Você está na página 1de 40

TESTE

Construção Aeronáutica
no Brasil

INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA


Rio de Janeiro
2016
FICHA TÉCNICA

Construção Aeronáutica no Brasil

Edição
Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica

Editor
Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer

Autor
1º Ten QOCon His Tiago Starling de Mendonça

Projeto Gráfico
Seção de Tecnologia da Informação

Capa
3S Tiago de Oliveira e Souza

Impressão
INGRAFOTO

Rio de Janeiro
2016
Apresentação
Vencer obstáculos, indiferença, falta de crença e desafios são alguns aspectos com
os quais conviveram certos homens durantes suas vidas de verdadeiros empreendedo-
res de ideais. Gente que acreditava em coisas que só alguns privilegiados visionários
alcançavam. Talvez meio loucos, ou quem sabe inovadores, ou mesmo pessoas de fé
extremada num objetivo nem tão real, para uma determinada época.
Já dizia Albert Einstein “Se, a princípio, a ideia não é absurda, então não há espe-
rança para ela”.
Mas, afinal, como a terra de Santos Dumont, que construiu o primeiro e vários
aviões, não seria, também, um lugar de referência da indústria aeronáutica? Essa ques-
tão só poderia ser respondida, de forma prática, se idealizássemos, projetássemos e
construíssemos aeronaves que atendessem as nossas necessidades e se inserissem no
contexto mundial com sucesso. Em sendo assim, mãos à obra!
A partir do início do século vinte, pessoas com personalidades incomuns resolve-
ram testar os seus limites no quesito “determinação” e colocar à prova as suas genia-
lidades. Desde então, a história da construção aeronáutica no Brasil tem nos revelado
alguns personagens raros, que criaram empresas, verdadeiras extensões das suas vidas,
como se aquelas fossem seres vivos a gestarem máquinas voadoras.
Grande foi o investimento. Enorme, o resultado.
A necessidade da evolução da indústria aeronáutica proporcionou criar, inicialmen-
te, uma escola de excelência, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), formando
engenheiros aeronáuticos para fomentar essa evolução e, em seguida, outros importan-
tes cursos que geram uma massa de profissionais capacitados a fazer o Brasil voar.
Muitas indústrias foram criadas, trabalhando diretamente nesse ramo de atividade
ou dando as suas parcelas de participação na aviação, gerando empregos diretos e indi-
retos, qualificando técnicos que desenvolvem tecnologia de ponta na produção de pro-
dutos de alto valor agregado, trazendo divisas e reconhecimento para o nosso país.
Hoje, a aviação civil e militar do Brasil pode se orgulhar de possuir, em seus acer-
vos, aeronaves brasileiras consagradas pela qualidade e que tanto voam pelo mundo
afora, carregando em suas identidades a bandeira da nossa eficiência.
No trabalho que ora entregamos ao público, reverenciamos essas personalidades
que, com seus espíritos inventivos e determinados, sempre acharam que aquelas ideias,
talvez absurdas para alguns descrentes, eram sim o farol a iluminar o futuro, o “querer
fazer”, o “poder fazer”...
Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer
Subdiretor de Cultura do INCAER
BRANCO

vbcbcbcbc
Construção Aeronáutica
no Brasil
Tiago Starling de Mendonça

Introdução espírito que animou os empreendedores


brasileiros nesta pequena epopéia que foi
Falar de construção aeronáutica no construir aeronaves no Brasil:
Brasil é descrever um percurso com mais
(...) Valeu a pena? Tudo vale a pena
de 100 anos de duração, uma caminhada
Se a alma não é pequena.
árdua e incerta, trilhada com a inteligên-
cia, a perseverança e o trabalho duro de Quem quer passar além do Bojador
gerações de brasileiros. Tem que passar além da dor
Construir aviões num país de indus- Deus ao mar o perigo e o abismo deu
trialização incipiente, como era o Brasil Mas nele é que espelhou o céu
nas primeiras décadas do século XX, foi
O fato é que a indústria aeronáuti-
decerto uma tarefa inglória. Não faltaram
ca brasileira passou “além do Bojador”,
pessimistas dizendo que tudo seria em
consolidando-se como um setor impor-
vão. Muitos ficaram pelo caminho, ven-
tante no país.
cidos por conjunturas desfavoráveis ou
Cinquenta anos após o voo pioneiro
surpreendidos por decisões mal pondera-
do mais-pesado-que-o-ar, feito incom-
das. Mas, se tombaram, foi somente por-
parável de Santos-Dumont, o Brasil su-
que se lançaram aos desafios do percurso.
perava sua condição industrial incipiente
Certamente, não foi em vão.
e criava a EMBRAER, uma das maiores
O século XX deu ao mundo a conquis- empresas do setor de aviação. Nesse ín-
ta dos céus, uma façanha comparável à terim, o país conquistou um mercado
expansão marítima portuguesa. O século interno na aviação civil e um centro de
do aço também foi o de Fernando Pessoa referência de ensino e pesquisa em enge-
– o grande poeta de Portugal contempo- nharia aeronáutica, o Centro Técnico de
râneo –, cujos versos sobre a conquista Aeronáutica (CTA) – seio do qual nasceu
lusitana dos mares resumem também o a EMBRAER1.

1
O CTA começou a ser construído em 1947, na cidade de São José dos Campos-SP. Em 16 de janeiro de
1950, inaugurou-se o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), dedicado ao ensino superior em engenharia
aeronáutica. Em 1º de Janeiro de 1954, o CTA foi inaugurado. Neste centro, gestou-se o projeto IPD-6504,
uma aeronave média de transporte posteriormente batizada de Bandeirante que, por sua vez, impulsionou a
criação da EMBRAER em 19 de agosto de 1969.
Construção Aeronáutica no Brasil 5
Este trabalho visa recompor esse Este material se mostrou mais resistente
percurso, destacando iniciativas pioneiras que a seda da China, o material que costu-
na área da construção aeronáutica, bem mava ser utilizado, com a vantagem de ser
como o processo de criação da EMBRAER mais leve. Segundo Dumont, isto era “um
e seu posterior desenvolvimento. fato que mostra até que ponto pessoas
competentes podem se enganar, quando
Primórdios da Construção se apegam a julgamentos sumários”3.
Aeronáutica no Brasil Essa é uma das principais lições que
Não é possível falar em indústria aero- Santos-Dumont legou à construção ae-
náutica brasileira sem mencionar o nome ronáutica no Brasil - não dar crédito aos
de Alberto Santos-Dumont, o precursor prognósticos céticos e pessimistas acerca
privilegiado dessa atividade no Brasil. de suas soluções e inovações tecnológi-
cas. Muito dos pioneiros que fundaram
O gênio de Dumont garantiu à huma-
as bases da Aeronáutica Brasileira se
nidade importantes progressos tecnológi-
depararam com previsões igualmente
cos, dentre os quais se destaca a conquista
pessimistas, que poderiam ser resumidas
da dirigibilidade dos balões e o voo por
na crença de que o Brasil nunca lograria
meios próprios de um aparelho mais-pe-
sucessos no setor aeronáutico. Para nos-
sado-que-o-ar. Boa parte dessas conquis-
so contento tais previsões não somente
tas deve-se ao temperamento destemido
foram ignoradas, como também se mos-
e inovador de Dumont. Suas ideias sobre
traram equivocadas.
aviação chocaram-se muitas vezes com o
consenso dos especialistas da época. É No Brasil, a primeira experiência de
o caso de seu primeiro dirigível, o Nº 1, construção aeronáutica ocorreu pela ini-
projetado para comportar um motor de ciativa de Dimitri Sansaud de Levaud, um
explosão. Muitos achavam que isso resul- espanhol radicado em Osasco, que cons-
taria em tragédia, ou que, no mínimo, o truiu um aeroplano rudimentar, todo em
aparelho não voaria. madeira, batizado de São Paulo. Em 7 de
“Não vou participar! Associar gás a janeiro de 1910, o São Paulo decolou e
gasolina é uma loucura! Não quero ter o voou 103 metros por mais de seis segun-
sangue do amigo na consciência”2, disse dos, a quinze palmos do chão. A aeronave
o projetista Lachambre, ao conhecer as constituía-se de materiais genuinamente
ideias do brasileiro sobre o dirigível. San- nacionais – incluindo o motor, que fora
tos-Dumont, porém, convenceu-o da via- construído e usinado no Brasil. A despei-
bilidade do projeto, assim como já fizera to do sucesso de mais alguns voos reali-
a respeito do uso de seda japonesa no en- zados, o São Paulo não chegou a ser pro-
telamento do Brasil, seu primeiro Balão. duzido em série.

2
DRUMOND, 2004. pg. 47.
3
Idem, pg. 46.
6 Construção Aeronáutica no Brasil
A próxima iniciativa bem-sucedida se- fui solicitado para uma explanação sobre
ria a de J. d’Alvear. Descendente de es- o desenvolvimento do meu trabalho e
panhóis e nascido no Rio de Janeiro, ele ninguém se interessou pela consecução
construiu um monoplano de asa média, do meu ideal que era, unicamente, o de
com motor e hélice franceses, batizado de construir aviões no Brasil com material
Alvear. O monoplano voou pela prime- nacional”4.
ria vez em novembro de 1914, no Cam-
Em 1916, o Tenente do Exército Mar-
po dos Afonsos, pilotado pelo argentino
cos Evangelista Villela Júnior concluiu a
Ambrósio Caragiola. Em fevereiro de
montagem do avião Aribu, cujo voo pio-
1915, este piloto caiu com o Alvear, no
neiro ocorreu em Santa Cruz - RJ, em 16
campo do Derby Club, e faleceu.
de abril do mesmo ano. Dois anos após
Depois desse evento, J. D´Alvear esse evento, Villela concluiu o Alagoas,
abandonou seu empreendimento aero- testado pelo Tenente do Exército Raul
náutico, devido ao ambiente adverso da Vieira de Mello, cuja primeira decolagem
época: “nunca fui ouvido nem compreen- ocorreu no Campo dos Afonsos. Foram
dido pelos homens do meu tempo. Jamais usadas madeiras como jenipapo e ingara-
na, bem como tecido de algodão
como tela. Além disso, Villela
fabricou seu próprio verniz, que
foi usado para esticar a tela, com
excelentes resultados.

