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FAITERJ

FACULDADE INTERNACIONAL DE TEOLOGIA


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INSTITUTO DE ENSINO TEOLÓGICO INTERDENOMINACIONAL

Apostila de
Estudo Teológico
Sobre a Graça

APÓSTOLO DR. ELVIS DE ASSIS


Ministro Evangélico - Professor e Doutor em Teologia - Diretor Geral - SEIADERJ / FAITERJ
Presidente Nacional e internacional da CONADIC

PASTOR JOSÉ FOGAÇA


Ministro Evangélico - Professor em Teologia – Presidente da Igreja Apostólica Vida Para Nações
Diretor Regional Núcleo FAITERJ Araranguá - SC

PASTOR MICHAEL SOARES


Ministro Evangélico –Líder Ministério de Adoração Vasos Para Honra - Pastor da Igreja
Apostólica Vida Para Nações
Sub -Diretor Regional Núcleo FAITERJ Araranguá - SC
Estudo Teológico Sobre a Graça
Parte I
"PORTANTO...”

"Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus
Cristo. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre
abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não
é vão" (1Co 15.57,58).

1Coríntios 15 é um extraordinário, inspirativo e abençoador capítulo do


Novo Testamento. Ele se encerra com uma exortação que fala de vitória: "Mas
graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto,
meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra
do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão" (1Co
15.57,58).

Que há antes desse "portanto?" Paulo fala de corpos transformados na


ressurreição geral. Porém, que outro ensino há antes desta palavra apostólica
sobre a ressurreição? Agora, é preciso ir ao sermão profético de Jesus em
Mateus 24 e 25, o, assim chamado, "Pequeno Apocalipse". Nele
encontraremos o Senhor falando sobre o princípio das dores, os sinais de Seu
retorno, a Grande Tribulação, Sua gloriosa Volta (a Parousia), o Arrebatamento
e o Juízo Final. Tudo isso culmina com o "Portanto..." de Paulo, que é um
estímulo e encorajamento à fidelidade e paciência no aguardo da Volta de
Jesus.

UM ACONTECIMENTO AGENDADO

A Segunda Vinda de Cristo é um acontecimento programado conforme


Atos 1.11 (cf. Fp 3.20). E todo o Novo Testamento nos ensina que Jesus Cristo
veio para inaugurar Seu reino (Mc 1.15), e virá pela vez segunda para
consumá-lo (Hb 9.28).

Na verdade, a fé da Igreja dos apóstolos é dominada pela expectativa


desse retorno de Jesus Cristo. Tiago 5.8 é porção claríssima da Palavra ao
dizer, "Sede vós também pacientes, e fortalecei os vossos corações, porque a
vinda do Senhor está próxima" (cf. 1Co 4.5; Fp 4.5; 1Ts 5.2; Tt 2.11-13; 1Pe
5.4; 2Pe 3.10; 1Jo 2.28; 3.2; Ap 1.7; 3.11; 22.20). Se esta expectativa não
existir, alguma coisa está errada.

Mas a expressão "últimos dias" não é compreendida do mesmo modo


por todos:
· Há quem entenda que os "últimos dias" começaram com o
estabelecimento do Estado de Israel em 1948.
· Há quem compreenda que são os anos finais de 2000 e começo de
2001.
· Há quem ache que não é uma coisa nem outra, mas que os sinais
estão aí, e que os "últimos dias" estão se aproximando.

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Eu prefiro ficar com a Bíblia: desde que Jesus, após a ressurreição,
voltou aos céus, nós estamos nos "últimos dias". Afinal, na Festa de
Pentecostes, deu-se o derramamento do Espírito Santo sobre a nascente
Igreja, e isso fora predito pelos antigos profetas como Joel 2.28 ("E depois
derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos e as vossas
profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões") e
Ezequiel 36. 25-27 (cf. Is 44.3; 32.15). E Pedro, apóstolo, o afirmou no seu
discurso/sermão registrado em Atos 2.16-18.

A própria primeira vinda de Cristo, incluindo Seu nascimento,


ministério, morte, ressurreição e exaltação são, segundo Pedro, "o fim dos
tempos" (1Pe 1.20). E Paulo o diz com absoluta certeza e pura clareza: "Tudo
isto lhes aconteceu como exemplos, e estas coisas estão escritas para aviso
nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos". Igualmente o escritor
de Hebreus não deixa por menos: "... a nós falou-nos nestes últimos dias pelo
Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez o mundo" (1.2; cf. 1Jo
2.18).

E por que marcar a data da Segunda Vinda? Especulação. Pura


especulação. Cada fim de milênio traz muita especulação. Isso aconteceu em
996, 997, 998, 999 quando o ano 1000 era aguardado. Isso aconteceu no final
do século passado, em 1996, 1997, 1998, 1999 já que o ano 2000 estava se
aproximando.
Guilherme Miller, nos Estados Unidos, marcou o dia 21 de março de
1843 como o da Segunda Vinda de Cristo. Não veio. Remarcou para 22 de
outubro do ano seguinte. Não veio.
Claus Epp Jr, na Alemanha, marcou o mesmo evento para 1889. Nada
aconteceu.
O Rev. Scofield, autor das notas da Bíblia Scofield, marcou a batalha
do Armagedon nos dias da I Guerra Mundial. Sem novidades.
Leonard Sale-Harrison marcou para 1940 ou 1941. Nada. E outros tantos.
Mas que Jesus vem, vem! Pedro diz que esse é um assunto para o qual
devemos dar atenção e buscar compreender (2Pe 1.19), pois os fins dos
tempos , os "últimos dias", chegaram: "Tudo isto lhes aconteceu como
exemplos, e estas coisas estão escritas para aviso nosso, para quem já são
chegados os fins dos séculos" (1Co 10.11). Essa é a razão porque Jesus nos
advertiu acerca de acontecimentos e coisas outras que viriam para perturbar.
Vamos a Mateus 24, onde estão os sinais do retorno de Cristo. Ele falou em
sedução, em guerras e boatos acerca de guerras, em terremotos, fomes, em
perseguições e em prodígios.
Realmente, os sinais sempre existiram (não são coisa de hoje como se
procura enfatizar). Eles caracterizam o período entre a Primeira e a Segunda
Vindas, e cada década destes últimos dois mil anos tem testemunhado isso.
Jesus nos informa sobre os sinais, não para marquemos os tempos, mas para
sermos vigilantes. Jesus nos informa sobre os sinais não para que os
consideremos anormais ou espetaculares, pois sinais espetaculares e
anormais são os realizados por Satanás (cf. Ap 13.13,14; 2Ts 2.7-9).
Deus trabalha na calma, no silêncio, como fermento na massa do pão.

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TRANSFORMADOS E GLORIFICADOS

Continuando a examinar o capítulo 24 do Evangelho de Mateus, a


partir do verso 29, a palavra de Jesus alude ao Seu retorno, a Parousia.
Um ricaço inglês, por nome Ernest Digwood, falecido em 1976, deixou uma
herança de 26.107 libras rendendo num banco. O destino desta importância é
se até 2056, Jesus não retornar, será entregue ao governo britânico. Se, pelo
contrário, Ele regressar para reinar na Terra, os procuradores públicos
confirmarão Sua identidade e Lhe entregarão o dinheiro para ser aplicado no
Seu reino. "Confirmar a identidade"? Vão pedir o R.G.? O C.I.C.? Certidão de
Nascimento? Que coisa grotesca?! Quanto ridículo?!

Quando Jesus regressar, não se precisa de comprovação de Sua


identidade, pois "todo o olho O verá", afirma Apocalipse 1.7), e o diz Mateus
24.30.

Sua vinda será pessoal. Alguém duvida? A Escritura o diz claramente,


"Pois, dada a ordem, com a voz do arcanjo e o ressoar da trombeta de Deus, o
próprio Senhor descerá dos céus..." (1Ts 4.16 NVI; cf. At 1.11; 3.19-21; Cl 3.4).
Seu retorno será repentino. É ler Mateus 24.27: "Pois assim como o relâmpago
sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim será também a vinda do Filho
do homem" (cf. 1Ts 5.2).

Há de ser visível. As Testemunhas de Jeová ensinam que Jesus voltou


em 1914 de modo invisível. No entanto, "vede, ele vem com as nuvens e todo o
olho o verá, até mesmo os que o trespassaram; e todas as tribos da terra se
lamentarão sobre ele. Sim. Amém" (Ap 1.7; 1Ts 4.16).
Será triunfante! Gloriosa! É verdade; a Primeira Vinda foi humilhada,
pois Jesus nem teve onde nascer: aconteceu numa estrebaria; bercinho, nem
falar: foi o cocho dos animais; durante Seu ministério, não tinha onde reclinar a
cabeça; a cruz não era dEle, porém minha e sua; e, mesmo o túmulo foi
emprestado. (cf. Is 53.2,3; Fp 2.7,8).

A Segunda Vinda será gloriosa nos termos de 1Tessalonicenses 1.7,


10: "... e a vós, que sois atribulados, alivio conosco, quando do céu se
manifestar o Senhor Jesus com os anjos do seu poder, ... quando vier para ser
glorificado nos seus santos, e ser admirado em todos os que creram, naquele
dia" (cf. Cl 3.4; 1Ts 4.16). Voltará acompanhado pelos Seus anjos, e pelos
Seus fiéis (1Ts 4.14). Glorioso cortejo!

Dois fatos maravilhosos para os quais nossas palavras são


inadequadas acontecerão: a Ressurreição dos Corpos e o Arrebatamento da
Igreja. A ressurreição significa esperança, pura esperança. Teócrito, poeta
grego (300-250? a.C.) afirmou que "há esperança para os que estão vivos,
porém, para os que morreram, não há qualquer esperança". Ésquilo, também
grego (525-426 a.C.) contribuiu para essa descrença dizendo que "uma vez
que o homem morra, não há ressurreição".

Mas a Bíblia a afirma. Diz que crentes e descrentes, fiéis e incrédulos


ressuscitarão ao mesmo tempo: "Não vos maravilheis disto, pois vem a hora

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em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão: os que
fizerem o bem sairão para a ressurreição da vida, e os que praticaram o mal,
para a ressurreição da condenação" (Jo 5.28,29; cf. Dn 12.2). E 1Coríntios
15.21-23 apresenta a ordem da aguardada ressurreição: primeiro, Cristo (que
já ressuscitou); depois, os de Cristo (cf. 1Ts 4.16).

E o corpo da ressurreição está descrito em 1Coríntios 15.50-54.


Corpos modificados, transformados, adequados às novas situações que nos
esperam (cf. 1Co 15.51; Fp 3.20,21). Não mais seremos criaturas de carne e
ossos, sangue e pele, mas teremos corpo espiritual semelhante ao de Jesus
(1Jo 3.2)!

O ARREBATAMENTO

Nesse ponto, dar-se-á o Arrebatamento da Igreja. Jesus, Paulo e João falam


desse evento com diferentes expressões :
· Paulo diz, "seremos arrebatados" (1Ts 4.17);
· Ou, "seremos transformados" (1Co 15.52);
· João registra no Apocalipse como "subida" (cf. 11.12);
· Jesus usa a frase "... [seus anjos] lhe ajuntarão os escolhidos" (Mt
24.31).

Haverá uma tremenda tribulação e angústia antes do Arrebatamento


(cf. Mt 24.15-28), quando os Seus escolhidos (linguagem do próprio Jesus)
serão protegidos, mas a experimentarão (Ap 7.1ss, 13, 14). E, então, todos os
salvos mortos serão ressuscitados, e todos os salvos vivos serão
transformados e glorificados. Os dois grupos serão elevados ao ar para um
encontro com Jesus. A propósito, era costume nas cidades antigas, as pessoas
de uma cidade sairem para encontrar fora dos muros ou fora da cidade, o
visitante ilustre, formando um cortejo com ele para voltar à cidade. Em certo
sentido, fazemos isso quando vamos ao aeroporto ou rodoviária aguardar
alguém nosso (cf. Mt 25.6ss).

Há prévias do Arrebatamento na Bíblia: Enoque cf. Gn 5.21-24; Hb


11.5), Elias (2Ts 2.8-11).

Há quem vá, e há quem fique! O joio é queimado, mas o trigo é


recolhido, diz a parábola (Mt 13.24-30); os peixes que não servem são jogados
fora, os bons são separados (Mt 13.47, 48). Os justos e os maus têm destino
separado (cf. Mt 13.49, 50). E você, vai ou fica? Muito membro de igreja não
vai ser arrebatado porque é só isso mesmo: membro de igreja. É batizado, é
verdade, mas não é nascido de novo. Muito filho de crente fica; muito marido
de mulher salva fica. E você? Não deixe de observar a palavra de Jesus: "será
levado um e deixado o outro" (Mt 24.40, 41).

O JUÍZO FINAL

Pense direitinho: o julgamento de Deus já começou, pois "Quem nele


crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no

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nome do unigênito Filho de Deus" (Jo 3.18; 5.24). Mas na Segunda Vinda, o
juízo vai esclarecer o que está oculto (1Co 4.5; Mt 10.26).

Quem será julgado? Nações, anjos caídos (1Co6.2,3; 2Pe 2.4; Jd 6),
os seres humanos Mt 25.32; Rm 2.5,6; 3.6;Ap 20.12,13). Agora, diante do Juiz,
já não há reis e súditos, políticos e seus eleitores, patrões e empregados: só
salvos e perdidos, a fé e a incredulidade (aliás, nesse dia acaba o ateísmo). No
Juízo, palavra de alegria ("Vinde, benditos...", Mt 25.34), e palavra de terror
("Apartai-vos de mim, malditos...", Mt 25.41). A palavra de Deus ensina que
nosso destino já é conhecido por Ele: "As minhas ovelhas ouvem a minha
voz;eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e jamais
perecerão; ninguém poderá arrebatá-las da minha mão" (Jo 10.27,28) e "Pois
nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis diante dele" (Ef 1.4). Aí vale a lei espiritual da Perseverança dos
Santos!

Chegamos, então, ao "Portanto..." de 1Coríntios 15.58. Que fazer de


agora até a Parousia, a Segunda Vinda e o Arrebatamento da Igreja?
· Levar a vida normalmente, porém vigilantes (Mt 25.13);
· "Aguardando a bem-aventurada esperança" (Tt 2.13);
· Consolando ("exortando uns aos outros", 1Tessalonicenses 4.18);
· Alegres (1Pe 4.12,13);
· Em intensa consagração (1Pe 4.7-11).

Quer dizer, agora a teologia se transforma em desafio, o pensamento


teológico se torna práxis, ação. Paulo ensina, "Sede firmes e constantes,
sempre abundantes na obra do senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso
trabalho não é vão", ou seja, "Mantei-vos firmes na fé e no serviço de Deus
porque essa não é uma luta vazia".

Estamos falando de vitória! Vitória plena! Plena vitória! E a glória das


glórias, a vitória das vitórias é, como diz Paulo, que "estaremos para sempre
com o Senhor"! (1Ts 4.17b).

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Parte II
O PÃO, O VINHO E O CORPO DE JESUS

Jesus é a nossa Páscoa. O termo "páscoa" deriva da palavra hebraica


"pesah", que significa passar por cima, pular além da marca ou passar sobre.
Quando Deus ordenou ao anjo destruidor que eliminasse todo primogênito na
terra do Egito, a casa que tivesse o sinal do sangue do cordeiro não seria
visitada pela morte (Êxodo 12.1-36). Os judeus passaram então a celebrar a
Páscoa comemorando a saída do Egito, a passagem para a liberdade. A partir
de Jesus, essa celebração foi substituída pela Ceia do Senhor, com o pão e o
vinho, em Sua memória. Não mais para relembrarmos a saída do Egito, mas
para estarmos sempre nos lembrando da liberdade que nEle há, da Sua morte
e ressurreição.

"Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo", assim


descreve como Jesus instituiu a Ceia do Senhor, por ocasião da Páscoa: "Pois
eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite
em que foi traído, tomou o pão, e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o
meu corpo que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a
Nova Aliança no meu sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em
memória de mim. Pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este
cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha" (1 Coríntios 11.23-26).

O catolicismo romano admite que, na consagração da Missa, o pão e o


vinho da Ceia do Senhor transformam-se realmente no corpo físico de Cristo.
Assim se lê no Catecismo da Igreja Católica: "No santíssimo sacramento da
Eucaristia estão contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o
Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo. Esta presença se torna 'real' não
por exclusão, como se as outras não fossem 'reais' , mas por antonomásia,
porque é substancial e porque por ela Cristo, Deus e homem, se torna presente
completo" (Página 379, item 1374).

"Por meio da consagração opera a transubstanciação do pão e do


vinho no Corpo e no Sangue de Cristo. Sob as espécies consagradas do pão e
do vinho, Cristo mesmo, vivo e glorioso, está presente de maneira verdadeira,
real e substancial, seu corpo e seu sangue, com sua alma e sua divindade"
(Página 390, item 1413).

Deduz-se que um milagre é operado todas as vezes em que um


sacerdote católico ministra a Eucaristia, mais precisamente no exato momento
em que ele declara "isto é o meu corpo". Todavia, algumas dificuldades se
apresentam quando examinamos as Escrituras. Vejamos: Jesus também
comeu do pão e bebeu do vinho: "Ide, preparai-nos a páscoa, para que a
comamos" (Lucas 22.8); "Onde está o aposento em que comerei a páscoa com
os meus discípulos?" (v.11); "Desejei muito comer convosco esta páscoa,
antes do meu sofrimento"(v.15). O contexto nos leva ao entendimento de que
antes e depois de elevar o pão e o vinho, e de haver dado graças, Jesus
participou da ceia com seus discípulos, comendo do pão e bebendo do vinho. A

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dificuldade está em que Jesus teria engolido a si próprio. Outro embaraço é
quanto à presença dupla do corpo de Cristo, se admitida a interpretação literal:
Jesus estava presente, presidindo a mesa, e estaria segurando o seu próprio
corpo em suas mãos, quando disse "Isto é o meu corpo".

Nos milagres operados pelo Senhor Jesus sempre houve mudança


real dos elementos envolvidos. Exemplo da água que realmente se transformou
em vinho (João 2.9); da multiplicação dos pães (Mateus 14.15-20); dos
leprosos que realmente ficaram limpos (Lucas 17.11-14); da figueira que
realmente secou (Mateus 21.19), e de tantos outros casos. No caso do pão e
do vinho não aconteceu a mesma coisa. Os apóstolos não contemplaram dois
corpos de Jesus. Da mesma forma não há transformação visível quando o
sacerdote ministra a Ceia, eis que o pão e o vinho continuam sendo pão e
vinho, com sabor, cheiro, cor, forma e peso característicos.

Deus não entra em nós pela ingestão do pão. A Bíblia diz que aqueles
que crêem em Jesus possuem o Espírito: "Não sabeis vós que sois santuário
de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?" (1 Coríntios 3.16). A Ceia
do Senhor - Comunhão ou Eucaristia - não é meio de salvação. Dela participam
os salvos, os santos, os convertidos, ou seja, os que crêem em Jesus Cristo,
confessaram o Seu nome, e O aceitaram como Senhor e Salvador. Estes já
possuem o Espírito. (João 1.12; 3.16,18; Romanos 10.9; Atos 3.19; 16.31).

A justificação não decorre do participar ou não da Ceia. Quem dela


participa é a Igreja, os crentes em Jesus, os que já se acham justificados,
lavados e remidos no sangue purificador. "Pois todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus, e são justificados gratuitamente pela sua graça, pela
redenção que há em Cristo Jesus. Concluímos, pois, que o homem é justificado
pela fé, sem as obras da lei" (Romanos 3.23,24,28).

A finalidade da Ceia é esclarecida pelo próprio Jesus: a) anunciar a


Sua morte, seu sacrifício pelos pecadores, até a Sua vinda (1 Coríntios 11.26);
b) para recordação ou em memória dele, "fazei isto em memória de mim"
(Lucas 22.19) O Novo Comentário da Bíblia, Edições Vida Nova, vol. II, pg.
1208/9, assim explica 1 Coríntios 11.24-25: "Em memória de mim - A repetição
é impressionante e nos dá a razão escriturística para a observância da Ceia do
Senhor. Sua finalidade é fazermos recordação do Salvador, em todos os
eventos de sua vida, mas principalmente de sua morte por nós na cruz; e, em
recordá-lo, sentirmos sua presença conosco. A Santa Ceia é, pois, uma
recordação de Cristo e uma comunhão com Ele".

Vamos ler essa "repetição impressionante": "Isto é o meu corpo que é


entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Este cálice é a Nova Aliança
no meu sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em memória de mim"
(1 Co 11.24-25). Jesus por duas vezes estabelece a finalidade da Ceia, ou
seja, para que nos lembremos dEle, de Sua vida, palavras, morte, ressurreição.

"Isto é o meu corpo" é uma linguagem figurativa. Jesus usou esse


estilo em outras ocasiões. Ele disse: "Eu sou a porta. Todo aquele que entrar
por mim, salvar-se-á. Entrará e sairá, e achará pastagens" (João 10.9).

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Ninguém de sã consciência fica a imaginar que Jesus é realmente uma
porta de madeira ou de ferro, e que nós, ao passarmos por ela, iremos nos
fartar comendo capim.

Disse também: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai agricultor... vós
sois os ramos" (João 15.1,5). Não é preciso muita lucidez para
compreendermos que Jesus estava apenas ilustrando sua mensagem com um
elemento figurativo. Longe de nós imaginar seja Ele uma árvore com raízes,
tronco, folhas e galhos, e que o Pai esteja no campo plantando arroz. Disse
mais: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão,
viverá para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do
mundo" (João 6.51). Outra linguagem figurada. Revela que em Cristo
encontraremos alimento espiritual. Do céu não veio um pedaço de pão, nem
somos antropófagos para saborear a carne do Seu corpo. Ainda nesse passo,
Jesus declara: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim,
como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva" (João 7.37-38).
Ninguém cogita de interpretar literalmente essas palavras: não bebemos Jesus,
e do nosso interior não jorra água abundante.

Jesus não ordena RENOVAR o Seu sacrifício. Ele diz que o partir pão
tem a finalidade de recordar e não de renovar. O Seu sacrifício não pode ser
repetido. Vejam: "Isto [sacrifício] fez Ele, uma vez por todas, quando a si
mesmo se ofereceu" (Hebreus 7.27). "Mas este [Jesus], havendo oferecido,
para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de
Deus" (Hebreus 10.12). "Pois Cristo padeceu uma única vez pelos pecados..."
(1 Pedro 3.18). "Pois sabemos que, havendo Cristo ressurgido dentre os
mortos, já não morre. A morte não mais tem domínio sobre Ele" (Romanos 6.9).
Levar Cristo todos dias à cruz, e todos os dias ressuscitá-lo, é uma prática sem
apoio na Bíblia Sagrada.

Quando Jesus afirmou que estaria conosco todos os dias até a


consumação dos séculos (Mateus 28.20), não estava afirmando que Sua
presença se daria pelo milagre da transubstanciação, ou seja, mediante a
transformação de pão e vinho no Seu corpo. A Sua presença em nós é
espiritual.

Depois de haver dado graças e ordenado a todos que tomassem do


cálice, o vinho não se transformou em sangue. Vejam: "Pois não mais beberei
do fruto da vide, até que venha o reino de Deus" (Lucas 22.18; Mateus 26.29).
Ou seja: Jesus não deu o nome de sangue ao vinho. Este continuou sendo o
fruto da vide depois da consagração. Do contrário, teria Ele bebido seu próprio
sangue.

Se a expressão "ISTO É O MEU CORPO" (1 Co 11.24) coubesse


significado literal, por que não interpretar da mesma forma a expressão "ESTE
CÁLICE É A NOVA ALIANÇA NO MEU SANGUE" (1 Co 11.25)? Admitida a
hipótese literal, estaríamos bebendo a Nova Aliança. Vejam que o vinho aqui
representa o Novo Concerto, o Novo Pacto, a Nova Aliança em Cristo. Mais
uma vez se confirma a tese do sentido figurativo.

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A contínua renovação do sacrifício da cruz, como desejam os
romanistas, contrasta com a afirmação de Jesus: "Está consumado" (João
19.30). Ali, na cruz, se consumou a etapa mais gloriosa. A obra da redenção
fora consumada; o preço da redenção fora pago; o caminho da salvação estava
aberto à humanidade. Nenhum outro sacrifício seria exigido. "E, como aos
homens está ordenado morrer uma só vez, vindo depois disso o juízo, assim
também Cristo, oferecendo-se uma só vez, para levar os pecados de muitos,
aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação"
(Hebreus 9.27-28).

Abstraindo-se a tese da transubstanciação, convém lembrar que a


oferta de apenas de um dos elementos na Ceia está em desobediência à
ordenança do Senhor Jesus. Não apenas o pão deve ser servido. O vinho,
simbolizando a Nova Aliança no Seu sangue, é elemento indispensável. Vejam:
"Pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais
a morte do Senhor, até que ele venha" (1 Coríntios 11.26). Desobedecer é
pecar.

CONCLUSÃO
Diante do exposto somos levados a admitir que o Senhor Jesus usou
uma linguagem figurativa, como o fez em muitas outras ocasiões. Assim como
entendemos das palavras "Eu sou a porta", que Ele representa a porta por
onde todos devemos passar, a caminho da salvação, de igual modo
entendemos a expressão "Isto é o meu corpo" como sendo "ISTO
REPRESENTA O MEU CORPO", com relação ao pão; e "Este cálice é a Nova
Aliança no meu sangue", como sendo "ESTE CÁLICE REPRESENTA A NOVA
ALIANÇA NO MEU SANGUE", com relação ao vinho.
O pão e o vinho conservam-se inalterados antes, durante e depois da
Santa Ceia, quer esta seja ministrada por um pastor evangélico, quer por um
sacerdote católico. Ao bebermos o vinho, não sentimos gosto de sangue; ao
comermos o pão, não sentimos gosto de carne. Cristo está presente na Ceia
da mesma forma que está presente no Batismo. Sempre que estivermos
reunidos em Seu nome, Ele se fará presente, na qualidade de cabeça da Igreja
(Efésios 5.23). Como a Sua presença não decorre da transubstanciação,
indicativa de mudança de uma substância em outra, o pão e o vinho não
devem ser objetos de adoração. A forma de adoração ensinada pelo Senhor
Jesus está em João 4.24: "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o
adorem em espírito e em verdade".

A Santa Ceia é um memorial ("fazei isto em memória de mim"), e não


uma repetição do sacrifício de Jesus na cruz, sacrifício que deve ser lembrado
e não renovado (Hebreus 10.12).

Jesus não entra em nós pelos elementos da Ceia. Quem participa da


Santa Ceia são os filhos de Deus, já justificados, já remidos, já convertidos.
São cristãos que já possuem Jesus no coração. Assim deve ser. Por isso,
Jesus prometeu que voltaria a beber do fruto da vide no reino de Deus, com a
sua Igreja (Mateus 26.29). Não há como admitir que um pecador não
arrependido, não merecedor portanto de ser habitação do Espírito Santo, possa
introduzir Jesus dentro de si, pela ingestão do pão.

10
Parte III
A GRAÇA COMUM DE DEUS
Refreamento da pecaminosidade humana

Introdução:
Como vimos, a queda perverteu a imagem de Deus segundo a qual o
homem foi criado e que, em conseqüência disso, a pessoa humana age
pecaminosamente em sua relação com Deus, com o próximo e com a
natureza. Por causa da queda cada ser humano é fundamentalmente
egocêntrico e sem amor, odiando a Deus, odiando os outros e devastando a
natureza.

Se Deus não refreasse a pecaminosidade humana seria impossível


viver neste mundo.

Não obstante as Escrituras declararem a depravação total da


humanidade, muitos de nós têm bons vizinhos, podemos confiar em pessoas
com quem fazemos negócios. Muitos de nós conhecem pessoas que não
obstante não serem cristãs, são amáveis, prestativas e honestas. Como
explicar isto? A resposta é o nosso estudo de hoje sobre a Graça Comum.

Que explicação podemos dar para a bondade que, em certa medida,


constatamos nos incrédulos?

Definição de Graça Comum: "Graça Comum é a restringência e


também a influência persuasiva do Espírito Santo agindo através da verdade
revelada no Evangelho, ou através da luz da razão e da consciência,
aumentando o efeito moral natural de tal verdade sobre o entendimento,
consciência e coração. Ela não envolve nenhuma mudança de coração, mas
simplesmente a melhora dos poderes naturais da verdade, a restringência das
paixões más, e o aumento da emoções naturais em vista do pecado, do dever
e do interesse próprio"

"Graça comum é cada favor de qualquer espécie ou grau, excetuando


a salvação, que este mundo imerecedor e maldito pelo pecado, desfruta das
mãos de Deus"

Por Graça Comum ou universal (porque alcança todos


indiscriminadamente) entende-se uma graça que restringe a manifestação do
pecado na vida humana sem remover a pecaminosidade humana, permitindo
que incrédulos profiram muitas verdades e produzam muitos feitos que são
bons. É uma graça que refreia o pecado, porém sem regenerar o ser humano.

1 – BASE BÍBLICA PARA A GRAÇA COMUM:


A Bíblia ensina a existência de uma graça de Deus que restringe (freia)
o pecado na vida daqueles que não são o Seu povo.
Gênesis 20:6 "Respondeu-lhe Deus em sonho: Bem sei que com
sinceridade de coração fizeste isso; daí o ter impedido eu de pecares contra

11
mim e não te permiti que a tocasses." – Abimeleque não era, obviamente, um
crente. Todavia, Deus o impediu de pecar.

Romanos 1:24-28 "Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia,


pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo
entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e
servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!

Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as


mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro,
contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o
contacto natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade,
cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a
merecida punição do seu erro.

E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus


os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas
inconvenientes,"

Este texto mostra que houve épocas em que Deus não restringiu a
manifestação do pecado. Deus "os entregou", "os abandonou" aos seus
próprios pecados.

Romanos 13:3-4 "Porque os magistrados não são para temor, quando


se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade?
Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para
teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela
traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o
mal". – Punições tais como multas, sentenças de prisão e outros é uma
maneira de restringir o pecado. (I Pedro 2:13,14)

2 – DIFERENÇAS DE GRAÇA COMUM E GRAÇA ESPECIAL:


A diferença entre elas deve ser vista no resultado que elas realizam
naqueles que são totalmente depravados.

A Graça Especial tem uma conotação redentora, enquanto a Comum é


sinônima de não-redentora. A Graça Comum refreia o pecado, mas não muda
a natureza. Ela segura a manifestação do pecado, mas não o extingue.

A Graça Especial muda as disposições interiores retirando do pecador


a inimizade contra Deus. A Graça Comum não provoca mudanças na vida do
pecador. É apenas um freio.

A Graça Especial muda o coração, a comum muda apenas a atitude. A


mudança realizada pela graça comum é apenas moral e não espiritual.

A Graça Especial atinge somente os eleitos, enquanto a comum atinge


a todos indistintamente, como o próprio nome diz, é "comum".

12
3 – A NATUREZA DA GRAÇA COMUM:
Calvino ensinou que há uma graça de Deus que restringe a
manifestação do pecado na vida humana sem remover a pecaminosidade
humana.

Negativamente = A graça comum restringe o pecado


Restringe a manifestação do pecado. Gênesis 20:6; II Reis 19: 27-28;
Gênesis 4:14-15.

Pela operação do Espírito, Deus evita que todas as potencialidades do


homem para o mal se manifestem em toda a sua violência.

