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ESBOÇOS DE

TEOLOGIA
AAHodge
TÍTULO ORIGINAL

OUTUNESOf
HTHEOLOGYÜ
AAHodge

I ¥

PRIMEIRA EDIÇÃO EM INGLÊS

1860
ESBOÇOS
de
TEOLOGIA

Archibald Alexander Hodge, D. D.


- / ' <•--

Professor de Teologia Sistemática


no Seminário Teológico de P r i n c e t o n
N e w j e r s e y , EUA

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS


Caixa Postal 1287
0 1 0 5 9 - 9 7 0 - S ã o Paulo - SP
T í t u l o original:
Outlines of Theology

Primeira edição em inglês: T .


1860 ' '

Primeira edição em português - Portugal:


1895

Tradução do inglês: - '


F.J.C.S. - Lisboa

Primeira edição lançada no Brasil: •


;
2001 '"••••
t •'
L i n g u a g e m atualizada:
Odayr Olivetti e Azená Valim Olivetti

Revisão:
A n t o n i o Poccinelli

Cooperador:
José Serpa

Capa:
Sergio Menga
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Impressão: 1 ' " I l i.J.Xtl- /
I m p r e n s a da Fé 'J >rKi • •' -0\«? ^*0

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índice
Capítulos Páginas

Prefácio 7
1. A teologia cristã: suas diversas divisões; sua relação
com outros ramos do c o n h e c i m e n t o h u m a n o 11
2. A origem da idéia de D e u s ; prova da Sua existência 30
3. Os mananciais da teologia 64
4. A inspiração da Bíblia 80
5. A regra de fé e prática; as Escrituras do Velho e do
Novo Testamentos; a única regra de fé e o único juiz
nas controvérsias 104
6. Comparação de sistemas 122
7. Credos e confissões 146
8. Os atributos de D e u s 170
A Santíssima Trindade 220
Os decretos de D e u s em geral 268
A predestinação 287
A criação do m u n d o 320
Os anjos 337
A providência 349
15. A constituição da alma, a vontade, a liberdade, etc. 380
16. A criação e o estado original do h o m e m 402
A aliança das obras 421
A natureza do pecado c o pecado de Adão 430
O pecado original - (.Peccatum Habituale) 445
A incapacidade 465
A imputação do pecado original de Adão à sua
posteridade 480
22. A aliança da graça 507
23. A Pessoa de Cristo 523
24. O ofício medianeiro de Cristo 542
25. A propiciação; sua natureza, necessidade, perfeição
e extensão 556
26. A intercessão de Cristo 593
27. O reinado medianeiro de Cristo 596
28. A vocação eficaz 619
29. A regeneração 635
30. A fé 648
31. A união dos crentes com Cristo 672
32. O a r r e p e n d i m e n t o e a doutrina romanista das
penitências 678
33. A justificação 691
34. A adoção e a o r d e m observada pela graça na aplica-
ção da redenção, nas diversas partes da justifica-
ção, a regeneração e da santificação 718
35. A santificação 725
36. A perseverança dos santos 756
37. A m o r t e e o estado da alma depois da m o r t e 765
38. A ressurreição 782
39. O segundo advento e o juízo geral 791
40. O céu e o i n f e r n o 806
41. Os sacramentos 822
42. O Batismo: sua natureza e propósito, seus objetos,
modo, eficácia e necessidade 843
43. A Ceia do Senhor 885
í n d i c e de Autores e de Assuntos* 914

I»-
* Acrescentado pela PES ao volume original em
português

A. tb Í E I I • >í
Prefácio
A p r e s e n t a n d o este livro ao leitor, t e n h o a dizer que a
concepção e a execução da obra são devidas à experiência que
tive de ser necessário tal manual de definições e argumentações
teológicas, no m e u trabalho de instruir os m e m b r o s da Igreja
da qual fui pastor. Os diversos capítulos foram, em p r i m e i r o
lugar, preparados e usados por m i m como as bases de u m a
série de discursos dirigidos, sem notas, à m i n h a congregação
nos domingos à noite, e no uso que assim fiz delas, achei
que estas preparações eram úteis além das m i n h a s esperanças;
pois a maior parte da congregação foi i n d u z i d a a entrar, com
m u i t o interesse, no estudo até dos assuntos mais abstrusos.
Tendo, pois, esta obra passado por essa prova prática, ofereço-
-a, agora, a meus colegas no ministério do evangelho para que
dela se sirvam, se quiserem, como um repertório de material
digesto para o ensino doutrinário do seu povo, seja em classes
bíblicas, seja por meio de discursos no culto público. Ofereço-
-a t a m b é m como u m a tentativa de prover assim a u m a
reconhecida necessidade pública, como um resumo de
estudo teológico para uso dos estudantes de teologia em geral,
e para uso dos muitos laboriosos pregadores do evangelho a
q u e m falta o t e m p o necessário ou a oportunidade, ou outro
meio essencial, para estudarem as obras custosas e elaboradas
das quais se colheram os materiais deste compêndio.
As perguntas têm sido conservadas formalmente, não com
o fim de adaptar assim o livro de qualquer m o d o ao ensino
catequético, e sim, por ser este o m o d o mais conveniente e
perspícuo de apresentar um "esboço de teologia". Esta mesma
necessidade de condensar, espero que sirva para desculpar,
até certo ponto, alguns casos de obscuridade nas definições e

7
alguns em que talvez haja falta de ilustrações, casos que o leitor,
sem dúvida, notará.

No Prefácio da segunda edição desta obra (em inglês), revista e


aumentada, o editor ainda diz:

O Prefácio da edição original narra, acurada e um tanto


circunstanciadamente, a maneira pela qual se originou esta
o b r a . D e s d e a sua p r i m e i r a p u b l i c a ç ã o até agora t ê m se
multiplicado as provas de que ela proveu a u m a necessidade
pública, e grande n ú m e r o de exemplares têm sido vendidos
na América do Norte e na Grã-Bretanha. Além disso, tem sido
t r a d u z i d a para a l í n g u a do País de Gales e para o grego
moderno, e é usada em diversos seminários teológicos.
Desde que saiu a sua primeira edição, o autor tem estado
ocupado catorze anos no trabalho prático de instrutor teológico.
Tem adquirido mais conhecimentos e também mais experiência
c o m o professor, e estes têm sido u t i l i z a d o s nesta nova e
aumentada edição, que chegou ao seu t a m a n h o atual mediante
os acréscimos feitos durante alguns anos de ensino ministrado
às diversas classes do Seminário Teológico.
E s t a edição c o n t é m quase c i n q ü e n t a p o r c e n t o m a i s
matérias que a primeira. As discussões das d o u t r i n a s que
dividem os diversos ramos da Igreja, têm sido acrescentados
extratos dos principais credos, confissões e clássicos escritores
teológicos das grandes Igrejas históricas. E o apêndice contém
u m a tradução do Consensus Tigurinus de Calvino, e da Fórmula
Consensus Helvética de Heidegger e Turretino, duas confissões
de m u i t o grande interesse doutrinário para o estudante da
teologia reformada, mas pouco acessíveis.
A obra é outra vez oferecida à Igreja Cristã, não como um
t r a t a d o completo sobre teologia sistemática para uso dos
proficientes, e sim como um simples manual, adaptado às
necessidades dos estudantes que t o m a m suas primeiras lições
nesta grande ciência, e à conveniência dos muitos trabalhadores

8
sérios que talvez desejem refrescar a sua memória por meio
de u m a revisão sumária do terreno sobre o qual passaram nos
primeiros anos de seus estudos teológicos.

-A. A. Hodge
Princeton, Newjersey
• • 06 de agosto de 1878

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' Teologia Cristã;


Suas Diversas Divisões;
Sua Relação com Outros Ramos
do Conhecimento Humano

1. Que é Religião? Que é Teologia, no seu sentido cristão?


Religião, no seu sentido mais geral, é a soma das relações
que o h o m e m sustém para com Deus, e c o m p r e e n d e as ver-
dades, experiências, ações e instituições que correspondem a
essas relações ou que delas provêm.
Teologia, no seu sentido mais geral, é a ciência da religião.
A religião cristã é aquele c o n j u n t o de verdades, experi-
ências, ações e instituições que se acham determinadas pela
revelação q u e nos é a p r e s e n t a d a s o b r e n a t u r a l m e n t e nas
Escrituras Sagradas. Teologia cristã é a determinação, inter-
pretação e defesa científica dessas Escrituras, junto com a
história da maneira pela qual as verdades nelas reveladas têm
sido entendidas, e os deveres nelas impostos têm sido cum-
pridos, por todos os cristãos, em todos os séculos.

