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Relações entre Empresas, Governos e

Comunidades na Amazônia Brasileira

Reflexões e Propostas
Seminário realizado em maio de 2009

Organização:
Marcelo Sampaio Carneiro
Manuel Amaral Neto
Katiuscia Fernandes Miranda
Relações entre Empresas, Governos e
Comunidades na Amazônia Brasileira

Reflexões e Propostas
Seminário realizado em maio de 2009

Organização:
Marcelo Sampaio Carneiro
Manuel Amaral Neto
Katiuscia Fernandes Miranda

Belém, 2010
Relações entre Empresas, Governos e
Comunidades na Amazônia Brasileira

reflexões e propostas
Seminário realizado em maio de 2009

Organização:
Marcelo Sampaio Carneiro
Manuel Amaral Neto
Katiuscia Fernandes Miranda

realização apoio
Copyright © 2010 by IEB

organizadores
Marcelo Sampaio Carneiro
Manuel Amaral Neto
Katiuscia Fernandes Miranda

revisão de texto
Gláucia Barreto

projeto gráfico e diagramação


Luciano Silva e Roger Almeida
www.rl2design.com.br

impressão
Gráfica e Editora Alves

dados internacionais de catalogação na publicação (cip)

Instituto Internacional de Educação do Brasil. Relações entre empresas,


Governos e comunidades na Amazônia brasileira: reflexões e
propostas. Belém: 2010.

Organizadores: Marcelo Sampaio Carneiro, Manuel Amaral Neto,


Katiuscia Fernandes Miranda.

81p. ilust.; 21,5x28 cm


ISBN 978-85-60443-08-6

Seminário realizado em maio de 2009.


Inclui: Figuras, quadros, fotografias e bibliografia

1.Política Governamental - Amazônia - Pará. 2.Meio Ambiente.


I.Título
CDD 338.98111
CDD 574.58111

Esta publicação foi possível por meio do generoso apoio dos Estados Unidos através da Agência dos Estados Unidos da
América para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O conteúdo é de responsabilidade dos autores e não reflete neces-
sariamente a visão da USAID ou do Governo dos Estados Unidos.
Sumário

Siglas e Abreviaturas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Sessões Temáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Mesa-redonda 1: Acordos entre empresas e comunidades: análise de
processos de comercialização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.1. Associação em Áreas de Assentamento no Estado do
Maranhão (Assema). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2. Comunidade Santo Antonio e sua relação comercial com a
empresa Maflops. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.3. Cooperativa Mista da Flona Tapajós (Coomflona) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4. Experiência PPP/GTZ – Projeto Cacau Nativo do Purus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Mesa-redonda 2: Processos de certificação como base para a
realização de acordos entre empresas e comunidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.1. Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de
Lago do Junco/MA (Coppalj) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.2. Cooperativa Mista dos Produtores Extrativistas do Rio Iratapuru
(Comaru/Amapá). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.3. Rede Ecovida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.4. Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.5. Avaliação de conformidade para produtos de extrativismo
da Amazônia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Mesa-redonda 3: O reconhecimento dos direitos de propriedade de
conhecimentos tradicionais em acordos entre empresas e comunidades. . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.1. Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de
Esperantinópolis/MA (Coppaesp). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.2. Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.3. Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.4. Acordos entre empresas e comunidades e a atuação do
Ministério Público Estadual do Pará. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Mesa-redonda 4: O papel do Estado na promoção de acordos entre
empresas e comunidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.1. Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
4.2. Secretaria de Agroextrativismo – MMA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.3. Serviço Florestal Brasileiro (SFB). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.4. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
resultados e propostas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
referências BIBLIOGRÁFICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Siglas e Abreviaturas
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abia Associação Brasileira da Indústria Alimentícia


abihpec Associação Brasileira de Higiene Pessoal e Cosméticos
acoprasa Associação Comunitária de Produtores Rurais da Comunidade Santo Antônio
ana Associação Nacional de Agroecologia
anvisa Agência Nacional de Vigilância e Inspeção Sanitária
aopa Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia
assefa Associação Solidária Econômica e Ecológica de Frutas da Amazônia
assema Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão
autef Autorização de Exploração Florestal
car Cadastro Ambiental Rural
cdb Convenção da Diversidade Biológica
ceftbam Centro de Estudo, Formação e Pesquisa dos Trabalhadores do Baixo Amazonas
ceplac Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
cese Coordenadoria Ecumênica de Serviços
cgen Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
cgflop Comissão de Gestão de Florestas Públicas
cirad Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvi-
mento (Do francês Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour
le Développement)
cnpq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
cnS Conselho Nacional dos Seringueiros
comaru Cooperativa Mista de Produtores Extrativistas do Rio Iratapuru
conab Companhia Nacional de Abastecimento
conaflor Comissão Nacional de Florestas
coomflona Cooperativa Mista da Flona Tapajós
coppalj Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco/MA
cooperar Cooperativa Agroextrativista do Médio Purus e Mapiá
coppaesp Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis/MA

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cpt Comissão Pastoral da Terra
embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
fase Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
fetagri Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará
fetraf Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
flona Floresta Nacional
fSc Conselho de Manejo Florestal (Do inglês Forest Stewardship Council)
gret Grupo de Pesquisa e Intercâmbios Tecnológicos (Do francês Groupe de Recherche et
d’echanges Technologiques)

gta Grupo de Trabalho Amazônico


gtna Grupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia
gtZ Agência de Cooperação Técnica Alemã
ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ibd Instituto Biodinâmico
icmbio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
idam Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do
Amazonas

ideflor Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará


ieb Instituto Internacional de Educação do Brasil
imaflora Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
imazon Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
inmetro Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
itto Organização Internacional de Madeiras Tropicais (Do inglês International Tropical
Timber Organization)

LAR Licença Ambiental Rural


maflops Manejo Florestal e Prestação de Serviços
mda Ministério do Desenvolvimento Agrário

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mfc&f Manejo Florestal Comunitário e Familiar


miQcb Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
mma Ministério do Meio Ambiente
mpeg Museu Paraense Emílio Goeldi
oct Oficinas Caboclas do Tapajós
ong Organização Não Governamental
pa Projeto de Assentamento
paa Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar
pamfcf Plano Anual de Manejo Florestal Comunitá-rio e Familiar

pctafS Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares


pesacre Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre
pmfc Plano de Manejo Florestal Comunitário
pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
reca Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado
Saf Sistema Agroflorestal
Sebrae Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
Sema Secretaria de Estado de Meio Ambiente
Sfb Serviço Florestal Brasileiro
uc Unidade de Conservação
ufac Universidade Federal do Acre
ufma Universidade Federal do Maranhão
ufra Universidade Federal Rural da Amazônia
upa Unidade de Produção Anual
WWf Fundo Mundial para a Natureza (Do inglês World Wildlife Fund)

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Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas
dos com planos de manejo. Finalmente,
para as comunidades, que são o lado
menos favorecido e empoderado dessa
relação, o principal atrativo são as faci-
lidades de acesso a mercado para seus
produtos.
Esta publicação apresenta as pro-
postas e reflexões do seminário. Na pri-
Ao longo dos anos, as relações en- meira parte apresentamos os objetivos
tre empresas, comunidades e Governos principais do evento, bem como a me-
na Amazônia brasileira, baseadas no in- todologia desenvolvida para o alcance
teresse em explorar produtos florestais coletivo dos objetivos propostos e o per-
madeireiros e não madeireiros, vêm se fil do público participante. Na segunda,
tornando cada vez mais recorrentes. reproduzimos as apresentações das ex-
Para conhecer as percepções dos movi- periências que foram convidadas para
mentos sociais sobre essas relações, o o seminário, divididas conforme os pai-
Instituto Internacional de Educação do néis temáticos: i) acordos entre empre-
Brasil (IEB), por meio de seu Programa sas e comunidades: análise de proces-
de Manejo Florestal Comunitário, reali- sos de comercialização; ii) processos de
zou em Santarém, no período de 29 a 31 certificação como base para a realização
de maio de 2010, o seminário “Relações de acordos entre empresas e comunida-
entre Empresas, Governos e Comuni- des; iii) o reconhecimento dos direitos
dades na Amazônia Brasileira”. Os re- de propriedade de conhecimentos tra-
sultados do seminário mostram que as dicionais em acordos entre empresas e
questões que envolvem as relações co- comunidades; e iv) o papel do Estado na
merciais entre comunidades e empresas promoção de acordos entre empresas e
na Amazônia são amplas e cobrem um comunidades. A terceira parte apresen-
leque bastante variado de temas. No que ta os resultados das discussões com o
se refere aos atrativos para o estabeleci- conjunto dos convidados, que foram
mento da parceria, por exemplo, para o posteriormente aprofundadas em gru-
governo, representa a oportunidade de pos menores a partir de alguns eixos
dar vazão às políticas públicas voltadas indicados pela mediadora do debate.
à temática. Para as empresas, a parceria A quarta e última parte apresenta uma
facilitará o acesso a conhecimentos tra- reflexão, à luz das discussões do semi-
dicionais de processos de extração de nário, sobre a percepção da sociedade
essências e aromas e a oportunidade de civil com respeito às relações entre em-
manejar áreas públicas destinadas a co- presas e comunidades para a promoção
munidades e, assim, disponibilizar no do manejo de recursos naturais madei-
mercado produtos madeireiros legaliza- reiros e não madeireiros.

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Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

alavanca para a construção de estraté-


gias sustentáveis para essas comuni-
dades. Porém, elas passam também a
ter que lidar com diferentes tipos de
problema, que implicam em elevados
custos de transação, demandam tempo
e um tipo de conhecimento técnico que
nem sempre é facilmente acessível.
O estabelecimento de acordos Como sugere o autor de um ba-
entre empresas e comunidades para a lanço recente sobre os produtos oriun-
exploração de recursos florestais (ma- dos da biodiversidade amazônica, es-
deireiros e não madeireiros) na Ama- sas experiências vêm ganhando força
zônia é um processo recente, que vem e se destacando como uma alternativa
ganhando importância crescente para para a economia regional (COSTA,
diversos grupos sociais (camponeses, 2009). Segundo informações apresen-
povos indígenas e comunidades tra- tadas pelo jornal Valor Econômico, a
dicionais) na região (Ros-Tonen et al ., produção regional de castanha, resi-
2008). nas, frutos, sementes, fibras e essên-
Esses acordos incluem uma cias atingiria, atualmente, um volume
gama variada de produtos, diferentes de negócio na casa dos R$ 640 milhões
tipos de parceiros (empresas, agências (VALOR ECONÔMICO, 2010).
de cooperação internacional, Organi- Contudo, o desenvolvimento
zações Não Governamentais - ONGs dessa economia “envolve uma ques-
etc.) e abrem espaço para a discussão tão, ainda não plenamente resolvida,
de diversos tipos de questões relativas relacionada à justa e adequada par-
ao processo de comercialização dos ticipação das chamadas populações
produtos (certificação socioambiental, tradicionais nos resultados econômi-
normas de qualidade), ao marco legal cos dessa nova economia amazônica,
da parceria (direitos de propriedade, cuja solução requer um indispensável
repartição dos resultados) e à análise avanço nos marcos regulatórios gerais
dos seus resultados sociais e ambien- e específicos da matéria no país, gene-
tais para os grupos envolvidos. ricamente agrupados nos mecanismos
Na realização desses acordos de repartição dos benefícios do aces-
esses grupos passam a ter acesso a di- so ao patrimônio genético nacional”
ferentes tipos de mercado (regionais, (COSTA, 2009).
nacionais, globais, éticos, de produtos Tendo como ponto de partida as
certificados, institucionais). Isto pode questões acima colocadas, propusemos
vir a funcionar como uma importante a realização de um seminário a fim de

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debater a relação entre comunidades e sentantes de associações comunitárias

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


empresas na Amazônia. Como em nossa (30%, N=30), organizações de base (4%
experiência anterior1, a ideia central do N=4), sindicatos de trabalhadores e tra-
evento foi permitir que lideranças comu- balhadoras rurais (14% N=14), ONGs
nitárias e/ou de movimentos sociais da (17% N=17) e órgãos governamentais
Amazônia pudessem debater as possibi- (35% N=35) (Quadro 1). É importante
lidades abertas por esse tipo de relação ressaltar que o elevado número de re-
a partir de experiências em andamento. presentantes do governo no seminário
Ou seja, colocar os protagonistas desses foi de funcionários do Incra (Institu-
acordos para relatarem seu aprendiza- to Nacional de Colonização e Reforma
do, indicando as possibilidades e limita- Agrária) que participam de um Grupo
ções desse tipo de inserção mercantil. de Trabalho (GT) desse órgão federal.
Este GT, na época, estava discutindo a
pÚblico participante elaboração de uma Instrução Normativa
para disciplinar a realização de manejo
O público do seminário foi flutu- florestal em áreas de assentamento da
ante durante o evento, com cerca de 100 reforma agrária. A solicitação de inscri-
participantes assim distribuídos: repre- ção foi feita pela Presidência do órgão.

Quadro 1 - Percentual de participantes no seminário por tipo de instituição/entidade.

instituições representadas participantes (%)


Associações comunitárias 30
Órgãos governamentais 35
Organizações não governamentais 17
Organizações de base 4
Sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais 14
Total geral 100

1
A ideia de realização de um levantamento sobre os diferentes tipos de acordo entre empresas e comunidades
na Amazônia nasceu após a realização do I Seminário Certificação Florestal e Movimentos Sociais na Amazô-
nia (GTNA/Fase/Imazon, 2003), apoiado pelo Cese e IEB. O seminário enfocou, dentre outras questões, um
tipo específico de acordo, aquele estabelecido por comunidades que realizam manejo florestal (madeireiro e
não madeireiro) e que buscam, por meio da certificação, o acesso a mercados que remuneram melhor o resul-
tado de seu trabalho.

11
Os representantes dessas enti- (14%), Manaus (4%) e Apuí (3%). Ou-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

dades e instituições eram oriundos de tros Estados brasileiros representados


diversos Estados da Amazônia e de incluem o Rio de Janeiro, São Paulo,
outras regiões do País, totalizando 37 Paraná e o Distrito Federal. Foi convi-
municípios. Na Amazônia, os municí- dado um representante por entidade/
pios com maior número de represen- instituição, porém algumas excederam
tantes foram: Santarém (25%), Belém este número.

Localidades de origem das organizações da sociedade civil da Amazônia presentes no seminário.

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metodologia do Meio Ambiente e dos Recursos Na-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


turais Renováveis), por ser o represen-
Para o seminário foram convida- tante governamental que é acionado
das entidades com experiência em acor- quando essa compra é feita de comu-
dos com empresas ou com a colocação nidades que vivem em Unidades de
de seus produtos em redes de comércio Conservação (UC) federais.
justo; órgãos estatais que possuem re- O terceiro conjunto de convida-
lação direta com a gestão de recursos dos é o de entidades de mediação (Feta-
florestais por comunidades (Incra, SFB, gri, Assema, Ceftbam e CNS) e de pro-
Sema, Ibama e Ideflor); entidades de moção da certificação, caso do Imaflora
mediação; e empresas que atuam no ne- que é a principal organização envolvida
gócio da certificação. em processos de certificação florestal na
Dentre as organizações comuni- Amazônia brasileira.
tárias convidadas estão a Coppaesp e Cada entidade/instituição convi-
o Projeto Reca, que possuem contratos dada recebeu previamente um roteiro2
com empresas como a Natura; a Oficinas para orientar sua apresentação, o qual
Caboclas do Tapajós (OCT), que há até continha as seguintes questões:
bem pouco tempo vendia seus produtos • O que levou a comunidade a estabele-
para a Tok & Stok; a Assema e a Coppalj, cer esses acordos?
que estão inseridas em redes do comér- • Qual a importância desses acordos
cio justo; e a Comaru (certificação flores- para as comunidades e quais os prin-
tal), que possui experiência com proces- cipais problemas enfrentados?
so de certificação, assim como a Coppalj • Qual a natureza desses acordos?
(certificação orgânica). Como eles estão estruturados?
A escolha dos órgãos governa- • Quais os principais impactos (sociais
mentais convidados considerou aque- e ambientais) percebidos pela comu-
les com algum tipo de relação com a nidade após o estabelecimento desses
realização desses acordos. O Incra, por acordos?
exemplo, foi escolhido por seu papel • Que modificações podem ser reali-
no processo de aquisição de madeira zadas para aperfeiçoar os acordos e
oriunda de assentamentos de reforma melhorar os resultados obtidos pelas
agrária; e o Ibama (Instituto Brasileiro comunidades?

2
Essas questões foram inspiradas nas perguntas do levantamento sobre as relações entre empresas e comuni-
dades realizado por Mayers & Vermeulen (2003).

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Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

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Momentos de discussão nos trabalhos de grupo. Fotos: Arquivo IEB.
As experiências foram organizadas em seções temáticas, a saber:

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


i) Acordos entre empresas e comunidades: análise de processos de comercializa-
ção;
ii) Processos de certificação como base para a realização de acordos entre empre-
sas e comunidades;
iii) O reconhecimento dos direitos de propriedade de conhecimentos tradicionais
em acordos entre empresas e comunidades; e
iv) O papel do Estado na promoção de acordos entre empresas e comunidades.

Essas apresentações foram segui- A descrição dessas discussões foi


das de discussões com o conjunto de realizada a partir do material escrito
convidados e, posteriormente, em gru- produzido pelos relatores de cada tra-
pos menores. Nesses grupos, o debate balho de grupo. Embora não reprodu-
foi aprofundado a partir de alguns eixos zam integralmente o conjunto das dis-
indicados pela mediadora do debate. Ao cussões realizadas, eles permitem que o
final do seminário foram discutidas as leitor tenha uma noção da riqueza das
questões levantadas durante os painéis discussões travadas e os desafios iden-
e propostos os encaminhamentos pelos tificados.
participantes do evento. Como destacamos na convoca-
Os textos das experiências apre- tória do evento, o seminário tinha por
sentadas nesta publicação foram re- objetivo lançar uma discussão mais
produzidos a partir das gravações das ampla sobre a relação entre empresas e
apresentações orais dos expositores. comunidades na Amazônia, que fosse
Essas reproduções foram em seguida capaz de envolver os diferentes atores
submetidas aos seus autores para ajus- que compõem essas relações, entida-
tes. Nos casos em que a gravação não des de mediação, órgãos governamen-
estava clara, foi solicitado ao expositor tais e demais partes interessadas. As
um texto escrito. discussões ocorridas em Santarém re-
A organização das apresentações forçaram nossa convicção de que esse
segue a ordem de exposição dos painéis. debate precisa ser ampliado, e que um
Após os textos de apresentação descre- longo caminho precisa ser percorrido
vemos o conteúdo das discussões rea- para que as relações entre empresas e
lizadas nos grupos e na plenária final, comunidades possam fomentar pro-
bem como apresentamos uma avaliação cessos efetivos de desenvolvimento
do evento. social e econômico.

15
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

O seminário foi organizado em duas partes. Na primeira foram realizadas


as sessões dedicadas à análise de experiências que serviram como ponto de partida
para a reflexão dos quatro eixos temáticos: i) processos de comercialização; ii) cer-
tificações; iii) direito de propriedade; e iv) relação com o Estado. A segunda parte
constituiu-se de uma plenária final na qual foram encaminhados os principais te-
mas discutidos durante as mesas-redondas.

meSa-redonda 1:
acordoS entre empreSaS e comunidadeS:
análiSe de proceSSoS de comercialiZação

Durante esta mesa-redonda fo- empresa Manejo Florestal e Prestação de


ram apresentadas aos participantes do Serviços (Maflops); iii) Cooperativa Mista
seminário as experiências de comercia- da Flona Tapajós (Coomflona); e iv) Expe-
lização entre comunidades e empresas. riência PPP/GTZ – Projeto Cacau Nativo
Nas apresentações foram contemplados do Purus. Além das experiências descritas
os aspectos técnicos, contratuais e políti- acima, foram apresentadas aquelas da Or-
cos dos acordos estabelecidos. Esses re- ganização do Tapajós, que comercializa
latos possibilitaram ao público presente produtos provenientes de resíduo flores-
conhecer as relações entre empresas e tal madeireiro com a loja Tok & Stok, e do
comunidades na Amazônia Legal a par- Ceftbam, uma entidade que desenvolve
tir da perspectiva das comunidades. projetos para o desenvolvimento sustentá-
As entidades/instituições a seguir vel dos municípios do Baixo Amazonas3 .
relataram suas experiências: i) Associação Porém, por motivos técnicos, as transcri-
em Áreas de Assentamento no Estado do ções dos palestrantes dessas entidades
Maranhão (Assema); ii) Comunidade San- não foram gravadas e, por essa razão, não
to Antonio e sua relação comercial com a estão descritas nesta publicação.

3
O Ceftbam é também o principal articulador do Território da Cidadania do Baixo Amazonas, instrumento
da política de desenvolvimento territorial do governo federal, que deve coordenar os esforços das políticas
públicas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar e da produção agroextrativista.

16
1.1. associação em áreas de cas; iii) produção agroextrativista; e iv)

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


assentamento no estado do comercialização solidária.
maranhão (assema) No Programa de Organização de
apresentado por Mulheres e Quebradeiras de coco baba-
maria alaídes alves de Sousa çu nós temos a função de fortalecer as
organizações de mulheres para a alta
Vou apresentar aqui o que é a As- gestão e buscar seus direitos nos aspec-
sema, quem a compõe e o trabalho que a tos econômico, social, político, ambiental
entidade faz. A Assema é uma entidade e renda. Nós estamos trabalhando tam-
que tem como missão a construção de bém no Programa “Juventude Rural e
ações sustentáveis de utilização dos re- Transversalidade de Gênero e Etnia”. No
cursos naturais na busca pela qualidade Programa de Desenvolvimento Local de
de vida no campo, tendo como base a Políticas Públicas nós trabalhamos com
produção familiar, relações justas de gê- associativismo e cooperativismo, educa-
nero, o respeito às etnias e à diversidade ção no campo e intervenção nas políticas
cultural. públicas para as famílias agroextrativis-
A Assema atua na região do Mé- tas. Trabalhamos ainda no Programa de
dio Mearim maranhense e representa 77 Produção Agroextrativista, cuja missão
associados e associadas, 40 fundadores e é o sistema integrado, produção da ma-
37 organizações coletivas – entre elas es- téria-prima para produtores do babaçu
tão cooperativas, a associação de mulhe- (babaçu livre) e beneficiamento e pro-
res, os sindicatos e a associação de jovens. cessamento. No Programa de Comer-
A nossa estrutura é composta por um cialização Solidária, nós trabalhamos
conselho de coordenação com 12 direto- a administração, gestão participativa,
res e diretoras; uma diretoria executiva mercado solidário para produtores, pro-
com 11 diretores e diretoras; e o conselho dutos de babaçu livre.
fiscal com 4 diretores. Esses diretores e Na Assema nós vivemos também a
diretoras trabalham nas bases tentando experiência de mediação de processos de
disseminar e construir nos assentamen- comercialização e poderíamos começar
tos a proposta política da Assema. Nós nos perguntando: “o que levou a Assema
temos na Assema uma distribuição cha- a estabelecer relações comerciais entre
mada “programas e eixos de trabalho” empresas de capital privado e cooperati-
por meio dos quais desenvolvemos nos- vas de agricultores e extrativismo?”
sos trabalhos de: i) organização de mu- Para responder essa pergunta
lheres e quebradeiras de coco babaçu; ii) encontramos alguns temas que corres-
desenvolvimento local de políticas públi- pondem aos nossos objetivos nessas re-

17
lações: avançar na conquista de
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

mercado para garantir a soberania


econômica das famílias agroex-
trativistas; ganhar oportunidade
de comercializar com empresas
que tenham atuação no merca-
do justo; fortalecer o movimento
cooperativista, a autogestão das
famílias agroextrativistas e valo-
rizar os produtos da economia do
babaçu na região com a elimina-
ção dos atravessadores da cadeia
produtiva do babaçu.
Esse trabalho da Assema
em processos de comercialização
tem rendido bons frutos. Nessas Exemplos de produtos fabricados a partir do
ações temos obtido os seguintes resulta- beneficiamento do babaçu. Foto: Luis Antônio.

dos: o aumento da renda familiar, o em- (babaçu) que fica escasso em alguns meses
poderamento econômico e político das do ano; as grandes derrubadas e queima-
famílias agroextrativistas e a garantia de das dos babaçuais; o assédio dos atraves-
mercado com preço justo; o que vem es- sadores nas comunidades pela compra de
timulando as famílias a permanecerem amêndoas a preço baixo; a possibilidade
em suas comunidades de origem. Ainda de contaminação química dos babaçuais
como fruto dessa atuação na comercia- localizados em propriedades privadas.
lização, as cooperativas que a Assema Procuramos também refletir e
assessora (Coppalj, Coopaesp) se fortale- identificar, para trazer para esse encon-
cem e tornam-se referência para a iden- tro, os principais impactos sociais e am-
tidade dos produtores agroextrativistas bientais nas relações que mantemos nes-
– entre os quais estão as quebradeiras e ses processos de comercialização com
agricultores – e ajudam na diversificação empresas. A relação tem desdobramen-
da produção familiar. tos sociais a partir da política própria
Nessa experiência na mediação da cooperativa junto a seus associados.
de processos de comercialização nós en- Como parte da relação com as empresas
frentamos muitos problemas difíceis de do comércio justo a Assema (em parce-
esquecer, pois, é a partir da identificação ria com a Coppalj) vem incentivando o
desses problemas que a gente pode en- desenvolvimento do projeto das roças
contrar alternativas para sua solução. Os orgânicas com a proposta de eliminar o
principais problemas identificados são: a uso do fogo e de produtos químicos na
sazonalidade do produto comercializado atividade agrícola de seus associados.