Restringe a manifestação da ira divina. Rm 2:4. Deus age sobre Si


mesmo restringindo a manifestação plena da Sua vingança contra atos maus
dos homens. A paciência de Deus para com os homens é uma manifestação
da graça comum. Temporariamente Ele suspende Sua ira.

Rm 2:4 - "Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e


longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao
arrependimento?

Restringe a manifestação da plenitude da pecaminosidade humana.

O ser humano é depravado, mas nem sempre vemos a manifestação da sua


pecaminosidade que seja proporcional com sua potencialidade de pecar. O
homem não peca tudo o que é capaz.

Positivamente: Promove a justiça

O irregenerado é recipiente da bondade de Deus.

Gn 39:5 "E, desde que o fizera mordomo de sua casa e sobre tudo o
que tinha, o SENHOR abençoou a casa do egípcio por amor de José; a bênção
do SENHOR estava sobre tudo o que tinha, tanto em casa como no campo."

At 14:16-17 "o qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os


povos andassem nos seus próprios caminhos; contudo, não se deixou ficar
sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e
estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria."

Lc 6:35-37 "Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai,


sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do
Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus.

Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai.

Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis


condenados; perdoai e sereis perdoados;"

13
Lc 16:25 "Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os
teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele
está consolado; tu, em tormentos."

A incredulidade dos homens não é motivo para eles não receberem


bênçãos de Deus.

O irregenerado é capacitado a fazer coisas boas.

O homem é incapaz de por ele mesmo fazer coisas boas. Se as faz é


pela graça de Deus (Mt 5:46; Lc 6:34).

Calvino diz que os incrédulos podem ser revestidos dos dons


excelentes de Deus (música, poesia, pintura, artes, ciência, etc.).

"Toda verdade vem do Espírito de Deus e portanto rejeitar ou


desprezar as coisas boas que os incrédulos fazem é insultar o Espírito Santo
de Deus.

4 – OS MEIOS PELOS QUAIS O PECADO É REFREADO


(Restringido)
A revelação geral de Deus (a natureza) – Rm 2:14-15 O governo civil
– Rm 13:3-4 – I Pe 2:13,14 Multas, prisões, etc...

Os relacionamentos sociais ou opinião pública.

Alguns pecados não contemos porque: Somos casados, temos uma


família, vizinho, colegas, zelamos por nossa reputação.

5 – O PROPÓSITO ÚLTIMO DA GRAÇA COMUM

O grande propósito da graça comum de Deus, como podemos deduzir,


é o bem-estar do povo eleito de Deus. Mt 24:21-22.

CONCLUSÃO:

Qual o valor da Doutrina da Graça Comum?

1. A Doutrina da Graça Comum sublinha o poder destrutivo do pecado.

2. A Doutrina da Graça Comum reconhece os dons de que vemos nos


seres humanos irregenerados como dons de Deus.

3. A Doutrina da Graça Comum nos ajuda a explicar a possibilidade da


civilização e cultura nesta terra a despeito da condição decaída do homem.

14
Parte IV
A GRAÇA DE DEUS
Na Criação, na Cultura, na Sociedade e na Economia

O terrível, num tema como esse, é escolher a abordagem: ou começar


pela análise da criação, da cultura, da sociedade e da economia, num dado
contexto, e delinear o que seria, nestes, ação da graça; ou optar por uma
definição do que é graça, em cada tema, estabelecendo, assim uma
possibilidade de detecção desta em cada qual, como um princípio de conduta.

Escolhi a Segunda. Certa feita, ouvi Noé Stanley dizer, com muito bom
humor, que teólogo latino americano não tem teses, tem "apuntes".

E eu, que nem teólogo sou, tenho apenas rabiscos, e é isso que
ofereço aos irmãos, meros rabiscos, frutos de reflexão simples.

Que o Deus triúno possa fazer deles uso. Amém! A graça de Deus na
criação "'Deus é infinitamente bom?, perguntávamos. 'Sim, infinitamente.'
'Ele sabe tudo que vai acontecer?' 'Sim...'respondia o padre, já desconfiado.
'Então, se ele sabe que fulano vai pecar e vai para o inferno, por que ele cria o
cara?' Nenhum padre me respondeu essa questão atéia, até hoje." Arnaldo
Jabor.

Desprezando o conteúdo utilitário da questão – só criar o que me vai


ser útil; o que não dará dor de cabeça – ela tem pertinência em si,
principalmente quando nos deparamos com um mundo mal.

Se pudesse ser dito que Deus não sabia, e que está correndo atrás do
prejuízo...mas. a onisciência lhe é inerente.

O problema, penso, não está apenas na criação, mas , também, na


manutenção da mesma: como pode um Deus santo manter um mundo mal?

Teríamos, ademais, uma questão de lógica: o apóstolo Paulo, segundo


vejo, nos oferece um silogismo: premissa maior: "nele (Deus) vivemos, e nos
movemos e existimos..."
premissa menor: "todos se extraviaram..."
conclusão: logo, todos desaparecemos, deixamos de existir.

Se Deus é nossa fonte, local e ambiente de existência e, se com ele


rompemos, quando no Éden, como podemos continuar a existir? E se nossa
queda trouxe maldição para o planeta (Gn 3.17), como pode este estar aí?

A criação de um mundo, que se tornou mal, assim como sua


manutenção atentariam contra a onisciência de Deus; contra a sua santidade e
contra a vontade e a lógica humanas.

"E no entanto, ela se move" Galileu Galilei.

15
A criação e a sua manutenção exigiriam um fator exógeno como
explicação. Esse fator teria de ser capaz de justificar um ato onisciente e de
intermediar a relação entre a santidade e a maldade, tornando-a possível.
(Cl 1.15-17) Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda
a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra,
as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados,
quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas
as coisas. Nele, tudo subsiste.

Paulo parece remeter tudo para Jesus Cristo, o Deus filho encarnado.

Ao Deus filho encarnado, porque, o descreve como a imagem de


Deus, portanto, creio, a partir da experiência que com ele tivemos: o Deus que
nos fez ver Deus.

Cristo como a imagem de Deus...é a objetivação de Deus na vida


humana, a 'projeção' de Deus na tela da nossa humanidade e a encarnação do
divino no mundo dos homens (cf Masson, pg 98, n.1). A descrição é revelatória,
mais do que ontológica. Ralph P. Martin

Entre todos os textos paulinos este é um dos que explicitamente


afirmam a preexistência de Cristo: já existia antes da criação. E porque existia
antes da criação, serviu de modelo para a criação toda. E não foi somente
modelo, mas participou ativamente na criação. Não somente participou no
passado, mas permanece princípio ativo para manter essa criação na
existência, na unidade, para organizá-la e conduzí-la a seu destino.
Ao Deus filho encarnado, porque, o apresenta como primogênito, que,
sugiro, é uma categoria soteriológica de Cristo, como em Rm 8.29 - "Porquanto
aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes
à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos." – uma vez que: "Primogênito, longe de declarar que Cristo foi criado,
salienta que Ele é o alvo de toda a criação com direito de primogenitura, i.e.
'herdeiro de todas as coisas'." Russell P. Shedd

Logo, o apóstolo o estaria delineando em seu mover redentor.

Por que toda a criação seria creditada ao Deus filho a partir do mistério
da sua encarnação?

(1Pe 1:18-20) - sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis,


como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que
vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem
defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,
conhecido, com efeito, pré-estabelecido de fato – Henry Alford antes da
fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós.

Pedro parece informar que o derramamento do sangue de Cristo foi


préestabelecido antes da fundação do mundo. O que significaria que antes que
todas as coisas fossem criadas, o Deus filho fez uma entrega, o seu próprio
sangue.

16
(Ap 13:8) - e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles
cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto
desde a fundação do mundo. "'Desde a fundação do mundo'. Em harmonia
com 1 Pe 1.18-21, ensina-se que o Sacrifício de Cristo fez parte do propósito
divino antes da fundação do mundo. Os decretos e propósitos de Deus são tão
concretos e reais como o próprio acontecimento (At2.23; Ef 1.4)." Russell P.
Shedd

Em assim sendo, o que aconteceu, imediatamente, antes da fundação


do mundo foi o decreto do sacrifício do Deus filho, o que significaria que,
previamente a toda a criação, o Deus filho se assumiu como o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo! (Jo 1:29)
Seria esse o fator exógeno que explicaria a criação de todas as coisas, assim
como a sua manutenção?

De fato, tal decreto justificaria o ato onisciente, pois, denunciaria que o


Deus triúno se responsabilizou pela redenção da criação, daí poder criar um
ser livre, mesmo sabendo que a tal liberdade se voltaria contra o seu doador.

Só valeu a pena criar porque antes que a criatura se voltasse contra o


criador, este sacrificou-se por ela, para a resgatar.

O decreto em questão, também, teria força suficiente para manter a


existência, uma vez que tal sacrifício mediaria a relação de um Deus santo com
uma criação rebelada.

Se assim for:
1-os cordeiros imolados no velho testamento não só apontavam para o
futuro como para algo acontecido antes do tempo e, portanto, sempre presente,
pois, ato na eternidade;
2-há uma verdade sobremodo assombrosa no verso todas as coisas
foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. (Jo
1:3).

A Graça
Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade
vieram por meio de Jesus Cristo. - (Jo 1:17)

Estaria João informando que, assim como a lei foi comunicada por
Moisés, a graça e a verdade foram comunicadas por Jesus Cristo?

Se assim for, a graça seria a origem do sacrifício?

para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu


gratuitamente no Amado, - (Ef 1:6)

Paulo parece completar: a graça não apenas foi comunicada por meio
de Cristo, a graça estava em Cristo. Por que em Cristo? Porque nele temos a
redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados...(Ef 1.7) A graça estaria,
portanto, vinculada ao sacrifício do cordeiro.

17
Poderíamos, então, dizer, que graça é o favor que o sacrifício de
Cristo, instituído na eternidade e manifesto na história, tornou possível; por
justificar o ato onisciente da criação e a manutenção de um mundo que se
tornou mal, assim como o seu resgate.

Parafraseando Paulo: pela graça todas as coisas foram criadas,


mantidas e tornadas passíveis de resgate; e isto é dom de Deus.

O que tais considerações deveriam despertar na Igreja?


Gostaria de sugerir algumas:
1-gratidão: fazei -o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a
Deus Pai. (Col 3:17)
2-nova perspectiva com relação ao sofrimento:
a- sofrimento já é efeito da graça em andamento, como um condenado
à morte, que tem sua pena reduzida à prisão perpétua, num primeiro momento,
e, mais tarde, é notificado que sua liberdade já foi providenciada, que, agora é
só uma questãode tempo: ainda que com suor, obtêm-se o alimento – ainda
que com dores, dá-se à luz filhos. E, mesmo o sofrimento vai ter fim. O que
significaria que, se a postura frente ao sofrimento é de não murmuração,
também, é de não conformismo. Penso que a reação deve ser de
solidariedade; pois, mitigar o sofrimento humano é a obra de Deus.
b- Deus reagiu à morte, devemos reagir, também, aliando-nos à graça.
Lutando pela vida em todas as frentes.
c- Desvinculação do sofrimento (enquanto estado cósmico) da questão
da represália pelo pecado pessoal (ainda que o pecado traga consequências);
é a morte, não o sofrimento que paga pelo pecado – e o cordeiro já a sofreu.

A graça de Deus na cultura


"Cultura é um jeito particular de ser gente" Rubem Alves.
Se o prof. Rubem Alves está certo, para falar da graça de Deus
teríamos de responder a antiga pergunta do salmista: que é o homem, que
dele te lembres? (Sl 8:4) Voltemos ao início.
Gn 1:26, 27- Também disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; (...) Criou Deus, pois, o homem à sua
imagem, à imagem de Deus o criou;
Esse texto marca uma mudança de ritmo e de forma na criação: até
então Deus falava e tudo vinha à existência, na criação do homem temos,
antecedendo-a, uma declaração de intenção e uma descrição.

Façamos o homem...
A teologia cristã entende que essa afirmação nos apresenta a
Trindade, doutrina que afirma haver um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e
Espírito Santo, como declara G. W. Bromiley
Gosto de pensar nesse texto como uma declaração de intenção, é
como se fosse o resultado de uma conferência entre as três Pessoas.

Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança;


Eis a descrição do projeto: o homem seria à imagem e semelhança de
Deus, a Trindade.

18
O que significaria isto?
Segundo Derek Kidner, para alguns teólogos "imagem é a indelével
constituição do homem como ser racional e como ser moralmente responsável,
e a semelhança é aquela harmonia com a vontade de Deus, perdida com a
queda". Ele, porém, diz que não há, no original, a partícula aditiva "e", de modo
que os termos se reforçam (a palavra, então, seria imagem-semelhança). A
imagem seria "expressão ou transcrição do Criador eterno e incorpóreo em
termos de uma existência temporal, corpórea e própria de uma criatura – como
se poderia tentar a transcrição, digamos, de um poema épico numa escultura,
ou de uma sinfonia num soneto." O que, segundo Kidner , perdemos dessa
imagem-semelhança, na queda, foi o amor, que recuperaremos quando for
retomada nossa plena comunhão com o Senhor.

Algo, entretanto, penso que precisa ser considerado: se ser


moralmente responsável e racional é ser imagem de Deus, então os anjos
também não o seriam?

Ora, se Deus não poupou anjos quando pecaram (2 Pe 2:4)

Como os anjos poderiam pecar se não fossem moralmente livres; uma


vez que pecar (pelo menos no ato primeiro) exige capacidade de escolha?

...reservando-os para juízo; (2 Pe 2:4)


Como qualquer ser pode ser julgado, se não for moralmente
responsável? Além do que, parece não haver dúvidas de que os anjos,
também, são racionais, senão estariam impossibilitados de comunicar-se e de
arrazoar conosco, como fizeram, por exemplo, com Ló (Gn 19:10-22).

Se ser imagem-semelhança é ser transcrição do eterno em termos de


existência temporais, os anjos, também, estão incluídos, pois, são criaturas e
estão no tempo, pois, tiveram começo, ainda que o tempo, talvez, não lhes faça
diferença. E, em ambos os casos, os anjos fiéis não perderam nada de sua
criação original.

Entretanto, somente do homem é dito que foi criado à imagem e


semelhança de Deus.

Gosto de pensar que esta imagem-semelhança inclui, além do já


citado, algo que só é comum a Deus e a nós: a unidade.

"A última palavra hebraica da Shema (Dt 6.4,5) é echad, um


substantivo coletivo, em outras palavras, um substantivo que demonstra
unidade, ao mesmo tempo que se trata de uma unidade que contém várias
entidades. Poderíamos citar um bom número de exemplos.(...) Em Nm 13.23
os espias pararam em Escol, onde 'cortaram um ramo de vide com um cacho
de uvas'. A palavra que aqui aparece com 'um', em 'um cacho', novamente é
echad, no hebraico. Mas, como é evidente, esse único cacho de uvas consistia
em muitas uvas." Stanley Rosenthal
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus os criou;
macho e fêmea os criou. Gn 1.27 (RC).

19
Seriam, realmente, duas criações?
Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou
nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente. (Gn 2:7)
Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este
adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a
costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e
lha trouxe. (Gn 2:21,22)
Macho e fêmea parecem ser uma criação só, pois, o barro e o sopro
(que dá vida ao ser humano) só aparecem uma vez. O segundo ser não é uma
segunda criação, é uma duplicação. Sendo que, no segundo ser, Deus fez
desabrochar características que não fizera desabrochar no primeiro.

Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o


homem, à semelhança de Deus o fez; homem e mulher os criou, e os
abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que foram criados.
(Gn 5:1,2)

Duas pessoas, um só nome. De fato, a mulher só ganhou o nome de


Eva depois da queda: E deu o homem o nome de Eva a sua mulher, por ser a
mãe de todos os seres humanos (Gn 3:20). E por que? Penso que só após a
queda o macho teve autoridade para tal: e à mulher disse: Multiplicarei
sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz
filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará (Gn 3:16). Se
Deus condenou a mulher a essa condição subserviente ao homem como
consequência da queda, é de se supor que antes não era assim, isto é, a
relação entre ambos não era de autoridade; era, quero crer, de unidade.

