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APOLO

Deus do Sol e da Profecia

As pitonisas e profetisas do Oráculo mais importante de todos os tempos e lugares recebiam do deus Apolo o
dom da profecia e aconselhavam com clarividência e prudência a todos, os que desejavam e necessitavam
conhecer seu futuro imediato, que acudiam a consultá-las. Esse famoso Oráculo estava em Delfos, o lugar
onde o deus Apolo matou a serpente Píton, o monstruoso animal que se escondia na gruta inacessível e
obscura do Monte Parnaso.

O mito narra que após o dilúvio uma parte da superfície da Terra ficou coberta de barro, lodo e limo, e que
dessa massa obscura surgiu a serpente Píton, um monstruoso animal nascido para custodiar — por encargo
de Gea, a Terra — o oráculo de Delfos desde o alto de Parnaso, onde tinha sua gruta e sua guarida, e vigiava
o santuário da deusa da Terra.

O enfrentamento de Apolo e a serpente Píton reproduz o mito antigo da luta entre o Bem e o Mal, ou da Luz
contra as Sombras. O deus Apolo, filho de Zeus e da formosa Leto, encarna a Luz, e a serpente P íton
representa a Obscuridade e as Sombras. Uma vez morta a serpente, as trevas declinam e a claridade se
expande, cobrindo tudo até chegar a todos os cantos do mundo, já que ninguém pode estar privado da luz que
irradia Apolo, o deus do Sol, que a cada dia sai para todos.

Depois deste episódio mitológico, o Monte Parnaso será consagrado ao deus Apolo, que o converterá em um
lugar idílico, semelhante ao Olimpo, e, ao mesmo tempo, se ocupará do santuário e do Oráculo de Delfos,
convertido desde agora no centro do mundo, e concederá o dom da clarividência às sibilas que estão a
serviço do Oráculo e têm a missão de profetizar e predizer o futuro. Uma das profetisas mais célebres foi
Pitia, ilustre sacerdotisa do santuário que tinha o dom da profecia e da qual se dizia que falava pela boca do
deus Apolo, que era sua intermediária e profetizava em nome do deus da luz.

1. Os Cisnes Sagrados

O grande cantor e poeta clássico Ovídio, na sua obra As Metamorfoses, nos deixou escrita uma versão da
morte da serpente Píton pelas mãos do deus Apolo que difere da versões mais populares e conhecidas. Narra
Ovídio que dentre todos os monstros, que nasceram do barro da Terra após o grande dilúvio, o mais temido
era um enorme réptil que era chamado de a serpente Píton, que atemorizava os camponeses de Tesalia.
Ninguém saía a trabalhar no campo, nem a recolher as colheitas por medo de encontrar-se com o mostro que,
segundo se dizia, tragava e engolia com suas cavernosas fauces todas as criaturas que encontrava em seu
caminho.

O deus Apolo subiu ao Monte Parnaso à procura da gruta do feroz réptil e, logo que se viu frente ao mostro,
lançou suas certeiras flechas e lhe causou mil feridas por onde saiu seu venenoso sangue. Muito tempo
depois, e em lembrança de tão assinalada façanha, se instituíram os jogos chamados pitios, nos quais o
ganhador, seja na modalidade luta, na corrida a campo aberto, ou na corrida de carros, era homenageado por
todos os assistentes e os sacerdotes e sacerdotisas délficos lhe colocavam uma coroa feita com galhos de
louros, a árvore consagrada ao deus Apolo.

O mito narra que a força e destreza de Apolo provinham dos cuidados que a deusa Temis lhe dispensou
generosamente desde criança. Por conta disto, convertera-se logo num jovem bem apresentado, forte e ágil
de movimentos. A deusa lhe alimentou com a ambrósia e o néctar que constituíam o manjar próprio dos
deuses do Olimpo.

Quando o deus Apolo nasceu, a terra da itinerante ilha de Delos se cobriu de uma ampla capa de grãos de
ouro e a ela acudiram os cisnes sagrados enviados por Zeus, que deram sete voltas na ilha e conduziram o
formoso carro que transportaria o deus Apolo até o grandioso território de Delfos, lugar em que se assentou,
desde então, o oráculo de Delfos, cuja obscura entrada estava então custodiada pela serpente Píton que
Apolo crivaria com suas temíveis flechas.

