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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL – CAMPUS DO SERTÃO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH


CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

PAULO HENRIQUE MATOS ANDRADE

A IMIGRAÇÃO ITALIANA NA BAHIA:


JEQUIÉ E SUA ASCENÇÃO

DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
PAULO HENRIQUE MATOS ANDRADE

A IMIGRAÇÃO ITALIANA NA BAHIA:


JEQUIÉ E SUA ASCENÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Licenciatura Plena em História da
Universidade Federal de Alagoas/Campus do
Sertão como requisito obrigatório para obtenção
do título de Licenciado em História.

Orientadora: Profa. Ms. Ana Santos Pereira

DELMIRO GOUVEIA - AL
2019
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca do Campus Sertão
Sede Delmiro Gouveia
Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza – CRB-4/2209

A553i Andrade, Paulo Henrique Matos

A imigração italiana na Bahia: Jequié e sua ascenção / Paulo Hen-


rique Matos Andrade. – 2019.
50 f. : il.

Orientação: Profa. Ma. Ana Santos Pereira.


Monografia (Licenciatura em História) – Universidade Federal de
Alagoas. Curso de História. Delmiro Gouveia, 2019.

1. História – Bahia. 2. Jequié – Bahia. 3. Imigração italiana. 4.


Desenvolvimento econômico. 5. Desenvolvimento social. I. Títu-
lo.

CDU: 981(813.8)
Aos meus pais, José Café e Maria do Carmo.
AGRADECIMENTOS

A Deus que me ajuda por meio de orações a acreditar e mim e nos meus sonhos;

À minha família, em especial aos meus pais José Café e Maria do Carmo (a quem dedico
minha graduação), meus irmãos Gabriel, José Renato e Jean, minha madrinha Marlene Café,
por acreditarem, apoiarem e acompanharem minhas decisões acadêmicas e de vida. Bem
como as minhas tias Zete, Deza, Carminha, meus primos e primas.

A minha namorada Camila Araújo pela ajuda constante, paciência e dedicação, me ouvindo e
dando suas contribuições inigualáveis;

A minha orientadora Ana, pela orientação, ajuda e paciência sempre comigo, me entendendo
de uma maneira tão serena e afetuosa;

À Universidade Federal de Alagoas – Campus do Sertão, por me acolher e me inserir no


mundo acadêmico;

Ao Projeto de Residência Pedagógica por me inserir no mundo da sala de aula;

À minha turma de História de 2014.1, da qual levarei para sempre as risadas, discussões e
companheirismo;

Aos meus amigos de trabalho e universidade que desde sempre me acompanharam nessa
jornada: Sidney, Bruno, Jéssica, Anderson, Jussara, Jhon, Tuxá e Francine.

Aos meus sogros Délio e Neide, por sempre me receberem tão afetuosamente no seio do seu
lar permitindo momentos de estudo e força.

Ao corpo docente de História, por toda a dedicação e amor ao nos transmitir conhecimentos;

Ao escritor Émerson Pinto de Araújo que simboliza um exemplo de dedicação à ciência


histórica e à historiografia jequieense e baiana.

E por último e não menos importante ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar a evolução da imigração italiana na Bahia, mais
especificamente na cidade de Jequié, no centro-sul do Estado. O desenvolvimento econômico
e populacional de Jequié se deu, em larga medida, devido à corrente imigratória que houve
para essa parte da Bahia, se estimando que mais de 150 famílias foram para Jequié aventurar
melhores condições de vida e um trabalho digno. Nesta pesquisa, me atentei em entender os
primeiros passos dos europeus, analisando as condições geográficas do povoado de Jequié e
sua ascensão através do trabalho concomitante de italianos e sertanejos na busca pelo
progresso. Minha tese é que, por causa dessa corrente imigratória, o progresso veio sem
demora, com o povoado se elevando à condição de vila, o que abriu caminho para a
emancipação. Mais tarde, Jequié passaria a ser a quinta cidade mais importante do Estado da
Bahia, com mais de 200.000 mil habitantes nos dias atuais. Na cidade, ainda subsistem muitos
vestígios de suas raízes italianas, como: nomes de ruas, praças e avenidas e alguns
sobrenomes que fazem permanecer esses fatos não muito conhecidos de certa forma vivos na
história da Bahia. Para subsidiar minha pesquisa, utilizei os estudos teóricos de: Araújo
(1997), Marotta (2004), Tavares (2000) e Azevedo (1989), que me ajudaram a pensar sobre a
imigração italiana para o Brasil, mais especificamente, para Jequié e a presença dos italianos
nesta região. O presente trabalho se baseia, essencialmente, na leitura e análise crítica da
bibliografia disponível, e está subdividido em dois capítulos, além de Introdução e Conclusão:
Da participação italiana no expansionismo europeu à ocupação das terras jequieenses e A
Imigração Italiana na Bahia: Jequié e sua Ascensão.

PALAVRAS-CHAVE: Imigração. Italianos. Bahia. Jequié.


ABSTRACT

This research aims to analyze the evolution of Italian immigration in Bahia, more specifically
in the city of Jequié, in the south-central region of the state. The economic and population
development of Jequié occurred in large part due to the immigration flow into this part of
Bahia, and it is estimated that more than 150 families went to Jequié to venture better living
conditions and decent work. In this research, I undertook to understand the first steps of the
European migrants, going through the geographical conditions of the village of Jequié and its
rise due to the combined efforts of both the Italians and the backlanders, in the search for
progress. Our thesis being that because of this immigration flow, progress came without
delay, the agglomerate became a village, and emancipation happened. Later, Jequié would
become the 5th most important city of the State of Bahia, with more than 200,000 inhabitants
today. In the city, there are still many elements which testify to its Italian roots, such as street
names, squares and avenues and Italian surnames. They all maintain these not very well-
known historical facts somehow alive in the history of Bahia. To support my research, I used
the theoretical studies of: Araújo (1997), Marotta (2004), Tavares (2000) and Azevedo
(1989), who helped me thinking about the Italian immigration to Brazil, more specifically to
Jequié, and their presence in the region. The present work is essentially based on the reading
and critical analysis of the available bibliography and is subdivided in two chapters, with
Introduction and Conclusion: From the participation of Italians in the European overseas
expansion to the occupation of the jequieense region and Italian immigration in Bahia: Jequié
and its Rise.

KEYWORDS: Immigration. Italians. Bahia. Jequié.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Onça Pintada na Sua Toca........................................................................................17


Figura 2: Zona da Mata............................................................................................................20
Figura 3: Barragem da Pedra...................................................................................................21
Figura 4: Área Total da Borda da Mata...................................................................................22
Figura 5: Origem dos imigrantes italiano e efetivos dos que embarcarm para o Brasil......26
Figura 6: Italianos Presentes no Brasil....................................................................................28
Figura 7: Governo Italiano Estimulando a Emigração............................................................29
Figura 8: José Rotondano........................................................................................................32
Figura 9: Casa Confiança.........................................................................................................36
Figura 10: Encarte Sobre os Produtos de Compra e Venda.....................................................36
Figura 11: Encartes Sobre os Produtos de Compra e Venda...................................................37
Figura 12: Encartes Sobre os Produtos de Compra e Venda...................................................37
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................11

1- Da participação italiana no expansionismo europeu à ocupação das terras jequieen-


ses...........................................................................................................................................14

1.1- A expansão ultramarina e a chegada dos italianos na Bahia....................................14

1.2- O grande latifúndio Borda da Mata - geografia e história........................................17


1.2.1- O espaço geográfico do Centro-Sul...........................................................................18
1.2.2- O inconfidente José de Sá Bittencourt e o latifúndio Borda da Mata...................22
1.3- A imigração italiana no Brasil......................................................................................26

2- A imigração italiana na Bahia: Jequié e sua ascensão..................................................31


2.1- O início da colônia italiana em Jequié.........................................................................32
2.2- A emancipação política de Jequié................................................................................43

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................46

REFERÊNCIAS....................................................................................................................49
11

INTRODUÇÃO

Todos cantam a sua terra,


Também vou cantar a minha.
ABREU (s.p.,1959)1

Ainda nos nossos dias, mesmo tendo ocorrido mudanças de rota e nos métodos de se
fazer uma história genuinamente instigante e vista de baixo, não é raro encontrarmos relatos
heroicos ou de fatos grandiosos em livros e trabalhos acadêmicos. Mas, pensando bem, julgo
que seria muito interessante unir esses dois polos em um trabalho de cunho didático, ancorado
nos princípios da historiografia contemporânea.
A história de Jequié que enfatizarei abaixo é uma bela história, de um povo que veio
de longe, com relações políticas/sociais e cultura própria e, principalmente, com a esperança
de uma vida melhor.
O percurso histórico da imigração italiana na Bahia, e mais especificamente em
Jequié, retrata um pouco da complexidade do Brasil e, ao mesmo tempo, nos proporciona uma
ideia do que é o nosso grande país. Com o seu verdadeiro mosaico de culturas, línguas, etnias
e costumes.
No primário e secundário, estamos acostumados a estudar movimentos imigratórios
apenas no Sul e Sudeste do país. Não sabendo e até, mesmo, deixando morrer aos poucos a
memória de grandes movimentos que ocorreram no Nordeste do Brasil.
Diante disso, me surgiu uma indagação: como se deu a evolução da imigração italiana
para Jequié? Esta é a pergunta que percorre a presente pesquisa. A par dela, outras questões
nos surgiram, como: a ascensão da cidade se deu de forma gradual, com o concurso de fatores
distintos, ou ela foi súbita, se explicando, essencialmente por fatores de ordem externa, isto é,
a chegada de imigrantes trazidos para o Brasil pelas crises que abalaram a Península Itálica?
Este trabalho tem o objetivo de cavucar2 a imigração italiana na Bahia, e sua evolução
em Jequié. O período histórico em questão é de muita relevância para Jequié, a Bahia, o
Nordeste, e o Brasil. Abordarei a origem do nome Jequié, que é carregado de significados
indígenas: suas relações políticas, que desembocaram na emancipação da cidade; a geografia,
com sua posição privilegiada e rica; e, principalmente, a estreita relação da imigração italiana
com a origem do município.

1
ABREU, de Casimiro. Minha Terra. In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio
Soares Amora. Introd. Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1959. v.1. s.p.
2
Revolver ou escavar a terra; cavar, cavoucar. In: MICHAELIS. Editora Melhoramentos, 2019. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/busca?id=AKKm>. Acesso em 27 de maio de 2019.
12

Tenho também o objetivo de me debruçar sobre as obras já existentes, e contribuir


para resgatar a história da cidade de Jequié do Estado da Bahia, produzindo um instrumento
de trabalho que possa ser útil para: professores, profissionais da História, estudantes e alunos
do curso de História. Ao mesmo tempo, procuro construir uma narrativa prazerosa para quem
gosta simplesmente de ler e tem a história como uma fonte de fruição.
Utilizo a pesquisa de cunho qualitativo e bibliográfico, embasando-se nas principais
referências teóricas sobre o assunto Jequié, que são: ARAUJO (1997), MAROTTA (2004),
AZEVEDO (1989) e TAVARES (2000). Estes trabalhos de pesquisa propõem uma discussão
teórica de fatos históricos sobre a origem/construção da minha cidade.
Dentre os poucos trabalhos desenvolvidos sobre Jequié e região, eu destaco a
belíssima obra do historiador Émerson Pinto de Araújo (1997), intitulada A nova história de
Jequié, que traz as dificuldades do povo jequieense e as adversidades superadas nas esferas
econômicas, política e social, até se transformar em uma das cidades mais importantes do
Estado da Bahia.
Outra grande obra sobre o assunto é Casa Confiança, de Carmine Marotta (2004), que
descreve a trajetória do avô do autor em terras jequieenses usando o modelo fotobibliográfico.
Suas idas e vindas e fotos de época mostrando os semblantes, as histórias e sentimentos dos
recém-chegados italianos a terras nordestinas.
Entretanto, as obras aqui citadas, apesar de serem grandes referenciais teóricos,
acabaram não suprindo todas as dúvidas que me surgiram e que ainda permanecem em minha
pesquisa, mesmo após a leitura de outras obras e autores. Ora, estamos tratando do final do
século XIX passando para o XX, de um dos movimentos imigratórios mais importantes do
nosso país. Portanto, se fazem necessárias novas pesquisas e análises a respeito da imigração
italiana e sua evolução na Bahia.
Para desenvolver o tema que me propus estudar, organizei o trabalho em dois
capítulos, cada um dos quais subdividido em: Da participação italiana no expansionismo
europeu à ocupação das terras jequieenses e A Imigração Italiana na Bahia: Jequié e Sua
Ascenção.
No primeiro capítulo, abordo a participação italiana no processo expansionista e traço
uma retrospectiva breve sobre o início das andanças dos europeus em terras baianas.
Em seguida, procuro entender que motivos levaram os homens a se estabelecerem na
região da Borda da Mata, onde viria a nascer Jequié, analisando a geografia física, os recursos
naturais ali existentes e as possibilidades a eles associadas.
13

