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ISSN 0100-199X

B O LETIM IN F O R M A T IV O E BIBLIO G R Á FIC O


OE CIÊNCIAS SOCIAIS
ÓRGÃO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Neste Número:
Em ergência e Desenvolvimento do Welfare State

Leituras do Leste II

Teoria de C lasse

As Ciências Hum anas no Museu Emílio Goeldi

RELUME
O BIB — Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais (ISSN 0100-199X) é
uma publicação semestral, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS) destinada a estimular o intercâmbio e a cooperação entre as
instituições de ensino e pesquisa cm ciências sociais no País. O BIB é editado sob a orien­
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ISSN 0 1 0 0 199X

bb
BO LE TIM IN F O R M A T IV O E B IB LIO G R Á FIC O
DE CIÊNCIAS SOCIAIS
ÒRGÃO OA ASSOCIAÇÃO N AC IO N AL DE PÓS-GRADUAÇÃO
E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Sumário

Emergência e Desenvolvimento do Welfare State:


Teorias Explicativas 3
Marta T. S. Arretche

Leituras do Leste II: O Debate sobre a Natureza


das Sociedades e Estados de Tipo Soviético (Segunda
Parte - As Principais Interpretações Marxistas) 41
Luís Fernandes

Teoria de Classe 85
Ronald H. Chilcote

As Ciências Humanas no Museu Paraense


Emílio Goeldi: 128 Anos em Busca do Conhecimento
Antropológico na Amazônia 103
Adélia Engrácia de Oliveira
Lourdes Gonçalves Furtado

Teses e Dissertações 111

BIB, R io de Janeiro, n. 39,1.° sem estre de 1995, pp. 1-124


Colaboram neste número:

Adélia Engrácia de Oliveira é Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento


Científico e Tecnológico, lotada no Museu Emílio Goeldi, Belém, Estado do Pará.

Lourdes Gonçalves Furtado é Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimen­


to Cientifico e Tecnológico, lotada no Museu Emílio Goeldi, Belém, Estado do Pará.

Luis Fernandes é Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Fede­


ral Fluminense.

Marta T. S. Arretche é Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da


Universidade de Campinas.

Ronald H. Chilcote é Professor do Departamento de Economia da Universidade da Cali­


fórnia.
Emergência e Desenvolvimento
do Welfare State:
Teorias Explicativas*

Marta T. S. Arretche

Fenômeno do século XX, a provisão de Muitos autores se dedicaram à tarefa de


serviços sociais, cobrindo as mais variadas explicar a origem e desenvolvimento do wel­
formas de risco da vida individual e coletiva, fare state. A bibliografia sobre o assunto é
tornou-se um direito assegurado pelo Estado imensa. A controvérsia sobre as razões, o sig­
a camadas bastante expressivas da população nificado e as perspectivas do fenômeno não é
dos países capitalistas desenvolvidos. Ainda menos complexa. No entanto, creio ser pos­
que alguns países — como a Alemanha, por sível ordenar de algum modo esse debate e
exemplo — tenham dado origem a progra­ compreendê-lo melhor. É esta minha princi­
mas de seguro social já no final do século pal preocupação: extrair desta vasta produ­
passado e que políticas de proteção a idosos, ção teórica e analítica argumentos explicati­
mulheres, incapacitados etc. se tenham de­ vos acerca deste fenômeno nos países desen­
senvolvido em vários países já no início deste volvidos.
século, é certo que o fenômeno do welfare É preciso dizer, desde logo, que o orde­
State experimentou incontestável expansão e namento de tal discussão não é tarefa fácil, e
até mesmo institucionalização no período do por várias razões. A principal delas diz res­
pós-guerra. É a partir de então que se gene­ peito ao critério mais adequado para fazê-lo.
raliza e ganha dimensões quase universais Em primeiro lugar, ao longo do tempo,
nesses países um conjunto articulado de pro­ e devido sobretudo aos avanços obtidos com
gramas de proteção social, assegurando o di­ base no acúmulo de conhecimentos e no de­
reito à aposentadoria, habitação, educação, senvolvimento das pesquisas comparativas,
saúde etc. O fenômeno é de tal magnitude e sofisticaram-se crescentemente as variáveis
importância que levou um importante autor, analíticas utilizadas. Assim, os trabalhos da­
que identifica políticas sociais com social-de- tados da década de 50 e 60, baseados essen­
mocratização da sociedade, a afirmar: cialmente no indicador “volume do gasto so­
“Q uando nos dam os conta de que a social- cial”, deram lugar, na década de 80, a análi­
democracia não é um absoluto, quando ses bastante mais sofisticadas, nas quais dis­
nossa sensibilidade percebe que o mundo tintos indicadores relativos à “forma e natu­
não teria sido o mesmo sem ela, então, há reza deste gasto” permitem uma abordagem
necessidade de um a nova teoria.” (Esping- teórica qualitativamente superior. A sofisti­
Andersen, 1985a, p. xiii). cação na abordagem do fenômeno implicou

* Este artigo beneficiou-se de várias contribuições. O curso “Teorias Explicativas do Welfare State", de
Argelina Cheibub Figueiredo, bem como a classificação das várias correntes ali propostas e seus co­
m entários à versão prelim inar deste trabalho foram de inestimável ajuda. Agradeço também os co­
m entários à mesma versão feitos por Sônia Miriam D raibe e M arcus A ndré Mello. No entanto, são
de minha inteira responsabilidade as opiniões aqui expressas.

BIB, Rio de Janeiro, n. 39,1.° sem estre 1995, pp. 3-40 3


maior sofisticação na explicação das razões princípios analíticos, de modo a constituir
de sua existência. Em outras palavras, são teorias explicativas, supôs excluir esses e ou­
muito variadas, em diversidade e grau de re­ tros trabalhos semelhantes, escolha que im­
finamento, as categorias analíticas e os indi­ plicou perdas no escopo de abrangência des­
cadores utilizados pelos autores, entre si e ao ta resenha, mas que apresenta a enorme
longo do tempo. vantagem de clarificar a exposição.
Além disso, e certamente apresentando Uma terceira dificuldade para o orde­
dificuldades muito maiores para um ordena­ namento deste debate diz respeito à evolu­
mento do debale, temos a tarefa da seleção ção e conseqüente mudança da reflexão de
dos textos e autores a ser incluídos em um autores que se tornaram uma referência pa­
trabalho deste tipo. As obras que nos habi­ ra os estudiosos do tema. Todos os grandes
tuamos a consultar são de natureza bastante pensadores apresentam evidentemente ama­
distinta. Alguns trabalhos que aportam uma durecimento, revisões e alterações em sua
enorme contribuição em termos de informa­ trajetória. Em maior ou menor grau, autores
ção empírica, histórica ou até mesmo clas- que permaneceram produzindo sobre o as­
sificatória da morfologia dos sistemas de pro­ sunto durante um largo período de tempo
teção social naqueles países, ou não apresen­ apresentam mudanças importantes em sua
tam necessariamente uma explicação parti­ reflexão. No entanto, alguns autores apre­
cular da origem e expansão destes sistemas, sentam mudanças muito significativas, mu­
ou não são “o” trabalho no qual uma deter­ danças estas que, em certa medida, negam
minada explicação está mais explicitamente peremptoriamente suas afirmações anterio­
desenvolvida. res ou até mesmo implicam a filiação a uma
É o caso, por exemplo, do monumental oulra corrente teórica. Em outros casos, tra-
trabalho organizado por Peter Flora, Growth ta-se apenas de refinamentos de um argu­
to Limits, no qual distintos autores exami­ mento anteriormente apresentado.1
nam a evolução histórica, os resultados e os Em outras palavras, a opção por orde­
problemas contemporâneos do welfare State nar o debate segundo autores relevantes im­
em 12 países capitalistas avançados. A diver­ plicaria o problema posto pelas mudanças de
sidade e importância dos autores e o caráter argumento explicativo decorrentes da evolu­
quase enciclopédico desta obra conferem-lhe ção destes próprios autores. Além disso, or­
um status de consulta obrigatória sobre o as­ denar a partir dos autores imporia que cada
sunto, mas não exatamente de um trabalho um deles constituísse um item, dada a im­
de referência para a explicação das condições portância de cada um justamente pela singu­
da emergência e desenvolvimento dos pro­ laridade de sua análise.
gramas sociais. É o caso, também, do traba­ A escolha de um princípio de ordena­
lho de Titmuss, Social Policy, no qual, em mento — repetimos, o do argumento — per­
sua introdução, o autor apresenta uma clas­ mitiu contornar vantajosamente este proble­
sificação dos sistemas de política social, clas­ ma, vantagem esta que consiste na clareza da
sificação esta que influenciou enormemente exposição. A desvantagem que a acompanha
as pesquisas de tipo comparativo. De nature­ é a da perda da riqueza da produção dos au­
za, portanto, classificatória, esta contribuição tores selecionados, perda que, em alguns ca­
não trata explicitamente de teorizar sobre as sos, chega a ser mesmo injusta.
razões do surgimento e expansão de tais mo­ Por essas razões, esta resenha não trata
delos, ainda que seja possível, em outro de ordenar as teorias do welfare state de mo­
trabalho do mesmo autor, identificar sua fi­ do classificatório.2 Este trabalho pretende
liação teórica. tão-somente organizar a produção teórica
Delimitar o campo de abordagem deste sobre o welfare state, ordenando-a segundo
trabalho em torno de argumentos que, na argumentos analíticos selecionados. Como
verdade, hierarquizam internamente alguns afirmei mais acima, tais argumentos hierar-

4
quizam internamente algumas categorias do a razões de ordem política ou institucio­
analíticas, constituindo, portanto, correntes nal. Para estas, uma vez dadas determinadas
teóricas de explicação do fenômeno. Procu­ condições econômicas, seja o surgimento dos
rei identificá-las, de um lado, por sua in­ programas de proteção social, seja suas for­
fluência sobre as pesquisas e debates acerca mas de expansão, seja ainda suas variações
da natureza deste fenômeno e, de outro la­ têm como razão causal fatores relacionados
do, porque permitem revelar a evolução, no à luta de classes, a distintas estruturas de po­
tempo, da natureza desse debate.3 der político, ou ainda a distintas estruturas
Assim, trata-se, aqui, de organizar di­ estatais e institucionais.
versas contribuições, de modo neces­ Ainda que a intenção do trabalho seja
sariamente não exaustivo, dispondo os argu­ buscar explicitar argumentos explicativos —
mentos apresentados quanto à origem e de­ e foi a partir deles que a exposição foi orga­
senvolvimento do welfare State. Algumas cor­ nizada —, a escolha de autores mais repre­
rentes tratam distintamente as razões do sur­ sentativos de cada corrente era inevitável.
gimento desse fenômeno, vale dizer, as cau­ Este recurso permitirá também identificar
sas mais diretas de sua origem — o que de­ determinados trabalhos, de maior peso e im­
nominamos de sua emergência —, e as ra­ portância, no interior dos trabalhos de cada
zões de sua expansão ou desenvolvimento. autor em particular. Por outro lado, dado
Procurarei distinguir estas duas ordens de que o fio condutor é a identificação de distin­
preocupação dos autores.4 Creio que esta tas construções lógicas, evidentemente não
distinção tem importantes impactos para a seria possível, por razões de clareza dos ar­
identificação de hipóteses de trabalho. Con­ gumentos, deixar de recorrer a outros auto­
fundir razões da emergência e razões do de­ res ou até mesmo apontar mudanças no ar­
senvolvimento de um determinado fenôme­ gumento dos autores selecionados.
no histórico — como o das atividades sociais
do Estado contemporâneo — 6 fonte eviden­ Argumentos segundo os quais os
te de confusão para a análise, dado que, uma condicionantes da emergência e
desenvolvimento do welfare state
vez consolidado, todo fenômeno passa a ter
são predominantemente de ordem
uma dinâmica própria de desenvolvimento, econômica
conformando instituições e interesses parti­
culares. O welfare state é um desdobramento
Procurarei também distinguir, neste or­ necessário das mudanças postas em
denamento que se segue, os tipos de causa- marcha pela industrialização das
ções que orientam os argumentos explicati­ sociedades
vos identificados. Vale dizer, algumas cor­ São certamente alguns trabalhos de Ha-
rentes, por exemplo, dão maior peso a causa- rold Wilensky, Richard Titmuss e T.H.
ções de natureza econômica. Neste caso, o Marshall que melhor representam essa con­
fenômeno do welfare State seria um resulta­ cepção explicativa. Ainda que haja distinções
do ou subproduto necessário das profundas entre eles, sobretudo no que diz respeito às
transformações desencadeadas a partir do razões do desenvolvimento do welfare state
século XIX, sejam elas o fenômeno da in­ — não às razões de sua emergência —, há
dustrialização e modernização das socieda­ um núclco comum em sua argumentação,
des ou o advento do modo capitalista de pro­ relativo aos impactos do processo de indus­
dução. O peso das variáveis econômicas na trialização sobre as formas de intervenção e
hierarquia causal do argumento explicativo atuação do Estado.
proposto tem, certamente, filiações episte- Mesmo que explicitamente convencido
mológicas que são conhecidas. O mesmo po­ das premissas da teoria da convergência,5
de ser dito em relação a correntes para as Harold Wilensky realizou dois importantes
quais o fenômeno do welfare state é atribuí­ trabalhos em que procura explicar as varia­

5
ções internas no interior do processo mais nacional suficiente para financiá-los (Wi­
geral de convergência entre os países: Indus­ lensky, 1975, p. 24).
trial Society and Social Welfare, com Charles “No século passado, o welfare State desen­
Lebeaux em 1955,6 e The Welfare State and volveu-se em todos os países urbano-indus-
Equality em 1975.7 triais. Em bora esses [os países] variem
Assim, seja para explicar (em 1955) a enorm em ente em term os de direitos e li­
“exceção” (ou excepcionalidade) do caso berdades civis, os países ricos variam pouco
norte-americano, seja para explicar (em em sua estratégia geral de construção de
um piso abaixo do qual ninguém pode es­
1975) as razões da existência de países mais tar. Os valores invocados para defender o
avançados e países mais atrasados no desen­ welfare state — justiça social, ordem políti­
volvimento de programas de proteção social, ca, eficiência ou igualdade — dependem do
Wilensky acaba por revelar uma determina­ grupo que articula sua defesa. Mas a ação
da concepção teórica da origem e do desen­ final produziu uma das mais importantes
volvimento dos programas de welfare.8 uniformidades estruturais das sociedades
De acordo com sua visão, as razões do modernas. Quanto mais ricos os países se
tornam , mais semelhantes eles são na am ­
surgimento de programas sociais é a mesma pliação da cobertura da população e dos
em todos os países de alto nível de desenvol­ riscos (...)” (Wilensky, 1975, pp. 15-6).
vimento industrial. Ele o dirá claramente a
partir da comparação extensiva realizada no De outro lado, os problemas sociais
com os quais os serviços sociais têm de lidar
trabalho de 1975: “Eu concluí que o cresci­
mento econômico e seus resultados demo­ são resultado das mudanças sociais (sobretu­
do demográficas) desencadeadas pela indus­
gráficos e burocráticos são a causa funda­
trialização. A consolidação da fábrica como
menta] da emergência generalizada do welfa­
núcleo central da atividade produtiva implica
re state.” (Wilensky, 1975, p. xiii)9
uma transformação radical das sociedades,
O surgimento de programas sociais é,
determinando o surgimento de novos meca­
pois um desdobramento necessário de ten­
nismos de garantia da coesão e integração
dências mais gerais postas em marcha pela
sociais. Nada melhor do que uma citação dos
industrialização. Quais seriam, então, essas
próprios autores para clarificar a sua visão so­
tendências gerais, as quais explicariam o sur­
bre o papel central e determinante desempe­
gimento do welfare state?
nhado pelo desenvolvimento industrial no sur­
Segundo os autores, o surgimento de gimento dos programas sociais.
“padrões mínimos, garantidos pelo governo,
“Tudo que nós querem os destacar é que to­
de renda, nutrição, saúde, habitação e edu­
das as sociedades industriais enfrentam
cação para todos os cidadãos, assegurados problem as semelhantes; suas soluções a es­
como um direito político e não como carida­ tes problemas, embora variadas, são fre­
de” (Wilensky e Lebeaux, 1965, p. xii), está qüentem ente prescritas em maior medida
associado aos problemas e possibilidades pela industrialização em si mesma do que
postos pelo desenvolvimento da industriali­ por outros elementos culturais.”(Wilensky
zação. De um lado, os gastos com programas e Lebeaux, 1965, p. 47).
sociais somente são possíveis porque a indus­ Neste sentido, não haveria diferenças en­
trialização permite um vasto crescimento da tre países como o Japão, os Estados Unidos e
riqueza das sociedades (Wilensky e Lebeaux, a URSS, dado que, independentemente de
1965, p. 14). Haveria, pois, uma correlação seus regimes políticos e das diferenças nacio­
entre as variáveis crescimento industrial e nais, estes diferentes países estariam igualmen­
gastos sociais, sendo a primeira uma condi­ te submetidos à lógica da industrialização.
ção necessária para a segunda. Dito de outro A industrialização tem efeitos sobre a
modo, os programas sociais ou não apare­ estrutura da população, sobre a estrutura da
cem ou permanecem insignificantes em so­ estratificação social, sobre a estrutura de
ciedades que não produzam um excedente renda e a distribuição do poder, sobre os me­

6
canismos através dos quais se realizará a so­ critérios de especialização para o trabalho.
cialização, mudanças estas tão radicais que Nessas circunstâncias, o surgimento de leis
exigiriam novas formas de integração social. de proteção do trabalho infantil parece ser
Vejamos: a atividade industrial (na fábrica) um “resultado natural” (Wilensky e Le­
exige um novo tipo de trabalhador, com no­ beaux, 1965, p. 71), tornando a criança uma
vos hábitos, uma nova disciplina, diferente impossibilidade produtiva ao mesmo tempo
daquela compatível com a atividade produti­ que se lhe garante a possibilidade de educação.
va do camponês. Ao mesmo tempo, a meca­ Em suma, a industrialização opera
nização do processo produtivo pode signifi­ transformações inevitáveis na estrutura so­
car perda da importância de um conjunto de cial (Wilensky e Lebeaux, 1965, p. 79), tais
habilidades profissionais ou mesmo o surgi­ como a ênfase na família nuclear e o enve­
mento do desemprego técnico (ou seja, a ob­ lhecimento da população. A rapidez das mu­
solescência definitiva de determinadas habili­ danças sociais, outro de seus desdobramen­
dades). A industrialização implica ainda tos, tende a acelerar o surgimento de proble­
maior complexidade da divisão social do mas. O desenvolvimento de programas de
trabalho. À divisão natural sobrepõe-se o re­ cobertura contra os riscos postos por estas
crutamento no mercado de trabalho segun­ mudanças constitui seu correlato necessário.
do habilidades altamente complexas e diver­ Assim, por exemplo, o fato de que a maior par­
sificadas. Finalmente, a industrialização im­ te dos gastos com serviços de welfare nos Esta­
plica a competição no mercado de trabalho, dos Unidos seja destinada aos velhos constitui
a entrada da mulher neste mercado etc. Em um correlato do fato do envelhecimento da po­
suma, este conjunto de mudanças no que pulação, propiciado pela industrialização (Wi­
respeita ã dependência do trabalhador em lensky e Lebeaux, 1965, p. 79).
relação à situação do mercado de trabalho, à Essa série de determinações — in-
natureza e bases da especialização do traba­ dustrialização-mudanças sociais/demográfi-
lho, a uma significativamente crescente pos­ cas-surgimento de serviços de welfare — é,
sibilidade de mobilidade social teria implica­ assim, o núcleo do argumento, indutivamen­
ções profundas sobre o sistema familiar, isto te construído com base nas correlações esta­
é, sobre o tamanho das famílias, as formas tísticas identificadas pelos autores. A partir
de educação das crianças, as modalidades de da constatação empírica de regularidades,
reprodução social etc. Tais mudanças exigi­ concluem os autores: “Estas mudanças mas-
riam uma resposta, uma solução sob a forma sivas na sociedade americana são os determi­
de programas sociais, os quais visariam ga­ nantes principais dos problemas sociais, os
rantir a integração social, contornando os quais, por sua vez, criam a demanda por serviços
problemas de ajustamento do trabalhador e de welfare.” (Wilensky e Lebeaux, 1965, p. 17).
das famílias. Nas palavras dos próprios auto­ Essa correlação será confirmada na pes­
res: “Muitos dos serviços de welfare na Amé­ quisa sobre 64 países publicada no trabalho
rica podem ser vistos como uma resposta ao de 1975. Neste trabalho, Wilensky demons­
impacto da industrialização sobre a vida das tra que o sistema político (seja ele liberal-de-
famílias.” (Wilensky e Lebeaux, 1965, p. 67). mocrático, totalitário, oligárquico ou popu­
Os efeitos da industrialização sobre o lista) tem fraca correlação com o desenvolvi­
sistema familiar implicam também um novo mento do welfare stnte.10 Também o sistema
papel para as crianças: de auxiliares na ativi­ econômico (seja ele capitalista ou comunis­
dade agrícola (e, portanto, de fonte de ren­ ta) é absolutamente irrelevante para explicar
da), eles passam a ser unicamente fonte de o desenvolvimento de programas de prote­
gastos, ao mesmo tempo em que se consti­ ção social. Concomitantemente, o resultado
tuem como possíveis concorrentes no merca­ do trabalho é demonstrar a existência de
do de trabalho, uma vez que a seleção para uma altíssima correlação entre as variáveis
este mercado é feita predominante segundo nível de desenvolvimento econômico e esfor­

7
ço de seguridade social (este medido pelo mais atrasados no desenvolvimento de pro­
gasto estatal em serviços de consumo públi­ gramas sociais (em 1975).
co) (Wilensky, 1975, p. 2). Em 1955, a forma particular de desen­
Tal correlação, contudo, é mediada por volvimento do welfare state nos EUA é expli­
duas variáveis: em primeiro lugar, a propor­ cada por razões internas aos sistemas cultu­
ção de velhos na população, estabelecida co­ ral e político daquele país. Dito de outro mo­
mo causa direta mais forte; em segundo lu­ do, o surgimento do welfare state nos EUA
gar, a idade da população e a idade do siste­ estaria inserido no conjunto de mudanças so­
ma de proteção social. 1 A proporção de ve­ ciais desencadeadas pela industrialização, fe­
lhos na população seria um subproduto do nômeno que é mais ou menos invariante en­
nível de desenvolvimento econômico. Ou se­ tre os países onde esta ocorreu. Contudo, a
ja, o desenvolvimento econômico implica existência de fortes resistências internas ao
uma queda da taxa de natalidade; tal redu­ desenvolvimento destes programas é as­
ção implica um aumento da proporção de sociada a um desenvolvimento particular da
velhos no universo populacional (isto é, a de­ cultura do capitalismo ocorrido nos EUA.
senvolvimento econômico correspondem Tais resistências fariam com que o país fosse,
mudanças demográficas). Essa população, em certa medida, uma exceção às tendências
em situação objetiva de necessidade, fará mais gerais de desenvolvimento do welfare
pressão por programas sociais e estes neces­ state, tal como ocorrido nos demais países al­
sariamente surgirão (dada a possibilidade do tamente industrializados como, por exemplo,
excedente econômico, propiciada pelo mes­ os países da Europa Ocidental. Nas palavras
mo desenvolvimento econômico). Tal de Wilensky e Lebeaux (1965, pp. ix-x):
processo é demonstrado pelo fato de que os “A té hoje, e por razões dem onstradas ao
maiores beneficiários dos programas sociais longo deste livro, quanto mais industrializa­
são os velhos (Wilensky, 1975, pp. 26-7). da uma nação, maior a fatia de sua renda
nacional que é gasta em serviços de welfare.
Entretanto, essas duas ordens de variá­
(...) E ntretanto, em relação à sua capacida­
veis — proporção de velhos e idade da popu­ de de gasto, os países ricos têm increm enta­
lação/idade dos sistemas — constituem, co­ do seus gastos com welfare, embora os Es­
mo veremos a seguir, elementos de explica­ tados Unidos, o mais rico deles, tenha se
ção para a diversidade nos níveis de gasto e movido bastante lentamente no interior
nos sistemas de administração dos progra­ dessa tendência geral.”
mas sociais entre os países nos quais tais pro­ Se a explicação para a origem dos pro­
gramas adquiriram significado, ou seja, no gramas sociais está no desenvolvimento in­
interior do grupo de 22 países ricos (contem­ dustrial, sua expansão, contudo, é fortemen­
plados em sua análise) nos quais existiria efe­ te associada a traços da cultura nacional. Os
tivamente o welfare state. valores e crenças dominantes nos EUA, a
Uma vez^ admitida a existência de varia­ existência de razões objetivas para tais cren­
ções internas à tendência mais geral, expres­ ças e um sistema político-administrativo ba­
sas pelo caso norte-americano e/ou pela exis­ seado na descentralização seriam os mais
tência de diferentes níveis de gasto e diferen­ fortes obstáculos ao desenvolvimento do
tes estilos e tipos de organização administra­ welfare state nesse país tal qual ele se desen­
tiva entre os 22 países mais ricos, Wilensky volveu nos países da Europa Ocidental.
se preocupa em explicar as razões destas va­ Em primeiro lugar, porque o individua­
riações. Assim, procurando complementar o lismo econômico (o imperativo de vencer na
trabalho de Cutright (1967), busca explicar vida por seus próprios esforços), o individua­
as diferentes formas de desenvolvimento dos lismo como regra de conduta social, a crença
sistemas de welfare, isto é, busca as razões da na propriedade privada e no livre mercado, a
“exceção” norte-americana (em 1955) e do crença na iniciativa individual e na competi­
fato da existência de países mais avançados e ção são elementos-chave da cultura norte-

8
americana. Tais valores constituiriam fortes produto do grau de desenvolvimento indus­
obstáculos ao desenvolvimento de progra­ trial). Por que é este o fator principal? Por­
mas sociais contra os riscos inerentes ao que é este indicador que apresenta uma cor­
processo de industrialização. Em segundo lu­ relação positiva mais elevada com o indica­
gar, existem nos EUA bases objetivas para o dor “esforço de gasto”.
florescimento de tais valores, dado que se Em segundo lugar, como elementos de
observa concretamente um enriquecimento diferenciação no gasto e no estilo administra­
geral do conjunto da população e tendências tivo entre os países, estariam a idade da po­
de longo prazo no sentido da equalização da pulação (dado que os programas cor­
renda. Ou seja, observadas as tendências de respondem às necessidades demográficas) e
longo prazo, toda a população tem crescen­ a idade dos sistemas. Os sistemas amadure­
temente padrões de vida mais elevados e hâ cem, uma vez constituídos, exercendo pres­
um crescimento permanente e progressivo são para uma ampliação progressiva dos gas­
das dimensões da classe média em relação à tos sociais. Esta ampliação é resultado, so­
população total (Wilensky e Lebeaux, 1965, bretudo, da natureza das burocracias direta­
pp. 90-114). Finalmente, a heterogeneidade mente envolvidas nos programas sociais. Nas
social, étnica e religiosa característica dos palavras de Wilensky,
EUA, reforçada pela acentuada fragmenta­ “(...) o nível econômico é a causa funda­
ção política propiciada pela descentralização, mental do desenvolvimento do welfare state,
impede o desenvolvimento de programas na­ mas seus efeitos são sentidos principalm en­
cionais, de natureza abrangente, característi­ te nas mudanças demográficas do século
passado e no impulso dos programas em si
cos da ação social na Europa e especialmen­
mesmos, uma vez estabelecidos. Com a
te nos países escandinavos (Wilensky e Le­ modernização, as taxas de natalidade decli­
beaux, 1965, pp. xviii). naram e a proporção de velhos, associada
Portanto, dado que “os valores dos ho­ ao declínio do valor econômico das crian­
mens conformam sua abordagem dos proble­ ças, exerceram pressão no sentido da ex­
mas postos pela industrialização” (Wilensky pansão do gasto. Uma vez estabelecidos, os
e Lebeaux, 1965, p. 349), a cultura america­ programas amadurecem, movendo-se em
na afeta a forma dos serviços sociais presta­ todo lugar em direção a uma m aior cober­
tura e mais elevados benefícios. O cresci­
dos nos EUA, ou seja, a quantidade de re­
mento do gasto com seguridade social co­
cursos destinados aos programas de welfare, meça como uma conseqüência natural do
a ênfase em agências privadas, a divisão en­ crescimento econômico e seus efeitos de­
tre agências locais e federais, o baixo grau de mográficos e é acelerado pela interação das
efetividade dos programas implementados percepções políticas das elites e das pres­
(Wilensky e Lebeaux, 1965, p. 15). sões das massas e das burocracias do welfa­
No trabalho de 1975, Wilensky demons­ re:’ (Wilensky, 1975, p. 47).12
tra uma posição bastante distinta. Afirma É importante chamar aqui a atenção
que é tentador atribuir a diversidade entre os para o fato de que a conclusão de Wilensky é
países ricos a elementos de ordem cultural resultado da metodologia por ele emprega­
(Wilensky, 1975, pp. 28-30), mas que, na da. Na verdade, o autor torna-se “prisionei­
verdade, os fatores de diferenciação são de ro” das variáveis e correlações estatísticas
outra ordem, de ordem estrutural. Vejamos: por ele adotadas. Ao adotar como variável
Ao observar uma fortíssima correlação dependente exclusivamente o indicador “vo­
entre proporção da população com mais 65 lume de gasto em programas sociais”13 e co­
anos de idade e esforço de welfare, o autor mo variáveis independentes indicadores eco­
afirma, como desenvolvido mais acima, que nômicos e demográficos, Wilensky está fada­
o primeiro seria o principal fator de diversi­ do a obter conclusões a partir das regularida-
dade no gasto (portanto, um fator de ordem des encontradas na correlação destas variá­
demográfica, o qual é, por sua vez, um sub­ veis, estabelecendo como fator mais impor-
tante aquele que apresenta maior correlação (quer individuais, quer sociais), que visam
positiva e assim por diante. Como veremos garantir a sobrevivência das sociedades. As
mais adiante, as análises mais recentes do necessidades da Inglaterra, por exemplo, em
welfare state exigirão indicadores e tratamen­ 1950 não são as mesmas que em 1900. Logo,
to analíticos mais sofisticados. a modificação e, sobretudo, a ampliação dos
Professores da London School of Eco- serviços sociais revelam a crescente amplia­
nomics, T.H. Marshall e Titmuss foram, en­ ção de necessidades ocorrida na sociedade
tre os anos 40 e 60, responsáveis pela discipli­ inglesa naquele período.
na de Administração Social daquela escola. Para Titmuss, nestes 50 anos que
Preocupados sobretudo com o desenvolvi­ testemunharam a construção de um conjun­
mento do Estado de Bem-Estar na Inglater­ to mais ou menos articulado de programas
ra, desenvolveram, contudo, uma corrente de proteção social, a Inglaterra viveu a “era
de explicação que se situa no interior dessa das expectativas crescentes” (Titmuss, 1963,
explicação mais geral a respeito do fenôme­ p. 43),15 expectativas essas que implicaram
no. Ou seja, ainda que essencialmente preo­ um desenvolvimento do escopo e variedade
cupados com o caso inglês, sua abordagem dos serviços sociais.
inscreve-se nessa vertente que articula positi­ Tais expectativas, contudo, passam a ser
vamente a industrialização como fenômeno necessidades, porque estas últimas são cultu­
causal dos programas sociais. ralmente construídas. Os homens enfrentam
Titmuss14, em um ensaio escrito em distintos “estados de dependência” (Titmuss,
1954, tratando do caso inglês, afirma que a 1963, p. 42), tais como a fragilidade das
origem dos programas do welfare está na crianças, dos velhos, dos doentes, estados es­
crescente complexidade da divisão social do tes em que os cuidados se constituem em
trabalho propiciada pelo desenvolvimento da necessidades físicas. As necessidades às quais
industrialização. “Na ampliação dos progra­ se destinam os programas sociais, contudo,
mas sociais”, diz ele, “o fator operativo do­ não se limitam apenas às necessidades físi­
minante foi a crescente divisão do trabalho cas. O desemprego, o subemprego, a apo­
na sociedade e, simultaneamente, um grande sentadoria, por exemplo, revelam estados de
crescimento na especificidade do traba- dependência culturalmente estabelecidos
lho”(Titmuss, 1963, p. 43). (“man-made dependencies”) (Titmuss, 1963,
Esta afirmação é explicitamente as­ p. 430). A ampliação progressiva dos progra­
sumida pelo autor como a aceitação da tese mas sociais, portanto, o desenvolvimento do
durkheimniana segundo a qual o homem se welfare state é o resultado da ampliação
tornaria mais socialmente dependente na progressiva do campo de necessidades cultu­
mesma medida em que se tornasse mais in­ ralmente construídas. Assim, com o rompi­
dividualizado e mais especializado. Assim, a mento gradual da Lei dos Pobres (conceito
especialização do trabalho, fruto da indus­ que equivale ao de dissolução progressiva da
trialização, implicaria o crescimento da de­ Lei dos Pobres, em Marshall), foram-se defi­
pendência individual em relação à sociedade. nindo e reconhecendo novos “estados de de­
Deste modo, a origem dos programas de pendência”, dinâmica à qual está subordina­
proteção social estaria localizada, para do o desenvolvimento dos programas sociais.
Titmuss, na industrialização e em seu cor­ Em Política Social, escrito em 1965,
relato necessário: a crescente especialização Marshall procura dar conta da origem do Es­
da produção. tado de Bem-Estar Social na Inglaterra, bem
Contudo, dado que sua origem consiste como de sua evolução no pós-guerra, nota-
numa resposta a essas necessidades, seu de­ damente na década de 50 e início dos anos
senvolvimento está associado à dinâmica da de 60.16 Para o autor, o Estado de Bem-Es­
mudança dessas mesmas necessidades. Os tar Social naquele país tem início em meados
serviços sociais são respostas a necessidades da era vitoriana, ou seja, no último quartel

10
do século XIX. Uma era de prosperidade e jamos como o autor examina o processo evo­
confiança teria marcado, pois, o início da lutivo do fenômeno.
adoção de medidas de política social: leis de Originado naquelas medidas de prote­
assistência aos indigentes, leis de proteção ção aos indigentes e pobres em geral acima
aos trabalhadores da indústria, medidas con­ mencionadas (notadamente, a Lei dos Po­
tra a pobreza etc. Em tais medidas estaria o bres e seus desdobramentos posteriores), o
embrião daquilo que, mais tarde, após a Se­ processo em curso teria tomado impulso no
gunda Grande Guerra, seria conhecido co­ começo do século XX, a partir de um
mo welfare State. progressivo movimento de dissolução da Lei
A razão para o surgimento dessas medi­ dos Pobres. As medidas de proteção aos po­
das, as quais legariam à sociedade inglesa do bres foram progressivamente deixando de
século XX um aparelho estatal administrati­ tratá-los indistintamente, isto é, passaram a
vamente preparado para garantir o bem-es- surgir políticas de atenção à heterogeneidade
tar social a seus cidadãos, está, segundo da pobreza. Cria-se, assim, um significativo
Marshall, no impulso dado às sociedades pe­ dispositivo de proteção que atendia de forma
la industrialização: distinta a crianças, velhos, desempregados,
“A Revolução industrial, qualquer que seja indigentes etc.
a verdade sobre sua origem, sem som bra de A adoção de tais medidas é acompa­
dúvida, não teve fim. Pois é da essência da nhada de uma profunda discussão entre as
industrialização que, uma vez que se ‘pega forças políticas organizadas do período. Há
impulso’, e se está inteiram ente com prom e­ mesmo a criação de uma comissão para es­
tido com o modo de vida industrial, o movi­ tudar o assunto, a Comissão Real sobre a
m ento nunca cessa e (com toda a probabi­
Lei dos Pobres e Auxílio aos Necessitados,
lidade) o ritm o se torna mais frenético.”
(Marshall, 1967, p. 12).
nomeada pelo governo conservador. No en­
tanto, as medidas tomadas o foram inde­
Uma vez re-harmonizada e readaptada pendentemente dos trabalhos desta Comis­
ao novo “modo de vida”, após a pacificação são. Com efeito, estas foram implementadas
dos conflitos que haviam acompanhado a pelo governo conservador antes mesmo que
origem da produção em escala industrial, a a Comissão concluísse seus trabalhos. Assim,
sociedade inglesa “(...) abraçou essa tarefa conclui o autor:
de desenvolver suas potencialidades [e] colo­
“A verdade é que durante os anos em que a
cou em movimento forças inerentes ao pró­ Comissão esteve em funcionamento a cor­
prio sistema que levaram, por processos lógi­ rente da mudança social começou a fluir
cos e naturais, à sua transformação em algo livremente e a Comissão foi parte desta
totalmente imprevisto e incomum.” (Mars­ corrente, não a origem da mesma. A outra
hall, 1965, p. 13; grifos meus). parte mais saliente foi o governo liberal
Este é um conceito central nessa expli­ que subiu ao poder (...)” (Marshall, 1965,
cação: a origem e desenvolvimento do Esta­ p. 56).
do de Bem-Estar Social fazem parte de um Assim, ainda que a ação política tenha
processo que é definido, fundamentalmente, alguma importância para a explicação do
pela evolução lógica e natural da ordem so­ surgimento da política social, ela apenas im­
cial em si mesma (Marshall, 1965, p. 27). Tal plementa aquela que é a lógica inexorável
processo é, em parte, realizado pela ação po­ das forças evolutivas em operação no sistema
lítica. Assim, o autor identifica correntes de social. Tais forças, que atuam de forma inde­
pensamento e suas propostas a cada período pendente, lógica e naturalmente, dão curso a
de evolução da política social. Mas a ação polí­ um processo evolutivo sobre o qual os atores
tica está condicionada a um processo de auto- sociais não têm controle. Uma vez liberadas,
desenvolvimento da política social, processo es­ tais forças ganham impulso; num movimento
te ao qual os atores sociais são submissos. Ve­ de autopropulsão que lhes é inerente.

li
Tanto é assim que, nos anos 20 e 30, bros da sociedade, representam o- encontro
observa-se um movimento de acentuada definitivo da sociedade inglesa com o bem-
convergência entre os países em que a políti­ estar. Tal produto, cujos traços centrais se
ca social era uma realidade (Marshall, 1965, encontram acabados, ainda que sujeito a
p. 78). Existe, segundo o autor, consenso contínuo movimento, não é dependente de
quanto à natureza e extensão da responsabi­ correntes de pensamento ou partidárias. As
lidade governamental pelo bem-estar social. sucessivas alternâncias no poder entre os
Há, entre os países, convergência quanto ao Partidos Trabalhista e Conservador têm pe­
público-alvo dos programas previdenciários, quena influência no curso do processo, ainda
quanto à bagagem metodológica e à máqui­ que possam ter influência sobre a ênfase no
na administrativa a ser utilizada nos progra­ caráter estatal ou privado, voluntário ou
mas, quanto aos riscos a serem cobertos. Há compulsório de determinados programas.
ainda convergência no sentido da unificação Assim, não é o governo trabalhista no poder,
dos programas, no sentido de envolver os as­ por exemplo, que explica o advento do Esta­
salariados e, finalmente, no surgimento da do de Bem-Estar Social em 1946, mas as for­
temática da distribuição da renda como um ças sociais propulsadas pela guerra. As duas
elemento constitutivo da política social. Tal guerras (bem como a depressão) são, contu­
convergência é reveladora das forças postas do, incidentes que vieram a acelerar a evolu­
em prática pelo capitalismo democrático. ção lógica do sistema, dado que criaram um
Ainda que haja divergências entre os países sentimento nacional de solidariedade propí­
quanto aos métodos mediante os quais se cio ao desenvolvimento de programas de
operaria o gradual processo de dissolução da proteção social.17
Lei dos Pobres, o movimento de convergên­ Evidentemente, os indicadores analíti­
cia é altamente significativo. cos utilizados por Wilensky e Lebeaux, bem
Embora o período entre guerras tenha como a metodologia por eles empregada,
sido importante para a consolidação das me­ não são os mesmos dos trabalhos de Mars­
didas criadas anteriormente, é o período pos­ hall e Titmuss. Na verdade, é preciso situar o
terior à Segunda Guerra Mundial que repre­ contexto no qual estes últimos produziram
sentará seus trabalhos. Estes foram escritos em um
“(...) a fase final do processo (...) pelo qual
contexto de ataque liberal aos programas so­
o desenvolvimento lógico e a evolução na­ ciais na Inglaterra, o que explica, em parte, a
tural das idéias e instituições conduziram, ênfase na idéia de que tais programas corres­
em última análise, a uma transform ação do pondiam a uma nova era das sociedades,
sistema. A transform ação, ou revolução, sendo, portanto, intrínsecos a ela. Por outro
consistiu na fusão das medidas de política lado, reduzir seus argumentos a um contexto
social num todo que, pela primeira vez, ad­ de acirrado debate político seria reduzir o ca­
quiriu, em conseqüência, uma personalida­
ráter de sua contribuição.
de própria e um significado que, até então,
Na verdade, a partir de metodologias e
tinha sido apenas vagam ente vislumbrado.
Adotamos a expressão ‘Estado de Bem-Es- recursos analíticos distintos, os autores aci­
tar Social’ para denotar esta nova entidade ma analisados, nestes trabalhos menciona­
composta de elem entos já conhecidos. A dos, partilham de uma mesma concepção
responsabilidade derradeira total do E sta­ quanto à origem dos programas sociais, con­
do pelo bem -estar de seu povo foi reconhe­ cepção esta originária das teorias da moder­
cida mais explicitam ente do que jamais o nização e da industrialização das sociedades.
fora." (Marshall, 1965, p. 97). Ainda que as razões da expansão dos siste­
A adoção do seguro social compulsório mas de proteção possam ser distintas entre
e a implantação do Serviço Nacional de Saú­ eles, estes autores partilham da idéia de que
de, cobrindo, com garantia estatal, os riscos estas são mais um subproduto de forças ine­
inerentes à vida coletiva para todos os mem­ rentes ao processo de industrialização e me­

12
nos o resultado de conflitos e decisões po­ acumulação de capital arrisca-se a secar a
líticas. fonte de seu próprio poder, a capacidade
de produção de excedentes econômicos e
O welfare state é uma resposta às os impostos arrecadados deste excedente (e
necessidades de acumulação e de outras formas de capital).” (O ’Connor,
legitimação do sistema capitalista 1977, p. 19; grifos meus).