O avião São Paulo, de Sensaud de


Lavaud, dias antes do teste.
Fonte: ANDRADE, 2013. pg. 07

O Alvear, no Rio de Janeiro


Fonte: ANDRADE, 2013. pg. 11
4
SOUZA, 1944. pg. 416.
Construção Aeronáutica no Brasil 7
As Indústrias Pioneiras finalmente, a criação do Ministério da
Aeronáutica (MAER) em 1941, consoli-
Durante as primeiras décadas do sécu-
dando todas essas estruturas em um só
lo XX, o Brasil esteve longe de propor-
órgão, que controlaria também a aviação
cionar um ambiente favorável para a ins-
militar.
talação de indústrias aeronáuticas. O país
possuía uma industrialização incipiente, Porém, Vargas não se limitou a esse
concentrada em alguns centros urbanos e trabalho no campo institucional, mas esti-
restrita à produção de bens de consumo. mulou diretamente a criação de indústrias
A infraestrutura viária e energética era no setor aeronáutico, sendo a Fábrica de
precária, não havia produção de bens de Lagoa Santa a primeira dessas iniciativas.
capital, e as elites do país pareciam pouco Tudo começou em 1933, quando Getúlio
comprometidas com a mudança desse ce- recebeu a visita do engenheiro francês
nário. Os produtos agrícolas – com des- René Couzinet e o convidou para implan-
taque para o café – compunham a maior tar o primeiro núcleo industrial do país
parte de nossa pauta exportadora, e boa voltado para a produção de aviões e hi-
parte da aristocracia rural acreditava em droaviões militares. O francês se animou
uma certa vocação agrícola do Brasil, o com a ideia e aceitou o convite. Em 1935,
que significava pouco espaço para apoio foi lançada a pedra fundamental da Fá-
governamental à indústria. brica, e aberto o edital de concorrência.
Por meio dele, o governo oferecia prazo
Este quadro começou a mudar com a
inicial de 15 anos para exploração da Fá-
chegada de Getúlio Vargas ao poder, em
brica e se comprometia com encomendas
1930. O novo Presidente era membro da
de aeronaves a um valor mínimo de 15
elite agrária gaúcha, mas a despeito disso
mil contos de réis anuais. Em contrapar-
pretendia inserir o Brasil na modernidade
tida, o governo exigia a obrigatoriedade
industrial. Vargas via com bons olhos o
de controle nacional do capital e 85% de
desenvolvimento aeronáutico do Brasil,
mão de obra brasileira.
pois achava que o avião era um vetor de
modernidade e desenvolvimento, indis- O edital transformou-se em um im-
pensável para um país de dimensões con- bróglio jurídico, envolvendo investidores
tinentais. Ao longo de seus muitos man- brasileiros, vencedores do edital, e em-
datos, o Presidente tomou uma série de presas italianas e alemãs, que contesta-
medidas, visando estruturar a Aeronáuti- vam o processo licitatório. A questão foi
ca no Brasil. Dentre essas, destacam-se a resolvida em 1939, sob a intervenção de
criação do Departamento de Aeronáutica Vargas, que decidiu a favor dos brasilei-
Civil (DAC) em 1931, e do Correio Aéreo ros. O contrato foi oficializado em 6 de
Militar (CAM) em 1934, a promulgação maio de 1940 e previa a fabricação, sob li-
do Código Brasileiro do Ar em 1938, cença, dos aviões North-American T-6. En-
regulando as atividades aeronáuticas e, tretanto, a eclosão da guerra dificultou a

8 Construção Aeronáutica no Brasil


remessa de recursos materiais e humanos das Oficinas Gerais de Aviação Naval,
necessários à viabilização da produção criadas em 1936, pelo Ministério da Ma-
em Lagoa Santa. Além disso, o Land and rinha, para suprir sua carência em servi-
Lease Act 5 tornava mais vantajoso para os ços de manutenção de aeronaves. Para
empresários norte-americanos vender os tanto, foi celebrado um acordo com a
T-6 já prontos nos EUA a fabricá-los no alemã Focke-Wulf, no qual esta empresa
Brasil. comprometia-se a fornecer mão de obra
técnica para a construção de uma fábrica
Tais complicações fizeram as atividades da empresa em solo nacional. O principal
da Fábrica serem retomadas apenas em articulador dessa parceria foi Raymundo
1945, quando a Companhia Aeronáu- Vasconcellos Aboim, então Diretor de
tica Paulista (CAP) assumiu o controle Material da Aviação Naval e um dos gran-
acionário da empresa. Porém, produzir des pioneiros da aviação brasileira. For-
em Lagoa Santa, um pequeno vilarejo mou-se piloto da Marinha em 1920, mas
próximo a Belo Horizonte - MG, despro- já havia participado da tripulação do voo
vido de água encanada, rede de esgotos, inaugural do Correio Aéreo Naval (servi-
energia elétrica, hospitais, alojamentos, ço postal da Marinha do Brasil) no ano
implicava a criação de uma infraestrutura anterior. Em 1922, Aboim matriculou-se
que não existia no local, o que representa- no Imperial College of Science and Technology,
va um encargo pesado para a CAP. a fim de estudar engenharia aeronáutica.
Somente em 1946, os primeiros exem- Ao se formar, era o primeiro profissional
plares dos T-6 da Fábrica chegavam à FAB. dessa área em toda a América Latina.
O contexto desfavorável do pós-guerra, A fábrica foi construída na Ponta do
aliado ao isolamento do local em relação Galeão, um dos primeiros núcleos da
à cadeia produtiva nacional, determinara aviação naval no Brasil, onde funciona-
o fracasso do empreendimento. Em 1949, vam a Base Aeronaval do Galeão e a Es-
o MAER assumiu o controle da Fábrica, cola de Aviação Naval. A Fábrica do Ga-
transformando-a gradualmente no Parque leão, como ficou conhecida, compreendia
de Material Aeronáutico de Lagoa Santa uma área construída de 19.000 m², sendo
(PAMA-LS). A produção do T-6 durou inaugurada em 1939, sob a direção téc-
até 1951, com um total de 81 unidades. nica do engenheiro alemão William Frie-
Cumpre também destacar outra in- drich Stein, que muito contribuiu para a
ciativa, melhor sucedida, do Estado em formação de mão de obra especializada
parceria com a iniciativa privada. Trata-se no Brasil.

5
Ato promulgado pelo governo dos EUA no qual os mesmos se dispunham a fornecer material de guerra às
nações aliadas de maneira facilitada. Um acordo celebrado entre Brasil e EUA sob o escopo desse Ato proveu
o Brasil de 28 aviões militares, entre outros materiais.
Construção Aeronáutica no Brasil 9
O Contrato com a Focke-Wulf, rendeu Fábrica do Galeão à empresa holandesa
a produção em série de duas aeronaves: Fokker, que constituiu assim a Fokker
o Fw-44 – monomotor biplace com mo- Indústria Aeronáutica S.A. O contrato
tor Siemens de 150 hp, destinado ao trei- de cessão previa que os holandeses entre-
namento de pilotos – e o Fw-58 Weihe – gassem ao MAER, num prazo de cinco
aeronave de treinamento para missões de anos, determinado número de aeronaves
bombardeio e patrulha. Tais aeronaves montadas no Galeão. Contudo, reviravol-
ficaram concluídas nos primeiros anos tas políticas no governo e no Ministério
da década de 1940, quando a guerra, já – mais propriamente, a crise de agosto
deflagrada na Europa, envolvia cada vez de 1954, que culminou com o suicídio de
mais o Brasil. O rompimento de relações Getúlio Vargas – levaram à intervenções
diplomáticas e a declaração de guerra aos no citado contrato que acabaram por in-
países do Eixo, ocorrida em 1942, invia- viabilizar as operações da Fokker no
bilizou qualquer operação da Focke-Wulf Brasil, que pediu concordata em 1959.
no Brasil.
A partir daí, a Fábrica do Galeão ga-
A solução encontrada pelo MAER foi nharia novo nome – Grupo de Suprimen-
utilizar o Land and Lease Act para prosse- to e Manutenção – transformaria-se em
guir com as atividades na Fábrica do Ga- armazém de logística, voltado ao reparo e
leão, montando, sob licença, a aeronave modernização de aeronaves. Com missão
norte-americana Fairchild M-62A. análoga, hoje opera naquele local o Par-
Largamente utilizada para treinamento que de Material Aeronáutico do Galeão.
dos cadetes da Escola de Aeronáutica, no
Analisando as trajetórias de ambas ini-
Brasil esta aeronave foi denominada PT-
ciativas aqui expostas – Fábrica de Lagoa
19. A Fábrica do Galeão produziu mais de
Santa e Fábrica do Galeão –, fica muito
200 unidades desse modelo. Entre 1947 a
claro como a localização geográfica dos
1952, não houve registros de atividades
empreendimentos foi decisiva para o su-
relevantes na Fábrica, com exceção de 63
cesso ou o fracasso dos mesmos. Enquan-
unidades do Niess 1-80 (monomotor pro-
to que, no Rio de Janeiro, os investidores
jetado integralmente no Brasil) produzi-
privados e o governo estavam próximos
das e adquiridas pelo MAER para atender
de uma cadeia produtiva relativamente
aos aeroclubes espalhados pelo país, e de
estruturada, a CAP viu-se envolta em um
um projeto de helicóptero, o PB-61, que
pesadelo logístico na bucólica cidade de
não saiu do papel.
Lagoa Santa, bem mais propícia às esca-
Em 1953, o governo brasileiro cedeu vações arqueológicas que a empreendi-
todas as instalações e o maquinário da mentos aeronáuticos6.

6
A região de Lagoa Santa concentra um importante acervo arqueológico, pioneiramente explorado pelo paleon-
tólogo dinamarquês Peter Lund (1825-1864), que lá se radicou até o final de sua vida, logrando importantes
contribuições para a arqueologia.
10 Construção Aeronáutica no Brasil
Outro ponto a se destacar é o papel civil, o primeiro projeto da empresa fo-
central do governo no estímulo à indús- ram os planadores EAY primário e EAY
tria aeronáutica brasileira. Além de atuar secundário, dos quais fabricaram-se seis
como empresário – conforme demons- unidades. Em seguida, foi desenvolvido o
tram os exemplos anteriores – o Estado grande sucesso da companhia; o mono-
era o principal cliente de todas as indús- motor EAY-201, projetado por Roesler
trias brasileiras, sejam os fabricantes de e Hoover, cujo protótipo voou pela pri-
aeronaves militares ou aqueles voltados à meira vez em setembro de 1935. Além do
pilotagem civil. Mas, apesar de todas idios- protótipo, a EAY produziu mais quatro
sincrasias do modelo varguista, é inegável unidades do modelo, até que o acervo da
que na Era Vargas surgiu um ambiente empresa foi comprado pela Companhia
político-econômico mais favorável à ação Aeronáutica Paulista (CAP), em 1942,
dos empreendedores aeronáuticos. que utilizou o EAY-201 como base para
Foi o caso de Henrique Dumont o projeto do avião Paulistinha.
Villares, Fritz Roesler e Orthon William A CAP foi criada em agosto de 1942,
Hoover que, no ano de 1931, fundaram a no distrito de Utinga, em Santo André –
EAY – Empresa Aeronáutica Ypiran- SP, por iniciativa de Francisco Matarazzo
ga. Henrique, o presidente, era sobrinho Pignatari, neto do famoso Conde Mata-
e afilhado de Santos-Dumont, e autor razzo e proprietário de um conglomera-
da primeira biografia deste. Roesler, um do industrial com empreendimentos na
dos diretores, era alemão, engenheiro me- área têxtil, metalúrgica e de maquinário
cânico e veterano da I Guerra Mundial. industrial, que empregava ao todo cinco
Radicou-se no Brasil nos anos de 1920, mil operários. Tais indústrias forneciam
onde era instrutor de pilotagem na escola insumos para o setor aeronáutico nacio-
de aviação Ypiranga, em São Paulo. Hoo- nal, tais como bombas de vácuo, fresas,
ver, o outro diretor da companhia, nas- prensas, plainas de mesa, tornos de pre-
cera nos EUA e fora um dos primeiros cisão, etc., Pignatari era um entusiasta da
colaboradores da aviação naval brasileira. aviação, e em 1940 passa a produzir pla-
Desde 1920 trabalhava como instrutor de nadores em uma de suas indústrias. Tais
voo da Escola de Aviação da Força Públi- projetos eram concebidos no Instituto
ca, em São Paulo. de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ligado
Criada a partir do aumento na deman- à Universidade de São Paulo (USP)7, e
da nacional por aeronaves de treinamento alcançaram relativo sucesso. O ano se-