No segundo capítulo, explico como se deu a chegada dos imigrantes italianos em


Jequié, com sua esperança em construírem uma vida digna. Mostrando, assim, como esse fato
influenciou a evolução do povoado até sua elevação a cidade.
Encerro expondo minhas conclusões e as perspectivas deixadas em aberto pelo
trabalho.
Desta forma, minha pesquisa vislumbra se somar aos referenciais teóricos citados
acima e estimular a produção de novo trabalhos sobre a fundação/história de Jequié.
Contribuindo, assim, para a preservação dessa história e evitando o calabouço do
esquecimento.
14

1- Da participação italiana no expansionismo europeu à ocupação das


terras jequieenses

1.1 – A expansão ultramarina e a chegada dos italianos na Bahia:

O que torna o estudo da História instigante e amável é justamente saber como se


deram as relações entre os homens através do tempo, e como essas relações desembocaram no
momento exato do agora, em que construo este trabalho. A propósito do qual, algumas
dúvidas me assolam há tempos, martelando, formando e/ou insinuando respostas. O que
outrora se configurava apenas como hipótese, hoje aparece claro, ao mesmo tempo em que
surgem novas dúvidas que me instigam a percorrer o caminho do pesquisador.
Procuro esclarecer agora, justamente, as relações humanas no tempo, para que a diante
possamos ter uma visão panorâmica, seguindo diferentes tópicos e, assim, visualizar todos os
acontecimentos em ordem cronológica até os nossos dias. Por hora, voltemos ao século que
inicia a grande expansão comercial marítima europeia, século XV.
Um detalhe há de ser frisado aqui, nestas primeiras informações que traço sobre a
história da imigração italiana na Bahia: o grande obstáculo foi a busca por fontes que tratem
desta temática no Estado. As poucas referências bibliográficas que pude encontrar foram
localizadas em alguns sebos antigos de Salvador. Trata-se de obras com edições bem
limitadas, o que dificulta a sua reprodução, sendo possível encontrar apenas exemplares em
estado precário, sem contar com o alto preço cobrado por eles. Apesar das dificuldades para
encontrar referências brasileiras, tive a oportunidade de receber uma obra peninsular, escrita
pelo neto de um italiano bem conhecido nas terras jequieenses, Carmine Marotta (2004).
A imigração italiana para a Bahia, tendo uma escala mais reduzida do que para o Sul e
Sudeste do país, não desencadeou uma produção historiográfica volumosa, como aconteceu
em outros estados do Brasil. Mas para tudo existe um início, logo, cabe a nós, historiadores,
buscar todos os detalhes e fragmentos dessa história, e seguir enriquecendo a historiografia
local e regional com cada nova descoberta.
Dentre os estudos disponíveis sobre a temática dos imigrantes italianos no Brasil,
podemos destacar o trabalho intitulado: Os imigrantes na construção histórica da pluralidade
étnica brasileira, de João Baptista Borges Pereira (2000). Ao longo deste trabalho, o autor se
15

preocupa em analisar a composição étnica do país, sendo que os imigrantes italianos


representam o contingente mais numeroso, dentre os cinco contingentes que são destacados.
Outro trabalho relevante acerca da temática em tela é: Um olhar antropológico sobre
fatos e memórias da imigração italiana, escrito por Maria Catalina Chitolina Zanini (2007). A
autora destaca a forma como os italianos se deslocaram para o Rio Grande do Sul no século
XIX, como conduziram a colonização local e os participantes nesse processo.
No ensaio de Antonia Colbari, Familismo e Ética do Trabalho: O legado dos
imigrantes italianos para a cultura brasileira (1997), a autora se atenta na contribuição dos
italianos para a edificação dos alicerces culturais e morais da sociedade brasileira.
Já no trabalho Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncias de
coordenação e estruturas de apoio, de Lúcio Kreutz (2000), são analisadas as escolas
comunitárias existentes nos núcleos de imigrantes fixados no campo e suas estruturas.
Sem alongamentos, vamos partir para a expansão ultramarina europeia. Segundo
Magalhães Filho (1975), antes de ela se efetivar, as principais cidades estrategicamente
situadas ao longo da costa italiana que desenvolveram a produção de produtos de luxo, bem
como o comércio e as técnicas de construção naval, foram: Amalfi, Ragusa e Pisa. As quais,
depois, perderam seu posto para Gênova e Veneza, que se tornariam as mais importantes de
todas, como podemos ver a seguir:

Nas costas ocidentais da Itália esse processo inicia-se em AmaIfi, porto ao sul de
Nápoles, alcançando depois Pisa, e logo em seguida Gênova. Nas costas do
Adriático a primeira cidade comercial de importância é Ragusa, na costa
dálmata, passando depois o predomínio para Veneza.
Das costas italianas o desenvolvimento comercial estende-se logo para os portos
da Provença, principalmente Marselha, e da Catalunha, onde predominará
Barcelona (MAGALHAES FILHO, 1975, p. 133).

Possuindo conhecimentos e técnicas que haviam aprendido com os árabes e asiáticos,


no século XIII, algumas partes da Europa já tinham o capital necessário para se lançarem às
navegações ultramarinas, e nos dois séculos que viriam pela frente estava o Novo Mundo.
Thales de Azevedo (1989), em seu livro Italianos na Bahia e outros temas, trata a
imigração italiana para a Bahia de forma bem minuciosa quando fala:

Italianos devem ter avistado e pisado terras da Bahia desde 1500 quando a frota
de Pedro Álvares Cabral fundeou numa enseada – hoje chamada de Porto Seguro
– fazendo a descoberta do Brasil. Compunham essa frota dois navios de
particulares, sendo um deles do banqueiro Florentino Bartolomeu Marchioni,
estabelecido em Lisboa. Mas outra navegação vem relacionar-se com a matéria
desta exposição, o descobrimento da enseada que se veio a denominar Bahia de
16

Todos os Santos. Essa esquadrilha zarpou de Portugal trazendo como


cosmógrafo Américo Vespucci. A 1º. de novembro de 1501, depois de percorrer
o litoral brasileiro desde o Rio Grande do Norte em direção ao sul, entrou a
esquadrilha numa enseada que Vespucci viria a descrever como “bela e
cômoda”, em sua correspondência sobre essa e a seguinte viagem, em 1503 à
Terra de Santa Cruz, com nova entrada na mesma enseada. O que ocorre
registrar a respeito é que o sítio da capital da vindoura Capitania foi primeiro
avistado pelo célebre florentino. E que em consequência daquelas cartas ou de
outras informações, a Bahia já era representada em 1503 num planisfério
desenhado por Alberto Cantino para o Duque de Ferrara, Hercule D´Este.
Dessarte é da Itália que se faz conhecida na Europa a Bahia (AZEVEDO, 1989,
p. 14).

Portanto, cabe a nós presumir que, nas naus, estavam também com os portugueses
diversos italianos, que foram, junto com eles, vislumbrando o Novo Mundo. Se uma parcela
da Itália tinha capital necessário e conhecimento adquirido com árabes e asiáticos para seus
naturais viajarem ao além-mar, isso nos leva a presumir que parte dos custos das viagens
portuguesas também tenha sido financiada pelos italianos. Outra figura italiana que também
contribuiu para o povoamento e a plantação de cana-de-açúcar no Brasil foi Francesco
Toscano, a quem, segundo Azevedo (1989, p. 15), Mem de Sá ofereceu uma concessão de
terra em que teve próspero engenho. Esse engenho ficava localizado em Maragogipe, Bahia.
Fica, assim, claro que as primeiras andanças dos europeus provenientes de nações
amigas pelas terras baianas remontam à época da chegada dos portugueses no Brasil e que,
desde então, esta parte América do Sul foi conhecida e visitada por italianos.
Após uma abordagem sucinta da expansão marítima europeia, vista neste tópico,
seguirei para o próximo, em que me debruço sobre a geografia da Borda da Mata, lugar onde
viria a nascer o povoado de Jequié. A conexão entre a expansão europeia da época moderna e
a região da Borda da Mata se dá pelas modificações introduzidas em seu espaço geográfico,
no oitocentos, com a chegada dos italianos.
No Brasil, a imigração italiana deixou fortes marcas que perduram até os dias atuais;
na verdade, os ítalo-brasileiros3 representam, hoje, a maior comunidade de descendentes de
italianos fora da Itália. No século XIX, os imigrantes se espalharam e por várias regiões do
país, São Paulo foi um dos principais destinos dos italianos. Entre as regiões que receberam
essa corrente imigratória estão: os estados do sudeste e do sul do Brasil, por terem um clima
mais frio e um desenvolvimento mais acentuado do que outras regiões. Portanto, ao chegarem
a terras brasileiras, esses imigrantes dedicaram-se a várias formas de trabalho: muitos foram
para as grandes plantações de café, outros para as malhas de ferrovia, que cresciam no Brasil,
e outros muitos se dedicaram aos negócios, escambo e comércio.
3
Brasileiros com ascendência italiana.
17

1.2- O grande latifúndio Borda da Mata – geografia e história:

Antes da chegada dos europeus na terra dos papagaios, o litoral e o interior baiano
eram habitados por diferentes tribos. No litoral, nós tínhamos as tribos Tupinambá e
Tupiniquim; já no interior, tínhamos várias tribos de nação Jê. Jequié e vários outros
municípios circunvizinhos têm seus topônimos originados a partir de denominações
indígenas. Segundo alguns tupinólogos e o grande historiador e geógrafo Teodoro Sampaio
(apud Araújo, 1997), a palavra Jequié tem duas variações: uma é Jaquieh, que significa
“onça” na língua dos Jês, e a outra é Jequi, que significa “cesta de apanhar peixe” nos
elementos culturais do Tupi.
Identificar a origem indubitável do topônimo Jequié se torna um tanto quanto
complicado, pois até os dias atuais, a região que compreende da caatinga jequieense até o
atual município de Jaguaquara,4 que fica aproximadamente a 50 km de Jequié, tem a presença
de onças-pintadas. Não são tantas como no século passado, mas, ainda assim, as onças são
temidas e faladas por moradores e viajantes que conhecem a região. A simbologia é tão forte
que, na entrada do município de Jaguaquara, temos uma onça-pintada na sua toca desejando
boas-vindas.

Figura 1: Onça Pintada na sua Toca. Fonte: <


http://historiandonatoca.blogspot.com/2013/04/breve-historico-de-jaguaquaraba.html>.
Acesso em: 15 de junho de 2019.

4
Município que fazia parte da sesmaria Borda da Mata. Terras que hoje integram a cidade de Jaguaquara-BA.
18

No que tange à palavra Jequi,5 percebemos um grande leque de possibilidades, o que


viabiliza a realização de pesquisas futuras. A conclusão a que chega Araújo (1997) é que ela
remete para os rios das Contas e Jequiezinho que, no passado, se caracterizavam por fortes
correntezas e desembocavam formando uma espécie de cesta.
Porém, como foi dito anteriormente, existem pesquisas que precisam ser feitas para
abarcar um pouco mais da história do município. Jequié sempre me levantou muitas dúvidas
sobre sua origem, e como se isso não fosse o bastante, tive conhecimento que a diretora da
biblioteca central do município, em um ato totalmente ignorante e descompromissado com a
história, incinerou documentos históricos e jornais valiosíssimos, com informações sobre o
município e sobre a primeira leva de imigrantes italianos em terras jequieenses. Esta ação me
foi relatada pela própria, em conversa que com ela tive.