Em seu livro USA: A Crise Fiscal do Es­ Esta citação é lapidar da visão de
tado (1977), James O ’Connor faz um estudo O’Connor. Não existe, para ele, distinção en­
da política fiscal norte-americana. Analisa a tre o fato de o Estado dever desempenhar
crise fiscal do Estado, definindo-a como uma uma determinada função, ou ainda, o fato de
propensão para que os gastos estatais sejam que exista, no plano econômico e político,
superiores ao volume das receitas fiscais. As­ uma determinada demanda para o Estado, e o
sim, o trabalho não aborda diretamente a te­ fato de que o listado venha efetivamente a de-
mática da origem e desenvolvimento do Es­ sempenhá-la. Em outras palavras, a necessida­
tado de Bem-Estar. Na verdade, ao exami­ des societais corresponderiam funções estatais.
nar os fundamentos sociológicos das finanças Assim, às duas funções estatais (acumu­
governamentais e, portanto, a dinâmica do lação e legitimação) correspondem diferen­
gasto estatal, o autor está analisando o fenô­ tes tipos de gasto estatal, quais sejam: (a) ca­
meno, particular do pós-guerra, do substan­ pital social, isto é gastos destinados a garan­
cial crescimento do volume do gasto estatal. tir a acumulação de capital, que se subdivi­
Apresentada como a “teoria da crise fiscal”, dem em dois tipos: investimento social, des­
a análise do autor, ainda que centrada nos tinado a aumentar a produtividade dos tra­
EUA do pós-guerra, pode, segundo ele, ser balhadores, e consumo social, destinado a
generalizada aos países de capitalismo adian­ rebaixar os custos de reprodução da força de
tado. Com efeito, ao longo do trabalho Ja­ trabalho; (b) despesas sociais, que são gastos
mes O’Connor apresenta exemplos de casos destinados a lidar com os efeitos do processo
europeus para demonstrar seus argumentos. de acumulação e, portanto, a garantir a har­
Assim, é possível depreender da análise de monia social e a legitimação.
James O’Connor, voltada para a compreen­ Deste modo, embora seja difícil estabe­
são da dinâmica das finanças governamen­ lecer uma relação direta entre cada rubrica
tais, uma determinada concepção acerca da de gasto estatal e cada uma das funções que
origem e desenvolvimento dos programas o Estado tem de desempenhar, é certo que
sociais no pós-guerra. todas as despesas estatais têm este caráter,
Em que consiste, portanto, a “teoria da isto é, responder às necessidades do capital,
crise fiscal”? O argumento é bastante sim­ seja para garantir diretamente a acumula­
ples. Parte-se da premissa de que ção, via capital social, seja para corrigir os
efeitos sociais da acumulação de capital, via
“(...) o E stado capitalista tem de tentar de­
despesas sociais. Mesmo esta última função
sem penhar duas funções básicas e muitas
vezes contraditórias: acum ulação e legiti­
estatal é exposta como uma das condições
mação (...). Isto quer dizer que o Estado necessárias à acumulação. Enfim, legitima­
deve tentar m anter, ou criar, as condições ção do Estado e harmonia social são elemen­
em que se faça possível uma lucrativa acu­ tos necessários à acumulação de capital.
mulação de capital. E ntretanto, o Estado Para O’Connor, o gasto estatal sob a
também deve m anter ou criar condições de forma de capital social é indispensável à ex­
harmonia social. Um Estado capitalista que pansão do investimento e consumo privados.
em pregue abertam ente sua força de coação
Por sua vez, o aumento da atividade privada,
para ajudar uma classe a acum ular capital à
custa de outras classes perde sua legitimi­
por seu caráter irracional, gera a demanda
dade e, portanto, abala a base de suas leal- por gasto estatal sob a forma de despesas so­
dades e apoios. Porém, um Estado que ig­ ciais. Neste sentido, o processo de ampliação
nore a necessidade de assistir o processo de e crescimento das despesas estatais está dire-

13
ta e indiretamente associado a um único mo­ vimento dos demais setores econômicos (o
vimento: aquele que diz respeito às necessi­ setor competitivo e o setor estatal). De acor­
dades do capital, fundamentalmente do setor do com este suposto, O’Connor afirma que o
monopolista da economia. Diz o autor: crescimento do setor monopolista tende a
“(...) a causa geral do crescim ento do setor gerar, de um lado, um excedente de produ-
m onopolista tem sido a expansão do setor tos 18 e, de outro, uma população exceden­
estatal (...) o efeito geral do crescim ento do te19. Segundo ele, a população excedente no
setor m onopolista tem sido o crescimento setor monopolista tende a ser absorvida por
do setor estatal. [Assim,] o crescimento dos empregos gerados pelo setor estatal e com­
setores m onopolista e estatal são um único
petitivo, ao mesmo tempo em que a disponi­
processo.” (O ’Connor, 1977, p. 40).
bilidade de mão-de-obra tende a rebaixar os
“O orçam ento estatal pode ser visto como salários no interior do setor competitivo, fa­
um mecanismo complexo que redistribui zendo com que os trabalhadores deste setor
rendas para trás e à frente, no seio da clas­
sejam, relativamente, cada vez mais pobres.
se trabalhadora — tudo para m anter a har­
monia político-social, expandir a produtivi­ Esse movimento implica o crescimento das
dade e acelerar a acum ulação e a lucrativi­ despesas sociais e do funcionalismo estatal,
dade no setor m onopolista.” (O ’Connor, porque “tais operários [do setor competitivo]
1977, p. 167). dependem cada vez mais do Estado para sa­
Vejamos, portanto, o argumento do au­ tisfazer suas necessidades” (O’Connor, 1977,
tor: o setor privado é o impulsionador do p. 44), as quais serão satisfeitas sob a forma
crescimento da economia; no interior do se­ de programas sociais (logo, do emprego de
tor privado, o setor monopolista é o setor- mais funcionários públicos). Por outro lado,
chave. No entanto, o setor monopolista não o problema do excedente de produtos é solu­
paga os custos do investimento social (gastos cionado pela expansão do comércio e do in­
necessários ao aumento da produtividade), vestimento no exterior; portanto, gastos mili­
custos que são necessários à sua expansão. tares (aos quais o autor denomina de gastos
Logo, este gasto recai sobre o Estado. Ora, sociais de produção).
uma vez que os recursos utilizados pelo Es­ Assim, segundo O’Connor, a uma dis­
tado para custear os investimentos sociais função social gerada no interior do setor mo­
são arrecadados do conjunto da população, nopolista (desemprego/população exceden­
isto quer dizer que os investimentos sociais te) corresponde uma solução sob a forma de
necessários à expansão do setor monopolista gasto estatal, lógica esta que explica a origem
são socializados via Estado. Com efeito, se­ e crescimento das despesas sociais.20 O uso
gundo o autor, “o setor monopolista sociali­ do termo “disfunção” aqui é proposital: tra­
za cada vez mais os custos da produção” ta-se de designar a idéia subjacente, no pen­
(O’Connor, 1977, p. 41). Esta seria, portan­ samento deste autor, da existência de uma
to, a dinâmica do gasto estatal sob a forma relação de funcionalidade entre Estado e se­
de capital social. tores do capital.
Espero que tenha ficado evidente, na Esta premissa o impede de observar va­
exposição acima, a circularidade do argu­ riações extremamente importantes nas for­
mento: a expansão do Estado (seja de seu mas de atuação do Estado nos países capita­
volume de gasto, seja na criação de institui­ listas avançados. Para ele, os gastos militares
ções) e o crescimento do setor monopolista e previdenciários são resultado de um único
são um mesmo e único fenômeno, comple­ processo, qual seja, aquele derivado do exce­
mentar e auto-alimentador. dente de população e de produtos, exceden­
É importante que fique claro que, no te este que, repetimos, é resultado da dinâ­
argumento do autor, a dinâmica do cresci­ mica de expansão do setor monopolista. Por
mento e das necessidades de acumulação do esta razão, O’Connor considera que o Esta­
setor monopolista determina a lógica do mo­ do do pós-guerra é o Estado previdenciário-

14
militar}1 Ora, este não é um atributo apenas dente, que tem relativamente baixo poder
dos EUA. A natureza bélica e previdenciária aquisitivo; e o estado belicista tende a cres­
cer devido à expansão do capital excedente,
do Estado no pós-guerra é uma característi­
que não encontra aplicação internam ente
ca comum aos países capitalistas adiantados. (em parte devido ao aum ento da população
Contudo, ainda que este seja um fenômeno excedente).” (O ’Connor, 1977, p. 154).
geral, cada país dará mais ênfase ao elemen­
Assim, em sua explicação acerca da ori­
to previdenciário ou militar, de acordo com
gem e desenvolvimento dos programas so­
seu desenvolvimento histórico específico. As­
ciais, O’Connor privilegia a lógica da expan­
sim, no caso norte-americano hâ uma forte
são do capital, lógica que presidiria estas
ênfase no aspecto militar, ao passo que no
duas dimensões do fenômeno indistintamen­
caso sueco, por exemplo, há forte ênfase no
te. Ainda que a questão das classes sociais
aspecto previdenciário. Em outras palavras,
não haveria, para O’Connor, diferenças seja mencionada, a luta de classes não é con­
substanciais entre distintas modalidades ins­ siderada um elemento explicativo da dinâmi­
titucionais de prestação de serviços sociais, ca do fenômeno analisado. Em essência, são
condicionantes de natureza econômica que
dado que
determinam a forma de desenvolvimento do
“(...) qualquer que seja a conjuntura especí­ welfare, bem como sua emergência. Mesmo
fica de forças, em qualquer m om ento e em
que a dimensão de legitimação seja uma di­
qualquer sociedade, a dinâmica subjacente
à expansão das despesas com o bem -estar
mensão da análise, ela o é do ponto de vista
ou com as operações militares é o processo da necessidade de acumulação de capital pe­
de acum ulação de capital nas atividades lo setor monopolista.
m onopolistas.” (O ’Connor, 1977, p. 46). Os autores que se filiam a essa interpre­
tação estabelecem uma relação direta entre,
Portanto, o processo de acumulação de
de um lado, necessidades postas pelo proces­
capital no interior do setor monopolista ex­
so de acumulação capitalista e, de outro la­
plica ao mesmo tempo a origem e o desen­
do, funções desempenhadas pelo Estado,
volvimento do gasto com programas sociais,
ou seja, do elemento previdenciário do Esta­ sem demonstrar os mecanismos e processos
pelos quais tais necessidades e funções trans­
do do pós-guerra.22 Dito de outro modo, Ja­
formam-se em políticas (policies), ou, dito de
mes O’Connor considera que a origem do
outro modo, sem demonstrar por quais ra­
gasto social está associada à existência de
zões o Estado capitalista efetivamente de­
uma população excedente gerada pelo setor
sempenha tais funções. Este é também o ca­
monopolista; por sua vez, o crescimento des­
so de Cia us Offe.
te gasto (que é, na verdade, a lógica de seu
Ainda que a produção de Offe a propó­
desenvolvimento) é explicado pelo cresci­
sito do welfare state possa ser considerada
mento desta população. Tomemos as pala­
tão ampla quanto heterogênea, uma parte
vras do próprio autor:
significativa do seu trabalho situa-se no mes­
“As despesas previdenciárias e militares mo campo que o de O’Connor, guardadas,
são determ inadas pelas necessidades do se­ efetivamente, determinadas distinções, as
tor m onopolista e pelas relações de produ­
quais pretendo demonstrar. Optei por apre­
ção no seu seio. A capacidade produtora
excedente (ou o capital excedente) cria sentar os trabalhos nos quais Offe argumen­
pressões políticas no sentido da expansão ta que o welfare state é funcional às exigên­
econômica agressiva no exterior. E a força cias da reprodução ampliada do capital. 23
de trabalho excedente, por sua vez, gera Para tanto, analisarei fundamentalmente
pressões políticas em prol do crescim ento três trabalhos deste autor: um artigo publica­
do sistema previdenciário.” (O ’Connor, do na revista Politics & Society, em 1972; um
1977, p. 154).
conjunto de artigos escritos em diferentes
“O estado previdenciário tende a se expan­ períodos, mas publicados em 1984 no livro
dir devido ao aum ento da população exce­ Problemas Estruturais do Estado Capitalista

15
e, finalmente, um artigo publicado em 1979 “(...) padrões ideológicos não são apenas
em uma coletânea organizada por Leon ausentes, mas eles seriam inaplicáveis mes­
Lindberg e outros. mo se existissem, porque a margem para
No trabalho de 1972, Offe dirá que o políticas alternativas ‘viáveis’ é muito pe­
welfare state é essencialmente um fenômeno quena para perm itir escolhas baseadas em
das sociedades capitalistas avançadas e que princípios. É exatamente esta situação que
m elhor descreve o desenvolvimento do wel-
estas sociedades (sem exceção) criam estru­
fare State. Plataformas dos partidos e resul­
turalmente problemas endêmicos e necessi­ tados eleitorais parecem não ter influência
dades não atendidas. Neste contexto, o wel­ na porcentagem do orçam ento estatal que é
fare state seria uma tentativa de compensar gasto para fins de welfare ou em novos pro­
os novos problemas criados por estas socie­ gramas de welfare que são criados. Muito
dades. Assim, a emergência dos Estados de mais importantes como determ inantes das
Bem-Estar não apenas não representa uma políticas (policies) são variáveis econômicas
mudança estrutural das sociedades capitalis­ tais como o crescimento da produtividade,
a extensão da mobilidade social, o nível tec­
tas, mas seria essencialmente uma resposta nológico das indústrias básicas, o tamanho
funcional a seu desenvolvimento. Diz o au­ e composição da força de trabalho, a estru­
tor: tura de idade da população e outros indica­
“O welfare state não pode lidar diretam ente dores macroeconômicos e macrossociológi-
com as necessidades hum anas fundam en­ cos." (Offe, 1972, p. 484).
tais; ele pode apenas tentar com pensar os
Deste modo, o autor nega explicitamen­
novos problem as que são criados na vaga
do crescimento industrial.” (Offe, 1972, p.
te determinantes de ordem política na emer­
482). gência dos programas sociais, dizendo que “a
decisão política no welfare state está fadada a
Segundo Offe, o desenvolvimento do ser bastante reduzida” (Offe, 1972, p. 484).
capitalismo gera problemas sociais tais como
Ao contrário, aqueles programas expressam
a necessidade de moradia para os trabalha­ a natureza do welfare state, qual seja, um
dores concentrados pela indústria, a necessi­ contínuo processo de adaptação aos proble­
dade de qualificação permanente da força de mas sociais postos pelo desenvolvimento do
trabalho, desagregação familiar etc. Ou seja, capitalismo. Diz Offe:
em seu desenvolvimento, o capitalismo des-
trói formas anteriores de vida social (ou ins­ “A lógica do welfare state não é a realização
de algum objetivo humano intrinsecamente
tituições sociais), gerando disfuncionalida-
válido, mas antes a prevenção de um pro­
des, que se expressam sob a forma de pro­ blema social potencialmente desastroso.
blemas sociais. Para o autor, neste caso “o (...) Esta maneira tecnocrática e absoluta­
Estado tem de assumir o encargo destes no­ mente apolítica de reagir a pressões sociais
vos problemas de ‘welfare’.” (Offe, 1972, p. emergentes condena o welfare state a um in­
483) O welfare state representa, portanto, findável e errático processo de auto-adap-
formas de compensação, um preço a ser pa­ tação.” (Offe, 1972, p. 485).
go pelo desenvolvimento industrial.24 Em resumo, em um de seus primeiros
Mais que funcional, o welfare state é um trabalhos sobre o assunto (em 1972), Claus
desdobramento necessário da dinâmica de Offe defendia uma concepção funcionalista
evolução dessas sociedades, urna vez que há do welfare state, funcionalidade esta em rela­
pequena margem para opções. Isto é, segun­ ção ao modo de produção capitalista: os pro­
do o autor, a emergência de programas so­ gramas sociais seriam fundamentalmente
ciais não é resultado de escolhas, posto que uma forma de corrigir/compensar dísfuncio-
as alternativas de políticas são pequenas. São nalidades, expressas no plano social, da ope­
as condições econômicas e sociais que deter­ ração do sistema capitalista. O mesmo argu­
minaram a emergência do welfare state, e mento estará presente no artigo de 1979.
não opções no campo do político. Neste trabalho, Offe não trata explicita-

16
mente do welfare state, mas da natureza do ça, esclarecendo que, com este argumento, o
Estado intervencionista, fenômeno plena­ autor quer distinguir-se, seja das correntes
mente emergente no pós-guerra e que se marxistas ortodoxas, para as quais não have­
manifesta no fato de que, a partir de então, ria nas sociedades capitalistas avançadas
o Estado passou a desempenhar atividades uma mudança essencial nas funções desem­
produtivas no campo econômico e no campo penhadas pelo Estado capitalista, seja das
social. Na fase liberal do século XIX, era correntes social-democratas, para as quais a
possível ao Estado garantir a manutenção do novidade do pós-guerra seria uma substan­
processo de acumulação capitalista apenas cial alteração da essência do Estado capitalis­
por meio de atividades alocativas, vale dizer, ta. No entanto, Offe limita-se a estabelecer
distribuindo recursos do próprio Estado, tais uma relação de funcionalidade e dependên­
como taxação, tarifas, repressão, subsídios cia entre Estado e processo de acumulação,
etc. No entanto, o novo estágio do desenvol­ cabendo ao primeiro a função de criar as ex-
vimento capitalista tornou as atividades es­ ternalidades necessárias à manutenção do
sencialmente alocativas do Estado insuficien­ segundo. Argumentando deste modo, o au­
tes para a manutenção do processo de acu­ tor está, na verdade, bem mais distanciado
mulação, exigindo que o Estado passasse a das correntes social-democratas que do mar­
desempenhar atividades de tipo produtivo. xismo ortodoxo.
Passemos ao próprio Offe: Essa análise em termos funcionais esta­
“A fim de m anter o processo de acum ula­ rá ainda presente em um trabalho mais sofis­
ção (seja em uma firma, uma indústria, ou ticado publicado posteriormente.26 Neste tra­
nos níveis nacional e regional), é necessário balho, escrito juntamente com Gero Lenhardt,
algo mais e diferente da alocação de recur­ Offe dará maior consistência à sua explica­
sos e bens que o E stado já tinha sob seu ção da funcionalidade do welfare state ao mo­
controle. A fim de criar e m anter as condi­ do de produção capitalista. A relação de fun­
ções de acumulação, a form a alocativa de
cionalidade é anunciada já no início da análi­
ação estatal (...) é insuficiente. (...) alguns
se como uma premissa de trabalho. Os auto­
insumos físicos à produção são exigidos, de
modo a m anter a acumulação. (...) Na si­ res dizem que, para bem analisar as políticas
tuação particular que estam os descrevendo, estatais no âmbito de uma elucidativa teoria
e à qual corresponde a forma produtiva de do Estado, é necessário avançar em termos
ação estatal, o m ercado é incapaz de um a de “(...) hipóteses sobre a relação funcional
oferta quantitativa e qualitativam ente su ­ entre a atividade estatal, por um lado, e os
ficiente de capital constante e variável.” problemas estruturais de uma formação so­
(Offe, 1979, pp. 129-30). cial (no caso, a capitalista), por outro.” (Len­
Portanto, a um novo estágio do desen­ hardt e Offe, 1984, p. 12).
volvimento capitalista, em que novos desa­ Assim, para os dois autores, a questão
fios e ameaças são colocados à manutenção central a ser respondida no âmbito deste tra­
do processo de acumulação, corresponde balho é saber como surge a política estatal a
uma nova forma de Estado — o Estado in­ partir dos problemas específicos de uma es­
tervencionista —, que é qualitativamente dis­ trutura econômica de classes, estrutura esta
tinta da forma anterior.2 Dito de outro mo­ que é baseada na valorização privada do ca­
do, esses novos desafios constituem a razão pital e no trabalho assalariado livre. Portan­
da emergência, a origem das atividades pro­ to, explicar a origem das políticas sociais sig­
dutivas do Estado. Por outro lado, em qual­ nifica definir quais são as funções que lhes
quer fase do desenvolvimento capitalista, o competem, considerando-se essas estruturas.
Estado terá a mesma essência: “funcionalmen­ Qual seria, portanto, a função da política so­
te relacionado e dependente do processo de cial? “(...) A política social é a forma pela
acumulação capitalista” (Offe, 1979, p. 125). qual o Estado tenta resolver © problema da
Na verdade, é necessário fazer-lhe justi­ transformação duradoura de trabalho não-

17
assalariado em trabalho assalariado:'’ (Len- mas contribui de forma indispensável para
hardt e Offe, 1984, p. 15). a constituição dessa classe. A função mais
Os autores distinguem dois conceitos: a im portante da política social consiste em
regulamentar o processo de proletariza­
proletarização passiva — que se refere ao
ção.” (Lenhardt e Offe, 1984, p. 22).
processo pelo qual um indivíduo é destituído
dos meios próprios de subsistência — e a A origem dos programas sociais é expli­
proletarização ativa — que se refere à dispo­ cada, portanto, como uma resposta funcio­
sição para que este indivíduo venda sua força nal à necessidade de constituição da classe
de trabalho no mercado. Ainda que funda­ operária, condição essencial para o desenvol­
mental para a consolidação das relações de vimento do capitalismo. Essa função (de so­
produção capitalistas, a passagem da proleta­ cialização da classe operária no capitalismo)
rização passiva para a proletarização ativa só pode ser cumprida por um poder estatal,
não seria de modo algum automática ou na­ pois o processo de integração daquela classe
tural. supõe a existência de uma associação política
Para organizar a sociedade nos termos de dominação: o poder estatal.
da industrialização capitalista — ou ainda, Por outro lado, a dinâmica de desenvol­
para que a passagem da condição de proletá­ vimento das políticas sociais diz respeito a
um processo, interno à esfera estatal, de
rio passivo à de proletário ativo se realize de
compatibilização de duas exigências contra­
forma permanente — portanto, para que a
ditórias: as exigências da classe trabalhadora
industrialização se torne possível, é necessá­
e as necessidades da acumulação de capital.
rio solucionar três problemas fundamentais:
Na verdade, a esfera estatal reage a estas
(a) a força de trabalho precisa estar disposta
duas ordens de pressões, levando em conta
a vender-se no mercado e a assumir os riscos
os pré-requisitos de uma economia do tra­
inerentes a esta condição; (b) é preciso asse­
balho e as possibilidades orçamentárias. Di­
gurar as condições materiais da reprodução
zem os autores:
da força de trabalho; e (c) é preciso garantir
“(...) a política estatal não está ‘a serviço’
uma certa adequação quantitativa entre a
das necessidades ou exigências de qualquer
força de trabalho passiva e a força de traba­ grupo ou classe social, mas reage a proble­
lho ativa. mas estruturais do aparelho estatal de do­
Os dois primeiros problemas dizem res­ minação e de prestação de serviços.” (L en­
peito à integração da força de trabalho à for­ hardt e Offe, 1984, p. 37).
ma de trabalho assalariado. A consolidação Isto significa que o Estado gera políticas
do trabalho assalariado supõe que o Estado reagindo a seus próprios problemas internos,
seja bem-sucedido na estratégia empregada relativos à integridade de seus meios de or­
para esta integração. Isto porque apenas o ganização — institucionais, fiscais e legais.
Estado pode fazê-lo, dado que tal estratégia Tal movimento, contudo, ocorre no interior
é fundamentalmente uma estratégia de con­ de uma sociedade de classes, contexto que
trole político e ideológico. impõe as duas ordens de pressões acima
Ora, nestes termos, a política estatal é mencionadas.
funcional ao processo de consolidação do Ora, nestes termos, a dinâmica de de­
modo de produção capitalista, uma vez que senvolvimento das políticas sociais diz respei­
garante a formação e consolidação daquela to a uma estratégia estatal que busca realizar
que é sua característica essencial: as relações ao mesmo tempo a integração social (conci­
de produção entre capital e trabalho. Na ver­ liando interesses antagônicos) e a integração
dade, a função da política social consiste em sistêmica (relativa à consistência interna da
criar as condições de existência da classe administração estatal).27 Nesta perspectiva, o
operária. Dizem os autores: Estado (e as políticas sociais) já não é mais
“(...) a política social não é mera reação do uma resposta automática (num contexto de
Estado aos problem as da classe operária limitadas margens de escolha) às necessida-

18
des do modo de produção capitalista, como poder de determinação substancial, seja so­
o autor afirmava em 1972. No trabalho pu­ bre a capacidade do Estado de perceber pro­
blicado no Brasil em 1984, o Estado é visto blemas, seja sobre a natureza das políticas
como tendo uma dinâmica própria, que diz (policies) formuladas e implementadas.
respeito a um processo de elaboração inter­ Ora, nesta perspectiva, ainda que a
no à esfera estatal, a um processo de media­ emergência de determinadas atividades no
ção de necessidades e exigências no interior interior da esfera estatal diga respeito a exi­
do Estado. gências do processo de acumulação, sua for­
Este argumento já está, de certo modo, ma de desenvolvimento está estreitamente
presente naquele trabalho de 1979 analisado relacionada a uma dinâmica que é mais pro­
mais acima. Neste trabalho, ao tratar das dis- priamente de tipo institucional, vale dizer,
crepâncias entre as funções externas do Es­ que está no âmbito das estruturas estatais.
tado capitalista (aquelas relativas à manuten­ Como mencionei antes, é difícil analisar
ção das condições de reprodução das unida­ o trabalho de Claus Offe, dada sua heteroge­
des privadas de acumulação capitalista) e sua neidade ao longo do tempo. Pode-se afirmar,
estrutura interna, o autor apresenta uma contudo, que inicialmente este autor estava
análise da estrutura institucional específica à mais voltado para as questões relativas às
esfera estatal. É certo que, ao fazê-lo, Offe condições de emergência dos programas so­
afasta-se das análises tipicamente marxistas, ciais; nestas, a relação de funcionalidade en­
posição esta que lhe confere um espaço par­ tre welfare state e necessidades da acumula­
ticular no debate acadêmico. ção de capital é central. Por esta via, o autor
Para Offe, uma das razões pelas quais o aproxima-se claramente de O’Connor, ope­
Estado deve garantir as condições da repro­ rando em um nível de abstração no qual não
dução ampliada do capital diz respeito à sua cabe a análise da variedade de formas esta­
dependência estrutural dessa reprodução, tais sob os quais se opera a prestação de ser­
fundamentalmente porque a “saúde finan­ viços sociais.
ceira” do Estado depende da “saúde da eco­ No entanto, para expor de forma mais
nomia”. Faz parte do cálculo econômico da adequada o trabalho de Offe, é preciso escla­
burocracia estatal considerar que sua estabi­ recer que suas preocupações quanto ao cará­
lidade e expansão dependem da manutenção ter sistêmico do Estado apontam para uma
problemática de tipo político-institucional,
da acumulação, argumento este, aliás, tam­
bém apresentado e não desenvolvido por segundo a qual as formas institucionais de
tomada de decisão influem no resultado des­
O’Connor. Segundo Offe, essa dependência
tas mesmas decisões (nas policies), preserva­
seria um princípio seletivo no processo de
da a necessidade de acumulação de capital.
decisão, interno ao Estado, para a definição
Essa perspectiva, que indicaria a possibilida­
de políticas estatais.
de de variações nas formas estatais do welfa­
No entanto, Offe vai além disto. Segun­
re state, não é, contudo, desenvolvida pelo
do ele “(...) os procedimentos formais, ou o
autor.
método institucionalizado pelo qual são pro­
cessados os problemas com os quais o Esta­
Os condicionantes da emergência e
do deve se defrontar, são igualmente deter­
desenvolvimento do welfare state são
minantes da atividade estatal” (Offe, 1979, preponderantemente de ordem política
p. 135).
Em outras palavras, ao enfrentar deter­ O welfare state é resultado de uma
minados problemas, o Estado o faz segundo ampliação progressiva de direitos:
sua estrutura interna de operação. Esta, cuja dos civis aos políticos, dos políticos
aos sociais
expressão consiste em um conjunto institu­
cionalizado de procedimentos formais para a É certamente T.H. Marshall, em seu
tomada de decisões, tem, por sua vez, um clássico trabalho “Cidadania e Classe Social”,

19
publicado originalmente em 1950 (Mars­ madas sociais que a eles tinham acesso. Ve­
hall, 1967), a grande fonte intelectual da ex­ jamos o que diz o autor:
plicação que se baseia na idéia da ampliação “(...) os direitos civis surgiram em primeiro
progressiva da noção de cidadania. É certa­ lugar e se estabeleceram de modo um tanto
mente também pelo conteúdo deste trabalho semelhante à forma moderna que assumi­
que Jens Alber o classifica como um autor ram antes da entrada em vigor da primeira
Lei de Reforma, em 1832. Os direitos polí­
cujo trabalho se orienta por um modelo ana­
ticos se seguiram ao civis, e a ampliação de­
lítico de tipo conflitualista.28 les foi uma das principais características do
Preocupado com a relação entre desi­ século XIX, embora o princípio da cidada­
gualdade econômica e crescente igualdade nia política universal não tenha sido reco­
política, o autor toma o caso inglês para de­ nhecido senão em 1918. Os direitos sociais,
monstrar que, por meio da política social, a por outro lado, quase que desapareceram
crescente igualdade política modifica as desi­ no século XVIII e princípio do XIX. O res­
surgimento destes começou com o desen­
gualdades econômicas. Para fazê-lo, argu­
volvimento da educação primária pública,
menta que a análise histórica revela que se mas não foi senão no século X X que eles
assistiu naquele país a um desenvolvimento atingiram um plano de igualdade com os
do conteúdo da noção de cidadania que tem outros dois elementos da cidadania.”
seu início no século XVII. Para ele, a noção (Marshall, 1967, p. 75).
de cidadania compreende três tipos de direi­ Ora, portanto, a origem das “políticas
tos: os direitos civis (relacionados aos direi­ igualitárias do século XX” (Marshall, 1967,
tos necessários à liberdade individual, o que p. 84) encontra-se nesta roda da história, na
compreende inclusive direitos no campo das qual o escopo dos direitos alarga-se progres­
relações de trabalho); os direitos políticos sivamente. E esta ampliação ocorre no plano
(relacionados ao direito de participação no da sociedade e no plano do Estado, sobretu­
exercício do poder político); e, finalmente, os do pela ação das classes altas.
direitos sociais (relacionados à participação Mas Marshall fez escola. E o fez sobre­
na riqueza socialmente produzida). Fundi­ tudo na França. Publicado em 1981, La Cri­
dos no feudalismo medieval — embora aí es­ se de 1’Etat-Providence é um trabalho volta­
tivessem distribuídos de modo desigual entre do fundamentalmente à explicação da natu­
as classes —, estes distintos campos da noção reza dessa crise e de suas possibilidades futuras.
de direitos foram separados na sociedade in­ Para fazê-lo, seu autor, Pierre Rosanvallon,
dustrial e, nesta, evoluíram de modo distinto. busca definir a natureza do Estado de Bem-
Diz Marshall: Estar, permitindo-nos apreender sua explica­
“O divórcio entre eles era tão com pleto
ção para a origem e desenvolvimento desse
que é possível, sem distorcer os fatos histó­ fenômeno.
ricos, atribuir o período de form ação da vi­ Para o autor, o Estado de Bem-Estar
da de cada um a um século diferente — os tem uma positividade própria, nascida do
direitos civis ao século XVIII, os políticos movimento do Estado-nação moderno. O
ao X IX e os sociais ao XX. Estes períodos, Estado moderno, tal como forjado do século
é evidente, devem ser tratados com uma XIV ao século XVIII, definiu-se como Esta-
elasticidade razoável, e há algum entrelaça­ do-protetor. Esta é a característica funda­
mento, especialm ente entre os dois últi­ mental que o distingue das formas políticas
mos.” (M arshall, 1967, p. 66).
anteriores. O contrato social que institui o
Não somente a noção de cidadania é ex­ Estado-nação moderno, cuja arquitetura in­
plicada pela ampliação progressiva de seu telectual é forjada nas obras de Locke e
conteúdo, como a evolução de cada dimen­ Hobbes, está fundado na realização de uma
são dos direitos — vale dizer, a civil, a políti­ dupla tarefa: a produção da segurança e a
ca e a social — é explicada pela universaliza­ redução da incerteza. Nesta concepção, não
ção, isto é, a ampliação progressiva das ca­ existe Estado sem que este cumpra as fun­

20
ções da proteção e sem que este permita a análise precedente. Se o Estado-previden­
realização de um indivíduo portador de direi­ ciário progride por saltos, especialmente
por ocasião das crises, é porque estes perío­
tos (direito à vida e direito à propriedade). Lo­
dos constituem tempos de prova, a favor dos
go, a forma política específica do Estado mo­ quais há urna reformulação mais ou menos
derno é a do Estado-protetor (Rosanvallon, explícita do contrato social." (Rosanvallon,
1981, pp. 20-2). 1981, p. 29).
O Estado de Bem-Estar é um prolonga­
A experiência da guerra é particular­
mento e uma extensão (ou ainda, uma radi­
mente significativa nesta direção. Ao fim de
calização) do Estado protetor clássico. Este cada guerra, parece ter ocorrido um ato de
processo de radicalização ocorre a partir do refundação social e, portanto, de reafirma­
século XVIII, sob o efeito do movimento de­ ção cada vez mais acentuada da natureza do
mocrático e igualitário. As noções de prote­ Estado protetor/Estado de Bem-Estar. Tra-
ção da propriedade e da vida (como atribu­ tava-se de renovar os laços sociais que cons­
tos do Estado) sofrem uma ampliação: am- tituem a nação e, portanto, de dar vazão ao
plia-se o campo dos direitos civis. “Os direi­ movimento de democratização das relações
tos econômicos e sociais aparecem natural­ sociais através do Estado, movimento este
mente como um prolongamento dos direitos que vai dos direitos civis aos direitos sociais,
civis.” (Rosanvallon, 1981, p. 23). passando pelos direitos políticos.
É evidente, aí, sua proximidade da expli­ François Ewald, em belíssimo e exausti­
cação marshalliana. Mas retomemos o que vo trabalho sobre a evolução dos direitos so­
diz o autor. Segundo Rosanvallon, o movi­ ciais no campo jurídico, publicado em 1986
mento democrático reivindicará os direitos (L ’Etat Providence), demonstrará em termos
completos da cidadania para todos os indiví­ documentais as premissas esboçadas em
duos: o direito de voto, mas também o direi­ grandes linhas por Rosanvallon.29 Seu trabalho
to de proteção econômica, como atributos consiste em demonstrar o movimento ocorri­
da atividade do Estado. E é este movimento do ao longo do século XIX, que implicou a
de ampliação do conjunto de direitos a ser gestação da lei que inaugurará o Estado de
atendidos pelo Estado que dará origem ao Bem-Estar na França.3 Este movimento
Estado-previdenciário. representou um longo trabalho de rompi­
O Estado de Bem-Estar revela uma mento epistemológico, de construção de
versão do contrato social celebrado entre os uma nova racionalidade que superará aquela
indivíduos e entre estes e o Estado. Tal con­ dominante no século XIX: a racionalidade li­
trato revela a formação progressiva de uma beral. Esta teria sido responsável pelas resis­
representação ampliada do indivíduo, con­ tências à emergência de um contrato social
templando suas dimensões econômica e so­ mais completo que o contrato social de
cial. Sob o signo da economia política e da Rousseau: o contrato de solidariedade, em
laicização da sociedade, o Estado de Bem- que a vida civil se tornou objeto do Estado, o
Estar exprime a idéia de substituir a incerte­ Estado de Bem-Estar. Para identificar o sur­
za da proteção religiosa pela certeza da pro­ gimento deste novo contrato social, o autor
teção estatal (Rosanvallon, 1981, p. 25). trata, portanto, de estudar a evolução do di­
Originado nesse movimento de ampliação reito civil ao direito social (Ewald, 1986, pp.
dos direitas democráticos, o Estado de Bem- 27-8).
Estar progrediu do século XIX ao século XX Segundo Ewald, para o diagrama libe­
por meio de saltos, de forma descontínua, por ral, a possibilidade de que o indivíduo esteja
ocasião das grandes crises, tenham sido elas so­ sujeito a acidentes e, portanto, a riscos im­
ciais, econômicas ou internacionais. Contrário previstos é um elemento constitutivo da vida
às teses marxistas, diz Rosanvallon: social, mas o acidente é sobretudo o produto
"E u sugiro uma outra explicação, mais filo­ da sorte, do destino, diante do qual o indiví­
sófica e política, coerente com a minha duo deve cultivar a virtude moral da previ­

21
dência (prevoyance). Neste caso, a responsa­ responsabilidade (anteriormente, individual)
bilidade pelos danos sofridos é individual. passa a ser social, dado que o fato de viver
Logo, os riscos que o trabalhador pode so­ em sociedade representa um risco. Há um
frer não podem ser descarregados sobre a todo social, uma riqueza coletiva, que é o re­
sociedade. Cabe a ele dar conta de sua po­ sultado do trabalho das gerações preceden­
breza, de sua condição de trabalho e dos ris­ tes, do qual nós — da geração presente —
cos nela implicados. Não se trata, contudo, devemos repartir a carga e as vantagens. O
na episteme liberal, de se negar a encarar o critério dessa repartição, por sua vez, será
problema da pobreza, de negar socorro objeto de permanente discussão política
àqueles que estejam sujeitos a riscos como o (Ewald, 1986, pp. 367-70).
da fome, da doença, da invalidez etc. “A re­ Deste modo, para Ewald, a passagem
sistência é apenas contra a idéia de que os do século XIX para o século XX é teste­
deveres de assistência da sociedade em rela­ munha do advento do diagrama da solidarie­
ção aos pobres correspondam a direitos dos dade, é reveladora de uma mudança episte-
pobres.” (Ewald, 1986, p. 55). mológica que dá suporte às mudanças no do­
É esta noção liberal da responsabilidade mínio do Direito e dos mecanismos de regu­
que teve de ser fundamentalmente repensa­ lação social. Uma verdade inteiramente no­
da com o advento da industrialização e de va, absolutamente distante daquela dos libe­
sua correlata, a pobreza. A experiência jurí­ rais (Ewald, 1986, pp. 342-51).
dica do século XIX é a da evidência progres­ Trata-se, portanto, na versão destes au­
siva de que as sociedades industriais são es­ tores, de conferir uma racionalidade à vida
sencialmente causadoras de danos. Socieda­ social e política, racionalidade à qual os ato­
des em que se observará ao mesmo tempo res sociais estão submetidos. O movimento
condutas corretas e regularidade de aciden­ de gênese do VEtat-providence ocorre inde­
tes, sociedâdes onde o homem virtuoso so­ pendentemente da existência de conflitos po­
frerá danos. Nestas condições, o diagrama li­ líticos conscientes, operando no plano da
episteme, da concepção filosófica do ser so­
beral revela-se progressiva e crescentemente
cial. É um movimento natural que supõe a
um instrumento inadequado de regulação
evolução progressiva do campo dos direitos:
social.
de direitos civis a políticos, de políticos a so­
“(...) as sociedades industriais desenvol-
ciais. Consiste, na verdade, em um movimen­
viam-se pondo em questão a m aneira pela
to lógico e natural de ampliação da concep­
qual se havia pensado a regulação da socie­
dade, isto é, o princípio geral de responsa­
ção de democracia, que tem sua expressão
bilidade. A necessidade de um a reform a es­ no plano dos referenciais políticos de uma
tava inclusa no processo industrial em si sociedade.
mesmo.” (Ewald, 1986, p. 225).
Assim, como resultado da inadequação O welfare state é resultado de um
acordo entre capital e trabalho
do diagrama liberal â sociedade industrial, o
organizado, dentro do capitalismo
direito civil e o princípio da responsabilidade
serão substituídos pelo direito social e o prin­ Ainda que explicitamente situado no
cípio da solidariedade como elementos regu­ campo da abordagem marxista, Ian Gough
ladores da vida social. Os mecanismos do se­ desenvolve uma explicação para a origem e
guro e as possibilidades inscritas pela desco­ desenvolvimento dos programas sociais —
berta do cálculo das probabilidades estarão creio eu — bastante distinta daquela desen­
na base desse processo. volvida por O’Connor. É preciso ressaltar,
Desse modo, a adoção da lei sobre aci­ contudo, que Gough afirma explicitamente
dentes de trabalho de 1898 testemunha a he­ estar de acordo com O’Connor. Como vere­
gemonia da doutrina da solidariedade, novo mos, isto é em parte verdade; no entanto, co­
diagrama de regulação que estabelece que a mo pretendo demonstrar, a análise desenvol­

22
vida por Gough leva em consideração variá­ está constrangido pelos imperativos do pro­
veis analíticas não consideradas na aborda­ cesso de acumulação” (Gough, 1979, p. 44).
gem da “teoria da crise fiscal”, variáveis essas Assim, ainda que o aparato estatal seja
que apontam para uma abordagem particu­ relativamente autônomo nas sociedades ca­
lar do fenômeno do welfare state. pitalistas, ele deve agir para responder aos
Por outro lado, é importante ainda es­ imperativos do processo de acumulação de
clarecer que, para Ian Gough, o welfare state capital. Seja porque os funcionários do Esta­
significa uma das facetas do Estado capitalis­ do são de origem burguesa e, portanto, par­
ta contemporâneo, sua faceta social. Segun­ tilham da ideologia da classe dominante; seja
do o autor, existe o Estado e suas atividades porque a burguesia tem recursos econômi­
de welfare: os programas sociais. O welfare cos para exercer pressão política; seja ainda
state, portanto, ainda que qualifique a natu­ porque ignorar a acumulação de capital po­
reza do Estado nos países de desenvolvimen­ de implicar a evasão de capitais das econo­
to capitalista avançado, diz respeito essen­ mias nacionais e, portanto, minar as bases
cialmente àquelas atividades estatais referen­ fiscais do Estado-nação; enfim, fundamental­
tes à reprodução da classe trabalhadora ou â mente, a economia capitalista tem uma ra­
manutenção daquela parcela da população cionalidade à qual o Estado deve submeter-se.
que não produz diretamente, qual seja, a po­ Até aqui, portanto, Gough está bastan­
pulação não-trabalhadora.31 Assim, o espec­ te próximo de O ’Connor. Para ele, as políti­
tro do welfare state é bastante reduzido: ele cas sociais desempenham funções relativas ã
diz respeito aos programas de corte social, os garantia da acumulação de capital, à repro­
quais garantem as condições de reprodução dução da força de trabalho e à legitimação
do conjunto da população. social. A partir daí, contudo, Gough — ao
Feitas estas ressalvas, vejamos então em criticar as teorias correntes — rejeita uma vi­
que consiste a abordagem de Ian Gough, tal são marxista estreita, segundo a qual o Esta­
como desenvolvida no livro The Political do seria essencialmente uma criatura do ca­
Economy o f the Welfare State. pitalismo e, neste sentido, inteiramente sub­
Ao criticar as teorias correntes sobre o misso à classe dominante e sua dinâmica de
welfare state, Gough rejeita as abordagens de acumulação. Para o autor, dado o fato de
cunho funcionalista, segundo as quais um fe­ que os avanços sociais ocorrem no interior
nômeno é produzido como resposta às ne­ do modo de produção capitalista, não há co­
cessidades que o geraram. Situando-se no mo evitar o dado da existência de uma classe
campo do marxismo, afirma que o welfare dominante que objetiva maximizar lucros. Is­
state é um fenômeno do capitalismo em um to implica que o processo de acumulação ca­
estágio particular de seu desenvolvimento e, pitalista estabelece um limite para a expan­
mais especificamente ainda, das sociedades são das políticas sociais. Deste modo, no li­
capitalistas avançadas. Ao situar a crescente mite, a expansão do welfare state é barrada
expansão do Estado no campo social como pelas possibilidades postas pela acumulação
um fenômeno do capitalismo, Gough quer e pela própria capacidade de financiamento
dizer que é o processo de acumulação capi­ dos programas sociais.
talista que gera incessantemente “necessida­ No entanto, as “exigências funcionais”
des” ou “demandas” para a política social; a ou “constrangimentos” impostos pelo pro­
resposta do Estado sob a forma de políticas cesso de acumulação de capital não são sufi­
sociais representa uma resposta a necessida­ cientes para explicar a origem dos programas
des geradas no e pelo modo de produção ca­ sociais. Tais demandas (ou necessidades)
pitalista, mais especificamente, pelo processo constituem apenas o ponto de partida da
de acumulação de capital. Do ponto de vista análise. E é precisamente neste ponto que
daqueles que formulam as políticas estatais Gough começa a se afastar de O’Connor:
“(...) quem quer que seja que ocupe tais posições “(...) Nós observamos aqui o m odo pelo

23
qual o desenvolvimento capitalista cria no­ capacidade de pressão da classe trabalhado­
vas ‘exigências’ para a intervenção estatal ra. Como ele diz:
no cam po do welfare. E ste é apenas o ponto
“O papel de pressão das classes subordina­
de partida; entretanto, disto não decorre
das, e outros grupos organizados de pres­
que estes requerim entos serão necessaria­
são a elas associados, é de reconhecida im­
m ente traduzidos em legislação social e
portância na explicação da introdução das
provisão social." (Gough, 1979, p. 17). medidas de welfare.” (Gough, 1979, p. 58).
Ou ainda: Este papel de pressão da classe traba­
“Uma implicação que pode ser extraída é lhadora organizada pode assumir várias for­
que o m odo de produção gera certas exi­ mas (pressão de massa extraparlamentar,
gências funcionais no cam po das políticas força no parlamento, reação ao desenvolvi­
de welfare, os quais o E stado ou outro cor­
mento de um movimento de massa inde­
po externo à atividade econômica deve ne­
cessariam ente atender. Enfaticam ente, esta
pendente etc.). A história dos distintos pafses
não é nossa posição. E proveitoso e útil é reveladora das diferentes formas por meio
analisar as m utantes exigências funcionais das quais a classe trabalhadora inseriu suas
das econom ias capitalistas como o fizemos, reivindicações no campo da atuação estatal.
mas disto não se segue que o E stado neces­ Diferentes formas e graus de intensidade
sariam ente desem penhará tais funções.” dessa capacidade de pressão implicariam, se­
(Gough, 1979, pp. 37-8). gundo o autor, distintas modalidades de
Segundo o autor, a separação entre as prestação de serviços sociais — portanto,
esferas política e econômica, própria do capi­ uma certa variação na morfologia dos pro­
talismo, e, portanto, a relativa autonomia do gramas adotados.
Estado permite a existência de uma significa­ Historicamente, a emergência de regi­
tiva margem de manobra no campo das deci­ mes democráticos, notadamente a consolida­
sões de âmbito estatal. O Estado não age de ção do sufrágio universal e da liberdade de
maneira nenhuma como um instrumento organização — os quais, são, segundo o au­
passivo de uma classe. Há espaço para que tor, uma conquista da classe trabalhadora —,
foi acompanhada do surgimento de partidos
os vários órgãos do Estado possam dar ori­
de base operária ligados a sindicatos operá­
gem a políticas, para que possam revertê-las,
rios de massa. Nas circunstâncias do pós-
ou fazer escolhas, e mesmo para cometer
guerra, consolidou-se um movimento social
erros. Isto não significa, contudo, aceitar a
forte e coeso que gerou como seu contra­
abordagem pluralista — outra corrente de ponto a consciência e organização de classe
análise criticada pelo autor. Obviamente, a por parte dos capitalistas. Este movimento se
premissa de um Estado inserido no modo de expressa — e aqui novamente o autor se
produção capitalista, submetido aos cons­ apóia em O’Connor — na reestruturação do
trangimentos explicitados anteriormente, im­ aparelho estatal em direção a uma crescente
plica conclusões bastante distintas daquelas concentração decisória no Executivo. É por
desenvolvidas pelos pluralistas, para os quais isto que, para ele, a forma estatal na vigência
o aparelho estatal é encarado como neutro. do welfare state 6 o Estado centralizado. A
Para Gough, no interior do aparelho de centralização seria, portanto, uma reação
Estado, há espaço para que a luta de classes, consciente e organizada da classe capitalista
que se expressa sob a forma de lutas sociais, à intensidade dos conflitos de classe.
possa dar origem a programas que melho­ Em outros termos, o autor mantém a
rem as condições de vida da classe trabalha­ perspectiva marxista, segundo a qual o Esta­
dora. Esta visão conflitualista do aparelho de do age essencialmente na defesa dos interes­
Estado permite ao autor distinguir um se­ ses da classe capitalista. No entanto, é a
gundo importante elemento explicativo da ameaça de um movimento social forte (sob a
origem do welfare state. Este diz respeito à forma de greves, derrotas eleitorais, movi-

24
mentos revolucionários) que faz com que a cassez de mão-de-obra, criou uma consciên­
classe capitalista pense e aja de forma coesa cia de classe entre os capitalistas, implicando
e estratégica e, portanto, reestruture o apa­ a reformulação do Estado, reformulação es­
rato estatal para esta finalidade. Diz o autor: ta que explica a emergência de um Estado
“(...) os fatores que influenciam o desenvol­ com face social. Ainda que o caráter contra­
vimento de políticas sociais são: (1) a luta e ditório das relações entre capital e trabalho
influência da classe trabalhadora; (2) a cen­ no capitalismo implique que a harmonia apa­
tralização do Estado; e (3) a influência dos rente de interesses se rompa rapidamente, é
primeiros sobre este últim o (...) E stes fato­ inegável o fato de que, nesse período, oco­
res não são de m odo algum exaustivos, mas
rreu um acordo entre aquelas duas classes
constituem (...) os principais determ inantes
fundamentais e a classe trabalhadora incor­
do welfare state.” (Gough, 1979, p. 68).
porou-se ao capitalismo. Diz Ian Gough:
Ou ainda: “ O papel dos governos trabalhistas e social-
“Nós distinguimos dois fatores im portantes dem ocratas no desenvolvimento do welfare
na explicação do crescimento do welfare state, bem como no Estado intervencionis­
State: o grau de conflito social, e especial­ ta, tem sido crucial. Ele reflete a progressi­
m ente a força e form a de luta da classe tra ­ va incorporação da classe trabalhadora, por
balhadora, e a habilidade do E stado capita­ interm édio de seus sindicatos e partidos, às
lista em form ular e im plem entar políticas sociedades capitalistas avançadas (...)”
de m odo a assegurar no longo prazo a re­ (Gough, 1979, p. 67).
produção das relações capitalistas de p ro ­
Ou ainda:
dução.” (Gough, 1979, p. 64).
“A emergência do welfare state, como uma
Neste sentido, mesmo a reformulação parte do acordo do pós-guerra entre capital
do Estado em direção a formas mais centra­ e trabalho, e de uma estrutura geralmente
lizadas de formulação de políticas — ainda mais intervencionista foi um fenômeno ge­
que sua gestão possa ser delegada ãs instân­ neralizado deste período (...)” (Gough,
cias locais — foi essencialmente uma reação 1979, p. 70).
da classe capitalista, ameaçada em sua repro­ Assim, segundo o autor, no pós-guerra
dução pela força do movimento social orga­ consolida-se uma aliança entre capital e tra­
nizado. No caso do welfare state, isto impli­ balho, a qual seria a base do boom econômi­
cou, no período do pós-guerra, a coincidên­ co ocorrido nas duas décadas seguintes. Nes­
cia de interesses entre capital e trabalho, ain­ ta estratégia mais geral, as políticas sociais
da que por diferentes razões. Isto é, nos pe­ ocuparam um lugar destacado.
ríodos de inovação e crescimento das políti­ Em resumo, para explicarmos a origem
cas sociais, ambas as classes fundamentais do fenômeno do welfare state nos termos de
(burguesia e proletariado) viam tais políticas Ian Gough, é necessário considerá-lo como
como sendo de seu interesse, ainda que por um fenômeno do modo de produção capita­
razões absolutamente distintas. A classe tra­ lista. De um lado, seus limites estão postos
balhadora, porque qualquer política que ate­ pela dinâmica de acumulação de capital e
nue as dificuldades e modifique o jogo cego pelas estratégias destinadas a preservá-la. De
das forças de mercado é bem-vinda. A classe outro lado, os programas sociais têm sua ori­
capitalista, porque isto reduz o descontenta­ gem na força e forma de pressão da classe
mento da classe trabalhadora, provê novas trabalhadora organizada que, na defesa de
modalidades de integração e controle sobre seus interesses de classe, coloca crescente­
esta classe e oferece ainda benefícios ideoló­ mente novos desafios à dinâmica da explora­
gicos e econômicos. ção de classe. No caso específico do welfare
Em outras palavras, em uma conjuntu­ state, fenômeno do pós-guerra nas econo­
ra específica — a do pós-guerra —, a capaci­ mias capitalistas avançadas, o enfrentamento
dade de pressão dos movimentos sociais, for­ histórico das duas classes antagônicas assu­
talecida pelo crescimento econômico e a es­ miu a forma de um movimento social organí-