7
O IPT foi criado em 1934, quando a tradicional Escola Politécnica foi incorporada à Universidade de São
Paulo, também criada naquele mesmo ano. O IPT atraiu pesquisadores da Europa e dos EUA, que vieram
ao Brasil lecionar e realizar pesquisas no Instituto, aproximando-o das mais recentes tendências na área de
tecnologia, incluindo a engenharia aeronáutica. A partir de 1938, o IPT se engajou em projetos de aeronaves e
na pesquisa e estudos sobre materiais e insumos de aviação. Boa parte da infra estrutura aeronáutica de então,
na qual se destaca o Aeroporto Santos-Dumont, foi construída com o auxílio técnico do IPT.
Construção Aeronáutica no Brasil 11
guinte, 1941, foi bastante favorável para o IPT, que fornecia os quadros técnicos
a indústria aeronáutica nacional, uma vez (boa parte da equipe de engenheiros for-
que fora criada a Campanha Nacional de mara-se nesse Instituto) e produzia com-
Aviação que, sob o lema “Deem asas ao ponentes como hélices e contraplacados,
Brasil”8, visava aumentar o número de pi- além de colaborar com a CAP na concep-
lotos brasileiros abastecendo os aeroclu- ção e desenvolvimento de projetos aero-
bes de aeronaves. Tal conjuntura justifi- náuticos. Tal parceria assemelha-se àque-
cou, portanto, a criação da CAP. la desenvolvida entre a EMBRAER e o
Centro Técnico de Aeronáutico (CTA), a
Em função de suas inovações na área
partir dos anos de 1960.
de logística de produção e alocação de
recursos técnicos, a CAP pode ser vista Os três primeiros modelos desenvol-
como uma “Embraer da década de 1940”, vidos pela CAP não lograram sucesso.
guardadas obviamente as devidas propor- Em contrapartida, o quarto projeto da
ções entre uma e outra, no tocante às di- empresa – o CAP-4 Paulistinha – saiu-se
mensões e à fatia de mercado alcançada. muito bem. Conforme já foi dito, tratava-
se de uma melhoria do EAY-201, levada
Mas quais são os fatores que susten-
a cabo pelos projetistas Clay Presgrave do
tam essa afirmação? A considerável di-
Amaral, Romeu Corsini e Adonis Maiti-
mensão das instalações – 3.500 m² de
no. Voltado ao treinamento primário de
área construída – certamente é um deles.
pilotos civis, o Paulistinha foi um grande
Outro diferencial diz respeito à proveni-
sucesso de vendas, adaptando-se perfei-
ência dos insumos industriais utilizados
tamente ao mercado brasileiro, muito em
na fabricação dos aviões, tais como tubos,
função de sua robustez, maneabilidade,
chapas, metais usinados, entre outros. To-
durabilidade e baixo custo de produção e
dos eram fabricados nas indústrias do
manutenção. Algo como um “fusquinha”
grupo de Pignatari. Apenas os motores
da aviação brasileira.
eram importados. Isso conferia à CAP
uma grande vantagem em relação a seus Não bastassem suas qualidades, o Pau-
concorrentes, principalmente se conside- listinha foi lançado na época certa, em que
rarmos o contexto de guerra na Europa, sua posição de mercado era favorecida
que dificultava a produção e o fluxo do devido às dificuldades de importação e à
comércio internacional. Além disso, ha- baixa oferta de pequenas aeronaves civis
via a essencial parceria estabelecida com vindas da Europa e dos EUA9. Dessa for-

8
Tal Campanha, idealizada pelo intelectual Victorino de Oliveira, membro do Aeroclube do Brasil, visava não
só fortalecer os aeroclubes no Brasil, como também fomentar a demanda por aeronaves de fabricação nacional. A
campanha ganhou o apoio ilustre do Presidente Getúlio Vargas, do Ministro da Aeronáutica Salgado Filho e
de Assis Chateaubriand, proprietário do grupo Diários Associados.
9
O parque industrial do primeiro estava em frangalhos e o segundo concentrava toda sua produção nos esforços
de guerra.
12 Construção Aeronáutica no Brasil
ma, entre 1943 e 1948, foram produzidas vegação Aérea (CNNA), empresa que,
777 unidades dessa aeronave, que chegou na década de 1930, foi líder do setor de
inclusive a ser exportada para países da construção aeronáutica nacional, e om-
América Latina, além de EUA, Portugal breia com a CAP em termos de empre-
e Itália. endimentos bem sucedidos. O fundador
do CNNA foi o empresário carioca Hen-
Não é exagero dizer que o CAP-4 Pau- rique Lage, membro de uma abastada fa-
listinha foi um ícone da aviação nacional mília que fizera fortuna na área de cons-
em sua época, e que sua importância para trução naval e navegação de cabotagem.
a indústria aeronáutica brasileira – em No início dos anos de 1920, Henrique
termos de pioneirismo – seja superada Lage dirigia um império de 32 empresas,
apenas pelo Bandeirante, da Embraer. Isto que atuavam não só na área naval como
porque o Paulistinha, sendo um grande su- também nos setores de carvão e ferro.
cesso comercial, foi também o carro che-
O envolvimento de Lage com a aviação
fe da CAP, na época uma das mais bem
começou na década de 1920, quando as-
sucedidas indústrias de um setor ainda
sociou-se ao engenheiro Manoel Augusto
incipiente, que necessitava de consolida-
Pereira de Vasconcelos, que tinha em mão
ção. Além disso, o Paulistinha formou um uma proposta da companhia inglesa Bla-
largo contingente de aviadores civis ao ckburn Aircraft, interessada em implantar
redor do Brasil. Calcula-se que mais de uma fábrica de aviões navais no Rio de Ja-
20 mil pilotos tenham se brevetado utili- neiro. Com a promessa do governo federal
zando essa aeronave. de encomenda de aviões, assinou contrato
A produção do Paulistinha foi encerrada de exclusividade com os ingleses, con-
em 1948. Seu sucesso inspirou a criação templando a construção de aviões e mo-
de novos projetos – quatro ao todo – mas tores. Montou assim uma fábrica na Ilha
nenhum foi bem-sucedido. A conjuntura do Viana – propriedade da família Lage,
do pós-guerra foi para a CAP tão desfa- na Baía da Guanabara. Foram montados
vorável quanto lhe foram favoráveis as dois protótipos: o Rio de Janeiro e o Indepen-
circunstâncias da guerra10, de modo que a dência, este um biplano com 12 metros de
empresa fechou suas portas em 1949. envergadura. Porém o governo, na época
chefiado pelo Presidente Arthur Bernar-
Cumpre agora mencionar a Fábrica des, não contratou nenhum dos projetos
Brasileira de Aviões (FBA), braço fa- por alegada falta de recursos, o que levou
bril da Companhia Nacional de Na- ao fechamento da Fábrica.

