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“Hegel e a tradição hermética”, Glenn A.

Magee
por Leonildo Trombela Júnior / Filosofia, revista / mai 2014

Tradução da introdução a “Hegel and the


Hermetic Tradition” (2001)

“Deus somente é Deus enquanto conhece a si mesmo; Seu próprio autoconhecimento é,


ademais, um autoconhecimento no homem e o saber do homem acerca de Deus que se
prolonga até ao autoconhecimento humano em Deus.”

— Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas. §564

Hegel como pensador hermético

Hegel não é um filósofo. Ele não é amante ou buscador da verdade, pois ele acredita que
já a encontrou. Hegel escreve no prefácio da Fenomenologia do Espírito: “Colaborar
para que a filosofia se aproxime da forma da ciência – da meta em que deixe de chamar-
se amor ao saber para ser saber efetivo – é isto o que me proponho”. No fim da
Fenomenologia Hegel diz ter chegado ao Conhecimento Absoluto, que ele identifica
como sabedoria.

A afirmação de ter atingido a sabedoria é completamente contrária à concepção original


grega da filosofia como amor à sabedoria, isto é, a busca incessante pela sabedoria em
vez da possessão final dela. A afirmação dele, todavia, é totalmente coerente com as
ambições da tradição hermética – uma corrente de pensamento que deriva seu nome da
chamada Hermetica (ou Corpus Hermeticum) –, uma coleção de tratados e diálogos
gregos e latinos escritos nos dois primeiros séculos da era cristã e que provavelmente
contêm ideias que vêm de muito antes. O lendário autor dessas obras é Hermes
Trismegistus (“Hermes, o três vezes grande”). O “hermetismo” representa uma vasta
tradição de pensamento que surgiu dos “escritos de Hermes” e foi expandida e
desenvolvida por meio da infusão de várias outras tradições. Assim, a alquimia, a
cabala, o lullismo e o misticismo de Eckhart e Cusa – para citar apenas alguns exemplos
– passaram a ser entrelaçados com as doutrinas herméticas. (Com efeito, o hermetismo é
usado por alguns autores para se referir somente à alquimia.1) O hermetismo é às vezes
chamado de teosofia ou esoterismo; com menos precisão, é frequentemente
caracterizado como misticismo ou ocultismo.

A tese deste livro é de que Hegel é um pensador hermético. Mostrarei que há


impressionantes correspondências entre a filosofia hegeliana e a teosofia hermética, e
como essas correspondências não são acidentais. Hegel estava diligentemente
interessado no hermetismo: ele foi influenciado por expoentes desde a sua juventude, e
ele mesmo se aliou a movimentos e pensadores herméticos ao longo da sua vida. E não
é que eu simplesmente defenda que nós possamos conhecer Hegel como um pensador
hermético assim como podemos conhecê-lo como um pensador alemão da Suábia. Não.
Eu defendo que devemos conhecer Hegel como um pensador hermético ou não o
entenderemos de maneira alguma.
A vida e as obras de Hegel oferecem uma abundância de exemplos para sustentar esta
tese.

Há referências ao longo dos escritos publicados e não publicados de Hegel endereçados


a várias das figuras eminentes e movimentos da tradição hermética. Essas referências
são em grande maioria aprobatórias. Isso é particularmente verdadeiro no caso do
tratamento que Hegel dá a Eckhart, Bruno, Paracelsus e Böhme. Este último é o
exemplo mais notável de todos. Hegel concede-lhe um considerável espaço em suas
Conferências sobre a História da filosofia – mais espaço, aliás, do que ele concede a
vários dos principais pensadores da tradição filosófica.

Há, além disso, numerosos elementos herméticos nos escritos de Hegel. Eles incluem,
de modo geral, um subtexto maçônico de “iniciação mística” na Fenomenologia do
Espírito; um subtexto “böhmiano” no famoso prefácio da Fenomenologia; uma
influência cabalística böhmiana - lulliana na Lógica; elementos alquímicos-
paracelsianos na Filosofia da Natureza; uma influência do milenarismo cabalístico e
joaquimita na doutrina do Espírito Objetivo e da teoria da história do mundo hegelianas;
imagens alquímicas e rosacrucianas na Filosofia do Direto; uma influência da tradição
hermética da pansofia no sistema hegeliano como um todo; um endosso da crença
hermética na philosophia perennis; e o uso de formas simbólicas herméticas perenes
(como o triângulo, o círculo e o quadrado) como recursos estruturais e arquitetônicos.

A biblioteca de Hegel incluía escritos herméticos de Agrippa, Böhme, Bruno e


Paracelsus. Ele leu muito sobre mesmerismo, radiestesia psíquica fenomenal,
premonição e feitiçaria. Ele se associou publicamente a conhecidos ocultistas, sendo um
deles Franz von Baader. Ele estruturou sua filosofia de maneira idêntica ao uso das
“correspondências” herméticas! Ele contou com histórias do pensamento que discutiam
Hermes Trimegistus, Pico della Mirandola, Robert Fludd e Knorr von Rosenroth junto
com Platão, Galileu, Descartes e Newton. Ele declarou em suas conferências mais de
uma vez que o termo “especulativo” significa a mesma coisa que “místico”. Ele
acreditava em um “Espírito do Terra” e se correspondeu com amigos tratando sobre a
natureza da magia. Ele se aliou – informalmente – a sociedades “herméticas”, tais como
a Maçonaria e a Rosa-cruz. Até mesmo os rabiscos de Hegel eram herméticos,
conforme veremos no capítulo 3, quando discutirmos o misterioso “diagrama
triangular”.

Há quatro grandes períodos durante a vida de Hegel aos quais ele parece ter estado sob
forte influência do hermetismo, ou pelo menos buscado ativamente esse hermetismo.
Primeiro na sua juventude em Stuttgart, que foi de 1770 a 1788. Conforme discutirei
mais detalhadamente no capítulo 2, durante esse período, Württemberg era um grande
centro de interesse hermético, dado que muitos dos movimentos pietistas influenciados
pelo böhmianismo e rosacrucianismo (Württemberg foi o centro espiritual do
movimento Rosa-cruz). Os principais expoentes do pietismo – J. A. Bengel e em
particular F. C. Oetinger – foram fortemente influenciados pelo misticismo alemão, pela
teosofia böhmiana e pela cabala.

Muitos dos estudiosos de Hegel consideraram desnecessário considerar esse meio


intelectual da juventude do alemão. Hegel é quase universalmente conhecido como
participante do contexto da tradição filosófica alemã e só; como se fosse somente
correspondente a Kant, Fichte e Schelling. Desnecessário dizer que as influências de
Kant, Fichte e Schelling foram importantes, mas essas não foram as únicas a serem
exercidas sobre Hegel. Parte da razão de terem esquecido de mencionar ou ignorado as
outras fontes é que poucos estudiosos estão familiarizados com as complexidades da
vida religiosa alemã do século XVIII. Os que estão familiarizados são quase sempre
oriundos de outras disciplinas não-filosóficas e quase sempre alemães. (O estudo do
pietismo alemão é um terreno quase exclusivo dos germanófonos.) A vida religiosa e
intelectual de Württemberg é, portanto, o lugar óbvio para se começar a entender as
próprias origens intelectuais de Hegel, suas ideias características e seus objetivos.

