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^ SA D A l É a P A L A V R A
Pesquisa Iconográfico
Be n t o Ma r z o Cl P-BRASI L. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
M a r i a R e g i n a C o t r i m SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M o n i q u c G o n ç a l v e s C e r q u e i r a E25,b
V e r ô n i c a P i m e n t a V e l l o s o
Edler. Flavio Coelho, 1960-
Preparação dc Original Boticas e pharmácias : uma história ilustrada da
C r i st i a n e Pa c a n o w s k i farmácia no Brasil / Flavio Coelho Edler - Rio de
Janeiro : Casa da Palavra, 2006
Revisão i6op.: il.
L en y C o r d e i r o
Inclui bibliografia
ISBN 8 $- 7 7 3 4 -0 0 4 -X
Versão em Inglês
M a r ia n a P e r r i 1. Farmácia - Brasil História Obras ilustradas.
2. Farmacêutic os Brasil - Histór ia. 3. Industria
Revisão da Versão em Inglês farmacêutica Brasil Histór ia. 4. Medicamento s
M ò n i c a G i g l i o Brasil Histór ia. I. Título.
Reproduções Fotográficas 06-1292. CD D 613.0981
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Sumário
8 Apresentação
PARTE 1 .)
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL
14 A sociedade luso-brasileira, suas doenças e condições sanitárias
24 A mata é a botica dos índios
30 As ordens religiosas: a assistência médica como caridade
34 Sob o império de Galeno: as doenças e seus tratamentos
na tradição médica européia
42 As farmacopéias portuguesas e os tratados de naturalistas,
médicos e cirurgiões do Brasil colonial
48 O cozinheiro do médico e sua botica
PARTE
Boticas e boticários
no Brasil Colonial
» A sociedade luso-brasileira, )) Tratados médicos e
suas doenças e a farmacopéias portuguesas
legislação sanitária
>) O boticário: suas origens e seu
>) Me dicamentos e terapêutica ofício; sua relação com os
entre índios e escravos demais terapeutas; as diferentes
•• M j
for mas de inserção social e
» As ordens religiosas e a sua atuação política antes da
assistência médica na Colônia vinda da corte portuguesa
1.)
A sociedade luso-brasileira
SUAS d o e n ç a s e c o n d i ç õ e s s a n i t á r i a s
) R l a N a t v r a i . i s
A S I L I A E J
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l 6 B O T I C AS & P H A R MA C I AS
e pobres sitiantes não viviam em condições muito melhores do que Bons conselhos do Erário mineral
algumas categorias de escravos e se distanciavam muito da elite branca, Os medicamentos que se aplicarem às
enfermidades das minas sejam sempre de
de fidalgos, clérigos e comerciantes.
qualidades quentes em sua natureza, ou que
Durante os três primeiros séculos da colonização brasileira, a inclinem a quentes, porque as doenças do tal
sociedade branca recorreu indiferentemente às formas de cura trazidas da clima pela maior parte procedem de causas
Europa ou àquelas a que diversas etnias, com as quais se manteve em frias, e, por esta razão, os que são de sua
natureza quentes obram excelentemente, como
constante contato, utilizavam para lutar contra os males que as acometiam.
a aguardente do Reino, a água do chá, a água
Mesmo os portugueses opulentos, muito embora se tratassem com seus de capeba, de que hei de falar muitas vezes e
médicos, cirurgiões e barbeiros vindos de Portugal, não hesitavam, quando queira Deus inclinar os ânimos a darem crédito
precisavam curar suas feridas, em se servir do óleo de copaíba utilizado pelos ao que se disser (de que resultarão grandes
proveitos), que tudo será com ajuda do mesmo
indígenas para esse fim. Depois, com a vinda dos escravos africanos, aderiram
Senhor, verdade lisa e sem dúvida: e outros
igualmente a certas curas relacionadas com a magia, como nos revelaram os muitos remedios. Os medicamento que se
documentos das visitas inquisitoriais do Santo Oficio. apli care m aos olhos sempre hão de serfrios, isto
Os próprios franceses conheceram e fizeram uso de plantas é, sem se aquentarem, e pelo contrário, os que
se aplicarem aos ouvidos sempre hão de ser
medicinais indígenas, no período das invasões francesas comandadas por
mornos: isto. digo para os principiantes e tudo 0
Villegaignon (1 5 10 -7 1). Um naturalista fran cês, Jean de Lé ry (1 53 4 -16 11 ), mais para o comum. (Op. cit.)
que esteve no Brasil entre 1555 e 1556, descreveu o tratamento e a gravidade do
piã (doença semelhante à sífilis): “ O iurare tem a casca espessa de meio dedo e
é muito agradável ao paladar, principalmente quando colhido fresco; os dois
botânicos que vieram conosco afirmavam ser um a espécie de guaiaco. Os índios
o empregam contra o piã, doença tão grave entre eles como entre nós a bexiga” .
Nas correspondências avulsas encetadas entre metrópole e colônia
enfatizava-se com freqüência a falta de médicos, remédios
e hospitais. Mas, ao contrário da avaliação apressada
realizada por alguns historiadores que afirmavam ser a
falta de médicos o fator responsável pelo grande número
de curandeiros e charlatães, é preciso que se pergunte:
quais setores da população se ressentiam da escassez
desses profissionais? Ora, o florescimento das demais
artes de cura esteve intrinsecamente ligado às diferentes
raízes culturais das populações aqui residentes. Além
disso, os missionários jesuítas - principais suportes da
educação colonial que tomaram para si o papel de
curadores - aproveitaram muito da medicina indígena,
tornando as plantas medicinais brasileiras famosas em
todo o mundo. Pelas mãos dos jesuitas, a triaga brasílica,
uma panacéia composta de elementos da flora nativa, que
chegou a ser a segunda fonte de renda da ordem jesuítica
na Bahia, ganhou fama internacional. Aos jesuítas deve-se
imputar a iniciativa pioneira de intercâmbio entre esses
universos da medicina, já que eles também absorviam o
saber dos físicos, cirurgiões e boticários, aplicando-os nos
precários hospitais da Santa Casa da Miseri córdia . I
.Jí/*
Regulamentação sanitária
No tocante à legislação sanitária, é preciso registrar que desde 1430 o rei de
Portugal exigia que todos os que praticavam medicina fossem examinados e
aprovad os pelo seu médico, também den ominado físico. Em 1448, o
regimento do cirurgião-mor, sancionado em lei do reino, explicitava dentre
os encargos da função a regulamentação do exercício da medicina e cirurgia
por meio de licença, legalização e inspeção de farmácias.
As Ordenações Filipinas, de 1595 (“ Ordenações do reino de Portugal
recopiladas por mandado d’el rei d. Filipe, o Primeiro”), que tratavam de todos
os assuntos de interesse da Coroa, ditavam também regras sobre padrões para os
pesos e medidas. Podemos ver que, por essa legislação, o boticário era tido como
um comerciante submetido às mesmas normas que o peixeiro, o carniceiro, o
ourives e os fabricantes de velas, entre outros. O boticário - assim como diversos
outros comerciantes - teria de, ao menos uma vez ao ano, no mês de janeiro,
“afilar” seus pesos e medidas, ou seja, verificar se eles se mantinham dentro do
padrão estipulado. O responsável pelo controle e pela aplicação de penas a quem
deixasse de afilar ou de seguir o padrão era o almotacé-mor, ajudado por
oficiais. Os pesos e medidas do padrão, em Portugal, que tivessem mais de meia
arroba ficavam nas Casas da Câmara, de onde não poderiam sair. Os padrões
eram definidos e distribuídos entre os diversos ofícios, como podemos ver a
partir de um extrato das Ordenações Filipinas:
42. Os ourives terão uma pilha de quatro marcos, convém, a saber, dois
marcos na pilha, e dois outros nos pesos miúdos. (...)
46. Os que fizerem candeia de sebo terão dois arráteis, e um arrátel, e
meio arrátel. (...)
49. Os Boticários terão dois arráteis, e meio arrátel, duas quartas de
arrátel e 16 onças pelo miúdo, que são arrátel e oito oitavas pelo miúdo,
que são tuna onça para passarem as mezinhas.
L I S B O A O C C I D E N T A L.
Na QíSc-ra * A NT O N I O 1’KDROZO GALKAÓ.
1 réis para 0 Fisico-mor, quatrocentos e oitenta réis para cada um dos cinco
examinadores da cone, quatrocentos e oitenta réis para o escrivão do juízo,
e cargo do dito Físico-mor do Reino, quatrocentos e oitenta réis para 0
t
meirinho do juízo, e quatrocentos e oitenta para 0 escrivão da vara do
mesmo meirinho, e quatrocentos e oitenta de esmola para os santos Cosme e
Damião, por ser este o estilo praticado sempre em semelhantes exames.
B O T I C A S H B O T I C Á R I O S N O B R AS I I . C O L O N I AL ?- 3
2 .)