1.2.1- O espaço geográfico do Centro-Sul:

Entrando agora, especificamente, nos limites geográficos de Jequié, o geógrafo Milton


Santos (1956) situa o município no centro-sul do Estado da Bahia. "A região de Jequié
abrange paisagens naturais e humanas diferentes, até opostas: a zona semiárida, onde se cria
gado e se sofre de seca e a zona úmida onde se planta cacau e chove todo o ano" (SANTOS,
1956, p. 7). Compreende-se, então, em dois polos: de um lado, a seca forte e escaldante que
não poupa animais e plantações, e de outro, a chuva durante todo o ano.
O autor completa suas considerações sobre a cidade de Jequié dizendo: "E mesmo a
cidade de Jequié não estando situada dentro da zona cacaueira, exerce, em relação a uma
porção desta, o papel de verdadeira capital” (SANTOS, 1956, p. 71). Mostrando, assim, as
diferentes potencialidades do município.
A terra da Cidade Sol é privilegiada por entrar em uma zona altamente fértil,
possuindo madeiras de lei, matas fechadas e rios que cortam toda a caatinga e a zona da mata,
propiciando uma vegetação ímpar e desenvolvendo uma fauna exuberante e rica. Sua posição
estratégica permitiu abrir estradas que, em linha reta, podia se chegar à capital no termo de
186 léguas.6
Ainda sobre a vegetação e a fauna jequieenses, Araújo (1997, p. 31-32) diz que:

5
Cesta de apanhar peixes.
6
Uma légua corresponde a cerca de 4,8 km.
19

As terras jequieenses se distribuem entre a mata e a caatinga árida, em plena


zona de transição. A caatinga compreende todo o alto e médio Rio das Contas,
com seu solo salino, até um pouco abaixo da cidade de Jequié, nos terrenos da
fazenda Provisão ampliando-se em direção ao norte para atingir os sertões
nordestinos, onde abunda a mesma vegetação xerófita. Na área úmida despontam
a mata de cipó e terrenos que se prestam a criatório de gado, ao cultivo do cacau,
do café e cereais, contrastando com o umbuzeiro, o espinheiro, a cássia, a
aroeira, o ouricuri, o mandacaru, a macambira, o xique-xique, o quipá e a
cabeça-de-frade que despontam em outras áreas. A flora compreende ainda o
pau-ferro, a sapucaia, a gameleira, o juazeiro, o ipê, o vinhático, o itapicuru, a
umburana, a quina, o alvage, o jequitibá, assim como algodão e a maniçoba, que
chegaram a representar no passado uma boa fonte de renda. Já a fauna está
constituída do veado, do macaco, do tatu, da onça, do tamanduá, da capivara, da
raposa, do papagaio, do pato, da perdiz, do sabiá, da araponga, do gavião, do
cágado e algumas espécies de peixes. Em rincões de Jequié existem ainda hoje
inexploradas jazidas de ferro, amianto, manganês, grafite, cristal de rocha,
alúmen e cromo.

O autor Emerson Pinto de Araújo (1997) foi muito exato ao fazer seu diagnóstico
sobre as particularidades da região. Em minhas visitas de campo no município, tive a
oportunidade de conhecer esses dois extremos que dividem Jequié. Na zona da mata,
acompanhei as entradas nas matas em que, ao se percorrer um pequeno território, já é possível
apreciar as belas cachoeiras de água cristalina e mineral. Essa água é utilizada pela população
do campo circunvizinho para o abastecimento de suas residências, mesmo sem tratamento. A
mata é fechada e de solo úmido, que favorece a plantação de vários cereais e gera meios para
a agricultura familiar, produzindo renda para a zona rural e, ainda, favorecendo o potencial da
região.
Subindo, especificamente, para a fazenda do quilômetro 17, as águas que correm dos
rios são tão geladas que, muitas vezes, os moradores colocam bebidas e carnes amarradas nas
pedras e submersas na água para conservá-las durante algumas horas até o momento em que o
agricultor sai da sua roça e vai preparar o almoço no mato. Subindo cerca de 10 quilômetros
pela serra, é possível ver uma área de exploração de quartzito que movimenta particularmente
a zona da mata, com um investimento avaliado em mais de 128 milhões de reais e a
participação de empresas de vários países.
Na zona da caatinga, é possível percorrer vários quilômetros na companhia da
Barragem da Pedra, que se estende longo da estrada. Nas várias cancelas7 dividindo as
propriedades, é fácil ver os macacos-prego no seu habitat natural. Ao abrir as cancelas, todo
cuidado é pouco para não topar com uma onça-pintada fazendo a ronda da região.
Continuando na estrada de terra, é possível ver os produtores de mel retirando essa verdadeira
riqueza da caatinga, qualificativo justificado por sua importância culinária. No livro Casa

7
Porteira de madeira talhada.
20

Confiança, pode ler-se que, na caatinga, tinha “muita caça, muito mel de abelha, muito peixe”
(MAROTTA, 2004, p. 17).
De certa maneira, é bom perceber que algumas particularidades se mantêm e o meio
ambiente não foi completamente destruído. A criação de peixes é feita por alguns ribeirinhos
da Barragem de Pedra, e a apicultura ainda está presente e é uma atividade forte.
Abaixo, temos duas imagens para melhor ilustrar o trajeto: a primeira, mostra a Zona
da Mata e a segunda, a Barragem da Pedra, na caatinga.

Figura 2: Zona da Mata. Fonte: <http://wwwfmandacaru.blogspot.com/2010/1/barragem-


do-criciuma-cajueiro-br-330.html>. Acesso em 15 de junho de 2019.
21

Figura 3: Barragem da Pedra. Fonte: <https://www.todabahia.com.br/barragem-de-jequie


vai-continuar-liberando-agua-ate-o-fim-desta-semana/>. Acesso em: 15 de junho de 2019.

Por ora, me dediquei ao estudo de todo o espectro geográfico de Jequié e região, da


zona da mata à caatinga. Este percurso geográfico foi feito para que pudéssemos nos situar no
espaço em que decorrem os eventos que constituem o objeto de estudo deste trabalho.
A imigração italiana para a Bahia foi um marco histórico que deixou suas raízes em
todo o estado, fazendo dele um grande mosaico de povos, culturas e cores que permitem um
belo cotejo. Berço da terra-mãe do Brasil, da Baía de Todos os Santos, esse mosaico se
costura à África, Itália, Portugal, Espanha e a muitas outras nacionalidades. Na Cidade Sol, a
influência da Itália se espalhou por ruas, avenidas, pizzarias e praças.
No próximo tópico, vamos a Minas Gerais para conhecer um dos inconfidentes
mineiros, saber de alguns episódios de sua vida e de como eles desembocaram na criação do
grande latifúndio Borda da Mata.
Abaixo, temos a área total da Borda da Mata:
22

Figura 4: Área Total da Borda da Mata.


Fonte:<https://www.google.com.br/maps/place/Jequi>. Acesso em: 16 de junho de 2019.

1.2.2- O inconfidente José de Sá Bittencourt e o latifúndio Borda da Mata:

José de Sá Bittencourt foi um inconfidente mineiro, nascido em Vila Nova da Rainha,


atual Caeté de Minas Gerais, no ano de 1755. Segundo Araújo, em sua obra Capítulo da
História de Jequié (1997), os avós maternos e paternos de Bittencourt eram naturais de
Lisboa. Este inconfidente foi companheiro de Tiradentes8 e acredita-se que a vinda de sua
família para a Bahia se deve ao fato de que, em Caeté, os tributos estavam muito altos no final
do século XVIII. Caeté fica próximo a Sabará e era uma zona aurífera, lugar de vários
conflitos que desembocaram em um ambiente hostil e que evoluiu, rapidamente, para
registros históricos como o da Guerra dos Emboabas.9

8
Joaquim José da Silva Xavier, líder da Inconfidência Mineira. A Inconfidência Mineira foi um movimento
social brasileiro que ocorreu em 1789, na antiga Vila Rica (atual Ouro Preto), capital da capitania de Minas
Gerais. Foi uma revolta contra o domínio da Coroa portuguesa. Portugal havia promulgado uma série de medidas
que impediam o desenvolvimento econômico e industrial da colônia. Era uma época de intensa atividade de
extração de ouro, o chamado Ciclo do Ouro, principalmente em Minas Gerais. Em Minas Gerais, o movimento
teve entre seus principais representantes o alferes e dentista Joaquim José da Silva Xavier, conhecido
por Tiradentes, além dos poetas Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. O grupo queria libertar
o Brasil de Portugal e instaurar uma república independente. Disponível em:
<https://escola.britannica.com.br/artigo/Inconfid%C3%AAncia-Mineira/483299>. Acesso em: 12 de agosto de
2019.
9
Conflito ocorrido em Minas Gerais pelo poder das minas. A Guerra dos Emboabas (1707–09), ocorrida
na região de Minas Gerais, não foi uma revolta que visava à autonomia brasileira em relação à coroa de Portugal.
Foi na verdade um levante motivado por questões econômicas, especialmente aquelas ligadas à exploração do
ouro. Os paulistas queriam manter sua exclusividade na exploração do ouro. Eles tinham como líder o
23

Segundo Araújo (1997), Bittencourt retorna a Vila Rica, atual Ouro Preto, para se
aprofundar nos estudos humanísticos, mesmo com seus pais nas Minas do Rio de Contas.
Com a morte de seu tio, sua tia Maria Isabel decide custear seus estudos em Coimbra, onde
obtém o grau de bacharel em Ciências Naturais, em 1787. Nas suas viagens pela Europa,
passa pela França e Inglaterra, onde os ideais de liberdade e igualdade estavam em pleno
vapor. José de Sá retorna ao Brasil e a Caeté, mas mantém as ideias interiorizadas nas suas
viagens e permanece em contato constante com suas amizades em Coimbra e na França,
participando nas reuniões escondidas do movimento emancipacionista que se realizavam no
interior das lojas maçônicas.
Em fevereiro de 1789, antes que fosse determinada a prisão dos envolvidos na
Conjuração Mineira, José de Sá Bittencourt deixa Caeté às pressas, com destino à fazenda
onde seu pai estava em Camamu, acompanhado de amigos, parentes e escravos. Próximo do
distrito diamantino da Bahia, é informado que está sendo seguido por soldados de Vila Rica e
muda sua rota para evitar possíveis adversidades no caminho. José de Sá Bittencourt consegue
chegar na Fazenda Cachoeira, descansa um pouco por lá e, depois, retoma a viagem para
chegar ao Rio das Contas; daí, segue até Camamu. Seu tio, o desembargador João Ferreira
Bittencourt, aconselha a José de Sá que se entregue, mas ele não o faz. Em 1791, o capitão
Alexandre Teotônio de Souza organizou um batalhão de 300 homens para a prisão de José de
Sá, tal era a importância que a Coroa dava a sua captura. José de Sá foi preso, levado para a
prisão de Camamu e, de lá, transferido para a cidade de Salvador, onde permaneceu preso e
incomunicável.
Analisando o processo a que foi submetido, Nilo Bruzzi (apud ARAÚJO, 1997) teve a
oportunidade de mostrar a astúcia de Bittencourt durante todo o interrogatório, conseguindo
se manter intacto no seu brio apesar das acusações que lhe fizeram. Porém, nas esquinas das
ruas, o burburinho era que sua tia Maria Isabel comprou a sua remissão subornando as
autoridades com duas arrobas de ouro. Mas também não faltaram rumores do povo afirmando

