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'lavio Coelho Edler 


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»oticas &  Pharmacias


 A HI S TÓRI A I LUSTRADA DA F ARMÁC I A NO BRASI L

^ SA D A l É a P A L A V R A  
 

lavio Coelho Edler 

óticas &  Pharmacias


 

Flavio Coelho Edler 

Boticas &  Pharmacias


UMA HISTÓRIA ILUSTRADA DA FARMÁCIA NO BRASIL
 

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Edler. Flavio Coelho, 1960-
Preparação dc Original  Boticas e pharmácias : uma história ilustrada da
C r i st i a n e   Pa c a n o w s k i farmácia no Brasil / Flavio Coelho Edler - Rio de
Janeiro : Casa da Palavra, 2006
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2. Farmacêutic os Brasil - Histór ia. 3. Industria
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Ó d e  c a s a

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M a r c e l o  A l v e s
 

 Este livro é dedicado ao médico que, antes de tornar-se 


 psiquiatra e pai do autor, fora, por curto período, 
representante de um laboratório farmacêutico inglês.
 Nessa ocasião, em meados da década de 1950, eleformulou 
um remédio - descongestionante nasal - 0 qual, 
comercializado pelo mesmo laboratório, ganhou largo público  
 país afora. Alas a maior façanha do doutor Nikodem Edler  
 fo i a de manter-se fiel aos seus ideais democráticos 
e igualitários, li assim tem sido, como médico e cidadão,  
apesar de todos os pesares.
 

Sumário

8  Apresentação

PARTE 1 .)
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL
14 A sociedade luso-brasileira, suas doenças e condições sanitárias
24 A mata é a botica dos índios
30 As ordens religiosas: a assistência médica como caridade
34 Sob o império de Galeno: as doenças e seus tratamentos
na tradição médica européia
42 As farmacopéias portuguesas e os tratados de naturalistas,
médicos e cirurgiões do Brasil colonial
48 O cozinheiro do médico e sua botica

FARMÁCIAS E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS


56 Panorama da medicina e da farmácia no século xix
62 A formação médica e farmacêutica
66 Boticários ou farmacêuticos?
68 Velhas boticas: comércio e segredos
72 Da fase heróica ao ceticismo terapêutico
76 Farmacopéias, medicamentos, remédios e plantas medicinais brasileiras
80 Remédios da moda e distinção social
82 Associações farmacêuticas na cidade imperial do Rio de Janeiro
86 Da matéria médica à farmacologia
 

DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA


94   O crepúsculo da farmácia oficinal e da arte de formular
too Os sucessos da nova terapêutica
Origens e evolução dos medicamentos industrializados no Brasil
110 A formação do farmacêutico na República
114   Farmácias e práticas farmacêuticas
120 Órgãos de classe e sociedades farmacêuticas
]2 1 Novas respostas aos antigos desafios: tendências atuais

122  Referências bibliográficas 


12 ~  Referências iconográficos 
12 s  Englis/i Version • '\
 

PARTE

Boticas e boticários
no Brasil Colonial
»  A sociedade luso-brasileira,  )) Tratados médicos e
suas doenças e a   farmacopéias portuguesas
legislação sanitária
>) O boticário: suas origens e seu 
>) Me dicamentos e terapêutica  ofício; sua relação com os 
entre índios e escravos demais terapeutas; as diferentes 
•• M  j
 for mas de inserção social e 
»  As ordens religiosas e a sua atuação política antes da 
assistência médica na Colônia vinda da corte portuguesa

>)  A medicina jes uític a e a 


triaga brasílica

 )) As doenças e seus tratamentos 


na tradição medica européia 
e em Portugal 
 

1.)
 A sociedade luso-brasileira
SUAS d o e n ç a s   e   c o n d i ç õ e s   s a n i t á r i a s

Quando os portugueses aqui chegaram, em 1500, encontraram uma


população indígena pouco heterogênea cm termos culturais e lingüísticos.
Tupis-guaranis, tapuias, goitacazes, aimorés e outras etnias se dispersavam
pelo litoral e pelo interior. Não eram muitas as doenças de que sofriam os
i RIBEIRO, Lourival.  Medicina  , indígenas no início da colonização do Brasil. O historiador Lourival Ribeiro1
no Brasil colonial. Rio de Janeiro: < cita as “ febres” , as disenterias, as dermatoses, os pleürises e o bócio endêm ico
Ed. Sul-americana, 1971, p.187.'
como as moléstias prevalentcs.
Passado o período de exploração da costa, cuja principal atividade
econômica era a extração do pau-brasil, a coroa portuguesa inicia, com a
expedição de Martim Afonso de Souza (1530-33), o processo de colonização
e ocupação territorial. Esse período é marcado pela
exaltação da natureza brasílica. Parecia que a doença
raramente afligia os habitantes da América. O certo é que,
ao findar o período colonial, os poucos índios que viviam
sob o domínio português eram pertencentes ao último
escalão da sociedade. A escravização e a matança, iniciadas
com a captura ou desocupação de terras, contribuíram
menos que as doenças importadas para o que os
historiadores chamam de catástrofe demográfica da
i
população indígena. Os índios foram vítimas de doenças,'
como sarampo, varíola, rubéola, escarlatina, tuberculose,
febre tifoide, malária, disenteria, gripe, trazidas pelos
 Vi  X
colonizadores europeus, para as quais não tinham defesa i.b !
\--"----- --------------------------  - -- ------ --- "--- _,---------.--   f   -
imunológica. Junto com os escravos africanos, aportou
também um novo tipo de malária em solo americano.
 As condições de saúde da pop ulação negra
eram igualmente deploráveis. Embora houvesse uma
multiplicidade de situações e atividades exercidas pelo
escravo africano, bem como formas de tratamento
recebidas por parte dos senhores, os cronistas do período
colonial sublinham que os negros que prestavam servjço
na terra trabalhavam quase sem descanso, sempre
mantidos com muito açoite e, em geral, mal alimentados.
O regime de trabalho nas minas era totalmente diverso
do observado nos engenhos de açúcar. A atividade

acima : Na cena de Rugendas, escravos pÁciNA-AO l a d o : Capa do livro


trabalham em uma mina de ouro. de Guilherme Piso e George Marcgraf,
Assim como os indígenas, os negros “História natural e médica da índia 
trazidos da África viviam em Ocidental”expressa uma natureza
péssimas condições de saúde. Mal idealizada onde se valoriza a
alimentados, eram mantidos diversidade da flora e fauna da
com muito açoite. América tropical.
 

 ) R l    a   N a t v r a i . i s

 A S I L I A E J
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l 6 B O T I C AS & P H A R MA C I AS

Doenças dos escravos nas minas


(...) os pretos, porque uns habitam dentro da 
água, como são os mineiros que mineram nas  
partes baixas da terra e veios dela, outros, feito 
toupeiras, meneirando por debaixo da terra   (...);
lá trabalham, lá comem e lá dormem muitas  
vezes, e como estes, quando trabalham andam 
banhados em suor, com os pés sempre em terra 
mineradora exigia uma mão-de-obra mais especializada, permitindo aos cativos
fria, pedras ou água, e, quando descansam ou  
comem, se lhes constipam os poros e se resfriam   uma relativa liberdade de ação e mais oportunidades que em outras regiões
de tal modo que dai se lhes originam várias   da América portuguesa. No auge da produção aurífera, em meados do século
enfermidades perigosas, como são pleurises  xvni, a população escrava correspondia a três quartos dos habitantes das
apertadíssimos, estupores, paralisias, 
Minas, e os riscos para a saúde dos escravos foram aumentando com a
convulsões, peripneumonias e outras muitas 
doenças, para as quais os melhores remédios  gradativa complexidade do trabalho, na busca do ouro que escasseava.
que se lhes deve dar são sudoríficos, diaforéticos  N o  Erário mineral , Luís Gomes Ferreira registrou as “crises reumáticas”,
e vulnerários, para que abram os poros e se   “ as febres com catarros”, as “ chagas nas pernas” que acom etiam os escravos
promova a circulação do sangue e mais líquidos  
faiscadores obrigados a permanecer com metade do corpo submerso nos leitos
com os remédios que em seu lugar se apontarão 
(...) pedregosos de rios gélidos durante horas, mergulhando, tirando cascalho e
FERREIRA, Luís Gomes (org. Júnia lavando. Hstima-se que p tempo médio de vida nessas condições fosse de sete
Ferreira Furtado). Erário mineral.   Belo anos. Nos principais centros urbanos, como Olinda, Recife, Salvador e Rio de
Horizonte: Fundação joâo Pinheiro; Rio de \0 
n

Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002


 jane iro, os negros exerciam atividades variadas, desde os serviços domésticos
até o artesanato, passando pelo comércio ambulante e o carregamento de
fardos c mercadorias. A ancilostomíase, conhecida como opilação, as doenças
de carência, como o escorbuto, a tuberculose e o maculo, não chegavam a
distinguir a população de escravos negros do restante da população de
mulatos, brancos pobres, cafuzos que viviam na base da pirâmide social.
Quanto às condições de saúde da população branca, é
impossível uma generalização, tal era a variedade de situações de vida nesse
período. Ser nobre ou plebeu, viver nos grandes centros urbanos ou refugiado
em engenhos e fazendas; ser homem de negócios, médico, advogado,
pertencer ao clero regular, morar em conventos ou aldeias no sertão,
instalar-se em zona de mineração, conduzir tropas de gado, tudo isso afetava
o ritmo de vida, o regime alimentar e o padrão de salubridade, a despeito
da posição social. Está claro que barnabés, mascates, artesãos, oficiais
mecânicos, carreiros, feitores, capangas, soldados de baixa patente, mendigos
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL I ?

e pobres sitiantes não viviam em condições muito melhores do que Bons conselhos do Erário mineral
algumas categorias de escravos e se distanciavam muito da elite branca, Os medicamentos que se aplicarem às 
enfermidades das minas sejam sempre de 
de fidalgos, clérigos e comerciantes.
qualidades quentes em sua natureza, ou que  
Durante os três primeiros séculos da colonização brasileira, a inclinem a quentes, porque as doenças do tal  
sociedade branca recorreu indiferentemente às formas de cura trazidas da clima pela maior parte procedem de causas 
Europa ou àquelas a que diversas etnias, com as quais se manteve em frias, e, por esta razão, os que são de sua  
natureza quentes obram excelentemente, como  
constante contato, utilizavam para lutar contra os males que as acometiam.
a aguardente do Reino, a água do chá, a água  
Mesmo os portugueses opulentos, muito embora se tratassem com seus de capeba, de que hei de falar muitas vezes e  
médicos, cirurgiões e barbeiros vindos de Portugal, não hesitavam, quando queira Deus inclinar os ânimos a darem crédito  
precisavam curar suas feridas, em se servir do óleo de copaíba utilizado pelos ao que se disser (de que resultarão grandes  
proveitos), que tudo será com ajuda do mesmo  
indígenas para esse fim. Depois, com a vinda dos escravos africanos, aderiram
Senhor, verdade lisa e sem dúvida: e outros 
igualmente a certas curas relacionadas com a magia, como nos revelaram os muitos remedios. Os medicamento que se 
documentos das visitas inquisitoriais do Santo Oficio. apli care m aos olhos sempre hão de serfrios, isto 
Os próprios franceses conheceram e fizeram uso de plantas é, sem se aquentarem, e pelo contrário, os que  
se aplicarem aos ouvidos sempre hão de ser  
medicinais indígenas, no período das invasões francesas comandadas por
mornos: isto. digo para os principiantes e tudo 0 
 Villegaignon (1 5 10 -7 1). Um naturalista fran cês, Jean de Lé ry (1 53 4 -16 11 ), mais para o comum.  (Op. cit.)
que esteve no Brasil entre 1555 e 1556, descreveu o tratamento e a gravidade do
piã (doença semelhante à sífilis): “ O iurare tem a casca espessa de meio dedo e
é muito agradável ao paladar, principalmente quando colhido fresco; os dois
 botânicos que vieram conosco afirmavam ser um a espécie de guaiaco. Os índios
o empregam contra o piã, doença tão grave entre eles como entre nós a bexiga” .
Nas correspondências avulsas encetadas entre metrópole e colônia
enfatizava-se com freqüência a falta de médicos, remédios
e hospitais. Mas, ao contrário da avaliação apressada
realizada por alguns historiadores que afirmavam ser a
falta de médicos o fator responsável pelo grande número
de curandeiros e charlatães, é preciso que se pergunte:
quais setores da população se ressentiam da escassez
desses profissionais? Ora, o florescimento das demais
artes de cura esteve intrinsecamente ligado às diferentes
raízes culturais das populações aqui residentes. Além
disso, os missionários jesuítas - principais suportes da
educação colonial que tomaram para si o papel de
curadores - aproveitaram muito da medicina indígena,
tornando as plantas medicinais brasileiras famosas em
todo o mundo. Pelas mãos dos jesuitas, a triaga brasílica, 
uma panacéia composta de elementos da flora nativa, que
chegou a ser a segunda fonte de renda da ordem jesuítica
na Bahia, ganhou fama internacional. Aos jesuítas deve-se
imputar a iniciativa pioneira de intercâmbio entre esses
universos da medicina, já que eles também absorviam o
saber dos físicos, cirurgiões e boticários, aplicando-os nos
precários hospitais da Santa Casa da Miseri córdia . I

p á g i n a  a o   l a d o , À e s q u e r d a : O s  PÁGINA AO LADO, À DIREITA: acima: Hans Staden realiza uma


escravos africanos que trabalhavam nas Chegada de portugueses na Baia de sangria em índio adoecido. Europeus
minas de ouro sofriam comumente Cuanabara: na costa brasileira, eles que chegavam ao Brasil conheceram c
com "crises reumáticas’’, “febres com encontraram vários grupos indígenas. fizeram uso das diversas práticas
catarros” e “chagas nas pernas". Organizados em tribos, formavam uma medicinais de indígenas nativos.
Estima-se que o tempo médio de vida população heterogénea em termos
do negro que trabalhava na atividade lingüísticos e culturais
aurífera era de sete anos.
 

18 BOTICAS &   PHARMACIAS

Saber erudito e saber popular na medicina colonial


Mas que relações mantinham físicos, cirurgiões e boticários portugueses com
os demais agentes de cura? Embora geralmentc preconceituosos com relação fy 
a outros elementos pagãos e “ selvagens” da cultura indígena, os colonizadores
se interessaram em recolher informações sobre o procedimento de indígenas e
seus pajés para combater as doenças que grassavam no lugar. Observavam,
.*y
imitavam, experimentavam, descreviam as propriedades terapêuticas das

novas espécies c seus usos, e divulgavam-nas na metrópole, ampliando os
saberes sobre a matéria médica. Mais tarde, tal saber retornava à Colônia em
compêndios de farmacopéia, orientando a atividade de boticários
profissionais, religiosos ou leigos.
Tal roteiro não foi tão linear, entretanto, como pode parecer.
Bernardino Antônio Gomes (1768-1823), médico português e estudioso de
nossa flora, em fins do século xvm observou o pouco uso feito pelos médicos
portugueses das plantas medicinais do país, entendendo que isso ocorria
porque, tendo aprendido medicina das un iversidades européias, eles curavam
tudo “ à européia” , desprezando a medicina indígena.
De todas as práticas terapêuticas, o uso das ervas medicinais
 brasileiras era a de mais legitimidade popular. Me zinheiro s (vendedores de
medicinas, ou mezinhas), curandeiros africanos e pajés utilizavam folhas,
frutos, sementes, raizes, essências, bálsamos e resinas, partes lenhosas e
 brancas que esmagavam entre as pedras, pulverizavam, carbon izavam ,
dissolviam, maceravam. Cozin havam , para ingerir, aspirar, friccionar ou
aplicar em cataplasma numa série de extensas doenças. Não se pode esquecer
que o emprego dessas plantas tinha um sentido mágico ou místico.
Determinados minerais, bem como partes do corpo de animais, eram usados
como medicamentos ou amuletos. Se a antropofagia ritual era encarada com
horror pelos europeus, a utilização da saliva, da urina e das fezes, humanas ou
animais, era compartilhada como recurso terapêutico, embora com significado
distinto para as duas culturas. Enquanto a sucção ou sopro dos espíritos
malignos, a fumigação pelo tabaco, os banhos, fricções com cinzas e ervas
aromáticas e o jejum ritualístico eram desprezados como elementos bárbaros,
a teoria das assinaturas, que supunha existir, radicado em cada região, o
antídoto das doenças do lugar, autorizava a assimilação da farmacopéia
empírica popular. Se em ampla variedade de aspectos o saber erudito e o
popular eram indissociáveis na experiência dos distintos estratos sociais, os
representantes da arte oficial lutavam ferrenhamente contra os que praticavam
as curas na informalidade. Reivindicando para si o controle do corpo doente,
a medicina oficial esvaziava o sentido dos conhecimentos terapêuticos
populares e reinterpretava-os à luz do saber erudito. A fluidez entre os
domínios da medicina e aquele da feitiçaria, com o emprego de cadáveres
humanos e de animais associados ao universo demoníaco - como o sapo,
 WH f 
\\u /y ;
m b ?    •a c i m a  :  O médico português PÁGINA AO LADO, NO ALTO! O C O n ta t O
B e r n a r d in o A n t ô n i o G o m e s f o i p r ó x im o c o m o s í n d i o s f i ze r a m d o s
1 //— '
T- g ra n de e st u d i o s o d a f lo ra m ed ic in a l j es u í t as p ro f u n d o s c o n h e ce d o r e s de
b r a s i l e ir a e c r í t ic o d a m e d i c i n a d i v e r s o s m é t o d o s c u r a ti v o s,
“à europ éia". c o n s c i e n t e s d o v a l o r t e ra p ê u t ic o
a t r i b u íd o à s e r v a s i n d í g e n a s .

.Jí/* 
 

BOTICAS li BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL I 9

o cão negro, o morcego c o bode - na produção de remédios, impunha aos


portadores de diploma a tarefa de distinguir o procedimento “ científico” das
crenças populares “ supersticiosas” . Nessa tarefa encontravam o apoio da
Igreja e das Ordenações do Reino. No imaginário popular, os santos, vistos
mais como especialistas que como clínicos gerais, seriam responsáveis por
um grande número de curas.
Fazendo restrições no que dizia respeito à intervenção dos santos e
das palavras sagradas, a não ser quando praticados ou recomendados pelo
clero, a Igreja e os médicos reforçavam a idéia de que Deus distribuíra com
parcimônia o acesso ao domínio do sagrado, vetando-o aos indivíduos rústicos.
Em processo semelhante ao que ocorreu com as confrarias, que iriam amolecer
a rigidez da fé oficial da Igreja, quebrando a unidade da religião luso-brasileira
e tornando-a mais humana e consoladora, para os distintos grupos sociais os
curandeiros leigos seriam, até certo ponto, bem tolerados à margem da lei.
Durante todo o período colonial, os moradores de cidades e vilas
solicitavam aos governantes a presença de médicos. Cartas eram escritas ao rei
manifestando a preocupação constante com a saúde dos súditos, pela “ grande
falta que têm de médico e botica para haverem de ser curados em suas
enfermidades” . Ma s o que imperava era a dificuldade de achar médicos
dispostos a vir para a Colônia. A ausência de uma clientela com recursos que
 justificassem a saída da metrópole condicionava a p erm anên cia no Brasil à
obtenção de alguma função ligada sobretudo à tropa ou à Câmara. As poucas
 vantagens profis sionais que lhes eram oferecidas restringiram-se com a
dificuldade em mostrar eficiência longe dos remédios europeus. A carência
desses remédios, muitas vezes deteriorados, o desconhecimento da flora local
c a concorrência com outras formas de cura, administradas por pajés, jesuitas,
fazendeiros e curandeiros africanos, eram outros óbices.

À d i r e i t a , a c i m a : Ritual Tupinambá do À d i r e it a , a q a i x o    Aiclc pias curassairca,  


sopro de espíritos malignos . Práticas vulgo Paina de Sapo.
indígenas desprezadas pelos europeus
como elementos bárbaros.
 

Regulamentação sanitária
No tocante à legislação sanitária, é preciso registrar que desde 1430 o rei de
Portugal exigia que todos os que praticavam medicina fossem examinados e
aprovad os pelo seu médico, também den ominado físico. Em 1448, o
regimento do cirurgião-mor, sancionado em lei do reino, explicitava dentre
os encargos da função a regulamentação do exercício da medicina e cirurgia
por meio de licença, legalização e inspeção de farmácias.
 As Ordenações Filipinas, de 1595 (“ Ordenações do reino de Portugal
recopiladas por mandado d’el rei d. Filipe, o Primeiro”), que tratavam de todos
os assuntos de interesse da Coroa, ditavam também regras sobre padrões para os
pesos e medidas. Podemos ver que, por essa legislação, o boticário era tido como
um comerciante submetido às mesmas normas que o peixeiro, o carniceiro, o
ourives e os fabricantes de velas, entre outros. O boticário - assim como diversos
outros comerciantes - teria de, ao menos uma vez ao ano, no mês de janeiro,
“afilar” seus pesos e medidas, ou seja, verificar se eles se mantinham dentro do
padrão estipulado. O responsável pelo controle e pela aplicação de penas a quem
deixasse de afilar ou de seguir o padrão era o almotacé-mor, ajudado por
oficiais. Os pesos e medidas do padrão, em Portugal, que tivessem mais de meia
arroba ficavam nas Casas da Câmara, de onde não poderiam sair. Os padrões
eram definidos e distribuídos entre os diversos ofícios, como podemos ver a
partir de um extrato das Ordenações Filipinas:

42. Os ourives terão uma pilha de quatro marcos, convém, a saber, dois 
marcos na pilha, e dois outros nos pesos miúdos.  (...)
46. Os que fizerem candeia de sebo terão dois arráteis, e um arrátel, e 
meio arrátel.  (...)
49. Os Boticários terão dois arráteis, e meio arrátel, duas quartas de 
arrátel e 16 onças pelo miúdo, que são arrátel e oito oitavas pelo miúdo,  
que são tuna onça para passarem as mezinhas.

a c i m a : Sem sistema de esgoto p á g i n a   a o   l a d o : Em  Arte com vida ou


canalizado, no período colonial, vida com arte, obra "muito curiosa,
os escravos, conhecidos como tigres, necessária e proveitosa”, Manoel da
carregavam as fezes em barris Silva Leitão apresenta os princípios
até praias, rios ou lagos, onde higiênicos que deviam ser obedecidos
eram lançadas. para garantir uma vida saudável.
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASII. COLONIAL 2I


ARTE COM VIDA,
 VIDA COM ARTE,
M U Y C U R I O S A , N E C E S S A R  1 A , E P R O V E IT O S A
naó íb a Medico», c Cirtirgiocn», ma» ainda a ioda a pdíbadc
qualquer clbtlo , ou corultçiô , que feja , pnncipalmcnte ao»
cafado», c mau que a todo*, 30» noivos de pouco tempo,
cm a qual (c encontra hum
K E G l M E N T O DE P AR I D AS ,
OFFERECIDO'
 A* IM M A C U L A D A , E SE M PR E VI RG E M

MADRE DE DEOS, • COMPOSTO


POR S EU E SC RA VO  
O DOUTOR MESTRE EM ARTES
MANOEL DA SYLVA
LE1TAÕ.
C Al ’A U . £ IRO PROFESSO DA ORD EM DF. CJJRI STO ,
 Familiar do Santo Ofício, Medico veda Corte, e Cidades de Lisboa, 
e do H0fpit.1l Real de Todos os Santos das mcjtuat Cidades,
e delia natural.

L I S B O A O C C I D E N T A L.
Na QíSc-ra * A NT O N I O 1’KDROZO GALKAÓ.

Em 1521, já aparece a divisão das atribuições entre as duas maiores Boticário


autoridades da saúde: o físico-mor e o cirurgião-mor. A Fisicatura era um O que tem botica, vende drogas medicinais e
faz mezinhas. Os boticários são cozinheiros
tribunal. O físico-mor, um juiz. Desde então, já aparece a figura dos juízes dos médicos; cozem e temperam quando
comissários no reino e seus domínios. No momento em que se estabelece a nas receitas lhes ordenam. Nicolau Longio
administração portuguesa no Império luso-brasileiro, ainda no século x yt ,  tem grande volume contra os boticários, que
tem-se notícia da designação de licenciados para o cargo de físico (médico) na não conhecem perfeitamente as qualidades
dos simples, vendem uma droga por outra,
çidade de Salvador. Onde não houvesse um físico examinador, delegado do um medicamento velho e sem virtude por
físico-mor, os praticantes da arte de curar deviam requerer carta ao físico- um fresco e que novamente veio do Levante.
mor, com atestado das câmaras locais que comprovassem sua experiência e Por isso proibiu o Imperador Nero todos os
saber. Se aprovados em exame, recebiam licença para exercer a medicina medicamentos que vinham de remotos
climas. Que necessário seria a visita nas
apenas na localidade em que praticavam, e por determinado tempo. Cartas de boticas. O agárico se é macho, é mortífero;
lei, alvarás e regimentos respondiam a situações particulares, como infrações à a coloquintina, se está madura é perigosa;
legislação sanitária e aos abusos contra os interesses dos súditos. o maná que passa de um ano não presta;
Foi em 1640, logo após a restauração de Portugal, que o fisco lançou a canafistula velha não tem substância; a
casca do ruibarbo carcomida não purga.
suas vistas sobre as boticas. Fquiparou-as às casas de comércio. O Senado da
O boticário quando faz mezinhas que o
Câmara, estrutura de poder municipal, recebia o imposto. Até a criação da Junta médico ordena se houvera de chamar
do Protomedicato, cm 1782, cabia ao físico-mor fiscalizar, com o auxílio dc propriamente medicamentarius.
 boticários aprovados, as boticas, a qualidade c os preços dos medicamentos. A BLUTEAU. Raphael. "Vocabulário português
e latino", ed. 1712 apud   MARQUES, Vera
lei estabelecia que a separação entre físicos, cirurgiões c boticários era completa, Regina. Natureza em boiões. Medicinas e 
cada qual com atribuições restritas ao seu domínio. Como veremos adiante, a boticários no Brasil setecentista.  Campinas:
definição de limites ao exercício de cada atividade obedecia ao estabelecimento Ed. Unicamp, 1999, p.i55.
gradual de uma hierarquia de importância entre elas. Já um alvará do século xvi
- vedava aos físicos e boticários sociedade comercial nas boticas. I
 A atuação dos comissários do físico-mor se dava de duas maneiras:
pelas visitas e pelos exames. Competia-lhes fazer visitas a cada três anos às
 boticas da terra e às lojas de drogas, e inspecionar, também, as boticas dos
 

2 2 BOTICAS & PHARMACIAS

navios que chegassem ao porto. Sua tarefa era averiguar, acompanhado de


três boticários formados, as cartas de licença e os medicamentos, isto é, seu
preço, o estoque de simples e compostos necessários para que se tivesse botica
aberta, o bom estado deles, a preparação, incluindo a aferição dos
instrumentos que deviam estar concordes com as prescrições de pesos e
medidas ordenadas pela Câmara. Na verdade, o comissário, seus auxiliares
 boticários, o escrivão e o meir inho que os aco mp anh avam em suas diligências
constituíam um tribunal itinerante cujos emolumentos e propinas regulares
eram acrescidos das multas aos infratores. Os oficiais de botica deviam
apresentar uma certidão que comprovasse a prática de quatro anos junto a
mestre aprovado e um parecer deste sobre sua competência.
O regimento de 1744, elaborado pelo fisico-mor, a ser observado
por seus representantes no Brasil, indica a crescente importância que Portugal
emprestava aos estados da América. Todo o dispositivo legislativo, que
procurava fazer a Fisicatura próxima c presente por intermédio de um pesado
aparato burocrático, c as constantes queixas sobre o arbítrio dos comissários,
revela que a preocupação central da coroa era com o fisco. A administração da
 justiça na área médica esmerava -se, então, tanto cm fiscalizar os fiscalizadores
quanto em punir os infratores.
Dessa maneira, o regimento fixa os-emolumentos que deviam ser
percebidos pelas diferentes autoridades em cada exame e em cada visita regular.
Como exemplo, o pagamento do exame, parágrafo 20:

Terá o mesmo comissário do Físico-mor, (sic) de cada exame que fizer de 


boticário mil e seiscentos réis, ainda que o examinado não saia com 
aprovação, porque deve depositar antes do ato do exame, não só estes 
emolumentos, mas também os do Fisico-mor do Reino, e dos seus oficiais, 
Ns que importam em nove mil cento e vinte réis, a saber, quatro mil e oitocentos 

1 réis para 0 Fisico-mor, quatrocentos e oitenta réis para cada um dos cinco 
examinadores da cone, quatrocentos e oitenta réis para o escrivão do juízo, 
e cargo do dito Físico-mor do Reino, quatrocentos e oitenta réis para 0 

t
meirinho do juízo, e quatrocentos e oitenta para 0 escrivão da vara do 
mesmo meirinho, e quatrocentos e oitenta de esmola para os santos Cosme e 
 Damião, por ser este o estilo praticado sempre em semelhantes exames.

Entretanto, a não-observância do regimento da Fisicatura parece ter


sido a norma nos tempos coloniais, tal como se infere pelo estabelecido na
ordem régia de 3 de março de 1717 ao dr. João Nunes de Miranda, que servia,
por comissão, de fisico-mor na Bahia:

 Porquanto tenho notícias que geralmente costumam nessa cidade da 


 Bahia curarem cirurgiões de medicina dando purgas e outros remédios de 
que só podem aplicar os médicos formados na Universidade de Coimbra
 

B O T I C A S H B O T I C Á R I O S N O B R AS I I . C O L O N I AL ?-  3

ou aprovados pelo Fisico-inor do Reino, o que è eni notório dano do 


comum e ter experiência mostrado suceder mil infortúnios e desgraças 
 pela imprudência dos cirurgiões  (...)•2 MACHADO, Roberto et alli.  Danação 
da norma: medicina social e constituição da 
 psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro:
Não só lojas de barbeiro e boticas vendiam remédios no Brasil.
Graal, 1978, p. 29.
Os estabelecimentos dos ourives, padeiros e outras casas também
comerciaram remédios específicos. Os próprios m édicos, apesar de o alvará
real proibir que preparassem e vendessem drogas, manipularam e venderam
suas próprias receitas. Se os cirurgiões curavam de medicina e os médicos
aviavam suas receitas, os boticários receitavam por conta própria.
Não se limitava ao controle das atividades mercantis a sanha
legislativa da metrópole. Bem antes do período pombalino (1750-77) e do
reinado de dona Maria 1 (17 77 -18 08 ), quando o ministro da Marinha e
Ultramar d. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812) projetou uma política
 voltada á v alor ização dos pro dutos naturais da A mérica portuguesa e às
pesquisas em história natural, já era patente o interesse da Coroa pelas plantas
que tivessem utilidade médica. O incentivo às obras que descrevessem o
quadro das doenças e, em especial, a flora e a fauna de valor medicinal estava
 já expresso no édito de Filipe n, de 1570, no período da União Ibérica. Nesse
documento, o rei nomeava emissários para se informar sobre a experiência
dos nativos sobre o uso, a faculdade e a quantidade de medicamentos,
 W ISSE NB AC H, Maria Cristina Cortez.
reconhecendo o quanto de beneficio será para este e aqueles reinos a  Gomes Ferreira e os simplices da terra: 
noticia, comunicação e comércio de alguma planta  (sic), ervas, sementes e  experiências dos cirurgiões no Brasil-Colónia. 
In: Erário mineral   (org. Júnia Ferreira
outras cousas medicinais que possam conduzir à cura e saúde dos corpos 
Furtado), Belo Horizonte: Fundação João
humanos, temos resolvido enviar, algumas vezes, um ou muitos  Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo
 protomédicos gerais às provindas das índias c adjacentes.3 Cr uz, 2002, pp. 1 12-3.

p á g i n a   a o   l a d o : A imagem de a c i m a : Segundo a tradição. Cosme


Spix & Martius mostra negra com e Damião. os santos padroeiros dos
bócio, doença comum no período médicos e d os farmacêuticos, formam
colonial, causada por carência de iodo. um exemplo da devoção cristã
ao cuidado dos doentes.
 

2 .)

 A mata é a botica dos índios

 Ap esa r de não termos documentos escritos pelos pró prio s índios, apenas os
registros deixados pelos brancos, muitas vezes preconceituoso s, o fato é que
portugueses, holandeses e franceses salientaram os conhecimentos indígenas
sobre as ervas medicinais, aos quais freqücntemente recorreram. Anotava o
 jesuíta Sim ão de Vasconcelos , no século xvii, que “ em suas curas ri-se esta
gente de medicamentos compostos; só nos simples dos campos têm sua
confiança; e estes lhes ensinou a natureza, e o uso, como a arte dos melhores
4 VASC ON CEL OS , Simão de. médico s” .4Naq uelas sociedades sem escrita, com um nível rudimentar de
Crônica da Companhia de Jesus,  divisão do trabalho c hierarquização social, o enfermo e o indivíduo
Petrópolis: Vozes, 1977, ( i aed.
responsável pela sua cura compartilhavam os mesmos pressupostos e crenças
1663), apttd  Frédéric Mauro,
 Nova história da expansão  sobre a estrutura do corpo e suas funções na saúde ou na doença.
 portuguesa. O Império Luso-  Em seus esforços para sobreviver em um ambiente natural
 Brasileiro potencialmente hostil, aquelas sociedades de caçadores-coletores
(1620-1750). Lisboa: Ed.
representavam seu mundo como dividido cm um domínio físico e outro
Estampa, 1991, P- 271.
espiritual, e adotavam certo número de técnicas para fazer face aos problemas
relativos ao sofrimento humano. Essa medicina reunia aspectos mágicos
e receitas empíricas, tal como o uso de amuletos, encantamento, mudanças
dietéticas e preparados botânicos nem sempre inócuos. Mudanças no
comportamento, como repouso e reclusão, eram complementadas com
rezas, rituais c confissões.
Doenças comuns eram tratadas de um modo puramente
naturalístico. Doenças raras e de maior gravidade eram percebidas como
grave ameaça à coesão social. Por isso, requeriam maiores e mais espetaculares
esforços, envolvendo a manipulação de um domínio compreendido como
sobrenatural, voltado à identificação da entidade ou espirito maligno que

O tratamento nativo de solta de novo pelas ventas e opérculo


"A respeito das plantas oficinais, uma dos lábios, os sustenta, de forma a lhes
existe de nome petun,   que apresenta a permitir passar sem alimentos três e quatro
forma da azedeira, um pouco mais alta e dias, coisa muito útil na guerra. Também o
de folhas parecidas com as da consolida. usam para fazer destilar os humores
Erva de virtudes, os selvagens a colhem em supérfluos do cérebro, e por isso não os
pequenas porções, e a secam em casa. vereis nunca sem o competentè cartucho
Depois tomam quatro ou cinco folhas de petun  no pescoço." LÉRY, jean de.
que enrolam em forma de cartucho de História de uma viagem à terra do Brasil.
especiaria; chegam fogo à ponta mais fina e Rio de (ançiro: Companhia Editora Nacional,
pela outra sugam uma fumaça que, apesar 1926. pp.139-40.
 

BOTICAS E BOTICÁRIO S NO BRASIL COLONIAL

penetrara no corpo e devia ser expulso. Um reino geralmente invisível de


forças e poderes era concebido para explicar certas enfermidades e aflições.
Essas práticas ancestrais de cura eram sempre sagradas e holísticas, reunindo
tratamentos que envolviam os indivíduos afetados c o grupo tribal ou
parental ao qual pertenciam.
Quand o uma doen ça era causada p or divindades sobrenaturais, os
pajés, líderes religiosos, desempenhavam papéis importantes no diagnóstico e
tratamento de uma pessoa tida como sofrendo de um mal. Ao conhecimento  VO N M AR TIUS, Karl
das plantas somava-se, na medicina indígena, o uso da sangria, das fricções e Eriedr. Naluresa, doenças,
medicina e remédios dos índios 
massagens e o usó de substâncias quentes, secas ou úmidas. Embora
brasileiros.  Rio de Janeiro:
empregassem remédios animais e minerais, os índios utilizavam amplamente Companhia Editora Nacional,
asTplantas frescas. Co m o assinalou Von Martiu s, “a mata é a sua farm ácia” .5 1939 (1840), pp. 234-5.

dermatose. Entre ind

uramente naturalistico
is consideradas mais
am a manipulação de 1
? ordem sobrenatural.
 