25
zado e de uma resposta da classe capitalista, neste autor e neste seu trabalho específico,
sob a forma do Estado centralizado. Naque­ como, para explicar a expansão dos serviços
la conjuntura, esse enfrentamento histórico e suas formas de desenvolvimento, foram
(a luta de classes) implicou a consolidação de adotadas variáveis analíticas pouco comuns
um compromisso de classe, acordo este que às análises marxistas e, na verdade, mais pró­
será, contudo, provisório, dados os limites colo­ ximas daqueles autores por ele chamados de
cados pelo modo de produção capitalista. funcionalistas.
Se a origem do welfare state é explicada
Há diferentes welfare states: e/es são
nos termos acima mencionados, seu desen­ resultado da capacidade de mobilização
volvimento (ou sua expansão) é visto em ter­ de poder da classe trabalhadora no
mos essencialmente incrementais. Com efei­ interior de diferentes matrizes de poder
to, a expansão dos programas sociais é medi­
Em um trabalho seminal datado de
da pelo significativo crescimento do gasto es­
1985, baseado em uma análise comparativa
tatal desde a Primeira Guerra Mundial, mas,
sobre 18 países capitalistas desenvolvidos,
sobretudo, porque neste movimento a ex­
Gosta Esping-Andersen analisa os condicio­
pansão do gasto em programas sociais foi
nantes da existência de distintas formas de
mais do que proporcional ao crescimento
desenvolvimento do welfare state. É impor­
dos demais setores. Sáo quatro, segundo tante destacar a importância de sua contri­
Gough, as razões do brutal crescimento dos buição para as pesquisas comparadas no
gastos sociais: campo do welfare state. Mais do que distin­
(a) a elevação dos custos relativos dos guir a existência de três distintos regimes de
programas. Caracterizados pelo uso intensi­ distribuição de serviços sociais — esforço,
vo de mão-de-obra, a ampliação dos serviços aliás, já enunciado por Titmuss —, Esping-
implica a ampliação das contratações. Este Andersen articula sua existência às condições
movimento, associado a um fortalecimento de sua emergência, vale dizer, à matriz de
dos sindicatos de servidores püblicos, impli­ poder que os tornam viáveis.
cou substantiva elevação dos custos das polí­ O autor parte da hipótese, desenvolvida
ticas sociais, essencialmente em termos de em um outro trabalho, de que a “(...) refor­
custos salariais; ma social foi uma questão vital desde o início
(b) mudanças populacionais: alterações do processo de organização da classe traba­
na estrutura etária da população, notada- lhadora, quer esta tenha ocorrido sob lide­
mente, o crescimento da população depen­ ranças reformistas ou revolucionárias” (Es­
dente (velhos e/ou crianças); ping-Andersen, 1985a, p. 146).
(c) ampliação dos serviços, quer sob a Assim, segundo ele, a defesa das políti­
forma de extensão da cobertura a novas ca­ cas sociais fez parte do próprio processo de
tegorias populacionais, quer sob a forma de constituição da classe trabalhadora enquanto
melhorias no nível dos serviços; classe “para si”. Dito de outro modo, a classe
(d) ampliação das necessidades sociais: trabalhadora tem objetivos históricos de
alterações na estrutura de necessidades da emancipação, quais sejam, a desmercadori-
população como resultado do desenvolvi­ zação da força de trabalho e do consumo, a
mento do capitalismo, isto é, mudanças na reestratificação da sociedade de acordo com
sociedade e na estrutura familiar em conse­ o princípio da solidariedade, correções redis-
qüência da dinâmica de acumulação de capital. tributivas das desigualdades produzidas pelo
Assim, segundo Ian Gough, uma vez es­ mercado e a institucionalização do pleno em­
tabelecidos os direitos sociais que dão ori­ prego. O debate em torno da possibilidade
gem ao welfare state, abre-se um canal para de que a adoção das políticas sociais viesse a
obter incrementos aos programas, movimen­ constituir-se em um instrumento da constru­
to este que explica o desenvolvimento dos ção e fortalecimento destes objetivos fez par­
programas sociais. É interessante observar, te da formação mesma dos movimentos ope­

26
rários. Progressivamente, a concepção social- tre essas variáveis, é preciso, no entanto,
democrata de que a reforma social contribui­ melhor qualificá-la, dado que essa relação
ria para o fortalecimento da capacidade de não é linear, isto é, não se pode afirmar que
pressão da classe trabalhadora viabilizou-se quanto maiores os recursos de poder da clas­
como uma alternativa real de política. se trabalhadora, maiores foram os resultados
“A política social, portanto, tornou-se uma (re)distributivos das políticas sociais. Diz o
arena para a acum ulação de recursos de autor:
poder da classe trabalhadora, cujo princí­ “(...) é im portante reconhecer que esta re­
pio de atuação seria substituir as trocas via lação [entre a força do movimento popular
m ercado pela distribuição social e os direi­ e resultados distributivos] não pode ser es­
tos de propriedade por direitos sociais.” tritam ente linear. Níveis similares de m obi­
(Esping-Andersen, 1985b, p. 228). lização da classe trabalhadora podem dar
Além disto, historicamente, para além lugar a resultados substancialmente dife­
do ponto de vista teórico ou ideológico, a im­ rentes, dada a estrutura de poder.” (E s­
plementação de políticas sociais foi expres­ ping-Andersen, 1985b, p. 223).
são de conflitos distributivos que opuseram a Em outras palavras, os resultados distri­
esquerda e a direita em cada país analisado. butivos das políticas sociais são distintos,
Nestes termos, a implementação (ou não) de mesmo entre países com níveis similares de
políticas sociais regidas por princípios ligados capacidade de pressão da classe trabalhado­
aos interesses emancipatórios da classe tra­ ra. Para avançar na compreensão da diversi­
balhadora é, na verdade, reveladora da for­ dade dessa relação, é preciso, de um lado, es­
ma pela quai se resolveu em cada país o con­ tabelecer uma forma de medir os recursos
flito distributivo. de poder dessa classe, construindo indicado­
É por isto que seu livro chama-se Poli- res que permitam evidenciar aquela varia­
tics against Markets; precisamente, porque se ção. De outro lado, é necessário contextuali-
trata de observar, para cada país, a forma zá-los em uma matriz de poder que permita
pela qual a politics, entendida como uma explicar seu poder de impacto. É da combi­
matriz de poder, traduz-se em policies, cujo nação de graus distintos de expressão daque­
conteúdo revela a solução de conflitos distri­ la capacidade de pressão em distintas matri­
butivos. Tais soluções são, por sua vez, nada zes de poder político que se pode explicar a
mais nada menos que distintas modalidades variação das formas institucionais de presta­
de relação com os princípios de mercado. ção de serviços sociais, isto é, os distintos re­
Como decorrência destas premissas, ob­ gimes de política social.
serva Esping-Andersen, as variáveis analíti­ Os recursos de poder político da classe
cas a serem consideradas são de corte políti­ trabalhadora são avaliados pelo grau de or­
co e institucional. São elas: a capacidade de ganização sindical e pela força da esquerda
pressão da classe trabalhadora na defesa de no parlamento. Esta é medida, para efeitos
seus objetivos históricos e as características comparativos, pelo peso das cadeiras dos
institucionais do w elfare State. A questão partidos socialistas e pelo controle do gabi­
central a ser respondida é “(...) se, e sob nete no parlamento em um período relevan­
quais condições, a mobilização de recursos te de tempo, para cada país. A hipótese do
de poder político da classe trabalhadora afe­ autor é a de que os recursos de poder dos di­
ta as características distributivas e institucio­ versos interesses organizados em uma dada
nais do desenvolvimento do welfare State.” sociedade traduzem-se em disputas eleitorais
(Esping-Andersen, 1985, p. 223). pelo controle do Legislativo e do Executivo.
Na análise dos 18 países capitalistas Por sua vez, as maiorias eleitorais assim
avançados selecionados em sua amostra, es­ construídas somente podem traduzir seus in­
sa correlação é altamente positiva. Se é ver­ teresses em políticas efetivas, (policies) caso
dade que existe uma correlação positiva en­ os representantes destes interesses permane­

27
çam um período significativo de tempo no se pode afirmar haver distintos regimes de
poder. Justifica-se, assim, o uso de indicado­ welfare state, os quais constituem, na verda­
res tais como “tempo de controle socialista de, diferentes soluções políticas para o con­
do gabinete parlamentar” e “peso dos socia­ flito distributivo no interior das sociedades.
listas no parlamento, medido pelo número Tais diferenças são explicadas por distintas
de cadeiras” para avaliar os recursos políti­ matrizes de poder, no interior das quais os
cos de poder da classe trabalhadora.32 movimentos de trabalhadores conseguem in­
Por outro lado, a necessidade de con- serir de modo distinto os interesses emanci-
textualizar tais indicadores em uma matriz patórios da classe operária.
de poder é fundamental, dado que o poder é Três são os regimes de welfare state
um fenômeno relacional. Dois são os indica­ identificados pelo autor em sua pesquisa:34
dores centrais para a composição dessa ma­ (a) regime social-democrata, desenvolvi­
triz: o grau de unidade política dos partidos do fundamentalmente no norte da Europa,
não-socialistas (ou da “direita”) e o padrão mais especificamente, nos países escandina­
de construção de alianças dos partidos da vos. Nestes, o movimento operário foi capaz
classe trabalhadora. Assim, em termos bas­ de traduzir seus objetivos históricos em polí­
tante simplificados, uma vez que a “esquer­ ticas sociais de um certo tipo, dado que foi
da” esteja no poder, a possibilidade de obter capaz de expressar-se politicamente através
mudanças radicais aumenta quanto maior de partidos social-democratas, os quais man­
for a tendência ao fracionamento da “direi­ tiveram o controle parlamentar por significa­
ta” e, portanto, menor for a possibilidade de tivos períodos de tempo. Países nos quais os
mobilização de forças contrárias às iniciativas partidos não-socialistas tendem a fracionar-
do gabinete socialista. Contrariamente, a se e onde os socialistas foram capazes de for­
tendência ao isolamento em partidos operá­ jar alianças com a pequena burguesia e os
rios de tipo ghetto dificulta a composição das proprietários rurais conseguiram implemen­
maiorias necessárias à aprovação de medidas tar políticas sociais caracterizadas pelos prin­
de caráter fortemente conflitivo.33 cípios social-democratas. O welfare state as­
Os três modelos de welfare State propos­ sim construído caracterizar-se-ia por um sis­
tos por Esping-Andersen são construídos a tema de proteção social abrangente, com co­
partir de distintas composições dessas variá­ bertura universal, e com benefícios, garanti­
veis. Em outras palavras, as características dos como direitos, cujo valor é desvinculado
institucionais e distributivas dos sistemas de do montante de contribuição efetuado pelo
prestação de serviços sociais dos países sele­ beneficiário. Trata-se de assegurar padrões
cionados permitem agrupá-los segundo dis­ mínimos vitais, distribuídos segundo critérios
tintos regimes ou modelos de política social. de equalização, e não de mérito.
A explicação, seja para a diversidade encon­ (b) regime ou modelo conservador, pre­
trada entre os 18 países, seja para a seme­ dominante na Europa continental, em países
lhança que permite falar em modelos, estaria como Alemanha, Áustria, França, Japão,
nas trajetórias históricas similares. Bélgica e Itália. Trata-se de países nos quais
Portanto, para Esping-Andersen, dife­ a Igreja teve um poderoso papel nas refor­
rentemente do que previam os defensores da mas sociais e onde o absolutismo era forte,
convergência, no processo mesmo de emer­ sendo portanto lentamente abolido; países,
gência dos programas sociais — desenvolvi­ portanto, nos quais a revolução burguesa foi
mento este que ocorre fundamentalmente fraca, incompleta ou mesmo ausente. Mar­
no pós-guerra — os países analisados ten­ cado pela iniciativa estatal, este modelo favo­
dem a divergir quanto às características insti­ receu um ativo intervencionismo estatal des­
tucionais sob as quais prestam serviços so­ tinado a promover lealdade e subordinação
ciais. Esta divergência, contudo, está subme­ ao Estado e deter a marcha do socialismo e
tida a algumas regularidades, de forma que do capitalismo. Presente em países onde os

28
movimentos operários foram influenciados formas de intervenção do Estado na área so­
pelo catolicismo, tais sistemas de proteção cial já indicado por alguns autores porém
são fortemente marcados pelo corporativis­ pouco desenvolvido. Em segundo lugar, ao
mo e por esquemas de estratificação ocupa- demonstrar a existência de uma correlação
cional. A promoção de marcadas diferenças entre distintos regimes de welfare state e dis­
de status na distribuição das contribuições e tintas condições políticas para sua emergên­
benefícios estaria submetida ao objetivo polí­ cia e desenvolvimento, ele fornece uma via
tico de consolidar divisões no interior da clas­ extremamente fértil e original para a explica­
se trabalhadora. Em vários países, o legado ção do fenômeno, seja pelos indicadores uti­
conservador representou um forte obstáculo lizados, seja pelo tratamento dado a estes in­
ãs reformas de orientação social-democrata dicadores.
quando este partido veio a assumir o poder;
por exemplo, no caso da Alemanha e Áus­ O welfare state é resultado de
tria. configurações históricas particulares de
(c) regime ou modelo liberal, predomi­estruturas estatais e instituições políticas
nante nos países de tradição anglo-saxônica, Ainda que construída mediante um diá­
como os Estados Unidos, Austrália, Canadá,
logo intelectual com autores de diversos paí­
Suíça e, em certa medida, a própria Grã- ses, são sobretudo autores americanos que
Bretanha. Trata-se de países nos quais os produziram a parte mais significativa dos tra­
movimentos operários são fracos eleitoral­ balhos que se orientam pelos princípios ana­
mente e o impulso burguês foi especialmen­ líticos da assim chamada análise neo-institu-
te forte na constituição da sociedade. Con­ cionalista. Theda Skocpol, Ann Shola Orloff
trariamente ao modelo social-democrata, as e Margareth Weir são autoras que segura­
políticas sociais no regime liberal são dese­ mente desenvolveram, para os casos norte-
nhadas de modo a maximizar o status de americano, inglês e canadense, as pesquisas
mercadoria do trabalhador individual. As po­ mais importantes dessa corrente analítica.
líticas implementadas caracterizam-se siste­ No entanto, as próprias autoras admitem
maticamente pela seleção via testes-de- que um dos trabalhos pioneiros nessa pers­
meios, de modo a distinguir os beneficiários pectiva é de autoria de Hugh Heclo, Modem
segundo um critério caro aos padrões libe­ Social Politics in Britam and Sweden.
rais: o mérito. Financiados, basicamente, pe­ Em termos bastante gerais, para os neo-
la contribuição individual e vinculando con­ ínstitucíonalistas, a variável analítica funda­
tribuição a benefício, tais regimes tendem a mental para a compreensão da emergência e
estabelecer estreitos limites para a interven­ desenvolvimento dos modernos sistemas de
ção estatal e máximo escopo para o mercado proteção social está associada à natureza, ca­
na distribuição dos serviços. Ainda que se pacidades e estrutura das instituições do Es­
possa ter, sob tais regimes, princípios univer- tado. Seguindo a tradição weberiana, o pres­
salistas, trata-se fundamentalmente de uni­ suposto da análise é de que o Estado é autô­
versalizar as oportunidades — e não os re­ nomo em relação à sociedade civil, o que
sultados —, de modo a estimular a capacida­ permite analisar a lógica de ação das buro­
de do indivíduo de se autoproteger. cracias públicas, sejam elas indicadas ou elei­
A contribuição de Esping-Andersen es­ tas, como uma variável independente. A tra­
tabeleceu uma espécie de “ponto de não-re- dição weberiana sustenta que o Estado tem
torno” no debate sobre as origens e a evolu­ funções próprias, vale dizer, o Estado é uma
ção do welfare state. Em primeiro lugar, ao organização que busca exercer controle so­
operar analiticamente com as formas institu­ bre determinado território, que estabelece
cionais de prestação de serviços sociais e seu relações geopolíticas de comunicação, domi­
caráter distributivo, o autor propõe um ca­ nação e competição com outros Estados e
minho de classificação da variabilidade das que deve manter a ordem interna. Por esta

29
razão, os atores vinculados ao Estado, mais sistema de partidos políticos (Skocpol, 1992,
especificamente, as burocracias podem for­ p. 41). Portanto, mais do que autônoma, a
mular e perseguir objetivos próprios, que ação do Estado tem influência sobre a cultu­
não são um reflexo nem um subproduto dos ra política, sobre a ação política coletiva e so­
interesses presentes e organizados na socie­ bre a formação de questões políticas.
dade civil. Por exemplo, é interessante observar a
Baseados nessa premissa, os autores fi­ crítica que esses autores fazem aos trabalhos
liados a essa corrente opõem-se a todas as que, segundo eles, estão orientados pela
demais correntes que vêem a ação do Estado perspectiva da luta de classes. Tais trabalhos
(e, portanto, a formulação e implementação teriam como pressuposto um determinado
de políticas sociais) como o resultado de fa­ modelo de estrutura estatal e partidária.
tores exógenos à esfera estritamente estatal, Mais especificamente, suporiam a existência
vale dizer, apenas como um subproduto seja de um Estado burocrático e centralizado e
da urbanização, seja do desenvolvimento de uma estrutura partidária na qual foi pos­
econômico, seja ainda da ação de grupos de sível a emergência de partidos parlamentares
interesses ou da luta de classes. Diferente­ e programáticos vinculados à classe operária.
mente, ainda que admitam que todos esses A existência de tais estruturas políticas e par­
fatores tenham um impacto na emergência tidárias, típicas do contexto europeu, é resul­
dos sistemas de proteção social, tado de configurações históricas específicas,
“(...) os institucionalistas argum entam que não generalizáveis. O fato de que não se te­
a capacidade estatal (state capacity) para nha considerado este dado deu substância à
planejar, adm inistrar e extrair recursos é hipótese de que a classe operária pode tra­
uma precondição para a emergência de m o­ duzir seus interesses em políticas sociais sem­
dernos program as sociais, tais como pen­
pre que seu partido se conserve nacional­
sões e seguridade social, e que o contexto
institucional — o caráter, capacidade e es­
mente no poder por um longo período de
trutura do E stado e das instituições políti­ tempo. Em outras palavras, não seria apenas
cas — afeta as orientações, a capacidade e a existência de uma determinada matriz de
organização política popular e das elites e, poder (nos termos de Esping-Andersen) que
portanto, a form ação de coalizões políticas explicaria a emergência do welfare state de
entre as classes.” (Orloff, 1993, p. 83). tipo europeu, mas — o que é qualitativa­
Enfim, as burocracias públicas têm inte­ mente distinto -r- a formação histórica de
resses próprios;35 tais burocracias consoli­ um determinado tipo de Estado (burocrático
dam-se em condições históricas particulares e centralizado) e de uma determinada estru­
e, além disso, sua emergência é uma pre­ tura partidária (com partidos de tipo progra­
condição para a emergência dos modernos mático) é que explicariam as condições de
sistemas de provisão de serviços sociais. existência de tal “matriz de poder”. O caso
Um segundo pressuposto analítico é o norte-americano seria, assim, uma evidência
de que as estruturas institucionais do Esta­ clara da insuficiência desse argumento, dado
do, tais como se conformaram historicamen­ que ali se conformou historicamente um ou­
te em cada país, influenciam a formação e o tro tipo de Estado e partidos de outra natu­
desenvolvimento dos interesses e das modali­ reza (Weir,Orloff e Skocpol, 1988, pp. 16ss).
dades de ação dos grupos da sociedade civil. Antes, contudo, de examinar mais deta­
Assim, se as origens e transformações dos lhadamente o conjunto de premissas que
sistemas nacionais de provisão de serviços orientam os trabalhos dessa corrente, é ne­
sociais são explicadas pelo sistema político (o cessário fazer um parêntese para esclarecer
que compreende o conjunto das instituições o percurso pelo qual os autores a ela ligados
decisórias), a atividade política (de políticos e efetuaram um certo deslocamento de uma
grupos de pressão) é condicionada peias con­ perspectiva state-centered para uma perspec­
figurações institucionais dos governos e pelo tiva polity-centered. Com efeito, o primeiro

30
grande trabalho — uma espécie de livro fun­ mular e implementar políticas públicas de
dador — da corrente neo-institucionalista forma mais ou menos autônoma das pres­
chama-se Bringing the State Back in, publica­ sões societais.
do em 1985, no qual Peter Evans, Dietrich (3) Os recursos de poder das burocra­
Rueschemeyer e Theda Skocpol organizam cias são, por sua vez, derivados do processo
um conjunto de textos de vários autores em de formação do Estado, particularmente, do
que os pressupostos acima explicitados fo­ fato de que tenha ocorrido (ou não) a conso­
ram desenvolvidos. lidação de estruturas burocráticas previa­
Na introdução ao livro, Theda Skocpol mente ã plena liberalização e democratiza­
alinhava os pressupostos analíticos que, se­ ção dos sistemas políticos nacionais. A se­
gundo ela, já orientavam uma quantidade qüência histórica democratização/burocrati-
muito grande de trabalhos, mas que não ti­ zaçâo é fundamental na análise proposta pe­
nham sido até então apresentados como tal. los neo-institucionalistas, dado que ela condi­
Tratava-se, naquele momento, de rejeitar os ciona a natureza das burocracias públicas, o
argumentos de correntes de tipo society-cen- ator central da análise. Vejamos.
tered, segundo as quais a ação estatal seria A liberalização do voto anteriormente ã
resultado de fatores exógenos ã dinâmica in­ plena consolidação de estruturas burocráti­
terna das instituições estatais. Por esta razão, cas (no sentido weberiano do termo) tende­
conforme este texto, a variável explicativa ria a reduzir o grau de bureaucratic insula­
central para a emergência e desenvolvimento tion, porque, nessas circunstâncias históricas,
do welfare state é o papel das burocracias es­ os partidos tenderiam a consolidar-se diante
tatais e dos reformadores sociais. As variá­ do eleitorado utilizando os recursos estatais
veis explicativas ali propostas são um desdo­ como moeda de troca. As estruturas admi­
bramento dessa premissa: nistrativas seriam, portanto, prisioneiras da
(1) As burocracias públicas desempe­ patronagem política. Ao contrário, o desen­
nham um papel central nas reformas sociais, volvimento e consolidação das burocracias
um papel de liderança. O conteúdo de sua — ou, ainda, o sucesso de reformas adminis­
ação é explicado pela avaliação que têm das trativas visando à sua autonomia — anterior­
políticas anteriormente estabelecidas. A mente ã plena liberalização do voto daria a
aprendizagem social de tais políticas ocorre elas maior capacidade de resistência às pres­
no âmbito da opinião pública e dos partidos sões pela prestação de serviços sociais de ti­
políticos, mas é avaliada de uma determina­ po “clientelístico”, condicionando, assim, a
da forma pelos formuladores das políticas, formação de partidos políticos de tipo pro­
condicionando o conteúdo das políticas pú­ gramático, dado que o apelo ao eleitorado
blicas propostas. O conceito de policy feed- não poderia ser feito mediante a concessão
back diz respeito a este efeito de retorno das de favores. Este seria, por exemplo, o caso
políticas prévias sobre as políticas futuras. de países europeus nos quais a existência
Observe-se que, dado o papel estratégico das prévia de monarquias constitucionais viabili­
burocracias nos processos de inovação em zou a consolidação de burocracias públicas
políticas públicas, é essencialmente neste anteriormente à universalização do sufrágio.
âmbito que se operam os processos de Portanto, nesse estágio da reflexão neo-
aprendizagem política e de policy feedback . instituçionalista, são sobretudo os “órgãos
(2) As capacidades estatais — uma pre- administrativos do Estado” que constituem o
condiçâo para a emergência de modernos foco central da análise. Ainda que os interes­
sistemas de proteção social — são medidas ses societais e suas formas de representação
pelo grau de burocratização e centralização sejam uma variável analítica, o são sobretu­
do Estado, mais especificamente ainda, pelo do do ângulo do exame das capacidades es­
grau de bureaucratic insulation. Esta diz res­ tatais e, portanto, da relação.das burocracias
peito à capacidade das burocracias de for­ com atores não-estatais.

31
Em seus trabalhos mais recentes, as au­ das demais correntes, os neo-institucionalis-
toras ampliam o escopo da análise para a es­ tas argumentam que mudanças econômicas
trutura político-institucional. Se na perspecti­ e demográficas, mudanças ideológicas e
va state-centered a reconstituição da forma­ pressões políticas do movimento popular ti­
ção do Estado nacional é importante para veram impacto na origem dos modernos sis­
que se observe dominantemente a natureza temas de provisão de serviços sociais, mas
das burocracias estatais, na perspectiva po- seus efeitos ocorreram no interior de estru­
lity-centered há alterações importantes nas turas institucionais e políticas específicas.
variáveis analfticas adotadas: (a) as burocra­ Tais dimensões do Estado e do sistema polí­
cias passam a ser tanto as eleitas quanto as tico condicionam decisivamente o timing e o
indicadas; (b) a análise da formação histórica caráter das políticas sociais implementadas,
do Estado nacional torna-se importante para dado que é no interior dessas estruturas que
que se observe o caráter e a natureza do as políticas são formuladas e “aprovadas”.
conjunto das estruturas políticas (estatais e Diz Ann Shola Orloff:
partidárias); (c) as formas históricas de inte­
“(...) analistas devem com eçar a explorar a
ração entre estrutura estatal e instituições extensão em que os funcionários públicos
políticas explicam a natureza das instituições agem autonom am ente no desenvolvimento
presentes e, finalmente, (d) a forma pela das políticas, bem como as formas pelas
qual tais estruturas condicionam as identida­ quais as instituições políticas e estatais con­
des, objetivos e capacidades dos grupos so­ formam a evolução das políticas. (...) inves­
ciais envolvidos na formulação de políticas tigações em profundidade do processo de
policy-making revelam que o caráter, as es­
passa a ser relevante.36
truturas e capacidades do E stado e das or­
É interessante observar que Theda ganizações políticas — bem como os fato­
Skocpol, em seu trabalho mais recente Pro­ res socioeconômicos — são importantes
tecting Soldiers and Mothers (1992), amplia a para que se entenda as políticas.” (Orloff,
noção de instituições, para incluir até mesmo 1993, p. 23).
a forma pela qual são selecionadas as elites
no interior do sistema político. Diz ela: Assim, a formação do Estado nacional
e, portanto, das estruturas políticas de cada
“Instituições governam entais, regras eleito­
país constitui variável central na análise. Ain­
rais, partidos políticos e as políticas públi­
cas anteriores — todas estas [variáveis], e
da que essa história não seja isolada, isto é, a
suas transform ações ao longo do tempo, formação do Estado nacional é explicada
criam m uitos dos limites e oportunidades concomitantemente por fatores de ordem
no interior das quais as políticas sociais são externa e interna, “cada caso é um caso”. É,
concebidas e m odificadas pelos atores poli­ pois, na história particular de cada país que
ticamente ativos no curso da história de um podem ser encontradas as variáveis específi­
país.” (Skocpol, 1992, p. 527; grifos da au­ cas de explicação de uma determinada forma
tora). de desenvolvimento dos sistemas de prote­
Assim, observe-se que mesmo as regras ção social.
eleitorais, entendidas como instituições polí­ Em outras palavras, se mudanças eco­
ticas, podem condicionar as formas pelas nômicas, demográficas e ideológicas e, fun­
quais organizam-se os interesses da socieda­ damentalmente, a capacidade do Estado pa­
de civil. É com base em tais regras que estes ra planejar, administrar e extrair recursos
logram inserir-se no sistema decisório e, por­ são uma precondição para a emergência dos
tanto, formulam suas estratégias e seus obje­ programas sociais modernos, a forma de seu
tivos. desenvolvimento está estreitamente relacio­
Feita esta introdução, vejamos então nada à formação do Estado nacional, à natu­
quais são as hipóteses centrais e o caminho reza das instituições políticas e aos processos
analítico indicado por esta corrente. de policy feedback, processos estes que são
Tentando incorporar as contribuições absolutamente particulares.

32
Ainda que Ann Shola Orloff, no seu Para esta corrente, a formação do Esta­
The Politics o f Pensions opere com a noção do nacional é uma variável independente;
de regime de política social (conceito este, uma vez consolidado em determinadas ba­
aliás, fortemente apoiado no conceito de mo­ ses, o Estado condicionará o caráter das ins­
delo de política social de Esping-Andersen), tituições políticas.
este é um recurso para que a autora com­
preenda as especificidades de distintos países 2. O contexto institucional:
no interior de um determinado regime de O processo de formulação e sustenta­
política social.37 ção política de uma determinada inovação
Três, são, portanto, os elementos cen­ política ocorre em um determinado contexto
trais da análise: institucional. Este nada mais é que o conjun­
to das organizações estatais e partidárias e
1. A formação do Estado nacional: dos procedimentos políticos existentes em
É na formação do Estado nacional que um determinado momento histórico. Em ou­
se definem as capacidades estatais e o grau tras palavras, a natureza e a forma das insti­
de autonomia do Estado. Esta formação é, tuições estatais e partidárias, tal como exis­
de um lado, condicionada por fatores de or­ tentes no momento histórico sob análise, es­
dem externa, relativos à posição do país no tabelecem os limites e as possibilidades para
sistema de relações internacionais, o que in­ a ação política dos atores interessados na
clui relações geopolíticas, ameaças de guerra, aprovação e implementação de uma deter­
necessidade de competição econômica; por minada proposta de inovação institucional.
outro lado, a formação do Estado é condi­ Essa combinação de elementos tem resulta­
cionada por fatores de ordem interna, tais dos decisivos sobre a natureza das policies,
como a seqüência burocratização/democrati- ou, dito de outro modo, sobre os resultados
zação, o interesse das elites e dos setores po­ das decisões políticas. Assim, essas variáveis
pulares na democracia e o grau de comercia­ constituem um elemento fundamental da
lização da economia.38 análise, uma vez que é em determinado con­
Distintas modalidades de combinação e texto institucional (que deve necessariamen­
evolução histórica dessas variáveis analíticas te ser contemplado na análise) que os fun­
explicariam a emergência de Estados nacio­ cionários públicos — eleitos ou indicados —
nais com características estruturais distintas, e os grupos politicamente ativos perseguirão
as quais, como já vimos, condicionam as ca­ seus objetivos.
pacidades estatais, vale dizer, a possibilidade Em suma, os mecanismos institucionais
estatal de formulação e implementação de (sejam eles regras formais ou estruturas con­
políticas. No caso norte-americano, por solidadas) no interior dos quais as políticas
exemplo, diferentemente do ocidente euro­ são formuladas e sustentadas politicamente
peu, não teria ocorrido um movimento de são essenciais para que se entenda a forma
burocratização do Estado (seja pela ausência das próprias políticas, porque uma determi­
de guerras no território, seja pela inexistên­ nada política (policy) 6 resultado da forma
cia de uma monarquia absolutista anterior) de ação dos grupos interessados em imple-
que conferisse identidade nacional â buro­ mentá-la, no interior de um contexto cujas
cracia. A massificação eleitoral foi anterior à regras de operação são específicas.
burocratização do Estado, o que condicio­ Ora, neste sentido, um dos elementos-
nou a formação de um sistema partidário chave da análise consiste no exame da ade­
de base regional e assentado sobre a patro- quação — ou não — entre os objetivos e ca­
nagem política. Este padrão de formação pacidades dos vários grupos politicamente
do Estado teria condicionado o ritmo e os ativos e os pontos de acesso e/ou alavanca­
padrões da social policy making do século gem de seus interesses que tais grupos en­
XIX até hoje (cf. Weir, Orloff e Skocpol, contram no interior das instituições políticas
1988). nacionais. Por exemplo, ao analisar as condi­

33
ções do sucesso da aprovação de uma mo­ como a política (polities) cria as políticas (po­
derna legislação de proteção às mães, nos licies), as políticas também recriam a políti­
EUA no início deste século, Theda Skocpol ca.” (Skocpol, 1992, p. 58).
argumenta ter ocorrido uma adequação en­ Em outras palavras, as políticas preexis­
tre a estrutura do movimento de mulheres tentes influenciam o debate político, a for­
que o propugnava (clubes de mães distribuí­ mação de coalizões e o desenvolvimento de
dos em todo o território nacional pressionan­ capacidades administrativas específicas; estas
do corpos legislativos de âmbito estadual) e são decisivas na moldagem das característi­
o contexto político-institucional no qual se cas da inovação institucional, seja do ponto
tomou aquele decisão naquele momento (a de vista do conteúdo das políticas propostas,
estrutura federativa norte-americana) (cf. seja na conformação das coalizões políticas
Skocpol, 1992) Em outras palavras, o suces­ de apoio e oposição a tais inovações. Por
so na obtenção de uma determinada policy
exemplo, a morfologia das políticas sociais
foi resultado da adequação entre as formas
dos EUA do século XIX teria desencorajado
de ação dos clubes de mães (grupo politica­
os liberais progressistas a imitar o sistema de
mente ativo interessado na implementação
pensões britânico. Nestas, havia uma forte
de um determinado programa social) e a for­
subordinação da distribuição dos benefícios
ma institucional no interior da qual era possí­
vel, naquele momento, aprovar uma deter­ ao sistema de patronagem dos partidos polí­
minada inovação em política social. ticos. Este sistema, avaliado negativamente
Segundo os autores, portanto, tais con­ pelos reformadores sociais, pela opinião pú­
textos institucionais, que podem alavancar blica e pelas burocracias, explicaria o forte
ou barrar as possibilidades de ação política apoio ao estabelecimento de regulamenta­
dos grupos politicamente organizados, são ções locais, com a finalidade de tirar o poder
historicamente mutantes. Para Skocpol (1992), das cortes e partidos (Wcir, Orloff e Skoc­
o sucesso de uma determinada inovação po­ pol, 1988). Por este processo, portanto, as
lítica depende, de um lado, da existência de políticas prévias, rejeitadas por seus traços
uma coalizão política interclasses sob a lide­ clientelísticos, teriam uma influência decisiva
rança de elites burocráticas e partidárias e, na resistência norte-americana à implanta­
de outro, da adequação de suas formas de ção de políticas sociais de caráter abrangente
ação política ao contexto institucional vigen­ e destituídas de critérios meritocrâticos de
te cm um determinado país no momento his­ avaliação.
tórico sob análise. Em direção oposta, o in­ A contribuição dessa corrente, assim co­
sucesso de programas de reforma ou de ten­ mo sua influência sobre os estudos mais re­
tativas de inovação política estaria relaciona­ centes, tem sido bastante significativa. É ine­
do a inadequações entre estas variáveis. gável a importância dos argumentos apre­
sentados por esses autores. No entanto, em
3. Os processos de policy feedback:
Segundo estes autores, as ideologias e seu estágio atual, a metodologia de análise
os valores culturais influenciam o discurso proposta é bem mais útil para estudos de ca­
político, mas este também é iijfluenciado pe­ so do que para trabalhos comparados que in­
las características das políticas existentes. Es­ cluam um número significativo de países em
tas conformam o entendimento dos proble­ sua amostra. Dado que esse método de in­
mas a serem solucionados, conformam os in­ vestigação é fortemente apoiado em variá­
teresses a serem preservados ou destituídos veis analíticas de natureza histórica, trata-se
e, sobretudo, conformam as capacidades ins­ de reconstituir, para cada país, o conjunto
titucionais de ação das burocracias. É deste particular de circunstâncias que explicam
modo que as políticas sociais previamente es­ uma configuração específica de estruturas es­
tabelecidas afetam a ação política subse­ tatais e instituições políticas. Mais que isto: da­
qüente. Conforme Theda Skocpol, “assim do que tais estruturas e instituições são histori­

34
camente mutáveis, ainda que a velocidades cada autor ou conjunto de autores no inte­
distintas, no limite, “cada caso é um caso”. rior de correntes interpretativas mais gerais,
Evidentemente, é possível fazer compa­ correntes estas das quais os autores selecio­
rações entre países, como o fez Orloff em nados me parecem ser também os mais re­
seu trabalho. No entanto, no estágio atual da presentativos.
metodologia proposta, há um limite para o Parece evidente, contudo, ter ocorrido,
número de países analisados, a partir do qual dos anos 50 até nossos dias, um amadureci­
o trabalho de comparação tornar-se-ia vir­ mento significativo da análise sobre o welfare
tualmente impossível. Em outras palavras, state, seja do ponto de vista das variáveis
ou se perde em especificidade histórica, ou analíticas utilizadas, seja dos indicadores
se perde em abrangência da análise. Dado adotados para a medição de tais variáveis,
que o eixo central de análise consiste na “inte­ seja ainda com relação à qualidade e riqueza
ração entre ações e contextos estruturais e, das informações disponíveis.
portanto, em situar a explicação para a evolu­ Evidentemente, alteraram-se significati­
ção das políticas no tempo e no espaço” (Or­ vamente os padrões de investigação, e não
loff, 1993, p. 26), o espaço para comparação apenas em direção à sofisticação da análise
restringe-se à “case-oriented comparison”. quantitativa: abandonou-se uma metodolo­
Por outro lado, é preciso esclarecer que gia de análise fortemente centrada no volu­
esta é seguramente a corrente mais recente me de gastos em políticas sociais, caraterísti-
do debate sobre as razões da origem e ex­ ca das primeiras pesquisas neste campo, em
pansão dos modernos sistemas de proteção direção à análise da forma e natureza deste
social e, mais que isto, que se trata de auto­ gasto. Neste movimento, as imensas diferen­
res cuja produção se encontra em pleno pro­ ças nas formas institucionais de provisão de
cesso de desenvolvimento. Neste sentido, serviços sociais impuseram, até mesmo de
ainda é cedo para se afirmar que esta é uma um ponto de vista empírico, a questão da va­
limitação do método proposto; é mais seguro riabilidade dos sistemas de proteção social.
afirmar que esta é uma limitação do estágio Colocou-se, portanto, a necessidade de clas­
atual das pesquisas apresentadas ao público. sificar de algum modo tais diferenças, bem
como de explicar as razões de suas distin­
Considerações finais ções. A explicação dessa variação deu origem a
argumentos de ordem política, institucional e
Não foi minha intenção aqui realizar
histórica, de forte presença nas pesquisas mais
um balanço crítico das diversas correntes e
recentes. Tais argumentos acentuam o welfare
argumentos apresentados. Esta tarefa estaria
state como um campo de escolhas, de solução
muito além de minhas possibilidades. O es­
de conflitos no interior de sociedades (capitalis­
forço consistiu em sistematizar e interpretar
tas avançadas), conflitos nos quais se decide a
os trabalhos examinados de acordo com al­
redistribuição dos frutos do trabalho social e o
guns argumentos explicativos para a emer­ acesso da população, à proteção contra riscos
gência e desenvolvimento do welfare state, os
inerentes â vida social, proteção concebida co­
quais constituem as correntes mais influen­
mo um direito de cidadania.
tes do debate contemporâneo sobre o tema.
Assim, a intenção aqui foi tão-somente (Recebido para publicação
de organizar este debate, de modo a inserir em novembro 1994)

Notas
1. Quando possível, e por razões de clareza da exposição, procuraremos apontar tais mudan­
ças ao longo deste trabalho.
2. Trabalho exaustivo a este respeito foi realizado por Jens Alber. Consultar Aureliano e
Draibe (1989).

35
3. Esta última razão estará refletida na forma de exposição dos argumentos e seleção dos
autores, dc modo a revelar os termos da evolução deste debate, de meados da década de
50 a nossos dias.
4. Aliás, diga-se de passagem, tal distinção constitui outro fator de dificuldade para a clas­
sificação dos autores. Como poderá ser observado ao longo desta resenha, um autor po­
de, por exemplo, explicar as razões da emergência do welfare state usando categorias de
origem marxista e explicar as razões de sua expansão usando categorias originárias das
teorias da modernização. Este é o caso de Ian Gough (1979).
5. “(...) a idéia de que quaisquer que sejam seus regimes políticos, quaisquer que sejam
suas histórias e culturas particulares, as sociedades ‘afluentes’ tornam-se mais seme­
lhantes tanto em termos de sua estrutura social como de sua ideologia(...).” (Wilensky,
1975, p. xii) Segundo esta teoria, portanto, as sociedades tenderiam a convergir em dire­
ção a formas semelhantes, estivessem elas sob regimes capitalistas ou socialistas, dado o
impulso da industrialização.
6. Industrial Society and Social Welfare é o resultado de um trabalho realizado por Harold
L. Wilensky e Charles N. Lebeaux sob encomenda do United States Committee of the
International Conference of Social Work a Russell Sage Foundation. Realizado durante
o ano de 1955, o trabalho visava realizar um balanço do processo de industrialização
ocorrido nos EUA e seus efeitos sobre a ação social no campo dos programas de as­
sistência às famílias e à comunidade. O livro foi publicado pela The Free Press em 1965.
7. Escrito em 1975, The Welfare State and Equality. Stmctiiral and Ideological Roots o f Pu­
blic Expenditiires 6 o resultado de uma pesquisa que envolveu um estudo sobre 64 países,
entre estes, aqueles considerados os 22 países mais ricos.
8. É preciso considerar que o próprio conceito de welfare varia significativamente entre os
autores. Neste caso existe, mesmo entre os dois trabalhos mencionados, diferentes con­
cepções quanto ao fenômeno observado. No trabalho realizado com Charles Lebeaux
em 1955, Wilensky refere-se a welfare como um conjunto de programas de assistência so­
cial dirigidos à população mais carente incapaz de prover por si mesma sua própria so­
brevivência e/ou de seus dependentes nos Estados Unidos. No trabalho comparativo de
1975, Wilensky refere-se a welfare state como um conjunto de programas governamen­
tais que envolvem ação estatal no campo da atenção à saúde, previdência, assistência so­
cial, excetuando-se educação e habitação, por razões expostas pelo próprio autor. (Wi­
lensky, 1975, pp. 2-10). Essa distinfão, contudo, refere-se ao fenômeno observado em
cada um dos livros, e não â definição de welfare state adotada pelo autor, a qual se man­
tém inalterada nos dois trabalhos.
9. Este e os demais textos citados de originais cm inglês e francês foram traduzidos pela autora.
10. O autor afirma que o fato de que a maior parte dos países que desenvolveram sistemas
mais abrangentes de proteção social estejam enquadrados, na classificação por ele construída,
como liberal-democráticos significa apenas que os países ricos têm sistemas políticos de tipo
liberal-democrático, ao passo que os países pobres tendem a desenvolver sistemas políticos de
tipo oligárquico. Assim, no limite, mesmo o tipo de sistema político de um país é um subpro­
duto de seu niVel de desenvolvimento econômico (Wilensky, 1975, p. 22).
11- Para Wilensky, o equívoco de Cutright (1967), um autor também filiado aos princípios
da convergência, teria sido o de não haver estabelecido a proporção de velhos na popula­
ção como uma causa interveniente no esforço de welfare. Neste texto de 1967, Cutright, utili­
zando o mesmo método de Wilensky, conclui haver uma correlação necessária entre nível de
desenvolvimento econômico, idaòe dos sistemas de proteção social e esforço de welfare, não
trabalhando, portanto, com a variável proporção de velhos na população.

36
12. O autor atribui também importância a outras variáveis na explicação das tendências de
diversificação entre os países, tais como heterogeneidade social e clivagens internas; mo­
bilidade e estratificação sociais; tamanho da classe trabalhadora e natureza de sua orga­
nização e influência militar (Wilensky, 1975. pp. 50 ss). Contudo, tais variáveis não têm
em seu trabalho o peso explicativo das variáveis acima mencionadas.
13. Para uma crítica da insuficiência deste indicador, ver Esping-Andersen (1985b).
14. “The Social Division of Welfare”, in Titmuss (19ó3).
15. O crescimento das expectativas de consumo material e a adoção da mudança social como
uma valor/norma social são, para Titmuss, algumas das características centrais das socie­
dades industrializadas. Ver Titmuss (1963, pp. 105-6).
16. Note-se, aqui, que a opção pelo ordenamento por argumentos explicativos conduziu-me
a inscrever trabalhos de T.H.Marshall produzidos em períodos distintos em duas cor­
rentes também diferentes. Ver, mais adianle, o item “O welfare stale é resultado da am­
pliação progressiva...”.
17. É significativa a presença da temática da guerra na literatura deste período. Ver Wi­
lensky, H., “The Military, War, and the Welfare State”, in Wilensky (1975), e Titmuss,
Richard, “War and Social Policy” in Titmuss (1974). As guerras permanecem, contudo,
fenômenos marginais como elemento explicativo da análise.
18. Dados os incrementos em produtividade, o setor monopolista tende a produzir mais pro­
dutos do que a capacidade do mercado (no caso, o mercado de consumo norte-america-
no) para consumi-los.
19. Dado o emprego de tecnologias poupadoras de mão-de-obra no interior do setor mo­
nopolista, este tende a produzir formas progressivas de desemprego tecnológico e outras
formas de desemprego que acompanham o crescimento do capitalismo.
20. “A necessidade de desenvolver e manter uma ordem social ‘responsável’ também levou à
criação de órgãos e programas orientados para controlar politicamente a população
excedente e para opor resistência à tendência às crises de legitimação.” (O’Connor,
1977, p. 79).
21. Na tradução brasileira os dois termos são utilizados. A expressão do autor é “warfare-
welfare state ”.
22. A contradição essencial no capitalismo norte-americano não é enIre capilal e trabalho,
mas entre setor monopolista e setor competitivo. Com efeito, o acordo do pós-Segunda
Guerra entre sindicatos e indústrias do setor monopolista nos EUA — no qual os ganhos
em produtividade passaram a ser incorporados automaticamente aos salários em troca
da colaboração dos trabalhadores — implicou a “harmonia” das relações enlre capital e
trabalho organizado no interior do setor monopolista e, como conseqüência, a divisão da
classe trabalhadora. A contradição consiste no fato de que os benefícios do progresso
técnico não são apropriados equitativamente pela população, mas ficam “retidos” no se­
tor monopolista, o qual compreende o capital monopolista e os trabalhadores organiza­
dos em sindicatos.
23. Esta é uma seleção arbitrária da contribuição de Claus Offe. Mas, volto a repetir, tratei
de extrair de seus trabalhos aqueles que servem para demonstrar este argumento de que
o welfare state 6 uma resposta às necessidades do capitalismo.
24. Não é difícil observar aí uma certa familiaridade com a explicação de Wilensky, ainda que
o autor chegue a conclusões semelhantes a partir de variáveis analíticas distintas.
25. “Através das atividades produtivas estatais, o Estado cumpre sua função como Estado
capitalista (criar e manter as condições de acumulação) não apenas em-um escopo mais
amplo, mas sob nova forma.’'' (Offe, 1979, p. 132).

