1959) é desembargadora
do Tribunal de Justiça de São
Paulo. Graduada em direito pela
Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). Atuou como
voluntária no já extinto presídio
Carandiru, foi cofundadora e
presidente da Associação dos
Juízes pela Democracia (AJD)
e conselheira do Fundo Brasil
de Direitos Humanos. Participa
do Grupo de Estudo e Trabalho
Mulheres Encarceradas. Recebeu
o 19º Prêmio Franz de Castro
Holzwarth de Direitos Humanos,
da Ordem de Advogados do Brasil
de São Paulo, em 2002, Ano da Paz,
entre outras premiações.
Muros

Quais são os maiores desafios no


sistema Judiciário brasileiro à garantia
dos direitos humanos? Quais os limites
do Judiciário para defender cidadãos
de possíveis arbitrariedades do
poder Executivo?
O desafio que entendo premente é a
necessidade de mudar a cultura dentro do
próprio Judiciário. Vemos que uma grande
parcela dele não tem clareza de que seu
papel é garantir direitos fundamentais,
direitos humanos. Dificilmente essa
missão será concretizada se o Judiciário
não a enxergar como sua real função
dentro da sociedade democrática.
O Judiciário não tem limites em
relação ao Executivo, por ser o último
poder a decidir qualquer causa. Seu
único limite é a Constituição federal,
na qual encontramos as garantias
fundamentais. Por exemplo, o orçamento
passa pelo crivo do Executivo e
Legislativo, mas o Judiciário pode
interferir à medida que os outros poderes
não atuarem devidamente. Um caso
emblemático decidido pelo Judiciário foi
sobre a inexistência de creches, o que
acontece em muitas cidades. Algumas
pessoas argumentam que o Judiciário
não deve agir sobre essa questão,
pois vai interferir no orçamento, uma
lei votada anualmente. Então, qual é
o limite? Foi decidido que o direito à
educação é fundamental. O direito da
criança a um desenvolvimento integral
está na Constituição.

Evidências

Quais situações revelam a cultura do


punitivismo no espaço das cidades?
O punitivismo não é exclusivo do Judiciário.
É uma cultura que perpassa todos os
poderes, da criação e aprovação das
leis à forma como são executadas, até
chegar ao Judiciário. O punitivismo
nas cidades reflete o local onde o
sistema penal escolhe atuar. E ele
atua, significativamente, nas periferias, Comportamento e micropolítica
ainda que os fatos não aconteçam
necessariamente nas periferias. O Como a seletividade e a arbitrariedade
punitivismo encontra as pessoas que da justiça afetam as relações de poder
estão à margem e daí começa a seleção. na sociedade, em especial os cidadãos
O Estado como polícia começa a atuar mais vulneráveis, como aqueles que
sobre essas pessoas, na sequência isso vivem em zonas de conflito urbanas?
chega ao Ministério Público e, com um Quem expede os mandados de busca e
processo, vem ao Judiciário. É uma apreensão coletiva? O Judiciário. E os
espécie de rede, uma teia. Esse desenho mandados coletivos só acontecem nas
fica refletido, depois, no sistema punitivo, favelas. E a intervenção militar atinge
nas condenações e dentro das prisões. quem? As favelas, onde há um Estado
diferente para uma determinada população.
Criança sendo revistada? Consigo imaginar
Efeitos colaterais isso acontecendo comigo? Direitos
humanos pressupõem ser igual ao outro,
O que uma intervenção militar no Rio de se colocar no lugar do outro. O estrago
Janeiro representa para a democracia está feito. E agora o Supremo Tribunal
do país hoje? Como regular práticas e Federal risca a Constituição Federal, como
impactos dessa medida de exceção? decidiu na execução imediata da pena com
Vai ser muito difícil regular algo que não julgamentos em segunda instância, que
nasceu para ser regulado. A intervenção espero que seja revertida.
militar está dentro do macro – o estado
de exceção que se instaurou no Brasil
desde a deposição da presidenta Dilma. Experiência disciplinar
Começam ali uma série de mudanças
de estruturas que vão se adensando A senhora foi condenada pelo Tribunal
para fortificar esse estado de exceção, de Justiça de São Paulo pela libertação
envolvendo os três poderes. Perdemos de onze presos que já haviam cumprido
vários direitos construídos desde a pena. O que a polêmica demonstra
retirada da presidenta, um retrocesso sobre os impasses da justiça no Brasil?
que ganha corpo a cada dia. A reforma No processo constou como onze, mas
da Consolidação das Leis do Trabalho levantei com a minha equipe e eram quase
(CLT) rompe com a conquista histórica de cinquenta casos. Ficou claro que existem
direitos fundamentais. O congelamento duas visões de mundo diferentes dentro
do orçamento por vinte anos vai repercutir do Judiciário. No julgamento do caso, no
em todos os direitos fundamentais. A Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um
norma internacional que regulamenta dos conselheiros disse que eu estava
os direitos humanos diz que nunca se sendo julgada pelo meu modo de ver o
pode retroceder nos direitos, pode-se mundo. Esse caso mostra o pensamento
apenas avançar. punitivista. O Estado elegeu um inimigo,
A intervenção militar é o estado de alguém que pensava diferente, assim
exceção se aguçando no limite do uso da como no passado recente, no período
força. Poder dos militares significa uso da ditadura civil-militar, também havia
máximo da força. Não é pouco o que eles um inimigo. Hoje, os novos inimigos são
querem: livre acesso à vida das pessoas, determinadas pessoas, tratadas quase
sem estar sujeitos a nenhuma comissão como se não tivessem direitos, dignidade
da verdade. Eles já anteveem porque ou valor humano. Se não te vejo como ser
sabem dos arbítrios. Nós vamos colher humano, faço o que quiser com você, te
os corpos. Nós vamos colher a dor. Já uso da forma mais conveniente. Seja por
estamos colhendo. você ou para mostrar para a sociedade
alguma coisa através da sua ausência
de valor. O inimigo está eleito. Os muros
estão ali. O muro está claro na intervenção
militar no Rio de Janeiro, embora não se
veja fisicamente.

Potencial transformador

Quais lutas têm avançado na garantia


de direitos humanos, dentro e fora do
Judiciário? Como a sociedade pode
fortalecer e proteger suas lutas por
direitos em um país onde os ativistas
são cada vez mais ameaçados?
Não sei se temos avanços. Infelizmente, o
Brasil é um dos campeões no número de
ativistas assassinados – rurais, urbanos,
em qualquer espaço de atuação. Todos
ligados aos direitos fundamentais,
especialmente ao direito econômico.
Por que morrem tantos indígenas, tantas
pessoas ligadas às questões da terra?
E agora a morte da Marielle Franco, uma
pessoa que realizava o enfrentamento para
acompanhar a sequência de violações
da intervenção militar, uma voz para
controlar e mostrar o perigo que o Brasil
está vivendo.
Existe um grupo forte de pessoas que
estão na luta e temos um crescimento de
pessoas que se insurgem em reação a tudo
que aconteceu nos últimos anos. Temos
que romper essa barreira, ninguém fará
por nós. Cada um dentro dos seus limites,
da forma que puder – conversando com
familiares, indo nas manifestações. Minha
atuação como juíza só pode ser para
garantir os direitos fundamentais e militar
por direitos humanos. Temos que ir para
as ruas. Na verdade, já temos um rumo
que foi marcado em 1988. Estamos vendo
a Constituição ser rasgada a cada dia.
Mas ainda dá tempo, temos que continuar
reagindo, não podemos desanimar.
Mapa desenvolvido em colaboração com Mapping-lab
(www.mappinglab.me) como um recorte do mapa
Criptografias do Poder.
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Assentamentos irregulares

Á R E A M E T RO P O L I TA N A D E S ÃO PA U LO
Probabilidades Paulo 382
no pixo Orenstein

Ainda lembro vividamente da primeira vez que vi os


símbolos misteriosos, escondidos sob um viaduto,
no coração do Rio de Janeiro. Tratava-se claramente
de uma linguagem feita para ocultar significados,
com caracteres que combinavam a estranheza dos
hieróglifos e a exatidão das runas. Eles podiam ser
vistos nos muros da cidade, em ruas cheias de gente,
becos abandonados, às margens de uma lagoa ou em
frente ao Jardim Botânico. Os traços, em si, tinham uma
precisão geométrica, mas estavam desarranjados numa
coleção de símbolos sem sentido. Daria para passar
horas contemplando-os. Para mim, porém, mais do que
só arte sobre concreto, aqueles caracteres eram um
extraordinário quebra-cabeça. [fig. 1]
Era 2011 e eu estava no meio da minha graduação. Um
professor de quem eu era próximo lera um artigo sobre
uma artista enigmática, chamada Joana César, a autora
das inscrições cifradas que eu vira nas paredes da cidade.
O pixo geralmente não é escrito para ser compreendido
integralmente, mas esse caso era diferente: não se
tratava de letras desfiguradas nas paredes, mas de um
alfabeto inteiramente novo. No artigo, Joana dizia que
estava expondo seus sentimentos mais íntimos para a
cidade toda ver, mas cifrados, para que ninguém pudesse
entendê-los. Seu diário coloria a paisagem urbana do Rio:
em letras garrafais, ela escrevia sobre sonhos de infância,
grandes fracassos, queixas, lembranças, desejos e até
fantasias eróticas. No entanto, ninguém sabia. Estava
brincando de esconde-esconde com a cidade inteira.
Meu professor, Carlos Tomei, propôs que eu e Juliana
Freire, uma de suas orientandas de pós‑doutorado,
decifrássemos essas mensagens íntimas e
intencionalmente desordenadas. Afinal, vista pelo prisma
certo, a coisa se tornava um problema matemático
fascinante. Sua sugestão: usar a precisão algorítmica do
computador para ler a confusão de caracteres.
Como transformar símbolos de rua em matemática e
matemática em linguagem? Anos antes, Persi Diaconis,
professor de Stanford, escrevera um artigo sugerindo uma
1. Ver Persi Diaconis, “The Markov maneira de fazê-lo.1 Ele tentou ler mensagens cifradas
chain Monte Carlo revolution”, trocadas por detentos de uma prisão californiana; nossa
Bulletin of the American
tarefa não era muito diferente. Como ideias matemáticas
Mathematical Society, n. 46.2,
2009, pp.179. funcionam em um nível abstrato, podem ser reformuladas
para atender muitos propósitos. No nosso caso, queríamos
tornar esse pixo específico legível.
Eis uma maneira de começar: reúna todos os
caracteres usados pela
​​ artista. Por ora, vamos supor
que sejam 26 símbolos no total, como nosso alfabeto,
e fixá-los em uma ordem qualquer [fig. 2]. Podemos
então listar todas as formas de ordenar essas 26 letras
para achar a cifra de Joana. Uma delas seria, por
exemplo, [abcdefghijklmnopqrstuvwxyz]; o primeiro
símbolo passa a ser o a, o segundo b etc. Outra forma
seria [bacdefghijklmnopqrstuvwxyz], com o primeiro
símbolo sendo b, o segundo, a etc. Outra, ainda, seria
[mlpnkobjivhucgyxftzdrseawq], com o primeiro símbolo
sendo m, o segundo, l e assim por diante. Naturalmente,
há muitas maneiras de ordenar as 26 letras, mas sabemos
2. Joana poderia ter utilizado vários que uma delas deve ser a cifra usada pela artista.2 [fig. 2]
outros métodos de encriptação, Assim, transformamos os símbolos em matemática:
diferentes da substituição simples
encontrar a cifra correta se resume a achar a ordem certa
de um símbolo por uma letra.
No entanto, como ela havia dito das 26 letras do alfabeto. Conseguimos visualizar cada
a um repórter que inventou seu combinação possível como um ponto no espaço [fig. 3].
alfabeto quando ainda era muito Agora podemos usar um computador para testar, a partir
jovem, era razoável supor que de uma amostra dos escritos da artista, cada ordenação
estivesse usando a clássica cifra
por substituição.
possível, traduzindo o texto em símbolos para nosso
alfabeto. A maioria das tentativas falhará, resultando em
um punhado de letras desarranjado e sem sentido. Mas,
quando toparmos com a cifra correta, surgirá um texto
em português impecável. [fig. 3, 4]
O problema dessa abordagem é que há muitas
combinações possíveis das 26 letras do alfabeto. Se
tentássemos aplicá-las ao acaso, mesmo com um
computador capaz de testar um milhão de cifras por
segundo (e uma pessoa capaz de verificar, na mesma
velocidade, se o resultado se parece com o português!),
levaríamos mais do que um trilhão de anos para fazê-lo.
Qual seria um caminho melhor?
Primeiro, se os computadores são muito rápidos,
os humanos geralmente não são. Por isso, seria útil
ensinar ao computador a reconhecer o português
automaticamente. Assim, ao tentar decodificar os textos
da artista com determinada cifra, ele conseguiria detectar
automaticamente se o resultado parece ou não português
(como na figura 4, com caracteres rúnicos sendo
[fig. 1] exemplos dos
símbolos cifrados pelos muros
do Rio de Janeiro.
[acima] Mapa do Rio de Janeiro
com a localização dos pontos
de pixo reproduzidos na página
à esquerda.
[fig. 2] traduzindo os símbolos para [fig. 4] usando duas cifras para
nosso alfabeto com uma de várias tentar decodificar um texto
cifras possíveis. escrito em caracteres rúnicos:
[fig. 3] visualizando as cifras como a primeira tentativa não faz
pontos no espaço; há apenas uma sentido em português, mas a
correta, assinalada na figura. segunda, sim.
traduzidos para o inglês). Em outras palavras, queríamos
que o computador analisasse uma coleção de letras para
decidir se parecem mais português ou uma sequência
aleatória de caracteres. Tivemos que dar ao computador
uma forma de atribuir um número ou nota, que seria alto se
o texto parecesse português e baixo caso contrário.
Intuitivamente, se pares de letras que aparecem
frequentemente no texto decodificado também aparecem
com frequência em português, então é provável que o
texto descriptografado esteja nesse idioma. No português,
os pares de letras mais recorrentes são as, ra, ot, et, e uma
configuração usada para decriptografia será considerada
mais plausível se o texto contiver muitos desses pares (e
poucos pares improváveis, como cj, mg, pb). Uma fórmula
matemática para atribuir essa nota de plausibilidade seria:

Plausibilidade (C) = ∏ (port(par)codC(par))


pares

Traduzindo: chame de C uma dada configuração de


letras, digamos, [mlpnkobjivhucgyxftzdrseawq]. Em
seguida, use-a para converter os códigos da artista em
um texto em nossos caracteres usuais, de modo que,
fixando uma ordem arbitrária para seus símbolos, o
primeiro se torna um m, o segundo um l etc. Para atribuir
uma nota à configuração C, verifique todos os pares de
letras do alfabeto – aa, ab, ac, até zz – e conte quantas
3. Como exemplo de um “texto usual vezes vemos cada um em um texto usual em português.3
em português”, usamos o livro Eleve isso ao número de vezes que vemos o par no texto
Dom Casmurro, de Machado de
descriptografado; finalmente, multiplique o número
Assis.
resultante para cada par. Assim, terão notas mais altas
as configurações que fazem os pares de letras mais
recorrentes no português aparecerem frequentemente
também no texto descriptografado. Ou seja, a fórmula
permite ao computador atribuir a cada configuração uma
nota, que será mais alta se ela produzir um texto que
pareça português. [fig. 5, 6]
Agora que o computador consegue julgar se
determinada cifra tem boas chances de estar correta,
teremos apenas de navegar por várias até encontrar
aquela que a artista usou. Como vimos antes, testar
cifras ao acaso levaria uma eternidade. Como podemos
fazer o computador passear por estas possibilidades
de uma forma mais inteligente, usando as notas que
atribuímos às cifras? Eis uma ideia: para definir uma noção
de cifra “vizinha”, comece com qualquer configuração,
digamos [abcdefghijklmnopqrstuvwxyz]. Considere
as combinações que podem resultar da troca de duas
letras. Por exemplo, se trocarmos a por b, teríamos
[bacdefghijklmnopqrstuvwxyz]; trocando a por c,
[cbadefghijklmnopqrstuvwxyz]; e, continuando até trocar
[fig. 5] para cada cifra, o [fig. 7] ligando pontos (ou cifras)
computador atribui uma nota, que podem ser obtidos pela troca
que será mais alta conforme de duas letras.
o texto resultante parecer [fig. 8] atribuímos uma nota e um
com português. conjunto de vizinhas a cada cifra;
[fig. 6] cada ponto assim, o computador pode buscar
(representando uma cifra) tem as configurações com notas
também uma nota associada. mais altas.
y por z, obteríamos [abcdefghijklmnopqrstuvwxzy]. Há
325 configurações vizinhas. Suponha que o computador
adicione uma linha entre um ponto e outro, se eles
estiverem conectados dessa maneira [fig. 7]. Isso significa
que o computador pode navegar pelos pontos, chegar a
uma nova configuração, escolher uma de suas 325 vizinhas
aleatoriamente, e usá-la para tentar descriptografar um
texto da artista. A vantagem é que agora, em cada ponto,
podemos considerar apenas as cifras vizinhas, e não
todas as possíveis. Mesmo assim, por si só essa ideia
não acrescenta muito: continuamos apenas navegando
aleatoriamente. [fig. 7]
Mas aqui está um jeito melhor de usar as notas de
plausibilidade para escolher a cifra a ser testada: selecione
uma das 325 vizinhas aleatoriamente, e se a nota dela for
maior que a do ponto que você está usando, pule para ela
(ou seja, mude as duas letras na cifra). Se a nota for menor,
escolha aleatoriamente outra vizinha. Continue fazendo
isso por muito tempo, até que não haja mais vizinhas com
notas maiores; a configuração final será a solução. Note que,
indo por esse caminho, sempre que mudamos para uma
configuração diferente a nota de plausibilidade aumenta;
assim, espera-se que, depois de algum tempo, encontremos
uma configuração com grau de plausibilidade elevado.
Parece uma ideia simples e direta, mas repare que agora
precisamos percorrer um número muito menor de cifras,
uma vez que deixamos de seguir aquelas com nota baixa.
Isso basta para reduzir nosso tempo de processamento, de
trilhões de anos para alguns segundos. [fig. 8]
Por fim, adicionamos um ingrediente extra ao nosso
algoritmo. Se escolhermos sempre a configuração
de melhor nota entre suas vizinhas, podemos acabar
presos a uma cifra que, apesar de ser a melhor entre
todas, não resulta em um texto em português – o fato
de não haver vizinhas melhores não siginifica que ela
é a cifra correta. Portanto, em vez de nunca seguir
configurações com notas mais baixas, de vez em quando
permitimos que o algoritmo opte por uma configuração
de nota pior. Curiosamente, adicionar a quantidade
certa de aleatoriedade a um processo de outro modo
completamente determinista costuma ajudar.
Assim, resolvemos o algoritmo! Podemos escolher
uma configuração qualquer e deixar que o computador
continue trocando letras para gerar novas cifras a partir
dela. Se escolhermos uma configuração vizinha que tenha
uma nota mais alta, mudamos para ela; se escolhermos
uma cifra com nota menor, selecionamos outra vizinha
(com alta probabilidade) ou vamos para ela assim mesmo
(com baixa probabilidade). Faça isso por um minuto ou
dois, e depois imprima o pixo da artista convertido com a
cifra encontrada.
Embora tenhamos resolvido o algoritmo, na realidade 390
há aí muitas outras questões. Do ponto de vista
matemático, decidir com qual frequência devemos ir para
as vizinhas com notas mais baixas está longe de ser uma
questão trivial, e exige cálculos intrincados. Havia ainda
outros desafios, não matemáticos: por exemplo, Joana, a
artista, não usava 26 caracteres, mas 32. Alguns podiam
ser sinais de pontuação ou acentos, ou apenas símbolos
falsos, destinados a confundir alguém que tentasse ler
sua linguagem. Também não sabíamos se ela escrevia
em português, inglês ou em qualquer outra língua. E se
escrevesse da direita para a esquerda? Não tínhamos
muita informação para nos guiar, mas fizemos ajustes
no algoritmo para lidar com essas possibilidades. Além
disso, nos faltavam dados. Para que tudo funcionasse,
o algoritmo precisaria antes de tudo traduzir os textos
cifrados de Joana. Para obtê-los, tivemos que percorrer as
ruas do Rio de Janeiro fotografando e copiando o que ela
inscreveu nos muros, até chegar a quase 2 mil caracteres.
Finalmente, estávamos prontos.
Depois de executar o algoritmo por uns minutos,
recebemos de volta alguns fragmentos de texto, como:

NIMVUMAPESOADESACIDADEMALUCA
e
VAMILIADEPORCOSSFICIADOS.

Ficou claro que ainda tínhamos trabalho pela frente. O v,


por exemplo, aparecia no lugar do f. Além disso, algumas
letras pareciam duplicadas, enquanto outras precisavam
ser duplicadas. Mas eram correções que poderíamos
resolver com algumas modificações manuais na cifra de
solução, e logo pudemos ler quase todos os segredos
de Joana. A partir daí, toda vez que caminhávamos pela
cidade, descobríamos algo novo sobre ela: lembranças de
um primeiro amor esquecidas em uma ponte, problemas
médicos largados em um ponto de ônibus. Cada canto da
cidade oferecia uma nova perspectiva sobre essa pessoa
desconhecida e, ainda assim, íntima.
O enigma estava resolvido, mas a história, longe
de terminar. Nos meses seguintes, e depois de
alguma hesitação de ambas as partes, Joana e eu
nos comunicamos e finalmente concordamos em nos
encontrar. No começo, estávamos apreensivos. Quando
mostrei seu código decifrado, ela reagiu com um grunhido
– “filho da mãe!”. Mas, graças à nossa intenção de manter
seu código em segredo, criamos um vínculo imediato. Em
pouco tempo, Joana e eu nos tornamos bons amigos. Ela
chegou a me dizer que pensara em apagar tudo quando
soube que alguém tinha conseguido ler o que havia escrito
mas depois de nosso encontro percebeu que não havia
necessidade. Ainda era uma bagunça íntima e intencional,
mas agora compartilhada com mais três pessoas.
De fato, a ocultação é um tema recorrente no trabalho
de Joana. Ela fazia mais do que apenas usar um alfabeto
inventado. Muitas vezes cobria um trabalho com dezenas
de camadas de tinta, por exemplo, de modo a literalmente
soterrar seus pensamentos. Felizmente, depois que lemos
seus textos, ela ficou mais à vontade para expor suas
pinturas em galerias de arte. Hoje, é uma artista muito
conceituada no Rio. Embora seus pixos ainda possam ser
vistos na paisagem urbana, ultimamente tem obtido muito
sucesso pintando telas.
Nos meses depois que nos conhecemos, Joana passou
a me levar em muitas incursões para pintar nas paredes
da cidade. Ela tinha seu próprio alfabeto e eu também:
a matemática. Diferentemente dela, porém, não inventei
o meu: muitas pessoas fantásticas ajudaram a criar
essa linguagem, que se destaca como uma das maiores
conquistas da humanidade. Pintamos nossos símbolos
juntos em muitos lugares: de exposições de arquitetura a
lajes de favelas.

Paulo Orenstein (Rio de Janeiro,


1989) é graduado em economia
e mestre em matemática pela
PUC-RJ. Doutorando em estatística
na Universidade de Stanford,
trabalha nas áreas de simulação
estocástica e machine learning.
Seus campos de interesse
incluem inteligência artificial,
probabilidade e o aleatório.
A cidade e Victor 392
a lei: o papel Carvalho
do direito na Pinto
recuperação
da urbanidade
perdida

O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E A FORMAÇÃO


DA CIDADE DISPERSA E FRAGMENTADA

A urbanização das principais cidades brasileiras


caracteriza-se, desde meados do século passado, pelo
espraiamento horizontal de baixa densidade, com os
pobres vivendo em periferias sem infraestrutura, muitas
vezes formadas por loteamentos clandestinos e favelas, e
os ricos ocupando áreas centrais e bem equipadas.
Mais recentemente, esse arranjo vem sendo
substituído por outro, igualmente nocivo, representado
por condomínios ou loteamentos fechados e centros
comerciais distantes da mancha urbana, voltados para
classes de maior renda e acessíveis apenas por automóvel,
enquanto as áreas centrais entram em decadência e
passam a ser ocupadas pela população de baixa renda.
O resultado desse processo tem sido o esvaziamento
dos espaços públicos, com toda a sociabilidade
transferida para espaços privados. As edificações,
isoladas ou reunidas em condomínio, fecham-se sobre
si mesmas e não dialogam com a rua, que se converte
apenas em sistema viário e afasta o pedestre.

A DEGRADAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO

No modelo tradicional de cidade, o espaço da vida urbana


por excelência são os logradouros, que pertencem ao
município: ruas, praças, parques, calçadas, ciclovias etc.,
classificados como “bens de uso comum do povo”.1 Esses
espaços são o suporte físico para o exercício de alguns dos 1. Lei 10.406/2002 (Código Civil):
“Art. 99. São bens públicos: I –
direitos civis e políticos mais caros à democracia, como a os de uso comum do povo, tais
livre circulação, reunião e manifestação, e para atividades como rios, mares, estradas, ruas
de lazer e cultura típicas da urbanidade moderna. e praças […]”.
A falência do espaço público brasileiro se
explica por uma série de fatores. Entre eles, está o
fato de que em muitos loteamentos não se exige do
empreendedor a construção de calçadas ou ciclovias,
mas apenas do sistema viário. Os terrenos destinados
a praças e escolas ficam abandonados, favorecendo
a formação de favelas ou sua transformação em
depósitos de lixo.
Além disso, muitos municípios admitem o
parcelamento do solo sob a forma de condomínio e
não de loteamento, abrindo mão, assim, de receber
quaisquer terrenos públicos. Apesar de construídos
pelo próprio poder público, muitos conjuntos
habitacionais destinados à população de baixa renda
reservam terrenos insuficientes para logradouros e
equipamentos comunitários.
Normas de zoneamento afastam as edificações das
calçadas, pela exigência de recuos frontais e laterais, e
toleram o erguimento de muros e cercas eletrificadas
que acabam com a paisagem urbana e tornam o espaço
público mais inseguro.
Nos assentamentos informais, não há terrenos
públicos, mas vielas, muitas das quais demasiado
estreitas para a circulação de automóveis. Embora
isso prejudique o acesso a serviços públicos – saúde,
segurança e coleta de lixo, que dependem de
ambulâncias, viaturas e caminhões –, esses acessos,
destinados exclusivamente aos pedestres, em muitos
casos produziram espaços públicos agradáveis e
comunitários. O crescimento da violência, no entanto,
esvaziou esses espaços, que passaram a ser controlados
por organizações criminosas.
O pedestre é a principal vítima desse processo, pois
muitas áreas da cidade sequer contam com calçadas,
e as que existem têm sua conservação atribuída aos
proprietários dos lotes contíguos, sem qualquer
padronização, orientação, apoio ou fiscalização. O
estado de algumas calçadas é tão precário que só resta
aos pedestres, especialmente àqueles com deficiência
ou mobilidade reduzida, fazer uso do sistema viário
destinado aos automóveis.
Mesmo quando as calçadas são satisfatórias, a
ausência de lojas abertas à rua, decorrente de normas
restritivas de zoneamento e do confinamento do varejo
nos centros comerciais e hipermercados de grande
porte, torna a experiência do pedestre monótona,
desconfortável e muitas vezes perigosa.
Não surpreende, nesse contexto, que as ruas
sejam progressivamente tomadas por segmentos
marginalizados e que os muros passem a servir de tela
para grafites e pichações não autorizadas.
O PAPEL DO DIREITO URBANÍSTICO 394
Embora a legislação brasileira seja imperfeita e defeituosa
em muitos aspectos, ela fornece elementos suficientes
para conter esse processo perverso de urbanização.
A Constituição exige que toda cidade com mais de
20 mil habitantes seja dotada de um plano diretor de 2. Constituição Federal: “Art. 182. […]
desenvolvimento e expansão urbana, e que a propriedade § 1º O plano diretor, aprovado pela
privada observe suas disposições. Além disso, para Câmara Municipal, obrigatório
garantir o aproveitamento adequado do solo urbano, ela para cidades com mais de 20 mil
habitantes, é o instrumento básico
autoriza os municípios a tornar o parcelamento do solo e
da política de desenvolvimento e de
a edificação compulsórios.2 expansão urbana. § 2º A propriedade
O Estatuto da Cidade oferece aos municípios diversos urbana cumpre sua função social
instrumentos de gestão do solo urbano e de recuperação quando atende às exigências
da valorização imobiliária. Autoriza o poder público, fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor.
inclusive, mediante acordo com os proprietários, a
[…]. § 4º É facultado ao Poder
promover o parcelamento ou a edificação dos terrenos Público municipal, mediante lei
ociosos diretamente, permutando os imóveis originais específica para área incluída no
por unidades novas de igual valor.3 plano diretor, exigir, nos termos da
A Lei de Parcelamento do Solo Urbano submete toda e lei federal, do proprietário do solo
urbano não edificado, subutilizado
qualquer urbanização a um projeto urbanístico compatível
ou não utilizado, que promova
com o plano diretor e baseado em diretrizes fixadas pelo seu adequado aproveitamento,
município, nas quais se podem instituir diversos ônus sob pena, sucessivamente, de:
para os empreendedores, como a destinação de terrenos I – parcelamento ou edificação
públicos e a implantação de infraestrutura urbana.4 compulsórios; II – imposto sobre
a propriedade predial e territorial
A Lei de Regularização Fundiária facilita a integração
urbana progressivo no tempo; III –
dos assentamentos informais ao ordenamento territorial desapropriação com pagamento
urbano e exige que isso seja feito mediante um mediante títulos da dívida
planejamento urbanístico adequado.5 pública […].”