Ap esa r de não termos documentos escritos pelos pró prio s índios, apenas os
registros deixados pelos brancos, muitas vezes preconceituoso s, o fato é que
portugueses, holandeses e franceses salientaram os conhecimentos indígenas
sobre as ervas medicinais, aos quais freqücntemente recorreram. Anotava o
jesuíta Sim ão de Vasconcelos , no século xvii, que “ em suas curas ri-se esta
gente de medicamentos compostos; só nos simples dos campos têm sua
confiança; e estes lhes ensinou a natureza, e o uso, como a arte dos melhores
4 VASC ON CEL OS , Simão de. médico s” .4Naq uelas sociedades sem escrita, com um nível rudimentar de
Crônica da Companhia de Jesus, divisão do trabalho c hierarquização social, o enfermo e o indivíduo
Petrópolis: Vozes, 1977, ( i aed.
responsável pela sua cura compartilhavam os mesmos pressupostos e crenças
1663), apttd Frédéric Mauro,
Nova história da expansão sobre a estrutura do corpo e suas funções na saúde ou na doença.
portuguesa. O Império Luso- Em seus esforços para sobreviver em um ambiente natural
Brasileiro potencialmente hostil, aquelas sociedades de caçadores-coletores
(1620-1750). Lisboa: Ed.
representavam seu mundo como dividido cm um domínio físico e outro
Estampa, 1991, P- 271.
espiritual, e adotavam certo número de técnicas para fazer face aos problemas
relativos ao sofrimento humano. Essa medicina reunia aspectos mágicos
e receitas empíricas, tal como o uso de amuletos, encantamento, mudanças
dietéticas e preparados botânicos nem sempre inócuos. Mudanças no
comportamento, como repouso e reclusão, eram complementadas com
rezas, rituais c confissões.
Doenças comuns eram tratadas de um modo puramente
naturalístico. Doenças raras e de maior gravidade eram percebidas como
grave ameaça à coesão social. Por isso, requeriam maiores e mais espetaculares
esforços, envolvendo a manipulação de um domínio compreendido como
sobrenatural, voltado à identificação da entidade ou espirito maligno que
uramente naturalistico
is consideradas mais
am a manipulação de 1
? ordem sobrenatural.
2 6 BOTICAS & P H A R M A CI A S
7 Apud DIAS, Maria Odila os homens bons preocupavam-se em conservar os matos próximos dos
da Silva Dias. “ Sertões do arraiais, onde muitos eram “vistos e experimentados cm raizes, ervas,
Rio das Velhas e das Gerais: plantas, árvores efrutos, por andarem pelos sertões anos e anos, não se
vida social numa frente de
curando de suas enfermidades, (sic) senão com as tais coisas e por terem
povoamento - 1710-1733” .
In: FERRE IRA, Luis Gomes, muita comunicação com os carijós, de quem têm se alcançado coisas boas”.7
Erário mineral (Org. Júnia
Ferreira Furtado). Belo O naturalista Von Martius (1794-1868), que esteve no Brasil no
Horizonte: Fundação João
período joanino e interessou-se vivamente pela medicina c terapêutica
Pinheiro; Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, indígenas, comentou o efeito dc certas ervas frescas que um pajé empregou
2002. p. 53. numa “úlcera maligna” no pé de um escravo negro de sua comitiva, “que se
PÁGINA AO LADO, ACIMA: Os africanos PÁGINA AO LADO, ABAIXO: acima : Na rara imagem do século
3 .)
As ordens religiosas
A A S S I S T Ê N C I A M É D I C A C O M O C A R I D A D E
Botica de ordem religiosa necessidades c enfermidades que sobrevivem aos ver quem disso bem entenda, assim para a
O boticário será um religioso sacerdote de religiosos, fazendo e m andando fazer as águas bondade delas, como para o preço. Dc todos os
muita caridade e curiosidade, e que tenha destiladas, xaropes, pílulas e mais compostos de simplices. c compostos da botica terá muito
alguma ciência da botica ou experiência dela. que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem cuidado, para que não se corrompam, e quando
ao qual se dará religiosos, ou seculares que o o saiba bem fazer, quando em casa o não houver de faze r algum as coisas daquelas, que se
ajudem; procurando sempre haver pessoa que houver para tudo ser perfeito; e pedirá ao costumam fazer de noite, dará conta sempre
saiba bem da botica pelo que importa à saúde Prelado todo o açúcar necessário, que terá por disso ao Prelado para que saiba a ocasião de
dos religiosos, credito e bom serviço da botica, e rol para dele dar conta por inteiro. Não dará sua falta e o que passa naquelas horas, e
assim deve estar o boticário presente à visita para fora Mezinha alguma sem licença do tempo, e procurará sempre assistir nessa oficina.
pela manhã, e tarde, para notar bem as Prelado, excepto pós comuns, unguentos, e Códice existente no Arquivo Nacional da
mezinhas que se mandem dar a cada um, não outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas Torre do Tombo, intitulado Uzos das
sefiando nun ca na sua mem ória, pois é coisa nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado Ceremonias e Louváveis costumes do Ordem de
de tanta importância a saúde dos enfermos, assinar as receitas do médico constando ser de Christo reformados no anno de rjoz.
procurando sempre estar a botica muito provida pobres. Não comprará drogas, nem outras
dos simplices, e mais mezinhas necessárias às mezinhas sem licença do Prelado, nem sem as
3 2 BOTICAS &■
1’ H A K M A C I A S
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 3 3
sem colchão c com lençol; enfermaria de a/ougue, com seis catres para os
que estavam em tratamento com unturas; enfermaria das chagas, com vinte
catres e 23 camas de esteira no chão, sem travesseiro e sem colchão, com um
lençol; enfermaria dos conva lescentes, com 18 catres c 24 camas de esteira
no chão; enfermaria das mulheres, com 17 catres com colchõ es velhos;
enfermaria dos incuráveis, com vinte catres sem colchões.10A terapêutica i< RIBEIRO, Lourival.
se resumia a uma alimentação à base de canja de galinha, sangrias e purgas Medicina no lirasil colonial ,
Rio de Janeiro: Editora Sul-
realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro,
americana, 1971, pp. 40-1.
por escravos. Um médico e um cirurgião davam conta do trabalho,
comparecendo pela manhã e à tarde.
3 6 B O T I C AS & P I I A RM A CI A S
Nos casos em que dores estomacais eram seguidas por vômitos com sangue,
anunciados pelas “cóleras úmidas”, acalmava-se a dor com extrato de opiatos,
As “ cóleras seca s” , assinaladas pelas flatulências, eram tratadas com a ajuda
de extratos de cochonilha. O intestino era menos secreto. O exame das fezes,
de visu et odoram, permitia um diagnóstico mais seguro, pois se determinava
mais facilmente o humor em causa.
Teorias médicas
Iatroquimica Doutrina médica originada da alquimia
Paracelso (1493-1541) foi contemporâneo de Copérnico, Martinho Lutero,
Leonardo da Vinci e outras figuras associadas com a crítica ao pensamento
medieval e o nascimento do mundo moderno. Seguindo a tradição hermética,
ele propunha estudar o homem - o microcosmo - por meio do estudo do
macrocosmo, já que o primeiro era a perfeita representação do segundo.
Alguns médicos entenderam que ali estava uma nova chave para o seu
trabalho. O apelo a novas observações foi entendido como um ato dc devoção.
0 cristão não deveria mais se limitar a estudar as Sagradas Escrituras, mas
também 0 livro da natureza, repleto de revelações divinas. Na tradição
alquímica, o trabalho de purificação dos metais era entendido como uma ajuda
à natureza no seu processo natural de aperfeiçoamento. Transposto para o
plano do microcosmo (o homem), o trabalho do médico seria o de recuperar a
saúde, buscando substâncias medicinais existentes na natureza que agiriam por
simpatia sobre os órgãos e humores afetados. Paracelso, que queimou em praça
pública os livros de Galeno, rejeitava os humores e em seu lugar pôs três novos
A partir do século xvni, à exceção tios alquim istas, cada vez mais
raros, dos sábios galênicos, ainda influentes, e de alguns precursores do
vitalismo, a hegemo nia era dos adep tos do mecanicism o.
âcUuKtbituli iiitItíiíi (Tfiiomm
$ nr ímnuUfttt$aijfa!wimuni Dcmtofe-meulHunimgp
5 .)
As farmacopéias portuguesas
H OS T R A T A D O S DE N A T U R A L I S T A S , M É D I C O S
E C I R U R G I Õ E S DO B R A S I L C O L O N I A L
B O T I C A S E B O T I C Á R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL 4 }
Transformações no século da Razão novo conceito de elemento químico, ajudaria denominações antigas, como o “ácido
No século da Razão, cuja obra mais famosa, a enterrar a milenar teoria dos quatro vitriólico" e as "flores de zinco", se
a Enciclopédia de Diderot e D'Alembert, louva elementos fundamentais da natureza: terra, transformaram em ácido sulfúrico e óxido de
as ciências e a técnica, dois campos do saber fogo, água e ar. Como salienta o historiador zinco sublimado, respectivamente.
sofreram profundas transformações com joão Rui Pita,Mum momento crucial de toda No final do século xviu e no seguinte, a nova
implicações diretas para a arte farmacêutica: essa revolução foi quando Cavendish nomenclatura química freqüentaria todo o
a história natural e a química. Cari Lineu (1731-1810) combinou o “ar inflamável" com saber farmacológico. Contudo, os trabalhos
(1707-78), em Systema naturae (1735), o “ar desflogisticado” para obter água. Após químicos não seriam, inicialmente, tão
apresentou uma classificação binominal se debruçar sobre o problema da combustão animadores, já que não dariam respostas
baseada nos órgãos reprodutores de animais e apresentar o oxigênio, como elemento mais adequadas que aquelas alcançadas pela
ou vegetais, que tornou possível organizar fundamental nas reações de combustão, farmácia galênica. O isolamento de
um catálogo coerente do gigantesco afastando a teoria do flogisto, Lavoisier abriu princípios ativos a partir de drogas vegetais
inventário de ambos os reinos. No campo da espaço para a revisão de toda a começa no início do Oitocentos.
química, Lavoisier (1743-94) é o nome mais nomenclatura química. Com Fourcroy
notável de toda uma geração que, ao criar o (1755-1809) e Bertholet (1748-1822), as
a c i m a : Cari Lineu criou a base de PÁGINA AO LADO, AChMA: Em SCU PÁGINA AO LADO, ABAIXO: Em I772,
classificação binomial usada ainda Erário mineral, publicado cm 1735, Marquês de Pombal promoveu
hoje na sistemática. o cirurgião português Luis Comes importantes reformas na Universidade
Ferreira faz um relato de 35 anos de Coimbra.
de experiência terapêutica na região
das Minas, sintetizando os saberes
erudito e popular.