37
26. Lenhardt e Offe, 1984. O original alemão foi publicado em 1977.
27. Com este argumento, o autor aponta numa direção que será bastante desenvolvida, de acor­
do com outras variáveis analíticas, por autores filiados à corrente neo-institucionalista, segun­
do os quais os atores estatais têm interesses próprios, distintos dos interesses organizados da
sociedade civil. Voltarei a este ponto na última seção desta resenha.
28. Ver, a este respeito, Aureliano e Draibe (1989, pp. 93-4). Eis aqui, novamente, um
exemplo das dificuldades de classificação desses autores. Como vimos, um outro traba­
lho de T.H.Marshall, Política Social, datado do início da década de 60, confere menor
importância a fatores de tipo político na explicação da origem do Estado de Bem-Estar
Social.
29. Eis aqui mais um exemplo de que o esforço de ordenamento deste debate segundo argu­
mentos explicativos permite agrupar autores de filiação teórica distinta. Na verdade, as
“fontes” intelectuais de François Ewald, assistente de Foucault no College de France, são
distintas dos demais. No entanto, minha intenção aqui, repito, é de ordená-los segundo
princípios explicativos da emergência e desenvolvimento do welfare state e, neste sentido,
a argumentação destes autores é muito semelhante.
30. Lei sobre acidentes de trabalho de 9 de abril de 1898, que estabelece o direito dos traba­
lhadores a uma indenização sobre todos os acidentes de trabalho.
31. Para o autor, o welfare state compreende dois tipos de atividades estatais: provisão estatal
de serviços sociais e regulação estatal de atividades privadas. Tais atividades abarcariam,
fundamentalmente, a seguridade social, a regulação das condições de trabalho, a escola­
ridade da população e a legislação urbana.
32. Por exemplo, o autor encontrou, nos 18 países analisados, uma correlação fortemente
positiva entre estas variáveis e a existência de indicadores de desmercadorização, tais co­
mo salário social e formas de consumo coletivo. Ao mesmo tempo, encontrou uma fraca
correlação entre as mesmas variáveis e sistemas de proteção social associados à privatiza­
ção e formas de prestação dos serviços pautadas por critérios individualistas.
33. Para o autor, por exemplo, a adoção do princípio do universalismo como critério de ele­
gibilidade para as políticas sociais nos países de regime social-democrata foi, além do ob­
jetivo de fortalecimento da unidade e solidariedade entre a classe trabalhadora, uma for­
ma de ampliar as bases de apoio às políticas propostas.
34. Em trabalho posterior (Esping-Andersen, 1990), o autor não altera essa tipologia. Neste li­
vro, ele faz basicamente uma análise das formas de estratificação social produzidas pelos di­
versos welfare states, bem como do papel das classes médias na evolução desses sistemas. Um
capítulo deste livro pode ser encontrado em português. Ver Esping-Andersen (1991).
35. Afirmam os autores de um dos trabalhos fundantes desta corrente: “Não se trata de afir­
mar que a ação das burocracias — indicadas ou eleitas — seja desinteressada: ela tende­
rá a reforçar o poder daqueles que a formularam. O ponto central é que as políticas pro­
postas serão diferentes daquelas demandadas pelos atores societais.” (Evans, Ruesche-
meyer e Skocpol, 1985, p. 15).
36. (a) Weir, Orloff, e Skocpol (1988); (b) Skocpol (1992); (c) Orloff (1993).
37. Neste livro, Orloff compara momentos e formas distintas de emergência dos programas
previdenciários na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá entre 1880 e 1940. Caracte­
rizados, segundo a autora, por um regime de tipo liberal e por condições socioeconômi-
cas semelhantes para a emergência de sistemas de aposentadorias e pensões, cada país
teria, contudo, sofrido processos distintos de desenvolvimento destes programas, dadas
as distintas características nacionais.
38. Esta última condiciona a possibilidade de obtenção de recursos fiscais para o Estado.
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40
Leituras do Leste II:
O Debate sobre a Natureza das Sociedades
e Estados de Tipo Soviético*
(Segunda Parte — As Principais Interpretações Marxistas)

Luis Fernandes

Este artigo dá continuidade à resenha evolução das formas de produção a chave


das principais interpretações sobre a nature­ para desvendar o desenvolvimento de totali-
za das sociedades e dos Estados que com pu­ dades sociais complexas e contraditórias. Nas
nham o antigo “campo socialista” no Leste, palavras do próprio Marx, “o modo de pro­
iniciada no BIB , n.° 38. Na primeira parte, dução da vida material condiciona o proces­
examinei as perspectivas teóricas predom i­ so de vida social, política e espiritual em ge­
nantes nos meios acadêmicos ocidentais; ral” (Marx, 1976, p. 301).
nesta, analiso as principais interpretações ge­ Coerente com este enfoque, o debate
radas no âmbito da tradição do pensam ento marxista sobre a natureza das sociedades de
marxista. D ada a natureza sim ultaneam ente tipo soviético foi polarizado por conceitua-
interpretativa e transform adora desse pensa­ ções alternativas do “modo de produção”
mento, isso implica passar em revista todas que predominava no seu interior. Por isto, a
as principais manifestações do marxismo no segunda parle da resenha estrutura-se em
século XX, pois nenhum a pôde deixar de se torno dos conceitos totalizantes rivais formu­
posicionar teórica e politicamente diante de lados para caracterizar os Estados do Leste
Estados que anunciavam estar materializan­ no âmbito do pensamento marxista. Por mo­
do historicamente o seu ideal socialista. tivos de espaço, esta parte foi subdivida em
Como observei no artigo anterior, a so- duas. Neste artigo, examino as interpreta­
vietologia surgiu no Ocidente do pós-guerra ções marxistas sobre os Estados de tipo so­
na seqüência de um processo de instituciona­ viético que afirmaram a sua natureza socia­
lização das Ciências Sociais que resultou no lista; as leituras que os caracterizaram como
retalhamento do conhecimento em campos sociedades estagnadas na transição para o
altamente segmentados, compartimentaliza- socialismo, em função de um processo de de­
dos e estanques. Por isto, a primeira parte da generação ou deformação burocrática; e as
resenha foi estruturada sobre a dimensão abordagens que destacaram a emergência de
analítica particular privilegiada pelas diferen­ um novo modo de produção, nem capitalis­
tes abordagens ocidentais (a política, a eco­ ta, nem socialista, com uma nova dominação
nomia, a cultura e, ao final, alguns esforços de classe estruturada sobre a burocracia. Em
de síntese). O marxismo clássico opôs a esse número futuro do BIB retomarei este exame
retalhamento metodológico um a abordagem analisando as teses que indicavam a preva­
holística da realidade social, identificando na lência do capitalismo de Estado e/ou buro-

* Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a concessão


de bolsa que viabilizou a pesquisa para a elaboração deste artigo na London SchGol of Economics
(LSE).

BIB, Rio de Janeiro, n. 3 9 ,1 ,° sem estre 1995, pp. 41-83 41


crático nos antigos regimes do Leste, bem tradições fundamentais e o seu desenrolar.
como a convergência de diferentes leituras O resultado foi uma produção crítica muito
para o uso indiscriminado e difuso do concei­ vasta e sistematizada sobre o desenvolvimen­
to de stalinismo nos anos 70 e 80. Ao final, a to do capitalismo, mas com indicações ape­
validade, tanto das leituras ocidentais (rese­ nas esparsas e tópicas (e nem sempre coe­
nhadas no artigo anterior) quanto das inter­ rentes entre si) sobre a sociedade socialista
pretações marxistas (resenhadas neste e no que deveria lhe suceder.
próximo), será confrontada com os desenvol­ Algumas das indicações mais importan­
vimentos que culminaram no colapso do tes encontram-se nas páginas do célebre Ma­
“bloco soviético” e da URSS na profunda nifesto Comunista. O projeto socialista do
crise geral que se lhe seguiu. marxismo clássico é resumido, ali, como a
Repito, aqui, as mesmas palavras de “abolição da propriedade privada” (Marx e
alerta da primeira parte da resenha. Limita­ Engels, 1976: p. 32). A partir da constituição
ções de tempo e espaço forçam a um a sim­ do proletariado (os trabalhadores) como
plificação na exposição das diferentes inter­ classe dominante, o desafio central do socia­
pretações, que acaba sacrificando a riqueza e lismo seria o de destruir “as antigas relações
complexidade das teses examinadas. A rese­ [capitalistas] de produção” c, juntamente
nha busca apresentar, tão-somente, uma visão com elas, “as condições dos antagonismos
panorâmica e crítica das principais leituras exis­ entre as classes e as classes em geral” (idem,
tentes, além de indicações bibliográficas para p. 38). Isso seria realizado, a princípio, “por
quem queira se aprofundar no seu exame. uma violação despótica do direito à proprie­
dade e das relações de produção burguesas”,
Leituras Centradas no nos marcos da qual o proletariado “usaria a
Conceito de Socialismo sua supremacia política para arrancar pouco
a pouco todo o capital à burguesia, para cen­
A Revolução Soviética de 1917 marca a
primeira experiência histórica de tom ada do tralizar todos os instrumentos de produção
nas mãos do Estado” (idem., p. 37). Essas
poder por um partido de filiação marxista,
orientado para a construção de um a nova so­ transformações resultariam em “uma as­
ciedade socialista em oposição ao capitalis­ sociação onde o livre desenvolvimento de ca­
mo predominante no mundo. Esta parte da da um é a condição para o livre desenvolvi­
resenha se inicia, portanto, com um a discus­ mento de todos” (Idem, p. 38).
são tópica e resumida da proposta socialista O Estado, nas indicações acima, é defi­
do marxismo clássico. nido como “o proletariado organizado como
classe dominante” (idem, p. 37). Determinar
A Teorização do Socialismo exatamente o que isto quer dizer (e como
no Marxismo Clássico pode e/ou deve ser materializado institucio-
Marx e Engels nunca elaboraram um nalmente) é um desafio teórico mais sério e
“anteprojeto” integrado sobre como deveria difícil do que pode parecer à primeira vista.
ser estruturada uma sociedade socialista. Nem Marx, nem Engels chegaram a se de­
Sempre foram bastante críticos em relação à bruçar mais detidamente sobre essa questão.
insistência dos socialistas utópicos (sobrei u- As indicações mais concretas a esse respeito
do Saint Simon, Fourier e Owen) em elabo­ constam de generalizações extraídas da expe­
rar intricados e detalhados modelos de “so­ riência da Comuna de Paris (Marx, 1977a).
ciedades perfeitas” (Engels, 1977). Em opo­ Mas trata-se de indicações a partir de uma
sição a estes, eles concebiam o socialismo co­ experiência efêmera (durou pouco mais de
mo movimento para a superação das contra­ dois meses) que ficou confinada a uma única
dições fundamentais do capitalismo. Por is­ cidade (Paris). As análises de Marx e Engels,
so, seu esforço teórico fundamental se vol­ aqui, são interessantes enquanto indicação
tou, precisamente, para identificar essas con­ de rumos gerais para a formação de um Es­

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tado socialista alternativo, apontando para a Marx aponta para a necessidade de diferen­
necessidade de se generalizar, neste, formas ciar duas fases distintas na construção da no­
de democracia direta e participativa. Mas va sociedade sem classes: uma primeira, em
não chegam a abordar os desafios e dilemas que, apesar de já ter abolido a propriedade
que a consolidação de um novo poder revo­ privada, a sociedade se defronta ainda com a
lucionário, com base na classe operária, teria prevalência de valores burgueses e pré-bur-
necessariamente de enfrentar (como enfren­ gueses, além de diferenças sociais herdadas
tou) para se constituir e consolidar em países da divisão de classes anterior, como os con­
com dimensões mais amplas, populações mais trastes entre o trabalho manual e o trabalho
numerosas e sociedades mais complexas. intelectual, e entre o campo e as cidades (a
À luz dessa deficiência, N orberto Bob- literatura marxista, neste século, convencio­
bio concluiu pela inexistência de uma ciência nou chamar a esta primeira fase de socialis­
política (e de um a doutrina do Estado) m ar­ mo)-, e uma segunda, em que essas diferen­
xista — uma limitação, para ele, inaceitável, ças de classe e as desigualdades sociais e polí­
já que a burguesia não esperou a revolução ticas que delas em anam são superadas, per­
para começar a discutir as grandes linhas do mitindo a consolidação de uma nova moral
novo Estado, da separação entre os poderes
comunitária e o próprio definhamento do
à relação entre executivo e legislativo, das li­
poder de Estado (o comunismo propriamen­
berdades civis às políticas etc. (Bobbio, 1987,
te dito).
p. 24). A comparação não é inteiramente ca­
Gostaria de destacar alguns pontos nes­
bível, já que, no processo histórico de desen­
ta compreensão do socialismo desenvolvida
volvimento do capitalismo na Europa, a bur­
por Marx:
guesia se constituiu em classe economica­
mente dominante (e parceira subordinada
1. O socialismo é concebido, aqui, não como
do poder absolutista) muito antes de dispu­
“modo de produção” próprio, mas como
tar a hegemonia política da sociedade — al­
uma primeira etapa histórica de transição
go que não ocorre com os trabalhadores no
para uma sociedade sem classes (o comu­
capitalismo. De qualquer maneira, vale a in­
nismo).
dicação de que a ausência, no âmbito da teo­
2. No decorrer desta fase, embora o socialis­
ria marxista, de um exame mais profundo
mo se proponha a eliminar a “explora­
dos dilemas e impasses da configuração do
ção” dc trabalho excedente, ainda predo­
Estado socialista acabou sendo fatal para o
desenvolvimento das próprias experiências minam na sociedade relações humanas
socialistas no século X X . marcadas pela “alienação”. O trabalho,
Um outro texto marxiano fundamental assim, ainda não é concebido pela maio­
para precisar a com preensão do socialismo é ria como sua “primeira necessidade vital”
o Crítica ao Programa de Gotha (Marx, (domínio da realização da sua própria h u ­
1977b). Nele, Marx argum enta ser impos­ manidade) e sim como mero “meio de vi­
sível, após o triunfo de uma revolução prole­ da” (forma de maximizar o acesso aos
tária, passar à imediata supressão de todas as fundos de consumo). Por isto, as normas
diferenças de classe na sociedade. Isto por­ de distribuição no socialismo são regula­
que não se trata de “uma sociedade com u­ das pelo direito burguês: a noção de que
nista que se desenvolveu sobre sua própria cada um tem o direito a receber da socie­
base, mas de uma que acaba de sair precisa­ dade o equivalente ao que ele fornece de
mente da sociedade capitalista e que, portan­ trabalho (baseada no princípio do inter­
to, apresenta ainda, em todos os seus aspec­ câmbio de mercadorias equivalentes). Se
tos, no econômico, no moral e no intelectual, não fosse assim, a ética do trabalho se de­
o selo da velha sociedade de cujas entranhas comporia e a sociedade socialista não se­
procede” (idem , p. 231). Em função disto, ria capaz de garantir a sua própria repro­

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dução, quanto mais a passagem a uma fa­ mundo, culminando na substituição relativa­
se superior. mente rápida do sistema capitalista mundial
3. Só na fase superior da construção da so­ por um sistema socialista mundial.
ciedade sem classes (o comunismo) seria As condições históricas do início do sé­
possível superar os horizontes do direito culo, no entanto, permitiram o triunfo revo­
burguês e adotar normas distributivas ba­ lucionário na Rússia — um país que manti­
seadas principalmente nas necessidades nha um acentuado atraso econômico, cultu­
humanas. Mas isto requer, igualmente, a ral e político cm relação às principais potên­
passagem de uma situação geral de escas­ cias capitalistas da época. Como se posicio­
sez material para outra de abundância. nar politicamente diante deste quadro? O
Por isto, é decisivo criar, no próprio socia­ debate em torno dessa questão provocou
lismo, mecanismos econômicos capazes profundas fissuras no movimento marxista
de gerar a contínua elevação da produti­ russo e internacional. A opinião dominante
vidade social, sem o que é impossível a dos partidos agrupados na II Internacional e
transição para relações sociais mais hu­ entre os grupos mencheviques na Rússia era
manizadas. de que o país precisava passar por um perío­
do relativamente longo de desenvolvimento
A distinção, feita por Marx, dessas duas capitalista e consolidação democrática antes
fases do processo histórico de superação do de poder colocar na ordem do dia a transfor­
capitalismo pode ser criticada por diversos mação socialista. Já os bolcheviques chega­
ângulos.1 A profundar a discussão sobre essa ram a uma compreensão distinta do proble­
questão, no entanto, foge ao escopo do pre­ ma, sobretudo a partir da elaboração das cé­
sente irabalho. O que nos interessa, aqui, é lebres “Teses de Abril” de Lênin, em 1917
examinar como a concepção de socialismo (Lênin, 1978a e 1978b).
desenvolvida pelo marxismo clássico foi in­ Ao tomar o poder, em outubro de 1917,
corporada pelos dirigentes do jovem poder os bolcheviques concebiam a sua revolução
soviético ao enfrentar os desafios da sua re­ como um a “ponte” para o triunfo de revolu­
volução. ções mais ou menos imediatas nos países ca­
pitalistas mais adiantados. Esperava-se, em
Lênin e as Perspectivas do particular, que a crise social provocada pela
Socialismo na URSS Primeira G uerra desembocasse numa onda
O fato é que as condições históricas da de crises revolucionárias na Europa. Havia
Rússia no período da revolução diferiam grandes expectativas, particularmente, em
enormemente das previsões originais de um desfecho favorável da crise revolucioná­
Marx e Engels. Estes, ao analisarem as con­ ria na Alemanha. O auxílio estatal de nações
tradições fundamentais do desenvolvimento socialistas mais desenvolvidas poderia, então,
capitalista, indicavam que as primeiras rup­ compensar o atraso da Rússia e garantir sua
turas revolucionárias com esse sistema ten­ transição ao socialismo. Desta forma, combi­
deriam a surgir nos países onde ele estivesse nava-se o aproveitamento da situação revo­
mais desenvolvido, porque a contradição en­ lucionária russa com uma estratégia que pre­
tre a “burguesia” e o “proletariado”, ali, es­ servava as expectativas do marxismo clássico
taria mais aguçada. Baseados nisto, deposita­ em relação ao rápido desenvolvimento do
vam grandes esperanças na evolução dos sistema socialista no mundo.
processos revolucionários na Inglaterra, O problema é que a onda revolucioná­
França e Alemanha (sobretudo nesta, ao fi­ ria que se espalhou pela Europa no pós-
nal do século passado). Justam ente por se guerra foi derrotada, No início dos anos 20, o
tratar dos países mais desenvolvidos do siste­ poder soviético se deparava, assim, com uma
ma, em pouco tempo o processo revolucio­ situação inusitada e inesperada. Seria pos­
nário tenderia a se espalhar pelo resto do sível proceder à construção do socialismo em

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uma URSS isolada como experiência revolu­ dominante estava determinado a realizar a
cionária única no sistema internacional e sem transição para o socialismo (idem, p. 599).
o apoio de Estados socialistas mais adianta­ O que predominava na Rússia de então,
dos? Como se sabe, o debate em torno des­ segundo Lênin, era justam ente a dispersão
tas questões voltou a produzir profundas fis­ da pequena produção. Contra esta, ele de­
suras no movimento marxista (agora, com u­ fendia, inclusive, o fortalecimento inicial do
nista) russo e mundial. Trotsky e outros diri­ “capitalismo de Estado”, para criar as condi­
gentes bolcheviques continuaram insistindo ções para uma socialização efetiva da socie­
na impossibilidade da consirução isolada do dade russa cm seguida.3 A implementação
socialismo na U nião Soviética. A maioria do desta política acabou sendo atropelada pelo
Partido, no entanto, entendeu que as parti­ desencadeamento da Guerra Civil e o recur­
cularidades das condições russas (seu tam a­ so forçado às medidas do “Comunismo de
nho, a dimensão das suas riquezas naturais, a G uerra”. Ela foi retomada, no entanto, em
existência de indústrias altam ente concentra­ 1921, por Lênin, ao fundamentar a neces­
das e desenvolvidas nas cidades etc.) perm i­ sidade da Nova Política Econômica (NEP)
tiam a construção do socialismo na URSS, diante do impacto combinado da destruição
sem o apoio de outros Estados, desde que causada pela G uerra Civil e do isolamento
fosse consolidada — por meio do poder so­ internacional ocasionado pelo fracasso dos
viético — a aliança entre os trabalhadores levantes revolucionários na Europa (Lênin,
1979c).
das cidades e a grande massa de camponeses
Foi baseada nessa concepção que a di­
no campo. Esta posição foi defendida pelo
reção do PCUS e do Estado soviético anun­
próprio Lênin no período final da sua vida
ciou haver completado a construção da base
(Lênin, 1979a, pp. 657-8; 1979b:, p. 665).2
econômica do socialismo na URSS em m ea­
No fundo desta com preensão de Lênin
dos de 1930, após os massivos processos de
estava uma reflexão sobre a composição da
industrialização e coletivizaçâo implementa­
sociedade soviética no período põs-revolu-
dos no primeiro plano qüinqüenal. Stalin, no
cionário, que viria a servir de base teórica
seu informe ao XVII Congresso do Partido
(nem sempre reconhecida) para a posterior
em 1934, fundamentou essa conclusão a par­
caracterização da URSS como socialista. Em
tir dc uma referência explícita à formulação
maio de 1918 (seis meses após a tom ada do de Lênin: “a primeira, a térceíra e a quarla
poder), numa crítica às posições dos “com u­ estruturas econômico-sociais já não existem,
nistas de esquerda”, então encabeçados por a segunda foi deslocada a posições de segun­
Bukharin, Lênin caracterizou a Rússia como da ordem, e a quinta, a socialista, é a única
uma sociedade “em transição” na qual convi­ força que rege toda a economia nacional”
viam cinco tipos diferentes de estruturas eco- (Stalin, 1977a). O socialismo, assim, deixava
nômico-sociais: 1) a economia camponesa de ser uma “perspectiva” de Estado para se
natural, descolada do mercado; 2) a pequena tornai; a caracterização oficial do “modo de
produção mercantil; 3) o capitalismo priva­ produção” efetivamente dominante na socie­
do; 4) o capitalismo de Estado; e 5) o socia­ dade soviética, segundo os seus próprios diri­
lismo (Lênin, 1978c, pp. 599-600). Cada uma gentes e os partidos marxistas a eles as­
destas era caracterizada pela prevalência de sociados na III Internacional.
determinada forma de propriedade e d eter­ Com a expropriação completa das últi­
minadas relações de produção. Deste ponto mas “classes exploradoras” , segundo o dis­
de vista, a denominação de “República So­ curso oficial d o PCUS, teriam deixado de
cialista Soviética”, conferida à Rússia na épo­ existir “classes antagônicas” na URSS. Sua
ca, não significava que ela já se assentasse sociedade passava a ser constituída por uma
sobre uma nova ordem econômica efetiva­ estrutura social mais “simplificada”, baseada
mente socialista, e sim que o poder soviético em duas classes e um estrato social — o pro­

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letariado, o campesinato kolkhoziano (das socialista” (Bauer apud Marramao, 1990, p.
fazendas coletivas) e a intelectualidade — 175). Bauer interpretou a adoção da nova
que “vivem e trabalham sobre a base de Constituição da URSS, em 1936, como um
princípios de colaboração fraternal” (Stalin, passo importante nessa direção — e manteve
1977b). Como o Estado soviético era conce­ essa avaliação mesmo após o recrudescimen-
bido como expressão política desta mesma to dos expurgos e da repressão até 1938.
composição social, toda oposição ou dis­ As posições de Bauer tiveram forte
sidência interna passou a ser identificada repercussão entre as diversas correntes do
com a ação de “espiões” ou “conspiradores” menchevismo russo no exílio (Liebich, 1986).
a serviço de interesses imperialistas externos. Como foi referido antes, os mencheviques
Este procedimento atingiu o seu ápice nos consideravam a tomada do poder, em outu­
processos que acom panharam os violentos bro de 1917, uma trágica aventura, já que a
expurgos do Partido e do Estado na segunda construção do socialismo na Rússia era
metade dos anos 30. impossível em função do seu atraso. A ado­
ção da Nova Política Econômica (NEP )nos
Otto Bauer e os anos 20 foi vista como uma confirmação dis­
Mencheviques de Esquerda to — não restaria ao poder soviético outra
A caracterização da URSS como socia­ alternativa senão dar curso às tarefas de uma
lista na década de 30, no entanto, não ficou revolução burguesa e camponesa, permitin­
confinada apenas aos marxistas do movimen­ do o pleno desenvolvimento do capitalismo
to comunista. Ela foi adotada, também, por para preparar o terreno para o socialismo no
diversos dirigentes marxistas do próprio mo­ futuro. No entanto, a “Grande Virada” de
vimento social-democrata (em geral, da ala 1928, com o lançamento do primeiro plano
esquerda deste). Destaca-se, aqui, a posição qüinqüenal, claramente não se encaixava
assumida pelo principal dirigente do austro- nessa perspectiva.
marxismo, O tto Bauer (Salvadori, 1986). Procurando preservar a coerência do
Numa obra de 1936 intitulada Eníre Duas seu raciocínio, alguns setores mencheviques
Guetras Mundiais?, ele confessou-se bastan­ argumentaram que essa virada implicava a
te impressionado com as realizações econô­ implantação de uma forma de capitalismo de
micas e sociais dos primeiros planos qüin­ Estado na União Soviética (voltaremos a
qüenais na União Soviética. Na sua opinião, abordar isto na seção sobre o capitalismo de
o caráter de “ditadura burocrático-militar” Estado e/ou burocrático, no próximo artigo).
adquirido pelo poder soviético era decor­ Contra esta caracterização se levantaram ex­
rência das condições de brutal atraso que ela poentes dos grupos mais à esquerda entre os
teve de enfrentar para construir o socialismo. exilados mencheviques. Influenciada pelas
Tratar-se-ia, assim, de uma espécie de posições de Bauer, Olga Domanevskaia pu­
“caminho oriental” para o socialismo, inade­ blicou, em 1934, um importante e denso arti­
quado para os países capitalistas avançados, go contra a tese da prevalência do capitalis­
mas necessário nas condições russas. As pró­ mo de Estado, indicando que, ao liquidar a
prias transformações econômico-sociais em ­ grande e média burguesia, a URSS havia
preendidas, não obstante, estariam tornando ingressado, de fato, em uma “fase inicial do
esse poder ditatorial um freio para o poste­ socialismo”, na qual ainda persistiam, no en­
rior progresso do socialismo na URSS: “o tanto, inúmeros aspectos negativos, sobretu­
processo de transformação da sociedade ca­ do na esfera política (,idem, pp. 361-2). Num
pitalista em socialista, que está se dando na dos seus últimos escritos, publicado em
União Soviética, só estará term inado quando 1946, Theodore Dan, presidente do Partido
a ditadura, que foi necessária colocar e m an­ Menchevique no exílio de 1923 a 1940, tam­
ter em movimento neste processo, for des­ bém concluiu que, apesar das suas deform a­
mantelada e substituída por um a democracia ções antidemocráticas, o bolchevismo era “fi-

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lho legítimo da social democracia russa” e PCUS, Kruschev teceu duras crílicas às de­
havia se transform ado em um “poderoso fa­ formações e à repressão do período do “Cul­
tor na realização prática da idéia socialista” to à Personalidade” de Stalin, mas fez ques­
(Dan, 1946). tão de reafirmar a validade da “grande obra
As transformações empreendidas na de industrialização socialista do país, da cole-
URSS nos anos 30 tiveram forte repercussão tivização da agricultura e da revolução cultu­
também sobre correntes socialistas situadas ral” empreendida a partir de 1928 (Krus­
fora do âmbito estrito da teoria marxista. É o chev, 1970, p. 87). O dirigente comunista ita­
caso dos socialistas fabianos, na Inglaterra. liano Palmiro Togliatti, por sua vez, ao mes­
Cabe ressaltar, aqui, o livro de Sidney e Bea- mo tempo em que criticava as limitações da
trice Webb, Soviet Communism: A New Civi- análise de Kruschev (por este não identificar
lization, publicado em 1935, após unia via­ as bases sociais dos fenômenos que denun­
gem de ambos à URSS. Como o título da ciava), insistia, na sua famosa entrevista de
obra já indica, eles avaliavam estar nascendo, 1956, que, a despeito dos aspectos negativos da
na União Soviética da época, uma nova civi­ obra de Stalin, “a substância do regime socialis­
lização socialista superior à do capitalismo ta não foi perdida” (Togliatti, 1981, p. 57).
(Webb e Webb, 1935). A crítica eurocomunista à URSS e aos
Estados de tipo soviético na década 70 tam ­
As Posições do Movimento pouco negou o seu caráter socialista. O ex-
Comunista no Pós-Guerra dirigente do PC espanhol, Santiago Carrillo,
Ao final dos anos 40, as mesmas políti­ optou por uma formulação mais próxima à
cas de industrialização acelerada e coletiviza- que fora defendida anteriormente por O tto
çâo da agricultura que haviam sido imple­ Bauer, indicando que o Estado soviético ha­
mentadas pelos soviéticos nos anos 30 foram via assumido formas extremamente burocra­
reproduzidas nos países aliados à URSS na tizadas em função da necessidade de prom o­
Europa Central e do I,este.4 Com isto, a ver a “acumulação primitiva” para assegurar
mesma caracterização socialista, antes apli­ a industrialização socialista do país. Assim,
cada unicamente à União Soviética, foi es­ apesar de haver criado as condições m ate­
tendida a esses estados. Estes passaram a se riais para passar a um socialismo evoluído, o
identificar como integrantes de um novo sis­ Estado soviético expressaria uma “fase inter­
tema socialista mundial que emergia no mediária enlre o Estado capitalista e o E sta­
mundo, rom pendo com o isolamento ante­ do socialista autêntico, como o foram as m o­
rior da experiência socialista soviética.5 No narquias centralistas entre a sociedade feu­
âmbito do movimento comunista, esta carac­ dal e as democracias parlamentares capitalis­
terização implicou, igualmente, a extensão tas m odernas” (Carrillo, 1978, p. 151). As es­
para essas sociedades da mesma visão exces­ truturas desse Estado, segundo Carrillo, já
sivamente simplista, generalizada e indife­ teriam se tornado um obstáculo à passagem
renciada das suas respectivas estruturas so­ para o socialismo desenvolvido. Uma abor­
ciais. A superioridade democrática desses dagem análoga a esta foi desenvolvida, na
Estados em relação aos países capitalistas época, pelo historiador comunista dissidente
também foi (re)afirm ada por definição, em Roy Medvedev na própria União Soviética
função da sua natureza socialista. (Medvedev, 1971, 1974 e 1979).
Mesmo quando as práticas políticas do Após a cisão entre o PC Soviético e o
período anterior começaram a ser oficial­ PC Chinês nos anos 60, as organizações co­
mente criticadas no movimento comunista, a munistas que se alinharam com o último
partir década de 50, a caracterização socialis­ passaram a defender a tese de que o socialis­
ta da URSS e dos Estados que adotaram o seu mo nos países do “bloco soviético” havia se
modelo não foi colocada em questão. No seu degenerado e transformado em capitalismo
famoso relatório secreto ao XX Congresso do de Estado (examinaremos esta análise no

47
próximo artigo). Nesse mesmo período, os apriorística desta compreensSo — por mais
dirigentes soviéticos introduziram duas ino­ fecunda que ela fosse nos seus termos origi­
vações na sua caracterização socialista da nais — acabou servindo de base para o aban­
URSS. A primeira, adotada no novo programa dono de qualquer exame mais objetivo, mul-
do PCUS aprovado no seu X X II Congresso tilateral e profundo das complexas estruturas
em 1961 (o mesmo que anunciou que a sociais que emergiram nessas sociedades a
União Soviética “alcançaria e superaria” eco­ partir dos seus processos de industrialização.
nomicamente os Estados Unidos em dez Impôs-se o dogma da crescente e inexorável
anos...), foi o abandono da identificação do homogeneização social e política, baseada no
seu Estado com o conceito marxista clássico progresso técnico.
da “ditadura do proletariado”, em favor da
sua caracterização como um “Estado de T o ­ Reflexões sobre o Socialismo de Estado:
do o Povo” (PCUS, 1971). A segunda, de­ Lavigne, Lane e Naville
senvolvida nos X X IV e X X V Congressos do
Mesmo fora do âmbito específico do
Partido (em 1971 e 1976), indicou que a
movimento comunista, diversos autores in­
URSS havia ingressado numa nova fase — o
sistiram na caracterização socialista da
“socialismo desenvolvido” — marcada pelo
URSS com base na identificação do socialis­
elevado nível de m aturidade de todas as rela­
mo com a eliminação da propriedade priva­
ções sociais, por uma poderosa base técnica
da. Alguns economistas na França desenvol­
e material, e por uma estrutura social m arca­ veram esta compreensão nas décadas de 70 e
da pela ausência de antagonismos entre clas­ 80, a partir de uma incorporação do instru­
ses e nações e por seu alto grau de unidade e mental analítico do marxismo muito próxima
homogeneidade (Chevstov, 1981; Petchenev, do “economicismo” das análises oficiais so­
1985). Ambas as inovações foram incorpora­ viéticas (Lavigne, 1979; Lavigne e Andreff,
das ã nova Constituição adotada no país em 1985a; 1985b) No mesmo período, sociólo­
1977 (Unger, 1981). Ao mesmo tempo, a in­ gos “neomarxistas” na Inglaterra (alguns dos
quietação com algumas flagrantes contradi­ quais procuravam combinar os referenciais
ções entre a realidade deste “socialismo de­ teóricos do marxismo e do estrutural-funcio-
senvolvido” e o projeto socialista original­ nalismo) resgataram um conceito formulado
mente formulado por Marx e Engels levou por autores iugoslavos nos anos 50 e caracte­
os dirigentes soviéticos a formular o term o rizaram os países do “bloco soviético” como
“socialismo real” ou “socialmente existente”, sociedades de “socialismo de Estado” (Lane,
para diferenciar a materialização históri- 1978a, 1978b, 1981, 1985 e 1992; Davis e
ca/empírico-concreta do socialismo na URSS Scase, 1985).
da sua concepção teórico-abstrata pelo m ar­ Lane (1981, pp. 91-5) diferencia o so­
xismo clássico (Petchenev, 1985, p. 126).6 cialismo como modo de produção (definido
As duas inovações referidas acima não em função das relações de propriedade pre­
alteraram a com preensão teórica subjacente dominantes) do “socialismo de Estado” co­
à caracterização socialista dos Estados de ti­ m o formação social (definida como um a m a­
po soviético, originada nas reflexões de L6- terialização histórica “estatista” — isto é, di­
nin sobre as estruturas econômico-sociais no tatorial, hipercentralista — do socialismo,
período de transição: a identificação do so­ determinada pelas condições de atraso eco­
cialismo com o estabelecimento da proprie­ nômico, político e cultural em que ele foi
dade social sobre os instrumentos e meios de construído). Os ecos de Bauer e Carrillo nes­
produção fundamentais (e conseqüente ta formulação são evidentes. Na mesma li­
supressão das fontes materiais da exploração nha, Davis e Scase (1985, pp. 87-8) argu­
na sociedade). Como vimos, no âm bito das m entam que as sociedades de “socialismo de
análises oficiais desenvolvidas pelo movimen­ Estado” seriam marcadas por quatro carac­
to comunista, a incorporação mecânica e terísticas primárias comuns:

48
1) os meios de produção fundamentais Uma abordagem teoricamente mais so­
pertencem ao Estado e são controlados por fisticada da problemática do “socialismo de
este; 2) existe um aparelho burocrático alta­ Estado” foi desenvolvida na volumosa obra
mente desenvolvido, que implementa planos O Novo Leviatã do diretor honorário de pes­
econômicos e sociais determinados pelo par­ quisas do Centre National de la Recherche
tido no poder; 3) a dominação política é Scientifique (CNRS) na França, Pierre Navi-
exercida por meio de um partido único hie­ lle (1967-1974). Naville foi membro ativo do
rarquicamente organizado, que controla a movimento surrealista nos anos 20 e, poste­
burocracia, a polícia e as Forças Armadas; e riormente, destacado dirigente do movimen­
4) a ideologia legitimadora do sistema é so­ to trotskista, do qual se afastou no início da
cialista. Segunda G uerra. Sua análise sobre as socie­
Segundo os autores, o qualificativo “de dades do Leste foi fortem ente influenciada
Estado” anexado ao term o socialismo indica pelas interpretações de Trotsky (que
tratar-se de um caminho de desenvolvimento acompanharemos na seção seguinte). Dife­
alternativo âs “formas puras” tanto do capi­ rentem ente deste, no entanto, ele afirmou
talismo quanto do socialismo (idem , p. 97). existir nos Estados de tipo soviético uma for­
Em bora sirva de corretivo às interpreta­ ma específica de socialismo que ele batizou
ções reducionistas que predom inaram nas de “sistema socialista de exploração m útua”.
análises oficiais do movimento comunista, O surgimento deste sistema teria se dado no
esta formulação do conceito de “socialismo contexto das condições de atraso enfrentadas
de Estado” é altam ente problemática e con­ pela revolução Russa, adquirindo, em segui­
tenciosa quando referida à concepção socia­ da, uma lógica de reprodução própria. Esta
lista do marxismo clássico discutida na aber­ se assentaria na combinação da propriedade
tura desta seção. Primeiro, porque Marx e estatal dos meios de produção com uma dis­
Engels identificavam o socialismo (a primei­ tribuição desigual dos seus frutos mediante a
ra fase da sociedade comunista) como um relação assalariada (o salarialo). Sobre esta ba­
período de transição “im puro” por natureza, se emergiria uma poderosa burocracia de Esta­
já que combina elementos da nova sociedade do — ela mesma assalariada — que controla a
nascente (como a propriedade comum dos distribuição do produto social. O poder desta
principais meios de produção) com pesadas burocracia é discutido por Naville em termos
heranças da sociedade anterior (como as di­ essencialmente weberianos, o que o aproxi­
ferenças de classe e o “direito burguês”). ma das abordagens que identificaram a
Depois, porque, segundo as formulações do emergência de um “nova dominação de clas­
marxismo clássico, o estabelecimento da pro­ se” nos países do Leste, estruturada a partir
priedade estatal sobre os meios de produção da burocracia (examinaremos estas mais
fundamentais é necessariam ente o ponto de adiante).
partida para o desenvolvimento socialista Um a vez mais a crítica ao salariato, cen­
das sociedades modernas. Por fim, cabe tral para a argumentação de Naville, esbarra
questionar o determinismo técnico-econômi- em algumas das características fundamentais
co (comum a toda a linhagem desta argu­ da concepção de socialismo formulada origi­
mentação, desde B auer) na explicação das nalmente por Marx e Engels. Estes indica­
“deformações” burocráticas e antidem ocráti­ vam ser necessário adotar princípios distribu­
cas do “socialismo de E stado”: se estas fo­ tivos baseados no “direito burguês” por um
ram determinadas pelo atraso, por que não longo período histórico, até que as múltiplas
foram superadas após a industrialização? Se­ heranças econômicas, sociais, culturais e po­
rá que essa evolução não reflete um a deter­ líticas do capitalismo fossem superadas na
minada resposta a contradições e impasses transição do socialismo para o comunismo.
estruturais do próprio projeto socialista, em Isto implica a persistência de formas salariais
vez de mera persistência atávica? para regular o acesso individual aos fundos

49
de consumo em função do trabalho “forneci­ jovem poder soviético ainda travava uma d e­
do” à sociedade por seus membros. Para Na- sesperada luta pela sobrevivência na Guerra
ville, a dominação burocrática interfere nesta Civil. Não é inteiramente claro em que dire­
regulação, impondo, em proveito próprio, ção as suas reflexões sobre a Revolução
desigualdades crescentes na distribuição do Russa evoluiriam caso tivesse sobrevivido.
produto social. Segundo ele, numa formula­ Mas dada a coincidência de pontos funda­
ção com fortes ecos de Trotsky, a solução se­ mentais da sua análise com elementos cru­
ria uma revolução política “de baixo”, que ciais da interpretação desenvolvida por
varresse de vez o sistema do salariato e o Trotsky, optei por inserir as suas reflexões na
mercado. Mas isto, na ótica marxiana clás­ abertura da presente seção.
sica, só resultaria na reposição do mesmo
problema de novo — já que as condições his­ Rosa Luxemburgo
tóricas que determ inam a persistência do
“direito burguês” e das formas salariais con­ O ponto de partida da análise de Rosa
tinuariam presentes na sociedade. Luxemburgo é a sua defesa da ação dos bol­
Predomina, assim, na análise de Naville cheviques em 1917, precisamente por ousar
uma concepção voluntarista e idealista do colocar na ordem do dia a efetivação da “re­
próprio socialismo, que ignora (ou subesti­ volução social” e da “ditadura do proletaria­
ma) os complexos e múltiplos problemas e do”. A Revolução de O utubro é saudada co­
contradições que marcam a transição socia­ mo a refutação completa da “teoria doutri­
lista. Limitações análogas podem ser encon­ nária” de Kautsky e dos mencheviques rus­
tradas no raciocínio de autores que procura­ sos, que consideravam possível na Rússia
ram desenvolver uma caracterização marxis­ apenas uma revolução burguesa, em função
ta alternativa dos Estados de tipo soviético, do seu atraso econômico e caráter predomi­
concebendo-os como sociedades estagnadas nantemente agrário. Contra esta visão, Rosa
Luxemburgo destaca a justeza da concepção
na transição ao socialismo. É o que veremos
internacional que presidiu a ação dos bolche­
a seguir.
viques em 1917 (compreendendo a sua revo­
lução como estopim para rupturas revolucio­
Leituras Centradas na Degeneração
nárias nos países capitalistas mais avançados,
e/ou Deformação Burocrática da
Transição ao Socialismo conforme vimos antes). A partir daí, segun­
do ela, o destino da revolução na Rússia de­
A principal referência desta linha inter- pendia inteiramente dos acontecimentos in­
pretativa é, evidentemente, a caracterização ternacionais.
da URSS como um “E stado operário dege­ Vale destacar as premissas teóricas so­
nerado” elaborada por Trotsky. Inicio esta bre as quais se assentam esta visão. Em pri­
seção, no entanto, com um a exposição resu­ meiro lugar, referenciada nas expectativas do
mida das célebres opiniões críticas de Rosa marxismo clássico no século XIX, Rosa Lu­
Luxemburgo sobre a Revolução Soviética xemburgo sustenta a impossibilidade da
(Luxemburgo, 1972a). Cabe, aqui, uma nota construção do socialismo em marcos nacio­
de cautela. As observações desta dirigente nais: “todos estamos sujeitos às leis da histó­
marxista sobre a evolução do poder soviético ria, e é somente ao nível internacional que se
na Rússia foram elaboradas na prisão, em pode efetivar o ordenamento socialista da
1918, a partir de relatos orais de visitantes e sociedade” (Luxemburgo, 1972a, p. 79; tra­
recortes de jornais russos e alemães contra­ dução minha). Esta compreensão, por sua
bandeados para sua cela (Wolfe, 1972). O vez, se relaciona com outra — a afirmação
texto nunca chegou a ficar pronto, para pu­ do caráter necessariamente contra-revolu-
blicação. Rosa Luxem burgo foi libertada da cionário do campesinato diante da transfor­
prisão em novembro de 1918 e tragicamente mação socialista. Nesta base, ela criticou du­
assassinada dois meses depois, enquanto o ramente a política de reforma agrária adota­

50
da pelos bolcheviques, que teria criado uma A aparente incongruência entre as duas
massa numerosíssima de pequenos proprie­ linhas de crítica ao poder soviético desenvol­
tários rurais que se voltariam de arm as e vidas por Rosa Luxemburgo tem, na verda­
dentes contra qualquer tentativa futura de de, um denominador comum: a com preen­
socialização da produção impulsionada pelo são de que a Revolução Russa só poderia ser
proletariado urbano (idem, pp. 44-5). Por “salva” (tanto das suas concessões indevidas
fim, ela tam bém condenou a defesa bolche­ â pequena burguesia rural e ao nacionalismo
vique do direito à autodeterm inação (inclusi­ burguês, quanto das suas deformações anti­
ve a ponto de secessão) das nações que democráticas) pelo triunfo da revolução so­
compunham o antigo Im pério Russo. Na sua cial em algum país avançado. A distorção da
opinião, o mais correto seria defender a política socialista na Rússia seria decorrência
união e solidariedade das forças sociais revo­ da terrível compulsão da Primeira Guerra,
lucionárias no âm bito das próprias fronteiras da ocupação alemã e das extraordinárias difi­
imperiais, contra os “nacionalismos” e “sepa- culdades relacionadas a estes fatores. O erro
ratismos” burgueses (idem, p. 53). dos bolcheviques teria sido o de querer trans­
As exposições acima indicam um posi­ formar necessidades em virtudes — isto é,
cionamento político e estratégico mais estrei­ erigir em um sistema teórico políticas impos­
to, sectário e fechado do que era preconiza­ tas por condições extremamente adversas.
do e adotado pelo Partido Bolchevique na Deste ponto de vista, contra as opiniões de
Rússia. Sua crítica ao ordenam ento político Kautsky, os desenvolvimentos na Rússia te­
do poder soviético, no entanto, aponta ju sta­ riam provado não a “imaturidade” desta pa­
mente na direção oposta. Rosa Luxemburgo ra a revolução, e sim a “imaturidade” do
tece duras críticas a Lênin e Trotsky por re­ proletariado alemão para “cumprir suas ta­
produzir teórica e politicamente a mesma refas históricas” ( idem, p. 27).
oposição abstrata entre “democracia” e “di­ O assassinato de Rosa Luxemburgo em
tadura do proletariado” formulada por 1919 foi parte integrante da derrota da vaga
Kautsky. A diferença é que, nesta oposição, revolucionária que se espalhou pela Europa
o dirigente social-democrata alemão teria (e, particularmente, pela Alemanha) ao tér­
optado pela primeira, e os dirigentes revolu­ mino da Primeira Guerra. As suas observa­
cionários russos pela segunda. Contra essa ções sugerem que o isolamento internacional
polarização, Rosa Luxemburgo argumenta decorrente desta derrota condenaria o poder
soviético a alguma forma de deformação bu­
que a ditadura do proletariado (enquanto di­
rocrática. Esta avaliação tem importantes
tadura de classe, e não de partido ou clique)
pontos em comum com a posição que viria a
só pode ser realizada como a democracia
ser desenvolvida, em seguida, por Trotsky
mais ilimitada (idem, pp. 76-77). Nesta base,
(embora este preferisse indicar a degenera­
ela condenou o fechamento da Assembléia
ção burocrática de um poder que não era
Nacional Constituinte pelos bolcheviques,
“deform ado” no seu início). Como se trata
bem como a substituição do princípio do su­
de uma das interpretações mais sofisticadas
frágio universal por um sufrágio seletivo e
e abrangentes (e, em muitos sentidos, incon­
qualificado em favor da classe operária, e
sistentes) desenvolvidas sobre o tema no âm ­
também o recurso a formas ditatoriais para
bito da teoria marxista, vamos examinar a sua
preservar o poder. Na sua opinião, a caracte­
evolução de forma um pouco mais detida.
rística essencial da liberdade seria, precisa­
mente, garanti-la para quem pensa diferente:
Leon Trotsky
sem eleições gerais, sem liberdade irrestrita
de imprensa e associação, sem o livre enfren- Trotsky, como se sabe, desempenhou
tamento de opiniões, restaria apenas a buro­ papel central na Revolução Russa, tendo si­
cracia como elem ento ativo na sociedade do presidente do Soviete de Petrogrado e
(idem, pp. 69 e 71). principal dirigente e organizador do Exército

51
Vermelho na G uerra Civil. Neste período, ajudou a constituir a chamada oposição de
ele não só defendeu como teorizou a neces­ esquerda. Sua crítica, então, se dirigia, sobre­
sidade das medidas consideradas “ditato­ tudo, contra a prática generalizada da indica­
riais” è “antidemocráticas” por Rosa Luxem­ ção centralizada dos secretários provinciais
burgo (e tam bém por Kautsky, como vere­ do Partido, em vez da sua eleição local
mos mais adiante). R espondendo às críticas (Trotsky, 1975a, p. 56). Segundo ele, dado o
de Kautsky sobre a substituição da ditadura seu papel crucial no próprio ordenamento
dos sovietes pela ditadura do Partido Bol­ do poder soviético, a burocratização do Par­
chevique na Rússia, por exemplo, Trotsky tido alimentava a (e se realimentava da) bu­
argumentava, em 1920, que: rocratização do Estado. Numa evidente ana­
“Pode ser dito com inteira justiça que a di­ logia com Rosa Luxemburgo, ele indicava
tadura dos sovietes só se tornou possível que a fonte essencial dessa espiral de buro­
através da ditadura do partido. N ão há na­ cratização seria a necessidade de manter, em
da de acidental nesta ‘substituição’ do po­ condições de extremo atraso econômico, a
der da classe operária pelo poder do parti­
harmonia entre os interesses contraditórios
do, e, na realidade, não há nenhum a substi­
tuição. Os com unistas expressam os do proletariado e do campesinato no Estado
interesses fundam entais da classe operária” (Trotsky, 1975b, pp. 91-2). Se não fosse ade­
(Trotsky, 1963, p. 109; tradução minha). quadam ente identificado e combatido, esse
Nesse mesmo texto, ele defende a ado­ processo poderia colocar a revolução em pe­
ção do trabalho compulsório e da militariza­ rigo. As medidas de enfrentamento defendi­
ção do trabalho como fundamentos da ação das pela oposição de esquerda neste período
estatal do poder soviético, sem os quais “a limitavam-se, no entanto, a propor m udan­
substituição da economia capitalista pela so­ ças na política de organização do Partido, so­
cialista perm anecerá para sempre um ruído bretudo o fim da proibição da formação de
vazio” (idem , p. 141). A organização da for­ facções adotada no seu X Congresso, em
ça de trabalho na economia deveria, assim, 1921 (Trotsky et alli, 1975).
acompanhar as práticas do serviço militar O tema da “deformação burocrática” já
obrigatório. Nesta perspectiva, o aparato do havia sido levantado, anteriormente, por Lê­
Departam ento de G uerra deveria se tornar a nin. Na sua polêmica com Trotsky e Bukha-
instituição responsável pela mobilização do rin sobre os sindicatos, ele já havia caracteri­
trabalho em larga escala na sociedade. Esta zado o poder soviético como um “Estado
concepção fundam entou a defesa, por operário com uma deformação burocrática”
Trotsky, da estatização dos sindicatos (isto é, (Lênin, 1979h, p. 385). Justam ente por isto,
da eliminação da prática da eleição dos seus ele defendeu a contínua importância dos sin­
dirigentes em troca da sua nomeação pelo dicatos como instrumentos de defesa dos
poder central) às vésperas do V III Congres­ interesses materiais e espirituais dos traba­
so dos Sovietes, no final de 1920. Esta posi­ lhadores contra as deformações burocráti­
ção foi duram ente criticada por Lênin cas. O Programa do Partido Bolchevique,
(1979d e 1979h), em bora este, na época, adotado em 1919, fundamentava essa carac­
também concebesse com o necessário e inevi­ terização ao indicar um “renascimento par­
tável o exercício da “ditadura do proletaria­ cial da burocracia no interior do sistema so­
do” por sua “vanguarda” (o partido revolu­ viético” em função do baixo nível cultural
cionário), tanto na Rússia quanto nos países das massas e da conseqüente necessidade de
mais adiantados (Lênin, 1979h, p. 381). empregar quadros e especialistas da máqui­
No período do afastam ento de Lênin na burocrática do antigo regime tzarista (Be-
por motivos de doença, em 1923, e após a llis, 1979, p. 57). Trotsky, no entanto, apon­
sua morte, em 1924, no entanto, Trotsky se tava não para um a “deformação” causada
tornou cada vez mais crítico da “burocratiza- pela incorporação de elementos da velha bu­
ção” do Partido Comunista (bolchevique) e rocracia, mas para um processo de degenera-