2 6 BOTICAS & P H A R M A CI A S

Com os seus saberes sobre a natureza, os índios indiearam aos


colonizadores as novas plantas que poderiam servir para alimento e remédio.
Como afirmou Sérgio Buarque dc Holanda, o conhecimento de quase todos
6 HOLANDA, Sérgio Buarque esses produtos foi apropriado pelos bandeirantes paulistas.6Jesuítas e
de. Caminhos e / romeiras, São  bandeirantes foram, assim, os prim eiros gru pos que aprenderam o valor
Paulo: Companhia das Leiras,
terapêutico de ervas indígenas. Com o avanço da colonização, médicos,
I99 5 >PP- 74 - 89 -
mezinheiros, jesuítas, barbeiros sahgradores, cirurgiões e boticários
incorporaram dos ameríndios o uso da “botica da
nature za” : Da va-se a fruta do cajá aos doentes com febre.
O sumo do caju era usado nas febres e fazia bem ao _
estômago. Da imbaúba, o óleo era cicatrizante e as folhas
agiam como purgante, tal como a noz do andá. Com o
mesmo fim, porém mais popular, era empregado o óleo
de copaíba. A parreira-brava e o malvisco eram
antipeçonhentos. No caso de chagas ou doenças de pele,
a língua de vaca e o camará eram indicados. A casca e
 b suco da maçaranduba , as folhas do camará e os “ olhos”
da salsaparrilha, eram usados para as boubas, mas
tinham bons resultados para os corrimentos, diarréias
c doenças venéreas. O ananás dissolvia as pedras, o
Ingá teria virtude para o ligado, o maracujá, por ser fruta
fria, era boa para as febres. A erva santa ou tabaco
servia para os doentes de cabeça, estômago e asmáticos.
O sumo matava os vermes tal como a erva de santa maria ou mastruço.
 A fruta do jenipapo e a ipecacu anha ou poaia eram excelentes mezinhas
para deter as câmaras (diarréias).
Esses remédios só lentamcnte foram se incorporando às boticas.
Eram inicialmente remédios de pobres ou mesmo de desbravadores como os
 band eirantes paulista s e os mineradores, no contex to do ciclo do ouro na
região das Gerais, que aprendiam com os carijós a localizar ervas e improvisar
mezinhas. Como relatou, em 1735, o cirurgião Luís Gomes Ferreira, autor do
famoso  Erário mineral,

7 Apud   DIAS, Maria Odila os homens bons preocupavam-se em conservar os matos próximos dos 
da Silva Dias. “ Sertões do arraiais, onde muitos eram “vistos e experimentados cm raizes, ervas, 
Rio das Velhas e das Gerais:  plantas, árvores efrutos, por andarem pelos sertões anos e anos, não se 
 vida social numa frente de
curando de suas enfermidades,  (sic) senão com as tais coisas e por terem 
povoamento - 1710-1733” .
In: FERRE IRA, Luis Gomes, muita comunicação com os carijós, de quem têm se alcançado coisas boas”.7 
 Erário mineral  (Org. Júnia
Ferreira Furtado). Belo O naturalista Von Martius (1794-1868), que esteve no Brasil no
Horizonte: Fundação João
período joanino e interessou-se vivamente pela medicina c terapêutica
Pinheiro; Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, indígenas, comentou o efeito dc certas ervas frescas que um pajé empregou
2002. p. 53. numa “úlcera maligna” no pé de um escravo negro de sua comitiva, “que se

acima : Na imagem de Chambcrlaín PÁCINA a o   l a d o : A imagem de Hans


nota-se o método do emplastro Staden descreve a preparação e o uso
aplicado à perna no negro que anda do cauim. bebida feita a partir da
apoiado por um cajal. Trata-se de fermentação de alimentos, de caráter
imagem rara que mostra um escravo entorpecente. Poucos métodos de cura
machucado com curativo. dos indígenas foram incorporados
às boticas da cidade.
 

BOTICAS B BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL   1   *7

Animais que curam


Nestas Minas há  uns macacos a que chamam  
de barbados, outros lhe chamam bugios, e são  
uns que têm papo e  são pretos pelo corpo, e 
pelo fio do lombo têm 0 seu cabelo a modo de  
ruivo e são conhecidos pelo nome de barbados,  
e pelo papo, de muita gente: destes, estando  
ainda vivos, se lhes tira aquela noz redonda a  
modo de bolazinha, que encaixa no quadril na  
cova onde joga a perna e há de ser 0 da perna  
esquerda: esta bolazinha, chamada por 
algumas pessoas "conta de macaco",   (sic) se
aperfeiçoa efura para trazer atada no braço  
esquerdo, de modo que toque na carne: è  
bastante para se acabarem as queixas de quem  
for perseguido de almorreimas; a mim me  
certificou um parente meu. amante da verdade,  
que só de trazer na algibeira uma conta das  
ditas acima que lhe deram por ele dizer que  
padecia suas queixas do tal achaque e a não  
atara no braço por não ter queixa naquela
ocasião, mas que, correndo os tempos, nunca  
mais sentira moléstia alguma: c indo em  
uma ocasião à dita algibeira, dera nela com a  
tal conta efeara na certeza de que estava livre  
das graves moléstias   (...)
Erário mineral.
FERREIRA. Lufs Comes (org. Júnia
Ferreira Furtado). Erário mineral.  Belo
Horizonte: Fundação João Pinheiro: Rio de
achava inválido há meses, e havia resistido a muitos med icamen tos” . Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002
 Alex andre Rodrigues Ferreira (1 7 56-1 8 15 ), em sua Viagem filosófica, recolhia
e descrevia tudo o que achasse interessante sobre a natureza do Brasil;
desenhou e nomeou diversas plantas, e freiVeloso (1742—1811), com o
mesmo propósito, escrevia:

 Não há vegetal algum que não mereça ocupar a atenção de um 


verdadeiro sábio; nenhum há, por mais desprezível que pareça, de que se 
não possa esperar alguma utilidade. Eles são estimáveis por suas virtudes 
medicinais e requerem um particular estudo de todos os que se destinem 
ao curativo dos enfermos; eles fazem que não haja terreno algum que se 
 possa verdadeiramente chamar estéril, ou incapaz de se aproveitar; 
 fornecem uma grande parte dos nossos alimentos, servem-nos em infinitos 
usos econômicos e merecem por conseguinte de ser estudados 
relativamente à agricultura e comércio.

Bernardino Antônio G omes (176 8-18 23), notável médico


português, residente na Bahia, aprovou o emprego de emplastros de mastruço ■y Q N m a r t IUS, Karl
no tratamento de hérnias.8 Friedr. Phil., op.cit. p. 234.
 

2 8 BOTICAS & PHARMACIAS

Calundus e curandeiros africanos


 Apesar de todo o controle e submissão cultural impostos pelas leis c
exercidos pelas autoridades civis e eclesiásticas contra suas crenças e ritos,
era talvez na área das curas que as tradições das diversas etnias negras se
mantinham com maior intensidade, sobretudo quando se tratava de curar
outros negros. Entre os brancos das camadas populares, gozavam os
curandeiros negros de grande prestígio, os quais eram procurados sem
hesitação. Qsjxmédios das boticas disputavam com
([benzeduras. relíquias e amuletos. A angolana Luzia PintE
muito conhecida na freguesia de Sabará no início do
século xviii, era bem-sucedida como “calunduzeira,
curandeira e adivinheira”. Isso significa que, além de
oficiar cultos religiosos, ela sabia preparar tisanas,
cataplasmas c ungüentos que aliviavam as dores e
curavam doenças, usando como recursos ervas e
encantamentos. No Maranhão, um escravo foi chamado
para curar a mulher de um barqueiro que se encontrava
muito doente. O 'Diaboi. ••
foi vencido por meio de
invocações em língua natal e português, além do uso de
poções com água, ervas e uma pedra que se achava na
cabeça de um peixe. Na região mineradora, alguns
escravos foram denunciados à Inquisição por praticar a
feitiçaria. Um deles tirava ossos e outras drogas dos
corpos daqueles a quem curava, chupando-os pela boca.
Os brancos atribuíam aos africanos grande
conhecimento dos venenos c seus antidotos. Também
sabiam curar distúrbios mentais e espirituais. No interior
o o O da Bahia, o Santo Oficio identificou um senhor que
pagou caro por duas escravas curandeiras: com elas
montou uma espécie de clínica, onde se praticavam vários tipos de cura.
Uma das formas de aculturar o escravo consistia em enquadrá-lo na religião
 vigente, por meio dos sacramentos do batismo, casamento e extrema-unção.
Por intermédio das irmandades, como a de Nossa Senhora do Rosário,
puderam os negros recriar suas crenças e tingir o culto aos santos católicos
de significados profanos emprestados dos calundus.
Çqm a incorporação das culturas ioruba, nagô, daometana, jeje,
mina, malê e banto no meio urbano e rural da Colônia, as práticas mágicas e
certas noções de doença e cura encontraram fácil assimilação no repertório
sobrenatural popular de origem lusitana. É preciso ter em mente que a
população de origem africana que alcançara grande concentração em torno
do Brasil açucareiro, no século xvn, atingiu o máximo de intensidade por voltr
de 1750, com a expansão do Rio de Janeiro e o povoamento das Minas, graçaí
 

BOTICAS E BOTICÁ RIOS NO BRASIL COLONIAL 2P

à mineração. Personagem fundamental na perpetuação de tradições


terapêuticas africanas, o barbeiro, geralmente mulato ou negro, escravo ou
livre, munia-se de uma trouxa ou pequeno baú onde acondicionava os
apetrechos indispensáveis ao seu mister: navalha, pente, tesoura, lanceta,
 ventosa de chifre, sanguessuga s, ungüentos, sabão e bacia de eobre.
 A influên cia dos curandeiros peran te a p opu lação se estendeu a ponto de
o fisico-mor do Reino, numa provisão de 1744, ter proibido aos boticários
aviar suas receitas, ordenando que seus delegados no Brasil fiscalizassem
periodicamente essa prática. A relação dos boticários com os remédios da
terra não era, porém, das melhores. Em 1796, o vice-rei, conde de Resen de
enviou às autoridades metropolitanas uma carta na qual reclamava dos
 boticários, afir mando que, embora

houvesse nesta terra infinidade de ervas e raizes conhecidas pelo mesmo 


nome e atributos das que mandam vir de fora, des são os primeiros em 
desacreditá-las, não porque assim seja, como todos persuadem, mas 
 porque acham grande conta em fazer misteriosa a sua ocupação, c muito 
maior em reputar a vinda de ervas importadas, que ver-se-iam obrigados  MARQUES, Vera Regina Beltrão.
 Natureza em boiões; medicinas e boticários no 
a vender por baixo preço, havendo outras do mesmo país, não deixando, 
 Brasil setecentista.  Campinas: Editora da
 porém, de as plantar, e comprar quase de graça, para as tornarem a  Unicamp/ Centro de Memória-Unicamp,
vender na estimação das que de fora lhe são remetidas,9 1999, P- 197 -

PÁGINA AO LADO, ACIMA: Os africanos PÁGINA AO LADO, ABAIXO: acima : Na rara imagem do século

tinham grande conhecimento de Amuleto africano. xvn vê-se um ritual de calundu.


venenos e seus antídotos e exerciam na Através da religião e também dos
colônia muitas vezes o papel de ritos de cura, os negros mantinham
curandeiro, lançando mão de suas vivas, do lado de cá do Atlântico,
tradições, principalmente para curar as crenças africanas.
outros negros. Na imagem, um escravo
sofre de bouba.
 

3 .)
 As ordens religiosas
 A A S S I S T Ê N C I A M É D I C A C O M O C A R I D A D E

i^utra poderosa tradição que atuou na conformação da cultura médica


heteróclita que marcou o período colonial proveio do catolicismo português,
por intermédio do clero regular e das ordens e confrarias religiosas.
Como já observamos, não eram poucas as doenças e epidemias que
atacavam os colonos e o restante da população indígena e negra. Varíola,
disenteria, malária, febres tifóides e paratifóides, boubas, maculo (fístula anal),
sífilis, lepra, elefantíase-dos-árabes (filariose) e opilação (ancilostomíase) eram
as mais presentes. A imensa maioria dos doentes recebia tratamento em casa.
 Assim, os que caíam doentes e seus familiares mantinham o controle da
situação, ao contrário do que aconteceria num hospital. Em suas casas, eles
podiam decidir sobre o tipo de terapia que estariam dispostos a pagar e
escolher livremente dentre os vários tipos de agentes terapêuticos. Não eram
apenas os pobres que faziam tal opção; as pessoas de posse cuidavam de suas
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL 31

doenças em casa, com médicos e cirurgiões, ou então com


curiosos c curandeiros, ao passo que as ordens religiosas
ou laicas tratavam de seus próprios irmãos. Os brancos
pobres, a gente dc cor, escrava ou forra, soldados,
marinheiros, forasteiros em geral, quando em estado dc
indigência, recebiam assistência espiritual e médica nos
hospitais da Ordem da Misericórdia.
 A Igreja católica era o suporte da vida cultural
da Colônia, e as ordens religiosas constituíam a ponta dc
lança da Igreja na propagação da fé e da cultura cristãs,
para as quais o bem-estar físico era secundário em face da
salvação espiritual. Além do mais, a doença podia ser
IMlho -ItflE I D E A S NCI.V !>KIJ> IIENIA l»NAMÍ‘ Omni/ E 1(00 K ? 60 TADll IA DE";
percebida alternadamente como uma expressão do vr líh rSiT KÍNW .' DEVIDA roM AC iíIL ME A DEMEMCOÍ F. ÍVTUÍ.Klii / e l e u i t -  
FJMV HVM/> MF-IV* l)t'Dn'„CEK)v! ALANIA
pecado ou da graça divina. O corpo como o repositório r/.,«HX/NlVv \T (OA IW\í lio"' t 5TAKlCC 05 /K C.l L KMlUlGRO?/- M*1 K5 CAPOV O/MORTE PH
tuast/SP*  SvW-TtANO «N hí * IIEI.HEUAH VÍÜA if f Í E R m . Hüi r 17 I V -
da alma imortal permaneceu como um legítimo objeto de
cuidado. Os ensinamentos bíblicos e o exemplo de Jesus apontavam a devoção
aos doentes como uma bênção divina, não restrita apenas a praticantes
treinados. A fé cristã enfatizava que o cuidado e a cura deveriam ser uma
 vocação popular, um ato de humildade consciente, portanto, um com pon ente
 vital da caritas  cristã. A evangelização e a catequese sistemáticas iniciaram-se
em 1549 com a vinda do primeiro governador-geral, Tom é de Sousa
(4503-79),e de um pequeno grupo de jesuítas. Nos finais do século xvi, foi a

Botica de ordem religiosa necessidades c enfermidades que sobrevivem aos   ver quem disso bem entenda, assim para a  
O boticário será um religioso sacerdote de   religiosos, fazendo e m andando fazer as águas   bondade delas, como para o preço. Dc todos os
muita caridade e curiosidade, e que tenha   destiladas, xaropes, pílulas e mais compostos de   simplices. c compostos da botica terá muito  
alguma ciência da botica  ou experiência dela.  que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem   cuidado, para que não se corrompam, e quando  
ao qual se dará religiosos, ou seculares que o   o saiba bem fazer, quando em casa o não  houver de faze r algum as coisas daquelas, que se 
ajudem; procurando sempre haver pessoa que  houver para tudo ser perfeito; e pedirá ao  costumam fazer de noite, dará conta sempre 
saiba bem da botica pelo que importa à saúde   Prelado todo o açúcar necessário, que terá por   disso ao Prelado para que saiba a ocasião de 
dos religiosos, credito e bom serviço da botica, e  rol para dele dar conta por inteiro. Não dará  sua falta e o que passa naquelas horas, e 
assim deve estar o boticário presente à visita   para fora Mezinha alguma sem licença do  tempo, e procurará sempre assistir nessa oficina.  
pela manhã, e tarde, para notar bem as   Prelado, excepto pós comuns, unguentos, e  Códice existente no Arquivo Nacional da
mezinhas que se mandem dar a cada um, não  outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas   Torre do Tombo, intitulado Uzos das 
sefiando nun ca na sua mem ória, pois é coisa  nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado  Ceremonias e Louváveis costumes do Ordem de 
de tanta importância a saúde dos enfermos,   assinar as receitas do médico constando ser de  Christo reformados no anno de rjoz.
procurando sempre estar a botica muito provida   pobres. Não comprará drogas, nem outras 
dos simplices, e mais mezinhas necessárias às mezinhas sem licença do Prelado, nem sem as

p á g i n a   a o   l a d o : A força da influência acima : Ex-voto em nome de milagre


do catolicismo português na cultura do Bom Jesus do Matosinhos a
médica do período colonial fica Cipnano Ribeiro Dias. Em 1745, este
expressa no uso dos ex-votos, em doente sangrou pelo nariz durante
agradecimento è cura de enfermidade horas seguidas c ficou curado
grave, como este dedicado à Nossa milagrosamente com a fé.
Senhora do Carmo.
 

3 2 BOTICAS &■
1’ H A K M A C I A S

 vez de os beneditinos, carmelitas e fran ciscanos se


estabelecerem no Brasil. Além dos seminários e das
pastorais, o trabalho caritativo, em especial o
tratamento dos doentes, era parte essencial de suas
ações. Q culto dos santos servia também de escude
contra os perigos da vida ou proteção contratos
demônios. Muitos eram invocados pela sua
.qualidade de'curar. Nas procissões organizadas
pelas confrarias, nas igrejas ou no refúgio do lar,
orações e preces solicitavam a intervenção dos santos.
£ada qual segundo sua especialidade. São Sebastião era
invocado para proteger das epidemias. Santa I aicia, contra as
dores dêllénies. Contra a peste e quebradura, santo Adrião. Contra
possessões, santo Alberto. Santa Agueda, contra dores dos peitos e Santo
 Am aro , contra os achaques das pern as e b raços. Santa An a, contra a
esterilidade e santo Anastácio, contra qualquer doença. Uma procissão diária
nas cidades coloniais era a do viático levado aos moribundos e doentes. Um
-sem-número de devotos compun ha o cortejo, entoando ladainhas. Todas as
.igrejas repicavam sinos à sua passagem.
Perante as dificuldades e precariedade da vida, a Igreja incentivou
os fiéis brasileiros a agrupar-se em confrarias, formadas segundo categorias
sociais, para encontrar soluções que abrissem as portas à salvação eterna.
Refúgio na vida, segurança em face da morte, gosto da ostentação e exibição
de uma posição social numa sociedade rigidamente estratificada, as
confrarias foram também garantia de cuidados aos doentes e missas
póstumas para o conforto da alma. A confraria mais antiga do Brasil era
a da Misericórdia, que, inspirada nos compromissos corporais, realizava
obras voltadas à alimentação dos presos e famintos, remia os cativos, curava
os doentes, cobria os nus, dava repouso aos peregrinos e enterrava os
mortos. Mantida por figurões de grande prestígio social, a ordem se
 beneficiava dos legados deixados por seus associa dos e de eventuais recursos
diretos da Coroa. Os quatro hospitais abertos no século x v i i i  pelas ordens
terceiras de São Francisco e do Carmo voltavam-se ao acolhimento
exclusivo dos confrades. Os hospitais da Santa Casa da Misericórdia,
quase todos modestos e em permanente estado de penúria, assistiam
a uma população de indigentes e moribundos, desde o século xvi, em
quinze cidades brasileiras.
Como a Misericórdia gastava menos com seus hospitais do que corr
as festividades religiosas, a instituição vivia na pobreza. Isso pode ser estimado
pelo exemplo da mais importante dentre as Santas Casas do século xvn, a
da Bahia, onde, durante uma epidemia ocorrida em 1694, 180 doentes foram
internados nas seguintes enfermarias: enfermaria das febres, dispondo de
16 catres com colchões rotos, 18 camas de esteira no chão, sem travesseiros,

À e s q u e r d a , a c i m a : Santa Casa de À e sq u e r d a , a b a i x o : Pote de teriaga 01


Misericórdia do Rio de Janeiro, triaga. A triaga brasílica era um remédic
inaugurada em 1582 pela mais antiga composto de extratos, gomas, óleos
confraria do Brasil, era mantida por e sais químicos extraídos de 78 tipos
figurões de grande prestígio social e de plantas, e que se tornou objeto de
eventuais recursos da Coroa. cobiça no império português e
a segunda maior fonte de renda da
Companhia de Jesus no Brasil.
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 3 3

sem colchão c com lençol; enfermaria de a/ougue, com seis catres para os
que estavam em tratamento com unturas; enfermaria das chagas, com vinte
catres e 23 camas de esteira no chão, sem travesseiro e sem colchão, com um
lençol; enfermaria dos conva lescentes, com 18 catres c 24 camas de esteira
no chão; enfermaria das mulheres, com 17 catres com colchõ es velhos;
enfermaria dos incuráveis, com vinte catres sem colchões.10A terapêutica i< RIBEIRO, Lourival.
se resumia a uma alimentação à base de canja de galinha, sangrias e purgas  Medicina no lirasil colonial ,
Rio de Janeiro: Editora Sul-
realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro,
americana, 1971, pp. 40-1.
por escravos. Um médico e um cirurgião davam conta do trabalho,
comparecendo pela manhã e à tarde.

 As boticas dos jesuítas c a triaga brasílica


 A medicina em Portugal, nos séculos xn e xni, era exer cida pelos eclesiásticos.
Os jesuítas, ao chegarem no Brasil, mantiveram essa tradição de aliar a
assistência espiritual e corporal ao trabalho de catequese. Além de receitar,
sangrar, operar e partejar, criaram enfermarias e farmácias. Como as drogas
de origem européia e asiática eram raras e tinham um preço exorbitante,
 valeram-se dos recursos medicinais dos indígenas. Foi assim que a Euro pa
conheceu as virtudes da quina, proveniente do Peru e da ipecacuanha, que
também encontrou enorme sucesso. As boticas dos jesuítas eram, quase
sempre, as únicas existentes em cidades ou vilas.Treze boticários jesuítas se Fórmulas secretas
instalaram no Brasil nos anos 1600 e outros trinta no século xvin. As No Arquivo da Companhia de Jesus, em
Roma, há um documento que já no prólogo
farmácias dos conventos teriam contribuído para a penúria dos boticários
•1 a revela a consciência que os jesuítas possuíam
laicos. A botica dos jesuítas do Rio de Janeiro, que funcionava no morro do do valor simbólico dos remédios secretos.
Castelo, provia as boticas da cidade.  Ami go e c aríssim o leitor, não fi z esta Cole ção de  
 A triaga brasílica, pro duzida na botica que os inacianos mantinham Receitas particulares de nossa Boticas, senão  
para que se não perdessem tão bons segredos, e  
em Salvador, alcançou enorme prestígio em todo o Império português e
estes não andassem espalhados por todas as  
era a segunda fonte de renda da Companhia de Jesus no Brasil. Tal como a mãos; pois bem sabes, que revelados estes,  
triaga optima do Colégio Romano, era um antídoto universal e uma panacéia ainda que seja de uma Botica para outra,  
para todos os males. Antes de entrar em decadência, no século xix, esse perdem toda a estimação: e que pelo contrário  
0 mesmo é estar em segredo qualquer Receita  
remédio, composto de extratos, gomas, óleos e sais químicos extraídos de
experimentada, que faze rem dela todos um  
78 tipos diferentes de plantas encontradas nas mais diferentes regiões  gran de apreço, e esti ma com fa m a, e lucro  
do Império luso-brasileiro, foi objeto da cobiça das autoridades pombalinas. considerável da Botica a que pertence. Pelo  
Durante o seqüestro dos bens dos jesuítas da Bahia, em 1760, o que peço-te, que sejas muito acautelado e  
escrupuloso em não revelar algum destes  
desembargador responsável afirmou que haveria na cidade quem desse três
segredos: pois em consciência se não pode  
ou quatro mil cruzados por ela. fazer, advertindo que são cousas estas da  
Se a história da medicina colonial, e da sua farmácia em particular, Religião, e não tuas.
não pode ser contada sem referência às religiões indígenas e africanas e às Manuscrito Coleção de várias receitas  
particulares das principais boticas da nossa  
instituições católicas, é na cultura médica européia, em especial na longa
Companhia de Portugal, da India, de Macau, e  
uadição legada pela medicina hipocrática c galênica, que devemos encontrar do Brasil... de autor desconhecido, datado de
seu lastro principal. 1766, apud   Lourival Ribeiro, op. cit., pp. 174-5.
 

Sob o império de Galeno


 A S D O E N Ç A S E SEUS T RAT AM EN TOS
NA T R A D I Ç A O M E D I C A EUROPEIA 
‘ vO

Galeno (130-20 0 d .C.) foi, juntamente com Hipócrates (460-? a .C.), a m


figura da medicina antiga. Sua imensa obra exerceu uma influência
considerável até o século xvu, tanto no mundo árabe quando no Ocidente
cristão. De acordo com a tradição hipocrático-galênica, transformada em
dogma pelo ensino escolástico professado nas universidades medievais des
o século xiii, o corpo humanoseria constituído por sangue, pituíta, bile
amarela tTbile negra. Existiria saúde quando esses princípios estivessem en
 justa relação de equilibrio (cra se), de força e de quan tidade, em perfeita
mistura. Existiria a doença quando um desses princípios estivesse, seja em
menor quantidade, seja em excesso, ou, isolando-se no corpo por uma esp
de obstrução, não se combinasse harmonicamente com o resto.
Eis o grande princípio hipócrático que os jovens doutores cm
medicina, formados nas universidades européias, deviam ter em mente
enquanto examinavam seus doentes. As doenças seriam causadas por falta
(caquexia), excesso (pletora) ou corrupção de um ou mais humores.
'Tratava-se, então, de restaurar o déficit ou, ao contrário, suprimir o excedi
Mas convinha, antes, evacuar os maus humores. Os humor podiam taml
se desviar, sendo fundamental repô-los em seus caminhos.
 A febremão seria nem um sintoma nem uma doença em si, mas a
expressão do esforço curativo da natureza (vix medicatnx miturae). Provenk
do coração, o calor atuaria no cozimento dos humores corrompidos. A
capacidade de discriminar entre os diferentes tipos de febre e atuar no mon
certo em auxílio da natureza distinguiriam o talento dos médicos. Em caso 1
febre maligna ou pestilencial, o que compreendia a varíola, a rubéola, a púrj
c a peste - todas causadas por humores corrom pidos que exalavam um fort
odor -, impunha-se, além do recurso das ventosas e vesicatórios, o emprege
principais drogas: a triaga, o mitridato ou a pedra de bezoar. A varíola, com
peste, matava no estado endêmico. O médico nada podia contra esses ílagel
O melhor era deixar a natureza fazer o seu trabalho. Suas sangrias, purgas t
clisteres apenas faziam agravar o estado de saúde do enfermo. 1
O cérebro também tinha suas doenças. O resfriado, considerado
afecção cerebral, devia-se ao excesso de frio ou de calor. O médico usava ci
a coriza toda uma estratégia. Primeiramente era preciso retirar toda a pituít
com a ajuda de poções e pílulas doces. Isso feito, usavam-se os purgativos.!
igualmente recomendável o uso de purgantes, seguidos de ventosas, vesicat
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL

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p á g i n a   a o   l a d o : Muito valorizada acima : Em algumas cidades européias,


como remédio contra infecções da drogas trazidas do Oriente ou da
pele e tida como excelente vomitório, América eram acumuladas em lojas que
a pedra de bezoar era encontrada armazenavam grandes provisões. Estas
no estômago de alguns animais, boticas abasteciam outras, menores
como a cabra.
 

3 6 B O T I C AS & P I I A RM A CI A S

e cautérios sobre os ombros, atrás das orelhas e no pescoço


Nada impedia que se empregasse, também, um
esternutatório (remédio que provocava espirros).
 Aconselhava-se, outras vezes, tosar a cabeça para aplicação
de opiato (medicamento composto por extrato de plantas,
em que entrava o ópio) sob a forma de emplastro. Para
dores de cabeça empregava-se esteva (planta comum em
todo o território português) cozida em cinzas quentes.
 A paralisia cedia friccionando-se o membro paralisado corr
o famoso óleo de petits chiens.
 _Ajrtelancol ia, causada pelo excesso de bile
negra, dividia-se em três tipos de acordo com Galeno,
çlépendendo da região do corpo onde ocorresse
concentração dé atrabile. Por toda parte se podia
encontrar a melancolia do amor, comum às jovens viúvas, que podia
ágrávar-sc até a mania uterina. Os vomitórios energéticos podiam ser
 AÃ í ' empregados. Mas o melhor para essas infortunadas seria encontrar um novo
marido: “TJm marido é um emplastro que cura todos os males das jovens”,
dizia um provérbio da época.
$  A gota, reconhecida por quatro sinais - dor, calor, tumor, rubor -,
■0 /  devia-se sempre aos excessos, mas também à ociosidade. Purgas, sangrias e
i clisteres, sem dúvida. Aconselhavam-se também o leite ainda morno das
<L mulheres e o excremento da vaca, igualmente quente. Algumas águas
minerais. Para os males dos pulmões que não apresentassem muita gravidade,
usava-se a julepa (preparação líquida ou engomada, açucarada e aromatizada)
e xaropes - sobretudo nas bronquites. As pleurisias exigiam medicamentos
ainda mais estranhos. Sangue de bode, por exemplo, ou fuligem de ervas e
. sangria. Para a tísica, reconhecida pelo “humor acre, aflitivo, corrompido e
apodrecido dentro dos pulmões”, estava-se desarmado.
Quanto ao coração, essa víscera nobre, cabia-lhe o comando de tode
o sistema humoral. Esse personagem não devia ser incomodado. Bastava, às
 vezes, um medo, uma alegria, um remorso e ele suspendia seus batimentos.
Perdia seu espírito vital e eis a síncope! Era difícil saber o que esse
desconhecido queria ou rejeitava. Que medicações lhe oferecer senão julepas
calmantes ou tisanas estimulantes segundo o caso.
Conheciam-sc melhor o estômago e os intestinos. Nesse domínio
triunfavam, evidentemente, as purgas e os clisteres, dosados e compostos de
acordo com a necessidade de resfriar, aquecer, umedecer ou ressecar. Sendo a
digestão assimilada como uma cocção, na tradição hipocrático-galênica, a açãc
terapêutica consistia então em auxiliar ou melhorar esse cozimento por meio
de uma verdadeira cozinha farmacêutica em que entrava toda sorte de
condimentos. A arte consistia em variar os condimentos segundo o
diagnóstico aferido por meio do tipo de indisposição estomacal e intestinal.
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL

Nos casos em que dores estomacais eram seguidas por vômitos com sangue,
anunciados pelas “cóleras úmidas”, acalmava-se a dor com extrato de opiatos,
 As “ cóleras seca s” , assinaladas pelas flatulências, eram tratadas com a ajuda
de extratos de cochonilha. O intestino era menos secreto. O exame das fezes,
de visu et odoram,  permitia um diagnóstico mais seguro, pois se determinava
mais facilmente o humor em causa.

Teorias médicas
 Iatroquimica Doutrina médica originada da alquimia 
Paracelso (1493-1541) foi contemporâneo de Copérnico, Martinho Lutero,
Leonardo da Vinci e outras figuras associadas com a crítica ao pensamento
medieval e o nascimento do mundo moderno. Seguindo a tradição hermética,
ele propunha estudar o homem - o microcosmo - por meio do estudo do
macrocosmo, já que o primeiro era a perfeita representação do segundo.
 Alguns médicos entenderam que ali estava uma nova chave para o seu
trabalho. O apelo a novas observações foi entendido como um ato dc devoção.
0   cristão não deveria mais se limitar a estudar as Sagradas Escrituras, mas
também 0 livro da natureza, repleto de revelações divinas. Na tradição
alquímica, o trabalho de purificação dos metais era entendido como uma ajuda
à natureza no seu processo natural de aperfeiçoamento. Transposto para o
plano do microcosmo (o homem), o trabalho do médico seria o de recuperar a
saúde, buscando substâncias medicinais existentes na natureza que agiriam por
simpatia sobre os órgãos e humores afetados. Paracelso, que queimou em praça
pública os livros de Galeno, rejeitava os humores e em seu lugar pôs três novos

p á g i n a   a o   l a d o , a c i m a : Farmacêutico p á g i n a   a o   l a d o . ABAIXO: Pintura n o   a l t o : Paracelso propôs o estudo do


da Basilea macera ervas. Esta era a a óleo representando a figura macrocosmo como forma de entender
etapa inicia l do processo de produção de Hipocrates . o homem (microcosmo). Grande
de muitos remédios. Aqui, o defensor dos remédios minerais
desenvolvimento de artefatos e metálicos, sua nova leitura
mecânicos se combinava muitas vezes da medicina influenciou diversos
com métodos mais tradicionais. médicos da época.
 

3 8 BOTICAS & I ' H A RM A CI A S

elementos: o enxofre, o mercúrio e o sal. Cada doença teria uma terapêutica


especifica. ParaVan Helmont (1577-1644), seu seguidor, os processos
químicos seriam dirigidos por um espirito denominado blas, equivalente ao
archeus de Paracelso. Para essa e outras vertentes da iatroquímica, os estados
patológicos deveriam ser tratados quimicamente, valorizando os remédios
químicos. Podemos citar: o tártaro sódico potássico (sal de Rochelle), com
propriedades laxantes; o sulfato sódico e o sulfato de amónio; o sulfato de
potássio (sal policrcsto); o sulfato de magnésio; o carbonato de magnésio (pós
do conde de Palma). Os iatroquímicos encontraram rápida acolhida entre os
práticos sem diplomas. Nos tempos em que o teatro de Molicre ridicularizava
os médicos hipocráticos, cresceu fortemente seu prestígio nas cortes inglesa e
francesa, entre reis, nobres e burgueses, a despeito da forte oposição da
Faculdade de Medicina de Paris e do Real Colégio Médico de Londres.

 Iatromecànica ou iatrofisica  - O organismo equiparado a uma máquina 


 A revolução científica do século xvn não se limitou a acrescentar novos
fenômenos ainda não observados - mudou o quadro do pensamento. O
Universo seria, então, concebido como o modelo do relógio, em que as partes
que compõem o todo estão submetidas às mesmas leis do movimento. Tal
noção pressupõe a concepção de uma matéria-puramente passiva c composta
de corpúsculos submetidos apenas às leis do movimento. A física das
qualidades cede lugar a uma visão puramente quantitativa da matéria, e a
explicação dos fenômenos físicos fica restrita à causa eficiente. A natureza
seria submetida às mesmas leis, uniformes. Na França, Descartes
(1596-1650) denunciava a ineficácia da medicina contemporânea, propondo
um conhecimento causal do corpo com base em princípios mecanicistas.
Excluiu os princípios ou faculdades  (vegetativa, sensitiva, motora) e passou a
explicai-mecanicamente todas as funções do corpo. Ele acreditava na
possibilidade de eliminar todas as doenças do corpo e da mente e até as
enfermidades da idade, investigando-se suas causas mecânicas. Tal concepção
favorecia as pesquisas anatômicas. Posto que tudo era feito de formas
geométricas e movimentos, tornou-se essencial conhecer a forma dos órgãos,
e os,anatomistas se maravilhavam de reconhecer a cada instante no corpo
humano algumas dessas máquinas semelhantes às que os homens fabricavam.
Para Boerhaave (1668-1738), o mais prestigioso dos iatromecânicos, o
organismo seria formado por “ apoios, colunas, traves, vigas, bastões,
-tegumentos, ângulos, alavancas, roldanas, cordas, lagares [tanques para
espremer sucos], foles, peneiras, filtros, canais, reservatórios” .T ud o se faz
mecanicamente nos corpos vivos, e a fisiologia, utilizando e ultrapassando as
descobertas anatômicas, percebe na digestão um fenômeno de trituração, e na
secreção glandular, a peneiração de partículas. Mesmo quando a fisiologia faz
apelo à química, ela permanece mecânica, posto que interpreta os fenômenos
químicos como conseqüência do mecanismo dos corpúsculos.