18
1.2. comunidade Santo antonio agricultura. Uma situação bastante dife-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


e sua relação comercial com a rente da Transamazônica, por exemplo.
empresa maflops Então, o que acontece também
apresentado por nesses assentamentos é uma taxa de eva-
philippe Sablayrolles do gret / floresta em pé são elevada, pois têm muitos lotes que
não são ocupados, o pessoal não mora
Primeiro vamos falar sobre a situ- lá – ele é beneficiário da reforma agrária,
ação da Comunidade de Santo Antônio, porém não mora no assentamento.
que faz parte do Assentamento Moju I No caso da Acoprasa (Associação
e II, localizado ao sul de Santarém, ao Comunitária de Produtores Rurais da
longo da BR 163. Em termos de estradas Comunidade de Santo Antônio) é um
de acesso, eu diria que é mais dificulto- pouco diferente, pois tem uma taxa mui-
so para os moradores das comunidades to alta de pessoas morando se compara-
localizadas 20 km para dentro, que, no da ao assentamento Moju I e II.
período de chuvas, levam de seis a oito O PA foi criado a partir de 2001
horas para fazerem o trajeto de lá até ou 2002, pelo Incra, e logo em seguida
Santarém. foram criadas as associações. Assim,
Bom, em termos da relação entre cada comunidade passou a ter uma as-
a empresa e a comunidade, esses assen- sociação que tinha interlocução com o
tados começaram a chegar nesse territó- Incra.
rio no final dos anos 1990 – geralmente Entretanto, nesse período do iní-
ribeirinhos e garimpeiros que procura- cio dos anos 2000, ocorreu um problema
vam terra e até madeireiros ilegais que importante, pois o Incra não construiu
abandonavam a comunidade para co- infraestrutura para o assentamento. As
meçar atividades agropecuárias. Poucas pessoas levaram muito tempo com di-
famílias chegaram num primeiro mo- ficuldade para transportar os produtos
mento. por falta de vias de acesso, o que difi-
A partir de 2000 o Incra chegou cultou a viabilização da agricultura e a
demarcando e regularizando lotes de própria permanência deles no local.
100 hectares. Hoje, o PA (Projeto de As- Sobre o acordo com a empresa,
sentamento) tem 27 comunidades de esclareço que não se trata de algo que
aproximadamente 140 mil hectares. surgiu do nada. Os próprios comuni-
A origem dessas famílias é diver- tários procuravam várias empresas em
sa. Há umas, por exemplo, que vieram Santarém para fazer um acordo de troca
do garimpo, de outras regiões; outras de madeira por estrada, o que já é uma
vieram de comunidades onde as famí- prática consolidada.
lias realmente têm origem e experiência O próprio Incra, o Ministério Pú-
agrícola; e há também famílias que fica- blico e o Ibama, no início dos anos 2000,
ram mais no garimpo do que na própria consolidaram um acordo por meio da

19
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

20
Comunidades do Assentamento Moju I e II. Fotos: Arquivo IEB.
empresa Maflops, vamos dizer que para Anual) a ser explorada. Nós constatamos

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


delimitar essa relação de uma forma que a comunidade tem um bom nível de
mais governada. Então, houve um en- conhecimento das espécies. Na comu-
tendimento entre esses órgãos para criar nidade há um grupo que conhece bem
um acordo no qual a empresa, de fato, a floresta e tem interesse na exploração
construiria as estradas e se responsabili- de produtos não madeireiros. Então, no
zaria por elaborar um plano de manejo. caso da atividade, o problema está na
Nesse acordo a própria empresa finan- área que já sofreu exploração.
ciaria toda a elaboração do plano de Em termos de organização comu-
manejo, se encarregaria da exploração nitária, existe um bom entrosamento en-
florestal e, depois, com os resultados ob- tre as lideranças, há um grupo de mulhe-
tidos pagaria os colonos pela utilização res muito ativo, o Natureza Viva – cuja
da madeira de seus lotes. uma das lideranças, Dona Socorro, deve
Um dos efeitos observados após a chegar daqui a pouco no Seminário. Ve-
consolidação desse acordo foi o aumento rificamos que nessa comunidade há um
no fluxo de famílias para o assentamento. consenso entre as famílias para lutar
Agora vamos falar sobre a situa- contra a exploração ilegal de madeira.
ção da Comunidade de Santo Antônio. Os pontos negativos é que eles
Começaremos pela questão da sustenta- não conseguiram levar até o fim a pro-
bilidade da agricultura praticada. Atu- dução de SAFs (Sistema Agroflorestal)
almente existem 46 famílias morando por meio da associação e que existe uma
na comunidade, embora existam alguns certa divisão de estratégia entre as famí-
lotes que ainda não estão ocupados. Este lias que moram na agrovila e as que mo-
trabalho é basicamente com a pimenta, o ram nos lotes afastados da agrovila.
arroz e a farinha. Quanto à relação da comunidade
Em 2008, algumas famílias come- com a empresa, falaremos sobre os pro-
çaram a plantar espécies frutíferas. Hoje, cedimentos que estão inseridos nesta re-
elas já possuem acesso à energia e água lação, que vamos comentar por etapas.
encanada. As áreas onde a agricultura está A primeira etapa é a assinatura
implantada ficam numa região quase sem do contrato. Nesse caso a empresa ajuda
água, ou seja, a rede hídrica é muito re- a associação a pagar as taxas, realiza o
duzida, o que é um problema para desen- levantamento da documentação dos co-
volver a agropecuária, mais precisamente lonos junto com as lideranças, tanto do
a pecuária. Em termos de renda agrícola, ponto de vista fundiário como do am-
a pimenta se constitui quase a única alter- biental. Durante o primeiro ano do con-
nativa para a obtenção de receita. trato há uma relação financeira muito
No que concerne à exploração dos estreita, pois tem muita coisa que a em-
recursos florestais, em 2008 eles tinham presa paga para facilitar esse processo
ainda uma UPA (Unidade de Produção de documentação.

21
A segunda etapa é a elaboração 50 famílias por associação, vamos ter em
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

e aprovação de um plano de manejo torno de 10 a 15 lotes por UPA, constitu-


florestal da associação – que a empre- ída pelas reservas legais ligadas dos lo-
sa elabora em nome da associação – e tes. Uma comunidade de 40-50 famílias
da autorização da exploração florestal. pode, assim, constituir de 3 a 4 UPAs.
Vale ressaltar que o inventário florestal O principal problema para a de-
feito pela empresa é de boa qualidade. finição e a dimensão da UPA é a falta
Os controles realizados pelo Ibama mos- de documentação dos colonos frente ao
tram que ele é consistente. Segundo esse Incra. Quando um colono comprou um
inventário existem 90 espécies, das quais lote e não está na relação de beneficiá-
48 são comerciais e 20 são potencialmen- rios do Incra daquele lote, ele não pode
te comerciais. compor a UPA, cujo tamanho deve ser
A autorização de exploração de reduzido. No entanto, a construção da
uma UPA se baseia num ciclo de corte estrada pode ocorrer desde a assinatu-
de 25-30 anos. Porém, esse corte é reali- ra do contrato. Uma vez que o contrato
zado na íntegra no primeiro ano e a as- é assinado, a empresa pode começar a
sociação fica encarregada de manter essa construir as estradas. Mas toda a parte
floresta até o próximo corte. Por exem- de exploração (corte das UPAs) é efetua-
plo, se a gente coloca uma média de 40 a da logo após a licença emitida pelo órgão

Exemplo de LAR (Licença Ambiental Rural) de uma comunidade com exploração florestal no PA
Moju.

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licenciador. Então, isso é o licenciamen- conforme o volume que foi extraído des-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


to do plano de manejo da Acoprasa. se lote.
Para vocês terem uma idéia, Passando para a análise dos re-
aquela linha vermelha é o limite do pla- sultados, podemos dizer que para as
no de manejo e aqueles lotes em laranja comunidades, o ponto mais positivo é a
fazem parte da UPA que foi explorada construção das estradas. Outro aspecto,
em 2008, dessa forma, são 11 lotes. O li- relacionado com a atuação dos órgãos
cenciamento deles se baseia no Cadastro púbicos, diz respeito ao fato de que a
Ambiental Rural (CAR), que verifica se associação de colonos não consegue ela-
a floresta representa, no mínimo, 80% borar um plano de manejo e fazê-lo ser
da superfície. Evidentemente que esses aprovado sem a atuação da empresa. A
colonos que fazem parte da exploração empresa cria a oportunidade. O paga-
são cadastrados no Incra como assenta- mento da madeira, que acaba sendo um
dos da reforma agrária, ou seja, estão na recurso interessante para as famílias, va-
relação de beneficiários. ria de R$ 3 mil a R$ 4 mil por família até
Agora falaremos sobre a etapa R$ 50 mil a R$ 60 mil, que, de alguma
de exploração florestal, a qual é finan- forma, é um bom recurso.
ciada totalmente pela empresa Maflops Há também o fato de que as fa-
ou pela serraria compradora – agora há mílias passam a ter interesse pela bio-
outro ator no processo, o comprador da sustentabilidade, ou seja, vão procurar
madeira. Existe a associação de colo- mobilizar recursos externos para com-
nos, mas é a Maflops que faz todo esse plementar a pauta do manejo florestal
trabalho de inventário e aprovação de madeireiro. Eu queria associar o fato de
plano. Na etapa da exploração, quando essa atividade ter o efeito de controlar a
ocorre a maior parte dos custos, a pró- exploração ilegal de madeira no assen-
pria compradora que negocia a madei- tamento. Essa exploração ilegal foi re-
ra com a Maflops adianta uma parte do duzida, mas a comunidade teve que en-
recurso para viabilizar essa exploração. frentar várias pressões e ameaças para
Aí a gente encontra um procedimen- conseguir isto.
to tradicional de exploração através de Agora vamos destacar os pontos
manejo florestal mecanizado. É impor- negativos. Nesse tipo de relação a em-
tante observar que quase todo o manejo presa acaba monopolizando as relações
é assumido pela empresa. No entanto, dos colonos com os atores externos, e
as comunidades têm a responsabilidade observa-se uma relação fragilizada das
legal de fornecer ao órgão ambiental o comunidades com o sindicalismo, por
relatório de exploração para alimentar o exemplo. Outro dado é que esse acordo
sistema público de monitoramento. De- vai focalizar a exploração de madeira e
pois, o transporte é efetuado – a empre- um número pequeno de espécies que
sa paga cada colono, cada dono de lote são as destinadas à exportação. Eviden-

23
temente que a natureza desequilibrada podem mostrar e negociar o volume de
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

dessa relação faz com que, ao final, a as- madeira que possuem, podem inclusive
sociação cresça muito pouco, ou seja, ela pedir um adiantamento para a empresa
está numa camisa de força que a impos- compradora através dessas atividades
sibilita de se autonomizar. Obviamente, de exploração. Mas isto não ocorrerá de
se a associação possui uma pequena par- um dia para o outro, pois o nível de or-
ticipação nesse processo, se ela não assu- ganização comunitária tem que ser sufi-
me as responsabilidades, o controle da cientemente sólido. Pensamos que essa
operação florestal fica nas mãos da em- primeira parte poderia ser financiada
presa, inclusive os pagamentos dos colo- por um crédito do tipo Reforma Agrária
nos, que são realizados pela Maflops. ou Pronaf (Programa Nacional de For-
Há uma dúvida sobre a sustenta- talecimento da Agricultura Familiar). Fi-
bilidade ambiental desse arranjo, pois zemos um levantamento de quanto cus-
uma vez que a madeira foi retirada de taria por colono e chegamos a valores de
uma vez, o que vai acontecer durante os R$ 6 mil a R$ 8 mil. O que isso significa?
25 anos que seguem? Uma outra coisa é Que é incompatível com os créditos que
que o conjunto dessa relação é feito por o Incra fornece atualmente como crédi-
meio de um contrato, ou seja, o contra- tos de Reforma Agrária para as famílias
to abrange toda a relação até efetivada nos assentamentos, ou seja, se a políti-
a exploração – desde a documentação ca pública proporcionasse esse crédito
dos colonos até o preço que vai ser pago para as organizações dos assentados,
para cada um, deixando fora o período eles teriam essas autorizações (Autef) na
seguinte, quando a associação sozinha mão e poderiam negociar com as empre-
se responsabiliza pela manutenção da sas de forma completamente diferente.
floresta explorada até o novo ciclo de A relação com a empresa mudaria com-
corte. pletamente. Mas é evidente que isto exi-
Para melhorar essa relação, nós giria um trabalho de assistência técnica
estamos discutindo a elaboração de uma de forma a consolidar a organização dos
proposta, seguindo um pouco a experi- assentados. Também exigiria um trata-
ência que a Coomflona está implemen- mento reforçado do controle que as as-
tando: seria cortar um processo em dois, sociações deveriam ter sobre essas ativi-
fazendo uma primeira etapa até a emis- dades, porque não é só estabelecer um
são das Autorizações de Exploração contrato de exploração, teria que ter um
Florestal (Autef) a fim de permitir que meio de monitorar, verificar o volume
as comunidades negociem um contrato realmente explorado, saber negociar a
unicamente de venda e de exploração. venda da madeira e o custeio de explo-
Isto porque, com a Autef na mão, eles ração.

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1.3. cooperativa mista da flona de Flonas, os órgãos governamentais

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


tapajós (coomflona) em Brasília elaboraram e aprovaram a
apresentado por Sérgio pimentel Portaria Nº 40/2003, a qual dá opor-
tunidades para as cooperativas de co-
início do processo munitários trabalharem o manejo flo-
Nossa experiência nasceu de um restal sustentável na floresta. Foi então
projeto piloto financiado pelo ITTO (In- que surgiu a Coomflona para realizar
ternational Tropical Timber Organization) esse manejo. Com o plano de manejo
que apoiou a exploração florestal por aprovado pelas comunidades, as asso-
meio de uma empresa madeireira da ciações existentes na Flona tinham li-
região. Isso nos despertou a vontade mitações legais para gerenciar o plano
de fazer também a exploração. A Flona (isto é, não podem emitir nota fiscal),
(Floresta Nacional) do Tapajós, em 1998, e aí houve a necessidade de se criar a
apoiou o Projeto ITTO. Nesse período as Coomflona.
comunidades só ouviam o barulho das
máquinas retirando a madeira. Então, a exploração florestal
as associações comunitárias reagiram, Atualmente o nosso projeto está
as comunidades se reuniram, e a partir no terceiro ano de exploração. No pri-
desse momento foi elaborado um estudo meiro ano exploramos 100 hectares, no
para viabilizar a participação das comu- segundo, 300 hectares, e nesse ano agora
nidades em projetos de manejo florestal vamos explorar 500 hectares. Quando
e para habilitá-las para fazer projetos assumimos a cooperativa em 2008, tive-
dentro da Flona. mos alguns imprevistos. Por exemplo, a
Como nessa época não havia cooperativa não tinha recurso para ini-
nenhuma lei que permitisse o mane- ciar a exploração no tempo certo – início
jo florestal por comunidades dentro do verão –, e nós tivemos que nos virar

Comunitários trabalhando no projeto de manejo florestal da Flona do Tapajós. Fotos: Suelen Cruz

25
para fazê-la, mas conseguimos. Hoje nós devido às exigências contratuais para o
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

estamos com o estoque de madeira ain- pregão, que reprovou todas as empresas
da do ano passado, com cerca de 1.400 interessadas em participar. Nós fizemos
metros cúbicos, o que talvez nos leve a uma carta para a chefia da Flona, o ICM-
perder alguma madeira branca que fi- Bio (Instituto Chico Mendes de Conser-
cou junto com as outras madeiras. vação da Biodiversidade), em Santarém,
Então, o nosso objetivo dentro da pedindo que eles revissem o processo de
Flona, hoje, é trabalhar de maneira sus- pregão. Foi então que o gestor da Flona
tentável, respeitando o meio ambiente, liberou a venda da madeira por meio de
dando oportunidade aos comunitários e uma negociação direta com as empresas
beneficiando as comunidades que fazem interessadas.
parte dela e que hoje são da cooperativa. Duas empresas de Santarém ven-
A Coomflona possui 160 sócios coopera- ceram o processo para a compra da ma-
dos. deira e se combinaram em dividir a pro-
dução. Porém somente uma delas até
a relação comercial agora assumiu o compromisso e pagou
Hoje, nós fazemos contrato com pela madeira. Por isso que é importante
algumas empresas. Nós trabalhamos um contrato com a empresa, como acon-
somente com as máquinas terceirizadas teceu nos primeiros anos de exploração.
e toda a mão de obra utilizada para a Por exemplo, em 2007, não havia cláusu-
exploração são comunitários coopera- las no contrato que estabelecessem que a
dos. Por isso vendemos nossa madeira empresa fosse obrigada a ficar com toda
ainda na floresta, pois dependemos do a madeira do romaneio. Assim, quando
adiantamento das empresas para alugar chegou a hora de explorar, a empresa
os maquinários necessários à exploração escolheu somente a madeira que era de
florestal. Porém, temos encontrado difi- interesse comercial para ela e nós fica-
culdades na relação comercial com essas mos com 50% da nossa madeira em pé,
empresas. praticamente toda a madeira branca.
Para vender a madeira nós traba- Para a elaboração do contrato des-
lhamos num sistema de pregões. Vender te ano (2009) nós tivemos a ajuda de vá-
madeira por meio de pregões é uma exi- rias entidades que nos apoiam no proces-
gência que precisamos cumprir por tra- so de comercialização da madeira, como
balhar em área pública. Assim, a gente o projeto “Floresta em Pé”, que partici-
tem que fazer os pregões exigidos pelo pou da elaboração do contrato e do edi-
Ibama e dar entrada em uma transferên- tal e nos acompanhou em todo o proces-
cia para a sociedade. so de negociação com a empresa. Esses
Para a comercialização da ma- são nossos principais obstáculos ainda,
deira de 2008, nós fizemos três pregões mas eu tenho certeza que a partir des-
e não conseguimos vender a madeira ses encontros que estão acontecendo nós

26
vamos ter outros caminhos que possam presa alemã de chocolates chamada Ha-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


favorecer o nosso trabalho, pois, hoje, o chez, que compra o cacau da região sul
governo está olhando com mais carinho do Amazonas produzido pela Cooperar
o manejo sustentável na Amazônia. (Cooperativa Agroextrativista do Médio
Purus e Mapiá). O cacau é explorado nas
nossas expectativas para o futuro várzeas do rio Purus e do rio Acre, nos
Inicialmente a cooperativa não municípios de Boca do Acre e Pauini.
foi criada para trabalhar com produto
não madeireiro, então, hoje, estamos o início do projeto
querendo diversificar nossa produção Em 2005 houve um contato de
para que no período da entressafra da uma ONG alemã chamada Regenwald
madeira possamos ter alternativas que Institute (Instituto Floresta Tropical em
possam contribuir com a renda familiar português) com a Cooperar. O trabalho
dos comunitários. Na Flona do Tapa- desta ONG é procurar produtos aqui da
jós tem muita coisa, mas nós ainda não floresta – da Amazônia –, principalmen-
avançamos nessa estratégia porque nos- te produtos que tenham valor no merca-
so principal problema hoje é encontrar do, e levar para a Europa para serem co-
comércio para esses outros produtos da mercializados lá, em um mercado justo.
floresta. Por exemplo, em nosso plano de Essa ONG manteve contato com
manejo colocamos a possibilidade de ex- a cooperativa que existia em Boca do
ploração da andiroba e da copaíba, mas Acre, a Cooperar. Nessa época, o princi-
temos dificuldade de encontrar compra- pal trabalho da cooperativa era o abaste-
dor aqui na nossa região. Nós não con- cimento de bens de consumo para uma
seguimos vender a nossa produção de comunidade isolada que fica a mais ou
andiroba e temos em estoque uns 800 menos seis horas de “voadeira” de Boca
litros. Então, eu acho que a partir desse do Acre, dentro da Flona. Então, essa co-
encontro veremos os caminhos que po- operativa que fazia o abastecimento de
dem, também, nos ajudar no comércio bens de consumo de cerca de 80 famílias,
desses produtos não madeireiros. tinha tido a iniciativa de implantar uma
fábrica de frutas desidratadas com a qual
1.4. experiência ppp/gtZ – projeto chegou a produzir durante algum tempo
cacau nativo do purus banana-passa. Contudo, os negócios não
apresentado por foram para frente porque a cooperativa
alexandre lins encontrou muita dificuldade para entrar
no mercado para comercializar de forma
O projeto que descreverei refere- competitiva o seu produto.
se a uma parceria público-privada de- Sabendo que existia muito cacau
senvolvida entre a GTZ (Agência de nativo na região, o Instituto Regenwald
Cooperação Técnica Alemã) e uma em- contatou a Cooperar e fez uma ponte

27
com essa empresa de chocolates da Ale- mento é feito de forma descentralizada
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

manha, a Hachez, que demonstrou inte- pelos produtores – cada produtor faz o
resse em iniciar um projeto para explo- seu beneficiamento sem muito cuidado
ração de cacau nativo. no processo. Então o cacau da Amazô-
nia é considerado no mercado como de
a questão da qualidade e do segunda qualidade, inferior, com um
beneficiamento centralizado preço consequentemente baixo.
do cacau Então, tendo o conhecimento sobre
Como vocês sabem, o cacau é um esses estudos que mostravam esse poten-
produto originário da bacia Amazônica. cial, nós, na cooperativa, decidimos fazer
Existem diversos estudos que mostram um beneficiamento centralizado. Então
que o cacau nativo tem o potencial de o que a cooperativa faz? Ela compra os
ser um produto de qualidade superior, frutos das comunidades ribeirinhas, leva
seja pelo seu teor de gordura, seja pelo para algumas centrais de beneficiamento
ponto de fusão da manteiga, seja pelo nas quais se usa todo o critério e rigor ne-
sabor e aroma – que também estão re- cessários para que o produto tenha boa
lacionados à região. No entanto, a qua- qualidade.
lidade do cacau depende, também, de Porém, antes de se implantar essa
um processo de beneficiamento, isto é, o estrutura, a cooperativa fez um proje-
cacau tem potencial para ser de primeira to para essa empresa alemã para fazer
qualidade, mas se o beneficiamento não um levantamento do potencial produ-
for perfeito ele perde a qualidade. Isto tivo do cacau nativo na região. Então,
é o que acontece com parte importante um engenheiro florestal fez um levan-
do cacau produzido na Amazônia: Pará, tamento e constatou que existe um po-
Rondônia e Amazonas, cujo beneficia- tencial grande nas áreas de ocorrência

Beneficiamento de cacau nativo pela Cooperar. Fotos: Arquivo Cooperar.