3. Lei 10.257/2001: “Art. 46, §


COMO PROMOVER A CIDADE COMPACTA 1º Considera-se consórcio
imobiliário a forma de viabilização
de planos de urbanização,
A recuperação do espaço público no Brasil passa por
de regularização fundiária ou
um conjunto de medidas conhecidas, mas de difícil de reforma, conservação ou
viabilização, e por uma necessária revisão de conceitos. construção de edificação por meio
No primeiro universo, é preciso impedir a formação de da qual o proprietário transfere
novos loteamentos e condomínios afastados da mancha ao poder público municipal seu
imóvel e, após a realização das
urbana e baseados no automóvel particular. Para isso,
obras, recebe, como pagamento,
deve-se limitar, no plano diretor, o perímetro das zonas unidades imobiliárias devidamente
urbanas e de expansão urbana, e recusar aprovação aos urbanizadas ou edificadas, ficando
pedidos de parcelamento do solo cuja execução se revele as demais unidades incorporadas
inoportuna ou inconveniente. ao patrimônio público.”
A prioridade absoluta deve ser a ocupação dos lotes
já existentes e a recuperação das áreas degradadas, de
modo a promover o melhor aproveitamento possível da
infraestrutura instalada.
No caso dos lotes ociosos, é importante elevar a
tributação sobre o valor da terra, reduzindo ou eliminando
a tributação sobre a edificação, de modo a desestimular
a retenção do solo como reserva de valor e a estimular
4. Lei 6.766/1979: “Art. 7º. A Prefeitura sua ocupação. As áreas degradadas, por sua vez, podem
Municipal […] indicará, de acordo demandar operações de reparcelamento do solo, de
com as diretrizes de planejamento
estadual e municipal: I – as ruas ou
modo a gerar áreas públicas, e remembrar lotes antigos,
estradas existentes ou projetadas, viabilizando, assim, a construção de edifícios mais altos.
que compõem o sistema viário da Em ambos os casos, deve-se rever e possivelmente
cidade e do município, relacionadas eliminar restrições à edificação que impeçam a ocupação
com o loteamento pretendido e a dos lotes em altas densidades e inviabilizem o transporte
serem respeitadas; II – o traçado
básico do sistema viário principal;
coletivo e a caminhada, como recuos laterais e frontais,
III – a localização aproximada dos exigência de vagas em garagens e coeficientes de
terrenos destinados a equipamento aproveitamento baixos.6
urbano e comunitário e das áreas O parcelamento do solo, quando necessário, deve
livres de uso público; IV – as faixas concentrar-se nas glebas contíguas à área urbanizada
sanitárias do terreno necessárias
ao escoamento das águas pluviais
e ser conduzido pelo poder público. Essa é uma
e as faixas não edificáveis; V – a possibilidade aberta pela Constituição e regulamentada
zona ou zonas de uso predominante pelo Estatuto da Cidade, por meio da conjugação de dois
da área, com indicação dos usos instrumentos: o parcelamento compulsório e o consórcio
compatíveis. “Art. 22. Desde a data imobiliário.7 O primeiro exige que os proprietários de
de registro do loteamento, passam
a integrar o domínio do Município
glebas necessárias à execução de planos públicos
as vias e praças, os espaços livres promovam, individual ou coletivamente, seu parcelamento.
e as áreas destinadas a edifícios O último oferece a esses proprietários a opção de
públicos e outros equipamentos permutar suas glebas por lotes de valor equivalente,
urbanos constantes do projeto e do transferindo para o poder público a responsabilidade pela
memorial descritivo.”
realização das obras.
Se a recuperação da cidade formal é uma tarefa
difícil, a integração da cidade informal é um desafio
5. Lei 13.465/2017, arts. 9º e 36.
muito maior. Construídos sem qualquer cuidado
urbanístico ou ambiental, os loteamentos clandestinos
6. Anthony Ling, Guia de gestão
e as favelas não apenas carecem de infraestrutura
urbana. São Paulo: Bei, 2017.
e espaços públicos, mas em muitos casos estão
localizados em áreas de risco ou ambientalmente
7. Lei 10.257/2001, arts. 5º a 8º e 46.
sensíveis. Independentemente das causas desse
fenômeno, é preciso, antes de mais nada, contê-lo,
mediante a fiscalização do uso do solo e o controle das
concessionárias de serviços públicos, que não devem
contribuir para consolidar assentamentos ilegais à
8. Victor Carvalho Pinto, “Ocupação revelia do planejamento urbano.8
irregular do solo e infraestrutura
urbana: o caso da energia elétrica”,
in Temas de direito urbanístico
5. São Paulo: Imprensa Oficial/ OPORTUNIDADE INEXPLORADA:
Ministério Público do Estado de O DESENVOLVIMENTO URBANO AUTOFINANCIADO
São Paulo, 2007.
As medidas propostas são viáveis apesar do contexto
de crise fiscal, uma vez que o bom urbanismo gera valor
em montante superior ao seu custo. O desafio, portanto,
é encontrar meios de recuperação, para o poder público,
da valorização imobiliária gerada pelas intervenções,
de modo a viabilizá-las independentemente de
aportes orçamentários.
Diversas técnicas de autofinanciamento urbano são
empregadas internacionalmente e estão contempladas na
legislação brasileira.
Em um país cujas principais cidades ainda se 396
encontram em acelerado processo de crescimento, é
fundamental que o parcelamento do solo resulte em
terrenos públicos e infraestrutura suficientes para atender
a população. Além dos terrenos destinados a logradouros
e usos institucionais, devem ser exigidos também lotes
destinados ao uso privado, que poderão ser revendidos no
mercado ou incorporados à política habitacional.
Nas áreas que demandem reparcelamento, pode‑se
fazer uso de concessões a empresas privadas,
habilitando‑as a desapropriar os imóveis necessários
à execução do plano urbanístico, assim como oferecer
aos proprietários afetados a opção de permutá-los
por novas unidades, a serem construídas, ou por uma
participação no capital do empreendimento. A empresa
concessionária executaria as obras sem recursos
públicos e seria remunerada pela alienação das
unidades produzidas.9 9. Victor Carvalho Pinto,
Um importante elemento indutor desse tipo O reparcelamento do solo:
Um modelo consorciado de
de empreendimento é o investimento público em
renovação urbana. Brasília:
transporte coletivo, como estações de metrô, VLTs ou Senado Federal, 2013.
BRTs, que exigem densidades maiores para se viabilizar
financeiramente e valorizam os imóveis próximos.
Nesses casos, é possível estabelecer uma equação
econômico‑financeira que incorpore receitas tarifárias e
imobiliárias, atribuindo à empresa responsável pela obra
pública também a concessão urbanística do entorno.

O DESAFIO DA CONSERVAÇÃO:
ESPAÇOS PÚBLICOS DE PROPRIEDADE PRIVADA

Outra dimensão que demanda uma mudança


paradigmática diz respeito ao modelo de propriedade dos
logradouros. No sistema tradicional, eles pertencem ao
município e são conservados com recursos orçamentários,
à exceção das calçadas, cuja conservação é atribuição
do proprietário do lote. Seja pela escassez de recursos
públicos, seja pela falta de padronização e fiscalização das
calçadas, o resultado tem sido abandono e deterioração.
É possível conceber, no entanto, um modelo alternativo,
no qual os moradores detêm coletivamente a propriedade
dos logradouros e são responsáveis por sua conservação,
mas não podem restringir o livre acesso e o usufruto
por parte da população em geral. As calçadas e praças
pertenceriam a um condomínio composto por todos os
proprietários de lotes da quadra, mas estariam sujeitas
10. VictorCarvalhoPinto,Condomínio
a uma servidão instituída pelo poder público pela qual
de lotes: Um modelo alternativo
se facultaria a qualquer pessoa, moradora ou não do de organização do espaço urbano.
condomínio, circular por esses espaços e fazer uso dos Brasília: Senado Federal, 2017.
equipamentos existentes.10
Técnicas urbanísticas semelhantes já foram
amplamente empregadas no Brasil. Em pequena escala,
temos o exemplo das galerias comerciais do centro de São
Paulo e dos pilotis exigidos nas superquadras de Brasília.
Em maior escala, mas com restrições de acesso,
encontramos shoppings centers, condomínios
horizontais e loteamentos fechados. Embora o
fechamento desses empreendimentos seja condenável,
é preciso reconhecer que eles são capazes de oferecer
e manter espaços abertos de excelente qualidade e sem
onerar o orçamento público. As alterações promovidas
na Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano em
2017 permitem que esse bônus seja aproveitado, mas
exigem do poder público uma atuação incisiva no sentido
de coibir o fechamento de loteamentos e de instituir
servidões sobre condomínios de lotes em benefício da
população em geral e da paisagem urbana.

Victor Carvalho Pinto (São Paulo, 1966) é jurista


especializado em infraestrutura e desenvolvimento
urbano. Doutor em direito econômico e financeiro pela
Universidade de São Paulo (USP), é consultor legislativo
do Senado Federal na área de desenvolvimento urbano,
e autor do livro Direito Urbanístico: Plano Diretor e
Direito de Propriedade e de artigos em revistas e
sites especializados. Advogado com experiência
na modelagem de projetos de infraestrutura e
de desenvolvimento urbano, integrou a carreira
de especialista em políticas públicas e gestão
governamental do Governo Federal, tendo atuado
na Presidência da República e nos Ministérios do
Planejamento e da Justiça.
Instalação
no exterior
do Pavilhão
do Brasil
NSDC 400
Atelier Marko
Brajovic

São Paulo sofre de uma patologia de


segregação urbana, representada e
manifesta a partir de seus extensos muros
e grades – que acentuam a relação já
crítica entre áreas públicas e privadas.
Paradoxalmente, encontramos casos nos
quais essas barreiras dividem, inclusive,
espaço público de espaço público.
Estes elementos de segregação estão
dispersos por toda São Paulo, em diferentes
escalas e locais. Separam nossos parques,
praças, monumentos e, ao fim, o próprio
espaço público de seus cidadãos.
O projeto NSDC (em referência à
arquitetura cênica de Lina Bo Bardi para
a peça Na selva da cidade) propõe a
transformação de grades em mobiliário
urbano, a partir do entendimento do design
como agente transformador da paisagem e
dos usos urbanos.
O desenho concebido pelo Atelier
Marki Brajovik baseia-se em um processo
contínuo de dobra – a dobra de Deleuze –,
no qual um elemento individual é dobrado
sobre si mesmo para que uma nova forma
se consolide. O Atelier foi responsável pelo
desenvolvimento de todos os processos
e soluções técnicas; cada nova peça foi
elaborada, posteriormente, em uma ação
comunitária. A população, verdadeira
conhecedora das próprias necessidades
locais, sabe com clareza o projeto que
melhor a atende.
Politicamente, quando se dobram essas
grades, seus usos são redefinidos; de
elementos de segregação e redução para
um novo local de encontro e soma. Para
além da forma, o projeto traz intrínseco seu
papel cívico de transformação urbana.
Encomendado pela Prefeitura de São
Paulo e pelo Museu da Cidade em 2015,
o projeto do Atelier Marko Brajovic foi
implementado em diversas áreas da cidade.
Os limites 403
dos objetos
Seleção de projetos
pelo edital

406 Pedro Varella, Gru.a Arquitetos 424 Pedro Évora


Instalação “De onde não se vê Farol da Maré
quando se está” sobre o MAC
426 SP Urbanismo
408 Sem Muros Arquitetura Integrada Centro Aberto
Escola Sem Muros
428 Una Arquitetos, LUME da FAUUSP,
410 Studio MK27 Una Arquitetos, H+F Arquitetos
Praça Infantil e Metrópole Arquitetos
Do plano ao projeto/
412 Bernardes Arquitetura Sesc Parque Dom Pedro II
Instituto Brincante
430 Corsi Hirano + Candi Hirano
414 Brasil Arquitetura Arquitetos
Terreiro Òsùmàrè Boulevard da Liberdade

416 H+F Arquitetos 432 sauermartins +


Moradia estudantil Unifesp Metropolitano Arquitetos
Travessias
418 Rosenbaum + Aleph Zero
Moradas infantis 434 Vigliecca & Associados Residencial
Parque Novo Santo Amaro
420 Triptyque Architecture
Edifício Amata 436 Boldarini Arquitetos Associados
Orla marítima de Ilha Comprida
422 SIAA + HASAA
Sesc Ribeirão Preto 438 Libeskindllovet Arquitetos,
Jansana, de la Villa,
de Paauw, arquitectes
Plano urbanístico Pirajussara
O capítulo Os limites dos objetos aborda o em construções reais, demonstrada pela alta
tema Muros de ar na escala das intervenções porcentagem de projetos não-realizados. As
arquitetônicas e urbanas, numa tentativa de inscrições também atestam, por outro lado, que
medir a capacidade da produção brasileira há um cenário de arquitetura contemporânea
recente para mediar relações conflituosas de alta qualidade no país.
entre os domínios público e privado. Os dezessete projetos escolhidos têm em
Em oposição à abordagem cartográfica, comum as ideias inspiradoras e tangíveis, além
que mapeia os múltiplos tipos de barreiras do desejo claro de transformar seu entorno em
que constituem o território brasileiro, esta um ambiente mais fluido e inclusivo. Expostos
seção apresenta objetos arquitetônicos que na primeira sala do Pavilhão do Brasil nos
estimulam a transposição dos muros que estão Giardini, em Veneza, eles compõem um painel
presentes em nossas cidades. As propostas plural de soluções, envolvendo diferentes
selecionadas compartilham a motivação de ângulos do conceito de Muros de ar.
investigar novos modos de lidar com os limites, As questões que abordam incluem como
as divisões e as rupturas dos tecidos urbanos. aproximar as pessoas para lutar por uma causa
Ao mesmo tempo, trazem à tona a necessidade comum, contra as forças da especulação
premente de usar o projeto como uma forma financeira imobiliária pura; como repensar
de transformar condições de exclusão em nossas limitações tecnológicas; como uma
possibilidades de aproximar as pessoas. comunidade pode aprender com a construção
Os projetos foram escolhidos por meio coletiva; como misturar processos de
de uma convocatória aberta ao público – construção industrial com técnicas populares
iniciativa inédita na história dos pavilhões ou tradicionais; como a proposição de formas
brasileiros na Bienal de Veneza –, com o claro arquitetônicas e urbanas inovadoras pode
objetivo de ampliar e democratizar o diálogo romper estruturas legais; como fazer uso de
sobre a arquitetura brasileira contemporânea. estratégias pontuais para gerar uma rede
Amplamente divulgada em todo o Brasil, que promova a renovação urbana; como usar
o chamamento convidava arquitetos a os vazios para costurar dois lados de uma
submeter projetos pela página www. comunidade informal; como unir grandes
murosdear.org.br, que abrigava uma série de corredores de infraestrutura; como adensar
seções abertas à participação do público na usos para aproximar uma comunidade; e como
pesquisa Muros de ar. repensar áreas preservadas enquanto espaços
A seleção considerou válidos todos os públicos cuidadosamente calibrados, entre
projetos dentro do território brasileiro, outras estratégias.
independentemente da nacionalidade do Enfim, a apresentação dos dezessete
arquiteto. A chamada aberta se dirigia projetos foi desenvolvida em colaboração
a projetos construídos ou não, mas entre a equipe curatorial e cada escritório
necessariamente fundamentados na realidade, responsável. A escolha de representações
ou seja, concebidos para clientes reais ou gráficas com poucos desenhos de linha,
concursos. Não foram aceitos projetos ainda que impactantes – cada um criado
acadêmicos ou propostas de ideias. Com especialmente para estabelecer um diálogo
inscrições abertas em 19 de dezembro de 2017 com os demais projetos –, visa enfatizar não
e encerradas em 19 de janeiro de 2018, foram apenas as nuances do design, com suas
recebidas 289 propostas, provenientes de mais variações em escala, mas também as ações que
de sessenta cidades brasileiras. se conectam ao tema mais amplo da exposição.
Os projetos submetidos confirmaram Ações como promover, semear, revelar,
a alta concentração de escritórios de interpretar, costurar, repropor, estruturar,
arquitetura na região Sudeste do país; a rara interconectar, articular, compreender, abarcar,
presença de estrangeiros construindo no adensar, converter e aprender – que, em
Brasil, especialmente em comparação com última análise, revelam a capacidade de cada
América do Norte, Ásia ou Europa; e, por projeto de derrubar muros e construir um mais
fim, a dificuldade de transformar propostas generoso e coletivo Freespace.
Instalação 407
“De onde não
se vê quando
se está” sobre o
Museu de Arte
Contemporânea
de Niterói
Resignificar uma cobertura
inacessível em um novo
espaço público