2. Que éEnciclopédia Teológica? Que éMetodologia Teológica?


Enciclopédia teológica (de um t e r m o grego que significa
o círculo inteiro da educação geral), apresenta ao estudante o
círculo inteiro das ciências especiais que têm por fim descobrir,
e l u c i d a r e d e f e n d e r o c o n t e ú d o da revelação c o n t i d a nas
Escrituras Sagradas, e procura apresentar essas ciências nas

11
Capítulo 1

relações orgânicas d e t e r m i n a d a s por sua gênese e sua n a t u r e z a


íntima.
M e t o d o l o g i a teológica é a ciência do m é t o d o teológico.
A s s i m c o m o cada divisão das investigações h u m a n a s exige
um m o d o de t r a t a m e n t o peculiar, e cada s u b d i v i s ã o de cada
divisão geral exige certas modificações especiais de t r a t a m e n t o ,
e q u e lhe são p r ó p r i a s , assim t a m b é m a metodologia teológica
t e m p o r fim d e t e r m i n a r c i e n t i f i c a m e n t e qual o v e r d a d e i r o
m é t o d o geral e especial, pelo qual c o n v é m e s t u d a r as ciências
teológicas. Isso inclui duas categorias distintas: (a) os m é t o d o s
p r ó p r i o s para a investigação original e construção das diversas
ciências, e (b) os m é t o d o s p r ó p r i o s para a i n s t r u ç ã o e l e m e n t a r
nessas ciências.
Tudo isso deve ser a c o m p a n h a d o de i n f o r m a ç õ e s críticas
e históricas, e de instruções sobre o m o d o de tirar p r o v e i t o do
i m e n s o m a t e r i a l literário com q u e essas ciências estão
ilustradas. • iüiyj >j n c o .rtir: mzuu.* ,c<:

3. Até onde seria possível a classificação científica de todas as


ciências teológicas? E por que é desejável que se procure fazer tal
classificação?
Tal classificação p o d e a p r o x i m a r - s e da perfeição só na
p r o p o r ç ã o em que essas ciências se a p r o x i m e m , elas m e s m a s ,
da sua f o r m a final e absoluta. A t u a l m e n t e toda tentativa nesse
s e n t i d o só pode aproximar-se mais ou m e n o s de um ideal q u e
não se pode alcançar no estado atual dos c o n h e c i m e n t o s , nesta
vida. O b o m êxito comparativo de cada tentativa s e p a r a d a
d e p e n d e t a m b é m , necessariamente, da justeza comparativa dos
p r i n c í p i o s teológicos gerais em que se baseia. E e v i d e n t e que
os que tomarem a Razão, os que t o m a r e m u m a Igreja inspirada,
e os que t o m a r e m as Escrituras inspiradas como f o n t e e n o r m a
de t o d o o c o n h e c i m e n t o d i v i n o h ã o de, n e c e s s a r i a m e n t e ,
configurar as ciências teológicas nos diversos f u n d a m e n t o s em
que as fizerem assentar.
O p o n t o de vista adotado neste livro é o evangélico, e

12
Teologia Cristã

e s p e c i f i c a m e n t e o calvinista ou a g o s t i n i a n o , e t o m a c o m o
verdadeiros os seguintes princípios f u n d a m e n t a i s : Io. As
E s c r i t u r a s inspiradas são a regra e p a d r ã o ú n i c o e infalível de
todo o c o n h e c i m e n t o religioso. 2 o . Cristo c Sua obra são o centro
ao r e d o r do qual se dispõe, em o r d e m , toda a teologia cristã.
3 o . A salvação trazida à luz no e v a n g e l h o é s o b r e n a t u r a l e
p r o v é m da L I V R E GRAÇA D E D E U S . 4 ° . T o d o c o n h e c i m e n t o
religioso t e m u m a finalidade prática. As ciências teológicas,
longe de t e r e m a si m e s m a s c o m o seu f i m absoluto, t ê m o f i m
n o b r e de fazer os h o m e n s p r o g r e d i r e m na s a n t i d a d e pessoal,
de h a b i l i t á - l o s a s e r v i r m e l h o r a seus s e m e l h a n t e s , e de
P R O M O V E R A GLÓRIA DE D E U S .
As vantagens de a g r u p a r m o s assim as ciências teológicas
são óbvias e grandes. As relações de todas as verdades são
d e t e r m i n a d a s pela sua natureza, d o n d e se segue que sua n a t u -
reza é revelada pela exibição de suas relações. Essa exibição
t e n d e r á t a m b é m a alargar o h o r i z o n t e m e n t a l do e s t u d a n t e , a
incitá-lo a a d q u i r i r largueza de cultura, e a i m p e d i r q u e exalte
i n d e v i d a m e n t e ou cultive exclusivamente qualquer r a m o
especial, p e r v e r t e n d o assim esse r a m o p o r olhá-lo fora de
suas limitações e d e p e n d ê n c i a s naturais.

4. Quais as perguntas fundamentais a que toda a ciência


teológica se propõe a dar respostas e que, por isso, determinam a
ordem em que se seguem as diversas divisões dessa ciência geral?
I a . Existiria um D e u s ? 2 a . Teria D e u s falado? 3 a . Q u e disse
D e u s ? 4 a . C o m o é q u e os h o m e n s , no t e m p o passado, e n t e n -
d e r a m a Palavra de D e u s e realizaram p r a t i c a m e n t e , nas suas
pessoas e instituições, as intenções de D e u s ?

5. Qual a posição que, numa enciclopédia de ciências teológicas,


épreciso dar a outros ramos do conhecimento humano?
É e v i d e n t e que, visto que a revelação s o b r e n a t u r a l q u e
aprouve a D e u s dar-nos veio a nós em u m a f o r m a histórica,
essa história, b e m como a da Igreja Cristã, é ligada inseparável
OTUOTFCÃ AUBREY ÇLARK
13
Capítulo 1

e, mais ou m e n o s diretamente, com toda a história h u m a n a .


E é e v i d e n t e t a m b é m que, visto q u e toda a v e r d a d e é um só
todo, todas as verdades e deveres revelados se a c h a m ligados
indissoluvelmente a todos os r a m o s do c o n h e c i m e n t o h u m a n o
e a todas as instituições da sociedade h u m a n a . Segue-se
pois, q u e a ciência teológica e m n e n h u m p o n t o p o d e ser
separada da ciência em geral, e q u e a l g u m c o n h e c i m e n t o , de
todos o s r a m o s d o c o n h e c i m e n t o h u m a n o , acha-se c o m p r e -
e n d i d o n e c e s s a r i a m e n t e e m q u a l q u e r sistema d e enciclopédia
teológica c o m o auxiliar das p r ó p r i a s c i ê n c i a s t e o l ó g i c a s .
A l g u m a s dessas ciências auxiliares sustém relações especiais
para com certas ciências teológicas e estão relacionadas m u i t o
r e m o t a m e n t e com outras. C o n v é m , p o r é m , a t r i b u i r - l h e s u m
lugar p r ó p r i o e separado por c o n s t i t u i r e m , em geral, u m a
d i s c i p l i n a p r e p a r a t ó r i a e a u x i l i a r da c i ê n c i a de t e o l o g i a
considerada c o m o u m todo.

6. Quais as principais divisões da classificação proposta das


ciências teológicas?
1 °. Ciências auxiliares no estudo de teologia.
2 o . Apologética - abrangendo as respostas às duas perguntas:
existiria um D e u s ? Teria D e u s falado?
3°. Teologia exegética - a b r a n g e n d o a d e t e r m i n a ç ã o crítica
das ipsissima verba da revelação divina e a i n t e r p r e t a ç ã o do seu
sentido.
4 o . Teologia sistemática - a b r a n g e n d o o desenvolvimento em
um sistema completo e conseqüente do c o n t e ú d o inteiro dessa
revelação, e sua s u b s e q ü e n t e elucidação e defesa.
5 o . Teologia prática - a b r a n g e n d o os princípios e leis revela-
dos nas Escrituras para direção dos cristãos: (a) na p r o m u l -
gação dessa revelação divina, assim averiguada e i n t e r p r e t a d a ,
e (b) em levarem todos os h o m e n s ao c u m p r i m e n t o p r á t i c o
dos deveres nela impostos e (c) na f r u i ç ã o das bênçãos que ela
confere.
6 o . Teologia histórica - a b r a n g e n d o a história do desenvol-

14
Teologia Cristã

v i m e n t o d u r a n t e todos os séculos passados e entre todos os


povos, dos e l e m e n t o s teóricos c práticos dessa revelação: (1)
na fé e (2) na vida da Igreja.

7. Quais os ramos principais do conhecimento humano, auxiliares


no estudo de teologia? - -
1°. História universal, que é r a m o essencial a todos os de-
mais ramos da ciência h u m a n a e, em particular, as histórias
do Egito, da Babilônia, da Assíria, da Grécia, de R o m a e da
E u r o p a medieval e m o d e r n a , que são auxiliares especialmente
da ciência teológica. -.jtí sua. . .
2°. A arqueologia no seu s e n t i d o m a i s c o m p r e e n s i v o ,
a b r a n g e n d o a interpretação de inscrições, m o n u m e n t o s ,
m o e d a s e r e m a n e s c e n t e s das artes e as ilustrações recolhidas
d a í e de todas as o u t r a s f o n t e s acessíveis, da d i s t r i b u i ç ã o
geográfica e condições físicas, e das instituições e c o s t u m e s
políticos, religiosos e sociais, de todos os povos e de todos os
séculos.
3 o . A etnologia - a ciência das divisões da família h u m a n a
em raças e nações, e da sua dispersão sobre a face da terra - q u e
indaga de sua origem e afiliações, das variedades do seu caráter
físico, intelectual, moral e religioso, e t a m b é m das causas e
condições que m o d i f i c a m essas variações.
4 ° . A filologia comparativa - a ciência que, t o m a n d o c o m o
p o n t o de p a r t i d a os grupos n a t u r a i s das l í n g u a s h u m a n a s ,
i n v e s t i g a as r e l a ç õ e s e o r i g e n s das l í n g u a s e d i a l e t o s ; e,
r e m o n t a n d o além das eras em q u e se p r i n c i p i a a h i s t ó r i a
h u m a n a , acha aí provas da u n i d a d e de raças agora separadas,
e os e l e m e n t o s de civilizações já há m u i t o extintas, e os fatos
de m u d a n ç a s históricas que não deixaram outros vestígios.
5°.A ciência da religião comparativa (religiões comparadas)
- o estudo crítico e a comparação da história, das crenças, do
espírito, dos princípios, das instituições e do caráter prático
de todas as religiões étnicas, investigando a luz que elas lançam
sobre (a) a n a t u r e z a e a história h u m a n a s , (b) o g o v e r n o m o r a l

