Os trabalhos de Gray
Contudo, sua tentativa de comunicar a
Stephen Gray nasceu em Canterbury, Kent, Inglaterra, em 26
de dezembro de 1666. Sua família era de carpinteiros e tintureiros.
Mesmo tendo seguido seu pai no comércio, Gray teve uma educação
suficiente para, entre outras coisas, aprender um pouco de Latim, o
que lhe permitiu ter contato com livros de astronomia, despertando
nele o interesse por essa área.
Mesmo com suas limitações financeiras, entre o trabalho no
ramo de tinturaria e sua paixão pela ciência, Gray buscou
desenvolver experimentos na maior parte de seu tempo. Ainda que
com aparatos rudimentares, seu trabalho ficou conhecido pela sua
atenção a efeitos imprevistos, explicação cautelosa de anomalias e
busca por precisão (HEILBRON, 1979).
Essas características lhe renderam respeito por parte de John
Flamsteed (1646 – 1719), primeiro astrônomo real e fundador do
observatório de Greenwich. Por um lado, foi amigo e auxiliou Gray
em momentos difíceis, por outro pode ter sido responsável pela
dificuldade que Gray enfrentou para publicar seus trabalhos, por
conta de uma disputa entre Flamsteed e Newton - que nessa época
era presidente da Royal Society, uma importante academia científica
de Londres (HENKE; HËTTECKE, 2010).
Ainda que os indícios fossem consistentes de que algum tipo
de “conspiração” tivesse sido realizado por Newton para bloquear a
divulgação dos trabalhos de Gray, o próprio não se frustrou. Mesmo
contra as próprias expectativas, conseguiu desenvolver importantes
trabalhos na eletricidade. Gray imaginava que uma contribuição
relevante de sua parte poderia vir de seus estudos em astronomia e
navegação, campo em que já tinha colaborado com o astrônomo real.
No entanto, seu interesse pelo estudo da eletricidade foi
despertado pelos interessantes resultados dos trabalhos de
Hauksbee acerca da relação entre a luz e a eletricidade, o que
resultou em uma sequência de estudos e experimentos. Durante
muito tempo Gray acreditou que era possível a comunicação de
eletricidade entre corpos.
eletricidade aos metais foi malsucedida. Algum tempo depois, ele
conseguiu descobrir um tipo de comunicação diferente daquela que
antecipou: ainda influenciado pelos trabalhos de Hauksbee, Gray
fechou as extremidades de um tubo de vidro com rolhas como uma
precaução para que não fosse contaminado por poeira ou outros
agentes que prejudicassem seus experimentos.
Como citado acima, Gray tinha uma mente focada não apenas
no fenômeno que buscava compreender, mas também nas
ocorrências inusitadas dentro do planejado para o aparato que estava
manuseando. Assim, um questionamento que lhe surgiu foi: já que
estava modificando a estrutura original do tubo lhe acoplando rolhas
em suas extremidades, será que isso influenciaria seu poder? Ele
acabou observando que não.
Mas foi além, notou que ao abandonar uma pena nas
proximidades da extremidade do tubo elas não se direcionavam para
o tubo de vidro, e sim para a cortiça. Isso foi bastante inusitado e
revelador. Como apenas o tubo tinha sido excitado, logo alguma
eletricidade devia ter sido comunicada às cortiças. Ele identificou que
se tratava de eletricidade porque o comportamento da pena era o
mesmo esperado quando recebia a eletricidade do tubo: sucessivas
atrações e repulsões à medida que entrava em contato com a cortiça.
De posse desses resultados, Gray buscou observar até onde
ele poderia comunicar a virtude atrativa. Para isso variou a estrutura
em tamanho e toda sorte de materiais possível, desde metais, até
vegetais. Todos pareciam receber tal virtude. Em especial os metais
que, responsáveis pela sua frustração de não conseguir comunicar a
virtude em um outro momento, agora apresentava um poder
diferenciado, chegando a atrais folhas de latão à altura de vários
centímetros.