52
ção a partir do próprio Partido Comunista, ca”8 (e, conseqüentemente, de um novo par­
em função do crescente distanciamento dos tido revolucionário) para por fim à domina­
seus dirigentes em relação às “massas traba­ ção da burocracia. É apenas nessa época que
lhadoras” e do estabelecimento de relações ele começa a preconizar a adoção de um sis­
cada vez mais “promíscuas” com os kulaks tema multipartidário na URSS (Bellis, 1979,
(a burguesia rural), os comerciantes, os p. 43).
atravessadores, os investidores privados etc. A o final dos anos 30, Trotsky já indicava
(isto é, com os setores abastados não-prole- que, após haver “expropriado politicamente
tários que floresceram no âmbito da NEP). o proletariado”, a burocracia soviética pas­
Ao formar a Oposição Unificada com sara a desempenhar um “duplo papel” no
Zinoviev e Kamenev (antigos companheiros mundo, sustentada num precário equilíbrio
de Stalin no triunvirato que assumiu a dire­ das forças de classe internas e externas. No
ção do Partido após o afastam ento de Lênin) plano interno, enquanto produto da própria
em 1926, Trotsky já indicava a plena consti­ Revolução de O utubro, ela preservaria, ain­
tuição de um a burocracia estatal-partidária da, um certo papel progressista, enquanto
inteiramente destacada dos trabalhadores na guardiã de relações sociais de produção pro­
URSS. Suas reflexões sobre a situação sovié­ duzidas por essa revolução. Já em âmbito ex­
tica caminharam para a busca de analogias terno, enquanto estrato conservador movido
com fenômenos da Revolução Francesa de pela lógica da autopreservação, ela teria um
1789 e seus desdobramentos, particularm en­ papel abertam ente contra-revolucionário,
te o Thermidor e o Bonapartismo. Essas an a­ abandonando toda e qualquer veleidade re­
logias indicavam que a “degeneração buro­ volucionária em favor de políticas de boa
crática” na URSS constituía um retrocesso vizinhança com o imperialismo (Trotsky,
no processo revolucionário, que abria cami­ 1970). A União Soviética teria se tornado,
nho para a autonomização do poder de E sta­ assim, um “Estado operário contra-revolu­
do diante das forças sociais que lhe haviam cionário”. Esta compreensão fundamentou a
dado origem (Trotsky, 1973a). Tratar-se-ia decisão de criar a IV Internacional, em 1938,
de uma situação excepcional, de equilíbrio dois anos antes do assassinato de Trotsky, no
necessariamente tênue, instável e temporário. México. Nesse período final da sua vida,
Apesar dessa autonomização da buro­ abundam nos seus escritos referências ao to­
cracia estatal-partidária soviética, Trotsky in­ talitarismo na URSS e analogias entre o de­
sistia que a URSS continuava sendo um “E s­ senvolvimento desta e o da Alemanha nazis­
tado operário”, em função da predominância ta, em bora ambos fossem considerados “re­
de formas estatais de propriedade no seu in­ gimes transitórios e excepcionais” no desen­
terior. Este argum ento era sustentado em volvimento respectivo do socialismo e do ca­
bases teóricas fortem ente economicistas e pitalismo (Trotsky,^ 1969).
reducionistas: “O caráter de um regime so­ O trabalho que sistematiza de forma
cial é determ inado em primeiro lugar pelas mais completa a avaliação do fundador da
relações de propriedade [...]. As relações de IV Internacional sobre o desenvolvimento
propriedade, que estão na base das relações da sociedade soviética é o livro A Revolução
de classe, determ inam para nós a natureza Traída, escrito em 1936 (Trotsky, 1980). N e­
da União Soviética como Estado proletário” le, a URSS é caracterizada como uma socie­
(Trotsky, 1973b, p. 204). dade intermediária entre o capitalismo e o
A té 1933, essa caracterização traduzia- socialismo, marcada pelos seguintes traços:
se em uma orientação política voltada para a
reforma do Partido e do Estado na URSS (e 1. as forças produtivas são ainda insuficien­
não para sua derrubada). A partir desse ano, tes para conferir à propriedade do Estado
no entanto, Trotsky passou a defender a um caráter socialista;
necessidade de um a “nova revolução políti­ 2. a propensão para a acumulação primitiva,

53
nascida da necessidade, manifesta-se por sas mesmas formas nas condições do bai­
todos os poros da economia planificada; xo rendimento do trabalho da URSS não
3. as normas de repartição, de natureza bur­ significariam mais do que “um regime
guesa, encontram-se na base da diferen­ transitório cujos destinos não estão ainda,
ciação social; definitivamente pesados pela história”
4. o desenvolvimento econômico, m e­ (idem , p. 46). A crítica ao enfoque técni-
lhorando lentam ente as condições dos co-determinista dessa interpretação levou
trabalhadores, contribui para a rápida alguns dos colaboradores mais próximos
formação de um a camada de privilegia­ de Trotsky (sobretudo Max Schachtman)
dos; a romperem com este, insistindo na
5. a burocracia, explorando os antagonismos necessidade de desenvolver um a análise
sociais, tornou-se um a casta incontrolá- centrada no desenvolvimento das relações
vel, estranha ao socialismo; reais de produção na URSS, e não apenas
6. a revolução social, trafda pelo governo nas formas jurídicas de propriedade ou
dominante, vive ainda nas relações de na base tecnológica prevalecentes no seu
propriedade e na consciência dos traba­ interior (veremos isto na seção seguinte).
lhadores; 2. Associado à sua base tecnológica atrasa­
7. a evolução das contradições acumuladas da, o caráter não-socialista da URSS seria
pode conduzir a sociedade para o socialis­ determinado pela predominância de nor­
mo, ou fazer recuar a sociedade para o mas burguesas na repartição do produto
capitalismo; social. Isto, de acordo com Trotsky, teria
8. a contra-revolução em marcha para o ca­ gerado uma contradição entre o caráter
pitalismo deverá quebrar a resistência dos socialista incipiente da produção e o cará­
operários; ter capitalista da distribuição na socieda­
9. os operários, dirigindo-se para o socialis­ de soviética. O processo de burocratiza-
mo, deverão derrubar a burocracia ção estatal-partidária seria, precisamente,
(Trotsky, 1980, p. 176). fruto dessa contradição. Acontece que,
como vimos antes, o marxismo clássico
Um Balanço Parcial aponta para a necessidade de se adotar o
Apesar de atraente, examinada mais d e­ princípio da remuneração segundo o
tida e profundam ente esta caracterização da trabalho (o “direito burguês”) como nor­
URSS gera mais dúvidas e questionamentos ma distributiva básica do socialismo (isto
do que respostas. Destaco, a seguir, algu­ é, de toda a primeira fase do comunis­
mas das suas premissas teóricas mais proble­ mo), sem o qual a elevação da produtivi­
máticas: dade econômica (condição para superar
as diferenças de classe na sociedade) seria
1. Sua abordagem do socialismo revela uma impossível. A análise de Trotsky confun­
forte dose de determinismo tecnológico, de, assim, características das fases inicial e
subjacente ao economicismo a que já me superior da construção de uma sociedade
referi anteriorm ente. Estabelecida a pre­ sem classes (segundo a concepção origi­
dominância da propriedade estatal, se­ nal de Marx e Engels), o que a torna inca­
gundo Trotsky, é a base técnica (as forças paz de examinar (ou sequer formular) o
produtivas) que determina o caráter so­ problema das bases da autonomização do
cialista (ou não) dessa propriedade, e, por Estado no próprio socialismo.
decorrência, do próprio regime social 3. Na análise de Trotsky, a “degeneração
(item 1 acima). Assim, na sua visão, en­ burocrática” do “regime de transição” re­
quanto as formas soviéticas de proprieda­ ferido mais acima é decorrência do isola­
de fundadas sobre a técnica americana mento internacional da revolução em
poderiam ser consideradas socialistas, es­ uma sociedade atrasada, em que o prole­

54
tariado era minoritário e pouco desenvol­ essencialmente hostil à transformação so­
vido. A premissa teórica subjacente a es­ cialista na URSS. Diferentemente dela,
te argum ento é a de que processos revo­ no entanto, ele considera este posiciona­
lucionários em sociedades nas quais o mento não uma característica “inerente”
proletariado for majoritário tenderiam a todo o campesinato, mas conseqüência,
“naturalm ente” a generalizar práticas de uma vez mais, do atraso das forças pro­
democracia direta e participativa, subor­ dutivas. Assim, mesmo após o seu agru­
dinando (e, çm seguida, dissolvendo) a pamento em fazendas coletivas, o campe­
burocracia nos processos de formação sinato kolkhosiano continuaria nutrindo
dos novos Estgdos socialistas. Por isso, “um forte ódio, um ódio plebeu” para
Trotsky sempre procurou identificar as com o Estado operário, dada a incapaci­
origens do bonapartismo soviético no dade deste em prover instrumentos de
“equilíbrio” de forças entre o proletaria­ produção em grande escala para a terra
do e algum setor não-proletário dentro ou coletivizada. Em função disto — e da hos­
fora da União Soviética: a burguesia e a tilidade da “imensa maioria dos operá­
pequena-burguesia no NEP, o campesi­ rios” para com a burocracia dominante
nato hostil, a burguesia internacional etc. — Trotsky era categórico ao afirmar, em
Oscilavam os ingredientes, mas a receita 1936, que a URSS seria inapelavelmente
permanecia a mesma (extraída de analo­ derrotada numa futura guerra com a
gias com o ciclo político da Revolução Alemanha ou qualquer outra potência
Francesa, no final do século XVIII). Mas, imperialista, a não ser que houvesse uma
como já foi observado na discussão da te ­ nova revolução social vitoriosa no Oci­
se do “socialismo de Estado” na seção a n ­ dente (idem , p. 157). Os acontecimentos
terior, se a “deformação burocrática” é não tardaram a revelar que esta aprecia­
explicada pelo caráter atrasado e não pro­ ção subestimava enormemente as bases
letário da sociedade, como explicar que a sociais, a capacidade de comando e a pró­
URSS tenha passado de país camponês- pria legitimidade interna que o regime so­
agrário para proletário-industrial em pou­ viético ainda preservava.
cas décadas, sem que se verificasse um 5. Também como Rosa Luxemburgo (e
processo correspondente de dem ocratiza­ Marx no século XIX), Trotsky considera
ção do seu poder político (quer por “re­ impossível a construção isolada do socia­
formas pelo alto” ou “revoltas de bai­ lismo nos marcos nacionais. Na sua ava­
xo”)? E ainda, quando finalmente se ges- liação, a divisão mundial do trabalho, a
tou algo semelhante a uma “crise revolu­ dependência da indústria soviética em re­
cionária” na sua sociedade (entre 1989 e lação â técnica estrangeira, a dependência
1991), que o desfecho tenha se encami­ das forças proddtivas dos países avança­
nhado não para “adequação do regime dos em relação às matérias-primas asiáti­
político às formas socialistas de proprie­ cas etc., tornavam impossível a constru­
dade” mas para o desmantelamento des­ ção de uma sociedade socialista autôno­
tas por meio de programas massivos de ma em qualquer parte do mundo
privatização? Será, enfim, que não deve­ (Trotsky, 1977, p. 207). Esta era a base
mos considerar teoricam ente a pos­ da sua teoria da “revolução perm anente”
sibilidade da “autonom ização” do poder e marcava a sua oposição à tese da pos­
político se originar em características es­ sibilidade da construção do socialismo na
truturais do próprio socialismo (incluindo URSS sem a ajuda de Estados socialistas
aí diferenciações e contradições no seio mais desenvolvidos (tese que, como vi­
dos próprios trabalhadores)? mos, foi formulada inicialmente por Lê-
4. Assim como Rosa Luxemburgo, Trotsky nin diante das evidências* da derrota da
concebe o campesinato como uma força onda revolucionária no Ocidente entre

55
1918 e 1923, e se tom ou , em seguida, parte desta resenha (Fernandes, 1994,
orientação oficial do Partido e do Estado pp. 22-23). Em primeiro lugar, a prática
soviéticos).9 Do ponto de vista político, em inentemente política, improvisada e
esta abordagem teórica resulta num orientada para metas substantivas do
impasse: se a U nião Soviética, em função aparato partidário-estatal soviético clara­
do seu atraso, dependia do apoio de E sta­ mente não se encaixa na racionalidade
dos socialistas tecnicam ente mais adianta­ impessoal, rotinizada e formal definidora
dos para poder com pletar a sua própria da burocracia (pelo menos em termos
transição ao socialismo, na ausência des­ weberianos).11 Um outro problema se re­
ses estados (cuja existência independia da fere aos contornos da “casta burocrática”
vontade dos dirigentes da URSS) a nova dominante. A análise desenvolvida por
“revolução política” preconizada por Trotsky sobre esta questão (crucial para
Trotsky não estaria fadada a enveredar toda a sua interpretação) é, na verdade,
pelo mesmo processo de “degeneração eivada de inconsistências. Assim, enquan­
burocrática”? Já do ponto de vista em pí­ to num artigo de 1935 ele caracteriza a
rico, a subordinação da U nião Soviética ã burocracia como “pequeno-burguesa tan­
divisão internacional do trabalho na eco­ to na sua composição como no seu espíri­
nomia capitalista mundial mostrou-se to ” (Trotsky, 1973c), na última obra que
bem menos incondicional do que supu­ escreveu antes de morrer, ele contrapõe a
nha o teórico da “revolução perm anen­ “burocracia” à “pequena burguesia” co­
te”. Baseada na combinação de medidas mo forças sociais adversárias e concor­
“socializadoras” internas (como a indus­ rentes no processo de cristalização de um
trialização e a coletivização da agricultu­ novo estrato privilegiado na URSS
ra) com mecanismos relativamente efica­ (Trotsky, 1941, p. 408). Já no livro Revo­
zes de defesa contra as flutuações e ini- lução Traída (Trotsky, 1980, p. 97) ele in­
qüidades do m ercado mundial (como o clui na sua definição de “burocracia privi­
estabelecimento do monopólio estatal do legiada soviética” cinco ou seis milhões de
comércio exterior, a não-conversibilidade pessoas que, sem fornecer um trabalho
do rublo nos mercados monetários inter­ produtivo direto, comandam, adminis­
nacionais e a restrição de fluxos com er­ tram, dirigem e distribuem os castigos e
ciais e financeiros com o Ocidente), a as recompensas (exceção feita para os
URSS logrou sustentar índices de eleva­ professores ...). A estes e seus familiares,
ção da produtividade da sua economia deveriam se juntar igual núm ero de com­
superiores às de todos os países capitalis­ ponentes da “aristocracia operária e kolk-
tas durante pelo menos três décadas.10 hosiana” e seus familiares, perfazendo
Ou seja, ela conseguiu, durante esse pe­ um universo total de 20 a 25 milhões de
ríodo, escapar dos limites da divisão inter­ pessoas (numa população de 170 mi­
nacional do trabalho da economia capita­ lhões). Convenhamos que se trata de
lista mundial e suplantar pesadas heran­ um a camada social tão ampla, que a pró­
ças do atraso sem a ajuda estatal de E sta­ pria noção de “dominação” perde o senti­
dos socialistas mais desenvolvidos. do — ainda mais se lembrarmos que o ní­
6. Ao erigir a “burocracia” em conceito cru­ vel de vida da “burocracia privilegiada”,
cial da sua caracterização, Trotsky se en­ assim definida, caiu a níveis inferiores aos
redou nos mesmos problemas de ambi­ da média dos operários no desenvolvi­
güidade, imprecisão e inadequação en­ m ento posterior da sociedade soviética
frentados pelos autores ocidentais que (Yanowitch, 1977, pp. 30-1).
também centraram suas leituras dos Es­
tados de tipo soviético no conceito de bu­ As idas e vindas na caracterização da
rocracia, aos quais m e referi na primeira “burocracia dominante” por Trotsky refle­

56
tem a inadequação de aspectos cruciais do tica como uma força conservadora e con-
seu esquema interpretativo diante do desen­ tra-revolucionária do ponto de vista ex­
volvimento histórico-concreto da URSS. E n­ terno, e híbrida do ponto de vista interno,
tre as inconsistências analíticas mais relevan­ também mostrou-se incongruente e ina­
tes, eu destacaria as seguintes: dequada.14 Como explicar, nesta base, o
1. Vimos, anteriorm ente, como Trotsky apoio muito real e concreto dado pela
identificava, na relação cada vez mais URSS a movimentos e processos de
“promíscua” dos quadros do Partido e do transformação revolucionária no mundo
Estado com setqres burgueses e peque- (sobretudo movimentos anticolonialistas e
no-burgueses gerados no âm bito da NEP, antiimperialistas), mesmo quando inte­
a base da degeneração burocrática do po­ resses de defesa nacional soviéticos não
der soviético nos anos 20. Como explicar, estavam diretam ente envolvidos (Cuba,
então, que essa mesma casta burocrática por exemplo)? Como dar conta, em parti­
“conservadora e contra-revolucionária” cular, da pressão exercida sobre os E sta­
tenha partido, em seguida, para a liquida­ dos da Europa Central e do Leste no pós-
ção desses setores não-socialistas, a partir guerra para que estes empreendessem
das políticas de industrialização e coletivi- transformações anticapitalistas nas suas
zaçâo aceleradas adotadas na chamada respectivas economias e sociedades?15 Se­
“revolução pelo alto”? Vale lem brar que gundo a análise de Trotsky, a “burocra­
a “G rande V irada” de 1928 fez vários co­ cia” soviética já não teria abandonado por
laboradores próximos de Trotsky, como o completo a perspectiva anticapitalista na
célebre economista Preobrazhenski sua ação internacional, estando preocu­
(1965, 1973 e 1980), se recom porem com pada apenas em garantir sua autoprcscr-
o poder soviético, já que este parecia es­ vação mediante compromissos com o im­
tar adotando justam ente as políticas que perialismo?
a oposição vinha cobrando há algum tem ­
po (o que não impediu que muitos deles Variações do Trotskismo no
— inclusive o próprio Preobrazhenski — Pós-Guerra: Mandei, Ticktin e Deutscher
fossem fuzilados pelo regime em segui­ Entre os seguidores de Trotsky no pós-
da...)12. guerra, diferentes autores enfatizaram dife­
2. D a mesma forma, se o poder estatal-par- rentes aspectos da evolução do seu pensa­
tidário soviético era expressão da dom ina­ mento para conceber diferentes perspectivas
ção da “burocracia”, como explicar que sobre a evolução das sociedades e Estados
os violentos expurgos da segunda m etade de tipo soviético. Ernest Mandei se destacou
dos anos 30 tenham se dirigido justam en­ por tentativas de resgatar e refinar a inter­
te contra a burocracia? Como o próprio pretação trotskista ortodoxa, adaptando-a
biógrafo de Trotsky, Isaac Deutscher, aos desenvolvimentos da segunda m etade do
reconhece, “um dos efeitos dos expurgos século X X (Mandei, 1972,1974,1980,1989 e
foi impedir a consolidação dos grupos ge­ 1992). Já Hillel Ticktin optou por enfatizar o
renciais como estrato social” (Deutscher, caráter “contra-revolucionário” do Estado
1963, p. 306; tradução minha). Mas, en­ Soviético, contrapondo a predominância de
tão, como conceber precisamente o po­ um a “economia administrada” no seu inte­
der soviético na época como dominação rior à visão trotskista original de uma “eco­
política deste estrato social (a burocra­ nomia planificada” (Ticktin, 1973 e 1992).
cia)? Será que esta caracterização não se Isaac Deutscher destacou o legado progres­
fundam enta em um essencialismo aprio- sista e revolucionário das transformações nas
rístico desprovido de fundam entação em ­ relações de propriedade na URSS, apostan­
pírica?13 do na possibilidade da sua “regeneração pelo
3. Por fim, a caracterização da U nião Sovié­ alto”. Ele reconheceu até mesmo méritos

57
históricos genuínos na obra de Stalin, que 1872. O líder anarquista russo considerava
“encontrou uma Rússia trabalhando com que um projeto emancipador centrado na
arado de madeira, e a deixou equipada com conquista do poder político, como o propos­
pilhas atômicas” (Deutscher, 1969, p. 55; to pela teoria marxista, só poderia resultar
tradução minha ). Sua heterodoxia lhe valeu na emergência de um novo despotismo, já
críticas iradas por parte de outros autores que “quem diz Estado, diz automaticamente
trotskistas.1,1 N enhum desses autores, no en­ dominação e, conseqüentemente, escravi­
tanto, negou a validade da apreciação básica dão” (Bakunin, 1983, p. 96). Assim:
da sociedade soviética desenvolvida por “[No Estado Popular do Sr. Marx] haverá
Trotsky. um governo excessivamente complicado,
Já nos anos 30, vários dos principais co­ que não se contentará em governar e admi­
laboradores do fundador da IV Internacio­ nistrar as massas politicamente, como fa­
nal se distanciaram política e teoricamente zem todos os governos hoje, mas que ainda
deste, por não concordar com sua caracteri­ as administrará economicamente, concen­
zação da URSS como uma “sociedade presa trando em suas mãos a produção e a justa
repartição das riquezas, a cultura da terra,
na transição, nem socialista, nem capitalista”.
o estabelecimento e o desenvolvimento das
Para eles, era forçoso reconhecer haver sur­
fábricas, a organização e a direção do co­
gido um novo modo de produção com uma mércio, enfim, a aplicação do capital à pro­
nova classe dominante e exploradora na dução pelo único banqueiro, o Estado. T u ­
União Soviética (o que tinha implicações do isso exigirá uma ciência imensa e muitas
profundas para o tipo de posicionamento po­ cabeças transbordantes de cérebro nesse
lítico que deveria ser mantido em relação a governo. Será o reino da inteligência cientí­
ela). A seção que segue examina as origens e fica, o mais aristocrático, o mais despótico,
os desdobramentos principais dessa caracte­ o mais arrogante e o mais desprezível dc to­
dos os regimes. Haverá uma nova classe,
rização alternativa.
uma nova hierarquia de doutos reais e fictí­
cios, e o mundo se dividirá em uma minoria
Leituras Centradas na Emergência de dom inando em nome da ciência, e uma
um Novo M odo de Produção e uma imensa maioria ignorante" (Bakunin, 1989,
Nova Dominação de Classe pp. 95-6).

Dos conceitos totalizantes rivais sobre Para Bakunin, a verdadeira liberdade e


as sociedades do Leste surgidos no âmbito emancipação só poderiam advir da imediata
do pensamento marxista, este é o que reúne abolição do Estado e sua substituição pela
o maior núm ero e a maior variedade de formação livre e pela livre federação de as­
abordagens e enfoques. Antes de proceder à sociações operárias baseadas na propriedade
análise específica destas, vamos começar coletiva da terra, dos capitais, das matérias-
examinando alguns dos seus precursores teó­ primas e dos instrumentos de trabalho (Ba­
ricos no movimento socialista e no pensa­ kunin, 1983, p. 117).
mento de inspiração marxista. H á uma forte coincidência entre estas
posições bakuninistas e as defendidas pelo
Bakunin e as Críticas Anarquistas e polonês Vaclav Machajski no início do século
Sindicalistas ao Socialismo Autoritário XX (Machajski, 1937). Este caracterizava o
Fora do âmbito próprio do marxismo — “socialismo” da social-democracia como a
mas nos marcos do movimento operário do ideologia de uma nova classe de intelectuais
século passado — cabe destacar, em primei­ e técnicos que explorava as lutas dos operá­
ro lugar, as críticas anarquistas (sobretudo as rios manuais para chegar ao poder e impor a
de Michael Bakumn) ao “socialismo autori­ sua dominação. Ecos desta interpretação
tário” de Marx.17 As divergências entre os ainda podiam ser identificados nas reflexões
adeptos das duas correntes culminaram na de autores dissidentes poloneses nos anos 70
expulsão de Bakunin da I Internacional, em e 80 (Konrád e Szelényi, 1979). Concepções

58
antiintelectualistas análogas podem ser en ­ triunfo dos seus partidários (idem: p. 235).
contradas, ainda, nos escritos da fase sindica­ Esta impossibilidade do socialismo seria de­
lista de George Sorel (1919 e 1972), sobretu­ terminada não só por motivos técnicos, mas
do na sua crítica aos partidos políticos (que, também por fatores psicológicos — o mesmo
segundo ele, subordinavam o proletariado a instinto que leva os proprietários, nas socie­
políticos profissionais). Para Sorel, processos dades capitalistas, a deixarem de herança pa­
de nacionalização dos meios de produção ra seus filhos as riquezas que acumularam
conduzidos por partidos políticos resultariam em vida, levaria os administradores da fortu­
não na emancipação dõs trabalhadores, mas na e dos bens públicos no Estado socialista a
no aum ento do poder dos políticos sobre os se beneficiarem do seu imenso poder para
produtores. A alternativa, ^para ele, residiria assegurar a seus filhos a sucessão nos cargos
na deflagração de um a greve geral (insur­ que ocupam. De posse dos instrumentos do
recional) que restaurasse o controle da pro­ poder coletivo, este grupo social faria de tu ­
dução para os homens livres, sem qualquer do para preservá-los. Em decorrência, a re­
necessidade de mestres. Esta revolução seria volução social simplesmente substituiria uma
ao mesmo tempo social e moral, e significa­ classe dominante visível e tangível por uma
ria “a recusa do proletariado em ver novas oligarquia demagógica operando sob a falsa
hierarquias m ontadas sobre si” (Sorel, 1919, máscara da igualdade (idem, p. 231).
pp. 59-60). Poucos autores marxistas preocuparam-
se em responder a essa crítica micheliana.
Michels e a Lei de Bronze No seu livro Tratado de Materialismo Histó­
da Oligarquia rico, de 1921, Bukharin comenta as posições
H á importantes pontos de contato entre de Michels (e Pareto) e admite poder haver
estas idéias de Sorel e as posições desenvolvi­ uma tendência â formação de uma camada
das por R obert Michels no seu célebre estu­ dirigente como classe embrionária durante o
do sobre as conseqüências oligárquicas do período de transição, mas reitera que esta
imperativo organizacional nas sociedades de tendência não constitui “lei inexorável” e po­
massa contem porâneas — a chamada “lei de de ser combatida e revertida (Bukharin,
bronze da oligarquia” (Michels, 1982).18 E m ­ 1970). Já Gramsci criticou Michels, entre o u ­
bora sua análise se concentrasse na evolução tras coisas, por confundir a divisão técnica do
dos partidos social-democratas fora do poder trabalho com a divisão social (de classe). E n­
(enquanto protótipos do Partido D em ocráti­ quanto a primeira era inevitável, mas podia
co Moderno), o pensam ento micheliano se ser controlada, a segunda não (Gramsci,
sustentava numa singular combinação das 1984, p. 109).
perspectivas teóricas de Marx e W eber, que Os autores anarquistas foram os primei­
viria a servir de base para praticam ente todas ros a apontar, sobretudo após o esmagamen­
as abordagens posteriores que identificaram to da rebelião de Kronstadt e do movimento
a emergência de um a “nova classe dominan­ makhnovista, a emergência de uma “nova
te” nos marcos da “burocracia reinante” nos classe” opressora na Rússia soviética — a
Estados de tipo soviético. “comissariocracia”, segundo expressão cu­
Michels indicava que toda organização nhada por Rocker em 1921 (Rocker, 1977,
implica divisão de trabalho — e que qual­ p. 18). Isto, segundo eles, confirmava tragi­
quer órgão da coletividade, nascido da divi­ camente a validade da crítica fundamental
são do trabalho, cria para si, logo que estiver dirigida ao “socialismo autoritário” marxista
consolidado, um interesse especial em oposi­ desde o século passado. A experiência da re­
ção ao interesse geral. Por isso, na sua opi­ volução soviética teria comprovado, mais do
nião, a perspectiva marxista da construção que nunca, que o Estado é, pela sua própria
de uma sociedade sem classes era inviável. O essência, gerador e perpetuador de diferen­
socialismo pereceria no próprio m om ento do ças de classe, e que não pode ser transforma­

59
do em instrum ento de libertação do povo não passaria de uma revolução camponesa-
(Rocker, 1977; Voline, 1990). agrária.
Adviriam disto dois cursos alternativos
Karl Kautsky e a de desenvolvimento possível para o poder
Crítica Social-Democrata soviético: ou este reconhecia o caráter social
A crítica mais dura e sistemática ã cons­ da revolução que dirigia e abria o caminho
tituição de um a nova classe dominante na para o desenvolvimento do capitalismo (o
URSS, no entanto, viria do quadrante políti­ que implicaria uma abertura política cor­
co oposto ao do anarquismo no movimento respondente, mediante nova convocação ou
operário — o dos dirigentes principais da II eleição da Assembléia Nacional Constituinte,
Internacional (social-democrata), sobretudo que suplantaria, assim, os próprios sovietes);
Kautsky, Hilferding e os líderes da ala direita ou ele se aferraria a métodos ditatoriais para
dos mencheviques russos (ou seja, precisa­ explorar e expropriar o campesinato (o que
mente os “mais estatistas” dos “socialistas es- acarretaria a alienação da sua base social
tatistas”), a quem Rosa Luxemburgo se refe­ principal e, conseqüentemente, a sua der­
ria sarcasticamente como “os ‘sábios’ oficiais rubada devido ao isolamento político interno
do marxismo” (Luxemburgo, 1983, pp. 434- e externo). Essa mesma compreensão funda­
5). Como vimos antes, os dirigentes social- mentou a oposição dos mencheviques rem a­
democratas haviam se oposto à tom ada do nescentes na Rússia às políticas do “com u­
nismo de guerra” adotadas pelos bolchevi­
poder pelos bolcheviques por considerar a
ques entre 1918 e 1921.19
Rússia demasiado atrasada para proceder à
Q uando o poder soviético mostrou-se
construção do socialismo, enquanto Rosa
capaz de superar as suas primeiras provas na
Luxemburgo e Trotsky (conform e a orienta­
G uerra Civil, as reflexões de Kautsky cami­
ção estratégica inicial do Partido Bolchevi­
nharam no sentido de identificar a em ergên­
que) destacavam que a revolução soviética
cia de uma forma de “capitalismo de Esta­
poderia ser um a força catalisadora de revo­
do” na Rússia soviética (falaremos mais so­
luções sociais nos países mais adiantados,
bre isto no próximo artigo). Nos marcos des­
que “resgatariam”, em seguida, a URSS do te, estaria surgindo uma nova classe domi­
seu próprio subdesenvolvimento. nante, com base na fusão da burocracia esta­
A primeira reação dos dirigentes social- tal com a burocracia do capital (uma espécie
democratas ã revolução soviética foi de total de “burguesia burocrática”). O seu texto
descrença em relação às suas possibilidades Terrorismo e Comunismo, de 1919 (que pro­
de sobrevivência. Kautsky, por exemplo, na vocou a resposta irada homônima de
condição de assessor do Ministério das Rela­ Trotsky) fundamenta essa perspectiva a par­
ções Exteriores da Alem anha após a der­ tir de uma transcrição quase que literal das
rubada do governo do kaiser no final de reflexões contemporâneas de W eber sobre a
1918, aconselhou contra o estabelecimento burocracia (Kautsky, 1973). Assim, ele sim­
de relações diplomáticas com o poder sovié­ plesmente transfere para os bolcheviques a
tico, já que este não se seguraria no poder crítica dirigida ao socialismo por Weber, in­
por muito tem po (Steenson, 1991, p. 201). dicando que eles teriam potenciado ao máxi­
Na sua principal obra sobre a URSS escrita mo o processo de burocratização ao unificar
nesse mesmo ano, esta inviabilidade do po­ duas burocracias (a pública e a privada) que
der soviético era explicada em função do ca­ antes se apresentavam separadas e em
ráter burguês da revolução russa, o que, por concorrência na sociedade. Isto só tornaria
sua vez, era determ inado pela preponderân­ ainda mais limitadas e difíceis as condições
cia do campesinato na sua sociedade de resistência dos trabalhadores.
(Kautsky, 1979, p. 73). A pesar da sua retóri­ Com base nessa compreensão franca­
ca socialista, portanto, a revolução soviética m ente hostil ao poder soviético, Kautsky en­

60
viou, em 1924, um m em orando sobre a si­ ma de exploração e servidão.” (Kautsky,
tuação soviética ã Internacional O perária So­ apud Salvadori, 1986, p. 291).
cialista (IOS — a articulação internacional Diferentemente dos anarquistas, no en ­
remanescente do movimento social-demo- tanto, Kautsky considerava a emergência
crata na época) exigindo que esta desta nova classe dominante na URSS uma
desenvolvesse um a luta contra o bolchevis- decorrência não das “concepções socialistas
mo não menos enérgica do que aquela que autoritárias” de Marx, mas do voluntarismo
havia travado antes de 1917 contra o tzaris- dos bolcheviques, que teimaram em passar
mo (Kautsky, 1925). Este m em orando foi por cima das condições objetivas existentes
duramente criticado, na época, pelos pró­ na sua sociedade e tentaram eliminar, por
prios mencheviques, que se recusaram a as­ decreto, as etapas necessárias ao desenvolvi­
sumir a responsabilidade histórica de com an­ mento do socialismo. Contra Trotsky, ele a r­
dar a derrota do regime surgido da revolu­ gumentava que a “ditadura do proletariado”
ção russa (Liebich, 1986, p. 355). Os m en­ já havia nascido deformada como “ditadura
cheviques haviam interpretado a adoção da de partido” na Rússia. As origens do proces­
NEP, em 1921, como o reconhecimento do so de formação da “nova classe” rem onta­
“caráter burguês” da revolução pelo poder riam, portanto, ao monolitismo político insti­
soviético e o seu encam inham ento para um tuído por Lênin (e pelo próprio Trotski), não
desenvolvimento capitalista clássico. Os so- fazendo sentido falar em uma “degenera­
cial-democratas russos, nessa época, chega­ ção” posterior.
ram até mesmo a criticar o Partido Bolchevi­ Em bora não fossem aceitas unanime­
que por fazer concessões em demasia ao ca­ mente, essas posições de Kautsky tiveram
pital estrangeiro e aos “novos ricos” inter­ forte ressonância no movimento social-de-
nos.20 A reversão nas políticas da N E P a par­ mocrata nos anos 30. Em 1931, o economis­
tir da “G rande V irada” de 1928, e a subse­ ta do PS francês, Lucien Laurat, publicou
qüente “revolução pelo alto”, no entanto, um importante livro sobre a economia sovié­
deitaram por terra essa avaliação e recoloca­ tica caracterizando a “oligarquia burocrática
ram para os dirigentes social-democratas (e o da U RSS” como “um a classe que deriva sua
conjunto das forças oposicionistas) a proble­ renda da exploração da população” (Laurat,
mática teórica e polftica da natureza da URSS. 1931, p. 193, tradução minha). As alas de di­
Neste período, Kautsky resgatou a tese reita e de centro do Partido Menchevique
anarquista da emergência de um “novo m o­ russo, sobretudo seus dirigentes Boris Nico-
do de produção” distinto, tanto do capitalis­ laievski e Rafael Abramovitch, também
mo, quanto do socialismo na União Soviéti­ acompanharam as concepções de Kautsky,
ca. Contra O tto B auer (cujas opiniões vimos afastando-se das posições da ala esquerda li­
mais acima), ele afirmava que a ideologia so­ derada pelo então presidente do Partido,
cialista tinha valor apenas instrumental para Theodor Dan (Liebich, 1986).
o regime soviético. Este era dominado, na
verdade, por um a “nova aristocracia” que Teorias do Totalitarismo: Hilferding,
controlava os meios de produção não-priva- Souvarine, e Victor Serge
dos e os explorava em benefício próprio: Nicolaievski viria a convidar o célebre
“Não a abolição de todas as classes, mas a economista austríaco Rudolf Hilferding,
substituição das velhas classes por novas foi amigo e colaborador próximo de Kautsky,
a culminação da revolução bolchevique de
para publicar um artigo na revista dos m en­
1917 [...]. A econom ia militarizada, alta­
cheviques russos, refutando o resgate da tese
m ente concentrada, do Estado soviético,
difere radicalm ente, por certo, da econo­ do “capitalismo de Estado” na URSS pelo
mia do capitalismo privado, mas não está trotskista inglês “dissidente” R. Worral. A
menos distante do objetivo da em ancipação resposta de Hilferding foi publicada em 1940
da classe trabalhadora do que qualquer for­ (Hilferding, 1977), um ano antes dele ser

61
morto pela Gestapo na França ocupada. As formação” que varreria o mundo em seguida
suas críticas à tese do “capitalismo de E sta­ nos anos 30. Esta “transformação universal”
do” basicamente reeditaram os argumentos teria levado ã suplantação da auto-regulação
já levantados em 1934 pela menchevique de liberal do mercado (e a separação institucio-,
esquerda Olga Domanevskaia (citada mais nal das esferas econômica e política dela
acima). Ele apontou o contra-senso de se ca­ decorrente) por esforços massivos de regula­
racterizar como “capitalista” uma sociedade ção consciente da vida social, como os planos
em que não existia propriedade privada dos qüinqüenais soviéticos, o New Deal norte-
meios de produção, as leis de mercado não americano, o nazismo alemão, o retorno a
atuavam autonom am ente, e a maximização impérios autárquicos etc. (Polanyi, 1980).
do lucro não constituía a motivação central Polemizando com Trotsky, Simone Weil já
da produção. Criticou, igualmente, a inade­ havia chegado a conclusões semelhantes em
quação de se conceber a “burocracia” como 1933 (Weil, 1977).
detentora independente do poder na União Diferentes autores marxistas já haviam
Soviética. incorporado o totalitarismo como conceito
A principal inovação teórica introduzida central das suas caracterizações da URSS
no artigo por Hilferding, no entanto, foi a nos anos 30. No seu livro biográfico sobre
identificação do surgimento de um novo sis­ Stalin publicado em 1935 (duramente criti­
tema social na URSS — a “economia totali­ cado por O tto Bauer, por sinal), o historia­
tária de Estado” — do qual estariam se dor francês Boris Souvarine apontou um
aproximando, tam bém , a Alemanha nazista “parentesco histórico profundo” entre o to­
e a Itália fascista. Nesse sistema, as relações talitarismo na Alemanha e na União Soviéti­
entre política e economia seriam alteradas ca (Souvarine, 1935). Este autor (que foi
por completo, com a primeira tornando-se fundador do PCF e integrante do Secretaria­
independente e determ inante da segunda. do da III Internacional até ser expulso, em
Para Hilferding, isto subvertia a com preen­ 1924) concluiu que o totalitarismo político
são original do marxismo sobre a relação en­ da URSS se fundava em um novo tipo de ex­
tre economia e Estado. Por isto, seria neces­ ploração tecno-burocrática desenvolvida nos
sário abandonar a pretensão de caracterizar marcos da economia estatizada. Ele chegou
economicamente a sociedade soviética como mesmo a classificar este novo tipo de explo­
capitalista ou socialista, e reconhecer que a ração como um “feudalismo burocrático” (o
evolução da sua sociedade era determinada, que me parecc uma conjunção de termos
em inentemente contraditórios). O dissidente
sobretudo, pela natureza totalitária do seu
bolchevique refugiado na França, Victor
poder político (idem , p. 96).
Serge chegou a conclusões análogas em im­
A abordagem teórica do fenômeno to ­
portante obra sobre a revolução russa publi­
talitário por Hilferding rompia, assim, com o
cada dois anos depois (Serge, 1937). No pós-
enfoque centrado na emergência de um “no­
guerra, Hannah Arendt procurou sistemati­
vo modo de produção” especificamente so­
zar teoricamente o próprio conceito de tota­
viético de Kautsky. Essa abordagem do eco­
litarismo, tomando como referência básica
nomista austríaco tinha evidentes pontos de
os desenvolvimentos na Alemanha de Hitler
contato com reflexões de outros renomados
e na União Soviética de Stalin (examinamos as
autores contemporâneos, influenciados em
suas formulações na primeira parte desta rese­
menor ou maior graus (e de diferentes for­
nha, publicada no número anterior do BIBJ.
mas) pelo pensam ento marxista. E ntre estes,
destaca-se KarI Polanyi. Em bora sua aborda­
Marcuse e o Legado
gem não fosse centrada no conceito de to ta­
da Escola de Frankfurt
litarismo, Polanyi identificou na industrializa­
ção e coletivização da URSS ao final dos A temática do totalitarismo foi retom a­
anos 20 o marco precursor da “grande trans­ da, igualmente, nas reflexões críticas de au-

62
tores ligados ã chamada Escola de Frankfurt não concordarem com sua caracterização da
sobre a racionalidade da civilização industrial sociedade soviética.
moderna.21 Marcuse, em particular, argu­
mentou que, ao impor um tipo de controle e Os Trotskistas Dissidentes I: Rizzi,
centralização da produção que negou aos Burnham e Schachtman
produtores imediatos o papel de sujeitos au ­
O trabalho precursor dessa “dissidência
tônomos, a nacionalização e a abolição da
trotskista” foi o livro O Coletivismo Burocrá­
propriedade privada na U RSS teria resulta­ tico, do italiano Bruno Rizzi, publicado em
do no aperfeiçoamento da dominação, em 1939 (Rizzi, 1977). Nele, Rizzi argumenta
vez de pré-requisito para a sua abolição que a burocracia soviética havia se cristaliza­
( Marcuse, 1969, p. 80). O fenômeno do tota­ do em uma nova classe dominante na URSS,
litarismo, nesta perspectiva, estaria fundado nos marcos da constituição de um novo siste­
na generalização, em todas as sociedades in­ ma de exploração que ele chama de “coleti­
dustriais, de uma única e limitada racionali­ vismo burocrático”. Neste, o controle do E s­
dade instrumental burguesa, que padroniza tado dava à nova classe dominante (a buro­
e atomiza os indivíduos, sufocando a sua es­ cracia) a propriedade efetiva dos meios de
pontaneidade e autonomia. produção, embora ela não dispusesse dos tí­
Como as sociedades de tipo soviético tulos jurídicos de propriedade da velha bur­
não só incorporaram como passaram a re­ guesia. Já os trabalhadores, seriam reduzidos
produzir esta mesma racionalidade, suas di­ à condição de escravos. Rizzi introduz, aqui,
ferenças fundamentais com a sociedade oci­ uma distinção teórica entre a “propriedade
dental estariam sendo esmaecidas por uma formal” e o “controle real” dos meios de
forte tendência à assimilação, Em am bas as produção, que se tornaria peça central na ar­
sociedades, segundo Marcuse, a centraliza­ gumentação de inúmeros autores contrários
ção e a regimentação superavam a empresa à caracterização dos Estados de tipo soviéti­
individual e a autonomia; a competição se co como socialistas.
tornava cada vez mais organizada e “raciona­ Para o ex-trotskista italiano, no entanto,
lizada”, as burocracias econômicas e políticas a emergência deste “coletivismo burocráti­
eram unificadas sob um governo de com an­ co” não seria um desenvolvimento específico
do; e a massa do povo era coordenada e m o­ soviético. Ele o interpretava como fruto das
bilizada por intermédio da mídia e dos meios contradições da socialização da produção no
mundo industrial moderno: por um lado, a
massificados de diversão e educação (idem ,
classe operária havia se revelado incapaz de
pp. 79-80). Enfim, o processo de burocrati-
cumprir o papel previsto originalmente para
zaçâo monolítica, que W eber imputava ao
ela na teoria marxista — assumir o controle
socialismo e Kautsky ao bolchevismo, estaria
da indústria moderna por meio da revolu­
tomando conta de toda civilização industrial
ção; por outro, o capitalismo também se
moderna. Este enfoque marcuseano teve mostrava incapaz de funcionar e sobreviver,
forte influência sobre as “teorias da conver­ em função do alto grau de concentração e
gência” desenvolvidas no Ocidente entre os centralização alcançado pela produção. Co­
anos 50 e 70 (vistas na primeira parte da mo resultado, a burocracia emergiu como
resenha). Ele se entrelaça, também , com al­ agente social da superação do capitalismo,
gumas das leituras marxistas que identifica­ constituindo uma nova forma de economia
ram a prevalência do capitalismo de Estado coletivista (burocrática), mais adequada ao
e/ou burocrático nos países do Leste (discu­ caráter social da produção no mundo mo­
tiremos estas no próximo artigo). Suas ori­ derno. Assim como Polanyi, Rizzi concebia
gens, no entanto, rem ontam às reflexões dos esse desenvolvimento como uma transfor­
colaboradores e seguidores de Trotsky que mação universal materializada^em múltiplos
romperam com este no final dos anos 30, por desenvolvimentos mundiais no decorrer dos

