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São Paulo
2023
Pamela Cristina Celentano Costa
São Paulo
2023
RESUMO
ABSTRACT
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 4
2. Desenvolvimento................................................................................................................ 8
2.1 Da descida aos ínferos como morte simbólica..............................................................8
2.2 Dos mistérios de Elêusis................................................................................... 10
2.3 Do amadurecimento e sustentação das decisões....................................................... 11
2.4 Uma deusa sombria e poderosa....................................................................................13
3. Considerações finais........................................................................................... 18
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...............................................................................20
Perséfone, abençoada filha do grande Zeus, filha única
de Deméter, venha e aceite este gracioso sacrifício.
Muito honrada esposa de Pluto, discreta e doadora da vida,
tu comandas os portões do Hades nas entranhas da terra,
Praxidikê (justiça exata) amavelmente trançada, pura flor de Deo,
mãe das Fúrias, rainha do mundo inferior,
a quem Zeus gerou em união clandestina.
Mãe do Eubouleus que tem várias formas e que ruge alto,
radiante e luminosa companheira de recreação das Estações,
augusta, toda-poderosa, rica donzela em frutos,
brilhante e de cornos, só tu és a amada dos mortais.
Na primavera tu rejubilaste nas brisas das campinas
e mostras tua figura sagrada nos brotos e frutos verdes.
Foste feita esposa de um raptor no outono,
e apenas tu és vida e morte para os mortais que labutam;
Ó Perséfone, pois tu sempre nutres tudo e matas tudo também.
Escutai, ó abençoada deusa, e enviai os frutos da terra.
Tu que floresces em paz, em saúde de mão suave,
e em uma vida de fartura transportas pelo ar a velha idade
em conforto até teu reino, ó rainha, e para o reino do poderoso Pluto.
— “Hino Órfico a Perséfone”.
INTRODUÇÃO
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Bolen (1990), conta que a deusa Deméter pôde ouvir o eco dos gritos de
Perséfone, sua única filha com Zeus, enquanto descia para o submundo procurando
encontrá-la avidamente durante nove dias e nove noites, sem nesse período haver
comido, bebido ou descansado, buscando Coré por terra e mar. Clamava a donzela
pela ajuda de Zeus, seu pai, no momento do seu rapto, sem no entanto obter
nenhuma resposta.
Bolen (1990), ainda pontua que já no décimo dia de sua procura implacável,
Deméter finalmente encontrou a deusa Hécate, senhora dos caminhos e da lua
negra. Hécate lhe sugeriu que encontrasse Hélio, deus do sol. Hélio foi quem
finalmente contou o que havia acontecido e relatou que Perséfone havia sido
raptada com a permissão de Zeus, mas contra a sua vontade, e continuou dizendo
que, muito embora Hades a houvesse levado à força, o deus do submundo não era
afinal um genro de má qualidade, orientando Deméter a se resignar (BOLEN, 1990).
De acordo com o hino homérico a Deméter, como contam Woolger e Woolger
(2007), a deusa mãe não seguiu o conselho dado por Hélio e agora estava ainda
mais obstinada, pois o seu sofrimento havia sido aumentado pela ira em relação a
Zeus e sua atitude para com a filha. Dessa forma, deixou finalmente o Olimpo para
habitar o mundo dos mortais disfarçada de anciã, chegando até Elêusis, onde
sentada no Poço das Donzelas, foi vista pela filha do rei, para quem ofereceu seus
serviços de ama, cuidando, a partir de então, do bebê Demófon, filho da rainha
Metaneira (WOOLGER & WOOLGER, 2007). Mas Deméter não o amamenta como
foi acordado a princípio e, ao invés disso, passa no bebê ambrosia e
encobertamente o esconde no fogo, com o objetivo de torná-lo imortal. O ritual, no
entanto, não se completa, já que sua mãe, Metaneira, o encontra e, estarrecida em
virtude do que vê, o tira do fogo, fazendo Deméter se enfurecer, alegando que a
rainha tirou de Demófon a chance da imortalidade, ao que se desvela sua grandeza
de deusa, quando todo o lugar é tomado por uma deslumbrante luz ao destituir-se,
Deméter, do disfarce adotado. A deusa mãe, então no mundo dos mortais, exigiu
que fosse erguido para ela um templo, a fim de que, daquele momento em diante,
pudesse ensinar aos mortais sobre seus ritos (WOOLGER & WOOLGER, 2007).