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de cacau – foi identificada a existência atuação da cooperativa, se você for con-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


de áreas com ocorrência de até 200 tou- siderar o trajeto realizado nos rios, chega
ceiras por hectare. a cerca de mil quilômetros o trajeto que
Após esse levantamento, a em- a cooperativa percorre com seus barcos
presa falou: “tudo bem, então vamos comprando frutos de cacau.
aprovar a implementação do projeto”. Em 2007, ano em que foi amplia-
Eles então adiantaram todo o recurso da a estrutura, foi que a empresa entrou
necessário para implantar a estrutura em contato com a GTZ para firmar uma
de produção. A cooperativa assumiu o parceria público-privada que pudes-
compromisso de pagar esse empréstimo se apoiar o fortalecimento dessa cadeia
abatendo-o de forma parcelada com o produtiva; foi aí que entrou a GTZ.
recurso obtido no lucro da venda do ca- Em 2008, a empresa lançou o cho-
cau, sem juros e sem prazo estabelecido colate do cacau nativo no mercado – se-
para fazer esse pagamento. O capital de gundo eles, foi o primeiro chocolate de
giro para a produção também foi todo cacau nativo lançado no mercado euro-
adiantado pela empresa. peu. O chocolate foi lançado na Alema-
nha com a marca Amazonas. A Hachez
o início da produção do cacau promoveu a campanha publicitária com
Em 2006 foi iniciada a produção, base no vídeo que eles fizeram lá na re-
com o beneficiamento do cacau sendo gião e o divulgaram no site. Foi uma
realizado em uma unidade localizada na campanha grande enfatizando o apelo
cidade de Boca do Acre. O total do cacau socioambiental do produto e, assim, o
fornecido inicialmente para a Alemanha cacau nativo recebeu um selo do Insti-
atingiu a marca de nove toneladas. Eles tuto Regenwald, que é o selo de produto
aprovaram a qualidade, gostaram muito silvestre. Segundo eles, estão divulgan-
e falaram: “então vamos ampliar a estru- do esse selo como o de um produto de
tura de produção porque nós queremos qualidade superior, inclusive ao produ-
uma quantidade grande”. Pediram para to orgânico, que é um produto 100% na-
a cooperativa produzir cerca de 30 tone- tural, no estado natural da floresta.
ladas. De acordo com os especialistas da
Já em 2007 essa estrutura de pro- Hachez, o flavor – que é o sabor e aroma
dução foi triplicada – na verdade, a co- – do cacau nativo é superior a todos os
operativa passou a ter três centrais de outros que eles conhecem. Apesar de
beneficiamento: uma em Boca do Acre e representar menos de 1% da produção
duas em comunidades ribeirinhas, com da Hachez, o chocolate de cacau nativo já
um raio de atuação bem grande. Para está respondendo por cerca de 5% da re-
vocês terem uma idéia sobre o trecho de ceita da empresa, ou seja, é um negócio

29
muito lucrativo. Então, nós havíamos Mas nós ainda vamos certificar para con-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

conversado com a empresa, que nos seguir mais um diferencial para o produ-
disse: “se vocês produzirem 100 tonela- to da cooperativa, procurando ampliar
das de cacau nós compramos, não tem a oferta de cacau de qualidade para o
limite, pode produzir o tanto que quiser mercado consumidor. A ideia é ampliar
que a empresa compra”. Nesse caso não os locais e entidades que fornecem cacau
existe problema de ausência ou limita- nativo. Então a ideia é tentar consolidar
ção do mercado, existe o problema da essa cadeia produtiva, cuja vulnerabili-
cooperativa conseguir estruturar uma dade atualmente está justamente nessa
oferta para atender essa demanda. variação que existe por conta da oscila-
ção no fornecimento da matéria-prima.
a parceria público-privada Os outros objetivos a serem alcan-
Em 2007 foi feita uma parceria çados com a parceria público-privada
público-privada para ajudar a fortale- são: promover a segurança alimentar
cer essa cadeia produtiva, pois havía- dos beneficiados, principalmente na es-
mos identificado problemas sérios de tratégia de diversificar a base alimentar;
variabilidade de escala e de variação a articulação de parcerias institucionais
de preço. A parceria estabeleceu alguns para promover projetos de educação e
objetivos para enfrentar esses proble- saúde para essas comunidades ribeiri-
mas. Um dos principais é revitalizar a nhas; e a divulgação do projeto.
cultura do cacau nativo por meio do Os parceiros dessa parceria pú-
manejo do cacau da mata e do plantio blico-privada são: a Cooperar, GTZ,
– com o manejo você chega a duplicar a Empresa Hachez, Instituto Regenwald,
produção do cacau em dois anos e esta- Universidade de Freiburg da Alema-
biliza o nível de produção, diminuindo nha, Ufac (Universidade Federal do
a variação. A parceria público-privada Acre), CNPq (Conselho Nacional de
então apoiou a adoção dessas técnicas Desenvolvimento Científico e Tec-
(manejo, plantio diversificado, SAFs) e nológico), Idam (Instituto de Desen-
promoveu um processo de capacitação volvimento Agropecuário e Florestal
de técnicos e extensionistas da região Sustentável do Estado do Amazonas),
para poder apoiar a extensão florestal Ceplac (Comissão Executiva do Plano
com esse produto. da Lavoura Cacaueira), MDA (Minis-
A parceria público-privada apoiou tério do Desenvolvimento Agrário) e a
também a certificação orgânica do cacau, Agência de Desenvolvimento Susten-
que era um objetivo inicial, antes da Ha- tável do Amazonas com o Ministério
chez colocar esse selo de produto silvestre. da Integração Nacional.

30
meSa-redonda 2:

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


proceSSoS de certificação como baSe para a
realiZação de acordoS entre empreSaS e comunidadeS

Existem várias formas de certifi- nas quais estamos trabalhando desde


cação de produtos florestais madeireiros 1991. São praticamente 18 anos vi-
e não madeireiros em curso na Amazô- vendo essa luta para que pudéssemos
nia. A mais conhecida talvez seja a certi- chegar realmente a alcançar um me-
ficação florestal. Contudo, comunidades lhor padrão de vida para as famílias
também têm utilizado outros tipos de agroextrativistas assentadas naquela
certificado para conseguirem o acesso região. Essa relação entre empresa,
a diferentes tipos de mercado, como é o governo e a própria Coppalj tem vá-
caso da certificação orgânica. rios desafios, tanto na preservação
Durante esta mesa-redonda fo- dos recursos naturais, como na co-
ram apresentadas as experiências e or- mercialização e no processo de pro-
ganizações que estão trabalhando com dução.
os diferentes processos de certificação Iniciarei falando sobre a origem,
para os produtos florestais madeireiros a criação da própria cooperativa, pois
e não madeireiros. São elas: i) Coppalj acredito que todos os movimentos
(Cooperativa dos Pequenos Produtores sociais são muito parecidos aqui na
Agroextrativistas de Lago do Junco/ Amazônia. Isto porque nós começa-
MA); ii) Comaru (Cooperativa Mista mos nossa luta por meio de um proces-
de Produtores Extrativistas do Rio Ira- so de reforma agrária. Depois a gente
tapuru/AP); iii) Rede Ecovida; iv) Ima- sentiu a necessidade de criar um mo-
flora (Instituto de Manejo e Certificação vimento que permitisse trabalhar na
Florestal e Agrícola) ; e v) Avaliação de questão da organização da nossa pro-
conformidade para produtos de extrati- dução, principalmente com o babaçu e
vismo da Amazônia. a produção agrícola, e então sentimos
essa necessidade e criamos a coopera-
2.1. cooperativa dos pequenos tiva em 1991.
produtores agroextrativistas O ponto principal dessa criação é
de lago do Junco/ma (coppalj) a valorização da nossa moeda de troca
apresentado por que é o coco babaçu, que é muito forte
raimundo ermínio neto na região do Médio Mearim. Para nós
ele funciona como uma moeda, pois é
Falarei um pouco das experi- como se tivéssemos um banco: se você
ências desenvolvidas pela Coppalj tem babaçu, você tem dinheiro.

31
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

Amêndoas de babaçu. Foto: Luis Antônio

Vou tentar situar geograficamen- e sobrevivência das famílias. Em nossas


te nossa experiência. Nós estamos lo- comunidades cerca de 90% das famílias
calizados no Estado do Maranhão, na possuem uma renda oriunda da extração
microrregião chamada de Médio Mea- do coco babaçu, que representa cerca de
rim, e nossa cooperativa atua em dois 50% de sua renda.
municípios dessa microrregião: Lago O sistema de produção adotado
do Junco e Lago dos Rodrigues. Nossa pelos agricultores familiares em nossa
cooperativa possui 158 sócios e sócias, região é o de corte e queima. Ele é feito
e praticamente todos vivem em assen- de uma forma itinerante, na qual as pes-
tamentos de reforma agrária. É também soas cortam, queimam e não têm um lo-
uma região com predominância muito cal fixo para trabalhar. A região também
grande da palmeira babaçu. tem uma predominância muito grande
Em nossa região o babaçu é uma de criação extensiva de bovinos, realiza-
mata secundária. Além do aproveita- da em grandes extensões de terra e, que,
mento do babaçu, as famílias realizam o por isso, tira as condições de vida e de
plantio de arroz, feijão, milho e mandio- trabalho das famílias do campo. Nesse
ca como base para a segurança alimentar. sistema de atividade agropecuária nos-
Mas essa produção agrícola não é sufi- sos babaçuais sofrem muito, pois são
ciente para que as famílias não depen- afetados com a queimada para prepara-
dam dos recursos oriundos da venda do ção da terra para a implantação das la-
babaçu como complemento importante vouras e dos pastos para a pecuária.
da renda familiar. Ela serve, junto com Quanto à questão da gestão e da
a renda do babaçu, para a manutenção organização das unidades produtivas, a

32
cooperativa funciona nos povoados por A questão do preço. O preço agre-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


meio de cantinas. São oito cantinas, que gado a esse produto no mercado nacio-
funcionam como oito pequenos comér- nal não é fixo, oscila muito, de R$ 2,70 a
cios ou supermercados. Nessas cantinas R$ 5,70 se for certificado. Se não for cer-
nós compramos o coco babaçu coletado tificado, ele cai para até R$ 2,30. Agora
pelas famílias e vendemos produtos de está R$ 2,70 o quilo de óleo. No merca-
primeira necessidade da família. Quem do internacional, o preço que nós ven-
faz todo o gerenciamento da compra e demos para empresas na Inglaterra, nos
venda na cantina é o nosso gerente, a Estados Unidos e na Itália alcança US$
quem chamamos de cantineiro. 3,70. Agora nós estamos enfrentando
A fábrica de óleo da Coppalj fun- uma grande dificuldade porque o valor
ciona com duas prensas ainda semiar- do Dólar despencou. Para nós, brasilei-
tesanais, mas que realmente têm uma ros, é bom o Dólar ter despencado, mas
capacidade de produção muito boa. A para quem vende produto exportado,
amêndoa do coco babaçu contém cerca não é de jeito nenhum. Por conta dessa
de 60% de óleo e nós conseguimos reti- situação estamos discutindo com nossos
rar cerca de 52% a 53% desse óleo com compradores externos uma forma de
um único aproveitamento. Nas grandes poder mudar o nosso contrato para que
empresas é feito também um segundo a moeda de referência seja o Euro, até se
aproveitamento com a adição de sol- ter uma moeda mais segura. Mas todo o
ventes. O nosso óleo é bruto, e estamos nosso preço está em U$ 3,70.
a caminho, na luta para que possamos Com o óleo vendido nesse valor
chegar a refiná-lo para que seja mais va- podemos comprar o coco babaçu nas
lorizado. comunidades em que nossas cantinas
Agora vou falar da relação da funcionam com um preço melhor. Por-
Coppalj com as comunidades em que tanto, nós melhoramos o preço do quilo
atua, da relação com os seus associa- nas cantinas e nas comunidades, onde
dos. A nossa produção ainda é peque- as pessoas eram exploradas pelo cha-
na considerando a grande quantidade mado atravessador. Em nossa região,
de coco babaçu existente no Maranhão atravessador é quem compra o produto
e em nossa região. Nós estimamos que na mão das pessoas e a gente não sabe
estamos produzindo cerca de 400 to- mais para aonde o produto vai. Mas no
neladas/ano de amêndoa; e no ano momento estamos enfrentando essa di-
passado chegamos a 380 toneladas. No ficuldade porque cerca de 50% do nosso
caso da produção de óleo nós atingi- óleo está sendo exportado. Nossa preo-
mos a marca de 160 toneladas no ano cupação agora é fortalecer o mercado
passado e estamos com uma perspec- nacional porque não podemos ficar à
tiva de chegar a 200 toneladas neste mercê do mercado europeu ou ameri-
ano. cano.

33
Aí é que entra a questão da im- querem que as famílias agroextrativis-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

portância da certificação. Nós vamos fa- tas tenham o direito livre de ida e vinda
lar um pouco melhor disso. Começando para a coleta do babaçu.
pela questão da embalagem. Nós temos Um último tema que quero tratar
todo um cuidado com a questão da hi- diz respeito à questão da consolidação
giene do produto, fazemos um acompa- de mercados. Nós avaliamos que ainda
nhamento para que esse produto seja atuamos em um nicho de mercado, no
certificado porque nós temos dificulda- mercado do comércio justo e solidário.
des em nos adequar às diretrizes impos- Precisamos unir forças, juntar mais os
tas pelo IBD (Instituto Biodinâmico). braços para que a gente possa carregar
Essa dificuldade está relacionada com isso aí. E também ampliar a capacidade
o fato de que os certificadores (IBD), de beneficiamento dos subprodutos do
quando vão fazer a avaliação, compa- babaçu – o óleo, o azeite, o mesocarpo, o
ram um pequeno estabelecimento des- sabonete, a torta e o artesanato.
se com uma grande empresa, que tem
toda a estrutura de mudar as coisas de 2.2. cooperativa mista de produtores
repente. extrativistas do rio iratapuru
Apesar dessas dificuldades vou (comaru/amapá)
mostrar também quais as oportunida- apresentado por
des que a certificação traz. Temos que márcio andré de freitas
ter uma organização bem solidificada,
então, é nisso que estamos trabalhando, Eu vou contar um pouco da his-
para que ela venha a se solidificar para tória da união das famílias que foram se
avançar e agregar valor de forma que a localizar na boca do rio Iratapuru e que
gente possa ficar não somente no baba- fundaram a Comaru. Antigamente, as
çu, mas trabalhar outras formas de be- famílias moravam em suas colocações às
neficiamento do produto. margens do rio Iratapuru. Com a cria-
Para finalizar, quero tratar dos de- ção da cooperativa elas passaram a se
safios que enfrentamos nessas relações. concentrar apenas na boca do rio Irata-
O primeiro grande desafio que precisa- puru. Esta é uma foto feita por satélite
mos trabalhar é diminuir as queimadas mostrando que uma parte da vila fica lo-
por meio da agroecologia. Outro desafio calizada às margens do rio e a outra fica
é a diminuição do uso de agrotóxicos mais acima.
nas lavouras, pois há uma persistência Falo agora da estrutura da co-
do pessoal, que parece ter facilidade de operativa. No início, a Comaru traba-
querer trabalhar com o agrotóxico. Mais lhava apenas com a venda de biscoito
um grande desafio é continuar com a para merenda escolar, por meio de um
política do livre acesso aos babaçuais, convênio que possuía com a Prefeitura
já que os fazendeiros do Maranhão não de Belém.

34
A fundação da cooperativa ocor- castanha comprada pela cooperativa,

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


reu em 1992. Nesse período os produtos isto é, trabalhar de uma forma que to-
com os quais a Comaru trabalhava e ven- dos os castanhais que abastecem a co-
dia eram: farinha, biscoitinhos e alguns operativa sejam certificados. Portanto,
bombons de castanha-do-brasil. Um pon- a Comaru está na frente da certificação.
to marcante foi a criação da RDS (Reserva Trabalhamos com outras pessoas, com
de Desenvolvimento Sustentável) do Rio fornecedores de fora, com contratos e
Iratapuru, que ocorreu em 1997. regras que as próprias pessoas que ma-
Em fevereiro de 2002, inaugura- nejam essas áreas precisam seguir com
mos a fábrica artesanal de processamen- seus trabalhadores nessas áreas. Esses
to de castanha-do-brasil. Essa fábrica contratos devem ser de responsabilida-
produzia óleo, doce, paçoca e farinha de de tanto do contratante quanto do con-
castanha e tinha capacidade para a pro- tratado e o trabalhador deve ser sindi-
dução de oito toneladas por mês. Nessa calizado no sindicato rural – não pode
época não éramos certificados. Em 2003 trabalhar sem ser sindicalizado.
houve um incêndio criminoso na fábrica Também temos responsabilidade
de castanha, até hoje não esclarecido. No ambiental com as áreas; não podemos
ano seguinte, em 2004, estabelecemos levar lixo para lá nem deixar lixo lá den-
um contrato com a Natura e consegui- tro. Esse é o caso também, por exemplo,
mos um adiantamento de recursos para do óleo e da gasolina que nós utilizamos,
a reconstrução da fábrica. Nesse mo- os locais em que eles ficam armazenados
mento compramos novos equipamentos precisa ser separado. No que se refere ao
– algumas coisas já possuíamos, como a trabalho infantil, temos que controlar a
prensa que sobrou do incêndio, que no participação de crianças que vão para as
começo precisávamos pegar empres- áreas de castanhais – é uma regra inter-
tada com outra cooperativa local, que na, criada pelos manejadores para obter
também trabalhava com óleo – aos quais a certificação, para que a gente não a per-
juntamos a prensa e conseguimos mon- desse. A questão do lixo na vila e nas áre-
tar essa nova fábrica. as de castanhais também é uma preocu-
Passando para as práticas de ma- pação. Trabalhamos com a coleta de lixo,
nejo com a certificação do FSC. Com a o retiramos da reserva e o levamos para
chegada do FSC, a cooperativa obteve a Sema, que é o órgão responsável pela
uma certificação conjunta, isto é, aque- retirada do lixo da RDS. Os comunitários
la em que vários comunitários se unem também ajudam na coleta de lixo, com
para pagar e usar apenas um selo de responsabilidade e segurança no trans-
certificação. Com o selo FSC vieram porte dos papelões até chegarem nas áre-
grandes responsabilidades, como as as de castanhais, sempre trabalhando em
questões socioambientais. O primeiro grupo, pois a dificuldade é muito grande
passo seria o controle de produção de para se chegar a essas áreas.

35
2.3. rede ecovida acontecia aos domingos, não dava conta
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

apresentado por de abastecer os consumidores, que co-


marcelo passos meçaram a pedir mais variedades e ou-
tros pontos de comercialização para po-
Não dá para precisar claramente derem fazer compras durante a semana.
um início formal do movimento agroeco- A Aopa começou então a fazer
lógico na Região Metropolitana de Curi- oficinas nas comunidades, tentando
tiba. Mas a partir do início dos anos 1990 atrair mais agricultores. A entrada na as-
começaram a se agrupar informalmente sociação só se dava por meio de grupos
agricultores intoxicados por agrotóxicos e não individualmente. Assim, partimos
buscando modos de produção saudá- para a venda em redes de supermerca-
veis, pessoas “alternativas” buscando dos, o que nos criou a necessidade de
novas formas de viver, estudantes de buscar certificar a produção. Podemos
agronomia com visão crítica da acade- dizer que aqui termina o primeiro ciclo
mia e aposentados que buscavam novas da Aopa.
atividades profissionais na área rural. A Nesta segunda fase, após rápido
aglutinação se dava em torno do concei- crescimento e aceitação nas redes de su-
to de agricultura alternativa, que evo- permercados, começaram os problemas.
luiu depois para agricultura orgânica.
A partir de 1995, começaram as os principais problemas
primeiras tentativas de comercialização • Problemas com a empresa certificado-
na feira de artesanato e também os pri- ra – inadequação das tabelas e plani-
meiros problemas com a Prefeitura de lhas, diversificação da produção que
Curitiba, que por um lado não aceitava dificultava os registros, grande quan-
incluir “verduras” em uma feira de arte- tidade de famílias agricultoras.
sanato e por outro também não entendia • Venda da principal rede de super-
a necessidade da criação de feiras exclu- mercados com quem comercializáva-
sivas de produtos agroecológicos. mos para o grupo Sonae – dificuldade
Toda esta movimentação levou à de relacionamento, por exemplo – 180
criação da Aopa (Associação de Agricul- dias para o pagamento.
tura Orgânica do Paraná), que depois de • Abastecimento de supermercados em
muita pressão e manifestações conseguiu São Paulo, que exigiu uma logística
a liberação de barracas em uma feira or- que não tínhamos.
gânica em paralelo à feira de artesanato. • Grande seca, praticamente quatro
O sucesso da feira foi grande assim como meses sem chuva, seguida de inverno
foi a procura por alimentos sem veneno, com muita geada (17 geadas segui-
o que fez aumentar a produção e incluir das), o que derrubou a produção e fez
novos agricultores e pedidos de entre- com que não pudéssemos cumprir os
ga de cestas em domicílio. A feira, que contratos.

36
os principais aprendizados ecologia como ferramenta para o desen-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


nesta segunda fase volvimento.
• O processo de certificação por empre- A formação do núcleo Maurício
sas não é adequado para a agricultura Burmester do Amaral se deu no final de
familiar. 2002 .
• A comercialização pelos canais con-
vencionais força a especialização da como funcionamos hoje
produção levando à monocultura. Esquematicamente podemos apre-
• Toda a caminhada trouxe centraliza- sentar o funcionamento do núcleo Mau-
ção e exclusões. rício Burmester do Amaral da seguinte
• Necessidade de aproximação com os forma:
consumidores. • Alguns combinados são apenas de
• Regras e normas para a agricultura nosso núcleo e não da Rede Ecovida.
orgânica são importadas. • A família agricultora é o primeiro ní-
• Necessidade de trabalho de resgate e vel de garantia .
uso da biodiversidade, gênero e gera- • A família é apadrinhada por dois in-
ção. tegrantes do grupo que vão fazer uma
• Crítica à agricultura orgânica – mo- visita e explicar o funcionamento da
nocultura, foco apenas na produção, Rede Ecovida – faz-se o cadastro da
foco no exportador e clientela de eli- família.
te, manutenção de nicho, substituição • O grupo é formado por cerca de 12
de insumos, falta de sustentabilidade famílias (mínimo de 5, grupos com
ambiental, falta de componente arbó- trabalho coletivo, como assentamen-
reo, pouco foco em autoconsumo e tos, podem ser maiores) – cadastro do
segurança e soberania alimentar. grupo no núcleo.
• Quem é o protagonista: quem produz • Visitas mensais em rodízio: é o segun-
ou quem certifica? do nível de garantia. Aqui acontecem
• Necessidade de fortalecimento de ou- também as trocas de informação, se-
tras redes e participação na constru- mentes etc. e a tirada de posição do
ção de políticas públicas e normas a grupo sobre assuntos do núcleo e
partir da realidade brasileira. rede – registros das reuniões.
Podemos dizer que estamos ago- • Cada grupo indica um representante
ra em uma terceira fase, que começou para a coordenação (gestão do núcleo
com a aproximação da Aopa com o en- e discussões políticas) e outro para o
tão embrião da Rede Ecovida. Esta nova núcleo de ética (avaliação de confor-
fase mereceu inclusive um novo bati- midade) – reuniões bimensais.
zado. Nosso nome passou para Aopa • O grupo decide quais as famílias que
(Associação para o Desenvolvimento da estão prontas para receber a visita de
Agroecologia). A proposta é usar a agro- olhar externo.