63
anos 30 (na URSS, na Alemanha, na Itália, não possuem propriedade própria sobre os
nos Estados Unidos etc.). meios de produção antes da tomada do po­
Entre 1939 e 1940, houve um a cisão im­ der, eles se apropriam das forças produtivas
portante no Partido Socialista dos T raba­ (via revolução) através da esfera política (o
lhadores, seção da IV Internacional nos Es­ Estado operário). Seu poder social, portanto,
tados Unidos, opondo dois de seus principais é inseparável do seu poder político. Por isso,
dirigentes, Jam es Burnham e Max Scha- a tese de Trotsky de que o proletariado foi
chtman, às posições “ortodoxas” de Trotsky. “politicamente expropriado” pela burocracia
No centro da polêmica estava a caracteriza­ em um Estado que continuaria sendo operá­
ção do regime social existente na URSS que, rio (em função da predominância de formas
segundo os dois dissidentes, não podia ser sociais de propriedade) não faria sentido: o
considerado nem um Estado operário, nem Estado só pode ser concebido como “operá­
um Estado burguês. Fundam entando esta rio” na medida em que os trabalhadores
posição, Burnham publicou, em 1941, o livro exerçam efetivamente o poder político na so­
The Managerial Revolution (Burnham, ciedade (idem , pp. 43-4). Schachtman, assim
1941), que viria a ter grande influência sobre como Rizzi, enfatizava a necessidade de se
os defensores da teoria da convergência no distinguir teórica e conceitualmente as “for­
pós-guerra (vistos no artigo anterior). Como mas de propriedade” das “relações de pro­
Rizzi, Burnham situou a emergência de um dução”, destacando que, no caso do Estado
“novo modo de produção” na U nião Soviéti­ operário, as formas de estruturação da esfe­
ca nos marcos da ascensão mundial de uma ra política são determinantes das relações de
nova classe dom inante — a dos adm inistra­ produção.
dores tecnocratas — que substituía as fun­ Com base neste raciocínio teórico,
ções e o poder das antigas classes proprietá­ Schachtman afirmou a inexistência de um
rias. Todo o m undo desenvolvido estaria “Estado operário” na URSS, caracterizando-o
convergindo para o m esm o tipo de transfor­ como um “Estado burocrático coletivista”.
mação nos processos produtivos (a “revolu­ Este “coletivismo burocrático”, no entanto,
ção dos adm inistradores”), que resultava na era concebido em termos diferentes de Rizzi
conformação de um m odo de produção his­ e Burnham. Para Schachtman, tratar-se-ia
toricamente novo (a “sociedade dos adminis­ de um fenômeno limitado à União Soviética,
tradores”). Cabe registrar que tanto Rizzi fruto de um a conjuntura histórica única
quanto Burnham sustentaram metodologi­ (idem, p. 81). Os expurgos do final dos anos
camente suas análises num a radicalização do 30 teriam coroado um processo de contra-
determinismo tecnicista presente no próprio revolução que alterou o caráter de classe do
pensamento de Trótsky. Estado soviético, consolidando a burocracia
Já as posições de Schachtman se susten­ como nova classe dominante. O marco políti­
tavam sobre bases diferentes (Schachtman, co desse coroamento teria sido a “liquida­
1962). Sua crítica teórica fundamental de ção” dos sovietes na Constituição de 1936
Trotsky se dirigiu contra a separação concei­ (que reintroduziu o princípio do sufrágio
tuai, feita por este, dos poderes político e universal na URSS). A conquista definitiva
econômico do estado operário. Segundo do poder pela burocracia teria, portanto, dis­
Schachtman, esta separação conceituai e ins­ sipado as relações de propriedade estabeleci­
titucional só seria concebível em sociedades das pela revolução bolchevique.
capitalistas, nas quais a burguesia se vale da Segundo Schachtman, o reconheci­
sua supremacia econômica (isto é, da sua mento da necessidade de uma nova revolu­
propriedade privada sobre os meios de pro­ ção política na URSS por Trotsky, a partir
dução fundamentais) para conformar o seu de 1933, indicaria que ele também intuiu es­
poder social em um a esfera política estrutu­ sa alteração fundamental, mas não ousou le­
rada separadamente. Como os trabalhadores var essa intuição às últimas conseqüências

64
(ficando preso, portanto, a uma formulação rocracia política (idem, p. 62) e também uma
contraditória). Para o dissidente trotskista, o preocupação central com as formas as­
que se impunha para os trabalhadores sovié­ sumidas pelo Estado nos países do Leste
ticos era uma nova revolução tanto política (idem, pp. 104-47). Ao contrário dos dis­
quanto social contra a classe burocrática d o ­ sidentes trotskistas, no entanto, Djilas locali­
minante. Sua evolução posterior, no entanto, zou o germe da “nova classe” na concepção
foi marcada por um progressivo afastam ento de partido desenvolvida por Lênin e pratica­
de posições marxistas- e um crescente ali­ da pelos bolcheviques, concepção esta que
nhamento com a política externa norte-am e­ transformaria inevitavelmente esse tipo de
ricana no âmbito da G uerra Fria — a ponto partido no alicerce de um Estado totalitário
de apoiar, antes de morrer, em 1972, a parti­ após a tomada do poder (idem, p. 63). No
cipação dos Estados Unidos na invasão da caso específico da União Soviética, berço
Baía dos Porcos em Cuba e na G uerra do deste fenômeno, a interpretação de Djilas
Vietnã (Bellis, 1979, p. 111). inspirou um estudo detalhado sobre a com­
posição da suposta “nova classe dom inante”
Leituras Dissidentes no Leste: Milovan pelo historiador Michael Voslensky, após o
Djilas e as Interpretações Iugoslavas seu refúgio no Ocidente (Voslensky, 1980).
Possivelmente marcados pela singulari­ Se a obra de Djilas carece de qualquer
dade das suas experiências pessoais, a tese da contribuição teórica mais substantiva, resta
emergência de um novo modo de produção perguntar: por que ela teve tamanha repercus­
específico nas sociedades de tipo soviético foi são? Parece-me que a resposta reside no
incorporada, no pós-guerra, pela maior parte próprio perfil pessoal do autor: um dos mais
dos círculos marxistas dissidentes no Leste. altos dirigentes do Partido e do Estado da
O trabalho precursor dessa incorporação foi, Iugoslávia, presidente do Parlamento Nacio­
sem dúvida, o famoso livro A Nova Classe, nal desse país até a sua expulsão da Liga dos
do ex-dirigente da Liga dos Comunistas da Comunistas, em 1954, e posterior prisão. Ou
Iugoslávia, Milovan Djilas, recém-falecido seja, alguém que referenciava a sua caracte­
(Djilas, 1958). D o ponto de vista teórico, sua rização teórica em uma rica e intensa expe­
análise não traz qualquer inovação im por­ riência pessoal na direção dos fenômenos
tante em relação às reflexões de Rizzi e que analisava, o que conferia a essa caracte­
Schachtman que acabamos de ver. D o pri­ rização maior credibilidade e legitimidade. O
meiro, ele incorpora a distinção conceituai fato é que a sua análise teórica não era pro­
entre formas jurídicas de propriedade e con­ priamente inovadora, nem mesmo dentro do
trole efetivo da produção. Assim, para Djilas: seu país. Após a cisão com a URSS nos anos
50, vários autores de círculos políticos e aca­
“O direito à propriedade é o direito ao lu­
cro e ao controle. Definido-se as vantagens
dêmicos “oficiais” (ou tolerados) da Iugoslá­
de classe segundo esse direito, os Estados via passaram a identificada existência de um
comunistas terão visto, em última análise, a “novo modo de produção estatista” nos paí­
origem de um a nova form a de p ro p ried a ­ ses do bloco soviético (entre outros, Popovic,
de ou de um a nova classe governante e ex­ 1963; Vranicki, 1972 e 1974; Stojanovic,
ploradora [...]. Em contraste com as a n ti­ 1973; Markovic, 1977). O “crime” de Djilas
gas revoluções, a com unista, feita em n o ­ parece ter sido o de aplicar esse enfoque ã
me da extinção das classes, resultou na
própria Iugoslávia...
mais com pleta autoridade de um a única e
nova classe. O resto é logro e ilusão.”
(idem, pp. 58-9). Rudolf Bahro
De Schachtman, o dissidente iugoslavo Os anos 70 testemunharam o surgimen­
herdou a identificação da Constituição de to de interpretações teóricas bem mais sofis­
1936 como marco político da formação de ticadas (embora menos badaladas) entre au ­
uma nova classe exploradora baseada na b u ­ tores marxistas dissidentes nos países do Les­

65
te. Uma das mais interessantes foi desenvol­ talista” até a tomada do poder pelos bolche­
vida pelo alemão-oriental R udolf Bahro viques), embora Lênin e seus companheiros
(1980). Este fundam entou a sua caracteriza­ não tivessem consciência disso.
ção das sociedades de tipo soviético em uma A tentativa de construir o socialismo
analogia com os processos históricos de tran­ nessas condições de atraso teria resultado
sição de sociedades primitivas para as pri­ numa espécie de “despotismo industrial”: a
meiras sociedades de classe (processos m ar­ socialização da produção assumiu “a forma
cados pelo predomínio do “despotismo agrá­ alienada de uma estatização baseada numa
rio” ou do “modo de produção asiático”). superação frustrada da antiga divisão do
Estas sociedades de transição cobririam um trabalho” (Bahro, 1980, p. 16). Entre os tra­
vasto período histórico, nos marcos do qual ços centrais deste despotismo industrial esta­
sociedades com um a divisão de trabalho em ­ riam a organização burocrâtico-centralista
brionária e quase natural, sem produto exce­ de toda a sociedade; o caráter estratificado
dente estável, transformaram -se em socieda­ desta; a impotência dos que participam dire­
des com uma crescente divisão social do tamente da produção; a relativa debilidade
trabalho e um produto excedente estável o dos impulsos produtivos; e uma organização
suficiente para eximir do trabalho produtivo político-ideológica típica de um Estado teo-
uma parle de seus membros (Gilly, 1985, p. crático. A “exploração” que persistiria neste
9). Para Bahro, a chave para a compreensão tipo de sociedade seria um fenômeno es­
das sociedades de tipo soviético residia em sencialmente político, isto é, reflexo da distri­
compreendê-las como sociedades marcadas buição (desigual) do poder político (idem, p.
por uma transição histórica análoga, mas em 94). Para Bahro, a revolução soviética estava
direção oposta: da sociedade de classes para condenada a este tipo de desfecho desde o
a sociedade sem classes. Nesta transição, em ­ seu início, dadas as condições estruturais so­
bora a propriedade privada dos meios de bre as quais se desenvolveu (enfoque análo­
produção já tivesse sido abolida, persistia a go ao determinismo estrutural da Sociologia
divisão entre o trabalho manual e intelectual, Histórica ocidental, discutida na primeira
porque o baixo nível de desenvolvimento das parte da resenha).
forças produtivas ainda não permitia a ab­
sorção do trabalho excedente pelo trabalho Agnes Heller e a
necessário. Escola de Budapeste
Os ecos de Trotsky nesta formulação O tema da alienação também ocupa lu­
são. evidentes. Mas há diferenças im portan­ gar central na caracterização das sociedades
tes. A mais crucial é que Bahro concebe a de tipo soviético pelos ex-colaboradores e
“sociedade de transição” como um vasto alunos de Gyorgy Lukács agrupados na cha­
processo histórico que se auto-reproduz, e mada Escola de Budapeste.2“ A principal
não como um período necessariamente cur­ inovação teórica introduzida por estes foi a
to, instável, tem porário e sem dinâmica pró­ identificação de uma nova formação socio-
pria. Na sua visão, esse tipo de transição é econômica nos países do Leste, marcada pe­
fruto do bloqueio, pelos países capitalistas la monopolização de todos os meios de orga­
centrais, de qualquer possibilidade de indus­ nização e intercâmbio social pelo aparelho
trialização dos países dependentes e “subde­ estatal. Esta nova sociedade, distinta tanto
senvolvidos” na economia mundial. Por cau­ do capitalismo quanto do socialismo e com
sa disto, o impulso para a industrialização to­ elevada capacidade de auto-reprodução, foi
mou corpo em movimentos revolucionários batizada por eles de “ditadura sobre as
que procuraram vias não-capitalistas para a necessidades” (Feher et allii, 1983).
sociedade industrial. Este seria o verdadeiro Cabe ressaltar que esta nova sociedade
sentido da Revolução de O utubro na Rússia não é concebida conceitualmente como um
(país classificado por Bahro como “pré-capi- “modo de produção”. Num enfoque próxi­

66
mo ao de Hilferdíng, os autores argum entam m ento de um a “ditadura sobre as neces­
que a estatização da propriedade é apenas a sidades”, na qual a estrutura política totaliza­
faceta econômica de um sistema total de do­ dora só permitia a satisfação de necessidades
minação social (idem , p. 70). Curiosamente, por ela reconhecida como “reais”, e reprimia
esta dominação não é identificada com a as demais. Ao insistir na regulação (e even­
emergência de um a nova classe dominante tual eliminação) da vida privada conforme o
(já que, referenciados em W eber (1982, p. ideal oficial de necessidade social, o sistema
214), eles sustentam que o conceito de “clas­ se tornava totalitário. Em suma, a ênfase so­
se” só faria sentido em sociedades reguladas cialista na igualdade teria sido progenitora
pelo mercado). Ela expressaria, isto sim, o do despotismo nos estados de tipo soviético.
controle do estam ento superior da burocra­
cia estatal-partidária sobre toda a vida social Desenvolvimentos no Marxismo
(Feher et allii, 1983, p. 131). Assim como Ocidental: Paul Sweezy e o
Weber e Michels, os pensadores da Escola Legado de 1968
de Budapeste localizam a origem desta nova
No âmbito da esquerda ocidental, o du­
forma de dominação em impasses do pró­
plo impacto da cisão sino-soviética e das re­
prio projeto socialista, e não nas condições beliões estudantis-juvenis nos anos 60 tam ­
históricas de atraso enfrentadas pelas expe­
bém reavivou a identificação de uma “nova
riências revolucionárias ou na “traição” de classe dominante” nos países do Leste. Entre
princípios socialistas originais. os líderes da rebelião de maio de 68 na Fran­
As reflexões de Agnes Heller sobre as ça, essa identificação materializou-se na re­
necessidades humanas são basilares para o cuperação de antigas posições anarquistas e
desenvolvimento desta interpretação (H e­ sindicalistas, e na transcrição quase que lite­
ller, 1976). Para ela, os bolcheviques herda­ ral da análise de Burnham sobre a generali­
ram do romanticismo da Revolução France­ zação do fenômeno burocrático e a em er­
sa, via Marx, a identificação conceituai da li­ gência de um a nova classe dominante de ad­
berdade com a igualdade (e a compreensão ministradores no mundo (Cohn-Bendit e
do socialismo como priorização da última). Cohn-Bendit, 1969). Mas a tese do “novo
No poder, esses revolucionários buscaram modo de produção” ganhou adeptos mesmo
erguer uma sociedade em que todos fossem entre expoentes mais tradicionais do pensa­
iguais, e as bases do conflito social (inclusive mento marxista no Ocidente, como o reno-
entre as classes) fossem superadas. Mas isto mado economista norte-americano Paul
teria implicado deslocar a compreensão das Sweezy.
necessidades como expressão do sujeito indi­ Após a grande cisão do movimento co­
vidual, em favor de um a visão globalizante munista no início dos anos 60, a questão da
da “necessidade social” que deveria com an­ natureza das sociedades pós-revolucionárias
dar a organização de toda a sociedade (pas­ no Leste tornou-se um a preocupação teórica
sando por cima de “necessidades individuais central para Sweezy. Suas reflexões sobre o
particulares”). O problem a crucial, aqui, é tema começaram pela defesa inicial da natu­
que as necessidades hum anas são historica­ reza socialista da URSS, para em seguida se
mente produzidas, e não podem ser determ i­ aproximar da interpretação trotskista clás­
nadas a partir de uma identificação, em se­ sica, até concluir pela inconsistência destas
parado, da “natureza hum ana” ou das “leis leituras e formular a tese do surgimento de
do desenvolvimento social”. Os revolucioná­ um novo modo de produção na sociedade
rios russos (assim com o seus predecessores soviética. A evolução do seu pensamento en­
franceses) teriam se arvorado em árbitros da tre 1967 e 1980 pode ser acompanhada nos
necessidade social, impondo sobre a sua so­ artigos reunidos no livro 4 Sociedade Pós-
ciedade plural um modelo único e ideal de Revolucionária (Sweezy, 1981).
necessidades. O resultado foi o estabeleci­ Em 1967, Sweezy não admitia a existên­

67
cia de uma nova classe dom inante nos países civilização), ele também estimula a nossa
do Leste, mas apenas de um “estrato diri­ “imaginação sociológica” a ousar vôos mais
gente”. Ele garantia, na época, que só várias criativos. Mas tudo isso é insuficiente para
gerações de transmissão hereditária de privi­ superar limitações cruciais do argumento —
légios e soerguimento de barreiras à mobili­ tanto no que se refere ã sua construção teó-
dade ascendente poderiam transformar esse rico-metodológica, quanto à sua consistência
“estrato” num a “classe” (i d e m p. 23). No empírica e conceituai.
início dos anos 70, no entanto, ele já identifi­ Do ponto de vista teórico-metodológi-
cava essa classe nos escalões superiores dos co, o conjunto das interpretações resenhadas
aparelhos do Partido, do Estado e do militar. nesta seção apoiou-se no que poderíamos
No caso da URSS, ela teria se moldado gra­ chamar de “tipo ideal weberiano negativo”.
dualmente a partir da década de 30, até Compreendendo o socialismo como alterna­
constituir-se em uma classe dominante cons­ tiva às mazelas e contradições fundamentais
ciente de si mesma e essencialmente auto-re- do capitalismo, os autores projetam as carac­
produtora (idem, p. 125). Sua formação con­ terísticas mais negativas deste em um tipo
duziu a sociedade soviética (e a dos demais ideal e concebem o socialismo como o opos­
Estados que a adotaram como modelo) para to. Se o tipo ideal capitalista é marcado por
um novo modo de produção, nem socialista, relações sociais desiguais e hierarquizadas,
nem capitalista. Segundo Sweezy, essa for­ pelo despotismo da propriedade privada na
mação social não poderia ser conccbida co­ produção, pela subordinação da humanidade
mo uma “sociedade de transição” porque à ação incontrolâvel do mercado, por formas
mantinha suas próprias leis específicas de de­ representativas formais de democracia, pela
senvolvimento e era capaz de auto-reprodu- prevalência de valores individualistas guiados
çSo autônoma. O utros autores marxistas no por uma racionalidade meramente instru­
Ocidente desenvolveram análises nesta mes­ mental etc., o tipo ideal socialista é caracteri­
ma linha de raciocínio, entre os quais eu des­ zado por relações sociais igualitárias e hori­
tacaria Samir Amin (s/d. e 1992) e Simon zontais, pela associação livre dos produtores
Clarke (Clarice et a/Z/i, 1993). em unidades coletivas de produção, pela
substituição do mercado pela regulação pla­
Um Balanço Parcial nificada e consciente de toda a vida social,
Numa passagem cm que busca apresen­ por formas substantivas de democracia dire­
tar de forma bastante resumida e sintética o ta e participativa, pelo predomínio de valores
seu argumento, Sweezy revela a estrutura de solidários voltados para o bem comum etc.
raciocínio que sustenta praticam ente todas Na medida em que os estados do Leste não
as interpretações resenhadas nesta seção: as correspondem a este tipo ideal — mas tam ­
sociedades de tipo soviético não se com por­ pouco reproduzem as características básicas
tam da maneira prevista para o socialismo do capitalismo, como a predominância da
por Marx; elas tam pouco conformam o pa­ propriedade privada e a economia de merca­
drão de funcionamento próprio do capitalis­ do — eles são concebidos como um novo ti­
mo; logo, só podem ser um novo tipo de so­ po de sociedade cujos contornos básicos têm
ciedade fundada em um modo de produção de ser melhor definidos.
não previsto originalmente pela teoria m ar­ O problema com esta abordagem é o
xista (idem, p. 118). A simplicidade do argu­ seu utopismo idealista. Não estou me refe­
mento o torna bastante sedutor. A o cogitar rindo, aqui, à “utopia” no sentido positivo —
possibilidades de desenvolvimento para civili­ o de vislumbrar alternativas políticas, econô­
zação moderna além da tradicional dicoto­ micas e sociais para além das instituições, es­
mia entre capitalismo e socialismo (o marxis­ truturas e relações em existência. Refiro-me
mo clássico só concebia como terceira alter­ à “utopia” no seu sentido negativo (de “lugar
nativa a barbárie, isto é, a negação da própria nenhum ”) — a não-confrontaçâo com os

68
problemas e impasses que a construção de esta socialização como pré-condição do so­
tais alternativas acarreta. O pensam ento de cialismo é, portanto, negar a sua própria es­
Marx não está isento deste utopismo/volun- sência e, em última instância, tornâ-lo tão
tarismo, mas sua discussão do socialismo impossível quanto a utopia anarquista de Ba­
(como primeira fase do comunismo) pelo kunin.
menos procura confrontar realisticamente Problemas teóricos análogos podem ser
alguns dos condicionantes e limitações bási­ vistos na discussão das formas democráticas
cos que afligiriam a construção de um a so­ de estruturação do Estado e da produção no
ciedade sem classes alternativa ao capitalis­ socialismo. Já vimos como, para Marx, as
mo no mundo moderno. Esta é a base da normas de repartição no socialismo ainda ti­
sua divergência com Bakunin e com os anar­ nham de ser baseadas no “direito burguês”,
quistas dc um a maneira geral. Isto no século devido à continuada predominância de rela­
passado, antes de qualquer tentativa mais sé­ ções “alienadas” na sociedade. Sem isto, a
ria de materializar historicamente a alternati­ ética do trabalho se decomporia e a socieda­
va socialista. Mais de cem anos depois, não é de socialista não seria capaz de criar as con­
o caso de ficarmos presos à letra das suas dições materiais para a sua passagem a uma
formulações, e sim de confrontarmos os no­ fase superior (uma vez mais, o processo his­
vos problemas e impasses revelados pelas tórico dc superação da alienação comporia a
tentativas de construção do socialismo no sé­ própria essência do socialismo enquanto eta­
culo XX. pa de transição). Nestas condições, a simples
A base teórico-metodológica adotada generalização de mecanismos de democracia
peia maior parte dos autores resenhados üirela e participativa no Estado e na produ­
nesta seção, no entanto, dá um passo atrás ção tenderia a afirmar interesses locais e in­
em direção a Bakunin. Tomemos, por exem­ dividuais (movidos pela lógica alienada da
plo, a distinção conceituai feita por estes au ­ maximização dos benefícios particulares)
tores entre a “nacionalização” e a “socializa­ contra o interesse da coletividade — o que
ção” dos meios de produção. É certo que a também determinaria, no limite, a própria
“efetiva socialização” não pode ser confundi­ impossibilidade da auto-reprodução amplia­
da com simples estatização das forças produ­ da da sociedade socialista.
tivas. Mas a eliminação das relações hierár­ A resolução democrática deste impasse
quicas na divisão técnica do trabalho (a “so­ no socialismo exige a constituição de institui­
cialização plena”) depende da superação das ções políticas representativas para compor es­
diferenças entre trabalho manual e trabalho se “interesse coletivo” de forma transparen­
intelectual na sociedade que fundam entam a te. Em outras palavras, em analogia com a
distinção entre tarefas de direção e tarefas caracterização do Estãdo burguês como “ca­
de execução no processo produtivo. Ou seja, pitalista coletivo ideal” por Engels (1977, p.
com base na discussão de Marx sobre as fa­ 54), o Estado socialista tem de constituir-se
ses da construção de uma sociedade sem democraticamente em “proletário coletivo
classes que vimos anteriorm ente, a “sociali­ ideal”. Deste ângulo, as experiências de fu­
zação efetiva” só se verifica na conclusão da são partido-Estado nos países do Leste po­
transição histórica entre a primeira e segun­ dem ser vistas como uma resposta não-de-
da fases do comunismo. Nesta visão, a “cen­ mocrática a este dilema socialista. A ênfase
tralização progressiva de todos os meios de unilateral em formas de democracia direta e
produção nas mãos do Estado” (Marx e En- participativa, por sua vez, é incapaz sequer
gels, 1976, p. 37), isto é a nacionalização/es- de formular o problema, quanto mais de
tatização, é a base para iniciar o processo de achar uma resposta.
efetiva socialização do processo produtivo, O resultado da opção teórico-metodoló­
que constitui a própria essência do socialis­ gica pelo “tipo ideal negativo” adotada pela
mo (enquanto etapa de transição). Conceber maior parte dos autores resenhados nesta se-

69
ção é, assim, o não-confronto teórico e políti­ bilidade do conceito tradicional (weberiano)
co com problemas e impasses cruciais do de burocracia nos Estados de tipo soviético;
próprio projeto socialista. Isto não se aplica, a imprecisão das fronteiras da “nova classe
evidentemente, às análises de Michels/Pareto dominante” no âmbito da burocracia; e a
e dos autores agrupados na chamada Escola inadequação de se identificar a constituição
de Budapeste. Os primeiros, como vimos, dessa dominação de classe estruturada na
negam a própria viabilidade do socialismo. burocracia no exato período em que esta é
Suas formulações merecem, hoje, um reexa- violentamente reprimida e expurgada. Mais
me mais profundo, à luz do colapso dos E s­ fundamental, no entanto, é a inadequação
tados de tipo soviético no Leste. Os segun­ revelada pelos próprios acontecimentos pós-
dos não estão inteiram ente isentos do idea­ 89: o colapso rápido e fulminante das socie­
lismo criticado acima. dades de tipo soviético no Leste revelou que
Numa abordagem muito influenciada elas não estavam estruturadas sobre um mo­
pelo enfoque dos “comunistas conselhistas” do de produção capaz de prolongada auto-re-
(que analisaremos no próximo artigo), Ag- produção histórica. A facilidade com que os
nes Heller apresenta como solução para o di­ governantes desses Estados abriram mão do
lema indicado acima a m ontagem de um a es­ poder (à exceção da Romênia) revela, igual­
pécie de “Estado dual”: por um lado, deveria mente, que a sua caracterização como uma
“nova classe dominante” era inadequada —
erguer-se um aparelho democrático de deli­
afinal, que classe abriria mão da sua “domi­
beração e ação executiva, capaz de maximi­
nação” e privilégios tão facilmente? Por fim,
zar o controle da vida social; por outro, deve­
o colapso do “bloco soviético” no Leste, e a
ria generalizar-se a m ontagem de cooperati­
profunda crise econômica, política e social
vas independentes e participativas, dispondo
que se lhe seguiu, mostram que a sua evolu­
do capital necessário para assegurar sua via­
ção fundamental não vinha operando no
bilidade e estabilidade (Heller, 1985). Mas o
sentido da convergência com o Ocidente. P e­
problema, como vimos, é que, nas condições
lo contrário, o que houve foi a derrota dos
próprias do socialismo, um lado deste E sta­
Estados do Leste diante de um sistema inter­
do entra em contradição com o outro. Heller
nacional dominado e hegemonizado pelas
argumenta que o segundo pode ser subordi­
principais potências ocidentais, a que se se­
nado legitimamente ao primeiro apenas se
guiu o desmantelamento dos pilares funda­
este se fundam entar racionalmente sobre va­ mentais de seu sistema econômico-social em
lores éticos universalmente aceitos. Mas isto nome da integração com o Ocidente.
implica que, na sua ação, o aparelho político Estes desenvolvimentos minaram tam­
deve distinguir as necessidades sociais que bém a credibilidade das interpretações m ar­
conformam com estes valores daqueles que xistas que classificavam as sociedades de tipo
não conformam. Só que isto reintroduz, pre­ soviético como já capitalistas antes do colap­
cisamente, a metafísica da discriminação de so. Estas serão analisadas em número futuro
necessidades que, na sua análise, está na ori­ do BIB, que contará, ainda, com um balanço
gem do totalitarismo no Leste. Voltamos, as­ geral das leituras ocidentais e marxistas à luz
sim, ao ponto de partida, sem solução... dos desenvolvimentos históricos que culmi­
Os problemas empíricos e conceituais naram no colapso do antigo “campo socialis­
enfrentados pela tese do “novo modo de ta” e na crise multilateral que se lhe seguiu.
produção no Leste” são ainda mais eviden­
tes. Alguns agravam observações críticas já (Recebido para publicação
feitas em relação a Trotsky, como a inaplica- em maio de 1995)

70
Notas

1. Por exemplo, será que as formulações sobre a “etapa superior do comunismo” não são
meramente utópicas (no sentido negativo)? Se “escassez” e “abundância” são termos re­
lativos, como conceber a possibilidade de uma sociedade produzir “abundância” de todos
os seus produtos, ou mesmo dos seus produtos fundamentais? Se a sociedade socialista
ainda está impregnada de valores burgueses e pré-burgueses, que forças-motrizes podem
impulsionar a transição para o comunismo? Será que a necessidade imperiosa de elevar a
produtividade econômica no socialismo não entra em contradição com a perspectiva da
progressiva superação das diferenças de classe, que é a sua própria razão de ser? Para
uma discussão inteligente destas (e outras) questões, ver Moore (1980).
2. Na verdade, essa posição rem onta a reflexões do próprio Marx, que argumentou especi­
ficamente não só a possibilidade, mas a imperiosa necessidade do proletariado, na sua re­
volução, estabelecer uma sólida aliança com a massa de camponeses. Isto implicava a in­
corporação (e encam inham ento) das suas principais reivindicações do campesinato, mes­
mo (ou, sobretudo) nos países em que ele forma a maioria da população. Ver Marx
(1977c, p. 561).
3. Esta era a base da divergência entre Lênin e Bukharin, e não propriamente a definição
do socialismo. Q uanlo a esta, Bukharin estava de acordo com Lênin ao identificar a pro­
priedade comum (por meio do Estado) dos meios de produção e de troca como funda­
mento da primeira fase da sociedade comunista (Bukharin, 1980, pp. 46 c 54; 1979).
4. Para uma descrição deste processo, ver Fejto (1975).
5. Ver, por exemplo, Revunenkov (1961), sobretudo a Parte III — “A formação do sistema
socialista mundial”.
6. V e r , também, a crítica ao maximalismo da “economia política radical de esquerda” nos
Estados Unidos em Osadtchaia et allii (1985, pp. 411-8).
7. A aguda polêmica travada entre Lênin e Kautsky depois da elaboração deslas observa­
ções por Rosa Luxemburgo indicam que esta era uma apreciação simplista e inadequada
da posição de ambos sobre essa questão. Ver os principais textos desta polêmica em
Kautsky (1979) e Lênin (1979g).
8. Ela seria política e não social, justam ente porque as bases socioeconômicas da transição
para o socialismo ainda continuavam de pé.
9. Para um apanhado geral da polêmica no interior do Partido Bolchevique sobre a “cons­
trução do socialismo em um só país”, ver Medvedev (1981).
10. Examino isto no meu livro URSS, Ascensão e Queda (Fernandes, 1992).
11. Ver a sua obra clássica Economia e Sociedade, sobretudo o 3.° cap., Parte I, vol. I e o
11.° cap., vol. II (W eber, 1978).
12. Para um relato da comoção teórica e política provocada pela guinada contra a NEP en ­
tre diversos grupos de oposicionistas presos na URSS, ver Ciliga (1951).
13. Num contato com o falecido Ralph Miliband, em que levantei esta questão, ele relatou
que havia conversado com o próprio Deutscher a respeito. Este teria insistido que os ex­
purgos dos anos 30 atacaram “os burocratas”, mas não a “burocracia”. Da mesma for­
ma, era a “burocracia” (mas não necessariamente os “burocratas”) que dominava o po­
der soviético na época. Confesso que não fiquei satisfeito com essa abordagem do pro­
blema. Não consigo entender, teórica e conceitualmente, dominação da “burocracia” a
não ser como dominação “dos burocratas” É um problema análogo ao do célebre deba­
te entre Poulantzas e Miliband sobre o caráter de classe do Estado (Poulantzas, 1969;
Miliband, 1970 e 1973). Para o primeiro, este era determinado pelas relações sociais de

71
produção predom inantes na sociedade, e prescindia de uma análise empírico-concreta da
sua institucionalidade. Miliband criticou o estruturalismo estreito desta abordagem (com
razão, acredito) e insistiu na necessidade de examinar as formas concretas de materializa­
ção da dominação de classe no Estado. Penso que a mesma postura metodológica é váli­
da para a apreciação da relação entre o poder político e a burocracia na URSS.
14. Este ponto é levantado, também, por Perry Anderson (1983).
15. Esta incongruência se expressou nas vacilações dos herdeiros de Trotsky na IV Interna­
cional diante da constituição do “campo socialista” nos países do Leste libertados pelo
Exército Vermelho. Inicialmente, os governos de coalizão lá montados foram denuncia­
dos como exemplo do conluio do poder soviético com as burguesias locais. Após a ruptu­
ra destas coalizões e a adoção generalizada de medidas de nacionalização e coletivização
em 1947-48, eles passaram a ser caracterizados como “Estados operários deformados”
— Estados que não tinham passado por processos revolucionários endógenos e já nas­
ciam com deformações burocráticas por incorporarem o “modelo socialista” imposto pe­
la URSS (fruto da degeneração de um processo revolucionário anterior). Para avaliações
distintas deste posicionamento oscilante da IV Internacional, ver McNeal (1977), Bellis
(1979) e Coggiola (1990).
16. Ver, por exemplo, Jacobson (1972).
17. Ver Bakunin (1989) e os textos agrupados nos capítulos “Polêmica com Marx” e “Baku-
nin e Marx sobre a C om una” em Bakunin (1983).
18. A radicalização da crítica ao caráter ilusório e elitista da democracia nos países ociden­
tais, por sinal, fez com que ambos chegassem a simpatizar com o movimento fascista na
sua fase inicial. Esta aproximação com o fascismo foi muito mais séria e duradoura em
Michels do que em Sorel. Este último m orreu, em 1922, entusiasmado com Lênin e o
triunfo da Revolução Soviética, que ele erradamente identificou como um movimento
“antiintelectual” (ver o pós-escrito ao prefácio de Sorel, 1919).
19. Ver, por exemplo, o conteúdo do discurso de Dan ao V III Congresso dos Sovietes, em
dezembro de 1920, reproduzido em Liebich (1986, p. 347).
20. Ver, por exemplo, os editoriais de 4 de maio de 1921 e 17 de dezembro de 1923 da revis­
ta Socialistitcheski Vestnik, porta-voz dos mencheviques, apud Liebich (1986, p. 348).
21. Sobre a evolução geral da Escola de Frankfurt no âmbito do marxismo ocidental, ver A n­
derson (1976), M erquior (1987), McLellan (1987), Howard (1988), Assoun (1989) e Ko-
lakowski (1985, vol. 3). Para a discussão específica de autores da Escola sobre o totalitarismo
e o Estado soviético, ver Horkheimer (1973) e, sobretudo, Marcuse (1964,1969 e 1978).
22. E ntre estes, destacam-se F erenc Feher, Agnes Heller, Gyõrgy Márkus e Mihaly Vajda.

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83
Teoria de Classe*

Ronald H. Chilcote

Classe não é um enfoque central na pesinato reduzido. Os estudos de sociedades


ciência política, especialmente na ciência po­ menos desenvolvidas freqüentemente refe­
lítica norte-americana, em bora seja bastante rem-se ao Estado e seus aparatos tratando
utilizada na corrente principal e radical da da questão de classe, análise e luta de classe.
sociologia política e da economia política. Es­ O presente artigo oferece uma visão ge­
te conceito não tem sido central no trabalho ral e histórica do conceito de classe, concen-
oriundo dos estudos tradicionais, formais-le- trando-se, primeiro, nas origens da teoria de
gais, institucionais e configurativos, bem co­ classe durante o século XIX; segundo, na va­
mo das pesquisas behavioristas ou da escolha riedade de abordagens que tem prevalecido
racional nos Estados Unidos e na Europa ao longo do século XX; e, terceiro, nas alter­
Ocidental. nativas dos anos 90.
Nos círculos internacionais da ciência
política, no entanto, classe é freqüentem ente Origens
incorporada à análise política, especialmente O conceito de classe não se originou no
em estudos comparativos, e tem sido um pensamento de Marx; aparece no trabalho
conceito fundamental na ciência política e no de Saint Simon e outros que o precederam.
marxismo oficial dos Estados socialistas (até Mas embora Marx não tenha elaborado ne­
recentemente na URSS e Europa Oriental e nhum conceito definitivo ou teoria de classe,
hoje na China, Cuba, Coréia do N orte e aqueles que interpretaram e incorporaram
Vietnã). Historicamente, foi trabalhada nas suas idéias se engajaram num extenso debate
teorias mais abertas e no discurso dos social- sobre o que constitui classe e sua relevância
democratas e socialistas-democráticos em to ­ para o estudo da política e da sociedade. Al­
dos os lugares, especialmente na Europa guns acadêmicos, como, por exemplo, Jean
Ocidental, e tem sido relevante nas análises L. Cohen (1982, p. 1), afirmam que este con­
das principais experiências revolucionárias ceito está desaparecendo. Parkin (1979), por
no Terceiro M undo desde a Segunda Guerra sua vez, argumenta que embora o marxismo
Mundial (Angola, Moçambique, Nicarágua e clássico, incluindo as versões aplicada e vul­
outros). A influência do capitalismo nas so­ gar, se apresente como oposição â teoria so­
ciedades industriais avançadas tem sido pe­ cial burguesa, na realidade tem influência
netrante, gerando, no presente século, uma nas universidades burguesas ocidentais. Em
classe trabalhadora em expansão e um cam­ contraste, Eric Olin Wright (1991, p. 31) ofe-

* Versão preliminar e reduzida de uma discussão mais elaborada sobre o assunto a ser publicada bre­
vemente em Theories o f Comparative Political Economy. [A tradução do texto original em inglês é de
autoria de Mônica Dias Martins.]

BIB, Rio de Janeiro, n. 3 9 ,1 ° semestre 1995, pp. 85-101 85


rece uma defesa da tradição marxista como senvolveu uma abordagem multiclassista pa­
“a mais compreensiva e interessante moldu­ ra mostrar a complexidade da análise de clas­
ra teórica para entender as possibilidades e se, identificando outras classes além da bur­
obstáculos para um a mudança social eman- guesia e do proletariado. U m a comparação
cipatória”. Para Jon Elster (1985), Marx das duas abordagens, adaptada de So e Su­
nunca definiu classe mas tem uma teoria de warsono, é proposta:
classe relacionada com relações de classe,
consciência, luta de classe etc. Teoria Estrutural Teoria Histórica
Embora criticando os marxistas pelo de Classe de Classe
seu entendim ento vago e inadequado de Abstrata Concreta
classe, especialmente sua ênfase num m ode­ Modelo de duas classes Modelo multiclassista
lo de duas classes em torno de trabalho e ca­ Polarização e luta Alianças e frações
pital, Resniek e W olff (1982, p. 1) afirmam de classe de classe
que Marx desenvolveu “um complexo, cui­ Estado como instrumento Estado autônomo
dadosamente particularizado conceito de da classe dominante
classe”. O presente ensaio concorda com es­ Realização da revolução Realização imprevisível
ta afirmação e procura entender como Marx proletária e sociedade sem classe
empregou o conceito de classe.
No breve e último capítulo do terceiro
O uso histórico de classe na ciência so­
volume de O Capital, Marx refere-se às três
cial supõe o entendimento da concepção de
grandes classes sociais de proprietários ru ­
classe sustentada nâo somente por Marx mas
rais, capitalistas industriais e trabalhadores.
também por Max Weber. Mais do que ou­
De um lado, estava a burguesia dos capitalis­ tros pensadores, estes dois têm influenciado
tas modernos e proprietários dos meios de marcadamente a análise de classe nas ciên­
produção e, do outro, os trabalhadores as­ cias sociais, e suas divergências na com­
salariados modernos, que vendem sua força preensão do fenômeno têm dividido intelec­
de trabalho para viver. Marx analisou as lu­ tuais tanto teórica quanto metodologicamen­
tas entre estas classes, em bora reconhecesse te. O enfoque de Weber sobre classe é en­
a existência de outras, como burocratas e contrado em seu Wirtschaf und Gesellshaft
profissionais liberais, pequena burguesia, [Economia e Sociedade], no qual ele argu­
campesinato etc. m enta que interesses econômicos no merca­
So e Suwarsono (1990) mostram a rele­ do levam à criação da classe. W eber identifi­
vância da preocupação de Marx com classe cou quatro classes sociais essenciais: a classe
mediante a análise do uso do term o em dois trabalhadora, a pequena burguesia, os inte­
de seus principais escritos: O Manifesto Co­ lectuais e profissionais liberais (sem proprie­
munista e O Dezoito Brwnário de Luís Bona- dade), e a classe privilegiada e educada que
parte. Eles sugerem que o primeiro apresen­ controla a propriedade. Ele também conce­
ta uma teoria da estrutura de classe com beu grupos de status no interior das classes
proposições e predições verificáveis, enquan­ econômicas, estratificados e hierarquicamen­
to o segundo oferece um esquem a historica­ te enfileirados de acordo com as demandas
mente orientado relevante para situações de do mercado e refletindo uma diversidade de
mudanças políticas. N o Manifesto, argum en­ interesses e preferências. À medida que o
tam, Marx e Engels enfocaram um modelo mercado muda, grupos de status são reorga­
simplista de duas classes para dem onstrar nizados dentro da classe, de modo que um
como o capitalismo m oderno iria evoluir, e grupo inferior pode ser elevado a um nível
foi assumido que as classes intermediárias superior e outros podem ser rebaixados. Os
iriam gradualmente se dissolver no proleta­ grupos de status e os indivíduos dentro deles
riado. Contudo, em seu estudo histórico sobre são móveis e variam continuamente; talento
a França de meados do século XIX, Marx de­ individual e iniciativa podem trazer m udan­

86
ças na posição individual ou grupai na socie­ enfatizar o caráter pluralista da política an-
dade (Weber, 1958, especialmente pp. 181-7). glo-americana. Eles baseiam sua teoria no
Burris oferece distinções entre as clás­ pensamento político e econômico liberal, es­
sicas teorias de classe marxista e weberiana. pecialmente em John Locke e Jeremy Bent-
Primeiro, entre posição social e ação social: ham, que enfocaram os direitos de proprie­
“Marx conceitua classe como um a estrutura dade e a iniciativa individual; em Jam es Ma-
objetiva de posições sociais, enquanto a aná­ dison, que acentuou a existência de interesses
lise de classe de W eber é construída na for­ competitivos em luta pelo poder; em Arthur F.
ma de uma teoria da ação social”: Segundo, Bentley e David Trumam, que criaram teo­
entre perspectivas uni e multidimensional: rias de grupos de interesse; e no trabalho de
“Marx sustenta um a concepção unidimensio­ pluralistas convictos como Seymour Martin
nal de estratificação e divisão social, em que Lipset. D e acordo com Bentley, classe não é
relações de classe são predominantes, ao uma categoria viável de análise científica:
passo que W eber sustenta uma visão multi­ “(...) apesar do que os socialistas dizem, não
dimensional na qual relações de classe cru­ há classes reais nas grandes nações m oder­
zam com e são freqüentem ente excedidas nas (...) Compromisso — não apenas no sen­
em importância por outras (não classistas) tido lógico, mas também na vida prática — é
bases de associação, notadam ente status e o próprio processo de imbricação de grupos
partidos”. Terceiro, a ênfase cm exploração em ação (...) grupos que se combinam, dis­
versus dominação: “na teoria marxista, a ló­ solvem e recombinam livremente de acordo
gica essencial das relações dc classe e do con­ com suas linhas de interesse” (Bentley,
flito de classe 6 a exploração, e a dominação Process o f Government, apud Ross, 1991, p.
política e ideológica é interprelada m era­ 335).
mente como um meio pelo qual a exploração Ao centrarem sua atenção nos grupos e
é assegurada; já em W eber a dominação é interesses, esses pensadores tenderam a se
concebida como um fim em si mesma, com concentrar não na questão de classe, mas na
sua própria força e lógica independente”. defesa do capitalismo como a economia base
Quarto, produção e mercado: “para Marx, de uma sociedade pluralista. Um a vez que,
classes são um a expressão de relações sociais na sociedade capitalista, classe implica divi­
de produção, enquanto W eber conceitua são de trabalho entre proprietários e produ­
classes como posições comuns dentro do
tores, as distinções de classe são inevitavel­
mercado” (Burris, 1987b, p. 68).
mente visíveis, mesmo se ignoradas na maior
Da Antigüidade até o presente, os estu­
parte da literatura pluralista.
dos comparativos de política têm examinado
Este ponto é evidente em dois escritos
o relacionamento de governantes e governa­
relevantes que recorrem a características cul­
dos. As contribuições teóricas de Marx e
turais da vida política e discutem as maneiras
Weber nesse assunto têm levado ao debate e
pelas quais os indivíduos estão aptos a pres­
ao discurso polêmico, provocando divisões
sionar a sociedade a mudar. Almond e V er­
entre os intelectuais. Estas divisões são evi­
ba (1963) oferecem uma tipologia das cultu­
dentes nas perspectivas dicotômicas que se
ras políticas — que podem ser paroquial,
desenvolveram no século XX, uma em torno
participativa dependente e participante efeti­
do pluralismo e escolha individual, outra par­
va — e sugerem que o povo se envolva na
tindo de um a posição estruturalista.
política de modo subjetivo e participante.
Sua noção de participação está ligada a siste­
Classe como Pluralismo
mas políticos de democracia representativa,
e Escolha Individual
dos quais o modelo anglo-americano é um
O pluralismo é baseado em diversos protótipo e nos quais estão envolvidos os
interesses e na dispersão do poder. Os cien­ partidos políticos, grupos de* interesse e indi­
tistas políticos norte-am ericanos tendem a víduos, mais do que as classes. E.P.Thomp-

87
son (1968) argum enta de um a maneira dife­ sociedade. Pareto dividiu este estrato supe­
rente que a história pode ser resgatada por rior em uma classe governante ou elite
“baixo”, pelo enfoque da consciência de clas­ (aqueles que direta ou indiretamente gover­
se, da criatividade e da iniciativa da massa. nam) e uma elite não-governante. Ao que
Examina aspectos subjetivos da classe e, nes­ parece, ele desejou transcender categorias
se processo, volta-se contra interpretações marxistas substituindo o conceito de classe
estruturais e deformações teóricas e práticas dirigente por classe governante ou elite diri­
que percorrem a história. Críticos o têm acu­ gente.
sado de “subjetivismo” e “voluntarismo” — Pareto extraiu da experiência italiana
por exemplo, Perry Anderson (1980), em exemplos da ascensão e declínio das elites.
seu ataque a The Poverty o f Theory and Sua teoria, contudo, tem sido criticada como
Other Essays (Thompson, 1978). Ellen Meik- geral, algumas vezes polcmica, e não bem
sins Wood, no entanto, acredita que Thom p­ fundamentada em exemplos históricos.
son ressuscitou o conceito de classes e usou- Mosca (1939) não enfatiza a elite em
o contra cientistas sociais burgueses, que ne­ sua teoria, preferindo usar termos como
gam seu uso como relação e processo: “ele classe dirigente, classe governante e classe
[Thompson] tem contrariado tantas nega­ política, mas sua concepção não difere radi­
ções insistindo na classe como relação e calmente daquela de Pareto. Segundo ele,
processo, que durante m uito tem po será tido “em todas as sociedades (...) duas classes de
como um modelo de relações sociais, insti­ pessoas aparecem — uma classe que dirige e
tuições e valores” (Wood, 1982, p. 50). uma classe que é dirigida” (Mosca, 1939, p.
A discussão seguinte elabora este para­ 50). Acreditava que a pequena classe diri­
doxo examinando algumas idéias im portan­ gente monopoliza poder e benefícios devido
tes: circulação de elites e classe dominante à sua posição, em contraste com a mais nu­
em Vilfredo Pareto e G aetano Mosca; as no­ merosa e dominada maioria, mas também
ções de pluralismo e poliarquia de Robert entendia que a maioria, uma vez desconten­
Dahl; alienação e preocupação com a condi­ te, poderia influenciar a classe dominante e
ção humana no pensam ento “crítico” inicial até mesmo depô-la e assumir as funções da
de Marx e da escola de Frankfurt; a atenção classe dominante deposta. Enfatizando essa
ao marxismo e ao pluralismo num estudo de circulação da classe dominante, Mosca dá
Ralf Dahrendorf; debates recentes sobre de­ importância à ascensão de novos interesses,
mocracia e capitalismo, com o nos escritos de um a posição mais próxima de Weber do que
Samuel Bowles e Flerbert Gintis; a questão de Marx.
da hegemonia e do socialismo na posição de Robert Dahl reconheceu sua dívida in­
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe; e a teoria telectual para com James Madison ao for­
da escolha racional no trabalho recente dos mular uma teoria da ordem democrática ca­
marxistas analíticos. racterizada por uma larga dispersão de po­
Dois sociólogos políticos italianos, Vil­ der e autoridade entre agentes governamen­
fredo Pareto e G aetano Mosca, elaboraram tais, grupos e indivíduos. Segundo ele, a es­
o que é conhecido como a teoria elitista da trutura de poder é segmentada, não organi­
democracia. Sua premissa central é que, em zada em padrões hierárquicos, e a sociedade
toda sociedade, um a minoria toma as deci­ compreende poliarquias caracterizadas por
sões principais, um a idéia presente já no subsistemas autônomos e pluralismo organi­
pensamento de Platão. Pareto (1966) enfati­ zacional, nas quais as barreiras à oposição
zou as distinções entre elites e não-elites e política não são substanciais. A teoria de
projetou a idéia da circulação das elites, im­ Dahl sugere consenso e ordem, restrições ã
plicando dois significados: um a elite pode to ­ violência e uma sociedade em equilíbrio.
mar o lugar de outra e indivíduos podem Críticos do seu trabalho observam que
mover-se do status inferior a um superior na o desafio da política por uma classe ou grupo