Segundo Bolen (1990), Deméter, deprimida pela perda de sua filha, se
afastou e permaneceu isolada no templo construído para ela, se recusando a
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dedicar-se ao seu trabalho, o que gerou escassez no mundo mortal, fazendo com
que aos deuses não fosse possível oferecer suplícios ou oferendas.
Woolger e Woolger (2007), contam que a seca enviada pela deusa resultou
numa grande ameaça à raça humana e, ainda assim, Deméter não ouvia nenhum
dos mensageiros enviados por Zeus para dissuadi-la.
Bolen (1990), explica que, a despeito dos inúmeros presentes trazidos pelas
divindades enviadas por Zeus com o objetivo de convencer Deméter a perdoar o
ocorrido e retomar o seu trabalho, a deusa não cedeu, e esclareceu que só
retornaria ao Olimpo e permitiria o crescimento das colheitas, quando tivesse sua
Perséfone de volta. Por fim, Zeus acabou cedendo à exigência e enviou Hermes, o
mensageiro, para o submundo, a fim de reclamar Perséfone à Hades, para que
pudesse estabelecer pacificidade novamente, acalmando Deméter e garantindo que
suas atividades voltassem a ser feitas.
Ainda segundo Bolen (1990), o deus Hermes encontrou Perséfone abatida
próxima a Hades, que antes de permitir que o mensageiro a levasse, lhe deu
algumas sementes de romã para que comesse e ela as comeu. A jovem, contente,
voltou rapidamente para a sua mãe, que lhe estendeu os braços e a recebeu com
afeto e alegria, mas em seguida lhe perguntou se havia comido algo no submundo,
já tendo conhecimento de que, se a resposta fosse negativa, a filha poderia voltar
inteiramente aos seus cuidados, permanecendo sempre ao seu lado, como antes
fora. Perséfone, no entanto, contou-lhe sobre as sementes de romã e foi informada
pela mãe que, por tê-las comido, de agora em diante passaria uma parte de seu
tempo anual com Hades no mundo inferior e apenas uma outra parte ao seu lado no
mundo superior.
No que diz respeito às sementes de romã, comê-las significava ligar-se ao
lugar de onde ela veio e ao qual pertencia. Assim, a atitude tomada por Perséfone
representa um laço eterno com o submundo, de modo que, apesar do acordo feito
entre Zeus e Deméter, a jovem estaria fadada a passar um terço do ano no
submundo e, somente no restante do tempo, poderia ficar na companhia de sua mãe
(ALVARENGA, 2007).
Segundo Woolger e Woolger (2007), o que acontece com Perséfone depois
de seu rapto, já nos ínferos, é um grande mistério e, no mito, contato de diferentes
maneiras, encontramos um predominante silêncio nessa parte da história, como se
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se tratasse de algo sobre o qual realmente não se pode falar. Assim, o que se
encontra na mitologia após a descida de Perséfone é o sofrimento de sua mãe,
Deméter, bem como as narrativas que contam sobre sua movimentação para obter a
filha de volta. Mas encontramos também uma série de informações que apontam
para o quanto este evento foi necessário para o desenvolvimento de Perséfone, que
retorna para a sua mãe já bastante diferente da menina que era antes.
Para George (2021), a descida de Coré, pode representar para nós no mundo
moderno, o encontro com o inconsciente e a transformação advinda desse processo.
Todo o mistério envolvendo a história de Perséfone e Deméter, podem remontar ao
medo daquilo que nos é desconhecido, que está nas sombras, no inconsciente do
ser humano. Dos ritos de passagem que foram sendo introjetados ao longo do
tempo, muitos por meio da história de mãe e filha, podemos dizer que houve uma
transfiguração facilitadora dos processos psíquicos nesse sentido. Os mistérios de
Elêusis, viriam a auxiliar então na superação do medo do desconhecido, da morte.
Além disso, uma vez que Deméter e Perséfone representam as fases da lua: clara e
escura, vida e morte, as deusas estão intimamente ligadas, mesmo após a
separação. A história de mãe e filha, é também uma história sobre retorno e
renascimento após a morte e, para a autora, pode remontar ao processo da semente
que morre para germinar, deixando aquilo que era, para o crescimento daquilo que
virá a ser.