bandeirante Manuel de Borba Gato. Os emboabas, por sua vez, estavam determinados a assumir o controle das
minas.
Os conflitos entre os dois grupos começaram em 1707. No final de 1708, os emboabas atacaram o arraial do
Sabará, onde muitos paulistas estavam concentrados, e proclamaram governador da região o português Manuel
Nunes Viana, que se tornou o líder dos emboabas.
A guerra terminou quando o governador do Rio de Janeiro, que era representante do rei português, viajou para a
região. Lá chegando, ele demitiu Nunes Viana, mas manteve a administração criada pelos emboabas. Os
paulistas se afastaram, indo procurar ouro em áreas que mais tarde formariam Goiás e Mato Grosso.
O governo português percebeu a necessidade de organizar a ocupação daquele valioso território e criou a
capitania de São Paulo e Minas de Ouro, em 1709. Surgiram também as primeiras vilas na região do conflito,
como Vila Rica (em 1711), atual Ouro Preto. Disponível em: <https://escola.britannica.com.br/artigo/Guerra-
dos-Emboabas/483227>. Acesso em: 12 de agosto de 2019.
24

que a Virgem do Bom Sossego, padroeira de Caeté, vendo a aflição de Maria Isabel, mostrou-
lhe em um sonho o local exato para que ela extraísse o ouro necessário para a libertação de
seu sobrinho.
No trabalho científico intitulado O Inconfidente José Sá Bittencourt, escrito por
Santana et al (2013), os autores frisam que “[...] Maria Isabel era detentora de uma das
maiores fortunas da região”. Por isso, as alusões fantasiosas aos sonhos e premonições sobre
ouro.
Segundo Santana et al (2013), Bittencourt foi transportado da cadeia de Salvador para
o Rio de Janeiro: ao ser libertado, retornou à Bahia, se instalando próximo à vila de São Jorge
de Ilhéus, onde iniciou a plantação de algodão. Antes, teve de assinar um documento na
Câmara da Bahia, comprometendo-se a não voltar a Minas sem o consentimento das
autoridades portuguesas. Porém, o governo da capitania, reconhecendo-lhe os elevados
méritos, não obstante sua participação na Conjuração Mineira, o nomeou diretor da Inspetoria
de Minas da Bahia, como coronel, pela carta régia de 12 de julho de 1799, registrada no
volume 83 das Ordens Régias, a folhas 68. Ficou a seu cargo abrir uma estrada ligando
Camamu a Monte Alto para explorar minas de salitre, e facilitar o transporte de gado, madeira
e outros produtos para o litoral. Foi na construção da estrada que Bittencourt conheceu as
terras jequieenses.
Em carta endereçada ao representante da Coroa portuguesa na Bahia, datada de 7 de
outubro de 1797, que se acha registrada no livro 81 do Arquivo Público do Estado, José de Sá
Bittencourt, após reportar-se às jazidas nitreiras do Ribeirão da Jibóia, solicita o envio de
índios Mongoiós10 pacificados para ajudá-lo na execução do trabalho na referida estrada.
Sugere, ainda, a transferência dos referidos índios para o sítio Ribeirão da Areia, protegendo o
local das incursões dos Pataxós,11 seus inimigos fidagais. Em sua missiva, José de Sá

10
Os índios Mongoyó (ou Kamakan), Ymboré e Pataxó pertenciam ao mesmo tronco: Macro-Jê. Cada um deles
tinha sua língua e seus ritos religiosos. Os Mongoyó costumavam fixar-se numa determinada área, enquanto os
outros povos circulavam mais ao longo do ano.
Os relatos afirmam que os Mongoyó ou Kamakan eram donos de uma beleza física e uma elegância nos gestos
que os distinguiam dos demais. Tinham o hábito de depilar o corpo e de usar ornamentos feitos de penas, como
os cocares. Praticavam o artesanato, a caça e a agricultura. O trabalho também era dividido de acordo com os
gêneros. As mulheres Mongoyó eram tecelãs. A arte, com caráter utilitário, tinha importância para esse povo.
Eles faziam cerâmicas, bolsas e sacos de fibras de palmeira que se destacavam pela qualidade. Os Mongoyó
eram festivos, tinham grande respeito pelos mais velhos e pelos mortos. In: PDDU. Primeiros Habitantes.
Disponível em: < http://www.pmvc.ba.gov.br/primeiros-habitantes/>. Acesso em: 14 de julho de 2019.
11
Os Pataxós não apresentavam grande porte físico. Fala-se de suas caras largas e feições grosseiras. Não
pintavam os corpos. A caça era uma de suas principais atividades. Também praticavam a coleta. Há pouca
informação a respeito dos Pataxós. In: PDDU. Primeiros Habitantes. Disponível em: <
http://www.pmvc.ba.gov.br/primeiros-habitantes/>. Acesso em: 14 de julho de 2019.
25

Bittencourt registra, também, o corte desordenado de madeira as margens do Rio das Contas
até o Jequiezinho, concorrendo para o desmatamento.
A pecuária, a produção de algodão e a extração de borracha foram as potencialidades
exploradas no Sertão da Ressaca, local privilegiado entre a faixa litorânea, úmida e florestal, e
o semiárido interiorano.
José de Sá Bittencourt não deixava passa oportunidades nas questões especificamente
relacionadas com os negócios e, sabendo da proximidade do litoral, as influências que tinha
junto das lideranças na capital lhe permitiram obter informações acerca de novas estradas que
viriam a cortar a região. Em sociedade com o irmão, comprou uma parte das terras do capitão-
mor João Gonçalves da Costa. Após a compra, por serviços prestados à Inspetoria de Minas
da Bahia, o governo lusitano, em documento assinado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho12 e
D. Fernando José de Portugal,13 concedeu-lhe uma sesmaria em continuação a sua recém-
comprada terra, num total de 16 léguas (equivalentes a 80 km²), compreendendo os territórios
que hoje pertencem a Jequié, Camamu, Ipiaú, Jaguaquara, Maracás, Boa Nova, Itagi, Aiquara
e Jitaúna. Surgia, assim, o grande latifúndio Borda da Mata.
Ainda segundo as informações dos autores Santana et al (2013), “José de Sá de
Bittencourt, o inconfidente injustamente esquecido, faleceu em Caeté a 28 de fevereiro de
1828, contando com a idade de 73 anos”.
Portanto, a figura deste inconfidente tem uma grande importância na história do
latifúndio Borda da Mata, cumprindo todos os requisitos de um grande desbravador, por ser
um dos fundadores do latifúndio que, hoje, é a cidade de Jequié. Por motivos desconhecidos,
se assistiu, infelizmente, ao apagamento da história de vida de Bittencourt, sucintamente
abordada neste tópico.
Em seguida, voltarei o olhar para a Europa, me abstraindo do contexto imigratório do
Brasil como um todo. A priori, me preocupei somente em entender como foi se desenrolando
a crise que assolava a Europa, o contexto da Península Itálica, os eventos que conduziram ao
aumento da emigração, e como a Província da Baía de Todos os Santos passou a ser vista

12
Primeiro Conde de Linhares, Senhor de Paialvo, grã-cruz das ordens de Avis e da Torre e Espada, conselheiro
de Estado, e notável diplomata. Nasceu em 4 de agosto de 1745, e faleceu em 26 de janeiro de 1812. In: O
Portal da História. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/dicionario/linhares1m.html>. Acesso em: 14 de julho
de 2019.
13
Foi governador e capitão-general da Bahia, vice-rei no Rio de Janeiro durante 13 anos e 1º. Ministro durante
nove anos. Nasceu em 4 de dezembro de 1752 e faleceu em 24 de janeiro de 1817. In: Cf. RUY, Affonso. O
último governador da Bahia no século XVIII. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1944-
1954, p. 126.
26

como a “terra prometida”, destino ideal para construir uma vida digna e com uma carreira
promissora.

1.3- A imigração italiana no Brasil:

Uma série de fatores contribuía para que algumas regiões do Brasil fossem vistas
como primordiais na empreitada levada a cabo pelos italianos em busca de novas
oportunidades de vida neste lado do Atlântico. Dentre eles, podemos destacar a atração
exercida pelas grandes fazendas de café que existiam nas regiões do sul e sudeste do Brasil. O
fluxo de capital em circulação era, também, um ponto importante para ser levado em
consideração, além do acentuado progresso que gerava um grande diferencial, e por último,
não menos importante, o clima. O clima das regiões meridionais do país se tornava bem mais
ameno para as lavouras e o dia-a-dia dos italianos do que no Nordeste.
A seguir, apresento uma imagem ilustrativa, conceituada por região, sobre a origem
dos imigrantes italianos e o número estimado dos que embarcaram para o Brasil:

Figura 5: Origem dos imigrantes italianos e efetivos dos que


embarcaram para o Brasil. Fonte: INSTITUTO Brasileiro de
Geografia E Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de
Janeiro, 2000. s/n

Um ponto chama atenção na imagem acima: a região do Vêneto, de acordo com o


IBGE no ápice do movimento imigratório, apresentando uma taxa de aproximadamente 30%
27

de imigrantes para o Brasil. Somando todos os números obtidos, temos o total de 1.243.633
pessoas.
Se olharmos atentamente para a imagem, vamos perceber muito claramente sua
influência na construção da identidade brasileira, ainda mais sabendo que esta corrente
imigratória se espalhou por todo o território nacional. De fato, segundo Ribeiro14 (1995), a
formação da identidade brasileira se formou através das três matrizes étnicas: o branco, o
índio e o negro. Esse processo de mestiçagem se iniciou com o cunhadismo 15 dentro dos
núcleos indígenas; depois, passou pela separação bárbara dos africanos de seu meio e cultura
e pela submissão deles ao trabalho escravo. Por último, a imigração foi o terceiro núcleo que
contribuiu para a formação do país, assente em uma população fortemente miscigenada.

14
O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, trata sobre o Brasil e sua enorme diversidade. E o que levou a essa
diversidade foi justamente a soma de vários povos na construção do país. Os índios, os brancos (portugueses), os
africanos escravizados e as fortes correntes imigratórias de italianos, japoneses, alemães, árabes e outros.
15
Cunhadismo é o nome que os portugueses, no período da colonização do Brasil, deram para a instituição mais
importante na vida dos tupis que encontraram no litoral americano, em torno da qual esses indígenas
organizavam a vida em suas tribos.
Era uma organização baseada nas relações entre cunhados, visando principalmente o trabalho – e, também, a
guerra, considerada ela própria um trabalho como qualquer outro, embora mais perigoso e arriscado, e por isso
mesmo, mais glorioso e heroico para os guerreiros. O que mais chama a atenção dos estudiosos de antropologia
política é o fato de que, ao basearem a organização de sua sociedade na relação entre os cunhados, os tupis
acabavam se diferenciando muito da imensa maioria das sociedades indígenas tribais de todo o mundo.
Disponível em: < http://www.projetoquem.com.br/index.php?lang=pt-br&menu=2&submenu=6>. Acesso em:
10 de agosto de 2019.
28

Figura 6: Italianos Presentes no Brasil. Fonte: INSTITUTO


Brasileiro de Geografia E Estatística. Brasil: 500 anos de
povoamento. Rio de Janeiro, 2000. s/n

Fica claro, a partir dos dados do IBGE para 1958, que o número de italianos que
preferiam as regiões do Sul e Sudeste era bem maior em comparação com o Nordeste, que
respondia por uma porcentagem pífia.

Achava-se na região Sul o maior contingente de italianos, 83,32% do total, assim


subdividido: 71,66% em São Paulo, 6,19% no Rio Grande do Sul, 4,24% no
Paraná e 1,23% em Santa Catarina. Núcleos de certa importância encontravam-
se também na região Leste, que abrangia 15,50% do número total, dos quais
7,05% no distrito federal, 4,85% em Minas Gerais, 1,72% no Estado do Rio de
Janeiro, 1,59% no Espírito Santo e 0,33% na Bahia. Nas demais regiões
achavam-se bem poucos italianos: no Nordeste, 0,42% do total; no Centro-Oeste,
0,35%; no Norte, 0,32% (IBGE, 2000, s/n).

