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COLEÇÃO

Empreendedorismo e
Gestão para Professores
do Ensino Médio

Fundamentos do
Empreendedorismo

Gabriel Marcuzzo Cavalheiro


Sandra R. H. Mariano

Volume

ORGANIZAÇÃO
Joysi Moraes
Sandra R. H. Mariano
Robson Moreira Cunha

Departamento de Empreendedorismo e Gestão


Universidade Federal Fluminense
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É proibida a reprodução total ou parcial desta obra,


por qualquer meio, sem prévia autorização da
Universidade Federal Fluminense.

Universidade Federal Fluminense Autores


Gabriel Marcuzzo Cavalheiro
Reitor Sandra R. H. Mariano
Antônio Claudio Lucas da Nóbrega
Organizadores
Vice-reitor Joysi Moraes
Fabio Barboza Passos Sandra R. H. Mariano
Diretor da Faculdade de Administração Robson Moreira Cunha
Martius Vicente Rodriguez y Rodriguez Coordenação de Desenvolvimento Instrucional
Chefe do Departamento de Empreendedorismo e Gestão Cristine Costa Barreto
Joysi Moraes Desenvolvimento Instrucional
Cristine Costa Barreto
Revisão Técnica
Daniella Munhoz da Costa Lima
Monica Garelli Machado
Revisão de Língua Portuguesa
Patrícia Sotello

Stephanie Lima de Castro

Yellow Carbo Design

A Coleção Empreendedorismo e Gestão para Professores do Ensino Médio é composta por 10 volumes.
Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo
Volume 2: Práticas e Processos de Gestão
Volume 3: Criatividade e Atitude Empreendedora
Volume 4: Práticas Pedagógicas para Educação Empreendedora
Volume 5: Modelagem de Negócios
Volume 6: Comunicação e Marketing Digital
Volume 7: Finanças e Viabilidade de Projetos
Volume 8: Elaboração de Produto Tecnológico Educacional
Volume 9: Design e Ofícios Artesanais na Educação
Volume 10: Ferramentas Digitais na Educação

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C376f Cavalheiro, Gabriel Marcuzzo


Fundamentos de empreendedorismo / Gabriel Marcuzzo Cavalheiro,
Sandra R. H. Mariano ; organizadores: Joysi Moraes, Sandra R. H. Mariano,
Robson Moreira Cunha. – Niterói : Departamento de Empreendedorismo e
Gestão / Universidade Federal Fluminense, 2022.
248 p. : il. – (Coleção empreendedorismo e gestão para professores do
ensino médio ; 1)

ISBN: 978-65-87875-20-0
1. Empreendedorismo – Administração. I. Título. II. Série.
CDD: 658.4012

Bárbara Sotello CRB-7/7174


Capítulo 4:

Conceituando o empreendedorismo

Meta:

conceitos associados ao empreendedorismo, promovendo uma


compreensão mais abrangente deste como um conceito contemporâneo
multifacetado. A evolução do conceito do empreendedorismo será
apresentada, assim como suas principais escolas de pensamento.

Objetivos:
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de:
reconhecer o processo de evolução do empreendedorismo ao
longo dos séculos, desde a Idade Média até os dias atuais;
identificar as principais características das escolas de pensamento
no campo do empreendedorismo;
caracterizar o empreendedorismo como um conceito
contemporâneo multifacetado.
Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo 99

Figura 4.1: Sentar-se em frente à TV com o controle


remoto nas mãos, hoje, traz muito mais possibilidades
do que imaginaríamos dez anos atrás. O que você acha
que irá nos surpreender nos próximos dez?
Fonte: Pixabay. Autor: Photo Mix

1. Introdução
Vivemos em um mundo em contínuo processo de transformação.
A dinâmica da sociedade em que vivemos gera grandes mudanças
não só no ambiente de trabalho, mas em todos os aspectos de nossas
vidas. Por exemplo, em um passado nem tão distante, estávamos
acostumados a assistir a programas de televisão somente por meio das
emissoras de TV aberta, como Globo, Record, ou mesmo a extinta TV
Manchete. No entanto, para boa parte das pessoas, esse hábito sofreu
grandes transformações nos últimos anos. Hoje em dia, em vez de ligar
a TV e simplesmente assistir ao programa que está passando no canal
selecionado, podemos escolher entre a TV aberta, a programação da
TV a cabo, ou mesmo buscar uma série ou filme que nos agrade em
um dos populares serviços de streaming, como Netflix ou Globo Play.
Vejam como a simples e corriqueira atividade de se sentar no sofá para
assistir à TV vem mudando rapidamente.
Apesar das mudanças já ocorridas, novas mudanças ainda
são esperadas, enquanto muitas outras virão mesmo sem que
estejamos esperando por elas. Isso tem tudo a ver com a ideia de
empreendedorismo, cujo conceito, nesse mundo em constante
transformação, também vem sofrendo diversas modificações para se
ajustar às mudanças na sociedade, refletindo sua evolução ao longo
dos últimos séculos.
Neste capítulo, vamos fazer uma retrospectiva histórica para
possibilitar um entendimento mais amplo da evolução do conceito
do empreendedorismo e das principais visões existentes, desde a
publicação dos primeiros estudos acerca do tema até o que se pensa
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100 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

nos dias de hoje. O entendimento das diferentes visões poderá


contribuir para enriquecer o debate com seus alunos em sala de aula e
demonstrar a importância de se examinar um fenômeno por meio de
diferentes perspectivas.

2. Evolução do conceito de
empreendedorismo
Na história da humanidade, há pouca dúvida quanto à associação
entre a figura do empreendedor e a do agente de mudança. Os tempos
mudaram, a mentalidade mudou, mas os empreendedores continuam
sendo associados à criação, inovação e risco, conceitos estes tão
antigos quanto a humanidade. No entanto, a busca pela definição de
empreendedor é, até hoje, um dos grandes desafios a serem resolvidos
pelo empreendedorismo como disciplina acadêmica, chegando a ser
comparada, de forma inusitada, à caça pelo Heffalump, um personagem
da história do Ursinho Pooh, como ilustra o trecho a seguir:

Trata-se de um animal um tanto grande e importante.


Ele tem sido caçado por muitos indivíduos utilizando-
se de vários tipos de engenhocas e armadilhas, mas
até agora ninguém teve sucesso em capturá-lo. Todos
que clamam tê-lo visto relatam que ele é enorme, mas
todos discordam das peculiaridades (KENT, 1990).
Assim é o empreendedor, ninguém definiu exatamente

empreendedores para o bem-estar da humanidade são


ao mesmo tempo grandes e importantes (KILBY, 1971).

Este capítulo traz, portanto, um desafio estampado em seu título:


conceituando o empreendedorismo. O caminho que encontramos,
como mencionamos anteriormente, foi compartilhar as diferentes
visões do empreendedor ao longo dos séculos, contextualizar os
cenários em que suas ações eram desenvolvidas e, assim, tentar adotar
uma significação para o empreendedorismo de forma a balizar nossas
discussões sobre o tema. Vamos lá?
A atividade empreendedora é tão antiga quanto as trocas comerciais
entre indivíduos, remontando a uma origem milenar. Segundo Navarro
(2006), na idade dos metais, no período de 4 mil a.C. a 1 mil a.C., já havia
registros de atividades comerciais envolvendo a troca de produtos por
povos egípcios, mesopotâmicos, egeus, fenícios, gregos e romanos.

