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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA (PUC-RIO)

* O Mito de Faetonte *

Natali Fontes Cardoso Bazan


Curso - Artes Cênicas
LET1888 - Mitologia I
Professor - Antônio Mattoso
A RIQUEZA DOS DETALHES

Na obra de Ovídio, ‘‘As Metamorfoses’’, a primeira parte do mito de Faetonte é


apresentada no primeiro livro, sendo uma breve introdução, e apenas no segundo livro ocorre
um maior aprofundamento. Dos personagens que até então são exibidos, temos os que
possuem uma carga mais importante na narrativa, como no caso de Climene, as Helíades, o
deus do Sol e Faetonte, o protagonista; e os secundários, que apesar de não possuírem uma
maior presença no texto, provocam uma ação fundamental para o desenrolar da história,
como no caso de Epafo, cujo provocou Faetonte, duvidando de sua descendência divina.
Climene é uma ninfa (oceânida) filha de Oceano e da titânide Tétis (do grego: Τηθύς),
ela uniu-se com Hélio (Ἥλιος), o deus que conduzia o Sol diante de Apolo, e gerou Faetonte
e as Helíades. Epafo é filho de Júpiter (Zeus) com Io. No texto do segundo livro, o início da
narrativa se passa em um palácio. A composição rica do cenário descrito por Ovídio
apresenta diversas figuras, que são apenas mencionados para provocar maior riqueza aos
detalhes na descrição, como Malcíbero (Vulcano ou Ἥφαιστος), ou as divindades marítimas
Tritão, Proteu, Egeone, Doris e suas filhas (Esses, são aqueles que habitam os mares). As
ninfas, as Horas, os Dias, os Meses, Anos e Séculos, A Primavera e Verão, também o Inverno
e o Outono, todos esses elementos, presentes no grande palácio de Febo, fazem parte dessa
representação do passar do tempo — o que nos remete a essa ideia de passagem do sol, que é
responsabilidade de Hélio. Essa mudança de dia para noite, de noite para dia, se faz com a
vinda ou a ida da luz do grandioso astro solar, que é transportado pela divina carruagem cuja
qual será apresentada mais adiante.
Antes da ida de Faetonte ao divino local, Epafo havia ‘‘plantado uma sementinha''
nele, deixando sua mente em uma posição de tentar fazer o impossível para poder anular as
palavras do filho de Zeus. Aproveitando-se da promessa de seu pai, que lhe daria o que
quisesse como forma de comprovar e assumir a paternidade, o jovem decide pedir para dirigir
a carruagem com os cavalos Alípedes. O deus até tenta persuadi-lo a mudar de ideia,
alegando que a estrada é difícil, perigosa e dá medo, que precisa ter mão firme, ou seja,
experiência, tentou alertar sobre a rotação dos astros que eram vertiginosos e os cavalos
instáveis. Todavia, mesmo assim, o teimoso manteve seu pedido. — Talvez, a partir de uma
visão psicanalítica, essa teimosia por parte do personagem se tenha dado por conta de seu
intenso ego, que estava tanto fragilizado pelas palavras de Epafo, quanto inflado de
arrogância por finalmente saber que era filho de uma divindade.
Ao chegar na divina e luminosa carruagem dourada de Febo, o jovem se encanta com
a sua sofisticada beleza. Com a vinda do nascer do dia, junto a ida das estrelas e a lua, o deus
ordena que as Horas preparem os cavalos que respiram fogo. Hélio tenta uma última vez
aconselhá-lo, indicando para ele sustentar as rédeas com mãos firmes, para não atravessar
diretamente as cinco vias da abóbada e principalmente para que não voasse muito alto, nem
muito baixo, pois tanto o céu quanto a terra tinham que receber calores iguais. Sem mais
tardar, pois o sol precisava surgir, Faetonte sobe na carruagem, selando seu destino.