37
• O pedido se dá na reunião do núcleo combinados. Além disso, temos pres-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

de ética. Os cadastros e anuidades sões externas que tentam desqualificar


precisam estar em dia. nosso processo, inclusive da prefeitura e
• São escolhidas três pessoas de grupos de certificadoras.
diferentes que vão fazer o olhar exter- Temos também demandas para fa-
no terceiro nível de garantia . zer “certificação” porque é mais barato,
• Visita para o grupo todo (grupos no- para receber mais do Programa de Aquisi-
vos) ou por amostragem (três famílias ção de Alimentos (PAA) e agricultores que
– grupos mais antigos). querem apenas o certificado e não querem
• As pessoas que vão fazer o olhar exter- participar das reuniões, o que gera consi-
no passam por treinamento (Aopa). derável quantidade de tensionamentos.
• O olhar externo não é inspeção.
• Depois das visitas todos sentam e fa- além dos custos de
zem a avaliação – principalmente se • Treinamento para o olhar externo fei-
for por amostragem. O que é combi- tos pela Aopa;
nado neste momento vale para todos • Formação de grupo em agroecologia
e o grupo vai trabalhar os pontos vul- realizada pela Aopa;
neráveis até a outra visita. • Diária para o responsável pelos docu-
• A avaliação da conformidade tem va- mentos e taxa administrativa, custea-
lidade de um ano. dos pela Aopa;
• Aprovada, a família recebe o atestado • Olhar externo: 3 diárias + alimenta-
de conformidade orgânica. ção + transporte = cerca de 60 reais
• A Aopa paga a diária para uma pes- por família, arcados pelas próprias
soa por semana para cuidar dos pa- famílias.
péis, emitir atestados e liberar selos, e
também para responder externamen- principais formas de
te pelo núcleo. comercialização do núcleo
• O grupo responde solidariamente, • Feiras;
podendo todo ele ser penalizado. • Lojas, supermercados e outros pontos
comerciais;
mas é tão fácil assim? • PAA e merenda escolar;
Não! Temos conflitos e falhas. • Cestas - entrega domiciliar;
Exclusões: por falta de partici- • Grupos de consumidores;
pação (três faltas), por uso de insumos • Circuito de comercialização da Rede
proibidos, por não cumprimento de Ecovida.

38
2.4. instituto de manejo e certificação internacional que desenvolve padrões

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


florestal e agrícola para a certificação florestal no mundo
(imaflora) todo. Esse padrão é utilizado para ava-
apresentado por liar a qualidade do manejo de florestas
leonardo Sobral (nativas ou plantadas) no mundo intei-
ro, com algumas adaptações nacionais
Eu vou fazer uma rápida introdu- que eu vou falar depois. Então aqui está
ção sobre o que é o Imaflora. No siste- o FSC, que é quem elabora e detém os
ma de concessão do selo do FSC existem padrões de certificação. Depois entra o
várias certificadoras. No caso do Brasil Imaflora como certificador, que é quem
existem atualmente seis certificadoras pega esses padrões e vai aplicar, na práti-
atuando, cinco das quais são empresas, ca, no empreendimento florestal, seja ele
enquanto o Imaflora é a única ONG que comunitário ou empresarial. Uma vez
realiza a atividade de certificação do certificado o empreendimento florestal,
sistema FSC. O Imaflora é uma ONG o selo obtido passa uma mensagem para
e possui uma missão, que é promover o consumidor final sobre como aquele
a conservação dos recursos naturais produto foi produzido; geralmente o
e a melhoria na qualidade de vida das selo é mais reconhecido para mercados
pessoas, atuando nos setores florestal e internacionais. No Brasil tem crescido
agrícola. Portanto, nós trabalhamos com um pouco a demanda por produtos cer-
a certificação florestal e com a certifica- tificados pelo FSC, mas a demanda maior
ção agrícola. é no mercado internacional.
Vamos entrar agora no funcio- Para fazer a certificação no Brasil
namento da certificação FSC, o que é e nós trabalhamos com padrões nacionais,
como funciona. A certificação do FSC que são o retrato dos padrões interna-
é um mecanismo que tem por objetivo cionais adaptados para a realidade bra-
identificar a qualidade no processo de sileira. Nós temos o padrão do FSC para
produção, avaliando aspectos sociais, o manejo de florestas de terra firme, que
ambientais e econômicos. Então esse é o serve para certificar empreendimentos
foco do FSC: avaliar o processo de pro- que fazem o manejo nesse tipo de flo-
dução daquela comunidade ou daquela resta. Existe também um padrão para
empresa sempre olhando para os aspec- certificação de produtos florestais não
tos sociais, econômicos e ambientais. madeireiros – esse é bem focado para co-
Como funciona essa certificação? munidades - e um padrão utilizado para
O que é o FSC? O FSC é uma instituição certificar plantações florestais.

39
como é o processo de guma denúncia de descumprimento dos
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

certificação fSc? princípios e critérios da certificação.


A certificação é realizada por Existem vários passos para se ob-
meio de auditorias. Nessas auditorias ter essa certificação, mas vou apontar
nós avaliamos o manejo do proprietário apenas os mais importantes: o proces-
da floresta com base no padrão de certi- so de certificação envolve uma extensa
ficação estabelecido para aquele tipo de consulta púbica, a avaliação de campo,
floresta. Nós procuramos avaliar se, no a emissão dos relatórios, a decisão pela
processo de produção, os requisitos des- certificação e, depois, a emissão do certi-
se padrão estão sendo seguidos. Então ficado. Maiores detalhes sobre cada um
é realizada uma auditoria completa na desses passos podem ser obtidos no site
qual a gente já avalia todos os aspectos do Imaflora. Nós também temos mui-
sociais, ambientais e econômicos do ma- to material impresso sobre certificação,
nejo florestal que estão contemplados tanto de empresas como de comunida-
dentro do padrão. des, sobre produtos florestais não ma-
Esse é um aspecto importante, deireiros. Então, quem tiver interesse,
nós só avaliamos o que está dentro do entra em contato, pega o meu cartão que
padrão. Se eventualmente identificamos eu envio esse material por correio.
alguma questão relativa a um aspecto Agora eu gostaria de me concen-
do manejo (social, ambiental etc.) que trar nas perguntas que foram feitas pela
não é abordada pelo padrão, nós não organização do evento para orientar
temos autoridade para exigir a modifi- nossa exposição. Pretendo agora abor-
cação dessa questão, para aplicar uma dar um pouco da análise desses acordos
ação corretiva, uma vez que isso não está entre empresa-comunidade, a relação
especificado no padrão de certificação. entre elas. Isto é, apresentar um pouco
Uma vez que foi feita a auditoria e veri- do olhar do Imaflora como experiência
ficamos que a comunidade ou a empresa do seu contato frequente tanto com em-
proprietária do manejo florestal atendeu presas como com comunidades, em di-
aos princípios e critérios da certificação, ferentes situações, pois nós temos situ-
elas podem receber o certificado e passar ações que vão desde grandes empresas
a usar o selo do FSC em seus produtos. certificadas até áreas comunitárias de 4
O certificado obtido tem a validade de hectares que estão certificadas. Então,
cinco anos. Feita a avaliação completa para ter um pouco dessa visão macro,
e, recebendo o certificado, ele tem va- vou colocar aqui linhas gerais, porque
lidade de cinco anos, período no qual eu percebi que o grupo que está aqui
são feitos monitoramentos anuais. Além nessa sala já está muito à frente de algu-
dessas visitas anuais programadas nós mas questões que eu coloquei.
podemos também realizar auditoria de Um problema geral que observa-
surpresa se, eventualmente, houver al- mos em campo é que falta muito apoio

40
técnico para as comunidades. Essa fal- olhamos para essas questões. A comuni-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


ta de apoio acaba rebatendo na falta de dade tem dificuldade para avaliar o de-
capacidade técnica da comunidade em sempenho técnico das empresas. Muitas
executar as atividades de manejo flores- vezes as comunidades não conseguem
tal, o que acarreta dificuldade na gestão olhar para o desempenho técnico da
do manejo florestal. Tendo dificuldade empresa e dizer se aquilo está sendo
em gerir, em gerenciar o manejo flores- satisfatório ou não. Além de não terem
tal, isso abre oportunidade para a reali- a capacidade de conseguir avaliar essa
zação desses acordos empresa-comuni- questão também não têm a capacidade
dade – isso de uma forma geral. Como de acompanhar o processo de comercia-
eu já mencionei, aqui nesse encontro lização – e isso, claro, afeta diretamente
foram apresentadas experiências de co- o bolso da comunidade. Se não consegue
munidades que estão lá na frente, que acompanhar as etapas da comercializa-
estão tendo um forte nível de domínio ção, claro que a empresa pode estar se
do processo de produção, que já fazem a aproveitando da comunidade e isso gera
comercialização diretamente com a em- impactos positivos e negativos.
presa – que é o caso do pessoal do Mara- Começando pelos impactos ne-
nhão – mas, de uma forma geral e, prin- gativos. Muitas vezes o manejo não é
cipalmente aqui no setor da exploração executado como deveria ser. A empre-
comunitária de madeira, têm muita defi- sa tem acesso à área, tem o acordo esta-
ciência técnica – e isso abre oportunida- belecido e depois de feito o manejo, de
de para acordos empresa-comunidade. retirar a madeira, os recursos florestais
Então, por um lado, esses acordos foram explorados, acabou com a fauna,
viabilizam a realização do manejo flores- acabou com os recursos de subsistência
tal e, ao invés de a área ficar lá intocada daquela comunidade. No caso do ma-
e sofrendo fortes ameaças de invasão, de nejo comunitário ocorre a perda de re-
roubo de madeira ou de produtos não cursos naturais (fauna e flora) e de re-
madeireiros, a comunidade está utili- cursos financeiros – não acompanha a
zando a floresta, viabilizando o manejo comercialização, acaba tendo perda ou
florestal e também trazendo um comple- deixa de ganhar, na verdade. Também,
mento de renda para as famílias, para a por muitas vezes, ocorre a desestrutura-
comunidade. Porém, a comunidade tem ção social da comunidade. Muitas vezes
uma grande dificuldade para monitorar a empresa acaba negociando com algu-
a execução do manejo florestal, de ter o mas lideranças, favorecendo algumas
domínio do que a empresa está fazen- pessoas na comunidade e isso desestru-
do dentro da sua área, de monitorar o tura muito a comunidade. É necessário
cumprimento das cláusulas do contra- ter muito cuidado com isso.
to. Portanto, nós, como certificadores e Mas, podemos também identi-
acompanhando esses processos, sempre ficar aspectos positivos, caso especial-

41
mente do complemento de renda. Com estrada mal feita ou de uma derrubada
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

o manejo, ainda que mal feito, entra di- realizada de forma inadequada por uma
nheiro para as famílias, existe a geração empresa na área certificada de uma co-
de empregos e serviços, pois, muitas munidade, eu vou aplicar a ação correti-
vezes as comunidades, as famílias são va na comunidade e não na empresa. E
envolvidas diretamente no manejo. Ou- como será resolvido esse problema? Eu
tro aspecto positivo é indireto e trata-se acho que esse tema de responsabilidade
da capacitação e do conhecimento. Só legal do plano de manejo e da certificação
o fato de estar envolvido no processo é um tema central para nossa discussão.
de manejo florestal que a empresa está Outra questão que a gente obser-
executando já se adquire conhecimento, va é o processo de formalização dessa
e ele também traz elementos de capaci- exploração realizada pela comunidade,
tação para as comunidades. O manejo a burocracia da certificação. De fato, a
gera, também, um espaço para tomada certificação exige a utilização de alguns
de decisão em grupo, isto é, todo esse papéis, como formulários, o registro das
processo de acordo faz com que a comu- atividades do manejo feito pela comuni-
nidade se sente em uma mesa para con- dade, que deve passar por um processo
versar, para expor as questões, para re- de formalização. Não tem jeito, não dá
solver em grupo e, também, uma maior para ser feito de outra maneira.
valorização da floresta, que é o primeiro No caso da avaliação das ques-
impacto positivo. Então, o que eu tentei tões ambientais, nós olhamos bastante
abordar, ainda que de forma resumida, para os impactos da exploração florestal
foi a questão da organização social. Para na fauna e na flora, seja o manejo de um
nós essa é a principal causa de sucesso produto madeireiro ou não madeireiro.
ou de insucesso de uma comunidade, Verificamos todas as questões referentes
da evolução do manejo florestal em uma à legalidade do manejo no que diz res-
comunidade, seja para produto madei- peito à obtenção das licenças ambientais
reiro ou não madeireiro. Portanto, para e analisamos os mecanismos de contro-
a realização de acordos, as responsabi- le da produção, que estão relacionados
lidades da comunidade e da empresa com a rastreabilidade dos produtos.
devem estar muito bem definidas, isto é, No que diz respeito ao componen-
deve ser bem estabelecido qual o papel te econômico do manejo, nós analisamos
de cada uma nesse acordo. a viabilidade do manejo, isto é, verifica-
Quem é o responsável legal pelo mos se aquela certificação, se aquele em-
plano de manejo junto à Sema, ao órgão preendimento está sendo viável econo-
estadual ou ao Ibama? Quem é o respon- micamente ou se, para aquela situação,
sável legal pela certificação? Bem, se hou- eventualmente, qual a utilidade da cer-
ve um problema, por exemplo, de uma tificação. Essa é uma análise que precisa

42
ser feita. Precisamos verificar como está maior for o número de instituições en-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


sendo feita a divisão dos recursos dentro volvidas creio que maior será a probabi-
da comunidade, isto é, se está sendo fei- lidade de o acordo dar certo.
ta de forma justa, e também as questões A definição do responsável legal
econômicas, como mercados, preços, se pelo manejo e pela certificação. Essa é
são praticados preços justos. uma barreira que a gente tem que en-
Agora vou listar algumas questões frentar, tem que pensar muito sobre isso.
que considero barreiras, desafios que de- Para vocês terem uma idéia, existem até
vem ser superados para a obtenção de opiniões contrárias dentro do Imaflora,
benefícios pelas comunidades. A primei- pois há pessoas que acham que seria
ra barreira que identificamos é a falta de importante que a comunidade fosse a
capacitação para a comunidade poder proprietária do manejo, e outras pessoas
acompanhar o manejo florestal. Ainda acham que é a empresa. Este é um as-
há uma necessidade muito grande de sunto polêmico.
investimento em capacitação, que é uma Outro aspecto é a garantia do
responsabilidade grande do governo e de cumprimento de acordos estabelecidos,
instituições não governamentais. É neces- isto é, é preciso verificar se tudo aquilo
sário que todo mundo realmente se en- que foi estabelecido está sendo cumpri-
volva para poder promover essa capaci- do. E também, uma barreira da certifica-
tação para gestão do contrato, que é uma ção que a gente assume que existe e tenta
questão administrativa, como, por exem- superar é o processo de certificação FSC
plo, verificar as cláusulas, aceitar ou não para comunidades, que deve ser simpli-
aquela cláusula, depois verificar se aquela ficado. O processo FSC não foi pensado
cláusula está sendo atendida ou não. para a comunidade, ele foi pensado para
Outra dificuldade que tem sido grandes empresas no Hemisfério Norte,
enfrentada é a elaboração de acordos nos países desenvolvidos, e quando a
justos. Para isso, creio que é importan- gente tenta aplicar esse padrão à nossa
te que as comunidades contem com a realidade a gente tem uma dificuldade
participação de instituições de apoio, imensa de conseguir adequar. Então,
de forma que esses acordos sejam esta- são necessários procedimentos simpli-
belecidos envolvendo o maior número ficados: formalizar sem burocratizar,
de instituições possível, sejam governa- que é fundamental; o desenvolvimento
mentais ou não governamentais – esta é de mercado, pois ainda falta muito mer-
uma opinião pessoal e não do Imaflora. cado, até para produtos FSC, principal-
Creio que os acordos que são estabeleci- mente para produtos não madeireiros; e
dos entre partes com poderes de decisão adaptação dos padrões existentes. Esses
diferentes têm uma chance muito gran- são temas que a gente vem trabalhando
de de darem errado. Portanto, quanto no nosso dia-a-dia.

43
2.5. avaliação de conformidade para sua segunda metade voltava igualmente
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

produtos de extrativismo da com o meio perfil e os meios perfis não


amazônia coincidiam”. Então, o que aconteceu?
apresentado por “Arrebentaram a porta, derrubaram a
marcelo nunes porta, chegaram a um lugar todo lumi-
noso aonde a verdade se prendia. Era
Observando as experiências que dividida em metades diferentes uma da
seriam apresentadas e o foco que nós es- outra. Chegou-se a discutir qual a meta-
tamos adotando no trabalho da questão de mais bela. Nenhuma das duas partes
empresa-comunidade (que é a garan- era totalmente bela e carecia optar. Cada
tia de produtos para trabalhar também um optou conforme seu capricho, sua
a questão da comercialização) nós, da ilusão e sua miopia. (Carlos Drummond
GTZ, achamos por bem apresentar um de Andrade)”.
pouco do que é a avaliação de confor- Esse é um poema que trata muito
midade, que é um pouco isso que nós sobre o momento em que nós estamos
estamos fazendo. Então, nós trouxemos vivendo – o que nós vamos viver para
aqui algumas informações para que se sempre. É um momento do desenvol-
compreenda melhor o significado do vimento, de construção coletiva para a
termo avaliação de conformidade. Vere- gente compreender que, embora cada
mos que, muitas vezes, é o que a gente um tenha a sua verdade, nenhuma delas
faz. Porém, as pessoas estão passando a é absoluta; não existe a verdade verda-
usar o termo “avaliação de conformida- deira. Que o diga o pessoal do manejo,
de” para dar garantias aos produtos que e mesmo na produção orgânica. Antiga-
nós trabalhamos. Agora veremos o que mente havia coisas que hoje já são dife-
isso significa. rentes e a gente vê que elas se somam.
Inicialmente vou ler um poema Então o que é avaliação de con-
que eu acho extremamente importante e, formidade? Quando a gente fala assim:
por isso, usarei um pouco do meu tempo “Pessoal, vamos fazer um processo de
para lê-lo. Esse poema traz uma visão de avaliação de conformidade”. Vocês de
que nós não somos todos em um só, mas vez em quando ouvem na televisão, no
complementares – precisamos lembrar Fantástico, que eles usam aqueles testes
disso. As nossas experiências se comple- do Inmetro (Instituto Nacional de Me-
mentam para que possamos ter a cons- trologia, Normalização e Qualidade In-
trução do todo. “A verdade, realidade”. dustrial) para avaliar a conformidade.
Diz assim: “A porta da verdade estava Bem, avaliação de conformidade é um
aberta, mas só deixava passar meia ver- processo do qual se avalia uma sequên-
dade de cada vez, assim, não era possí- cia de ações, atividades e o cumprimen-
vel atingir toda a verdade porque cada to delas, muitas vezes por meio de nor-
metade trazia o perfil da meia verdade e mas pré-estabelecidas. Essa avaliação de

44
conformidade também confere garan- esses produtos chegam no mercado sem

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tias a um determinado produto, serviço nome, sobrenome e com um valor que,
ou processo de produção. É o que temos para nós, não é rentável, não vale, não
falado aqui até agora: mostramos uma recompensa o que investimos na con-
certificação orgânica e uma certificação servação, na manutenção das espécies,
FSC, então, é uma forma de fazer ava- das comunidades e também tem o ser-
liação de conformidade, seguir determi- viço ambiental prestado. Nós, no Brasil,
nadas normas e critérios para se ter um ainda não conseguimos valorizar esse
produto garantido. serviço, fazer com que a sociedade com-
E o que a gente deseja garantir preenda que produzir na floresta para
com a avaliação de conformidade? Qual mantê-la, conservá-la, é extremamente
a sua relação com a comercialização de difícil e custoso; que a sociedade mun-
um produto diferenciado? Se a produ- dial precisa colaborar para que isso aqui
ção de um determinado produto é feita aconteça – a valorização do serviço am-
de qualquer jeito ou se a responsabilida- biental – para que todos nós no mundo
de do controle de qualidade é delegada possamos ter qualidade de vida. Então,
a um intermediário, o produtor não está isso daqui nos leva a desejar garantir os
se preocupando com o valor agregado ao nossos produtos por um processo que
produto, com a melhoria da qualidade. passa por avaliação de conformidade.
Mas, quando eu decido investir em um Vocês têm outras coisas na cabeça
processo de produção diferenciado, que também, que se somariam aqui, outros
possui determinadas regras, eu preciso interesses, então, é a mudança de foco
fazer uma avaliação de conformidade. e divisão. Quando se está trabalhando
Então, o que nós desejamos? Pri- com monocultivo, está-se trabalhando
meiro, vamos nos referir ao que está com culturas que não são perenes, são
sendo produzido pelas organizações anuais e não têm sazonalidade, e há
presentes aqui: os produtos do extrati- muito interesse financeiro na questão. O
vismo produzidos por comunidades, no seu valor maior é no produto unitário:
que diz respeito ao meio ambiente e às eu quero produzir muitas unidades de
pessoas. Nós desejamos produzir isso um só produto e cada unidade não vale
na Amazônia? Resposta coletiva: sim. nada no final da produção. Neste caso, a
Então, este é um dos “porquês” que a minha produtividade vem da alta quan-
gente tem que fazer avaliação de confor- tidade da mesma unidade que eu pro-
midade. duzo daquele produto. Quem produz
Valores agregados aos produtos milho, por exemplo, quanto mais milho
da biodiversidade. O mundo inteiro está puder plantar num hectare, melhor será
querendo consumir produtos da biodi- o que vai conseguir segundo os cálcu-
versidade e a gente tem que mostrar que los para baixar custo de produção e ter
os valores estão agregados a eles senão um melhor valor no mercado, porque

45
a produtividade vai vir daquele hecta- te vê que nos ambientes por onde a gen-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

re lá de milho, de soja e de outras coisas te circula, as políticas públicas não estão


também. Então a gente tem na produção chegando. E por que não estão chegan-
convencional uma alta produtividade de do? Bem, é uma reflexão para todos nós,
poucos produtos – é o volume e hectare aqui. Nós que somos agricultores, pro-
de produção que me dá a produtivida- dutores agroextrativistas, que fazemos
de. O que a gente quer garantir com a política pública, que executamos essas
avaliação de conformidade é essa pro- políticas, e também através da assistên-
dução sustentável, ou seja, manter a alta cia técnica, assistência rural.
diversidade de produção. O nosso vo- Demanda mundial por produtos
lume de produção tem uma diversida- diferenciados – promotores de conser-
de e, na verdade, é isso que vai me dar vação. A gente sabe, foi mostrado aqui
a produtividade da floresta – a floresta também que o produto que está indo
tem capacidade inelástica de produção para o mercado internacional tem um
de determinados produtos. Não adian- outro valor agregado, que hoje está re-
ta investir, investir e investir, a não ser, tornando em renda. A gente não sabe
é claro, que eu tire as outras espécies e até quando vai, mas é porque lá fora
deixe só aquela que eu estou tentando eles estão de olho nesses produtos tam-
trabalhar. A gente tem que compreender bém, pois quem pode consumir um
isso: que a capacidade é inelástica, ela se pouco mais, quer consumir um pro-
estica até um determinado ponto, então duto que seja mais sustentável para o
a gente tem que garantir o processo de meio ambiente. Então, a diversidade de
avaliação de conformidade, que isso seja produtos, a diversidade de maneiras de
verdadeiro também. produzir e, também, o processo de par-
Garantir a história através do cerias com o setor privado é um avanço
exercício da agroecologia, com novas também que estamos tendo. Hoje, quan-
práticas sociais, ambientais e econômi- do a gente fecha um bom contrato entre
cas. Como vocês viram aqui nas apresen- a comunidade e a empresa, um contra-
tações, isso é fundamental e nós estamos to que não vise só ao valor do produto
mudando de foco. Aqui são somente as final, mas que traga outros benefícios
oportunidades que a gente tem que ga- para a comunidade, a gente está falando
rantir com esses processos de avaliação de comércio justo, de solidariedade, de
de conformidade e também, a oportuni- pagamento e, muitas vezes, até de ser-
dade de nós estarmos na Amazônia, a viço ambiental. A gente precisa pensar e
oportunidade da valorização da agricul- repensar essas relações, nas nossas rela-
tura familiar – hoje a gente tem legisla- ções contratuais, como que a gente está
ção que protege e que apoia a produção garantindo essas coisas. Então, aqui, há
da agricultura familiar. A gente precisa um valor na diversidade, a gente tem
se apropriar disso e, muitas vezes, a gen- que ter isso em mente. Nós que traba-

46
lhamos com a agricultura familiar, com tem outros valores além do econômico.