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 4 5
" E R Á R I O
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DA CONCEYCAO.
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Li:is GO M HS FE RRF YRA ,
Gntrghõ apprcrjado rutural J a VilU de S. Tcdro dc
,
LISBOA OCCIDENTAL.
N» Ciiu d c M I C U E L R O D R I G U E S , } '
ImpfclTof do Senhor Parares . »'
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tcd.u j í iicençAS lucefiaridi»
'• J
médicos em língua vernácula sobre as patologias que afligiam os habitantes O uso das galinhas no tratamento
locais datam dc fins do século xvn e início do xvin. Simão Pinheiro Mourão, de doenças
O Marquez de Pombal, do Conselho de Estado.
médico c cristão-novo, escreveu o Tratado único das bexigas e do sarampo
Faço saber à Junto de Administração da Real
'(t 68J) . João Ferreira da Ro sa descreveu uma epidemia de febre amarela - a Fazenda da Capitan ia do Rio de Janeiro que
qual denominou bexigas - no Tratado único da constituição pestilencial de havendo assentado em conferência dc Médicos
Pernambuco (1794). Miguel Dias Pimenta, cirurgião e mascate, estudou uma e Cirurgiões no Hospital Militar desta Corte na
conformidade do que se achava determinado no
patologia então muito disseminada e hoje desaparecida, o maculo ou mal dei
v . • • t W Hospital Real desta Cidade a respeito do
culo, na obra Noticia do que ê o achaque do bicho (1707). alimento que se deve ministrar aos Enfermos
Os boticários compulsaram, no Brasil colonial, além de um grande depois de ser conhecido por sérias reflexões e
número de transcrições manuscritas de receituários diversos, a obra impressa multiplicadas experiências e pela prática de
todas as nações civilizadas, que 0 uso das
de Garcia da Orta e as já referidas Polianteia medicinal c Farmacopeia
Callin hos para aquelle feito era huma
Ulissiponense,galênica e química. Outras farmacopéias importantes, antes da preocupação quimérica insubsistente e athé
Reforma pombalina, foram a Farmacopeia lusitana (1704), do cônego Don contraditório dos princípios cm que se fundava
Caetano de Santo Antônio, que teve outras três edições, ainda no século xvni, Pois que confessando-se que os enfermos e os
febricitantes devião sustentar-se em
e a farmacopéia Tubalense quimico-galência (1736), do boticário Manuel
mantimentos tênues e de digestam fácil se lhes
Rodrigues Coelho (1687-?). No século xvni, o verdadeiro século das ministrava na substancia mesma da g allinha 0
farmacopéias, o cirurgião português Luís Gomes Ferreira participou da fomento da me sma febre.
grande corrente migratória que se dirigiu às Minas. Em sua obra, Erário El Rei Meo Senhor 0 mandou etc. Lisboa.
19 de julh o de 1775.
mineral , publicada em 1735, reúne, num estilo muito próximo ao de Curvo
Semedo, o relato de todos os segredos dc sua longa experiência terapêutica dc
quase 35 anos, em que aparece vivamente uma síntese dos saberes popular e
erudito. Em todas essas farmacopéias encontramos inúmeras fórmulas
medicamentosas, mais ou menos mágicas: pós de múmia, pós de víbora, pedra
de bezoar (concreção extraída do estômago de certos animais), raspadura de
unicórnio, triaga de esmeraldas. Todos tidos como poderosos remédios que
PHARMACOPEA
LUSITANA
A U G M E N T A D A
MÉTHODO PRATICO f
DE P R E P A R A R OS M E D I C A M E N T O S
na fornia Galcnica, e Chimica
*
P O R ‘
D. CAETANO DE S.ANTONIO,
C O N E G O R E G U L A R D E S. A G O S T IN H O ,
Adminijlraãorda Botica do Real Mo/lelro
de S. i ed
cn
tV eFàra.
■Q U A R T A E D I Ç A Õ.
A
LI SBOA: M.DCÇ.LIV.
antipatia”. Nas caixas de botica do viajante naturalista Alexandre Rodrigues • - ' ' ' <
Ferreira (1756-1815), em missão científica ao Brasil, incluía-se o sal de A F A R M A C O P É A
víboras. Isto é, já cm fins do século xviu se empregavam pós-viperinos obtidos .. LISBONENSE
cortando em pedaços miúdos, corpos, corações, ligados de víboras, que ou
depois eram secos e reduzidos a pó sutil. Delas contavam também olhos de COLLECÇ' O i ' —
\ *
caranguejo, almíscar oriental e triaga. Dos Simpüces, Prepaiácoes, et?oir.
No contexto da chamada ilustração portuguesa, reforçada com a pofiqSes mais .ciécazcs,
e do maior u!o.
chegada de d. José 1 (1 714 -7 7 ) ao trono c pela reforma da Universidade de r o R k A
Coimbra de 1772, promovida pelo marquês de Pombal (1699-1782), houve f t A N O E L J O f. QL T. M H E N R I Q U E S
6 .)
BOTICAS E BOTICÁKIOS NO B R A S I L C O L O N I A L 4 9
5 0 BOTICAS Sr P H A R M A C I A S
B O T I C A S U B O T I C Á R I O S N O B R A S I L C O L O N I AL
PÁGINA AO LADO, À ESQUERDA! Poullinio PAGINA AO LADO. ABAIXO! O Estado : Os barbeiros negros se
a c im a
Os boticários brasílicos
A botica foi uma das instituições ocidentais que aqui aportaram com os
portugueses. O cirurgião-barbeiro, os jesuítas e o aprendiz de boticário, que
chegaram aqui com os primeiros colonizadores, trouxeram as “caixas de
botica” , uma arca de madeira que continha certa quantidade de drogas.
Cada “entrada” ou “bandeira”, expedição militar ou científica, no caso dos
viajantes naturalistas, os fazendeiros, senhores de engenho c também os
médicos da tropa ou senado das câmaras municipais -
todos as possuíam com um bom sortimento de remédio
para os socorros urgentes.
At é prin cípios do Império , os barbeiros
concorreram com as boticas no comércio das drogas,
suas lojas venderam mezinhas, aplicaram, alugaram
ou venderam sanguessugas, ou bichas, e manipularam
receitas. Nos tempos coloniais existiram poucas
boticas. Os jesuitas e os hospitais militares tinham
as únicas com que muitas vilas e cidades podiam
contar. Os boticários eram oriundos geralmente de
famílias humildes *e‘obtinham seus conhecimentos
nas boticas tornando-se ajudantes e aprendizes
de um encartado. Para a obtenção da Carta de
examinação, que lhes possibilitaria o exercício do
oficio, submetiam-se a um exame junto aos comissário
do físico-mor do reino. Alguns alcançavam bons
resultados financeiros, pois conseg uiam constituir
uma grande clientela, tendo em vista o fato
de serem numericamente insuficientes para o
atendimento da população.
Em fins do século xvn, algumas boticas já tomavam a aparência
das boticas do reino. Situadas nas principais ruas, ocupavam dois
compartimentos. O boticário e sua família residiam nos fundos.
Num cômodo ficavam as drogas expostas à venda. Sobre as prateleiras
de madeira viam-se boiões de boa louça, e potes com decorações
artísticas continham pomadas e ungüentos; frascos e jarros de vidro
ou de estanho, etiquetados, guarneciam xaropes e soluções. No outro
cômodo, estava o laboratório da botica. Mesa, potes, frascos, balança,
medidas de peso (quartilho, arrátel ou libra, canada, onça, oitava,
escrópulo, grão), copos graduados, cálices, botijas, cântaros, funis,
bastões de lou ça, alm ofarizes, alambique, destiladores, cadinh os,
retortas, panelas, tenazes e uma edição da Polianteia medicinal , de Curvo
Sem edo - essencial para preparar a mezinha receitada por um físico,
ou cirurgião, ou padre, ou curandeiro.
: Painéis de azulejos
a c im a p á g i n a a o l a d o ; a c i m a : Potes p á g i n a a o l a d o .abaixo :
oitocentistas da Reitoria da para maceração. Vasilhames para armazenagem de
Universidade Federal da Bahia. substâncias farmacêuticas.