Ainda de acordo com George (2021), Perséfone possui lugar ímpar como
deusa da lua negra e, diferente de outras deusas, não foi remontada e difundida pela
literatura como aterrorizante, feia, ou velha, mas como uma mulher sempre jovem e
bela, representando aquele exato ponto em que a lua negra passa a ser lua nova.
Apesar disso, a autora nos alerta para o fato de que, a mulher que carrega a força
desse arquétipo como principal em sua personalidade, tem por privilégio a
abundância do mundo interno, do conhecimento profundo de si, mas costuma
passar por algum tipo de situação trágica ainda muito cedo para chegar a ter este
poder, sem ter ainda estrutura psíquica resistente o suficiente para compreender ou
suportar tal situação, seja ela de violência, ou de desamparo. A adversidade tende a
marcar sua vida, deixando-a mais introspectiva e temerosa quando o assunto é o
mundo externo. No entanto, uma vez que essa mulher dá vazão ao encontro com o
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inconsciente, encontra também o acesso à sua intuição e à grande gama de
potências psíquicas da Rainha do Mundo Inferior.
2. Desenvolvimento
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2.2 Dos mistérios de Elêusis
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celebrados também para levar algum conforto às pessoas no que tange ao tema da
morte e do pós-morte.
Eliade (2010), ainda conta que as celebrações dos mistérios eram divididas
em etapas. Além disso, eram realizadas uma vez ao ano, durando vários dias. Os
ritos foram remontados e festejados durante aproximadamente dois mil anos e,
assim sendo, terminaram ganhando notoriedade entre os povos vindouros. Além do
prestígio e do importante lugar que os mistérios eleusinos conquistaram entre o povo
de Atenas, uma porção de seu conteúdo seguiu sendo retratado ao longo dos anos
por meio da arte, uma vez que somente sua primeira parte, o processo de iniciação,
não era um segredo completo. Havia, então, a celebração de pequenos e grandes
mistérios, não chegando esses últimos a serem jamais revelados.
Apesar disso, Eliade (2010), nos conta que diversos estudiosos procuraram
referências e materiais antigos, inclusive por meio de escavações no santuário de
Deméter, na tentativa de descobrir o conteúdo das teletai e da epoptéia: os grandes
mistérios e o ápice/a última das experiências, respectivamente. Há, a partir disso,
muitas conjecturas sobre o que acontecia de fato e tentativas de reconstituir os
cultos, utilizando as informações que seguiram sendo difundidas por pessoas como
os estudiosos, religiosos e filósofos através do tempo.
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Alvarenga (2007), pontua que as sementes de romã comidas por Perséfone
nos ínferos representam a fecundação que se deu, anunciando uma nova vida que,
a partir de então, terá junto a Hades, o senhor do submundo. Apesar de ter dito à
mãe que foi forçada a comer, Perséfone deu início a uma aliança com Hades,
contraiu com ele núpcias por livre e espontânea vontade, agora comandando suas
escolhas e passando a conhecer-se enquanto mulher, realizadora e gestora da vida.
Perséfone não viveu a mesma violência sofrida por Deméter no passado, mas
encerrou um ciclo que fortalecia a dicotomia característica do patriarcado, unindo
corpo e espírito num processo que traria uma nova compreensão a respeito do fim e
do princípio da existência.
O amadurecimento de Perséfone, quando esta concebe o menino
Zagreu-Dioniso - símbolo da decadência dos tabus e impedimentos, que integra as
polaridades femino e masculino - completa o processo de individuação da deusa.
Perséfone se torna uma mulher adulta quando gera Dioniso, fruto de sua relação
com Hades, pois agora não é apenas filha, é também mãe. Passa a caminhar com
Hécate, representante da lua cheia, que simboliza o ciclo completo, aquela que
esteve presente e vigiou os caminhos percorridos por Perséfone, sem interferir nos
processos que tinham propósito e precisavam acontecer, além de viabilizar a
concepção e o parto de Dioniso. A presença de Hécate sela então um processo de
empoderamento, integrando as fases da jornada percorrida por
Deméter-Coré-Perséfone e mostrando também um ganho de autonomia em relação
a essa mãe (ALVARENGA, 2007).