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Por muitos séculos, empreendedores eram


aqueles que desempenhavam atividades simples
relacionadas com ofícios cujas tradições passavam
de geração para geração. Tais atividades incluíam a
produção artesanal de roupas, calçados, ferramentas
e outros objetos de uso diário.
Você possivelmente já assistiu ao filme Excalibur.
Se não assistiu, vale a pena conferir. A produção de
1981 é uma obra muito interessante e popular sobre
a fábula medieval do rei Arthur e os cavaleiros da
Távola Redonda, na qual o rei da Inglaterra, antes de
morrer, enterra sua espada Excalibur em uma pedra,
a qual somente poderia ser removida por aquele que
viria a governar toda a Grã-Bretanha. Além das cenas
de combate e de diversas tentativas de remoção da
espada por aventureiros, o filme também mostra
a dinâmica dos pequenos mercadores da era Figura 4.2: O empreendedor
medieval, especializados em seus ofícios tradicionais medieval era um artesão
e realizando suas atividades em pequena escala sem especializado em uma produção
maiores ambições. Mesmo sendo um filme baseado em pequena escala.
em uma lenda, a produção foi elaborada no contexto Fonte: Pixabay
do período medieval, na Inglaterra, o que possibilita
a visualização de diversos exemplos de empreendedores exercendo
seus ofícios artesanalmente. É interessante pensar que esta foi a
realidade dos empreendedores por muitos séculos.

Confira o trailer a seguir para saber um pouquinho de uma


história legendária incrível (sinopse extraída do site Adoro
Cinema). O mago Merlin dá ao rei Uther Pendragon a mística
Excalibur, a espada do poder. Durante uma emboscada
Uther é ferido mortalmente e, pouco antes de morrer, enterra
a espada em uma pedra. Fica então dividido que o cavaleiro
que puder retirá-la da pedra será o novo rei, mas ninguém
consegue. Anos depois o país estava dividido em guerra
entre os senhores feudais e Arthur, um jovem escudeiro,
retira facilmente a espada da pedra. Alguns nobres juram
fidelidade ao novo rei e Merlin relata que Arthur é um filho Fonte: Flickr
bastardo de Uther, mas alguns nobres não aceitam sua
autoridade. No entanto o tempo faz todos se curvarem ao sábio rei, mas o tempo vai mostrar que o fator
de desagregação do reino está na atração que Lancelot, o campeão do rei, sente por Guinevere, a rainha.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=i3m4GeEZB_E

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102 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

Entretanto, a busca pelo entendimento do fenômeno é bem mais recente.


Ou seja, durante milhares de anos o empreendedorismo ocorria diaria-
mente, mas ninguém buscava compreendê-lo ou aperfeiçoá-lo. Mesmo
assim, iniciativas empreendedoras eram realizadas de forma puramente
instintiva, intuitiva mesmo. Somente a partir da evolução de mercados
econômicos mais complexos e organizados, estudiosos passaram a se
interessar pelo fenômeno e suas implicações e, dessa forma, iniciaram
uma coleta de dados e observação mais sistemática.
Assim como nossa sociedade, o conceito de empreendedorismo está
constantemente sujeito a mudanças. Contudo, para compreender a ideia
de empreendedorismo em maior profundidade, é necessário examinar

isso a seguir.

do conceito de empreendedorismo, vamos elaborar uma linha do tempo,


pois sua evolução acompanha a história da humanidade.

Séculos V a XV
Lento progresso tecnológico
Manufaturas artesanais
Trocas comerciais entre cidades e reinos
Tendo em vista o ritmo lento de progresso tecnológico da
humanidade até o final da Idade Média — período que ocorreu entre
os séculos V e XV — as atividades empreendedoras sofreram poucas
modificações. Em primeiro lugar, as trocas comerciais permaneceram
estáveis e as manufaturas mantiveram um caráter artesanal. Assim, ao
longo do período medieval, as atividades empreendedoras evoluíram
lentamente. O maior desafio era a realização de atividades comerciais
envolvendo diferentes cidades e reinos. Contudo, apesar do maior risco
e complexidade dessas transações, poucos registros foram guardados
para análise posterior. Por exemplo, mesmo com o intenso comércio
entre cidades-estados como Veneza, Genova e Pisa, não há relatos
de estudos buscando compreender e aperfeiçoar configurações de
iniciativas empreendedoras.
Nesse período (séculos V a XV), o termo “empreendedor” era
utilizado de forma bastante genérica para identificar administradores
de grandes projetos.
Nos séculos subsequentes, as atividades empreendedoras se
expandiram por meio da intensificação da produção de conhecimento
experimental e o surgimento de grandes oportunidades comerciais.

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Conforme as atividades empreendedoras foram se tornando mais


complexas e sofisticadas, o uso do termo empreendedor foi sendo
adaptado ao longo dos séculos.

Século XVI
Responsabilidade e coordenação de operações militares
No século XVI, o conceito de “empreendedor” estava fortemente
associado aos empreendimentos militares, tais como manobras
de ataque e defesa. Dessa forma, o termo “entrepreneur”, na sua
origem francesa, era utilizado no contexto de atividades militares
para identificar um indivíduo que “tomava a responsabilidade e
coordenava uma operação militar”.

Século XVII
Execução de obras públicas
No século XVII, o termo passou a descrever um indivíduo cuja
atividade implicava tomar riscos elevados associados a empreendimento
envolvendo contratos de obras públicas com o governante. Nesse
período, o termo “empreendedor” não era aplicado para mercadores ou
artesãos, mas sim para os encarregados da execução de obras públicas,
incluindo infraestrutura de uso civil, como pontes, ruas e aquedutos, assim
como fortificações militares. Com isso, o termo estava frequentemente
associado a quatro domínios: política, guerra, justiça e dinheiro.

Século XVIII
Criação e condução de empreendimentos
No século XVIII foram encontrados textos empregando o termo
“empreendedor” para descrever um indivíduo que “criava e conduzia
empreendimentos”, o que pode ser considerado uma abordagem mais
próxima do seu sentido atual.

Século XIX
Tomada de risco em qualquer tipo de empreendimento
No século XIX o termo “empreendedor” passou a ser aplicado de
forma mais ampla, incluindo indivíduos que assumem risco em qualquer
tipo de empreendimento. Ou seja, o empreendedor passou a incluir
não apenas o empresário dedicado a fornecer serviços para o governo,
mas também todos os empresários com foco em vender seus produtos
e serviços para pessoas ou empresas.

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104 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

Apesar de a evolução das atividades empreendedoras ter sido


observada desde o final do século XV, contribuições teóricas iniciais
visando a compreender mais profundamente o empreendedorismo
podem ser identificadas somente a partir do século XVIII. Para fechar
nossa linha do tempo, vale a pena destacar as visões de dois importantes
pesquisadores que contribuíram bastante para o entendimento do
conceito de empreendedorismo.

O economista francês Richard Cantillon (1680-


1734) enfocava a análise dos riscos e incertezas
associados à atividade empreendedora e definia
o empreendedor como um homem racional capaz
de enfrentar o desafio do risco, e em particular o
da economia de mercado. Seus estudos pioneiros
abordavam o aperfeiçoamento de processos de
trocas de mercadorias visando ao lucro e analisavam
decisões empresariais tomadas em condições de
incerteza. No Ensaio sobre a natureza do comércio
em geral, publicado em 1735, Cantillon mostra que
o empreendedor pertence à classe dos que vivem
Figura 4.3: Richard Cantillon.
na incerteza, ou seja, que devem o tempo todo
Fonte: Wikepédia
refletir, usar a razão.