88
freqüentemente é obscurecido por explica­ é encontrada no principal trabalho de Georg
ções pluralistas, abstratas ou modelos, e que Luckács, History and Class Consciousness
a política funciona para mitigar conflitos e (1923), e nos escritos da escola de Frankfurt,
pacificar interesses competitivos. incluindo Eric Fromm, H erbert Marcuse e
Dahl (1978, p. 192) posteriorm ente ela­ Jürgen Habermas.
borou uma teoria em que pluralismo “não é Ralf D ahrendorf (1959) tentou lidar
mais limitado ao pensam ento burguês oci­ com o problema que o pluralismo tende a ig­
dental” e distinguindo entre pluralismo orga­ norar: uma perspectiva marxista de classe.
nizacional (aum ento da autonomia cor­ Sua síntese da teoria de classe marxista con­
respondente a aum ento da organização) e firmou a dificuldade de incorporar uma visão
pluralismo conflitivo (divisões que caracteri­ marxista à teoria pluralista. Ele resolveu o
zam conflitos num coletivo de pessoas). A r­ problema construindo tipos ideais de classe
gumentou que as economias socialistas po­ numa “sociedade pós-capitalista”, na qual a
dem ser altam ente descentralizadas e plura­ autoridade não depende necessariamente de
listas e que uma òrdem socialista descentrali­ riqueza e prestígio, o conflito entre classes e
zada pode gerar pluralismo organizacional grupos é mínimo, e em que o pluralismo de
tanto quanto a ordem capitalista. Logo, plu­ instituições e interesses permite uma ampla
ralismo organizacional não depende do regi­ participação nas decisões.
me do país, se capitalista ou socialista: o im­ Desde o final dos anos 50, com a defesa
portante é se decisões descentralizadas e au ­ de Daniel Bell do fim da ideologia, intelec­
tônomas são toleradas com coragem. E m bo­ tuais têm obscurecido noções tradicionais da
ra reconhecendo o pluralismo conflitivo, ordem burguesa, os dilemas do capitalismo e
Dahl criticou a importância das interpreta­ do socialismo e a luta de classe com um pen­
ções ortodoxas de classe como tendendo samento futurístico. A tese de uma “socieda­
“enormemente a subestimar a extensão em de pós-industrial” vislumbrou melhorias no
que a diversidade ideológica entre elites leva padrão de vida, aproximação das distâncias
à fragmentação mais do que à solidariedade entre as classes por meio da educação, pro­
(...) ‘classe’ nas suas várias manifestações é dução e consumo em massa, diminuição das
apenas um elemento, aliás quase sempre sig­ discriminações étnicas, lingüísticas, regionais
nificativo, num padrão fragm entado de divi­ e religiosas, além da marginalização de ideo­
sões e conflitos que é persistentem ente plu­ logias totalitárias. Variantes deste pensa­
ralista” (Dahl, 1978, p. 193). mento referem-se a “era pós-moderna”, “so­
Algumas dessas considerações apare­ ciedade pós-burguesa” e “pós-socialismo”
cem na tradição hegeliana-marxista extraída (para crítica dessas pós-formas, ver Chilcote,
do jovem Marx e de sua crítica a Hegel, que 1991).
distinguiu entre as instituições da sociedade Muitas dessas idéias foram criticadas
civil ou privada e o Estado, elaborou o m éto­ como idealistas ou manifestações em defesa
do dialético e procurou entender a consciên­ da ordem capitalista, especialmente nos E s­
cia humana. Nos Manuscritos Econômicos e tados Unidos, provocando Samuel Bowles e
Filosóficos de 1844, Marx desenvolveu uma H erbert Gintis a buscar uma síntese radical
análise da alienação do trabalho e mostrou democrática. Para estes autores, o marxismo
que este é externo ao trabalhador, o qual obscurece “formas de dominação não clas-
não pode satisfazer a si próprio porque, sob sista e não econômica” (Bowles e Gintis,
o capitalismo, produz para outros. Marx de­ 1986, pp. 17-8). Argumentam que, embora o
sejou expor a falsa consciência que acom pa­ liberalismo crie liberdades, ele “protege a ci­
nha a era capitalista e reflete a natureza do dadela da dominação”. Nesse sentido, advo­
Estado que a burguesia adota para a p ro te­ gam um pós-liberalismo, uma síntese na qual
ção de sua propriedade e seus interesses. E s­ direitos individuais democíáticos precisam
sa preocupação com consciência e alienação deslocar direitos de propriedade, porque

89
“nem a universalização jeffersoniana da pro­ lhadora não evoluiu para um movimento re­
priedade individual nem a coletivização m ar­ volucionário; os interesses econômicos de
xista da propriedade privada são aceitáveis” classe são relativamente autônomos da ideo­
(idem , p. 178). Sua síntese rejeita muitas logia e da política; a classe trabalhadora não
idéias do marxismo, em particular a noção detém uma posição básica no socialismo; um
de consciência de classe e a democracia dire­ movimento socialista pode evoluir inde­
ta (ignorando a defesa de Marx da dem ocra­ pendente de classe; uma força política pode
cia representativa em certas instâncias ou de nascer de elementos políticos e ideológicos
sua associação com atividades de participa­ “populares”, independentemente das am ar­
ção direta). Seu argum ento de que o marxis­ ras de classe; os objetivos do socialismo
mo reduz instituições a term os de classe leva transcendem interesses de classe; e a luta pe­
a uma ênfase no pluralismo, obscurecendo lo socialismo compreende uma pluralidade
os interesses de classe, diminuindo o papel de resistências ã desigualdade e opressão"
do Estado e jogando abaixo as contradições (Wood, 1986, pp. 3-4).
internas do capitalismo que afetam relações O pós-marxismo de Laclau e Mouffe re­
de produção e freqüentem ente levam à luta flete o pensamento intelectual que tem
de classe. acompanhado o discurso político da social-
No pensam ento de alguns marxistas eu ­ democracia e do socialismo democrático on­
ropeus e antigos marxistas, um a subestrutu- de os partidos socialistas têm chegado ao po­
ra explicitamente expressa do pós-marxismo der desde meados dos anos 70 (especialmen­
é evidente no trabalho recente de Ernesto te França, Itália, Espanha, Portugal e G ré­
Laclau, um sociólogo político argentino, ago­ cia). Este discurso tem enfocado a transição
ra ensinando na Inglaterra e influente nos para o socialismo e a necessidade de blocos
círculos de esquerda junto com Chantal de forças políticas de centro-esquerda para
Mouffe. Laclau argum enta que “não é mais assegurar a maioria num cenário multiparti-
possível m anter as concepções de subjetivi­ dário fragmentado, de reformas populares
dade e classe elaboradas pelo marxismo, para mitigar a demanda das classes popula­
nem sua visão do curso histórico do desen­ res (operários e camponeses) e de tolerância
volvimento capitalista” (Laclau e Mouffe, para promover e desenvolver as forças de
1985, p. 4). Suas idéias se relacionam com a produção no presente estágio do capitalismo.
experiência inglesa, em particular com a po­ A corrente principal da política parece ter di­
sição marxista moderada de alguns intelec­ minuído a retórica revolucionária, e termos
tuais. Ainda que esses intelectuais difiram como luta de classe, classe trabalhadora, di­
em muitos aspectos, eles parecem concordar tadura do proletariado e mesmo marxismo
em que a primazia do trabalho organizado são abandonados no discurso da esquerda.
deve ser repudiada, um a vez que a classe Miliband (1985) refere-se a esses autores co­
trabalhadora nos países capitalistas falhou mo “os novos revisionistas”.
em cumprir com suas expectativas revolucio­ O novo pensamento não apenas omite
nárias. Segundo eles, o modelo de luta deve, classes numa perspectiva socialista, como
agora, incorporar um a multiplicidade de também distingue-se da visão marxista tradi­
interesses oriundos de vários estratos, grupos cional de que a classe trabalhadora é es­
e movimentos sociais. sencial por seu potencial revolucionário, de­
Laclau e M ouffe esboçaram um a nova vido à sua posição estrutural como a classe
política para a esquerda baseada em um pro­ que produz capital. Os pós-marxistas geral­
jeto de democracia radical. Seu recuo em re­ mente negam a análise das relações de ex­
lação ao conceito de classe e o que W ood ca­ ploração entre capital e trabalho. Além dis­
racteriza como “a desqualificação do seu so, sua ênfase na autonomia da política e da
projeto socialista podem ser sintetizados em ideologia em relação â economia reduz a im­
numerosas proposições: a classe traba­ portância da economia política, na qual se

90
tem centrado o interesse dos marxistas clás­ ção estrutural e contraditória de classe. “E s­
sicos e contemporâneos. Debates sobre a na­ ta mudança metodológica reorienta comple­
tureza do modo capitalista de produção não tam ente a análise de Wright (...) O foco cen­
são mais importantes. Conseqüentemente, tral não é mais sobre classes como elas em er­
classes e luta de classe são deslocadas pela gem do processo de trabalho, mas sobre a
ênfase no pluralismo político, nas organiza­ manifestação de grupos de poder político e o
ções políticas e nos grupos de interesse. A poder que as classes exercem” (Chilcote e
análise do Estado pode acentuar diferenças Chilcote, 1989, p. 12).
entre o bloco de poder e o povo, ao mesmo Críticos (ver Amariglio, Callari e Cu-
tempo, desconhecendo a oposição entre ca­ llenberg, 1989; Anderson e Thompson,
pital e trabalho. Pode haver tam bém uma 1988; Burawoy, 1989; Cullenberg, 1991; De-
tendência a enfatizar sua única ou poucas vine e Dymski, 1989; Lebowitz, 1988; Luke,
instituições políticas; a segmentação das for­ 1987; Ruccio, 1988 e Smith, 1989) sugerem
ças políticas pode limitar as perspectivas de que esta abordagem da escolha racional não
uma visão societária. Movimentos políticos aceita as concepções do marxismo tradicio­
tentando penetrar a corrente principal po­ nal ou estrutural sobre exploração de classe
dem ser isolados; estratégias populistas tra ­ e é orientada para a análise social subjetiva.
çadas para desafiar o establishment podem Classe não mais caracteriza o processo em
ser dispersadas e enfraquecidas pela separa­ que grupos de pessoas se tornam diferencia­
ção de interesses particulares. dos mediante o processo de trabalho, mas
Semelhante ao pós-marxismo e orienta­ enfoca o desenvolvimento de grupos de pes­
da para transcender as rígidas formulações soas em unidades coletivas. Ellen Meiksins
marxistas, outra nova tendência emergiu nos Wood (1989, p. 87) fornece a mais com­
anos recentes entre intelectuais que se au to ­ preensiva e exaustiva crítica do marxismo
denominam “marxistas analíticos”, “marxis­ analítico, o qual ela percebe convergindo
tas da escolha racional” ou “marxistas subje­ com o pós-marxismo, duas abordagens que
tivos”. Suas fileiras incluem G.A. Cohen, Jon “começam com um esforço para estabelecer
Elster, Adam Przeworski, John R oem er e ‘rigor’ na teoria marxista e (...) terminam, pa­
Eric Olin Wright. Esta corrente pretende se­ ra muitos, no repúdio geral do marxismo na
guir o marxismo, enfatiza a escolha racional, teoria e na prática”.
aproxima a abordagem positivista da ciência
social e tende a basear-se em microargum en­ Classe e Estruturalismo
tos (Roem er, 1989) ou princípios behavioris- Além das abordagens que vêem a socie­
tas ou decisões individuais. Por exemplo, Els­ dade constituída por grupos pluralistas e
ter (1985) argum enta que as ações das clas­ classes ou por indivíduos competindo por
ses são redutíveis âs ações dos indivíduos e poder e perseguindo interesses particulares
que o próprio Marx foi o fundador da teoria está o contexto estrutural no qual muitas
da escolha racional. Przeworski e Wright di­ teorias de classe são moldadas. Esta seção
ferem de Elster por sua ênfase em posições examina algumas perspectivas estruturais de
estruturalmente determ inadas que influen­ classe: concebida como estrutura de poder
ciam decisões individuais, ao passo que a em uma variedade de termos como elite no
teoria da história de Cohen (1978) é baseada poder, elite dirigente e outras formulações
nas forças de produção e é, assim, funcional com conotação de classe ou estratificação no
em seu núcleo. pensamento de Marx, H unter, Mills e Dom-
Roem er e Wright elaboraram teorias de hoff; a pesquisa comparativa sobre dicoto­
classe, o primeiro conceituando cinco posi­ mias tais como elite e massa (um enfoque do
ções de classe e o último, doze. Em sua preo­ Comitê de Pesquisa de Ciência Social em
cupação recente com classe, porém, Wright Política Comparada durante meados dos
(1985) abandonou sua ênfase inicial na posi­ anos 60) e classe dominante versus classes

91
populares no trabalho de Nicos Poulantzas; cando uma elite no poder composta de polí­
classe como um processo sobredeterminado, ticos e burocratas, altos executivos e proemi­
na teoria inovadora de Stephen Resnick e nentes oficiais militares.
Richard Wolff; e luta de classe nas relações e Em um esforço para lidar com alguns
modos de produção. dos críticos de Mills, incluindo liberais como
Quem governa e a natureza do poder Dahl (que sustentaram que a influência exa­
são questões centrais nos estudos políticos. gerada das elites não poderia ser medida em ­
Marx e Engels, no Manifesto, se referem ao piricamente e, por essa razão, a análise das
Estado moderno como uma espécie de co­ pessoas que decidem deveria estar baseada
mitê que cuida dos negócios da burguesia. no input dos grupos de interesse), G. William
Esta visão instrumental do poder e da classe Domhoff (1978) empiricamente vinculou
é sustentada por Marx para sugerir que a membros da classe dominante superior às
classe dirigente e dominante é um a classe corporações que controlam a economia capi­
econômica que dirige politicamente. V aria­ talista. Nesta perspectiva, descobriu que o
ções dessa visão instrumental aparecem na conceito de elite no poder é uma ponte entre
literatura política e não são necessariamente posições pluralistas e radicais e viu isto como
marxistas. Jean Cohen, por exemplo, opõe-se
uma extensão do conceito de classe domi­
à ênfase nas contradições do modo de pro­ nante. Domhoff concentrou-se em “redes”
dução capitalista no trabalho de Marx e pre­
de instituições e grupos, argumentando que
fere o term o estratificação a classe por causa
sua noção de classe dominanie deveria ser
de “uma original análise crítica dos princípios
entendida num contexto marxista e não co­
modernos específicos de estratificação em
mo um instrumentalismo liberal, como al­
uma teoria de classe dogmática” (Cohen,
guns críticos de esquerda tinham alegado,
1982, pp. 2-3).
em bora ele soubesse (Domhoff, 1976) que
Estudos de com unidade na ciência polí­
sua abordagem tendia a ser estática e unidi­
tica e sociologia política tradicionais têm tra­
mensional, com enfoque em uma única clas­
tado a questão de quem governa geralmente
se, mais do que a retratar uma relação dinâ­
com base na teoria da estratificação, ou seja,
mica de várias classes em conflito.
considerando a existência de uma série de
Em uma análise que se desloca de um
estratos com uma classe superior de líderes
mero posicionamento de pessoas poderosas
políticos e civis (identificáveis por critérios
como renda, ocupação e educação) que con­ para uma estrutura econômica de poder,
trola a comunidade local. Esta classe supe­ Ralph Miliband (1969) contribuiu com uma
rior é freqüentem ente caracterizada como explícita teoria marxista do Estado e de clas­
uma elite poderosa que governa em seu pró­ se sob o capitalismo, segundo a qual a classe
prio interesse e é separada das classes infe­ dominanie capitalista exerce poder econômi­
riores da comunidade. D entre os im portan­ co e usa o Estado como seu instrumento de
tes estudos em pregando esta noção de estra­ dominação sobre a sociedade. Miliband iden­
tificação está o estudo de Robert e Helen tificou uma classe proprietária e uma classe
Lund, em meados dos anos 20 e na década trabalhadora, além de dois componentes de
seguinte, em seu estudo sobre Middletown uma “classe média”: profissionais liberais e
ou Muncie, Indiana; o de Floyd H unter, que homens de negócio e fazendeiros de peque­
no começo dos anos 50 utilizou painéis de nas e médias empresas. Em seu debate com
pessoas conhecidas na vida da comunidade Miliband, Nicos Poulantzas (1969) enfatizou
para identificar os que decidem na cidade de tanto a possibilidade de autonomia do Esta­
Atlanta, Geórgia; e o de C. Wright Mills do por que a classe dirigente ficou incapaci­
(1956), que mais ou menos ao mesmo tem ­ tada de manipular o Estado em seu próprio
po examinou dimensões verticais e horizon­ interesse; em sua resposta, Miliband (1973)
tais de poder nos Estados Unidos, identifi­ lembrou que Marx se referiu ao Estado

92
atuando no interesse dos capitalistas mas dentro do aparato do Estado era necessária
não necessariamente sob seu comando. para romper o equilíbrio de forças e realizar
Ao elaborar sua teoria marxista das uma transição para o socialismo, e isto pode
classes sociais, Poulantzas (1973) absorveu ter inspirado alguns intelectuais de esquerda,
de importantes fontes as bases para o desen­ nos primórdios dos anos 80, a ir além de in­
volvimento de sua tese de que as estruturas terpretações estruturalistas, dando menos
da sociedade, mais do que as pessoas in­ atenção à classe trabalhadora e ressaltando
fluentes, geralmente determinam aconteci­ os novos movimentos sociais emergentes, e
mentos políticos. Primeiro, Antonio Gramsci desenvolver a teoria num terreno pós-mar-
(1957) enfatizou a hegemonia ou dom inân­ xista.
cia de alguns grupos sociais ou classes no po­ Por exemplo, Jean L. Cohen (1982, p.
der para explicar o sucesso ou fracasso da 29) vai em direção a “uma teoria crítica pós-
classe dominante na política. Segundo ele, marxista de estratificação capaz de enfrentar
quando ocorre unia crise na hegemonia da a diversidade e inovação da sociedade capita­
classe dominante, por exemplo, as massas lista contemporânea sem ignorar o em preen­
podem tornar-se desencantadas e rebeldes, dimento marxiniano”. Desta perspectiva, re­
possivelmente provocando a classe dom inan­ vê a teoria marxista relevante sobre classe
te a aum entar o controle do Estado, opri­ que tem procurado ser inovadora: teorias
mindo seus adversários. Segundo, Louis que buscam um substituto para o papel re­
Althusser (1970) distinguiu as formulações volucionário do proletariado (Herbert Mar-
estruturalistas nos escritos tardios de Marx cuse); novas teorias da classe trabalhadora
das idéias humanistas de seus escritos ini­ (André Gorz); e a nova teoria da classe inte­
ciais. Althusser, como Gramsci, preocupou- lectual (Alvin Gouldner).
se com a superestrutura do aparato politico- Na sua revisão da teoria de classe de
legal e ideológico e considerou o Estado co­ Marx, Resnick e Wolff enfatizam o processo
mo repressivo na sua defesa da burguesia e de extração do trabalho excedente em suas
seus aliados, na luta de classe contra o prole­ diferentes formas — comunista primitiva,
tariado. Para ele, a totalidade da luta de clas­ antiga, feudal, escravista e capitalista — e
se política se dá em torno do Estado. distinguem entre classes fundamentais (for­
Com sua análise da crise e queda das di­ madas pelos que executam ou se apropriam
taduras na Espanha, Portugal e Grécia, P o u ­ do trabalho excedente) e classes subsumidas
lantzas (1976) influenciou uma abordagem (consistindo de pessoas que não executam
de classe de duas maneiras. Primeiro, em seu nem se apropriam do trabalho excedente
estudo comparativo da transição da ditadura mas que partilham a distribuição do trabalho
para a democracia, introduziu uma análise excedente extraído e detêm certas funções
de classe em torno da dicotomia classe dom i­ na sociedade). Sua revisão de exemplos de
nante/classe popular, mantendo, desta for­ classes subsumidas nos escritos de Marx in­
ma, uma vaga ênfase estrutural. Segundo, a clui comerciantes, agiotas e diretores de
experiência portuguesa, em particular, pare­ companhias de capital aberto, classes que
ce tê-lo convencido a abandonar uma posi­ não produzem valor nem mais-valia, o que
ção marxista-leninista, que enfatizava a du a­ os leva a distinguir entre trabalho produtivo
lidade de poderes e a tornada do Estado pe­ e improdutivo.
los trabalhadores e forças populares que ti­ Baseando-se em Althusser e Marx, R es­
nham construído sua base revolucionária fo­ nick e Wolff (1982, p. 2) empregam o termo
ra do aparato do Estado, pela possibilidade sobredeterminação para sugerir que “cada
de uma revolução sem sangue via a penetra­ processo não existe a não ser como lugar de
ção e ocupação de aparelhos-chave dentro influências convergentes exercidas por todos
do Estado. Em seu último trabalho (P o u ­ os outros processos sociais (..s) o processo de
lantzas, 1978) ele argum entou que a luta classe é uma condição da existência de cada

93
um e de todos os outros processos sociais”. estão associados a categorias estruturais no
Esta noção de sobredeterm inaçâo leva-os a nível do Estado e da produção. Esping-An-
ver a luta de classe como essencial à teoria dersen e outros (1976), por exemplo, suge­
marxista. Eles argum entam que a teoria rem maneiras pelas quais as estruturas do
marxista começa com o processo de classe e Estado são moldadas pela luta de classe: elas
as contradições que produzem lutas na for­ representam resultados da luta de classe e
mação social. “Nós concebemos cada e todo não simples mecanismos que servem ao
processo de formação social de classe e não- processo de reprodução capitalista e repres­
classe como sendo um processo de mudança são da classe trabalhadora; e elas mediam
contraditório.” Em qualquer formação so­ demandas da classe dominante sobre o E sta­
cial, dizem eles, o processo de classe funda­ do bem como políticas estatais que repri­
mental e classe subsumida “define as dife­ mem a luta de classe, mas sem referência ã
rentes posições de classe ocupadas pelos in­ teoria de classe. Os marxistas franceses têm
divíduos”. Processos de classe e posições são empregado a linguagem e metodologia de
conceituados com o “o esforço com binado de Althusser na formulação de um a teoria de
todos os outros processos sociais”, de forma modos de produção preocupada, particular­
que, com essa sobredeterminaçâo, “cada po­ mente, com a articulação ou combinação de
sição de classe é constituída para ser tensão, diferentes modos de produção e com a rela­
movimento e m udança”. Assim, lutas ou ção dialética entre base econômica e supe­
conflitos ocorrem em “um m om ento particu­ restrutura política. A linguagem de articula­
lar ou conjuntura na qual as contradições so- ção de modos de produção foi explicitada,
bredeterminadas inerentes ao processo so­ por exemplo, no trabalho de Pierre-Philippe
cial se uniram para motivar intenso esforço Rey (1973), que sugeriu que diferentes mo­
coletivo para m udar o processo em questão” dos são evidentes na transição, digamos, do
(Resnick e Wolff, 1982, pp. 14-5). Eles vão feudalismo para o capitalismo, e que a histó­
mais longe ao sugerir que há diferentes for­ ria não necessariamente avança de modo
mas ou tipos de estrutura de classe sob o co­ unilateral de um estágio para outro. Modos
munismo: “as formas de produzir especifica­ de produção podem coexistir, independen­
mente coletivas, apropriando e distribuindo tem ente um do outro e em conflito, dentro
trabalho excedente, distinguem as estruturas de uma formação social em transição, assim
de classe comunistas das várias formas capi­ como uma variedade de relações de produ­
talistas, feudais, escravistas e outros tipos de ção pode coexistir dentro de uma sociedade.
estruturas de classe” (Resnick e Wolff, 1988, Deste modo a análise de situações reais tor­
p. 17). na-se uma possibilidade.
U m a concepção geral de luta de classes Críticas a esta abordagem incluem a
é sugerida por H arry Braverman em sua des­ impossibilidade de aplicar um a explicação
crição da classe trabalhadora como “aquela particular a todos os casos em diferentes es­
classe que, possuindo som ente sua força de tágios de desenvolvimento. Descobertas par­
trabalho, vende esta força ao capital em tro ­ ticularmente relevantes para entender as re­
ca de sua subsistência”. Esta classe, segundo lações de produção na zona rural de países
ele, leva uma existência social e política pró­ menos desenvolvidos podem não ser úteis
pria: “ela protesta e se subm ete, rebela-se ou para a análise de países mais avançados.
é integrada na sociedade burguesa, vê a si Therborn (1978), por exemplo, argumenta
mesma como classe ou perde a visão de sua que o materialismo histórico tem de romper
própria existência, de acordo com as forças com “o modo tradicional de análise centrado
que atuam sobre ela e os humores, conjun­ no capitalismo”, de maneira a examinar o ca­
turas e conflitos da vida política e social” pitalismo em relação a outros modos de pro­
(Braverman, 1974, p. 378). dução, tal como no Estado feudal ou socia­
Conflito e luta entre classes geralmente lista. Gerstein (1989) adverte contra qual­

94
quer abandono prem aturo do marxismo es­ trabalho produtivo e improdutivo, com o
trutural e vincula modo de produção ao m a­ propósito de organizar estratégias e alianças
terialismo histórico mediante os conceitos de de classe para mobilizar diferentes elemen­
hierarquia e m útua determinação, de m anei­ tos, elevando a consciência de classe e pro­
ra a superar as contradições da análise que movendo a luta por mudanças reformistas e
coloca o modo de produção no centro dos revolucionárias.
esforços teóricos (para uma síntese em rela­ A questão da classe média de as­
ção à abordagem de modo de produção, ver salariados intermediários e seu papel na luta
Ruccio e Sirnon, 1986, e Foster-Carter, de classes levou Burris (1987a) a uma im­
1978). portante e proveitosa síntese de teorias alter­
nativas de estrutura de classe, incluindo a
Questões da Análise de Classe teoria de C. Wright Mills (1956) dos traba­
lhadores de colarinho branco; a teoria de Ni-
A discussão até este ponto levantou inú­
cos Poulantzas (1977) da nova pequena bur­
meras questões essenciais. Pluralistas e ins­
guesia; a teoria de Erik Olin Wright (1978)
trumentalistas da estrutura de poder, ambos,
de posições contraditórias de classe e sua re­
têm se deparado com dificuldades concei­
tuais devido ao uso indiscriminado de cate­ cente teoria de estrutura de classe e explora­
gorias vagas como circulação de elite, elite ção (Wright, 1984 e 1985); a teoria de Gu-
no poder, classe superior, classe governante, glielmo Carchedi (1975) da nova classe m é­
classe dominante. Em geral, estes termos são dia; e a teoria de Bárbara e John Ehrenreich
usados independentem ente de outros níveis (1977) da classe profissional-gerente. Todos
de classe socioeconômica, resultando em esses pensadores estavam insatisfeitos com
uma análise estática. os seguidores de Marx que se concentravam
Marx freqüentem ente referiu-se a clas­ apenas em duas classes, polarizadas em tor­
se em um sentido popular, como um grupo no de trabalho e capital. Esta abordagem
de pessoas partilhando de certas característi­ simplista, por sua vez, dissuadiu muitos aca­
cas, como renda. Assim, algumas vezes ele dêmicos de aplicar o conceito de classe à sua
mencionou a classe industrial, ou as classes análise da sociedade. Outros, conludo, ela­
ideológicas, ou as classes improdutivas. T o­ boraram velhas e novas categorias. Wright
davia, ele diferenciou classes com relação ao agregou muitas classes ao seu esquema de
desenvolvimento histórico das forças de pro­ burguesia, proletariado e pequena burgue­
dução e ao aparecimento de um produto ex­ sia, mas concentrou na nova classe média
cedente além das necessidades dos traba­ seu conceito de situações de classe contradi­
lhadores ou produtores diretos, de forma tórias. Poulantzas chamou esta classe média
que a classe dominante pode ser claramente de a nova pequena burguesia, e os Ehren-
diferenciada da classe trabalhadora em ter­ reichs denominaram-na de classe profis­
mos de relações de produção. Classe, por­ sional-gerente (ver Wright et al., 1990, para
tanto, é compreensível à luz de um modo de um debate das várias questões de classe, in­
produção dominante na sociedade, uma no­ cluindo uma avaliação crítica do esforço do
ção radicalmente diferente do posicionamen­ próprio Wright para desenvolver uma con­
to de classe no m ercado e das relações de cepção marxista de classe média; e Meiksins,
circulação weberianas. A última ênfase leva 1986, para uma avaliação das perspectivas
ao terreno comum do consenso e barganha; a das classes improdutivas ao lado da classe
primeira, à arena do conflito e luta de classe. trabalhadora).
Muitos problemas em anaram da polê­ A questão das estratégias de mobiliza­
mica sobre se a análise de classe é limitada ção leva â avaliação de instituições tradicio­
por restrições estruturais ou se as categorias nais como os partidos políticos, em particular
de classe podem incorporar o estrato “m é­ do papel dos partidos de vanguarda em si­
dio” em expansão e as implicações para o tuações revolucionárias e, mais recentem en­

95
te, aos novos movimentos sociais de m u­ em busca de seus próprios interesses de clas­
lheres, minorias étnicas, ecologia e paz (ver se. Sitton (1990), baseado nas posições de­
Luke, 1989, para um a visão dos novos movi­ fendidas por Gramsci, Lukács, Poulantzas e
mentos sociais). Acadêmicos e militantes es­ Przeworski responde negativamente, argu­
tão hoje divididos: alguns continuam a enfa­ mentando que a política da classe traba­
tizar o papel da classe trabalhadora e outras lhadora é violentada por esta prática. Mas-
classes que conjunturalm ente podem unir-se ters e Robertson (1988, p. 1.183) ampliam o
para uma transformação; outros combinam trabalho de Przeworski ao integrar o conflito
análise de classe com movimentos sociais e de classe no conceito mais amplo de estabili­
elaboram teorias de raça e classe, feminismo dade democrática e dem onstram que o E sta­
e classe, ecologia e classe; outros, ainda, se do intervém economicamente para expandir
afastaram do trabalho com classe e partidos recursos, “facilitando o compromisso de clas­
políticos e limitaram sua atenção aos movi­ se entre trabalho e capital através de políti­
mentos sociais na busca de explicações pós- cas econômicas”. Argumentam que a econo­
marxistas. Pós-marxistas como L adau e mia é a raiz do compromisso de classe dos
Mouffe têm procurado interesses diversos conflitos, e que a política é relevante até o
nos novos movimentos sociais, movendo-se ponto em que os partidos aceitam o envolvi­
para além do marxismo para alargar seu ape­ mento do Estado institucionalizando rela­
lo e caracterizar o socialismo como uma for­ ções de classe e atenuando o conflito de clas­
ma de democracia participativa. Eles vêem a se com formas de democracia formal indire­
classe trabalhadora como apenas um dos ta e representativa — em contraste com for­
muitos agentes possíveis envolvidos com a mas de democracia informal e de participa­
transformação social. A rgum entam que a so­ ção direta apoiadas por Gamble (1987).
ciedade é capaz de se organizar de infinitas A ausência do conceito de classe em
maneiras. Política e ideologia são separadas abordagens recentes pós-marxistas e pós-es-
de qualquer base social e, em seu lugar, o truturalistas, levou McNall, Levine e Fanta­
discurso determina toda ação. sia a resgatar a importância da análise de
André Gorz (1980) questionou o papel classe no estudo acadêmico do processo so­
da classe trabalhadora na formação da socie­ cial e histórico. Os autores procuram resga­
dade socialista e deu atenção aos grupos de tar “os elementos centrais da análise marxis­
gênero, raça, idade e comunidade. Barry ta de classe e mostram como e por que ela é
Hindess (1987), reavaliando suas primeiras mais eficaz que outras abordagens para en­
preferências marxistas, notou que a aplica­ tender classe na perspectiva comparativa e
ção da análise de classe à política pode ser histórica” (McNall, Levine e Fantasia, 1991,
simplista ou mal conduzida devido à dificul­ p. 1). Acreditam que o modelo marxista é
dade de lidar com problemas da classe média distinto por causa de sua preocupação com o
e à posição da mulher na análise de classe. conflito de classe e a exploração, embora eles
Eric Hobsbawm continua a favor da classe também observem que a divisão entre pers­
trabalhadora mas acredita que, em face da pectivas weberianas e marxistas têm desapa­
“liberalização do sistema burguês” e dos e r­ recido com o enfoque nos problemas de prole -
ros da esquerda, a am eaça ao movimento tarização, no papel da cultura na preservação
operário e à esquerda só pode ser superada das fronteiras de classe e na autonomia das bu­
por uma “coalizão de todos os dem ocratas rocracias na formação das classes médias.
em torno dos partidos de massa de esquerda Em suma, o presente ensaio procurou
que ainda existem” (Hebsbawm, 1989, p. 74). fornecer um a breve visão histórica das con­
Todos esses autores relacionam práticas tradições do passado e do presente em torno
democráticas sob o capitalismo, e um a ques­ da teoria de classe. A importância dessa teo­
tão central é se a democracia capitalista abre ria para a ciência política, especialmente fora
espaço para a organização dos trabalhadores dos Estados Unidos, é evidente, apesar de a

96
sua aplicação a situações políticas ter sido li­ ça não apenas produziu um grande número
mitada, devido sobretudo à complexidade de de termos classistas, como também combina­
tal análise. Em A Luta de Classe na França, do com uma visão das instituições e partidos
1848-1850 e O Dezoito Brumário, Marx for­ políticos, levou a noções como a de estado
nece-nos uma extraordinária análise de clas­ de exceção e autonomia relativa do Estado,
se de uma situação política. Seu exame da entre outras, noções que têm orientado mui­
aristocracia financeira, burguesia industrial, tas análises políticas contemporâneas.
pequena burguesia, campesinato, lúmpen-
proletariado, proletariado industrial, burgue­ (Recebido para publicação
sia monárquica e grande burguesia na F ran­ em setembro de 1994)

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As C iências Hum anas no M useu Paraense
Emílio Goeldi: 128 Anos em Busca do
Conhecimento Antropológico na Amazônia*

Adélia Engrácia de Oliveira


Lourdes Gonçalves Furtado

Desde sua criação, em 1866, a Socieda­ lau Neto, conseguiu das autoridades impe­
de Philomática (denominada M useu Paraen­ riais e provinciais a aprovação de algumas
se em 1870, M useu Goeldi em 1901 e M u­ medidas para evitar a depredação dos sítios
seu Paraense Emílio Goeldi após 1931) tem regionais, especialmente os de Marajó.
contribuído para ampliar os conhecimentos Além do seu interesse pela antropologia
antropológico, arqueológico e lingüístico so­ e arqueologia, o naturalista fez incursões
bre a Amazônia. também no campo da lingüística. Em 1877,
Seu primeiro diretor, o naturalista D o­ procurou o último índio remanescente dos
mingos Soares Ferreira Penna, conduziu in­ Aruã, em Marajó, e conseguiu coletar 200
vestigações sobre a geografia, história e eco­ palavras de sua língua.
nomia da região, mais especificamente sobre Emílio Goeldi, administrador do Museu
deslocamentos de população regional, estu­ Paraense de 1894 a 1907, era zoólogo mas
dou inscrições rupestres e fez escavações ar­ foi grande incentivador dos estudos antropo­
queológicas na ilha de Marajó, no Amapá, lógicos e arqueológicos. Durante seu m anda­
nos rios Tocantins e M adeira e no litoral do to, encontrando-se o Museu melhor estrutu­
Pará, onde se interessou pelos sambaquis. rado, foi dado início, de fato, às pesquisas ar­
Foi o primeiro a levantar a hipótese de que queológicas na região. Em 1895, juntam ente
os aterros marajoaras eram artificiais, o que com Aureliano Lima Guedes, Goeldi estu­
foi confirmado posteriorm ente por outros dou as cavernas funerárias do rio Guamá, no
pesquisadores. Em companhia de Ladislau atual território federal do Amapá. Guedes
Neto, visitou grupos de índios Tem bé, Ama- prosseguiu sozinho com os trabalhos no ano
najé e Turiuara. Viajou pelo rio Negro, re­ seguinte, nos sítios-cemitérios da ilha Pará
gião do Tapajós (Santarém ) e Óbidos, regis­ (AP) nos rios Mazagão, Maracá e Anauera-
trando a cultura indígena existente na época pucú, resultando dessas pesquisas as primei­
e/ou a já extinta. Tinha um interesse históri­ ras e melhores coleções hoje existentes de
co e geográfico pelas populações que estuda­ Cunani e Maracá, como também as primei­
va, detendo-se, muitas vezes, nas questões ras contribuições à arqueologia amazônica,
de conflito em que estas se envolviam. publicadas pelo Museu Paraense. Autor de
Ferreira Penna também se preocupava O Estado Atual dos Conhecimentos sobre os
com a proteção dos sítios arqueológicos da índios do Brasil, Especialmente na Amazô­
Amazônia. Em 1883, juntam ente com Ladis­ nia, Goeldi destacou-se também pela consti-

* Grande parte das informações aqui apresentadas foram transmitidas a Adélia Engrácia de Oliveira
por Eduardo Galvão, Expedito Arnaud, Mário Simões e Oswaldo Cunha.

BIB, Rio de Janeiro, n. 39, 1.° semestre 1995, pp. 103-109 103
tuição, mediante doações e aquisições do acer­ Apinayé, Tukuna, índios do alto rio Negro,
vo etnográfico e arqueológico da instituição. Juruna, Parintintim, Maué, M ura e vários
Sabe-se que ele conferia apoio institu­ outros grupos tribais da Amazônia, Nimuen­
cional em troca de coleções. Este é o caso, dajú elaborou um mapa etno-histórico mos­
por exemplo, da coleção de 502 peças doada trando a localização e a migração dos grupos
ao Museu Paraense por Theodor Koch- indígenas do Brasil, escreveu um texto sobre
Grünberg — pesquisador alemão que viajou os extintos índios Tapajó, mostrando pos­
pelo noroeste da Amazônia entre 1903 e síveis correlações de sua cerâmica com com­
1905, a serviço do M useu Etnográfico de plexos arqueológicos centro-americanos, e
Berlim, constituindo um riquíssimo acervo deixou dados lingüísticos de vários grupos
sobre os povos indígenas do alto rio Negro tribais da Amazônia. Deve-se a ele também
— em retribuição ao apoio recebido por p ar­ a reorganização das coleções de etnografia e
te de Emílio Goeldi. São peças bastante sig­ arqueologia do Museu, à qual acrescentou
nificativas, pois representam um a área de in­ novas peças coletadas em suas excursões,
tensas relações interétnicas. Procedente de bem como a sua primeira catalogação.
19 grupos e subgrupos, a coleção é formada Em 1948-1949, com o apoio do Museu,
por: trocano, flautas de osso, buzinas de argi­ Clifford Evans e Betty J. Meggers, da Smith-
la e outros instrumentos musicais, armas de sonian Institution, estabeleceram a primeira
caça, pesca e guerra, depósito de curare, seqüência de desenvolvimento cultural da
máscaras de dança, escudo cerimonial, enfei­ foz do Amazonas, mediante a análise de mi­
tes de cabeça e corporais, brinquedos, cerâ­ lhares de fragmentos de cerâmica escavados
micas, cestaria e açoite para a dança Jurupari. no Amapá e nas ilhas de Marajó, Mexiana e
No início do século, a zoóloga Emília Caviana. Com essa nova abordagem de pes­
Snethlage, que tam bém foi diretora da insti­ quisa arqueológica, até então inédita no Bra­
tuição, viajou pelos rios Xingu e Tapajós co­ sil, encerrar-se-ia a etapa especulativo-des-
letando dados etnográficos e lingüísticos so­ critiva dos primeiros anos da arqueologia
bre os Xipaya e os Kuruaya. Cabe destacar amazônica.
ainda Rodolpho R. Schuller, que trabalhou Com a mesma abordagem metodológi­
no Museu Goeldi de 1909 a 1911, autor de ca, Peter P. Hilbert, etnólogo do Museu
importantes trabalhos sobre índios da A m a­ Goeldi e participante dos trabalhos de cam­
zônia e organizador da Bibliografia Amazô­ po dos Evans e Meggers em Marajó, reto­
nica. mou em 1949 as atividades arqueológicas da
Paradoxalmente, quando, entre 1915 e instituição, em recesso desde final do século
1921, por falta de recursos financeiros, o XIX, fazendo escavações nos aterros de M a­
Museu Goeldi principiava a entrar em deca­ rajó (1950-51), nas terras pretas dos rios
dência, a etnologia na Amazônia brasileira Nhamundá-Trombetas (1952) e nos sítios-
começou a traçar seu caminho e a se proje­ cemitérios do baixo rio Cassiporé (1953).
tar com os trabalhos de Curt Nimuendajú Arm ando Bordalo da Silva, antropólogo
sobre os grupos indígenas da região, realiza­ do Museu e diretor da instituição de 1951 a
dos em colaboração com o M useu. Nim uen­ 1954, dedicou-se a estudos de antropologia
dajú deu novos rum os à pesquisa etnológica física, de alimentação e de folclore na zona
por sua maior permanência no campo e a in­ Bragantina, preocupando-se também com a
sistência no uso da língua nativa como ins­ relação homem/meio ambiente.
trumento de comunicação. Após esse perío­ Em dezembro de 1954 foi firmado um
do, o pesquisador retornou à instituição em convênio entre o então Conselho Nacional
1940, onde chefiou, até sua morte, em 1945, de Pesquisa (CNPq) e o governo do Estado
a então “Secção Ethnográfica”, além de mi­ do Pará pelo qual o Instituto Nacional de
nistrar, entre 1942 e 1943, três cursos de et­ Pesquisa da Amazônia (INPA) assumia a di­
nologia. A utor de vários trabalhos sobre os reção administrativa e científica do Museu

104
Paraense Emílio Goeldi, que passou a contar Imázio da Silveira, Fernando Tavares M ar­
com maiores possibilidades de recursos fi­ ques e Maria Cândida D. M. Barros (1983);
nanceiros para atuar na região. Priscila Faulhaber, Alicia Coirolo e Sônia
Em 1995, E duardo Galvão, interessado Magalhães (1984); Rodrigo Peixoto e Denny
no estudo de índios e caboclos da Amazônia, Moore (1987), Scott D. Anderson e Roberto
assumiu a chefia da Divisão de Antropologia Araújo Santos Jr. (1988) e outros que foram
do Museu, e sob sua coordenação as pesqui­ integrados mais recentemente. Em 1981 vie­
sas antropológicas, arqueológicas e lingüísti­ ram Pierre e Françoise Grenand, pesquisa­
cas tomaram novo impulso. Além de m anter dores do ORSTOM e CNRS, respectiva­
a continuidade e a regularidade das investi­ mente. A partir de 1984, pesquisadores do
gações antropológicas na região, Galvão, au ­ Convênio CNPq/ORSTOM como Philippe
xiliado por Peter Hilbert, reorganizou, re- Léna, Dominique Buchillet, Bruce Albert,
tombou, classificou e descreveu de forma sis­ Christian Geffray, Jacky Picard, Anne Le-
temática as antigas coleções, recuperando-as borgne, Francisco Queixalós e Odile Lescure
e acrescentando outras. passaram a desenvolver pesquisas em con­
Para realizar pesquisa arqueológica e de junto com pesquisadores e bolsistas do D e­
etnologia indígena, Galvão atraiu para o M u­ partam ento de Ciências Humanas (DCH)
seu o franciscano Protásio Frikel, com larga do Museu, criado em 1982, colaborando pa­
experiência em trabalho de campo na área ra a formação de pessoal e a consolidação
do Tum ucum aque, Carlos Moreira Neto, científica desse departamento.
Klaas W oortmann, R oberto Las Casas e Em bora a pesquisa antropológica no
Mário Ferreira Simões. Mais tarde, Concei­ Museu Goeldi tenha tradicionalmente se vol­
ção Gentil Corrêa e R uth Wallace. Com este tado para o estudo das populações indígenas,
grupo, interagiu com outros pesquisadores com a vinda de Eduardo Galvão as popula­
com atuação na Amazônia ligados ao M useu ções urbanas e as regionais, nos mais diver­
Paulista, â USP, ao M useu Nacional e ao sos segmentos sociais, também passaram a
Serviço de Proteção aos índios (SPI), pro­ ser abordadas. Em 1968, ele e Oracy N o­
porcionando a técnicos do SPI e do próprio gueira, da USP, organizaram e ministraram
Museu Goeldi, como Expedito A rnaud e um curso de pesquisa social, com o apoio fi­
Edson Diniz, apoio e incentivo para seguir a nanceiro do CNPq e da Superintendência
carreira de pesquisador. para o Desenvolvimento da Amazônia (Su-
Em 1967 e 1969 o Museu contratou seis dam), que resultou na abertura da área de
jovens recém-formados pela Faculdade de Antropologia para outras abordagens, espe­
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade cialmente o meio rural e as comunidades da
Federal do Pará: Isolda Maciel da Silveira, orla marítima do Pará, da ilha do Marajó e
Lourdes Gonçalves Furtado, R oberto Cor- do médio e baixo Amazonas, produzindo-se,
tez, Isidoro Alves, Pedro Salles e Ana Lúcia assim, um considerável acervo de co­
Machado. Adélia Engrácia de Oliveira veio nhecimentos sobre populações de agriculto­
para a instituição em 1968, Lúcia H. van res, coletores e pescadores.
Velthem em 1973, Maria Helena Barata em Desenvolveram-se, ainda, estudos que
1975, Fernanda Araújo Costa e Antonio enfocam a relação índio/sociedade nacional
Maria de S. Santos em 1976 e Antonio Car­ e, mais recentemente, aqueles sobre o im­
los Magalhães em 1979. Consolidava-se, as­ pacto dos grandes projetos sobre a popula­
sim, um grupo dedicado a estudos antropo­ ção local, em particular caboclos e migran­
lógicos na região amazônica. Este grupo tes, e sobre a família em áreas urbanas.
cresceu e diversificou-se, com a absorção de A pesquisa arqueológica no Museu in­
novos bolsistas e/ou pesquisadores como V e­ tensificou-se principalmente após a contrata­
ra Guapindaia (1980); Edithe Pereira ção de Mário Ferreira Simões, em 1962. A
(1982); Marcos Pereira Magalhães, M aura ele devemos a estruturação da área de Ar-