10
Com o fim do conflito houve considerável acréscimo na oferta de aviões no mercado internacional. Tratava-se
de material defasado, sobras de guerra das potências beligerantes, porém oferecidos a preços convidativos, sendo
largamente adquiridos pelas companhias de aviação civil e pela FAB. Foi o golpe de misericórdia para boa parte
do setor aeronáutico nacional, que não tinha condições de competir com produtos mais baratos e de tecnologia
superior.
Construção Aeronáutica no Brasil 13
A sorte de Lage mudaria apenas na ra. Os primeiros ensaios e o voo pioneiro
década de 1930, quando Getúlio Vargas ocorreram em outubro de 1935. No mes-
apresentou-lhe ao tenente do Exército mo ano foi criada a Fábrica Brasileira
Antônio Guedes Muniz. de Aviões (FBA), que viabilizaria a pro-
dução do M-7, que se tornou o primeiro
Atuante na aviação do Exército desde
aeroplano produzido em série no Brasil.
o início dos anos de 1920, Muniz foi à
Conforme mencionado, a FBA funciona-
França estudar engenharia aeronáutica na
va como braço fabril da Companhia Na-
Escola Superior de Aeronáutica de Paris
cional de Navegação Aérea (CNNA),
e durante o curso desenvolveu projetos
uma empresa de Henrique Lage que se
para a Caudron, Faerman, e Potez, as três
dedicava aos serviços de transporte de
principais empresas do setor de aviação
carga e passageiros, treinamento de pilo-
francês. Em 1929, Muniz obteve financia-
tos, além de projeto, construção e venda
mento para a construção de uma aerona-
de aeroplanos. Ambos estabelecimentos
ve, cujo projeto foi batizado de M-5. O
funcionavam na Ilha do Viana.
aeroplano foi construído nas instalações
da Caudron, em Paris, e por lá foi sub- Ao todo, a CNNA produziu 27 unida-
metido aos primeiros testes, todos bem des do M-7, até o ano de 1941. Houve
sucedidos. Desmontado, seguiu para o ainda uma versão aprimorada do M-7,
Rio de Janeiro a fim de ser remontado no o M-9, que voou pela primeira vez em
Parque Central de Aeronáutica, unidade 1938. O Exército encomendou um total
do Exército sediada no Campo dos Afon- de 40 unidades deste aeroplano, tendo
sos. Nesse local, o M-5 foi apresentado sido entregues entre os anos de 1942 e
ao público, em 10 de julho de 1931, em 1943. Guedes Muniz encerrou seu traba-
solenidade comemorativa dos 12 anos da lho junto à CNNA projetando o M-11,
Escola de Aviação Militar. O aeroplano cujo primeiro voo ocorreu em 1941. De-
decolou com uma figura ilustre a bordo zesseis desses aparelhos foram entregues
– o Presidente Getúlio Vargas, que para à Força Aérea Brasileira (FAB).
mostrar seu apoio à aeronáutica nacional,
A CNNA ainda produziu a série HL,
fez questão de voar no que era ainda um
um conjunto de aeronaves leves para trei-
protótipo.
namento de pilotos, que gerou bom nú-
O sucesso do Muniz M-5 aproximou mero de encomendas para os aeroclubes
seu criador de Henrique Lage, que já em do país, e a exportação de algumas uni-
1933 contava com um talentoso time de dades para países como Chile, Uruguai
projetistas brasileiros e europeus. O pri- e Argentina. Tudo isso fez da empresa a
meiro fruto da parceria Muniz-Lage foi líder no setor de construção aeronáutica
o planador Avia, construído na Ilha do do país. No início da década de 1940, a
Viana, empregando madeiras nacionais. CNNA se expandia para além da Ilha
Após isso, Muniz passa a projetar o M-7, do Viana e destacava-se na prospecção
um biplano de instrução com estrutura de matérias primas nacionais, sobretudo
de tubos de aço soldados e asas de madei- madeira.
14 Construção Aeronáutica no Brasil
Henrique Lage faleceu em 1941, mas a centro técnico de aeronáutica –
CNNA continuou suas atividades, agora o início de um novo ciclo de de-
sob o comando de Luiz Felipe Marques, senvolvimento
então diretor técnico da empresa. A série
O fim da segunda guerra representou
HL continuava sendo produzida e vendi- o final de um ciclo para a indústria ae-
da com relativo sucesso. Entretanto, o ad- ronáutica brasileira. Conforme já explici-
vento da Segunda Guerra Mundial impôs tado, houve um aumento significativo na
um cenário adverso para a empresa. oferta de aeronaves estrangeiras e a in-
Boa parte da crise deve-se ao advento dústria brasileira não se via em condições
do Land and Lease Act, que fez o governo de competir nesse cenário. A retração do
brasileiro, o principal cliente, reduzir sig- setor foi significativa e somente a criação
nificativamente sua demanda. O fim do da Embraer, no final dos anos de 1960
conflito, pelos fatores previamente expli- viria restabelecê-lo por completo.
citados, não trouxe melhoras a este cená- Entretanto, esse posterior desenvolvi-
rio. Nesse contexto, a CNNA encerrou mento não seria possível sem que no início
suas atividades em 30 de novembro de da década de 1950 fossem criados o Centro
1948, tendo produzido um total de 234 Técnico de Aeronáutica (CTA) e o Institu-
aeronaves. to Tecnológico de Aeronáutica (ITA), na
cidade de São José dos Campos – SP. Tais
organizações foram criadas a partir da
iniciativa de um grupo de oficiais da FAB,
liderados pelo Tenente-Coronel Casimiro
Montenegro Filho, engajados na criação
de uma estratégia de desenvolvimento do
setor aeronáutico brasileiro. Tais oficiais
acreditavam na premência de se formar
mão de obra especializada no Brasil, ca-
paz de promover as soluções tecnológicas
que o país necessitava.
A concretização desse projeto deve-
se, em larga medida, à perseverança do
Tenente-Coronel Montenegro. Aviador
oriundo do Exército e formado enge-
nheiro aeronáutico em 1942, pela Escola
Técnica do Exército, Montenegro era um
entusiasta das possibilidades que o desen-
volvimento tecnológico poderia trazer ao
Brasil. Certa vez foi designado para uma
PropagandadaFBA,destacandooMunizM-7 missão nos EUA a fim de trasladar ae-
Fonte: ANDRADE, 2013. pg. 27. ronaves militares. Lá conheceu o Wright
Field - centro de tecnologia da Força Aé-
Construção Aeronáutica no Brasil 15
rea Norte-Americana -, em Ohio, e o Mas- tes à criação do CTA em muito deter-
sachusetts Institute of Technology (MIT), em minariam os empreendimentos no setor
Boston. Nessa ocasião, foi apresentado ao aeronáutico da década seguinte. Começe-
professor Richard Harbert Smith, chefe mos pelo nome de Henrich Focke (1890
do Departamento de Engenharia Aero- – 1979), notável projetista alemão, um
náutica, e falou da idéia de criar um cen- dos fundadores da Focke-Wulf, em 1924.
tro de tecnologia aeronáutica no Brasil. Focke e sua equipe chegaram ao Brasil,
em 1954, com o objetivo de desenvolver
As conversas avançaram, tanto com Ri-
no CTA o Convertiplano-Heliconair HC-1,
chard Smith quanto com o alto-comando
uma aeronave híbrida de decolagem ver-
do MAER, de forma que, em maio de
tical, dotada de quatro rotores e capaz de
1945, Richard Smith chegou ao Rio de Ja-
voar horizontalmente - um projeto avan-
neiro para discutir um plano de implemen-
çadíssimo para a época. Para tanto, foi
tação do CTA/ITA. A ideia era criar um
criado no CTA o Instituto de Pesquisas e
centro voltado à pesquisa e aplicação téc-
Desenvolvimento (IPD), que teria papel
nica, bem como ao ensino superior na área
crucial na criação do Bandeirante – avião
de tecnologia, algo como um “MIT bra-
que motivou a criação da Embraer.
sileiro”. Em 1947, o plano de criação do
Apesar de patrocinado com recursos do
CTA foi aprovado e as obras se iniciaram.
MAER, o projeto não vingou, devido a
Em 16 de janeiro de 1950, o ITA foi inau-
falta de infraestrutura industrial no Bra-
gurado, contando com um corpo docente
sil. Os recursos financeiros disponibili-
de excelência – a maioria de seus membros
zados também não eram suficientes para
vindos da Europa e dos EUA – e tendo
um projeto tão sofisticado como aquele.
Richard Smith como primeiro reitor. Já o
Para se ter uma idéia, somente nos anos
CTA iniciou suas atividades em 1953.
de 1980 os EUA conseguiriam ter suces-
A criação deste grande complexo tec- so num projeto semelhante, o Bell Boeing
nológico fez avolumar as iniciativas de OV-22 Osprey. Em 1955, Focke deixou o
construção aeronáutica, criando na re- Brasil sem conseguir emplacar seu HC-1.
gião de São José dos Campos um impor- Entretanto, os engenheiros brasileiros
tante polo industrial no país, o do setor aplicaram os conhecimentos adquiridos
aeronáutico. Mesmo antes da criação da nessa empreitada aplicaram os conheci-
Embraer (esta mesma gestada em um mentos adquiridos no projeto Beija-Flor,
departamento do CTA), o CTA/ITA já um helicóptero de dois lugares. Este
atraía empresas interessadas em executar voou pela primeira vez no final de 1959.
projetos em colaboração e/ou mediante No ano seguinte, porém, quando iniciava
incentivo dessa Instituição. Muitas em- outro vôo teste, o Beija-Flor rodopiou no
presas, inclusive, como a Avibrás e a chão e sofreu pesadas avarias. Essa expe-
Aerotec, foram formadas por ex- riência mostrou claramente a necessidade
alunos do ITA, na década de 1960. do Brasil consolidar uma infraestutura
Recuemos um pouco até a década de industrial à altura dos desafios impostos
1950, pois os acontecimentos subsequen- pela construção aeronáutica.