Hegel tem de ser entendido nos termos da tradição teosófica pietista de Württemberg –
ele não pode ser simplesmente visto como crítico de Kant. Com efeito, Hegel, conforme
argumentarei, sempre foi um crítico de Kant e nunca um admirador sincero,
precisamente por que ele foi logo cedo “marcado” pela tradição da pansofia, que estava
muito viva em Württemberg e pelo ideal de Oetinger da verdade como um Todo (v.
capítulo 2). Ele não pôde aceitar o ceticismo de Kant, tampouco pôde Schelling– e por
razões idênticas. Ainda assim, ambos reconheceram a força do pensamento de Kant e
trabalharam duro para partirem das premissas do pensador de Konigsberg até chegarem
às suas próprias conclusões com o objetivo de conseguirem fugir do ceticismo a
qualquer custo.Tudo em nome do ideal especulativo de suas juventudes.

De 1793 até 1801, Hegel trabalhou como tutor privado: primeiro em Berne e depois em
Frankfurt. Conforme discutirei no capítulo 3, o biógrafo de Hegel, Karl Rosenkranz,
referiu-se a essa época como a “fase teosófica” do desenvolvimento de Hegel. Nessa
época, Hegel parece ter se tornado familiarizado com as obras de Böhme, assim como
as de Eckhart e Johannes Tauler. Também durante esse período, Hegel se envolveu com
círculos maçônicos.

Em Jena (1801-1807), o interesse de Hegel pela teosofia continuou. Ele realizou longas
conferências de tom aprobatório sobre Böhme e Bruno. Ele compôs vários textos – que
só chegaram a nós de maneira fragmentada – empregando linguagem e simbolismo
herméticos (v. capítulos 3 e 4). Suas conferências sobre filosofia da natureza nessa
época refletem um duradouro interesse em alquimia. É provável que Schelling, que fora
à Jena pouco antes, tenha introduzido Hegel ao seu círculo de amigos, que incluía uma
porção de românticos fortemente interessados no hermetismo. O próprio Schelling era
um ávido leitor de Böhme e Oetinger e provavelmente encorajou esse interesse de
Hegel.

O último período “hermético” da vida de Hegel foi em Berlim, indo de 1818 até a sua
morte em 14 de novembro de 1831. Isso vai contra o que se espera. Pode-se supor que o
hermetismo de Hegel tenha sido uma mera aberração de juventude superada pelo
“arquirracionalista” conforme ele foi amadurecendo. Supreendentemente, parece que é
precisamente o contrário. Em Berlim, Hegel formou uma amizade com Franz von
Baader, o principal místico e ocultista da época. Juntos eles estudaram Meister Eckhart.
O prefácio à edição de 1827 da Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio
cita proeminentemente Böhme e Baader. Sua edição revisada de 1832 de A Ciência da
Lógica corrige uma passagem para poder incluir uma referência a Böhme. Seu prefácio
à edição de 1821 da Filosofia do Direito inclui imagens alquímicas e rosacrucianas. Em
suas Conferências sobre a Filosofia da Religião de 1831 vê-se a influência do místico
Joaquim de Fiore, assim como certas estruturas correspondentes ao pensamento de
Böhme. Em suma, todas as evidências indicam que, no último período da sua vida, o
interesse de Hegel pelas tradições mística e hermética se intensificou, além de ele ter se
tornado mais ousado ao se alinhar publicamente a movimentos e pensadores herméticos.

As divisões da filosofia de Hegel seguem um padrão que é típico de várias formas da


filosofia e da mística hermética. A Fenomenologia representa um estágio inicial de
“purificação” da ascensão do espírito acima do nível do sensitivo e do mundano, uma
preparação para a recepção da sabedoria. A Lógica é a equivalente à “ascensão”
hermética ao nível da pura forma, do eterno, do “Espírito Universal” (Ideia Absoluta). A
Filosofia da Natureza descreve uma “emanação” ou “alienação” do Espírito Universal
na forma do mundo espaço-temporal. Suas categorias cumprem uma transfiguração do
natural: nós passamos a ver o mundo como reflexo do Espírito Universal. A Filosofia
do Espírito efetua um “retorno da natureza criada ao Divino por meio do homem, que
pode se elevar acima do mero natural e ‘atualizar’ Deus no mundo por meio das formas
concretas de vida (e.g., o Estado e a religião) e pela filosofia especulativa.

Os estudos sobre Hegel e a tradição hermética

É importante salientar que essas afirmações não seriam particularmente controversas


nas décadas que se seguiram à morte de Hegel. Na década de 1840, Schelling acusou
Hegel publicamente de ter extraído muito da sua filosofia de Jakob Böhme. Um dos
discípulos de Hegel, Friedrich Theodor Vischer, uma vez perguntou: “Vocês se
esqueceram que a nova filosofia veio direto da escola dos antigos místicos,
especialmente de Jakob Böhme?”2. Outro hegeliano, Hans Martensen, autor de um dos
primeiros estudos acadêmicos sobre Meister Eckhart, observou que “O misticismo
alemão é a primeira forma pela qual a filosofia alemã se revelou na história do
pensamento” (“filosofia” para os hegelianos geralmente significa a filosofia de Hegel)3.
Willhelm Dilthey observou a mesma continuidade entre o misticismo alemão e a
filosofia especulativa.4

Possivelmente o mais famoso estudo sobre os aspectos herméticos em Hegel feito no


século XIX foi Die christlich Gnosis (1835)5 de Ferdinand Christian Bauer. A obra de
Bauer foi uma das primeiras a tentar definir o gnosticismo e distinguir suas diferentes
formas. O termo gnóstico é usado de maneira muito dissoluta mesmo na nossa época, e
muito frequentemente o que seria mais apropriadamente nominado como “hermético”
acaba por ser taxado de “gnóstico”. (Discutirei a diferença entre os dois na próxima
seção). Após uma longa discussão sobre o gnosticismo na antiguidade, Bauer argumenta
que Jakob Böhme foi um gnóstico moderno e que Schelling e Hegel podem ser vistos
como herdeiros intelectuais de Böhme e, portanto, gnósticos. A obra Die christliche
Gnosis é a coisa mais próxima de um livro sobre Hegel e a tradição hermética que foi
publicado, embora, como já disse, o foco de Bauer tenha sido o gnosticismo e não o
hermetismo6. Em 1835, Ludwig Noack publicou uma obra em dois volumes, Die
Christlich Mystik nach ihrem geschichtlichen Entwicklungsgange im Mittelalter und in
der neueren Zeit dargestellt, onde ele trata os idealistas como representantes modernos
do misticismo.

Discussões ulteriores acerca da ligação de Hegel com o hermetismo são frequentemente


ligadas a discussões similares acerca de Schelling. Acontece isso com a obra Mystical
Sources of German Romantic Philosophy de Ernst Benz, que é breve, mas considerada
indispensável pelos principais estudiosos da área. Em 1938, o estudioso alemão Robert
Schneider publicou Schellings und Hegels scbwäbische Geistesahnen em Würzburg.
Muitas das cópias do livro de Schneider foram destruídas durante o bombardeio das
tropas aliadas a Würzburg em 16 de março de 1945. Schneider foi destruído junto com
elas. Seu livro é um valoroso estudo sobre o pietismo teosófico prevalecente em
Württemberg durante as juventudes de Hegel e Schelling.