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


o extrativista, com o ribeirinho, com o Então, eu tenho o econômico quando eu
quilombola, com comunidades tradicio- faço a transformação e o beneficiamen-
nais e povos indígenas, a gente precisa to dessa matéria-prima, uso uma emba-
enxergar valor em toda essa diversidade lagem adequada, faço um processo de
ou em toda essa biodiversidade que está avaliação da conformidade. A avaliação
ali na jogada. da conformidade vai me garantir esses
E também há os valores a agregar. leques e vai fazer com que eu possa co-
Nós temos valores sociais que devem ser locar uma informação no meu produto
agregados aos produtos por processo de que chegue até a casa de cada um de
avaliação da conformidade. Eu fiquei nós que o está comprando no mercado,
muito feliz com a apresentação do Leo- numa loja, numa feira, em determinado
nardo, porque ele falou de vários valo- lugar. Pela avaliação de conformidade a
res sociais e ambientais que estão agre- gente tem uma agregação de valor eco-
gados lá na história do FSC também. Ele nômico, também, ao produto, como mar-
falou de várias coisas, vários outros cui- keting e outras coisas.
dados e visões que a comunidade passa Aqui, como pode ocorrer a ava-
a ter para melhorar a sua qualidade de liação de conformidade? Isso aqui é im-
vida com o ambiente e que isso se refli- portante compreender. Quando eu vi
ta no produto. Então, a nossa avaliação o termo de referência aqui do seminá-
de conformidade tem que demonstrar rio eu cheguei a falar com a Friederick
que aquele produto produzido por co- e com mais algumas outras pessoas; lá
munidades na Amazônia está tendo va- tinha assim: ”Rede Ecovida (autocertifi-
lores sociais agregados. Esses valores cação)”. Eu falei “gente, não é autocer-
são: organização comunitária, educação, tificação” – o Marcelo Passos está aqui,
saúde, segurança alimentar, cultura, e talvez depois ele vá abordar mais isso na
como a gente falou aqui, diversas outras apresentação dele. A gente não trata de
coisas. Um leque de valores ambientais autocertificação nesses mecanismos de
também: uso adequado do solo, não fa- avaliação da conformidade. Aqui, para a
zer queimada, não colocar o fogo, tratar agricultura, para o extrativismo, existem
o solo como deve ser tratado, enfim, di- outras formas além desta. Esta é só uma,
versas outras coisas. é um componente dentro de um todo. O
Outro leque diz respeito aos va- que é feito pelo sistema participativo de
lores econômicos. Muitas vezes, quan- garantia não é autocertificação – depois
do você pergunta a um grupo “o que o representante da Rede Ecovida vai po-
é valor?”, as pessoas falam “ah, é o fi- der abordar melhor isso.
nanceiro, é o Real ou é o Euro”. Eu tam- Então, nós temos três formas de
bém queria ganhar em Euro, todos nós fazer a avaliação da conformidade, acei-
queríamos ganhar em Euro, mas exis- tas aqui no País, algumas delas em nível

47
internacional também. Primeiramente, de vela, de isqueiro, de caixa d’agua de
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

o fornecedor de determinado produto, banheiro – então, o produtor, quem pro-


bem ou serviço faz uma declaração de duz, a indústria que está produzindo,
como ele produz – isso é aceito para algu- vai descrever o processo de produção,
mas indústrias, por exemplo, indústrias como ela obtém aquele produto.

meSa-redonda 3:
o reconHecimento doS direitoS de propriedade de
conHecimentoS tradicionaiS em acordoS
entre empreSaS e comunidadeS

Os conhecimentos tradicionais mento Econômico Consorciado e Aden-


associados especialmente ao uso dos sado); iii) Movimento de Mulheres das
recursos da biodiversidade têm sido Ilhas do Pará; e iv) Ministério Público
alvo de intensos debates por represen- Estadual do Pará.
tantes de comunidades, de empresas e
no meio acadêmico. Isto por causa do 3.1. cooperativa dos pequenos
potencial econômico das atividades de produtores agroextrativistas de
bioprospecção para a indústria de bio- esperantinópolis/ma (coppaesp)
tecnologia. Essa atividade tem gerado apresentado por
resultados interessantes de uso desses manoel rodrigues de Sousa
recursos naturais para a produção de
novos produtos cosméticos, farmacêu- Começarei falando um pouco do
ticos, químicos e alimentares. Porém, histórico de constituição da Coppaesp.
também tem oferecido uma quantidade Ela foi constituída em 1992, após uma
relevante de denúncias de biopirataria reunião de discussão sobre a necessida-
ou do estabelecimento de acordos extre- de de constituir uma cooperativa para
mamente desfavoráveis a comunidades organizar e comercializar os produtos
tradicionais. Nesta mesa-redonda foram da agricultura familiar e, também, para
esclarecidos aos participantes do semi- organizar o extrativismo naquele mo-
nário os problemas enfrentados pelas mento, principalmente da amêndoa do
comunidades no que diz respeito aos di- babaçu. Os primeiros investimentos fo-
reitos sobre o conhecimento tradicional. ram nesse sentido, discutindo a organi-
As experiências apresentadas foram: i) zação da produção dos agricultores fa-
Coppaesp (Cooperativa dos Pequenos miliares. Isso levou uns quatro a cinco
Produtores Agroextrativistas de Espe- anos e depois a gente foi ampliando e
rantinópolis/MA); ii) Reca (Refloresta- colocando novos produtos da nossa co-

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mercialização. E finalmente chegamos Bom, agora vou falar da história

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


ao desafio que é discutir o comércio, a com a empresa Natura. Em 2004 a Na-
comercialização dos produtos. tura apareceu lá na nossa cooperativa e
Durante esse tempo nós tivemos apresentou uma proposta para realizar
também um convênio com a Conab uma pesquisa com o mesocarpo do ba-
(Companhia Nacional de Abastecimen- baçu. Essa pesquisa científica era para
to), o que foi muito interessante para nós, desenvolver um produto cosmético,
porque teve como objetivo garantir o segundo os conhecimentos da Natu-
mercado para o mesocarpo, promovendo ra, para substituir um pó mineral pelo
a valorização da produção no mercado mesocarpo vegetal para beleza, linha
regional. Por exemplo, a nossa produção de massagem. Então a Natura levou
era comercializada, mas bem distante – uma pequena amostra. Depois ela vol-
no Rio de Janeiro, em São Luís no Mara- tou e propôs comprar um pouco mais
nhão – nas metrópoles e também no mer- – nós vendemos cerca de 500 quilogra-
cado, no supermercado, mas não tinha mas. Após desenvolver essa pesquisa,
esse grande destaque, esse conhecimento a Natura disse que havia conseguido o
mais regional. Então, com esse convênio produto que realmente precisava e veio
com a Conab, a gente chegou a distribuir para fazer a legalização de todo esse co-
o produto, de acordo com o convênio, a mércio. Inicialmente, a intenção era fa-
sete municípios de nossa região (Médio zer um contrato de fornecimento – foi a
Mearim). Isso deixou realmente muito primeira proposta –, mas haviam as suas
conhecida e fortalecida essa política de condições. Uma delas era verificar se
venda do mesocarpo, que é um produto existiam trabalhadores adolescentes na
comercialmente novo – até onde sabe- coleta do coco babaçu e na produção da
mos, nós somos, talvez, os pioneiros na farinha do mesocarpo, pessoas menores
introdução desse produto no mercado – de dezoito anos. Se houvesse, a gente ti-
e, com isso, a gente fortaleceu um pouco nha que discutir a retirada desse pessoal
a economia familiar, a cooperativa e as e, depois, fazer o contrato.
famílias que vivem dessa produção. Para dar essa legitimidade a esse
O mesocarpo é um dos principais contrato e, também, de que não existi-
produtos de venda de nossa cooperativa. riam menores no trabalho, era necessário
O que é esse mesocarpo? Vou explicar. O um laudo antropológico. A Natura então
babaçu se divide em quatro partes. Você abriu este espaço para indicarmos e con-
tem a parte por cima, que é chamada de tratarmos um antropólogo ou antropólo-
fibra. Após retirar essa fibra você tem o ga para fazer esse laudo. Nós indicamos
mesocarpo, que é a parte que fica entre uma pessoa conhecida, que era responsá-
a fibra e o endocarpo, a parte mais dura, vel, que veio para fazer esse laudo.
mais interna do coco. Quebrando o en- Inicialmente, parecia uma coisa
docarpo, você encontra a amêndoa. pequena fazer um laudo, e era uma coi-

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sa muito nova que estava chegando a Depois dessa discussão, que du-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

nossa região. Quando chegou a propos- rou o ano inteiro, a gente descobriu que
ta de que pessoas com menos de dezoito havia um recurso maior para ser colo-
anos não poderiam trabalhar, foi uma cado nesse contrato, que era a questão
explosão no meio da comunidade entre do patrimônio genético acessado para
o pessoal que estava produzindo: “Mas desenvolver a pesquisa científica. Nós
isso é um absurdo porque isso aqui é soubemos da existência da Medida Pro-
um trabalho que tem que ser repassado visória n° 2.186, de 2001, que obriga uma
de pai para filho, para a família, porque empresa que quer acessar um produto,
não pode perder esse conhecimento, um patrimônio genético, desenvolver
essa tradição”. O pessoal da Natura che- pesquisa, a se legalizar primeiro, fazer
gou mais com calma e, de dezoito anos, um contrato de anuência prévia. Nós
baixou um pouco mais para ir tentando então começamos essa discussão sa-
acalmar a gente. Então eles trouxeram a bendo que havia mais valor, que era o
engenheira de trabalho e aí foram con- patrimônio genético associado também
gregando engenheiro de trabalho, médi- ao conhecimento tradicional por se tra-
co, para saber se aquele trabalho era re- tar de uma população tradicional. Nessa
almente de risco, que era proibido para discussão a gente não tinha segurança
pessoas com menos de dezoito anos de- sobre a qual valor se ia chegar. Mas com
senvolver. É certo que a gente levou um o apoio da assessoria, que começou a
tempo nessa discussão até chegar a um buscar recursos para verificar isso, bus-
consenso de que a gente ia aceitar isso car conhecimento para ver aonde che-
num contrato. gava essa discussão, a gente chegou ao
Aos poucos a gente foi buscando número. Esse número começou a passar
assessoria. Nós recebemos a assessoria de R$ 1 milhão, valor que deixou todos
da equipe técnica da Assema, envolve- meio espantados.
mos mais a assessoria do MIQCB, o Mo- Quando a gente começou a con-
vimento Interestadual das Quebradeiras cordar sobre o número, aí veio a ques-
de Coco, que é o órgão de organização tão da forma de fazer o repasse, isto é,
maior da defesa da quebradeira, de re- como repassar esse valor dos benefícios
presentação delas. Foram então se con- sobre o acesso ao patrimônio genético
gregando mais pessoas nessa discussão e sobre o conhecimento tradicional as-
e então começamos a discutir o contrato sociado. Nós então começamos a dizer
e também a questão da participação no que esse recurso tinha que ser passado
lucro. Fomos então discutir a participa- como indenização porque a Natura, ini-
ção no lucro por meio da repartição de cialmente, antes de acessar o patrimônio
benefícios, mas ninguém tinha certeza para a pesquisa, não tinha feito o termo
de um número: eram R$ 30 mil que de- de anuência prévia. Nós então começa-
pois passaram para R$ 100 mil. mos a dizer: “esse recurso tem que ser

50
passado para a cooperativa como inde- melhor”. Nós tivemos muita sorte com

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


nização porque você primeiro acessou, a antropóloga que trabalhou porque ela
teve o benefício, para depois vir legali- ficou muito preocupada com a possibili-
zar”. Nesse momento a Natura pulou dade de nós assinarmos o contrato sem
fora. Os números até que a Natura che- que tivéssemos clareza de que era jus-
gou a combinar quando a gente foi para to, de que alguém estava sendo lesado.
os últimos números. Nesse momento Então a gente foi longe nessa discussão.
nós já estávamos contando com o apoio Como eles não aceitaram essa proposta
técnico de advogados, economistas. Jun- da indenização e já estavam marcando
tamos esse grupo em volta dessa discus- a hora de começar a produção, a utili-
são com a Natura e fomos buscar outros zação do nosso produto, o que aconte-
conhecimentos com, talvez, algumas ex- ceu? A Natura mandou uma pessoa vir
periências que outros grupos já houves- discutir conosco já com outra discussão,
sem tido. Por isso a gente começou a se dizendo que tinha desenvolvido o pro-
fortalecer muito mais para poder fazer duto, mas que a escala comercial, in-
esse contrato. A Natura disse então que dustrial, não havia dado certo, deu um
dessa forma não passaria porque como problema. Nesse intervalo nós já haví-
indenização não dava, mas aí ela voltou amos assinado o contrato para fornecer
atrás e disse que não estava certa. três toneladas para a Natura. Esse novo
Certa vez tivemos uma reunião posicionamento da empresa nos pare-
muito difícil no Ministério Público de ceu que era político, com o objetivo de
São Luís para a qual a empresa Natura esfriar a discussão sobre a indenização
levou uma equipe de assessoria, advo- pelo acesso não autorizado ao patrimô-
gados, técnicos – envolveu o Ministério nio genético. Aí nós perguntamos: “essa
Público de São Luís e o de Brasília. Na questão é política, não é?” A pessoa res-
reunião nós chegamos a um consenso pondeu: “não, pelos conhecimentos que
de números, eles fizeram uma propos- eu tive das informações todas, é técnico,
ta e a gente não aceitou e, aí, também, o problema é técnico, não é político”.
ficou essa questão de como repassar o Ficou com a palavra da Natura,
recurso, a questão também da indeni- mas nós ficamos achando que o proble-
zação. A advogada deles bateu forte ma era político, porque a gente estava
assim e disse que não poderia passar o querendo ser indenizado pelo acesso ao
recurso como indenização porque eles patrimônio genético. Assim, nesse in-
não tinham lançado o produto ainda. tervalo, as coisas esfriaram um pouco,
Até então, eles tinham apressado muito mas como eles estavam interessados em
o lançamento do produto, ficaram mar- manter essa discussão conosco, nós aca-
cando o mês e a gente começou a não se bamos firmando um acordo com eles.
apressar. A assessoria disse “não, não Eles queriam repassar esse recurso como
vamos nos apressar não, vamos discutir um fundo socioambiental de apoio às

51
quebradeiras de coco babaçu, de apoio discussão. A gente, formalmente estava
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

ao agroextrativismo e não como inde- como cooperativa, como Coppaesp, mas


nização à cooperativa. A gente acabou na política, era todo o movimento que
aceitando a proposta. estava junto. A gente não ficou sozinho
A proposta foi que eles colocariam nessa discussão. Durante todo esse pro-
o recurso como fundo de apoio ao agroex- cesso nós tentamos garantir o mercado e
trativismo e a gente ficaria também com obter um preço justo para nossos produ-
a participação das vendas – por exem- tos. Isso é até importante porque, apesar
plo, aquele produto que tivesse o me- de toda essa discussão, de termos tido
socarpo no rótulo, eles pagariam 0,15%; uma queda de braço desse tipo com uma
aquele que só tivesse na composição, empresa muito forte, isso também deu
não estivesse no rótulo, eles pagariam ânimo às companheiras a continuarem
0,05% tanto para o acesso ao patrimônio produzindo.
genético como para o conhecimento tra- Os principais impactos. Eu acho
dicional associado. Então a gente acabou que essa relação contribuiu para que as
fechando o contrato e já começamos. O famílias conhecessem e conseguissem
pagamento foi dividido em três parcelas ter acesso aos seus direitos e também a
anuais e a gente já recebeu a primeira e questão da preservação da economia do
a segunda parcelas, que já estão em uma babaçu. Esse resultado foi muito interes-
conta especificada, acordada entre a coo- sante para nós. Inicialmente houve um
perativa e a Natura. impacto muito forte que foi a questão
Qual é a importância dessa rela- da retirada dos adolescentes menores de
ção? Eu acho que a cooperativa se tor- dezoito anos do trabalho. Mas, segundo
nou referência no reconhecimento dos o engenheiro do trabalho, médico, era
direitos das comunidades tradicionais um trabalho que podia prejudicar a saú-
de quebradeiras de coco e aumento da de da pessoa, o crescimento, um monte
renda familiar dos cooperados. Isso era de coisas. Acabou que nesses contratos a
algo que formalmente estava dentro dos gente abriu mão dessas situações e levou
acordos como cooperativa. Mas, poli- a sério todo aquele conhecimento cientí-
ticamente, na prática, nós estávamos fico do trabalho, das leis, do médico.
conscientes que o pagamento obtido
pelo acesso ao conhecimento tradicio- 3.2. reflorestamento econômico
nal, um conhecimento que é de 300 mil consorciado e adensado (reca)
mulheres que quebram coco, a coope- apresentado por
rativa não podia ficar com esse recurso gilberto berger
somente para nossos associados, reter
um recurso relacionado com o conheci- Nós estamos localizados na BR
mento tradicional. Então nós fomos com 364, no km 1.071, na localidade de Nova
a Assema, que acompanhou toda essa Califórnia, município de Porto Velho no

52
Estado de Rondônia. Fica na divisa do beneficiada por nós mesmos, 60 mil qui-

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Acre, Amazonas e Bolívia. los de manteiga e 80 mil quilos de torta.
Quando tudo começou. Iniciamos A torta do cupuaçu é feita depois de ex-
por volta do ano de 1985 a 1986. Isso foi traído o óleo da semente e é quase igual
só o início, mas o Reca foi fundado mes- ao processo de beneficiamento do cacau:
mo em 18 de fevereiro de 1989. seca, fermenta, seca, daí é passado por
Nossa missão. Nós temos como uma prensa de onde sai a torta, que é
missão ser uma organização social, pro- para fazer o cupulate.
dutiva e de base familiar comunitária, re- Produção de Açaí. Nós temos açaí
ferenciada pelo seu jeito de caminhar so- plantado em várias áreas. Mas nós com-
lidário que promove a sustentabilidade e pramos também açaí nativo dos ribeiri-
o bem viver respeitando a sociobiodiver- nhos e de um pessoal do Amazonas. Nós
sidade da Amazônia e contribuindo para temos 150 mil quilos de polpa do açaí e
uma sociedade mais humana e justa. estamos comprando mais, pois a safra
O que já alcançamos? Já implan- está grande e vem de longe porque aqui
tamos mais de 1.500 hectares de safras, perto tem pouco. De pupunha temos 30
SAFs, nos quais há mais de 40 espécies mil quilos de sementes certificadas; e
frutíferas e florestais, sendo as princi- de castanha-do-brasil, parte da que nós
pais: cupuaçu, pupunha, castanha da plantamos já está produzindo. A gente
Amazônia, açaí, bacaba, patuá, cedro e compra também na mata: são 80 mil la-
mogno. Atendemos diretamente mais tas de castanha e 20 mil quilos de óleo.
de trezentas famílias – os sócios – e, in- Outros produtos que nós também
diretamente, outras que não são sócias, trabalhamos são os óleos da andiroba e
que são quinhentas famílias, e apoiamos da copaíba, licores, doce, geléia, mel de
três associações. abelha e de cana, que é o melado, bom-
Como o Reca funciona? Nossa or- bons, artesanatos e sementes germina-
ganização se baseia em grupos de base. das de pupunha para fazer plantio e a
São doze grupos, cada grupo tem um muda.
líder e um coordenador. A função do Nossas parcerias. Hoje nós temos
líder é estimular o desenvolvimento do muitas parcerias: GTZ, Banco do Brasil,
trabalho no grupo e a do coordenador é MMA, Natura, Imaflora, que foi quem
desenvolver trabalho no Reca. primeiro nos certificou, Petrobrás, Em-
Alguns dados da produção do brapa, Pesacre, CPT e o Sebrae. Com o
Reca. Primeiro nossa produção de cupu- Sebrae é mais com cursos de capacita-
açu. Lembrando que a produção de 2009 ção para a gente aprender a administrar
ainda não fechou, nós temos uma tone- melhor.
lada do fruto bruto do cupuaçu, não be- Quanto à relação com a Natura.
neficiado. Do cupuaçu beneficiado nós Para a Natura nós estamos vendendo a
temos, eu acho, 400 mil quilos de polpa manteiga certificada do cupuaçu porque