O mito narra que o nome “Píton” significa “apodrecer” e o célebre Hino de Apolo recolhe o sentido deste
conceito: “Apodrece agora aí onde estás sobre a terra que nutre os humanos”.

2. A Purificação

O certo é que a morte da serpente Píton fez com que o protagonista de semelhante sucesso, quer dizer, o deus
Apolo, tivesse que purificar-se, já que a morte da serpente Píton conferiu ao deus certa impureza de espírito.
Assim, para cumprir com o rito da sua purificação, Apolo subiu ao carro puxado por brancos cisnes — a
brancura dos cisnes simbolizam a luz e a claridade irradiadas por Apolo — e, apesar de inicialmente se
dirigir para Delfos, no entanto acabou por estabelecer-se num plácido e verde vale situado entre duas míticas
montanhas, a de Ossa e Olimpos. Aqui, o deus Apolo, efetuou sua purificação e, desde então, esse idílico e
paradisíaco lugar será conhecido com o nome de “Vale de Tesalia”.

3. Águas Torrenciais

Há outras versões mais poéticas do episódio em que se narra como o deus Apolo acaba com a serpente Píton.
Tais interpretações concebem semelhante sucesso e o relacionam com uma espécie de simbolismo, que se
revelado nos faria chegar a uma explicação muito atrativa do mito e, em todo caso, até mais real. Ao
respeito, se diz que esse mostro, essa enorme serpente Píton, era uma forma antropomórfica, elaborada pelos
próprios mortais, para explicar as crescentes do veloz rio torrencial que cruzava, com ensurdecedor ruído,
toda a região onde se desenrolaram os míticos sucessos.

Ao finalizar a estação invernal, e com a chegada da primavera, o caudal até agora insignificante do arroio,
que nascia no cume do monte Parnaso e cruzava os vales e montanhas de Delfos, aumentava
consideravelmente, principalmente por causa do degelo. A verdade é que a torrente formava cachoeiras de
grande altitude e entrava com forte estrondo entre os terraços do próprio anfiteatro de Delfos e, ao mesmo
tempo, formava milhares de despenhadeiros, uns visíveis outros ocultos; tudo isto contribuía para a formação
de um leito irregular e incontrolável. O leito da torrente alargava-se e aumentava muito e, desde uma
perspectiva lírica, assemelhava-se ao despertar de uma enorme serpente disposta a não se deixar dominar por
nenhum mortal.

Somente a presença do Sol, lá em cima, conseguia minguar, com o poder do calor de seus raios, o
desenfreado caudal da torrente. Já estávamos no verão e Apolo, a personificação cio Sol e da luz, dispunha-
se a frear, até secar, aquela grande torrente de desenfreadas águas. O desenlace não tardou em chegar, pois o
deus Apolo venceu a serpente Píton e, onde existia o descontrolado rio, agora apenas jazia ura insignificante
riacho.

Os raios do sol simbolizam as flechas que Apolo envia com força inusitada, indicando que já estamos em
pleno verão, contra as águas da torrente, abundantes até então. O resultado será a morte desta, a torrente,
pelas mãos daquele, o Sol, ou seja, a personificação do deus Apolo. Deste modo se cumprem as profecias
dos cantores de hinos, quando se referem a morte do Píton por Apolo: “Não; a morte cruel não poderá ser
afastada de ti; apodrecerás ali, sob a ação da terra negra e obscura e do brilhante Sol”.

4. Dardo de Desamor

O relato mitológico de Ovídio explica como o deus Apolo, encorajado por seu triunfo contra a serpente,
desafiou Cupido, o arqueiro mais certeiro, o deus que lança sempre com precisão suas flechas de amor, e lhe
insultou com néscias palavras: “Dize-me, jovem afeminado: que pretendes fazer com essa arma mais própria
de minhas mãos do que das tuas? Eu sei lançar as flechas certeiras contra as bestas ferozes e contra os piores
inimigos. Eu me deleitei enquanto vi morrer a serpente Píton entre as angústias envenenadas de muitas
feridas. Contenta-te com atiçar com tuas candeias um fogo que a mim não alcança e não pretendas igualar
tuas vitórias com as minhas. Serve-te tu de tuas flechas como melhor achares — respondeu o Amor — e
fere a quem teu ânimo pedir. Mas a mim me satisfaz ferir-te agora. A glória que há em ti das bestas vencidas
será minha por haver-te vencido, caçador invencível”.