À e s q u e r d a , a c i m a : Na segunda À e s q u e r d a , a b a i x o : O naturalista P Á c i N A a o   l a d o : Um laboratório


metade do século xvm, surgiu a Alexandre Rodrigues Ferreira, cm sua moderno: nesta cena vemos o avanço
homeopatia, um sistema terapêutico “viajem Filosófica” à américa da divisão de trabalho no processo de
de inspiração vitalista criado por Portuguesa do século xvm, registra produção de remédios na Europa
Samuel Hahnemann. uma índia inalando paricá, num ritual. Moderna. Enquanto o mestre
se atém à receita da farmacopéia,
ajudantes e aprendizes utilizam
diferentes técnicas.
 

BOTICAS E BOTIC ÁRIOS SO BRASH. COLONIAL >9

 A partir do século xvni, à exceção tios alquim istas, cada vez mais
raros, dos sábios galênicos, ainda influentes, e de alguns precursores do
 vitalismo, a hegemo nia era dos adep tos do mecanicism o.

Vitalismo — Principio vital distinto das forças fisico-quitnicas 


Georg Ernest Stahl ( 16 6 o -1 734), químico e professor de medicina, propôs .
que os fenômenos da vida seriam irredutíveis às leis da física. Para ele haveria
lim princípio vital que explicaria os fenômenos orgânicos —o anima seria
responsável por todas as funções vitais. Além de defender uma fisiologia
 vitalista, cr iou a influente teoria do flogísticq para explicar a combustão,
combatida posteriormente por Lavoisier (1743-94).
Na segunda metade do século xvm, surgiu a homeopatia, um
sistema terapêutico de inspiraçã o vitalista, criado por Samuel Hahnem ann .
(1755-1843), que ainda goza de amplo prestígio em muitos países. Para
"Hahnemann, toda substância que originasse no organismo sinais semelhantes
aos sintomas de uma doença era suscetível de curá-la. Trata-se de antiga
concepção herm ética, já presente em Paracelso: a cura pelo semelhante - _
similia siinilibtts curantnr.  A idéia de que o tratamento se alcançaria pela
administração de doses ínfimas de substâncias que, de outro modo,
 

4 0 BOTIC AS & PIIARMACIAS

causariam os sintomas patológicos, torno u-sc a base de sua terapêutica.


 Assim , se a qüina (chinchona) - remédio usado contra algumas febres -
provocava sintomas das doenças contra as quais.agia, ela teria,
comprovadamente, propriedades terapêuticas. \

 A superação da medicina humoral


e as inovações terapêuticas
Durante o período da chamada revolução científica, em que se destacam os
avanços na astronomia, na física e nas ciências naturais, a medicina também
conheceu grandes inovações teóricas e práticas. André Vesálio (1 51 4- 64 ), em
seu excelente livro  De hmnani corporis fabrica, de 1543, deplorava a separação
entre a cirurgia - na época uma tradição artesanal —e a medicina. Vesálio teria
descoberto mais de duzentos erros nos escritos de Galeno. Em seu De moto 
cordis et sanguinis  (1628), Willam Harvey (1 57 8- 16 57 ) descreveu a circulação
sanguínea. Seria de esperar que o sucesso dessa e outras descobertas
associadas às novas correntes do pensamento médico, como a iatroquímica, a
iatrofisica e o vitalismo, acarretassem um colapso no sistema galênico de
terapêutica, que era intimamente ligado à'fisiologia humoral, mas isso não
aconteceu. O sistema galênico de terapêutica, em razão de seu sucesso prático
no tratamento das doenças (é preciso ter em mente que vinha proporcionando
uma boa vida aos clínicos havia séculos), sofreu seu maior revés com a
introdução dos remédios de origem química.
Numa época em que todos os remédios eram símplices, isto é,
derivados de plantas, o rebelde Paracelso (1493-1541) foi um defensor dos
remédios minerais e metálicos, pregando a doutrina dos remédios específicos
para cada doença - o mercúrio tornou-se um espe cífico para a sífilis ou mal
gálico. Sydenham (1624-89), o chamado Hipócrates inglês, também defendia
a idéia dc que toda doença teria seu medicamento específico. Com a
descoberta do Novo Mund o, uma droga utilizada pelos indios, a cinchona -
também conhecida como casca peruana ou casca dos jesuítas - foi
incorporada à terapêutica médica como antídoto para as maleitas. No século
x v i i i, o reverendo Edmund Stone anunciou a casca do salgueiro como um
poderoso febrífugo (remédio contra a febre), o que foi um primeiro passo
no caminho para a aspirina.
 A exceção de algumas drogas, os medicamentos que os doutores de
Coimbra usavam não se distinguiam muito da farmacopeia galênica, ainda
que eles possuíssem um punhado de específicos e tópicos. Aos médicos não
faltavam respostas para os diferentes casos que se apresentavam no curso de
suas consultas. Convém lembrar que na medicina humoral não se esperava
que as drogas desempenhassem um papel decisivo na cura. O que se esperava
de uma boa droga não era tanto que curasse diretamente uma doença, mas
 

BOTICAS E BOTICÁRIO S NO B R A S I L COLONIAL 4 *

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que, por meio de sua ação ou faculdade vomitiva, purgativa ou sudorífera,
ajudasse a natureza a restaurar o equilíbrio entre os humores. Entretanto, com
a fixação de químicos e destiladores provenientes do estrangeiro que
comercializavam medicamentos químicos e, principalmente, com a publicação
da farmacopeia elaborada pelo médico João Curvo Semedo (1635-1719),
 Polianteia medicinal   (1695) - tornado uma espécie de evangelho dos médicos
portugueses a comunidad e médica incor porou a nova terapêutica. Outra
obra influente, a Pharmacopeia ulyssiponense, escrita p elo francês Jean Vigier
(1662-1723), comerciante de drogas estabelecido em Portugal, foi a primeira
farmacopéia escrita em português a tratar organizadamente a preparação de
medicamentos químicos." 1 1 As principais referencias à
Com a inclusão das obras de Paracelso no Index, a Inquisição história da farmácia em
Portugal foram extraídas de
portuguesa perseguiu os remédios alquimicos. Do ponto de vista doutrinal,
PITA, João Rui.  História da 
a farmácia galênica se opunha às drogas secretas de ampla difusão, pois estas  farmácia, Coimbra: Minerva
ignoravam as particularidades do paciente: sua constituição, seu Editora, 2“ ed., 2000.
temperamento, sua idade e seus hábitos alimentares e higiênicos. O físico
galenista, tendo de escolher freqüentemente entre várias indicações
terapêuticas, devia levar em conta não apenas a causa da doença, mas
também todos os aspectos do paciente e de seu meio. Em Portugal, as
medicinas (mezinhas) da farmácia galênica, caracterizada pela produção
pelo boticário, mediante a receita do físico, e indicadas para determinado
Uocnte, iam de encontro aos remédios secretos e às panacéias, vendidos
em larga escala e consumidos como automedicação (água da Inglaterra,
água celeste). Condenados pela Reforma pombalina do ensino médico, em
1772, os remédios secretos foram mais perseguidos a partir da criação da
Junta do Protomedicato, em 1782.

p á g i n a   a o   l a d o : André Vesálio acima: Para a latroquímica. cada órgão


apontou mais de duzentos erros humano mantinha uma correspondência
contidos nos escritos de Galeno com um signo zodiacal. Isto explicava a
e deplorou em sua obra Dc humani  preponderância dc certas doenças em
corporisfabrica  (1543) a separação determinadas estações. Para realizar
entre cirurgia e medicina. sangrias era preciso reconhecer, em
cada ponto, sua relação zodiacal.
 

5 .)
 As farmacopéias portuguesas
H OS T R A T A D O S DE N A T U R A L I S T A S , M É D I C O S
E C I R U R G I Õ E S DO B R A S I L C O L O N I A L

 A medicina doméstica, com o a profissional, baseava-se,


principalmente, em folhas, raízes, sementes ou
cascas, denominados simples. As ervas eram moídas,
maceradas e diluídas em infusões. Entre os antigos,
Celso (século 1 d.C .), Dioscórides (século 1 d.C.) e
Galeno (século 11, d.C.) compilaram receitas sobre ervas
em tratados de matéria médica. Suas obras, muito
apreciadas desde a Idade Média, divulgavam o emprego
medicinal de substâncias aromáticas como o açafrão, além
de óleos e ungüentos. A medicina árabe acrescentou
novos preparados de origem persa, indiana e oriental.
Dentre as drogas desconhecidas pelos autores gregos
que foram absorvidas pela medicina medieval
destacam-se a cânfora, a cássia, a sena, a noz-moscada,
o tamarindo, a canela e o cravo.
O impulso humanista para a observação direta,
 valorizando a experiência individual com o forma de
conferir a autenticidade de textos antigos, teve sua
expressão mais impressionante na história natural do século xvi. Nesse
dominio do conhecimento, entendia-se que as cópias dos textos anteriormente
referidos tinham um caráter duvidoso. Admitindo-se que as formas das
plantas e animais não se alteraram ao longo do tempo, a observação podia
ajudar a decidir quais haviam sido, na verdade, as descrições originais. Dessa
forma, os autores humanistas seguiam as recomendações prescritas pelos
antigos. Galeno recomendara aos praticantes da medicina que se tornassem
especialistas em toda a matéria médica, examinando pessoalmente a ação
terapêutica dos remédios. Tendo realizado a observação direta, médicos,
 boticários e cirurgiões aproxim avam-se de suas fontes antigas mais bem
12 SHAPIN, Steven. preparados.12A busca pelo realismo em ilustrações botânicas, em oposição
/) revolução cientifica.  Lisboa: ao significado alegórico e função decorativa, reforçava a mensagem, explícita
Difel, 1999.
nos textos, de que a experiência pessoal era um guia mais confiável que
a autoridade.
Outro impulso em direção ao “livro da natureza” veio das tradições
hermética e alquímica já mencionadas. Subjacente a essas crenças havia a
convicção de que todas as criaturas tinham uma infinidade de significados e
 

B O T I C A S E B O T I C Á R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL 4 }

p Á c i N A a o   l a d o : Na imagem, vé-se acima : A aplicação de clisteres era


a preparação de uma teriaga. usual na terapêutica galèmca. Nesta
Esta panacéia universal contra todos imagem, que integra o conjunto de
os venenos e diversos males era painéis de azulejos oitocentistas da
elaborada por boticários sob Reitoria da Universidade Federal da
supervisão médica. Bahia, percebe-se a ambiguidade de
intenções dos personagens.
 

44 BOTICAS & PHARMACIAS

incontáveis conexões de simpatia c antipatia com outras coisas, fossem


animais, plantas, corpos celestes, números ou artefatos humanos, como
amuletos e moedas. Isso explicava a ação curativa de certas plantas. Aqui a
história natural era vista como um meio de exibir as maravilhosas sabedorias,
I HENRY, John. A revolução  arte e benevolência do Criador.13
cientifica.  Rio de Janeiro: Jorge  A de scrição de espécies botânicas eng endro u uma vasta rede de
Zahar, 1998.
cooperação internacional. No Novo Mundo, médicos, farmacêuticos,
I -I Sobre a farmácia nos  botânicos, diplom atas, viajantes, com ertian tcs c cléri gos foram em busca de
períodos do barroco, do ouro e prata, mas também de novas drogas. A matéria médica já tinha os
iluminismo e do romantismo, novos produtos exóticos vindos da índia. Garcia da Orta (1501 -68), autor do
servimo-nos de P ITA , João Rui,
-Colóquio dos simples e drogas c cousas medicinais da índia, editado em Goa, em
op. cit.
1563, era fiel ao espírito da tradição renascentista. Ao contradizer os antigos e
manifestar sua predileção pelos árabes, ele afirmava ter sido testemunha direta
de tudo o que relata, ao contrário de Galeno, que se utilizava muitas vezes de
informações de segunda mão. Escrito em português, cada um dos 58
colóquios, ou partes em que se divide sua obra, se dedica a uma ou mais
drogas, partindo de uma apresentação etimológica, antes de passar à sua
aparência, origens, preparação e uso terapêutico. Dentre suas descrições
encontram-se as da cânfora, da palma, do sândalo, da assa-fétida, do gengibre
e da babosa (aloe vera).  Como continuação ao trabalho de Orta, deve-se
mencionar o de Cristóvão da Costa, com seu tratado sobre as drogas orientais.
Tratado de las drogas e medicinas de las índias Orientais  (1568). A prioridade na
descrição de vários simples  da América coube aos portugueses. Basta citarmos
os viajantes Pero de Magalhães Gandavo (?-i57ó), Gabriel Soares de Sousa,
autor do famoso Tratado descritivo do Brasil, os missionários José de Anchieta
( I 5 3 4 -   97 ) e Fernão Cardim (1549-1625), que dão notícias sobre doenças,
árvores e ervas medicinais do Brasil.Todos participam do mesmo influxo
cultural. Com exceção da obra dos físicos holandeses vindos com Maurício de
Nassau (160 4-75), Guilherme Piso (1611 -78) e George Marcgraf
(1611-48),  História natural e médica da índia Ocidental, os primeiros tratados

Transformações no século da Razão novo conceito de elemento químico, ajudaria denominações antigas, como o “ácido
No século da Razão, cuja obra mais famosa, a enterrar a milenar teoria dos quatro vitriólico" e as "flores de zinco", se
a Enciclopédia  de Diderot e D'Alembert, louva elementos fundamentais da natureza: terra, transformaram em ácido sulfúrico e óxido de
as ciências e a técnica, dois campos do saber fogo, água e ar. Como salienta o historiador zinco sublimado, respectivamente.
sofreram profundas transformações com joão Rui Pita,Mum momento crucial de toda No final do século xviu e no seguinte, a nova
implicações diretas para a arte farmacêutica: essa revolução foi quando Cavendish nomenclatura química freqüentaria todo o
a história natural e a química. Cari Lineu (1731-1810) combinou o “ar inflamável" com saber farmacológico. Contudo, os trabalhos
(1707-78), em Systema naturae   (1735), o “ar desflogisticado” para obter água. Após químicos não seriam, inicialmente, tão
apresentou uma classificação binominal se debruçar sobre o problema da combustão animadores, já que não dariam respostas
baseada nos órgãos reprodutores de animais e apresentar o oxigênio, como elemento mais adequadas que aquelas alcançadas pela
ou vegetais, que tornou possível organizar fundamental nas reações de combustão, farmácia galênica. O isolamento de
um catálogo coerente do gigantesco afastando a teoria do flogisto, Lavoisier abriu princípios ativos a partir de drogas vegetais
inventário de ambos os reinos. No campo da espaço para a revisão de toda a começa no início do Oitocentos.
química, Lavoisier (1743-94) é o nome mais nomenclatura química. Com Fourcroy
notável de toda uma geração que, ao criar o (1755-1809) e Bertholet (1748-1822), as

a c i m a : Cari Lineu criou a base de PÁGINA AO LADO, AChMA: Em SCU PÁGINA AO LADO, ABAIXO: Em I772,
classificação binomial usada ainda Erário mineral, publicado cm 1735, Marquês de Pombal promoveu
hoje na sistemática. o cirurgião português Luis Comes importantes reformas na Universidade
Ferreira faz um relato de 35 anos de Coimbra.
de experiência terapêutica na região
das Minas, sintetizando os saberes
erudito e popular.
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 4 5

" E R Á R I O

MIN LR
d i v i d i d o   e m   d o z e
A L
T K A I' A D O S.
 DLDlCMHr. f. OFFERECIOO
 A’ PURÍSSIMA, E SERENÍSSIMA VIRGEM
N O SS A S E N H O R A ^
DA CONCEYCAO.
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Li:is GO M HS FE RRF YRA ,
Gntrghõ apprcrjado rutural J a  VilU de S. Tcdro dc 
,

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 I.

LISBOA OCCIDENTAL.
N» Ciiu d c M I C U E L R O D R I G U E S , } '
ImpfclTof do Senhor Parares . »'
m ;*x \\Y' 
tcd.u j í   iicençAS lucefiaridi»
'• J
médicos em língua vernácula sobre as patologias que afligiam os habitantes O uso das galinhas no tratamento
locais datam dc fins do século xvn e início do xvin. Simão Pinheiro Mourão, de doenças
O Marquez de Pombal, do Conselho de Estado. 
médico c cristão-novo, escreveu o Tratado único das bexigas e do sarampo 
Faço saber à Junto de Administração da Real 
'(t 68J) . João Ferreira da Ro sa descreveu uma epidemia de febre amarela - a Fazenda da Capitan ia do Rio de Janeiro que 
qual denominou bexigas - no Tratado único da constituição pestilencial de  havendo assentado em conferência dc Médicos 
 Pernambuco (1794). Miguel Dias Pimenta, cirurgião e mascate, estudou uma e Cirurgiões no Hospital Militar desta Corte na 
conformidade do que se achava determinado no 
patologia então muito disseminada e hoje desaparecida, o maculo ou mal dei 
v . • • t W  Hospital Real desta Cidade a respeito do 
culo, na obra  Noticia do que ê o achaque do bicho (1707). alimento que se deve ministrar aos Enfermos 
Os boticários compulsaram, no Brasil colonial, além de um grande depois de ser conhecido por sérias reflexões e 
número de transcrições manuscritas de receituários diversos, a obra impressa multiplicadas experiências e pela prática de 
todas as nações civilizadas, que 0 uso das 
de Garcia da Orta e as já referidas  Polianteia medicinal  c  Farmacopeia 
Callin hos para aquelle feito era huma 
Ulissiponense,galênica e química.  Outras farmacopéias importantes, antes da preocupação quimérica insubsistente e athé 
Reforma pombalina, foram a  Farmacopeia lusitana (1704), do cônego Don contraditório dos princípios cm que se fundava  
Caetano de Santo Antônio, que teve outras três edições, ainda no século xvni, Pois que confessando-se que os enfermos e os 
febricitantes devião sustentar-se em 
e a farmacopéia Tubalense quimico-galência  (1736), do boticário Manuel
mantimentos tênues e de digestam fácil se lhes 
Rodrigues Coelho (1687-?). No século xvni, o verdadeiro século das ministrava na substancia mesma da g allinha 0 
farmacopéias, o cirurgião português Luís Gomes Ferreira participou da fomento da me sma febre.
grande corrente migratória que se dirigiu às Minas. Em sua obra,  Erário  El Rei Meo Senhor 0 mandou etc. Lisboa.
19 de julh o de  1775.
mineral , publicada em 1735, reúne, num estilo muito próximo ao de Curvo
Semedo, o relato de todos os segredos dc sua longa experiência terapêutica dc
quase 35 anos, em que aparece vivamente uma síntese dos saberes popular e
erudito. Em todas essas farmacopéias encontramos inúmeras fórmulas
medicamentosas, mais ou menos mágicas: pós de múmia, pós de víbora, pedra
de bezoar (concreção extraída do estômago de certos animais), raspadura de
unicórnio, triaga de esmeraldas. Todos tidos como poderosos remédios que
 

PHARMACOPEA 
LUSITANA
 A U G M E N T A D A 
MÉTHODO PRATICO f 

DE P R E P A R A R OS M E D I C A M E N T O S
na fornia Galcnica, e Chimica
*
P O R ‘

D. CAETANO DE S.ANTONIO,
C O N E G O R E G U L A R D E S. A G O S T IN H O ,
 Adminijlraãorda Botica do Real Mo/lelro 
de  S. i ed
cn
tV   eFàra.

■Q U A R T A E D I Ç A Õ.

 A

LI SBOA: M.DCÇ.LIV.

No   Moíteiro de S. Vicente de Fóra»Camara B.eal de


Sua Mageilade Fideliffima»
C o i T l t o d a s a s Ü c e n r n s np rp .iT /irr/i o 0 T? 
 

BOTICAS E BOTICÁ RIOS NO BRASIL COLONIAL “

“obrão por virtudes c qualidades ocultas e que obrão por simpatia e \ I

antipatia”. Nas caixas de botica do viajante naturalista Alexandre Rodrigues • - ' ' ' <
Ferreira (1756-1815), em missão científica ao Brasil, incluía-se o sal de  A F A R M A C O P É A 
 víboras. Isto é, já cm fins do século xviu se empregavam pós-viperinos obtidos .. LISBONENSE
cortando em pedaços miúdos, corpos, corações, ligados de víboras, que ou
depois eram secos e reduzidos a pó sutil. Delas contavam também olhos de COLLECÇ' O i '   —
\ * 
caranguejo, almíscar oriental e triaga. Dos Simpüces, Prepaiácoes, et?oir.
No contexto da chamada ilustração portuguesa, reforçada com a pofiqSes mais .ciécazcs,
e do maior u!o.
chegada de d. José 1 (1 714 -7 7 ) ao trono c pela reforma da Universidade de r o R  k A 
Coimbra de 1772, promovida pelo marquês de Pombal (1699-1782), houve f t A N O E L J O f. QL T. M H E N R I Q U E S

uma reviravolta na orientação dos estudos médicos em Portugal. O galenismo - D R P AIVA / 7 / - J    0 

cede terreno à iatromecânica de Boerhaave c à influência do médico inglês MEDICO.


Tliomas Sydenham, partidário do uso de ferro, quina, antimônio, mercúrio,
açafrão, jalapa, assa-fétida, entre outros purgantes e diuréticos. Em 1794,
foi publicada a primeira farmacopéia oficial portuguesa, denominada
 Pharmacopcia geral para 0 reino e domínios de Portugal.  Dona Maria 1a L I S B O A  
promulgou em alvará que tornava obrigatório haver um exemplar em cada NaOí í::n» de F :,4f?:.d a Silva e j, v

 botica ou drogaria. Seu autor, professor de matéria médica e farmácia


Francisco Tavares (1750-1812), posteriormente físico-mor, redigiu várias
obras científicas. Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1828),
 boticário, com carta desde 1770 e médico pela Universidade de Coimbra,
em 1781, um dos maiores divulgadores da ciência moderna em Portugal,
membro da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, publicou a  Farmacopéia 
lisbonense ou coleção dos símplices, preparações e composições mais eficazes, e de 
maior uso  (1785). Outra obra do período foi publicada pelo mesmo
Henrique de Paiva, a partir das anotações deixadas pelo primeiro professor
de matéria médica e farmácia da faculdade de medicina de Coimbra após
a reforma, Francisco Leal (1744-86), denominava-se  Instituições ou 
elementos de farmácia   (1792).
Bernardino Antônio G omes (176 8-18 23) , médico e cirurgião da
 Armada Real, embarcou em Lisboa, para o Brasil, em 1797, onde permaneceu
durante quatro anos e meio. Destacou-se por suas atividades em diversos
ramos da medicina. Em farmacologia pesquisou no domínio da química
analítica da época. São exemplos de suas investigações: a ação da romeira-
 brava e de outras plantas verm ífugas e; a descoberta da cinchonina, o primeiro
alcalóide extraído da casca da quina. Ele começou a dedicar-se ao estudo da
 botânica em sua primeira estada no Brasil, onde realizou observações
terapêuticas sobre 16 espécies de plantas brasileiras. Desses estudos
resultaram as memórias  Sobre a ipecacuanha fusca do Brasil   (1801),  Sobre a 
canella do Rio de Janeiro  (1798) e  Sobre a virtude tenifuga da romeira.

p á g i n a   a o   l a d o : Publicada antes da acima : Um dos maiores divulgadores


reforma pombalina, em 1704, a da ciência moderna em Portugal, o
Farmacopéia lusitano  teve grande boticário e médico Manuel Joaquim
importância na época, contando com Henriques Paiva publicou, no contexto
outras três edições que seguem, da da chamada ilustração portuguesa, a
mesma forma, padrões das farmacopéias Farmacopéia lisbonense.  em 1785.
da época: reunião de fórmulas
medicamentosas galênicas e químicas.
 

6 .)

O cozinheiro do médico e sua botica

No contexto europeu, durante todo o período que


compreend e o Império luso-brasileiro, médicos cirurgiões
e boticários diplomados formavam uma ínfima proporção
de uma vasta comunidade terapêutica. Ocupando
formalmente o ápice da pirâmide profissional, as três
categorias, além de concorrerem entre si, mantinham um
pendor regulamentar e vigilante sobre as atividades dos
curadores especialistas em doenças dos olhos, cálculos
urinários, hérnias etc. No campo, onde os diplomados
eram raríssimos, padres, comerciantes de panacéias,
herboristas, parteiras, magos, feiticeiras e charlatães agiarr
com bastante liberdade:
 A autorid ade dos médico s diplom ado s era
ainda embrionária, geralmente os próprios pacientes ou terapeutas populares
tentavam curar as doenças graves ou mesmo de resolver os problemas de
caráter cirúrgico. Não se respeitava a hierarquia legal. Junto ao leito do
paciente, parentes, amigos e curiosos não se incomodavam de criticar o
médico, propor outro tratamento ou sugerir o nome de outro prático mais
eficaz para o caso. As divergências sobre as origens das doenças eram
consideráveis. Deus, feiticeiros e astros contavam tanto quanto as causas
naturais. Os remédios iam da oração à purga ou à sangria, passando pelos
exorcismos, fórmulas mágicas, talismãs, ervas, minerais e substâncias de
origem animal. Para um mesmo fenômeno, os pacientes invocavam
explicações múltiplas (a intervenção divina não excluía a ação de causas
naturais) e se sentiam livres para chamar todo tipo de terapeutas.
 A influência dos méd icos licen ciados sobre os gove rnantes não se
mostrava sempre eficaz para garantir a regulamentação. Nenhum grupo
alcançou o pretendido monopólio do diagnóstico ou tratamento. As práticas
médicas mais diversas coabitavam, gerando muitos atritos. Empíricos ou
curandeiros da moda podiam quase sempre contar com o apoio de alguma
autoridade nas cortes européias ou em cidades menores.
15 Para a composição desta parte do texto Entre os agentes envolvidos com as práticas de cura, os boticários
servi-me, cspecialmente, do excelente livro
ocupavam uma posição bem definida na hierarquia profissional. Os historiadores
de Vera Regina Beltrão Marques.  Natureza 
em botões. Medicina e boticários no Brasil   da farmácia'5que estudaram sua origem asseveram que, desde a época de
setecentista. Campinas: Ed. Unicamp, 1999. Galeno, os médicos romanos se valiam de auxiliares na preparação das poções

acima : Durante todo o período p á g i n a   a o   LAOO, a c i m a : A medicina p á g i n a   a o   l a d o , a b a i x o : Nesta típica


colonial, os doentes eram atendidos árabe teve grande influência na ilustração do século xiv, a representação
em casa. Apenas os indigentes iam formação da medicina portuguesa. baseou-se em relatos prévios e não na
para os hospitais. Nesta ilustração de um manuscrito observação direta. Em Portugal, Garcia
do século xv do Cânon de Avicena, da Orta inaugura, no século xvi, no
são representadas várias práticas Colóquio dos simples, o estudo
higiênicas e terapêuticas, tendo uma detalhado das plantas medicinais, fiel
farmácia no primeiro plano. ao espírito renascentista.
 

BOTICAS E BOTICÁKIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 4 9

medicamentosas. Essa prática denominava-se


 pharmaceuiae.  Os médicos que se dedicavam, então, à
produção dos remédios eram denominados pharmacopoei.
 A matéria-prima usada em seu preparo era adquirida aos
rhizotoiiies  (Grécia) ou herbarii   (Roma). Adiante vieram
os pliannacopoles, que vendiam as preparações de porta
em porta - circulalores  —ou em lugares fixos —sellularii. A
partir do século viu os árabes iniciam uma lenta divisão
do trabalho do médico, com a separação das atribuições
específicas dos que cuidam dos doentes, diferentes
daqueles responsáveis pela obtenção e preparação dos
fármacos. Foi em Veneza, a maior cidade comercial da
Idade Média, que se tornou hábito distinguir o droguista
com o título de apothicaires  (guardiões de reservas). Essa
cidade acumulava grandes provisões - apothecai  - de drogas trazidas de
Bizâncio e do Islã. Nas cidades italianas no século xiu, a farmácia laica surge no
contexto do aparecimento de novos mercados, aumento da população citadina e
enriquecimento da burguesia mercantil. Assim, o apothicaire, que teria libertado
o médico do trabalho manual, visto como degradante, torna-se mediador entre o
médico e o comerciante de especiarias. Ficou reservada ao médico a tarefa de
diagnosticar, prescrever e acompanhar o tratamento do doente, de acordo com
o aprendizado doutrinal, feito a partir dos textos canônicos escritos em latim.
Essa arte liberal, isto é, condizente com o status de homens livres, tinha
supremacia em relação ao trabalho de preparo e venda do medicamento.
No século xvi, a formação das Ordens de São Cosme e Damião formalizou a
inspeção regular nos estabelecimentos de preparo dos medicamentos.
Em Portugal, no século xv, os boticários participavam das
procissões ocupando o terceiro escalão, ao lado dos merceeiros e especieiros.
Nas corporações, dividiam a bandeira de São Aliguel com livreiros,
confeiteiros, caixeiros, azevinheiros é membros de outros ofícios mecânicos.
0 regimento dos boticários, de 26 de agosto de 1497, explicita a posição
subalterna desses com relação aos médicos. Os físicos deveriam supervisionar
o preparo de todas as mezinhas que contivessem ópio, electuários, pílulas e
trociscos. Aos boticários cabia prensar e misturar as drogas previamente
selecionadas e pesadas pelos doutores.
 

5 0 BOTICAS Sr P H A R M A C I A S

 À exceção do breve período que se seguiu à Carta de Lei de 22 d


abril de 1449, passada pelo rei d. Afonso v (1432-81), num momento em q
a peste flagelava Portugal, na qual se concedia aos boticários todas as honra
privilégios de que então gozavam os físicos e cavalheiros, o ofício exercido
pelo “cozinheiro do médico” manteve-se a este subordinado. Já nas
Ordenações Filipinas, de 1603, os boticários encontravam-se confundidos
com outros oficiais mecânicos. Boticários, barbeiros, parteiras, algebristas,
cristeleiras (aplicadoras de clisteres) oficiavam uma arte mecânica, servil e
ministrante, ao passo que o físico, de formação dogmática e doutrinal, possi
honras de nobres, com direito a homenagens e uso de armas e sedas —
ornamentos simbólicos distintivos da imagem pública do valor nobiliárquict
No mundo da Colônia, entretanto, a imposição das linhas
hierárquicas entre físicos, cirurgiões e boticários mostrava-se totalmente
inoperante. Quando aplicadas, recebiam queixas dos representantes da Co
em nome da realidade colonial. O exercício da medicina no Brasil, até a
criação da Junta do Protomedicato no reinado de d. Maria 1 (173 4- 18 16 ),
1782, era facultado somente a físicos e cirurgiões portadores de um atestac
de habilitação, e licenciados pelos comissários das duas autoridades média
reinóis, o cirurgião-mor e o físico-mor. Esses representantes diretos do poc
real residiam, de início, somente nas povoações maiores, mas a partir do
século xviii os regimentos sanitários passam a ser mais observados, com a
presença de comissários em um número maior de cidades e vilas.
Os físicos atuavam como médicos da Coroa, da Câmara e das
tropas nas principais cidades e vilas, sendo numericamente pouco expressi
No século xviii, em cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, somen
três ou quatro físicos exerciam suas atividades. Eles eram responsáveis pele
exame, diagnóstico e o receituário para os pacientes, e aos cirurgiões cabia
ofícios manuais, considerados socialmente inferiores, que exigiam o uso de
[O presente alvará vem coibir a]
“(...) desordem, com que nas boticas de meus  
reinos, e domínio s sefa ze m as preparações, e 
composições, por falta de uma farma copéia,  
que sirva para regulamentar a necessária  
uniformidade das ditas preparações, e 
composições; e sendo certo, que sem que haja  
esta uniformidade, é impossível que a medicina  
se pratique sem os riscos de vida, e saúde de  
meus fié is vassalos, deixando-se à vontade,  
e capricho de cada um dos boticários  
adotar diferentes métodos de compor e  
preparar remédios..."
Alvará de d. Maria 1, em que se promulga a
Farmacopéia geral para 0 reino e domínios de  
Portugal  (1794), apud  MARQUES, Vera
Regina Beltrão. Op. cit. pp.77-8.
 

B O T I C A S U B O T I C Á R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL

ferros de lancetas, tesouras, escalpelos, cautérios e agulhas. A atuação dos


cirurgiões estava restrita às sangrias, à aplicação de ventosas, à cura dc feridas
e de fraturas, sendo-lhes vetada a administração de remédios internos,
privilégio dos médicos formados em Coimbra. A criação das escolas dc
medicina, cm 1808, veio romp er com essa prática de cerceamen to, feita pela
metrópole, possibilitando a form ação de médico s no país. Apena s em 1826 o
corpo docente das escolas médicas passou a controlar a emissão de diplomas
para 0 exercício da medicina.
Os físicos e cirurgiões, cm sua maioria cristãos-novos de origem
 judaica, não ocupavam uma posição de relevo na sociedade até a metade do
século xvi 11, quando, já formados em universidades européias e membros de
academias literárias e cientificas, passaram a alcançar uma posição mais
privilegiada.Trabalhavam muitas vezes de graça e seus ganhos financeiros não
eram igualmente vantajosos, fazendo com que muitos desses profissionais
saíssem cm busca de clientes em outras localidades. Adotavam, para orientar
suas receitas, as farmacopéias européias, destacando-se os tratados de plantas
medicinais e as coleções de receitas de Garcia da Orta e de João Curvo Semedo.
Os barbeiros, além dos cortes de cabelos e das barbas, praticavam
sangrias, aplicavam ventosas, sanguessugas e clisteres, faziam curativos,
arrancavam dentes etc. Da mesma forma que os boticários, os barbeiros
necessitavam da Carta de examinação para habilitá-los ao exercício de seu
oficio. Os barbeiros geralmente eram portugueses e castelhanos, muitos deles
cristãos-novos, sendo que a partir do século xviii   já se incluíam negros e
mestiços nesse oficio.

PÁGINA AO LADO, À ESQUERDA! Poullinio   PAGINA AO LADO. ABAIXO! O Estado : Os barbeiros negros se
a c im a

cupana. vulgo Guaraná. 0 a Igreja se unem no combate à somaram aos portugueses e


feitiçaria. Nesta imagem, mulher castelhanos, a partir do século x v i ii .
acusada de sortilégio é queimada Além dos cortes de cabelos e barbas,
praticavam sangrias, aplicavam
ventosas, sanguessugas, clisteres e
faziam curativos.
 