Outras obras de autores alemães que lidam com a relação do misticismo ou hermetismo
com o idealismo alemão e Hegel são Meister Eckhart der Vater der Deutschen
Spekulation. Ein Beitrag zu einer Geschichte der deutschen Theologie und Philosophie
der mittleren Zeit (1864) de Josef Back; Geschichte der Entdeckung der deutschen
Mystiker, Eckhart, Tauler u. Seuseim 19. Jahrhundert (1931) de Gottfried Fischer; Die
idealistische Philosophie und das Christentum (1926) de Emanuel Hirsch; Philosophie
und Theologie im Spätidealismus, Forschungen zur Auseinandersetzung von
Christentum und idealistischer Philosophie im 19.Jahrhundert (1919) e Von Jakob
Boehme zu Schelling. Zur Metaphysik des Gottesproblems (1927) de Fritz Leese; Die
Religion des Deutschen Idealismus und ihr Ende (1923) de Wilhelm Lütgert e Die
Anfange der Philosophie des deutschen Idealismus (1930) de Heinrich Maier. Há
também um considerável número de obras holandesas tratando do assunto: Schelling,
Hegel, Fechner en de nieuwere theosophic (1910) de G. J. R J. Bolland; Het mystieke
karakter van Hegel’s logica de J. d’Aulnis de Bourrouill’s e Hegeliaansch-theosofische
opstellen (1913) de H. W. Mook.

Em francês, a obra Hegel Secret (1968) de Jacques d’Hondt é um estudo extremamente


importante sobre a relação de Hegel com as sociedades secretas herméticas, tais como a
Maçonaria, Illuminati e Rosa-cruz.

Há também em inglês um importante corpo de obras sobre Hegel e o misticismo, que


começa com The Mystical Element in Hegel’s Early Theological Writings (1910) de
George Plimpton Adams. Frederick Copleston também foi autor de um valioso artigo
intitulado “Hegel and the Rationalization of Mysticism” [Hegel e a Racionalização do
Misticismo] em 1971. Provavelmente, o intérprete de língua inglesa mais lido, J. N.
Findlay, era ele mesmo um teosofista, e sua interpretação de Hegel está sintonizada com
os aspectos místicos e herméticos da obra hegeliana. Na obra Hegel: A Re-
Examination (1958), Findlay sugere tentadoramente que Hegel foi um “representante no
século XIX de parte da philosophia Germanica perennis”7. A biografia intelectual de
dois volumes escrita por H. S. Harris intitulada Hegel’s Development (1972/1983)
contém digressões acerca da relação de Hegel com Eckhart, Böhme, Baader e a
alquimia. Recentemente, Cyril O’Regan publicou um inovador estudo sobre as raízes
místicas da filosofia de Hegel intitulado The Heterodox Hegel (1994).

Até o momento, entretanto, a abordagem mais influente em língua inglesa sobre o


hermetismo de Hegel vem de Eric Voegelin. Em seu ensaio “Response to Professor
Altizer’s ‘A New History and a New but Ancient God’”, Voegelin admite: “Por um
longo tempo eu evitei calculadamente tecer qualquer crítica séria sobre Hegel em
minhas obras publicadas, pois eu simplesmente não conseguia entendê-lo”. Isso mudou
quando Voegelin, em seu estudo sobre gnosticismo, descobriu que “Hegel foi
considerado pelos seus contemporâneos um pensador gnóstico”. Voegelin segue e
afirma que o pensamento de Hegel “pertence à contínua história do hermetismo
moderno que vem desde o século XV”8. A principal afirmação de Voegelin, entretanto,
encontra-se no ensaio ferozmente polêmico “On Hegel: A Study in Sorcery” [Sobre
Hegel: Um estudo em feitiçaria], onde ele se refere à Fenomenologia do Espírito como
um “grimório” que “deve ser tomado como uma obra de mágica, pois, com efeito, ela [a
obra] é uma das grandes performances de mágica”9.

As afirmações de Voegelin são ímpares, na medida em que ele não diz simplesmente
que Hegel foi influenciado pela tradição hermética. Ele afirma que Hegel era parte da
tradição hermética e não pode ser bem compreendido como alguém fora dela.
Infelizmente Voegelin nunca desenvolveu adequadamente sua tese. Ele nunca
pronunciou em detalhes de que forma Hegel era um pensador hermético. Voegelin,
contudo, encorajou outros estudiosos a desenvolver sua tese de maneira mais
sistemática (e sóbria). David Walsh, por exemplo, escreveu uma importante tese de
doutorado intitulada The Esoteric Origins of Modern Ideological Thought: Boehme and
Hegel (1978) onde ele faz fortes colocações acerta da dívida que Hegel tem com
Böhme10. Gerald Hanratty também publicou um extenso ensaio divido em duas partes
intitulado “Hegel and the Gnostic Tradition” [Hegel e a tradição gnóstica](1984-87).

Até a presente obra, apesar de toda essa atividade acadêmica, ainda não houve um
escrito sistematizado, do tamanho de um livro, sobre Hegel como pensador hermético
que levasse em conta não apenas sua evolução intelectual, mas também todo o seu
sistema já amadurecido.11

Considero esta obra não apenas uma continuação da tradição de estudos que citei acima,
mas também uma contribuição para o contínuo projeto da história das ideias cujos
pioneiros foram Eric Voegelin, Frances Yates, Antoine Faivre, Richard Popkin, Allan
Debus, Betty Jo Teeter Dobbs, Paul Oskar Kristeller, D. P. Walker, Stephen McKnight
e Alison Coudert (v. bibliografia). Esses estudiosos argumentam que o hermetismo
influenciou vários dos principais pensadores racionalistas, tais como Bacon, Descartes,
Spinoza, Leibniz e Newton, e desempenhou até então um papel pouco apreciado na
formação das ideias centrais e ambições da filosofia moderna e das ciências,
particularmente o projeto de investigação científica progressiva e do domínio
tecnológico da natureza.12

É certamente uma das grandes ironias da história que o ideal hermético do homem como
mago – que atinge o conhecimento total e empunha poderes divinos a fim de trazer a
perfeição ao mundo – tenha sido o protótipo do cientista moderno. Ainda, conforme
escreveu Gerald Hanratty, “a disseminação do apelo às técnicas mágicas e alquímicas
inspiraram uma nova confiança nos poderes operacionais do homem. Em contraste com
as atitudes passivas e contemplativas que geralmente prevaleciam durante os primeiros
séculos, os alquimistas e magos da Renascença afirmaram seus domínios sobre todos os
níveis do ser”. O hermetismo substitui o amor à sabedoria pelo desejo de poder.
Conforme veremos, o sistema hegeliano é a derradeira expressão dessa busca pelo
controle.

O que é o hermetismo?