53
ela só quer a certificada e, nós, certifica- só certificado, e no outro dia será o con-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

dos, temos todas as áreas, mas não con- vencional. São menos famílias só que
seguimos o selo ainda para todas. Nós a produção é mais certificada do que
temos trinta áreas certificadas. Além da convencional. Nós temos dificuldade
manteiga certificada, a gente vende tam- ainda para trabalhar, para separar tudo,
bém para a Natura o óleo de castanha, que mas nós já temos uma estrutura grande,
também é dos produtores certificados, e com tudo de congelamento, câmara fria
o convencional, que é extraído da mata, grande, tudo separado, tudo com nome,
pois por enquanto a Natura não trabalha para não dar problema. É mais ou me-
com nossos outros produtos, como pal- nos isso, a gente vende principalmente
mito, cupuaçu. Esse óleo que é extraído a manteiga e o óleo da castanha, sendo
da mata não entra como certificado por- tudo certificado.
que se o nosso grupo é certificado, o sí- O contrato com a Natura já está
tio todo, eu não posso tirar a castanha da com três anos, desde quando ela veio fa-
mata. Lá na mata, a castanha é todinha zer o pedido para os contatos para certi-
natural, não tem química, mas se sai da ficação, que foi feita pelo Imaflora, a pe-
casa de quem está irregular porque tem dido da Natura. Foi a Natura que veio,
lixo jogado, queima plástico e queima o viu a nossa manteiga e fez os contatos.
lixo, mesmo não tendo química, essa cas- Ainda não conseguimos o selo para to-
tanha não pode ser certificada. A Natura dos os dez produtos que nós trabalha-
compra também a castanha certificada, mos, mas queremos certificar tudo.
mas este ano ela só pediu duas toneladas
de óleo porque já havia comprado muito. 3.3. movimento de mulheres das
A Natura nos paga um preço bom pela ilhas de belém
manteiga – a convencional ela não está apresentado por
querendo. Nós só vendemos a manteiga, adriana lima
mas queremos vender também os nossos
outros produtos. O Movimento de Mulheres das
Está para sair o selo orgânico des- Ilhas de Belém é uma associação que
sas trinta famílias. Os outros estão se existe há dez anos e conta, hoje, com ses-
preparando para que o Reca seja todo senta associados, dos quais 45 são mu-
certificado – fica mais fácil para trabalhar lheres. A nossa sede fica na Ilha de Co-
porque nós temos que dividir tudo, pois tijuba, uma das ilhas que pertencem ao
quando a gente despolpa o cupuaçu, que município de Belém e um dos trabalhos
é o nosso forte, tem que separar tudo nas que desenvolvemos é com a empresa
câmaras frias, em caixas diferentes, com Natura.
repartições dentro da câmara para não Em 2004, quando iniciamos, nós
ser misturado. Nos dias que nós traba- trabalhávamos com produção de doce
lharmos com cupuaçu certificado, será de frutas tropicais, então nós procura-

54
mos as universidades e os órgãos públi- Solabia. O caso com a empresa Solabia

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


cos em busca de ajuda para a criação de foi interessante, nós não a conhecíamos,
alternativas de renda na ilha. O comércio ela foi indicada pela Natura. Este ano de
em Cotijuba girava em torno das horta- 2009 é o que trabalhamos com a empresa
liças e nós procurávamos uma alternati- e receberemos a repartição de benefício
va. Passamos muito tempo procurando. pelo acesso ao patrimônio genético da
Então, em 2004, o pessoal da Natura, semente do pracaxi.
juntamente com representantes da Ufra Então, respondendo às perguntas
(Universidade Federal Rural da Amazô- que deveriam orientar nossa exposição.
nia), fizeram a proposta para o plantio “O que levou a comunidade a estabele-
da priprioca. cer este acordo?” A princípio, foi a ne-
Nós não tínhamos muito conhe- cessidade de uma alternativa de renda
cimento sobre esse plantio, nem mesmo para a comunidade. Depois do primeiro
sobre a semente. Apenas algumas pes- plantio, passamos a ter outros objetivos,
soas, pela tradição mesmo que se tem de como melhorar a nossa organização, a
fazer banho de cheiro, conhecia um pou- qualidade de vida e o entorno da comu-
co. Nós éramos onze produtores – eu nidade onde vivemos, bem como me-
não sou produtora, eu sou apenas uma lhorar o nível de desenvolvimento das
das coordenadoras – e foi uma aposta. A pessoas dentro da associação”.
empresa propôs pra gente o trabalho e Segunda questão: “Qual a impor-
nós aceitamos fazer o plantio com dúvi- tância desse acordo?” Garantimos uma
das sobre como se daria esse processo de alternativa de renda para as pessoas da
plantio, colheita e pagamento da produ- associação, não dependemos apenas
ção. Mas a proposta era boa, nós planta- desse contrato para desenvolvermos
ríamos e a nossa produção já estava toda outras atividades, temos uma boa con-
vendida – a proposta era diferente e ar- versação com as empresas, adquirimos
riscada, mas resolvemos arriscar. No fim autonomia e autoconfiança para falar-
da produção ocorreu tudo bem, tudo foi mos e fazermos negociações e conse-
pago direitinho e nós começamos a con- guimos aumentar e melhorar o espaço
versação para o próximo plantio. da sede da associação criando espaços
Esse ano (2009) é o nosso quinto para oficinas e cursos. Dos recursos ob-
plantio, a cadeia da priprioca é feita por tidos nós dedicamos 10% do total para
três empresas e apesar do nosso primei- a realização de projetos da associação,
ro contato ter sido com a empresa Natu- para desenvolvermos trabalhos durante
ra, nós vendemos nossa produção para a o ano. Esse ano, com os 10% do plantio
empresa Beraca. da priprioca, nós conseguimos comprar
Hoje, dentro do Movimento, nós equipamentos de infraestrutura para
trabalhamos com três empresas na área desenvolver as outras atividades dentro
de comercialização: Beraca, Natura e da associação – televisão, DVD, caixa de

55
som. Com o projeto dessa repartição de Sobre os principais impactos des-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

benefícios, nós aumentamos o espaço da se acordo na comunidade. Um impacto


sede e reformamos o que já estava cons- eu acho que é a percepção do potencial
truído. Compramos tudo o que precisa- em recursos naturais que a gente não sa-
va na cozinha e, hoje, nós temos uma co- bia que tinha. E hoje nos preocupamos
zinha pronta para desenvolver o curso com a coleta para comercializar e tam-
de culinária dentro da comunidade. bém como vamos fazer para preservar
Com a próxima repartição de be- estas áreas de coleta. Ainda falando de
nefícios que nós vamos receber estamos impactos. Existem as exigências de um
planejando trabalhar com profissionais contrato. Mesmo que ele seja informal,
que possam ver a questão do replantio traz uma responsabilidade muito gran-
das árvores de pracaxi, que é o que nós de para a associação. Por exemplo, mes-
trabalhamos. O pracaxi é um óleo que mo que a empresa ligue e diga “olha, eu
as pessoas costumam retirar e comer- quero 500 quilos de fruto”, a nossa asso-
cializar na feira de Icoaraci. Nessa feira ciação se organiza de uma forma mui-
a gente tem um espaço no meio da rua, to rígida para cumprir esse contrato na
o que não é correto, mas a Prefeitura data que foi afirmada. Isso faz com que
não consegue um espaço adequado pra a gente se una e trabalhe mais de forma
gente trabalhar, mesmo a gente solici- correta para atingir o nosso objetivo.
tando. Então, há anos o pessoal vai para Que tipos de modificações podem
o meio da rua vender o óleo aos sába- ser realizadas para aperfeiçoar o acordo?
dos. Sobre a natureza do acordo com a Uma coisa que foi falada ontem, que a
empresa eu acho que eu já falei. Para a gente ainda não tinha percebido dentro
venda da priprioca para a Beraca a gen- da associação: os objetivos da empresa
te tem um acordo formalizado, é assi- em relação à comunidade. Então, a gente
nado um contrato anual. Nesse contrato sempre se perguntou no início: se o nos-
tem o montante que a gente vai plantar, so contrato é com a Beraca, porque que a
quando a gente vai receber, a provável Natura é tão aqui dentro? A certificação
data de entrega do produto. O trabalho da priprioca não vai só para a priprioca,
da Beraca é fazer vistorias para ver se o ela se estende ao quintal e à produção
plantio está indo bem, se na época que de cada produtor. Então, muitos pro-
foi contratado vai dar para colher. Ela dutores nossos vendem frutas, hortali-
faz duas vezes por ano. ças e toda essa produção é certificada,
A coleta do pracaxi para a empresa paga pela Natura. Isso abriu um novo
Solabia ainda não tem um contrato for- caminho pra gente porque, hoje, todos
mal, conversamos apenas por telefone e os nossos produtos são certificados, com
fechamos o contrato de compra e venda selo, e a maioria não tem isso, apesar de
da semente que é feito anualmente. que essa questão de selo ainda é discutí-

56
vel. Mas a importância do produto orgâ- 3.4. acordos entre empresas e

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


nico, que é outra coisa que voltou, é que comunidades e a atuação do
antigamente o pessoal queimava e, hoje, ministério público estadual
não queima mais. Então, foram coisas do pará
que a Natura, através do trabalho dela, apresentado por
foi mostrando pra gente, a oportunida- eliane moreira
de de desenvolvimento sem necessaria-
mente degradar o meio ambiente. Na história da humanidade, a
No trabalho que desenvolvemos produção de conhecimentos segundo
na área de agricultura e preservação padrões e processos orientados por for-
a gente vai contra a maré do que está mas de organização social tradicionais
acontecendo na ilha (turismo de massa), sempre foi uma importante fonte de
então, acho que essas coisas são impor- energia para os sistemas de compreen-
tantes. Essas coisas, também, foram vis- são e aproximação com a natureza. O
tas pela gente ao longo desse tempo de conhecimento tradicional é a forma mais
contrato com essas empresas. Esse tra- antiga de produção de teorias, experiên-
balho foi muito autônomo, sem asses- cias, regras e conceitos, isto é, a mais an-
soria de advogados, de secretarias, que cestral forma de produzir ciência.
poderiam estar perto da gente para in- Esses conhecimentos, que até en-
dicar que caminhos poderíamos tomar. tão se destinavam à manutenção das for-
A gente veio tropeçando, caindo, levan- mas de vida das sociedades tradicionais,
tando, mas aprendemos pelas nossas a partir do século 20 passam a ser vistos
próprias pernas e, hoje, olhando para o sob uma ótica utilitarista decorrente do
que é a nossa associação, a gente vê que novo cenário científico e tecnológico que
teve sucesso, tem sucesso e vai continuar se delineia e que ganha contornos claros
a ter porque estamos começando novos com a ascensão de novas tecnologias as
projetos – inauguramos um laboratório quais passam a identificar nesses recur-
de informática junto com a Oi e o Insti- sos um forte potencial industrial.
tuto Peabiru. Quando a gente olha, são Não apenas a biotecnologia con-
os nossos filhos que estão lá dentro, que tribui para isto, mas também as aspira-
estão carregando o nome do Movimento ções consumidoras que identificam cada
que nós criamos. Então, eu acho que a vez mais as culturas tradicionais como
gente está dando continuidade a isso, e um bem a ser consumido. O crescimento
vejo que a nossa associação tem sucesso galopante do “mercado verde”, impul-
trabalhando com as empresas também, sionado pela mercantilização da sus-
e que ainda temos muito o que apren- tentabilidade, contribui em boa medida
der com esta relação entre comunidade- para isso, com forte influência no avanço
empresa. sobre essas culturas.

57
O uso dos conhecimentos tradi- sidade. Portanto, não obtiveram também
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

cionais associados não somente permite consentimento prévio, nem tampouco


a redução de investimentos em pesqui- repartiram benefícios com quem de di-
sas, como também propicia a utilização reito. Ou seja, o discurso sustentável não
da interveniência dessas comunidades tem encontrado apoio em práticas sus-
como uma forma de demonstrar susten- tentáveis. Por muito tempo os conheci-
tabilidade nas relações de fornecimento mentos tradicionais foram apropriados
de novos produtos oferecendo aos con- nos processos de produção do “conheci-
sumidores, não só suas qualidades in- mento científico” sem qualquer retorno
trínsecas, mas também o ideário do de- para seus titulares, e até mesmo à sua
senvolvimento sustentável. revelia.
Em geral, aos bioprodutos asso- A partir do final do século 20, a
ciam-se estratégias publicitárias basea- constatação de que a biodiversidade era
das na idéia de comércio justo e sustentá- um bem de enorme importância associa-
vel, que ganham um espaço considerável da à percepção de que o mundo estava
em diversas fatias do mercado, que vão perdendo biodiversidade em quantida-
desde alimentos e cosméticos até novos des galopantes, permitiu que emergisse
fármacos, por aportarem não somente o chamado paradigma da biodiversida-
melhoria da qualidade de vida da po- de, fazendo nascer, no âmbito interna-
pulação, com novas alternativas, mas cional, a necessidade de criação de um
também por atenderem a parcelas signi- regime que permitisse a conservação
ficativas de consumidores que desejam desse bem. Como medida de proteção
caminhar rumo ao que se chama, hoje, da biodiversidade, foi criada a CDB
de prática de “consumo sustentável”. (Convenção da Diversidade Biológica),
O problema é, que na maior par- que em seu bojo prevê mecanismos de
te das vezes, os produtos ofertados sob proteção da biodiversidade, dos povos
o manto da proteção ambiental e valo- tradicionais sobre seus conhecimentos
rização da diversidade cultural não fo- e cristaliza o reconhecimento da estreita
ram produzidos com base numa ética de dependência entre um e outro. O adven-
equidade, nem mesmo com a observân- to da CDB amplia e diversifica os atores
cia dos preceitos legais. A maior prova que fazem parte das discussões sobre a
do que afirmamos é o fato de que deze- biodiversidade, com a valorização eco-
nas de empresas têm se utilizado dessa nômica da biodiversidade ingressam no
estratégia, no entanto, até hoje, no Brasil debate, empresas, Estados nacionais, en-
apenas duas empresas obtiveram auto- tidades internacionais, ONGs e popula-
rização para o uso da biodiversidade, ções locais, esses últimos voltados para
sendo que nenhuma obteve autorização o uso sustentável da biodiversidade e a
para utilizar o conhecimento tradicional, repartição de benefícios. Importa dizer
a qual foi obtida apenas por uma univer- que essa nova percepção abre o caminho

58
para o debate em torno dos direitos dos biodiversidade, levando em conta todos

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


povos tradicionais sobre seus conheci- os direitos sobre tais recursos, é um dos
mentos tradicionais associados à biodi- elementos cruciais previstos nessa Con-
versidade, isto é, seu saber-fazer, saber- venção.
usar, saber-manusear. No contexto da A Convenção passa a estabelecer
afirmação desses direitos, a CDB teve o regras para o acesso aos recursos gené-
importante papel de dar corpo jurídico a ticos da biodiversidade constantes do
um determinado feixe de direitos, quais artigo 15, dentre as quais devem ser des-
sejam: os saberes, inovações e técnicas tacadas: a autoridade para determinar o
desenvolvidas pelos povos tradicionais acesso a recursos genéticos pertence aos
em sua interação com a natureza. governos nacionais e está sujeita à legis-
Sobre conhecimentos tradicionais, lação nacional; o acesso deve ocorrer de
a Convenção estabelece em seu preâm- comum acordo entre os países; o acesso
bulo que existe “estreita e tradicional deve estar sujeito ao consentimento pré-
dependência de recursos biológicos de vio fundamentado da parte contratante
muitas comunidades locais e popula- provedora desses recursos, a menos que
ções indígenas com estilos de vida tradi- de outra forma esta parte determine; as
cionais, e que é desejável repartir equi- pesquisas com recursos genéticos, pro-
tativamente os benefícios derivados da vidos por outras partes contratantes, de-
utilização do conhecimento tradicional, vem se dar com sua plena participação e,
de inovações e de práticas relevantes à na medida do possível, no seu território;
conservação da diversidade biológica e cada parte contratante deve adotar me-
à utilização sustentável de seus compo- didas que permitam o compartilhamen-
nentes”. to justo e equitativo dos resultados da
A CDB possui como finalida- pesquisa e do desenvolvimento tecno-
de maior, disposta em seu artigo 1°, “a lógico baseado nos recursos genéticos,
conservação da diversidade biológica, bem como da sua utilização comercial.
a utilização sustentável de seus compo- A CDB previu, em linhas gerais,
nentes e a repartição justa e equitativa as regras de acesso e uso dos conheci-
dos benefícios da utilização dos recursos mentos tradicionais. A previsão do pre-
genéticos, mediante, inclusive, o aces- âmbulo encontra eco no artigo 8°, item
so adequado aos recursos genéticos e a “j”, o qual determina que cada parte
transferência adequada de tecnologias contratante precisa, de acordo com suas
pertinentes, levando em conta todos os possibilidades e conforme o caso: “Art.
direitos sobre tais recursos e tecnologias, 8, J. em conformidade com sua legisla-
e mediante financiamento adequado”. ção nacional, respeitar, preservar e man-
Como é possível perceber, a repartição ter o conhecimento, inovações e práticas
justa e equitativa dos benefícios gerados das comunidades locais e populações
pela utilização dos recursos genéticos da indígenas com estilo de vida tradicio-

59
nais relevantes à conservação e à utiliza- cionais associados, demarcando a neces-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

ção sustentável da diversidade biológica sidade de assentimento dos povos tradi-


e incentivar sua mais ampla aplicação cionais e repartição de benefícios justa e
com a aprovação e a participação dos equitativa dos resultados das pesquisas,
detentores desse conhecimento, inova- desenvolvimento de tecnologias e bio-
ções e práticas; e encorajar a repartição prospecção de produtos, por meio da re-
equitativa dos benefícios oriundos da alização de um Contrato de Acesso, Uso
utilização desse conhecimento, inova- e Repartição de Benefícios, que neces-
ções e práticas”. sariamente será submetido à aprovação
O que a Convenção tem de refor- do órgão governamental responsável,
mador no modo de utilização dos co- no Brasil, o CGEN (Conselho de Gestão
nhecimentos tradicionais é a criação de do Patrimônio Genético), composto no
condições para o acesso e uso dos recur- âmbito do MMA (Ministério do Meio
sos genéticos da biodiversidade e dos Ambiente).
conhecimentos tradicionais associados. A Medida Provisória n°. 2.186-
Dentre tais regramentos se destacam a 16/2001 consolidou uma gama de direi-
necessidade de aprovação da autorida- tos dos quais são titulares os detentores
de nacional, a necessidade de consen- de conhecimentos tradicionais, dentre os
timento prévio fundamentado do País quais: o direito de se opor contra a ex-
e dos detentores de conhecimento e a ploração ilícita de seu conhecimento e
repartição de benefícios com justiça e outras ações lesivas ou não autorizadas;
equidade. o direito de decidir sobre o uso de seus
Os conhecimentos tradicionais conhecimentos; ter indicada a origem do
associados à biodiversidade foram al- acesso ao conhecimento tradicional em
çados, pela CDB, à condição de direitos todas as publicações, utilizações, explo-
e passam a compor o arsenal maior dos rações e divulgações; impedir terceiros
direitos intelectuais coletivos. No Bra- não autorizados de: utilizar e divulgar
sil, os direitos dos povos tradicionais seus conhecimentos; e o direito de rece-
sobre seus conhecimentos encontram ber benefícios pela exploração econômica
como principal suporte a Constituição de seus conhecimentos (artigos 8º e 9º).
Federal Brasileira, destacando-se os A Medida Provisória n°. 2.186-
arts. 215 e 216. No âmbito infraconsti- 16/2001 estabeleceu uma nova espécie
tucional a questão do acesso e uso dos de licenciamento ambiental voltada à
conhecimentos tradicionais associados apreciação da viabilidade socioambien-
foi abordada pela Medida Provisória n.º tal de atividades de pesquisa e desenvol-
2.186-16/2001. Apesar de extremamen- vimento tecnológico que utilizem o pa-
te passível de críticas, a referida Medida trimônio genético da biodiversidade e os
Provisória abraçou alguns dos ditames conhecimentos tradicionais associados.
da CDB sobre os conhecimentos tradi- Especificamente, em se tratando de ativi-

60
dades voltadas à elaboração de produtos para citar um dado, entre janeiro de 2001

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


baseados na utilização de conhecimentos e março de 2006, o CGEN havia autori-
tradicionais é necessária: a obtenção da zado apenas 13 processos envolvendo
anuência prévia do povo tradicional en- conhecimentos tradicionais associados,
volvido; a elaboração de um contrato de dentre estes, não existia nenhum proces-
repartição de benefícios; a elaboração de so de empresas. Sendo assim, os 13 pro-
um laudo antropológico que demonstre cessos referem-se a autorizações de aces-
que a anuência foi dada de forma livre e so a conhecimentos tradicionais cujos
esclarecida; e a autorização do CGEN. interessados são instituições de ensino
Ressalte-se que, caso estes passos e pesquisa e ONG. Tal fato demonstra
não sejam cumpridos, deverá ser per- claramente que diversas empresas brasi-
quirida a responsabilidade administra- leiras encontravam-se na mais absoluta
tiva com base no Decreto n.º 5.459/2005, ilegalidade.
que prevê como infração administrativa Tal ilegalidade se reflete em
deixar de repartir, quando existentes, casos que ganharam a mídia recen-
os benefícios resultantes da exploração temente, cada um com sua peculiari-
econômica de produto ou processo de- dade, dentre os quais podemos citar
senvolvido a partir do acesso a amostra como exemplos o Caso Cupuaçu, o
do patrimônio genético ou do conheci- Caso Murumuru, o Caso Acheflan, o
mento tradicional. Caso Ver-o-Peso X Natura, o Caso das
Porém, estas previsões legais es- Quebradeiras de Coco Babaçu X Natu-
tão longe de serem cumpridas. Apenas ra, dentre outros.

meSa-redonda 4:
o papel do eStado na promoção de acordoS
entre empreSaS e comunidadeS

O governo tem um papel funda- ainda mais importante, pois na maioria


mental no apoio da produção de famí- das vezes a empresa parceira assume
lias extrativistas e de pequenos produto- responsabilidades para com as comuni-
res na Amazônia por meio da regulação dades que deveriam ser desempenhadas
das atividades mercantis realizadas em pelo Estado.
assentamentos e UCs ou da criação de Para discutir essa temática foram
políticas públicas voltadas ao fomento convidados os seguintes órgãos estatais:
dessa produção. No caso de acordos en- i) Conab (Companhia Nacional de Abas-
tre empresas e comunidades para explo- tecimento); ii) Secretaria de Agroextrati-
ração de produtos florestais madeireiros vismo – MMA; iii) SFB (Serviço Florestal
e não madeireiros, o papel do Estado é Brasileiro); e iv) Incra (Instituto Nacional

61
de Colonização e Reforma Agrária). O Esses dutos anteriormente eram reves-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

Ideflor também participou desta mesa- tidos com folhas de alumínio ou cobre,
redonda, mas por motivos técnicos não e agora estão sendo revestidos com essa
foi possível transcrever sua apresenta- tecnologia dessas esteiras com as folhas
ção e, consequentemente, disponibilizá- de carnaúba. Com essa nova tecnologia
la neste documento. a Petrobrás já teve uma economia de R$
700 mil e, durante a fase de execução do
4.1. companhia nacional de projeto, ela comprou mais de 35 mil es-
abastecimento (conab) teiras desses extrativistas de carnaúba a
apresentado por um preço de R$ 7,00.
paulo oliveira O que aconteceu? Com o fim do
projeto, a Petrobrás lançou, agora, um
Vou começar falando de nossa edital para adquirir essas esteiras e a
atuação na questão dos mercados insti- gente sabe que já têm empresas ofertan-
tucionais. Nós pensamos que esse mer- do nessa licitação esteiras a R$ 3,50, en-
cado institucional, que é um mercado no quanto que a cooperativa vendia para a
qual o governo entra fazendo a compra Petrobrás a um valor de R$ 7,00. Então,
diretamente com o produtor extrativista, o MMA já está em negociação com a Pe-
é fundamental. Ele é importante princi- trobrás para que ela não abaixe o preço
palmente para os grupos que estão mais de compra desse produto, que ele conti-
frágeis do ponto de vista da sua gestão, nue a R$ 7,00 para que as mulheres que
da sua associação, da sua cooperativa, fazem essas esteiras consigam obter pelo
ou seja, do ponto de vista do empreen- menos um salário mínimo ao mês.
dedorismo, da gestão administrativa, fi- Nessa ação nós procuramos esti-
nanceira, comercial. mular a responsabilidade social dessas
Nós também temos pensado em empresas para que, ao comprarem um
outros mercados, em outros mecanis- produto agroextrativista, elas não remu-
mos que possam ser utilizados para ad- nerem somente o valor da matéria-prima
quirir esses produtos. Só para citar um ou o custo de produção, mas que nesse
exemplo de negociação, nós estamos preço estejam embutidos outros elemen-
fazendo agora uma com a Cooperativa tos como os serviços ambientais, os ele-
Carnaúba Viva, que abrange os Estados mentos de ordem cultural. Grande parte
do Ceará e do Rio Grande do Norte, a desses produtos advém de um processo
partir de um projeto da Petrobrás am- de conhecimento tradicional constituído
biental. Nesse projeto, eles desenvol- ao longo de muitos anos, então, é im-
veram uma tecnologia de produção de portante que esses valores, sejam eles
esteiras com folha de carnaúba que a culturais, ambientais ou sociais, sejam,
Petrobrás está usando para recobrir du- de fato, garantidos nos preços ofertados
tos que conduzem óleos, vapores, gás. por essas empresas.