AS CONSEQUÊNCIAS E AS COMPREENSÕES

É fato de que mito provocava e dava um significado para a vida e a existência


daqueles povos antigos que não eram capazes de justificar o sobrenatural. O mito também
constitui-se como um aspecto importante para a formação identitária de uma comunidade, e
portanto, apresenta, aponta, a compreensão de como era o mundo desses povos. J. F. Bierlein
diz que “O mito dizia aos povos antigos quem eles eram e qual era a maneira correta de
viver.” (2003, p.18). Diante disso, toda a situação narrada no mito de Faetonte, ao meu ver,
transmite a mensagem e o conselho de sempre escutar aquele quem muito mais sabe (no caso,
um deus), seja o mais velho, ou o líder de alguma região, ou essa figura de autoridade e
soberania. Não obstante, outras mensagens são ensinadas na obra, como os perigos da
teimosia, as terríveis consequências que podem ser provocadas por nossas ações, o
despreparo diante certas situações e como outros podem ser prejudicados a partir da ação de
uma única pessoa.
Prosseguindo com o mito, os quadrúpedes Piroente, Eous, Eton e Flegon se moveram
com maior intensidade e velocidade porque o peso do carro estava muito mais leve, parecia
estar vazio, portanto, acabaram abandonando a rota que normalmente faziam. Faetonte sem
ter muitas opções do que fazer, pois não sabia como retornar a rota e nem era obedecido pelos
cavalos, desespera-se ao ver o enorme desequilíbrio que causou e todos os perigos que sofria,
largando por fim as rédeas. O intenso calor aqueceu locais que eram glaciais, a Terra
queimou-se em um terrível incêndio, as nuvens evaporaram, a água dos rios desapareceram,
diversas cidades e cidadãos se tornam cinzas e as montanhas arderam pela alta temperatura.
— A intensa luz forjou assombrosas sombras de puro caos e trevas, pois a destruição
acarretada de longe seria algo divino e abençoado, mas sim uma destruição em escala.
Faetonte se arrepende amargamente por suas escolhas e lamenta ter descoberto sua
descendência divina, entretanto, era tarde demais para voltar atrás de suas ações.
O filho de Hélio com dificuldade conseguia respirar o ar abrasador que rondava no
mundo e percebeu que a carruagem divina estava em chamas, não obstante, o calor era tão
intenso, que locais se tornaram áridos, uma densa fumaça sobrevoou as águas, diversos
animais faleceram, tanto aéreos quanto terrestres e marítimos, o mar se contraiu e Gaia, a
Terra, aos prantos, chorou em desespero e berrou completamente incrédula sobre tudo o que
estava acontecendo. Zeus ao ouvir as súplicas da deusa e ao concluir o testemunho de outros
deuses, dirige-se a uma elevação e lançou um potente raio na carruagem, foi o suficiente para
destruí-la aos pedaços e romper as amarras dos cavalos, que livres, fugiram em disparada.
Faetonte, como uma estrela cadente, despencou na outra extremidade do orbe (do mundo),
bem sobre o rio Eridano.
O corpo do jovem foi enterrado pelas Náiades da Hespéria (ninfas de águas doces)
ainda estando fumegante. Tanto o pai, Hélio, quanto a mãe, Climene, demasiadamente
sofreram pela morte do filho, ela vagou pelo mundo todo para encontrar os membros e ossos
de Faetonte, e o deus, sombrio e devastado, recusou dar seu brilho novamente para o mundo.
Em muito os deuses e o soberano tiveram que suplicar para o deus do Sol voltar a exercer seu
serviço, no fim, os cavalos foram os culpados pela morte de Faetonte e castigados com
correntes e chicotes.
Conclui-se, assim, que essa lição de moral aponta que Faetonte não apenas perdeu sua
vida ao não escutar os conselhos do pai, mas também condena a existência de muitos outros,
como os cidadãos que se tornaram cinzas, os animais que faleceram devido o calor e os
divinos cavalos que foram punidos.