15
Capítulo 1

dc D e u s , e (c) a revelação s o b r e n a t u r a l contida n a s E s c r i t u r a s


Sagradas. ; • •- .MOt r
6 o . A filosofia - a base e m e s t r a de todas as c i ê n c i a s
m e r a m e n t e h u m a n a s . A b r a n g e a h i s t ó r i a da o r i g e m e do
d e s e n v o l v i m e n t o de todas as diversas escolas de filosofia - as
antigas, as da idade m é d i a e as m o d e r n a s - o estudo crítico e a
comparação dos princípios, métodos e doutrinas, e da extensão
e caráter da sua i n f l u ê n c i a respectiva sobre todas as outras
ciências e instituições, especialmente sobre as que são políticas
e religiosas, e m a i s e s p e c i a l m e n t e a i n d a s o b r e as q u e são
d e f i n i t i v a m e n t e cristãs.
7 o . A psicologia - ou essa divisão da ciência e x p e r i m e n t a l
q u e descobre as leis da ação da m e n t e h u m a n a , c o m o ela se
m a n i f e s t a sob c o n d i ç õ e s n o r m a i s (a) n o s f e n ô m e n o s d a
consciência e ação i n d i v i d u a i s , e (b) nos f e n ô m e n o s da vida
social e política. •. u.
8 ° . A estética, ou a ciência das leis do belo em todas as suas
f o r m a s d e m ú s i c a , r e t ó r i c a , a r q u i t e t u r a , p i n t u r a , etc., o s
p r i n c í p i o s e a história de todas as diversas divisões da arte.
9°. As ciências físicas, seus m é t o d o s gerais e especiais; sua
gênese, d e s e n v o l v i m e n t o e tendências atuais; sua relação com
a filosofia, especialmente com o D e í s m o e com a religião natu-
ral, com a civilização e com a história e d o u t r i n a s c o n s i g n a d a s
nas Escrituras.
1 0 ° . A estatística, cujo fim é dar-nos e l e m e n t o s completos
sobre o estado atual da raça h u m a n a no m u n d o , a respeito de
t u d o o q u e se p o d e sujeitar a comparações - q u a n t o ao seu
n ú m e r o e estado físico, intelectual, religioso, social e político
d e c i v i l i z a ç ã o , c o m é r c i o , l i t e r a t u r a , c i ê n c i a s , a r t e s , etc.;
e l e m e n t o s dos quais estão sendo desenvolvidos g r a d u a l m e n t e
as f o r m a s i m a t u r a s da ciência social e da e c o n o m i a política.

8. Que é que se abrange sob o título de Apologética?


Este r a m o divide-se em dois títulos: (1) E x i s t i r i a um
D e u s ? (2) Teria D e u s falado? Ele inclui:

16
Teologia Cristã

• I o . A prova da existência de Deus, isto é, de u m a Pessoa extra-


-terrena, t r a n s c e n d e n t e e ao m e s m o t e m p o i m a n e n t e ; crian-
do, c o n s e r v a n d o e g o v e r n a n d o todas as coisas s e g u n d o o seu
p l a n o eterno. Isto envolve a discussão e refutação de t o d o s os
sistemas antiteístas, como sejam o ateísmo, o p a n t e í s m o , o
d e í s m o naturalista, o m a t e r i a l i s m o , etc. ' • ...
o
2 . O desenvolvimento da teologia natural, c o m p r e e n d e a
relação em que D e u s está como G o v e r n a d o r m o r a l para com
os agentes inteligentes e responsáveis, e as indicações da Sua
v o n t a d e e propósito e, por conseguinte, dos deveres e destinos
dos h o m e n s até o n d e é possível descobri-los à luz da natureza.
3 A s provas d o cristianismo, c o m p r e e n d e n d o . . .
(1) A discussão do uso p r ó p r i o da razão nas q u e s t õ e s
religiosas.
(2) A d e m o n s t r a ç ã o da p o s s i b i l i d a d e a priori de u m a
revelação sobrenatural.
(3) A n e c e s s i d a d e e p r o b a b i l i d a d e de tal r e v e l a ç ã o ,
t o m a n d o - s e em consideração o caráter de D e u s e o estado do
g ê n e r o h u m a n o s e g u n d o no-lo revela a luz da natureza.
(4) A prova positiva do fato real de que tal revelação foi
d a d a : (a) m e d i a n t e os p r o f e t a s do Velho T e s t a m e n t o (b)
m e d i a n t e os profetas do Novo Testamento, e s o b r e t u d o , (c) na
Pessoa e obra de Cristo. Isto envolve n a t u r a l m e n t e a discussão
crítica de todas as provas que dizem respeito a este ponto, tanto
externas c o m o i n t e r n a s , históricas, racionais, morais e espiri-
tuais, naturais e sobrenaturais, teóricas e práticas; e a refutação
de toda a crítica histórica e racionalista que t e m i m p u g n a d o o
fato da revelação, ou a i n t e g r i d a d e dos escritos que a c o n t ê m .
M u i t o d a q u i l o que se acha m e n c i o n a d o aqui estará neces-
s a r i a m e n t e c o m p r e e n d i d o t a m b é m sob os títulos de teologia
sistemática e teologia exegética.

9. O que a Teologia Exegética compreende?


Q u a n d o os fatos: (1) que existe um Deus, e que (2) D e u s
n o s tem falado - f o r e m estabelecidos, será necessário a i n d a

17
Capítulo 1

r e s p o n d e r à p e r g u n t a : o que nos tem dito Deus? Teologia exe-


gética é o título geral daquela divisão da ciência teológica que
tem p o r f i m a i n t e r p r e t a ç ã o das E s c r i t u r a s como a Palavra de
Deus, deixada por escrito em linguagem h u m a n a , e que nos
foi t r a n s m i t i d a por canais h u m a n o s ; e para conseguir esse fim,
o assunto de Interpretação procura recolher e organizar todo o
c o n h e c i m e n t o que para isso é n e c e s s a r i a m e n t e i n t r o d u t ó r i o .
Isso inclui as respostas a duas p e r g u n t a s : (1) Quais os livros
q u e f o r m a m o c â n o n , e quais as palavras exatas c o n t i d a s nos
registros originais dos escritores desses diversos livros? (2)
Qual o s e n t i d o dessas palavras divinas, assim averiguadas ?
As respostas a todas as p e r g u n t a s p r e l i m i n a r e s à i n t e r -
pretação, p r o p r i a m e n t e ditas, p e r t e n c e m ao título introdução,
e esta se d i v i d e e m : (1) introdução geral, q u e i n c l u i toda
i n f o r m a ç ã o p r e l i m i n a r à interpretação que tem relação com a
Bíblia, como um todo, ou com cada um dos Testamentos, como
um t o d o ; e (2) introdução especial, que inclui toda a p r e p a r a ç ã o
necessária para a interpretação de cada um dos livros da Bíblia,
em separado. .
A. Introdução Geral c o m p r e e n d e :
I o . A crítica superior /alta criticai, ou o exame das provas
que existem e de toda espécie, em apoio da a u t e n t i c i d a d e de
cada um dos livros do c â n o n sagrado.
2 o . A crítica do texto/crítica textual, a q u a l , p o r u m a
comparação dos m e l h o r e s m a n u s c r i t o s e das versões antigas,
pelas provas internas, e pela história crítica do texto d e s d e o
seu p r i m e i r o s u r g i m e n t o até a o t e m p o p r e s e n t e , p r o c u r a
d e t e r m i n a r as ipsissima verba dos a u t ó g r a f o s o r i g i n a i s dos
escritores sagrados.
3 o . A Filologia bíblica, que dá respostas às p e r g u n t a s : por
que f o r a m usadas diversas línguas nos escritos sagrados? Por
que as línguas hebraica e grega? Quais são as caracterís-
ticas especiais dos dialetos dessas línguas r e a l m e n t e usados,
e qual a sua relação para com as famílias de línguas a q u e
elas p e r t e n c e m ? Quais eram as características especiais dos

18
Teologia Cristã

escritores sagrados i n d i v i d u a l m e n t e , q u a n t o ao dialeto, ao


estilo, etc.?
4 o .Arqueologia bíblica, c o m p r e e n d e n d o a geografia física e
política dos países bíblicos, d u r a n t e o t r a n s c u r s o da história
bíblica e d e t e r m i n a n d o a condição física, etnológica, social,
política e religiosa do povo e n t r e o qual se o r i g i n a r a m as
E s c r i t u r a s , j u n t o com a descrição de seus c o s t u m e s e
instituições, e da relação em que estes estavam para com os de
seus antepassados e c o n t e m p o r â n e o s .
5 o . Hermenêutica, ou a d e t e r m i n a ç ã o c i e n t í f i c a d o s
p r i n c í p i o s e regras de i n t e r p r e t a ç ã o bíblica, c o m p r e e n d e n d o
(1) os p r i n c í p i o s lógicos, gramaticais e retóricos q u e deter-
m i n a m a i n t e r p r e t a ç ã o da l i n g u a g e m h u m a n a , em geral; (2)
as modificações desses p r i n c í p i o s a p r o p r i a d a s à i n t e r p r e t a ç ã o
das f o r m a s específicas da linguagem h u m a n a , e.g., história,
p o e s i a , p r o f e c i a , p a r á b o l a , s í m b o l o , etc., e (3) as o u t r a s
modificações desses p r i n c í p i o s a p r o p r i a d o s à i n t e r p r e t a ç ã o
dos escritos inspirados s o b r e n a t u r a l m e n t e .
6 o . Inspiração bíblica. D e p o i s de ter a apologética esta-
belecido o fato de serem as E s c r i t u r a s Sagradas o veículo de
u m a revelação sobrenatural, é necessário q u e d i s c u t a m o s e
d e t e r m i n e m o s a n a t u r e z a e a extensão da inspiração bíblica até
o n d e esta é d e t e r m i n a d a pelo que as E s c r i t u r a s m e s m a s dizem
s o b r e este p o n t o , e pelos f e n ô m e n o s q u e elas r e p r e s e n t a m .
7 o . A História da Interpretação, i n c l u i n d o a h i s t ó r i a das
antigas e m o d e r n a s versões e escolas de interpretação, ilustrada
p o r u m a comparação crítica dos mais importantes comentários.
B. Introdução especial, trata de cada livro da Bíblia por si e
f o r n e c e sobre o seu dialeto, autor, ocasião, desígnio e recepção,
toda a i n f o r m a ç ã o necessária para a sua interpretação acurada.
C. Exegese própria é a aplicação de t o d o o c o n h e c i m e n t o
r e c o l h i d o , e de todas as regras desenvolvidas nas p r e c e d e n t e s
divisões da i n t r o d u ç ã o à interpretação do texto sagrado, assim
como este se acha nas suas conexões originais dos Testamentos,
livros, parágrafos, etc.