Arquitetos
Pedro Varella +
Gru.a Arquitetos
Localização
Niterói – RJ

Projetado em 1991 por Oscar ao visitante a chance de


Niemeyer, o Museu de Arte estar nesse icônico edifício e,
Contemporânea de Niterói (MAC) é simultaneamente, perder de
um dos mais reconhecidos ícones vista os contornos de sua própria
da arquitetura brasileira. Os limites forma. Para isso, implantamos
entre o edifício e a paisagem da uma escada em estrutura
Baía de Guanabara são bastante tubular que dá continuidade
claros, fixado pelas finas arestas ao movimento de ascensão da
de sua estrutura em concreto rampa, conduzindo o público à
armado. Os deslocamentos dentro laje de cobertura do museu. No
do espaço são controlados: o perímetro da laje, projetamos um
acesso a partir da praça seca, a sistema de guarda corpo, também
rampa sinuosa e, finalmente, a tubular, fixo à estrutura existente
paisagem enquadrada pelas bordas por meio de uma série de cabos
da estrutura em uma sequência tensionados, os quais permitem
projetada para ser vista por a instalação do conjunto sem a
alguém que cumpriu a sucessão necessidade de interferência na
de movimentos preparada pelo superfície da laje.
arquiteto. Se essas são condições A partir da laje de cobertura
das quais parece difícil se livrar, perde-se a relação entre figura
foi a partir delas que formulamos e fundo, abre-se um inexplorado
um instigante desafio: como se campo de reflexões e sentidos. A
desvencilhar da imagem marcante arquitetura, que habitualmente
do MAC? Como questionar os é reconhecida por sua aparência
limites impostos pelo desenho visual, seu estatuto de ícone e
do antigo mestre oferecendo ao suas vistas pré-determinadas, é
público novas experiências? subvertida a um suporte para a
O projeto “De onde não se imaginação, desvelando camadas
vê quando se está” oferece interpretativas até então ocultas.
Escola 409
Sem Muros
Construir coletivamente
como forma de aprendizado

Arquitetos
Sem Muros Arquitetura
Integrada
Localização
São Paulo – SP

O projeto Escola Sem Muros, Ao projetar, importava conectar


no Espaço Cultural Jardim saberes diferentes e integrar a
Damasceno, busca potencializar participação popular; ao construir,
o movimento de resistência na importava fazer da construção
periferia norte da cidade de São física um meio para uma
Paulo. Através do reconhecimento construção social. O resultado
do contexto e da integração dos proposto foi uma meta-estrutura
elementos da micro à macroescala, de bambu (produzido dentro
o projeto arquitetônico reflete da região metropolitana de São
o espaço entre o construir e o Paulo) a ser construída a partir de
habitar. Uma escolha de onde, um programa pedagógico, o qual
o que, como e porque projetar: envolveu um grupo multidisciplinar
usar a estética da arquitetura para constituído por indivíduos de
valorizar e amplificar a luta de dentro e de fora da comunidade. A
uma comunidade pelo direito à construção deverá ser feita a partir
(outra) cidade, como força política de materiais locais, com o objetivo
que legitima um território junto a de permitir que os usuários se
seus habitantes. apropriem do novo espaço e, ao
O Espaço Cultural Jardim desenvolverem um sentimento
Damasceno existe há 25 anos de pertencimento, agreguem
e funciona em um galpão de significado a ele.
madeirite próximo a um córrego. Após a conclusão da
Ocupado pelos moradores locais, construção, os próximos passos
que mantêm o lugar aberto e deverão ser definidos junto à
livre dentro do adensado, fornece comunidade: como sustentar e
assistência social, articulação continuar o que foi construído?
política e condições para o Como abrigar um espaço para
desenvolvimento integral da potencializar a comunidade
comunidade. Utilizado diariamente rumo à criação de um território
por cerca de sessenta crianças educador? Para responder,
e para manifestações culturais, será preciso reconhecer a
o Espaço encontra dificuldades importância de uma política do
para manter-se, devido à sua cuidado para sustentar os efeitos
infraestrutura precária e às e impactos do projeto na vida
ameaças de desapropriação. daqueles envolvidos.
Praça Infantil 411
Articular um vazio privado
em uma arena lúdica aberta

Arquitetos
Marcio Kogan + studio mk27
Localização
São Paulo – SP

Uma praça pública como espaço e, quando a brincadeira se


lúdico explorado livremente pelas transforma em pega-pega, elas
crianças – esse foi o pressuposto retornam correndo para o centro
de projeto para a Praça Infantil, a da praça, pulando pelo gramado
ser construída, em breve, em um descoberto e livre.
lote urbano de 900 m2, em meio a Lá pelo vazio central, outras
uma área residencial. aberturas, portais na parede
A parede circular em madeira, de madeira, oferecem outras
visualmente permeável, de 23 atividades. A criatividade
metros de diâmetro e 2,50 metros infantil é catalisada por esses
de altura, define a organização brinquedos que não impõem um
da praça. Todos os percursos uso específico, mas induzem a
convergem para esse centro, formas de exploração. De um
formulando uma imagem similar lado, incrustado na empena
à distribuição espacial de lugares côncava de madeira, há um
primitivos de encontro: uma roda pequeno teatro de marionetes;
de histórias em torno do fogo ou à frente, em outro nicho, ficam
ocas indígenas ao redor de um escorregadores e balanços.
grande vazio central. A Praça Infantil não é um lugar
A construção circular em tedioso para crianças matarem o
madeira contém portais e alguns tempo. Ao contrário, é um jardim
deles levam à área externa, vivo, repleto de livres descobertas
periférica ao vazio central e e que oferece uma experiência
separada pela parede, onde inesquecível para as crianças.
as crianças encontram novos Sua imaginação penetra nos
mundos. Essas passagens inúmeros espaços, cada um com
revelam jardins, com flores brincadeiras diferentes e, assim,
campestres e chafarizes. elas se molham, escorregam,
Algumas crianças brincam de gritam, tropeçam, escalam
esconde-esconde e invadem e desbravam esse lugar de
um pequeno labirinto secreto pequenas felicidades.
Instituto 413
Brincante
Semear resistência local

Arquitetos
Bernardes Arquitetura
Localização
São Paulo – SP

O Instituto Brincante, criado duas pequenas casas contíguas


em 1992 pelos artistas Antonio ao galpão para ampliar o
Nóbrega e Rosane Almeida a partir Brincante. Cinicamente, a mesma
de um espetáculo homônimo construtora que comprou o
encenado por eles, é um espaço galpão fez ofertas para adquirir
voltado à exploração da cultura as casas. Foi a gota d’água. Com
brasileira em suas mais diversas a intenção de fortalecer seu
modalidades. Assim como o comprometimento com a Vila
significado regional do termo Madalena, o Brincante decidiu
“brincante” – multiartista popular ficar e lançou a campanha
do Nordeste brasileiro que canta, #FicaBrincante para arrecadar
dança e toca instrumentos – o fundos para uma nova sede
Instituto propõe expandir o fazer nesses dois terrenos.
artístico brasileiro tradicional. O novo Brincante amplifica
Para isso, oferece cursos em sua participação na vida da Vila
artes populares que visam Madalena ao costurar-se espacial,
formar intérpretes e educadores programática e definitivamente
capazes de pensar a sociedade à sua vida pública, através de
contemporânea de um modo novo. seu teatro-escola e de espaços
Em 2014, o proprietário de encontro, os quais passam a
do galpão onde o Instituto acomodar também espetáculos
funcionava há uma década na públicos, além de ensaios e
Vila Madalena vendeu o imóvel cursos. Ligado a uma pequena
para uma construtora sem praça e a um mezanino aberto,
consultar Nóbrega e Almeida. que conectam a rua a seu interior,
Com ligações fortíssimas com o teatro-escola faz do Brincante
o bairro, o Brincante viu seu um marco à resistência em meio
legado ameaçado e prestes a ser a um ambiente de especulação
despejado. Após um processo imobiliária agressiva. Como nas
legal árduo, o Instituto não palavras do próprio Nóbrega:
conseguiu reverter o quadro, “Vamos continuar semeando
mas percebeu na situação uma Brasil, afinal é desse lugar
oportunidade de reafirmar seu [apontando a rua] que vemos e
papel local, de resistir. sentimos o mundo, apesar de a
Poucos anos antes, Nóbrega danada da especulação imobiliária
e Almeida haviam adquirido pensar que o possui”!
Terreiro 415
Òsùmàrè
Interpretar a história
através de uma sequência
de muros

Arquitetos
Brasil Arquitetura
Localização
Salvador – BA

Os muros representam, ao longo até os vales dos rios e córregos.


da história da humanidade, Esse inteligente modelo de
as divisões de propriedades e ocupação – adaptado à topografia
territórios, barreiras de proteção e aos acidentes geográficos,
e defesa. Mas também existem que combina a construção
muros que, ao separar, conectam. à preservação da natureza –
São os muros que emolduram desapareceu nas últimas décadas,
a paisagem, formalizam as destruído pelo desenfreado e
passagens, regulam o contato, massivo processo de urbanização.
definem vizinhanças e asseguram Na área urbana de Salvador,
a travessia. São muros de conexão; porém, esse modelo permanece
agregadores e unificadores de preservado graças às tradições
interesses coletivos; marcas dos cultos do Candomblé e,
físicas e simbólicas dos feitos justamente, o terreiro de Òsùmàrè
humanos de grande importância é um desses últimos exemplos.
social; suportes de registros O projeto de intervenção visa
históricos e conquistas preservar física e simbolicamente
tecnológicas. São os muros dos o conjunto (tombado pelo
aquedutos, de contenções de Instituto do Patrimônio Histórico
encostas e das pontes. Mesmo e Artístico Nacional – IPHAN) e
aqueles que nasceram como ampliá-lo, em busca de conforto,
proteção, a exemplo das muralhas contundência e delicadeza a um
dos burgos, adquirem novos só tempo: os patamares e muros
sentidos – são transformados em de contenção devem marcar
testemunhos vivos do esforço do a vida futura do terreiro; mais
homem na construção de uma vida confortável, acessível e digno em
mais confortável. suas instalações. O novo conjunto
De uma das ações mais pode ser dividido em três grandes
arcaicas do homem na construção blocos, os quais correspondem
de seu habitat surgem os muros, aos três patamares topográficos
associados ao trabalho humano do terreno: Núcleo Inferior, Núcleo
com as pedras da natureza. Central e Núcleo Superior.
Situada em uma das encostas A “Mata Escura”, como era
de Salvador, a mancha verde do conhecida até o início do século
Terreiro de Òsùmàrè (um dos mais 20, será recuperada e adensada,
antigos da cidade), representa ao receber novos caminhos em
o que foi, ao longo de séculos, a rampas suaves para passeio e
lógica de ocupação do território deleite da natureza e do sagrado.
acidentado da cidade: pequenas De cima para baixo, ou de baixo
construções nas cumeadas dos para cima, pela Mata Escura,
morros, próximas aos caminhos de a longa escada representará a
acesso, ladeadas pela exuberante cobra/caminho ao cruzar as terras
vegetação assentada em declive sagradas de Ilê Òsùmàrè.
Moradia 417
estudantil
Unifesp
Delimitar espaços
para promover uma vida
estudantil coletiva

Arquitetos
H+F Arquitetos
Localização
Osasco – SP

Situado na borda de um novo da moradia estudantil – como


campus da Universidade Federal de biblioteca comunitária, cineteatro,
São Paulo (Unifesp) em Osasco, na salão de festas e eventos e oficina
Região Metropolitana de São Paulo, de artes – servem potencialmente
o projeto da moradia estudantil como recursos de sociabilidade
oferece a oportunidade de, por entre os estudantes e a população
meio de sua arquitetura, unir do entorno. Acomodadas ao
diversas interações entre o mundo declive da rua, essas atividades
universitário, comumente marcado se desdobram em patamares
por uma cultura isolacionista e sucessivos, cada qual vinculada a
autorreferente, e a vida cotidiana do um espaço específico da praça.
bairro no qual se insere. Ao trazer a esfera pública para
A implantação do edifício, em dentro dos limites do campus, a
patamares que acompanham praça atua como um vestíbulo, um
a declividade do terreno, espaço de interações imprevistas.
configura dois espaços de caráter Juntos, praça e prédio conformam
marcadamente distintos: o pátio um muro habitável, uma fronteira
e a praça. Enquanto o primeiro é ao mesmo tempo resistente e
de uso exclusivo dos residentes e porosa,* capaz de oferecer para a
usuários da moradia, o segundo cidade uma face viva e interativa
se volta para o bairro, ao qual do ambiente universitário.
oferece um percurso direto para
aqueles que vêm da estação do
trem metropolitano, de maneira *SENNET, Richard. “Boundaries
a configurar uma das principais and Borders”. In: BURDETT, Ricky
“portas” de acesso ao campus. e SUDJIC, Deyan (org.) Living in
Além de equipamentos de the endless city: the Urban Age
uso público, a praça oferece project by the London school of
atividades comuns aos moradores economics and Deutsche Bank’s
do campus e do bairro. Dessa Alfred Herrhausen society. Nova
forma, os programas coletivos York: Phaidon Press Limited, 2011.
Moradas 419
infantis
Fomentar união por meio do
cruzamento de processos
tecnológicos e vernaculares

Arquitetos
Rosenbaum + Aleph Zero
Localização
Formoso do Araguaia – to

O contínuo, o vasto e uma tênue soluções, advindas do diálogo entre


linha imaginária ao fundo acolhem a técnica contemporânea e o rico
a jornada e os saberes dos conhecimento vernacular local.
brasileiros residentes na região A troca contínua resultou em
central do país. Em um lugar uma solução imaginada como
marcado por memórias, técnicas, primeiro passo na organização
estéticas e ritmos, indígenas e geral do território. As duas
rurais, mas também onde ricas moradias requeridas para atender
culturas se desvanecem frente aos alunos foram posicionadas
a um desejo de modernização próximas às bordas da fazenda,
míope, a arquitetura deve encarar liberando o eixo central para
as contradições existentes e programas diretamente
propor alternativas às soluções relacionados ao ato de aprender.
convencionais. Com estas Cada vila é conformada por 45
indagações, o projeto para abrigar unidades, distribuídas ao redor
540 jovens e crianças que estudam de três grandes pátios onde a
na escola de Canuanã caminha flora local ameniza o calor. Os
na direção do diálogo cultural, do dormitórios, para seis estudantes
incentivo a técnicas construtivas cada, são construídos com tijolos
locais, da beleza indígena e seus de solo-cimento, compostos com
saberes, aliados à construção material do terreno, para melhorar
da noção de pertencimento, o desempenho térmico e evitar
necessária ao desenvolvimento transportes de longa distância. No
dos alunos. piso superior, estão distribuídas
Para entender a complexidade áreas de convívio, como salas
inerente, utilizou-se a metodologia de TV e espaços para leitura,
“A gente transforma”, conformada apresentações e brincadeiras.
por fases de pesquisa, imersão e Acima, uma fina cobertura
uma colaboração aberta com a metálica de cor branca, sustentada
comunidade local, professores e por uma estrutura em madeira
estudantes. O processo envolveu laminada colada cria uma grande
workshops e dinâmicas, em busca sombra que abriga o programa
de um entendimento comum do e compõe o generoso espaço de
problema e de suas possíveis transição entre dentro e fora.
Edifício 421
Amata
Romper paradigmas
tecnológicos