O homem à imagem e semelhança de Deus, sugiro, é um ser coletivo.


Quando Deus chamava: Adão! Macho e fêmea se voltavam para falar com Ele.

"Em Gn 2.24, Deus (...) instruiu marido e mulher a tornarem-se 'os dois
uma só carne', indicando que aquelas duas pessoas unir-se iam, formando
perfeita e harmônica unidade. Em tal caso, novamente a palavra hebraica é
echad." Stanley Rosenthal

Se Deus é uma família, que criatura poderia expressar sua imagem-


semelhança senão se constituísse, também, numa família?

Se Deus é uma unidade-comunhão como uma criatura que não se


constituísse noutra unidade-comunhão poderia ser chamado de sua imagem-
semelhança?

Me parece que o projeto divino passava estritamente pela unidade:


criou um casal apenas, logo, uma só família; criou-os tendo a si como modelo:
o que caracteriza a trindade é o amor, vínculo da perfeição, isto é, que une
perfeitamente; logo, criou-os para, a exemplo da trindade, amarem-se com
esse amor que unifica. Criou-os para viverem em unidade. Criou-os como
unidade. Se não tivéssemos caído, seríamos bilhões, talvez, entretanto, à
semelhança da trindade, nos amaríamos tanto que, apesar de muitos,
seríamos um só homem: o homem à imagem e semelhança de Deus.

20
Não seria por aí o caminho de perceber a atuação da graça de Deus na
cultura?

Gosto de pensar que a graça de Deus se manifesta nos elementos


gregários de uma dada cultura.

Se é fato que o homem que Deus criou é comunitário, então, em todo


o elemento cultural que leve o ser humano à consciência do outro; ao senso de
pertencimento; à celebração comunitária; à solidadriedade; à justiça deverá,
em alguma medida, ser fruto da graça de Deus – a graça que mantêm todas as
coisas.

E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente,


e pôs nele o homem que havia formado(Gn 2:8).

Não é curioso que após ter comunicado à sua criatura a relação de


domínio que teria sobre o planeta, Deus o coloque num jardim?

Parece-me que, ao fazer isto, Deus propõe um modelo. O domínio dar-


se-ía não pela subjugação mas pela interação.

Uma vez que jardim manifesta harmonia e superação, pois a beleza é


resultado de interação tal, que a beleza do todo é maior que a soma da beleza
das unidades.

Dessa forma deveria ver-se como um maestro, cuja responsabilidade


seria administrar de tal maneira seu "habitat", que o mesmo se tornasse qual
jardim, onde impera a cooperação e a harmonia, o que faz com que cada
unidade se supere pela associação com o todo.

Seria, portanto, em algum nível, ato da graça, quando, numa dada


cultura, se privilegia a interação homem/natureza.

Sinais de Deus
"E, na verdade, cuidei que vós outros, Senhores, com todos os
teólogos, não somente assegurais que a existência de Deus pode ser provada
pela razão natural, mas também se infere da Santa Escritura que o seu
conhecimento é muito mais claro o que se tem de muitas coisas criadas e que,
com efeito, esse conhecimento é tão fácil que os que não o possuem são
culpados. Como é patente nestas palavras da Sabedoria, capítulo 13, onde é
dito que 'a ignorância deles não é perdoável: pois se seu espírito penetrou tão
a fundo no conhecimento das coisas do mundo, como é possível que não
tenham encontrado mais facilmente o Soberano Senhor dessas coisas?' E aos
Romanos, capítulo primeiro, é dito que são indesculpáveis. E ainda no mesmo
lugar, por estas palavras: 'o que é conhecido de Deus é manifesto neles',
parece que somos advertidos de que tudo quanto se pode saber de Deus pode
ser demonstrado por razões, as quais não é necessário buscar alhures que em
nós mesmos, e as quais nosso espírito é capaz de nos fornecer." René
Descartes Descartes afirmava, julgando interpretar as escrituras, que Deus se

21
deu a conhecer na natureza, bastando uma inspeção do espírito para captá-lo.
Assim ele justificou suas "meditações".

Em que pese a ousadia de Descartes, seria de se esperar que um


Deus gracioso deixasse marcas de sua presença.

Richardson conta mais 25 histórias fascinantes, que mostram que a


semente do evangelho foi deixada por Deus em cada cultura do mundo. Ele
chama este tipo de revelação geral de Deus, 'O Fator Melquisedeque', usando
o nome do sacerdote a quem Abraão prestou homenagem no livro de Gênesis.

"Richardson argumenta que Deus deixou um testemunho profundo,


que pode e deve ser aproveitado como ponto de contato pelo missionário."
Richard J. Sturz Creio que é esperado de um Deus que quer apresentar-se,
que sua graça se manifeste em cada cultura, criando pontos de contato desta
com o evangelho. Tal ação da graça, creio, opera sensibilidade ao belo, à
ternura, ao amor, à vida, assim como algum nível de revelação.

No que tais ponderações deveriam afetar a interação da igreja com as


diversas culturas?

1- Na abordagem à cultura. Entendo que, sob tais prismas, a


aproximação à cultura tem de partir de uma perspectiva positiva: a ação da
graça na mesma. Numa busca, portanto, de pontos de contato.
2- Na contextualização. Nesses parâmetros, contextualização deixa de
ser o uso sincrético de seus símbolos espirituais, para tornar-se o reforço do
que há de divino na cultura em questão.
3- Ao invés do juízo, entra em ação a compreensão da cultura em sua
complexidade.
4- Na co-beligerância. Uma vez compreendida a ação da graça no
despertar da consciência de justiça, solidariedade, etc; a igreja deveria dispor-
se a envolver-se em toda a causa pró emancipação do homem, tornando-se
parceira dos que, pela graça divina, estão sendo despertados para mitigar o
sofrimento humano.
5- Na responsabilidade ecológica. A Igreja deveria estar à frente da
luta ecológica, no sentido de mitigar o sofrimento imposto à natureza. Seguindo
o modelo do jardim.

A graça de Deus na sociedade e na economia


"porque se apresenta como um dever-ser, como o projeto histórico de
Deus."Hirata
Falar, penso, nesse tema é falar do reino de Deus. O reino como
utopia é a graça nos dando direção.

"Buscar o reino e a justiça de Deus, significa trabalhar para mover o


mundo na direção das prioridades do reino" Howard Snyder

Parece-me que há três perguntas que humanidade faz: quem somos?


Como administrar a riqueza? Como viver juntos?

22
O reino, creio, responde-as: de Deus e para Deus; solidariedade;
fraternidade.

Tais respostas colidem com o sistema que, para respondê-las gerou


um sem número de filosofias e religiões; um sem número de teses econômicas;
um sem número de propostas de organização da sociedade.

A graça deu os princípios, caberia-nos dar-lhe concreção histórica.

"Assim sendo, o peso histórico do reino de Deus, que vem a ser a


realidade mais inclusiva, elimina o papel platonizante que tinha a escatologia
tradicional que podia dar-se ao luxo de condenar a história e a matéria como
realidade inferior. Doravante, a escatologia, que era entendida antes como
doutrina sobre o final dos tempos, terá uma relação necessária com a história.
A recuperação do sentido histórico do reino de Deus resgata o caráter
necessário da ação humana na construção desse reino."
Samuel Silva Gotay

Daniel 2. 31-45, apresenta o reino como uma pedra solta por mãos
não humanas que se choca com a estátua, destruindo-a de forma cabal.

Penso que estátua representa não só a sequência escatológica dos


reinos, como, também, toda a tentativa humana de resolver o dilema da
humanidade sem levar em conta a vontade e a realidade de Deus, e que o fato
de aparecer como uma estátua revela o seu caráter idolátrico. O reino é a
resposta de Deus ao citado dilema, que confronta e destrói a solução idólatra.
Tal confronto, quero crer, concede necessária historicidade ao reino.

Na história da teologia da libertação, a obra coletiva – A luta dos


deuses – é , sem dúvida, um marco importante no tratamento da idolatria como
um tema central da teologia. Neste livro, Pablo Richard defendeu, a partir da
afirmação de 'o capitalismo não é ateu, mas sim idólatra', a idéia de que 'o
problema de Deus só pode ser racionalizado teologicamente a partir de uma
perspectiva de confronto com o sistema religioso do capitalismo moderno'. Na
introdução ao livro, a Equipe Dei afirmava que 'mais trágico que o ateísmo é o
problema da fé e da esperança nos falsos deuses do sistema' e que a fé no
Deus libertador 'passa necessariamente pela negação e a apostasia dos falsos
deuses. A fé torna-se antiidolátrica.' Por isso concluíram a introdução dizendo
que 'o problema dos ídolos da opressão e da busca do Deus libertador adquire
hoje uma nova dimensão, tanto na tarefa evangelizadora como na tarefa
política. É aí que a teologia da libertação encontra um de seus desafios mais
fecundos.' Em outras palavras, a teologia numa sociedade capitalista só
adquire relevâcia histórica se se defrontar com a idolatria vivida no
capitalismo." Jung Mo Sung

Gostaria de, como ilustração, apresentar um possível desenvolvimento


dos princípios numa situação dada, no caso, nossa realidade nacional.

Jesus Cristo, segundo o registro de Mc 10.42-45"(blh), disse: "Vocês


sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as

23
dominam, e os seus grandes exercem poder sobre elas. Não será assim entre
vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vocês deverá ser
servo; e quem quiser tornar-se o primeiro deverá ser servo de todos. Pois nem
mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate de muitos". Jesus Cristo preconizou uma nova sociedade,
cujo poder governamental seria exercido por meio do serviço a todos. Uma
sociedade de cidadãos, onde todos seriam cidadãos, pois, só uma sociedade
em que o governo assume a sua vocação de servo, de todos, é que a
cidadania floresce.

Na sociedade do Cristo, o poder deveria ser exercido dessa forma


para que a sociedade pudesse cumprir a sua vocação, qual seja:
uma sociedade onde o uso da terra fosse regulamentado, tendo em vista o
bem de todos, pois, como disse o profeta Isaías: Deus não admite que alguém
possa comprar casa sobre casa e terra sobre terra até ser o único morador do
lugar. Na sociedade do Cristo a terra teria de ser repartida entre todos, pois é
para todos. Este tipo de coisa só acontece quando o governo está a serviço de
todos.
uma sociedade onde a riqueza fosse distribuída com eqüidade, pois,
como disse o apóstolo Paulo: Deus quer quem colheu demais não tenha
sobrando, e o que colheu de menos não tenha faltando. Uma sociedade com
consciência de coletividade. O que só acontece quando o governo está a
serviço de todos.

Uma sociedade onde o trabalhador usufruísse da riqueza que produz,


pois, como está escrito: o trabalhador é digno de seu salário e mais, não se
pode amordaçar o boi que debulha o milho, isto é, aquele que produz deve ser
o primeiro a usufruir do que produziu. Uma sociedade de trabalhadores para
trabalhadores. O que só acontece quando o governo está a serviço de todos.
uma sociedade onde a criança fosse prioridade, pois, Deus não quer que
nenhum dos pequeninos se perca, e ameaça com duras penas a sociedade
que desviar as crianças de sua vocação divina: vocação à saúde; à educação;
à segurança; à longevidade; ao emprego – enfim uma vida que possa ser
celebrada. O que só acontece quando o governo está a serviço de todos.
uma sociedade onde os orfãos e as viúvas, isto é, os que tudo perderam, não
ficasssem desamparados, pelo contrário, parte da produção seria destinada
exclusivamente para estes, para que não houvesse miséria na sociedade. Uma
sociedade onde todos desfrutassem do direito à dignidade. Uma sociedade de
cidadãos, pois, só onde há dignidade há cidadania.
Uma sociedade onde o idoso fosse referencial de sabedoria, nunca um
fardo, pois, na bíblia, o idoso é o conselheiro que ajuda o jovem na sua
caminhada e, por este é visto como um mentor, como alguém que é guardião
dos valores que devem nortear a sociedade. Alguém que deve ser honrado, o
cidadão por excelência, pois construiu e legou para as gerações que o
sucedem.

Na sociedade preconizada por Cristo o conjunto de cidadãos é o


estado. E todos são cidadãos. Por isso, o governo estaria a serviço de todos. E
estar a serviço significaria que o governo estaria sob o controle da cidadania, E
porque o governo estaria sob o controle, os direitos humanos seriam

24
respeitados. E onde os direitos humanos são respeitados há previdência, isto
é, o futuro do cidadão estaria assegurado, ou seja, o cidadão seria o
beneficiário da riqueza que produziria. E mais, previdência seria um conceito
que abrangeria não apenas a saúde ou a velhice, mas a escola, a segurança, o
emprego, o lazer, enfim, tudo o que dá qualidade à vida. Nesta sociedade, o
governo seria um agente previdenciário, e o futuro seria, não como algo que
quanto mais remoto melhor, mas como uma sucessão de presentes, onde cada
dia traria a garantia de um futuro assegurado.

No Brasil estamos com sérios problemas na questão da previdência e


dos direitos humanos, porque o Brasil não é uma sociedade de cidadãos. Há
cidadãos, mas são poucos, o resto é o povo.

Os cidadãos são os que detêm o poder econômico, são os que


financiam a classe política, eles é que são representados, é a quem o governo
serve. Para tais não há problema de previdência ou de respeito aos direitos
humanos, pois, todos os seus direitos são respeitados.

Como já foi propalado, vivemos o "apartheid" no Brasil. De um lado os


detentores do poder econômico, doutro lado o povo. Dizem aos membros do
povo que eles, também, são cidadãos, porém, é uma inverdade, pois, o povo
não tem direito ao voto, tem a obrigação do voto, e vota só para legitimar o que
os poucos cidadãos já decidiram. O povo vota, mas, não veta, e quem não tem
o poder de veto, de fato não exerceu o direito do voto, porque não tem como
obrigar os eleitos a serem os representantes que deveriam ser,
consequentemente nunca terá seus direitos respeitados. Quem respeita gente
que só serve de massa de manobra? E mais, o voto do povo tem sido fruto de
grandes campanhas de marketing, que o leva a sufragar alguém com quem
não tem a mínima identificação, de quem nunca mais saberá nada, até que,
através de outra campanha de marketing, seja chamado a legitimar os desejos
da classe dominante.

Durante o mandato de seus pretensos representantes, uma vez que


constitui a maioria da população, o povo terá de engolir falácias de todo o tipo,
tais como:
1- A solução é a privatização. Solução do que ninguém explica.
Solução para a saúde da empresa, certamente não é, pois, a solução para a
saúde de qualquer empreendimento é a boa administração.
2- Todo subsídio é danoso, empresa estatal só pode cumprir o seu
papel social com eficiência, se for lucrativo. Nunca é dito que empresas
estatais, com estratégico papel social, não têm de ser eficientes, têm de ser
eficazes, não é uma questão de fazer "certo" as coisas, mas, sim, de fazer as
coisas certas, isto é, de cumprir o seu papel social. Por exemplo: o trabalhador
não paga imposto para que a empresa municipal de transporte urbano dê lucro,
mas para que possa ser transportado com dignidade.
3- Que o grande problema é a inflação. Nunca é o desemprego, a
miséria, o analfabetismo, os baixos salários, a fome. E que para resolver este
grande problema tem de haver mais desemprego, mais salários baixos, mais
miséria e mais fome. O povo cede e problema nunca se resolve. Quando
parece que agora vai...surge uma nova crise e mais sacrifício.