Continuou seguindo a questão da distância com que
conseguiria transmitir a eletricidade. Primeiro trocou a estrutura da
bola de marfim presa à estaca que era enfiada dentro da cortiça, por
um arranjo semelhante a uma vara de pescar. Com esse arranjo foi
capaz de mostrar uma grande quantidade de materiais que poderiam
receber eletricidade, inclusive uma criança de 20 kg (figura 4).
Conseguiu transmitir horizontalmente por centenas de metros, mas
para isso era necessário utilizar fio de seda como suporte; sua
tentativa com fio de latão não deu certo.
Figura 1 - Garoto suspenso por cordas de seda em um experimento de Gray
Dentre os resultados encontrados, Gray conseguiu
demonstrar a comunicação da virtude elétrica, o fenômeno de
condução; estipulou a diferença entre materiais condutores e
isolantes; mostrou uma coerência até então não conseguida entre
suas descobertas e a teoria do eflúvio.
Esse episódio mostra-se bastante rico por algumas
características da natureza do conhecimento científico, por exemplo
como observações que se adequam às expectativas do cientista
podem leva-lo a conclusões erradas; a falácia do método científico
absoluto, ao observar como diversos arranjos, modelos e
procedimentos são necessários em cada novo arranjo ou fenômeno
que se irá observar; a dependência entre as descobertas de uma
época e os matérias disponíveis, etc.
A regra de Dufay e as duas eletricidades
Dufay e Gray trocaram correspondências e sugestões em seus
trabalhos. O termo isolante foi uma indicação de Dufay ao sugerir que
para melhorar o desempenho de um de seus experimentos, Gray
deveria revestir os fios com esse tipo de material, que não permitia
perder a virtude para elétrica para o ar.
Dufay, ao contrário de Gray, teve uma vasta educação, sendo
formado sob os rígidos princípios de seu pai, que o preparou para a
guerra e para as letras. Após um período servindo nas forças
armadas, por meio da influência de seu pai conseguiu ser indicado a
Academia de Ciências de Paris, em 1723. Nesse período fazer parte
de uma academia de ciências de prestígio era parâmetro para o
status do cientista, o que também permitia que tivesse acesso aos
principais trabalhos que estavam sendo desenvolvidos, e seus
autores. Além disso, aumentava a visibilidade de suas produções,
podendo ser publicadas em diferentes línguas (MCCLELLAN 2003;
BROCKLISS, 2013).
Apesar de muito jovem e com pouca experiência em pesquisa,
Dufay rapidamente conseguiu dar respostas a sua nomeação por
meio da qualidade de seus trabalhos. Na primavera de 1733, quando
teve o primeiro contato com os trabalhos de Gray, interessou-se a
ponto de dezembro do mesmo ano ter preparado uma compilação
acerca dos principais trabalhos relacionados à eletricidade (ROLLER;
ROLLER, 1967) Esse fato não foi aleatório, na verdade representa
uma nova abordagem para o estudo sistemático que Dufay
desenvolveu. Nela, traz duas inovações: a necessidade de conhecer
a história dos trabalhos anteriores e produzir uma lista de
questionamentos que guiaram suas pesquisas.
Para o estudo da eletricidade, Dufay criou uma lista com
questões para investigação que buscavam sistematizar e confirmar o
conhecimento já adquirido por seus antecessores e prever novos
resultados. De maneira geral, tratavam de temas como quais os
materiais passíveis de serem eletrizados, se essa propriedade era
comum a todos os corpos, quais deles permitiam a condução da
eletricidade, qual a relação entre as virtudes atrativa e repulsiva, a
relação entre a virtude elétrica e a produção de luz, etc.
Sistematicamente ele vai realizando pesquisas e
experimentos para atender aos pontos de seu programa de pesquisa.
Dentre alguns dos primeiros resultados importantes, criou o que ficou
conhecido como Regra de Dufay. Essa regra dizia que para eletrizar
os corpos era necessário que estes fossem colocados em superfícies
perfeitamente isoladas (HANKINS, 2010).