Para ele, o empreendedor é o homem racional


por excelência, porque ele opera em uma sociedade
mercantil em que tudo se regula pela concorrência
do mercado, em que se deve saber avaliar o provável,
em que só se pode decidir após ter deliberado,
julgado. Em suma, o empreendedor deve ser
racional para calcular os riscos, pois o mercado avalia
posteriormente sobre a pertinência ou utilidade da
produção realizada (LÉVESQUE, 2004). A importância
de Cantillon se dá por ser reconhecida como a primeira
contribuição teórica para auxiliar na compreensão
do empreendedorismo. Antes dos estudos
de Cantillon, o empreendedorismo era apenas
relatado de forma superficial e empírica, sem a
preocupação de aprofundar o conhecimento. Como
consequência, podemos dizer que os estudos de Figura 4.4: Ensaio sobre a natureza
Cantillon foram determinantes para o reconhecimento do comércio, por Richard Cantillon.
do empreendedorismo como objeto de estudo. Fonte: Wikepédia

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Um segundo autor relevante do campo do


empreendedorismo foi o também francês Jean
Baptiste Say (1767-1832). Suas contribuições
complementaram os estudos de Cantillon ao
enfocar o papel do empreendedor na coordenação
dos fatores de produção, incluindo terra, capital
e trabalho, para maximizar a produção. Isto é,
para Say, o empreendedor necessita levar em
consideração a disponibilidade dos fatores
de produção, assim como seus custos e preços dos
produtos no mercado. Assim, um fazendeiro deverá
Figura 4.5: Jean
estimar seus custos com insumos, transporte e Baptiste Say.
equipamentos e, ao mesmo tempo, monitorar os Fonte: Wikipédia
preços dos produtos gerados em sua fazenda para
venda no mercado. Já para um produtor artesanal
de calçados, será necessário calcular o tempo gasto
na produção de cada sapato, os custos da matéria-
prima, os custos do imóvel e também o preço do
calçado pronto no mercado. De acordo com essa
visão, o empreendedor necessita conhecer seus
custos e ajustar seus planos com frequência para
se adaptar às mudanças ao seu redor. É importante
notar que Say viveu no período da Revolução
Industrial, em que a ação dos empreendedores
teve papel relevante.

Figura 4.6: As ideias de Jean Baptiste Say: o


empreendedor deve coordenar os fatores da
produção, para maximizá-la. Insumos, matéria-prima,
equipamentos, transporte, aluguel de imóvel, valor
do produto no mercado, tudo deve ser ponderado e
ajustado.
Fonte: Imagem acima (Pixabay) e imagem abaixo (Pixabay)

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106 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo Página de atividades

ATIVIDADE 1

Em que século eu empreendo?


Agora que você já tem uma ideia de quais ações eram associadas
ao conceito de empreendedorismo ao longo dos séculos de evolução
da humanidade desde a Idade Média até o período em que se inicia a
Revolução Industrial, que tal se colocar no lugar de um empreendedor,
em cada um daqueles momentos? Leia os cenários descritos e tente
descobrir a qual período se referem.
1. Após a construção de um imponente castelo às margens de um
rio de águas velozes, você foi contratado pelo rei para coordenar
a construção de uma sequência de pontes de madeira para
auxiliarem no trânsito de pessoas e víveres, e que devem resistir
às enchentes que ocorrem anualmente, sob pena não só de seus
serviços não serem mais solicitados, mas de sua própria vida
estar em risco.
2. Você tem uma propriedade cuja localização, próxima a um
lago nas terras altas da Escócia, garante um suprimento de
água com pureza e qualidade essenciais para o processo de
elaboração de um bom whisky. Dada a tradição de sua família
na produção dessa bebida, você decide montar uma destilaria
na área junto à sua casa na expectativa de comercializar a
produção pelas regiões próximas, de olho também no comércio
com países vizinhos em função das altas taxas aplicadas pelo
governo escocês.
3. Um grande torneio de cavaleiros irá acontecer em uma cidade
vizinha à sua. Você recebe uma encomenda de 8 espadas,
8 lanças e 8 escudos. O interessante em seu negócio é que 3
desses cavaleiros não são de sua cidade, o que significa que
suas habilidades como artesão estão começando a atravessar os
muros da cidadela. O problema agora é você se organizar para
fazer a entrega antes de o torneio começar, para os cavaleiros
se acostumarem com o peso e o manejo de seus instrumentos
de combate.
4. Em meio a um frenesi de invenções moderníssimas como
o telefone e a lâmpada incandescente, você teve uma ideia
revolucionária: gravar de forma mecânica, em algum meio, as
vibrações sonoras, e depois reproduzir os sons que gravou. Com
esse invento, você será capaz de abarcar o mercado comercial e
o do entretenimento de modo nunca antes considerado em um

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Página de atividades Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo
107

momento em que a música das grandes orquestras depende de


grandes salões para ser ouvida e é restrita às famílias nobres que
frequentam os grandes eventos da sociedade. Decidiu, então,
investir todo o seu dinheiro em um protótipo do aparelho, mesmo
temendo muito a rejeição que a modernidade tipicamente
causa nas pessoas diretamente implicadas, tais como músicos,
empresários e o próprio púbico. Em compensação, se a ideia der
certo, além de muito rico, você fará muitas pessoas felizes!
5. Você está à frente de um cerco a uma fortaleza ocupada pelo
exército inimigo e decide que a melhor estratégia para ocupá-la
é começar com os piqueiros decidindo o combate com armas
brancas, enquanto o fogo de arcabuzes assume a defesa.
Os atiradores ficam em oito por dez homens de profundidade
que é o número de atiradores que podem disparar um após
o outro antes de recarregar (quem carrega salta para a frente
e, depois que atira, volta para trás no último lugar, a fim de
recarregar novamente).

Marque nas colunas a seguir os números correspondentes aos séculos


que cada situação descreve, em termos de ações empreendedoras:

Resposta comentada
E então? Independentemente de ter acertado ou não, em qual século
você gostaria mais de empreender? Na Idade Média, você seria o
artesão que faria o equipamento para o torneio de cavaleiros, em
pequena escala, e, no melhor cenário, poderia vender equipamentos
para as cidades vizinhas. Já avançando para o século XVI, lá estaria
você, estrategicamente coordenando uma operação militar de
tomada de uma fortaleza ocupada pelo exército inimigo! Chegando
ao século XVII, seu problema seria gerir uma obra pública, e tentar
ganhar um contrato com o governante para construir uma série de
pontes de madeira que resistissem às enchentes, ao mesmo tempo
atendendo às expectativas do exigente rei enquanto salvava seu
pescoço. Mais interessante e seguro seria empreender no século

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108 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo Página de atividades

XVIII, criando a própria destilaria de whisky nas terras altas


escocesas, aproveitando as facilidades de sua propriedade e da
experiência familiar! Mas já imaginou a sensação de ser o inventor
do fonógrafo? Arriscado para a época, que deve ter oferecido muita
resistência a um invento tão arrojado, mas deve ter sido realmente
desbravador enfrentar esse risco!

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Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo 109

3. Escolas de pensamento no campo


do empreendedorismo
Com o passar do tempo, o campo de estudo do empreendedorismo
foi sendo gradativamente ampliado à medida que o impacto econômico
das atividades empreendedoras foi se tornando maior e mais evidente.
As próprias teorias que explicam o surgimento dos empreendedores
muitas vezes se confundem com as teorias do desenvolvimento
econômico. Mas cada vez mais sentia-se a necessidade de buscar mais
explicações conectando o empreendedorismo a outros fatores além dos
estritamente econômicos. Os estudos envolvendo empreendedorismo
foram então se tornando mais especializados, sendo possível identificar
o aparecimento de escolas de pensamento com objetivos de pesquisa
específicos. Desse modo, é possível distinguir quatro importantes
escolas, que serão examinadas nas próximas seções.