25
4- Que não há dinheiro para os programas sociais e, muito menos,
para a previdência social. Que o fardo que a previdência carrega é por demais
elevado. Mas como pode ser por demais elevado se o trabalhador apenas quer
aquilo pelo que pagou, e sempre recebe muito menos? Por que não é dito que
num órgão onde a corrupção caminha de mãos dadas com a impunidade não
há dinheiro que cheque? Que o trabalhador paga, porém, a sonegação desvia
o dinheiro e não há combate sério a esta? Que num país em que as grandes
fortunas não são taxadas, em que o capital especulativo tampouco é
devidamente taxado, assim como os lucros astronômicos das instituições
financeiras, nunca haverá mesmo recursos para projetos sociais?

Que fazer diante disso? É preciso um milagre. Não o milagre


sobrenatural, mas o milagre da conscientização, o milagre que abre os olhos.
Cada trabalhador, cada marginalizado tem de se conscientizar de que povo é
uma categoria que não existe, ou se é cidadão ou não se é nada. Cada um
destes tem de se conscientizar de que para que os seus direitos sejam
respeitados, para que o governo não lhe engane com falácias, ele tem de
fazer-se cidadão, ou seja , tem de se ver como alguém a quem o governo tem
de servir, tem de transformar a obrigação do voto no exercício do direito de
votar, votar só naqueles sobre quem tem o poder de veto, e transformar isso
em lei. A categoria povo tem de ser substituída pela categoria sociedade –
sociedade de cidadãos. Sociedade onde a lei é para todos; que tem um projeto
de estado – estado previdenciário. A recentíssima história tem nos feito ver,
que onde a consciência de cidadania triunfa, as forças progressistas são
sufragadas e, consequentemente, desaparece o povo e surge o cidadão e a
sociedade. Que assim seja em Nome do Senhor Jesus Cristo.

A tarefa da Igreja é tornar-se instrumento da graça em toda a sua


abrangência. Penso que, neste caso, ser agente da graça é ser postuladora e
conscientizadora das políticas do Reino de Deus.

Creio que a Igreja Brasileira precisa deixar de apenas usufruir a graça para
tornar-se propagadora da graça. Em cada um dos quesitos levantados há o
que fazer se a igreja brasileira quiser, de fato, ser agente da graça em nosso
território.

26
Parte V
A GRAÇA E O CONHECIMENTO

 "Antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e


Salvador Jesus Cristo. A Ele seja dada a glória, assim agora, como até o dia da
eternidade". (2Pe 3.18) O cristão é um ser humano em desenvolvimento.
Alguém usava uma camiseta onde estava escrito: "Tenha paciência porque
ainda estou em construção".

É; estamos em construção. O crente em nosso Senhor Jesus Cristo


tem que agradecer diariamente a graça de Deus e de Seu Filho, e ir
penetrando mais e mais além do véu do santuário.

Sim. A graça e o conhecimento têm como sua fonte a pessoa de Cristo


Jesus. Pedro, o apóstolo, nos adverte a crescer "na graça e no conhecimento"
do Senhor, e o faz no mesmo espírito que levou Paulo a dizer "seguindo a
verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" e "o
Senhor vos faça crescer e abundar em amor uns para com os outros e para
com todos."

A experiência da santificação está relacionada ao crescimento cristão,


e é, mesmo, um desafio ao crescimento na sabedoria, no conhecimento, na
experiência e na graça.

A GRAÇA
A graça de Deus, Seu amor que não merecemos, faz-nos o que
somos. Ela é Deus em operação no nosso ser. É impressionante que todas as
religiões começam com o ser humano buscando seu(s) deus(es). Assim no
animismo, no candomblé, no hinduismo, etc. Mas o evangelho de Cristo
começa com Deus buscando a pessoa humana. Só temos que examinar o
testemunho da Sua Palavra: "Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco:
em que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, par que por meio dele
vivamos. Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em
que Ele nos amou a nós, e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos
pecados. Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro".

A graça de Deus escolheu os patriarcas: Noé, Abraão, Jacó, José,


Moisés. Escolheu os profetas: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Amós
(7.14,15). Jesus Cristo escolheu os apóstolos (Mt 10.10; Mc 3.13; Lc 6.13; 9.1;
2Co 12.9); escolheu os seus santos (Rm 1.7; 1Co 1.2: Ef 1.1,2). A Bíblia é a
história da graça de Deus, e Deus Pai é o Deus de toda graça (1Pe 5.10),
como o Espírito Santo é o Espírito da graça (Zc 12.10), e Jesus Cristo é a
Palavra de Deus cheia de "graça e de verdade"(Jo 1,14).
Mas a graça de Jesus Cristo, na qual somos encorajados a crescer, não é uma
graça barata, graça de liquidação. Não é a pregação do perdão sem
arrependimento, do batismo sem discipulado, da comunhão sem confissão.
Porque graça barata é a graça sem cruz, que dispensa o Calvário e sem Jesus
Cristo ressuscitado!
Não! Pela graça há uma nova relação com Deus, uma nova
obediência. E afirmar Efésios 2.8 ("Porque pela graça sois salvos, por meio da

27
fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus) é sinônimo de confiança no valor da
obra salvadora de Deus.
A graça se reflete em três aspectos: a já mencionada salvação pela
graça, a segurança por meio da graça e a graça como regra de conduta. A
graça salvadora é mais que simples amor porque é amor que liberta, que torna
o salvo triunfante sobre o juízo final (leia Jo 3.18); é o amor sem limites e livre
de Deus pelo perdido. A segurança pela graça significa que Deus guarda os
seus (leia Jo 10.27-29; Rm 8.35-39; Jo 6.37,39). Como regra de vida significa
que devemos crescer nela pela transformação segundo a imagem de Cristo, o
que é produzido em nós pelo poder do Espírito Santo (leia 2Co 3.18). E então
surge em nossa vida um novo senso de responsabilidade por nossas atitudes,
de propriedade por nossas ações, de alegria por estar vivo e ativo no reino de
Deus; novo sentido de esperança para o futuro, e, por isso, celebramos a
graça, maravilhosa graça, abundante graça, extraordinária graça que nos dá
salvação, vida e alegria!

O CONHECIMENTO

O "conhecimento de Cristo" pode ser uma de duas coisas, ou as duas;


um conhecimento acerca de Jesus Cristo (cf. 2Pe 1.5,6), ou/e um
conhecimento pessoal de Cristo, um encontro com Ele como Salvador pessoal,
um contato constante com Ele.
Então, qual o Cristo que você conhece? O Cristo morto da teologia
popular brasileira? Mostrando a uns amigos americanos um templo antigo da
Igreja Majoritária, ao lado do espanto, misto de admiração pelos painéis
folheados a ouro, altares rebuscados, tive um repentino susto ao ver debaixo
de um dos altares um cadáver num caixão. Olhando melhor, observei que era
uma imagem em tamanho natural representando o Cristo defunto tão ao gosto
de certa forma de religiosidade. São expressões de um folheto de cordel:

"Vendo Jesus Cristo morto


Ao pé da cruz se sentaram
5.000 e 5 chagas
Encontrou no corpo dele.
5.000 e doze espinhos
A Virgem retirou dele.
5.000 gramas de sangue
Fazem cortina pra ele.

Aos mãos estavam furadas,


Os ossos desconjuntados,
Despido de suas vestes
Os dois pés finos cravados,
O peito rasgado à lança.
Os dois olhos fechados".

Qual o Cristo que você conhece? O Cristo distante? O Cristo do


Corcovado, dos Altos do Cruzeiro (praticamente toda cidade do interior, e
algumas capitais como Salvador, Rio de Janeiro, Recife têm um morro para
onde se vai em romaria, subindo, por vezes, de joelho a escadaria numa

28
autêntica demonstração de "salvação pelas obras"). O Cristo metafísico, longe
de nós?
Qual o Cristo que você conhece? O Cristo-que-não-inspira-respeito?
Das músicas profanas e piadas pretensamente jocosas?
Qual o Cristo que você conhece? O Cristo docético, pálido, ausente da
vida diária; cuja natureza humana e deformada, ou substituido por um orixá?
Qual o Cristo que você conhece? O Cristo-Oxalá, filho unigênito do Pai
Olorum?
O Cristo Senhor de Maitreya do movimento "Nova Era"?
O Cristo-só-homem? Grande filósofo? Grande mestre?
O irmão está pensando, "Pastor, eu sou crente, sou salvo!" Volto a lhe
perguntar, meu irmão, qual o Cristo que você conhece? O Cristo sem poder,
inerte, que nega a palavra profética de que o Espírito do Senhor está sobre Ele,
e O ungiu para anunciar boas novas, proclamar libertação, restauração, por um
fim à opressão, e proclamar o ano das bênçãos, da graça, o ano aceitável do
Senhor (cf. Lc 4.17-21; Is 61.1ss)?
Qual o Cristo que você conhece? O Cristo existencialista de
Bultmann? O Cristo revolucionário, parazelote, de Cullmann, dos teólogos da
libertação, das categorias políticas? Ou o Cristo servo-sofredor dos profetas, o
Cristo da esperança de todo o Novo Testamento?
Num dos seus iluminados livros, o Pr. A. W. Tozer ensina que há graus
de conhecimento das realidades divinas. E, fazendo um paralelo com o templo
de Jerusalém, explica dizendo que o primeiro deles é o grau da razão que se
refere ao pátio do templo, ao ar livre e recebendo a luz natural. Verdade é que
tudo era divino, mas a qualidade do conhecimento se tornava mais sublime à
medida que o adorador deixava o átrio, a parte de fora do templo, e ia se
aproximando do Santo dos Santos onde estava a arca. O segundo grau é o da
fé correspondendo ao lugar Santo. É aquele que penetra na fé da criação
divina do Universo, crê na Trindade Divina, crê que Deus é amor, e que Jesus
Cristo morreu por nós, ressuscitou, e está ao lado do Pai. O mais elevado é o
da experiência espiritual: é o Santo dos Santos, o conhecimento mais puro. Em
João 14.21, Jesus disse, "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda,
esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o
amarei, e me manifestarei a ele."

E Paulo fala de sua experiência no Espírito com as seguintes expressões: "É


necessário gloriar-me, embora não convenha; mas passarei a visões e
revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se
no corpo não sei, se fora do corpo não sei; Deus o sabe) foi arrebatado até o
terceiro céu. Sim, conheço o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei:
Deus o sabe), que foi arrebatado ao paraíso, e ouviu palavras inefáveis, as
quais não é lícito ao homem referir." (2Co 12.1-4)

Essa é a bem-aventurança maior: entrar pelo véu rasgado no lugar


Santíssimo.

Tendo pois, irmãos, ousadia para entrarmos no santíssimo lugar , pelo


sangue de Jesus, pelo caminho que Ele nos inaugurou, caminho novo e vivo,
através do véu, isto é, da sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a
casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de

29
fé; tendo o coração purificado de má consciência, e o corpo lavado com água
limpa, retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é
aquele que fez a promessa." (Hb 10.19-23).

O CRESCIMENTO

O alvo do crente em Jesus Cristo é crescer. Crescer na graça


(2Pe.3.18), crescer no conhecimento (Cl 1.10), crescer na fé (1Ts 1.3), crescer
na sabedoria (Pv 1.5), crescer em tudo (Ef 4.15).
Em Êxodo 33.13. Moisés faz um pedido ousado a Deus: "rogo-te que
agora me mostres os teus caminhos, para que eu te conheça". O Senhor,
então, assegura que irá com ele (cf. V. 14). No verso 18, ele faz um pedido
ainda mais ousado "Rogo-te que me mostres a tua glória". E, com isso, Moisés
nos ensina que não podemos ficar com menos.
Crescer como cristão, na fé, na graça e no conhecimento é uma
construção do Espírito de Deus. É o Espírito Santo o grande operário de Deus
em nosso próprio espírito.
Ora, as pessoas sensíveis à vida espiritual desejam ser mudadas para
melhor. Pois o evangelho tem uma proposta radical: é preciso morrer! Morrer
para o passado e nascer para uma nova vida:"Porque morreste, e a vossa vida
está escondida com Cristo em Deus": (Cl 3.3; cf. Rm 6.2,7ss; Cl 2.13; 1Co
15.31,36; Ef 4.24).

Então, virão os sinais de crescimento: a paz, a alegria, a esperança, a


segurança, a gratidão, o serviço (cf. Rm 14.17; Jo 14.27; Rm 5.5; 1Pe 1.3; 1Jo
5.12,13; Lc 24.53; Rm 12.1).

Por que crescer espiritualmente? Porque nosso Deus o espera. Pelo


Espírito, entramos na nova vida em Cristo; pelo Espírito, vemos em Jesus a
revelação de Deus, e então nos entregamos a Ele, e Seu Espírito toma conta
de nós e faz a obra, "porquanto o amor de Deus está derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5.5). É preciso crescer
espiritualmente porque nossa utilidade no reino de Deus o exige, decorrendo
daí um interesse profundo na Causa de Cristo, e a participação ativa no reino.
É preciso crescer espiritualmente para evitar a advertência de Paulo em
1Tm.1.5-7.
No entanto, se alguma dificuldade há, ponha-a diante de Deus em
oração, e faça certas perguntas: quem ordena crescer? Não é o pastor, mas o
próprio Deus. Em quem devo crer? Em Jesus Cristo. Mas não pergunte, "como
posso crer?" Pois diante de tantas graças, bênçãos e maravilhas, pergunte
"Como poderia deixar de crer?" E, então, submeta-se!
Pedro termina a carta como a começara (cf. 1.2), e como a vida cristã
é vida de desenvolvimento, crescimento e rumo à maturidade, ao lado da
ordem de Pedro está o encorajamento de Paulo, "... esquecendo-me das
coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão adiante, prossigo para
o alvo pelo prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus" não
esquecendo o profeta Oséias: "Conheçamos e prossigamos em conhecer ao
Senhor..." (6. 3). Amém.

30
Parte VI
A GRAÇA RESISTÍVEL

O título deste estudo poderia ser: Uma vez salvo, salvo para sempre?
Ou: Se o crente cometer apostasia perderá a salvação? Sei tratar-se de um
assunto controvertido. De um lado, os que seguindo a doutrina do Calvinismo
consideram a salvação imperdível. Do outro, os que alinhados ao ensino do
Arminianismo consideram plenamente possível o cair da graça. Para melhor
compreensão, vejamos um resumo dessas doutrinas.

CALVINISMO - Sistema teológico elaborado pelo teólogo francês João


Calvino (1509-1564). Os pontos fundamentais do seu ensino são:
(1) Depravação total: Os homens nascem depravados, não lhes sendo
possível, nesse estado, escolher o caminho da salvação.
(2) Eleição incondicional - Somos escolhidos por Deus para salvação,
independente de qualquer mérito de nossa parte.
(3) Graça irresistível - Os escolhidos não resistirão à graça salvadora
do Criador, em razão da atuação do Espírito Santo, convencendo-os do
pecado.
(4) Expiação limitada aos eleitos - O alto preço do resgate, pago por
Jesus na cruz, alcançou apenas os eleitos.
(5) Perseverança dos crentes - Nenhum dos eleitos perderá a
salvação; irão perseverar até o fim, pois estão predestinados ao céu desde a
fundação do mundo. Em resumo, o movimento teológico calvinista defende a
absoluta soberania de Deus, e a exclusão do livre-arbítrio. Deus concede aos
eleitos graça eficaz e irresistível, que permite ao homem continuar
perseverante por toda a vida.

ARMINIANISMO - Sistema teológico formulado pelo teólogo holandês


Jacobus Arminius (1560-1609), em oposição à doutrina Calvinista da
predestinação, assim exposto:
1) Livre-arbítrio - Deus concedeu ao homem a capacidade de aceitar
ou recusar a salvação que lhe é oferecida.
2) Eleição condicional - Deus elege ou reprova com base na fé ou na
incredulidade em Jesus Cristo.
3) Expiação ilimitada - Cristo morreu por todos, e não somente pelos
eleitos.
4) Graça resistível - É possível ao homem rejeitar a Graça de Deus e,
em conseqüência, perder a salvação.
5) Decair da Graça - Os salvos podem perder a salvação se não
perseverarem até o fim.