19
Capítulo 1

S e g u i n d o as leis da gramática, o usus loquendi das palavras,


a analogia das Escrituras e a direção do Espírito Santo, a exegese
p r o c u r a discernir a m e n t a l i d a d e do E s p í r i t o c o m o se acha
expressa nos períodos inspirados, a r r a n j a d o s na o r d e m em que
os achamos.
Há diversas divisões especiais classificadas sob o título
geral de teologia exegética que envolvem, até certo p o n t o ,
a classificação e a c o m b i n a ç ã o dos t e s t e m u n h o s bíblicos
em tópicos e assuntos, que são a característica d i s t i n t i v a de
teologia sistemática. Essas divisões são:
I a . Tipologia, que c o m p r e e n d e a d e t e r m i n a ç ã o científica
das leis dos s í m b o l o s e tipos bíblicos e sua i n t e r p r e t a ç ã o ,
e s p e c i a l m e n t e os do ritual mosaico relacionado com a Pessoa
e a obra de Cristo.
2 a . Cristologia do Velho Testamento, a exposição crítica da
idéia messiânica, c o m o vem desenvolvida no Velho Testa-
;
mento. :>
a
3 . Teologia bíblica, q u e investiga a evolução g r a d u a l dos
diversos elementos das verdades reveladas, desde a sua primeira
sugestão, através de cada fase sucessiva, até à sua mais completa
m a n i f e s t a ç ã o no texto sagrado; e exibe as f o r m a s e conexões
peculiares em q u e essas diversas verdades são apresentadas
pelos diversos escritores inspirados.
4 a . O d e s e n v o l v i m e n t o dos p r i n c í p i o s de interpretação
profética, e sua a p l i c a ç ã o à c o n s t r u ç ã o de um e s b o ç o das
profecias dos dois Testamentos. Notes onNew Testament Litera-
ture, por Dr. J. A. Alexander.

10. Que é que se acha compreendido sob o título de Teologia


Sistemática?
C o m o o dá a e n t e n d e r o seu n o m e , teologia sistemática
t e m por f i m r e u n i r t u d o q u a n t o as Escrituras e n s i n a m sobre o
que devemos crer e fazer, e apresentar todos os elementos desse
e n s i n o na f o r m a de um sistema simétrico. A m e n t e h u m a n a
p r o c u r a s e m p r e u n i d a d e , em todos os seus c o n h e c i m e n t o s . A

20
Teologia Cristã

v e r d a d e de D e u s é u n a , e o c o n t e ú d o i n t e i r o de t o d a s as
revelações n a t u r a i s e s o b r e n a t u r a i s n ã o p o d e deixar de consti-
t u i r um só sistema c o m p l e t o em si, cada parte do qual se acha
relacionada o r g â n i c a m e n t e c o m todas as o u t r a s partes.
O m é t o d o de construção é indutivo. Tem por base os resul-
t a d o s d a e x e g e s e . S e u s d a d o s são p a s s a g e n s d a s S a n t a s
E s c r i t u r a s , averiguadas e i n t e r p r e t a d a s . Esses dados, q u a n d o
i n t e r p r e t a d o s c o r r e t a m e n t e , revelam suas p r ó p r i a s relações e
seu lugar no sistema do qual a Pessoa e a o b r a de Cristo são o
centro. E, assim c o m o o c o n t e ú d o da revelação está em relação
í n t i m a com todos os outros ramos dos c o n h e c i m e n t o s
h u m a n o s , a t a r e f a da teologia s i s t e m á t i c a e n v o l v e , neces-
s a r i a m e n t e , a d e m o n s t r a ç ã o e a ilustração da h a r m o n i a que
e x i s t e e n t r e t o d a s as v e r d a d e s r e v e l a d a s e t o d a a c i ê n c i a
legítima, q u e r material, q u e r psicológica, toda a verdadeira
filosofia especulativa e toda a v e r d a d e i r a filosofia m o r a l e
f i l a n t r o p i a prática.
A teologia sistemática c o m p r e e n d e : A. A c o n s t r u ç ã o de
um c o m p l e t o sistema de fé e deveres, c o m p o s t o do c o n t e ú d o
i n t e i r o da revelação. B. A história desse processo de
c o n s t r u ç ã o , c o m o ele prevaleceu n a Igreja, n o passado. C .
polêmica.
A. A c o n s t r u ç ã o de um c o m p l e t o sistema c o m p o s t o do
c o n t e ú d o da revelação. Isso c o m p r e e n d e o t r a t a m e n t o cien-
tífico de: (a) todas as m a t é r i a s de fé reveladas; e (b) todos os
deveres impostos.
No m o d o de arranjar os tópicos, a m a i o r p a r t e dos teólogos
têm seguido o que o Dr. Chalmers d e n o m i n a - método
sintético. T o m a n d o c o m o p o n t o de p a r t i d a a idéia e a n a t u r e z a
de D e u s , reveladas nas Escrituras, c o n s i d e r a m seus propósitos
eternos e seus atos temporais nas obras da criação, providência
e r e d e n ç ã o , até a c o n s u m a ç ã o final. O Dr. C h a l m e r s p r e f e r e ,
p o r é m , o q u e ele c h a m a - m é t o d o analítico, e t o m a p o r p o n t o
de p a r t i d a os fatos da experiência e da l u z da natureza, e a
c o n d i ç ã o atual e m o r a l m e n t e e n f e r m a do h o m e m , e daí vai

21
Capítulo 1

s u b i n d o até chegar à r e d e n ç ã o e ao caráter de D e u s , c o m o


nela é revelado.
Q u a n d o se segue o p r i m e i r o destes m é t o d o s , a g r u p a m - s e
c o m u m e n t e todos os e l e m e n t o s do sistema, sob os seguintes
títulos:
I o . Teologia p r o p r i a m e n t e dita: c o m p r e e n d e n d o a exis-
tência, os a t r i b u t o s e a p e r s o n a l i d a d e t r i ú n a de D e u s ,
j u n t a m e n t e com os Seus propósitos eternos e os atos temporais
de criação e providência.
2°. Antropologia (a doutrina do h o m e m ) : c o m p r e e n d e n d o
a criação e a n a t u r e z a do h o m e m , seu estado original, q u e d a e
c o n s e q ü e n t e r u í n a moral. Isto a b r a n g e a psicologia bíblica e a
d o u t r i n a bíblica sobre o pecado, sua n a t u r e z a , o r i g e m e m o d o
de propagação.
3 o . Soteriologia (a doutrina da salvação): que inclui o plano,
a execução e a aplicação, e os efeitos gloriosos da salvação dos
h o m e n s . Isso a b r a n g e a Cristologia (a d o u t r i n a sobre Cristo): a
encarnação, a constituição da Pessoa de Cristo, Sua vida, m o r t e
e ressurreição, j u n t a m e n t e c o m a o b r a p r ó p r i a do E s p í r i t o
Santo, os meios de graça, a Palavra de D e u s e os s a c r a m e n t o s .
4 o . Ética cristã: a b r a n g e n d o os princípios, regras, m o t i v o s
e auxílios dos deveres h u m a n o s revelados na Bíblia, c o m o são
d e t e r m i n a d o s (a) pelas relações n a t u r a i s q u e o h o m e m tem
c o m o h o m e m c o m os seus s e m e l h a n t e s , e (b) suas relações
sobrenaturais como h o m e m remido.
5 o . Escatologia (a ciência das ú l t i m a s coisas): c o m p r e -
e n d e n d o a m o r t e , o estado i n t e r m e d i á r i o da alma, o s e g u n d o
a d v e n t o , a ressurreição, o juízo geral, o céu e o i n f e r n o .
6o. Eclesiologia (a ciência da Igreja): i n c l u i n d o a
d e t e r m i n a ç ã o científica de t u d o q u a n t o as Escrituras e n s i n a m
a respeito da Igreja visível e invisível, em seu estado t e m p o r a l
e no e t e r n o ; a idéia da Igreja - sua verdadeira definição, sua
c o n s t i t u i ç ã o e organização, seus oficiais e suas f u n ç õ e s . A
c o m p a r a ç ã o e crítica de todas as modificações da organização
eclesiástica q u e t e n h a m existido, j u n t a m e n t e com sua gênese,

22
Teologia Cristã

sua história e seus efeitos práticos. • •; - - • ' ; • •


B. História das d o u t r i n a s : q u e c o m p r e e n d e a h i s t ó r i a
de cada u m a destas g r a n d e s d o u t r i n a s , a investigação de seu
primeiro aparecimento e subseqüente desenvolvimento através
das controvérsias a que cada d o u t r i n a deu lugar, e as Confissões
em q u e se acha definida.
C. Polêmica ou teologia controversial: i n c l u i n d o a defesa
d o v e r d a d e i r o sistema d e d o u t r i n a , t a n t o n o seu t o d o c o m o
t a m b é m e m cada u m d e seus e l e m e n t o s c o n s t i t u t i v o s c o n t r a
as perversões dos partidos heréticos, d e n t r o do â m b i t o da Igreja
geral. Isso a b r a n g e : (a) Os p r i n c í p i o s gerais e o v e r d a d e i r o
m é t o d o de controvérsias religiosas, (b) A d e f i n i ç ã o do
v e r d a d e i r o status quoestionis em cada c o n t r o v é r s i a e u m a
exposição das fontes de t e s t e m u n h o e dos m é t o d o s defensivos
e o f e n s i v o s de v i n d i c a r - s e a v e r d a d e , (c) A h i s t ó r i a das
controvérsias.