105
queologia da instituição, com instalações físi­ campo na Amazônia, que a área experimen­
cas e equipam entos da melhor qualidade, ta um desenvolvimento mais acelerado. O
proporcionando melhores condições para a estágio é reativado, com foco na pesquisa de
pesquisa e acondicionamento do acervo ar­ campo e no preparo para a pós-graduação, é
queológico, antes depositado em lugares ina­ várias medidas estruturais são tomadas para
dequados. D esde então, tiveram início vários a consolidação da área.
projetos de pesquisa, basicamente voltados Ao longo de sua existência, principal­
para a arqueologia pré-histórica. Nesta linha mente a partir da gestão de Emílio Goeldi, o
destacam-se dois grandes programas, o Pro- Museu organizou uma reserva técnica de et­
napa e o Pronapaba (convênios com a nografia que já conta com mais de 15 mil pe­
Smithsonian Institution), ambos sob a coor­ ças e outra de arqueologia que inclui, atual­
denação de M ário Ferreira Simões. Em bora mente, um acervo de cerca de 3 mil itens
projetos de salvamento arqueológico tenham tombados. Estas peças integram as coleções
sido desenvolvidos anteriorm ente, foi so­ científicas das áreas de Antropologia e A r­
mente na década de 80 que essa estratégia queologia e estão abrigadas, respectivamente,
de pesquisa passou a ser vista como prioritá­ nas Reservas Técnicas “Curt Nimuendajú” e
ria, em face da ameaça de destruição total “Mário Ferreira Simões”. Tais reservas, consti­
ou parcial do patrimônio arqueológico pelo tuídas a partir do trabalho de campo dos pes­
acelerado processo de desenvolvimento tec­ quisadores, de doações ou de aquisições, são
nológico e urbanístico que se intensificou na uma fonte valiosa de pesquisa científica sobre a
região. Atualmente a área de Arqueologia do cultura dos povos ali representados.
Museu tem-se dedicado também a estudos et- A Reserva Técnica “Curt Nimuendajú”
no-arqueológicos e de arqueologia histórica. abriga um dos mais importantes acervos de
As pesquisas lingüísticas no M useu ini­ peças indígenas da Amazônia brasileira do
cialmente tiveram uma face naturalista, mundo, além de artefatos caboclos regionais,
preocupando-se, basicamente, com a origem objetos africanos e de outros povos sul-ame­
das línguas (da mesma maneira que a biolo­ ricanos (Jívaro, Kunibo, Kampa e Sarama-
gia humana de início buscou responder acer­ cá). As coleções de grupos indígenas sobres­
ca da origem do homem). Os poucos traba­ saem-se em número. Entre elas destacam-se
lhos que poderiam ser chamados de especifi­ as de Lauro Sodré (1897 — índios Juruna e
camente lingüísticos foram realizados de m o­ Tapayúna), Henri Coudreau (1898 — índios
do aleatório e não por especialistas, embora Parintintim), Koch-Grünberg (já menciona­
contribuições como a de Curt Nimuendajú da), e a de frei Gil de Vilanova, composta de
devam ser destacadas. 685 peças de procedência Kayapó (rio A ra­
Com a reformulação do Museu em guaia, próximo ao arraial de Conceição do
1954-1955, passaram por esta instituição al­ Araguaia). Esta é a maior coleção etnográfi­
guns lingüistas que, em bora não tenham ca do Museu Goeldi, rica sobretudo em ar­
chegado a fazer parte de seu quadro perm a­ mas mas incluindo braceletes, enfeites diver­
nente de pesquisadores, deram uma outra sos de penas, cintos de algodão e buriti, ti­
dimensão aos estudos nessa área, fazendo póias de buriti, buzinas de cabaça e colares
uso de metodologias científicas. Apesar dos variados. Possui um valor histórico e etnográfi­
esforços empreendidos, esses pesquisadores co muito grande pois que é o testemunho da
não conseguiram, contudo, formar especia­ vida material de um grupo indígena aniquila­
listas locais, e em 1970 o M useu Goeldi dei­ do pela ação conjunta dos missionários e das
xou de ter uma área de Lingüística, por falta frentes de expansão da sociedade nacional.
de pessoal qualificado. Os estudos foram re­ Além da coleção já mencionada de Koch-
ativados por volta de 1982-1983, mas é a Grünberg e as de Curt Nimuendajú, sobre­
partir de 1987, com a admissão do lingüista tudo as referentes aos Aparai, Canelas
Denny Moore, com ampla experiência de Orientais, Maxakari e Tukuna, existem cole­

106
ções recentes bastante significativas, como as Aristé, encontradas por Emílio Goeldi e A u­
de Protásio Frikel sobre os índios M unduru- reliano Lima Guedes durante suas pesquisas
ku e Tiriyó, as de Rduardo Galvão sobre os na região do rio Cunani e Monte Curu, no
índios do Xingu c as de Lúcia van Velthem Amapá, em 1895. É a única coleção do gêne­
sobre os índios Wayana-Apalai. ro existente em museus do mundo, e de ines­
As coleções indígenas estão ordenadas timável valor histórico para o Museu Goeldi;
de acordo com a classificação de áreas cultu­ e (d) Coleção “Governo do Estado”, adquiri­
rais indígenas da Amazônia Brasileira pro­ da pelo Governo do Estado do Pará e depo­
posta por E duardo Galvão (Norte-Amazôni- sitada no Museu sob regime de comodato.
ca, Juruá-Purus, G uaporé, Tapajós-Madeíra, Compreende 495 peças inteiras e fraturadas,
Xingu, Tocantins-Xingu, Pindaré-Gurupi, (incluindo urnas funerárias, vasos diversos,
Paraná e Nordeste). Armas, cerâmicas, ban­ estatuetas, pratos, tangas, lâminas-de-ma-
cos, remos e alguns adornos plumários estão chado e outras), além de centenas de frag­
dispostos por categoria, à exceção das num e­ mentos, procedentes da ilha de Marajó e
rosas flechas, que foram separadas de acor­ pertencentes à fase Marajoara, fase que
do Gom o grupo indígena de origem. identifica as populações de maior complexi­
Em 1933, o interventor federal do E sta­ dade cultural da pré-história amazônica.
do do Pará, Magalhães Barata, doou ao M u­ Recentemente, a área de Lingüística do
seu Goeldi uma coleção africana que lhe ha­ Museu iniciou um arquivo de fitas de docu­
via sido ofertada pelo coronel José Júlio de mentação de línguas indígenas, já tendo sido
Andrade, que a adquirira no início do século arquivadas 50 línguas de regiões variadas do
de um particular na Ilha da Madeira. Com país, com enfoque principalmente na A m a­
490 peças, a coleção inclui artefatos de caça zônia. A maioria dessas fitas foi gravada em
e pesca, armas diversas, esculturas em m a­ som stereo de alta fidelidade, com sistema
deiras, objetos religiosos e cerimoniais, ins­ Dolby de exclusão de ruído. Algumas línguas
trumentos musicais, tecelagem, cestaria e foram registradas em até dez horas de grava­
outros que foram estudados em 1989 por ção; outras, em alguns minutos.
Napoleão Figueiredo e Ivelise Rodrigues. O D epartamento de Ciências Humanas
A Reserva Técnica “M ário Ferreira Si­ (DCH ) do Museu Paraense Emílio Goeldi,
mões” abriga coleções de áreas variadas da integrando as áreas de Antropologia Social,
Amazônia, constituindo um dos patrimônios Arqueologia e Lingüística Indígena, foi che­
arqueológicos mais valiosos do m undo refe­ fiado desde sua criação, em 1982, até 1988
rentes a esta região. E ntre elas destacam-se: por Adélia Engrácia de Oliveira; de 1988 a
1992 por Lourdes Gonçalves Furtado; nova­
(a) Coleção “Frederico B arata”, adquirida
mente por Adélia de Oliveira de 1992 até
pelo Museu em 1954, composta de 407 pe­
maio de 1995 e, desde então, por Maria A n­
ças inteiras e fraturadas, além de 2.113 frag­
gela D ’Incal.
mentos, procedentes da região de Santarém
Atualmente o DCH conta em seu qua­
(PA). As peças mais comuns são os vasos de
dro funcional com dez doutores e 15 mes­
gargalo e de cariátides, as estatuetas, os ca­
tres, dos quais seis são doutorandos (dois em
chimbos e os muiraquitãs, que fazem parte
fase de defesa de tese), além de seis técnicos
da chamada Cultura Santarém; (b) Coleção
de nível superior e 11 de nível médio. Os
“Aureliano G uedes”, composta por 61 peças
projetos de pesquisa em execução enqua­
inteiras e fraturadas (na maioria, urnas fune­
dram-se nas seguintes linhas:
rárias) da fase arqueológica M aracá coleta­
das por Aureliano Lima Guedes quando da 1. Formação Pluricultural da Amazônia Pré-
sua pesquisa na região dos rios Maracá e Histórica: O seu Conhecimento, a sua
Anauerapucú, no Amapá, em 1896; (c) Co­ Identidade e o Meio Ambiente
leção “Emílio Goeldi & Aureliano G uedes”, - Povoamento pré-histórico e etno-histó-
formada por 17 urnas funerárias da fase rico da microrregião do Tapajós e sua rela­

107
ção com o am biente (Coord.: Alicia Durán - Línguas Tupi de Rondônia, Brasil
Coirolo). (Fonte: Fundação W enner-Gren) (Coord.:
- Registros rupestres do noroeste do Pa­ Denny Moore).
rá (Cooperação com a Companhia Vale do - Descrição das línguas Karib do norte do
Rio Doce) (Coord.: Edithe da Silva Pereira). Brasil (Fonte: Fundação Nacional para a
- Prospecção arqueológica em Carajás. Ciência dos EU A) (Coord.: Spike Gildea).
2.a etapa (Coord.: M arcos Pereira M aga­ - Documentação, análise e descrição da
lhães). língua Koaiâ (Fonte: Governo da Holanda)
- Estratégias de subsistência de grupos (Coord.: Hein van der Voort).
caçadores-colctores pré-cerâmico do sítio - Pesquisa de línguas indígenas, educação
Gruta do Gavião (PA ) (Coord.: M aura Imá- indígena e desenvolvimento da área de Lin­
zio da Silveira). güística do Museu Goeldi (Convênio:
CNPq/ORSTOM ) (Coord.: Francisco Quei-
2. Relações Interétrúcas e Mudanças Culturais xalós e Denny Moore).
- PukotVGateyê e Tenetehara: O encon­ - História da lingüística indígena (Fonte:
tro no espaço urbano (Coord.: Maria Helena Tesouro Nacional) (Coord.: Maria Cândida
Barata). D.M. Barros).
- Desigualdade e diferença (Coord.: R o ­
6. Usos e Representações Tradicionais do
berto Cortez).
Espaço/Tempo na Amazônia e a sua Di­
3. Efeitos Sócio-Ambientais das Políticas nâmica Sócio-Ambiental
Públicas e Movimentos Espontâneos de - A microrregião do Oiapoque: Estudo
Ocupação etno-arqueológico das culturas do rio Cuna-
- Conseqüências sociais de grandes proje­ ni (Coord.: Alicia Durán Coirolo).
tos hidrelétricos na Amazônia (Coord.: Sônia - Arqueologia da indústria canavieira na
Barbosa Magalhães). Amazônia tradicional (Fonte: Fundação
Fórd) (Coord.: Fernando T. Marques e
4. Fronteira: Estrutura Fundiária, Relações Scott Anderson).
Sociais e Dinâmica do Uso de Recursos - Recursos naturais e antropologia das
Naturais sociedades marítimas, ribeirinhas e lacustres:
- Expansão da fronteira demográfica e Estudo das relações entre o homem e seu
econômica na Amazônia: Dinâmica das m u­ meio ambiente (Fontes: FNMA e CRDI
danças sociais e transformação dos sistemas (Canadá)) (Coord.: Lourdes G. Furtado).2
de produção (Convênio CNPq/ORSTOM ) - O mundo encantado e maravilhoso de
(Coord.: Adélia Engrácia de Oliveira e Phi- índios e caboclos da Amazônia (Coord.:
lippe Lena).1 Adélia Engrácia de Oliveira).
- Etnografia dos conflitos na região do - Os Parakanã — Um estudo sobre a na­
baixo Amazonas: O caso do lago grande ção de pessoa (Coord.: Antônio Carlos
Monte Alegre (Cooperação com o Iba- Magalhães L. dos Santos).
ma/Projeto Iara) (Coord.: Lourdes Furtado - Os índios Werekena do rio Xié e a extra­
e Bernd Mitlewski). ção da piaçava (Coord.: Márcio A F. de Meira).
5. Análise e Descrição das Línguas Amazôni­ - Estratégias adaptativas de populações
cas e o Estudo das suas Relações com a Pré- pré-históricas e atuais na Estação Científica
História, a Cultura e o Ambient e Natural Ferreira Penna e adjacências (Coord.: Lour­
- Pesquisas de línguas indígenas e consolida­ des Furtado, Isolda Silveira e Daniel Lopes).
ção do Programa de Pesquisa de Línguas Ama­ - Revitalização da Cidade Velha — Sub-
zônicas (Fonte: Finep) (Coord.: Denny Moore). projeto: Igreja do Rosário dos Homens
- Alfabetização em línguas amazônicas Brancos — Praça do Carmo (Belém — PA)
(Fonte: Fundação Norueguesa para a Flo­ (Coord.: Marcos Pereira Magalhães e Vera
resta Tropical) (Coord.: Denny M oore). Lúcia C. Guapindaia).

108
7. Sistemas Cognitivos: Medicinas e Tecno­ e etnografia da ciência na perspectiva de um
logias Tradicionais saber sobre e na Amazônia (1866-1955)
- índios Wayana Apalai: Arte e sociedade (Coord.: Angela Bertho).
(Coord.: Lúcia H. van Velthem). As Reservas Técnicas, já mencionadas,
- Medicina tradicional e medicina ociden­ possuem projetos específicos de estrutura­
tal: A antropologia da saúde na Amazônia ção c de docum entação das coleções.
(Coord.: Antonio Maria Santos). Com o apoio financeiro recebido dc ins­
- Relação saúde e doença entre índios e tituições nacionais — CNPq, Finep, Capes,
caboclos: U m a investigação etno-histórica Funai, l'NMA, Ibama, Cia Vale do Rio D o­
em Barcelos (AM) (Coord.: Denize Adrião). ce e U EPA — e internacionais — Fundação
- Arqueologia da técnica na Amazônia Ford (EU A ), CD R I (Canadá), Cultural Sur-
vival, ORSTOM (França), CNRS (França),
tradicional (Coord.: Scott Anderson e F er­
W enner-Gren (EUA), Fundação Noruegue­
nando Marques).
sa para a Floresta Tropical, National Science
- Arqueologia da arquitetura histórica da
Foundation (EUA) e Governo da Holanda
Amazônia (Coord.: Fernando Marques e
— o D C Ii pode manter um corpo qualifica­
Scott Anderson).
do de pesquisadores e instalações físicas ade­
- Arqueologia histórica da Amazônia tra­
quadas, além de dispor de uma biblioteca es­
dicional (Coord.: Fernando M arques e Scott
pecializada e com obras raras que remontam
Anderson). ao século XVI.

8 . História das Instituições Científicas e Tra­


jetórias Intelectuais (Recebido para publicação
- Museu Emílio Goeldi — Historiografia em outubro de 1994)

Notas

1. Priscila F. Barbosa, R oberto Araújo Santos, Rodrigo Peixoto, Christian Geffray, Annc Le-
borgne, Jacky Picard, Adélia Oliveira c Philippe Léna possuem subprojetos vinculados a
este projeto.
2. Conceição Corrêa, Daniel Lopes, Maria Ivete Nascimento, Lourdes Furtado, Edma M o­
reira, Rosilan Rocha, Maria Cristina Manescky, César Augusto da Costa, Danielle Viana,
Maria de Nazaré Bastos e Cristina Senna possuem subprojetos vinculados a este projeto.

Bibliografia
Arnaud, Expedito
1981 “Os Estudos de Antropologia no Museu Goeldi”. Suplemento Acta-Ainazônica,
Manaus, n.° 111, pp. 137-48.
Oliveira, Adélia Engrácia de
1983 “As Pesquisas Antropológicas na Amazônia Brasileira e o Papel do Museu Goeldi
(Belém-PA)”. Ciência e Cultura, São Paulo, 35(6), pp. 748-62.
Oliveira, Adélia Engrácia de e Furtado, Lourdes Gonçalves
1991 “O M useu Emílio Goeldi: 125 Anos de Pesquisa Antropológica na Amazônia”. O
Liberal, Belém, 30/05/91, p. 6.
Oliveira, Adélia Engrácia de e V an Velthem, Lúcia H.
1991 “As Coleções Etnográficas do M useu Goeldi: 125 Anos de sua História”. O Libe­
ral, Belém, 6 e 7/10/91.

109
Teses e Dissertações

Abranches, Sérgio Paulino


A Religiosidade das CEBs e do Catolicismo Popular do Recife. Mestrado em Sociologia, Uni­
versidade Federal de Pernam buco, 1993,180 pp. Orientadora: Cecília Loreto Mariz.

Análise comparativa da religiosidade dos membros das CEBs e do catolicismo popular


em Recife. A questão central é por que as CEBs não conseguem atrair tantas pessoas e conti­
nuam, ao menos quantitativamente com presença limitada dentro da Igreja Católica. Tom an­
do como base a constituição do campo religioso católico, percebendo sua dinâmica caracterís­
tica que se dá entre produtores e consumidores — e também a contraposição entre produto­
res oficiais e produtores não-oficiais. A apresentação do campo simbólico católico, com a ten­
são constante entre o pólo normativo e o pólo orético, permite caracterizar a posição de cada
um destes grupos. Objetiva apreender a religiosidade característica desses grupos e combiná-
la com a história da implantação do catolicismo no Brasil, apontando para a contradição ine­
rente a este catolicismo que se expressa nas CEBs atualmente.

Almeida, Loriza Lacerda de


Acidentes de Trabalho e Cidadania — Um Estudo no Município de Baum. Mestrado em So­
ciologia, Universidade Estadual Paulista, 1993,177 pp. Orientadora: Elisabete Dória Bilac.

Analisa os acidentes de trabalho ocorridos no município de Bauru, no período de 1982 a


1987. A questão básica voltou-se para a percepção das contradições engendradas pelo mundo
do trabalho em relação à saúde dos indivíduos, ou seja, tentou estabelecer os nexos entre
trabalho e acidentes ocorridos, bem como perceber esta relação com o estabelecimento da ci­
dadania do acidentado. Os dados foram obtidos por intermédio do INAMPS local e as análi­
ses privilegiaram a leitura por setores de trabalho. A conclusão fundamental refere-se à ex­
propriação da cidadania dos acidentados, que em situação muito particular de trabalho se
vêem alijados dos seus direitos básicos.

Arruda, M aria Bernadete Campos


Mobilidade Social de Migrantes em Recife. Mestrado em Sociologia, Universidade Federal de
Pernambuco, 1993,148 pp. Orientadora: Maria de Salete Corrêa Marinho.

Estudo sobre a mobilidade social dos migrantes residentes na cidade do Recife. Proce­
deu, em uma primeira fase, à escolha dos bairros, mediante dados das Unidades Espaciais de
Referência U ER s, cujo trabalho foi desenvolvido pela Fundação de Desenvolvimento da R e­
gião Metropolitana do Recife Fidem. Em uma segunda fase, utilizou amostragem probabi-
lística aleatória sistemática de 392 entrevistados. As áreas escolhidas para a coleta de dados

BIB, Rio de Janeiro, n. 39, 1.° semestre 1995, pp. 111-119 111
foram os bairros de Boa Viagem, Várzea e Mustardinha, onde predominam características
dos estratos alto, médio e baixo. D e posse dos dados obtidos, construiu tabelas para a mensu-
ração dos percentuais de mobilidade intrageracional e intergeracional, considerando-se a últi^
ma ocupação antes de emigrar, a primeira ocupação em Recife, e a ocupação atual.

Braga, Ana Beatriz


A Construção Social da Infância Trabalhadora na l.a República. Mestrado em Sociologia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993, 169 pp. Orientadora: Maria Rosilene Barbosa
Alvim.

Analisa o processo de construção social da infância trabalhadora durante a í? República


a partir do debate entre os parlam entares da Câmara e do Senado Federal a respeito da regu­
lamentação do trabalho de menores. Orientando-se pelo conceito bourdiano de “campo de
poder”, os discursos parlam entares foram entrecruzados com as falas de outros agentes so­
ciais empresariado, operariado, médicos, higienistas e juristas para a compreensão dos signi­
ficados contidos na categoria “m enor trabalhador”. Entre os parlamentares, a antinomia entre
trabalho e infância foi resolvida com a promulgação do Código de Menores de 1927, o qual
determinou a preservação moral da infância pobre mediante o trabalho.

Camargos, Regina Coeli Moreira


Estado e Empreiteiros no Brasil: Uma Análise Setorial. Mestrado em Ciência Política, Uni-
camp, 1993, 173 pp. Orientador: Sebastião C. Velasco e Cruz.

Analisa as peculiares relações existentes entre os grandes empreiteiros de obras públicas


e o Estado no Brasil. Para tanto organiza-se em torno de dois eixos de argumentação: um, de
caráter econômico-sociológico, em que são estudadas as características estruturais do setor de
construção pesada no País, tais como características do processo produtivo e da estrutura da
demanda. Com esse procedimento busca estabelecer nexos pertinentes entre aquelas caracte­
rísticas estruturais e o padrão específico de relacionamento entre Estado e grandes em preitei­
ros. Em outras palavras, procura explicar em que medida certas características estruturais da
construção pesada contribuem para a conformação daquele padrão de relacionamento. O se­
gundo eixo, de caráter histórico, apresenta e discute o processo de formação e desenvolvimen­
to capitalista da construção pesada, enfatizando o papel do Estado nesse processo. Pretende,
com isso, explicar a imbricação setor-Estado a partir da relevância da ação estatal para a for­
mação e expansão da grande engenharia, reafirmando o caráter histórico das relações entre
empreiteiros e Estado no Brasil.

Coelho, Jaim e Cesar


Bancos Comerciais Estaduais e Organização de Interesses — A Associação Brasileira de Ban­
cos Comerciais Estaduais (Asbace) — Um Estiido de Caso. Mestrado em Sociologia Política,
Universidade Federal de Santa Catarina, 1993, 137 pp. Orientador: Ary Cesar Minella.

Analisa a relação sociedade-Estado, especificamente a organização de interesses de um


ramo do sistema financeiro nacional, qual seja, o dos bancos comerciais estaduais nesse con­
texto. Trata desde a gênese do sistema financeiro nacional, passando pela crise do sistema de
bancos comerciais estaduais na década de 80, buscando detectar a maneira pela qual os
interesses desse ram o do setor financeiro nacional foram organizados, e, portanto, como se
constituiu e atuou, até o início da década de 90, a Associação Brasileira de Bancos Comerciais
Estaduais (Asbace). Traça um paralelo entre as perspectivas dos referidos bancos e a redefini­

112
ção do papel do Estado, levando em conta as posições de diferentes atores sociais relaciona­
dos ao tema em questão.

D ias Filho, Guilherm e Cavalheiro


O Partido Comunista Brasileiro e os Movimentos de Massa, 1978-1980. Mestrado em Ciência
Política, Unicamp, 1993,142 pp. Orientador: Arm ando Boito Jr.
Analisa a reação do Partido Comunista Brasileiro — PCB aos movimentos de massa de
1978-80. A pesquisa restringe-se aos manifestos do Partido buscando compreender a origem
da avaliação que o PCB faz dos movimentos de 1978-80. É de se notar a diferença entre as fa­
ses do discurso do PCB, sendo a mais radical entre fins da década de 60 e 1978. Até 1978, o
Partido enaltece os movimentos operário e popular para, abruptam ente, começar a combatê-
los em fins de 1970. Após constatar que os elogios do Partido ocorrem em uma fase em que
inexistem movimentos sociais, une as diferentes fases de seu discurso por meio da própria in­
terpretação do autor.

Ferreira, Jonatas
Carisma e História: Etica e Razão na Análise Weberiana do Mundo Moderno. Mestrado cm
Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1993, 84 pp. Orientador: Roberto Mauro
Cortez Motta.
Investiga a questão ética implicada na análise weberiana do mundo moderno. Para We-
ber, mediante a ética o homem atribui sentido ao mundo sensível, descobrindo-se como parte
significativa deste mundo. A o superar formas mágicas de racionalização e adotar formas éti-
co-religiosas, o homem passa a interferir no mundo sensível e torná-lo previsível. O homem
abandona, deste modo, um a relação passiva com o real, para tentar transformá-lo de acordo
com os princípios substantivos que passam a governar a sua existência. A relação ética-ação,
no entanto, não é uma relação direta, mas mediada pela forma como os conteúdos éticos des­
te modo colocam o pensam ento weberiano longe de um idealismo ingênuo em que as inten­
ções garantem os seus resultados. A ética puritana, ao buscar a construção de um mundo que
glorificasse a existência de D eus através de obras, determinou o surgimento de uma sociedade
em que toda forma ética é posta em xeque. O homem moderno, ao se desvencilhar de toda
avaliação substantiva, torna-se passivo diante da racionalização formal da realidade. A socie­
dade que propiciou um controle sem precedentes sobre o mundo sensível é também a socie­
dade em que o homem se torna passivo diante do mundo.

Godoi, Emilia Pietrafesa de


O Trabalho da Memória: Um Estudo Antropológico de Ocupação Camponesa no Sertão do
Piauí. M estrado em Antropologia Social, Unicamp, 1993, 208 pp. Orientadora: Ana Maria de
Niemeyer.
O fio condutor do estudo foi o trabalho da memória, apreendido mediante a história da
ocupação da terra, por um grupo camponês, no sertão do Piauí. Verifica que a memória do
grupo foi ativada em um contexto de pressão sobre seu território, atuando como criadora de
solidariedades, produtora de identidade e portadora de imaginário, erigindo regras de perten-
cimento e exclusão, delimitando as fronteiras sociais do grupo. O entendimento da questão
central a ocupação e reprodução camponesa de um a área do sertão do Piauí — só foi pos­
sível pela percepção da solidariedade existente entre as tradições orais, as práticas rituais e as
cotidianas. Parte do ponto de vista dos camponeses, como eles pensam e vivem sua relação
com a terra, qual o conjunto de direitos que a orienta e quais as transformações sofridas por

113
este decorrentes de um im portante mom ento do processo histórico: a divisão, separação, de­
marcação e titulação das terras que, mais de um século, foram um patrimônio indiviso e seus
possuidores posseiros e apossados. Procura dem onstrar a existência de uma “economia mo­
ral” que orienta a ocupação da terra e a apropriação da natureza expressa na posse, inscrita
em um habitus camponês engendrado pela sua história de marginalidade e expropriação no
âmbito da história territorial brasileira, que persiste até nossos dias.

Gouveia, Taciana M aria de V asconcelos


Repensando alguns Conceitos — Sujeito, Representação Social e Identidade Coletiva. Mestrado
em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1993, 140 pp. Orientadora: Silke We-
ber.
Analisa os conceitos de Sujeito, Representação Social e Identidade Coletiva com vistas à
reinseri-lo como instrum entos que auxiliem na compreensão e interpretação dos processos so­
ciais contemporâneos. A motivação básica para a realização deste estudo partiu de três fontes:
a presença e importância dos movimentos sociais nos últimos anos, não só no Brasil como em
todo mundo; a dificuldade, por vezes bastante clara, dos estudos sociológicos em analisar e
definir os chamados “novos movimentos sociais”; e, por fim, a crise dos paradigmas explicati­
vos das Ciências Sociais que parecia oferecer como saída preferencial a tendência em substi­
tuir os modelos m acroestruturais por aqueles que se baseiam nos microfundamentos da dinâ­
mica social. No sentido de alcançar o objetivo acima colocado, propõe que o conceito de Su­
jeito seja apreciado e com preendido a partir de duas outras razões: projeto e autonomia. Faz
também um a diferenciação entre o conceito proposto e os conceitos de “sujeito da história”,
por um lado, e o de “ator social”, por outro.

Guimarães, Vera M aria


O Movimento Ambientalista em um Momento de Transição: Análise de Conflito (A Propósito
dos Resíduos Sólidos em Novo Hamburgo). M estrado em Sociologia Política, Universidade
Federal de Santa Catarina, 1993, 126 pp. Orientador: Hector Ricardo Leis.
Analisa um a situação de conflito entre entidades ambientalistas e o poder público no m u­
nicípio de Novo H am burgo (RS) para captar os diferentes posicionamentos envolvidos em
um contexto de ampliação do campo ambientalista. Assume que esse é um momento de tran­
sição para entidades do gênero, no sentido de sua reestruturação e definição de papéis, que
estariam associados à questão da profissionalização dessas entidades e o entendimento de
suas relações com os demais setores sociais, principalmente em torno da ação governamental,
em função do dilema confronto versus cooperação no tratam ento das questões ambientais.

Grecco, Patricia R iani


Do Metal ao Metalúrgico: A Construção da “Moral do Trabalho” no Rio de Janeiro (1970-
1981). M estrado em Sociologia, IFCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993,130 pp.
Orientadora: Elina Gonçalves da Fonte Pessanha.
O objetivo desta dissertação é o de recuperar as representações sobre o trabalho a partir
de discursos de operários metalúrgicos e da imprensa sindical carioca nos anos de 1970 a
1981, com preendendo que a percepção desses discursos toma a valorização social do trabalho
como base de legitimação na luta pelo reconhecimento social do trabalhador.

Hass, Monica
Os Partidos Políticos e a Elite Chapecoense. Um Estudo de Poder Local, 1945 a 1965. Mestra­

114
do em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993, 290 pp. Orientador:
Ary Cesar Minella.
Verifica a raiz dos conflitos e acordos entre a elite política de Chapecó (SC), da metade
da década de 1940 até meados da década de 60, a partir dos partidos políticos. A análise inse­
re-se nos chamados “estudos de poder local”, e enfoca as relações que envolvem o poder com
o objetivo de elucidar a sua estrutura e o processo político-partidário do período. O universo
analisado envolve o sistema pluripartidário que se instala a partir do momento em que a que­
da de Getúlio Vargas acelera a criação de novos partidos, bem como as mudanças socioeco-
nômicas pelas quais passa a região e que se refletem na estrutura de poder local. Metodologi­
camente, trata-se de um a análise fundam entalm ente baseada na pesquisa eleitoral, na docu­
mentação historiográfica e ria história oral das lideranças políticas de Chapecó.

Maluf, Rui Tavares


A Câmara Municipal de São Paulo (1983-1988) e o Processo Decisório do IPTU. Mestrado
em Ciência Política, Unicamp, 1993, 176 pp. Orientador: Leôncio Martins Rodrigues.

Investiga o funcionamento do Poder Legislativo paulistano mediante o estudo do proces­


so de tomada de decisão com relação ao IPT U ao longo dos seis anos que compuseram a 9a'
Legislatura (1983-1988), período que se caracterizou como de transição política de um regi­
me autoritário para um democrático. Levando em consideração este período de transição po­
lítica, procurou destacar os dois prefeitos que conviveram com a referida Legislatura (Mário
Covas e Jânio Quadros), sendo que o primeiro foi nomeado pelo governador Franco Monto-
ro, pertencente aos quadros do PM DB, organização política que se forjou e cresceu em oposi­
ção ao regime militar. O segundo prefeito foi eleito pelo voto direto, apesar de sua ação polí­
tica não ter sido caracterizada como de oposição ao regime. Apresenta as diferenças básicas
no processo decisório do IPTU , observadas tanto em cada governo como a cada ano e as dife­
renças de tratam ento entre IPT U e orçamento.

M artins, Herbert Toledo


A Institucionalização do Estado Patrimonialista Português na Região das Minas no Século
XVIII: 1690-1736. M estrado em Sociologia, Universidade Federal de Minas Gerais, 1993,150
pp. Orientadora: Beatriz Ricardina Magalhães.

Estudo do processo de expansão da ordem patrimonialista portuguesa na região das Mi­


nas entre 1690 e 1736. M ediante dados extraídos da historiografia disponível sobre o período
em pauta, buscou com preender o processo pelo qual o poder e a autoridade governamental
constitui-se em centro de decisões, instaurando o poder público com suas regras e burocra­
cias, eliminando os focos privados de poder, sufocando os movimentos de oposição em ergen­
tes, impondo efetivamente a ordem legal em todo o território das Minas. Neste sentido, este
trabalho é um ensaio de interpretação sociológica dos dados historiográficos que ilustram um
problema — a expansão da ordem patrimonialista na fronteira colonial.

Mayr, Ana Angélica D antas Alves


Condições Sócio-Culturais da Preservação da Arquitetura Teuto-Brasileira em Timbó (SC).
Mestrado em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993, 181 pp.
Orientadora: Tam ara Benakouche.

Busca interpretar o atual significado de preservação arquitetônica da imigração alemã no


município de Timbó (SC). A partir do desenvolvimento econômico e social do município e da>

115
manutenção de hábitos culturais tradicionais de sua população, procura questionar se existe
um confronto entre os novos valores e os antigos, ou se há uma lógica intrínseca no processo
de rejeição às antigas construções. Discute também a questão da cultura como um conceito
abrangente, procurando contribuir para o reconhecimento da cultura de minorias étnicas co­
mo parte integrante da cultura nacional, ponto fundamental para o entendimento das políti­
cas públicas que norteiam as iniciativas no campo da preservação no Brasil.

Mendonça, Felícia Barbosa Ferreira de


Modernização Tecnológica e Organização do Trabalho Industrial. Mestrado em Sociologia,
Universidade Federal de Pernambuco, 1993,150 pp. Orientador: José Carlos Vieira Wanderley.

Procura explorar as relações entre a tecnologia (técnicas e instrumentos de produção) e


as formas de organização do trabalho, entendendo que esta assumiu historicamente formas
diferentes para se adequar às mudanças tecnológicas. Se as formas de disciplinas rígidas e a
minuciosa divisão de tarefas foram estratégias gerenciais populares desde a primeira Revolu­
ção Industrial até as primeiras décadas do século XX, quando predominou a mecanização e a
produção em grande escala, sua eficácia está sendo cada vez mais questionada nos períodos
mais recentes. A pesquisa empírica empreendida, baseada em um estudo comparativo de ca­
sos/empresas, veio a confirmar a hipótese de que quanto mais alto o nível de desenvolvimento
tecnológico da em presa, maior é a tendência ao emprego de métodos modernos de organiza­
ção do trabalho, possibilitando ao trabalhador um maior envolvimento e participação no
processo produtivo.

Millioli, Geraldo
Mineração de Car\’ão e Desenvolvimento Sustentado na Região Sul de Santa Catarina. Estudo
Exploratório de Percepção, Valores e Atitudes num Bairro do Município de Criciúma. M estra­
do em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993, 139 pp. Orientador:
Paulo Freire Vieira.

Com base em um reconstituição cursiva da gênese e da dinâmica destrutiva das ativida­


des ligadas à mineração de carvão na região sul do Estado de Santa Catarina nas últimas dé­
cadas, oferece subsídios exploratórios para o entendim ento de como a população residente
em um bairro do município de Criciúma percebe e avalia o processo de degradação ali consta­
tado, bem como as chances e os obstáculos à sua reversão por meio de ação governamental e
empresarial. As análises revelaram um padrão ainda muito incipiente de envolvimento políti­
co da população, na busca de cquacionam ento dos problemas sócio-ambientais existentes no
bairro.

Moser, Liliame
Um Estudo sobre Condições de Vida e a Organização Institucional do Espaço Urbano nas
Áreas de Mangue em Joinville/SC. M estrado em Sociologia Política, Universidade Federal de
Santa Catarina, 1993,197 pp. Orientadora: Luzinete Simões Minella.

Trata do processo de urbanização de áreas de mangue em Joinville (SC), privilegiando a


discussão das condições de vida dos moradores de Vila Paranaense, no bairro Espinheiros.
Procura resgatar o processo de industrialização em Joinville e perceber suas implicações no
crescimento populacional, bem como na urbanização da cidade, caracterizada pela expansão
da periferia e a criação de áreas segregadas. É neste contexto que os manguezais surgem co­
mo “opção” de moradia para inúmeras famílias de trabalhadores, geralmente migrantes. Po­
rém, esses manguezais sofrerão uma transformação em decorrência de um Programa de Pre-

116
servação e Urbanização das Áreas de Mangue, executado pela Prefeitura de Joinville, cujas
implicações tam bém são temas de análise no trabalho.

Neder, Ricardo Toledo


Industrialismo e Meio Ambiente. Atores Sociais e Responsabilidade na Degradação Sócio-Am-
biental na Metrópole de São Paulo (Três Dimensões). D outorado em Sociologia, FFLCH,
Universidade de São Paulo, 1993,320 pp. Orientador: José Carlos Bruni.

Desmitifica que o potencial histórico do mito industrialista de dominação da natureza


(materialidade e instância de apropriação tecnológica) é o elemento com um que unifica movi­
mentos e correntes ambientalistas nas últimas décadas. A partir desta perspectiva, apresenta
três estudos de pesquisa acerca da relação entre industrialismo (Horkheim er e A dorno) e de­
gradação sócio-ambiental na metrópole de São Paulo. Foram qualificadas redes de atores, a
regulação pública, co-responsabilidades (política, técnica e ética) envolvidas, destacando-se a
profunda ambigüidade do ambientalismo. Denunciar o ecocício abre a tentação de fixar limi­
tes rígidos sobre essa destruição; daí, a suposta exigência de afastar a principal ameaça: as
ações humanas. Isto tem gerado no Ocidente fórmulas biocêntricas (preservacionismo) c ou­
tras mais graves (campos de extermínio e giillags, apartheids ou segregação racial, etnocídio).
O ambientalismo pode ser entendido, contudo, de outra perspectiva: oportunidade concreta
para vários atores sociais e políticos aprofundarem a percepção e vivência acerca do espaço
público distinto da regulação estatal, e dos interesses mercantis. Tal espaço público está fora
d a physis, é artefato hum ano que deve sua existência ao domínio do nomos. Desta forma, há
uma tomada de posição quanto ao natural/ambiental: este só pode ser indagado no âmbito da
sociologia política como temática afim à do espaço público (Hannah Arendt).

Peixer, Zilnia Isabel


Utopias de Progresso. Ações e Dilemas na Localidade de Itá frente à uma Hidroelétrica. Mes­
trado em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, 1993, 136 pp. O rienta­
dora: Ilse Scherer-W arren.

Analisa a postura dos m oradores da cidade de Itá (SC), em relação à construção da


U HE-Itá. Eles aprovaram e defenderam a obra em certos momentos, o que configurou uma
postura atípica na região. Os m oradores perceberam a obra como portadora de progresso pa­
ra a região, idéia que foi veiculada pela Eletrosul. Outros fatores como o acesso restrito às in­
formações, os canais institucionalizados de participação e construção de uma nova cidade,
também contribuíram para essa postura. A nova cidade se, por um lado, reforça a perspectiva
de progresso, gera, por outro lado, uma série de dilemas, onde o sonho de vê-la construída e
poder ocupá-la se contrapõe ã perda do antigo espaço (físico/social) historicamente construí­
do. Com a concretização de uma realidade antes distante, e com as interações criadas entre os
segmentos envolvidos, as perspectivas estão sendo relativizadas e pontos de auto-reflexâo e
crítica começam a se esboçar.

Pereira, W ellington Augusto


As Classes Populares na Produção Intelectual Brasileira: Uma Comparação entre os Anos
50/60 e 70. M estrado em Sociologia, Universidade Federal de Minas Gerais, 1993, 196 pp.
Orientadora: Ligia Maria Leite Pereira.

Analisa a produção das Ciências Sociais sobre as classes populares urbanas. Faz uma re­
flexão sobre os pressupostos e temas privilegiados pelos intelectuais e analisa comparativa­
mente as produções dos anos 50/60 e 70 sobre os vários setores e frações que compõem as

117
classes populares. Nesse sentido, o autor realiza também um importante levantamento bibli­
ográfico sobre a produção intelectual brasileira a respeito desse tema entre 1950/80.

Ramos, M arília Patta


Burguesia Agrária: Estratégias de Reprodução Social e Organização Política (Estiido sobre a
UDR: União Democrática Ruralista no Rio Grande do Sul). Mestrado em Sociologia, Universida­
de Federal do Rio Grande do Sul, 1993,325 pp. Orientador: José Vicente Tavares dos Santos.
A problemática constitui-se na questão de como se consolida o processo de reprodução
social da burguesia agrária quanto às modificações nas práticas socioeconômicas, políticas e
simbólicas dos agentes. A pesquisa envolveu o estudo da origem social dos agentes que consti­
tuem a União Democrática Ruralista, mediante entrevistas abertas, a partir do estudo de caso
no município de Cachoeira do Sul. Conclui que as estratégias assumidas, visam a manutenção
ou obtenção de determ inadas posições; constata continuidades e descontinuidades em relação
ao passado, práticas quanto à transmissão e organização dos domínios, a inserção no processo
produtivo e quanto às articulações políticas e os estilos de vida.

Ribeiro, Ricardo Ferreira


Campesinato: Resistência e Mudança — O Caso dos Atingidos por Barragens do Vale do
Jequitinhonha. M estrado em Sociologia U rbana e Industrial, Universidade Federal de Minas
Gerais, 1993,520 pp. Orientadora: Leda M aria Benevello de Castro.
Analisa a participação dos camponeses do Vale do Jequitinhonha no processo de desen­
volvimento regional, dentro de um a trajetória de inclusão-exclusão. Discute a questão a partir
de uma perspectiva histórica e do estudo de um projeto recente de construção de barragens
pela Cemig e o governo estadual, na região. Este projeto resultou na expropriação de campo­
neses residentes nas áreas atingidas, que constituíram movimentos de resistência em defesa de
seu modo de vida am eaçado pelas barragens, vivenciando assim um conjunto de mudanças
que são discutidas a partir da sua percepção como sujeito desse processo social.

Silberchneider, W ieland
Democracia e Participação Política: Partido dos Trabalhadores e o Conselho Municipal de Or­
çamento na Administração Chico Ferramenta (1989-1992). M estrado em Sociologia da Cultu­
ra, Universidade Federal de Minas Gerais, 1993,265 pp. Orientadora: Laura da Veiga.
A década de 80 foi a década da redemocratização da esfera pública brasileira. A escolha,
em 1984, do primeiro presidente civil por meio de um colégio eleitoral, formado pelo
Congresso Nacional, e, a seguir em 1989, a primeira eleição direta para presidente, puseram
fim a duas décadas consecutivas de governos militares. D urante esses anos de transição, com
o fim dos Atos Institucionais, com a concessão de anistia ampla, a recuperação do direito de
livre organização partidária, a instituição de ampla liberdade de organização sindical, a pro­
mulgação da Nova Constituição e, de forma geral, com a progressiva recuperação da legitimi­
dade das instituições públicas brasileiras, dentre vários outros acontecimentos, foram sendo
sucessivamente resgatados direitos políticos básicos, cassados a partir do golpe de 64. O regi­
me de exceção se dissolveu e, com ele as severas restrições à movimentação da população na
esfera pública brasileira.

Thomé, José Lauro


Hidrelétrica de Balbina: Um Fato Consumado. M estrado em Sociologia Política, Universidade
Federal de Santa Catarina, 1993,188 pp. Orientadora: Ilse Scherer-Warren.

118
Dimensiona a usina hidrelétrica de Balbina (AM) integrante do Plano Desenvolvimentis-
ta do regime de 1964, quando o Estado foi reaparelhado e dois aspectos adquiriram propor­
ções relevantes: o crescimento do setor público e o privilegiamento dos planejadores burocra­
tas do Estado. A integração da Amazônia ao território nacional foi uma das principais metas
do regime e a instalação dos “Grandes Projetos” um meio para viabilizar o objetivo. A usina
hidrelétrica de Balbina é parte desse plano. Os impactos deste projeto provocaram protestos
de organismos nacionais e internacionais. À persistência dos planejadores da empresa estatal
empreendedora, coligam-se interesses de forças sociais e políticas locais. Esta junção conse­
gue transpor limitações técnicas e ignorar críticas e protestos e concretizar Balbina.

Valle, Carlos Guilherm e Octaviano do


Terra, Tradição e Etnicidade: Os Tremembé do Ceará. Mestrado em Antropologia, Museu
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993, 396 pp. Orientador: João Pacheco
de Oliveira Filho.
Aborda as situações étnicas Trem em bé que se encontram hoje no litoral oeste do Ceará.
Encontra a problematização da emergência de fronteiras étnicas e da construção da etnicida­
de entre os Trem em bé de três situações históricas distintas. Essa diversidade se mostra, sobre­
tudo, nas formas e padrões de organização social, seja de ocupação e acesso ao espaço e aos
recursos naturais ou de controle das tradições culturais, como a dança do Torém, e ainda nos
perfis específicos de mobilização étnica. Valoriza o campo de significações culturais que deli­
mitam fronteiras étnicas, ainda que não mostrem descontinuidade entre os grupos sociais. Os
Tremembé ou os “nâo-Trem em bé” podem compartilhar dos mesmos valores, categorias étni­
cas e culturais, representações e formações simbólicas. Fazendo isso, procura contornar a ên­
fase dada nos estudos interétnicos à identificação e à identidade étnica, a fim de visualizar ou­
tros fatores “não-categóricos”.

119
RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS PUBLICADAS PELO B I B

BIB 1 res e Ademir Figueiredo, “Habitação no Bra­


Eli Diniz Cerqueira e Renato Raid Bos- sil: Um a Introdução à Literatura Recente”.
chi, “Estado e Sociedade no Brasil: U m a R e­ BIB 12
visão Crítica”.
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BIB 2 sobre o Pensamento Social e Político Brasi­
Anthony Seeger e Eduardo Viveiros de leiro” e José Guilherme C. Magnani, “Cultu­
Castro, “Pontos de Vista sobre os índios ra Popular: Controvérsias e Perspectivas”.
Brasileiros: Um Ensaio Bibliográfico”.
BIB 13
BIB 3 Gerson Moura e Maria Regina Soares
Luiz Werneck Vianna, “Estudos sobre de Lima, “Relações Internacionais e Política Ex-
Sindicalismo e Movimento Operário: R ese­ tema Brasileira: Uma Resenha Bibliográ- fica”.
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BIB 14
BIB 4 Licia Valladares e Magda Prates Coe­
Lúcia Lippi Oliveira, “Revolução de lho, “Pobreza Urbana e Mercado de Traba­
1930: Uma Bibliografia Com entada”. lho: Uma Análise Bibliográfica”.
B IB S BIB 15
Bolivar Lamounier e Maria D ’A lva Gil José Cesar Gnacarini e Margarida Mou­
Kinzo, “Partidos Políticos, Representação e ra, “Estrutura Agrária Brasileira: Permanên­
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BIB 6
BIB 16
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tre Negros e Brancos no Brasil”. tina: Um Ensaio Bibliográfico”.
BIB 8 BIB 17
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Populacional no Brasil: U m a Resenha de Brasil” e Luiz Werneck Vianna, “Atualizan­
Estudos Recentes”. do uma Bibliografia: ‘Novo Sindicalismo’, Ci­
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na Força de Trabalho” e Pedro Jacobi, “M o­ Rubem Cesar Fernandes, “Religiões
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BIB 10 ra R ecente” e Mariza Corrêa, “M ulher e
Lia F. G. Fukui, “Estudos e Pesquisas Família: Um D ebate sobre a L iteratura
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de Janeiro”. Emília Viotti da Costa, “Estruturas ver­
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ográfico”. mento na Teroia do Processo de Trabalho:
um Balanço do D ebate” e Marcos Luiz Bre­
BUS 26
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logia e Poder: U m a Resenha de Etnografias 1980 - 1990”; Guita Grin Debert, Família,
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Social no Estudo da Família: U m a Excursão Bibliografia sobre a Experiência de Envelhe­
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Percurso Intelectual de um Ideário Político”; lau, “A Produção Brasileira Recente sobre
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co: Balanço Bibliográfico”; Arabela Campos BIB 37
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da Educação em D iferentes Contextos His­ nalismo e os Estudos Legislativos: A Litera­
tóricos”; Wilma Mangabeira, “ O U so de tura Norte-Americana R ecente”; Nadya
Com putadores na Análise Qualitativa: Uma Araújo Castro e Mareia de Paula Leite, “A
Nova Tendência na Pesquisa Sociológica”. Sociologia do Trabalho Industrial no Brasil:
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Sérgio Adorno, “A Criminalidade U rba­ rozzi, “Tendências no Estudo dos Novos
na Violenta no Brasil: U m Recorte T em áti­ Movimentos Religiosos na América: Os Últi­
co”; Christian Azais e Paola Cappellin, “Para mos 20 Anos”.
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Brasil - Comentários sobre Algumas Obras Theodore Lowi, “O Estado e a Ciência
Notáveis”; “Arquivo de Edgard Leuenroth.” Política ou Como nos Convertemos Naquilo
BIB 36 que Estudam os”; Luis Fernandes, “Leituras
Maria Ligia de Oliveira Barbosa, “A So­ do Leste: O Debate sobre a Natureza das
ciologia das Profissões: Em Torno da Legiti­ Sociedades e Estados de Tipo Soviético (Pri­
midade de um O bjeto”; Maria da Glória Bo- meira Parte - As Principais Interpretações
nelli, “As Ciências Sociais no Sistema Profis­ Ocidentais”; Julia Silvia Guivant, “Encon­
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ra, “O Rio de Janeiro Contemporâneo: His­ com a Sustentabilidade Agrícola: Um a Revi­
toriografia e Fontes — 1930-1975”. são da Bibliografia”.
BIB
BOLETIM INFORMATIVO E BIBLIOGRÁFICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

D ISTRIBU IÇÃ O E V EN D A

BELO H O R IZO N T E R IO D E JA N EIRO


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