Os defensores da graça irresistível, ou seja, os que tomam partido no


Calvinismo, não admitindo a perda da salvação dos "eleitos" em nenhuma
hipótese, apresentam, dentre outros, os seguintes argumentos bíblicos: "Eu
lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; ninguém poderá arrebatá-las da
minha mão" (Jo 10.28).

"Quem nos separará do amor de Cristo?..." (Rm 8.35).


"Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar..."(Jd 24).

31
"E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados
para o dia da redenção" (Ef 4.30)

"Portanto, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas


já passaram, tudo se fez novo" (2 Co 5.17).

"Pois [Jesus Cristo] nos elegeu nele antes da fundação do mundo,


para sermos santos e irrepreensíveis diante dele. Em amor nos predestinou
para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo..." (Ef 1.4-5).

"Porque os que dantes conheceu, também os predestinou ...aos que


predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também
justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou"(Rm 8.29-30).

Outras referências associadas à eleição e predestinação: Jr 1.5;10.23;


Sl 65.4; Jo 6.44; 9.23; 10.13; Ef 1.11-12; 2.10; 2 Tm 1.9; 2 Ts 2.13. 1 Jo 2.18-
19.

Os que admitem a perda da salvação do crente, em caso de abandono


da fé, apresentam, dentre outros, os seguintes argumentos bíblicos: "Se
voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebido o pleno
conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas
certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo que há de devorar os
adversários" (Hb 10.26-27).

"Meus irmãos, se algum dentre vós se desviar da verdade, e alguém o


converter, sabei que aquele que fizer converter um pecador do erro do seu
caminho salvará da morte uma alma..." (Tg 5.19-20).

"Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, como o ramo,
e secará; tais ramos são apanhados, lançados no fogo e se queimam"
(Jo.15.6).

"Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos alguns


apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de
demônios" (1 Tm 4.1).

"Agora, contudo, vos reconciliou no corpo de sua carne...se é que


permaneceis fundados e firmes na fé..."(Cl 1.22-230).

"Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? ..."


(Hb 2.1-3).

LIVRE-ARBÍTRIO

Deus criou o homem com liberdade para tomar decisões, com


liberdade para rejeitar ou aceitar Seu plano de salvação, para crer ou não crer
nEle. Essa liberdade faz parte da condição humana. Caso contrário, seríamos
como marionetes, ou robôs programados pelo Criador. Não seríamos culpados
por nossos atos.

32
Adão e Eva tiveram a liberdade de decidir; influenciados pelo diabo,
optaram pela desobediência ao Criador. Antes disso, Lúcifer, um anjo de
grande prestígio no céu, também usou de seu livre-arbítrio, desejou ser igual
ao Altíssimo e caiu em rebelião.

Em Deuteronômio 28, Deus coloca diante do seu povo dois caminhos:


(a) "Se obedeceres à voz do Senhor teu Deus...todas as bênçãos virão sobre
ti..." (b) "Mas se não deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus...virão sobre ti
todas estas maldições...". Noutras palavras, Deus concede ao seu povo a
liberdade de escolha.

Jesus nos deixou outro exemplo dessa liberdade. Em Mateus 7, Ele


afirma que diante dos pecadores existem dois caminhos: um deles é espaçoso
e conduz à perdição; o outro, estreito, conduz à vida eterna. Disse mais que
são poucos os que percorrem o caminho apertado. Ora, se não prevalecesse a
vontade humana, todos os homens seguiriam o caminho estreito, porque é da
vontade de Deus que todos se salvem.

O cerne da questão está na condição do homem após aceitar Jesus


como seu Senhor e único Salvador. O crente, usando o seu livre-arbítrio, pode
voltar-se para o pecado, perder a fé, perder a graça de Deus e, assim, perder a
salvação? Mais uma pergunta cabe formular: o crente possui livre-arbítrio? Se
a resposta for afirmativa, é evidente que ele poderá usá-lo, e usá-lo para
abandonar a sua fé original e fazer morrer a chama do primeiro amor; se
negativa, teríamos que solicitar respaldo bíblico para tal opinião.

A partir da decisão do primeiro casal no Éden, as evidências


escriturísticas provam que em nenhuma circunstância o ser humano perde o
direito à liberdade de escolha dada por Deus. O argumento de que temos o
Consolador que nos convence do pecado, e portanto não podemos cair, não
me parece suficiente. Vejam: "Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de
vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo" (HB 3.12). Só pode
haver desenlace quando há enlace; só podemos sair de onde entramos;
"apartar-se do Deus vivo" significa quebrar uma aliança existente.

ELEIÇÃO E PREDESTINAÇÃO

No estudo da apostasia pessoal não se pode deixar de comentar a


doutrina dos eleitos e predestinados. No Calvinismo, nada impedirá a salvação
dos escolhidos. No Arminianismo, a eleição e a reprovação é com base na fé
ou incredulidade. Examinemos o seguinte versículo: "Veio [Jesus] para o que
era seu, e os seus não O receberam; mas a todos quantos O receberam deu-
lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu
nome"(Jo.1.11-12). Somente seremos adotados como filhos se crermos em
Jesus. Logo, os "eleitos" estão sujeitos a esta condição.

Os "eleitos" de Deus são todos os que, após receber a Cristo,


perseveram na fé obediente. Por isso, Jesus advertiu aos discípulos: "Aquele
que PERSEVERAR até o fim será salvo" (Mt 10.22). Os que mantiverem a fé

33
perseverante estarão predestinados à vida eterna. Logo, os que forem
negligentes não terão o mesmo destino.

São eleitos os que estiverem unidos a Cristo: "Quem nEle crê, não é
condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no nome do
unigênito Filho de Deus" (Jo 3.18). Portanto, o entendimento de uma eleição
por meio de um ato unilateral da parte de Deus fica prejudicado. É da vontade
de Deus que nenhum homem se perca (Jo 6.39) ou caia da graça (Gl 5.4; 2 Pe
3.9). A expressão "cair da graça" nos diz da possibilidade de alguém perder a
salvação.

Se todos os homens são chamados a participarem do plano de


salvação (Jo 3.16), não há como acreditarmos que Deus escolhe alguns e, por
exclusão, condena os demais. Se estivessem previamente escolhidos, não
teria sentido a recomendação para que "todos os homens em todos os lugares
se arrependam" (At 17.30), nem a ordem do "Ide por todo o mundo, e pregai o
Evangelho a toda criatura" (Mc 16.15).

O ensino calvinista leva ao entendimento de que Deus, ao eleger seus


preferidos, selou por um ato divino o destino dos não eleitos, ou seja, a morte
eterna. Os não escolhidos estariam proibidos de crer em Jesus para serem
salvos. Não consigo entender - ainda que me esforce - a idéia de que Cristo
morreu somente por alguns pecadores. Vejamos: Cristo morreu pelos
pecadores (Rm 5.8); Cristo morreu pelos ímpios (Rm 5.6); Cristo morreu para
dar salvação aos que nEle crerem (Jo 3.16, 11.26); Cristo veio para dar vida às
ovelhas perdidas (Mt 15.24; 18.11).

Como vimos, a eleição para a salvação em Cristo é oferecida a todos


(Jo 3.16-17), porque Deus "deseja que todos os homens se salvem, e venham
ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2.4), "pois a graça de deus se manifestou,
trazendo salvação a todos os homens" (Tt 2.11). Deus não deseja salvar
apenas uma parte dos homens, mas TODOS os homens.

Se houvesse a dupla predestinação, ou seja, os escolhidos para o céu,


os não escolhidos para a perdição, o inferno não teria sido preparado para o
diabo e seus anjos, como diz Mateus 25.41. Este versículo teria outro
enunciado: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado desde
a fundação do mundo para o diabo e seus anjos, e para todos os não eleitos".
Ora, os homens são jogados no lago de fogo e enxofre em conseqüência de
uma decisão por eles tomada em vida, a decisão (livre-arbítrio) de não seguir o
caminho estreito.

A predestinação e a eleição dizem respeito ao corpo coletivo de Cristo


(a verdadeira igreja), e somente alcançam os que tomam parte neste corpo
mediante a fé viva em Jesus Cristo (At 2.38-41; 16.31). Como está dito à p.
1890 da Bíblia de Estudos Pentecostal, "no tocante à eleição e predestinação,
podemos aplicar a analogia de um grande navio viajando para o céu. Deus
escolhe o navio (a igreja) para ser sua própria nau. Cristo é o Capitão e Piloto
desse navio. Todos os que desejam estar nesse navio eleito, podem fazê-lo
mediante a fé viva em Cristo. Enquanto permanecerem no navio,

34
acompanhando seu Capitão, estarão entre os eleitos. Caso alguém abandone
o navio e o seu Capitão, deixará de ser um dos eleitos. A predestinação
concerne ao destino do navio e ao que Deus preparou para quem nele
permanece. Deus convida todos a entrar a bordo do navio eleito mediante
Jesus Cristo". Como veremos a seguir, muitas são as advertências para que
ninguém saia do navio; caso alguém não permaneça nele, não chegará ao
porto seguro.

A GRAÇA CONDICIONAL

A seguir, alguns textos que falam da PERMANÊNCIA na fé como


condição sine qua non para não perdermos a coroa da vida.

"Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em mim, e


eu nele, esse dá muito fruto...Se alguém não permanecer em mim, será
lançado fora..." (Jo 15.5-6).
Comentário: Nessa alegoria Jesus diz da possibilidade de um crente
abandonar a fé, deixá-LO, e perder a salvação.

"A vós também, que noutro tempo éreis estranhos...agora vos


reconciliou no corpo da sua carne...se é que permaneceis fundados e firmes na
fé, não vos deixando afastar da esperança do evangelho..." (Cl 1.21-23).
Comentário: Paulo fala aos "santos e irmãos em Cristo. A reconciliação em
Cristo depende da permanência na fé.

"Mas o meu justo viverá pela fé. E se ele recuar, a minha alma não tem
prazer nele. Nós, porém, não somos daqueles que retrocedem para a perdição,
mas daqueles que crêem para a conservação da alma" (Hb 10.38-39)
Comentário: Em outras palavras: Se o crente ("meu justo") me abandonar,
estará perdido. A possibilidade de recuo, de deixar, de abandonar a fé é uma
realidade possível. "Daqueles que retrocedem" é uma palavra de exortação,
uma injeção de ânimo para que continuem firmes na fé, mas fala também da
possibilidade de o crente volta ao primitivo estado.

"E odiados de todos sereis por causa do meu nome. Mas aquele que
perseverar até o fim será salvo" (Mt 10.22).
Comentário: A segunda parte poderia ser assim: "Aquele que não perseverar
até o fim NÃO será salvo".

A necessidade de fidelidade e vigilância é realçada na parábola das


Dez Virgens (Mt 25.1-13), onde Cristo demonstra que boa parte dos crentes
não estará preparada na Sua inesperada vinda. Da mesma forma, a parábola
do "Servo Vigilante" (Lc 12.35-48) demonstra a imperiosa necessidade de o
crente não negligenciar na fé, e manter-se espiritualmente pronto para a volta
do Senhor.

"Irmãos, se algum de entre vós se tem desviado da verdade, e alguém


o converter, saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um
pecador salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados"
(Tg.5.19-20).

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Comentário: A epístola, dentre outros objetivos, destinou-se a
encorajar crentes judeus, exortando-os a se manterem na Verdade que lhes foi
revelada. Como se vê, Tiago admite ser possível alguém, "dentre os irmãos",
abandonar a fé e resistir à graça.

"Os quais, deixando o caminho direito, erraram seguindo o caminho de


Balaão... Portanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo,
pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez
envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o
primeiro" (2 Pe 2.15,20-22).

Comentário: Pedro retrata a situação dos falsos mestres que


anteriormente receberam a redenção pelo sangue de Jesus, depois voltaram à
escravidão do pecado e perderam a salvação.

CONCLUSÃO

Ao terminar de fazer o homem à sua imagem e conforme sua


semelhança, Deus declarou que Sua obra era muito boa (Gn 1.31). Adão
estava livre para tomar decisões, até para desobedecer ao Criador, como de
fato desobedeceu (Gn 2.16-17; 3.1-6). Nas palavras do Senhor a Caim (Gn 4.7)
nota-se que a liberdade de decidir continua fazendo parte do ser humano.

A salvação em Cristo é oferecida a todos os homens porque Ele


morreu por todos os pecadores, pelo mundo inteiro, e não apenas pelos eleitos
(2 Co 5.14-15; Hb 2.9; 1 Jo 2.2). A salvação está disponível a todos, mas os
interessados deverão buscá-la na cruz, pois é dada somente aos que crêem.

Não existe eleição sem Cristo. A condição para sermos eleitos é a fé


obediente em Cristo Jesus. Vejam: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos
lugares celestiais em Cristo, como também NOS ELEGEU NELE [em Cristo]
antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis
diante dele em caridade, e nos PREDESTINOU para filhos de adoção por
Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade" (Ef 1.3-5)

36
Parte VII
DINHEIRO E BENS MATERIAIS SINAIS DA GRAÇA DE DEUS
( A VISÃO REFORMADA )

"É pela atitude do Cristão em relação aos bens materiais, que se julga
da sua vida espiritual. O comportamento do homem para com o dinheiro é a
expressão tangível de sua verdadeira fé" João Calvino

"O desígnio de Deus, em nutrindo o homem, não é apenas prover-lhe


ás meras necessidades materiais. Visa a um fim espiritual. Através do sustento,
Deus Se faz conhecer á criatura, revela-se a ela como o Criador"

A Teologia Reformada, ou Calvinismo, não é um tipo de espiritualismo,


como quer entender o humanismo, que separa a vida material da vida
espiritual. A doutrina reformada não advoga este tipo de alienação. A vida
material e a vida do corpo estão intimamente ligadas á vida espiritual. Por isto
há uma grande necessidade de estudarmos este aspecto da vida cristã que
também diz respeito ás questões financeiras (Amós 3:3). Dentro do lar, a área
que envolve finanças tem sido objeto de tantos problemas ao casamento. Vem
logo abaixo da comunicação e de problemas no relacionamento sexual na lista
de destruidores dos lares.

Muita gente pensa que a Bíblia deve ser consultada apenas para
coisas espirituais, mas, segundo o conceito reformado, ela é a nossa "regra de
fé e prática". Seus ensinamentos dizem respeito a todas as áreas da vida do
crente, como já vimos na área da sexualidade. Seus ensinos são ricos e
profundos. Visam apenas o nosso bem.

Vamos primeiramente examinar três atitudes negativas que


determinam como usamos o nosso dinheiro: medo, cobiça e orgulho.

Medo: Podemos ter medo de perder o emprego, de sofrer uma


enfermidade prolongada, de sofrer um acidente. Temos medo da inflação, do
congresso que não cumpre o seu dever, do resultado da próxima eleição e
como ele afetará a nossa economia já tão combalida, do aumento da gasolina,
do aumento da prestação da casa própria, ad infinitum.

Para Calvino, o dinheiro é um sinal de duplo sentido: sinal de graça


para aquele que, pela fé, reconhece que tudo lhe vem de Deus, e sinal de
condenação para aquele que recebe os bens dos quais vive sem discernir que
são dádiva de Deus. Por esta razão o dinheiro sempre põe o homem á prova.

"Quando pois, temos refeições a tomar, o que beber e o que comer,


aprendamos a levantar os olhos para o Alto e de tal maneira aproveitarmos e
servir-nos destes meios ordinários, que saibamos que é Deus Quem nos
alimenta" João Calvino

Cobiça: A segunda atitude negativa é a cobiça. Encorajados por uma


sociedade materialista e consumista, queremos sempre mais e mais,

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precisamos sempre de mais e mais para nos considerar bem de vida, deixando
de lado o conceito do bem supremo da vida.