Farmácia e farmacêuticos
no Oitocentos
>) As transformações culturais e )) A terapêutica: da fase heróica
cientificas advindas da ao ceticismo
transferência da corte portuguesa
para o Brasil )) Farmacopéias, medicamentos,
remédios e plantas
)) Panorama das instituições medicinais brasileiras
médicas: clínica, cirurgia, farmácia
e medicina popular no século xix >) Remédios da moda
e distinção social
)) A legislação sanitária e
a higiene pública >) As associações farm acêuticas e o
Primeiro Congresso Farmacêutico
)) A formação médica e farmacêutica
nas faculdades de medicina e na >) Avanços na ciência farmacêutica:
Escola de Farmácia de Ouro Preto o aparecimento das
d rogas industrializadas
)) Boticas e farmácias:
continuidades e rupturas >) A homeopatia e a dosimetria
1 .)
Panorama da medicina e da farmácia
no século xix
6 0 BOTICAS Í í I’ H A R M A C IA S
.1 Higiene pública
I »
lU nlH M
tt JAXtUO
H AC lO HA I
A criação de uma Junta Cen tral de Higiene Pública, em 1850, não
representou o ápice do poder político dos higienistas brasileiros, como
querem alguns historiadores. Além de esvaziar o poder da Academia
/ Imperial de Medicina, a criação daquele órgão subordinou as ações oficiais
f -V -
nos campos de saúde pública e polícia médica à pauta política e
administrativa mais geral, o que gerou queixas c lamúrias por parte
de acadêmicos e da imprensa médica da corte e da Bahia, que ecoaram até
as reformas do ensino e da saúde pública da década de 1880. A obra de
José Francisco Xavier Sigaud, Dtt climal et des maladies dit Brêsil ou siatistique
mêdicale de cet empire, publicada em Paris, no ano de 1844, que almejava
ser a expressão dos trabalhos dos membros da a im , contém várias
denúncias contra as autoridades que nada faziam para proibir a ação dos
terapeutas não diplomados.
Consultados pelos ministros e pela câmara municipal, os médicos
da corte imputavam os surtos epidêmicos a toda sorte de problemas
higiênicos. Se as autoridades queriam fatos explicativos, cabia às instituições
médicas produzi-los, e nisso a Academia de Medicina foi prolífica: águas
estagnadas nas ruas; esgotos que não escoavam os dejetos humanos por falta
de declive; as sepulturas no interior das igrejas; os abatedouros em bairros
populosos; indústrias reputadas nocivas, no centro da cidade; o desprezo
pelas regras higiênicas no interior das casas, a ausência de árvores nas praças
2 .)
Estandarte da
p á g i n a a o lAOO: À d i r e it a , a c i m a : Nesta tela de Araújo À d i r e i t a , a b a i x o : Desenho da
Faculdade de Medicina da Bahia. Porto Alegre, D. Pedro 1 concede à Academia Imperial de Medicina.
Criada em 1808, por D. João vi, a Escola Médico-Cirúrgica do Rio de
Escola Médico-Cirúrgica da Bahia foi. Janeiro, em 1826, o direito de conferir
juntamente com a do Rio de Janeiro, diploma. A partir de 1832, as faculdades
transformada em Faculdade de de medicina diplomavam médicos.
Medicina, em 1832, durante o farmacêuticos e parteiras.
Periodo Regencial.
(' 4 B O T I C A S & P H A R M AC I A S
F A R MÁ C I A E F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S 6^
p á g i n a a o l a d o . a c i m a : A
Escola dc À d i r e i t a : Dependências e
Farmácia dc Ouro Preto, Minas Gerais, equipamentos da Escola de Farmácia
criada em 1839, ^0I 0 Pr,rneiro centro no de Ouro Preto, em atividade até os dias
Brasil dedicado exclusivamente ao de hoje c referência nacional. Em 1969.
ensino da prática farmacêutica. a instituição foi incorporada à
Universidade Federal de Ouro Preto.
3 .)
Boticários ou farmacêuticos?
6 7
José do Patrocínio: da farmácia ao jornalismo custeava os estudos do afilhado. Muitas diplomando-se em 1874. Para isso, obteve
0 acesso aos raros cursos farmacêuticos vezes, a vontade de ser médico era apoio de vários personagens influentes na
oferecidos pelas faculdades de medicina do transferida para o diploma de farmacêutico, corte, entre os quais o conselheiro Albino
Rio e da Bahia, e pela escola de Ouro Preto., por este ser menos oneroso. Foi o caso de Rodrigues de Alvarenga, seu conterrâneo.
era bastante restrito mesmo para quem José do Patrocínio (1854 1905), negro, filho Mas, ao diplomar-se, não tendo recursos
habitava nessas cidades. Não tendo atrativos de padre e vindo da vila de Campos para o financeiros suficientes para montar uma
financeiros para os jovens oriundos de Rio de Janeiro sem recurso algum. farmácia, acabou enveredando pelo
famílias de posição, era geralmente Conseguiu ingressar como aprendiz na jornalismo. Muitos teriam destinos
perseguido pela população de poucas farmácia do Hospital da Santa Casa semelhantes, optando pelo aluguel da cart
posses, que dependia de alguma bolsa de da Misericórdia e, depois, no curso de farmácia e exercendo outras atividades
estudo, ou do auxílio de algum padrinho que farmacêutico da Faculdade dc Medicina, paralelas para sobreviver.
4 .)
Velhas boticas
COMÉRC IO E SEGREDOS
Tabela de medicamentos, vasilhames, goma-arábica; goma-guta; erva-cidreira; erva- areòmetros para ácidos, espíritos e xaropes;
instrumentos, utensílios e livros, organizados moura; massa das pílulas de Le-Roy; maná bacias e canecas de pó de pedra; balanças
pela Junta Central de Higiene Pública para as comum e em lágrimas; magnésia calcinada; grandes; cadinhos; campanas de vidro;
boticas do Império mirra; nitrato de bismuto, de prata, de cápsula de porcelana e de vidro; caçarolas
(aprovado pelo Aviso do Ministério do Império mercúrio: noz-moscada; óxido de mercúrio, de folha e de ferro esmaltadas; coadores de
de 7 de outubro de 1852) de zinco; pastilhas de enxofre, de algodão, lã e linho; copos de vidro
Remédios indispensáveis: acetatos de cobre, ipecacuanha, de vichy; pau-pereira, pereirina; graduados; cuba para água; escumadeiras,
de morfina, de potassa, arsenioso; águas pomada citrina, pomada rosada; várias espátulas de ferro, marfim, osso e vidro;
destiladas de canela, louro, cerejo, de raízes; raspas de ponta de veado; resina de estufas; fornalhas: frascos tubulados; funis
melissa; água de Labarraque, água inglesa; pinho, de jalapa; Rob de Laffecteur; sementes de louça, metal e vidro; grais de mármore e
alecrim; almíscar; alcoolatos de canela, de aniz, de angelim; estrienina; sulfato vidro; grosas e limas de aço; máquinas de
alecrim, melissa composto; antimônio; aniz de quinina; terebintina líquida. fazer pílulas; máquinas de estender
estrelado; assa-fétida, açafrão oriental; (PIRAGIBE, Alfredo. Noticia histórica da emplastros; pedras de porfirizar, peneiras
avença; bálsamos de Arceu, de enxofre legislação sanitária do Império do Brasil: desde de crina e de seda. (Op.cit.)
simples, peruviano, opodeldoch; beladona, 1822 até 1878. Rio dc Janeiro: Typ. Universal
benjoim; caroba; cantáridas (inseto); cânfora; de E. & H. Laemmert, 1880) Livros obrigatórios:
cápsulas de óleo de copaíba, de rícino e de Pharmacopée universelle, de Jacques-Louis
óleo de fígado de bacalhau; ceroto de Instrumentos: vasilhames; vasos de Jourdan, 1840; Nouve au formu laire magistrale,
Galeno; ceroto de Saturno; cevada; clorureto diferentes materiais; vidros de diversas de Apollinaire Bouchardat, 1840;
de mercúrio a vapor (calomelanos); cipó- capacidades, de boca larga e estreita, e Pharmacopea geral para 0 reino e dominios de
chumbo; creosote; digitális; dormideiras, de rolhas da mesma substância; vasos de Portugal (1794, 1824); Traité de matière
dulcamara; emplastros de cicuta, de porcelana ou outra louça, caixas de madeira medicale et de terapeutique, de François Foy,
mercúrio, de cantáridas; extratos de alcaçuz, hermeticamente fechadas e latas de folhas- 1843; Código farmacêutico e farmacografia,
de genciana, de ópio, de quina, de ruibarbo; de-flandres; alambiques de cobre estanhado de Agostinho Albano da Silveira Pinto
de salsaparrilha, de noz-vômica; flores de e de vidro, almofarizes de bronze; tubos (1846, y ed.). (Op.cit.)
altéia, de arnica, de alfazema, de camomila, fusiformes de vidro; aparelho de lixiviação
de malva, de tília, de rosas, de papoulas; ou deslocação para tinturas e extratos;
5 .)
Da fase heróica ao ceticismo terapêutico
F A RM Á CI A K F A R M A C Ê U TI C O S N O O I T O C E N T O S
7 3
74 BOTICAS & l’ H A R M A C I A S
r^ £Y - â
Dri. S f . m . — Meu Deus! meu Deus ! __ não vejo nos jornaes senão annuncios c mais annuncios de xaropes, pilulas e
ítilhas para curar a humanidade! . . . .
M o l .— E no entanto, ainda não se descobriu o remedio de que mais carece a humanidade, isto é, pilulas para curar ra-
almente ós parlado)es barrigudos. Dava-lhe um abraço, Dr. Ayer, se descobrisse taes pilulas.