Como foi dito anteriormente, as grandes fazendas de grãos, o desenvolvimento mais


adiantado e o clima foram fatores primordiais para a acomodação nessas regiões do Brasil.
Havia também divisões na Itália que, vistas pela ótica dos fazendeiros brasileiros, se tornavam
decisivas na hora de escolher os trabalhadores para a labuta nas grandes fazendas:

Se os vênetos eram mais loiros do que a maioria dos italianos, eram pequenos
proprietários, arrendatários ou meeiros, para quem a possibilidade do acesso à
29

terra era um estímulo decisivo para o empreendimento da arriscada viagem; os


imigrantes do sul eram morenos, mais pobres e rústicos, geralmente camponeses
que não dispunham de nenhuma economia e eram chamados de braccianti
(IBGE, 2000, s/n).

Entretanto, as dificuldades que assolavam a Europa e a Itália, em particular, eram bem


maiores do que os estereótipos regionais e a distribuição das atividades profissionais. O
Brasil, visto como um país novo e farto, era considerado como la terra dela speranza16 tanto
pelo governo italiano como pelos artífices comuns e desempregados. Trento (1988, p. 18)
trata da miséria enquanto causa da emigração transoceânica, como podemos ver na citação a
seguir:

A miséria! Esta a verdadeira e exclusiva causa da emigração transoceânica entre


1880 e a primeira Guerra Mundial. [..] a fuga, inclusive a pé, em pleno inverno,
para chegar ao ponto de embarque – Gênova – envolvia aldeias inteiras e podia
assumir aspectos de verdadeira libertação [...].

Abaixo, temos um encarte do governo italiano estimulando a emigração:

Figura 7: Governo Italiano Estimulando a


Emigração. 17 Fonte: Fiora (2010, s.n).

16
A terra da esperança.
17
Tradução da legenda explícita no cartaz: Venham construir os seus sonhos com a família. Um país de
oportunidade. Clima tropical e abundância. Riquezas minerais. No Brasil vocês poderão ter o seu castelo. O
governo dá terras e utensílios a todos.
30

Em terras brasileiras, os italianos tinham pontos de desembarque que variavam desde


Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina ao Rio Grande do Sul: na maioria das
vezes, seguiam, depois, para outras localidades interioranas através de trem. A grande parcela
de imigrantes fixou-se em São Paulo, substituindo a mão de obra escrava nas fazendas de
café. Era também no porto de Santos, em São Paulo, que chegava a maioria dos imigrantes, e
logo ao chegar eram recebidos com essa aura de terra prometida. Existe até hoje ali uma
hospedaria que, conforme Lamdim (s.d., s.n.), funcionava, também, como um mercado de
trabalho, onde fazendeiros e seus representantes recrutavam mão de obra.

Na desagregação regional da informação da nacionalidade, observou-se que a


Região Sudeste quase alcançou o dobro da média nacional na proporção de
estrangeiros que fixaram residência antes do Censo de 1940. Neste caso, o peso
maior foi dado pelo Estado de São Paulo, que desde o final do Século XIX atraiu
importantes contingentes de imigrantes europeus, principalmente para o
chamado “complexo “cafeeiro”. Quanto aos brasileiros naturalizados, a Região
Sul foi a região de maior percentual em 1940. “A Região Nordeste praticamente
não atraiu imigrantes até 1940 (IBGE, 2000, apud LAMDIM, s.d., s.n.).

Mas os italianos não foram somente para as grandes fazendas de café, houve também
aqueles que venderam seus bens na terra natal e usaram o pouco que tinham para montar um
novo negócio no Brasil. Como diz Lamdim (s.d., s.n.):

Em Salvador, os imigrantes que lá chegaram eram sapateiros e se concentraram


na Baixa dos Sapateiros, no Maciel e ruas vizinhas desses bairros. Lá existiam
numerosas lojas de calçados e tecidos, empórios e oficinas mecânicas dirigidas
por italianos que trabalharam por longos períodos ao lado de comerciantes árabes
e judeus.

Logo, se tratando de imigrantes que desembarcavam, em sua maioria, no porto de


Salvador, muitos preferiam aventurar-se na capital, enquanto outros buscavam novos rumos
no interior, fazendo o mascate seu principal sustento nos povoados e vilarejos, como se verá
no próximo capítulo.
31

2- A imigração italiana na Bahia: Jequié e sua ascensão

A história dos homens no tempo é alguma coisa espetacular quando a observamos de


perto. Às vezes, parece algo inanimado, abstrato, ou até, mesmo, estórias criadas por alguma
mente fértil no ócio. À primeira vista, parece algo surreal, mas não, os fatos destrinchados
neste trabalho aconteceram em outro espaço, e em outro contexto. Foi isso que eu disse ao
meu pai dentro da cabine de um pick-up subindo a ladeira da Matriz de Santo Antônio, no
centro de Jequié, no ano de 2011. O nome da rua está escrito do lado esquerdo da calçada,
numa placa azul com letras brancas: Rua da Itália. Ele tinha me contado algumas histórias
aleatórias, falando enfaticamente que em Jequié, desde sua fundação, tivera uma presença
forte de italianos.
Foi a partir dessa conversa casual com o meu pai que pude conectar os nomes
diferentes de grandes casarões antigos, pizzarias, ruas e os sobrenomes de algumas famílias da
cidade. Estimulado por esse instante de curiosidade, comecei a entrevistar meus familiares
mais velhos e todos com quem eu tinha a oportunidade de conversar.
Segundo Marotta (2004), na cidade de Areias, onde se encontra a atual cidade de
Ubaíra, a aproximadamente 110 km de Jequié, já existiam algumas famílias italianas por volta
da década de 1800. Jequié, como ponto de encontro, se localizava no centro de cinco
comarcas: Maracás, Areias (Ubaíra), Conquista, Barra do Rio das Contas e Maraú. Essa
região era frequentemente visitada por um homem chamado José Rotondano, de origem
italiana, comerciante ambulante que, através de seus vários negócios - trocando peles,
vendendo carnes, tecidos, miudezas etc.-, conquistou a confiança da população local. Isso
ocorreu por volta da década de 1880. José Rotondano percorria grandes distâncias, visitava
várias comarcas e fazendas, mas, quando chegava a Jequié, algo naquelas terras lhe trazia
conforto e paz, os grandes morros e vales que cercam a cidade, as ladeiras e seus panoramas
lembravam-lhe a Trecchina.18 Por isso, ao chegar, demorava-se mais, como uma forma de
preencher as saudades de casa.
Através de Araújo (1997), foi possível saber, também, que José Rotondano, ao chegar
pela primeira vez em Jequié, apesar da longa e difícil viagem, previu que aquele pequeno

18
Trecchina – IT, localizada na região da Basilicata, sua origem está datada do século V: faz parte de um
território onde, em outros tempos, foi sensível a influência helênica, por sua proximidade com a Magna Grécia.
Foi palco das legiões romanas, lutas e invasões até a unificação definitiva da Itália. Atualmente, suas principais
fontes de renda são a oliveira, o vinho e o trigo. Suas primeiras casas foram edificadas junto às ruínas de uma
antiga colônia grega. Uma das explicações mais plausíveis sobre a origem de seu nome remete para um morro de
três pontas que se sobressai sobre os demais morros que circundam a localidade. In: ARAUJO (1997, p. 95).
32

lugarejo circundado de montanhas seria a sua Trecchina, e graças às ramificações de várias


estradas, alcançaria seguramente um grande desenvolvimento.
Abaixo, podemos ver a imagem histórica do italiano José Rotondano:

Figura 8: José Rotondano. Fonte: (ARAUJO, 1997, p. 92).

2.1- O início da colônia italiana em Jequié:

Segundo os historiadores Émerson Pinto de Araújo (1997) e Thales de Azevedo


(1989), Jequié recebeu imigrantes de diversas nacionalidades, árabes, espanhóis e
portugueses. Porém, foram movimentos que não renderam frutos por terem sido precoces.
Alguns dos imigrantes acabaram se deslocando para regiões mais frias, e outros não
conseguiram adaptar-se ao clima e à vegetação local, optando, assim, por voltar às suas
origens. Não que a imigração italiana tenha conhecido somente sucessos no Nordeste, mas
foram os italianos que acabaram se estabelecendo aqui, especificamente no centro-sul baiano.
É interessante verificarmos como diversos grupos e sociedades ao longo do tempo
sofreram pela ganância, a busca de poder, a sede da riqueza e da superioridade frente aos
33

demais. Uma saída sem perspectiva de volta ao seu local de origem se torna até imaginável e
perfeitamente entendível quando se não tem uma vida digna, e as oportunidades se encontram
esgotadas, como aconteceu com os italianos. Famílias foram separadas, vivências foram
rompidas, familiares distantes, e esquecidos pela travessia do Atlântico. Tudo isso se deu
exclusivamente devido à ganância do homem.
A região da Basilicata padeceu por séculos com batalhas, invasões e crises, com o
Império Bizantino, além dos sarracenos19 que, vivendo da pirataria, atormentaram a parte
meridional da Itália, passando pela Peste Negra,20 que molestou a região em 1656, e foi quase
completamente destruída por um terremoto no século XVIII. Ao ficar na dependência da
dinastia dos Bourbon21 sofreu uma invasão pelas tropas napoleônicas em 1792 e serviu, ainda,
como cenário para uma batalha entre austríacos e franceses em 1796. Após todos esses
eventos históricos, a miséria assolou o Império, a falta de perspectiva se fez presente, e para
os quatro cantos da rochosa e enladeirada Basilicata só se via penúria e destruição.
Atualmente, Trecchina está sob o domínio do Estado de Potenza, e o último censo do Istituto
nazionale di statistica (ISTAT) constatou, em 2010, o número de habitantes, que é de 2.400.
Com toda essa agitação política e social, seria previsível que não demorasse muito
para que os trecchinenses tomassem alguma atitude, procurando uma saída para as
dificuldades. Logo, alguns decidiram procurar novas paragens na esperança de melhorias, e
imigraram para outras nações. Araújo (1997, p. 96) nos informa que:

Dos habitantes de Trecchina que se estabeleceram em Portugal fugindo da


efervescência política que intranquilizava a península itálica, muitos não foram
bem-sucedidos, emigrando novamente para outros países. Foi o que aconteceu
com João Rotondano (1866), José Rotondano (1868), José Niella (1869),
precursores da colônia italiana em Jequié, antecipando-se a outros patrícios,
inclusive o avô do ex-governador da Bahia, Antônio Lomanto Júnior.

O desejo de uma vida nova longe dos problemas que afligiam a Europa era o
suficiente para os italianos abandonarem o continente. O Novo Mundo, então, se abria para

19
Era uma das formas usadas pelos cristãos da Idade Média para designarem, genericamente, os muçulmanos.
20
É uma infecção bacteriana grave transmitida pela bactéria. Yersinia pestis, presente em todos os continentes do
mundo, menos na Oceania, a qual ficou conhecida como a mais devastadora pandemia na história humana. In:
Peste negra: sintomas, tratamentos e causas. Disponível em: <
https://www.minhavida.com.br/saude/temas/peste-negra>. Acesso em: 14 de julho de 2019.
21
Os monarcas Bourbon começaram a governar Navarra em 1555. Na França, por sua vez, a dinastia Bourbon
inicia-se em 1589, com Henrique IV, e estende-se até 1792, quando a monarquia é derrubada durante a
Revolução Francesa, com a prisão de Luís XVI e o estabelecimento da Primeira República. Restaurada
brevemente em 1814 e definitivamente em 1815, após a queda do Primeiro Império Francês, a dinastia Bourbon
é finalmente derrubada na França durante a Revolução de Julho de 1830. Uma ramificação da Casa de Bourbon,
a Casa de Bourbon-Orléans, governou a França por 18 anos. Disponível em: < http://leopoldina-
flores.blogspot.com/2009/09/os-bourbons.html>. Acesso em: 10 de agosto de 2019.
34

eles a cada nó22 percorrido no Atlântico, mesmo sem terem conforto ou certezas do que viria a
acontecer. Mas, esperançosos a bordo daqueles grandes navios, cruzaram as águas do
Atlântico até a Baía de Todos os Santos. A nova terra esperava-os, e com ela, também os
negócios, as novas relações de amizade, a confiança, e o desejo mútuo de ajudar e ser
ajudado. Esses eram os princípios basilares que estes imigrantes tinham interiorizado e
trouxeram consigo.
Veremos nas páginas seguintes que muitos dos que se decidiram pela emigração como
saída foram vitoriosos, conseguindo terras, alguns trazendo famílias, outros virando grandes
negociantes. Tornaram-se respeitados. Ao longo do tempo, fincaram raízes e construíram seus
legados, muitos dos quais ainda estão presentes na cidade de Jequié.
Já aportados em terra firme, José Rotondano e seus conterrâneos decidiram iniciar os
seus empreendimentos ali mesmo, na cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos.
Dois fatores foram essenciais para que ali alicerçassem seus futuros desejos. O primeiro
motivo foi a preferência dos imigrantes de diversas nações pelo Sul do país, principalmente
por causa do clima mais ameno e da facilidade do solo para produzir o hortifrúti necessário.
Não obstante, a concorrência era cada vez mais alta no Sul e Sudeste. O segundo fator era
econômico, devido às grandes concorrências já instaladas no Sul e Sudeste. Começar a vida
no Centro-Sul do país era mais caro e demorado para os recém-chegados peninsulares.
Estudos recentes mostram que, durante o Segundo Império, a capital da então
província da Bahia era a mais internacional das cidades ao sul do Equador. Segundo Araújo
(1997, p. 97):