5 2 BOT ICA S & 1‘ H A R M A C I A S

Os boticários brasílicos
 A botica foi uma das instituições ocidentais que aqui aportaram com os
portugueses. O cirurgião-barbeiro, os jesuítas e o aprendiz de boticário, que
chegaram aqui com os primeiros colonizadores, trouxeram as “caixas de
 botica” , uma arca de madeira que continha certa quantidade de drogas.
Cada “entrada” ou “bandeira”, expedição militar ou científica, no caso dos
 viajantes naturalistas, os fazendeiros, senhores de engenho c também os
médicos da tropa ou senado das câmaras municipais -
todos as possuíam com um bom sortimento de remédio
para os socorros urgentes.
 At é prin cípios do Império , os barbeiros
concorreram com as boticas no comércio das drogas,
suas lojas venderam mezinhas, aplicaram, alugaram
ou venderam sanguessugas, ou bichas, e manipularam
receitas. Nos tempos coloniais existiram poucas
 boticas. Os jesuitas e os hospitais militares tinham
as únicas com que muitas vilas e cidades podiam
contar. Os boticários eram oriundos geralmente de
famílias humildes *e‘obtinham seus conhecimentos
nas boticas tornando-se ajudantes e aprendizes
de um encartado. Para a obtenção da Carta de
examinação, que lhes possibilitaria o exercício do
oficio, submetiam-se a um exame junto aos comissário
do físico-mor do reino. Alguns alcançavam bons
resultados financeiros, pois conseg uiam constituir
uma grande clientela, tendo em vista o fato
de serem numericamente insuficientes para o
atendimento da população.
Em fins do século xvn, algumas boticas já tomavam a aparência
das boticas do reino. Situadas nas principais ruas, ocupavam dois
compartimentos. O boticário e sua família residiam nos fundos.
Num cômodo ficavam as drogas expostas à venda. Sobre as prateleiras
de madeira viam-se boiões de boa louça, e potes com decorações
artísticas continham pomadas e ungüentos; frascos e jarros de vidro
ou de estanho, etiquetados, guarneciam xaropes e soluções. No outro
cômodo, estava o laboratório da botica. Mesa, potes, frascos, balança,
medidas de peso (quartilho, arrátel ou libra, canada, onça, oitava,
escrópulo, grão), copos graduados, cálices, botijas, cântaros, funis,
 bastões de lou ça, alm ofarizes, alambique, destiladores, cadinh os,
retortas, panelas, tenazes e uma edição da  Polianteia medicinal , de Curvo
Sem edo - essencial para preparar a mezinha receitada por um físico,
ou cirurgião, ou padre, ou curandeiro.

: Painéis de azulejos
a c im a p á g i n a  a o   l a d o ; a c i m a : Potes p á g i n a  a o   l a d o .abaixo :
oitocentistas da Reitoria da para maceração. Vasilhames para armazenagem de
Universidade Federal da Bahia. substâncias farmacêuticas.
 

BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL C O L O NI A L 5 3

0  primeiro boticário a trabalhar no Brasil foi contratado por Tom é


de Sousa. Ele recebia 15 mil réis por ano para cuidar da caixa de botica.
Fugindo da Inquisição, a maioria dos boticários que aqui aportaram, nos
séculos xvi e xvii, eram cristãos-novos, de origem judaica, como Luís Antunes,
que possuía uma botica em Recife, em frente ao hospital da Misericórdia,
e Gaspar Rodrigues, estabelecido na capitania da Paraíba , em 1595.
Os cirurgiões que formavam a maior parte dos profissionais de saúde também
atuavam como boticários. No século xvni, como os boticários não tinham
formação em química farmacêutica, os droguistas passaram a controlar o
preparo e o comércio dos preparados químicos, como sais, tinturas, espíritos,
extratos e várias preparações de mercúrio. Dessa forma, os Vallabella,
droguistas italianos radicados em Lisboa, enriqueceram enviando drogas para
0 Rio de Janeiro e a Bahia. Uma importante fonte de renda para os boticários
era 0 fornecimento para naus de guerra e fragatas. Não se mediam esforços
para conseguir das autoridades essa mercê. A preparação de caixas de botica,
 bem sortidas para tropas o u em socorro a capitanias com epidemia s, podia
render boa soma aos boticários brasílicos. Em função da possibilidade de
ganhos que o monopólio da fabricação e comércio de remédios lhes garantia,
os boticários foram acusados de zelarem mais pelos próprios interesses que
pela saúde de seus semelhantes. O conde de Resende os acusava de utilizarem
“ (...) vegetais e drogas já corruptas, conservando-as enquanto não lhes dá saída, 
a fim de não perderem o lucro das que mandem vir do Reino por alto preço, 
talvez já em mau estado  (...)” Eles seriam igualmente 'dão ignorantes quanto 
maliciosos, não tendo aqueles remédios que constam das receitas que devem 
 prontificar, ou os não ajustam às composições, ou os substituem por outros 
indiferentes quando não são mais perniciosos" .16 I  Apud  M ARQ UES, Vera
Entre 1707 e 1749, 89 boticários prestaram exames no Brasil. No Regina Beltrão, Op.cit.,
pp. 198-9.
período de d. Maria 1, foram registrados 14, ao passo que no período joanino,
isto é, entre 1808 e 1821, 148 boticários foram examinados pela fisicatura-mor.
Em suas boticas jogava-se e conversava-se muito. Spix c Martius, em suas
 viagens pelo Brasil, observaram que nos cafés e em certas boticas se reuniam, de
portas cerradas, sociedades particulares para se entregarem apaixonadamente a
 jogos de cartas e de dados. N o século xvni, discussões políticas ou religiosas,
além de simples confabulações, ocorriam nesses locais. Vários boticários que
eram membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro usavam o espaço de
suas boticas para reuniões em que se discutiam temas proibidos. O boticário
 Amarantc abrigou os inconfidentes, no Rio de Janeiro, em 1794. A devassa
promovida pelo conde de Resende informou que nesses lugares liam-se os
autores iluministas que pregavam ofensas à religião e rendiam homenagem ás
idéias republicanas vindas da França. Não havendo imprensa, as boticas
tornavam-se um dos poucos espaços para a divulgação das idéias que viriam a
ameaçar 0 próprio estatuto colonial, abrindo os caminhos que levariam à
Independência. Mas aqui já estamos nas portas do século xix.
 

Farmácia e farmacêuticos
no Oitocentos
>)  As transformações culturais e   )) A terapêutica: da fase heróica 
cientificas advindas da  ao ceticismo
transferência da corte portuguesa 
 para o Brasil   )) Farmacopéias, medicamentos, 
remédios e plantas 
 )) Panorama das instituições medicinais brasileiras
médicas: clínica, cirurgia, farmácia 
e medicina popular no século xix  >)  Remédios da moda 
e distinção social 
 )) A legislação sanitária e 
a higiene pública >)  As associações farm acêuticas e o 
 Primeiro Congresso Farmacêutico
 )) A formação médica e farmacêutica 
nas faculdades de medicina e na  >)  Avanços na ciência farmacêutica:  
 Escola de Farmácia de Ouro Preto o aparecimento das 
d rogas industrializadas
 )) Boticas e farmácias: 
continuidades e rupturas >)  A homeopatia e a dosimetria

>)  As farm ácias oficinais  )) A revolução pasteuriana  


como espaço de sociabilidade e suas repercussões no Brasil 
 

1 .)
Panorama da medicina e da farmácia
no século xix

 A transferência da cor te portugue sa para o Brasil, em


novembro de 1807, sob o comando do príncipe regente
d. João vi (1767-1826), em fuga das tropas napoleônicas,
é considerada justamente um acontecimento de enormes
conseqüências na história da medicina e da farmácia no
Brasil. Após breve passagem por Salvador, a comitiva real
zarpou para o Rio de Janeiro, centro administrativo da
Colônia. Em meio a uma população formada por pelo
menos 2/3 de negros e mulatos, um dos primeiros
problemas a serem resolvidos pelos recém-chegados era
encontrar alojamento para os mais de dez mil cortesãos,
formados por ministros,’ conselheiros, juizes da Corte
Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do exército,
da marinha e membros do alto clero. Nunca, até então,
a cidade do Rio de Janeiro experimentara tantas
transformações em sua fisionomia. As numerosas litografias de Debret
(1768-1848),Thomas Ender (1793-1875) e de Chamberlain (1796-1844)
fornecem uma idéia dos tipos que perambulavam pela capital do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves. A abertura dos portos às “ nações amigas” ,
em janeiro de 1808, que beneficiou principalmente a Inglaterra, foi um dos
primeiros atos a ter forte impacto modernizador. Com a frota portuguesa,
desembarcaram uma máquina impressora, os arquivos do governo e várias
 bibliotecas que seriam a base da Biblioteca Na cional do Rio de Janeiro.
Esboçou-se, então, certa agitação cultural, com o acesso aos livros antes
proibidos, e uma relativa circulação de idéias. Além de imigrantes de várias
nações européias, que formariam uma classe média de profissionais e artesãos
qualificados, chegaram ao Brasil cientistas estrangeiros, como o naturalista e
mineralogista inglês John Mawe (1764-1829), o zoólogo bávaro Spix, o
 botâ nico Ma rtius e o naturalista francês Saint-Hilaire (1 77 9-1 8 53), que
deixaram importantes registros sobre as virtudes medicinais das plantas
nativas e preconizara m o emprego de muitas delas. Em 1816, desemba rcou
a Missão Artística Francesa. A capital concentrou ainda instituições científicas
como a Academia Real Militar, que daria origem à Escola Politécnica do
Rio de Janeiro (1874), o Real Horto (1808), mais tarde denominado Jardim
Botânico, concebido como local de aclimatação de plantas de origem africana

: Com a chegada da corte


a c i m a p á g i n a   a o   l a d o , a c í m a : Louis Pasteur p á g i n a   a o   l a d o . a b a i x o : Paulicourea 
portuguesa ao Brasil, em 1808. desenvolveu a revolucionária teoria maregravi, vulgo Erva de Rato.
instalaram-se no Rio de janeiro microbiana das doenças. Antes dele, as
diversas instituições cientificas, como causas das enfermidades eram
o Real Horto, mais tarde batizado atribuídas ao clima, desregramentos
jardim Botânico. alimentares, sexuais ou emotivos,
ou aos ‘'miasmas".
 

FARMÁCIA E FARMA CÊUTI COS NO OITO CEN TOS

ou asiática, o Gabinete de Mineralogia (1810), que depois seria


o núcleo do Museu Imperial (1818). Em 1812, criou-se o
Laboratório Químico Prático, onde eram preparados os candidatos
à habilitação profissional para as boticas, até a criação dos
cursos de farmácia (1832).

Medicina, cirurgia c farmácia


No tocante à medicina, regulamentou-se o ensino médico-cirúrgico,
com a instalação de dois cursos de cirurgia e anatomia nos hospitais
militares de Salvador e do Rio de Janeiro. Iniciava-se, assim, uma
forte tradição clínica marcada pela figura do médico de família que
atuava ora como clínico, ora como cirurgião, ora como conselheiro
higienista. A prática médica continuava essencialmente clínica. Tal como
em Paris, o principal centro de formação médica, o registro de casos, à beira
do leito dos enfermos, era a principal fonte de informações sobre o diagnóstico.
 A patologia repou sava na descrição dos sintomas próprios a cada doença.
 As causas das doença s, até o advento da revolucionária teoria microbiana das
doenças, desenvolvida por Louis Pasteur (1822-95), eram atribuídas ao
clima, aos desregramentos alimentares, sexuais ou emotivos, ou aos
“ miasmas”. Durante a primeira metade do século xix, a tradição
anatomoclinica francesa universalizou um conjunto de procedimentos
 voltados a correlacionar os sinais e sintomas com lesões orgân icas localizadas
em determinadas partes do corpo. Nesse período, entretanto, os médicos
tinham uma formação generalista.
Com a reforma do ensino médico de 1880 criaram-se novas
cadeiras clínicas. No Hospital da Santa Casa da Misericórdia e na Policlínica
Geral do Rio de Janeiro inauguraram-se as enfermarias voltadas ao ensino
de oftalmologia, clínica das crianças, dermatossifiligrafia, medicina legal,
obstetrícia e psiquiatria.
Em 1809, criou-se a cadeira de matéria médica e farmácia,
destinada à formação dos cirurgiões. Os primeiros compêndios para uso
dos alunos das Academias Médico-cirúrgicas, publicados pela Imprensa
Régia, eram traduções de tratados de autores franceses. Embora a influência
 

S 8 BOTICAS & PIIAKMACIAS

francesa tenha marcado amplamente o saber e as instituições médicas


oficiais ao longo de todo o período monárquico, convém não esquecer que o
ambiente médico era herdeiro de uma multiplicidade de práticas, conceitos
e métodos reproduzidos de modo artesanal pelas diferentes etnias
que aqui interagiam.
Circunscrita aos centros urbanos de apenas algumas províncias, e
relativamente cara, a assistência médica oficial era inacessível para quem se
encontrava à margem das confrarias religiosas ou das redes de clientclismo
promovidas pelos membros da elite senhorial, por intermédio dos hospitais
das Santas Casas da Misericórdia. Para o grosso da população brasileira,
dispersa nas vastas regiões rurais, na carência de médicos, os livros de
medicina auto-instrutivos seriam o principal instrumento de penetração da
cultura médica acadêmica. O primeiro livro do gênero a ter boa acolhida foi o
 Man ual de medicina doméstica,  deWilliam Buehan (1729-1805), traduzido por
Manuel Henriques de Paiva, em 1802. Em seguida apareceram os compêndios
de Jean-Baptiste Alban Imbert, médico formado em Montpellier, e membro
da Academia Imperial de Medicina (a im ),  Manual do fazendeiro ou tratado 
doméstico sobre as doenças dos negros  (1834) e Guia médico para as mães de 
 família (1843). Outro médico francês residente na corte, e também membro
da a i m , Louis-François Bonjean (1808-92) publicou O médico e o cirurgião da 
roça ou Tratado completo de medicina e cirurgia domésticas, adaptado à inteligência 
de todas as classes do povo   (1875). Entretanto, nenhum desses livros superaria
em popularidade o  Formulário e guia médico,  que teve 19 edições entre 1842
e 1926, e o  Dicionário de medicina popular e ciências acessórias, do dr. Pedro
Luis Napoleão Chernoviz (1812-81).

I) ICEI ONA RIO


Legislação sanitária “para inglês ver”
MEMCI.YV POPULAR
SCIENCIAS ACCESSAIÜOS  Ain da na primeira metade do século xix, ocorreram algumas mudanças
PARA USO DAS FAMÍLIAS
CittUMM I K M Iffln
significativas no ambiente médico. Em 1829, criou-se a Sociedade de
ifHpUilil • (rtluwiK In ■»Im iti, Medicina do Rio de Janeiro, embrião da Academia Imperial de Medicina
A* i w Hm  p » r » c U t m l M l l t ;
A* (lula* M«ir lu<i • a* tUaonrlMi
As acuas sslasra* « As BrssU, As Psrtacal s A* «al rss paliss.
■ sssltss iMk ada ntM siris
(1835-89). Em 1832, as duas escolas médico-cirúrgicas foram
n k x t   .% i : » i r l o transformadas em faculdades de medicina, com o direito de expedir
Via llauraa
c tiuiriuiM M
I n l r r r a la i l A S nn lr\ln
diplomas de parteira, medicina e farmácia. Desde 1826 o imperador d. Pedro 1
 já lhes havia conce dido o monop ólio dos diplomas em ciru rgia. Em 1828,
PEDRO LUIZ NAPOLEÀO CHERNOVIZ
foi extinta a fisicatura-mor que substituíra a Junta do Protomedicato como
órgão do governo responsável pela fiscalização sanitária e regulamentação
VOLt.MB PIlIMKinO

A— F das artes terapêuticas. Sangradorcs e curandeiros foram definitivamente


postos na ilegalidade. Desde a Independência, a fiscalização das farmácias
PA IIIZ
A 1100 Kit &. r CIIKII.NO VIZ
esteve a cargo das câmaras municipais, até que, finda a fisicatura, os
inspetores de saúde dos governos provinciais iniciaram a fiscalização,
que se voltava para a aferição dos pesos, exame da qualidade e estado das

n o   a l t o : N o  século xix no Brasil, as A e s q u e r d a , a b a i x o : Nas Academias pÁciNA a o   l a d o : Na imagem de


práticas mais avançadas da medicina Médico-cirúrgicas eram usadas, então, Debret, vê-se uma loja de barbeiro
dividiam espaço com métodos traduções de grandes compêndios sangrador. Muitos terapeutas
caseiros. Na imagem do viajante europeus, já o Dicionário de medicina  populares sangravam, aplicavam
Auguste Biard vê-se uma cabocla popular e ciências acessórias, de sanguessugas e propalavam todo tipo
tirando-lhe um bicho de pé. Chernoviz, teve grande importância de cura com ervas ou remédios
nos lares brasileiros. secretos, concorrendo com médicos,
boticários e cirurgiões.
 

O galenista ataca os homeopatas


Nos anos 1840, as polémicas entre
os homeopatas e os representantes dos
saberes médicos e terapêuticos acadêmicos
enchiam as páginas dos jornais de maior
circulação, como o Jo rn al do Cornm ercio.
A homeopatia tornara-se tema também
para vários artigos do periódico da Academia
Imperial de Medicina, os  Anna es dc Me dic ina  
Brasiliense,   que a denunciavam como prática
de charlatães.
No jornal O Anti-Charlalào,   publicado e
distribuído gratuitamente por farmacêuticos
c médicos da Academia Imperial de
Medicina, mantidos no anonimato por
meio de pseudônimos, a homeopatia era
exposta ao ridículo
Em suas páginas, o galenista, provavelmente
drogas, verificação d o asseio c preços das mesmas. Finalmente, em 1850,
Ezequiel Corrêa dos Santos, denunciava os
em seguida à primeira epidemia de febre amarela, foi criada a Junta abusos cometidos pela homeopatia "contra
Central de Higiene Pública. Pela lei, o diploma de farmacêutico deveria ser a indústria e os interesses dos farmacêuticos
registrado nas câmaras municipais. que as leis protegem...”. De fato, muitos
homeopatas. além de não serem diplomados
Entretanto, boa parte dessa legislação era “ para inglês ver” , como
em medicina, acumulavam as atividades
se dizia na época. Não se inspecionavam as boticas nem a venda de remédios clinica e farmacêutica, contrariando a
e drogas. Para os mais diversos males, elixires e drogas secretas de origem legislação sanitária. O Anti-Charlatão  chegava
européia, principalmente francesa, tiveram livre entrada após a abertura dos a sugerir que o homeopata francês Benoit
Jules Mure, um dos fundadores e presidente
portos. Elas abarrotavam boticas e outros estabelecimentos comerciais. Saint-
do Instituto Homeopático do Brasil, tazia
Hilairc narrou que, em 1819, em C ab o Frio, na capitania do Rio de Janeiro, uso de pito de pango, isto é, da maconha,
os remédios eram encontrados nos negócios das fazendas e víveres. Xavier cujo comércio e uso. muito difundidos entre
Sigaud (1796—1856) afirmou que era costume adquirir medicamentos para os os negros, foram proibidos pelo código de
postura de 1838. Com a criação da Escola
escravos nas casas de ferragens e instrumentos de lavoura. No  Diário de 
Homeopática do Brasil e, posteriormente,
 Pernambuco, uma loja de louças de Recife anunciava, em 1841, a venda de da Academia Médico-homeopática do Brasil
uma poderosa droga secreta, vinda da França. (1847). um grupo importante de homeopatas
Na corte ou nas províncias pululavam os vendedores ambulantes passou a defender a obrigatoriedade de
titulação pela faculdade de medicina para
de remédios secretos. A população não associava competência terapêutica
o exercício da homeopatia, dividindo os
com os diplomas oficiais, e as autoridades faziam vista grossa à multiplicidade seguidores de Hahnemann.
de anúncios que ofereciam, para os mais diversos males, remédios que Em 1851, foi criada a Academia Homeopática
prometiam curas imediatas. do Rio de janeiro, que propunha a separação
da atividade farmacêutica da médica,
 A historiador a Tâ ni a Salgado Pimenta documentou a ampla oferta
provocando mais uma dissidência no grupo.
de anúncios em que terapeutas populares, em meados do século, propalavam A partir da década de 1850, houve um
a cura de pernas inchadas, cancros, carbúnculos, moléstias dos olhos, aumento das boticas homeopáticas no
surdez, escrófulas, embriaguez e morféia (lepra). Num artigo presente no município da Corte, as quais passaram a
ocupar espaço significativo nas páginas da
periódico Archivo Médico Brasileiro,  em 1848, seu autor atestava que, na corte,
Revista das Notabilidades Projissíonacs  
a cura da bebedeira era monopólio dos curandeiros. Uma “velha do Castelo” Comer ciais e Industriaes do Rio de Janeiro ,   no
administrava um remédio composto de urina de gato e assa-fétida.  Ah nan ak Laem rnert   e nos jornais de maior
Um morador da Prainha indicava à sua clientela negra uma infusão com circulação como Correio Mercantil, Diãrio do 
Rio de Janeiro  e Jo rn al do Com mc rcio .
“fedorenta” seguida de uma purga com aloés para curar o vício da cachaça.
 

6 0 BOTICAS Í í I’ H A R M A C IA S

Na rua dos ciganos, um “ negro de An gola” também curava a embriaguez


17 Ver PIMENTA,Tânia com certa raiz que trouxera de Alinas Gerais.'7
Salgado. “Transformações no No citado  Diário de Pernambuco, a famosa coluna do Carapuceiro 
exercício das artes de curar
no Rio de Janeiro durante a
dava conta, em 1832, dos “milhares de curandeiros e curand eiras” que
primeira metade do prometiam curar da noite para o dia as moléstias mais complicadas. “ Se me
Oitocentos” . In: História,  queixo de uma dor de cabeça, surge dali uma velha, que muitas vezes também
Ciências, Saúde - Manguinhos, serve de parteira, e logo me repete uma ladainha de mezinhas para dor de
 vol. i i (suplemento 1) Rio de
cabeça, todas prodigiosas, e quer aplicar-me clisteres de quanta erva contém
Janeiro: fiocruz, 2004, pp.67-92.
o infinito reino vegetal.(...)” Os remédios mais drásticos seriam
prodigalizados pelos curandeiros, “ que alguns boticários dão sem receita de
1 facultativos, como se fosse cevada ou água de flor” (...). “A gente do povo,
HYGIENE IT Itl.lCA •
que acredita em duendes e lobisomens” , arremata o mesmo articulista, “ como
KELATORIO
não acreditará cm mezinheiros?” . Noutra crônica, em 1837, o mesmo
IIINSPECTOHUGEMLII H
YGIENE Carapuceiro ridicularizava as ações terapêuticas de “ negros boçais” , “ caboclos
estúpidos” e “velhas comadres” procura dos pela população para “ tomar
sangue com palavras”, “atalhar frouxos”, “curar nervo torto e carne
quebrada” , “ erisipelas e hidropisias” , e que em geral desprezavam
“ os medicamentos de homens que estudaram ex professo  a medicina” .

.1 Higiene pública
I »
lU nlH M
tt JAXtUO
H AC lO HA I
 A criação de uma Junta Cen tral de Higiene Pública, em 1850, não
representou o ápice do poder político dos higienistas brasileiros, como
querem alguns historiadores. Além de esvaziar o poder da Academia
 /  Imperial de Medicina, a criação daquele órgão subordinou as ações oficiais
f -V -
nos campos de saúde pública e polícia médica à pauta política e
administrativa mais geral, o que gerou queixas c lamúrias por parte
de acadêmicos e da imprensa médica da corte e da Bahia, que ecoaram até
as reformas do ensino e da saúde pública da década de 1880. A obra de
José Francisco Xavier Sigaud,  Dtt climal et des maladies dit Brêsil ou siatistique 
mêdicale de cet empire,  publicada em Paris, no ano de 1844, que almejava
ser a expressão dos trabalhos dos membros da a im , contém várias
denúncias contra as autoridades que nada faziam para proibir a ação dos
terapeutas não diplomados.
Consultados pelos ministros e pela câmara municipal, os médicos
da corte imputavam os surtos epidêmicos a toda sorte de problemas
higiênicos. Se as autoridades queriam fatos explicativos, cabia às instituições
médicas produzi-los, e nisso a Academia de Medicina foi prolífica: águas
estagnadas nas ruas; esgotos que não escoavam os dejetos humanos por falta
de declive; as sepulturas no interior das igrejas; os abatedouros em bairros
populosos; indústrias reputadas nocivas, no centro da cidade; o desprezo
pelas regras higiênicas no interior das casas, a ausência de árvores nas praças

acima : Criada 0011850. a junta Central p á g i n a   a o   l a d o : O Hospital da Santa


dc Higiene Pública era criticada pelos Casa da Misericórdia da Corte possuía
médicos por não inspecionar as boticas uma botica onde se fabricavam os
nem a venda de remédios e drogas que remédios usados pelos pacientes.
aconteciam em estabelecimentos Em suas enfermarias eram ministradas
diversos, até mesmo em casas de as aulas práticas da Faculdade de
ferragens e louçáST^ Medicina do Rio de Janeiro.
 

públicas, a ventilação insuficiente causada pelos morros


do Castelo e de Santo Antônio, a falta de bulevares;
enfim, a permanência de mangues na Cidade Nova, local
considerado pestilencial por excelência.
 A partir de meados do século xix, a irru pção de
duas epidemias alterou o padrão de enfermidade dos
séculos anteriores, com grande repercussão na
organização sanitária: a febre amarela apareceu em
dezembro de 1849, quando atracou no porto do Rio de
Janeiro o vapor norte-americano  Navarro, vindo de
Salvador. A cólera faria suas primeiras devastações
em Salvador e no Rio de Janeiro, em 1855. Am bas “ se
aclimataram” perfeitamente às condições insalubres dos
centros urbanos do império tropical, ceifando a vida de
indivíduos de todas as raças e condições sociais.
 A eclos ão de ambas as epidem ias, atribuídas alternativamente aos
“miasmas deletérios”, aos fatores meteorológicos ou ao contágio, gerou uma
imagem internacional do Império como uma região insalubre e arriscada para
o comércio. Grandes esforços foram feitos para mudar essa representação.
Desde 1828, com a criação da Inspetoria de Saúde dos Portos, as autoridades
sanitárias concentraram suas atenções nas medidas higiênicas que
respondessem aos interesses dos comerciantes c da agroindústria escravista
exportadora. Apesar das alterações da técnica sanitária, de que foram
campeões ingleses e franceses, interessados em introduzir aqui seus capitais,
seus aparelhos, suas máquinas, seus canos de água e esgoto, seus novos
' • '1 *
processos de pavimentação de ruas, somente com a vitoriosa campanha
sanitária de Oswaldo Cruz (1872-1917), na primeira década do século xx,
sob o regime republicano, a imagem de país enfermo se esvaneceu.
Outra preocupação da Junta Central de Higiene Pública foi com a difusão
da prática de vacinação contra a varíola. Desde o início do século xix,
as Juntas Vacínicas aplicavam o método desenvolvido por Edward Jcnner
(1749-1823), que consistia em introduzir o pus vacínico em individuos
sãos para conter o avanço da “ bexiga” .
 Apesa r das limitações no cam po da organização sanitária, o período
também foi marcado pelo desenvolvimento do ensino e das pesquisas sobre
a flora medicinal brasileira e pela elevação do staius do farmacêutico
e de algumas farmácias. Como veremos adiante, uma elite profissional
se organizaria em torno de sociedades e periódicos científicos, preocupando-se
com o aprimoramento das instituições de ensino.
 

2 .)

 A formação médica e farmacêutica

 A medicina acadêmica do século xix tem uma história mais


rica e complexa do que geralmente se pensa. Algumas de
suas crenças e instituições moldam, ainda hoje, a formação
e a prática dos profissionais da saúde. A França e, em
seguida, a Alemanha formaram os principais cenários
catalisadores das duas inovações que iriam revolucionar o
saber acadêmico: a medicina hospitalar, ou anatomoclínica,
e a medicina experimental. Os historiadores catalogaram
os elementos da medicina hospitalar francesa que se
impuseram tanto no cenário acadêmico quanto no exercício
profissional: auscultação, percussão, patologia tissular,
instrução clínica sistemática, autópsia e estatística médica.
 A neces sidade de aprender os métodos de
diagnósticos clínicos, particularmente o uso do
estetoscópio - criado por Laennec (178 1-182 6)
tornou necessário o ensinamento individualizado junto
ao leito do paciente, ao mesmo tempo que revelou a
inadequação do método de leitura anteriormente
dominante. Uma vez que a proficiência no manejo de
certos instrumentos se tornou essencial, o método de
transmitir ensinamentos clínicos perdeu a antiga
passividade. Para proporcionar esse tipo de treinamento
foi necessário transformar o hospital numa instituição de
ensino. Tal fato contribuiu para a convergência entre os
saberes cirúrgico e clínico, em fins do século xvni.
No Brasil, a Academia Imperial de Medicina
(1829-89) foi o principal fórum de debates sobre o ensino
médico e a saúde pública imperial e a principal trincheira voltada a
defender o modelo anatomoclínico francês e as idéias higienistas. A
transformação das academias médico-cirúrgicas em faculdades de medicina,
por meio da lei de 3 de outubro de 1832, foi obra sua. A formação médica no
ambiente hospitalar tornou-se fundamental. Não à toa o núcleo que criou a
 Academia de Medicina era formad o por méd icos que exerciam seu tirocínio
no hospital da Santa Casa da Misericórdia, que se tornou o cenário
privilegiado do aprendizado clinico a partir daquele período.
 

FARMÁCIA E FARM ACÊU TICOS NO OIT OCE NTO S () ;

No final do Império, as reformas do ensino médico levantaram


a bandeira do ensino experimental. Nesse contexto, a fisiologia experimental
de Claude Bernard (1813-78) e a patologia celular de Rudolph Virchow
(1821-1902), que viriam a produzir uma medicina de laboratório, medicina
sem doentes, estavam se consolidando no horizonte da clínica.

Ensino farmacêutico nas faculdades


de medicina do Império
 A reforma do ensino de 1832, inspirada no modelo francês, previa a
criação do curso farmacêutico junto às faculdades de medicina do Império.
 As disciplinas a serem ministradas eram divididas por três anos:
i ano: física médica, botânica médica e princípios elementares
de zoologia;
2oano: botânica médica e princípios elementares de zoologia,
e química médica e princípios elementares de mineralogia;

A Escola Superior de Farmácia janeiro. Fundada em 1884, contou com


As reformas do ensino médico, levadas a recursos do próprio Instituto Farmacêutico
cabo nos anos 1880, deram ênfase ao ensino do Rio de janeiro, angariados de seus sócios
prático e livre voltado para uma medicina farmacêuticos, droguistas e médicos. Na lista
experimental. Por meio da criação de novas das subscrições figurava em primeiro lugar o
disciplinas, institutos e laboratórios, e da imperador Pedro 11, que cedeu a velha Igreja
contratação de preparadores, conservadores de São Joaquim para nela ser instalada a
e assistentes, o ensino farmacêutico ganhou Escola, cujos laboratórios ficaram constituídos
nova face. Uma lei de 1884 exigia por material importado da França e da
conhecimentos em física, química e história Inglaterra. De acordo com seus estatutos
natural para o ingresso no curso farmacêutico aprovados em 1885, o curso da Escola Superior
e facultava aos doutores, farmacêuticos e de Farmácia seria distribuído em quatro séries
dentistas, mediante a aprovação da Entretanto, o seu funcionamento foi breve.
Congregação das Faculdades de Medicina, a Faltaram-lhe alunos e recursos suficientes. Em
possibilidade de organizar cursos livres sobre 1887 fecharam-se suas portas. O esvaziamento
as disciplinas que formavam o ensino oficial. do Instituto Farmacêutico do Rio de Janeiro
Além disso, em 1883 era criado o Laboratório e o término de sua Escola coincidiam com a
Municipal que contratou farmacêuticos por crise do Império. Na verdade, a proposta de
meio de concurso. A nova legislação favoreceu duração de quatro anos para o curso
a criação de uma Escola Superior de Farmácia, farmacêutico só se consolidou com
ligada ao Instituto Farmacêutico do Rio de a Reforma de Ensino Rocha Vaz, em 1925.

Estandarte da
p á g i n a   a o   lAOO: À d i r e it a , a c i m a : Nesta tela de Araújo À d i r e i t a , a b a i x o : Desenho da
Faculdade de Medicina da Bahia. Porto Alegre, D. Pedro 1 concede à Academia Imperial de Medicina.
Criada em 1808, por D. João vi, a Escola Médico-Cirúrgica do Rio de
Escola Médico-Cirúrgica da Bahia foi. Janeiro, em 1826, o direito de conferir
juntamente com a do Rio de Janeiro, diploma. A partir de 1832, as faculdades
transformada em Faculdade de de medicina diplomavam médicos.
Medicina, em 1832, durante o farmacêuticos e parteiras.
Periodo Regencial.
 

(' 4 B O T I C A S & P H A R M AC I A S

3° ano: química médica e princípios elementares de mineralogia,


matéria médica, sobretudo a brasileira, e farmácia e arte de formular.
Para obter o título de farmacêutico, o aluno deveria praticar, pelo
mesmo período de três anos, numa botica de um boticário diplomado.
Durante o curso ou posteriormente.
Em 1838, Manoel Francisco Peixoto, diplomado farmacêutico
pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no ano anterior, em discurso
pronunciado na Academia Imperial de Medicina, reclamava a respeito
do esvaziamento do curso farmacêutico em contraste com o curso médico.
 Ale gava que o fato de o Cor po Legislati vo do Império ter revalidado os
exames de farmácia, feitos à moda antiga, para a, obtenção do título de
 boti cário teria pro vocado uma corrida para se titularem, esva zian do os ban cos
 

F A R MÁ C I A E F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S 6^

da escola. Os farmacêuticos pertencentes à Academia Imperial de Medicina e


às associações farmacêuticas que se formaram a partir dos anos 1850
reivindicavam que as faculdades deveriam ter o monopólio da concessão
dos diplomas como forma de restringir o exercício da farmácia aos homens de
ciência de formação acadêmica.

 A Escola de Farmácia de Ouro Preto


 Além dos cursos far ma cêuticos oferec idos pelas duas únicas faculdades de
medicina no Império - a do Rio e a da Bahia em 1839 foi criada pela
 Assem bléia Legislativa Pro vincial de Minas Gerais a Escola da Farmácia
de Ouro Preto. Em 7 de setembro de 1840, foi proferida a aula inaugural pelo
médico Eugênio Celso Nogueira. Os seus dois primeiros professores foram
Manoel José Cabral, farmacêutico diplomado pela Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro que lecionou botânica e matéria médica, e Calixto José Arieira,
que ministrava aulas de química e de farmácia. As farmácias “ Arieira” , na
rua do Rosário, e “ Cab ral” , na rua Direita, de propriedade dos respectivos
lentes, eram dois dentre os estabelecimentos disponíveis para os alunos
cumprirem os dois anos de prá tica obrigatória para se titularem. Até 1883,
o diploma de farmacêutico emitido pela Escola era reconhecido só nos
limites da província mineira. Grande parte do seu corpo docente, durante o
Império, ficou constituído por farmacêuticos, diferindo nesse ponto dos
cursos ministrados pelas faculdades de medicina, em que o magistério era
exercido somente por médicos, ou farmacêuticos diplomados também em
medicina. As mudanças freqüentes de sede por que passou a Escola até finais
do século xix expressaram a precariedade e as dificuldades nos seus
primeiros anos de funcionamento. No entanto, ela sobreviveu até os dias
de hoje, sendo inco rpor ada, em 1969, como uma das unida des da
Universidade Federal de Ouro Preto.
 A partir da pro mu lgação da Primeira Constitu ição Rep ublicana,
em 1891, que propôs um sistema educacional descentralizado, o ensino
farmacêutico estendeu-se a outros estados. A estes foi concedida permissão
para organizar os seus sistemas escolares completos, o que propiciou
o surgimento de várias escolas de nível superior na área médica.
 A escassez de recu rsos para a implantação de escolas de medicina explicaria
em parte a escolha pelas escolas menores, menos dispendiosas. Em muitos
casos, as escolas de medicina se originaram a partir de escolas dc
farmácia e odontologia.

p á g i n a  a o   l a d o . a c i m a : A
Escola dc À d i r e i t a : Dependências e
Farmácia dc Ouro Preto, Minas Gerais, equipamentos da Escola de Farmácia
criada em 1839, ^0I 0 Pr,rneiro centro no de Ouro Preto, em atividade até os dias
Brasil dedicado exclusivamente ao de hoje c referência nacional. Em 1969.
ensino da prática farmacêutica. a instituição foi incorporada à
Universidade Federal de Ouro Preto.
 