62
No sentido de fortalecer esse di- dades tradicionais, as estatísticas oficiais

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


álogo com o setor privado, nós estamos apontam que os valores registrados para
agora concluindo um processo de con- a produção extrativista não madeireira
sulta com as associações representativas representam aproximadamente 0,48 %
dessas empresas. Nós já conversamos da produção florestal primária nacional,
com a Abia (Associação Brasileira da In- o que equivale a apenas R$ 480 milhões.
dústria Alimentícia), que tem esse víncu- Estes valores indicam a pouca visibili-
lo e bastante boa vontade nesse diálogo dade e o pequeno espaço ocupado pe-
com o governo; fizemos uma consulta à los produtos da sociobiodiversidade na
Associação Brasileira dos Supermerca- economia formal.
dos; e encontramos alguma dificuldade Nas últimas décadas, diversas
com a Abihpec (Associação Brasileira de iniciativas do governo federal, de al-
Higiene Pessoal e Cosméticos). guns Estados e municípios, de ONGs,
de movimentos e organizações sociais,
4.2. Secretaria de de empresas e de instituições acadêmi-
agroextrativismo – mma cas vêm buscando reverter este quadro.
apresentado por Multiplicam-se por todo o País projetos
cláudia calório que sinalizam o potencial de competiti-
vidade das cadeias de produtos da so-
O Brasil é um país de dimensões ciobiodiversidade, revelando a grande
continentais, abrigando uma biodiver- possibilidade que este mercado repre-
sidade que o posiciona entre os 20 paí- senta para o desenvolvimento sustentá-
ses megabiodiversos, sendo detentor de vel. Organizadas em associações ou co-
exuberantes Biomas como o Amazôni- operativas, inúmeras comunidades têm
co, Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata buscado consolidar projetos de produ-
Atlântica, Zona Costeira Marinha e Pam- ção e extrativismo sustentável. Apoiados
pa. Esta riqueza biológica está associada pela cooperação internacional, por pro-
a uma grande diversidade sociocultural, gramas governamentais ou mesmo com
representada por mais de 200 povos in- recursos próprios, não faltam exemplos
dígenas e por inúmeras comunidades de projetos demonstrando a viabilidade
tradicionais (quilombolas, extrativistas, de integrar o uso e a conservação da bio-
pescadores, agricultores familiares, en- diversidade com atividades de geração
tre outras), detentoras de conhecimento de renda.
considerável e habilidades sobre os sis- O setor empresarial, por sua vez,
temas tradicionais de manejo da biodi- vem reconhecendo as oportunidades de
versidade. negócio que a biodiversidade brasileira
Embora tenha uma importância oferece. O papel de destaque que a di-
significativa na geração de renda e se- mensão ambiental ganhou nas últimas
gurança alimentar de povos e comuni- décadas tem contribuído no aumento da

63
demanda por produtos ambientalmen- em situação de vulnerabilidade alimen-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

te corretos, tanto no mercado nacional tar e nutricional.


como no internacional. Alia-se a isso a O Programa tem permitido tam-
preocupação crescente com a relação bém que associações e cooperativas ex-
entre padrão de consumo e condições trativistas se estruturem, oferecendo
de saúde da população. Desta forma, capital de giro a taxas de juros baixas,
amplia-se a demanda por produtos que cujo pagamento pode ser feito em pro-
atendam estas expectativas e ao mesmo duto ou em espécie. Complementando
tempo incorporem valores socioambien- as oportunidades criadas pelo PAA, a
tais. Isso tem motivado investimentos no partir de 2008 a Política de Garantia de
desenvolvimento de produtos com base Preços Mínimos passou a incluir dez es-
na biodiversidade brasileira pela indús- pécies vegetais extrativistas, ampliando
tria alimentícia, de cosméticos, na área os instrumentos de apoio aos produtos
farmacêutica, bem como no setor de ser- não alimentícios como a andiroba, a co-
viços como, por exemplo, o ecoturismo. paíba, a piaçaba e a borracha natural.
Esta dinâmica também tem tido Apesar do incremento de investimentos
reflexos na esfera governamental. Na em pesquisa, há inúmeras lacunas de co-
última década, o Estado brasileiro vem nhecimento sobre a biodiversidade bra-
internalizando o conceito de susten- sileira nas áreas de produção, manejo,
tabilidade, reformulando a estrutura beneficiamento e industrialização.
institucional, estabelecendo políticas e Embora venham sendo feitos es-
programas com esta orientação e pro- forços para recuperar e fortalecer os ser-
movendo as adequações no marco legal viços de assistência técnica, a capacidade
necessárias para responder aos com- instalada está aquém da demanda de
promissos assumidos internacional- capacitação e acompanhamento técnico
mente. O Governo Federal tem imple- apresentada pelo setor produtivo extrati-
mentado vários mecanismos buscando vista. Acrescenta-se a isso o fato de que
ampliar as oportunidades de mercado o acompanhamento técnico para projetos
institucional para os produtos da so- envolvendo comunidades locais e produ-
ciobiodiversidade. Desde 2003, o PAA tos da sociobiodiversidade requer quali-
(Programa de Aquisição de Alimentos ficação técnica e habilidades metodológi-
da Agricultura Familiar) destinou cerca cas não facilmente disponíveis. Isto revela
de R$ 1,5 bilhão beneficiando milhares a necessidade de esforços adicionais para
de famílias. Por meio do PAA, povos a capacitação de técnicos para o atendi-
indígenas, quilombolas, pescadores ar- mento desta demanda, tanto no âmbito
tesanais, comunidades tradicionais e da educação formal quanto em progra-
agricultores familiares podem comer- mas de especialização de curto prazo.
cializar qualquer produto alimentício Não há dúvidas de que na últi-
para atender segmentos da população ma década houve um aumento subs-

64
tancial nos recursos disponíveis para a ções do setor produtivo apontam para a

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


agricultura familiar acompanhado de necessidade de uma maior coordenação
medidas para diversificação das linhas das ações. Foi com esse objetivo que o
de crédito. Todavia, ainda é difícil para Plano Nacional de Promoção das Ca-
as comunidades locais obterem a apro- deias de Produtos da Sociobiodiversida-
vação de projetos deste tipo perante os de foi lançado pelo Presidente Luiz Iná-
agentes financeiros locais. Persiste uma cio Lula da Silva, em 27 de abril de 2009,
defasagem entre o lançamento de mo- na cidade de Manaus, junto ao público
dalidades de crédito inovadoras e a sua beneficiado, os PCTAFS (Povos e Co-
internalização pelos agentes executores munidades Tradicionais e Agricultores
da política de crédito rural. Na área fis- Familiares). Esse Plano tem o objetivo
cal e tributária, os incentivos para inves- de promover a conservação e o uso sus-
timentos privados no desenvolvimento tentável da biodiversidade, garantindo
de produtos da sociobiodiversidade ain- alternativas de geração de renda para as
da são tímidos, dificultando a emergên- comunidades rurais. Para isso, possibili-
cia e consolidação de novos empreendi- tará a adoção de boas práticas de manejo
mentos. e de produção, a regularização fundiá-
O avanço de projetos produtivos ria, o acesso às políticas de crédito, de
com produtos da sociobiodiversidade assistência técnica e extensão rural, de
também esbarra em limitações do marco infraestrutura, o acesso a mercados ins-
legal. As normas de acesso e repartição titucionais, a instrumentos de comercia-
de benefícios carecem de uma lei espe- lização e à política de garantia de preços
cífica, sendo ainda operadas com base mínimos.
na Medida Provisória n.º 2.186-16/2001. Com isso, o Governo Federal bus-
A falta de um marco legal consolidado ca, primeiramente, fortalecer e integrar
nesta área desmotiva investimentos do ações já existentes, por meio de uma
setor privado e gera insegurança nas co- estratégia interministerial voltada para
munidades locais, criando um ambien- o fortalecimento das cadeias e consoli-
te pouco favorável para a organização dação de mercados sustentáveis para os
de cadeias produtivas. A área sanitária produtos da sociobiodiversidade brasi-
é outro campo que requer atenção, exi- leira. Esse Plano é fruto de um esforço
gindo adequações que compatibilizem coletivo. Embora tenha nascido de uma
o atendimento dos níveis de segurança articulação dos ministérios do Meio Am-
necessários ao consumo e às especifici- biente, do Desenvolvimento Agrário e
dades dos produtos da sociobiodiversi- do Desenvolvimento Social e Combate à
dade. Fome, outros Ministérios e setores tam-
O aprendizado dos programas bém estão envolvidos nesse processo,
governamentais implementados nos úl- tais como: os governos estaduais, a Casa
timos anos e os acúmulos das organiza- Civil, Conab, Anvisa (Agência Nacional

65
de Vigilância e Inspeção Sanitária), SFB comunidades e empresas; às ações atu-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

(Serviço Florestal Brasileiro), Incra, o se- almente desenvolvidas pelo SFB em as-
tor empresarial, as agências de fomento sentamentos; às propostas para normati-
e a sociedade civil organizada. zação da relação assentados e empresas;
Essa abordagem sistêmica, parti- e ao Decreto de Política de Manejo Flo-
cipativa e descentralizada é que propicia restal Comunitário e Familiar e Plano
um ambiente favorável para o desenvol- Anual de Manejo Florestal Comunitário
vimento de planos de trabalho específi- e Familiar.
cos e a construção de uma visão estra- Em primeiro lugar buscamos pon-
tégica de apoio e fomento aos arranjos tuar que a questão do manejo florestal
produtivos locais e regionais, entenden- em assentamentos e parcerias entre co-
do que, somente assim, as Cadeias de munidades e empresas ganha, cada vez
Produtos da Sociobiodiversidade e os mais, a necessidade de olhares atentos
extrativistas serão fortalecidos. Nos dois por serem os assentamentos as florestas
anos iniciais do Plano, 2009 e 2010, es- públicas mais ameaçadas de deixarem
tão sendo priorizadas ações específicas de ser florestas. O seu ritmo de criação
relacionadas às cadeias da castanha- se torna mais rápido do que a capacida-
do-brasil e do babaçu. Essa estratégia de de acompanhamento. Mas ao mesmo
estabelece a instalação de instâncias de tempo acompanhar o que está aconte-
governança ao nível nacional, estadual e cendo se faz imprescindível, exigindo
local, compartilhadas entre todos os re- de nós vigor e criatividade para a inven-
presentantes que atuam nos mais diver- ção e reinvenção de formas competentes
sos elos das cadeias. de resguardar não só as florestas, mas
seus produtos e sua população. Neste
4.3. Serviço florestal brasileiro (Sfb) caso, prioritariamente aquela população
apresentado por organizada em assentamentos que, por
márcia muchagata serem áreas regularizadas, sofrem forte
assédio do setor madeireiro e padecem
Participamos do Seminário Rela- de outras fragilidades e apelos externos.
ções entre Empresas, Governos e Comu- Daí a razão de enxergarmos a realização
nidades na Amazônia Brasileira, ocorri- de parcerias como um dos caminhos vi-
do em Santarém entre 28 e 30 de 2009, áveis para se lidar com o problema.
representando o SFB. Na mesa-redonda Na base dessa atuação está a Lei
que tratou sobre “o papel do Estado na de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº
promoção de acordos entre empresas e 11.284/2006), que instituiu a criação
comunidades”, buscamos apresentar as do próprio SFB e determina que as áre-
políticas florestais desenvolvidas pelo as que eram florestas públicas em 2006
SFB. Demos enfoque ao manejo flores- devem continuar públicas e florestas.
tal em assentamentos e parcerias entre Dessa forma, a partir desta data não po-

66
deriam mais ser criados assentamentos etapas a serem seguidas para a explora-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


que implicassem em parcelamento da ção florestal sustentável, desde a elabo-
terra. A Lei também prevê que as flo- ração dos inventários até a execução do
restas públicas podem ter uso alterna- plano de manejo e também para, além
tivo de, no máximo, 10% da área ou 12 de normatizar, estabelecer limites para
hectares, e que nelas a floresta só pode as parcerias entre comunidades e em-
ser explorada por concessão, gestão fei- presas.
ta pela própria comunidade ou direta. Para que a normatização se con-
Ainda de acordo com o texto, no Bioma cretize e acrescente ao trabalho realiza-
Amazônia os assentamentos devem ser do os benefícios listados acima, apresen-
coletivos e ter na floresta e agrofloresta a tamos como propostas que a Instrução
base de sua economia. Normativa deve considerar tanto os as-
Seguindo estes preceitos é que sentamentos com uso coletivo da terra e
o SFB tem atuado, inclusive prestando recursos florestais quanto a situação de
apoio direto a iniciativas de MFC (Ma- parcelamento de lotes. Também acredi-
nejo Florestal Comunitário) em oito as- tamos que para áreas coletivas, o PMFS
sentamentos na BR 163 e Transamazô- deve estar em nome da associação de as-
nica; em um assentamento florestal em sentados ou do Incra e ser elaborado com
Rondônia; na Caatinga em 14 assenta- recursos públicos. Defendemos ainda a
mentos de Pernambuco e 15 da Paraíba; interdição de PMFS com UPA (Unidade
e selecionando assentamentos no Mato de Produção Anual) única e que nos pla-
Grosso. No entanto, o MFC em assenta- nos de manejo prevaleça o uso contínuo
mentos é realizado, mesmo por nós, sem e de longo prazo dos recursos. São tam-
que haja um marco legal e linhas mes- bém propostas para a normatização que
tras que possam padronizar e facilitar a instalação de benfeitorias (estradas,
as ações desenvolvidas pelo SFB e por construções) por empresas deva ser pre-
quaisquer outros parceiros. vista em contrato e também ser objeto de
Nossa contribuição nessa área se diretrizes na Instrução Normativa, que
dar a partir da defesa da normatização poderia indicar mecanismos de gestão e
do MFC em assentamentos. A atitude se repartição dos benefícios entre assenta-
justifica pela necessidade de normatizar dos e considerar procedimentos especí-
o processo de elaboração, implementa- ficos a serem observados em função do
ção e monitoramento de Planos de Ma- tipo de assentamento.
nejo Florestal Sustentável (PMFS) em as- Acreditamos que a Instrução Nor-
sentamentos, considerando os objetivos mativa deve ser clara quanto aos proce-
a serem alcançados pelo programa de dimentos e responsabilidades, procu-
reforma agrária. A normatização tam- rando, no entanto, tornar o processo de
bém seria responsável por orientar os elaboração e implementação de monito-
técnicos do Incra e assentados sobre as ramento dos planos de manejo o mais

67
simples possível. Na normatização do Distrito Federal; deve consultar a Cona-
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

MFC pode, ainda, ser definido o papel flor (Comissão Nacional de Florestas) e
de parceiros, como o Serviço Florestal, a CGFLOP (Comissão de Gestão de Flo-
seus equivalentes estaduais etc. Por fim, restas Públicas) e; deve ser concluído até
propomos que os PAs com áreas indivi- o dia 31 de julho do ano anterior ao seu
duais também sejam objeto de normati- período de vigência.
zação, em condições bastante diferencia- O Plano terá como referência o al-
das dos de uso coletivo. A preocupação cance de metas até 2011 em relação aos
deve ser com a conformidade ambiental seguintes indicadores:
e o impacto sobre o conjunto do assen- • Área de floresta com destinação co-
tamento. Quanto ao Decreto de Política munitária;
de Manejo Florestal Comunitário e Fa- • Área de floresta comunitária com ma-
miliar consideramos importante a fami- nejo florestal;
liaridade com o teor do documento que • Número de famílias manejando flo-
define, no Artigo 5, que são manejadores restas;
florestais comunitários e familiares, des- • Valor da produção florestal comuni-
de que pratiquem o manejo florestal nos tária.
termos do artigo 4º: os povos e comuni- Para cada um dos indicadores
dades tradicionais, conforme disposto foram estabelecidas metas para serem
no Decreto nº. 6.040/2007; e os agricul- cumpridas até 2011. Com relação à área
tores familiares, conforme definidos no de floresta com destinação comunitária
art. 3º da Lei nº. 11.326/2006. que atualmente tem 127,5 milhões de
O Decreto estabelece, em seu Ar- hectares, pretende-se chegar a 140 mi-
tigo 9, a realização do PAMFCF (Plano lhões. A área de floresta comunitária
Anual de Manejo Florestal Comunitá- com manejo florestal tem 2,4 milhões de
rio e Familiar), plano este que define as hectares e deve chegar a 4 milhões ao
ações, atividades e prazos para imple- final do prazo. Já o número de famílias
mentação da Política Nacional de Ma- manejando florestas deve aumentar 50%
nejo Florestal Comunitário e Familiar no em relação a 2008 e o valor da produção
ano em que vigorar. florestal comunitária deve crescer 25%
O PAMFCF deve ser elaborado de em relação ao mesmo período.
forma participativa, em conjunto com os Assim, a estrutura do PAMFCF
órgãos envolvidos na Política, sob coor- inclui objetivos, metas, ações e escopo
denação do MMA; deve conter a descri- para 2011.
ção de todas as ações a serem implemen- Já as ações previstas para o perío-
tadas naquele exercício pelas diversas do compreendido entre 2010 e 2011 são
entidades do governo relacionadas ao as seguintes:
objeto desta política; deve considerar os • Fortalecimento organizacional (socie-
planos dos Estados, dos municípios e do dade civil);

68
• Fortalecimento institucional (gover- 4.4. instituto nacional de colonização

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


namental); e reforma agrária (incra)
• Regularização fundiária e ordena- apresentado por
mento territorial; luciano bunet
• Regularização ambiental;
• Crédito, fomento e incentivos; O Incra está trabalhando em con-
• Assistência técnica e extensão rural; junto com a Sema para criar medidas de
• Capacitação de base florestal; apoio ao manejo florestal em áreas de
• Pesquisa, desenvolvimento e inova- assentamento; nós estamos trabalhando
ção; inclusive na possibilidade que recursos
• Infraestrutura; públicos possam financiar os planos de
• Comercialização. manejo. Na conversa que tive com o Se-
Já as etapas de preparação para cretário de Meio Ambiente há duas se-
o PAMFCF são três. A primeira com- manas, ele fez toda uma apresentação
preende a primeira rodada de coleta dessa proposta.
e organização das informações dispo- Outro aspecto que gostaria de
níveis, tendo o SFB como organizador discutir, de contestar, é essa ideia de que
dos estudos contratados. A segunda os assentamentos são os locais de maior
fase prevê reunião com órgãos de go- risco de desmatamento na Amazônia.
verno, reorganização das informações Penso que essa tese deveria, pelo me-
e proposição das ações e resultados es- nos, levar em conta algumas questões.
perados. A terceira será composta por Primeiro, quais são as áreas que correm
consultas públicas, consultas a Cona- maior risco de desmatamento? São as
flor e CGFLOP e produção de docu- terras públicas não destinadas. Estas
mento final. sim, na minha opinião, são as que mais
Pelo exposto, podemos antever correm risco. Ninguém é dono, qualquer
que são muitos os desafios apresenta- um entra, rouba a madeira e faz o que
dos e árduo o trabalho que se tem pela bem entende: grila ou transforma em
frente. Mas a vontade de que os desafios pasto. Inclusive os números apontam
sejam transpostos e que o trabalho nos para isso – 80% do desmatamento não
leve aonde queremos chegar também é ocorre dentro de assentamento.
muito grande, o que nos faz vislumbrar Por outro lado, acredito que os
o êxito. assentamentos são justamente os locais
Agradeço pela atenção de todos onde temos maiores condições de rever-
os que participaram do seminário e de ter os riscos enormes de serem transfor-
todos os leitores desta publicação, e dei- mados em áreas desmatadas. Por quê?
xo aqui os meus contatos: marcia.mu- Porque os assentamentos são o foco de
chagata@florestal.gov.br e www.flores- muitas políticas públicas. Mas essas po-
tal.gov.br . líticas devem ser operacionalizadas para

69
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

chegar ao assentado e, ao mesmo tempo, da madeira, não é? Será que é o caso de


precisam ser bem aplicadas. cometer esse pecado – se é que é pecado
Dou um exemplo dessa dificul- – de trabalhar com o manejo florestal?
dade. Outro dia um gerente do Banco Há outro mito que eu gostaria de
da Amazônia estava se queixando para quebrar, que eu espero que a gente que-
mim que não conseguia disponibilizar bre. Manuel Amaral, divulgando a ex-
Pronafs suficientes aqui. Será que tem periência do PDS Esperança: as comuni-
que financiar tanto Pronaf assim? Para dades que se deslocam para a Amazônia
quê esses financiamentos do Pronaf vão não têm vocação para trabalhar, para
servir no final das contas? Então, tem as serem assentadas e trabalharem com a
políticas? Tem. Elas têm que ser adequa- floresta. O PDS Esperança é uma espe-
das dentro dos assentamentos. Isso é o rança nossa, de um PA em que se possa
que eu queria dizer. provar o contrário, de que populações
Outro debate importante se re- de pobres, de excluídos, que vêm para a
fere à questão da ampliação de PAs na Amazônia, são assentados e conseguem
Amazônia. Nós temos que admitir que conviver com a floresta.
prioridade zero não é a criação de novos Um último debate que eu queria
PAs, mas sim como o Incra encara o re- lembrar para trabalhar: a relação empre-
conhecimento dos territórios das popu- sa-comunidade. Essa visão aí nova que,
lações tradicionais. Então, eu acho que se eu não me engano, se chama PPP (Par-
essa tem que ser a primeiríssima de to- ceria Público-Privada) e que envolveria,
das as nossas prioridades: garantir que então, as comunidades (de assentamen-
as populações tradicionais que, por sua tos ou não) e uma empresa madeireira
própria utilidade têm uma atividade de ou várias empresas madeireiras.
baixo impacto, tenham o seu território Parceria é um eufemismo. Eu acho
garantido. que o que existem são relações e que, no
E aí entra uma segunda discussão: geral, essas relações são de exploração.
o manejo florestal comunitário deve ou Então, o que é que acontece? A gente
não ser introduzido junto a essas popu- tem um assentamento que, no geral, é
lações e como ele deve ser introduzido? constituído de várias formas. O Incra
Há populações que nem têm a cultura chega trinta anos depois que o pessoal

70
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas
já está lá e os reconhece, seja população plo, ele rompeu o contrato que tinha an-
tradicional ou não tradicional, e aí virou teriormente e está tentando trabalhar o
um assentamento – em todo o eixo da manejo de forma comunitária, ou seja,
Transamazônica é esta a realidade. eles mesmos vão, com aquela microsser-
Voltando ao caso da empresa e dos raria que possuem, beneficiar a madeira
comunitários; no geral, o que acontece? e vendê-la – eles vão extrair e vender a
A experiência que nós temos é que che- madeira na própria comunidade organi-
ga a empresa madeireira com uma tec- zada, não é isso? A intenção é essa, toma-
nologia, conhecimento, e encontra uma ra que dê para chegar até o fim.
associação de pessoas pobres que ainda Do ladinho, Virola Jatobá tem um
nem estão no processo produtivo e, em contrato com uma madeireira, sendo
muitos casos, constituíram recentemente que esse contrato, inclusive, já apresen-
a associação. A tendência é que haja uma ta alguns problemas etc. Lá no Pacajá
relação de exploração, um tipo de relação há um outro tipo de empresa que quer
muito desigual. Por isso que é importante chegar no assentamento através do re-
a mediação do Poder Público. Com essa florestamento com paricá e trabalhando
mediação os assentados podem elaborar com os colonos numa espécie de inte-
o plano de manejo comunitário, então, a gração. Percebam que neste caso envol-
exploração de madeira passa a ter outra ve o plantio de espécies florestais, que é
natureza, contando com a mediação por outra modalidade.
parte de algum ente do Poder Público – Bom, eu acho também que – essa
pode ser o Incra, o SFB, pode ser uma do- discussão é fora do contrato – o mais im-
bradinha, seja o que for – é fundamental, portante é o seguinte: a gente tem clareza
sob pena de não funcionar. da fragilidade organizativa dos assenta-
Outra coisa, também, em que eu mentos, o que significa que a chegada de
acho que a gente não pode cair: nós não uma empresa para fazer contrato com
podemos estreitar muito a nossa visão da esses assentados precisa ter alguma me-
coisa, eu acho que tem que experimentar diação do Poder Público, mesmo porque
muitas formas para o plano de mane- são terras e florestas públicas, e, por essa
jo florestal comunitário. A forma que o razão, sem dúvida nenhuma deve ter o
PDS Esperança está tomando, por exem- aval, no mínimo, do Poder Público.