Arquitetos
Triptyque Architecture
Localização
São Paulo – SP

O edifício apresentado foi um urbana sustentável e uma


projeto pensado a partir de alternativa de descarbonização da
importante colaboração entre construção civil – o ciclo produtivo
arquitetos e clientes; entre a da madeira já se inicia com um
Triptyque Architecture e a empresa enorme crédito de compensação
de florestamento sustentável de carbono, uma vez que cerca
Amata, que, justamente, garante o de 1m³ de madeira captura 1
nome ao edifício. tonelada de gás carbônico durante
A própria morfologia do terreno seu crescimento. Somadas,
escalonado possibilita criar uma as tecnologias aplicadas em
interação múltipla entre cidade CLT e Glulam fazem da madeira
e usuários dessa área da Vila um material de alta eficiência
Madalena. Funcionalmente, os estrutural, inclusive para edifícios
13 pavimentos do edifício somam mais altos.
uma área de 4.700m² de uso Dessa forma, assim como outros
misto, que contempla espaços materiais que revolucionaram
compartilhados de trabalho (co- a construção mundial entre os
working) e moradia (co-living), séculos XIX e XX, reforça-se a ideia
além de restaurantes. de que a madeira será aquela a
Em termos de materialidade, fazê-lo no século XXI, de modo que
a escolha pela madeira em um o edifício Amata traz a semente de
edifício relativamente alto se uma matriz que transpõe questões
deu primordialmente pelas suas de técnicas construtivas, legislação
possibilidades de constituir um e benefícios físicos, emocionais
modelo para uma arquitetura e empíricos.
Sesc 423
Ribeirão Preto
Densificar usos como
um meio de fortalecer
a comunidade

Arquitetos
SIAA + HASAA
Localização
Ribeirão Preto – SP

O passeio interno de complexo corte, que revela os


reconhecimento desse complexo espaços fechados entremeados
cultural e esportivo é uma por frestas ou vazios e percursos
experiência de diversidades. Há públicos ou administrativos.
multiplicidade de caminhos e O rés-do-chão é, em grande
rotas, há heterogeneidade de medida, caracterizado pelas
formas e espaços e há variedade piscinas: a existente ao ar livre
de fechamentos e aberturas. desdobra-se nas novas piscinas
Não há qualquer tipificação nos cobertas, dando origem a um
andares. Não há repetição dos conjunto aquático interligado. A
corredores e escadas. Há, sim, cota da cobertura do antigo pavilhão
uma intenção de sempre construir dá origem ao andar de convivência
varandas: espaços de ligação que que conecta as diferentes partes
criam ambientes abertos de estar do Sesc: um ato de suspensão
e vistas singulares. e pulverização dos fluxos das
É preciso admitir que, antes de atividades próprias a um foyer.
mais nada, esse é um projeto sobre No núcleo da torre, localiza-
um projeto. É a questão seminal se o teatro com caixa cênica e,
para a intervenção arquitetônica nos pavimentos superiores, uma
dentro do Sesc de Ribeirão Preto, sala escura de múltiplo uso e a
inaugurado em 1966, com um quadra no topo. As novas fachadas
pavilhão concebido pelo arquiteto seguem uma malha estrutural
Oswaldo Corrêa Gonçalves. com modulação de 3x3 metros,
Selecionada em concurso alternando fechamentos como
público ocorrido em 2013, a nova brises, chapas perfuradas ou
proposta objetiva reorganizar, opacas (avermelhadas ou negras),
atualizar e ampliar as atividades planos cegos de concreto e a
desse conjunto. Pelo projeto, a transparência literal do vidro.
edificação modernista linear de No conjunto arquitetônico deste
dois pavimentos transforma-se projeto, é pelo contraste que o
no acesso principal, isto é, na existente (horizontal e linear)
transição da cidade com seu Sesc. e o novo (vertical e compacto)
As novas atividades são valorizam-se mutuamente.
concentradas na nova edificação Imagina-se, assim, que o visitante,
vertical: um volume constituído ao caminhar por esta unidade
pelo “empilhamento” de do Sesc, reconheça e participe
diversas funções, cada qual da programação ofertada, tendo
com a geometria ideal para seu sempre como parâmetro visual a
funcionamento. O resultado é um cidade ao seu redor.
Farol da Maré 425
Compreender a totalidade
do território através de um
deslocamento vertical

Arquiteto
Pedro Évora
Localização
Rio de Janeiro – RJ

Surgindo como torres em uma ter avaliada sua real dimensão.


cidade antiga ou palmeiras mais Internamente, caracteriza-se pela
altas do que a mata, mirantes justaposição de distintas tramas
emergem entre casas e galpões de construções e caminhos, que
industriais abandonados. Onde as unem e diferenciam seus espaços,
vizinhanças se distanciam dentro comunidades e comandos
do bairro denso e labiríntico da armados. Em nenhuma parte é
periferia, elementos verticais possível perceber o seu todo na
sinalizam novos horizontes e cidade. A Maré é vulgarmente
orientam outras possibilidades conhecida pela opacidade e
de navegação. Essa imagem pela violência.
projetada como um conto O projeto de arquitetura Farol
pertence à realidade do Complexo da Maré cria outros pontos de vista
da Maré, conjunto de favelas da para a região, com a instalação de
cidade do Rio de Janeiro, a partir mirantes anexos a equipamentos
do projeto Farol da Maré. públicos, criando uma rede de
A Favela da Maré é um conjunto referências visuais verticais para
de dezesseis comunidades que as dezesseis comunidades que
abriga cerca de 130 mil pessoas compõem o bairro-complexo.
em construções com três Surgiu da demanda pontual de
pavimentos, em média, numa ampliação do Centro de Arte
área equivalente a Copacabana. Contemporânea Bela Maré, um
Criada a partir da orla norte galpão industrial convertido ao
da Baía de Guanabara, junto à uso cultural, na comunidade da
Cidade Universitária do Fundão, Nova Holanda em 2012, e propõe a
é definida externamente pela construção de uma torre metálica de
Avenida Brasil, Linha Vermelha trinta metros de altura que abrigará
e Linha Amarela, principais vias o mirante público e atividades da
da cidade. Vista a partir das instituição, afirmando-se como
rodovias, apresenta-se como um fato novo tanto para os moradores
território espesso e impossível de quanto para a paisagem.
Centro Aberto 427
Converter pequenos
espaços residuais e
subutilizados em áreas de
interação social

Arquitetos
SP Urbanismo
Localização
São Paulo – SP

A cidade oferece inúmeras Uma questão afetiva e


oportunidades aos que nela estratégica ajudou a definir um
vivem: oportunidades de habitar primeiro recorte para aplicação
e trabalhar, de ter lazer e cultura, dessas ações. Os Largos de São
de comprar e obter serviços, de Francisco e São Bento, locais
usufruir dos espaços de encontro, de implantação do programa,
de se capacitar e se educar. São juntos ao antigo Largo do Carmo
oportunidades que geram nos (próximo à atual Praça da Sé)
cidadãos não só a necessidade constituem o triângulo histórico
de deslocar-se no território, mas, onde se iniciou o desenvolvimento
principalmente, a necessidade de São Paulo. A área central é o
de permanência em seus espaço de maior referência na
inúmeros espaços. cidade, com a maior oferta de
O Programa Centro Aberto comércio, serviços, transporte e
consiste na implantação de um patrimônio histórico e cultural.
programa de usos e atividades em O programa propõe a utilização
espaços subutilizados (ou mesmo de mobiliário fixo e móvel: deque
fechados ao uso cotidiano), de madeira, bancos, mesa
substituindo gradis e bloqueios de pingue-pongue, centro de
existentes por áreas abertas de informações, mesas e cadeiras,
intensa atividade, num constante cadeiras de praia, ombrelones,
convite à permanência. Desse jogo de xadrez e equipamentos de
modo, pretende-se revelar a apoio para eventos culturais. Além
importância desses lugares para a disso, o projeto promoveu maior
fruição da cidade e para o reforço segurança aos pedestres através
do domínio público. da nova sinalização horizontal, dos
Esse programa se concretizou balizadores e ampliação das faixas
a partir de um processo de travessia.
participativo, desenvolvido através Esses elementos ajudam
do diálogo entre os diversos a conformar ambientes com
agentes envolvidos na produção novas funções, intensificam o
e no uso do espaço. Nas oficinas uso público e criam espaços
e seminários do “Diálogo aberto”, de encontro e de descanso, os
foram definidas três esferas de quais proporcionam ao usuário
ação: priorizar e proteger os diferentes experiências: áreas
deslocamentos não motorizados sombreadas, apresentações
(pedestres e ciclistas); dar artísticas, sessões de cinema,
condições para a permanência aulas abertas, aulas de
das pessoas no espaço público; yoga, jogos, alimentação,
promover novos usos e atividades disponibilização de energia e
para esses espaços. internet, entre outras.
Do Plano ao Projeto/ 429
Sesc Parque Dom Pedro II
Gerenciar múltiplas escalas para gerar
valor urbano

Arquitetos
Una Arquitetos (projeto urbano por
Laboratório de Urbanismo da Metrópole / 
LUME FAUUSP, Una Arquitetos, H+F Arquitetos
e Metrópole Arquitetos)
Localização
São Paulo – SP

A região da antiga várzea do potencializar ao máximo históricos de grande valor, como o


Rio Tamanduateí era o porto as qualidades inerentes ao Palácio das Indústrias e o Mercado
fluvial da vila de São Paulo. No programa de caráter público Municipal. O primeiro andar,
início do século 20, a região que caracteriza a instituição. As situado entre o térreo e o terraço,
foi transformada num grande unidades do Sesc são grandes acomoda comedoria, biblioteca e
parque público de inspiração edifícios multifuncionais, nos áreas administrativas.
francesa, a transição entre o quais coexistem atividades O teatro proposto possui
centro histórico e a zona industrial culturais, esportivas e de lazer, configuração mais experimental,
da cidade. Ao final dos anos sempre associadas a um caráter com várias possibilidades de
1960, o parque foi totalmente educacional. Em algumas montagem de cena e público,
transformado por violentas unidades do Sesc, a visitação o que também permite uma
intervenções de infraestrutura chega a 5 mil pessoas por dia. conexão com a área externa
urbana metropolitana, as quais Ocupando todo um quarteirão do jardim. O ginásio, além da
o tornaram uma região cindida de forma triangular, o Sesc D. quadra poliesportiva, contempla
e vulnerável. Assim, o plano Pedro II é circunscrito por três vias. áreas reservadas para atividades
urbanístico apresentou diversas Com acessos em cada uma delas, esportivas diversas e uma ampla
propostas coordenadas, como o o térreo resulta em uma praça ora sala de ginástica. Por fim, a
rebaixamento das vias expressas; a coberta, ora descoberta, animada cobertura do prédio é ocupada
remoção de viadutos; a criação de pelos fluxos convergentes para pelo conjunto aquático, o qual
ruas e novas pontes, um terminal seu interior. consiste em uma piscina coberta
intermodal junto à estação de Para abrigar os setores e duas piscinas de lazer ao ar
metrô existente, uma lagoa de livre acesso ao público e livre. A cota deste andar permite
de retenção e dois setores de potencializar as atividades lá visuais para todos os lados; uma
desenvolvimento prioritário, os oferecidas, um volume horizontal revelação surpreendente das
arcos norte e oeste. de dois pavimentos se espraia vistas da cidade.
O setor norte do plano, a pelo quarteirão. No térreo estão Em sua implantação compacta,
cargo do Una Arquitetos, inclui as oficinas, um café e o foyer do o Sesc busca dialogar e valorizar
a proposta de uma nova unidade teatro experimental, atividades seu entorno de densa ocupação de
do Sesc (Serviço Social do localizadas ao redor de um pátio comércio e serviços, oferecendo
Comércio), como âncora da arborizado, o qual permite a aos visitantes a fruição de
requalificação urbana proposta relação visual das atividades nos novas vistas para o importante
para a região. O entorno do distintos andares. conjunto de edifícios históricos
parque apresenta imenso A circulação é realizada através e, sobretudo, para a colina
potencial de adensamento de escadas rolantes, as quais histórica, o Centro de São Paulo.
habitacional, sobretudo para conectam o nível das ruas ao amplo Sua volumetria busca graduar
baixa renda, em especial pelas terraço que caracteriza o segundo as alturas em relação ao entorno
áreas já reservadas em lei para pavimento. O passeio pelo terraço, imediato, de maneira que sua
esse fim. ao redor das copas das árvores, inserção seja delicada, enquanto
O projeto em desenvolvimento revela vistas sobre esse trecho forma, e também transformadora
desse novo Sesc procura da cidade, incluindo os edifícios da qualidade urbana da cidade.
430 A relação entre a ausência de
uso, de atividade e o sentido
Boulevard da de liberdade, de expectativa, é
fundamental para entender toda

Liberdade a potência evocatória que os


terrain vague das cidades têm na
percepção da mesma nos últimos
Costurar tecidos urbanos pela anos. Vazio, portanto, como
ausência, mas também como
subversão da legislação atual
promessa, como encontro, como
espaço do possível, expectativa.
Arquitetos — Ignasi de Solà-Morales
Corsi Hirano + Candi
Hirano Arquitetos Muros sólidos construídos no
território ou muros invisíveis
Localização
escavados na geografia urbana,
São Paulo – SP todos são muros que uma metrópole
com a escala de São Paulo é capaz
de erigir: fronteiras abissais em
seu tempo e espaço. A proposta do como uma oportunidade de que se justificam tanto na escala
Boulevard da Liberdade resulta da encontro. Mesmo a partir das local como metropolitana.
constatação do desaparecimento inúmeras barreiras urbanas É preciso ter claro que a diluição
dos espaços públicos e da existentes, as cidades ainda dos muros urbanos existentes –
qualidade da paisagem urbana em podem originar novos elementos sociais, políticos e econômicos
nossas cidades. unificadores e geradores desse – também deve estar embasada
Como uma iniciativa pública, encontro, proporcionados sobre estratégias físicas, geradoras
estruturada a partir da criação de pelo espaço público e de situações e lugares nos quais
uma lei que permite a ocupação suas amplificações. o pleno convívio seja possível em
do vazio existente, o projeto Abordando uma condição meio à realidade construída. A
é uma importante forma de recorrente em São Paulo, sugere- arquitetura se faz presente como
reconstituição do tecido urbano se a apropriação do espaço aéreo constituição do Freespace em sua
e se pauta pelo reconhecimento sobre a via expressa que interliga essência: o espaço democrático.
dos muros e fraturas – nesse caso, a cidade de leste a oeste. À Solicitado por associações e
um negativo – na cidade. A partir criação de praças urbanas organizações vinculadas ao
de sua condição crítica, um muro acolhedoras da diversidade bairro e com a proposta de unir as
vazio é reconhecido não somente urbana, associam-se elementos iniciativas públicas e privadas, o
como palco para uma potencial programados ou não, definidos projeto permanece apresentado
ação infraestrutural, mas também pela multiplicidade de atividades para ambos.
432 Considerando a forte ruptura
no tecido urbano em função
do viaduto existente e da
Travessias infraestrutura viária, o projeto
Travessias é um mecanismo
Transpor grandes corredores de atenuador da paisagem urbana,
que oferece uma experiência de
infraestrutura percurso mais próxima à escala
humana. Supera barreiras físicas
Arquitetos por meio da inserção de uma
Sauermartins + passarela de pedestres: uma
Metropolitano Arquitetos travessia urbana.
Com base em estudos de
Localização viadutos e áreas contíguas à via
Belo Horizonte – MG Expressa Leste-Oeste na cidade
de Belo Horizonte, o concurso
realizado pela prefeitura buscou
estratégias de intervenção que
ativassem e requalificassem
tanto o espaço público, quanto os dois lados da avenida, a área sob os viadutos se torna
a paisagem urbana, de maneira promovendo a integração do ponto de atração de pessoas e
que a ociosidade dessas áreas tecido urbano e propondo rotas incentiva a promoção de outro
residuais fosse minimizada e as acessíveis para pedestres e tipo de vida urbana. Para isso,
ocupações ilegais, prevenidas. ciclistas. A travessia elevada novos programas são propostos
A proposta desenvolvida para se desenvolve por baixo do de maneira a criar variados usos,
o viaduto Fulgêncio considera a viaduto existente, através de que incentivem, assim, a ocupação
situação crítica de degradação e elementos metálicos fixados à desses locais como espaços de
abandono do seu entorno, gerada estrutura original de concreto convivência, comércio e lazer.
pela justaposição da avenida dos que evidenciam os diferentes Travessias retrata a arquitetura
Andradas, do ribeirão Arrudas e do usos, além de permitirem uma como instrumento capaz de
trem da cidade. O viaduto permite execução bastante simples. Nas fomentar a discussão sobre as
a continuidade viária da avenida extremidades da passarela, onde a relações presentes nas cidades
Francisco Sales, que conecta dois estrutura metálica encontra o nível brasileiras e visa demonstrar as
bairros equipados com instituições da rua, a inclinação necessária possibilidades de requalificação
de saúde e ainda amplia ligação acomoda arquibancadas do ambiente público urbano
com o transporte público. para a realização de eventos através de espaços multiusos, com
Como estratégia de e apresentações culturais. Ao o intuito de minimizar as barreiras
intervenção, a passarela conecta contrário de um vazio urbano, físicas e sociais.
434 Mais do que criar moradias para
famílias que viviam de forma
Residencial Parque precária em áreas de risco, sujeitas
a enchentes e desabamentos, o