3 .)
Boticários ou farmacêuticos?

Em 1875, o farmacêutico Manoel Hilário Pires Ferrão proferiu conferência


intitulada “ Da farmácia no Brasil e de sua importância: meios de p romover
o seu adiantamento e progresso” . Nessa ocasião, chamou a atenção para a
distinção que deveria ser feita entre boticário e farmacêutico. Boticário podia
ser qualquer um que resolvesse abrir uma botica e comercializar a retalho
 vários remé dios sem ter direito para isso. C ita va a F ran ça como um exemplo a
ser seguido, pois desde finais do século x v i ii   adotara o nome de farmacêutico
para designar aqueles que eram formados em cursos regulares de farmácia.
Oficina ou laboratório farmacêutico substituíram o termo botica. Acreditava
que, naquele país, a farmácia mantinha “um paralelismo de dignidade e
proficiência com a classe médica” . Pires Ferrão assinalava a importância da
farmácia como estabelecimento que lidava com a saúde, e que por isso deveria
ter um tratamento diferenciado de outras casas comerciais, no que se refere
à cobrança de impostos e jurisdição. Nota-se, assim, o desenvolvimento de
uma elite farmacêutica ansiosa cm equiparar-se aos médicos e diferenciar-se
dos outros curadores e do estigma das velhas boticas.
Entretanto, a designação de “ boticário” continuou a ser usada pela
população para se referir ao farmacêutico diplomado. Apesar de a lei de 3 de

Cirino e os boticários curandeiros precioso Formulário,  em busca de clientes. r  --------- :— '


Nas vilas do interior, era bastante comum Rapidamente passou a ser reconhecido
a figura do boticário andarilho, como o como doutor pela população assistida,
personagem Cirino do romance inocência   o que o incentivou a matricular-se na 1 I ' .........

(1872), do Visconde de Taunay (1843-99). Escola de Farmácia de Ouro Preto para


Natural do interior da província paulista e obter o título oficial de farmacêutico,
filho de um vendedor de drogas, Cirino fora conferido pelo presidente de província.
criado na cidade de Ouro Preto por um tio No entanto, em dificuldades financeiras,
que, por intermédio de contatos, conseguiu adiou tal objetivo e decidiu viajar pelos
matricular o sobrinho no conceituado colégio sertões a "medicar, sangrar e retalhar",
interno do Caraça. Com a morte do tio, sendo recebido sempre como doutor. Essa
Cirino ficara desamparado, empregando-se com certeza era a história de muitos dos
como caixeiro de uma botica, onde aprendeu boticários curandeiros que andavam pelos ^ I R I í b  »  TÍiiljflllli1 ___
a aviar receitas e a receitar utilizando um sertões garantindo sua sobrevivência e 1 ' JIlBIllll!
velho e encardido Formulário Chernoviz.  preenchendo a falta de assistência médica
Abandonando a botica de pouco movimento, e hospitalar no Império. Portadores de um
saiu a percorrer as imediações da cidade a conhecimento que se adquiria na prática
cavalo, munido de algumas drogas cotidiana, que se passava de pai para filho .
armazenadas em sua caixa de botica e do ou de mestre para aprendiz.
 

6 7

outubro dc 1832 estabelecer que ninguém po deria “ curar, ter botica, ou


partejar'’ sem título conferido ou aprovado pelas faculdades de medicina,
muitos proprietários de boticas pagavam farmacêuticos diplomados para dar
nome a seus estabelecimentos, prática que se estendeu até o século xx.
 A maioria deles era cons tituída, geralmen te, de práticos ou apenas meros
comerciantes ou cirurgiões-barbeiros que se associavam a farmacêuticos,
embora esse upo de associação já fosse proibido no regulamento da Junta
Central de Higiene Pública, de 1851. As boticas ou farmácias, mesmo nos
centros urbanos da época, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador,
Ouro Preto e Recife, acabavam funcionando como locais de assistência
médica c farmacêutica, incluindo a prescrição e manipulação dos
medicamentos c, provavelmente, a aplicação de procedimentos terapêuticos
usuais na época. Ali se realizavam sangrias, com o emprego de ventosas,
lancetas, sarjadeiras ou sanguessugas, instrumentos que se encontravam
muitas vezes à venda nas próprias farmácias. Era costume os médicos
clinicarem clandestinamente nos fundos das farmácias para escapar aos
impostos. Dependendo das circunstâncias, todo boticário ou farmacêutico
acabava se fazendo um pouco de médico, c este, por sua vez, também se fazia
de boticário ao preparar remédios por ele próprio vendidos. Logo, a
designação de boticário, no dia-a-dia, podia ser bastante abrangente.

José do Patrocínio: da farmácia ao jornalismo custeava os estudos do afilhado. Muitas diplomando-se em 1874. Para isso, obteve
0 acesso aos raros cursos farmacêuticos vezes, a vontade de ser médico era apoio de vários personagens influentes na
oferecidos pelas faculdades de medicina do transferida para o diploma de farmacêutico, corte, entre os quais o conselheiro Albino
Rio e da Bahia, e pela escola de Ouro Preto., por este ser menos oneroso. Foi o caso de Rodrigues de Alvarenga, seu conterrâneo.
era bastante restrito mesmo para quem José do Patrocínio (1854 1905), negro, filho Mas, ao diplomar-se, não tendo recursos
habitava nessas cidades. Não tendo atrativos de padre e vindo da vila de Campos para o financeiros suficientes para montar uma
financeiros para os jovens oriundos de Rio de Janeiro sem recurso algum. farmácia, acabou enveredando pelo
famílias de posição, era geralmente Conseguiu ingressar como aprendiz na jornalismo. Muitos teriam destinos
perseguido pela população de poucas farmácia do Hospital da Santa Casa semelhantes, optando pelo aluguel da cart
posses, que dependia de alguma bolsa de da Misericórdia e, depois, no curso de farmácia e exercendo outras atividades
estudo, ou do auxílio de algum padrinho que farmacêutico da Faculdade dc Medicina, paralelas para sobreviver.

p á g i n a   a o   l a d o : Imagem de n o   a l t o : Botica européia portátil À DiRfciTA:Potes, também denominado


sanguessuga, aplicada para cura dc do século XIX. boiòcs, onde eram armazenados os
enfermidades em boticas e farmácias extratos de plantas medicinais e outros
de centros urbanos do Brasil do século produtos de uso farmacêutico.
xix, que acabavam servindo como
locais de assistência médica.
 

4 .)
 Velhas boticas
COMÉRC IO E SEGREDOS

Durante o Império as boticas mantiveram um pouco da feição dos tempos


coloniais. Nelas, não eram vendidos apenas remédios. Os seus donos, como
outros comerciantes da época, moravam no mesmo prédio do
estabelecimento, nos fundos (ou no andar de cima, quando era um sobrado).

Ter serventes e caixeiros 


 E não lhes pagar o salário 
 É ser ladrão, ser tirano 
 E regra do boticário...
O Boticário: periódico crítico, joco-sério e corretivo, RJ, 1852.

18 Antiqualhas c memórias do  O historiador do Rio antigo Vicira-Fazenda,18ao se referir ao


 Rio deJaneiro. Rio de Janeiro: quarteirão das boticas situado na rua Direita, entre a rua do Ouvidor e o beco
Imp. Nacional, 1921-1927
dos Barbeiros, fala de alguns boticários que se tornaram populares, como
(separata da  Revista do Instituto 
 Histórico Geográfico Brasileiro). foi o caso de Brandão, que em finais do século   costumava vender os
x v i ii

chamados franguinhos de botica para os convalescentes, possuindo em seu


estabelecimento um arsenal de ervas e drogas e até caldo de víboras. Nessa
mesma rua, depois chamada de Primeiro de Março, instalaram-se nos anos
1870 as farmácias Silva Araújo e a Granado, importantes fabricantes de
remédios e cosméticos nacionais, sendo fornecedoras da Casa Imperial.
 Am bas tinham laboratórios próprios e tipografias que editavam revistas,
almanaques e catálogos de produtos de seus estabelecimentos que
atravessaram o século xix. Costumavam ser frcqüentadas não só por
professores e alunos da faculdade de medicina, como também por politicos
e toda a intelectualidade da época.
:,r/Y  Com a vinda de laboratórios estrangeiros para o país e
idiff/tffrri/k a crescente desnacionalização da nossa indústria farmacêutica, a Casa
Granado, como tantas outras, foi perdendo terreno no campo da produção
farmacêutica. Assim, aos poucos foi parando de fabricar vários produtos
que deixavam de ser competitivos, focando sua produção nos mais
tradicionais, como o polvilho antisséptico, que vem sendo fabricado desde
1903 e hoje se caracteriza como o produto-símbolo da empresa. Atualmente
a Granado mantém fábricas no Rio de Janeiro e em Belém do Pará, onde
também são fabricados vários outros produtos, destacando-se os sabonetes
Granado e Phebo.
 

FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS (■><■)

de 1925. A revista brasileira de medicina e 


farmácia   voltava-se para a classe médica e
atingiu a espetacular tiragem de vinte mil
exemplares, sendo distribuída peias mais
diversas regiões dos país. Em suas páginas,
além dos reclames dos produtos, eram
veiculadas matérias médicas versando
principalmente sobre terapêutica.
As dificuldades para a importação de
produtos farmacêuticos estrangeiros durante
a Primeira Guerra Mundial favoreceu as
atividades da empresa, que aumentou sua
produção. Como resultado, em 1917 a
Granado se expandia para a zona norte do
Rio de Janeiro, abrindo uma filial na rua
Conde de Bonfim - na praça Saens Pena - ,
na Tijuca. Instalada num prédio construído
especialmente para abrigá-la, essa filial
transformou-se numa marca tradicional
A drogaria Granado num ponto de encontro da elite da corte. do bairro, nela subsistindo por longos anos.
Em 1870, o português José António Coxito No inicio da República, seu sucesso No auge de suas atividades, na década de
Granado comprou a antiga Botica de Barros permaneceu inalterado. Em 1897 a empresa 1940, o Laboratório Chimico-Pharmaceutico
Franco, no centro do Rio de Janeiro. adquiriu um novo prédio e nele instalou um Granado produzia em torno de trezentos
Surgia a Imperial Drogaria e Pharmacia de , bem equipado laboratório, que produzia especialidades farmacêuticas e contava com
Granado & Cia. No início, sua atuação teve várias especialidades antes trazidas da mais de seiscentos funcionários, sendo
como base a importação de produtos Europa e produtos de beleza. Nesse mesmo considerado um dos maiores da América
europeus, principalmente os de toalete, ano lançou a revista O pharol da medicina.   do Sul. Além de filiais e distribuidoras em
muito procurados pela elite chique que que foi publicada até a década de 1940 com São Paulo, Belo Horizonte, Campos,
circulava pelo centro da então capital do o mesmo objetivo de incentivar a venda de Porto Alegre e Salvador. Também contava
Império. Em pouco tempo a nova drogaria seus produtos. Além dessa revista, com representantes cm vários países
era um sucesso comercial, transformando-se a empresa passaria a publicar outra a partir da América Latina e África Oriental.

p á g i n a  a o   l a d o ; A s a l s a p a r r i l h a e ra n o   a l t o , à   e s q u e r d a : Foto de Marc NO ALTO, À DIREITA; PlStiloS


c o n s i d e r a d a u m e f ic a z d e p u r a t i v o e Ferrez retrata a Imperial Pharmacia e pertencentes ao acervo da Gran ado
tônico do sangue, além de atuar com o Drogaria Granado. A partir de 1870. u t i l i z a d a s p a r a m a c e r a ç ã o d e e r v a s.
sudorífero e estimulante comercializava produtos europeus
e se tornou ponto de encontro da elite
da corte, além de fornecedora da
Casa Imperial.
 

7 0 BO TICAS & P H A R M AC IAS

 As boticas permaneceram como importantes espaços de


sociabilidade, onde se discutiam e se planejavam movimentos políticos,
 jogava-se gamão e tomava-se conhecimento das últimas novidades.
Daí a atualidade da quadrinha: “A botica vende tudo./
 Vende da purga ao sudário./ Só não vende, por cautela, /
à língua do boticário...” .19 Não é de estranhar,
£ê£ T M S ' assim, a ocorrência de reuniões em algumas boticas,
‘ “ i«“ '•T' r. wï1 î jï
t •- ' k J L « *
iaâ asi*!
t» * i i l O , n r i nos acontecimentos qúe antecederam a abdicação de
ÍU Ú 7 : ' ILi l O d. Pedro 1, em 1831, no município da Corte. Entre
te r-

essas, destacavam-se: a de Ezequiel Corrêa dos Santos,


à rua das Mangueiras, na Lapa; a de Estevão Alves de
Magalhães, à rua dos Pescadores, atual Visconde de
Inhaúma, e a de Juvêncio Pereira Ferreira, na praça da
Constituição, atual praça Tiradentes. Ezequiel Corrêa dos
Santos firmou-se como uma das lideranças do grupo dos
liberais exaltados, tornando-se proprietário e redator
do jornal  Nova luz brasileira, entre 1829 e 1831. Em suas
páginas, anunciava sua botica como o local onde se fazia
a respectiva assinatura. Em 1835, esses boticários
ingressariam na seção de farmácia da Academia Imperial
de Medicina. Em Fortaleza, os chefes políticos locais ligados ao Partido
Conservador se reuniam, em meados do século, na farmácia de Antônio
19 EDMUNDO, Luis. O Rio de  Rodrigues Ferreira, daí o nome “ Partido da Farmácia” .
 Janeiro no tempo dos vicc-reis  Mas as velhas boticas eram também lugar onde se aviavam receitas.
(1763-1808).   Brasília: Scnado
Federal. (Conselho Editorial),
 A sua arquitetura, tão bem descrita ou mesmo pintada por alguns viajantes
2000, p. 430. europeus que aqui estiveram durante o século xix, dava uma certa aura de
mistério a esse ato quase alquímico de produzir com as mãos possiveis curas
20  Notas sobre o Rio deJaneiro  para doenças. De acordo com o comerciante inglês John Luccock20 ( ? - i 82o ),  
c partes meridionais do Brasil  
1808-1818.  São Paulo, 1942.
os seus balcões, que se assemelhavam a altares, além de todo arsenal de
 boiões, vidrarias de porcelana pintadas, expostas nas prateleiras em torno, as
diferenciavam das outras casas comerciais. Uma balaustrada separava os
fregueses, que tinham a opção de sentar-se enquanto esperavam o remédio ficar
pronto, o que lhes dava a oportunidade de conversas cotidianas. Do outro lado,
ficava o balcão-altar e o boticário que prestava atendimento. Na parte atrás do
 balcão-altar localizava-se a oficina ou laboratório, onde eram manipuladas as
substâncias no preparo do medicamento, ato não visível aos fregueses.
 A clássica aquarela pintada por Jean-Baptiste Debret de uma botica
na Corte, datada de 1825, nos mostra a figura de um freguês escravo diante
desse cenário, que revela a figura de são Miguel posta sobre o balcão-altar,
além da presença de um oratório no alto entre as prateleiras, conferindo-lhe
um ar religioso. Conforme a tradição portuguesa, são Miguel era o santo
protetor das corporações de ofícios de livreiros, confeiteiros, caixeiros e
 boticários. As boticas expressavam, assim, um com ércio que se misturava a
 

FARMÁCIA 0 FARMACÊUTI COS NO OITO CENT OS I

segredos e crenças... A comercialização dos chamados remédios secretos, dos


quais não eram divulgadas as fórmulas e cujos anúncios enchiam as páginas
dos jornais de maior circulação, alimentava essa aura de mistério que cercava
a terapêutica, na esperança da obtenção da cura.
Por meio da Tabela de remédios, instrumentos e livros, estabelecida
pela Junta Central de Higiene Pública como obrigatória e aprovada pelo Aviso  jMracfos $luiftos
do Ministério do Império de 7 de outubro de 1852, observamos o que se n Sos laüoraforio$rt
projetava para o bom funcionamento das boticas. Tratava-se de uma lista JSilua Araújo - 5
de remédios, cm sua maioria de origem vegetal, estando presentes alguns dc
origem mineral e animal. A estes se acrescentava um arsenal de instrumentos Ig g
que sugeriam um trabalho artesanal intenso com suas caçarolas, bacias,
almofarizes, grais, peneiras, espátulas, alambiques. Os formulários e
farmacopéias portugueses e franceses indicados visavam a orientar os
 boticários nos seus afazeres provisoriamente, até que fosse organizado o
código farmacêutico brasileiro. IFHAeMAOA.PRÚÍARm ESUUFTaCIO t s a w  
I ku a   11
Essa imagem das velhas boticas perduraria, com algumas RUA U i* KARÇOII

modificações, até as primeiras décadas do século xx, quando a industrialização


crescente dos produtos farmacêuticos, a pressa dos fregueses e a venda do
remédio já pronto inviabilizaram sua existência.

Tabela de medicamentos, vasilhames, goma-arábica; goma-guta; erva-cidreira; erva- areòmetros para ácidos, espíritos e xaropes;
instrumentos, utensílios e livros, organizados moura; massa das pílulas de Le-Roy; maná bacias e canecas de pó de pedra; balanças
pela Junta Central de Higiene Pública para as comum e em lágrimas; magnésia calcinada; grandes; cadinhos; campanas de vidro;
boticas do Império mirra; nitrato de bismuto, de prata, de cápsula de porcelana e de vidro; caçarolas
(aprovado pelo Aviso do Ministério do Império  mercúrio: noz-moscada; óxido de mercúrio, de folha e de ferro esmaltadas; coadores de
de 7 de outubro de 1852) de zinco; pastilhas de enxofre, de algodão, lã e linho; copos de vidro
Remédios indispensáveis: acetatos de cobre, ipecacuanha, de vichy; pau-pereira, pereirina; graduados; cuba para água; escumadeiras,
de morfina, de potassa, arsenioso; águas pomada citrina, pomada rosada; várias espátulas de ferro, marfim, osso e vidro;
destiladas de canela, louro, cerejo, de raízes; raspas de ponta de veado; resina de estufas; fornalhas: frascos tubulados; funis
melissa; água de Labarraque, água inglesa; pinho, de jalapa; Rob de Laffecteur; sementes de louça, metal e vidro; grais de mármore e
alecrim; almíscar; alcoolatos de canela, de aniz, de angelim; estrienina; sulfato vidro; grosas e limas de aço; máquinas de
alecrim, melissa composto; antimônio; aniz de quinina; terebintina líquida. fazer pílulas; máquinas de estender
estrelado; assa-fétida, açafrão oriental; (PIRAGIBE, Alfredo. Noticia histórica da  emplastros; pedras de porfirizar, peneiras
avença; bálsamos de Arceu, de enxofre legislação sanitária do Império do Brasil: desde  de crina e de seda. (Op.cit.)
simples, peruviano, opodeldoch; beladona, 1822 até 1878. Rio dc Janeiro: Typ. Universal
benjoim; caroba; cantáridas (inseto); cânfora; de E. & H. Laemmert, 1880) Livros obrigatórios:
cápsulas de óleo de copaíba, de rícino e de Pharmacopée universelle,  de Jacques-Louis
óleo de fígado de bacalhau; ceroto de Instrumentos: vasilhames; vasos de Jourdan, 1840; Nouve au formu laire magistrale, 
Galeno; ceroto de Saturno; cevada; clorureto diferentes materiais; vidros de diversas de Apollinaire Bouchardat, 1840;
de mercúrio a vapor (calomelanos); cipó- capacidades, de boca larga e estreita, e Pharmacopea geral para 0 reino e dominios de 
chumbo; creosote; digitális; dormideiras, de rolhas da mesma substância; vasos de Portugal   (1794, 1824); Traité de matière 
dulcamara; emplastros de cicuta, de porcelana ou outra louça, caixas de madeira medicale et de terapeutique,   de François Foy,
mercúrio, de cantáridas; extratos de alcaçuz, hermeticamente fechadas e latas de folhas- 1843; Código farmacêutico e farmacografia, 
de genciana, de ópio, de quina, de ruibarbo; de-flandres; alambiques de cobre estanhado de Agostinho Albano da Silveira Pinto
de salsaparrilha, de noz-vômica; flores de e de vidro, almofarizes de bronze; tubos (1846, y   ed.). (Op.cit.)
altéia, de arnica, de alfazema, de camomila, fusiformes de vidro; aparelho de lixiviação
de malva, de tília, de rosas, de papoulas; ou deslocação para tinturas e extratos;

p á g i n a   a o   l a d o : Aquarela de uma a c i m a : N o   mesmo ano da Granado à 


botica na corte pintada por Debret. A criada a farmácia Silva Araújo, com
figura de são Miguel aparece sobre o laboratório próprio. Entre as
balcão. A imagem data dc 1825. publicações da casa. está o Catálogo de 
extratosfluidos dos laboratórios Silva 
 Araúj o: segredos e química.
 

5 .)
Da fase heróica ao ceticismo terapêutico

Um dos aspectos mais marcantes da terapêutica médica no século xix refere-


se à atuação do médico diante do paciente agonizante. Atento aos sintomas
e sinais característicos, o clínico assumia uma fisionomia grave diante de
um diagnóstico que exigia sua atuação imediata e contínua revestida de
grande dramaticidade. O emprego de uma terapêutica heróica era um dos
rituais distintivos daquela medicina que rompera com a atitude expectante do
hipocratismo, mas carecia de remédios mais eficazes. Um exemplo dessa
terapêutica podemos extrair do relato que o dr. Cuissart comunicou à
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, na sessão de 13 de janeiro de 1833.
Nessa ocasião, um negociante do Rio de Janeiro procurou-lhe com certa
dificuldade de respirar. Pareceu-lhe, então, um caso de “febre intermitente
perniciosa” . O tratamento consistiu em uma-sangria, que foi realizada
imediatamente. Embora a respiração parecesse melhorar, havia o risco
de uma sincope, o que forçou o médico a estancar o sangue da veia, e
prescreveram-se “ quarenta sanguessugas do lado direito do tórax,
 vesicatórios nos joelhos e sinapismos nos pés. O estado de deglutição
não recomendava o uso de nenhum remédio oral. Em duas horas o
pneumotórax havia diminuído pela metade, mas os sintomas descritos ainda
existiam” . Ao consultar outros colegas, foi-lhe sugerido que ainda era preciso
“ repetir a sangria, aplicar sanguessugas no ânus, renovar aquelas
anteriormente prescritas para o lado direito do peito, administrar uma
lavagem purgativa e, assim que o doente pudesse engolir, fazê-lo tomar
15 grãos de calomelanos em três doses ” .
Diante de medidas tão drásticas, que freqüentemente conduziam
ao óbito, generalizou-se certo ceticismo quanto à eficácia do instrumental
alopático. O desenvolvimento da estatística clínica e o avanço na compreensão
dos aspectos fisiopatológicos das doenças vieram, ao longo da segunda metade
do século xix, a reforçar, também na literatura médica, certas dúvidas quanto
aos remédios consagrados. Apesar dos avanços da medicina experimental,
a matéria médica, base da terapêutica, permanecera praticamente inalterada.
Em alguns círculos se falava em niilismo terapêutico.  Boa parte da propaganda
homeopática se beneficiava exatamente do contraste que seu método suave
se apresentava diante de sangrias, eméticos, sanguessugas, catárticos.
Cronistas e literatos da época expressaram esse sentimento.
O carapuceiro, apesar de sempre defender os médicos contra os terapeutas
 

F A RM Á CI A K F A R M A C Ê U TI C O S N O O I T O C E N T O S
7 3

pÁciNA a o   i a o o : Imagem mostra os acima : A procissão do viático constituía


vários usos do tabaco. Um homem de um ritual sacramenta! administrado aos
nítida influência árabe traga enquanto fiéis cm artigo de morte, com certa
outro cheira rapé; hábitos também solenidade. A través do clero secular e
comuns no Império brasileiro. das confrarias e ordens religiosas, o
catolicismo am parava c confortava os
enfermos e moribundos.
 

74   BOTICAS & l’ H A R M A C I A S

populares, clamava: “ Ku tremo quando em qualquer enfermidade um


professo r passa a mão da pena para receitar” . Dur ante o perío do colonial,
os médicos, diante de um insucesso letal, geralmente responsabilizavam os
 boticários pela man ipulação de remédios cor rom pid os. N o Impé rio,
desconfiava-se, também, de um conluio entre médicos e farmacêuticos
que enriqueciam diante dos avanços das epidemias. O padre Lopes Gama
(1791 -? ) - o Carapuceiro -  denunciava a “ alquimia” descoberta pelos
 boticários de Recife. “ Folhas secas, grav etos, maravalhas, beso urin hos
(cantáridas), raspas de pau, estrume, lixo, tudo se lhes converte em dinheiro.”
 A própria competiç ão entre os esculápios em torn o da pou ca
clínica rendosa ajudava a difundir desconfianças sobre o efeito das terapias.
O autor do folhetim Crônica médica, publicado na Gazeta médica do Rio 
de Janeiro, em princípios de 1862, fazia pilhéria da extrema aflição aparecida
entre os médicos “ pelo lisonjeiro estado sanitário em que se encontra a
cidade do R io de Janeiro” .

“ Desesperados com tão prolongada adversidade, vingam-se uns dos 


outros, procurando cada um deslocar 0 colega de alguma boa casa de 
 partido, prometendo fazer o mesmo serviço mais baratinho, censurando 
as receitas do outro.  (...)”

Já cm fins daquele século, Mac hado de Assis (18 39 -19 08 ), “ lendo


nos diários alguns atestados sobre a excelência do Xarope Cambará”
e mirando os remédios “vivos e eficazes” de então, compartilhou com os
leitores de A semana a seguinte indagação: “ Por que os remédios mo rrem?” .
Ele próprio se recordava da elevada estima que em seu tempo tiveram
“ o colírio que Antônio Gom es vendia em sua casa, na rua dos Borbonos,
n° 26” , o “ rapé Grim stone” , outro bom específico para as moléstias dos olhos.
 As “ pílulas universais americ anas” , vendidas na farm ácia de Lo ur en ço Pinto
Moreira, justamente por serem universais tratavam das inflamações dos olhos,
 

FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS

r^ £Y - â

Dri. S f . m . — Meu Deus! meu Deus ! __ não vejo nos jornaes senão annuncios c mais annuncios de  xaropes, pilulas e
ítilhas  para curar a humanidade! . . . .
M o l .— E no entanto, ainda não se descobriu o remedio de que mais carece a humanidade, isto é, pilulas para curar ra-
almente ós  parlado)es barrigudos.  Dava-lhe um abraço, Dr. Ayer, se descobrisse taes pilulas.

mas também curavam sarnas, úlceras antigas, erupções cutâneas, erisipela


c até hidropsia. D o mesmo m odo, desapareceram as “pílulas catárticas do
farmacêutico Carva lho Júnior”, que cobriam igualmente amplo espectro
de doenças, com a particular idade de “ dissiparem a melancolia ” . A lista dos
remédios outrora eficazes de q ue se lembrava reunia, ainda, o “elixir
antiflegmático”, o “ bálsamo homogêneo” e o “xarope do Bosque” .
Uns tiveram uma vida longa; outros, mais breve. Como explicar então que
drogas eficazes no principio do Oitocentos fossem tidas por inúteis em
seu crepúsculo? A resposta do bruxo do Cosmc Velho é de fina ironia.
Não seriam os doentes, os médicos e os farmacêuticos que se enganaram.
Tudo se explicaria pela ação lenta da própria natureza. Mudariam os
remédios porque se alterou a natureza das doenças.

pÁciNA a o   l a d o : A sátira ao estado p á g i n a  a o   l a d o , à   e sq u e r da: acima : Charge ilustra a


sanitário do Rio de janeiro. Nos jornais e revistas do Império, o desconfiança sobre as terapias.
estado sanitário e o descontentamento No Império, desconfiava-se de
com as autoridades e a terapêutica um conluio entre médicos e
médica eram satirizados em farmacêuticos que enriqueceriam
folhetins e charges. com doenças e epidemias.
 

6 .)

Farmacopéias, medicamentos, remédios


e plantas medicinais brasileiros

 Ap esa r do esfo rço da elite dos farma cêuticos brasileiros em estabele cer uma
farmacopeia oficial, apenas em 1926 publicou-se a Fannacopéia dos Estados 
Unidos do Brasil. Assim, durante todo o século xix, ao lado de farmacopéias
lusitanas, das coleções de receitas, dos tratados de matéria médica e dos
formulários de Chernoviz c Langaard, os boticários podiam lançar mão
do Codex medicamentariasgallicus  (farmacopéia francesa oficial),
recomendado pela Junta Central de Higiene Pública. Já na República,
Pires de Almeida publicou um  Formulário oficial e magistral   (1889-92),
compreendendo cerca de seis mil fórmulas. O mais difundido compêndio
de farmácia, o  Formulário e guia médico, conhecido popularmente como
“ Chernoviz ” , nome de seu autor, continha a descrição dos m edicamentos,
suas propriedades, suas doses, as moléstias em que deviam ser empregados;
as plantas medicinais indígenas, as águas medicinais estrangeiras e nacionais;
a arte de formular e a escolha das melhores fórmulas.
Entre os médicos, botânicos e farmacêuticos que se empenharam
na pesquisa das plantas medicinais brasileiras destacam-se os professores da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Francisco Freire Alemão
(1797-1874) e Joaquim Monteiro Caminhoá (1835-96), que também dirigiu
o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e escreveu, para fins didáticos,
o  Elementos de botânica geral e médica  (1877). Ezequicl Correia dos Santos e
Theodoro Peckolt (1822-1912) tiveram papel relevante como lideranças
profissionais e científicas. O primeiro, juntamente com Jean-Marie Soullié

Chernoviz e o avanço científico na medicina pretendia, com sua obra, "difundir os bons explica o enorme sucesso alcançado entre os
e na farmácia preceitos de saúde, precaver o público contra boticários. A terceira edição, de 1852, já
Luís Napoleão Chernoviz tinha preocupação o charlatanismo, destruir os erros populares recomendava a retirada, nas receitas, das
constante com a atualização de seus a respeito da medicina, inculcar o que se abreviações e sinais referentes às dosagens,
manuais. Assim, ao contrário do anátema de deve fazer nos acidentes súbitos e ensinar o conforme regulamento da Junta Central
repositório de crendices populares que lhe tratamento de várias moléstias que podiam de Higiene Pública, decretado em 1851.
lançaram posteriormente, as edições de seus ser realizados na ausência de um médico". Ao obrigar os facultativos a escrever suas
livros eram constantemente revistas e até Constantemente revisto e ampliado, até a receitas por extenso, em português, a
mesmo novas seções eram incorporadas. sexta e última edição de 1890, o d m p c a   não autoridade pública contribuía de certa forma
Com o Dicionário de medicina popular e  apenas se apresentava como uma espécie de para apagar alguns traços simbólicos que
ciências acessórias, o autor se coloca vade mecum   do saber médico estabelecido, ainda ligavam os médicos oitocentistas aos
decididamente do lado das Luzes, e sua como tinha uma postura pioneira, físicos fidalgos do século xviu, cuja erudição
ação pode ser entendida dentro do ideal sancionando algumas inovações pouco se media pelo uso do latim e adoção de
pedagógico do lluminismo racionaiista. consensuais para a época. No Formulário e  sinais aJquímicos inacessíveis aos leigos.
Carregando o pesado fardo da civilização, ele  guia médico,   o zelo pela atualização cientifica

a c i m a : O sumo do caju era usado no página  AO l a d o , n o   a l t o : O botânico


caso de febres e, acreditava-se, também Francisco Freire Alemão (1797-1874),
fazia bem ao estômago. professor da Faculdade de Medicina
do Rio de janeiro, se dedicou
largamente ao estudo da botânica
brasileira, registrando em aquarelas
plantas de uso medicinal ou não.
 