Para George (2021), podemos tender, em um primeiro momento, a considerar
que o rapto de Perséfone foi algo vil, uma vez que soa como um ato de extrema
violência tirar uma filha ingênua, casta e jovem de sua mãe para desposá-la “à
força”. Do ponto de vista simbólico, sem a intenção de justificar de forma alguma os
meios em virtude dos fins, fazendo então uma apologia ao que poderia ser
considerado um estupro, este episódio radical foi de suma importância para os
eventos psicológicos, para que a filha pudesse se diferenciar de sua mãe, uma vez
que as duas estavam completamente entrelaçadas numa simbiose que distanciaria
Perséfone de si mesma e dificultaria o seu crescimento, distanciamento saudável da
figura materna e processo de individuação.
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Para Berry (2014), o evento do rapto é algo não apenas justificável, mas
necessário para mulheres do tipo Perséfone, mesmo se tratando de algo pavoroso.
No entanto, a mesma circunstância seria, provavelmente, devastadora se ocorresse
a outras deusas virgens como Ártemis, ou Atená, que não demandam o mesmo tipo
de desdobramento. Perséfone, no entanto, tende a seguir pelo caminho do mundo
avernal, invariavelmente, para o bem de seu processo de desenvolvimento.
Berry (2014), ainda fala sobre a dificuldade que costumamos ter de nos
entregar para o necessário processo da descida aos ínferos, desviando desse
caminho, como se houvesse uma maneira mais efetiva de crescer, assim como a
deusa Deméter. Para a consciência de Deméter, era intolerável o rapto de sua filha
e, sem a sua presença, ela se viu sem o chão, o apoio que de alguma forma a
sustentava. Assim, ao invés de entrar em contato com seu mundo interno no
momento da dor e do luto, algo que permitiria que seu olhar se ampliasse agora
verticalmente, a deusa fugiu para longe e ficou enfurecida, procurando todo tipo de
subterfúgio para não olhar para as questões mais profundas de si. Faz-se relevante,
nesse sentido, analisarmos as nossas defesas por meio da reflexão no mito de
Coré-Perséfone-Deméter (BERRY, 2014).
É importante salientar, novamente, que há outros caminhos para diferentes
tipos de pessoas. Como aponta Bernardini (2020), também é possível viver
experiências de profundidade e dar vazão ao si mesmo, sem necessariamente ter
vivenciado uma depressão, ou grande trauma e sofrimento, embora grandes
transformações possam acontecer por meio das angústias experimentadas através
de dores emocionais e até mesmo de psicopatologias. Isso também não significa
que essas questões tragam uma experiência totalmente transformadora todas as
vezes, dado que, nem sempre as coisas são passíveis de transformação.
Não mais sendo Coré, mas Perséfone, rainha dos ínferos, de acordo com
Bolen (1990), a deusa possui a habilidade de transitar entre mundos, portanto, é
capaz de auxiliar na caminhada dos que trilham pelos ínferos, seja essa descida
feita através do mundo onírico, seja ocorrendo por meio de um “rapto”, passando
pelo que ela mesma já passou. Desse modo, Perséfone é aquela que pode ajudar
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àqueles que perderam a ligação com o mundo real, de distintas maneiras. Além
disso, a sob forte influência do arquétipo de Perséfone, pode estar em destaque
quando em profissões em que possa exercer o papel de “guia”, ou conselheira.
Ainda de acordo com Bolen (1990), a mulher Perséfone possui dificuldade no
que tange aos afazeres do mundo imediato e, concluir tarefas que pareceriam
simples, para ela pode ser um martírio, mesmo que, inicialmente, tenha se
entusiasmado e estabelecido um compromisso com o tema. Por isso, um grande
desafio para o seu desenvolvimento pode ser combater a estagnação para ir em
frente com seus objetivos e finalizar o que tiver iniciado, mesmo que isso já não
traga a mesma empolgação do começo. Assim, um passo muito importante pode
ser escolher suas “batalhas”, apropriando-se desta escolha.