11. Que é que se acha compreendido sob o título de Teologia


Prática?
Teologia prática é tanto u m a arte como u m a ciência. C o m o
arte, t e m por f i m a publicação eficaz do c o n t e ú d o da revelação
e n t r e todos os h o m e n s e a p e r p e t u a ç ã o , extensão e edificação
d o r e i n o t e r r e s t r e d e D e u s . C o m o ciência, t e m c o m o sua
p r o v í n c i a as leis e os p r i n c í p i o s r e v e l a d o s da a r t e a c i m a
d e f i n i d a . Por isso, assim c o m o a teologia sistemática baseia-se
n u m a cabal exegese, ao m e s m o t e m p o científica e espiritual,
assim t a m b é m a teologia prática baseia-se nos grandes
p r i n c í p i o s desenvolvidos pela teologia sistemática, e n q u a n t o
q u e a divisão de eclesiologia é t e r r e n o c o m u m a essas duas
divisões: é o p r o d u t o de u m a delas e o f u n d a m e n t o da outra.
Inclui as seguintes divisões p r i n c i p a i s :
1 a . A idéia e desígnio da Igreja e de seus atributos revelados
divinamente.
2 a . A determinação da Constituição d i v i n a m e n t e prescrita
da Igreja, e dos métodos de sua administração, com a discussão

23
Capítulo 1

e refutação de todas as outras formas de organização eclesiástica


q u e existiram ou existem, sua história, e as controvérsias q u e
t ê m ocasionado.
3 a . A discussão da natureza e extensão da descrição q u e
Cristo deixou à Sua Igreja para ajustar os m é t o d o s de orga-
nização e a d m i n i s t r a ç ã o eclesiástica às m u t á v e i s condições
sociais e históricas dos h o m e n s .
4 a . A d e t e r m i n a ç ã o das condições sob as quais u m a pessoa
p o d e fazer-se m e m b r o da Igreja, e a relação para com Cristo
envolvida no fato de ser m e m b r o dela, j u n t a m e n t e c o m os
privilégios e deveres, absolutos e relativos, das diversas classes
de m e m b r o s . A relação das crianças batizadas c o m a Igreja e
os deveres relativos dos pais e da Igreja em relação a elas.
5 a . Os Oficiais da Igreja - e x t r a o r d i n á r i o s e o r d i n á r i o s ;
temporais e perpétuos:
(1) Sua vocação e ordenação; sua relação para c o m Cristo
e a Igreja. ' -* ; • • '
(2) Suas f u n ç õ e s : ' .s r . ; -

(a) C o m o mestres, i n c l u i n d o :
(i) Catequese: sua necessidade, princípios e história.
(ii) Escolas D o m i n i c a i s . Os deveres dos pais e da
Igreja q u a n t o à educação religiosa das crianças.
-/ (iii) Retórica sagrada, homilética e elocução do
púlpito.
(iv) L i t e r a t u r a cristã. Folhas, periódicos e livros
permanentes.
• . : (b) C o m o diretores do culto, i n c l u i n d o :
(i) L i t u r g i a s - seu uso, abuso e história,
/.üi; (ii) F o r m a s livres de oração.
.»rn j (iii) Salmodia - inspirada e não inspirada, seu uso e
história.
.)>M- (iv) M ú s i c a sagrada - vocal e i n s t r u m e n t a l , seu uso
e história.
(c) C o m o regentes:
(i) O ofício, qualificação, deveres e autoridade bíblica

24
Teologia Cristã

dos presbíteros regentes.


(ii) O ofício, qualificação, deveres, m o d o de eleição
e o r d e n a ç ã o , e a u t o r i d a d e bíblica do ofício de b i s p o
ou pastor, do N o v o T e s t a m e n t o .
(iii) A J u n t a de presbíteros/Conselho ou Consistório:
sua constituição e funções. A teoria, regras e m é t o d o s
práticos de disciplina na Igreja.
(iv) O p r e s b i t é r i o e sua c o n s t i t u i ç ã o e f u n ç õ e s . A
teoria, regras e p r e c e d e n t e s práticos q u e r e g u l a m a
ação d o s t r i b u n a i s eclesiásticos, n o exercício d o
direito constitucional de revista e inquirição em t u d o
o q u e diz respeito a processos, queixas e apelações
eclesiásticos.
(v) O Sínodo e a Assembléia Geral - sua constituição
e funções. Os p r i n c í p i o s e m o d o s de p r o c e d e r de
Comissões, Comissionários, Mesas Administrativas,
etc.
Isso leva às f u n ç õ e s da Igreja c o m o um t o d o , e à a u t o r i -
dade para distinções denominacionais, aos usos e abusos dessas
distinções, e às relações em que estão as diversas denominações,
u m a s para c o m outras. . . .
o
I . Estatística eclesiástica, i n c l u i n d o nossa p r ó p r i a Igreja,
as outras Igrejas e o m u n d o .
2 o . E c o n o m i a cristã, social e eclesiástica, i n c l u i n d o os
deveres de a d m i n i s t r a ç ã o cristã, consagração pessoal, e
b e n e f i c ê n c i a sistemática. A relação da Igreja c o m sociedades
v o l u n t á r i a s : associações de m o ç o s cristãos, etc.
3 o . A educação do m i n i s t é r i o , a direção, c o n s t i t u i ç ã o e
a d m i n i s t r a ç ã o de S e m i n á r i o s teológicos.
4 o . Missões internas, i n c l u i n d o a evangelização agressiva,
a s u s t e n t a ç ã o de m i n i s t r o s e n t r e os pobres, a extensão da
Igreja e a c o n s t r u ç ã o de edifícios para Igrejas.
5 o . A relação da Igreja com o Estado, e a verdadeira relação
do E s t a d o c o m a Igreja, e a c o n d i ç ã o real da lei c o m u m e
e s t a t u i d a d e em relação à p r o p r i e d a d e eclesiástica e à ação

25
Capítulo 1

dos t r i b u n a i s eclesiásticos no exercício da disciplina, etc. As


obrigações dos cidadãos cristãos. A relação da Igreja c o m a
civilização, as reformas morais, as artes, ciências, cultura social,
etc. „
o
6 . Missões no estrangeiro, em todos os seus r a m o s .
Veja Lectures on TheologicalEncyclopedia andMethodology,
pelo Rev. J o h n Mc Clintock, D. D., L. L. D., editado por J. T.
Short, R. D. Biblioteca Sacra, vol. 1,1844; TheologicalEncyclo-
pedia and Methodology, pelo Prof. T h o l u c k , editado pelo Prof.
E. A. Park.

12. Que é que se acha compreendido sob o título de Teologia


Histórica?
Segundo a evolução lógica de todo o c o n t e ú d o das ciências
teológicas, a i n t e r p r e t a ç ã o da letra das Escrituras Sagradas e a
c o n s t r u ç ã o do sistema i n t e i r o das verdades e deveres relaci-
o n a d o s que nelas são revelados, precisam preceder à história
do d e s e n v o l v i m e n t o dessa revelação na vida e fé da Igreja,
assim como a f o n t e precede ao rio que dela emana. No estudo,
p o r é m , das ciências teológicas, a história as deve p r e c e d e r e
lançar f u n d a m e n t o para todas as demais. E só a h i s t ó r i a q u e
nos dá as Escrituras em q u e se acha contida essa revelação, e
t a m b é m os meios pelos quais podemos averiguar, criticamente,
os diversos livros canónicos e suas ipsissima verba. A m e s m a
f o n t e devemos t a m b é m os nossos m é t o d o s de i n t e r p r e t a ç ã o e
seus resultados, c o m o estes se a c h a m ilustrados na i m e n s a
q u a n t i d a d e de l i t e r a t u r a teológica a c u m u l a d a até agora e
a s s o c i a d a aos n o s s o s c r e d o s e c o n f i s s õ e s , os d o c u m e n t o s
relativos às controvérsias e, por conseguinte, os d o c u m e n t o s
que m o s t r a m como o nosso sistema de doutrina se desenvolveu
g r a d u a l m e n t e . Na o r d e m de p r o d u ç ã o e aquisição, a história
vem primeiro, e n q u a n t o que na o r d e m de u m a exposição lógica
das ciências teológicas constitutivas, ela t e m a h o n r a de a b r i r
c a m i n h o para a série inteira. -jv.~
A teologia histórica divide-se em teologia histórica bíblica