F A RM Á CI A K F A R M A C Ê U T I C O S NO O I T O C E N T O S

(1800-79) c Jcan-Louis Alexandre Blanc (?—1869), pioneiros da indústria


químico-farmacêutica no Brasil, isolou o alcalóide “pereirina” do pau-pereira.
Deve-se a Theodoro Peckolt, que esteve à frente do Laboratório Químico do
Museu Nacional na década de 1870, o mérito de ter realizado o maior número
de análises químicas da flora medicinal brasileira. Destacam-se, na sua vasta
obra, os livros: Análises da matéria médica brasileira  (1868) e  História das 
 plantas medicinais e tileis do Brasil   (1888-1914), esta última escrita em
colaboração com seu filho, Gustavo Peckolt (1861-1923). Sua descrição da
“ doliarina”, usada como vermífugo, purgativo, depurativo e anti-sifilitico,
princípio ativo do  Fictts dolaria,  a gamelcira, dava prosseguimento aos estudos
de Martius e Freire Alemão sobre o leite da gameleira, muito usado por
curandeiros no tratamento da opilação (ancilostomíase). Fntre as drogas
indígenas que estudou, destacam-se os seguintes produtos: agoniadina,
anchietina, andirina, angelina e carobina, que iriam compor muitas fórmulas
magistrais. O médico mineiro José Agostinho Vieira de Matos (1809-75)
isolou da quina-da-serra, a “ vieirinha” . Um a auto-homenagem para um
suposto antifebril. Em 1873, a Sociedad e Velosiana pub licou os manuscritos
deixados pelo médico e botânico Manuel Arruda Câmara (1752-1810),
contendo a descrição dos vegetais brasileiros e sua aplicação à medicina.
Graças ao amplo levantamento feito pelo historiador Lycurgo de
Castro dos Santos Filho, sabemos que muitos farmacêuticos se destacaram
pelo pioneirismo na indústria farmacêutica. Além dos já citados Soullié e
 

78 B O T I C A S &• P H A R M A C I A S

Blanc, Eugênio Marques de Holanda fabricou a “ tintura de salsa, caroba e


manacá”, um depurativo do sangue e fortificante. Seu Laboratório da Flora
Brasileira produzia o afamado “ vinho ferrugino so quinado de ananás” e as
“ pílulas depurativas de velamina” , anunciados em almanaques de distribuição
gratuita. Rodolfo Marcos Tcófilo ( 185 3-19 32 ) preparou vacina contra a varíola.
 Ao lado dos med icam entos chamados officinaes (xaropes, vinhos,
extratos, tinturas, conservas, emplastros e ungüentos), cujas fórmulas se
achavam nos códigos farmacêuticos sancionados pelas leis e encontrados já
prontos nas farmácias e cujo prestígio variava de acordo com a época, os
doentes também podiam dispor das receitas magistraes.  Estas últimas eram
preparadas segundo as fórmulas de cada médico e as necessidades
especificas do paciente. Eram poções, cozim entos, colírios, pílulas, emulsões,
linimentos, cataplasmas...
Na produção dos medicamentos distinguiam-se, nas fórmulas, a
base,  isto é, o agente principal do medicamento que conteria o princípio ativo;
o adjuvante, que serviria para aumentar as propriedades ou virtudes da base;
o corretivo, cuja finalidade era enfraquecer o sabor ou o cheiro, podendo
também reduzir a atividade ou ação corrosiva; o excipiente, substância que
serviria de veículo às outras três, e, por fim; o intermédio, que servia para
tornar o medicamento miscível em água ou outro excipiente. Assim, por
exemplo, na mistura balsâmica dc Fuller:
Copaíba - 2 onças
Gemas de ovo - n.2
Xarop e de bálsamo de Tolu - 2 onças
 Vin ho bra nco - 6 onças
 

F A R M Á CI A l i F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S ~ t)

 A copaíb a seria a b ase; o xa rop e, o corretivo; as gema s de ovo,


o intermediário e o vinho branco, o excipiente.
Quanto à sua forma, os medicamentos eram classificados em
 bálsamos, cataplasm as, cáusticos, clisteres, elixires, empla stros, emulsões,
espíritos, extratos, sangrias, sanguessugas, sinapismos, vesicatórios e ventosas.
Desse arsenal,.utilizado no período da terapêutica heróica, o  Formulário dc 
Chernoviz   nos oferece uma detalhada descrição. As informações técnicas
sobre sua variada composição, formas de emprego e de manutenção são
 verdadeiras relíquias sobr e as artes méd icas da época. Folhea ndo as páginas
dessa seção, ficamos sabendo que os cataplasmas, medicamentos externos em
forma dc papas, eram geralmente elaborados com farinha de linhaça, féculas
de batata ou miolo de pão. Nos vesicatórios ou cáusticos, aplicados como
emplastros ou cataplasmas em afecções gangrenosas ou mordedura de
animais peçonhentos, visando a produzir uma secreção serosa e empolar a
pele, além de mostarda e trovisco, empregava-se freqüentementc uma papa
elaborada a partir da maceração de um pequeno inseto, a cantárida. Dentre os
tipos de ventosas - pequenos vasos destinados a fazer vácuo na superfície da
pele, com o fim de atrair sangue ao lugar em que se aplica -, um tipo
recomendado era fabricado com chifre de boi perfurado no ápice, por cujo
furo se operava com a boca a sucção do ar, sendo, em seguida, tapado com
cera quando estivesse aderente à pele. Aplicadas com o mesmo fim que as
sangrias, as sanguessugas, ou bichas, como eram popularmente conhecidas,
deviam ser aderidas a qualquer parte do corpo, à exceção das plantas dos pés
e das palmas das mãos. Nas mulheres, recomendava-se não aplicar nas partes
 visíveis do corp o (pe scoço, parte superio r do peito, antebraço e costas da
mão). Os lugares indicados eram ás membranas mucosas facilmente acessíveis
como a gengiva, a vagina e o colo do útero. Uma sanguessuga vigorosa
retirava em torno de meia onça (15 gramas) de sangue. Também com relação
a essa curiosa criatura, ficamos sabendo que nem todas eram importadas da
Europa, pois já havia lugares de criação no Rio de Janeiro. As sanguessugas,
facilmente encontradas nas lojas dos barbeiros, eram conservadas em vasos
de vidro, contendo água até 2/3 de sua capacidade e três litros serviam para
trinta delas, ou em caixas com barro úmido.
Os medicamentos eram distinguidos entre 21 tipos, conforme
sua ação específica voltada a restabelecer a harmonia ou equilíbrio fisiológico:
adstringentes, antiperiódicos, antiflogísticos, antiescorbúticos, antissépticos,
antiespasmódicos, anti-sifilíticos, calmantes, diaforéticos, diuréticos, eméticos,
emolientes, estimulantes, febrífugos, darcóticos, purgativos, sudoríferos,
tônicos, temperantes, vermífugos e vomitivos. A arte de purgar, tão complexa
e tão amplamente empregada quanto a de sangrar, exigia que o praticante
soubesse diferenciar plenamente os purgantes, segundo sua intensidade, entre
a ampla variedade de substân cias laxantes, catárticas ou drásticas - estas
últimas as mais intensas.

p á g i n a   a o   l a d o : O botânico Frei José a c i m a : Potes de Farmácia


Mariano da Conc eição Veloso foi diretor contendo tinturas.
da Oficina de Arco do Cego. criada em
1799. que editou muitas obras
cientificas. Interessado em matéria
médica, estudou as plantas brasileiras
quando aqui esteve no período joanino.
 

7.)
Remédios da moda
E DISTINÇÃO SOCIAL

 As desigualdades sociais e culturais, herdadas do


período colonial e acentuadas até o limite com a
escravidão, se refletiam também no uso dos remédios.
O acesso aos produtos das farmácias, boticas e drogarias
- muitos deles importados - era quase sempre uma
prerrogativa dos brancos ricos. Os setores subalternos,
formados pela imensa população de pobres e escravos,
contavam com remédios caseiros, fórmulas feitas
com ervas nacionais e outros produtos recomendados
ou administrados por curandeiros, mezinheiros,
 barbeiros e sangradores.
No período monárquico, os médicos brasileiros
 já reconheciam o fato de que as doenças se distribuíam
dcsigualmente entre os setores sociais. Havia doenças de
negros e doenças de brancos. Doenças de rico e doenças
de pobre. A opilação (ancilostomíase) era uma dessas
doenças amplamente condicionadas pelas péssimas
condições de vida a que estavam expostos escravos e
sitiantes das lavouras de cana ou café, como bem assinalou o dr. Cruz Jobim
(1802-78), diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em estudo
que fez sobre “as moléstias que mais afligem a classe pobre do Rio de
Janeiro’’, publicado em 1841, na  Revista médica brasileira, órgão da  . a i m

Entre a ciática, doença de cavaleiros, c a opilação, uma ampla gama


de doenças compunha o inventário de representações simbólicas que serviam
para distinguir os atributos e vícios privativos da classe senhorial do restante
dos hábitos, gestos, insígnias e estilos de vida das camadas remediadas.
 Ao lado dos tipos de habitação, alimentos, divertimentos, trajes, devoções c
gostos estéticos, as doenças e os remédios ajudavam a confirmar a rígida
hierarquia da sociedade patriarcal. O banzo e os vícios de comer terra, barro,
cinza e pó de café, o de mascar tabaco, de fumar maconha e beber cachaça
eram associados à gente de classe, raça c religião “ inferiores” . As doenças que
deles resultavam eram “vergonhosas” . As doenças venéreas, de que se
gabavam os rapazes brancos de famílias senhoriais das regiões agrárias -
lembra Gilberto Freyre -, eram insígnias que revelavam a virilidade precoce
~~ j ■ " O biólogo Louis C ou ty (1 85 4-8 4) registrou,

^ acima : Mulheres empacotam as ç AÓINA AO U4&0, ASM A* Formulário   p Ag i n a   a o   l a d o , a b a i x o : Na imagem


"pílulas r o s a d a s p a r a pessoas pálidas" de  CfiemoWzJplaAlpfamei usado por  de Debret, escravo anémico usa
(puik pillsforpalc pcople).  Estes  boti cári os c terapeutas po máscara de Flandres para não comer terra.
remédios se destinavam á aristocracia.
 

F A R MÁ C I A H F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S S i

FORMULÁRIO
OU

GUIA MEDICA
«ci coütím

A DK ü CRIPÇÍO DOS MEDICAMENTO«.


• CA > n o t s i :  \* MOLÉS TIAS EM OVE * \ o E MPR COADO*.
AS PLANTAS MCDICIXAE6 INDÍGENAS DO »RASIL.
AS AOCAS MINERA BS.
A ESCOLHA DAS MELHORES PORUCLAS,
o» STMPTOUA» E O TRATAMENTO RESUMIDO DAS MOLÉSTIAS,
i: MUITAS INSTRCCÇÔESPETEM*

P'R
í*. •
•*•
PEDRO LUIZ \ APOLE.tO BflERNOVIZ
I - "J1 j . E li U m K l * . . 1 - ' * ; 1 >' -* ' E l r u i . a . c a s i . ta

em 1883, que, ao contrário dos “homens louros e de olhos azuis”, os OITAVA EDIÇÃO
£'fora»-UufinAi oix>r>M.r) fiu»KT»li«) d«IW, •Nutlirartlnsit
negros e mestiços não se queixavam “nem do fígado, nem do baço, nem
dos pulmões”, nem morriam “dos nervos, nem de histeria”. Com o
abrandamento da escravidão, além do uso do rapé e de outros hábitos de
 brancos, acabaram se transferindo para as camadas populares e à “ gente de
cor” o direito dc ostentar doenças consideradas privativas da elite, como o PAIUZ
“ direito de ser anêm icos” , o “ direito de sofrer de reumatismo” , o “direito EM CAS A DO AUT OR 

de morrer do coração e de febre amarela” . Direitos considerados biológica RUA RATNOUAAI»,


a*»»« a» r»M t|
ti

ou naturalmente superiores. 1808

Gilberto Freyre21 observou, ainda, que foram vários os remédios


dc negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo desprezados pelos FREY RE, Gilberto. Sobrados 
“civilizados” como indignos de gente fina ou delicada. Nas áreas mais e mticambos: decadência do 
 patriarcado rural c 
requintadas em cultura européia, alimentos, bebidas e remédios caros, desenvolvimento urbano.  Rio de
importados da Europa, constituiam indícios que expressavam a ostentação Janeiro: Livraria José Olympio,
senhorial. Para essa “ gente superior de raça fina” , os remédios rústicos I 97 7 >PP-37 9 ' 4 20-
pareciam produzir maior dano que as próprias doenças. Nos anúncios de
 jornais eram freqüentcs os remédios recomendados para “ pessoas delicadas” ,
•• D *
“ fidalgas” ou “ nobres” . Isso explica por que a dinâmica da moda se instalou
na terapêutica, afetando o comércio, o consumo e o preço dos remédios.
O “Elixir tônico anti-cholérico de Guilhié”, o remédio Le Roy, indicados
inicialmente para as senhoras e os fidalgos, acabariam, depois de certo tempo,
desprezados por ambos e vendidos em garrafas só “para as roças e para os
negros” . Já em 1835, Xavier Sigaud (17 96 -18 56 ), no artigo “A moda dos
remédios ou os remédios da moda”, publicado no  Diário de saúde, comentava
sobre o término do longo reinado das sanguessugas, que chegaram a ser
importadas aos milhares por ano, e à época já não gozavam de ampla adesão.
Não apenas os remédios e drogas entravam e saíam de moda. O famoso
 Formulário e guia médico do doutor Chernoviz, que gozou de amplo prestígio
nas farmácias do Império e era apreciado pelos médicos dc então, já na
Primeira República foi duramente criticado como repositório de crendices
integrado ao universo popular de cura.
 

8 .)
 Associações farmacêuticas
NA C I D A D E I M P E R I A L D O R I O DE J A N E I R O

Na década de 1850, foram criadas duas associações próprias dos


farmacêuticos que, apesar de terem tido curta duração, conseguiram algumas
conquistas e certo prestígio no Império. Localizadas na capital, procuravam
articular-se com associações similares de outras províncias e do exterior. As
suas principais propostas giravam em torno da regulamentação do oficio de
farmacêutico a partir da promoção da melhoria do ensino, do combate ao
exercício ilegal da farmácia e da elaboração de um código farmacêutico
 brasileiro com o intuito de padron izar a prepar ação de med icamentos e sua
utilização, de acordo com as necessidades locais.
 A Socied ade Far ma cêutica Brasileira foi inau gurada em 30 de
março de 1851, sendo presidida pelo boticário Ezequiel Corrêa dos Santos.
O seu presidente, assim como outros sócios farmacêuticos, como Manoel
Francisco Peixoto e os franceses João Maria Soullié e João Francisco Blanc,
 já vinham atuando na Seç ão de Far mácia da Academ ia Imperia l de Med icina
O seu quadro de sócios ficou constituído inicialmente de sessenta boticários t  
farmacêuticos e de dez doutores em medicina, num total de setenta sócios.
Grande parte dos seus sócios farmacêuticos eram proprietários de boticas no
<8 ■NOTABILIDADES
município da Corte, e outros trabalhavam em boticas particulares ou nas dos
hospitais Militar, da Marinha e da Misericórdia, sendo alguns deles titulados
pela Faculdade de A-ledicina do Rio de Janeiro.
O periódico da Sociedade Farmacêutica Brasileira circulou entre
os anos de 1851 e 1855 com o nome de  Revista pharmaceulica e, depois de
uma interrupção, voltou, entre os anos de 1862 e 1864, com o nome A abelha. 
Esta última denominação expressava a identificação que os farmacêuticos
faziam entre o seu trabalho cotidiano nas boticas, a sua reunião em
sociedades e o trabalho coletivo das abelhas operárias, que retiravam da
natureza material para o sustento da colméia. Os que praticavam o exercício
ilegal da farmácia ou que especulavam comercialmente as drogas c remédios
« «f n m rá . i)«a
0 Blí.l«.IO
pn.ií.io M i Ú h i i 4t*t* (MN)H eram identificados como os  zangões-charlatães,  que viviam à custa do trabalhe
» *•   «*■»• tngMatl.  *1   ptll.M « put.
f«ll 0l| M«b»é 3M ^Ki;« * Ivlyu. t gc'.‘.
ESPECIALIDADES PHAllMACELTICAS
d a   p u a  n m a c i a   i : / e q u i i : l das industriosas abelhas.
O Uor U   UcUlo i r U n o  » •!« »lV>f a;r*U>tl. iip> >Ar licoi 4«
■'-** "««*• frrrr^ o»» . «»rem u ./ r « rr .. o..
 “ UM. d* cos;lf>{d •
 A» (W KI II
c í » o  J* M i ‘ « u « n u r p i
SO doo-ifc.-» 4 « 4».l» Isj C. 1>T1 I J 1  rrtp».-  Alg uns acon tecimentos dem onstravam o crédito e prestigio que
r>J** i«n M «•* Irt-jei malu ce i «m !•»!*«u l Sv ? «.   4« tpphtUUt» •
ÍUUI Mj*r^«v*hl4 • |np u*S *u <4m Uo u   t&i   tmporuiu 4> iiuu .no ,
• W o ntíto M>4 r.
O u- 1» Ac •j-.i-u • lnr>-•o;«il or », >1«C>louu:i. r*pçt*ÍJ U ki ,— U a d » U
w BnU fM i«<Hlt*4o« na j táU . tu*J<r   4« Ròuot dmkro.
a Sociedade e os seus gestores adquiriram diante das instituições médicas da
 Al ( i .u Im  r e a m « m (V«  rortii ut   nrcouoi • e*rio u Ctbrtt inUnHUcnU«.
P*    »M
U» rt ír iln . « q-u W« rnkUil.» M i » 4) lul^ílo 4« quim«« c *..» w
época. A partir de agosto de 1852, a drogaria organizada pela Sociedade
Dlt. EKM.STO FBEDEB ICO I10S SANTOS
M m i u c u u K D M o r Kt E MM O o* n t . m c i v e. i u u i l Farmacêutica passou a fornir medicamentos para o novo Hospital da Santa
Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, o que lhe garantia uma renda extra.

: Anúncio da Pharmacia Ezequiel.


a c im a p á g i n a   a o   l a d o : Exemplar do periódico
de propriedade do boticário Ezequiel  A A belha,  publicado pela Sociedade
Corrêa dos Santos, também presidente Farmacêutica Brasileira, entre 1862 e 1864.
da Sociedade Farmacêutica Brasileira, O nome faz referência ao trabalho
criada em 1851. cotidiano dos farmacêuticos.
 

FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS 83

â illiâ
PERlODICO DA SOCIKDADi: PHARMACEUT1CA
UIUS1LKIR.I
Redigido j*lo íocio contribuinte iI j   omnu
IGNACIO JOSÉ MALTA
Plurnuccutko pela Phjricatura Mór do Reino, Gívalleiro
1  da liM|xriil Ordem da nos», Membro do Instituto ,
 j   llon.mopatl.ico do Prasil, da Sociedade Ycliosiana, da (
Sociedade AusiKadora da Industria Nacional,
 J da Socicdadedo Mcdicba-Homoeopatliica dc Paris,
■ dl Scciedadc Auiilii dora da Agricultura, Commcrcio e '
v Artes da Proriocia dc S. Paulo,
 J d» CoogregaçJo Medica-lIomceopatLica Flumiacnse.
clc., etc., etc.

2/ Addo. % \.°  1«.

E.RIO DE JAAEIRO
TTPOGRAPniA - PAULA UBITO
TRAÇA DA CO.XSTtTCIÇÂO
186S

Em 1861, era formalizado o acordo entre a congregação da Faculdade de


Medicina do Rio dc Janeiro e o presidente Ezequiel Correia dos Santos para
cessão do laboratório químico-farmacêutico de sua propriedade, onde era
ministrada a cadeira de farmácia prática. A reivindicação dc criação de uma
cadeira de farmácia prática nas faculdades de medicina, dirigida pela
associação à Sua Majestade Imperial em abril de 1852 e prevista pela reforma
do ensino de 1854, agora se concretizava tendo à frente da cadeira Ezequiel
Corrêa dos Santos Júnior. Todavia, essas conquistas foram provisórias, pois
dependiam de acertos políticos.
O Instituto Farmacêutico do Rio de Janeiro, criado estrategicamente
no dia do aniversário da princesa Isabel, em 29 de julho de 1858, conseguiria
alguns patrocínios do governo por intermédio das figuras do imperador e da
princesa. Ele mobilizou a elite farmacêutica e médica em torno de suas
iniciativas, principalmente as voltadas para o ensino farmacêutico. A partir
dos anos 1870, terminada a Guerra do Paraguai, sobressaiam, entre seus
sócios, alguns farmacêuticos militares, como o alferes Augusto César Diogo,
que a partir de 1877 ficaria encarregado do Laboratório Químico-
farmacêutico, órgão do Serviço de Saúde do Exército. Como na Sociedade
Farmacêutica, cujo período áureo correspondeu à gestão do boticário
Ezequiel, que a presidiu até o seu falecimento, em 1864, a história do Instituto
foi marcada pela trajetória de seus dois mais importantes gestores (ver
anúncios dos seus estabelecimentos - Almanaque Laemmeri).
O primeiro, que exerceu o cargo durante 24 anos, o francês
Eduardo Júlio Janvrot, veio ainda criança para o Brasil, diplomando-se
 

S 4 BOTICAS St P H A R MA C I A S

Dulcamara: personagem e remédio farmacêutico em 1854 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1844, a ópera italiana Elixir de amor,   de Proprietário de botica, depois transformada em farmácia e drogaria, preparava
Caetano Donizetti (1797-1848), estreava na
e importava diversas especialidades farmacêuticas. Eugênio Marques de
capital do Império, no teatro São Pedro da
Alcântara, localizado na praça da Holanda, natural do Piauí, ocupou a presidência do Instituto de 1882 até seu
Constituição, atual praça Tiradentes. O término, em 1887. Era farmacêutico, também formado pela Faculdade de
libreto da ópera de autoria de Felice Romani Medicina do Rio de Janeiro em 1860, e proprietário de botica emTeresina e
(1788-1865) contava uma história de amor
no Rio de Janeiro, sendo que em 1881 inaugurou o Laboratório da Flora
cujo principal personagem é Dulcamara. Ele
é vendedor de um elixir do amor e convence Brasileira com a presença do imperador Pedro 11. Ambos foram farmacêuticos
o apaixonado Nemorino a comprá-lo para da Casa Imperial e pertenceram à Academia Imperial de Adedicina e a várias
conquistar a mulher amada, Adina. Crédulo associações nacionais e estrangeiras.
nas propriedades milagrosas da poção,
Entre 1858 e 1874, as ações do Instituto Farmacêutico, tal como
Nemorino não desconfia que a herança que
recebera era a verdadeira causa da súbita as da Sociedade Farmacêutica Brasileira que o precedeu, voltaram-se,
atenção de Adina. Essa sátira à figura do principalmente, para a elaboração de representações dirigidas ao governo
charlatão foi explorada pela elite imperial, denunciando as irregularidades cometidas no exercício da
farmacêutica e médica reunida na Academia
farmácia na corte. Nessas iniciativas agiam juntamente com os médicos
Imperial de Medicina, em suas denúncias à
prática dos homeopatas. filiados à Academia.
Durante o ano de 1874, quando a cidade carioca foi acometida
novamente por uma epidemia de febre amarela, o Instituto conseguiu criar
uma escola preparatória para o ingresso no curso de farmácia das faculdades
de medicina - a Escola de Humanidades e Ciências Farmacêuticas. Quando
escasseavam as verbas provindas do Instituto e do governo imperial, lançava-
se mão do beneficio teatral que consistia na apresentação de peças, cujo valor
recolhido era revertido para a Escola. Embora de curta duração, a Escola
chegou a reunir 193 alunos em 1875 no seu curso de humanidades, tendo
início no ano seguinte o curso de ciências farmacêuticas.

O Congresso Farmacêutico de 1877


Entre maio e junho de 1877, a Tribuna Phamiaceulica e alguns jornais de
maior circulação noticiavam o 1 Congr esso Farm acêutico realizado no Brasil,
nos dias 17 e 27 de maio. Entre os motivos apresentados pelo Instituto
Farmacêutico para a sua realização, destacavam-se:
O desânimo a que essa infeliz classe se tem deixado chegar, em 
detrimento de seus próprios interesses, de ciência e de saúde pública; a facilidade 
com que se contrariam direitos adquiridos; a opressão que leva essa mesma classe 
a abandonar seus arraiais para filiar-se em outras profissões. (Jornal do commercio, 
Rio de Janeiro, 21/05/1877)
Os farmacêuticos do Instituto depositavam naquele evento a
esperança de alcançar os seus propósitos de conquistar a autonomia
profissional do farmacêutico principalmente com relação aos médicos. Estes
tinham exclusividade no ensino farmacêutico ministrado pelas faculdades de
medicina e eram apontados como infratores das leis, pois compravam
 

FARMÁCIA E FARMAC ÊUTICOS NO O I T O C E N T O S '''>5

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farmácias, comercializavam medicamentos e muitas vezes ocupavam


atividades que cabiam aos farmacêuticos. O Congresso Farmacêutico teve
como um dos resultados o encaminhamento de uma petição à Câmara dos
Deputados que propunha a criação de um curso superior de farmácia na
capital do Império, desvinculado da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
e que tivesse auxílio do Estado Imperial. iVlesmo obtendo uma resposta
negativa da Comissão de Saúde Pública da Câmara dos Deputados cm 7 de
outubro de 1877, o Instituto, entre os anos de 1877 e 1882, investiu em
estudos de história natural, química e botânica com o intuito de preparar
professores para o ensino superior da farmácia.
Durante o período de transição do regime político do Império
para a República, os farmacêuticos ficaram praticamente sem representação
corporativa, embora algumas tentativas fossem feitas nesse sentido. Em 1893,
era criado o Centro Farmacêutico Brasileiro, por iniciativa do general
farmacêutico Augusto César Diogo e do farmacêutico Antônio Silva Braga.
No entanto, somente em 1916 seriam retomadas algumas das reivindicações
levantadas pelas associações durante o Império, com a criação da Associação
Brasileira dos Farmacêuticos no dia 20 de janeiro daquele ano. Presidida
pelo farmacêutico Luiz Oswaldo de Carvalho, a proposta de criação de
uma escola superior de farmácia e da elaboração do código farmacêutico
 brasileiro voltavam à cena.
Em 1926, era oficializado o código farmacêutico brasileiro intitulado
 Fannacopéia dos listados Unidos do Brasil,  de autoria do farmacêutico militar
Rodolfo Albino Dias da Silva, sócio e ex-presidente da entidade. A sua edição
foi patrocinada pela Associação, tornando-se de uso obrigatório a partir de
15 de agosto de 1929. Entre as suas realizações, merece destaque também
a promoção de congressos farmacêuticos, como o de 1922, na capital da
República e o de 1928, na capital paulista.

a c im a : Periódicos farmacôuti
 

9 .)
Da matéria médica à farmacologia

O aparecimento das drogas industrializadas se deve à


emergência da profissão farmacêutica. Ao combinar as
habilidades e competências dos boticários, botânicos e
:* * íè ss *  “ -» m à S S n *   químicos, ela permitiu o avanço do conhecimento sobre
Velepbone \"4 .)/ aixado(orreio! as drogas. Uma descoberta científica, a síntese em

^ua do'Passeio laboratório da uréia, em 1828, por Fricd rich Wõhler


^ua doPasseio,
í;- (1800-82) marcou ao mesmo tempo o crepúsculo do
 vitalism o e a história da farmácia, pois abriu as portas
para a síntese de substâncias orgânicas. A morfina,
S - * ' y ^toSSORES   OECSCHUM^N * 
 f\ ccc inu tf iti ht n ov t (u in L *" *i k* tUK\>ul<*6ucnfnc.'  C X ^ t u v de   *^icí>n ?e itfua/'  poderoso sedativo e narcótico, foi retirada do sal de ópio,
c f f e U o 6uuic<* cucejatXo/ofj tk /O tSiuM.  ^ m h c i V < am u \
•’tf/YUfi r«^«!írty,í/'(> .iPicotoí' f i*t*v t JOttu ’a  » C\«.yu\ tV (£c fcm a . c em 1817, por Friedrich Sertürner (1783-1841), a quem
. íffotiDít emynrraftistfoJ^/tcp4trri ^JoiteUf 
se atribui a descoberta da existência de drogas orgânicas
.. . C A R R E TO S p o r  c o n t a   d a  f a b r ic a   . compostas de sais com ácidos. Tais substâncias foram
chamadas de alcalóides por se assemelharem aos álcalis
inorgânicos. Seguindo o postulado de François Magendie (1783-1855), que
pregava ser mais eficaz a droga mais pura, o farmacêutico Pierre-Joseph
Pelletier (1788-1842) isolou da ipecacuanha a emetina, usada como
 vomitório. Da no z-vô mica, o vene no convuls ivo estrienina foi extraído e
indicado como tônico. A partir de então, ampla série de alcalóides foi isolada:
a quinina (1820), a atropina (1831), a codeína (1832), a digitalina (1844), a
papaverina (1848), a cocaina (1858). Com a grande profusão dos remédios
químicos, o ensino e os tratados de farmacologia eclipsaram os velhos
compêndios de matéria médica.
w Justus Von Liebig (1803-73) lançou as bases da farmacodinâmica
\ .  UM
^oV'VV  moderna ao descobrir as ações farmacológicas e químicas do organismo,
sobretudo os fenômenos metabólicos. Medicamentos de uso comum passaram
à o ^ 1 l°V o
a ser investigados, principalmente na Alemanha, para se descobrir com o
f*\f _í lsncrFSSOBtf 
TZ, atuavam nos tecidos. A colaboração entre químicos e fisiologistas tornou-se
  ,An“  um procedimento básico para a demonstração de que os princípios ativos
ti <i;.'
tinham os mesmos efeitos das drogas originais. Os estudos em farmacologia
requeriam ensaios em “ anima nobilis”,  o que era feito nos hospitais,
transformados em locais de pesquisa e inovação terapêutica. Joseph Orfila
(1787-1853), no seu famoso Tratado dos venenos (1814), afirmou que os
 venen os se distinguiam das drogas tera pêuticas.apenas em suas dosagens.
Claude Bernard (1813-78) mostrou em seu estudo sobre o curare, usado
 

F A R M Á CI A E F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S 8 7

PÁCINA AO LADO. ACIMA a c i m a : Farmácia homeopática do

Propaganda da Agua de Scltz, do século xix. montada com frascos c


laboratório Fritz. Mack &. cia, mostra instrumentos de época, no Museu
um produto feito de maneira Histórico Nacional.
industrializada O desenvolvimento
dc drogas industrializadas foi resultado
direto da aproximação entre a
farmácia e a química no ambiente
universitário europeu.
 

8 8 B O T I C A S & P H A R M A C I AS

   S
   E
   R
   O
   C
   I
U  h  ma ondadjnra E s s e u ç ia  m   V id a   que Ura a ddnluiadi! da corpo. Onwlhfâ Tonico  |
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   X Cura a IndmLão^C^í^DisenteriaJHarrhéa Chlorosis e
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ó nle.vl i, i vo^. t?M a a w , CL,  f —\ I /'Vf 

|Kiva promover o aj>jH‘titc> <■ ^-UââSS-r;


K l  M L I T . U t   .» i m i f .K T . V O .  H I O D E ,7 A X E I R O  

vGsm m m sasm

como veneno pelos indios brasileiros, que as drogas atuam em partes


específicas do corpo e não de modo dilusó. A toxicologia se desenvolveria,
desde então, ligada à fisiologia experimental e à farmacologia. Dessa época
datam ainda outras descobertas, ligadas, em parte, à quimioterapia sintética:
o bicarbonato de sódio (Rose, 1801), o iodo (Coutois, 1811), o iodofórmio
(Serullas, 1822), o clorofórmio (Souberain, 1831), o cloral (Liebig, 1832),
o fenol (Runge, 1834), a pepsina (Schwann, 1834), o ácido salicílico (Kolbe,
1860), o ácido acetilsalicílico (Gcrhardt, 1853; Dresner, 1899).

Homeopatia e dosimetria
 Apenas referida em alguns trabalhos méd icos, antes de 1840, a hom eopatia foi
introduzida no Brasil por Benoit Mure (1809-58). Mure, socialista utópico,
conseguiu aprovação do imperador d. Pedro 11 para fundar um falanstério no
Sul do país. A colonização, porém, fracassa e o discípulo de Hahnemann,
 juntamen te com o médico João Vicen te Ma rtins (180 8—54), inicia no Rio de
Janeiro o ensino, a prática e a propagação da homeopatia. Ainda em 1844,
ambos fundaram o Instituto Homeopático do Brasil, que oferecia diploma,
embora o exercício clínico fosse restrito aos médicos aprovados pelas
faculdades oficiais. Apesar da forte oposição das faculdades de medicina e
da Academia Imperial de Medicina, no final do século xix a homeopatia
foi abraçada pelo movimento positivista brasileiro, por intermédio de seus
adeptos do Instituto Militar de Engenharia, no .Rio de Janeiro. Disso resulta
um grande apoio oficial do governo republicano à homeopatia e a

ao  l a d o : Em seu tratado de venenos, n o   a l t o   E pÁciNA a o   l a d o : Os anúncio'

Orfila afirmou que eles se distinguiam de diferentes fórmulas terapêuticas


das drogas terapêuticas apenas em revelam a mistura entre fórmulas
suas dosagens. industrializadas e matérias primas
naturais, como as cascas de laranja
amarga utilizada para a composição do
“bitter estomacal” Hesperidina.
 

F A R MÁ C I A E F A R M A C Ê U T I C O S NO O I T O C E N T O S 8 9

conseqüente proliferação de farmácias homeopáticas por todo o território


nacional. Entre seus divulgadores destacam-se Domingos Azeredo Coutinho
Duque Estrada (1812-1900) e Emílio Gerson, autor de um  Manual  
homeopático.  O prestígio da homeopatia cresceu com a chegada da lebre
amarela ao Brasil. A população via com desconfiança e medo a medicação
alopátiea. Mais barata, a terapia hahnemaniana foi muito usada no tratamento
dos escravos. Desde o início, ocorreram cisões entre os homeopatas.
Os “puros”, seguidores da doutrina original, se opuseram às modificações
que os “ evolucionistas” realizavam, ao incorporar certos princípios alopáticos.
Em fins do século xix, muitos médiuns espíritas, formados ou não cm
medicina, praticaram a homeopatia. Muitos manuais e boticas homeopáticos
foram anunciados nos jornais da Corte e das províncias. Na Santa Casa da
Misericórdia do Rio de Janeiro uma enfermaria homeopática funcionou sob
a direção de Saturnino Soares de Meirelles.
 A dosim etria era um mé todo tera pêu tico criado po r Adolph e
Burggraeve (1806-96), médico belga.Tinha em comum com a homeopatia a
•• '
crença vitalista. Para ele, a matéria orgânic a seria regulada pelas “ leis das

O 1 Congresso de Farmacêuticos Na medicina, cirurgia e farmácia, o que faz arsênico em pílulas, com que cara as olharei
Anuncia-se um congresso farmacêutico. medo é a parte científica. As outras partes eu? Que trazes tu, pílula? Direi em forma
Esta notícia, dissimulada entre os pedidos não valem nada. Um bisturi, por exemplo, de monólogo: a mão do farmacêutico
do Jo rn al do com mc rcio ,  fez-me tremer e não tem nada que faça tremer a passarinha: escorregou no arsénico? Trazes a vida ou a
desmaiar. Porque motivos um congresso de é um instrumento especial, liso, bonito. morte? Vou passear até a esquina ou até o
farmacêuticos a reunirem seus pensamentos Nas mãos do cirurgião em contato com Caju? Pílula, és tu pílula ou comparsa da
e vontades? Curiosidade e mistério! o nosso pêlo, é quase uma visão da Empresa Funerária? It is the rub... Sc a voz
Os congressos geralmente causam-me eternidade. Por isso tremo da ciência. de um cliente pode ter algum peso no
susto. Quando os mercadores de batatas, A ciência é objeto especial e único do ânimo dos cirurgiões e dos farmacêuticos,
por exemplo, ou de azeite ou de qualquer próximo congresso. Vai tratar-se dos efeitos nada de congressos, ou, se houver
outro produto, anunciam que vão reunir-se do quinino e da pomada mercurial. Vamos congressos, nada de discussão pública.
e fazer um convênio de mercadores não , saber em que dose o arsênico, feito em Dizem que cozinha e política não devem
se destina a favorecer o adversário. Ora, o pílulas, pode dar saúde ou matar. Enquanto ser feitas às claras, porque faz perder o
comprador é o adversário irreconciliável, essas coisas ficam nos gabinetes interiores gosto... do jantar. Penso que é a mesma
eterno, eternissimo, do vendedor. Não é das farmácias, a gente vive feliz, recebe as coisa na farmácia. Fé dos padrinhos:
certamente a mesma coisa um congresso de pílulas, absorve-as, passeia, cria forças, sara. é a última palavra da experiência humana.
farmacêuticos. Seus fins são indiferentes Mas tratadas à luz do dia a coisa muda (Crônica de Machado de Assis, na Ilustração 
do preço das drogas. São intuitos científicos. muito de figura. Depois de um longo debate Brasileira,   sob o pseudônimo "Manasses",
Ah! Se não fossem intuitos científicos! do congresso, se o meu médico me receitar  Iode junho de 1877)
 

yO BOTICAS &  PHARMACIAS


 

FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS 91

ixenciautipeis íaspevtõk T* üeral ao nygtfao no iuiperio ao ts:.'.zii. 

I P R E M J O
i,
JN A C I O N A I -
16,600   tr .
G r n rv d c M e d a l h a d e O U R O

sax.ESiüíjÈB, v i casârofao
E n c e r ra n d o t o do s o s p r i n c í p i o s da s 3 quinas
 AP EMTIVO. TONICO o ElXiUEUGO
Anri(h>»i'it*!rr.o
▼ *( !) t o lu v •
0 de ?ui*rion«mu<; pfo-
c o n ti a . D i i P M t . t r A o *1 - F ç..u. as A r- jr
0mesmoFSRRUGINQSO
l *r»*p.-r . !•*» « lê q u i n a , fi;
Recoinr.:_-:nb
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rccçOú» .id ^SíTouAco. as F   e b r e s   Hc- lio SANOUl- u r . ,x C H L O a O A V E M I A , e &8
BEr.nns. >»tc  J CO
C O N SSEE Q U ÊEPN C I A S D O P A T t 7 0 e lC .
•rt < ‘JO rn.x Pmarl   n na ■» orfthll ”*«* rio Maotü 

 vibr açõe s moleculares5', espe cíficas dos seres vivos. Na s moléstias,


os organismos perdem sua vitalidade, podendo chegar à morte depois de
passar por quaü"o fases ou períodos consecutivos: o dinâmico, o preparatório,
o constitutivo (de reparação ou de desorganização) e o de convalescença.
 A chave da terap êutica era a administração de medicam entos, sob a forma
de grânulos, contendo o princípio ativo das substâncias medicinais em doses
precisas de acordo com os diferentes sintomas apresentados pelo paciente.
Teve adepto s no Brasil e, em 1883, quando o hospital da Beneficên cia
Portuguesa abriu uma enfermaria para a medicina dosimétrica, Machado
de Assis ridicularizou o que chamou de “ nova religião” .