3.1 A visão do empreendedorismo na ótica


econômica
A partir da revolução industrial, iniciada na Inglaterra na segunda
metade do século XVIII, ocorreram grandes transformações das
atividades empreendedoras por meio de um rápido desenvolvimento
tecnológico. Nesse período, foram introduzidas importantes
mudanças tecnológicas, incluindo o uso em grande escala do aço,
a adoção de novas fontes de energia, como carvão e petróleo, e
a invenção da máquina a vapor e motores de combustão interna.
A adoção em grande escala dessas tecnologias gerou mudanças
muito visíveis em toda sociedade, principalmente pela rápida
expansão do número de fábricas, ferrovias e grandes navios a vapor.
Esse conjunto de inovações evidenciou a crescente aplicação do
conhecimento científico na indústria.
Com o surgimento da indústria e a consolidação da formação do
capitalismo, o empreendedorismo deixou de se limitar a iniciativas
simples de produção artesanal e individual, passando a contemplar
também atividades de maior complexidade técnica e envolvendo um
número de participantes em escalas que eram anteriormente somente
desenvolvidas por governos, instituições militares e religiosas.

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110 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

Figura 4.7: A Revolução Industrial marca


a transição de métodos de produção
artesanais para a produção por máquinas
e o uso crescente da energia a vapor, além
da substituição da madeira e de outros
biocombustíveis pelo carvão.
Fonte: Maria Fumaça - Flickr e Fábrica - Flickr

Apesar de o início da Revolução Industrial ter ocorrido na Inglaterra,


a origem da escola econômica do empreendedorismo remonta a alguns
economistas franceses (Cantillon, por exemplo). Em essência, a escola
econômica do empreendedorismo concentrava sua atenção em um
conjunto de aspectos específicos do processo empreendedor. Nesse
sentido, Cantillon, ainda no século XVIII, foi pioneiro em sua tentativa de
relacionar o empreendedorismo às teorias econômicas, principalmente
em relação à identificação dos principais riscos associados à ação
empreendedora. Adicionalmente, o economista americano Frank
Knight (1885-1972) foi outro pesquisador que, assim como Cantillon,
buscou ampliar o entendimento sobre as principais incertezas com as
quais o empreendedor precisa lidar.
Outra visão muito importante dentro da escola econômica refere-se
à perspectiva schumpeteriana. Segundo a visão do economista alemão
Joseph Schumpeter, a vantagem competitiva pode ser alcançada por
meio de “mudança e inovação”. Schumpeter propôs o conceito de
destruição criativa associado ao processo de inovação. Em essência,
a destruição criativa se refere ao incessante mecanismo de inovação em
produtos e processos, no qual novos modelos de produtos substituem
os produtos mais antigos e obsoletos. Schumpeter acreditava que
a destruição criativa pode ser considerada simplesmente um fato
essencial sobre o capitalismo, pois explica como o valor econômico
pode ser criado ou destruído como resultado da implementação
de novas tecnologias. Desse modo, o processo schumpeteriano de
destruição criativa, também chamado de reestruturação, exerce um

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grande impacto sobre o crescimento econômico dos países, sendo capaz


de influenciar importantes fatores macroeconômicos, como o nível de
investimentos, salários e desemprego. A Figura 4.8 ilustra o processo
de destruição criativa como um ciclo contínuo.

Figura 4.8: Principais conceitos de


Schumpeter.

Na prática, ao olharmos nossa sociedade, é possível encontrar


diversos exemplos da destruição criativa, como os smartphones que
utilizamos hoje em dia para chamadas de voz, assim como o uso
contínuo de diversos aplicativos trouxe grandes mudanças para a
economia. Ao mesmo tempo que facilitaram nossa comunicação, esses
dispositivos tornaram, por exemplo, os antigos telefones públicos,
popularmente conhecidos como orelhões, em verdadeiras peças
de museu e, até mesmo os telefones fixos vêm sendo rapidamente
substituídos por celulares. Outro exemplo de destruição criativa
relativamente recente foi a introdução das TVs de tela plana, que
aos poucos foram tomando o espaço das TVs que utilizavam um
tubo de imagem. Com isso, hoje, os aparelhos de TV sobreviventes
também aparentam ter seus dias contatos, pois a manutenção
vem se tornando mais e mais difícil. A Figura 4.9, proposta pelo
professor Paulo Tigre, ilustra as fases de adoção de tecnologias,
incluindo as fases de introdução, crescimento, maturação e declínio.

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112 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

Este diagrama ilustra o conceito de destruição criativa de uma nova


tecnologia por meio de fases. Dessa forma, podemos afirmar que o tubo
de imagem, assim como os telefones fixos, encontram-se atualmente
na fase de declínio.

Figura 4.9: Fases de adoção de novas tecnologias.


Fonte: Adaptado de Tigre, 2006

Embora as atividades empreendedoras tenham sido realizadas


pela humanidade ao longo de milênios, pode-se reconhecer um
rápido aumento do impacto em toda a sociedade de iniciativas
empreendedoras a partir da Revolução Industrial. Nessa época,
acreditava-se que o rápido crescimento econômico poderia sempre
ser explicado por fatores externos, tais como oportunidades favoráveis
de negócio, descoberta de recursos naturais valiosos, conquista de
novos mercados etc. Alguns empreendedores deixaram um legado
de grandes realizações, marcando seus nomes definitivamente na
história. Por exemplo, alinhados a essa visão da escola econômica, no
século XIX, empreendedores como Andrew Carnegie e John Rockfeller
utilizaram seu senso de oportunidade e tolerância a grandes riscos
para criar empresas que se tornam ícones do segmento. Carnegie
criou a principal empresa do setor de aço e Rockfeller a maior do setor

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Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo 113

de petróleo. Ambas moldaram a sociedade norte-


americana e a sociedade ocidental com impactos
visíveis até os tempos atuais, motivando ainda mais
o interesse pela compreensão mais completa do
fenômeno do empreendedorismo.
Esse forte crescimento do impacto do empre-
endedorismo também pode ser constatado em
nosso país a partir do século XIX. O empreendedor
Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido como
Visconde de Mauá, contribuiu para o progresso
do país ao construir as primeiras estradas de
ferro brasileiras.

Figura 4.10: Irineu Evangelista de


Sousa: o Visconde de Mauá.
Fonte: Wikipédia

Veja o filme, leia o livro!


Nosso produto nacional é empreendedor
até na narrativa. A saga de Irineu Evangelista
de Sousa é contada no filme “Mauá:
o imperador e o rei” de Sérgio Rezende. Assista
a esse filme com os seus estudantes e debata
com eles a contribuição de Mauá para o Brasil.
Na obra Pioneiros do Brasil, o ex-reitor da
USP, professor Jaques Marcovith, discute a
história de vários empreendedores brasileiros.
Esta é uma excelente leitura complementar
para você e seus estudantes.
Fonte: Rio Filme.

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ATIVIDADE 2

Carnegie e Rockfeller sob a ótica


empreendedora da economia
Os diversos exemplos de empreendedores de sucesso vêm
motivando a criação de muitos livros e filmes em todo o mundo.
Em muitos casos, esses empreendedores passam a ser vistos como
verdadeiros super-heróis. Suas histórias de vida repletas de desafios
e conquistas acabam se tornando importantes fontes de inspiração
para muitos. Assim, nos filmes e livros que contam as histórias de
empreendedores, as narrativas mostram o contexto em que eles
viviam, de forma que é possível depreender os riscos que correram,
como lidaram com situações de incerteza e como implementaram
inovações. Além disso, em todos os filmes, os diretores também se
preocuparam em mostrar como os empreendedores se comportavam,
em que acreditavam, quais eram suas atitudes diante da vida.
Como exemplos desses grandes empreendedores, descrevemos
abaixo a trajetória daqueles que dominaram a indústria mundial do
aço e do petróleo no século XIX. Após a leitura da biografia resumida
de Andrew Carnegie e John Rockfeller, aponte quais elementos
podem ser identificados pela perspectiva da escola empreendedora
da economia.