Novo Santo Amaro projeto trouxe melhoria urbana


para a comunidade, situada em
uma das áreas de mananciais na
Delimitar para qualificar espaços zona sul de São Paulo.
Ao invés de criar uma nova
de convivência urbana
realidade para o local, o projeto
se insere na paisagem urbana,
Arquitetos valorizando seus recursos. O
Vigliecca & Associados verde, que havia sido extinto
Localização no desenrolar da ocupação
São Paulo – Sp
edificada irregular na área, foi atravessar um córrego poluído fluxo de pedestres, uma vez
recuperado por meio de um ou caminhar muito para que dispõem de circulação
parque linear – o eixo central contornar a quadra. Assim, o semipública.
que estrutura o conjunto de projeto criou passarelas de O córrego, no qual o esgoto
intervenções. Ao longo desse conexão entre as centralidades era despejado, foi canalizado e
parque, além da presença do clube existentes e as implementadas. uma rua foi projetada sobre o
e da escola, pontos de atração Os prédios de cinco a sete mesmo. No intuito de preservar
como playground, pista de skate andares – que comportam 200 a identidade dos moradores com
e campo de futebol estimulam unidades habitacionais de várias o respectivo meio ambiente em
a circulação de moradores e o tipologias, como apartamentos que vivem (de grande riqueza
sentimento de identidade com duplex de dois a três dormitórios hídrica), foram criados espelhos
o lugar. e opções adaptadas para d’água. Hoje, a região é abastecida
Antes, para terem acesso à portadores de necessidades pela água de diversas nascentes,
escola, as crianças precisavam especiais – não impedem o todas recuperadas.
436 Ilha Comprida ocupa uma estreita
faixa de areia de aproximadamente
Orla marítima de 72 km de extensão por 3 km
de largura e apresenta a

Ilha Comprida peculiaridade de ter 100% de seu


território incluído em uma Área de
Proteção Ambiental (APA). Sendo
Revelar uma orla preservada como assim, o projeto de requalificação
de sua orla marítima busca a
um novo espaço público
organização e a dinamização das
atividades realizadas à beira-mar,
Arquitetos com objetivos que vão além dessa
Boldarini Arquitetos Associados frente marítima e do turismo de
Localização veraneio. Como o município exerce
o importante papel ambiental de
Ilha Comprida – SP
funcionar como um quebra-mar
que protege a porção continental
das influências de ventos e mares, mesmo tempo em que orientam quiosques e estruturas
é fundamental preservar suas o uso e a visitação nesse espaço, temporárias, além dos ambientais
dunas – as responsáveis por que é público por excelência. já citados.
receber os ventos e proteger a O parcelamento do solo na O projeto fundamenta-se na
porção imediatamente posterior região central de Ilha Comprida ordenação desses usos à beira-
ao efeito desses agentes costeiros. caracteriza-se por uma malha mar a partir de pontos de parada
Assim, a proposta de ortogonal com quadras de 50 m de do transporte público – tomado
requalificação da orla de Ilha largura, configurando uma série como elemento mediador entre
Comprida configura-se como um de vias perpendiculares à praia a praia (ambiente natural) –, e
projeto piloto de transformação que conduzem um grande número a ocupação urbana (ambiente
dessa frente marítima. Lança mão de usuários à avenida Beira-Mar, construído). Pretende-se
de estratégias que contemplam onde os serviços, principalmente uma transformação urbana
as condições naturais e as voltados para o turismo de a partir da questão pública
necessidades de moradores e verão, se posicionam de forma do transporte coletivo, a qual
visitantes, fornecendo estruturas desorganizada, criando uma série permite uma apropriação
que interferem positivamente na de conflitos entre pedestres, verdadeiramente democrática
dinâmica de fluxos naturais, ao veículos, ciclistas, vendedores, do espaço desenhado.
438 O urbanismo informal é o modo
de desenvolvimento dominante
Plano urbanístico nas cidades de maior crescimento
do mundo. Como arquitetos