Bolen (1990), ainda traz algumas falhas de caráter que as “persefonianas”
podem trazer quando tomadas pela sombra: há uma grande necessidade de serem
bem vistas, seja no que diz respeito à aparência física, sua beleza, ou à figura de
boa moça. Essas mulheres tendem a evitar o sentimento de raiva, por exemplo, a
todo custo, pois a ideia de mostrar esse lado menos sóbrio e sereno para as
pessoas é muito desafiadora, posto que elas podem não gostar do que verão e
então desaprová-las. Além disso, podem ter traços narcisistas, já que, em virtude
desse “ensimesmamento”, passam tempo demais focadas em si mesmas, se
preparando de alguma maneira para estarem sempre apresentáveis aos olhos dos
outros e necessitam feedbacks positivos e elogios.
Para Woolger e Woolger (2007), quando uma mulher Perséfone não
completou sua descida, algo de suma importância para o seu processo, pode
também tornar-se manipuladora e até mesmo mentirosa, — como mentiu a deusa
para a mãe ao dizer que Hades a obrigou a comer as sementes de romã — uma
eterna vítima das circunstâncias, nunca tomando para si a responsabilidade pelas
suas ações, ou pelo que lhe acontece, colocando a culpa sempre nos outros. Age no
mundo como se as coisas simplesmente lhe acontecessem, tudo muito
circunstancial e sem escolhas, possuindo uma grande passividade e dificuldade de
tomar para si o controle da própria vida e decisões.
Woolger e Woolger (2007), ainda explicam que é crucial que a mulher
Perséfone aprenda a administrar o trânsito que fará, sozinha, pelos dois mundos, os
dois lugares que são seus. Para isso, é indispensável que se aproprie da descida
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depois de uma perda ou situação traumática e, também da subida, já que ficar
tempo demais no mundo avernal, mesmo para ela, pode trazer uma forma de
depressão crônica e patológica, não sendo mais ser algo natural e transitório. Assim,
é muito importante que perceba esses movimentos e os efeitos gerados por eles,
para que, através da tomada de consciência (que pode ser facilitada pela busca de
um psicoterapeuta, por exemplo) não continue a atrair para si situações de crise.
Perséfone possui qualidade medial, ou mediúnica e isso pode trazer
demasiada pressão para a psique, pois a deusa passa a ter um dever de fidelidade
tanto para com vivos quanto para com mortos após sua descida. Mulheres com esse
tipo de personalidade costumam enxergar sempre muito profundamente e, para
além da realidade concreta, sentindo-se, muitas vezes incompreendidas, esgotadas
psiquicamente. Estando fora do seu alcance trabalhar em atividades em que possam
ser elas mesmas, a estrutura do ego fica abalada, evidenciando o quão desafiador é
operar no mundo tangível com esses dons (WOOLGER E WOOLGER, 2007).
Para Kast (2022), a aceitação de nossa sombra é de vital importância para o
desenvolvimento e, para isso, é necessário que também tenhamos empatia com os
nossos aspectos sombrios e com os dos demais, uma vez que, com eles, também
costuma vir dor e sofrimento. Ter empatia com a sombra, não significa justificá-la, ou
não procurar aprimorar alguns dos comportamentos que podem fazer parte de seu
repertório, ou que não somos responsáveis por eles, mas que os olharemos com
compaixão. “É justamente a identificação com a sombra que significa a morte do
antigo eu, que permite o renascimento”. (KAST, 2022)
De acordo com Woolger e Woolger (2007), Perséfone tem um chamado e,
sendo este chamado sacro, trata-se de algo maior que os desígnios anteriores dela
mesma, pois seu destino pertence a este propósito. Assim, as vivências iniciais de
Perséfone foram uma forma de iniciação e as iniciações pressupõem mudanças
sobre a vida levada antes para fazer parte da nova realidade que se apresenta.
Para Carvalho (2019), Apesar de não haver muitas informações sobre o
trabalho exercido pela deusa quando se torna rainha do submundo, é possível
encontrar, em poemas arcaicos, Perséfone, como possuidora de grande influência
sobre os mortos, tendo o poder de mantê-los sãos, ou de fazê-los confusos e
esquecidos. Por esse motivo, os que morrem depois de passar pela iniciação nos
mistérios de elêusis e prestar honras à Perséfone, poderão ter uma boa morte.