CASO I: ANDREW CARNEGIE


Andrew Carnegie foi o fundador da Carnegie Steel Company,
empresa diretamente responsável pela inauguração da era do aço em
todo o mundo. Em sua marcante trajetória, esse imigrante escocês
conseguiu ascender de uma posição de operário até se tornar um
industrial extremamente bem-sucedido. Carnegie conseguiu identificar
as necessidades de um mundo em transformação, que demandava
cada vez mais aço para a construção de uma nova infraestrutura
em escala global. Dessa maneira, ao criar um gigantesco império de
empresas de siderurgia por meio de fusões e aquisições, a empresa
de Andrew Carnegie se tornou o maior fornecedor de aço em todo o
mundo, proporcionando o material necessário para a construção de
ferrovias, navios e estruturas de grandes construções. Andrew Carnegie
também deixou um impressionante legado de ações de filantropia.
Com isso, grande parte de sua fortuna foi doada para ações voltadas
para a educação e para o bem-estar da comunidade. Segundo Andrew
Carnegie, “morrer rico sem ajudar ao próximo é morrer em desgraça”.

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115

Assim, o empreendedor financiou a criação do Carnegie Institute of


Technology que viria a se tornar a atual Carnegie Mellon University, em
Pittsburgh, atualmente uma das principais universidades americanas.
Além da criação dessa importante instituição, o senhor Carnegie
também financiou a construção de mais de 3 mil bibliotecas localizadas
nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, além de doar mais de 7 mil
órgãos para igrejas.
Exercício: Identifique e reflita sobre alguns dos principais riscos
associados à atividade empreendedora de Andrew Carnegie no
processo de expansão da indústria do aço.

Resposta comentada
A saga do empreendedor Andrew Carnegie é caracterizada por
um atento olhar para um mundo em transformação. Por viver no
século XIX, Carnegie percebeu muito rapidamente que tecnologias
disruptivas como ferrovias e grandes máquinas a vapor poderiam
mudar rapidamente o mundo. No entanto, a implementação em
grande escala dessas tecnologias causaria um aumento explosivo
na demanda por aço. Portanto, mesmo reconhecendo os grandes
riscos e necessidade de grandes investimentos associados à criação
de novas siderúrgicas, Carnegie conseguiu costurar acordos com
sócios e investidores para atender à demanda crescente.

CASO II: JOHN ROCKFELLER


John Rockfeller pode ser considerado como o maior empreendedor
da poderosa indústria mundial do petróleo em todos os tempos. Ele
foi o fundador da Standard Oil Company, uma empresa que cresceu
tanto a ponto de ser considerada um monopólio, no final do século XIX,
e, por decisão da Corte Suprema Americana, foi dividida em pedaços
que geraram as empresas: BP, Exxon, Chevron, Pennzoil e Mobil. Sua
trajetória se assemelha em muitos aspectos à de Andrew Carnegie.
John Rockfeller conseguiu identificar o potencial do petróleo como
principal fonte de energia do mundo. Com isso, percebeu a necessidade
de criar e integrar verticalmente uma cadeia produtiva complexa,
incluindo atividades de extração, refino, transporte e distribuição de
petróleo e seus derivados. Semelhante a Andrew Carnegie, o senhor
Rockfeller também teve uma origem humilde e conseguiu dominar seu
setor de atuação. Outra semelhança é o fato de também ter dedicado
grande parte de sua fortuna à filantropia, pois também acreditava

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na importância de retornar à comunidade a riqueza que esta o


ajudou a acumular. Levado por esse pensamento, John Rockfeller fez
grandes doações para a criação do hospital Rockfeller Institute for
Medical Research e também criou a Fundação Rockfeller, instituições
existentes até hoje. O senhor Rockfeller também inovou em suas ações
filantrópicas ao introduzir o mecanismo de doação condicional, na qual
a organização recebedora da doação era obrigada a demonstrar uma
carta de compromisso firmado por outros doadores para assegurar a
continuidade da iniciativa.
Exercício: Compare os desafios das atividades empresariais de John
Rockfeller com os desafios associados às suas atividades de filantropia.

Resposta comentada
Os empreendedores Andrew Carnegie e John Rockfeller
alcançaram um gigantesco sucesso em suas atividades
empresariais. Entretanto, apesar de atuarem em setores diferentes,
optaram por destinar grande parte de suas fortunas para causas
sociais. Afinal, o que motivou essa atitude na fase final da vida dos
dois empreendedores? Certamente, cada um possuía uma visão
de mundo própria, porém, os grandes volumes de investimentos
associados à filantropia indicam uma preocupação em comum
com a situação econômica e social de grande parte da população.
Com isso, os empreendedores buscaram utilizar seus recursos
para maximizar seu legado de realizações. Como vimos acima,
Carnegie priorizou iniciativas na área da educação, enquanto
Rockfeller enfatizou a melhoria da saúde pública. Mesmo não
gerando lucro, essas iniciativas de grande escala geraram enormes
desafios operacionais para se tornarem realidade, pois envolviam
a escolha das melhores regiões e a seleção de profissionais
qualificados para conduzir as atividades das instituições com
eficiência e eficácia. Essas iniciativas, assim como as corporações
fundadas por esses empreendedores, deixaram registrados
para sempre os nomes deles na história da humanidade.

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Diante do que você conheceu até agora do


empreendedorismo do século XIX, vale apena conferir
o trailer da série Gigantes do Brasil, do History Channel,
que conta a história dos principais empreendedores que
revolucionaram a indústria no país: Francesco Matarazzo,
Percival Farquahar, Guilherme Guinle (na sequência das
fotos, respectivamente da esquerda para a direita) e
Giuseppe Martinelli.
Se você tem acesso ao canal, não deixe de assistir.
Enquanto isso, o link a seguir dá acesso ao trailer de um
episódio, só para dar um gostinho!
Fonte: YouTube

3.2 Empreendedorismo e principais


pensadores no campo da psicologia
O crescente impacto do empreendedorismo na sociedade também
atraiu o interesse de pesquisadores da área de psicologia, formando
assim uma nova escola de pensamento. Esses pesquisadores identifi-
caram limitações da escola econômica para explicar o empreendedo-
rismo e suas implicações em maior profundidade. Tendo em vista que
o foco dos psicólogos é voltado para as ciências comportamentais e
antropológicas, eles buscaram identificar quais os principais traços de
personalidade dos empreendedores. Com isso, psicólogos passaram a
relacionar o empreendedorismo com um comportamento diferen-
ciado, ligado a uma cultura própria do empreendedor.
No campo da psicologia, destaca-se o trabalho do norte-americano
David McClelland (1917-1998) que, no início dos anos 1970, passou
a analisar as características psicológicas que predispõem um
indivíduo a empreender.
Dessa forma, McClelland conquistou um espaço complementar aos
estudos da escola econômica, demonstrando a grande importância
de fatores internos ou endógenos, valores e motivações humanas que
possibilitam que um indivíduo possa explorar uma oportunidade de
negócio de forma bem-sucedida e, assim, contribuir para o progresso
econômico da sociedade. Assim, o legado de Carnegie, Rockfeller e do
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118 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