16 Construção Aeronáutica no Brasil


OConvertiplano,projetodoIPDquenuncasaiudafasedeteste,masagregouimportantes
conhecimentos posteriormente aproveitados no desenvolvimento do Bandeirante.
Fonte: ANDRADE, 2013. pg. 137.
No início da década de 1960, o MAER O Uirapuru tornou-se o carro chefe da
lançou concorrência para a fabricação de empresa, com significativo sucesso, tanto
um avião de treinamento primário, des- que 18 unidades do mesmo foram expor-
tinado a substituir os já desgastados T-6, tadas para países da América do Sul. A
que tantos pilotos formaram no Campo Aerotec passou também a produzir
dos Afonsos e em Pirassununga. Tal pro- componentes para os aviões fabricados
cesso serviu como importante fomento pela Embraer, isso já no final dos
para alavancar um novo ciclo de cresci- anos de 1960. Houve, porém, sérias tur-
mento da indústria aeronáutica nacional, bulências a partir do final da década de
desta vez tendo São José dos Campos 1970, quando o país já não conseguia
como palco. mais crescer às taxas alcançadas no perío-
do do “milagre econômico”, e a segunda
Uma das empresas que surgiram
crise do petróleo começava a arrastar o
em função dessa concorrência foi a
país para a recessão e a crise do endivida-
Aerotec, fundada em 1962, pelo
mento da década de 1980. Essa conjun-
“iteano” Carlos Gonçalves, juntamente
tura de retração econômica gerou queda
com os engenheiros aeronáuticos Wladimir
na demanda da FAB e da Embraer, os
Monteiro Carneiro e Michel Cury. Este
principais clientes da Aerotec.
aeroplano seria chamado de T-23 Uirapuru, e
seu protótipo foi desenvolvido em parceria Em 1979 a Aerotec recebeu nova
com o “iteano” José Carlos de Souza Reis. encomenda da FAB, o que aliviaria o con-
O Uirapuru fez seu voo pioneiro em 1965, texto da crise. Tratava-se do Tangará T-17,
em São José dos Campos. Em 1967, a um novo avião treinador que sucederia
FAB assinou contrato encomendando 30 o Uirapuru. O protótipo do T-17 ficou
destes aviões, e em 1969 novo contrato foi pronto em 1981, concluindo seu primei-
assinado. Desta vez a encomenda era de ro voo em fevereiro daquele ano. A enco-
70 aeronaves. menda era significativa; 100 unidades da
Construção Aeronáutica no Brasil 17
nova aeronave. Entretanto, os planos da Em 1955, a Neiva adquiriu jun-
FAB mudaram, bem como as especifica- to a CAP os dados técnicos e o direito
ções do novo aeroplano treinador que ela de fabricação do Paulistinha. Após algu-
pretendia adquirir, o que provocou o can- mas modificações no projeto, realizada
celamento da compra dos 100 Tangará. A com apoio técnico do CTA, a aeronave
Aerotec não conseguiu se recuperar foi rebatizada de Paulistinha 56. A Neiva
deste forte abalo, fechando suas portas produziu 260 exemplares desse modelo,
em 1988. sendo que 250 destes foram adquiridos
Outra empresa a participar dessa con- pelo MAER. Este negócio mostrou-se
corrência foi a Sociedade Construtora um grande acerto, pois permitiu à Neiva
Aeronáutica Neiva, uma das principais se erguer e se firmar no mercado, sendo
empresas do setor entre a segunda me- por um período a única empresa do setor
tade da década de 1950 até a criação da a produzir em série no Brasil. Além disso,
Embraer, em 1969. A Neiva desen- permitiu ao governo Brasileiro uma consi-
volveu o T-25 Universal, um monomotor derável economia em divisas, pois este es-
biplace, de asa baixa e motor de 300 hp, tava livre do encargo de importar aerona-
que recebeu uma encomenda do MAER ves para os aeroclubes, podendo comprar
de 150 unidades – na época o maior con- o bom e velho Paulistinha. Entretanto, ao
trato da indústria aeronáutica brasileira. final da década de 1950 essa aeronave dos
O protótipo do Universal voou pela pri- anos de 1930 já era vista como obsoleta,
mera vez em abril de 1966. e esse entendimento vinha dos oficiais
A Neiva nasceu da iniciativa de José do MAER, sendo, portanto, a opinião
Carlos de Barros Neiva, um paulista apai- mais importante para quem dedicava-se a
xonado pela aviação que desenvolvia pla- construir aviões no Brasil.
nadores em uma garagem alugada próxi-
As inovações na engenharia aeronáu-
ma ao aeroclube de Manguinhos, no Rio
de Janeiro. No início dos anos de 1950, tica apontavam para aviões com estrutu-
tais planadores chegaram a ser compra- ra totalmente metálicas, enquanto que o
dos pelo MAER que, com sua política Paulistinha era feito de fuselagem entela-
de estimular a atividade dos aeroclubes, da. Mas a Neiva logo se adaptou a essa
distribuiu aos mesmos estes aparelhos. realidade, lançando o projeto do N-360
Ocorre que a indústria aeronáutica no Regente – o primeiro avião todo em es-
Rio de Janeiro estava em completa estag- trutura metálica construído no Brasil. O
nação, com a Fábrica do Galeão parada e Regente voou pela primeira vez em setem-
a CNNA extinta. Neiva optou em trans- bro de 1961, e recebeu do MAER uma
ferir sua recém constituída empresa para encomenda de 80 unidades. Houve ainda
Botucatu, no interior de São Paulo, asso- uma variação, o Regente-ELO, destinado a
ciando-se à Willibald Weber – engenheiro observação militar, que recebeu uma en-
aeronáutico austríaco e proprietário de comenda de 40 exemplares. Cumpre tam-
uma oficina de manutenção de aeronaves bém citar, dentre os projetos desse novo
naquela cidade. período, o planador IPD-5801.
18 Construção Aeronáutica no Brasil
Com o sucesso do T-25 Universal, a de tintas, de freios e de rodas, hélices e
empresa prosperou ainda mais, abrindo peças de plástico e fibra”11. O sucesso da
um escritório em São José dos Campos. Neiva alavancou outras empresas situa-
Porém, a demanda por este aeroplano ar- das em sua cadeia produtiva.
refeceu, já em meados dos anos de 1970.
Das empresas que cresceram impul-
Em 1975, a Embraer subcontratou a
sionadas pela demanda do avião treina-
Neiva, para que esta executasse a mon-
dor da FAB, no íncio dos anos de 1960,
tagem de aviões leves da norte-americana
a Avibrás teve uma trajetória diferen-
Piper, que estabelecera uma parceria
te. Não conseguiu emplacar seu projeto
com a Embraer. Isso deu novo fôlego
inicial junto à FAB, e por conta disso
à Neiva, que também passou a produzir
voltou-se para o desenvolvimento de fo-
algumas peças para o avião agrícola Ipane-
guetes, firmando como pioneira no setor
ma – fabricado pela Embraer. Entre-
aeroespacial.
tanto, a crise do petróleo, em 1979, des-
capitalizou a empresa, fazendo com que a Foi criada em abril de 1961, por ini-
mesma abrisse seu capital para continuar ciativa de Olympio Sambatti, José Carlos
operando, transformando-se em Indús- de Sousa Reis, Aloysio Figueiredo e João
tria Aeronáutica Neiva S/A. Verdi de Carvalho Leite, todos recém-
formados em engenharia pelo ITA. Tão
Em 11 de março de 1980, a Embraer logo iniciou suas atividades, a Avibrás
tornou-se acionista majoritário da já apresentou projeto para um modelo
Neiva, que passou a produzir o Ipanema, de avião de treinamento básico, destina-
realizando neste diversas melhorias, do à FAB. Foi desenvolvido o A-90 Al-
com destaque para o desenvolvimento vorada, que não ganhou a concorrência
da versão movida a etanol, que voou promovida pelo CTA, mas serviu como
pela primeira vez em 2005. Além disso, importante experiência adquirida para a
produziu ao longo do tempo (e continua construção de outros modelos mais bem
produzindo) componentes de diversas sucedidos comercialmente.
aeronaves fabricadas pela Embraer.
Em seguida, a Avibrás passou a de-
A Neiva teve importância funda- senvolver o Falcão, outro projeto destina-
mental para a indústria aeronáutica no do ao treinamento primário dos pilotos da
período do pós-guerra, uma época de FAB, mas que não alcançou a performan-
mudança de paradigmas e grandes difi- ce almejada. Seu protótipo foi negociado
culdades para o setor, no qual a empresa junto à FAB, mas o modelo não chegou
“criou mercado regular, apoiado no qual à fase da produção seriada. Outro projeto
surgiram diversas pequenas indústrias fa- importante foi o Saci, monoplace espor-
bricantes de instrumentos para o painel, tivo leve, todo em madeira. Entretanto,

11
ANDRADE, 2013. pg. 187.
Construção Aeronáutica no Brasil 19
um incêndio destruiu completamente tivou a criação da mais bem sucedida ini-
o protótipo, além de outros projetos da ciativa empresarial do setor aeronáutico
empresa. A Avibrás esteve próxima de brasileiro; a Empresa Brasileira de Ae-
fechar suas portas, mas reviu sua estraté- ronáutica (Embraer). O IPD6504
gia e passou a atuar de forma pioneira na foi gestado no Departamento de Aerona-
produção de foguetes e mísseis, o que lhe ves (PAR) do IPD, que dedicava-se à pro-
rendeu o perfil de negócios que sustenta jeção e à construção de aeronaves. Con-
até hoje. forme mencionado, nos anos de 1950 o
IPD/PAR engajara-se em dois projetos
A Avibrás esteve, portanto, a frente
pioneiros; o Convertiplano e o Beija-Flor
do Programa Espacial Brasileiro, desen-
que, apesar de malfadados, muito contri-
volvendo e produzindo, a partir do final
buíram em termos de know-how e desen-
dos anos de 1960, os primeiros foguetes
volvimento técnico.
brasileiros de pesquisa meteorológica
– o SONDA I, SONDA II-B e SONDA Em uma noite de março de 1965, to-
II-C –, um projeto desenvolvido em par- cava o telefone da casa do engenheiro e
ceria com o CTA. Tais projetos, feitos Major da Aeronáutica Ozires da Silva. Do
como tecnologia exclusiva da Avibrás, outro lado da linha, falava José Carlos de
permitiram ao MAER criar o Centro de Barros Neiva, presidente da Neiva, so-
Lançamento da Barreira do Inferno, em licitando que Ozires o recebesse em sua
Natal – RN. residência, juntamente com seu projetista
Joseph Kovacz, e o francês Max Holste,
Na passagem das décadas de 1980 a
projetista de fama internacional. Este se-
1990, a Avibrás assinou seu primeiro
nhor era o motivo principal da visita ines-
contrato internacional de peso, desenvol-
perada. Viajaria no dia seguinte, de modo
vendo o ASTROS II, um sofisticado sis-
que a conversa não poderia esperar.
tema de lançamento de foguetes utiliza-
do, inclusive, na Guerra do Golfo. Junto Max Holste fundara a empresa Avions
com a Embraer, a Avibrás é o caso Max Holste, que havia tornado-se pro-
mais bem sucedido de todos os esforços priedade do governo francês, deixando-o,
em prol da indústria aeronáutica brasilei- ao que parece, em situação financeira
ra. Atualmente, continua em pleno fun- delicada. Deixou a França em busca de
cionamento e é reconhecida em todo o apoio financeiro para um novo empre-
mundo por sua excelência na produção endimento aeronáutico. Passou primeiro
de sistemas de defesa, veículos aéreos pelo Marrocos, onde se frustou com ten-
não-tripulados e mísseis, todos equipados tativas de criar uma estatal marroquina,
com tecnologia desenvolvida na própria e chegava ao Brasil, imbuído do mesmo
empresa. objetivo. Aqui procurou Neiva, seu
antigo estagiário na França, e expôs seu
O Projeto IPD6504
plano. E lá estavam os quatro, discutindo
Trata-se do projeto que deu origem ao como implantar no Brasil uma indústria
famoso Bandeirante, que por sua vez mo- aeronáutica.
20 Construção Aeronáutica no Brasil
Foi dessa reunião que nasceu a ideia Instituto. Ambos apoiavam o projeto de
de projetar um avião bimotor, destinado desenvolvimento do bimotor e vislum-
ao transporte de carga e passageiros, com braram a oportunidade de incluir seu
capacidade para 9 a 12 passageiros. Mas desenvolvimento no escopo de um pro-
quem desenvolveria essa aeronave? Quase jeto maior, visto como prioritário. Outro
todos os empreendimentos aeronáuticos nome de peso era o do Tenente-Brigadei-
do país localizavam-se no polo industrial ro Oswaldo Ballousier, Diretor de Mate-
de São José dos Campos; quase todos es- rial da Aeronáutica, e um entusiasta do
tes estavam envolvidos em outros proje- trabalho do Brigadeiro Montenegro. Tal
tos, e não tinham condições financeiras projeto referia-se à modernização dos
de bancar o desenvolvimento de outro T-6, cujas carenagens eram ainda sólidas,
modelo. A solução acordada foi abrigar o mas que careciam de novos motores. A
projeto junto ao PAR, tornando o francês justificativa da equipe do CTA era de que
um colaborador daquele Departamento. o IPD6504 seria útil para obtenção de
novos conhecimentos a ser aplicados na
Tudo ocorreu muito rapidamente, e
reforma dos T-6. Este foi o caminho para
em 26 de junho de 1965 sairia a autoriza-
viabilizar a contratação de Max Holste,
ção para o desenvolvimento do IPD6504,
impedir o fechamento do PAR, e aprovar
não sem antes muitos obstáculos serem
o projeto do bimotor IPD6504.
superados. O PAR enfrentava muito ce-
ticismo em setores do alto-comando, por Em agosto de 1965, a montagem da
conta dos projetos citados anteriormente equipe responsável pelo projeto estava
que, segundo os julgamentos mais super- concluída. Dispunha em torno de cem
ficiais – embora majortitários – não ha- técnicos, todos com a preciosa experiên-
viam dado em nada. O Diretor do CTA, cia dos projetos “falhos” do Convertiplano
Major-Brigadeiro Henrique de Castro e do Beija-Flor, além de preciosas adições
Neves, que substituíra o Brigadeiro Casi- obtidas em outros departamentos do
miro Montenegro, decidira acabar com o CTA, como os engenheiros Guido Fon-
Departamento de Aeronaves, por enten- tegalant Pessotti e Plínio Junqueira. Des-
der ser uma “seção inútil formada por téc- taca-se ainda as presenças de Max Holte,
nicos que insistiam em continuar criando do engenheiro Ozílio Carlos da Silva e do
projetos inviáveis e dispendiosos12”. Major Ozires Silva.
Entretanto, o PAR contava com alia- A remotorização do T-6 foi conduzida
dos, tais como o Coronel Sérgio Sobral, até o governo de Costa e Silva (1967-1969),
diretor do IPD, e o Eng. Antônio Gar- mas não seguiu adiante. O IPD6504, por
cia da Silveira, vice-diretor do mesmo sua vez, ganhou apoio do Ministro da Ae-