6 .)
Ap esa r do esfo rço da elite dos farma cêuticos brasileiros em estabele cer uma
farmacopeia oficial, apenas em 1926 publicou-se a Fannacopéia dos Estados
Unidos do Brasil. Assim, durante todo o século xix, ao lado de farmacopéias
lusitanas, das coleções de receitas, dos tratados de matéria médica e dos
formulários de Chernoviz c Langaard, os boticários podiam lançar mão
do Codex medicamentariasgallicus (farmacopéia francesa oficial),
recomendado pela Junta Central de Higiene Pública. Já na República,
Pires de Almeida publicou um Formulário oficial e magistral (1889-92),
compreendendo cerca de seis mil fórmulas. O mais difundido compêndio
de farmácia, o Formulário e guia médico, conhecido popularmente como
“ Chernoviz ” , nome de seu autor, continha a descrição dos m edicamentos,
suas propriedades, suas doses, as moléstias em que deviam ser empregados;
as plantas medicinais indígenas, as águas medicinais estrangeiras e nacionais;
a arte de formular e a escolha das melhores fórmulas.
Entre os médicos, botânicos e farmacêuticos que se empenharam
na pesquisa das plantas medicinais brasileiras destacam-se os professores da
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Francisco Freire Alemão
(1797-1874) e Joaquim Monteiro Caminhoá (1835-96), que também dirigiu
o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e escreveu, para fins didáticos,
o Elementos de botânica geral e médica (1877). Ezequicl Correia dos Santos e
Theodoro Peckolt (1822-1912) tiveram papel relevante como lideranças
profissionais e científicas. O primeiro, juntamente com Jean-Marie Soullié
Chernoviz e o avanço científico na medicina pretendia, com sua obra, "difundir os bons explica o enorme sucesso alcançado entre os
e na farmácia preceitos de saúde, precaver o público contra boticários. A terceira edição, de 1852, já
Luís Napoleão Chernoviz tinha preocupação o charlatanismo, destruir os erros populares recomendava a retirada, nas receitas, das
constante com a atualização de seus a respeito da medicina, inculcar o que se abreviações e sinais referentes às dosagens,
manuais. Assim, ao contrário do anátema de deve fazer nos acidentes súbitos e ensinar o conforme regulamento da Junta Central
repositório de crendices populares que lhe tratamento de várias moléstias que podiam de Higiene Pública, decretado em 1851.
lançaram posteriormente, as edições de seus ser realizados na ausência de um médico". Ao obrigar os facultativos a escrever suas
livros eram constantemente revistas e até Constantemente revisto e ampliado, até a receitas por extenso, em português, a
mesmo novas seções eram incorporadas. sexta e última edição de 1890, o d m p c a não autoridade pública contribuía de certa forma
Com o Dicionário de medicina popular e apenas se apresentava como uma espécie de para apagar alguns traços simbólicos que
ciências acessórias, o autor se coloca vade mecum do saber médico estabelecido, ainda ligavam os médicos oitocentistas aos
decididamente do lado das Luzes, e sua como tinha uma postura pioneira, físicos fidalgos do século xviu, cuja erudição
ação pode ser entendida dentro do ideal sancionando algumas inovações pouco se media pelo uso do latim e adoção de
pedagógico do lluminismo racionaiista. consensuais para a época. No Formulário e sinais aJquímicos inacessíveis aos leigos.
Carregando o pesado fardo da civilização, ele guia médico, o zelo pela atualização cientifica
F A RM Á CI A K F A R M A C Ê U T I C O S NO O I T O C E N T O S
78 B O T I C A S &• P H A R M A C I A S
F A R M Á CI A l i F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S ~ t)
7.)
Remédios da moda
E DISTINÇÃO SOCIAL
F A R MÁ C I A H F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S S i
FORMULÁRIO
OU
GUIA MEDICA
«ci coütím
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í*. •
•*•
PEDRO LUIZ \ APOLE.tO BflERNOVIZ
I - "J1 j . E li U m K l * . . 1 - ' * ; 1 >' -* ' E l r u i . a . c a s i . ta
em 1883, que, ao contrário dos “homens louros e de olhos azuis”, os OITAVA EDIÇÃO
£'fora»-UufinAi oix>r>M.r) fiu»KT»li«) d«IW, •Nutlirartlnsit
negros e mestiços não se queixavam “nem do fígado, nem do baço, nem
dos pulmões”, nem morriam “dos nervos, nem de histeria”. Com o
abrandamento da escravidão, além do uso do rapé e de outros hábitos de
brancos, acabaram se transferindo para as camadas populares e à “ gente de
cor” o direito dc ostentar doenças consideradas privativas da elite, como o PAIUZ
“ direito de ser anêm icos” , o “ direito de sofrer de reumatismo” , o “direito EM CAS A DO AUT OR
8 .)
Associações farmacêuticas
NA C I D A D E I M P E R I A L D O R I O DE J A N E I R O
â illiâ
PERlODICO DA SOCIKDADi: PHARMACEUT1CA
UIUS1LKIR.I
Redigido j*lo íocio contribuinte iI j omnu
IGNACIO JOSÉ MALTA
Plurnuccutko pela Phjricatura Mór do Reino, Gívalleiro
1 da liM|xriil Ordem da nos», Membro do Instituto ,
j llon.mopatl.ico do Prasil, da Sociedade Ycliosiana, da (
Sociedade AusiKadora da Industria Nacional,
J da Socicdadedo Mcdicba-Homoeopatliica dc Paris,
■ dl Scciedadc Auiilii dora da Agricultura, Commcrcio e '
v Artes da Proriocia dc S. Paulo,
J d» CoogregaçJo Medica-lIomceopatLica Flumiacnse.
clc., etc., etc.
E.RIO DE JAAEIRO
TTPOGRAPniA - PAULA UBITO
TRAÇA DA CO.XSTtTCIÇÂO
186S
S 4 BOTICAS St P H A R MA C I A S
Dulcamara: personagem e remédio farmacêutico em 1854 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Em 1844, a ópera italiana Elixir de amor, de Proprietário de botica, depois transformada em farmácia e drogaria, preparava
Caetano Donizetti (1797-1848), estreava na
e importava diversas especialidades farmacêuticas. Eugênio Marques de
capital do Império, no teatro São Pedro da
Alcântara, localizado na praça da Holanda, natural do Piauí, ocupou a presidência do Instituto de 1882 até seu
Constituição, atual praça Tiradentes. O término, em 1887. Era farmacêutico, também formado pela Faculdade de
libreto da ópera de autoria de Felice Romani Medicina do Rio de Janeiro em 1860, e proprietário de botica emTeresina e
(1788-1865) contava uma história de amor
no Rio de Janeiro, sendo que em 1881 inaugurou o Laboratório da Flora
cujo principal personagem é Dulcamara. Ele
é vendedor de um elixir do amor e convence Brasileira com a presença do imperador Pedro 11. Ambos foram farmacêuticos
o apaixonado Nemorino a comprá-lo para da Casa Imperial e pertenceram à Academia Imperial de Adedicina e a várias
conquistar a mulher amada, Adina. Crédulo associações nacionais e estrangeiras.
nas propriedades milagrosas da poção,
Entre 1858 e 1874, as ações do Instituto Farmacêutico, tal como
Nemorino não desconfia que a herança que
recebera era a verdadeira causa da súbita as da Sociedade Farmacêutica Brasileira que o precedeu, voltaram-se,
atenção de Adina. Essa sátira à figura do principalmente, para a elaboração de representações dirigidas ao governo
charlatão foi explorada pela elite imperial, denunciando as irregularidades cometidas no exercício da
farmacêutica e médica reunida na Academia
farmácia na corte. Nessas iniciativas agiam juntamente com os médicos
Imperial de Medicina, em suas denúncias à
prática dos homeopatas. filiados à Academia.
Durante o ano de 1874, quando a cidade carioca foi acometida
novamente por uma epidemia de febre amarela, o Instituto conseguiu criar
uma escola preparatória para o ingresso no curso de farmácia das faculdades
de medicina - a Escola de Humanidades e Ciências Farmacêuticas. Quando
escasseavam as verbas provindas do Instituto e do governo imperial, lançava-
se mão do beneficio teatral que consistia na apresentação de peças, cujo valor
recolhido era revertido para a Escola. Embora de curta duração, a Escola
chegou a reunir 193 alunos em 1875 no seu curso de humanidades, tendo
início no ano seguinte o curso de ciências farmacêuticas.
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a c im a : Periódicos farmacôuti
9 .)