próprio Visconde de Mauá estariam longe de serem explicados tão


somente pelos recursos naturais que descobriram ou as oportunidades
que exploraram! Segundo a visão da escola da psicologia, para
compreender a trajetória de um empreendedor, não é suficiente olhar
somente a oportunidade presente no ambiente, mas também examinar
suas motivações e características comportamentais. McClelland
desenvolveu a teoria das necessidades socialmente adquiridas e
propôs uma tipologia para classificar as pessoas de acordo com os
elementos que mais as motivam, a saber: a necessidade de realização,
a necessidade de afiliação e a necessidade de poder.
Necessidade de realização: o sentimento íntimo de necessidade
de realização pessoal é um fator extremamente importante
para explicar o sucesso de iniciativas de empreendedorismo.
Nesse sentido, é possível afirmar que é a necessidade de
realização pessoal que proporciona a principal motivação
dos empreendedores. É a necessidade que tem um indivíduo
de definir padrões de excelência (apud PASTORE, p. 47-48).
McClelland também aponta que a necessidade de realização
pessoal está enraizada em práticas culturais, manifestadas
em termos de valores, crenças e normas de uma sociedade.
Ou seja, a motivação do empreendedor vai muito além do dinheiro
ou do status na sociedade. Assim, indivíduos com alto nível de
necessidade por realização apresentam maior propensão a
buscar oportunidades e perseguir desafios. Adicionalmente, em
termos individuais, a necessidade de realização pessoal depende
de fatores como: associação entre autorrealização e sentimentos
positivos, uma educação que estimule a independência pessoal,
a noção de recompensa pelo sucesso e a vontade de perseguir
novos desafios.
A necessidade de afiliação, por sua vez, está ligada à capacidade
do indivíduo de estabelecer e manter relações afetivas positivas
com outras pessoas. Indivíduos com elevada necessidade de
afiliação, de forma geral, preferem realizar atividades em que haja
interações com outras pessoas. Valorizam o trabalho em equipe
em que há maior cooperação, apoio, coleguismo, concordância e
coesão entre os membros do grupo.
Finalmente, a necessidade de poder se manifesta no desejo
que o indivíduo tem de controlar e influenciar outros indivíduos.
Evidencia-se no desejo de impactar, influenciar a disposição e o
comportamento de outras pessoas, utilizando-se da dominação
(poder institucional) ou do carisma (poder pessoal).

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Os achados de McClelland, também foram


expandidos por outros pesquisadores. O professor
norte-americano Sayre Schatz , da Temple University,
também observou que indivíduos com elevado senso
de realização pessoal possuem forte propensão
a dedicar seu tempo e energia para alcançar um
alto padrão de desempenho em diferentes tipos
de atividade. Adicionalmente, a professora também
norte-americana Teresa Amabile, da Harvard
Business School, encontrou evidências indicando
que os empreendedores possuem uma necessidade
de realização pessoal muito intensa, o que permite
o investimento de tempo e esforço na busca e Figura 4.11: David
implementação de soluções para os principais McClelland.
problemas observados. Fonte: Wikipédia

Apesar de suas particularidades descritas acima, a abordagem


comportamental do ensino de empreendedorismo possui algumas
similaridades com a visão da escola econômica. Por exemplo, para
Schumpeter, representante da escola econômica, a motivação
resultante de características pessoais de um indivíduo é fundamental
para possibilitar a geração de inovações e mudanças.

3.3 Empreendedorismo e principais


pensadores no campo da sociologia
Conforme comentamos anteriormente, as abordagens da escola
econômica foram se mostrando insuficientes para analisar toda a
complexidade do fenômeno do empreendedorismo e suas implicações
para toda a sociedade. Com isso, outras perspectivas foram sendo
desenvolvidas. Enquanto a escola de psicologia enfocou as motivações
e características de comportamento dos empreendedores, havia
ainda uma importante lacuna de conhecimento sobre o impacto
da evolução das estruturas sociais em iniciativas empreendedoras.
Consequentemente, alguns pensadores no campo da sociologia
desenvolveram contribuições de grande impacto para o estudo do
empreendedorismo.

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120 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

Ao examinar as contribuições provenientes do


campo da sociologia, merece destaque o trabalho
do pensador alemão Max Weber (1864-1920), que
descreveu o papel central do empreendedor no
processo de mudança econômica e social. Utilizando
o contexto do surgimento da indústria têxtil, esse
pensador relatou o processo empreendedor
associado a jovens buscando oportunidades ao
comprar roupas produzidas por artesãos camponeses
e as vendendo para atravessadores, obtendo lucro
na transação. Com o passar do tempo, os artesãos
camponeses foram contratados diretamente por
esses jovens, como tecelões, dando início à atividade
de manufatura em larga escala para proporcionar
ganhos de eficiência e maior lucratividade, o que
gerou novos desafios em termos de controle e
Figura 4.12: Max Weber. gestão dos recursos. Para Weber, o sucesso do
Fonte: Wikipédia empreendedor depende fundamentalmente da sua
capacidade de racionalização das atividades para
obtenção de maior eficiência. Portanto, para Weber,
o estudo do empreendedorismo contribui para a
compreensão da dinâmica social do capitalismo.

Max Weber é autor da obra A ética protestante e o


espírito do capitalismo. Essa é a capa original, em alemão,
mas não se preocupe. Caso você se interesse pela leitura
clássica, o livro está disponível em português.
Fonte: Wikipédia

Também podemos destacar o pensamento do sociólogo alemão


Werner Sombart, como gerador de conhecimentos relevantes
sobre aspectos sociais do empreendedorismo. Segundo sua visão, a
origem social e econômica de uma pessoa não é uma barreira para
empreender. Pelo contrário, na visão de Sombart, uma origem social

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mais humilde poderia proporcionar condições mais propícias para um


empreendedor de sucesso, como resiliência, disciplina, persistência,
autocontrole e comprometimento com o sucesso. Portanto, o ímpeto
para empreender poderia ser ainda maior em grupos marginalizados,
como imigrantes e minorias.
Outro aspecto importante no contexto da escola da sociologia é a
abordagem evolucionária proposta pelo sociólogo norte-americano
Howard Aldrich. Segundo esse pensador, as organizações também
sofrem um processo de seleção natural semelhante aos seres vivos.
Dessa forma, empreendedores motivados interagem por meio de um
processo competitivo de acesso à novas oportunidades e recursos.

3.4 Empreendedorismo e principais


pensadores no campo da administração
Você já sabe que o fenômeno do empreendedorismo vem sendo
estudado a partir de diferentes campos do saber, como a economia, a
psicologia e a sociologia. Entretanto, é na área de administração, pelo
menos desde os anos 1970, que o empreendedorismo vem sendo
estudado com mais profundidade.
Entre os diversos modos de compreender o fenômeno do
empreendedorismo, aquele que aponta a relação entre o indivíduo
e a oportunidade, conforme definido por Shane e Venkatarann
(2000), foi o que alcançou o maior grau de convergência entre os
pesquisadores da área de administração. Os autores definiram que o
empreendedorismo é o processo de descoberta, reconhecimento
e exploração de oportunidades empresariais1.
Estudos conduzidos pelos pesquisadores Alvarez e Barney2
contribuíram para distinguir duas abordagens possíveis para o processo
de descoberta da oportunidade ao desdobrá-lo em dois: descoberta
e criação de oportunidade. Os autores propõem uma analogia entre
explorar uma montanha já existente e construir uma montanha
para explorar. A teoria da descoberta sugere que existem oportunidades
no mercado, independentemente do empreendedor. Já a teoria da
criação supõe que oportunidades não existem, e o empreendedor
deve criá-las. Esse processo de criação resulta em incerteza em

1
GEORGE, N. M.; PARIDA, V.; LAHTI, T.; WINCENT, J. A systematic literature review of
entrepreneurial opportunity recognition: insights on influencing factors. International
Entrepreneurship Management Journal, n. 12, p. 309–350, 2016.
2
ALVAREZ, S.; BARNEY, J. B. Discovery And Creation: Alternative Theories of Entrepreneurial
Action. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 3, n. 6, p. 11–26, 2007.