Se Hegel pode ou não ser entendido como “hermético” depende de como é definido o
hermetismo. Na verdade, o hermetismo é difícil de se definir rigorosamente. Seus
adeptos tendem a compartilhar certos interesses – frequentemente classificados como
“ocultos” ou “esotéricos” – que são mantidos juntos apenas por familiaridade. Em parte,
meu argumento para o hermetismo de Hegel reside em demonstrar que os interesses de
Hegel coincidem com a curiosa mistura de interesses típicas dos herméticos. Dentre
esses interesses podemos incluir alquimia, cabala, mesmerismo, percepção extra-
sensorial, espiritualismo, radiestesia, escatologia, prisca teologia, philosophia perennis,
lullismo, paracelsimo, joaquinismo, rosacrucianismo, maçonaria, misticismo
eckhartiano, sistemas secretos de simbolismo de “correspondências”, vitalismo e
“simpatias cósmicas”.13

Há, entretanto, um aspecto essencial que tomarei como definitivo do hermetismo. Ernest
Lee Tuveson, na obra The Avatars of Thrice Greatest Hermes: An Approach to
Romanticism sugere que o hermetismo constitui uma posição intermediária entre as
concepções do deus panteísta e do Deus judaico-cristão. De acordo com a tradição de
pensamento judaico-cristã, Deus transcende completamente a criação e está distante
dela14. Além disso, Deus é totalmente autossuficiente e, portanto, não precisava ter
criado o mundo, de modo que Ele não teria perdido nada se não o houvesse criado.
Desta maneira, o ato da criação é essencialmente gratuito e livre de qualquer interesse
próprio. Deus cria da pura abundância, não da necessidade. Essa doutrina se mostrou
insatisfatória – ou até mesmo perturbadora – para muitos, pois segundo esses que se
perturbam, isso torna a criação arbitrária e absurda. O panteísmo, ao contrário, envolve
totalmente o divino no mundo, de modo que tudo se torna Deus, até mesmo a lama, os
pelos e o pó, de maneira que o divino é abstraído da sua exaltação e sublimidade. Sendo
assim, o panteísmo é igualmente insatisfatório.

O hermetismo é uma posição intermediária, pois afirma tanto a transcendência do


mundo quanto seu envolvimento nele. Deus é metafisicamente distinto do mundo, mas
ainda assim Ele precisa do mundo para se completar. Assim, o ato da criação não é
gratuito ou desinteressado, mas necessário e racional, segundo o hermetismo. Considere
esse trecho do “Discurso de Hermes a Tat: O receptáculo de mistura ou a mônada”
(Corpus Hermeticum IV): “Se me forçares a dizer algo mais atrevido, é essencial [Deus]
estar prenhe de todas as coisas para fazê-las. Como é impossível que se crie algo sem
um criador, também é impossível a esse criador não existir a menos que ele esteja o
tempo todo criando tudo… Ele próprio é as coisas que são e aquelas que não são”15.
Considere também o Corpus Hermeticum X: “A atividade de Deus é a vontade e Sua
essência é querer que todas as coisas sejam”16. Finalmente, considere o Corpus
Hermeticum XIV: “Esses dois representam tudo que há: o que vem a ser e o que o faz; e
é impossível separá-los um do outro. Nenhum criador pode existir sem algo que está por
vir”17. Assim, de acordo com o hermetismo, Deus precisa da criação para ser Deus18.
Essa abordagem hermética da criação é central também ao pensamento hegeliano.

Mas não para por aí: os herméticos não só defendem que Deus requer uma criação,
como também tornam uma criatura específica, o homem, um agente crucial na auto-
atualização de Deus. O hermetismo defende que o homem pode conhecer Deus, e que o
conhecimento do homem sobre Deus é necessário para a completude deste mesmo
Deus. Considere as palavras do Corpus Hermeticum X: “Deus, pois, não ignora a
humanidade; ao contrário, ele reconhece-se nela completamente e deseja ser
reconhecido. Para a humanidade, essa é a única libertação: o conhecimento de Deus. É a
ascensão ao Olimpo”19. No Corpus Hermeticum XI pergunta-se “Quem é mais visível
que Deus? Eis por que ele fez todas as coisas: para que por meio de todas elas você
possa olhar para ele”20. Como observa Garth Fowden, o que Deus ganha da criação é o
reconhecimento: “A contemplação humana de Deus é de alguma maneira um processo
de mão dupla. Não apenas o Homem deseja conhecer Deus, mas Deus também deseja
ser conhecido pela mais gloriosa das Suas criações: o Homem”21. Resumidamente, é o
objetivo do homem conquistar o conhecimento de Deus (ou “a sabedoria de Deus”,
teosofia). Ao fazer isso, o homem atende à própria necessidade de Deus de ser
reconhecido. A sabedoria humana de Deus se torna o conhecimento de Deus de si
mesmo. Desta maneira, a necessidade pela qual o cosmo é criado é a necessidade do
autoconhecimento, atingido por meio do reconhecimento. Variações dessa doutrina
podem ser encontradas ao longo da tradição hermética.

É importante entender o significado dessa doutrina na história das ideias. Na abordagem


judaico-cristã da criação, a criação do mundo e a ordem de Deus para que a humanidade
busque conhece-Lo e amá-Lo parece arbitrária, pois não há razão para que um ser
perfeito deva querer ou precisar de algo22. Para os herméticos, a grande vantagem dessa
concepção é que ela nos diz porque o cosmos e o desejo humano de conhecer Deus
existem em primeiro lugar.

Essa doutrina hermética da relação “circular” entre Deus e a criação e a necessidade do


homem para a completude de Deus é completamente original. Não se acha essa
concepção na filosofia. Todavia, ela é recorrente no pensamento hermético e é a
principal identidade doutrinal entre o hermetismo e o pensamento de Hegel.

Com efeito, ele é frequentemente descrito como um místico; de fato, até ele mesmo se
descrevia como um (v. capítulo 4). Mas o misticismo é um conceito elástico que se
insere em várias ideias radicalmente diferentes; Todas as formas de misticismo buscam
de alguma maneira o conhecimento, a experiência ou a unidade com o divino. Se nos
perguntarmos que tipo de místico Hegel é, a resposta será: um hermético. O hermetismo
é frequentemente confundido com outra forma de misticismo: o gnosticismo
(especialmente nos recentes estudos sobre Hegel)23. Tanto o gnosticismo quanto o
hermetismo acreditam que uma “centelha” divina está presente no homem,  e que ele
pode vir a conhecer Deus. Entretanto, o gnosticismo dá uma abordagem absolutamente
negativa da criação. Ele não considera a criação parte do ser de Deus ou como algo que
dá a “completude” a Deus, tampouco considera que Deus de alguma forma precise do
homem para conhecê-Lo. O hermetismo também é frequentemente confundido com o
neoplatonismo. Como os herméticos, Plotino considera que o cosmos é um processo
circular em que o Um emana e tudo a Ele retorna. Diferente dos herméticos, Plotino não
considera que o Um é completo pela contemplação que o homem faz Dele. (Séculos
depois, porém, o neoplatonismo de Proclo e da Renascença foi influenciado pelo
hermetismo.)

Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel é o processo de iniciação pelo qual a porção
intuitiva do intelecto é treinada para ver a Razão inerente ao mundo. Como observa
Fowden, a iniciação hermética parece dividir-se em duas partes: uma lida com o
autoconhecimento e a outra com o conhecimento de Deus24. Pode ser facilmente
mostrado no simples nível teórico que essas duas estão intimamente ligadas, segundo os
herméticos. Conhecer verdadeiramente a si é estar apto a fazer um discurso completo
sobre as condições do próprio ser, e isso envolve falar sobre Deus e todo o Seu cosmos.
Como coloca Pico della Mirandola, “aquele que se conhece, conhece todas as coisas em
si”25. Além disso, no Oriente Próximo era comum retratar Deus como um ser pairando
estranhamente entre a transcendência e a imanência. Nesses termos, a conquista da
iluminação envolvia de alguma maneira ver o divino em si mesmo, tornando-se também
o conhecedor neste mesmo ato [um ser] divino.
Nós realmente não sabemos se o culto de Hermes empregou os textos herméticos como
escritos sagrados. Sabemos pouco ou quase nada dos seus ritos de iniciação e de como
eles viveram. Contudo, podemos dizer, por exemplo, que a iniciação hermética se difere
da iniciação aos mistérios eleusinos da Grécia Clássica. É fato também que pouco
sabemos sobre o que acontecia em Elêusis, mas parece ser o caso que a iluminação lá
consistia na participação em algum tipo de experiência arrebatadora cuja intenção era
mudar permanentemente o iniciado26. Não sabemos qual era essa experiência, mas
sabemos que ela podia acontecer com jovens e velhos, ricos e pobres, educados e
analfabetos. Não é esse o caso quando falamos da tradição hermética. A salvação para
os herméticos se dá, conforme vimos, por meio da gnosis, ou seja, pelo conhecimento.
Isso pode ser atingido somente por meio do trabalho duro e, portanto, só alguns
conseguem. Hermes é citado no Corpus Hermeticum XVI afirmando que seus
ensinamentos “mantêm oculto o significado das palavras”, escondido do discernimento
daqueles que não merecem.

Seria um erro, contudo, tratar a iniciação hermética como algo puramente intelectual. A
iluminação não ocorre ao simplesmente aprender um conjunto de doutrinas. O iniciado
não deve apenas conhecer a doutrina, mas também deve ter a experiência real da
verdade da doutrina. Ele deve ser cuidadosamente guiado à iluminação; com efeito, ele
deve explorar os becos escuros que prometem a iluminação, mas não a dão. Apenas
dessa maneira, irá a verdadeira doutrina significar algo; apenas dessa maneira mudará
de fato a vida do iniciado. Fowden afirma que a iniciação hermética é encarada como
“uma experiência verdadeira que expande todas as capacidades daqueles que embarcam
nela” e cita o Corpus Hermeticum IV, que diz que “é um caminho extremamente
tortuoso abandonar aquilo a que se está acostumado e se possui agora para e retraçar os
próprios passos rumo às antigas coisas primordiais”27. Veremos no capítulo 4 que Hegel
preserva tanto a importância intelectual quanto a emocional dessa concepção hermética
de iniciação.

A iluminação, tanto para os autores da Hermetica quanto para Hegel, não é apenas um
evento intelectual: espera-se que ela mude a vida do iluminado. A filosofia, para Hegel,
trata-se de ser vivenciada28. Em suma, o homem que atinge a Selbstbewusstsein é o
homem que se torna selbstbewusst: confiante, auto-atualizado e não mais um ser
humano ordinário. Klaus Vondung escreve que “O hermético não precisa escapar do
mundo para se salvar. Ele quer adquirir conhecimento do mundo para poder expandir a
si mesmo e utilizar esse conhecimento para penetrar no eu divino. O hermetismo é uma
gnosis positiva, por assim dizer, devota ao mundo29. Saber tudo é de alguma maneira ter
controle sobre tudo. É isso que eu chamo do ideal do homem como mago, concepção
única da Hermetica. Veja, por exemplo, o Corpus Hermeticum IV: “Todos aqueles que
ouviram a proclamação e se imergiram no espírito [nous] participaram do conhecimento
e se tornaram perfeitos [ou “completos”, teleioi], pois receberam espírito. Mas aqueles
que perderam o ponto de proclamação são pessoas de razão [ou “discurso”, logikon]
porque não receberam o [dom do] espírito e também não conhecem o propósito ou os
agentes da sua ida ao nous”30. Em outras palavras, os homens de completo
autoconhecimento que conhecem até mesmo o “propósito ou os agentes do seu devir”
são seres humanos perfeitos. Se Hegel não acreditava que o homem podia literalmente
se tornar Deus, ele certamente acreditava que o homem sábio era daimônico: um
participante muito mais do que meramente humano na vida divina.
No Corpus Hermeticum, encontramos uma “posição de ligação” entre o ocultismo
egípcio e o hermetismo moderno de Hegel e outros. Em vez de conceber as palavras
como portadoras de poderes ocultos, elas passaram a ser vistas como portadoras de um
tipo de capacitação existencial. O ideal da teosofia hermética se torna a formulação de
um “discurso completo” (teleeis logos, “discurso perfeito” ou talvez “discurso
enciclopédico”, que significa, evidentemente, discurso “circular”). Quando adquirido, o
discurso completo que trata do todo da realidade, transformará e capacitará a vida do
iluminado. Assim escreve Hegel em um fragmento preservado por Rosenkranz:

Todo indivíduo é um elo cego na cadeia da absoluta necessidade ao longo do qual o


mundo se desenvolve. Todo indivíduo pode elevar-se para dominar uma grande parte
dessa cadeia, mas apenas se ele compreender o objetivo dessa grande necessidade e, por
virtude do seu conhecimento, aprender a falar as palavras mágicas que evocam sua
forma. Há um conhecimento para simultaneamente absorver e se elevar acima da
energia total do sofrimento e da antítese, que dominou o mundo e todas as formas do
seu desenvolvimento por milhares de anos; esse conhecimento pode ser obtido somente
na filosofia.31

Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel é a análise do divino em um conjunto de


“modos” ou “momentos”. Os herméticos não se contentam com a ideia de um Deus
incognoscível. Em vez disso, eles buscam penetrar no mistério divino. Eles afirmam que
é possível conhecer Deus de maneira fragmentada quando passa-se a entender os
diferentes aspectos do divino. O melhor exemplo é a Cabala, tanto na sua forma judaica
quanto na cristã. Lúlio, Bruno, Paracelsus, Böhme, Oetinger e vários outros na tradição
hermética sustentam essa crença.

Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel é a doutrina das relações internas. Para os
herméticos, o cosmos não está frouxamente conectado ou, para usar uma linguagem
hegeliana, disposto em um conjunto externamente relacionado de particulares. Ao
contrário, segundo essa doutrina, tudo está internamente conectado, uma coisa
entrelaçada com a outra. Mesmo que o cosmos possa vir a estar hierarquicamente
disposto, há forças que se sobrepõe a isso e unificam todos os níveis. Forças divinas
conhecidas ora por “energia” e ora por “luz” percorrem o todo32. Este princípio está
expresso mais claramente na Tábua Esmeraldina de Hermes Trimegistus, que logo na
segunda linha tem a frase “O que está embaixo é como o que está em cima”. Essa
máxima se tornou o dogma central do ocultismo ocidental, dado que ele formou a base
para uma doutrina da unidade do cosmos por meio de simpatias e correspondências
entre seus vários níveis. A implicação mais importante dessa doutrina é a ideia de que o
homem é o microcosmo onde o todo do macrocosmo é refletido. O autoconhecimento,
portanto, leva necessariamente ao conhecimento do todo.

Em resumo, as doutrinas da Hermetica que se tornaram características constantes na


tradição hermética podem ser listadas da seguinte maneira:

1. Deus requer a criação para poder ser Deus.

2. Deus é, em algum sentido, “completado [pelo homem]” ou tem uma necessidade de


ser preenchido pela contemplação do homem a Ele.
3. A iluminação trata-se de capturar o todo da realidade em um discurso completo e
enciclopédico.