12
DRUMOND, 2004. pg. 197.

Construção Aeronáutica no Brasil 21


ronáutica Tenente-Brigadeiro Márcio de frentes, tinha uma disposição invulgar para o
Souza e Mello e prosperou. Até o primei- trabalho e uma dedicação a todas as provas.
ro voo – 22 de outubro de 1968 - e apre- Atacou todos os problemas do CTA e mui-
sentação oficial do protótipo (FAB 2130), tos conseguiu resolver, ao mesmo tempo que
batizado de Bandeirante por sugestão do nos dava um apoio diferenciado no projeto do
então Diretor do CTA Major-Brigadeiro IPD6504. Determinou-se a conseguir e con-
Paulo Victor da Silva, que ocorreu em 27 vencer a Diretoria de Engenharia do Minis-
de outubro de 1968, o projeto consumiu tério da Aeronáutica a iniciar a construção de
110 mil horas de trabalhos, 12 mil dese- uma pista pavimentada para a operação dos
nhos técnicos e 282 mil horas de fabrica- aviões em São José dos Campos. Ela começou
ção. O Bandeirante pesava 4,5 toneladas, a ser construída mesmo em 1966 com o objeti-
transportava até nove passageiros, tinha vo de que estivesse pronta quando do primeiro
um alcance de 1.850 km e atingia uma ve- voo do nosso protótipo.
locidade de cruzeiro de 450 Km/h.
Cumpre destacar o fundamental papel
do Major-Brigadeiro Paulo Victor, que Surge a EMBRAER
substituíra o Brigadeiro Castro Neves no
cargo de Diretor do CTA. Paulo Victor Após os primeiros voos do protótipo,
foi um grande entusiasta do projeto e ocorridos em 1968, iniciou-se uma longa
usou de todo seu prestígio político e trân- fase de ensaios e aprimoramentos, com o
sito junto ao alto-comando do MAER objetivo de tornar o projeto viável para
para levantar os recursos, sem os quais o a produção em série. A questão principal
IPD6504 não seria concluído. Nas pala- tornou-se como formar uma empresa
vras de Ozires Silva13: para produzir o Bandeirante em série. O
trabalho do Brigadeiro Paulo Victor nes-
sa fase seria também indispensável.
O Brigadeiro Paulo Victor era realmente a
figura forte, com o vigor e a iniciativa que nos- Em 1969, Max Holste abandonou o
so projeto precisava. Senti que não tinha sido projeto, por desavenças com a equipe.
absolutamente difícil vender a ele a ideia de O francês, apesar de sério, competente e
projetar um avião de transporte aéreo regio- dedicado, era dono de uma personalidade
nal. Formado pelo ITA em 1953, ele foi difícil. Entretanto, foi ele que sugeriu a
o primeiro entre os engenheiros do Instituto criação de uma empresa estatal para tocar
a assumir o comando do CTA. Dotado de a produção em série do bimotor. O Bri-
um entusiasmo contagiante, era dono de uma gadeiro Paulo Victor encampou a ideia.
férrea vontade e uma determinação impres- Após idas e vindas políticas, contando
sionante (...) Ele trabalhava em todas as com apoio crucial do Ministro da Aero-

13
SILVA, 1998. pg. 159-160.

22 Construção Aeronáutica no Brasil


náutica e do Presidente da República, a da Silva (Diretor de Produção); Guido
criação da Empresa Brasileira de Aero- Fontegalante Pessoti (Diretor Técnico),
náutica (EMBRAER) foi aprovada pela Renato José da Silva (Diretor Comercial);
equipe econômica do Governo. A empre- Alberto Franco Faria Marcondes (Diretor
sa surgiria pelo modelo de sociedade de Financeiro); e Antônio Garcia da Silveira
economia mista, contando com capitais (Diretor de Relações Industriais). Em 01
da União combinados aos da iniciativa de janeiro de 1970, a Embraer iniciou
privada. O decreto de criação da mesma suas atividades ocupando provisoriamen-
foi publicado no Diário Oficial da União te um espaço do CTA, enquanto sua sede
em 30 de agosto de 1969. de 700.000 m² era concluída. Em maio de
1970, foi assinado o primeiro contrato de
Em 29 de dezembro de 1969, foi rea- produção entre a EMBRAER e a União,
lizada a assembléia geral de constituição. no valor de 300 milhões de dólares, refe-
Definiu-se a primeira diretoria da em- rente a oitenta aeronaves. O Bandeiran-
presa, assim composta: Tenente-Coronel te fora remodelado e agora comportava
Ozires Silva (Presidente); Ozílio Carlos quinze passageiros.

O Bandeirante aqueceu o mercado de aviação regional. Uma das empresas


que mais usou este avião foi a TAM. Fonte: ANDRADE, 2013. pg. 237.

Construção Aeronáutica no Brasil 23


Um segundo contrato foi assinado concebido por alunos do ITA em fins da
nesse mesmo mês, novamente com a década de 1950. Entretanto, este plana-
União. Tratava-se da produção de 112 ja- dor não logrou sucesso comercial. Mas
tos EMB-326GB para a FAB. Tal jato se- o carro chefe da empresa era realmente
ria o resultado de uma parceria com a ita- o Bandeirante. Sua industrialização criou
liana Macchi, que autorizava, sob licença, a um novo ciclo da aviação de transporte
produção do EMB-326GB, uma evolução militar e desenvolveu a aviação regional,
direta de um jato produzido pela Macchi abrindo novas rotas no interior do Bra-
na década de 1950. O negócio envolvia sil. Em 1991, foi encerrada a produção
um montante superior a 500 milhões de do Bandeirante, que alcançou a marca de
dólares. O primeiro exemplar do AT-26 498 aeronaves produzidas, sendo que 245
Xavante, conforme batizado na FAB, fez destas foram exportadas. Calcula-se que
seu primeiro voo em setembro de 1971. ainda existam 320 exemplares plenamen-
Ao todo, os contratos com o MAER re- te operacionais.
presentavam 1,2 bilhões de dólares para a
Embraer. Sucessos e Desafios da EMBRAER
A Embraer rapidamente se consoli- O final dos anos de 1970 foi marca-
dava, e assinou o terceiro contrato de sua do pelo primeiro voo do EMB 121 Xingu
história com o Ministério da Agricultura, (1976), a primeira aeronave projetada e
para fabricação do avião agrícola Ipanema, fabricada inteiramente pela Embraer,
que recebeu o certificado de homologa- sem qualquer envolvimento do CTA, e
ção em fins de 1971. Seria um dos proje- pelo contrato assinado com a FAB para
tos mais exitosos da Empresa, sobretudo a produção de um aeroplano de treina-
comercialmente, e consistia em um mo- mento avançado, o EMB 312 Tucano, que
nomotor de asa baixa com motor de 300 foi apresentado em 19 de agosto de 1980.
hp, reservatório de defensivos agrícolas Com desenho avançado para a época e ca-
de 600 litros, dispositivos de segurança racterísticas inovadoras que se tornaram
para evitar intoxicação do piloto e choque padrão mundial em aeronaves de treina-
com rede elétrica. mento, o Tucano notabilizou-se por aliar
Além do Bandeirante e do Ipanema, a alta capacidade de manobra à estabilidade
Embraer firmou um contrato com em baixas velocidades. Tais qualidades fi-
a norte-americana Piper, para a mon- zeram deste avião um sucesso mundial de
tagem de uma série de aviões leves, en- vendas. Mais de 15 forças aéreas ao redor
volvendo no negócio a Neiva, confor- do mundo passaram a operar o Tucano.
me já mencionado. Tais aviões foram o A Embraer também se consolida
EMB-710 Carioca, o EMB-711 Corisco, o internacionalmente. Em 1979, a empresa
EMB-720 Minuano, o EMB-721 Sertanejo, abriu uma subsidiária nos EUA, em Da-
o EMB-810 Sêneca, e o EMB-820 Nava- nia – Florida, a Embraer Aircraft Company.
jo. Além disso, a Embraer construiu o Além disso, o Tucano passa a ser produzi-
planador de alta performance Urupema, do fora do país, primeiramente no Egito
24 Construção Aeronáutica no Brasil
e depois na Inglaterra. A EMBRAER ganhou neste país uma concorrência da Força
Aérea Britânica (Royal Air Force) para produzir uma aeronave de treinamento. Assim,
a partir de 1985, passa-se a produzir, sob licença, uma versão modificada deste avião,
batizado de Short Tucano. Outra medida importante foi a criação, em Paris, da Embraer
Aviation International (EAI), com o objetivo de alcançar os mercados da Europa, do
Oriente Médio e da África.