 A revolução pasteuriana
*• *1 V  
Com o sucesso da aplicação da vacina anti-rábica, criada por Louis Pasteur
em 1885, no pequeno Meister, que fora mordido por um cão raivoso, inicia-se
a história da imunologia e da soroterapia contra a ação deletéria de bactérias
e vírus. No mundo todo, apareceram os “ caçadores de micróbios” . Ficaram
famosas as experiências realizadas pelo médico carioca, professor de química
da Faculdade de Medicina da Corte, Domingos Freire (1843-99), que
produziu soluções originais visando à profilaxia e cura da febre amarela.
D E
 A pre ocu pação com a escalada mortífera da febre amarela levou o imperador | PRODUCTOS VEGETAES
d. Pedro 11 a convidar Pasteur para vir ao Brasil. Este só desistiu quando
soube que não poderia empregar prisioneiros condenados à morte em suas
experiências. No Brasil, explicou-lhe o imperador, fora abolida a pena de
morte. Isso abriu espaço para Domingos Freire, que pretendia matar o
Cryptococus xanthogenicus, suposto microrganismo causador da febre amarela, Moléstias Cap ilares
com aplicações de injeções hipodérmicas de salicilato de sódio. Em seguida,
propôs e produziu em larga escala uma vacina preventiva. Entretanto, im irt in o v\ 3*
somente no século xx, com a descoberta da vacina antitifóide (Vincent, 1913)
fpaasiaiaBJS®
e com a vacina b c g   (Calmette e Guérin, 1922), contra a tuberculose,
iniciou-se de fato a produção de medicação contra as doenças infecciosas.

p á g i n a   a o   l a d o : Produto nacional: n o   a l t o : Anúncio do tônico medicinal acima , à   d i r e i t a : Anúncio de tônico


xarope de abacaxi, feito em Quina Laroche - Elixir Vinoso, de 1888. feito com extratos vegetais para
Pernambuco, em duas versões de combater moléstias capilares. 1888.
rótulos, com diferentes idiomas, 1888.
 

P A R T H

Desenvolvimentos da
farmácia contemporânea
O crepúsculo da farmácia »  Novas práticas farmacêuticas
oficina/ e da arte de formular
»  A propaganda dirigida aos
Os avanços na ciência médicos e ao grande público
 farmacêutica e o sucesso da 
nova terapêutica »  Das farmácias às drogarias

>) Origens e evolução dos  )) Os órgãos de classe e 


medicamentos industrializados  sociedades f a rmacêut icas
no Brasil 
>)  Desafios e tendências atuais
 )) A s transformações da indústria 
 farmacêutica nacional 

-\y
>)  A form ação do farmacêutico no 
contexto republicano
 

1 .)

O crepúsculo da farmácia oficinal


E DA AR TE DE F OR MU LA R 

No final do século xix, as farmácias ainda mantinham boa


parte do instrumental tecnológico herdado das boticas.
Na sala da frente, prateleiras repletas de frascos de louça,
 brancos ou negr os, de tamanho un ifor me e inscrições
douradas gravadas a fogo, onde eram guardadas as
substâncias postas à venda. Nas dependências dos
fundos, vedadas aos clientes, boiões, frascos de vidro e
grandes potes de louça ou de barro encerravam o material
sólido ou em pó. Lá também ficavam os instrumentos:
almofariz para a maceração, cortador de raízes, tachos
de bronze e coadores diversos; utensílios fundamentais
para o preparo das receitas solicitadas pelos médicos,
ou muitas vezes indicadas pelos próprios farmacêuticos.
Estas ainda tinham como base os purgativos, supurativos
e tônicos reconstituintes que, em sua maior parte,
eram preparados com diferentes substâncias vegetais,
animais e minerais.
N o decorrer do século xx, esses tradicionais
estabelecimentos passariam por um longo processo de transformação, que
acabaria por excluir do seu perfil as atividades artesanais de preparo de
substâncias empregadas na arte de curar, confiando à sua responsabilidade
a comercialização de medicamentos industrializados, agora utilizados pelas
ciências da saúde. Esse processo se relacionou, principalmente,
ao desenvolvimento da produção de medicamentos e às conseqüentes
modificações nas suas formas de distribuição e comercialização ocorridas nas
últimas décadas do século xix. Até então, a medicina tinha como suas
principais armas terapêuticas um pequeno número de medicamentos eficazes
contra algumas doenças e uma grande quantidade de misturas, de efeito
duvidoso, muitas vezes usadas de forma irrestrita contra diversas doenças.
O advento da microbiologia, as investidas da terapêutica no campo da quimica
e o distanciamento do pensamento médico das concepções hipocráticas que
atribuíam uma força curativa à natureza transformariam esse cenário,
possibilitando o desenvolvimento de um grande número de novos
medicamentos, cada vez mais eficazes na proteção e no combate a doenças
específicas. No entanto, a produção desses novos compostos muitas vezes
 

d e s e n v o l v i m e n t o s   da   f a r m á c i a   c o n t e m po r â n e a 9 5

A Farmácia Silva Araújo


Luiz Eduardo Silva Araújo, o fundador da
Carlos da Silva Araujjo &   C. W Farmácia Silva Araújo, era sobrinho do
Rual^deMonjo 15e Rua  Zeferina20lfTodosos5anios> boticário Francisco Manoel, antigo dono da
i4u*n/: HloHtf 5Ó0Ó PIO c* JANEIRO. botica que, mais tarde, se transformaria na
Cnn .' T?’rç.  B 101AB0 ’
( »o.apo.fc v a c c i n a * I famosa Drogaria Granado. Nela trabalhou
durante algum tempo. Em 1870 criou sua
1 fXi&CIÂ] ' própria farmácia, na mesma rua Direita, em
frente à antiga. Com o passar dos anos, a
Farmácia Silva Araújo se transformou num
estabelecimento muito bem conceituado,
sendo ponto de encontro dos médicos,
estudantes e professores de medicina da
corte que ali iam debater seus casos clínicos
e encomendar suas receitas.
Em 1891, Luiz Eduardo, junto com seu irmão,
o também farmacêutico Francisco Manuel,
montou um laboratório farmacêutico no
então distante subúrbio do Rocha, para
fabricar extratos vegetais da flora brasileira.
Logo começou a editar uma revista com o rol
dos produtos que fabricava, que em 1908
ganhou o nome de Boletim Farmacêutico. 
Com a morte de Luiz Eduardo, seus filhos
passaram ao comando da empresa. Em 1910,
Paulo Silva Araújo a ela agregou um
laboratório clínico para a elaboração de
diagnósticos, o qual obteve uma forte
expansão a partir da década de 1920.

 L oh o^ o ^ do Percé#

, a c i m a   Imagem dc
p á g i n a  a o  l a d o p á g i n a   a o   l a d o . a b a i x o . Farmácia de acima . Anúncio do Laboratório Clínico
Marc Ferrez documenta o laboratório um posto de profilaxia rural do Silva Araújo, montado no subúrbio do
de histologia da Faculdade de Medicina Departamento de Saúde Pública no Rocha, cm 1891. Com a morte de Luiz
do Rio de janeiro, após reforma da início do período republicano. Eduardo Silva Araújo, fundador do
Instituição, ocorrida em 1880. Com o empreendimento, seus Filhos criaram,
laboratório de bromatologia e em 1910. um laboratório clinico para
toxicologra o ensino dc farmácia elaboração de diagnósticos.
alcança novo patamar.
 

9 6   BOTI CAS & PHAR MACIAS

Médicos, farmacêuticos e requeria conhecimentos especificos, distantes do dominio do farmacêutico,


médicos de farmácias ou demandava laboratórios e instrumentais sofisticados, impossíveis de seren
Se a botica do século xix foi um espaço
instalados nas farmácias.
social de convívio, as farmácias das
primeiras décadas do século xx foram Nesse contexto, algumas farmácias brasileiras conseguiriam
muitas vezes espaços de prática médica, ampliar sua capacidade de produção, transformando-se em laboratórios
abrigando consultórios onde jovens clínicos, farmacêuticos, produtores em maior escala das primeiras especialidades
ainda sem uma clientela consolidada,
farmacêuticas que começavam a surgir. Bons exemplos desse processo são
davam consultas à população local. Estes
muitas vezes trabalhavam em troca de da Farmácia Silva Araújo, no Rio de Janeiro, e a Casa Baruel, em São Paulo.
porcentagem sobre o que receitavam, ou  A primeira foi criada por Lu iz Edu ard o Silva Araújo em 1870 e em pouco
recebiam dos donos das farmácias pelo tempo se transformou num ponto de encontro dos médicos da Corte. Seu
número de consultas efetuadas. Além de se
maior desenvolvimento teve início em 1891, quando passou a contar com urr
mostrarem como uma forma de iniciar na
carreira os médicos recém-formados que laboratório para a produção de extratos vegetais. Vinte anos depois, contava
tinham menos recursos, esses consultórios também com um laboratório para diagnósticos e uma publicação para levar
mantidos em várias farmácias eram, muitas a público seus produtos, caracterizando-se como uma das mais reputadas
in vezes, a única maneira de levar os serviços
farmácias da capital federal. A Casa Baruel foi fundada em 1892. Instalada n;
ic médicos às regiões mais distantes dos
centros urbanos. (Vieira, 1962) rua Direita, na região central da cidade de São Paulo, especializou-se na venc
de produtos de toalete importados da Europa. Nos últimos anos do século xi
passou por uma grande ampliação e se transformou em um laboratório
farmacêutico voltado para a elaboração de produtos médicos. Da mesma
forma que essas duas instituições, algumas outras farmácias conseguiram se
transformar-se cm laboratórios farmacêuticos ou entrepostos de distribuição
de medicamentos prontos, diferenciando-se da maioria das farm ácias, ainda
 voltadas exclu sivamente para a form ulação de medicamentos.
 A produ ção industrial de medicamen tos foi lenta mente se
multiplicando. Segundo o farmacêutico Antenor Rangel Filho, quando foi
proclamada a República havia 3$ laboratórios farmacêuticos funcionando no
país. O censo de 1907 já mostrava a existência de sessenta estabelecimentos
desse tipo. Embora não fossem muitos, e ainda mantivessem processos
artesanais de trabalho e pouca especialização técnica, quando comparados a
seus similares europeus, fabricavam em grande escala, obtendo lucros maiore
do que as farmácias tradicionais. Além disso, muitos passaram a elaborar
produtos até então restritos à indústria farmacêutica européia - como as
ampolas injetáveis, comprimidos e drágeas - ou montaram uma incipiente
estrutura para a importação c distribuição de medicamentos.
Deixando de monopolizar a produção de medicamentos, as
farmácias começaram a voltar-se também para a comercialização de drogas
importadas ou que começavam a ser produzidas nos laboratórios nacionais.
 Ass im, passar am a integrar uma nova estrutura de mercado também
composta por casas depositárias, especializadas na distribuição dos produtos
e na importação de medicamentos e produtos de beleza estrangeiros.
De caráter diferenciado, mas integrando o mesmo setor de medicamentos,
encontravam-se os estabelecimentos hom eopáticos, voltados exclusivamente
para a manipulação de produtos hahnemanianos. Até o final do século xix já

À e s q u e r d a : Na imagem, anúncio do p á g i n a   a o   l a d o : Propaganda do


laboratório estrangeiro Hees, um dos fortificante elaborado pelo farmacêutico
muitos que passaram a comercializar Cândido Fontoura pouco antes da
seus produtos no Brasil. abertura de seu estabelecimento em
São Paulo, em 1910. O nome do remédio
foi sugestão de Monteiro Lobato.
 

DESENVOLVIMENTOS DA F A R MÁ C I A C O N T E M P O R Â N E A 9 7

Biotônico Fontoura
Em 1910, o farmacêutico Cândido Fontoura
(1885-1974) fundou na capital de São Paulo
um laboratório para fabricar um fortificante
que concebera pouco tempo antes. Segundo o
próprio Fontoura, a idéia surgiu depois do
sucesso obtido com a fórmula no tratamento
de sua esposa, que apresentava a saúde frágil.
O remédio foi batizado de Biotônico Fontoura,
por sugestão de Monteiro Lobato, seu colega
de trabalho no jornal O Estado de  S. Paulo, 
onde Fontoura colaborava com escritos no
campo das ciências. Fontoura havia indicado
o remédio ao colega, que reclamava de
fraqueza. Lobato utilizou-o e sentiu-se
revitalizado. Animado com o produto, ele
criaria o "Almanaque do jeca Tatu" como peça
de marketing   para o Laboratório de Fontoura.
O almanaque de Lobato divulgava ao público
como se dava o ciclo de infestação pelo
ancilostoma e os sintomas da ancilostomose.
ensinando medidas de educação sanitária
para a proteção contra a doença. Ao mesmo
tempo, fazia propaganda do Biotônico
Fontoura, que por conter ferro era útil no
combate aos sintomas da ancilostomose.
Em suas páginas o Jeca Tatu era apresentado
como um caboclo, magro, fraco, triste e
preguiçoso que se tornava saudável e ativo
obedecendo às medidas sanitárias e
utilizando o biotônico Fontoura.

PARA 1 9 2 4 -
haviam sido fundadas 23 farmácias desse tipo no Rio de Janeiro, grande
parte permanecendo em atividade e contando com uma grande clientela
nos primeiros anos do século xx.
No final da década de 1920, os consultórios de farmácia foram
muito criticados pelo Sindicato dos Médicos, que via nessa estrutura uma
inaceitável submissão da medicina à farmácia.
Nas duas primeiras décadas do século xx, as farmácias, além
de preparar as receitas indicadas pelos médicos, dedicavam-se à fabricação de
elixires, vinhos e licores reconstituintes, pomadas e produtos de beleza. Já as
drogarias e casas depositárias importavam produtos estrangeiros e distribuíam
 

9 8 BOTICAS & PHARMACIAS

XAROPfc DE COMPOS IÇÃO EXCLU SIVA MENTE VEGETAL


PULMONAL *  [Formulo do D >1 KNDES TAVARES ) .#

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sortido leque de produtos das mais diversas procedências. Eram águas
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minerais vindas das cidades de Caxambu e Lambari; extratos fluidos
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sais de quinina, morfina e diversos produtos injetáveis. A maioria desses
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por exemplo, apresentava-se nos jornais como representante dos laboratórios


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Baiss Brothers, Bourgogne, Clin Vial, Cario Erba, Lamman & Kemp etc.
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DE SULFATO DE ESPARTEINA
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 A drogaria Silveira, como “ importadora direta da França, Alemanha,
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lama o Itlkaa. .a rdían. j-»rt*it-.J...
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 A. C AB UL AS • - XA HOI -K de KO UD t 4» Kalfa to d e Ea pa rUtaa
»aitrado. Ioda. U >. 1.. ■ ta..--.r 4>.. nl lld tJ... .J.r » r - i — urr/aUr.
. , ... Portugal, Itália, Inglaterra e Estados Unidos”. Nas revistas médicas e
t-l.rat.ti.vl. . 111l.o. - . Alaqitra d* AajaUU* . a. AatAeala Cardlara
Dvapaea do CoreçAo . Pericardite
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farmacêuticas da época destacam-se, ainda, os anúncios dc laboratórios
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estrangeiros como Clin & Cia., Laboratório Blancar e J. E Laroze dc Paris,
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Hess e Huber, entre outros.
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a.: . . . rw.«i. ...a tpr -r U COLCHICINA . . AKKKCÇAO I.OTOSA 4-
4. arei... i -*l l .n t j-.r ^L«>. .* ..Bu .ru «liudaalaee»(t rio . tat—tia*]. ..-ub.at.l-. «am t  Até o início da Primeira Guerra Mundial, a importação de
• ORANULOS DE COLCHICINA HOUDfi pratratamdeal«a* ptl«M .. .. .. .. ..
— «tu I.lt iiu .-t-. abututo 4. Arceaa.t (oloao . 4*. 4.«—•arada.^1' .*> .-..MU»
" ■1-..1-. 4- tida l* .'ii(uvl* ... >4« * .t-'. -r.-.. Ulu .a t aw moltruewal.-.. . tljto « prta- medicamentos estrangeiros foi sempre crescente. Os fabricantes, que
" ^Í  a NE i K a 'D k Ê m P R UA R I RE A GOTA ESTIVEM DECLAMADA 
I — a — »• I-* 4a. triaaalu. I 4. ' , .aa •. 4- kafa. w J t J_t * (ttattlu- j •..... 
Ir rt . «-o. «tut •••.. I rra o.l. .tp.ra •. t t ••'*»•. I •Nara ao prea reatl«» :* ■ ^ 
.. 4—Ur.at o. prudruatu. I — u» I.* 4la . J (f aa.1... I 4. b~et ra k«ra; m í •dia. acabariam por se transformar nas maiores multinacionais do setor de
DOSAGEM (»ia graauk. •4ma4amllru iltu ma l’ a ■uHdigirmuii 4«C-Irlurlaa
medicamentos, enviavam muitos de seus produtos para os depositários
nacionais. A casa Hoffman La Roche, a Rhone-Poulcn c outros grandes
da indústria de medicamentos estavam cada vez mais presentes em nosso
mercado, sendo comum encontrar seus produtos em nossas farmácias.
Com relação aos produtos comercializados, observa-se nesse período
 

DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA 9 9

o incremento dos medicamentos à base de extratos de órgãos animais


e analgésicos, em detrimento dos antigos vinhos e elixires.
O desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos e o consequente
aumento da utilização de medicamentos prontos, nacionais ou importados
transformaram, aos poucos, o perfil das farmácias, que, cada vez mais, foram
assumindo características próprias dos estabelecimentos comerciais voltados
para a venda no varejo. Utilização de cartazes e panfletos de propaganda
apresentando as virtudes dos produtos industrializados; exposição desses
produtos nos espaços mais visíveis dos estabelecimentos; veiculação
de anúncios nos jornais da cidade, mostrando as principais especialidades
comercializadas. Essas e várias outras técnicas de marketing passaram
a fazer parte da realidade das principais farmácias dos centros urbanos.
Nesse contexto, cada vez mais a identidade visual desses
estabelecimentos foi se transformando. Os laboratórios de preparação
perderam espaço c sofisticação à medida que menos receitas eram prescritas
pelos médicos. Os frascos de estocagem de substâncias para o preparo dos
medicamentos diminuíram de quantidade e o convívio com a freguesia se
tornou mais rápido, visto que o consumo de medicamentos prontos era cada
 vez mais frequente. Já o farmacêutico, assumia cada vez mais o papel
de vendedor e “consultor” dos clientes no que tange às formas de utilização
das especialidades industrializadas.
Essas transformações se deram de forma diferenciada em diversas
regiões. Nas zonas centrais das cidades, muitas farmácias se tornaram
ainda mais sofisticadas, a fim de atender principalmente às senhoras das
elites locais, cada vez mais interessadas
•• 11
nos produtos de beleza, que,
a partir do final do século xix, se transformaram em uma das principais
 vedetes desses estabelecimentos. Nas regiões mais distantes dos centros
urbanos, onde médicos, hospitais ou qualquer outra instituição de saúde
eram raros, muitas farmácias acabaram se transformando cm espaços
de prática médica, abrigando consultórios clínicos, onde eram oferecidas
consultas à população local.
Todo esse processo não parece ter gerado grandes dificuldades às
farmácias nas duas primeiras décadas do século xx. Apesar de não
monopolizarem mais o preparo de medicamentos para a medicina oficial,
elas continuaram a manter uma clientela significativa, composta não somente
pelos clientes dos médicos que prescreviam as receitas a serem aviadas,
mas também por uma grande freguesia composta por clientes dos diversos
agentes que disputavam com a medicina oficial o direito de tratar os doentes
e por pacientes que se automedicavam ou que preferiam seguir indicações
terapêuticas do próprio farmacêutico.

P Á G I N A A O L A D O . A E S Q U E R D A : AriÚndO PÁGINA AO LADO, NO ALTO: AnÚnCIO a c im a: Estratégias dc marketing  


publicado no Formulário de Chernoviz.  do xarope Pulmonal, indicado passaram a fazer parte da realidade d>
com remédios compostos à base de para tuberculose. principais farmácias de centros
cocaína. No mesmo Formulário o autor urbanos. Par3 anunciar o Contratossc,
alerta sobre os riscos do psicoativo. o laboratório compara o produto às
grandes maravilhas do mundo:
criatividade com olho no mercado
 

2 .)
Os sucessos da nova terapêutica

i  Até o início do século xix, a terapêutica era o ramo da medicina de menor


desenvolvimento científico, tendo os médicos como principais aliados no

! processo de cura remédios elaborados a partir do extrato de vegetais c


de alguns minerais. De comprovada eficácia, só existiam alguns poucos
medicamentos, como a digitalina, utilizada para problemas cardíacos,
a quinina, usada no tratamento da malária, a casca do salgueiro, como
febrífugo, e o mercúrio, muito utilizado no tratamento da sífilis. No decorrer
do século xix, essa situação começaria a se transformar, principalmente pela
aproximação da terapêutica com a química e a biologia.
Ü O marco de aproximação da pesquisa quimica com a medicina

s se deu com a síntese da uréia, desenvolvida por Friedrich Woehler em 1828.


Sua descoberta possibilitou o desenvolvimento da química de síntese orgânica

I permitindo não somente a criação de substâncias análogas aos princípios


ativos naturais, mas o desenvolvimento de produtos sintéticos totalmente
inéditos, muitos voltados para uso terapêutico. A partir de então, cada vez
mais, a indústria química, em forte expansão, principalmente na França e na
 Alemanha, aproximou-se da medicina, criando uma farm acologia científica
e redirecionando esforços para o lucrativo campo da produção de
medicamentos. A eficácia das substâncias provenientes dos laboratórios
foi fundamental nesse processo, sendo o sucesso comercial da aspirina
desenvolvida pela companhia alemã Bayer, cm 1900, seu melhor exemplo.
 A aproximação da terapêutica com a biologia ocorreu,
principalmente, por meio do processo que ficou conhecido como revolução
pasteuriana. A partir de 1880, os trabalhos do químico francês Louis Pasteur
e de seus seguidores mostraram ao mundo o papel dos microrganismos na
transmissão das doenças, e a possibilidade de uma ação protetora contra esse;
males pelo contato prévio dos organismos com os micróbios de virulência
atenuada. Surgiam, assim, as vacinas. Estas possibilitariam a profilaxia de
diversas doenças transmissíveis que desde tempos imemoriais dizimavam
milhares de vidas em suas ferozes epidemias.
Outra descoberta, também proveniente do desenvolvimento da
medicina dos micróbios, seria ainda mais importante para a terapêutica
médica. Trata-se da sorologia, iniciada a partir dos trabalhos do cientista
Emile Roux (1853-1933) sobre a difteria. Seus estudos mostraram que algun
animais, quando inoculados com microrganismos patogênicos, produziam em

acima : O s   trabalhos do cientista p á g i n a   a o   l a d o : Na imagem de


Émile Roux (1853-1933) sobre a difteria Augusto Malta, de 1914, vé-se laboratóri
foram de fundamental importância para carioca preparado para larga produção.
o desenvolvimento da terapêutica No início do século xx a medicina e
médica da sorologia. pesquisa química já caminham juntas
no âmbito de uma farmacologia
científica voltada para o lucrativo camp
da fabricação de medicamentos.
 

I 0  I Y i l N V H O d W a J . N O D  V I Dy i V H Y d V « S O I N 3 W I A l O A N 3 S H Cl
 

1 0 2 B O T I CA S & P H A RM A CI A S

seu sangue anticorpos que, aplicados em pessoas afetadas pela mesma doença,
conseguiam impedir seu desenvolvimento pela destruição do microrganismo
agressor. Logo surgiram vários soros capazes de curar os acometidos por
doenças infecciosas como a peste bubônica e o tétano, ou mesmo atuar como
antídoto contra o envenenamento por mordidas de animais peçonhentos.
 Ap esa r de terem seu uso prioritariam ente volta do para a saúde públic a, as
 vacinas e sobretu do os soros passaram a fazer par te tam bém do arsenal dos
clínicos e da linha de produção dos laboratórios farmacêuticos.
No Brasil, as possibilidades ãbettâs pelo advento da microbiologia
ocasionaram a criação de institutos voltados para a produção de soros e
 vacinas. Alg uns deles, em especia l a Fu ndaçã o Osw aldo Cru z e o Instituto
Butantã, se transformaram em grandes centros de medicina experimental
 voltad os para a pesqu isa biomé dica em diversas áreas e para a pro dução de
soros, vacinas, reagentes e medicamentos diversos. A patir da segunda década
do século xx, vários técnicos formados nessas instituições fundaram diversos
laboratórios farmacêuticos privados, contribuindo fortemente para
a ampliação desse campo da indústria nacional.
No início do século xx, a aproximação entre a imunologia e
a química das drogas sintéticas possibilitou a elaboração de medicamentos
capazes de agir seletivamente contra microrganismos e specíficos, sem
produzir grandes males aos organismos dos doentes. O primeiro e mais
importante deles foi o 606, mais conhecido como Salvarsan, elaborado pelo
químico alemão Paul Ehrlich (1854-1915), prêmio Nobel de medicina cm
1908, para tratamento da sífilis. Embora sua descoberta tenha entusiasmado
fortemente a comunidade médica, que imaginou o surgimento de compostos
sintéticos, capazes de agir contra várias doenças infecciosas, só em 1932, com
a descoberta do Prontosil pelo alemão Gerard Domagkor, pesquisador da
Bayer, veio à luz um novo quimioterápico eficaz contra doenças bacterianas.
Em 1935, a Bayer colocou o Prontosil no mercado e quatro anos depois seu
descobridor ganhava o prêmio Nobel dc medicina pela magnitude de seu
feito. O Prontosil foi utilizado com sucesso contra a erisipela e outras doenças.
 Alg un s anos depo is, pesquisas realizadas no Institu to Pasteur de Paris pelos
 

DESEN VOLV IMEN TOS DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I O

CAdOniLLA ECfíRICIM A
— DO

VERDADEIRO
tratamen/o das mo/esí/as  
do estomago e mtesjms

DE O L I V E I R A J U N I O R  ffyg/enepcjô/rcâdo /
  Wd/de

CAMCOíMxmimrcfi 
pesquisadores Fourneau,Tefouel, Nitty e Bovet mostraram que um de seus
compon entes, a sulfanilamida, era o responsável por sua açao contra a
G O rm tt rA-.rw.r .*:’/
i
,r * '■

infecção por estreptocócieos. Em pouco tempo, drogas à base de sulla 3 c olheres de chá
 y m l;  pordia em Icalice dágua
passaram a ser muito utilizadas no tratamento da pneumonia, da meningite
e de infecções puerperais.
 Ain da em 1928, u ma des cob erta inesperada daria orig em a mais
uma revolução no campo da terapêutica. Observando uma colônia de
estafilococos degradada pela ação do fungo  Penicillium que acidentalmentc
nela se instalou, o médico Alexander Fleming (1881 -1955) concluiu que esse
fungo exercia uma ação destrutiva contra os estafilococos e outras bactérias
patogênicas. Somente na década de 1940, a descoberta de Fleming se
transformaria num medicamento: a penicilina. Sua elaboração deve-se aos
estudos dos médicos Howard Florey e Ernst Chain e de sua posterior
associação com indústrias químicas norte-americanas. No contexto da
Segunda Grande Guerra, a ação antiinfecciosa da penicilina mostrou-se
muito importante, p rincipalmente nó tratamento das pneumonias, das
doenças venéreas e dos ferimentos dos soldados das tropas Aliadas.
Em pouco tempo, sucedâneos desse medicamento voltados para doenças
causadas por germes gram-negativos, como as cstreptomicinas, ou de amplo
espectro de ação, como as tetracilinas, passaram a ser utilizados contra
diversas doenças bacterianas.

PÁGINA AO LADO, À ESQUERDA: PÁGINA AO LADO, NO ALTO! n o   a l t o : Laboratórios nacionais como


Fundação Oswaldo Cruz e Instituto Atendimento médico feito em pedestre, o de Oliveira Junior e o de Pedro Dona,
Butantà, dois centros criados no Brasil cm uma rua do Rio de Janeiro, em 1910. que anunciam seus produtos Crindelia
em 1900, voltados para pesquisa e Na ambulância do Posto Central de contra tosse e rouquidão e Elixir Doria,
produção de soros e vacinas, e que se Assistência Pública, seguiam o composto estomacal, disputam espaço
tornaram importantes pólos de motorista, c um médico com uma caixa com laboratórios estrangeiros
medicina experimental. com medicamentos, à semelhança das poderosos, como Baycr c Merck.
antigas boticas portáteis.
 

3 .)
Origens e evolução
D O S M E D I C A M E N T O S I N D U S T R I A L I Z A D O S NO B R A S I  1

No final do século xix começaram a surgir os primeiros


laboratórios farmacêuticos nacionais. Mas foi a partir
da segunda metade da década de 1910 que ocorreu um
maior e mais duradouro desenvolvimento da nossa
indústria farmacêutica. Em 1913, o Brasil contava com
765 estabelecimentos produtores de medicamentos.
 Ao findar-se a Primeira Gu err a Mu nd ial, em 1918, esse
número já era de 1.181 estabelecimentos, chegando a
1.329 em 1930. Essa expansão se deveu a dois fatores.
Um deles foi a escassez de produtos farmacêuticos,
determinada pelo início da Primeira Grande Guerra,
que acabou potencializando a produção nacional.
Nesse momento, muitos laboratórios já existentes foram
ampliados c algumas farmácias passaram a se constituir
como pequenos laboratórios produtores. O outro fator
foi a existência de um grande contingente de técnicos,
formados em instituições públicas, interessados
em organizar novos laboratórios privados de produção
de medicamentos.
Toda essa história tem início no final do
século xix, momento em que foram criados laboratórios
públicos ou filantrópicos para a elaboração de soros e
 vacinas contra as principais epidemia s que atacavam o
país. Instalados nos centros economicamente vigorosos da
região Sudeste, alguns deles conseguiram sobrepujar sua
conformação original de estabelecimentos fabricantes de
produtos para a saúde pública e se transformaram em verdadeiros centros
de pesquisa experimental no campo da biomedicina. O Instituto Oswaldo
Cruz, no Rio de Janeiro, e os Institutos Butantã e Pastcur, em São Paulo, são
os melhores exemplos desse processo.
Criados em 1900 para combater um surto de peste bubônica que
surgiu no porto de Santos e ameaçava alcançar as cidades do Rio de Janeiro
e de São Paulo, os Institutos Butantan e Oswaldo Cruz (naquela época
denominado Instituto Soroterápico Federal) iniciaram sua trajetória de forma
modesta, reunindo alguns técnicos dedicados aos exames laboratoriais,
 

DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA I OÇ

à produção de soros c vacinas e às pesquisas biomédicas. Em pouco tempo,


graças à sólida formação e iniciativa de seus técnicos, à conjuntura favorável
e à profícua liderança de Oswaldo Cruz (1872-1917), no Rio de Janeiro, e
 Vital Brasil (1 865- 19 50), em São Paulo , essas instituições consegu iram pôr
em marcha importantes linhas de pesquisa e formação de pessoal nos mais
diversos ramos da medicina experimental. Na década de 1910, esses institutos
 já se afiguravam como reco nhe cidos centros de pesq uisas, pro duzindo, além
de vacinas e soros, vários outros produtos farmacêuticos oriundos de suas
pesquisas. Em 1904, surgiria ainda o Instituto Pasteur de São Paulo, Farmacopéia
instituição privada de caráter filantrópico, mas largamente subsidiada pelo A farmacopéia é o código oficial farmacêutico
de uma determinada região. Estabelece as
estado. A partir de 1906, sob a direção do italiano Antonio Carini, o Instituto
especificações técnicas dos medicamentos,
Pasteur de São Paulo começou a produzir um grande número de trabalhos como a matéria-prima utilizada, os processos
científicos e elaborar diversos produtos biológicos, tendo grande de preparo, a embalagem adequada para
produtividade até 1915, quando foi encampado pelo estado e transformado cada substância. Seu objetivo é definir um
padrão de qualidade a ser obedecido
num posto de vacinação anti-rábica.
obrigatoriamente pelos medicamentos.
Muitos técnicos dessas instituições iriam se transformar nos A farmacopéia brasileira é elaborada pela
principais protagonistas da criação de novos laboratórios farmacêuticos Comissão Permanente de Revisão da
na primeira metade do século xx, sendo que os pesquisadores oriundos das Farmacopéia Brasileira ( c p r f b ), uma
comissão oficial nomeada pela Agência
instituições paulistas seriam os mais bem-sucedidos na criação de grandes
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
laboratórios produtores de medicamentos. Durante muito tempo, a palavra farmacopéia
Em 1912, alguns pesquisadores do Instituto Pasteur de São Paulo, se referia a tratados para a elaboração de
liderados pelo médico Ulisses Paranhos, fundaram o Laboratório Paulista de medicamentos, voltados principalmente para
as matérias-primas a serem utilizadas e sua
Biologia. Aproveitando a experiência anteriormente adquirida, eles passaram
dosagem. A primeira proposta de
a oferecer produtos e serviços semelhantes aos do Instituto Pasteur, ainda organização de uma farmacopéia nacional
fabricados de forma artesanal. Com a dificuldade de importação de produtos surgiu em 1906, mas não chegou a se
causada pela Primeira Guerra Mundial, as vendas do laboratório se concretizar. Nesse período, os farmacêuticos
brasileiros utilizavam a farmacopéia francesa
ampliaram bastante, sendo que na década de 1920 este já era uma empresa
para guiar a fabricação de seus
de grande porte que fabricava centenas de especialidades e exportava medicamentos. Somente em 1929 o país
medicamentos para vários países latino-americanos. Na década de 1960, teria sua farmacopéia nacional.

PÁCINA AO l a d o : Vital Brasil, na a c i m a : Frascos de fórmulas produzidas


imagem com Bonilha de Toledo e na Granado.
Arthur Mendonça, liderou pesquisas
no Instituto Butantã, em São Paulo. Na
década de 1910, 0 centro,
além de produzir vacinas e soros,
passou a elaborar diversos produtos
farmacêuticos.
 

i o 6 BOTICAS & PHARMACIAS


Conferencia sinistra

A m m i - M i l , . o Oswíldo t    u m t a lm t o . O í K u b r i u q u e o m o s q u i to ' m e u , - r v i d u r e u j o t 's s o u t r s c o u i a « m i o m s t a r m o a-


(]uiW5—r. um meirinho
B   c r o n i c a  . —  Q u a l ; f a z c o u s a m e l h o r ; c a ç « r a t o » c o m a t r o t p b c u . e * t a i x a . E * u m g a t A o '
V  a r í o l a   - P o i a c o m o m e u a p p . a te c im e M O , n a o q u e r e n d o e l l e r e p o n s a b i lt a a r t .a m o s c a » e b a r a t a , , d e u p a r a m a t a r a a p o b - e a
c r i a n ç a s c o m f e r r o s en v e n e n a d o s , a ta l v a c c i n a o b r i g a t o n a . E u m p a v j o * '    ?
< ± y ~ tP—

o Laboratório Paulista dc Biologia já ocupava o posto de sexto maior


laboratório farmacêutico nacional.
Em 1919, pesquisadores do Instituto Butantan , liderados por Vital
Brasil, seriam os artífices da criação de outro laboratório farmacêutico. Após
alguns desentendimentos com a diretoria do Serviço Sanitário dc São Paulo,
à qual o Butantan estava subord inado, Vital Brasil deixo u a instituição que por
quase duas décadas dirigira e se transferiu para a cidade de Niterói, no
Rio dc Janeiro, onde fundou o Instituto Vital Brasil, instituição voltada
prioritariamente para a produção de soros e outros produtos biológicos.
Por meio de acordos com o governo do Rio de Janeiro, o instituto obteve
algumas vantagens fiscais em troca da obrigação de produzir algumas vacinas
para o estado. Em alguns anos o Instituto Vital Brasil se consolidou como
importante instituição fluminense de produção de imunobiológicos e
medicamentos, só vindo a entrar cm decadência na década dc 1950,
110 contexto mais geral da crise da indústria farmacêutica nacional.
Com um perfil semelhante ao do Instituto Vital Brasil, foi criado,
em 1925, o Instituto Pinheiros. Dirigid o po r Eduardo Vaz e Mario
 Au gusto Pereira, técnicos vind os dos Institutos Butantan e Vital Brasil, o
Pinheiros especializou-se na fabricação de produtos biológicos, como a vacina
anti-rábica, a b c g   e os soros antiofidicos, antitetànico e antidiftérico.
Estabelecendo uma grande rede de distribuição voltada também para

acima : A charge de agosto de 1904 p á g i n a   a o   l a d o : Farmácia do


mostra a preocupação com as epidemias Laboratório Central do Exército.
que assolavam o pais. Em 1902, Oswaldo
Cruz passou a dirigir o Instituto
Soroterápico Federal e no ano seguinte
ficou à frente do Departamento Ceral de
Saúde Pública, de onde combateu a peste
bubônica, a varíola e a febre amarela que
ameaçavam a capital da República.
 