Da matéria médica à farmacologia
F A R M Á CI A E F A R M A C Ê U T I C O S N O O I T O C E N T O S 8 7
8 8 B O T I C A S & P H A R M A C I AS
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Homeopatia e dosimetria
Apenas referida em alguns trabalhos méd icos, antes de 1840, a hom eopatia foi
introduzida no Brasil por Benoit Mure (1809-58). Mure, socialista utópico,
conseguiu aprovação do imperador d. Pedro 11 para fundar um falanstério no
Sul do país. A colonização, porém, fracassa e o discípulo de Hahnemann,
juntamen te com o médico João Vicen te Ma rtins (180 8—54), inicia no Rio de
Janeiro o ensino, a prática e a propagação da homeopatia. Ainda em 1844,
ambos fundaram o Instituto Homeopático do Brasil, que oferecia diploma,
embora o exercício clínico fosse restrito aos médicos aprovados pelas
faculdades oficiais. Apesar da forte oposição das faculdades de medicina e
da Academia Imperial de Medicina, no final do século xix a homeopatia
foi abraçada pelo movimento positivista brasileiro, por intermédio de seus
adeptos do Instituto Militar de Engenharia, no .Rio de Janeiro. Disso resulta
um grande apoio oficial do governo republicano à homeopatia e a
F A R MÁ C I A E F A R M A C Ê U T I C O S NO O I T O C E N T O S 8 9
O 1 Congresso de Farmacêuticos Na medicina, cirurgia e farmácia, o que faz arsênico em pílulas, com que cara as olharei
Anuncia-se um congresso farmacêutico. medo é a parte científica. As outras partes eu? Que trazes tu, pílula? Direi em forma
Esta notícia, dissimulada entre os pedidos não valem nada. Um bisturi, por exemplo, de monólogo: a mão do farmacêutico
do Jo rn al do com mc rcio , fez-me tremer e não tem nada que faça tremer a passarinha: escorregou no arsénico? Trazes a vida ou a
desmaiar. Porque motivos um congresso de é um instrumento especial, liso, bonito. morte? Vou passear até a esquina ou até o
farmacêuticos a reunirem seus pensamentos Nas mãos do cirurgião em contato com Caju? Pílula, és tu pílula ou comparsa da
e vontades? Curiosidade e mistério! o nosso pêlo, é quase uma visão da Empresa Funerária? It is the rub... Sc a voz
Os congressos geralmente causam-me eternidade. Por isso tremo da ciência. de um cliente pode ter algum peso no
susto. Quando os mercadores de batatas, A ciência é objeto especial e único do ânimo dos cirurgiões e dos farmacêuticos,
por exemplo, ou de azeite ou de qualquer próximo congresso. Vai tratar-se dos efeitos nada de congressos, ou, se houver
outro produto, anunciam que vão reunir-se do quinino e da pomada mercurial. Vamos congressos, nada de discussão pública.
e fazer um convênio de mercadores não , saber em que dose o arsênico, feito em Dizem que cozinha e política não devem
se destina a favorecer o adversário. Ora, o pílulas, pode dar saúde ou matar. Enquanto ser feitas às claras, porque faz perder o
comprador é o adversário irreconciliável, essas coisas ficam nos gabinetes interiores gosto... do jantar. Penso que é a mesma
eterno, eternissimo, do vendedor. Não é das farmácias, a gente vive feliz, recebe as coisa na farmácia. Fé dos padrinhos:
certamente a mesma coisa um congresso de pílulas, absorve-as, passeia, cria forças, sara. é a última palavra da experiência humana.
farmacêuticos. Seus fins são indiferentes Mas tratadas à luz do dia a coisa muda (Crônica de Machado de Assis, na Ilustração
do preço das drogas. São intuitos científicos. muito de figura. Depois de um longo debate Brasileira, sob o pseudônimo "Manasses",
Ah! Se não fossem intuitos científicos! do congresso, se o meu médico me receitar Iode junho de 1877)
I P R E M J O
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JN A C I O N A I -
16,600 tr .
G r n rv d c M e d a l h a d e O U R O
sax.ESiüíjÈB, v i casârofao
E n c e r ra n d o t o do s o s p r i n c í p i o s da s 3 quinas
AP EMTIVO. TONICO o ElXiUEUGO
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A revolução pasteuriana
*• *1 V
Com o sucesso da aplicação da vacina anti-rábica, criada por Louis Pasteur
em 1885, no pequeno Meister, que fora mordido por um cão raivoso, inicia-se
a história da imunologia e da soroterapia contra a ação deletéria de bactérias
e vírus. No mundo todo, apareceram os “ caçadores de micróbios” . Ficaram
famosas as experiências realizadas pelo médico carioca, professor de química
da Faculdade de Medicina da Corte, Domingos Freire (1843-99), que
produziu soluções originais visando à profilaxia e cura da febre amarela.
D E
A pre ocu pação com a escalada mortífera da febre amarela levou o imperador | PRODUCTOS VEGETAES
d. Pedro 11 a convidar Pasteur para vir ao Brasil. Este só desistiu quando
soube que não poderia empregar prisioneiros condenados à morte em suas
experiências. No Brasil, explicou-lhe o imperador, fora abolida a pena de
morte. Isso abriu espaço para Domingos Freire, que pretendia matar o
Cryptococus xanthogenicus, suposto microrganismo causador da febre amarela, Moléstias Cap ilares
com aplicações de injeções hipodérmicas de salicilato de sódio. Em seguida,
propôs e produziu em larga escala uma vacina preventiva. Entretanto, im irt in o v\ 3*
somente no século xx, com a descoberta da vacina antitifóide (Vincent, 1913)
fpaasiaiaBJS®
e com a vacina b c g (Calmette e Guérin, 1922), contra a tuberculose,
iniciou-se de fato a produção de medicação contra as doenças infecciosas.
P A R T H
Desenvolvimentos da
farmácia contemporânea
O crepúsculo da farmácia » Novas práticas farmacêuticas
oficina/ e da arte de formular
» A propaganda dirigida aos
Os avanços na ciência médicos e ao grande público
farmacêutica e o sucesso da
nova terapêutica » Das farmácias às drogarias
-\y
>) A form ação do farmacêutico no
contexto republicano
1 .)
d e s e n v o l v i m e n t o s da f a r m á c i a c o n t e m po r â n e a 9 5
L oh o^ o ^ do Percé#
, a c i m a Imagem dc
p á g i n a a o l a d o p á g i n a a o l a d o . a b a i x o . Farmácia de acima . Anúncio do Laboratório Clínico
Marc Ferrez documenta o laboratório um posto de profilaxia rural do Silva Araújo, montado no subúrbio do
de histologia da Faculdade de Medicina Departamento de Saúde Pública no Rocha, cm 1891. Com a morte de Luiz
do Rio de janeiro, após reforma da início do período republicano. Eduardo Silva Araújo, fundador do
Instituição, ocorrida em 1880. Com o empreendimento, seus Filhos criaram,
laboratório de bromatologia e em 1910. um laboratório clinico para
toxicologra o ensino dc farmácia elaboração de diagnósticos.
alcança novo patamar.
DESENVOLVIMENTOS DA F A R MÁ C I A C O N T E M P O R Â N E A 9 7
Biotônico Fontoura
Em 1910, o farmacêutico Cândido Fontoura
(1885-1974) fundou na capital de São Paulo
um laboratório para fabricar um fortificante
que concebera pouco tempo antes. Segundo o
próprio Fontoura, a idéia surgiu depois do
sucesso obtido com a fórmula no tratamento
de sua esposa, que apresentava a saúde frágil.
O remédio foi batizado de Biotônico Fontoura,
por sugestão de Monteiro Lobato, seu colega
de trabalho no jornal O Estado de S. Paulo,
onde Fontoura colaborava com escritos no
campo das ciências. Fontoura havia indicado
o remédio ao colega, que reclamava de
fraqueza. Lobato utilizou-o e sentiu-se
revitalizado. Animado com o produto, ele
criaria o "Almanaque do jeca Tatu" como peça
de marketing para o Laboratório de Fontoura.
O almanaque de Lobato divulgava ao público
como se dava o ciclo de infestação pelo
ancilostoma e os sintomas da ancilostomose.
ensinando medidas de educação sanitária
para a proteção contra a doença. Ao mesmo
tempo, fazia propaganda do Biotônico
Fontoura, que por conter ferro era útil no
combate aos sintomas da ancilostomose.
Em suas páginas o Jeca Tatu era apresentado
como um caboclo, magro, fraco, triste e
preguiçoso que se tornava saudável e ativo
obedecendo às medidas sanitárias e
utilizando o biotônico Fontoura.
PARA 1 9 2 4 -
haviam sido fundadas 23 farmácias desse tipo no Rio de Janeiro, grande
parte permanecendo em atividade e contando com uma grande clientela
nos primeiros anos do século xx.
No final da década de 1920, os consultórios de farmácia foram
muito criticados pelo Sindicato dos Médicos, que via nessa estrutura uma
inaceitável submissão da medicina à farmácia.
Nas duas primeiras décadas do século xx, as farmácias, além
de preparar as receitas indicadas pelos médicos, dedicavam-se à fabricação de
elixires, vinhos e licores reconstituintes, pomadas e produtos de beleza. Já as
drogarias e casas depositárias importavam produtos estrangeiros e distribuíam
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2 .)
Os sucessos da nova terapêutica
I 0 I Y i l N V H O d W a J . N O D V I Dy i V H Y d V « S O I N 3 W I A l O A N 3 S H Cl
1 0 2 B O T I CA S & P H A RM A CI A S
seu sangue anticorpos que, aplicados em pessoas afetadas pela mesma doença,
conseguiam impedir seu desenvolvimento pela destruição do microrganismo
agressor. Logo surgiram vários soros capazes de curar os acometidos por
doenças infecciosas como a peste bubônica e o tétano, ou mesmo atuar como
antídoto contra o envenenamento por mordidas de animais peçonhentos.
Ap esa r de terem seu uso prioritariam ente volta do para a saúde públic a, as
vacinas e sobretu do os soros passaram a fazer par te tam bém do arsenal dos
clínicos e da linha de produção dos laboratórios farmacêuticos.