O EMB-312Tucano, modelo inovador de aeronave de treinamento militar


que foi sucesso mundial. Fonte: DRUMOND, 2004. pg. 224

CerimôniadelançamentodoEMB120Brasília.SãoJosédosCampos,julhode1983.
Fonte: Centro Histórico Embraer
Construção Aeronáutica no Brasil 25
No início dos anos de 1980 é lançado componentes. O motor, um Rolls-Royce
o EMB 120 Brasília, um turboélice pres- Spey Mk 807, foi fabricado na Itália, sob
surizado para 30 passageiros, voltado ao licença, por um consórcio entre a Fiat,
mercado de aviação regional, cujo lan- Piaggio e Alfa Romeu, que contava também
çamento contou com representantes de com a brasileira Celma – Companhia Ele-
diversas empresas aéreas e fabricantes de tromecânica do Brasil. O projeto, como um
componentes aeronáuticos ao redor do todo, significou investimentos de 50 mi-
mundo. Nunca havia ocorrido no Brasil lhões de dólares no setor de indústria ele-
um evento que atraíra tanta atenção do trônica nacional, além de um substancial
meio aeronáutico internacional. O Brasília aprimoramento da Embraer na área de
foi um sucesso de vendas no mercado in- aviônica. Ao todo, o projeto contou com
ternacional, e em pouco tempo alcançou investimentos governamentais da ordem
a marca de avião mais vendido no mundo de 200 milhões de dólares. Metade desses
em sua categoria. Na década de 1990, já recursos, aproximadamente, foi destinada
era utilizado por mais de 33 operadoras à Embraer.
em mais de 14 países, e acumulava mais O protótipo do AMX voou pela pri-
de três milhões de horas voadas. meira vez em 16 de outubro de 1985. A
produção em série do aeroplano começou
Entretanto, o grande destaque do perí-
em março de 1987, seguida da compra de
odo foi o programa AMX, uma parceria
79 unidades pela FAB, onde recebeu a de-
entre a Embraer e empresas italianas
nominação de A-1 Falcão. A AMI recebe-
com o objetivo de dotar a FAB e a Aero-
ria sua primeira remessa em out/1989. O
náutica Militar Italiana (AMI) de um jato
programa AMX representou importan-
militar subsônico. A FAB seria dotada de
te benefício para a Embraer e gerou
uma frota de 79 jatos militares, e agre-
muitas encomendas para sua cadeia de
garia capacitação tecnológica à indústria
fornecedores. Além disso, a empresa foi
aeronáutica nacional, além de possibilitar
obrigada a modernizar seu parque indus-
exportações numa janela de dez anos,
trial para se adequar as necessidades do
proporcionando expertise em gestão de
projeto. Foram subcontratados cerca de
projetos de cooperação internacional
8 mil itens, gerando 20 milhões de dóla-
Por meio da parceria, a Embraer res para seus fornecedores. Entretanto, a
deveria fornecer asas, trem de pouso, pi- recessão econômica do final da década de
lones e tanques de combustível. Os ita- 1980 atingiu boa parte da cadeia de forne-
lianos, por sua vez, responsabilizavam- cedores da Embraer, levando alguns a
se pela produção da fuselagem e outros falência.

26 Construção Aeronáutica no Brasil


Aviões A-1 Falcão da FAB.
Fonte: arquivo pessoal Maj Brig Scheer

Em maio de 1987, seria assinado um A montagem do primeiro protótipo


acordo com a Fabrica Militar de Aviones iniciou-se em julho de 1987, sendo que
(FMA), da Argentina. Tratava-se do Pro- a meta era vender 600 aviões dentro de
jeto Vector (CBA-123), um avião de trans- quinze anos. Quando o protótipo estava
porte regional com velocidade de jato 90% concluído, a crise na argentina se
executivo, motores Garret TPF351, de agravou, fazendo com que a FMA retiras-
1300 hp, localizados na parte traseira da se boa parte de sua participação, obrigan-
fuselagem e hélices Hartzell contra-rota- do assim a reformulação do projeto. Isso
tivas de seis pás, ao custo de 225 milhões gerou mais encargos para a Embraer,
de dólares. Era um projeto ambicioso que vinha em situação financeira frágil,
e de alto custo, envolvendo tecnologia com cerca de 300 milhões de dólares
avançadíssima para a época. Sem dúvida em dívidas. Entretanto, o projeto seguia
representava um risco considerável para como se não houvesse uma série crise de
a Embraer, sobretudo no contexto de recursos que havia consumido mais de
recessão e inflação que acometia as eco- 150 milhões de dólares, até então.
nomias na América Latina e, por conse- Nesse ínterim, a recessão no Brasil
guinte as empresas da região. se agravou, refletindo diretamente na

Construção Aeronáutica no Brasil 27


Embraer através da greve dos fun- zembro de 1994, sendo adquirida por um
cionários em sua linha de produção. Tal consórcio formado pela Companhia Bo-
fato atrasou mais ainda o voo inaugural zano Simonsen (CBS), os fundos de pen-
do Vector, que finalmente ocorreu em 18 são públicos Previ e Sistel e o banco de
de julho de 1990. As projeções davam investimentos norte-americano Wassers-
conta  de que o avião estaria operando tein Perrela, em um negócio avaliado em
já em novembro de 1991. Com o final da 89 milhões de dólares.
Guerra Fria, a indústria aeronáutica mun-
A nova diretoria da empresa, comanda-
dial entrou em um período de forte con-
da pelo CEO Maurício Botelho, operou
tração, com queda acentuada nas vendas,
os devidos ajustes, equilibrando os esfor-
que atingiu em cheio o projeto Vector e o
ços por excelência tecnológica com o foco
caixa da EMBRAER.
no mercado e na satisfação dos clientes.
A situação financeira da empresa, já di- Houve nova rodada de demissões, atin-
fícil, deteriorou-se mais ainda. As vendas gindo 2.200 funcionários. Aos poucos a
da Embraer despencavam, levando à Embraer foi se reerguendo. O Brasília
demissão de 3.994 funcionários (32% do e o Tucano continuavam sendo produzidos
staff) entre outras reduções de despesas, e vendiam bem. Já o projeto CBA Vector
num corte planejado em 109 milhões foi cancelado, devido a seus altos custos.
de dólares. Tudo isso ocorria no ano de Os salários e dividendos, que caíram su-
1990, em que a inflação no Brasil atingia cessivamente por quase dez anos, volta-
números altíssimos. A empresa afundava ram a ser reajustados em 1998.
na crise, trocando duas vezes de diretor.
Um dos marcos dessa nova fase é o
Em 16 de julho de 1991, Ozires Silva as-
EMB-145, posteriormente denominado
sumiu pela segunda vez o cargo de CEO
ERJ-145 (uma abreviação para Embraer
da Embraer, conseguindo um emprés-
Regional Jet), um aprimoramento do Bra-
timo governamental de 407 milhões de
sília, com turbinas a jato substituindo os
dólares, que permitiria saldar as dívidas
motores turboélices e capacidade para
mais urgentes. A partir daí, Ozires se con-
50 pessoas. Tratou-se do primeiro avião
vence que a privatização da companhia
comercial com propulsão a jato comer-
era a melhor solução para a Embraer.
cializado pela EMBRAER, o carro che-
Começava a batalha de convencimento
fe da empresa após a privatização, e um
dentro do governo, em setores das forças
grande sucesso comercial, com 1100
armadas, e também junto aos sindicatos
unidades vendidas até 2009. Em 2002,
e partidos refratários à idéia da privati-
a Varig adotou o ERJ-145 na ponte aé-
zação. Tal resistência política protelou o
rea Rio-São Paulo, sendo este o primeiro
processo por mais dois anos.
avião de fabricação nacional a voar esta
Após uma complexa reengenharia fi- rota. Surgiram também o ERJ-135 uma
nanceira feita com capital do governo, a versão reduzida, para 37 passageiros, do
Embraer foi a leilão no dia 7 de de- avião anteriormente mencionado.

28 Construção Aeronáutica no Brasil


O jato ERJ-145, um dos marcos da indústria aeronáutica nacional e grande
sucesso comercial em todo o mundo. Fonte: DRUMOND, 2004. pg. 223

Os primeiros voos dos aviões EMB 175 e EMB 195, realizados,


respectivamente, nos anos de 2003 e 2004. Fonte: Centro Histórico Embraer

Além disso, a Embraer firmou par- família de jatos de maior porte, com ca-
ceria com um grupo de empresas euro- pacidade entre 70 a 118 assentos. Seriam
péias do setor aeroespacial formado pela os EMB 170, EMB 175, EMB 190 e EMB
EADS, Dassault, Thales e Snecma, que pas- 195. Tal programa previa um investimen-
sam a integrar sua estrutura societária, to da ordem de 850 milhões de dólares e
com 20% das ações com direito a voto. parcerias com 16 indústrias aeroespaciais
No ano 2000, é lançado o programa Le- ao redor do mundo. Em 2002, a empre-
gacy, que desenvolveria uma série de ae- sa inaugurou a primeira unidade fabril no
ronaves (Legacy 600; Phenom 100; Phenom exterior, na China, para produção do ERJ
300) para o mercado de aviação executiva. 145, em joint-venture com a estrangeira
Inicia-se também o projeto de uma nova Harbin Aircraft.

Construção Aeronáutica no Brasil 29


O ERJ 145 adaptado para uso militar sob a designação de C-99, no escopo do programa SIVAM.
Foto: Agência Força Aérea

Na área militar, destaca-se a modifica- par sua Força Aérea. Tais aeronaves são
ção do ERJ-145 para operar no Programa produzidas numa fábrica na cidade norte-
Sivam – Sistema de Vigilância da Amazônia, americana de Jacksonville, Flórida (EUA),
e o desenvolvimento do EMB 314 Super fruto da associação entre Embraer e
Tucano, cujo projeto, iniciado em 1986, a SIERRA NEVADA CORPORATION
apresenta importantes diferenças com (SNC). Ao todo, 20 unidades foram for-
relação ao EMB 312 Tucano. Possui um necidas pelos EUA. Até 2013, o Super Tu-
motor duas vezes mais potente e 1,37 cano registrava 230 mil horas de vôo e 31
metros a mais de comprimento. Além mil horas em combate.
disso, pode desempenhar não só missões Além disso, destaca-se a mais recente
de treinamento, como também missões conquista da EMBRAER, o KC-390, uma
de vigilância de fronteiras, ataque leve e aeronave de asa alta com propulsão a jato,
contrainsurgência. É uma aeronave ver- voltada para transporte de carga e de tro-
sátil, que pode operar em ambientes de pas. Destinada a substituir os tradicionais
alta complexidade. Com a designação C-130 Hercules, o KC-390 foi apresentado
de A-29, o Super Tucano está há quase 15 em 21 de outubro de 2014, na fábrica
anos na FAB, e recebeu mais de 210 en- de Gavião Peixoto (SP). Prestigiando o
comendas, bem como entregou 170 aero- evento, havia representantes de 32 países
naves para nove forças aéreas distribuídas e autoridades civis e militares da Argen-
em diversos continentes, tal como África, tina, Portugal e República Tcheca (países
Ásia, América do Sul e América do Nor- parceiros na condução desse projeto).
te. A USAF (Força Aérea dos Estados Desde 2015, a aeronave se encontra em
Unidos) selecionou o Super Tucano para fase de testes de voo, com vistas a obter
o programa LAS – Light Air Support, a certificação da Agência Nacional de
que visa auxiliar o Afeganistão a reequi- Aviação Civil (ANAC) e do Instituto de