4. O homem pode se aperfeiçoar através da gnosis: ele ganha poder por meio da posse
do discurso completo.

5. O homem pode conhecer aspectos ou “momentos” de Deus.

6. Necessita-se de um estágio inicial de purificação para purificar o iniciado de falsos


pontos de vista intelectuais antes de receber a verdadeira doutrina.

7. O Universo é um todo internamente relacionado que é pervagado por energias


cósmicas.

Para deixar claro os paralelos entre essas doutrinas e a de Hegel, eis uma antecipação do
que se verá no restante do livro:

1. Hegel afirma que o ser de Deus envolve a “criação”: é esse o assunto da sua Filosofia
da Natureza. A natureza é um momento do ser de Deus.

2. Hegel afirma que Deus de alguma maneira é “completo” ou atualizado (tornado em


ato) pela atividade intelectual da humanidade: a “filosofia” é o estágio final na
atualização do Espírito Absoluto. Hegel sustenta a concepção “circular” de Deus e do
cosmos a que me referi anteriormente, aquela que envolve Deus “retornando a Si” e
verdadeiramente tornando-se Deus através do homem.

3. A filosofia de Hegel é enciclopédica: para todos os efeitos, ele busca finalizar a


filosofia capturando o todo da realidade em um discurso completo e circular.

4. Hegel acredita que nós nos elevamos acima da natureza e tornamo-nos mestres de
nossos próprios destinos por meio da profunda gnosis provida por esse sistema.

5. A Lógica de Hegel é uma tentativa de descobrir os aspectos ou “momentos” de Deus


como um sistema de ideias. Em uma famosa passagem da Ciência da Lógica, Hegel
afirma que a lógica “deve ser entendida como um sistema de razão pura, como a esfera
do puro pensamento. Essa esfera é a verdade como ela é, sem véus, em sua própria
natureza absoluta. Pode-se dizer, portanto, que esse conteúdo é a exposição de Deus tal
como Ele é em sua essência eterna, antes da criação da natureza e de um espírito finito.”

6. A Fenomenologia do Espírito de Hegel representa, no sistema hegeliano, um estágio


inicial de purificação ao qual aquele que quer ser filósofo é purificado dos falsos pontos
de vista intelectuais para que assim possa receber a verdadeira doutrina do
Conhecimento Absoluto (lógica-natureza-espírito).

7. A abordagem da natureza feita por Hegel rejeita a filosofia mecanicista. Ele sustenta
o que os seguidores de Bradley mais tarde chamariam de doutrina de “relações
internas”, contra o entendimento tipicamente moderno mecanicista das coisas, que são
tratadas em termos de “relações externas”.

Hegel: Um olhar metafísico


Dada a evidência do lugar que Hegel ocupa na tradição hermética, parece surpreendente
que tão poucos estudiosos de Hegel tenham percebido isso. O assunto é logo deixado de
lado como se fosse algo sem importância ou desinteressante (não é nenhuma das duas
coisas). Costumeiramente, ele é tratado como relevante apenas à juventude de Hegel (o
que é falso). Certamente uma das razões dessa atitude é a especialização disciplinar.
Poucos estudiosos da história da filosofia chegam a estudar os pensadores herméticos.
Outra razão é a recente tendência entre os influentes estudiosos de Hegel que dizem ser
um disparate tratar Hegel como alguém que tivesse qualquer interesse sério em
metafísica ou teologia; o que dirá então o envolvimento em algum tipo de metafísica e
teologia exóticas que encontramos no hermetismo. Essa é a dita “leitura não-metafísica”
de Hegel. Como observou Cyril O’Regan, ela anda de mãos dadas com a leitura
“antiteológica”33. Por exemplo, David Kolb escreve: “Eu quero acima de tudo evitar a
ideia de que Hegel forneça uma cosmologia que inclui a descoberta de uma nova e
maravilhosa super-entidade, um eu cósmico ou espírito do mundo ou super-mente”34.
Mas é exatamente isso que Hegel faz.

A frase “leitura não-metafísica” parece ter sua origem em Klaus Hartmann, que em seu
influente artigo de 1972, “Hegel: Uma leitura não-metafísica”, identificou o sistema de
Hegel como uma “hermenêutica de categorias”35. Dentre outros conhecidos propositores
dessa abordagem que Hartmann dá, há também Kenley Royce Dove, William Maker,
Terry Pinkard e Richard Dien Winfield.

A leitura não-metafísica/antiteológica consiste em ignorar ou não considerar um assunto


digno de ser tratado as várias passagens francamente metafísicas, cosmológicas,
teológicas e teosóficas nos escritos e conferências de Hegel36. Assim, a leitura não-
metafísica passa a ser mais uma revisão de Hegel que uma interpretação. Seus
defensores admitem isso (Hartmann, por exemplo), mas com frequência eles oferecem
sua “leitura” como oposição às outras interpretações de Hegel. Além disso, não é
acidental que os mesmos autores finalizem suas “interpretações” atribuindo uma política
de esquerda a Hegel, pois eles são, na verdade, os herdeiros intelectuais dos “jovens
hegelianos” do século XIX que também faziam “interpretações” não-metafísicas e
antiteológicas de Hegel. A leitura não-metafísica simplesmente trata de um Hegel sem
tudo aquilo que possa parecer ofensivo ao espírito moderno, secular e liberal. Isso,
entretanto, não significa que estou oferecendo uma leitura “hegeliana de direita” como
alternativa. Estou simplesmente lendo Hegel. Ao fazer isso, espero contribuir com a
“análise apartidária, histórica e textual” do pensamento de Hegel, preconizada por Louis
Dupré.37

Estou convencido de que tal leitura coloca inequivocamente a filosofia de Hegel na


tradição da metafísica clássica. Ao dar esse olhar, estou em consonância com a
interpretação amplamente “ontoteológica” que Martin Heidegger – que cunhou o termo
– e por estudiosos como Walterjaeschke, Emil Fackenheim, Cyril O’Regan, Malcolm
Clark, Albert Chapelle, Claude Bruaire e Iwan Iljin38. A “ontoteologia” refere-se à
equação entre o Ser, Deus e o logos. A abordagem que Hegel dá ao Absoluto é
estruturalmente idêntica à que Aristóteles faz do Ser como Substância (ousia): é o que
há de mais real, independente e autossuficiente. Hegel identificou o Absoluto com Deus
tanto publicamente (em livros e conferências) como privadamente (em notas): em
ambos os casos de modo franco e direto, sem margem para interpretações muito
diferentes39. Hegel não oferece as categorias da sua lógica como meros “dispositivos
hermenêuticos”, mas sim como formas eternas, momentos ou aspectos da Mente Divina
(Ideia Absoluta). Ele trata a natureza como se ela estivesse “expressando” as ideias
divinas em formas imperfeitas. Ele fala de um “Espírito do Mundo” e o usa para
explicar como a radiestesia e o magnetismo animal funcionam. Ele estrutura toda a sua
filosofia em volta da Santíssima Trindade cristã e afirma que com o cristianismo, o
“princípio especulativo da filosofia foi revelado para a humanidade”40. Ele nos diz –
novamente de forma direta – que o Estado é Deus na Terra.