O Professor Cid Teixeira, estribado em documentos, chega a atestar que, naquela


época, houve momentos em que a Cidade do Salvador podia ser considerada,
sem nenhum favor, a capital do Atlântico Sul, uma vez que seu porto servia de
abrigo, de entreposto, e até de estaleiro dos navios que demandavam às costas
norte e sul americanas do Pacífico, inclusive aos portos da China, do Japão e da
Indonésia. Na chamada cidade Baixa, o movimento portuário era tão intenso que,
a cada instante, cruzava-se com indianos, chineses, alemães, judeus, russos,
holandeses e indivíduos de outras nacionalidades, envergando trajes típicos. Na
capital baiana – é ainda o historiador Cid Teixeira quem atesta –, houve
momentos em que ancoraram mais navios do que em todos os portos da
Inglaterra. Navios de bandeira inglesa, russa, holandesa, francesa, norte-
americana e de outras nacionalidades. Traziam produtos industrializados e
transportavam, de volta, açúcar, café, madeira de lei, fumo, farinha, cacau e
demais gêneros do país. A comercialização não parava tão somente naqueles

22
Unidade de medida usada para saber a velocidade de uma embarcação. Apesar de o método ser primitivo,
datado do século XVI, e não ser mais amplamente utilizado, a palavra continua a ser mencionada ainda muito
frequentemente. Cada nó equivale a 1,85 km/h. In: Por que a velocidade dos barcos é medida em nós?.
Disponível em: < https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-a-velocidade-dos-barcos-e-medida-em
nos/>. Acesso em: 15 de julho de 2019.
35

produtos. Antes da proibição do tráfico negreiro, a carga humana era deixada em


alguns pontos do litoral baiano, inclusive na praia hoje conhecida como “Chega
Nego”.

Logo, é perfeitamente entendível que qualquer um nas mesmas condições em que se


encontravam José Rotondano e seus irmãos de terra, optaria pelo melhor lugar naquela
ocasião, que era Salvador. Se as oportunidades eram boas na capital, podiam ser melhores
ainda no interior, desbravando os sertões e levantando um ideal em nome do comércio e de
uma nova jornada. José Rotondano acabou se revelando um empreendedor nato. Recém-
chegado a Salvador e vendo a diversidade da multidão que aportava de minuto a minuto no
cais, logo pensou em algo que pudesse comprar com o pequeno pecúlio que tinha e revender,
gerando lucros.
Não demorou muito para Rotondano descobrir que os ingleses eram quem dominava o
comércio na cidade de Salvador. Comprou a eles algumas ferragens, peles e tecidos, e partiu
para o interior, fazendo seu nome crescer. Dos lugares que visitava, ia para a atual cidade de
Ubaíra, antiga (Areias), onde já viviam alguns conterrâneos. Com os lucros que conseguia,
saía visitando casas, povoados, e vilarejos, onde foi acumulando produtos que integrava a sua
atividade comercial.
Segundo Marotta (2004, p. 16), “em 1881 existiam em Jequié poucas famílias. As de
Gonçalves Fernandes, Frederico Sá, Sabino Barbosa, Manoel Caboclo, e mais algumas outras
que se espalhavam pelo povoado”. Logo, assim como, em outros tempos, o inconfidente José
de Sá Bittencourt imaginara a abertura de estradas que levariam o progresso, José Rotondano
e José Niella fizeram uma sociedade, prevendo a formação da cidade. Nascia, assim, a Casa
Confiança:

Casa Confiança é nome que foi dado à loja fundada por Rotondano & Niella em
Jequié no ano de 1881. Inicialmente a loja não tinha este nome, que lhe foi dado
por Carmine Marotta em 1889, quando torna-se sócio, depois de ter trabalhado
alguns anos como empregado. A denominação Casa Confiança refletia
plenamente o espírito da loja: estar à disposição de todos, ter sempre a porta
aberta e o coração aberto, confiar em todos. Casa Confiança foi fundamental
para Jequié: era um núcleo importante, seja socialmente ou economicamente,
para o desenvolvimento de toda região e muitas vezes a Casa Confiança servia
de ponto de encontro entre italianos, brasileiros, espanhóis e portugueses que
chegavam a Jequié. Podia, portanto, ser considerada o “porto seguro” dos que ali
recorriam para um conselho, para um emprego, para uma ajuda (MAROTTA,
2004, p. 67).

Não muito tempo depois, a Casa Confiança fazia tanto sucesso entre italianos e
sertanejos que já tinha, basicamente, todos os materiais necessários para quem queria
36

trabalhar. As imagens a seguir são do armazém Confiança e dos encartes que corriam todo o
grande latifúndio Borda da Mata.

Figura 9: Casa Confiança. Fonte: (MAROTTA, 2004, p. 66).

Figura 10: Encartes sobre os produtos de compra e venda. Fonte:


(MAROTTA, 2004, p. 69).
37

Figura 11: Encartes sobre os produtos de compra e venda Fonte:


(MAROTTA, 2004, p. 70).

Figura 12: Encartes sobre os produtos de compra e venda. Fonte:


(MAROTTA, 2004, p. 71).
38

Segundo Marotta (2004), na sociedade da Casa Confiança, Rotondano & Niella


tinham suas funções divididas da seguinte maneira: José Niella devia procurar novos negócios
na margem do Rio das Contas, passando por toda a zona da caatinga, povoados
circunvizinhos, até o município onde hoje se encontra o povoado de Brumado. José
Rotondano ficava aguardando seu sócio chegar das longas viagens; ao chegar este, se
preparava para ir fazer os negócios em sua parte de terras; descia mata abaixo, onde já era
muito conhecido pelos negócios, e José Niella aguardava em Jequié a chegada dos fregueses
conseguidos em suas viagens. Estes chegavam ávidos pela diversidade de ferramentas e
materiais, sem mencionar as facilidades, pois muitos vinham de mudança completa para
Jequié. O grande intuito era povoar aquela zona. Quando os fregueses chegavam, atraídos
pelas vendas dos sócios, que raramente eram feitas em dinheiro, empolgavam-se com os
negócios, que aconteciam principalmente em troca de peles de vários animais, couros,
requeijão, carnes e artefatos de algodão, como: redes e sacos de linhagem.
O dinheiro circulava mais na capital; no interior, a dificuldade era grande e a barganha
se fazia presente em quase todos os negócios. Em Jequié, por exemplo, uma zona que
começava a ser povoada, tudo acabava em negócio. A sociedade entre José Niella e
Rotondano ascendeu e se consolidou através da boa conversa de negociante, das facilidades
de pagamento, da disponibilidade de sementes para o plantio e ferramentas, tornando-se,
assim, um ponto de parada cada vez mais conhecido. Esses dois italianos depressa
conquistaram respeito social, a tal ponto que “todos os que se mudavam para a Zona de Jequié
se dirigiam para o Rotondano e Niella que indicavam os pontos que deviam morar, e desta
maneira a mata era povoada” (MAROTTA, 2004, p. 17).
Assim como o dinheiro em espécie era de difícil acesso, na alimentação não era muito
diferente; o leito do Rio das Contas era extenso e mal possuía pontes ou barcos para que se
pudesse fazer sua travessia. A única saída era explorar a mata do lado oposto ou a pescaria,
que proporcionava muita variedade de peixes, com os quais se enriquecia a alimentação. Nas
matas, a caça era, basicamente, de veados, antas e capivaras. Nas pequenas áreas que
ofereciam condições de cultivo, os moradores plantavam a mandioca, que virava farinha,
arroz e cana-de-açúcar, usada para produzir a rapadura. As grandes lavouras ainda não
existiam.
Rotondano e Niella, vendo suas andanças na região trazerem resultados satisfatórios,
vislumbravam a chegada de mais pessoas e famílias inteiras, com grandes mudanças para
Jequié. As ruas iam se formando, as casas crescendo, e o comércio evoluindo cada vez mais.
39

Era a hora de expandir a Casa Confiança, para que os novos moradores pudessem se abastecer
de mantimentos e ferramentas. Porém, uma coisa era certa: os dois administradores
precisavam de alguém que pudesse ficar no comércio enquanto eles estivessem em suas
viagens de negócios.

Nesse mesmo tempo o Rotondano mandou chamar da Itália o primeiro


empregado: Angelo Crisi e um pouco mais tarde Carlos Marotta, época em que a
casa Rotondano foi prolongada para chegar até à margem do rio. Necessitava de
muitos cômodos para abrigar novas iniciativas da firma e de outrem. O progresso
galopava. O Niella consegue, na sua última viagem como mascate, tendo viajado
com mais sortimento de mercadorias, abrangendo toda a zona de Volta dos
Meiras, Poções, Boa Nova e suas vertentes de Cachoeira e Mata do Vieira
comprar duas escravas, uma de nome Catarina e a outra Quintiliana e pouco mais
tarde um escravo: Marcolino, fugido do domínio do Capitão Ignácio José de
Souza Meira, de Cajueiro de Volta (MAROTTA, 2004, p. 18-19).

Em seguida, destaco outro trecho pertinente ao assunto:

Veio pedir, ajoelhado, para ser comprado. O capitão do mato como era chamado
o encarregado de procurar e agarrar os escravos fugitivos, o encontrou em casa
de Rotondano. O seu dono foi avisado, com o pedido de comparecer à presença
dos dois sócios para entrar em um acordo justo, pois não era mais conveniente o
escravo voltar para o antigo patrão e domínio. Ele compareceu logo e chegou-se
a um acordo reembolsando do preço de 470.000 réis (MAROTTA, 2004, p. 19).