71
Os questionamentos propostos
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

para os grupos de trabalho, conforme


apresentado na metodologia, visou in-
tegrar os participantes e possibilitar a
troca de experiências. No caso da sessão
temática 1, as respostas apresentadas
pelos grupos de trabalho para a ques-
tão 1 foram semelhantes no que tange às
questões ambientais como manejo e uso
Para conseguirmos alcançar os da floresta. Do ponto de vista social, a
objetivos do evento no que diz respeito organização das comunidades e seu em-
a conhecer a percepção da sociedade so- poderamento frente ao desafio de esta-
bre as relações entre empresas e comuni- belecer uma relação empresarial foram
dades na Amazônia e suas implicações mais presentes quando perguntados so-
para o desenvolvimento socioambiental bre o que deveria ser feito. Neste caso,
na região, ao final das sessões temáticas apenas dois grupos responderam, e as
realizamos trabalhos de grupos temáti- questões sobre responsabilidade empre-
cos nos quais os participantes tiveram a sarial, transparência nos acordos, forta-
oportunidade de expressar suas percep- lecimento comunitário e ações políticas
ções sobre as temáticas apresentadas. predominaram (Quadro 2).
Quadro 2 - Síntese dos trabalhos de grupo da mesa-redonda 1.

2- o que deve ser considerado


1 - Quais os impactos sociais e ambientais percebi- no levantamento a ser feito
grupos dos pela comunidade após o estabelecimento dos sobre o tema “acordos entre
acordos? empresas e comunidades no
processo de comercialização”?
grupo 1 Impactos Ambientais
Positivos
• Valorização dos produtos da floresta;
• Incentivo ao manejo florestal e à regularização
ambiental.
Negativos
• Pressão grande sobre poucos produtos florestais.
Impactos Sociais
Positivos
• Implantação de infraestrutura física (estradas) e
social (escolas, barracão etc);
• Garantia de comercialização, mercado e renda;
• Fortalecimento da organização comunitária (con-
trole social).
Negativos
• Relação de dependência com a empresa;
• Baixa participação na gestão do processo;
• Baixa agregação de valor;
• Mercados restritos e baixa demanda.

72
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas
grupo 2 Impactos • Legalidade do contrato;
Madeireiro: • Fortalecer a organização
• Comunidade perde autonomia sobre a área. É social;
alijada do processo produtivo. • Inserir o Estado como regu-
Não madeireiro: lador;
• Recurso natural passa a ser protegido; • Separar o que é dever do
• Fomenta a organização social; Estado e o que é objeto do
• Aumenta a percepção do valor do produto; contrato.
• A comunidade faz parte do processo produtivo.
grupo 3 Aspectos positivos • Análise dos impactos gera-
• Geração de renda; dos com o acordo;
• Organização social; • Transparência nos diversos
• Preservação e uso racional da floresta; elos da cadeia produtiva
• Melhoria da qualidade de vida; (contratos);
• Diversificação da produção e garantia de venda • Repartição justa dos benefí-
dos produtos. cios;
Aspectos negativos • Atendimento das exigências
• Enfraquecimento social pela dependência; legais;
• Destruição dos recursos naturais com a explora- • Acordos devem ser direcio-
ção excessiva; nados para o desenvolvimen-
• Concentração em poucos produtos e comprado- to da sustentabilidade da
res. comunidade;
• Empresa deve fazer investi-
mentos socioambientais extra
preço (responsabilidade);
grupo 4 Impactos Sociais
• Melhoria na qualidade de vida;
• Infraestrutura (escola e saneamento básico);
• Experiência para firmar novos contratos;
• Melhores condições de trabalho.
Impactos Ambientais
• Diminuição do uso de agrotóxicos;
• Diminuição do desmatamento;
• Aumento de áreas reflorestadas;
• Educação ambiental;
• Certificações ambientais orgânicas.
grupo 5 Aspectos positivos
• Maior fortalecimento das organizações sociais;
• Aumento na renda familiar;
• Introdução de novos conhecimentos por meio de
capacitação;
• Maior valorização dos recursos naturais;
• Introdução de tecnologia apropriada.
Desafios
• Retratar no contrato o “tempo da comunidade”;
• Prever medidas mitigadoras durante o processo;
• Não firmar toda a produção em um único contra-
to;
• Levantamento das instituições envolvidas;
• Considerar o tempo da comunidade para formu-
lação do contrato;
• Considerar a variação da produção.

73
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

grupo 6 • Em Juruti a relação com a Alcoa não tem sido • Analisar cada cláusula do
positiva – problemas ambientais com as estradas e contrato na hora do acordo;
os igarapés; • Levantamento de mercado
• Para a Coomflona, em Belterra, uma empresa para confrontar com as espé-
preferia fazer contato com algumas pessoas em cies inventariadas;
detrimento das relações contratuais com a coope- • Histórico das empresas (é
rativa; confiável ou não);
• Relações sem transparência geram desconfiança • Transparências das ativida-
entre os comunitários e as lideranças, assim como des de exploração da empre-
com as empresas (Anapú e Porto de Moz). sa com a comunidade;
• Capacitação das comunida-
des para realizar o acompa-
nhamento.

Após as explanações da mesa- pois o produto chega ao mercado com


redonda 2, os grupos de trabalho volta- valor agregado. Eles também reconhe-
ram a se reunir. As respostas dos grupos ceram que o mercado consumidor para
apresentam as situações comuns e con- esses produtos está em crescimento e
troversas da temática discutida e reve- traz benefícios ambientais e sociais. No
lam que a questão da certificação e seus entanto, nos quesitos mercado e com-
processos ainda não é totalmente com- petição, foram apontadas desvantagens
preendida pela maioria das comunida- para os comunitários: é percebido que
des ou associações comunitárias. Para a há uma esperança de que os produtos
maioria dos grupos, a certificação é, sim, comunitários tenham maior visibilidade
uma vantagem para as comunidades, no mercado (Quadro 3).
Quadro 3 - Síntese dos trabalhos de grupo da mesa-redonda 2.
grupos 1 – por que fazer certificação e quais as vantagens para as comunidades que entra-
ram no processo de certificação?
grupo 1 • Possibilita o acesso a mercados certificados.
Vantagens:
Extrativismo não madeireiro:
• Padronização dos processos e produtos;
• Preenchimento de nichos de mercado;
• Desenvolvimento de práticas mais adequadas nas áreas ambiental, trabalhista e
social.
Extrativismo madeireiro:
• O grupo entendeu que o custo-benefício não é compensador para as comunidades,
pois disputam o mercado com grandes empresas. Na certificação não há diferencia-
ção para o mercado se o manejo é comunitário ou empresarial.
grupo 2 Vantagens:
• Agrega valor ao produto;
• Atinge mercados mais exigentes;
• Incentiva a coletividade;
• Insere preceitos de sustentabilidade ambiental na produção.
Desvantagens:
• Produtor fica dependente do selo;
• Cria um mercado de selos.

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Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas
grupo 3 Vantagens:
• Agrega valor e dá confiabilidade;
• Organização da produção;
• Amadurecimento comunitário;
• Amplia mercado;
• Proporciona mudanças de hábitos.
Desvantagens:
• Serviço caro e burocrático;
• Tradução das diretrizes não adequadas às realidades regionais;
• Desafios e custos do controle comunitário;
• Cria nichos e restringe o mercado;
• Limitação nas culturas tradicionais.
grupo 4 • Ganho ou manutenção de mercado ou preço;
• Promove a qualidade do produto;
• Garantia de uso dos recursos para as próximas gerações;
• Incentiva a organização coletiva das comunidades para a produção;
• A produção é influenciada para fatores climáticos incontroláveis;
• Dependência das leis de oferta no preço dos produtos.
grupo 5 • Necessidade de agregar valor ao produto;
• Capacitação das famílias para atingir o mercado interno e externo;
• Reconhecimento dos valores culturais, ambientais, sociais e econômicos.
Vantagens:
• Produtos livres de atravessadores e de agrotóxicos;
• Distribuição proporcional e justa da sobra de produção entre cooperados;
• Zoneamento da propriedade;
• Fortalecimento das relações entre famílias;
• Reconhecimento dos valores de cada produtor;
• Organização social interna;
• Capacitação ambiental e controle.
grupo 6 • Maior facilidade para comercialização para o mercado externo;
• O certificado dá origem ao produto;
• O produtor quer diminuir os intermediários e ter maior lucro;
• A certificação, hoje, não atende os interesses das comunidades, mas um nicho de
consumidores;

Em virtude da complexidade do • Conhecimento sobre o patrimônio ge-


tema apresentado e discutido durante nético;
a mesa-redonda 3, não foi realizado o • Direitos e deveres das partes na exe-
trabalho de grupo para esta mesa, pois cução dos contratos;
a proposta foi esgotar dúvidas e o escla- • As diferentes relações entre empresas
recimento por parte da plenária. Prio- e comunidades;
rizou-se a realização do debate em ple- • Importância das formalizações con-
nária dos principais temas levantados tratuais nas relações comerciais entre
durante as apresentações: empresas e comunidades.
• Conceituação de direitos sobre conhe- A mesa-redonda 4 foi um mo-
cimentos tradicionais; mento importante para esclarecer aos

75
participantes as diversas políticas pú- milton (cnS)
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

blicas que estão sendo articuladas e/ Importância do relato feito por li-
ou implantadas no âmbito de cada ins- deranças comunitárias sobre as experi-
tituição governamental estadual e fe- ências que estão em andamento.
deral. Dentre as políticas apresentadas,
destacam-se: clariça (WWf-apuí)
1. Decreto que institui a Política Nacio- Discussão sobre marco legal do
nal de Manejo Florestal Comunitário manejo florestal comunitário como pon-
e Familiar; to forte do seminário.
2. Grupo de trabalho para discutir a ela-
boração de Instrução Normativa do manoel rodrigues (coppaesp)
Incra para disciplinar o manejo flores- Identificou nas discussões vários
tal em assentamentos; elementos que permitirão o desenvol-
3. Programa de Aquisição de Alimen- vimento de ações no seu local de atu-
tos; ação.
4. Cadeias da Sociobiodiversidade –
Preço mínimo; raimundo ermínio (coppalj)
5. Política federal de articulação dos Elogiou a amplitude da represen-
Territórios da Cidadania. tação presente no seminário e destacou a
No último dia do seminário foi necessidade de pressão sobre os órgãos
realizada uma plenária com os repre- governamentais para maior efetividade
sentantes das entidades presentes para das políticas discutidas no evento.
a avaliação dos debates realizados e a
discussão das perspectivas de continui- gilson (transamazônica –
dade em seminários posteriores. Str de altamira)
Na avaliação foi destacada a novi- Destacou o intercâmbio de expe-
dade dos temas discutidos, a boa quali- riências como o ponto forte e registrou
dade das exposições e a abrangência das com destaque a presença de jovens no
apresentações realizadas. Cada interven- seminário.
ção destacou um aspecto mais marcante
do seminário, conforme descrito abaixo: Jorge (pa moju – aprocosma)
Ressaltou a importância da pre-
gilberto (reca) sença de técnicos do Incra no evento e
Contato com novas discussões, o problema da morosidade da chegada
que serão transmitidas aos companhei- da ação governamental nos assenta-
ros de organização. mentos.

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maria alaídes (assema) Ao longo do debate surgiram

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


Ressaltou a importância dos pro- várias propostas que acabaram por se
blemas diagnosticados na discussão e concentrar em dois tipos de ações, as
destacou a necessidade do engajamento quais deverão ser desenvolvidas em
de cada um dos atores presentes na re- 2009 e 2010, tendo como eixos de atu-
solução desses problemas. ação a continuidade das discussões
realizadas e a realização de intercâm-
gilberto dos Santos bio entre as organizações presentes no
(Sttr São Sebastião da boa vista) evento. Os eixos a serem trabalhados
Registrou a singularidade do se- foram detalhados nos seguintes ter-
minário, que colocou em debate ques- mos:
tões que não são normalmente debatidas
em eventos na Amazônia. eiXo 1: realização de novos
momentos de discussão
marcelo passos (rede ecovida) • Instrução Normativa para o manejo
Destacou a forte presença de mulhe- florestal comunitário;
res no seminário e registrou a necessidade • Aprofundamento da discussão sobre
de articulação dos temas discutidos com a patrimônio genético, direito sobre
Associação Nacional de Agroecologia. conhecimentos tradicionais, patente
etc.
pe. danilo
(cpt de São felix do Xingu) eiXo 2: realização de troca
Ressaltou a diferença das relações de experiências
empresa-comunidade debatidas no even- • Intercâmbios entre as entidades: visi-
to com as características da relação exis- ta aos projetos;
tente na região em que atua, que é marca- • Articulação para pautar a agroecolo-
da por conflitos e ausência de diálogo. gia e agrobiodiversidade.

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Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

ele, o contrato da OCT com a loja Tok


& Stok não teve continuidade em razão
da demanda apresentada pela loja para
o desenvolvimento e a fabricação de no-
vas peças, diferentes das que os artesãos
da Resex do Tocantins-Arapiuns popu-
larizaram e tornaram famosas, como as
cadeiras em formato de tartaruga, peixe-
As questões que envolvem as re- boi etc. (McGRATH et al., 2005).
lações comerciais entre comunidades e O desafio da obtenção e manuten-
empresas na Amazônia são amplas e co- ção da qualidade do produto agroextra-
brem um leque bastante variado de te- tivista foi destacado nas apresentações
mas. Os painéis do seminário tentaram das experiências da exportação do cacau
dar conta de algumas dessas questões, nativo do Purus e do óleo de babaçu ex-
mesclando contribuições de represen- portado pela Coppalj e prosseguiu como
tantes de comunidades, órgãos gover- uma questão importante nas apresenta-
namentais e entidades de mediação. ções do segundo painel, que detalhou os
As exposições apresentadas no diversos tipos de certificação existentes,
primeiro painel tiveram como ponto co- destacando as vantagens e desvantagens
mum a reflexão sobre as possibilidades de cada um deles.
de inserção de experiências de produção A experiência da Rede Ecovida
florestal e/ou agroextrativista em mer- nos mostrou como em algumas situa-
cados locais, nacionais e internacionais, ções a certificação é realizada pelo pró-
mostrando as dificuldades enfrentadas prio grupo de produtores que quer defi-
pelas organizações comunitárias para nir uma qualidade específica para o seu
garantir a qualidade do produto comer- produto. As exposições da Coppalj e da
cializado, os desafios da adequação às Comaru, por sua vez, mostraram como
exigências legais do processo de comer- grupos bem organizados podem se valer
cialização (ver o exemplo dos leilões de de selos ambientais para viabilizar a re-
madeira da Coomflona) ou do processo produção econômica de seus membros.
de manejo florestal realizado em assen- No caso da Coppalj, vale destacar o pa-
tamentos de reforma agrária. pel desempenhado pela rede do merca-
A apresentação do representante do justo (Fair trade) na viabilização da
das Oficinas Caboclas do Tapajós (OCT), comercialização do óleo a um preço mais
que, por problemas técnicos, não foi gra- elevado. Porém, também deve ser lem-
vada, mostra de forma bastante interes- brado que a demanda do estabelecimen-
sante os limites que a dinâmica do mer- to de uma produção orgânica colocada
cado estabelece para os acordos entre por essa rede implica em uma exigência
empresas e comunidades, pois, segundo que está longe de ser facilmente atendi-

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da pelos produtores agroextrativistas do mente na relação entre empresas e co-

Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas


Vale do Rio Mearim (GUSMÃO, 2009). munidades. No primeiro caso tivemos
O terceiro painel abordou a ques- a apresentação da Conab e do MMA,
tão dos acordos entre empresas e comu- cuja atuação conjunta tem permitido
nidades que envolvem a delicada questão que instrumentos antigos (PGPM) e no-
do acesso e utilização do conhecimento vos (PAA, PNAE) da política agrícola
tradicional. Na primeira exposição, feita brasileira se expandam para apoiar a
pela representante do Ministério Públi- comercialização de produtos do agro-
co Estadual do Pará, foi enfatizado for- extrativismo amazônico, priorizando as
temente o caráter assimétrico que vem chamadas cadeias da sociobiodiversida-
caracterizando esses acordos feitos na de (castanha-do-brasil, borracha, babaçu
Amazônia. As experiências apresenta- etc.). No caso do Incra e do SFB, as apre-
das em seguida (Coppaesp, Projeto Reca sentações mostraram os esforços que
e Movimento de Mulheres das Ilhas) vêm sendo realizados e as dificuldades
mostraram como diferentes níveis de enfrentadas por esses órgãos para o es-
informação e organização dos produto- tabelecimento de políticas de fomento e
res possibilitam diferenciais importantes de controle da atividade madeireira em
nos acordos realizados. Portanto, experi- assentamentos de reforma agrária.
ências organizativas mais consolidadas e Correndo o risco de diminuir a
com uma rede de apoio externo mais for- riqueza da discussão propiciada pelo
te (Coppaesp/Reca) conseguiram obter conjunto desses painéis, poderíamos di-
melhores resultados nas difíceis nego- zer que três temas provocaram um de-
ciações que esses grupos de produtores bate mais forte e, por isso, demandaram
estabelecem com empresas que desejam um aprofundamento das discussões nas
ter acesso aos seus produtos e conheci- resoluções que vieram dos grupos e da
mentos tradicionais. O caso da comer- plenária final: i) os instrumentos de pro-
cialização do mesocarpo do coco babaçu teção legal ao conhecimento de comuni-
pela Coppaesp também é interessante dades tradicionais; ii) os mecanismos de
por outro motivo, pois mostra a impor- compra institucional de produtos agro-
tância de uma estratégia de comerciali- extrativistas; e iii) a regulamentação da
zação que busca atingir diferentes tipos atividade florestal em assentamentos de
de mercado, desde o consumo local até o reforma agrária.
mercado de compras governamentais e a Enquanto as apresentações e o
venda para uma grande empresa. debate sobre as duas primeiras questões
No quarto painel tivemos a expo- talvez tenham funcionado como um mo-
sição de representantes de órgãos go- mento inicial de conhecimento dessa
vernamentais cuja atuação diz respeito problemática para parte importante dos
à compra de produtos agroextrativistas participantes, o terceiro tema ganhou re-
ou que interferem direta ou indireta- levância pelo fato de o Incra estar prepa-

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rando uma Instrução Normativa que visa O compromisso das instituições
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas

justamente regular o que o Instituto está organizadoras do seminário foi possi-


denominando de terceirização de ativi- bilitar a continuidade das discussões
dades florestais por parte dos assentados. identificadas como prioritárias pelos
A presença no seminário de técnicos que participantes do evento, ao mesmo
integram o grupo de trabalho criado por tempo em que foram pensadas algu-
esse órgão para elaborar essa Instrução mas formas de realização de intercâm-
Normativa junto com representantes de bio entre as diversas experiências de
diversos assentamentos da SR-30 possi- produção florestal e/ou agroextrati-
bilitou um debate bastante interessante vista presentes. A publicação das apre-
sobre as questões que cercam a realização sentações e do debate realizado no se-
de exploração florestal por empresas em minário representa somente o primeiro
assentamentos de reforma agrária. momento desse processo.

80
Relações entre Empresas, Governos e Comunidades na Amazônia Brasileira - Reflexões e Propostas
COSTA, Wanderley M. Utilização dos ROSS-TONEN, M.A.F; et al. (2008) Fo-
recursos florestais madeireiros. um pro- rest-related partnerships in Brazilian
jeto para a amazônia no Século XXi: Amazonia: there is more to sustainable
desafios e contribuições. Brasília: Cen- forest management than reduced im-
tro de Gestão e Estudos Estratégicos, pact logging. forest ecology and mana-
2009. gement (article in press).

GTNA/FASE/IMAZON (2003) anais FSC, 2006. conselho brasileiro de ma-


do Seminário certificação florestal nejo florestal – fSc brasil. 1996 Forest
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Relatório do Seminário – 2002. Belém:
GTNA/FASE/IMAZON, 56 p. McGRATH, D.; PETERS, C.M., BENTES,
A.J.M. (2005) manejo florestal comuni-
GUSMÃO, Luis A. os desafios da intro- tário para a produção de móveis em pe-
dução de uma inovação tecnológica no quena escala na amazônia brasileira .
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caso das roças orgânicas no Médio Mea- Schmink, M. (Orgs). As florestas produ-
rim. Dissertação apresentada ao Mestra- tivas nos neotrópicos: conservação por
do em Agroecologia/UEMA, São Luis, meio do manejo sustentável? São Pau-
2009, 150 p. lo/Brasília: Editora Peirópolis/IEB. p.
261-284.
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190 p. relatorios/102/6232595/joias-da-floresta.
Acesso em: em 30/04/2010.

81
“Este livro apresenta as contribuições dos representantes de organizações comunitárias, agências gover-
namentais e entidades de mediação presentes no seminário “Relações Empresas, Governos e Comunidades na
Amazônia Brasileira”, realizado em maio de 2009, em Santarém, Pará. A publicação está dividida em quatro par-
tes. Na primeira apresentamos os objetivos principais do evento, a metodologia desenvolvida para o alcance dos
objetivos propostos e o perfil do público participante. Na segunda reproduzimos as experiências apresentadas
no seminário. A terceira parte mostra os resultados das discussões com o conjunto dos convidados. E a quarta
e última parte apresenta uma reflexão, à luz das discussões do seminário, acerca dos tipos de relações que têm
sido estabelecidas entre empresas, governos e comunidades para a promoção do manejo de recursos madeireiros
e não madeireiros na Amazônia brasileira”. Este livro foi publicado pelo Instituto Internacional de Educação do
Brasil (IEB) por meio do seu programa de Manejo Florestal Comunitário.

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