26
Teologia Cristã

e eclesiástica. A p r i m e i r a tem p o r fonte, p r i n c i p a l m e n t e , os


livros i n s p i r a d o s e c o n t i n u a até o e n c e r r a m e n t o do c â n o n
do N o v o Testamento. A S e g u n d a p r i n c i p i a o n d e a p r i m e i r a
acaba, e c o n t i n u a até o t e m p o presente.
A história bíblica s u b d i v i d e - s e e m : I o . H i s t ó r i a do Velho
T e s t a m e n t o , e inclui as eras: (1) Patriarcal, (2) Mosaica e (3)
Profética, j u n t a m e n t e com a (4) H i s t ó r i a do povo escolhido
d u r a n t e o intervalo e n t r e o Velho e o N o v o Testamentos. 2 o . O
Novo Testamento, i n c l u i n d o (1) a vida de Cristo, (2) a f u n d a ç ã o
da Igreja Cristã pelos apóstolos, até ao f i m do p r i m e i r o século.
P a r a o estudo da história eclesiástica, c o m o ciência, são
necessários diversos r a m o s p r e l i m i n a r e s de estudo.
I o . Algumas das ciências auxiliares já e n u m e r a d a s é preciso
c i t a r m o s c o m o exigidas e s p e c i f i c a m e n t e nesta conexão. São:
(1) geografia antiga, medieval e m o d e r n a . (2) cronologia. (3)
a n t i g ü i d a d e s de todos os povos i n c l u í d o s na área pela qual se
e s t e n d e u , em q u a l q u e r t e m p o , a I g r e j a . (4) e s t a t í s t i c a -
m o s t r a n d o qual a condição do m u n d o , em q u a l q u e r p e r í o d o
dado. (5) o curso inteiro de história geral.
2o. As fontes de o n d e se deriva a história eclesiástica devem
ser investigadas criticamente. (1) F o n t e s m o n u m e n t a i s , c o m o
sejam: (a) edifícios (b) inscrições (c) moedas, etc. (2) F o n t e s
d o c u m e n t a i s , que são: (a) públicas, c o m o as atas de concílios,
as breves decretais e bulas de papas; os arquivos de governo,
os credos, confissões, catecismos e liturgias de Igrejas, etc.; (b)
D o c u m e n t o s particulares, como literatura c o n t e m p o r â n e a de
toda q u a l i d a d e , b r o c h u r a s , biografias, anais, e r e l a t ó r i o s e
compilações m a i s m o d e r n a s .
3 o . A história da literatura sobre a história eclesiástica,
desde E u s é b i o até N e a n d e r , Schaff e K u r t z . Os m é t o d o s que
t ê m sido e d e v e m ser seguidos na colocação em o r d e m do
material da história eclesiástica.
O m é t o d o que sempre foi e p r o v a v e l m e n t e s e m p r e será
seguido é u m a c o m b i n a ç ã o dos dois m é t o d o s n a t u r a i s : (a) o
cronológico e (b) o tópico.

27
Capítulo 1

O D r . Mc C l i n t o c k diz q u e o p r i n c í p i o f u n d a m e n t a l ,
s e g u n d o o qual se d e v e m a r r a n j a r os m a t e r i a i s de h i s t ó r i a
eclesiástica, é a distinção entre a vida da Igreja e sua fé. As
duas divisões são, pois: (1) história da vida da Igreja, ou história
eclesiástica p r o p r i a m e n t e dita, e (2) história do p e n s a m e n t o
da Igreja, ou história das doutrinas.
I a . A história da vida da Igreja trata de pessoas, c o m u -
n i d a d e s e eventos, e deve ser t r a t a d a s e g u n d o os m é t o d o s
o r d i n á r i o s de composição histórica.
2 a . A história do p e n s a m e n t o da Igreja c o m p r e e n d e :
(1) patrística, ou a literatura dos chamados "Pais" da Igreja;
e patrologia, ou a exibição científica de sua d o u t r i n a .
Esses " P a i s " da Igreja d i v i d e m - s e em três g r u p o s : (a)
apostólicos, (b) antenicenos, e (c) pós-nicenos, t e r m i n a n d o com
G r e g ó r i o , o g r a n d e , e n t r e os latinos, 604 d.C., e c o m João
D a m a s c e n o , e n t r e os gregos, 754 d.C. Este estudo envolve: (a)
a discussão do p r ó p r i o uso dos escritos desses Pais da Igreja, e
sua a u t o r i d a d e legítima nas controvérsias m o d e r n a s ; (b) u m a
história completa de sua literatura e das edições p r i n c i p a i s de
suas obras, e (c) significado, valor e d o u t r i n a de cada um desses
Pais, i n d i v i d u a l m e n t e .
(2) Arqueologia cristã, que trata dos c o s t u m e s , culto e
disciplina da Igreja P r i m i t i v a , e da história do culto, artes,
a r q u i t e t u r a , poesia, p i n t u r a , m ú s i c a , etc., cristãos.
(3) História das d o u t r i n a s , ou a história crítica da gênese e
do d e s e n v o l v i m e n t o de cada e l e m e n t o do sistema d o u t r i n á r i o
da Igreja, ou de q u a l q u e r de seus r a m o s históricos, c o m a
história t a m b é m de todas as f o r m a s heréticas de d o u t r i n a , das
quais a verdade t e m sido separada, e a história das controvérsias
por meio das quais foi efetuada a eliminação. A isto a c o m p a n h a
n a t u r a l m e n t e a história crítica de toda a literatura da história
das d o u t r i n a s , dos p r i n c í p i o s aceitos, dos m é t o d o s seguidos e
do t r a b a l h o feito.
(4) Simbólica, que envolve: (a) a d e t e r m i n a ç ã o científica
da necessidade e usos de Credos e Confissões públicos, (b) a

28
Teologia Cristã

h i s t ó r i a das ocasiões, da g ê n e s e e r e c e p ç ã o , a u t o r i d a d e e
i n f l u ê n c i a de cada um dos Credos e Confissões da cristandade,
(c) o e s t u d o do c o n t e ú d o d o u t r i n á r i o de cada C r e d o e de cada
g r u p o de C r e d o s s e p a r a d a m e n t e , e (d) simbólica c o m p a r a t i v a ,
ou e s t u d o c o m p a r a t i v o de todas as Confissões da Igreja, e a
exibição sistemática de todos os p o n t o s em que respectivamente
c o n c o r d a m e d i s c r e p a m e n t r e si. . ... . : \

(TheologicalEncyclopedia, por Mc Clintock.Notes onEccle-


siastical History, por Dr. J. A. Alexander, e d i t a d o pelo Dr. S.
D. Alexander.)
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29
Origem da Idéia de Deus
e Prova da Sua Existência

1. Qual a distinção entre uma definição nominal e uma definição


real? E qual a verdadeira definição do termo "Deus"?
U m a definição n o m i n a l explica simplesmente a signifi-
cação do termo usado; e u m a definição real explica a natureza
daquilo a que se aplica o termo usado.
A derivação da palavra Deus (em português e latim) e Theos
(em grego) tem sido c o m u m e n t e atribuída ao sânscrito Div -
dar "luz". Mas Curtis, Cremer e outros derivam-na de Thes
em thessesthai - "implorar". Theos é "Aquele a quem se faz
oração".
A palavra Deus é muitas vezes usada em sentido panteísta,
para significar a base impessoal, inconsciente de toda existên-
cia, e por muitos, para designar a causa primária desconhecida
/

e que se não pode conhecer, do m u n d o existente. E por isso


que tantos especuladores, que negam real ou virtualmente a
existência do Deus da cristandade, assim mesmo r e p u d i a m
indignados o n o m e atentas, por admitirem a existência de
uma substância que existe por si, ou de uma causa primária
a que dão o nome Deus, denegando-lhe, porém, a posse das
propriedades pessoais que, em geral, lhe são atribuídas pelos
que fazem uso desse termo.
Mas, como questão de fato, em conseqüência da predomi-
nância de idéias cristãs na literatura das nações civilizadas
d u r a n t e os ú l t i m o s d e z o i t o s é c u l o s , o t e r m o " D e u s " é

30
Origem da Idéia de Deus

e m p r e g a d o g e r a l m e n t e no s e n t i d o d e f i n i d o e p e r m a n e n t e de
um E s p í r i t o eterno, a b s o l u t a m e n t e perfeito, livre, pessoal, q u e
existe p o r si m e s m o , e é d i s t i n t o do m u n d o q u e Ele criou e
sobre o qual é soberano.
O h o m e m q u e nega a existência de tal Ser, n e g a a D e u s .

2. Como se pode construir uma "real" definição de Deus?


E e v i d e n t e q u e D e u s p o d e ser d e f i n i d o só até o n d e n o s é
c o n h e c i d o , e a condição da possibilidade de O c o n h e c e r m o s é
o fato de que f o m o s criados à Sua i m a g e m . E preciso q u e toda
d e f i n i ç ã o de D e u s p r e s s u p o n h a o f a t o de q u e , em a l g u m
s e n t i d o essencial, Ele e Suas criaturas inteligentes são seres
do m e s m o gênero. D e u s é d e f i n i d o , pois, d i z e n d o - s e o Seu
g ê n e r o e Suas diferenças específicas. Q u a n t o ao Seu gênero, é
um E s p í r i t o inteligente e pessoal. Q u a n t o a Suas diferenças
específicas, aquilo que O constitui Deus, Ele é i n f i n i t o , e t e r n o
e imutável, em Sua existência, sabedoria, poder, s a n t i d a d e ,
e todas as perfeições em h a r m o n i a com o Seu Ser.

3 .Até onde se deve à tradição, a idéia de Deus?