Jequié dava seus primeiros passos rumo à prosperidade. Escravos ou imigrantes,


chegando a terras jequieenses, todos se tornavam um só, o povoamento era em prol do
progresso. Independentemente do passado dessas pessoas, ao chegarem lá, uma nova
esperança se fazia presente. Nas palavras de Marotta (2004, p. 19), “em tudo se facilitava para
a nova residência, sejam italianos, sejam brasileiros, no comércio, nas pequenas indústrias e
procurando trabalho para todos”.
Com tantas pessoas chegando em pouco tempo, logo se tornou importante ter policiais
que fizessem a ronda, padeiros, artesãos, sapateiros etc. Não demorou muito para
profissionais de diversas modalidades da época chegarem à cidade.
Aqui estão os profissionais que chegaram a Jequié para alavancar as necessidades:

Precisava-se de um padeiro: foi chamado em Areias, um tal de nome de Manoel


José de Marques e foi colocado na Rua da Esperança. Precisava-se de um
ferreiro e também de Areias foi chamado. Este foi colocado na Rua de Areias.
Miguel Conte fazia tachos de cobre e os consertava, fabricava todos os utensílios
caseiros e consertava armas. O primeiro alfaiate que chegou em Jequié, vindo de
Areias, foi Onorato e outro de Conquista: Josino. O primeiro fotógrafo e músico
de clarineta, chamava-se Manoel da Silva Ramos (MAROTTA, 2004, p. 19).
40

Ainda nesse tempo, já andavam por Jequié o vigário padre Marinho, de Maracás,
também o padre Luiz de França, de Poções, e o padre Girão, de Anajá. Não demorou muito
tempo e um grupo de três italianos se reuniu para levantar fundos para a construção de uma
igreja. Joaquim Alves de Souza, José Rotondano e Felicio Rodrigues, sendo que, em relação
ao primeiro e ao último, me foi impossível confirmar se, como afirma a bibliografia
consultada, eram de fato italianos. Segundo Marotta (2004), os três tiveram a apoiá-los uma
multidão de moradores e visitantes e, em brevíssimo tempo, a igreja do povoado estava de pé.
O crescimento era cada dia mais exponencial, logo, foi idealizado um correio postal
para que as requisições pudessem ser enviadas e recebidas da capital, bem como para que os
trecchinenses pudessem ter notícias de familiares e amigos do outro lado do Atlântico.
Macedo Costa era quem estava à frente do correio postal da Bahia, e assim que recebeu a
solicitação de Rotondano, tratou de nomeá-lo administrador dos Correios em Jequié.
Rotondano e Niella, sempre com uma vida cheia de responsabilidades, passaram o cargo para
o capitão Jorge Edwvige Borges de Souza.
No que se refere à Saúde no povoado de Jequié, as informações são pouquíssimas,
portanto, não me alongarei muito. Somente o que se sabe, com base em alguns livros antigos
datados das décadas de 1970 e 1980 que, como disse na introdução deste trabalho, foram
incinerados pela bibliotecária da Biblioteca Central de Jequié, era que o povoado a priori não
tinha médicos. Os poucos profissionais da Saúde passavam de viagem, e faziam paradas no
povoado. Na Casa Confiança, de Rotondano e Niella, existia o “Guia Prático de Saúde”, pelo
Dr. Federico Rossier, e qualquer pessoa que precisasse poderia utilizá-lo. Fora esses guias
práticos, existiam, também, os preparados medicinais que vinham diretamente de Salvador,
trazidos por Rotondano e Niella para o armazém. Segundo Marotta (2004), estes
medicamentos eram distribuídos sem custos à população, e tinham o nome de “O Bristol”.
Como ficou dito nas páginas anteriores, negócios feitos em dinheiro eram raros, e
predominava o escambo.23 Na medida em que o povoado crescia, somente a paz e a moradia
não eram suficientes para que a atividade econômica do lugar engrenasse no progresso
idealizado por José de Sá Bittencourt e, em seguida, por Rotondano e Niella.
Se praticamente não tinha dinheiro em Jequié, a única saída era investir nas atividades
produtivas dos moradores para que o dinheiro viesse de fora. Foi o que fizeram! O primeiro
produto cultivado foi o fumo que, com a ajuda dos sócios, encarregados de comprar seis
prensas para o enfardamento do tabaco, os moradores conseguiram continuar trabalhando. O

23
Troca e venda de mercadorias.
41

fumo era um produto de exportação,24 além da propaganda que foi feita pela casa Rotondano
& Niella. A produção foi tão vitoriosa que tinha um morador responsável por levar a prensa
de casa em casa para enfardar o fumo. Segundo Marotta (2004, p. 21), os primeiros
plantadores foram: Pedro Paulo Ferreira, Calixto Barros, Ignácio Machado, José Cursino de
Miranda e Quintiliano Bernardo.
Conforme os anos iam passando, a plantação do fumo só aumentava e,
consequentemente, o número de produtores também. Não foi cultivado apenas o fumo na zona
de Jequié, como, também, o café e o cacau. O clima úmido da zona da mata facilitava a
plantação de ambos, ali tinha tudo para uma excelente produção.
Até os dias atuais, a produção do fumo, cacau e café é feita em Jequié e região. A ideia
de gerar dinheiro para rotatividade em Jequié deu muito certo, graças a uma visão
empreendedora daqueles que apostaram na região:

O Rotondano e Niella mandaram comprar algumas centenas de cabaças na Barra


do Rio das Contas (atual Itacaré), de um tal chamado Longo, por José de Dorotea
da Pedra Branca (Povoado em Santa Terezinha) e foram distribuídas grátis
àqueles que queriam plantar. Em 1887 já se exportava 200 arrobas. Continuou-se
a plantar e melhorar a qualidade. Nessa época, 1886, 1887 os valores CIF Aldeia,
por 15kg café era de 4.000 réis, cacau 3.800, fumo 3.500, pouco a mais, pouco
menos. A taxa cambial era de: uma libra ouro 8.000 réis, dólar 1.600, marco
alemão 0.320 réis (MAROTTA, 2004, p. 23).

A comarca de Maracás, vendo tamanha evolução populacional e financeira, logo


nomeia seu primeiro Distrito de Paz, e Jequié torna-se o primeiro arrecadador de impostos.
Junto com Silveira, o oficial responsável por arrecadar os impostos, veio, também, o Padre
Marinho para celebrar a primeira missa campal, denominada Missa do Galo, na noite de
Natal.
O escritor Marotta (2004, p. 27) continua descrevendo o distrito: “Já eram muitas as
casas de trequinenses: Braz Marotta & Irmão, Alfoso Orrico & Larocca, Irmão Orrico,
Vicenti Limongi, Januário Niella & Filhos e Domingos Niella & Filhos, estas últimas duas
estabelecidas em Baeta”. Nesse mesmo período, Salvador e Carlos Colavolpe implantaram
duas padarias com maquinarias modernas e higienizadas, e as bolachas deixaram de vir das
aldeias, agora eram fabricadas em Jequié.

24
O fumo foi uma importante atividade agrícola da economia colonial. Durante o século XVIII, o fumo ocupou
o segundo lugar no comércio de exportação, vindo logo abaixo do açúcar. Produzido principalmente na Bahia e
em Alagoas, o tabaco, junto com a cachaça e a rapadura, foi utilizado como produto de troca por negros na
África. Disponível em: < http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/tabaco_algodao.html>. Acesso em: 27
de julho de 2019.
42

Das mais de 150 famílias que se alojaram e das quais ainda restam alguns registros na
cidade de Jequié, temos, segundo Araújo (1997, p. 114):

Italianos de destaque durante a primeira metade do século XX

 José Rotondano (italiano: Giuseppe): pioneiro da colônia italiana em Jequié


 Vicente Grillo (italiano: Vincenzo): capitalista, grande filantropo e benemérito
 Antonio Lomanto: era mais conhecido como "Tote Lomanto", foi agricultor,
fazendeiro e pai do ex-governador Lomanto Júnior
 Giovanibattista Scaldaferri (o Batista), que, com seus irmãos Antônio, Attilio e
Ferdinando, tiveram grande atuação na cidade com a empresa Batista Scaldaferri
& Irmãos, bem como à frente do Vice-Consulado da Itália na Bahia, entre 1914 e
1930.
 Padre Spínola: educador, fundou o "Gymnasio de Jequié" (CEMS)
 Fernando Biondi (italiano: Ferdinando) e Almerico Biondi (italiano: idem):
irmãos e donos da "Grande Padaria Bahiana", a maior em Jequié na época
 Miguel Ferraro (italiano: Michele): dono do "Bar e Pastellaria Fascista", que
fechou em 1942 por ordem do governo brasileiro, durante período da Segunda
Guerra Mundial
 Geraldo Orrico (italiano: Gerardo): empresário e sócio-fundador da "Geraldo
Orrico & Cia", firma fundada em 1907
 André Leto (italiano: Andrea): foi proprietário, ainda nos anos 20, de um dos
primeiros cinemas de Jequié, o "Ítalo-Brazil”.

No dia 13 de maio de 1888, a notícia da libertação dos escravos chegou ao povoado de


Jequié. Essa informação foi motivo de felicidade para os jequieenses, e a Casa Confiança
bancou uma comemoração: segundo Marotta (2004, p. 24), houve uma noite festiva, com
dezenas e dezenas de foguetes iluminando o céu estrelado, e muitos barris de cachaça. O povo
comemorava exaltado: a comemoração foi tão grande que todos beberam até o dia raiar e os
foguetes subiam com o júbilo do povo.
Logo após a proclamação da República, em 1889, Rotondano adoeceu, e os médicos
em Salvador indicaram-lhe que voltasse à Europa para se tratar. Niella também não estava
bem, sofrendo com problema urinário, e os médicos também lhe indicaram o retorno à
Europa. Em uma rápida reunião, Niella passou as coordenadas para os sócios mais jovens da
Casa Confiança e partiu o Velho Mundo.
Um pouco mais tarde, a Casa Confiança passou a ser chamada de Angelo, Marotta,
Dattoli & Cia. Mesmo sem os fundadores, o sucesso se expandia. No povoado de Jequié, já
tinha chegado a descaroçadeira motorizada: um pouco depois, foi criada a Casa dos Tecidos,
onde se preparavam grinaldas e capelos, e que chegou a vender para a Westfalen & Bach, na
Bahia.
Sabendo da fama do povoado de Jequié, o Dr. José Alves Pereira, um médico
renomado da Comarca de Maracás, resolve mudar-se de vez para o distrito, visando seu
43

desenvolvimento. “A existência desse ilustre homem, com uma grande prole, foi dedicada
inteiramente ao bem, prestou relevantes serviços ao povo sem distinção de cor ou posição
social” (MAROTTA, 2004, p. 31).
O número de empregados no comércio já era tão grande que foi criado o Círculo
Cultural Casimiro de Abreu; em seguida, surgiu a sala de danças para divertimento nos
domingos e dias festivos. No Círculo Cultural, eram seguidas as seguintes regras: “1. Evitar
escândalo; 2. Respeitar, à letra, as leis do País no qual se vive; 3. Respeitar de modo absoluto
tudo do alheio; 4. Não tomar parte na política do local se não for naturalizado” (MAROTTA,
2004, p. 32).
Durante os anos de 1888, 1889 e 1890, chegaram pessoas de todas as partes do Estado:
de Pau Brasil, Mata do Vieira, Era Nova, etc., e junto com essas pessoas, chegou também a
mão-de-obra que, progressivamente, construiu a grande Jequié, através de profissionais como:
pedreiros, marceneiros, ferreiros, mecânicos, fabricantes de telhas e tijolos e extratores de
pedras.
O percurso histórico que acaba de ser relatado parece ter decorrido em um ambiente de
paz e trabalho, sem que tenha chegado até nós qualquer relato de brigas ou desavenças entre
italianos e sertanejos. Teria sido assim mesmo? Parece-me questionável, mas a verdade é que
o único relato de problemas no povoado diz respeito ao banditismo e remete para o período
que antecedeu sua elevação a vila.

2.2. A emancipação política de Jequié:

A emancipação política de Jequié não demorou a chegar, visto que o povoado crescia
continuamente. Sua influência já era grande, e em todo o estado baiano já se falava da fartura,
riqueza e possibilidades que fornecia para o desenvolvimento de todos que moravam no
povoado. Não obstante, a vida não é linear, e da mesma forma que o progresso vinha a galope,
como Araújo (1997) coloca em seu livro, também atraía bandidos e forasteiros que desejavam
fazer o mal: roubando plantações, fazendo pilhagens, espalhando o terror e fazendo com que
alguns moradores quisessem deixar o local. Nesse mesmo período, chegava a Jequié Lindolfo
Rocha, líder emancipacionista do povoado.
Lindolfo Rocha nasceu em Grão Mogol, Minas Gerais, e foi mais uma das pessoas
atraídas para Jequié devido a sua popularidade. Rocha chegou a Jequié em 1894, aos 32 anos
de idade. Tivera uma vida sofrida nas Minas e, durante seu crescimento, mal pode estudar.
44

Mais tarde, decidido a aventurar-se no mundo, dedicou-se aos estudos. Em Brumado e em


Salvador, frequentou colégios, mas não satisfeito, decidiu ir ao Recife, em 1890, para prestar
o exame de admissão em Direito. Sua aprovação foi imediata e, cursando as cadeiras
adiantadas, concluiu seu bacharelado em 1892. Em seu percurso na Faculdade de Direito,
construiu amizades que, mais tarde, lhe foram úteis para conquistar poder e liderança na
Bahia.
De volta a terras soteropolitanas, após a conclusão do seu bacharelado, se tornou
membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB e, nessa qualidade, proferiu
conferências na “Sociedade Astronômica de Paris”.25 Conhecido tanto na imprensa como na
liderança baiana,

Em cumprimento à Lei n.15, que estabeleceu a reforma judiciaria no Estado, nos


moldes da organização da República implantada no Brasil, Lindolfo Rocha
acabou nomeado Juiz Preparador do Termo de Correntina, a 3 de agosto de 1892,
juntamente com Luiz Viana, futuro governador da Bahia (ARAUJO, 1997, p.
129).