Orgulho: É a terceira atitude negativa que pode determinar a maneira


como vemos o dinheiro vem diretamente do poder e status que a nosso cultura
confere aos bens de consumo. Tiago 2:2-4.

"Se a confiança em Deus não exclui o trabalho, elimina, em


contraposição, o orgulho e a falsa segurança que o homem crê poder
fundamentar sobre seu trabalho, tão frequentemente acompanhados de uma
atividade febril desmesurada e de um zelo profissional que devora toda a
existência"

De onde vêm essas atitudes negativas relacionadas ao dinheiro e aos


bens materiais? Resposta: Da nossa criação, da Cultura materialista e da má
compreensão quanto ao que a Bíblia ensina sobre o dinheiro.

EXISTEM BASICAMENTE TRÊS TEOLOGIAS SOBRE O DINHEIRO

1. Teologia da pobreza - Lucas 18:18-22


2. Teologia da prosperidade - Mateus 7:7-8
3. Teologia da administração - Mateus 25:14-30

Tabela (tirada do livro O Homem de Hoje)

Embora as três teologias usem versículos bíblicos para sustentá-las,


duas delas são baseadas numa visão parcial do ensino bíblico, e portanto
ficam distorcidas.

Para evitar isso, vamos olhar o quadro total, examinando quatro


tópicos importantes:

I. O PODER DO DINHEIRO
II. ADOTE UM SISTEMA ADEQUADO DE VALORES
III. COMO GASTAR O DINHEIRO
IV. CONSELHOS PRÁTICOS EM COMO USAR O DINHEIRO

I. O PODER DO DINHEIRO

"Quando as riquezas dominam no homem, Deus é despojado de sua


dominação" J. Calvino

Por que a Bíblia fala tanto sobre o dinheiro? Mateus 6:24 - Neste
versículo e em outros, Jesus o coloca em oposição direta a Deus. Servir a
Deus e a Mamom, ou seja, às riquezas, é pura impossibilidade. ( Lucas 6:24,
Lucas 16:13, Mateus 6:19, Mateus 19:24-25, Lucas 12:15, Lucas 12:33, Lucas
6:30.).

"Como se vê na doutrina reformada, as riquezas não aparecem, em


primeira plana, como objeto da moral, mas antes, acima de tudo, como

38
elemento da vida religiosa. Põem o homem diante de uma escolha, frente a
uma alternativa: ou bem as reconhece e as recebe na fé, como uma dádiva de
Deus, um sinal de Sua graça, ou bem lhes confere poder e eficiência
autônomos e renega, dessarte, o senhorio de Deus sobre todas as coisas"
(grifo nosso )
O dinheiro, como um rival de Deus pela nossa afeição, pela nossa
devoção, pela supremacia em nossa vida, precisa ser avaliado e subjugado.
Não subestimemos o seu poder. (1 Timóteo 6:10, que diz: "o amor do dinheiro
é raiz de todos os males" ). O dinheiro quer ocupar o lugar de Deus nas nossas
vidas. Como podemos subjugá-lo e colocá-lo a nosso serviço e a serviço do
reino de Deus através da nossa mediação? "Como consagração das riquezas é
o sinal infalível da fé autêntica ,é para examiná-la que Deus concede ao
homem, ou lhe retira, a prosperidade. A dádiva dos bens materiais tem sempre,
e em todo tempo, o valor de uma prova de Fé, qualquer que seja a abundância
destes bens" ( grifo nosso )

II. ADOTE UM SISTEMA ADEQUADO DE VALORES

Assim, vamos analisar os princípios bíblicos que nos ensinam a forma


adequada de usar o dinheiro de que precisamos para viver e para ajudar aos
outros. Efésios 4:28.

1. Tudo o que existe sobre a terra pertence a Deus, inclusive os bens


que me foram confiados. Salmo 24:1; 1 Crônicas 29:11-14; Jó 41:11; Êxodo
19:5; Levítico 25:23. A consciência desse fato nos liberta do espírito de posse e
destrói a separação entre as minhas coisas e as coisas de Deus.
2. É Deus quem nos capacita para ganharmos dinheiro. O trabalho é
um bem e uma necessidade. Gênesis 1:28,31. Mas até mesmo para trabalhar,
dependemos de Deus. Deuteronômio 8:18; Provérbios 10:22; 1 Coríntios 4:7.
3. Deus espera que usemos plenamente a força e a capacidade dadas
por ele em trabalho sério e honesto. Esta é a maneira criada por Deus para
suprir as nossas necessidades. Êxodo 20:9; Salmo 37:25; Provérbios 13:11;
10:4; 28:20; 22:29; 28:22; Colossenses 3:23,24; 1 Tessalonicenses
4:10b,11,12.
4. Há muita coisa que vale mais do que o ouro. O nosso sistema de
valores vai determinar as nossas prioridades. Provérbios 15:16; 16:8; 22:1;
31:10; Salmo 127:3,5; Mateus 6:33; Jeremias 9:23,24; Lucas 10:20,21; Mateus
6:19-20; 1 Timóteo 6:17-19; Efésios 3:8.
5. A cobiça, a insatisfação e a preocupação com as coisas materiais
são pecado. Como já vimos antes, a cobiça é o primeiro mandamento que
quebramos por significar que estamos descontentes com aquilo que Deus nos
confia. Ele é o dono de tudo, tem todo o direito de dar conforme Seu plano e
Sua vontade. Êxodo 20:17; Col. 3:5; Hebreus 13:5; Mateus 6:25,32,34.
Deuteronômio 6:10:11:
6. Não Permita se Enganar pela Mentira de que a Verdadeira
Felicidade Depende do Dinheiro. Adote um sistema de valores baseado na
Palavra de Deus.
Temos vivido numa sociedade consumista : A propaganda nos convida
a um desejo compulsivo de ter as coisas; é a necessidade imposta de ter o

39
novo, conforto, de comprar o supérfluo, de usar o descartável, de ter o
moderno, o bonito !
Lc. 12:15 - ". porque a vida de um homem não consiste na abundância
de bens que ele possui "
I Tm 6:10 - " Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males . . ."
Mt 6:19, 21 - "Não acumuleis para vós outros Tesouros sobre a Terra,
onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam ; Porque
onde está o teu Tesouro, aí estará o teu coração".

7. Não Estabeleça seu Padrão de Vida Tomando Como Base o de


Terceiros: A tendência do ser humano é cobiçar os bens do próximo. Se, por
exemplo, o vizinho comprou um "Astra GLS", eu sinto imediatamente uma
compulsão para adquirir algo semelhante.
A insatisfação com os próprios bens e a aceitação do consumismo
exacerbado, tem levado muitos casais a caírem em dívidas que desequilibram
a vida financeira
8. Conscientize-se de que a Fidelidade a Deus Vai Desencadear um
Ciclo de Benção em sua Vida : Nosso sucesso na vida financeira, familiar,
social, profissional e espiritual, está intimamente ligado à nossa fidelidade a
Deus com relação aos dízimos.
Ml. 3:10 " Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro ( . . . ) e provai-
me nisto, se eu não vos abrir janelas do céu e não derramar bênçãos sem
medida sobre vós".
Lc. 6:37 " Dai, e dar-se-vos-á, boa medida, recalcada, sacudida,
transbordante, generosamente vos darão, . "
Pv. 11:24,25 " A quem dá liberalmente ainda se lhe acrescenta mais e
mais ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda".
Pv. 3:9,10 - "Honra ao Senhor com os teus bens . . . e se encherão
fartamente os teus celeiros . . ."
"A indiferênça dos fiéis em relação ás exigências financeiras de sua
igreja traduz, explicitamente, a vitória do mal alcançada contra o Evangelho
nesa igreja"

Passemos agora a estudar o que a Bíblia nos ensina a respeito de


como gastar o dinheiro que Deus nos confiou.

III. COMO UTILIZAR BEM O DINHEIRO

1. Devemos planejar como ganhar e gastar dinheiro. Prov. 27:23-24,


24:27, Mat. 25:14-30, Lucas 19:11-27

O que a Bíblia condena é a ansiedade com relação às coisas materiais


e ao futuro. Entretanto, é necessário planejar bem pois o mínimo que Deus
espera de nós é que não deixemos desvalorizar aquilo que ele nos confiou. "E
a maneira como empregamos o nosso dinheiro traduz aos olhos de Deus , com
exatidão matemática, nossa fé real, muito mais do que nossas belas palavras
ou nossos piedosos sentimentos"

2. Devemos devolver as primícias a Deus : O dízimo foi estabelecido


como um reconhecimento de que todos os bens materiais vêm das mãos de

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Deus: Gênesis 22:28 Dar o dízimo é algo que nós precisamos fazer pois,
através dessa dádiva, tirada entre as primícias da nossa renda (isto é, primeiro
damos o dízimo, que não é nosso mesmo, e vivemos com o que resta),
afirmamos a nossa dependência de Deus. sem medida por assim agirmos.

"Os cúmplices de Satanás, na igreja, são aqueles que lhe retiram seu
recurso financeiro, porque a fiel pregação do Evangelho vai contra seus
interesses, e os que ignoram o real labor que o ministério reclama"

4. Devemos providenciar para as necessidades básicas da família.


1Tm 5:8; 2 Coríntios 12:14b

5. Devemos viver dentro dos nossos meios, evitando as dívidas.


Romanos 13:7-8; Prov. 6:1-3; 22:26-27

Quando assumimos uma dívida, colocamo-nos debaixo da autoridade


de quem nos emprestou, que adquire sobre as nossas vidas um controle que
só a Deus pertence.

6. Devemos dar aos necessitados: Este é um privilégio e uma


responsabilidade que temos. Prov. 11:24,25; 22:9; 19:17; Isaías 58:10; Mateus
5:42; Lucas 6:38; 2 Coríntios 9:6-7. Lucas 16:8-13.

7. Devemos fazer investimentos sábios: usufruir e repartir.: As boas


coisas que Deus nos dá devem ser usufruidas com ações de graças e
compartilhadas. Salmo 84:11; 103:2-5; Mateus 7:11; Romanos 8:32; 1 Cor. 2:9;
15:46; 1 Timóteo 2:1-2; 6:17; 4:1-5.

IV. CONSELHOS PRÁTICOS PARA USAR O DINHEIRO

1. Saiba Distinguir o que é Desejo e o que é Necessário : Fuja do


Consumismo ( Is 55:2 ) Cultive uma "resistência" às compras.

2. Não Caia na Tentação de Querer Enriquecer Depressa : I Tm 6:9 - "


Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação e cilada . . ." ( Leia Pv. 13:11;
20:17 )

3. Planeje os Gastos - ( Orçamento Familiar ) Pv. 16:9 - " O coração do


homem traça o seu caminho . . ."( Lucas 14:28-29 )

4. Antes de Comprar alguma coisa, dê a Deus a Oportunidade de


Providenciá-la ou Encaminhar você na Aquisição : Sl. 32:8 - " Instruir-te-ei e te
ensinarei o caminho que deves seguir, e, sob as minhas vistas, te darei
conselho".

5. Aprenda a Gastar e Poupar Sabiamente : João 6:12 - " E quando já


estavam satisfeitos, disse Jesus aos seus discípulos : Recolhei os pedaços que
sobraram, para que nada se perca".

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6. Decida no Coração devolver o Dízimo : ( I Co 16:2, II Co 9:6-15, Ml
3:10, Pv 3:9-10 )

7. Fuja dos Negócios Desonestos e Riqueza Fácil : Pv 13:11 - "Os


bens que facilmente se ganham, esses diminuem, mas o que ajunta à força do
seu trabalho terá aumento". ( Leia Pv 20:17; Pv 11:1; Sl 37:16 )

8. Compre à Vista sempre que possível : A provisão de Deus indicará


a importância e o tempo de cada aquisição. Dê a chance a Deus de prover o
necessário, antes de comprá-lo. Lembre-se de que Deus pode prover,
diminuindo as contas ou aumentando a renda. Pare de usar cartões de crédito.

9. Procure Descobrir a Razão Por Que Deus Está Permitindo que os


Meios Sejam Insuficientes: Ele está testando sua fé ? - Há pecado ? O dinheiro
foi providenciado, mas foi mal gasto ?

AVALIAÇÃO

1. Você considera satisfatório o seu padrão de vida atual? Se não, em


que se baseia para determinar o que falta?
2. Como são tomadas as decisões financeiras em sua família? É um
dos cônjuges mais responsável por elas, ou há participação dos dois?
3. O que será feito quando houver divergência entre os dois?
4.Quais as despesas referentes ao cuidado da família que ainda não
fazem parte do seu orçamento normal?
5. Qual o critério usado para suas compras menores? E para as
grandes?
6. Como você vê as contribuições para a igreja?
7. Vocês dois já pensaram e discutiram que bens materiais gostariam
de ter? E quais os que acham indispensáveis?
8. Como fica a parte das despesas pessoais de cada um se a esposa
não trabalhar fora? E se trabalhar?

42
Parte XIII
LEI E GRAÇA UMA VISÃO REFORMADA

É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo


Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias oportunidades
propus a estudantes de seminário e na escola dominical estabelecer o
relacionamento entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a
seguinte relação:
LEI — Antigo Testamento
GRAÇA — Novo Testamento

I. Estamos sob a Lei ou sob a graça?

Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino


bíblico acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a lei como um
elemento pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a
graça como um elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do
estudo apressado de textos como: ...sabendo, contudo, que o homem não é
justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também
temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo
e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado (Gálatas
2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo
da lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a
entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem
opostos, sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e
conseqüentemente não tem qualquer relação com a lei. No entanto, essa
leitura é falaciosa. O entendimento isolado desses versos leva a uma antiga
heresia chamada antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa
visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O
coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável.1 O oposto
dessa posição é o legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei
em detrimento da graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um
fruto da graça de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a
Deus e de se adquirir mérito diante dele. Exatamente contra essa idéia é que a
Reforma Protestante lutou, apresentando como uma de suas principais ênfases
a sola gratia.

No século XVI, os católicos acusavam os reformadores de


antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o grande
reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus
seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada
pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. Desde a reforma têm aparecido
movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de
forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando
a graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de
abordagem surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de
salvação no período mosaico e o evangelho como a forma de salvação na
dispensação da igreja. Esse é, possivelmente, o movimento que mais influência

43
exerce atualmente na interpretação do papel da lei e da graça entre os
evangélicos ao redor do mundo.

Em uma direção oposta, outro grande movimento foi iniciado por Karl
Barth, em seu livro God, Grace and Gospel, onde argüi por uma unidade básica
entre lei e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo.2
Para termos uma boa idéia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi
publicado o livro Five Views on Law and Gospel, da coleção Counterpoints, no
qual cinco escritores evangélicos contemporâneos expressam diferentes
pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho (graça).3 Sem sombra
de dúvida, o assunto ainda está muito longe de apresentar um consenso entre
os evangélicos.

As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça


vão muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na
verdade, determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo
de ética esse cristão irá assumir em sua caminhada. John Hesselink, um
estudioso sobre a relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de
1960, os cristãos proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis,
regras e princípios gerais, propondo uma nova moralidade.4 Esse movimento
propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do contexto.
Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação.
Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional,
alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente
sem restrições. A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã;
o que determina a ética cristã é o “princípio do amor,” conclui o movimento. A
conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas
devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se
por exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas
circunstâncias é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi
estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no
princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até
mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do
amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O
mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa
a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como
pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.

Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro


ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o
cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o
pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista
refletida na Confissão de Fé de Westminster (CFW).

II. O Uso da Lei

Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o


pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por
esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido
na questão.

44
Pacto das Obras e Pacto da Graça5 é a terminologia usada pela
Confissão de Fé de Westminster6 para explicar a forma de relacionamento
adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que
isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados,
conhecido como teologia federal.7 De forma bem resumida, podemos dizer que
o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva
viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua
obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17 — não comer
da árvore do conhecimento do bem e do mal.8 Adão e Eva descumpriram a
sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das
obras, a morte.