D E S E N V O L V I M E N T O S D A F A R M ÁC I A C O N T E M P O R Â N E A I 07

as regiões rurais, o instituto chegou a suplantar alguns institutos públicos


na venda de vacinas e outros produtos de saúde pública para as diversas
unidades federativas do país. Em menos de duas décadas, o Instituto Pinheiros
havia ampliado fortemente suas atividades, transformando-se no maior
fabricante nacional de produtos biológicos. No final da década de 1950,
situava-se entre as vinte maiores indústrias farmacêuticas do país, mantinha
12 filiais e mais de 1.200 funcionários.

 As transformações da indústria


farmacêutica nacional
Esses laboratórios, como muitos outros que floresceram no país, começaram
a passar por fortes dificuldades a partir da década de 1940. Até então,
os problemas decorrentes da Segunda Grande Guerra faziam com que as
importações de medicamentos fossem restritas. Além disso, até a década
anterior não havia uma diferenciação muito grande entre as especialidades
fabricadas pelos laboratórios nacionais e as produzidas pelos estrangeiros.
No entanto, essa realidade rapidamente se transformaria. A produção dos
antibióticos e de outros medicamentos baseados em sínteses químicas
possibilitou um grande desenvolvimento de diversos laboratórios norte-
americanos e europeus. Seu crescimento era fruto de anos de continuados
investimentos em pesquisa e se traduziu na capacidade de desenvolver e
colocar rapidamente no mercado novas drogas de real eficácia para diversas
doenças. Num caminho diferenciado, as empresas nacionais eram pouco
afeitas a investimentos em pesquisas dirigidas à elaboração de novos produtos,
contando com poucos profissionais com formação em alto nível em bioquimica
e farmacologia e com a dificuldade de obtenção da matéria-prima necessária
para a produção das novas especialidades. Dessa feita, não lograram esse
mesmo desenvolvimento, o que as levou a ocupar posições secundárias nos
mercados de medicamentos na chamada “era dos antibióticos”.
Nesse contexto, os laboratórios nacionais começaram a entrar em
crise. O Instituto Vital Brasil, por exemplo, passou por diversas dificuldades
nesse período, até ser encampado pelo governo do estado do Rio de Janeiro
em 1956, e se transformar em instituição pública de produção de
medicamentos. Num movimento contínuo à crise que se instalava na indústria
farmacêutica nacional, as corporações multinacionais começaram a comprar
nossos laboratórios farmacêuticos. Õ Laboratório Paulista de Biologia resistiu
até a década de 1970, quando foi vendido para o Instituto Pinheiros.
Este, atingido pelas mesmas dificuldades de seus congêneres nacionais, foi
incorporado à multinacional Sintex do Brasil em 1972. Para se ter uma idéia
da magnitude desse processo, podemos observar que em 1957, entre os vinte
maiores laboratórios farmacêuticos existentes no Brasil, cinco eram nacionais,
 

 /71 
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108 BOTICAS & PHARMACIAS Vy M&w & 
um SORRISO”

(ÃFlflSPIRINfl
0 REMÉDIO DE CONFIANÇA
ou associados a capitais nacionais: Pinheiros, Moura Brasil,Torres, Fontoura e
Lafi. Cinco anos mais tarde, após a compra do Instituto Pinheiros pela Sintex,
nenhum laboratório nacional constava dessa lista.
Desde então, a produção farmacêutica brasileira tem como
principais produtores as empresas internacionais instaladas no país. Além
disso, na década de 1990 ampliou-se bastante a importação de medicamentos
dos países-sede dos grandes laboratórios multinacionais, que interromperam
a produção nas filiais brasileiras. Com relação aos produtos aqui fabricados,
essas empresas, na maioria das vezes utilizam tecnologia transferida por
parceiras internacionais ou pagam wyalties para as que detêm as patentes.
Segundo dados atuais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, somente uma média de 20% do faturamento do setor
farmacêutico se origina de empresas de capital nacional. No entanto, a lei que
regulamenta a produção e a comercialização dos genéricos tem estimulado
a produção local, promovendo a ampliação da participação dos laboratórios
nacionais em nosso mercado. Nos últimos anos, entre os dez maiores
produtores de medicamentos no país, encontravam-se duas empresas de capital
nacional (Aché e K m s -S igma Pharma). Hoje já são quatro (recentemente
Medley e Eurofarma). Apesar desse crescimento, o grande contingente de
laboratórios nacionais de produção de medicamentos (85%) é composto por
pequenas e microempresas. Além desses se destacam laboratórios oficiais,
na sua maioria filiados à Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais
do Brasil (Alfob), que fabricam 10% da produção nacional.

acima , À e s q u e r d a : Imagem de um n o   a l t o : Criada em t g o o pela p á g i n a   a o   l a d o : Anúncio do


laboratório caseiro, no Rio de Janeiro, companhia alemã Baycr, a aspirina laboratório Paulista de Biologia criado
infeio do século xx, com diversos encontrou um rápido sucesso de em 1912 por pesquisadores do Instituto
instrumentos de preparos. vendas, consolidado com uma eficaz Pasteur de São Paulo. Profissionais
estratégia comercial. ofereciam produtos - soros e vacinas -
em propagandas que apelavam para
imagens que conjugavam ciência c
aparelhos tecnológicos sofisticados.
 

D E S E N V O L V I M E N T O S DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I O 11

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CE : i R o DE CR IAÇÃO: Fa ze nd a S t a . On d i n a ( Mu n i c í p i o de Mo g y d a s C r u z e s )
F I L I AL ' R u a As s e m b l e s 14 ( R i o d e J a n e i r o )
TE L E P H O NE , do E s c r i p t o r i o C e n t r a l , 4 6 1 8 -C i d a d e
DEREÇO TELEGRAPHICO : B i o l o q i c o - C a i x a P o s t a l 1 3 9 2
 

 A formação do farmacêutico
na República

Entre o final do Império e os primeiros anos da República, a


profissão de farmacêutico passou por várias transformações,
provenientes de mudanças nas leis que regulamentavam
o ensino médico e a saúde pública. Umas favoreciam
os interesses dos profissionais formados nas
faculdades; outras, pareciam desmerecê-los,
demonstrando que o setor ainda estava longe de obter
o reconhecimento que objetivava.
Durante o Império, a elaboração de
medicamentos e a administração das farmácias não se
limitavam aos farmacêuticos formados nas faculdades
Er
JL de medicina. Os práticos tinham o direito de exerc er essas
funções a título precário. Fortemente combatida pelos
farmacêuticos diplomados, a concessão desse tipo dc licença
seria reduzida ao prazo dc dez anos, em 1890, c definitivamente abolida
em 1894. Ainda nesse ano os farmacêuticos passaram a ter lugares
reservados no serviço de saúde federal, espaço até então reservado a médicos.
No sentido contrário aos seus interesses, uma reforma do ensino médico
ocorrida em 1901 reduziu a duração dos cursos de farmácia de três para
dois anos, limitando-os a quatro cadeiras: química médica e história
natural no primeiro ano e matéria médica e farmacologia no segundo.
 Além disso, a facu ldade dc med icina da capital feder al, que , desde 1891,
tinha a denominação oficial de Faculdade de Medicina e Farmácia, passou a
chamar-se somente Faculdade de Medicina.
Novas mudanças ocorreram somente em 1910, no âmbito de
uma reforma do ensino superior posta em marcha pelo governo federal.
Pela nova legislação, as instituições de ensino superior criadas pela iniciativa
privada ficavam em igualdade de condições com as antigas faculdades
oficiais, podendo organizar livremente seus cursos e expedir diplomas. A nova
lei do ensino teve como resultado o surgimento de várias faculdades no país,
muitas oferecendo cursos de farmácia. Segundo muitos farmacêuticos, a
nova legislação desarticulou o ensino de farmácia, permitindo a instalação de
diversos cursos que não contavam com infra-estrutura e competência
acadêmica necessárias. Em alguma medida, sua crítica tinha fundamento,
pois muitas dessas escolas tiveram duração efêmera, não chegando a se

a c i m a : Sociedade Portuguesa , A e sq u e r d a :
p á g i n a  a o   l a d o p á g i n a   a o   l a d o , à   d i r e i t a : Fachada
de Benificênci a. Laboratório Farmacêutico do Estado de da Escola de Farmácia de São Paulo.
São Paulo. Lá estudantes de farmácia
aprendiam a preparação magistral.
 

DESENVOLVIMENTOS DA F A KM Á CI A C O N T E M P O R Â N E A 1 1 I

constituir como verdadeiras instituições de ensino. Por outro lado, algumas A Escola de Farmácia de São Paulo
conseguiram se institucionalizar. Bons exemplos são a Faculdade de Em 1894, momento em que a sociedade
paulista fervilhava, movida pela força
Farmácia de Minas Gerais, que se originou em 19 11 de um curso da
econômica do café, foi fundada, na capital do
Escola Livre dc Odontologia de Belo Horizonte, e a Faculdade de Farmácia estado, a Sociedade Farmacêutica de São
da Universidade do Paraná, criada em 1912 como curso de farmácia da Paulo. Primeira associação paulista voltada
Universidade do Paraná. para as questões de saúde, ela foi
> ' #  responsável, em 1898. pela criação da Escola
No que tange à organização curricular dos cursos de farmácia,
Livre de Farmácia. Instituição particular,
a nova legislação procurou modernizá-los segundo o figurino das escolas subvencionada pelo estado, foi inaugurada
existentes na Europa e nos Estados Unidos, que mantinham uma maior em 11 de fevereiro de 1899, tendo como
 vinculação da química à m edicina. As sim , os cursos de farm ácia voltaram diretor o médico Bráulio Gomes. Embora
tivesse um caráter privado, a faculdade
a compreender três anos de estudos, sendo as cadeiras de química analítica,
gozava de todas as regalias dos demais
química industrial, bromatologia e toxologia incorporadas aos seus currículos. institutos de ensino superior do estado
Em 1915, uma nova reorganização do ensino superior de São Paulo, contando inclusive com
(lei n° 1 1.530) restringiu a possibilidade de criação e manutenção de escolas financiamento do governo estadual.
Durante muitos anos a Escola Livre de
livres, que passariam a ter seus cursos fiscalizados pelo Conselho Federal de
Farmácia de São Paulo foi a principal
Ensino como requisito para a validação dos diplomas que outorgavam. instituição de ensino da área médica em
 A nova lei ex igia , entre outras medidas: um program a minimo dos cursos São Paulo. Somente a partir de 1912, com
ministrados, aprovado pelo fiscal do Conselho; rigorosos exames vestibulares; a criação da Faculdade de Medicina do
Estado, essa situação se alterou. No entanto,
 bons laboratórios; um cor po docente esco lhido por con curso público de
a Escola continuou com sua trajetória
provas. No que tange ao currículo de farmácia, essa legislação separou a autônoma por várias décadas. Em 1934,
 bromatologia da toxo logia e criou a cadeira de microbiologia em com a criação da Universidade de São Paulo,
conformidade com o desenvolvimento que essa disciplina vinha tendo no pais a Escola de Farmácia foi a ela anexada.

a partir da criação de institutos biomédicos públicos e de sua crescente


importância para a atividade farmacêutica.
 

I 1 2 B O T I CA S Si  P H A R M A C I A S

Escola Livre de Farmácia e Química Em 1925, no governo Arthur Bernardes (19 19 -2 2) , uma nova
Industrial de Porto Alegre reforma do ensino - Reforma Rocha Vaz - equiparou os cursos de farmácia e
Embora o ensino médico nos primeiros anos
de odontologia das faculdades oficiais (e das escolas submetidas à fiscalização
da República estivesse restrito às faculdades
do governo federal existentes no Rio de do Conselho Superior de Ensino) aos cursos-universitários de medicina,
Janeiro e na Bahia, o final do século xix foi engenharia c direito. Os cursos de farmácia passaram a exigir exames
marcado por algumas tentativas locais de preparatórios das diversas disciplinas científicas, tiveram seu currículo
implantação de cursos no campo da saúde
ampliado para quatro anos, aumentado o número de suas matérias, e foram
fora da órbita do governo central. No Rio
Grande do Sul, onde eram muito bem-vistas instituídos sistemas de avaliação baseados em exames escritos, freqüência
as concepções positivistas de liberdade às aulas e estágios.
profissional, essas iniciativas se mostrariam  A partir da década de 1930, o ensino de farm ácia no Brasil
frutíferas. Em 1894 foi criada a Sociedade de
passaria por várias m udanças curriculares, relacionadas principalmente
Farmacêuticos, Proprietários de Farmácias
e Droguistas da cidade de Porto Alegre. às transformações da prática farmacêutica. Pretendia-se, agora, aproximar a
No ano seguinte, a sociedade levou a cabo formação profissional das novas atividades industriais e de serviços no campo
um dos seus mais propalados objetivos: da produção de medicamentos e alimentos e na área dos exames laboratoriais.
a criação de uma Escola de Farmácia.
Com esse objetivo, em 1962 o Conselho Federal de Educação criou um
Inicialmente dirigida pelo farmacêutico
Alfredo Leal, a Escola Livre de Farmácia e currículo mínimo para os cursos de farmácia. Com a reforma universitária
Química Industrial iniciou seu curso em de 1968, esse currículo passou por ligeiras mudanças, mas manteve sua
1897, em salas cedidas pelo governo do característica essencial: a formação diferenciada. Pela nova legislação,
estado. No ano seguinte, seus dirigentes
o currículo mínimo para a formação de farmacêuticos compreendia um ciclo
resolveram aproximá-la do curso de
partos, que funcionava nas dependências pré-profissional formativo; um ciclo básico comum, para a formação de todos
da Santa Casa da Misericórdia de Porto os farmacêuticos, e um ciclo diversificado, voltado para a formação de
Alegre. A união das duas instituições farmacêutico industrial ou de farmacêutico bioquímico. Com algumas
originou a Faculdade de Medicina e
alterações, essa estrutura permanece até hoje em vigor. Ela tem por objetivo
Farmácia de Porto Alegre, que passou
a oferecer cursos de farmácia, medicina, assegurar ao farmacêutico e ao farmacêutico bioquímico condições de
odontologia e obstetrícia. exercer atividades em laboratórios de saúde pública, de manipulação
magistral farmacêutica (farmácias, hospitais, drogarias), empresas industriais
farmacêuticas, indústrias alimentícias, ervanários etc.
 

D E S E N V O L V I M E N T O S DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I I ;

m   __ _.11 - '
£

p á g i n a   a o   l a d o : Professor instrui acima : Tradicional firma do ramo


alunos durante aula na faculdade médico-hospitalar e odontológico.
de farmácia da Universidade do Brasil. a Casa Lohner produziu o primeiro
aparelho destinado a realizar exames
pulmonares em série no Brasil,
na década de 1930.
 

5 .)
Farmácias e práticas farmacêuticas

 A partir da década dc 1930, a exp ans ão dos laboratórios


farmacêuticos nacionais e estrangeiros e a conseqüente
ampliação da utilização de suas especialidades geraram
uma verdadeira revolução na organização da farmácia
e na prática dos farmacêuticos. Sc até os anos 1920 a
utilização dc medicamentos prontos ainda era pequena,
nos anos 1930 passa por forte incremento, fazendo
com que a procura por produtos elaborados pelos
farmacêuticos em seus estabelecimentos se reduzisse
fortemente. Vários fatores se relacionam a essa mudança.
No âmbito mais geral observamos que o processo de
 t  
 
 i  
 
modernização do 'país; caracterizado pela forte
 l  
industrialização e urbanização, aos poucos transformou
os hábitos de consumo da população, tornando-a cada
 vez mais afeita ao con sum o de pro dutos industria lizados,
elaborados por grandes empresas que passaram a
incorporar em suas estratégias de mercado a forte
utilização da propaganda.
No campo específico do consumo de medicamentos, esse
processo se relacionou à revolução terapêutica iniciada, em 1935, com
a fabricação em escala industrial da sulfanilamida pela Baycr, sendo posta
em marcha com o desenvolvimento dos antibióticos na década seguinte.
O aparecimento desses produtos tornou obsoleta boa parte dos
medicamentos então em uso, determinando a ampliação do consumo de
especialidades elaboradas em grandes laboratórios. A ação dessas empresas
logo ultrapassou os limites de seus países de origem. De início, com
a exportação de seus produtos. Em seguida, com a montagem dc filiais
em diversas partes do mundo.
No Brasil, a presença das multinacionais dos medicamentos se
inicia no final do século xix, e se intensifica bastante na década de 1930.
Nesse período, sete grandes laboratórios farmacêuticos europeus se instalaram
no pais: a Bayer, em 1890; a Rhodia, em 1919; o Lab oratório Beech am, em
1922; a Merck, no ano seguinte; a And roma co, em 1928; a Roche, em 1931; a
Glaxo, em 1936; e a Ciba, em 1937. Além desses vieram os norte-americanos
Sidn ey Ross , em 1920; Johnson & Johnson, em 1936; e Ab bo t, em 1937.
 

DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA 1 I

CLTLTLO^

E L I X I R DE

J IN H A M E , I
M  D E P U R A T IV O T O N I CO S A B O R O S q l^ '

Guarde este livrinho com cuidado: eüe lhe prestará


serviços inestimáveis nos momentos de aiiliçâo.
V l d » p a g i n a 19

p á g i n a   a o   l a d o : Propaganda do ACIMA, IMAGEM MAIOR: Como ACIMA, IMA GEM ME NC


laboratório Silva Araújo. A partir dos estratégia de marketing, farmácias Almanaque Cuaraina
anos 1930 há um expressivo aumento da e laboratórios retomam a antiga
procura por produtos industrializados. tradição dos almanaques.
 

1 16 BOTI CAS & I M I A K M AC I A S

 Venda de remédios: do reclamo ao m e r c ha nd ising

Os médicos foram um dos principais agentes responsáveis pela ampliação


do consumo dos produtos farmacêuticos, receitando, cada vez mais,
medicamentos prontos, em substituição aos elaborados nas farmácias.
 A ação dos médico s em fav or dos novos
produtos também era fruto de uma nova forma de
propaganda que inVadia o mercado dos medicamentos.
 Até então, a propagand a dos med icam entos era feita
de forma ampla, tendo como alvo os consumidores.
Nesse periodo, os laboratórios estrangeiros passaram a
também pôr em prática uma propaganda exclusivamente
 voltada para os méd icos. Esses deve riam ser os
novos mediadores do consumo, indicando aos seus
pacientes medicamentos de fabricantes específicos. A eles
era dirigida toda uma propaganda que se concentrava em
mostrar o valor terapêutico dos novos produtos, sua
forma de elaboração e as vantagens que trazia em relação
a seus concorrentes. Amostras grátis, bônus, brindes e
forte atuação de representantes comerciais eram as
principais armas para atrair o interesse dos médicos. Além
disso, os medicamentos desses laboratórios passaram a
conter uma novidade: as bulas. Esse detalhado conjunto
de instruções auxiliava o médico, ao apresentar a
composição do medicamento, e também era de grande
 valia ao consumidor final, por indicar a for ma de
utilização c armazenamento do produto. O esforço para
atingir os médicos não representou o abandono da
propaganda popular. Pelo contrário, esta ganhou sofisticação e agressividade,
com belas imagens, textos bem construídos e utilização maciça dos mais
diversos meios de comunicação, voltando-se prioritariamente para produtos
sintomáticos de ampla utilização.

Das farmácias às d r n g s t o r e s :
nova fórmula, nova rotulagem
Tudo isso colocava cm xeque o papel das farmácias e farmacêuticos.
No âmbito da nova terapêutica, era impossível disputar com os modernos
laboratórios a liderança na fabricação de medicamentos. As farmácias não
poderiam contar com instalações, instrumentos e pessoal qualificado
suficientes para produzir as especialidades cada vez mais receitadas pelos
médicos. Além disso, sofriam uma forte concorrência das drogarias que
 

DESEN VOLVI MENT OS DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I I

p á g i n a   a o   l a d o : Almanaque do acima : Almanaque Capivarol.


laboratório norte-americano Sidney
Ross, que chegou ao Brasil em 1920.
 

118
bo t ic a s &
 bh a r ma c ia s

compravam os produtos por atacado dos laboratórios e


os revendiam por preços mais elevados para as farmácias
e o grande público. Nesse contexto, a transformação das
farmácias em estabelecimentos voltados exclusivamente
para o comércio de medicamentos industrializados
e produtos variados parecia inexorável. Mas essa
possibilidade era extremamente frustrante para os
farmacêuticos, já saudosos do passado glorioso de sua
profissão. Em meio à crise que cada vez mais parecia
se ampliar, eles apresentavam diferentes diagnósticos e
propostas para transformar a situação.
Para alguns farmacêuticos, boa parte dos
problemas se devia ao fato de pessoas sem a formação
universitária em farmácia poderem ser proprietários,
ou estar à frente, de estabelecimentos farmacêuticos.
No seu entender, a possibilidade de práticos e licenciados
sem diploma superior administrarem farmácias desqualificava a profissão e
os estabelecimentos farmacêuticos. Outros acreditavam que as dificuldades
se relacionavam ao excesso de farmácias existentes nas grandes cidades e à
desunião dos profissionais fa rmacêuticos, *que não se entendiam com relação
a quais estratégias deveriam ser utilizadas para valorizar a profissão.
 A literatura sobre o tema, escrita à épo ca, está repleta de sugestões para a
elaboração de uma legislação que limitasse o número de farmácias e
aumentasse a fiscalização sobre as existentes.
O farmacêutico Cândido Fontoura, dono do Instituto Medicamenta
e presidente honorário da União Farmacêutica de São Paulo, chegou
a elaborar um questionário indagando a opinião dos farmacêuticos sobre a
limitação do número de farmácias nas diversas regiões do país e sobre a
ampliação do comércio de produtos diversos (não-terapêuticos) nas farmácias
existentes. Seu questionário foi enviado a mais de seis mil farmacêuticos
 brasileiros. Da s 248 respostas obtid as, apenas a metade dos farmacêuticos
que emitiram opinião era favorável à regulação do número de farmácias, e
22% viam com bons olhos a ampliação do comércio de produtos diversos nas
farmácias. As respostas c comentários ao questionário foram enfeixados num
livro sobre o tema, pub licado em 1938, que discorria sobre os problemas
das farmácias no período, enfatizando a questão da perda do monopólio da
formulação e conclamando os farmacêuticos a se organizarem em entidades
que lutassem pela valorização de sua profissão.
Havia ainda um grupo de farmacêuticos que via no processo cm
curso um conluio entre os médicos e a indústria farmacêutica estrangeira, que
deveria ser combatido com uma legislação que obrigasse os médicos a receitar
produtos elaborados nas farmácias, sempre que fosse possível. Essa proposta
foi pela primeira vez apresentada sob a forma de moção pelo Congresso
 

DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA I I I)

Farmacêutico, reunido em São Paulo cm 1928. No entanto, ela foi várias vezes
rechaçada pelos médicos, principalmente aqueles ligados ao Sindicato Mé dico
Brasileiro, que achavam a postulação xenófoba e denunciavam uma nostalgia
dos velhos tempos em faee do progresso e da eficiência terapêutica, então
representados pelos produtos dos laboratórios estrangeiros.
N o con text o de nacionalismo crescente dos anos 1930, a inelutável
dinâmica do desenvolvimento da produção de medicamentos e suas
conseqüências para as farmácias foram muitas vezes relacionadas à chegada
dos laboratórios estrangeiros. No entanto, os problemas vividos pelos
farmacêuticos brasileiros não se relacionavam a essa questão. Fabricados
por empresas nacionais ou estrangeiras, os novos medicamentos retiravam
dos farmacêuticos seu papel como agente coadjuvante do processo de cura,
transformando-os em técnicos, muito mais voltados para a consultoria na
produção e comercialização de medicamentos e outros produtos químicos.
No âmbito das farmácias, as mudanças em curso cada vez mais as
transformavam em drugstores ou drogarias, voltadas prioritariamente para
a comercialização das especialidades elaboradas nos laboratórios
farmacêuticos e produtos diversos de beleza, alimentação e utilidades do lar.
Cândido Fontoura, em seu livro Farmácias e farmacêuticos no Brasil  
(1938), resume bem esse proeesso, apontando o caminho já trilhado pelos
Estados Unidos como o mais viável para as nossas farmácias:

 Há vinte anos me pareciam mais adaptáveis ao nosso pais as leis da 
 farmácia européia. Mas tudo se modificou profundamente  (...) e 
a farmácia não poderia fugir a essa grande revolução universal.
 Por exemplo: os médicos dos paises civilizados preferem no seu receituário 
os produtos injetáveis e as especialidades (remédios industrializados). 
 Raramente formulam. Terão para isso razões fones, que não nos compete 
examinar. Mas essas preferências do médico e do público pelas 
especialidades modificaram profundamente a farmácia, e o farmacêutico 
tem de se adaptar, quer queira, quer não, a essa nova situação de que 
ninguém tem culpa. Junte-se a isso novos métodos de cura que não 
 precisam da farmácia alopática, como sejam a eletwlerapia, hidroterapia, 
homeopatia, psicoterapia, espiritismo curativo etc.
 Fssa tremenda modificação que ora estamos sentindo, os 
norte-americanos já sentiram muito antes, razão pela qual, sem 
 prejudicar a parte cientifica, enveredou a farmácia norte-americana 
 pela ampliação de seu comercio, para a melhor garantia de tudo e 
de todos. Bem compreenderam que a miséria è péssima conselheira. 
 Precisamos meditar e não nos iludir, afim de que 0 encontro da melhor 
saida se torne menos difícil.

p á g i n a   a o   l a o o : Uma farmácia no À direita ,acima: Capas dos almanaques


subúrbio do Rio avisa que não tem Brasilidades e Colírio Moura Brasil.
filiais. A essa altura, estabelecimentos
farmacêuticos já estavam voltados
apenas para a venda de produtos
industrializados: perda da função
social do farmacêutico e de um
passado glorioso.
 

6 .)

Órgãos de classe
E SOCIEDADES FARM ACÊUTICAS

No início do período republicano, encontramos associações farmacêuticas


no Distrito Federal e em algumas importantes cidades no Rio Grande do Sul,
em Minas Gerais e em São Paulo. Já na década de 1930, oito estados
apresentavam associações. Nesse mesmo período, Cândido Fontoura
contabiliza 19 revistas farmacêuticas. A União Farmacêutica de São Paulo
é a mais antiga dessas entidades ainda em funcionamento. No ano de 1916,
foi criada na capital da República a Associação Brasileira de Farmacêuticos,
que mantém atualmente uma biblioteca e um museu da farmácia. Além de
promover cursos e congressos, vem estimulando o estudo de plantas, drogas
c matérias-primas nacionais, e incentivando o intercâmbio cultural e
profissional entre os pares, no Brasil e no exterior. Desde 1922, essa entidade
realiza os Congressos Brasileiros de Farmácia. Também é de sua
responsabilidade a edição da  Revista Brasileira de 
CÂNDIDO FONTOURA  Farmácia, que mantém sua periodicidade desde 1920.
 A primeira  Farmacopeia brasileira,  surgida em 1926, e
tornada obrigatória a partir de 1929, foi patrocinada por

PHARMACIA essa associação. Os Conselhos Federal e Regionais de


Farmácia, criados por lei, em 1960, destinam-se à defesa
E dos interesses profissionais e a zelar pelo seu código de
ética. O Conselho Federal, além de habilitar os
profissionais farm acêuticos, expede resoluções relativas
PHARMACEUTIC05 à interpretação da legalidade de suas atribuições e
competências, colaborando também com as autoridades
NO sanitárias. A revista  Pharmácia Brasileira, publicada desde
1996, é de sua responsabilidade.
BRASIL

 /A /S T /T U T O M E D /C A M E N T A
ESTABELEQ/MENTO SC/ENT/F/CO - /NOUSTR/AL 
 SAO PAULO - BRAS/L-K}38.
 

7.)
Novas respostas aos antigos desafios
T E N D ÊN C I A S AT L A I S

Hoje são vários os desafios de inovação para a indústria


farmacêutica. No campo dos produtos de uso profilático,
a elaboração de vacinas para as novas epidemias virais
como a gripe e as febres hemorrágicas é um deles. Além
disso, a reemergência de doenças bacterianas, como a
tuberculose e a malária, mostra a necessidade de novos
imunizantes mais eficazes contra esses antigos males que
pareciam destinados a desaparecer pelo desenvolvimento
das práticas de higiene. No campo curativo, a meta
primordial é a elaboração de antivirais mais eficientes
e menos tóxicos, que possam ser utilizados contra a Aids e
 venham a dom esticar uma possível epidemia de influenza.
Com a ampliação da utilização dos
medicamentos modernos, a farmácia cada vez mais foi
se consolidando como espaço de comercialização de
produtos industrializados, em sua maioria voltada para a
saúde e a higiene, mas muitas vezes também relacionados
à beleza e pequenas utilidades domésticas. A partir da
década de 1950, esgota-se o longo ciclo da farmácia
oficinal, em que o renome do farmacêutico era o principal
motivador da escolha por uma determinada farmácia.
 Agora, as estratégias administrativas e comerciais,
diretamente relacionadas à ampliação do consumo,
tornaram-se mais importantes para o sucesso no setor.
No que tange à organização técnica dos
estabelecimentos farmacêuticos, o decreto 20.377 de
19 de janeiro de 1931 definiu que o comércio de
medicamentos não seria mais privativo de farmacêutico.
 Apesar das diversas modificações na legislação do setor,
essa premissa vigora até os dias de hòje. Embora as farmácia;, _, 0 .............  ___ 

a estar sob a responsabilidade técnica de um profissional farmacêutico, não


é ele que as dirige, tampouco a propriedade desses estabelecimentos está a ele
 vinculada. A legislação que dispõe sobre o comércio de medicamentos
também não determina a localização dos estabelecimentos farmacêuticos por
critérios populacionais. Assim, sua criação e manutenção se vinculam

: Em 1938. Cândido
p á g i n a  a o   l a d o a c i m a : Remédios cm larga escala:
Fontoura publica Farmácia c  desafio da indústria hoje é a produção
farmacêuticos no Brasil,  contabilizando de antivirais mais eficazes c menos
19 revistas farmacêuticas no pais. tóxicos, que possam ser utilizados
A partir de 1920. a Associação Brasileira contra doenças como a Aids.
de Farmacêuticos edita a Revista 
brasileira de farmácia.
 

1 2 2 BOTI CAS & 1*11 A R M A C I A S

a  ' i. • .
prioritariamente aos interesses de mercado, sem precisar levar cm conta as
demandas de populações especificas.
No primeiro ano deste século, existiam no país cerca de 50 mil
farmácias, sendo o Brasil o país com o maior número desses estabelecimentos
no mundo. Levando-se em consideração uma população de 173 milhões de
habitantes ( i b g e ) , o   país contava com uma proporção de 3,17 farmácias
por 10 mil habitantes. Embora essa cifra seja bastante elevada, a distribuição
irregular desses estabelecimentos muitas vezes dificulta o acesso da população
aos medicamentos. Por outro lado, a forte concentração de farmácias é
responsável pela busca de melhores políticas de preços.
 A partir das últimas décadas do século xx, o setor de venda de
medicamentos passou por uma nova transformação, agora caracterizada pela
formação de grandes redes de farmácias c drogarias. Centralizando e
informatizando seus estoques e racionalizando seus pontos-de-venda, algumas
empresas se consolidaram como as principais redes de venda de
medicamentos no varejo do país. O ganho em eficiência obtido por um novo
tipo de empresa - a distribuidora de medicamentos - permitiu a muitas
farmácias atenderem melhor seus clientes e garantiu assim a expansão desse
serviço e, em decorrência, a consolidação de grandes redes.
 Ap esa r da expans ão das redes de farm ácias e drogaria s, a maior
parte do faturamento do setor de venda de medicamentos ainda é proveniente
de farmácias independentes, que também permanecem ampliando seu
número de unidades, principalmente nas periferias das regiões

a c i m a   e  P Á c i N A a o   l a d o : Cenas da
larga produção da indústria
farmacêutica no Brasil. Segundo
pesquisa, no primeiro ano deste século
existiam no país cerca de cinquenta mil
farmacias, número que coloca o país
na liderança de estabelecimento do
gênero no mundo.
 

DESENVOLVIM ENTOS DA FA R M Á CI A C O N T E M P O R Â N E A I  2   }

metropolitanas, normalmente não assistidas pelas grandes


redes. Por trás dessa expansão encontra-se o
florescimento, no mesmo período, de um grande número
de centrais de distribuição de medicamentos. Também
contando com estoques automatizados e grandes
estruturas logísticas e de distribuição, dezenas de
empresas desse tipo se espalharam pelas diversas regiões
do pais, abastecendo as farmácias com os produtos dos
diferentes laboratórios. As redes e farmácias
independentes somam-se, ainda, um pequeno número
de farmácias de manipulação, voltadas para o
atendimento de um público com maior poder aquisitivo,
consumidor de produtos individualizados, principalmente
os de beleza e os homeopáticos.
De olho no consumidor, os estabelecimentos
farmacêuticos apresentam algumas tendências em
processo de consolitiação. Uma delas é o oferecimento
de serviços diversificados à população. Se antigamente o
público procurava as farmácias para aplicação de injeção
ou verificação de pressão arterial, agora podemos pagar
contas de eletricidade ou o telefone em muitas delas. Esses serviços funcionam
como um atrativo a mais, uma vez que grande parte dos que deles fazem uso
acaba comprando algum produto do estabelecimento. Outra tendência
do setor é a diversificação dos produtos comercializados. Acompanhando
o formato das dnigsiores norte-americanas, as farmácias brasileiras têm nesse
•• \ <0
mecanismo uma forma de ampliar as vendas e tornarem-se mais competitivas
com relação à concorrência. Outra característica que cada vez mais se amplia
no setor é a utilização de marcas próprias. Tal qual as grandes redes de
supermercados, as redes de farmácias vão cada vez mais ampliando suas
marcas, principalmente no comércio de produtos de beleza e higiene, de preço
menos elevado. Soma-se a essas tendências algumas outras já mais
consolidadas, como a entrega domiciliar e a multiplicidade de formas
de pagamento, já presentes em grande parte dos estabelecimentos.
Neste início do século xxi, as farmácias não apresentam quase nada
do perfil que detinham até meados do século passado. O farmacêutico
preparador e seu tradicional estabelecimento deram lugar a modernas casas
comerciais, preocupadas principalmente com qualidade de atendimento,
politica de preços e diversidade de produtos. As farmácias atuais permanecem,
assim, prestando um valioso serviço, pois são elas as responsáveis pela maior
parte da distribuição de medicamentos à população brasileira.
 

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DESENVOLVIMENTOS DA F A RM ÁC I A C O N T E M P O R Â N E A 1 2 7

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