Dentre outras coisas ele estudou a eletrização da água, a
influência das cores nos processos de eletrização e se a eletricidade
poderia fluir pelo ar. Em sua carta ao Duque Charles de Richmond e
Lenox (DUFAY, 1734), ele aborda essas descobertas de maneira
sistemática. No entanto, vamos nos ater a dois pontos importantes
de seus estudos, a repulsão e a proposição da existência de dois
tipos de eletricidades.
Na descrição de sua sexta descoberta, que estava relacionado
aos pontos do seu programa de pesquisa, ele diz o seguinte:
Em sexto lugar, ao fazer o experimento relatado por Otto
de Guerick, em sua coleção de experiências de Spatio
Vacuo, que consiste em fazer uma bola de enxofre
tornar-se elétrica, repelir uma penugem, percebi que os
mesmos efeitos foram produzidos não somente pelo
tubo, mas por todos os corpos elétricos; e descobri um
princípio muito simples, que responde por grande parte
das irregularidades, e se posso usar o termo, dos
caprichos que parecem acompanhar a maioria dos
experimentos em eletricidade. Este princípio é que os
corpos elétricos atraem todos aqueles que não são
assim, e os repelem assim que se tornam elétricos, pela
proximidade ou pelo contato do corpo elétrico. (DUFAY,
1734, p. 262, tradução nossa).
O anúncio desse princípio tem consequência direta na
explicação de diversos fenômenos, como a aparente inconsistência
apresentada no experimento de Hauksbee, em que parecia que ao
aproximar o dedo de um conjunto de fios que estavam sendo atraídos
por um tubo eletrizado, eles eram repelidos pelo dedo. Isso, segundo
Dufay, acorria por que o dedo ou qualquer outro corpo colocado
próximo do corpo eletrizado também se tornava eletrizado e,
portanto, repeliam-se. Esse tipo de interação ficou conhecido depois
como mecanismo ACR – Atração. Contato e Repulsão.
Em seguida Dufay apresenta outro princípio que aponta como
mais universal que o anterior que trata da repulsão. Segundo ele
existem dois tipos distintos de eletricidade, distintas uma da outra, as
quais ele chamou de eletricidade vítrea e eletricidade resinosa. Ele
as descreve da seguinte maneira:
As características dessas duas eletricidades é que um
corpo da Eletricidade vítrea, por exemplo, repele todos os
que são da mesma eletricidade; e, ao contrário, atrai
todos aqueles da eletricidade resinosa [...] Para saber de
imediato a qual das duas classes de eletricidade pertence
o corpo, é preciso apenas tornar elétrico um fio de seda,
que é conhecido por adquirir eletricidade resinosa, e veja
se aquele corpo, elétrico, atrai ou repele. (DUFAY, 1734,
p. 262, tradução nossa).
Como exemplos de corpos que adquirem eletricidade vítrea,
Dufay cita o vidro, pedras de cristal, pedras preciosas, cabelos de
animais, entre outros; como exemplos para eletricidade resinosa tem-
se o âmbar, copal (outro tipo de resina), seda, papéis, etc.
Os dois tipos de eletricidade de Dufay mais tarde ficaram
conhecidos como teoria dos dois fluidos elétricos, mesmo ele nunca
tendo utilizado esse termo. Provavelmente deve ter sido utilizado pela
maneira como eram descritas as transferências da eletricidade entre
os corpos (ROLLER; ROLLER, 1967).
Com isso, para além de suas contribuições teóricas, Dufay perseguiu
seu objetivo de organizar e estruturar aspectos generalizáveis da
eletricidade para imprimir certa orcem para os trabalhos dentro dessa
temática. Ele fez isso a partir de uma cuidadosa abordagem, levando
em consideração os trabalhos anteriores, suas próprias concepções
acerca do funcionamento na natureza e a sistematização dos
procedimentos experimentais.