O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus,


aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo,
fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão,
e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da
queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto
somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por
exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos
sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos
foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram
leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a
qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado.
No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência.
Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de
maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter
plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no
coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano
reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.

Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador


para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se
mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A
obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não
obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A
lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio,
conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele
tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo
Criador: a morte.

O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência?


Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus
continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?

III. De que Lei estamos Falando?


A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade,
encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos
de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus

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descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo das
circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos,
qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante observar o
contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo
manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando
falamos de Lei.

A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral,


civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um tempo para sua aplicação:
(a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou
à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas
respectivas punições.
(b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho
Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo
cerimonial.
(c) Lei Moral – representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz
respeito ao seu comportamento e aos seus principais deveres.

A. Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?

Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte


compreensão:
(a) A Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado
teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa
sociedade. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo
incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
(b) A Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de
Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como
tal, foi cumprida com sua vinda. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte da
mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
(c) A Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus
deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o
mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões. Os sabatistas
acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com
as outras duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.9

Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos


identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade
dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais de Israel não têm um
caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter
outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça
de Deus. Portanto, a lei que permanece “vigente” em nossa e em todas as
épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim como vale para nós
hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?

B. Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?


Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento
falho das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da
graça” (Romanos 6.14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus
apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:

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(a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus,
em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
(b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias,
foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças
cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com
acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos
sacerdotes.
(c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados
pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos,
portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.

Entretanto...

(a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua
representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para
com o nosso semelhante.
(b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida
nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo
de santificação efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14.15).
Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de
sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua
vontade.10

IV. Os Três usos da Lei11

Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de


Moisés12 nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte
terminologia:

A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus


É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano.
Segue o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20: ...visto que ninguém será
justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado. Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas
onde abundou o pecado, superabundou a graça.13
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem
caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o
“ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).

Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores


(especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos
dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em
alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da
mesma forma como Evangelho é usado como um sinônimo de Novo
Testamento. Em outros contextos o termo lei é usado como uma categoria
especial referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento
direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem
promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e
8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o binômio Lei x Evangelho. O
mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de Deus. Porém,

47
não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta
a promessa da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da
antiga dispensação.

Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se


obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal
confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em
ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores
da lei, ela cumpre a função de revelar a nossa iniqüidade.

Explicando isso, Calvino comenta: Ainda que o pacto da graça se ache


contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque ao contrastar o
evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora peculiar à
lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os
transgressores com a ameaça de morte. Ele atribui à lei suas próprias
qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se
preferir a seguinte afirmação: “Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus,
nela, se pactua conosco em relação às obras.14

B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis


É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com
punição as faltas contra ela mesma.15 É certo que essa função da lei não
opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto
ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando “as mãos de uma
ação extrema.”16 Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso,
mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade comum. É
exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social.
Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o
homem pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que
nos restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la
para o seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem
princípios da justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1.9-10
para mostrar essa função da lei: ...tendo em vista que não se promulga lei para
quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores,
ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas,
raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã
doutrina...

Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e


evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da
sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel
importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um
condutor a Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3.24: “...de maneira que a lei nos
serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por
fé.” Dessa forma ela serviu à sociedade judia e serve à sociedade humana
como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito ainda não regenerado.
Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado pela lei a não cometer
atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo terrível, mas como
uma ajuda, pelo temor da punição.

48
C. O Terceiro Uso da Lei
Esse uso da lei só é válido para os cristãos — ensina-os, a cada dia,
qual a vontade de Deus.17 Segundo o texto de Jeremias 31.33, a lei de Deus
seria escrita na mente e no coração dos crentes: Porque esta é a aliança que
firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente,
lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o
seu Deus, e eles serão o meu povo.

Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos


crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é realmente necessária?
Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de compaixão para
conhecer a vontade de Deus? A “lei do amor” e a consciência do cristão
orientado pelo Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos
a paz de Cristo como árbitro de nossos corações? (Cl 3.15).

Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um
papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de
Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua maravilhosa graça, a “lei é o
melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza
maior, qual seja a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhes firme na
compreensão.”18 A paz de Cristo como o árbitro dos corações só é clara
quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus
expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não
uma obrigação. Calvino exemplifica com a figura do servo que de todo o
coração se empenha em servir o seu senhor, mas que, para ainda melhor
servi-lo, precisa conhecer e entender mais plenamente aquele a quem serve.
Assim, o crente, procurando melhor servir ao seu Senhor empenha-se em
conhecer a sua vontade revelada de maneira clara e objetiva na lei.

A lei também serve como exortação para o crente. Ainda que


convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que pode ser, no
linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que estejamos à
mercê da inércia da mesma.

Vejamos alguns exemplos do relacionamento entre o crente do Antigo


Testamento e o terceiro uso a lei. Primeiramente, podemos observar o prazer
do salmista ao falar da lei no Salmo 19.7-14: A lei do SENHOR é perfeita e
restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices.

Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o


mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos.

O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos


do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente justos.

São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e
são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.

Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há


grande recompensa.

49
Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que
me são ocultas.

Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine;


então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.

As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam


agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu.

Que princípio de morte opera nessa lei, segundo o salmista? Nenhum.


Para o regenerado, o crente no Senhor, a lei é prazer, é desejável, inculca
temor, restaura a alma e lhe dá sabedoria. Isso de alguma forma parece
contradizer os ensinos do Novo Testamento. O terceiro uso da lei é claro para
o salmista. A lei em si não faz nenhuma dessa coisas, mas para o coração
regenerado ela traz prazer e alegria. Na lei o salmista reconhece a sua rocha, o
seu redentor, Jesus Cristo: “rocha minha e redentor meu.”

Observe também o Salmo 119.1-20: Bem-aventurados os


irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.

Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de


todo o coração; não praticam iniqüidade e andam nos seus caminhos. Tu
ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca. Tomara
sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos.

Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos


os teus mandamentos.

Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver


aprendido os teus retos juízos.

Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais.

De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho?


Observando-o segundo a tua palavra.

De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teus


mandamentos.

Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.

Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.

Com os lábios tenho narrado todos os juízos da tua boca.

Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com


todas as riquezas.

Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei respeito.

50
Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.

Sê generoso para com o teu servo, para que eu viva e observe a tua
palavra.

Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua


lei.

Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos.

Consumida está a minha alma por desejar, incessantemente, os teus


juízos.

De onde vem esse desejo do salmista pelos juízos de Deus? Da lei


que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas para o homem
regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei é
maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. Amar a lei de
Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é
bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor
conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que
o viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter
fome e sede de justiça.

Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como


conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais
freqüentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando
respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na
autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de
Deus, expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura,
qual o desejo do Pai para seus filhos.

Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos
então novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos
a posição bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça,
precisamos entender também como ele relaciona Cristo e a Lei.

V. Cristo e a Lei

Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma


plena e completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma breve análise de
Mateus 5.17-19: Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim
para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a
terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se
cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos
menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos
céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande
no reino dos céus.

Alguns pontos interessantes são demonstrados por Jesus nessa


passagem:

51
(a) Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
(b) A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em todas as
suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido em
fazê-lo.
(c) Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (“aquele que
violar...será considerado mínimo no reino dos céus.”) O sermão do monte é um
sermão para crentes e o texto pode ser entendido dessa forma.
(d) Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.

Como entender essas conclusões de Jesus com respeito a si


mesmo e à Lei?

(a) Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas dimensões:
cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto da lei para o qual Cristo
não pudesse atentar e cumprir. Cristo cumpriu a lei de forma perfeita, sendo
obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se
torna o fundamento da justificação para o eleito.

(b) Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei de
forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais
completa, mais abrangente.

(c) Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos necessários
da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são
mais dependentes da lei para a sua salvação. Por isso há uma diferença clara
entre os que chegam ao Reino dos Céus: alguns serão considerados maiores
do que outros.

(d) Cristo, ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua
magisterialidade.19 A lei continua com o seu papel de ensinar ao ser humano a
vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo a que Paulo se
refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 — estamos debaixo da graça! A lei
continua no seu papel de nos ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos
mais condenados pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a
vontade de Deus, se nos torna um prazer.

Johnson resume o material sobre Cristo e a lei no pensamento de


Calvino da seguinte forma: O ponto principal, claro, é que Cristo cumpriu a lei
em todos os aspectos, seja no vivê-la, no submeter-se à maldição da lei para
satisfazer a sua exigência de punição dos transgressores, ou restabelecendo
sobre outras bases a possibilidade de cumprir aquilo que a lei requer. Cristo,
em outras palavras, satisfez tudo o que a lei exigiu ou pode vir a exigir da
humanidade. A justificação que estava associada à lei agora pertence
completamente a Cristo.20

Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer


sem Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à
escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida. Também, nesse
sentido, Cristo é o fim da lei!

52
Conclusão

Como fica o aparente paradoxo inicial entre a Lei e Graça? Como


corrigir essa visão distorcida? Mais uma vez creio que a visão correta da
Confissão de Fé pode nos ajudar a entendê-lo: Este pacto da graça é
freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de Testamento, em
referência à morte de Cristo, o testador, e à perdurável herança, com tudo o
que lhe pertence, legada neste pacto.
Este pacto no tempo da lei não foi administrado como no tempo do
Evangelho. Sob a lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios,
pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao
povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que havia de vir; por aquele tempo essas
coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para
instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena
remissão dos pecados e a vida eterna: essa dispensação chama-se o Velho
Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as
ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e
a administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas
ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior
simplicidade e menor glória externa, o pacto é manifestado com maior
plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem
como aos gentios. É chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos
de graça diferentes em substância mas um e o mesmo sob várias
dispensações (CFW 7.4–6).
Portanto, ao relacionarmos lei e graça devemos nos lembrar dos
diversos aspectos e nuanças que estão envolvidos nesses termos.
Primeiramente, encontramos tanto no Antigo quanto no Novo
Testamento, a graça de Deus. Ele não reserva a sua graça somente para o
período do Novo Testamento como muitos pensam. Tanto no Antigo quanto no
Novo Testamento podemos ver Deus agindo graciosamente, salvando aqueles
que crêem na promessa do Redentor. Assim Abel, Enoque, Noé, Abraão e
todos os santos do Antigo Testamento foram remidos. Nenhum deles foi salvo
por obediência à Lei, ainda que o Senhor requeresse deles, assim como requer
de nós, que sejamos obedientes.
Em segundo lugar, a lei opera para vida ou morte no pacto das obras e
somente para a morte no pacto da graça. No pacto das obras, por mérito, o
homem poderia continuar vivo e merecer a “árvore da vida.” Portanto, pela
obediência o homem viveria. No pacto da graça a lei opera para condenação
do homem caído. Porque o homem já está condenado, ele não pode mais
cumprir a lei e ela lhe serve para a morte.
Por último, o crente se beneficia da lei estando debaixo da obra
redentora de Cristo. O mérito de Cristo, sendo obediente à lei até as últimas
conseqüências, compra-nos o benefício da salvação e a graça de conhecermos
a vontade de Deus pela sua lei. O único modo de o ser humano ser salvo é
submeter-se totalmente àquele que, por mérito, compra-lhe a salvação. Ainda
aqui o homem é beneficiado pela Lei. Cristo a cumpre e declara justificado
aquele por quem ele morre. Portanto, o nosso gráfico do início deveria ser
modificado para refletir a verdade bíblica sobre a Lei e a Graça de Deus:

53
Parte IX
A Graça na Lei

A lei moral, representada pelos dez mandamentos, deve ser


interpretada além do mero literalismo. Entender os dez mandamentos apenas
em seu sentido literal seria cair no mesmo erro dos escribas e fariseus. O Novo
Testamento nos ensina que a lei moral é espiritual e que, portanto, precisa ser
interpretada com maior amplidão.

No chamado “Sermão do Monte”, o Senhor Jesus cita alguns dos dez


mandamentos e expõe a verdadeira interpretação deles. A verdade é que os
antigos não viram (ou não quiseram ver) que os mandamentos nunca se
limitam ao aspecto literal. “O que importa é o espírito da lei”, disse Martyn
Lloyd-Jones, “e não somente a letra da lei”. E nisso reside nossa grande
dificuldade.

Quando o Mestre afirma que a ira contra um irmão quebra o sexto


mandamento (“Não matarás”), e “qualquer que olhar para uma mulher com
intenção impura, no coração já adulterou com ela”, isso nos envergonha e
humilha. Pois quem, em sã consciência, afirmará que nunca matou ou
adulterou, segundo a verdadeira interpretação da lei? Se para sermos salvos
precisássemos cumprir à risca a lei de Deus (embora ele a tenha dado com
essa finalidade), estaríamos perdidos! Por isso Jesus, a graça encarnada, é o
nosso Redentor. Ele cumpriu a lei em todos os sentidos e aspectos. Contudo,
ele não nos isentou do dever de nos conduzirmos de acordo com a lei moral. A
lei não salva, mas isso não significa que não temos compromisso com ela.
“Não há salvação sem santificação”, diziam os puritanos.

Os mandamentos de Deus não são penosos quando dependemos da


sua graça para cumpri-los. Se falhamos muito é porque não levamos os
mandamentos a sério, descansamos em uma falsa compreensão da Bíblia, e
ainda não buscamos a graça capacitadora de Deus. O Senhor exige
obediência, mas concede graça. Se estamos dispostos a fazer o que ele pede,
ele nos proverá o necessário.

Peçamos a Deus, portanto, com sinceridade de coração, o auxílio para


fazermos a sua vontade, porque o Senhor abençoará e recompensará aqueles
que pelo menos se esforçam para fazer da melhor maneira o que ele exige.
Deus nos deu os seus mandamentos não para sermos subjugados à regras
opressivas, mas para promover, pela sua graça, o livre desenvolvimento de
nosso caráter espiritual. Porque “a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo,
e bom” (Rm 7.12).

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Parte X
A lei e a graça

Toda e qualquer posição que diga, “somente a lei”, ou que diga,


“somente a graça”, é necessariamente errada porque na Bíblia temos “a lei” e
“a graça”. Não é, “a lei ou a graça”; é “a lei e a graça”. A graça estava presente
na lei do Velho Testamento. Todas as ofertas queimadas e todos os sacrifícios
e holocaustos o indicam. Foi Deus quem os ordenou. Que ninguém jamais diga
que não existia a graça na lei de Deus, nos termos em que ela foi dada a
Moisés e aos filhos de Israel. Em última instância, a lei se baseia na graça; é lei
contendo em si a graça. E, por outro lado, jamais devemos dizer que a graça
significa ausência da Lei; isso é antinomismo, o qual é condenado em toda
parte no Novo Testamento. Havia alguns cristãos primitivos que diziam: “Ah,
não estamos mais debaixo da lei, estamos sob a graça; quer dizer que o que
fazemos não importa. Uma vez que não estamos mais debaixo da lei, mas sim
debaixo da graça, vamos pecar, para que a graça seja mais abundante! Vamos
fazer o que quisermos; isso não importa. Deus é amor, fomos perdoados,
estamos em Cristo, nascemos de novo; portanto, façamos tudo que
quisermos”. Estas falsas deduções são tratadas nas Epístolas aos Romanos,
aos Coríntios e aos Tessalonicenses, e também nos três primeiros capítulos do
Livro de Apocalipse.

É um trágico engano pensar que quando temos a graça, não há nela


nenhum elemento da lei, mas que há uma espécie de licença. Isso é uma
contradição do ensino bíblico concernente à lei e à graça. Existe graça na lei;
existe lei na graça. Como cristãos não estamos “sem lei”, afirma Paulo, porém
estamos “debaixo da lei de Cristo” (1Coríntios 9.21).

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