É e v i d e n t e q u e se tem chegado à idéia c o m p l e t a de D e u s
a p r e s e n t a d a na definição p r e c e d e n t e , s o m e n t e p o r m e i o da
revelação s o b r e n a t u r a l que temos nas E s c r i t u r a s Sagradas. E
t a m b é m um fato que as três únicas religiões teístas q u e em
q u a l q u e r t e m p o t ê m prevalecido e n t r e os h o m e n s (a judaica, a
m a o m e t a n a e a cristã) se a c h a m ligadas h i s t o r i c a m e n t e com
essa m e s m a revelação. E em vão especular-se q u a n t o ao resul-
tado a q u e chegariam os h o m e n s , i n d e p e n d e n t e m e n t e de todos
os h á b i t o s h e r d a d o s e de todas as opiniões tradicionais, por-
que estamos i n t e i r a m e n t e sem experiência ou t e s t e m u n h o a
respeito de q u a l q u e r espécie de c o n h e c i m e n t o s a d q u i r i d o s ou
juízos f o r m a d o s sob tais condições. E, além disso, é certo tam-
b é m que a f o r m a que t o m a m as concepções teístas, e as asso-
ciações que a a c o m p a n h a m , são d e t e r m i n a d a s no caso de cada
c o m u n i d a d e , pelas tradições teológicas h e r d a d a s de seus pais.

31
Capítulo 2 t

P o r o u t r o lado, é ccrto q u e todos os h o m e n s , debaixo de


todas as condições conhecidas, e p o r isso, debaixo de todas as
condições v e r d a d e i r a m e n t e naturais, r e c o n h e c e m espontanea-
m e n t e u m a existência d i v i n a q u e lhes é revelada, m a i s ou
m e n o s claramente, na constituição e na experiência conhecidas
de seus p r ó p r i o s espíritos e na n a t u r e z a externa. Por conse-
guinte, a concepção teísta não é mais devido à autoridade, como
m u i t a s vezes se diz a b s u r d a m e n t e , do q u e é d e v i d o à crença,
f o r m a d a d e b a i x o das m e s m a s c o n d i ç õ e s d e e d u c a ç ã o , n a
realidade subjetiva do espírito h u m a n o , ou na realidade
objetiva da matéria. A existência do D e u s a u t o m a n i f e s t o é
r e c o n h e c i d a e s p o n t â n e a e u n i v e r s a l m e n t e , o q u é é u m a prova
e v i d e n t e de s e r e m claras e presentes, em toda parte, as provas
da Sua existência, e serem c o n v i n c e n t e s para todos os h o m e n s
desenvolvidos n o r m a l m e n t e .

4. Seria INATA a idéia de Deus? Seria ela uma verdade


INTUITIVA? ' ..-IV,; t -
As respostas d e p e n d e m do s e n t i d o em que t o m a m o s os
t e r m o s respectivos. E e v i d e n t e que não há idéias " i n a t a s " no
s e n t i d o de já ter nascido criança com a concepção do ser di-
vino, ou q u a l q u e r o u t r a já f o r m a d a na sua m e n t e . E certo
t a m b é m que a m e n t e h u m a n a , q u a n d o desenvolvida em
condições p u r a m e n t e naturais e na ausência de toda revelação
s o b r e n a t u r a l , n u n c a p o d e chegar a u m a concepção a d e q u a d a
da n a t u r e z a divina. Por outro lado, p o r é m , toda a história
p r o v a q u e a idéia de D e u s é i n a t a , no s e n t i d o de q u e as
f a c u l d a d e s constitucionais do espírito h u m a n o são tais que,
em todas as condições naturais, chegam ao r e c o n h e c i m e n t o ,
mais ou m e n o s claro, de D e u s c o m o a causa p r i m á r i a de toda
existência e c o m o o S e n h o r da consciência, a u t o m a n i f e s t a d o
na alma e no m u n d o . E inata por serem as provas da existência
divina presentes tão u n i v e r s a l m e n t e como o é a luz do dia,
e por ser constitucional o processo pelo qual se a p r e e n d e m
essas provas.

32
Origem da Idéia de Deus

Se t o m a r m o s o t e r m o "intuição" no sentido estrito de visão


direta de u m a verdade, visto à sua p r ó p r i a luz c o m o v e r d a d e
necessária, p o r um ato intelectual que é impossível resolver
e m p r o c e s s o s d e p e n s a r m a i s e l e m e n t a r e s , n e s s e caso, a
existência de D e u s n ã o é u m a v e r d a d e a p r e e n d i d a i n t u i t i v a -
m e n t e pelos h o m e n s . O p r o c e s s o p e l o q u a l c h e g a m o s a o
c o n h e c i m e n t o desta verdade, q u e r e s p o n t a n e a m e n t e , q u e r
p o r m e i o d e u m raciocínio elaborado, a b r a n g e c o m o elementos
m u i t a s intuições i n d u b i t á v e i s , m a s n i n g u é m a p r e e n d e a
D e u s m e s m o p o r u m a i n t u i ç ã o direta, p o r q u e :
I o . A i n d a q u e o r e c o n h e c i m e n t o da existência d i v i n a seja
necessário, no s e n t i d o de ser u m a v e r d a d e aceita pela g r a n d e
maioria dos h o m e n s que não p o d e m deixar de crer nela,
m e s m o q u a n d o q u e r e m ; e e m b o r a n i n g u é m possa deixar d e
crer nela sem q u e faça violência à sua n a t u r e z a , c o n t u d o n ã o é
u m a v e r d a d e necessária, n o s e n t i d o d e n ã o s e p o d e r c o n c e b e r
a n ã o existência de D e u s .
2 o . P o r q u e D e u s n ã o Se n o s m a n i f e s t a i m e d i a t a , e s i m ,
m e d i a t a m e n t e p o r m e i o de Suas obras. E, no ato pelo qual a
a l m a r e c o n h e c e a Sua presença e ação, há s e m p r e , pelo m e n o s
i m p l i c i t a m e n t e , u m a inferência, u m a d e d u ç ã o .
3 o . P o r q u e a v e r d a d e i r a idéia de D e u s é m u i t o c o m p l e x a ,
e chega-se a ela p o r meio de um processo complexo, o qual,
q u e r seja e s p o n t â n e o q u e r não, e n v o l v e diversos e l e m e n t o s
q u e se p o d e analisar e descrever.
Por o u t r o lado, é certo q u e D e u s Se m a n i f e s t a nas opera-
ções d e nossas a l m a s e n a n a t u r e z a exterior d e u m m o d o
análogo àquele pelo qual se n o s m a n i f e s t a m as almas invisíveis
de nossos s e m e l h a n t e s , e r e c o n h e c e m o s a existência d E l e c o m
a m e s m a certeza c o m q u e r e c o n h e c e m o s a dessas almas. A
existência dessas r e c o n h e c e m o s : (a) p o r q u e s o m o s generica-
m e n t e s e m e l h a n t e s aos outros, e (b) p o r q u e seus a t r i b u t o s se
m a n i f e s t a m em suas palavras e atos. E a existência de D e u s
r e c o n h e c e m o s : (a) p o r q u e fomos criados à Sua i m a g e m , e este
fato r e c o n h e c e m o s e s p o n t a n e a m e n t e , (b) pela revelação que

33
Capítulo 2

D e u s faz de Si na nossa consciência, e pelas características


do m u n d o exterior. »*•.. : í - ,
" A i n d a q u e se p o s s a a n a l i s a r o p r o c e s s o m e n t a l q u e
a c a b a m o s de descrever - a i n f e r ê n c i a teísta - esta é em si
sintética. Os p r i n c í p i o s dos quais d e p e n d e a c h a m - s e ligados
e n t r e si, de m o d o q u e o espírito os p o d e c o m p r e e n d e r todos
em um só ato, e inclui e aplica todos eles, n e c e s s a r i a m e n t e , na
sua apreensão de Deus. A vontade, a inteligência, a consciência,
a razão e as idéias que elas f o r n e c e m ; causa, desígnio, b o n d a d e ,
i n f i n i d a d e , e os a r g u m e n t o s q u e t ê m estas idéias p o r base -
t u d o isso junta-se nesse g r a n d e processo" - Theism, Prof. F l i n t ,
págs. 7 1 , 7 2 .

5 .Se a existência de Deus é reconhecida espontaneamente por


todos os homens, em estado normal de consciência, qual a utilidade
de argumentos formais para provar essa existência? E quais são os
argumentos geralmente usados?
1°. E s s e s a r g u m e n t o s são de v a l o r c o m o a n á l i s e s e
v e r i f i c a ç õ e s c i e n t í f i c a s dos p r o c e s s o s m e n t a i s e n v o l v i d o s
i m p l i c i t a m e n t e n o r e c o n h e c i m e n t o e s p o n t â n e o das
automanifestações de Deus.
2 o . São de utilidade t a m b é m para i n d i c a r a l e g i t i m i d a d e
do processo contra as críticas do ceticismo.
3 o . C o n f i r m a m e vivificam o r e c o n h e c i m e n t o e s p o n t â n e o ,
c h a m a n d o a atenção para a extensão e variedade das provas
q u e atestam a m e s m a verdade.
4°. Os diversos a r g u m e n t o s são convergentes antes que
consecutivos. N e m todos estabelecem os m e s m o s e l e m e n t o s
da concepção teísta, mas cada um deles estabelece i n d e p e n -
d e n t e m e n t e seu elemento separado e assim é útil, c o n t r i b u i n d o :
(a) c o m o prova c o n f i r m a t i v a de que D e u s existe, e (b) c o m o
prova c o m p l e m e n t a r q u a n t o ao que Ele e.
C o n s t i t u e m um todo orgânico, e são a análise e a ilustração
do ato e s p o n t â n e o em v i r t u d e do qual a g r a n d e massa dos
h o m e n s t e m s e m p r e r e c o n h e c i d o a existência de D e u s . "Se

34
Origem da Idéia de Deus

b e m q u e causalidade n ã o p r e s s u p õ e desígnio, n e m d e s í g n i o
b o n d a d e ; desígnio p r e s s u p õ e causalidade, e b o n d a d e , t a n t o
c a u s a l i d a d e c o m o d e s í g n i o . As p r o v a s de i n t e l i g ê n c i a são
t a m b é m provas de p o d e r ; e as provas de b o n d a d e o são t a m b é m
de inteligência e poder. Os princípios da razão que n o s obrigam
a p e n s a r e m D e u s , n a S u p r e m a Inteligência M o r a l c o m o u m
ser auto-existente, e t e r n o , i n f i n i t o e i m u t á v e l , s u p l e m e n t a m
as p r o v a s derivadas de outras fontes, e t o r n a m c o n s e q ü e n t e e
c o m p l e t a a d o u t r i n a do t e í s m o " - Theism, Prof. F l i n t , págs.
73, 74.
Os a r g u m e n t o s c o m u n s serão examinados sob os seguintes
títulos:
I o . A r g u m e n t o Cosmológico, ou a prova da existência de
D e u s c o m o causa p r i m á r i a .
2 o . A r g u m e n t o Teleológico, ou as provas da existência de
D e u s fornecidas pela o r d e m e adaptação que r e i n a m no
universo.
3o. A r g u m e n t o Moral, ou as provas f o r n e c i d a s pela
consciência m o r a l e pela história da raça h u m a n a .
4°. As provas fornecidas pelos f e n ô m e n o s das Sagradas
E s c r i t u r a s e pela história s o b r e n a t u r a l nela registrada.
5 o . O A r g u m e n t o a priori e o t e s t e m u n h o que a razão dá de
D e u s como o I n f i n i t o e Absoluto.