Quando sua mãe Irene adoeceu, ele decidiu instalar-se em Jequié, pedindo demissão
de Correntina em 1894. O mundo passava por diversas transformações. No Brasil, com a
chegada da República, um dos problemas que permaneciam era a insuficiência da rede de
transportes, por sua vasta extensão territorial, na qual os coronéis dominavam e ditavam as
regras como bem entendiam. Essa influência que era exercida por eles foi criando uma
espécie de Estado autônomo dentro do Estado de direito, dando origem a lutas por mais poder,
mais influência e terras. Não demorou muito para surgir uma rivalidade, com, segundo Araújo
(1997, p. 135), a ocorrência de um surto de banditismo entre “os “rabudos” e os “mocós”, que
eram as famílias dos Gondim e Silva. Os nomes pejorativos vêm das localidades onde viviam.
Rabudos – Silva, porque viviam na baixada: os Gondim eram os “mocós” porque, nos
momentos de perigo, iam para o morro”.
Os atritos eram tantos que o espectro do banditismo tomava Jequié, até Lindolfo
Rocha se unir aos moradores mais influentes e, com o apoio da comunidade italiana, eles
lançarem o “Clube União”. Criado com o mesmo intuito do “Clube da Resistência”, ou seja,
com o objetivo de assegurar a permanência no Brasil do “Clube Republicano”. O “Clube
União”, já em pleno funcionamento, promoveu a ida de Lindolfo Jacinto Rocha a Salvador, a
fim de solicitar ao governo a repressão do banditismo em terras jequieenses. Chegando a

25
Sociedade astronômica-francesa, fundada pelo astrônomo Camille Flammarion.
45

Salvador, começou a espalhar-se uma onda de terror nos jornais, e em uma reunião com o
delegado da capital, montaram um plano para prender os ladrões. Todavia, as disputas entre
os poderosos locais continuavam fortes e, para apaziguar os ânimos, não haveria outra saída
que não a elevação do distrito, até aí pertencente a Maracás, à condição de vila. Em carta
endereçada ao governo do Estado, Lindolfo Rocha, assegurando suas articulações com os
líderes baianos, obteve êxito mais uma vez. Foi criado um projeto de lei na Assembleia
Legislativa para a emancipação de Jequié, sendo que, no dia 10 de julho de 1897, o
governador Luiz Viana sancionou a lei número 180, que assim ficou:

O Conselheiro da Bahia, etc.: Faço saber a todos os seus habitantes que a


Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º - Fica
elevada à categoria de vila a povoação de Jequié [...]. Art. 3.º - Revogam-se as
disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o
conhecimento e a execução da referida lei pertencer que a cumpram e a façam
cumprir tão inteiramente como nela se contém. O Dr. Sátiro de Oliveira Dias,
Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública do Estado da Bahia, a faça
imprimir, publicar e correr. Palácio do Governo do Estado da Bahia, 10 de julho
de 1897, 9º da República.aa (ARAUJO, 1997, p. 148).

Era normal um povoado e/ou distrito subir primeiro para a categoria de vila, e não
direto para cidade. Existiam alguns tramites que deveriam ser seguidos para que a elevação a
cidade se efetivasse: a existência de uma população urbana significativa, uma comarca e mais
de um distrito.
Na solenidade da emancipação política, o governador Luiz Viana elogiou Lindolfo
Rocha e empossou-o como juiz preparador do novo termo, que foi criado no dia 27 de julho
de 1897. Com sua autonomia efetivada, Jequié organizou-se para a realização de eleição para
prefeito e vereadores, que ocorreu no dia 3 de outubro de 1897. Foram eleitos, segundo
Araújo (1997): Nestor Ribeiro, como primeiro presidente legislativo de Jequié, e Urbano de
Souza Brito Gondim, eleito o primeiro prefeito de Jequié. Lindolfo Rocha conseguiu vencer o
banditismo, e em tempo recorde, conseguiu a criação do município, graças ao prestígio que
tinha junto à impressa e aos líderes do Estado da Bahia.
Indubitavelmente, a corrente imigratória com destino a Jequié teve muito sucesso, pois
a busca por uma vida digna se efetivou nas terras jequieenses. Italianos e sertanejos tornaram-
se grandes comerciantes, fazendeiros e industriais, além de contribuírem nas áreas da política,
economia, pecuária e agricultura. Todos esses acontecimentos nas vidas dos imigrantes
italianos deram a minha terra natal a autonomia conquistada outrora e que prevalece até os
dias atuais.
46

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vinda dos italianos para o Brasil ocorreu em uma corrente imigratória que se
prolongou de 1800 a 1950. Foi tratada neste trabalho, especificamente, a imigração italiana
para a Bahia e sua evolução em Jequié. Porém, tive o cuidado de entender as relações
imigratórias do país desde quando ocorreram os primeiros passos dos europeus no Novo
Mundo.
Se olharmos alguns registros de imigração das várias nacionalidades que chegaram ao
nosso país, veremos que temos uma presença italiana maior que a de qualquer outra
nacionalidade no Brasil. Os italianos que chegaram desde a época oitocentista fizeram com
que os brasileiros absorvessem algumas características fortes até os dias de hoje, desde a
economia produzida nos antigos povoados, vilas e cidades, até a cultura e a política, nos
pequenos armazéns abertos e técnicas de trabalho artesanal que trouxeram para o Brasil.
Quando eu fiz minhas primeiras pesquisas e estruturei o recorte a ser trabalhado,
percebi a carência de informações/teorias sobre o assunto, o que me embargou numa sensação
de tentar mover-me sem gravidade. Mas, para um historiador, as poucas informações em
mãos não permitem formular senão hipóteses.
A imigração italiana na Bahia foi, de fato, um elo muito forte que se materializou ao
longo dos tempos, e remonta ao início da grande revolução ultramarina europeia no Estado.
No Centro-Sul, especificamente em Jequié, palco principal do trabalho, foram analisadas: a
evolução da imigração italiana em Jequié desde o primeiro século das navegações, o XVI,
passando pelas condições geográficas em que empreendia o grande Sertão da Ressaca,26 a
chegada dos imigrantes José Rotondano e Niella, e a postura visionária que os dois tiveram.
Trouxe também, neste trabalho, o momento da construção da Casa Grande, a Casa Confiança:
a chegada das mais de 150 famílias que fizeram sua morada e seu futuro em Jequié; o
acolhimento e a perspectiva de vida digna para todos que habitassem a comunidade; a divisão
de terras; as decisões políticas de Rotondano e Niella, que foram influenciadores junto às
lideranças baianas; o fim do banditismo; o nascimento e criação do povoado, indo até a
condição de vila e findando em sua primeira eleição municipal. Todo esse histórico da
corrente imigratória está enraizado até hoje, seja nos sobrenomes ou nos nomes de ruas,
praças e avenidas, até a denominação de cidades irmãs, Jequié – Trecchina.
26
Região compreendida entre os rios Pardo e das Contas. In: ARAUJO, Emerson Pinto. A Nova História de
Jequié. Salvador: GSH Editora, 1997, p. 42.
47

Apesar de belíssimas, as obras que pude analisar não se alongam muito nos detalhes, e
um fato que deve ser levado em consideração é que, exceto a obra peninsular “Casa
Confiança”, as outras tratam a imigração não como o principal pilar da prosperidade da
região, mas somente como uma passagem na história de Jequié. Este trabalho coloca como
pilar principal a ascensão de Jequié através dos dois imigrantes que foram precursores da
colônia italiana em Jequié, Giuseppe Rotondano & Niella. Isso ficou muito claro durante o
final do século XIX e na presença para o XX. Tanto assim que, após a enchente de 1914,
conforme veremos em trabalho futuro, a colônia italiana, ainda e sempre muito presente em
Jequié, contribuiu, de forma decisiva, para reerguer a antiga vila, cidade desde 1910.
O Brasil, na sua imensidão, mosaico que se costura na história indígena, do negro, do
europeu, das correntes imigratórias e emigratórias, das dezenas de etnias, culturas e cores que
se fundiram aqui e deixaram o nosso país rico e variado nos seus sotaques, costumes, e na sua
religiosidade, não pode deixar de ser estudado e problematizado ao longo do tempo nos
estudos da imigração italiana. Essa corrente faz parte da história desta nação, e se torna ainda
mais singular por ter acontecido em um dos primeiros espaços de formação do Brasil.
As pesquisas futuras poderão sanar algumas das dúvidas que ficam a um pesquisador
que está iniciando a carreira. São as respostas dadas pelo estudo dos períodos que nos
antecederam que permitem conhecer a história das grandes revoluções e guerras, mas,
também, compreender a importância de acontecimentos locais e regionais que deixam nos
enxergarmos e nos reconhecermos como sujeitos de uma série de processos históricos como
os que aqui narramos, os quais desembocaram numa elevação pessoal, histórica e
principalmente, profissional.
Neste trabalho sobre a evolução da imigração italiana em Jequié, eu abordei o assunto
em dois capítulos: Da participação italiana no expansionismo europeu à ocupação das terras
jequieenses e A imigração italiana na Bahia: Jequié e sua ascenção, que pudessem,
primeiramente, esclarecer as etapas históricas. Esses esclarecimentos foram exitosos, levando
em consideração a busca por referências que há muito tempo não têm edições atualizadas, e
que através de uma linguagem objetiva e simples se pode esclarecer os estudantes,
professores, ou até mesmo, pessoas que tenham curiosidades em conhecer um pouco mais da
história de Jequié e da Bahia.
No primeiro capítulo, fiz uma abordagem sucinta dos primeiros passos da imigração,
mostrando que, desde o período colonial, os italianos frequentam o Brasil, e desde então, o
Brasil é conhecido e reconhecido na Itália.
48

Em sequência, procurei entender os motivos que levaram os primeiros habitantes a se


instalarem em terras jequieenses apostando numa vida digna e sem conflitos, almejando o
progresso sempre. Primeiramente, ficou claro que a região montanhosa de Jequié lembrava a
Trecchina dos italianos, com suas ladeiras, morros e vales, o que trazia uma sensação
constante de paz e morada naquele local específico. Sem mencionar a riqueza da fauna e da
vegetação semiárida, que permitiam abrir diversos caminhos para plantio, e sua posição
estratégica localizada entre o litoral e o sertão, que permitiria aos comerciantes italianos
diversos negócios que, consequentemente, trariam o progresso à região.
No segundo capítulo, me concentrei em como o progresso foi chegando aos poucos, na
medida em que os italianos, em suas viagens pela região, conseguiam atrair novos moradores
de todas as partes para irem habitando Jequié. Com a boa negociação, tinham comida, morada
e suprimentos necessários para começar um plantio, pagando somente após a primeira safra à
Casa Confiança.
Na medida em que o progresso ia se instalando, mais de 150 famílias chegaram em
Jequié, e assim, foram surgindo os profissionais necessários para suprir a demanda do
povoado. Quando Jequié sofreu um surto de banditismo, foi graças à evolução local e aos
negócios dos italianos que a capital organizou a sua emancipação, elevando o povoado à
condição de vila. Assim, ganhando autonomia e tomando as medidas necessárias, a paz voltou
para os jequieenses.

Há ainda muito que cavucar para preencher as lacunas históricas da grande Jequié e da
Bahia. Portanto, as pesquisas que foram feitas até agora representam o ponto inicial de um
árduo trabalho que está longe de ser finalizado.
Ci vediamo la prossima volta...
49

REFERÊNCIAS

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50

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