No Brasil, as possibilidades ãbettâs pelo advento da microbiologia
ocasionaram a criação de institutos voltados para a produção de soros e
vacinas. Alg uns deles, em especia l a Fu ndaçã o Osw aldo Cru z e o Instituto
Butantã, se transformaram em grandes centros de medicina experimental
voltad os para a pesqu isa biomé dica em diversas áreas e para a pro dução de
soros, vacinas, reagentes e medicamentos diversos. A patir da segunda década
do século xx, vários técnicos formados nessas instituições fundaram diversos
laboratórios farmacêuticos privados, contribuindo fortemente para
a ampliação desse campo da indústria nacional.
No início do século xx, a aproximação entre a imunologia e
a química das drogas sintéticas possibilitou a elaboração de medicamentos
capazes de agir seletivamente contra microrganismos e specíficos, sem
produzir grandes males aos organismos dos doentes. O primeiro e mais
importante deles foi o 606, mais conhecido como Salvarsan, elaborado pelo
químico alemão Paul Ehrlich (1854-1915), prêmio Nobel de medicina cm
1908, para tratamento da sífilis. Embora sua descoberta tenha entusiasmado
fortemente a comunidade médica, que imaginou o surgimento de compostos
sintéticos, capazes de agir contra várias doenças infecciosas, só em 1932, com
a descoberta do Prontosil pelo alemão Gerard Domagkor, pesquisador da
Bayer, veio à luz um novo quimioterápico eficaz contra doenças bacterianas.
Em 1935, a Bayer colocou o Prontosil no mercado e quatro anos depois seu
descobridor ganhava o prêmio Nobel dc medicina pela magnitude de seu
feito. O Prontosil foi utilizado com sucesso contra a erisipela e outras doenças.
Alg un s anos depo is, pesquisas realizadas no Institu to Pasteur de Paris pelos
CAdOniLLA ECfíRICIM A
— DO
VERDADEIRO
tratamen/o das mo/esí/as
do estomago e mtesjms
DE O L I V E I R A J U N I O R ffyg/enepcjô/rcâdo /
Wd/de
CAMCOíMxmimrcfi
pesquisadores Fourneau,Tefouel, Nitty e Bovet mostraram que um de seus
compon entes, a sulfanilamida, era o responsável por sua açao contra a
G O rm tt rA-.rw.r .*:’/
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infecção por estreptocócieos. Em pouco tempo, drogas à base de sulla 3 c olheres de chá
y m l; pordia em Icalice dágua
passaram a ser muito utilizadas no tratamento da pneumonia, da meningite
e de infecções puerperais.
Ain da em 1928, u ma des cob erta inesperada daria orig em a mais
uma revolução no campo da terapêutica. Observando uma colônia de
estafilococos degradada pela ação do fungo Penicillium que acidentalmentc
nela se instalou, o médico Alexander Fleming (1881 -1955) concluiu que esse
fungo exercia uma ação destrutiva contra os estafilococos e outras bactérias
patogênicas. Somente na década de 1940, a descoberta de Fleming se
transformaria num medicamento: a penicilina. Sua elaboração deve-se aos
estudos dos médicos Howard Florey e Ernst Chain e de sua posterior
associação com indústrias químicas norte-americanas. No contexto da
Segunda Grande Guerra, a ação antiinfecciosa da penicilina mostrou-se
muito importante, p rincipalmente nó tratamento das pneumonias, das
doenças venéreas e dos ferimentos dos soldados das tropas Aliadas.
Em pouco tempo, sucedâneos desse medicamento voltados para doenças
causadas por germes gram-negativos, como as cstreptomicinas, ou de amplo
espectro de ação, como as tetracilinas, passaram a ser utilizados contra
diversas doenças bacterianas.
3 .)
Origens e evolução
D O S M E D I C A M E N T O S I N D U S T R I A L I Z A D O S NO B R A S I 1
D E S E N V O L V I M E N T O S D A F A R M ÁC I A C O N T E M P O R Â N E A I 07
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108 BOTICAS & PHARMACIAS Vy M&w &
um SORRISO”
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0 REMÉDIO DE CONFIANÇA
ou associados a capitais nacionais: Pinheiros, Moura Brasil,Torres, Fontoura e
Lafi. Cinco anos mais tarde, após a compra do Instituto Pinheiros pela Sintex,
nenhum laboratório nacional constava dessa lista.
Desde então, a produção farmacêutica brasileira tem como
principais produtores as empresas internacionais instaladas no país. Além
disso, na década de 1990 ampliou-se bastante a importação de medicamentos
dos países-sede dos grandes laboratórios multinacionais, que interromperam
a produção nas filiais brasileiras. Com relação aos produtos aqui fabricados,
essas empresas, na maioria das vezes utilizam tecnologia transferida por
parceiras internacionais ou pagam wyalties para as que detêm as patentes.
Segundo dados atuais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, somente uma média de 20% do faturamento do setor
farmacêutico se origina de empresas de capital nacional. No entanto, a lei que
regulamenta a produção e a comercialização dos genéricos tem estimulado
a produção local, promovendo a ampliação da participação dos laboratórios
nacionais em nosso mercado. Nos últimos anos, entre os dez maiores
produtores de medicamentos no país, encontravam-se duas empresas de capital
nacional (Aché e K m s -S igma Pharma). Hoje já são quatro (recentemente
Medley e Eurofarma). Apesar desse crescimento, o grande contingente de
laboratórios nacionais de produção de medicamentos (85%) é composto por
pequenas e microempresas. Além desses se destacam laboratórios oficiais,
na sua maioria filiados à Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais
do Brasil (Alfob), que fabricam 10% da produção nacional.
D E S E N V O L V I M E N T O S DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I O 11
INDUSTRIA! S O R O S
PHARMACEAJTICAj VACCINA5
C.5 CRIPTORIO-LABO^ATORIO DE ANALYSES- Hit 0 DERH1A RUA LION CIO Ol CAHVALHo OI.» î 1 /.L AM 1.0 f. J A M l )
A formação do farmacêutico
na República
a c i m a : Sociedade Portuguesa , A e sq u e r d a :
p á g i n a a o l a d o p á g i n a a o l a d o , à d i r e i t a : Fachada
de Benificênci a. Laboratório Farmacêutico do Estado de da Escola de Farmácia de São Paulo.
São Paulo. Lá estudantes de farmácia
aprendiam a preparação magistral.
DESENVOLVIMENTOS DA F A KM Á CI A C O N T E M P O R Â N E A 1 1 I
constituir como verdadeiras instituições de ensino. Por outro lado, algumas A Escola de Farmácia de São Paulo
conseguiram se institucionalizar. Bons exemplos são a Faculdade de Em 1894, momento em que a sociedade
paulista fervilhava, movida pela força
Farmácia de Minas Gerais, que se originou em 19 11 de um curso da
econômica do café, foi fundada, na capital do
Escola Livre dc Odontologia de Belo Horizonte, e a Faculdade de Farmácia estado, a Sociedade Farmacêutica de São
da Universidade do Paraná, criada em 1912 como curso de farmácia da Paulo. Primeira associação paulista voltada
Universidade do Paraná. para as questões de saúde, ela foi
> ' # responsável, em 1898. pela criação da Escola
No que tange à organização curricular dos cursos de farmácia,
Livre de Farmácia. Instituição particular,
a nova legislação procurou modernizá-los segundo o figurino das escolas subvencionada pelo estado, foi inaugurada
existentes na Europa e nos Estados Unidos, que mantinham uma maior em 11 de fevereiro de 1899, tendo como
vinculação da química à m edicina. As sim , os cursos de farm ácia voltaram diretor o médico Bráulio Gomes. Embora
tivesse um caráter privado, a faculdade
a compreender três anos de estudos, sendo as cadeiras de química analítica,
gozava de todas as regalias dos demais
química industrial, bromatologia e toxologia incorporadas aos seus currículos. institutos de ensino superior do estado
Em 1915, uma nova reorganização do ensino superior de São Paulo, contando inclusive com
(lei n° 1 1.530) restringiu a possibilidade de criação e manutenção de escolas financiamento do governo estadual.
Durante muitos anos a Escola Livre de
livres, que passariam a ter seus cursos fiscalizados pelo Conselho Federal de
Farmácia de São Paulo foi a principal
Ensino como requisito para a validação dos diplomas que outorgavam. instituição de ensino da área médica em
A nova lei ex igia , entre outras medidas: um program a minimo dos cursos São Paulo. Somente a partir de 1912, com
ministrados, aprovado pelo fiscal do Conselho; rigorosos exames vestibulares; a criação da Faculdade de Medicina do
Estado, essa situação se alterou. No entanto,
bons laboratórios; um cor po docente esco lhido por con curso público de
a Escola continuou com sua trajetória
provas. No que tange ao currículo de farmácia, essa legislação separou a autônoma por várias décadas. Em 1934,
bromatologia da toxo logia e criou a cadeira de microbiologia em com a criação da Universidade de São Paulo,
conformidade com o desenvolvimento que essa disciplina vinha tendo no pais a Escola de Farmácia foi a ela anexada.