Depois de terminar seu discurso, Cupido se dirigiu para o monte Parnaso e, uma vez lá, carregou duas
flechas, uma com o fruto do amor e a paixão, e a outra, contrariamente, com o volumoso desdém. As lançou
com grande tino e a primeira se cravou no peito de Apolo, enquanto que a segunda alcançou a ninfa Dáfne.
Deste modo, a paixão de um, neste caso Apolo, se chocaria sempre contra o desprezo, latente em Dáfne, do
outro. Diante dos requerimentos do deus, a ninfa respondia de forma indefectível com o repúdio e a fuga.

Espere-me minha formosa! Aclamava Apolo. Espere-me, não sou um inimigo com funestas ideias! Fuja o
cordeiro do lobo, o cervo do leão e a pomba da águia, porque seus inimigos são. Mas não fujais de mim,
porque unicamente o mais imenso amor me impulsiona! Em vão aclamava Apolo; inúteis resultavam suas
súplicas e seus rogos, pois Dáfne — por causa da influência do dardo certeiro de Cupido — não reparava
nele nem um instante sequer.

As lamentações de Apolo não pareciam próprias de um deus tão valente e vitorioso como até então tinha se
mostrado diante de si próprio e dos outros. A flecha do desamor, que Cupido tinha-lhe cravado no centro do
coração, estava produzindo o efeito desejado pelo certeiro arqueiro.

5. O Deus e a Ninfa

Refletia Apolo sobre as qualidades das quais estava enfeitado e não achava nenhuma falha na sua própria
pessoa. Já não lembrava da sua arrogância para com o “afeminado Cupido”. Quanto mais olhava para si
mesmo, menos enxergava suas possíveis falhas. Finalmente, com muita dor, Apolo não pôde conseguir o
amor nem o afeto de Dáfne, a qual transformou-se numa árvore, concretamente num louro que, por outro
lado, converteu-se no símbolo de Apolo e suas vitórias.

O relato de Ovídio descreve os amores do deus e da ninfa: “Filho de Júpiter sou, e adivinho o porvir e sou
sábio do passado. Eu inventei a emoção de fixar o canto ao som da lira; minhas flechas chegam a todas as
partes com golpes certeiros. Mas, parece-me mais certeiro quem acertou a mim. Sendo o inventor da
medicina, o universo me adora como a um deus bondoso e benfeitor. Conheço a virtude de todas as plantas...
Mas, que erva existe que me cure a loucura do amor? Se conhecem meus méritos, úteis para todos os
mortais, unicamente para mim não têm poder nem prodígio”.

Enquanto falava deste modo, Apolo conseguiu diminuir a distância que o separava de sua amada; mas,
Dáafne novamente fugiu rapidamente... ainda com mais formosura. Seus vestidos esvoaçantes e
semicaídos... Seus cabelos dourados e flutuantes... Divina, sim. Deve ter pensado Apolo que naquele
momento mais lhe valiam pés ligeiros que as melodiosas palavras... e aumentou a velocidade da sua corrida.
Foi assim... como uma lebre perseguida por um galgo em campo aberto, espetacular e definitivo. A
alcançará, não alcançará? Quase que seus varonis dedos roçaram as prendas femininas... E como palpitava
seu coração então...!

Chegando Dáfne à beira do rio Paneo, seu pai, falou para ele desconsolada: “Meu pai, se é verdade que tuas
águas têm o privilégio da divindade, vem ao meu auxílio... Oh Terra, trague-me! Porque vejo já quanto
funesta é minha formosura...”