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Reforçando este tema, de acordo com LaPrade (2023), todos aqueles que
desejam ter uma boa passagem para o mundo dos mortos, precisam pedir o auxílio
e permissão da deusa Perséfone, sendo ela a rainha do além-túmulo. Além disso,
muitos lhe ofereciam oferendas para obter este favor.
LaPrade (2023), ainda evidencia o poder de Perséfone que, ao passar por
uma situação de medo, solidão e desamparo, terminou por encontrar êxito e triunfo
ao se tornar governante do Hades, deixando reflexões sobre as escolhas que podem
ser feitas quando somos raptados pela depressão e pela dor. Coré certamente
passou por grandes transformações depois de seu sequestro e luto e, não obstante,
tornou-se senhora de suas escolhas. (LAPRADE, 2023).
Ainda de acordo com LaPrade (2023), Perséfone passou a simbolizar a terra
fecunda, uma vez que os deuses ctônicos, alguns adorados por muitos pagãos,
eram associados à fertilidade e a profundidade que torna a terra apta para fazer
brotar as sementes, como um útero que gera a vida, a protege e nutre. Perséfone
pode vir então a representar aquela semente que caiu em solo frio e sem luz, mas
que apesar disso, terminou por florescer, mostrando que há possibilidades diversas
de futuro, mesmo em histórias de angústia e sofrimento.
Quando vivenciamos essas histórias, não voltamos a ser como éramos mas,
certamente passamos por transformações. Outrossim, podemos escolher, após
obtermos os cuidados necessários, gradativamente integrar as nossas partes novas
e ter uma vida digna, onde somos os regentes de nosso destino (LAPRADE, 2023).
Woolger e Woolger (2007), apontam para o fato de que Hécate, a deusa
conhecida por representar a fase mais escura da lua e também a bruxaria, esteve
presente no processo de catábase de Perséfone, corroborando, inclusive, com a sua
descida. Sendo associada à ela, deve ser também reverenciada pelas mulheres
influenciadas por sua energia arquetípica, já que Hécate tem suma importância na
construção da versão madura da deusa. É importante que a mulher-Perséfone viva
em harmonia com as partes sombrias de si que estão também associadas à Hécate,
que a auxilia nos métodos de iniciação.
A mulher Perséfone, quando já madura, é a mulher feiticeira, capaz de reunir
em si mesma os mistérios do início e do fim da vida, a filha, a mãe e a anciã, numa
espécie de integridade espiritual. Sendo portanto sábia e mantendo espaço para a
juventude dentro de si; sua forma de ver o mundo agora é mais leve e saudável e,
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mesmo que distante do mundo concreto, também é íntima com ele, o observa como
conhecedora de suas mazelas e insanidades (WOOLGER & WOOLGER).
Bolen (1990), vem corroborar com este tema quando fala da afinidade
existente entre Perséfone, Hécate e Dioniso, que acaba por revelar nessas mulheres
uma vocação para o numinoso e para as experiências espirituais e mediúnicas,
podendo fazê-las boas sacerdotisas. Uma vez que conseguem se desassociar da
menina Coré e unir-se à Hécate, podem encontrar sentido e vocação neste universo
místico e desenvolver seu potencial, não possuindo mais medo de estar e de viver
em meio à escuridão e ao desconhecido (BOLEN, 1990).
De acordo com Mclean (2020), a figura de Hécate e os mistérios eleusinos
estão presentes desde sempre na cultura pagã e, o paganismo, como representante
das pessoas que viviam nos campos, carregava naturalmente esse arquétipo, sendo
também Deméter a deusa da agricultura. As mulheres eram então associadas à
deusa da magia, Hécate, enquanto os homens eram relativos ao deus Pã. Essa
cultura foi sendo aos poucos massacrada pela era Cristã e havia a salvaguarda de
serem os seus líderes “guiados” pelo próprio deus, com a possibilidade de estarem
temerosos de que a figura da deusa tríplice, Perséfone-Deméter-Hécate, ferisse seu
ponto de vista acerca do mundo: um ponto de vista dualista.
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3. Considerações finais
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GEORGE, Demetra - Mistério da Lua Negra: Lilith, Kali, Hécate e a cura dos
arquétipos femininos sombrios no mundo moderno. São Paulo: Editora
Pensamento Cultrix, 2021.
JUNG, Carl Gustav. Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si-mesmo. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 2013.
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