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relação ao resultado do empreendimento. Os autores destacam que


o reconhecimento de qualquer oportunidade empresarial pode ser
descrito como um exemplo do processo de descoberta ou criação. Em
ambos os casos, os empreendedores precisam mobilizar competências,
colocá-las em ação para explorar a oportunidade. Nas duas abordagens
há fatores que influenciam tanto a descoberta quanto a criação de
oportunidades, tais como: a pesquisa sistemática por oportunidades
e atenção que se dá a elas; os recursos cognitivos (cognição); o
conhecimento prévio; a educação; e, o capital social de que dispõe o
indivíduo empreendedor, conforme apresentado na Figura 4.13.

Reconhecimento de Oportunidade

Análise Exploração
Descoberta de Oportunidade

Criação de Oportunidade

Pesquisa Cognição Capital Conhecimento Condições


sistemática Social Prévio do Ambiente
Atenção

Figura 4.13: Reconhecimento de Oportunidade e seus fatores de influência.


Fonte: GEORGE et al., 2016.

Note que o conceito de oportunidade foi tratado por Schumpeter,


o principal representante do campo da economia, como mostramos
anteriormente. Ele enxergava a oportunidade como fator central para
que os empreendedores promovessem novas combinações de recursos
e considerou que essas novas combinações poderiam assumir a forma
de produtos ou serviços, ou resultar em novos métodos de produção,
novas formas de organizar um mercado ou novas matérias-primas.
Autores contemporâneos como Morris e Kuratko3 definem o
empreendedorismo como:
1. o processo de criação de valor pela combinação única de recursos
utilizados para explorar uma oportunidade;
2. a criação de um empreendimento;
3. o reconhecimento e a capitalização de uma oportunidade;

3
MORRIS, M.; KURATKO, D. F. What entrepreneurs create?: Understanding four types of venture.
Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2020.

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Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo 123

4. a capacidade de correr risco na exploração de uma oportunidade,


independentemente do controle que se tem sobre os recursos.

E, ainda, definem o empreendedor como uma pessoa cuja


característica inequívoca é a de criar valor, por meio da criação de
um empreendimento, não importando se este é uma nova empresa
que oferece um produto ou serviço ao mercado, ou a criação de
uma nova linha de produto em uma empresa estabelecida, ou ainda
de empreendimento com fim social. Não importa também se o
empreendimento é bem ou malsucedido, se dura alguns meses ou
décadas, se é bem planejado, ou criado sem planejamento prévio, se é
de alta tecnologia ou emprega métodos conhecidos, se é formalizado
ou não. Morris & Kuratko concluem que um fato central sobre as
atividades empreendedoras é que elas são diversas em atores e formas.

4. O empreendedorismo como
conceito contemporâneo
multifacetado
Nos últimos anos, o conceito de empreendedorismo ganhou
muita visibilidade, tanto no meio acadêmico, com a elaboração de um
crescente número de pesquisas com objetivos variados, assim como
na política, tendo em vista que passou a ser um importante item na
formulação de políticas públicas em todos os níveis de governo. Desse
modo, o empreendedorismo deixou de ser apenas o processo de
coordenação de recursos escassos no processo de abertura de novas
empresas e passou a ser também reconhecido como um conjunto
de atitudes, comportamentos e competências capazes de formar
uma cultura própria, cada vez mais desejável para o progresso e
bem-estar da sociedade.
Assim, o empreendedorismo vem sendo fortemente influenciado
por mudanças políticas, econômicas e tecnológicas. Em um mundo
de grande complexidade e dinamismo, cada vez mais, o processo
empreendedor demanda uma abordagem multidisciplinar, envolvendo
pesquisas sobre oportunidades, redes de acesso às informações,
requisitos legais e regulatórios e perfis pessoais. Ao mesmo tempo, para
causar impacto positivo e transformar a comunidade, o empreendedor
necessita compreender o conceito de valor para cada grupo de pessoas
que são afetadas pelo empreendimento. Com isso, novas concepções
teóricas sobre empreendedorismo devem ser capazes de combinar

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124 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

atributos individuais do empreendedor com observações sobre o


contexto e estrutura social, integrando e expandindo as contribuições
geradas pelas escolas de empreendedorismo.
Mais recentemente, reconhecendo as limitações das abordagens
existentes, a escola empreendedora da sociologia produziu uma nova
teoria, que reconhece o empreendedorismo como um fenômeno
multifacetado. A teoria Effectuation, proposta pela pesquisadora Saras
Sarasvathy, professora da Universidade da Virginia, enfoca o processo
decisório e propõe que os empreendedores tomem decisões baseadas
nas circunstâncias em que vivem. Ao observar empreendedores
bem-sucedidos, ela conclui que eles, ao tomarem decisões com base
em quem eram, o que sabiam e quem conheciam permitia construir
um empreendimento que ia sendo modificado e adaptado a partir da
contribuição de parceiros. Segundo a pesquisadora, o empreendedor
deve focar na construção gradual de seus objetivos e não buscar
alcançar objetivos fixos e pré-determinados.

Sarasvathy demostrou que o planejamento e


as previsões sobre o futuro quase sempre eram
imprecisos. A autora argumenta que o planejamento
baseado em análises de causa-efeito levando em
consideração situações ocorridas no passado muitas
vezes produzem planos de negócios desconectados
com a realidade do empreendedor. Por exemplo,
um pico de demanda por uma nova rede social
não deve ser automaticamente interpretado como
uma garantia de sucesso para novas redes sociais
no futuro. O mundo é demasiadamente complexo
e dinâmico para permitir a manutenção intacta de
mecanismos de causa-feito. Para Sarasvathy, os
mercados são instáveis por natureza e, com isso,
não permitem a previsão do futuro com base no que
aconteceu no passado. De acordo com a abordagem
do Effectuation, o raciocínio lógico deve ser aplicado
constantemente utilizando como base um processo
de aprendizado contínuo. Portanto, segundo
Figura 4.14: Saras Sarasvathy – a
autora da lógica empreendedora
Sarasvathy, os meios disponíveis para auxiliar o
que tomou o mundo. raciocínio incluem: “quem eu sou”, “o que sei fazer” e
Fonte: Flickr “quem eu conheço”.

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Acesse o link para assistir ao TEDx da pesquisadora


Saras Sarasvathy sobre a teoria do Effectuation.
Fonte: YouTube

A teoria foi elaborada com base em entrevistas realizadas com


empreendedores americanos, sendo todos eles fundadores de empresas
com faturamento anual entre US$ 200 milhões e US$ 6,5 bilhões.
Sarasvathy constatou que nenhum desses empreendedores de grande
sucesso elaborou um plano de negócios para seu empreendimento.
Dessa forma, a “Abordagem Efetiva”, ou Effectuation, pressupõe que
a criatividade é um recurso fundamental para empreender em um
ambiente repleto de complexidades e incertezas. Portanto, a lógica do
Effectuation reconhece que o raciocínio do empreendedor deve buscar
resolver os problemas que emergem, mesmo que o objetivo final ainda
não esteja claro ou definido. Segundo Sarasvathy, o Effectuation é
norteado por quatro princípios básicos, conforme listado na Tabela 4.1.

Tabela 4.1: Princípios do Effectuation

Princípios do Effectuation Breve descrição

Empreendedores devem estabelecer um limite para um


Perdas toleráveis
nível máximo de prejuízo que pode ser tolerado.

Identificação e aproximação com os stakeholders mais


Alianças estratégicas
importantes.

Exploração de contingências Transformar contingências em oportunidades.

Identificar os principais fatores externos não


Controle do futuro imprevisível
controlados pelo empreendedor.

Fonte: Adaptado de Sarasvathy, 2003

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Nesse contexto de um mundo em rápida transformação, é cada vez


mais importante capacitar líderes empreendedores para que criem
valor econômico e social simultaneamente.