I 1 2 B O T I CA S Si P H A R M A C I A S
Escola Livre de Farmácia e Química Em 1925, no governo Arthur Bernardes (19 19 -2 2) , uma nova
Industrial de Porto Alegre reforma do ensino - Reforma Rocha Vaz - equiparou os cursos de farmácia e
Embora o ensino médico nos primeiros anos
de odontologia das faculdades oficiais (e das escolas submetidas à fiscalização
da República estivesse restrito às faculdades
do governo federal existentes no Rio de do Conselho Superior de Ensino) aos cursos-universitários de medicina,
Janeiro e na Bahia, o final do século xix foi engenharia c direito. Os cursos de farmácia passaram a exigir exames
marcado por algumas tentativas locais de preparatórios das diversas disciplinas científicas, tiveram seu currículo
implantação de cursos no campo da saúde
ampliado para quatro anos, aumentado o número de suas matérias, e foram
fora da órbita do governo central. No Rio
Grande do Sul, onde eram muito bem-vistas instituídos sistemas de avaliação baseados em exames escritos, freqüência
as concepções positivistas de liberdade às aulas e estágios.
profissional, essas iniciativas se mostrariam A partir da década de 1930, o ensino de farm ácia no Brasil
frutíferas. Em 1894 foi criada a Sociedade de
passaria por várias m udanças curriculares, relacionadas principalmente
Farmacêuticos, Proprietários de Farmácias
e Droguistas da cidade de Porto Alegre. às transformações da prática farmacêutica. Pretendia-se, agora, aproximar a
No ano seguinte, a sociedade levou a cabo formação profissional das novas atividades industriais e de serviços no campo
um dos seus mais propalados objetivos: da produção de medicamentos e alimentos e na área dos exames laboratoriais.
a criação de uma Escola de Farmácia.
Com esse objetivo, em 1962 o Conselho Federal de Educação criou um
Inicialmente dirigida pelo farmacêutico
Alfredo Leal, a Escola Livre de Farmácia e currículo mínimo para os cursos de farmácia. Com a reforma universitária
Química Industrial iniciou seu curso em de 1968, esse currículo passou por ligeiras mudanças, mas manteve sua
1897, em salas cedidas pelo governo do característica essencial: a formação diferenciada. Pela nova legislação,
estado. No ano seguinte, seus dirigentes
o currículo mínimo para a formação de farmacêuticos compreendia um ciclo
resolveram aproximá-la do curso de
partos, que funcionava nas dependências pré-profissional formativo; um ciclo básico comum, para a formação de todos
da Santa Casa da Misericórdia de Porto os farmacêuticos, e um ciclo diversificado, voltado para a formação de
Alegre. A união das duas instituições farmacêutico industrial ou de farmacêutico bioquímico. Com algumas
originou a Faculdade de Medicina e
alterações, essa estrutura permanece até hoje em vigor. Ela tem por objetivo
Farmácia de Porto Alegre, que passou
a oferecer cursos de farmácia, medicina, assegurar ao farmacêutico e ao farmacêutico bioquímico condições de
odontologia e obstetrícia. exercer atividades em laboratórios de saúde pública, de manipulação
magistral farmacêutica (farmácias, hospitais, drogarias), empresas industriais
farmacêuticas, indústrias alimentícias, ervanários etc.
D E S E N V O L V I M E N T O S DA F A R M Á C I A C O N T E M P O R Â N E A I I ;
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5 .)
Farmácias e práticas farmacêuticas
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E L I X I R DE
J IN H A M E , I
M D E P U R A T IV O T O N I CO S A B O R O S q l^ '
Das farmácias às d r n g s t o r e s :
nova fórmula, nova rotulagem
Tudo isso colocava cm xeque o papel das farmácias e farmacêuticos.
No âmbito da nova terapêutica, era impossível disputar com os modernos
laboratórios a liderança na fabricação de medicamentos. As farmácias não
poderiam contar com instalações, instrumentos e pessoal qualificado
suficientes para produzir as especialidades cada vez mais receitadas pelos
médicos. Além disso, sofriam uma forte concorrência das drogarias que
118
bo t ic a s &
bh a r ma c ia s
Farmacêutico, reunido em São Paulo cm 1928. No entanto, ela foi várias vezes
rechaçada pelos médicos, principalmente aqueles ligados ao Sindicato Mé dico
Brasileiro, que achavam a postulação xenófoba e denunciavam uma nostalgia
dos velhos tempos em faee do progresso e da eficiência terapêutica, então
representados pelos produtos dos laboratórios estrangeiros.
N o con text o de nacionalismo crescente dos anos 1930, a inelutável
dinâmica do desenvolvimento da produção de medicamentos e suas
conseqüências para as farmácias foram muitas vezes relacionadas à chegada
dos laboratórios estrangeiros. No entanto, os problemas vividos pelos
farmacêuticos brasileiros não se relacionavam a essa questão. Fabricados
por empresas nacionais ou estrangeiras, os novos medicamentos retiravam
dos farmacêuticos seu papel como agente coadjuvante do processo de cura,
transformando-os em técnicos, muito mais voltados para a consultoria na
produção e comercialização de medicamentos e outros produtos químicos.
No âmbito das farmácias, as mudanças em curso cada vez mais as
transformavam em drugstores ou drogarias, voltadas prioritariamente para
a comercialização das especialidades elaboradas nos laboratórios
farmacêuticos e produtos diversos de beleza, alimentação e utilidades do lar.
Cândido Fontoura, em seu livro Farmácias e farmacêuticos no Brasil
(1938), resume bem esse proeesso, apontando o caminho já trilhado pelos
Estados Unidos como o mais viável para as nossas farmácias:
Há vinte anos me pareciam mais adaptáveis ao nosso pais as leis da
farmácia européia. Mas tudo se modificou profundamente (...) e
a farmácia não poderia fugir a essa grande revolução universal.
Por exemplo: os médicos dos paises civilizados preferem no seu receituário
os produtos injetáveis e as especialidades (remédios industrializados).
Raramente formulam. Terão para isso razões fones, que não nos compete
examinar. Mas essas preferências do médico e do público pelas
especialidades modificaram profundamente a farmácia, e o farmacêutico
tem de se adaptar, quer queira, quer não, a essa nova situação de que
ninguém tem culpa. Junte-se a isso novos métodos de cura que não
precisam da farmácia alopática, como sejam a eletwlerapia, hidroterapia,
homeopatia, psicoterapia, espiritismo curativo etc.
Fssa tremenda modificação que ora estamos sentindo, os
norte-americanos já sentiram muito antes, razão pela qual, sem
prejudicar a parte cientifica, enveredou a farmácia norte-americana
pela ampliação de seu comercio, para a melhor garantia de tudo e
de todos. Bem compreenderam que a miséria è péssima conselheira.
Precisamos meditar e não nos iludir, afim de que 0 encontro da melhor
saida se torne menos difícil.
6 .)
Órgãos de classe
E SOCIEDADES FARM ACÊUTICAS
/A /S T /T U T O M E D /C A M E N T A
ESTABELEQ/MENTO SC/ENT/F/CO - /NOUSTR/AL
SAO PAULO - BRAS/L-K}38.
7.)
Novas respostas aos antigos desafios
T E N D ÊN C I A S AT L A I S
: Em 1938. Cândido
p á g i n a a o l a d o a c i m a : Remédios cm larga escala:
Fontoura publica Farmácia c desafio da indústria hoje é a produção
farmacêuticos no Brasil, contabilizando de antivirais mais eficazes c menos
19 revistas farmacêuticas no pais. tóxicos, que possam ser utilizados
A partir de 1920. a Associação Brasileira contra doenças como a Aids.
de Farmacêuticos edita a Revista
brasileira de farmácia.
a ' i. • .
prioritariamente aos interesses de mercado, sem precisar levar cm conta as
demandas de populações especificas.
No primeiro ano deste século, existiam no país cerca de 50 mil
farmácias, sendo o Brasil o país com o maior número desses estabelecimentos
no mundo. Levando-se em consideração uma população de 173 milhões de
habitantes ( i b g e ) , o país contava com uma proporção de 3,17 farmácias
por 10 mil habitantes. Embora essa cifra seja bastante elevada, a distribuição
irregular desses estabelecimentos muitas vezes dificulta o acesso da população
aos medicamentos. Por outro lado, a forte concentração de farmácias é
responsável pela busca de melhores políticas de preços.
A partir das últimas décadas do século xx, o setor de venda de
medicamentos passou por uma nova transformação, agora caracterizada pela
formação de grandes redes de farmácias c drogarias. Centralizando e
informatizando seus estoques e racionalizando seus pontos-de-venda, algumas
empresas se consolidaram como as principais redes de venda de
medicamentos no varejo do país. O ganho em eficiência obtido por um novo
tipo de empresa - a distribuidora de medicamentos - permitiu a muitas
farmácias atenderem melhor seus clientes e garantiu assim a expansão desse
serviço e, em decorrência, a consolidação de grandes redes.
Ap esa r da expans ão das redes de farm ácias e drogaria s, a maior
parte do faturamento do setor de venda de medicamentos ainda é proveniente
de farmácias independentes, que também permanecem ampliando seu
número de unidades, principalmente nas periferias das regiões
a c i m a e P Á c i N A a o l a d o : Cenas da
larga produção da indústria
farmacêutica no Brasil. Segundo
pesquisa, no primeiro ano deste século
existiam no país cerca de cinquenta mil
farmacias, número que coloca o país
na liderança de estabelecimento do
gênero no mundo.
DESENVOLVIM ENTOS DA FA R M Á CI A C O N T E M P O R Â N E A I 2 }
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