AS HELÍADES

Estas também foram vítimas das consequências dos atos de Faetonte; é fato que o luto
foi algo que elas carregaram e semearam por demasiado tempo, entretanto, se o jovem não
tivesse morrido devido a sua teimosia, jamais teriam passado por essa dor.
As irmãs de Faetonte, assim como seus pais, também sofreram muito com sua morte.
Durante dias e noites derramaram lágrimas sobre a sepultura e chamaram pelo irmão, na
esperança, em vão, de ele responder. Passaram-se quatro meses e ainda assim o luto se fazia
presente nas Helíades, até que, de repente, todas foram metamorfoseadas pelos deuses em
árvores e suas lágrimas se tornaram âmbar.
Assumiram a forma de choupos, seus corpos se tornaram o tronco e os pés a raiz,
agora presos ao solo, não mais livres para andar. A percepção que tenho dessa metamorfose é
que as Helíades escolheram ficar quatro meses no mesmo local onde estava enterrado
Faetonte, ao invés de superar o luto e seguir adiante, tanto no sentido psicológico quanto
físico, de sair daquele local e ir caminhar pelo mundo, então por isso se tornaram algo que
eternamente estaria fixo, pois bem assim escolheram ao passar todo aquele tempo ‘‘paradas’’
no mesmo lugar.
Os braços delas tornaram-se galhos, junto às folhas e copas, e suas lágrimas passaram
a ser âmbar. Quanto a isso, a análise que se pode fazer é que aquelas lágrimas eram tão
sinceras e reais, que se tornaram muito preciosas, tanto porque demonstra o amor que sentiam
pelo irmão, esse valor inestimável, quanto o peso da saudade. Portanto, foram transformadas
em uma resina fóssil muito usada em adornos e ornamentos, pois remete a essa preciosidade,
a essa beleza única. — Não obstante, outra interpretação que poderia ser feita é que essas
lágrimas se tornaram âmbar num intuito de dar uma utilidade a elas, que eram despejadas a
mais tempo do que deveriam. A água presente no choro em nada ajudava a mudar essa
situação, não traria Faetonte de volta, nem impediria que mais jovens morressem de forma
tão repentina, todavia, nesta nova aparência, poderia ser usada de uma maneira mais utilitária.
Por mais que Climene, mãe das Helíades, tenha tentado ajudá-las, em nada pôde
fazer para impedir a transformação, perdendo, no fim, não somente um filho, mas vários.

CICNO

Cicno foi um grande amigo de Faetonte. Após a morte do filho de Febo, ele renunciou
ao cargo de rei da Ligúria e ficou em luto no rio Eridano, junto às Helíades. É também
metamorfoseado em um ser, pois assim como as irmãs de Faetonte, passou longos meses
lamentando a morte do amigo, sem conseguir seguir adiante. Todavia, há uma distinção entre
esta metamorfose para a outra ocorrida (os choupos): ele se torna uma nova espécie de ave
com penas brancas.
O que pode-se entender dessa transformação é que, Cicno, ao desenvolver uma
repugnância aos deuses e também por não confiar mais neles, principalmente em Zeus, (que
lançou o relâmpago no carro que estava Faetonte), ele perde sua humanidade, sua identidade
humana e, portanto, torna-se um animal, que por opção própria, decide viver excluído em
locais úmidos e cercados por água, pois sua consciência ainda presente, desenvolveu um
trauma quanto ao fogo e as chamas.

CONCLUSÃO

Acredito que ambas as metamorfoses que foram lançadas pelos deuses tinham um
intuito tanto para poupá-los de seu sofrimento amargo que parecia não ter fim, quanto
também como uma punição por não terem conseguido seguir adiante, por não aceitarem que
Faetonte tinha morrido. Por mais que soe injusto, foi uma maneira eficaz de pôr um ponto
final naquele prolongado luto.
Assim, a seguinte mensagem se faz presente no mito: terríveis consequências podem
surgir, como uma enorme avalanche ou vários dominós caindo em sequência, a partir de
pequenos atos, como a decisão de desobedecer o conselho de alguém que muito mais quer
ajudar do que prejudicar.

REFERÊNCIAS:

BIERLEIN, J. F. Mitos paralelos; tradução de Pedro Ribeiro. – Rio de Janeiro, Ediouro,


2003.

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