Não vejo razão para não levar a sério as palavras de Hegel em qualquer desses assuntos.
Mesmo porque estou interessado apenas no que Hegel pensou, não em que Hegel deve
ter pensado. Indubitavelmente, o sentido que Hegel dá à metafísica clássica e ao
cristianismo é transformador, pois ele não foi um mero fiel. Contudo, seus
comprometimentos metafísicos e religiosos não eram exotéricos. Ele acredita que o
Absoluto e o Espírito do Mundo, etc. são seres reais; eles só não são reais no sentido
em que as concepções tradicionais, devotas e “representativas” têm deles41. Se Hegel se
aparta da tradição metafísica em qualquer momento, é para tirar o seu ar de falsa
modéstia. Hegel não afirma ser um mero buscador da verdade. Ele afirma que já a
encontrou.

O autor

Leonildo Trombela Júnior

Notas

1. Antoine Faivre. Access to Western Esotericism, vol. I (Albany: State


University of New York Press, 1994), p. 35.
2. v. Ernst Benz, The Mystical Sources of German Romantic Philosophy,
trad. Blair R. Reynolds e Eunice M. Paul (Allison Park, Pa.: Pickwick
Publications, 1983), p. 2.
3. Ibid., p. 2.
4. Ibid., p. 2.
5. A bibliografia (presente no final da obra) contém todas as informações
sobre todas as obras mencionadas nesta introdução. Em geral, eu
mencionei apenas livros aqui. Na bibliografia, tanto livros quanto artigos
estão listados.
6. M. M. Cottier refere-se à filosofia de Hegel como “Une Gnose
christologique” [uma cristologia gnóstica] em seu L’Atheisme Du Jeune
Marx: Ses Origines Hegeliennes (Paris: Vrin, 1969), pp. 20-30. Eric
Voegelin também defendeu, de maneira crítica, que Hegel é um
“pensador gnóstico”, por exemplo, em Science, Politics, and Gnosticism
(Washington, D.C.: Regnery Gateway, 1968), pp. 40-44, 67-80.
7. J. N. FIndlay, Hegel: A Re-Examination (New York: Oxford University
Press, 1958), p. 49.
8. Eric Voegelin, “Response to Professor Altizer’s ‘A New History and a
New but Ancient God’” em Collected Works of Eric Voegelin, vol. 12,
Published Essays, 1966-1985, ed. Ellis Sandoz (Baton Rouge: Louisiana
State University Press, 1990), p. 297.
9. Eric Voegelin, “On Hegel: A Study in Sorcery”, Published Essays, 1966-
1985, p. 222; cf. Science, Politics, and Gnosticism, p. 68-69 e em seu
Order and History, vol. 5, In Search of Order (Baton Rouge: Louisiana
State University Press, 1987), pp. 54-70.
10. v. David Walsh, The Esoteric Origins of Modern Ideological Thought:
Boehme and Hegel (Dissertação de Ph.D., University of Virginia, 1978).
v. também The Mysticism of Innerworldly Fulfillment: A Study of Jacob
Böhme (Gainesville: University Presses of Florida, 1983), “The
Historical Dialectic of Spirit: Jacob Böhme’s Influence on Hegel” em
History and and System: Hegel’s Philosophy of History, ed. Robert L.
Perkins (Albany: State University of New York Press, 1984), p. 28 e “A
Mythology of Reason: The Persistence of Pseudo-Science in the Modern
World” em Science, Pseudo-Science, and Utopianism in Early Modern
Thought, ed. Stephen A. McKnight (Columbia: Universityof Missouri
Press, 1992).
11. Além dos escritos publicados de Hegel, as fontes primárias às quais
recorri incluem cartas, manuscritos, notas tomadas em conferências,
notas de alunos e relatórios feitos por seus contemporâneos acerca das
observações orais do próprio Hegel. As notas tomadas por alunos foram
publicadas como Zusätse na Enciclopédia das Ciências Filosóficas e nas
edições publicadas das conferências de Hegel sobre história da filosofia,
arte, religião e história do mundo, que em grande parte foram publicadas
a partir de notas tomadas pelos alunos.
12. Além do uso da imagética rosacruciana por Bacon, da procura que
Descartes fez à Rosa-cruz, da dívida de Spinoza à cabala, da fascinação
de Leibniz pelo rosacrucianismo, cabala e alquimia e da fascinação que
Newton tinha com o milenarismo e com a alquimia, há evidências
também de que Kant estava interessado nas visões de Emanuel
Swedenborg; de que Schelling estava interessado em Böhme,
Swedenborg e Mesmer; de que Schopenhauer estava interessado em
Böhme, Swedenborg e Lavater; de que William James estava interessado
em Swedenborg, Fechner, espiritualismo e percepção extra-sensorial; de
que C. S. Peirce estava interessado em Swedenborg e Böhme; de que C.
D. Broad estava interessado em percepção extra-sensorial; e, nos dias de
hoje, de que Michael Dummett está interessado em cartas de tarô
(Michael Dummett, The Visconti-Sforza Tarot Cards [New York: G.
Braziller, 1986]).
13. Antoine Faivre escreve que o hermetismo passou a ser usado para
“designar a atitude geral do espírito [ou mentalidade] que subjaz a uma
variedade de tradições e/ou correntes paralelas à alquimia, tais como
hermetismo [a religião do Corpus Hermeticum], astrologia, cabala,
teosofia cristã e philosophia oculta ou magia (no sentido que essas duas
palavras adquiriram na Renascença, isto é, de uma visão mágica da
natureza que a entendia como um ser vivo repleto de sinais e
correspondências que poderiam ser decifradas e interpretadas)”. v.
Faivre, “Renaissance Hermeticism and Western Esotericism” em Gnosis
and Hermeticism, ed. Roelof van den Broek e Wouter J. Hanegraaf
(Albany: State University of New York Press, 1998), p. 110. Faivre faz
uma distinção entre “hermeticismo” e “hermetismo”, sendo que este
último designa o Corpus Hermeticum e seu meio intelectual.
14. Nota do tradutor: É salutar notar que isso na verdade seria o “deísmo”.
Na crença católica tem-se a Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo, e os
Sacramentos que, mais do que próximos, vão até o âmago de cada um.
15. Hermetica, trad. Brian Copenhaver (Cambridge: Cambridge University
Press, 1992), p. 20
16. Ibid., p. 30.
17. Ibid., p. 56.
18. Tuveson, entretanto, vai muito além quando identifica essa posição com
o hermetismo stricto sensu e rejeita outros aspectos – tais como o
interesse em alquimia e correspondências – como se fossem “acidentais”
ou “não verdadeiramente” herméticos. Ernest Lee Tuveson, The Avatars
of Thrice Great Hermes: Na Approach to Romanticism (Lewisburg, Pa.:
Bucknell University Press, 1982), p. 15-16; p. 34.
19. Copenhaver, p. 33.
20. Ibid., p. 42.
21. Garth Fowden, The Egyptian Hermes: A Historical Approach to the Late
Pagan Mind (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1986), p. 104.
22. Nota do tradutor: É precisamente a gratuidade, pelo menos no
cristianismo, a essência primeira do amor. O autor aparentemente quis
deixar a entender que há aqueles que só acreditam em amor se houver
algum interesse escuso.
23. Veja, por exemplo, Gerald Hanratty, “Hegel and the Gnostic Tradition