30 Construção Aeronáutica no Brasil


O KC-390 decolando para mais uma missão de testes na EMBRAER.
Foto: Sgt Batista, Revista Aerovisão.
Fomento e Coordenação Industrial (IFI). O projeto do KC-390 envolve a utiliza-
Após isso, poderá ser utilizado em mis- ção de conceitos arrojados de engenharia
sões reais. aeronáutica e o desenvolvimento de no-
vas tecnologias aplicadas à aviônica, sis-
O KC-390 tem desenho arrojado e
temas e durabilidade de materiais, entre
grandes proporções; 35 m de enverga-
outras áreas. Segundo Márcio Eduardo
dura e de comprimento, e 11,84 m de
Regis Monteiro, gerente de desenvolvi-
altura. Apresenta velocidade de cruzeiro
mento de produtos da Embraer, “(...) a
de 470 nós (870 km/h), chega à altitude
gente empregou o que há de mais moder-
máxima de 36.000 pés (11.000 m), possui
no tanto naquilo que a gente já conhecia,
um alcance de translado de 3.350 milhas
como em novas tecnologias pra propiciar
náuticas (6.204 km) e um alcance, com 23
o desenvolvimento da aeronave, atenden-
toneladas de carga, de 1.380 milhas náu-
do aos requisitos da FAB”14.
ticas (2.556 km). Comporta 80 soldados,
66 paraquedistas, 74 macas, 7 pallets, 3 ve- O Brigadeiro do Ar José Augusto Cre-
ículos Humvee, 1 helicóptero BlackHawk, paldi Affonso, Presidente da Comissão
1 blindado LAV-25, entre outras possibi- Coordenadora do Programa Aeronave
lidades. Acrescenta-se tratar de uma aero- de Combate (COPAC), complementa:
nave versátil que pode desempenhar não “O KC-390 representa para a Força Aé-
só missões de transporte de tropas e de rea Brasileira e para a indústria nacional
carga, mas também missões REVO (rea- o ápice, o coroamento da nossa capacida-
bastecimento em vôo), de busca e salva- de de emitir requisitos e principalmente a
mento, lançamento de cargas e paraque- capacidade da nossa indústria nacional de
distas, evacuação aeromédica, combate a desenvolver um produto aeroespacial de
incêndio florestal, dentre outras. última geração”15.

14
FERNANDES, 2016. pg. 18.
15
AGÊNCIA FORÇA AÉREA, 2014.
Construção Aeronáutica no Brasil 31
O EMB 314 Super Tucano, nas montanhas do Afeganistão, em missão pela Força Aérea desse país.
Foto: Cap. Eydie Sakura, USAF.

Conclusão Esse segundo ciclo é marcado pelo


A construção aeronáutica no Brasil surgimento da CNNA e da CAP, além
pode ser divida em alguns ciclos. do indispensável apoio técnico vindo do
IPT.
O primeiro seria o dos primórdios do
setor, que corresponde também aos pri- O terceiro ciclo inicia-se com a crise do
meiros anos da própria aviação. Marca pós-guerra, que derruba todas as empre-
esse período o sucesso logrado por San- sas do ciclo anterior. Entretanto, o grande
tos Dumont nos céus da França e a ini- marco deste período é a construção do
ciativa isolada, praticamente artesanal, de CTA/ITA, acontecimento paradigmático
alguns desbravadores, como Sensaud de no cenário industrial brasileiro, que viria a
Levaud, Villela Júnior e D’Alvear. fomentar uma série de iniciativas empre-
sariais nos anos de 1950 e 1960, além de
O segundo ciclo inicia-se com a Revo- consolidar um polo aeronáutico na região
lução de 1930, que trouxe uma mentali- de São José dos Campos, e fornecer os in-
dade desenvolvimentista para o país. É dispensáveis recursos humanos especiali-
o início dos incentivos governamentais à zados – elemento sem o qual nada pode
indústria aeronáutica. Inicia-se também, prosperar.
uma série de tentativas, sucessos e fracas-
sos, vindos tanto do governo quanto da O quarto ciclo, também uma decor-
iniciativa privada, na busca da consolida- rência direta da criação do CTA/ITA,
ção do setor. é marcado pelo surgimento do Bandei-

32 Construção Aeronáutica no Brasil


rante – o primeiro bimotor produzido das essas alternativas, que conseguimos identi-
no Brasil – e a consequente criação da ficar, eram resultados do esforço de engenheiros
Embraer. A partir daí, o Brasil am- graduados pelo ITA que, de uma forma ou de
plia sua malha de transporte aeroviário, outra, procuravam fabricar aviões no Brasil.
principalmente no interior do Brasil, bem Contudo, de um jeito de outro, o problema
como seus investimentos no campo da era sempre o mesmo. Nenhuma das empre-
defesa, e inicia outra aventura que escapa sas gozava de boa saúde financeira e todas
aos objetivos desse artigo – o desenvolvi- dependiam de contratos governamentais para
mento do setor aeroespacial. sua sobrevivência (...) Durante a conversa,
desfilavam nomes dos pioneiros da indústria
O quinto ciclo corresponde à crise do
Aeronáutica nacional. Guedes Muniz, Fre-
início dos anos 90 e à abertura da eco-
derico Botero, Francisco Pignatari, Henrique
nomia brasileira. A Embraer sai do
Lage e muitos outros que apareciam, sempre
controle do governo e ganha novo fôle-
caracterizando um denominador comum: seus
go para vencer os desafios de um setor
empreendimentos nasceram, viveram e morre-
cada vez mais competitivo em termos de
ram, sempre devido às mesmas circunstâncias:
custos e tecnologia. Continuam a parceria
tinham falhado sem conquistar algum segmen-
com a FAB e a referência que a empresa
to do mercado comprador, exceto o governo,
representa para São José dos Campos e o
e este nunca tinha podido manter ordens de
próprio Brasil.
aquisição suficientes para a contínua vida da
Nessa história que já é centenária, o de- linha da produção (...) Parecia uma sina. Os
senvolvimento do Bandeirante foi um fato empreendimentos nasciam por força do cons-
crucial para entender o sucesso logrado tante ideal de criar, construir e crescer; viviam
pela indústria aeronáutica no Brasil. Os em condições difíceis, procurando progredir
pioneiros que desenvolveram o IPD6504 fabricando produtos sabidamente complexos,
lutavam para fazer o Brasil superar a ló- sobretudo em países como o Brasil; e acaba-
gica dos entraves que impediam o país de vam por falhar e morrer antes de conseguir
produzir aviões com alta tecnologia. Nas conquistar uma cadência de produção e de
palavras de Ozires Silva16: vendas que auto-sustentasse os custos ligados à
atividade industrial. Em resumo, parecia ser
mais fácil conceber um novo avião, fazer voar
O Brasil tinha conseguido convencer o Minis- um protótipo, do que lançar uma produção
tério da Aeronáutica a criar o ITA. O Brasil seriada em condições de se manter ao longo do
tinha conseguido instituir uma excelente escola tempo e permanecer ancorada em um mercado
de formação de engenheiros aeronáuticos e to- de compradores, razoavelmente contínuo.

16
SILVA, 1998. pg. 128.
Construção Aeronáutica no Brasil 33
Pela avaliação de Ozires, percebe-se que uma das grandes dificuldades da indústria
aeronáutica foi vencer a dependência do governo, que sempre foi o principal cliente do
setor e, durante muito tempo, o cliente exclusivo. O diferencial do Bandeirante, que de-
terminou o sucesso da Embraer, foi justamente projetar um modelo que atendesse
não só as demandas governamentais, mas também as necessidades do mercado civil.
O Bandeirante foi, portanto, uma aeronave pensada para atender a uma demanda do
mercado brasileiro, em sua especificidade de território continental, porém desprovido
de estrutura aeroviária em seu interior. O Brasil do interior demandava uma aviação
regional mais atuante, porém não poderia custear os aeroportos capazes de operar os
grandes jatos da aviação comercial.
Para tanto, foi desenvolvida uma aeronave de médio porte, robusta, voltada para o
transporte de passageiros e de carga, capaz de operar em pequenos aeroportos e até
mesmo na terra batida. Este era o Bandeirante, uma solução nacional para um problema
nacional, desenvolvida pelo talento e empreendedorismo de brasileiros.
Ozires disse que quando começou sua empreitada, quem decidisse “fazer aviões no
Brasil deveria ser muito mais do que empresário: deveria ser idealista e absolutamente
desprovido dos valores terrenos”17. É sempre bom manter uma dose de idealismo, mas
a realidade no Brasil hoje é outra. Quem trabalha no setor da indústria aeronáutica ain-
da enfrenta dificuldades inerentes a um país como o Brasil, mas certamente não precisa
renunciar aos confortos materiais.

17
SILVA, 1998. pg. 120.
34 Construção Aeronáutica no Brasil
Bibliografia

AGÊNCIA FORÇA AÉREA. Novo avião da FAB é apresentado em São Paulo.


Publicado em 21/10/2014. Disponível em: http://www.fab.mil.br/noticias/
mostra/20407/KC-390---Novo-avi%C3%A3o-da-FAB-%C3%A9-apresentado-em-
S%C3%A3o-Paulo. Acesso em: 05/04/2016.
ANDRADE, Roberto Pereira de. Construção Aeronáutica no Brasil: 100 Anos de
História. Editora JAC, 2013.
CENTRO HISTÓRICO EMBRAER. História da Indústria Aeronáutica Brasileira.
Disponível em: http://www.centrohistoricoembraer.com.br/sites/iba/pt-BR/Historia/
Paginas/default.aspx. Acesso em: 06/04/2016.
DRUMOND, Cosme Degenar. Asas do Brasil: uma História que voa pelo mundo.
Editora de Cultura, 2004.
DRUMOND, Cosme Degenar. A Indústria de Defesa do Brasil: história,
desenvolvimento, desafios. ZLC, 2014.
FERNANDES, Cynthia. KC-390: o céu é o limite. in Aerovisão, A revista da Força
Aérea Brasileira. 2016, nº 248, ano 43. pg. 14-19.
GALANTE, Alexandre. Aviões A-29 Super Tucano e T-27 Tucano celebram
histórico de operações na Força Aérea Brasileira. Disponível em: http://www.aereo.
jor.br/2013/12/06/avioes-a-29-super-tucano-e-t-27-tucano-celebram-historico-de-
operacoes-na-forca-aerea-brasileira. Acesso em: 05/04/2016.
MATOS, Marco Aurélio de. Dimitri Sensaud de Lavaud: o primeiro voo no Brasil e na
América Latina. INCAER, 2013
SILVA, Ozires. A Decolagem de um Sonho: a história da criação da EMBRAER.
Lemos Editorial, 1998.
SOUZA, José Garcia de. A verdade sobre a história da aeronáutica. Op. cit. pg. 416,
1944.
USAF receives first A-29 Super Tucano light air support aircraft (Reportagem).
Disponível em: http://www.airforce-technology.com/news/newsusaf-receives-first-a-
29-super-tucano-light-air-support-aircraft-4388463. Acesso em: 06/04/2016.

O 1º Ten His Tiago Starling de Mendonça pertence ao


efetivo deste Instituto e integra a equipe do SISCULT.

Construção Aeronáutica no Brasil 35


Conectando o passado, o presente e o futuro da cultura aeronáutica
Conectando

Você também pode gostar