Logo que terminou seu rogo, foi acometida por um espasmo. Seu corpo cobriu-se de cortiça. Seus pés, se
fizeram raízes, e afundaram no solo. Seus braços e seus cabelos transformaram-se em galhos cobertos de
folhagens. Porém, que bela árvore! Nela se abraça Apolo e até parece que a sente palpitar. Os movimentados
galhos, roçando-o, lhe parecem carícias. “Já que, soluçou Apolo, não podes ser minha mulher, serás minha
árvore predileta, louro, honra de minhas vitórias.”

Meus cabelos e minha lira não poderão ter ornamento mais divino. Folhas de louro! Cobrireis os pórticos no
palácio dos imperadores e reis e nunca deixarão de parecer verdes.
6. Representação

Apolo era filho de Zeus, o deus rei do Olimpo, quem lhe proporcionou a mitra e a lira, atributos mais visíveis
do deus da luz. Por isso que, junto à figura do deus da luz com o arco e as flechas, estes aparecem com
frequência. Dentre as representações de Apolo destaca-se a esbelta escultura romana de mármore que mostra
o deus da luz nu, com um ténue manto pendurado no pescoço que se cai sobre seu braço esquerdo, que
mantém esticado. Data do século segundo, antes da nossa Era, e se exibe no Museu Pio Clementino. É
conhecida com o nome de Apolo Belvedere.

De forma geral, os artistas e entendidos sempre dizem que Apolo pertence à segunda geração dos Olímpicos.
O que significa, pelo menos para os clássicos, e sempre desde uma perspectiva estética, que tal deidade
podia esculpir-se com todos os materiais nobres — algo que era considerado um privilégio reservado
somente aos deuses do Olimpo e aos deuses superiores, que compunham um total de vinte e dois, doze deles
faziam parte da corte celestial, enquanto que as outras dez deidades se denominavam escolhidas ou
selecionadas — como, por exemplo, ouro, prata, bronze, marfim...

Apolo, por outro lado, era representado como um deus vitorioso e revestido de valor, Apolo Pítico. Havia,
também, outras imagens nas quais aparecia numa postura ereta, em atitude de marcha, com sua curta capa,
ou clâmide, jogada para traz e com sua cabeça erguida. Também era frequente representá-lo em plena
juventude, quase como um adolescente. Em outros casos, aparece apoiado numa coluna, com seu braço
direito sujeitando sua cabeça e toda sua figura irradiando certa classe de serenidade de espírito. Tal seria o
caso de Apolo de Praxíteles, que se apoia no tronco de uma árvore na qual se destaca a figura de um lagarto.

Uma pedra cónica ou redonda era, nos primeiros tempos, a única representação do deus Apolo. Logo,
apareceu revestido de evocações musicais, sobretudo na época clássica. Também são numerosas as ocasiões
nas quais aparece representado nu, ou apenas coberto com um ampla capa ou túnica, mas sempre portando a
lira entre suas mãos. Com frequencia é representado revestido de outros atributos distintos da lira, que
também definem o complexo deus, tais como o arco e as flechas, o trípode e o cetro, o louro e os raios
solares, a mitra...

Alguns artistas, de maneira especial os pintores, se inspiraram nos amores de Apolo para compor suas obras.
E assim, não faltam as representações do deus da luz em companhia de Cassandra, ou da musa Tália. O mito
narra que Apolo se apaixonou da jovem Cassandra, que lhe prometeu que atenderia suas petições se ele,
deus, lhe concedesse o dom da profecia. E assim o fez Apolo, mas Cassandra não cumpriu sua promessa de
casar-se com ele, pelo que o deus sentiu-se enganado e usado. Então decidiu confundir, daí em diante, toda
predição feita por Cassandra. As lendas contam que Apolo, uma vez que descobriu a mentira de Cassandra,
ficou tão furioso que cuspiu nos seus lábios, pelo que, a partir desse momento, Cassandra nunca seria levada
a sério. Ninguém, jamais, daria crédito, no futmo, a suas palavras.

Por isso, Cassandra, no episódio do cerco de Tróia pelos gregos, tendo estes inventado o famoso cavalo de
madeira no qual ocultaram seus homens para tomar a cidade, advertiu que se entrassem em Tróia esta ficaria
destruída. Mas, por conta da vingança de Apolo, ninguém acreditou nela; o resultado foi a destruição da
cidade.

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