Pirajussara urbanistas, estamos preocupados


em melhorar a vida nos bairros
informais a partir da paisagem,
Interconectar fragmentos ao longo do rio uma vez que o espaço aberto
é um recurso raro e precioso
para liberar espaço na cidade informal
nesses locais.
O projeto Pirajussara 5
Arquitetos considera o rio Diniz como
LLA Arquitetos + JDVDP Arquitetos eixo estruturador de toda a sua
Localização proposta, a partir da interligação
de espaço público, moradias
São Paulo – SP
existentes e novas edificações córrego, atualmente considerado nas quais a eliminação de
de reassentamento. Como hoje como fundo. barreiras físicas, o paisagismo e
esse rio se encontra parcialmente A partir desses eixos, o a implantação da rede de esgoto
escondido pelas moradias, partido também estabelece exercem um papel essencial. A
o objetivo é redescobri-lo o vazio como prioridade para partir do conceito de “caminho
e aproximá-lo à população, as áreas carentes de espaços verde” ou “rambla”, o projeto
requalificando suas margens com abertos. São geradas, portanto, redefine as seções das ruas e as
a implantação de um parque linear. novas áreas de estímulo a polos pacífica, de maneira que o espaço
Assim, no espaço resultante, de centralidade, que reforçam a público, até então dominado pela
são consolidados eixos cívicos identidade de cada bairro. perspectiva do automóvel, possa
de convivência, relação social e Conectividade e qualidade ser revitalizado. A “favela” poderá,
intercâmbio cultural, beneficiando ambiental são conquistadas assim, restabelecer um diálogo
o bairro com espaço público através da integração do tecido com seu entorno e tornar-se
próximo, numa intervenção que urbano mediante operações parte da cidade formal, à qual
cria uma nova fachada para o de minuciosa cirurgia urbana, ela pertence.
Instalação “De onde não Diana Radomysler, Eduardo –– ano: 2017 (em desenvolvimento)
se vê quando se está” sobre o Chalabi, Eduardo Glycerio, Elisa –– status: não implantado
Museu de Arte Contemporânea Friedmann, Gabriel Kogan, Lair
de Niterói Reis, Luciana Antunes, Marcio Moradia Estudantil Unifesp
–– projeto: Pedro Varella Tanaka, Maria Cristina Motta, –– H+F Arquitetos: Eduardo
–– desenvolvimento: GRU.A Mariana Ruzante, Mariana Ferroni, Pablo Hereñu (autores);
(grupo de arquitetos) Simas, Oswaldo Pessano, Camila Reis, Camila Paim,
–– colaboradores: Caio Calafate, Renata Furlanetto, Samanta Amanda Rodrigues, Levy de
André Cavendish, Julia Carreiro Cafardo, Suzana Glogowski Lima Vitorino, Bianca Fontana,
–– banca do prêmio Reynaldo Roels –– local: São Paulo–SP, Brasil Nathália Grippa, Leonardo
Jr: Lisette Lagnado, Pablo Leon –– área: 900m² Navarro, Lucas Cunha
de La Barra, Michelle Sommer –– ano: 2012 (em desenvolvimento) –– consultorias: Steng Pro (projeto
–– consultorias: Rodrigo Affonso –– status: não implantado estrutural); Fit engenheiros
(cálculo estrutural); Bruno (serviços de construção);
Contarini (consultoria estrutural); Instituto Brincante Feuertec (proteção contra
JIRAU (equipamento e estruturas); –– autores: Bernardes Arquitetura incêndios); K2 (gestão
New Alfa (montagem) –– equipe: Thiago Bernardes, ambiental); Exato engenharia
–– projeto original: Oscar Niemeyer Dante Furlan, Rafael Oliveira, (pesquisas quantitativas);
–– local: Museu de Arte Maria Vittoria Oliveira, Marcelo Ricardo Viana (paisagismo);
Contemporânea de Niterói Dondo, Ana Paula Endo, Mary Proassp (impermeabilização)
(MAC), Niterói–RJ, Brasil. Helle Moda, Flavio Faggion –– local: Osasco–SP, Brasil
–– área: 1.885m² (laje de cobertura) –– ilustrações da exposição: –– área: 10.155,33m²
–– ano: 2017 Gabriel Duarte, Vitor Cunha, –– ano: 2014 (em desenvolvimento)
–– status: implantado Gabriel Gomes, Juliana –– status: não implantado
Biancardine, André Vuaden
Escola sem muros –– apoio institucional: Instituto Alana Moradas Infantis
–– ESM Planejamento e –– consultorias: Alfama Construtora –– Fundação Bradesco / Canuanã
gerenciamento: Andressa (empreiteira); LHG Engenharia students’ homes
Capriglione, Marcella Arruda, (projeto estrutural); Appogeo –– cocriação: Rosenbaum +
Ranyely Araújo (fundações); Smart Service Aleph Zero
–– projeto arquitetônico: Tomaz (instalações elétricas e –– consultorias: Ita Construtora
Lotufo, Cassio Abuno hidráulicas); Tottal Tecnologia (projeto, manufatura e
–– consultorias: Ana Beatriz Térmica (climatização); Acústica construção de estruturas de
Giovani, Flavia Burcatovsky, e Sônica (acústica); AtendTudo madeira); Raul Pereira Associated
Victor Presser (registro e (cenotecnia); Cenário Paisagismo Architects (paisagismo); Lux
comunicação do projeto); (paisagismo); Foco Iluminação Lighting Projects (luminotécnica);
Marjory Mafra, Nádia Recioli (luminotécnica); Tecnosystem / Meirelles Carvalho (projeto de
(permasampa/apoio); Payacán Jansen and SC Esquadrias fundações); Environmental
Artes em Bambú, Jair Vieira, (caixilhos em vidro); Hormann Consulting (consultoria de
Pedro Burgos (consultoria de (portas acústicas especiais); conforto térmico); Lutie
design e de construção de Isofibras (painéis acústicos) (instalações); Trima (laje); Inova TS
estruturas de bambu); Noêmia –– local: São Paulo–SP, Brasil (construtora); Metroll (gerador);
Mendonça, Nivalda Aragues, –– área: 342m² Rosenbaum and Fetiche (design
Ana Sueli, Fernando Ferreira –– ano: 2015-2016 de móveis); Fabiana Zanin
(organização ECJD); Pepe –– status: implantado (registro e comunicação do
Guimarães (fotos e filmes) projeto); Leonardo Finotti, Diego
–– local: Brasilândia, Terreiro Òsùmàrè Cagnato, Gallery Experience
São Paulo–SP, Brasil –– autores: Francisco Fanucci, (fotografias e filmes)
–– área: 160m² Marcelo Ferraz –– local: Formoso do Araguaia–TO,
–– ano: 2017-2018 –– coautor: Roberto Brotero Brasil
–– status: implantado –– equipe: Anne Dieterich, Cícero –– área: 23.344,17m²
Ferraz Cruz, Gabriel Mendonça, –– ano: 2014-2016
Praça Infantil Julio Tarragó, Laura Ferraz, –– status: implantado
–– arquitetura: Studio MK27 Luciana Dornellas, Pedro
–– arquiteto: Marcio Kogan Renault, William Campos, Edifício Amata
–– co-arquitetos: Eduardo Gurian, Guega Rocha, Heloisa Oliveira, –– autores: Carolina Bueno, Sávio
Marcio Tanaka Juliana Ricci Jobim, João Vieira Costa, Victor
–– equipe de projeto: Carlos Costa, –– maquete: Antonia Romer Hertel, Alice Sallustro
Laura Guedes, Mariana Simas –– local: Salvador–BA, Brasil –– consultorias: Equilibrium/
–– equipe de estúdio: Beatriz –– área do terreno: 3.935m² Carpinteria (projeto, manufatura
Meyer, Carolina Castroviejo, –– área de construção: 3.883m² e construção de estruturas
de madeira); PS2 Projetos e elétricas, climatização e André de Paula Andreis,
Consultoria/Amata (registro combate a incêndio); MK Luana Moreira Pereira, André
e comunicação do projeto); Engenharia (consultoria Gonçalves dos Ramos, João
Equilibrium/Carpinteria em fluxo de veículos); Porfírio da Silva
(engenharia) Pedro Martins Engenharia –– apoio ao desenvolvimento:
–– local: São Paulo–SP, Brasil (consultoria esquadrias); Polis Patricia Saran, Thomas Len Yuba,
–– área: 4.700m² Engenharia (lógica, telefonia José Eduardo de Sousa Costa,
–– ano: 2017 e energia estabilizada); Cristina Tokie Sanomie Laiza,
–– status: não implantado Proassp (impermeabilizações); Potiguara Mendes Ponciano
Siaa Arquitetos Associados –– apoio administrativo, financeiro
SESC Ribeirão Preto (esquadrias); Simone Carvalho e jurídico: Fabio Nascimento,
–– autores: César Shundi Iwamizu, (consultoria em odontologia); Valdemir Lodron, Ricardo
Eduardo Pereira Gurian, Helena Solé e Associados (conforto Simonetti, Adriana Ferreira dos
Aparecida Ayoub Silva acústico e cenotecnia); Statura Santos, Ricardo Grecco Teixeira,
–– equipe do concurso: Helena Engenharia (estrutura de Nivaldete Sanches C de Jesus,
Ayoub Silva & Arquitetos concreto e metálica); ZF& Maria de Fátima Claro Cabral,
Associados (Alexandre Gaiser Engenheiros Associados Tercio Ruiz Ruggeri, Isabel
Fernandes, André Desani (fundações e terraplanagem) Cristina de Souza, Rita Alves
Ariza, Elisa Haddad, Gustavo –– coordenação Sesc: Amilcar de Lima
Madalosso Kerr, Kim de Paula, João Gay Filho (gerente de –– estagiários: Bibiana Araujo Tini,
Luisa Amoroso Guardado, engenharia e infraestrutura); Douglas Vieira Farias, Hannah
Thomas de Almeida Ho); Grisiele Cezarete; Rita Palavani; Brito Montenegro Campos,
Siaa Arquitetos Associados Giorgio D´Onofrio; Sergio José Horrana Porfírio Soares, Juliana
(Alexandre Gervásio, Andrei Battistelli, Vicente Paulo Aráujo Souza Matayoshi, Natalie Henia
Barbosa da Silva, Bruno Girodo (assessoria técnica e Lagnado, Paula de Arruda
Valdetaro Salvador, Daniel de planejamento) Castro Giavarotto, Pedro
Constante, Rafael Carvalho) –– texto: Francesco Perrotta-Bosch Cezar de Andrade Cipis, Ana
–– coordenação de projeto: Cecília –– local: Ribeirão Preto–SP, Brasil Paula Siqueira, André Moreno
Prudencio Torrez, César Shundi –– área: 15.000m² Bonassa, Davi Hastenreiter
Iwamizu, Eduardo Pereira Gurian, –– ano: 2013 (em desenvolvimento) Sampaio, Diego Fontgalland
Helena Aparecida Ayoub Silva –– status: não implantado Dias, Flávio Johnsen Barossi,
–– equipe projeto: Helena Ayoub Gabriela Mem Barbosa, Giulia
Silva & Arquitetos Associados Farol da Maré Lorenzi, Heloísa de Souza
(Gustavo Madalosso Kerr, –– autor: Pedro Évora Oliveira, Jéssica Schroeder
Thomas de Almeida Ho, André –– cliente: Observatório de Favelas Selingardi, Júlia Kaffka, Juliana
Desani Ariza, Fernanda Bianchi –– produtora: Luiza Melo Custodio Miranda, Mariana
Neves Taques Bittencourt, (Automática) Wandarti Clemente, Nicolas
Flávia Falcetta); Siaa Arquitetos –– colaboradores: Rua Arquitetos Costa Panseri, Pamela Lopes da
Associados (Andrei Barbosa da (Pedro Rivera, Fabiano Pires, Silva, Paola Trombetti Ornaghi,
Silva, Bruno Valdetaro Salvador, Olivia Vigneron) Rodolpho Rodrigues Baptista
Fernanda Britto, Leonardo –– consultorias: Samuel Betts do Prado, Rodrigo Marinoni
Nakaoka Nakandakari, Luca (projeto luminotécnico); Geraldo Mandelli, Suzi Meire Correa,
Caiaffa, Rafael Carvalho, Maria Filizola (cálculo estrutural) Vitória Raíza Marques Novo.
Fernanda Xavier) –– local: Nova Holanda, Maré, –– colaboração: PR-SE - Prefeitura
–– consultorias: Addor (alvenaria); Rio de Janeiro–RJ, Brasil Regional da Sé; SMT / CET -
Ambiental (conforto térmico); –– área: 1050m² Companhia de Engenharia de
–– CAP - Consultoria Ambiental –– ano: 2012-2017 Tráfego; SMADS – Secretaria de
e Paisagística (paisagismo); –– status: não implantado Assistência e Desenvolvimento
Crysalis (áudio, vídeo e Social; SMDHC – Secretaria de
multimídia); CTE (consultoria Centro aberto Direitos Humanos e Cidadania;
LEED e PROCEL); Empro –– SP Urbanismo SMSO / AMLURB – Autoridade de
(transporte vertical); Fernando –– presidente: José Armênio de Limpeza Urbana; SMSO / ILUME -
Machado (projeto técnico de Brito Cruz Departamento de Iluminação
cozinhas); Franco Associados –– concepção e desenvolvimento: Pública; SSU / GCM – Guarda
(luminotecnia) Fernando Mello Franco, Civil Metropolitana; Polícia
–– Jugend (sistema eletrônico de Gustavo Partezani Rodrigues, Militar do Estado de São Paulo;
segurança, detecção e alarme de Luis Eduardo Surian Brettas, Gehl Architects (consultoria e
incêndio e supervisão e controle Eduardo Pompeo Martins, facilitação diálogo aberto)
predial); Mag Projesolos (piso Jihana Yussif Abou Nassif, –– implantação: SP Urbanismo
de concreto); MBM Engenharia Patricia Lutz Vidigal, Cristiana –– operação e pesquisas:
(instalações hidráulicas, Gonçalves Pereira Rodrigues, LR Eventos
–– local: Largo São Francisco/ e tecnologia cenográfica); Residencial Parque
Largo São Bento, São Paulo–SP, MK Engenharia (consultoria Novo Santo Amaro
Brasil de fluxo de veículos); Pedro –– projeto: Vigliecca & Associados
–– área: Largo São Francisco Martins Engenharia (projeto de –– autores: Héctor Vigliecca,
(2.705m²)/Largo São Bento caixilharia); Estúdio Carlos Fontes Luciene Quel, Neli Shimizu,
(3.900m²) - Luz + Design (luminotecnia); Ronald Fiedler
–– ano: Largo São Francisco - 2014/ Machado de Campos (projeto –– equipe: Thaísa Folgosi Fróes,
Largo São Bento - 2016 técnico de cozinha); Júlio Kassoy Caroline Bertoldi, Kelly Bozzato,
–– status: implantado e Mário Franco (estruturas Aline Ollertz Silva, Pedro
metálica e de concreto); ZF Ichimaru Bedendo, Mayara
Do Plano ao Projeto /  & Engenheiros Associados Rocha Christ
SESC Pq. Dom Pedro II Fundações e Contenções –– administração: Paulo Eduardo de
plano urbano: (fundações e terraplanagem); Arruda Serra, Luci Tomoko Maie
–– Secretaria Municipal de Proiso (impermeabilização); ETP –– cliente: Prefeitura do Município
Desenvolvimento Urbano: Climatização (mecânica); Crysalis  de São Paulo – Secretaria
Miguel Luiz Bucalem – / aVM (áudio, vídeo e multimídia); de Habitação
secretário Jugend (sistema eletrônico de –– superintendência:
–– Laboratório de Urbanismo da segurança, detecção e alarme de Elisabete França
Metrópole - LUME da FAUUSP: incêndio, gerenciamento predial); –– gerenciamento: Consórcio
Regina Meyer, Marta Grostein PHE (consultoria hidráulica JNS Hagaplan
–– coordenação administrativa e elétrica); EACE (transporte –– consultorias: MC Engenharia – Eng.
(fupam): José Borelli vertical); CTE (consultoria LEED); Marcelo Castejon (infraestrutura);
–– Una arquitetos: Cristiane Asa Estúdio (consultoria PROCEL) Berfac (consultoria de solos e
Muniz, Fábio Valentim, –– local: São Paulo–SP, Brasil fundações); Camilo Engenharia
Fernanda Barbara, Fernando –– área: 24.000m² – Eng Gerson Camilo da Silva
Viégas / colaboração: Ana Paula –– ano: 2018 (em desenvolvimento) (projeto de estrutura de concreto);
de Castro, Carolina Klocker, –– status: não implantado Projeto Alpha – Flavio D’Alambert,
Eduardo Martorelli, Fabiana Prometal Eng. e Projetos -
W. Cyon, Filipe dos Santos Boulevard da Liberdade responsável técnico: Eder Pascoal
Barrocas, Igor Cortinove, –– autores: Daniel Corsi, Dani Besson (projeto de estrutura
Miguel Muralha, Roberto Galvão Hirano, Candi Hirano metálica); Procion Engenharia
Júnior / estagiários: Bruno –– colaboradores: Marina Nunes, (projeto de instalações prediais
Gondo, Henrique te Winkel, Elis Cristina Morales, Caroline de elétrica e hidrosanitárias);
Luccas Matos Ramos Jun, Nathália Melo, Jessyca Lin, Consórcio Mananciais –
–– H+F arquitetos + Metrópole Marina Martorelli Construbase Engeform – José
arquitetos Anna Helena Villela, –– local: São Paulo–SP, Brasil Roberto do Nascimento e Adriano
Eduardo Ferroni, Pablo Hereñu /  –– área de intervenção: 17.406m² R. Marques (execução)
colaboração: Bruno Nicoliello, –– área de construção: 38.580m² –– local: São Paulo–SP, Brasil
Cecília Torres, Liz Arakaki, Renan –– ano: 2011-2013 –– área de intervenção: 5,4ha
Kadomoto, Thiago Moretti, –– status: não implantado –– número de unidades
Tammy Almeida / estagiários: habitacionais: 198
Carolina Yamate, Carolina Travessias –– área construída: 18.710m²
Domshcke, Felipe Chodin, –– arquitetura: sauermartins + –– ano: 2009-2012
Karina Kohutek, Luisa Fecchio, Metropolitano Arquitetos –– status: implantado
Natália Tanaka, Nike Grote –– equipe: Cássio Sauer, Elisa
Sesc Pq. Dom Pedro II: T. Martins (sauermartins) + Orla Marítima de Ilha Comprida
–– arquitetos: Cristiane Muniz, Camila da Rocha Thiesen –– autores: Marcos Boldarini, Lucas
Fábio Valentim, Fernanda (Metropolitano Arquitetos) Nobre e Larissa Reolon
Barbara, Fernando Viégas –– colaborador: Ignacio de la Vega –– arquitetos: Flavia Cavalcanti,
–– equipe de projeto: Barbara –– desenhistas: Bárbara Juliana Junko, Marta Abril,
Francelin, Camila Martins, Clóvis Remussi, Luísa Pasqualotto, Renata Serio e Rodrigo Garcia
Cunha, Joaquin Gak, Julia Jabur, Augusto Pereira –– estagiários: Patricia Tsunoushi e
Julia Moreira, Manuela Raiteli, –– desenvolvimento: Prefeitura Pricila Anderson
Marie Lartigue, Pedro Ribeiro, de Belo Horizonte; PUC-Minas; –– realização e coordenação:
Rodrigo Carvalho, Sarah Nunes ONG Arquitetos sem Fronteiras; Prefeitura de Ilha Comprida
–– consultorias: SOMA arquitetos /  Flávio Agostini (M3 Arquitetura), –– consultorias: CAP – Consultoria
UNA ARQUITETOS (paisagismo); Carlos Teixeira (Vazio/SA) Ambiental Paisagística (projeto de
Passeri Arquitetos Associados –– local: Belo Horizonte–MG, Brasil paisagismo); Linear Engenharia
(consultoria acústica); Addor & –– área: 6.500m² e Tecnologia (drenagem);
Associados (alvenaria); Acústica –– ano: 2014 Wagner Garcia (estruturas e
e Sônica (conforto acústico –– status: não implantado fundações); DMA Engenharia
(projeto luminotécnico);
HPROJ Engenharia (projeto de
hidráulica); Tecnowatt Iluminação
(iluminação); BLK Construção e
Empreendimentos (construtora);
Pezzi Consultoria, Mariângela
Oliveira de Barros, Pablo Garcia
Carrasco (consultoria)
–– local: Ilha Comprida–SP, Brasil
–– área de intervenção: 283.000m²
–– extensão da intervenção: 3,2km
–– ano: 2011-2015
–– status: implantado

Plano Urbanístico Pirajussara


–– cocriação: Libeskindllovet
Arquitetos + Jansana de la Villa,
de Paauw Arquitectes
–– autores: Claudio Libeskind,
Sandra Llovet, Robert de Paauw,
Imma Jansana, Conchita de la
Villa, Toni Abelló, Carlota Socias
–– equipe: Adriano Soares, Marina
Rosa, Natália Leardini, Ariane
D’Andrea, Vinicius Libardoni,
Bruna Bimeghini, Luana Pereira,
Beatriz Vanzolini Moretti, Gabriel
Faria de Paula, Guilherme
Filocomo, Márcia Endrighi,
Camille Bianchi, Gabriela
Barbosa Amorim, Francesco
Fontana, Stefano Muzzi
–– consultoria: EGI Enginyeria,
Bac Engineering Consultancy
Group, Maccaferri do Brasil,
Consgeo Engenharia
–– local: Campo Limpo,
São Paulo–SP, Brasil
–– área: 176.874m²
–– ano: 2012-2018
–– status: não implantado
Bibliografia 444
e créditos
de imagens
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centrodametropole/ São Paulo
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ftp://geoftp.ibge.gov.br Inhotim no Itaú Cultural, São Paulo, Marlon, Bento Rodrigues, 2015
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Informação extraída a partir Foto: Edouard Fraipont Fotografia
da hashtag #pixo. [Acesso: Cortesia Instituto Inhotim, Cortesia da artista
Fevereiro, 2018]. Brumadinho
Aline Lata (P.140)
Lula Buarque de Hollanda (P.22) Bento Rodrigues, Mariana –
Fragmento da instalação Brasil, 2015
O muro, 2017 Da série Rastro de lama
Cortesia do artista Fotografia
Cortesia da artista
Cildo Meireles (P.24)
Através, 1983-1989 Runo Lagomarsino (P.168)
Vista da instalação na Fondazione ContraTiempos [Contratempos],
HangarBicocca, 2014 2010
Foto: Agostino Osio Projeção Dia, 27 imagens originais
Cortesia do artista e Fondazione em carrossel de projeção de slide
HangarBicocca, Milão Kodak com timer
Cortesia do artista e
Nicolás Robbio (P.34) Mendes Wood DM, São Paulo
Plano expandido (Questões ao
traçar uma linha), 2016 Paulo Nazareth (P.172)
319 peças de arame Premium Bananas / 
Foto: Edouard Fraipont Mapa Guarani, 2012
Cortesia: Galeria Vermelho, Costura e técnica mista
São Paulo sobre tecido
Cortesia Mendes Wood DM,
Rivane Neuenschwander (P.74) São Paulo
Mapa-Múndi BR (Postal), 2007
Cartões postais e Jonathas de Andrade (P.204)
prateleiras de madeira 1a Corrida de Carroças do
Cortesia da artista, Fortes D’Aloia Centro do Recife / O levante,
& Gabriel, São Paulo, Stephen 2012
Friedman Gallery, Londres, e Tanya Documentação fotográfica
Bonakdar Gallery, Nova York e vídeo
Foto: Josivan Rodrigues
Melanie Smith (P.112) e Ricardo Moura
Stills de Fordlândia, 2014 Cortesia: Galeria Vermelho,
HD 30’ São Paulo, e Galleria Continua,
Foto: Julien Devaux San Gimignano
Renata Lucas (P.230) Ivan Padovani (P.362) Créditos dos mapas
aqui havia um projeto de cidade, Campo cego, 2014
2018 Fotografia digital. Impressão jato Mapas 01 - 10
Cortesia da artista e Galeria de tinta em papel de algodão Equipe Cartografias Muros de Ar:
Luisa Strina, São Paulo sobre chapa de alumínio e Gabriel Kozlowski, Laura González
composto de cimento e celulose Fierro, Marcelo Maia Rosa, Sol
Bárbara Wagner Cortesia do artista Camacho, Gabriel Duarte
e Benjamin de Burca (P.236) Bárbara Graeff, Chiara Scotoni,
DESENHO/CANTEIRO, 2014 Pablo López Luz (P.368) Haydar Baydoun, Heloisa
Video colagem, HD, cor, som, Pixo III, 2015 Escudeiro, Olivia Serra, Miguel
12’12’’ Fotografia Darcy, Manoela Pessoa,
Cortesia dos artistas, Fortes Cortesia do artista Rafael Marengoni
D’Aloia & Gabriel, São Paulo,
e Amparo 60, Recife Mapa 08
Foto: Marina D’Imperio Equipe Cartografias Muros de Ar,
Marc Angélil, Rainer Hehl, Patricia
Mauro Restiffe (P.238) Lucena Ventura,
Estacionamento Oficina, 2014 Rede Cidade e Moradia / Cota 760
Itaquerão #2, 2014
São Paulo – Viaduto Antártica, 2014 Mapa 09
São Paulo, fora de alcance, Equipe Cartografias Muros de Ar,
projeto realizado pelo Instituto Equipe Escola da Cidade (Pedro
Moreira Salles Vada (coordenador), Newton
Fotografia Massafumi, Pedro M. R. Sales,
Cortesia do artista e Fortes D’Aloia Beatriz Dias, Bruna Marchiori,
& Gabriel, São Paulo Giulia Ribeiro, Isabela Moraes,
Karime Zaher, Marilia Serra,
Tuca Vieira (P.268) Mateus Loschi, Pedro H Norberto),
Marabá, 2013 Quapa - FAUUSP
Marabá, 2013
Da série Viagem ao Brasil Mapa 10
Fotografia Equipe Cartografias Muros de Ar,
Cortesia do artista Equipe Escola da Cidade