I”, Philosophical Studies (Irlanda), p. 30 (1984): pp. 23-48; “Hegel and
the Gnostic Tradition II”, Philosophical Studies (Irlanda), p. 31 (1986-
1987), p. 301-325; Jeff Mitscherling, “The Identity of the Human and the
Divine in the Logic of Speculative Philosophy” em Hegel and the
Tradition: Essays in Honor of H. S. Harris, ed. Michael Baur e John
Russon (Toronto: University of Toronto Press, 1997), pp. 143-161. O
entendimento que Mitscherling tem do gnosticismo deriva do Colóquio
de Messina sobre as Origens do Gnosticismo. Todavia, como observa
Roelof van denBroek, o Colóquio de Messina define o gnosticismo de
maneira tão ampla “que ele perde toda a substância concreta”. V. Broek,
“Gnosticism and Hermetism in Antiquity” em Gnosis and Hermeticism,
p.4.
24. Fowden, The Egyptian Hermes, p. 106.
25. Giovanni Pico della Mirandola, Oration on the Dignity of Man, trad. A.
Robert Caponigri (Chicago: Regnery Gateway, 1956), p. 28.
26. Joseph Campbell, Transformation of Myth Through Time (New York:
Harper and Row, 1990), p. 189.
27. Fowden, The Egyptian Hermes, p. 106.
28. H.S. Harris, Hegel’s Development, vol. 2, Night Thoughts (Oxford:
Oxford University Press, 1983), p. 191.
29. Vondung, “Millenarianism, Hermeticism, and the Search for a Universal
Science”. In Science, Pseudo-Science, and Utopianism in Early Modern
Thought, ed. Stephen McKnight, (Columbia: University of Missouri
Press, 1992), p. 132.
30. Copenhaver, p. 16-17; grifos meus.
31. Karl Rosenkranz, Georg Wilhelm Friedrich Hegels Leben (Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1969), p. 141. O fragmento é
referido por Harris e Knox como “A Suposta Conclusão do Sistema da
Vida Ética”. V. H. S. Harris e T. M. Knox, System of Ethical Life and
First Philosophy of Spirit (Albany: State University of New York Press,
1979), p. 178.
32. Fowden, The Egyptian Hermes, p. 77.
33. v. Cyril O’Regan, The Heterodox Hegel (Albany: State University of
New York Press, 1994), p. 86.
34. David Kolb, Critique of Pure Modernity: Hegel, Heidegger, and After
(Chicago: University of Chicago Press, 1986), p. 42-43.
35. Klaus Hartmann, “Hegel: A Non-Metaphysical View” in Hegel: A
Collection of Critical Essays, ed. Alasdair MacIntyre (Notre Dame:
University of Notre Dame Press, 1972), p. 124.
36. Os que fazem a leitura não-metafísica e antiteológica devem arranjar
uma maneira de explicar a seguinte passagem: “Deus é o único objeto da
filosofia. [O essencial dela é] se ocupar de Deus, de apreender tudo Nele,
de levar tudo de volta a Ele, assim como obter tudo que é próprio de
Deus e justificar tudo apenas como originário de Deus, como sustentado
através da relação com Ele, como vivido pelo brilho Dele e como vivente
no interior da própria mente de Deus. Assim, filosofia é teologia, e
quando se trabalha com a filosofia – ou melhor, na filosofia – se está a
serviço de Deus” (Lições Sobre a Filosofia da Religião: 84 e Lições
Sobre a Filosofia do Direito I:3-4)
37. Louis Dupré, prefácio ao livro The Heterodox Hegel de Cyril O’Regan,
p. ix
38. Martin Heidegger, “The Onto-Theo-Logical Constitution of
Metaphysics” in Identity and Difference, ed. bilíngue, trad. Joan
Stambaugh (New York: Harper and Row: 1969); Walter Jaeschke,
Reason in Religion: The Formation of Hegel’s Philosophy of Religion,
trad. J. Michael Steward e Peter Hodgson (Berkeley: University of
California, 1990), Die Religionsphilosophie Hegels (Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983), “Speculative and
Anthropological Criticism of Religion: A Theological Orientation to
Hegel and Feuerbach”, Journal of the American Academy of Religion 48
(1980): pp. 345-364; Emil Fackenheim, The Religious Dimension of
Hegel’s Thought (Bloomington: Indiana University Press, 1967);
Malcolm Clark, Logic and System: A Study of the Transition from
“Vorstellung” to Thought in the Philosophy of Hegel (The Hague:
Martinus Nijhoff, 1971); Albert Chapelle, Hegel et la religion, 3 vols.
(Paris: Éditions Universitaires, 1964-1971); Claude Bruaire, Logique et
religion chrétienne dans la philosophie de Hegel (Paris: Éditions du
Seuil, 1964); IwanIljin, Die Philosophie Hegels also contemplative
Gotteslehre (Berne: Francke, 1946).
39. Em uma carta de 3 de julho de 1826 endereçada a Friedrich August
GottreuTholuch (1799-1877), Hegel escreve: “Eu sou luterano e, por
meio da filosofia, fui definitivamente e completamente confirmado no
luteranismo”. V. Hegel: The Letters, trad. Clark Butler e Christianne
Seiler (Bloomington: Indiana University Press, 1984), p. 520; cf.
Johannes Hoffmeister, Briefe von und an Hegel, 4 vols. (Hamburg: Felix
Meiner, 1952-1961). Hoffmeister enumera as cartas. Esta é a 514a.
Doravante, referências às cartas de Hegel serão escritas da seguinte
maneira: “Butler, 520; Hoffmeister #514a”. Em 1826 uma pequena
controvérsia surgiu em Berlim quando um padre que compareceu a uma
conferência de Hegel reclamou ao governo acerca do conteúdo
alegadamente anticatólico proferido por Hegel. O filósofo respondeu:
“Fosse para processar-me por causa das afirmações que fiz do alto pódio
que causaram perturbação aos alunos católicos, os culpados seriam
somente eles mesmos por comparecerem a conferências filosóficas em
uma universidade protestante e perante um professor que se orgulha de
ter sido batizado e criado como um luterano, o que por sinal ainda é e
continuará sendo” (v. Butler, 532). Em uma crítica no ano de 1829 de K.
F. Göschel, Aphorismen über Nichtwissen und absolutes Wissen im
Verhältnisse zur christlichen Glaubenserkenntnis, Hegel deixa claro que
ele fica satisfeito ao ter sua obra tratada como “filosofia cristã”. Berliner
Schriften, 1818-1831, ed. Eva Moldehauer e Karl Markus Michel
(Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986).
40. Em Lições sobre a História da Filosofia, Hegel observa que “os arianos,
por não reconhecerem Deus em Cristo, acabaram com a ideia de
Trindade e, consequentemente, com o princípio de toda a filosofia
especulativa” (3:20). J. N. Findlay escreve que “todo o sistema [de
Hegel] pode ser de fato uma tentativa de ver os mistérios cristãos em
qualquer coisa, em todos os processos naturais, em todas as formas de
atividade humana e em toda transição lógica” (Hegel: A Re-Examination,
p. 131).
41. Em A Ciência da Lógica (vol. I Enciclopédia das Ciências Filosóficas
em Compêndio) Hegel fala sobre o pensamento representativo: “Quando
se encontra deslocad[o] para a região pura dos conceitos, não sabe onde
está no mundo.” (§3)

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