Agora que já passeamos bastante no


tempo, que já conhecemos a história do
empreendedorismo desde a época medieval,
que tal você dar uma relaxada no sofá e assistir
a este vídeo do SEBRAE e conhecer a história
de alguns empreendedores brasileiros “gente
como a gente”? O vídeo Brasileiro, profissão
empreendedor é produzido pela TV Brasil e
tem muitos casos bacanas para contar!
Fonte: YouTube

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ATIVIDADE 3

Conceituando empreendedorismo
hoje
Muitas vezes o ato de empreender é visto como somente a criação de
um novo CNPJ. No entanto, esta é certamente uma visão muito simplista
e equivocada. Embora o empreendedorismo venha ganhando bastante
visibilidade na mídia e, até mesmo, em políticas públicas em níveis
municipal, estadual e federal, pensadores vêm buscando compreender
esse fenômeno e suas implicações há alguns séculos. Reflita sobre
quais são os sentidos do termo empreendedor atualmente.
Se quiser, utilize o espaço a seguir para fazer anotações e esquemas
mentais e organizar sua cabeça. Depois disso, convide seus colegas (ou
até seus alunos!) para compartilharem as ideias deles e construírem
juntos uma nuvem de palavras desta atividade. Assim vamos, juntos,
conhecendo o significado do termo “empreendedorismo” para nosso
grupo. Basta acessar o link https://inovaeh.sead.ufscar.br/wp-content/
uploads/2019/04/Tutorial-WordArt.pdf e aprender como se faz!

Resposta comentada
Como começamos a conversar, logo no início deste capítulo, a
definição de empreendedor é, até hoje, um dos grandes problemas
a serem resolvidos pelo empreendedorismo. Portanto, embora
esta atividade não tenha uma resposta única, esperamos que
tudo o que discutimos tenha ajudado você a enxergar diferentes
perspectivas do empreendedor, de forma a tentarmos adotar uma
significação para o empreendedorismo nos dias de hoje. Suas
ideias acerca do significado de empreendedorismo podem ter
passado por aspectos associados a políticas públicas, à criação de
novas empresas, a um conjunto de atitudes, comportamentos e
competências, a uma cultura própria, ou a mudanças econômicas
e tecnológicas. Não importa o que você rascunhou no espaço
aí de cima, tenho certeza de que você levou em consideração
uma abordagem multidisciplinar, oportunidades, acesso às
informações, riscos, incertezas e perfis pessoais. Como dissemos
antes, “Os tempos mudaram, a mentalidade mudou, mas
empreendedores são associados à criação, inovação, risco, sendo
tão antigos quanto a humanidade em si.” E esse pensamento não
poderia ser mais atual!

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5. Conclusão
Conforme observado, o empreendedorismo é um fenômeno
complexo e, portanto, bastante desafiador para ser conceituado.
Trata-se de um fenômeno muito antigo e presente nas mais diversas
culturas, mas que vem sofrendo constante evolução. No entanto,
até o século XIX, esse fenômeno era completamente ignorado
por pensadores. Isso começou a mudar com os estudos pioneiros
do francês Richard Cantillon, que passou a buscar compreender
o empreendedorismo.
A construção histórica ajuda a explicar o caráter heterogêneo,
fragmentado e multifacetado do empreendedorismo, uma vez que
parte considerável dos pesquisadores tomou emprestado teorias
dos campos da economia, psicologia e sociologia e as adaptaram ao
estudo de diversos fenômenos relacionados ao empreendedorismo.
Contemporaneamente, a maior parte das pesquisas do campo
do empreendedorismo vem sendo conduzidas por professores e
pesquisadores da área de administração. Entretanto, com a crescente
importância do empreendedorismo, pesquisadores de outros
campos do saber, como a educação, por exemplo, têm passado a
realizar pesquisas na área, reforçando, assim, o caráter multifacetado
do empreendedorismo.

6. Resumo
O empreendedorismo é um fenômeno muito antigo, refletido
principalmente em atividades de produção artesanal de roupas,
calçados, ferramentas e outros objetos de uso diário. No entanto,
o empreendedorismo foi ignorado como objeto de estudo por
muitos séculos.
O termo “empreendedorismo” sofreu mudanças profundas ao
longo dos séculos. No século XVI, o termo era associado a operações
militares. Já no século XVII, passou a descrever as atividades de um
indivíduo exposto a riscos ao firmar contratos com o governante.
Somente nos séculos XVIII e XIX, passou a possuir um sentido próximo
ao atual com foco na criação e condução de empreendimentos.
A escola de pensamento econômico buscou identificar os principais
riscos associados à atividade empreendedora. Nessa perspectiva,

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o pensador francês Richard Cantillon (1689-1734) foi o pioneiro ao


abordar o empreendedorismo com foco em riscos e incertezas. Para
isso, Cantillon buscou o aperfeiçoamento de processos de trocas de
mercadorias visando ao lucro.
Pela perspectiva da escola da psicologia, é possível destacar
o trabalho de McClelland, que, no início dos anos 1970, passou
a analisar as características psicológicas que predispõem um
indivíduo a empreender. Segunda essa visão, é possível afirmar que
é a necessidade de realização pessoal que proporciona a principal
motivação dos empreendedores.
Adicionalmente, a escola da sociologia também trouxe importantes
contribuições para o campo do empreendedorismo. Segundo a visão
do pensador alemão Max Weber, o sucesso do empreendedor de-
pende fortemente de sua capacidade de racionalização das atividades
para a obtenção de ganhos de eficiência.
Na área de administração, o empreendedorismo está associado
à oportunidade. Muitos estudos têm sido desenvolvidos para
compreender como as pessoas identificam e mobilizam recursos
para explorar oportunidades.

7. Leitura recomendada
CORREA, C. Sonho grande: como Jorge Paulo Lemann, Marcel
Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e
conquistaram o mundo. Rio de Janeiro: Sextante, 2013.
A escritora Cristiane Correa descreve como os empreendedores
Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira
desenvolveram, ao longo de quatro décadas, um bem-sucedido
modelo de negócio voltado para a aquisição e, posteriormente,
para a reestruturação de grandes corporações.

MORRIS, C. R. Os magnatas. Poto Alegre: L&PM, 2006.


A obra descreve a história de empreendedores fundamentais
para a transformação dos Estados Unidos na principal
potência econômica do mundo, incluindo Andrew Carnegie,
John Rockfeller e J.P. Morgan.

Autores Coleção Empreendedorismo e Gestão para


Gabriel Marcuzzo Cavalheiro e Professores do Ensino Médio
Sandra R. H. Mariano
130 Capítulo 4: Conceituando o empreendedorismo

8. Informações sobre o próximo


capítulo
No próximo capítulo, você aprenderá a reconhecer os diferentes tipos
de empreendedorismo. Até breve!

9. Referências
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Theories of Entrepreneurial Action. Strategic Entrepreneurship
Journal, v. 3, n. 6, p. 11-26, 2007. Disponível em: https://www.
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https://econpapers.repec.org/article/sprintemj/v_3a12_3ay_3a2
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em: 3 mar. 2022.
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The Journal of Creative Behavior, v. 21, n. 3, p. 219-233, 1987.

É proibida a reprodução total ou parcial desta


Universidade Federal Fluminense
obra, por qualquer meio, sem prévia autorização
Departamento de Empreendedorismo e Gestão da Universidade Federal Fluminense.
Volume 1: Fundamentos do Empreendedorismo 131

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Tradução: José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia
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Autores Coleção Empreendedorismo e Gestão para


Gabriel Marcuzzo Cavalheiro e Professores do Ensino Médio
Sandra R. H. Mariano

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