Carol Quintanilha (P.270)


concreto-armado, 2014
Fotografias
Cortesia da artista

Antoni Muntadas
em colaboração com
Paula Santoro (P.310)
On Translation: Comemorações
urbanas, 1998-2002
Placa em bronze, cartão postal
e website
Cortesia do artista e Galeria Luisa
Strina, São Paulo

Pedro Victor Brandão (P.312)


Sem título #3, 2013
Sem título #12, 2013
Sem título #20, 2013
Sem título #16, 2013
Sem título #24, 2013
Sem título #22, 2013
Da série Mitigação sem impacto
(Convite à pintura)
Impressões em jato de tinta
sobre papel de algodão
Cortesia Galeria Sé, São Paulo
Créditos gerais 454
Fundação bienal de são paulo
equipe

Superintendência Executiva
Luciana Guimarães

Superintendência de projetos Superintendência


Dora Silveira Corrêa administrativo‑financeira
Emilia Ramos

Comunicação Arquivo Bienal Assessoria jurídica


Felipe Taboada · gerente Ana Luiza de Oliveira Mattos · Bruna Andrade · estagiária
Adriano Campos gerente
Ana Elisa de Carvalho Price Ana Paula Andrade Marques Finanças
Caroline Carrion Fernanda Curi Amarildo Firmino Gomes · gerente
Diana Dobránszky Melânie Vargas de Araujo Fábio Kato
Eduardo Lirani Pedro Ivo Trasferetti von Ah Silvia Andrade Branco
Julia Bolliger Murari
Victor Bergmann Produção Planejamento e operações
Felipe Isola · gerente de Marcela Amaral · coordenadora
Relações institucionais planejamento e logística Danilo Alexandre Machado de Souza
e parcerias Joaquim Millan · gerente de Rone Amabile
Flávia Abbud · gerente produção de obras e expografia
Eduardo Sena Bianca Volpi Recursos humanos
Irina Cypel Dorinha Santos Albert Cabral dos Santos · assistente
Mariana Sesma Felipe Melo Franco
Raquel Silva Gabriela Lopes Gestão de materiais e patrimônio
Rayssa Foizer Graziela Carbonari Valdomiro Rodrigues da Silva ·
Heloisa Bedicks gerente
Secretaria geral Veridiana Simons Angélica de Oliveira Divino
Maria Rita Marinho · gerente Viviane Teixeira Daniel Pereira
Carlos Roberto Rodrigues Rosa Waleria Dias Larissa Di Ciero Ferradas
Josefa Gomes Vinícius Robson da Silva Araújo
Programa educativo Wagner Pereira de Andrade
Paula Signorelli · consultora da Claudia Vendramini · gerente
superintendente executiva Laura Barboza Tecnologia da informação
Bianca Casemiro Leandro Takegami · gerente
Regiane Ishii

Cristina Fino · coordenadora editorial


Thiago Gil · pesquisador
Créditos da exposição Caycedo, Carol Quintanilha, Isabela Moraes, Karime Zaher,
Cássio Vasconcellos, Cildo Marilia Serra, Mateus Loschi,
Título Meireles, Francis Alÿs, Helena Pedro H Norberto), Consultores
Muros de Ar / Walls of Air Wolfenson e Aline Lata, Ivan de QGIS (Pedro Camargo),
Padovani, Jonathas de Andrade, Consultores de geologia (Cássio
Comissário Lula Buarque de Hollanda, Roberto da Silva – CPRM, Serviço
João Carlos de Figueiredo Ferraz Manoela Medeiros, Marcius Geológico do Brasil, Cristina
Fundação Bienal de São Paulo Galan, Mauro Restiffe, Melanie Boggi da Silva Rafaelli – Instituto
Smith, Nicolás Robbio, Pablo Geológico, Eduardo Soares de
Curadores López Luz, Paulo Nazareth, Pedro Macedo – Instituto de Pesquisas
Gabriel Kozlowski Victor Brandão, Renata Lucas, Tecnológicas, Lidia Keiko
Laura González Fierro Rivane Neuenschwander, Runo Tominaga – Instituto Geológico),
Marcelo Maia Rosa Lagomarsino, Tuca Vieira Universidade Federal do Pará
Sol Camacho (Graciete Guerra da Costa, Ligia
T. Simonian Lopes, Bernadeth
Colaboradores Beltrão Rosas Bentes, Rodrigo
Equipe curatorial Augusto de Lima Rodrigues,
Comitê multidisciplinar George Bruno de Araújo Lima,
Coordenador Ailton Krenak, Antonio Risério, Rebeca Barbosa Dias Rodrigues,
Gabriel Duarte Antonio Donato Nobre, Carla Luciane Santos de Oliveira,
Caffé, Claudio Bernardes, Stephany Aylla de Nazaré Carvalho
Arquitetos Claudio Haddad, Cripta Djan, Pereira, Glenda de Souza Santos,
Bárbara Graeff, Catarina Flaksman, Drauzio Varella, Eliane Caffé, Rebeca Barbosa Dias Rodrigues,
Chiara Scotoni, Giusepe Filocomo, Gilson Rodrigues, Luiz Felipe de Luciane Santos de Oliveira,
Haydar Baydoun, Heloisa Escudeiro, Alencastro, Sérgio Besserman, Stephany Aylla de Nazaré Carvalho
Olivia Serra, Miguel Darcy, Manoela Kenarik Boujikian Pereira, Glenda de Souza Santos)
Pessoa, Nitzan Zilberman, Rafael
Marengoni, Leonardo Serrano Consultores de pesquisa + Ensaios Entrevistas e workshops
Alvaro Rodrigues dos Santos, Ana Coletivo ENTRE, Ana Altberg
Estagiários Luiza Nobre, Bruno Santa Ceciíia, (coordenador), Mariana Meneguetti
Júlia Figueiredo, Larissa Guimarães, Carlos Eboli, Carol Tonetti, Celma (coordenador), Joana Martins,
Luiz Filipe Rampazio Chaves Pont Vidal, Danilo Igliori, Juliana Biancardine, Manuela
Eduardo Aquino, Elisabete França, Muller, Michel Zalis, Nathalia
Eudoxios Anastassiadis, Gabriel Perico, Stephanie Marques
Participantes Duarte, Gru.a + Oco, Iris Kantor, Ligia
Nobre, Marc Angélil, Marcos Rosa, Fotografia e vídeo
Chamamento público: Paulo Orenstein, Paulo Tavares, Philip Arq.Futuro, Marina D’Imperio,
Projetos selecionados Yang, Rainer Hehl, Raquel Rolnik, Murilo Salazar
Bernardes Arquitetura, Boldarini Rodrigo Agostinho, Sergio Castelani,
Arquitetos, Brasil Arquitetura, Corsi Victor de Carvalho Pinto Workshop – Imigração
Hirano Arquitetos, H+F Arquitetos, Angela Quinto, Carmen Silva, Cássia
Libeskindllovet Arquitetos, Jansana, Grupos e instituições de pesquisa Fellet, Juliana Caffé, Preta Ferreira,
de la Villa, de Paauw, arquitectes, Data Zap, Global Forest Watch, Nathalia Lima, Thalissa Burgi, Rafael
Pedro Évora, Pedro Varella, Mapping Lab, Nexo Jornal, Rede Migliatti, + 63 imigrantes
Gru.a Arquitetos, SIAA + HASAA, Cidade e Moradia, VIVA Projects,
Sauermartins + Metropolitano MIT – School of Architecture + Depoimentos de arquitetos
Arquitetos, Rosenbaum + Aleph Planning (Clarence Yi-Hsien Lee, Alexander Pilis, Claudio Acioly,
Zero, Sem Muros Arquitetura Collyn S Chan, Cristina Grace Flavio Coddou, Mauro Resnitzky,
Integrada, SP Urbanismo, Studio Clow, Jaehun Woo, Maia Sophie Oscar Oiwa, Ricardo de Ostos ,
MK27, Triptyque Architecture, Woluchem, Marissa Elisabeth Rodrigo Louro, Taneha Kuzniecow
Una Arquitetos, Laboratório de Reilly, Nitzan Zilberman, Robert Bacchin, Zeuler Lima
Urbanismo da Metrópole – LUME Alva Cain, Yeah Nidam), ETH
da FAUUSP, Metrópole Arquitetos, (Marc Angélil, Patricia Lucena Projeto expográfico
Vigliecca & Associados  Ventura, Rainer Hehl), FAU USP Curadores
(LabCidade, Quapa), Cota 760 (Luis
Instalação externa Guilherme Alves Rossi, Nicolas identidade +
Atelier Marko Brajovic Andre Mesquita, Paula Lemos), Projeto gráfico do catálogo
Escola da Cidade (Pedro Vada Celso Longo + Daniel Trench
Artistas no catálogo (coordinator), Newton Massafumi,
Antoni Muntadas, Bárbara Wagner Pedro M. R. Sales, Beatriz Dias, Programador de website
e Benjamin de Burca, Carolina Bruna Marchiori, Giulia Ribeiro, Create – Soluções Online
Produção Créditos da publicação AGRADECIMENTOS
PROJETO MUROS DE AR
Arquiteto local Organizado por Abilio Guerra, Adélia Duarte,
Martin Weigert Gabriel Kozlowski Adèle Naudé Santos, Ana Miljacki,
Laura González Fierro Ana Paula de Haro, Anália Maria
Produção gráfica Marcelo Maia Rosa Marinho de Carvalho Amorim,
Ligia Pedra Sol Camacho Andrade Morettin Arquitetos,
André Correa do Lago, Camilla
Impressão do catálogo Coordenação editorial Barella, Carlos Viana de Carvalho,
Opero Equipe Fundação Bienal de Caroline Passos, Cecilia Tanouri,
São Paulo Cinthia Marcelle, Ciro Miguel, Ciro
Montagem e trabalho em metal Pirondi, Claudia Rabelo Lopes
dos mapas Editor-assistente – Jardim Botânico RJ, Claudio
Euroimmagine S.r.l Rafael Falasco Haddad, Cristina Gebran, Eduardo
Lourenço, Edson Emygdio Pereira
Maquetes físicas Projeto gráfico Junior, Elisabete Dos Santos,
Paola Acevedo (coordenadora), Celso Longo + Daniel Trench Eugenio Queiroga, Evaldo Lima,
Ada Demetriu, Alba del Barrio, Fábio Tadeu Araújo, Fernando
Alberto Martínez, Carles Truyols, Desenvolvimento do de Mello Franco, Fernando Túlio,
Daniel Escribà, Gerard Graells, projeto gráfico Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel,
Jean Craiu, Mariona Mayol Battle, Manu Vasconcellos Galeria Luisa Strina, Galeria
Simon de Jong Nara Roesler, Galeria Vermelho,
Tradução Gilberto Belleza, Giulia Foscari,
Alexandre Barbosa de Souza, Global Forest Watch, Guido
Realização Anthony Cleaver, Glenn Otero, Guilherme Falcão, Haroldo
Fundação Bienal de São Paulo Johnston, John Norman, Rodrigo Pinheiro, Hashim Sarkis, Hector
Funarte Maltez‑Novaes, Suzana Vidigal Zamora, Instituto Bardi/Casa de
Embaixada do Brasil em Roma Vidro, Isabela Billi, João Felipe
Ministério da Cultura Preparação e revisão Campos Villar, Joao Queiroz,
Ministério das Relações Exteriores Anita di Marco, Anthony Doyle, Jonathan Franklin, Luciana
Bruno Tenan, Débora Donadel, Rubino, Luis Fernando Villaça
Apoio Teté Martinho Meyer – Instituto Cordial, Marcio
Haddad Foundation Soares, Marcos Kahtalian – Brain
Tereos Produção gráfica Bureau Inteligência, Maria Célia
Ligia Pedra Fonseca, Marisa Moreira Salles,
Parceria Maya Dávalos, Meejin Yoon,
MIT – School of Architecture + Tratamento de imagens Mendes Wood Dmab, Michelle
Planning e impressão Mendlewicz, Paula Miraglia, Pedro
MIT – MISTI Brazil Opero srl, Verona, Itália Cavalheiro, Pedro Moreira Salles,
Jonathan Franklin Philip Oetker, Philippe Petalas,
Fonte Pierre Santoul, Rafael Vogt,
Parceria em mídia Fakt Rafaella Crepaldi, Regina Parra,
IAB – Instituto de Arquitetos Renato Anelli, Ricardo Heder,
Brasileiros Papel Silvio Macedo, Tania Haddad,
ArchDaily Brasil MultiOffset 300 g/m2 (capa) Tomas Alvim, Velia Oynick,
MultiOffset 90 g/m2 (miolo) Vladimir Santana
da esquerda
para direita:

Ailton Krenak
Luiz Felipe de Alencastro
Antonio Donato Nobre
Claudio Haddad
Eliane e Carla Caffé
Sérgio Besserman
Claudio Bernardes
Drauzio Varella
Gilson Rodrigues
Djan Ivson
Kenarik Boujikian
Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro,
SP, Brasil)

Muros de ar : Pavilhão do
Brasil 2018 / organizado por
Sol Camacho… [et al.]. -- 1. ed.
-- São Paulo : Bienal de São Paulo,
2018.

Outros organizadores: Gabriel


Kozlowski, Laura González Fierro,
Marcelo Maia Rosa. Vários autores.

ISBN 978-85-85298-61-6

1. Arquitetos - Brasil 2. Arquitetura


- Brasil 3. Arquitetura - Exposições
- Catálogos 4. Arquitetura
contemporânea 5. Arquitetura -
Projetos 6. Bienal Internacional
de Arquitetura 7. Política urbana
8. Urbanismo I. Fundação Bienal
de São Paulo. II. Camacho, Sol. III.
Kozlowski, Gabriel. IV. González
Fierro, Laura. V. Rosa, Marcelo Maia.

18-15407   CDD-720.981

Índices para
catálogo sistemático:

1. Bienal Internacional de
Arquitetura : Exposições :
Catálogos 720.981

Iolanda Rodrigues Biode -


Bibliotecária - CRB-8/10014

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