6. Qual é o Argumento Cosmológico?


Pode ser a p r e s e n t a d o na f o r m a de um silogismo, assim:
Premissa Maior- Tudo q u a n t o p r i n c i p i a a existir de novo,
e q u a l q u e r m u d a n ç a em q u a l q u e r coisa que já existe, teve
n e c e s s a r i a m e n t e u m a causa preexistente e a d e q u a d a .
Premissa menor - O universo, em seu t o d o e em todas as
suas partes, é um sistema de m u d a n ç a s .
• Conclusão - L o g o , o u n i v e r s o teve n e c e s s a r i a m e n t e u m a
causa exterior a si, e a causa ú l t i m a e absoluta não p o d e deixar
de ser e t e r n a , não causada e imutável.
I o . Q u a n t o à premissa m a i o r : o juízo causal é i n t u i t i v o e

35
Capítulo 2

a b s o l u t a m e n t e universal e necessário. A l g u n s especuladores,


c o m o H u m e e Mill, o t ê m n e g a d o t e o r i c a m e n t e , m a s t e m sido
e m p r e g a d o p o r eles e por todos os d e m a i s em todos os seus
raciocínios sobre a origem do m u n d o , c o m o t a m b é m de t u d o
q u a n t o ele c o n t é m . E um juízo inevitável, o c o n t r á r i o do qual
n e m se p o d e imaginar. A l g u m a coisa existe agora, p o r conse-
g u i n t e a l g u m a coisa n e c e s s a r i a m e n t e tem existido d e s d e toda
a eternidade, e aquilo q u e t e m existido desde toda a e t e r n i d a d e
é a causa daquilo q u e existe agora.
Tem-se alegado que o juízo causal c o n d u z apenas a u m a
série eterna e regressiva de causas e efeitos. Isso, p o r é m , é um
absurdo.
(1) O juízo n ã o é q u e t u d o teve u m a causa, e sim, q u e t u d o
o que principia a existir e toda a m u d a n ç a naquilo q u e já existe,
foi causado. P a r a aquilo, p o r é m , q u e é e t e r n o e i m u t á v e l , esse
juízo n ã o p e d e causa.
(2) U m a série eterna de causas e efeitos é a b s u r d a , p o r q u e
seria s i m p l e s m e n t e u m a série de m u d a n ç a s , q u e é precisa-
m e n t e aquilo que pede u m a causa, e tanto mais impera-
t i v a m e n t e q u a n t o mais longa é a série. U m a causa real, p o r é m ,
u m a causa q u e satisfaça a b s o l u t a m e n t e ao juízo causal, n ã o
p o d e ser n e m u m a m u d a n ç a n e m u m a série de m u d a n ç a s , e
s i m a l g u m a coisa n ã o causada, e t e r n a e i m u t á v e l .
C o m o questão de fato, é inegável q u e todos os filósofos e
h o m e n s d e ciência, sem n e n h u m a exceção, p o s t u l a m estes
p r i n c í p i o s . Eles t o d o s p o s t u l a m u m a causa e t e r n a , a u t o -
existente e imutável do universo, quer seja um espírito pessoal,
q u e r átomos materiais, quer u m a alma mundi i n c o n s c i e n t e ,
inteligente, em u n i ã o com a matéria.
2 o . Q u a n t o à premissa m e n o r : o fato de ser o u n i v e r s o , em
seu todo e em todas as suas partes, um sistema de m u d a n ç a s , é
e n s i n a d o por todos os p r i n c í p i o s e lições da ciência m o d e r n a .
Todas as descobertas nos campos da geologia e da a s t r o n o m i a ,
e todas as especulações, como sejam - a hipótese n e b u l o s a e a
da evolução - têm esse princípio na sua p r ó p r i a essência.

36
Origem da Idéia de Deus

M a s J o h n S t u a r t M i l l , no s e u E s s a y on Theism, págs. 142 e


143, diz: " H á n a n a t u r e z a u m e l e m e n t o p e r m a n e n t e , c o m o
t a m b é m um e l e m e n t o variável; as m u d a n ç a s são s e m p r e os
efeitos de m u d a n ç a s a n t e r i o r e s ; as existenciais p e r m a n e n t e s
p o r é m , até o n d e as c o n h e c e m o s , de m o d o a l g u m são efeitos...
Há em todos os objetos outro elemento que é t a m b é m
p e r m a n e n t e , a saber, a substância ou substâncias específicas e
e l e m e n t a r e s de que eles c o n s i s t e m , e suas p r o p r i e d a d e s são
inerentes. N ã o se sabe q u a n d o essas começam a existir. D e n t r o
do t e m p o a q u e r e m o n t a m , os c o n h e c i m e n t o s h u m a n o s não
tiveram princípio, e p o r conseguinte, t a m p o u c o causa; e m b o r a
eles sejam as causas ou concausas de t u d o q u a n t o sucede".
S e m p r e que na explicação de um f e n ô m e n o físico se r e m o n t a
à sua causa, acha-se que esta consta de u m a certa q u a n t i d a d e
de força c o m b i n a d a com certas colocações... A força em si é
essencialmente u m a e sempre a mesma, e dela existe na natureza
u m a q u a n t i d a d e fixa que, se a teoria da conservação das forças
é v e r d a d e i r a , n u n c a a u m e n t a n e m d i m i n u i . Eis, pois, n a s
m u d a n ç a s da natureza material um e l e m e n t o p e r m a n e n t e , que
parece ter todas as características daquele m e s m o que estamos
procurando. E a isso pois que, segundo parece, devemos atribuir
o c a r á t e r de C a u s a P r i m á r i a , se há coisa q u e m e r e ç a essa
distinção - Essay on Theism, págs. 144, 145.
RESPONDEMOS: (1) A existência de " E n e r g i a " ou "Força",
em q u a l q u e r de suas f o r m a s c o n v e r s í v e i s , e s e p a r a d a da
m a t é r i a , é a b s o l u t a m e n t e impossível imaginar-se. Este fato é
r e c o n h e c i d o c o m o u m a i n d u b i t á v e l v e r d a d e científica p o r
Stewart e Tait (Unseen Universe, pág. 79). (2) E um fato óbvio
q u e toda a luz e calor do sol e das estrelas, salvo u m a fração
m u i t o d i m i n u t a , sai para o espaço e n u n c a volta para esses
corpos. E um fato t a m b é m q u e o m o v i m e n t o visível de todos
os g r a n d e s corpos do u n i v e r s o está sendo r e t a r d a d o gradual-
m e n t e por a l g u m a coisa que se p o d e c h a m a r "fricção etérea", e
que afinal tombarão todos juntos e constituirão, por agregações
sucessivas, u m a só massa. " E n f i m , a degradação da energia do

37
Capítulo 2

u n i v e r s o visível procede,paripassu, com a agregação de massa.


O p r ó p r i o fato, pois, de serem de t a m a n h o f i n i t o as g r a n d e s
massas do universo visível, torna certo que esse processo não
p o d e ter c o n t i n u a d o desde toda a e t e r n i d a d e ou, em o u t r a s
palavras, o universo visível necessariamente teve p r i n c í p i o no
t e m p o " . Porque: (a) a i n d a há energia em q u a n t i d a d e s finitas e
n ã o difusa; e p o r q u e (b) a matéria do universo existe ainda em
massas separadas. Assim pois, a p r ó p r i a lei da correlação de
energia ou força para a qual o sr. Mill apela, prova, q u a n d o
r e a l m e n t e aplicada, que o universo teve p r i n c í p i o e terá f i m
(Stewart e Tait, Unseen Universe, pág.166). (3) T a m b é m o seu
p o s t u l a d o de q u e a m a t é r i a do u n i v e r s o , em seus ú l t i m o s
á t o m o s , é e t e r n a e i m u t á v e l , n ã o está p r o v a d o e está em
c o n t r a d i ç ã o com a analogia científica. Clark Maxwell (em seu
discurso como presidente daBritish Association for Advancement
of Science, 1870) diz: "A igualdade exata de cada molécula com
todas as demais moléculas da m e s m a substância, dá-lhe, c o m o
b e m o disse Sir J o h n Herschell, o caráter essencial de um objeto
fabricado; e isso é incompatível com a idéia de ser ela eterna e
auto-existente". (4) C o m o questão de fato, todas as teorias
evolutivas sobre a gênese do u n i v e r s o p o s t u l a m necessaria-
m e n t e um p r i n c í p i o e u m a neblina p r i m o r d i a l e l u m i n o s a .
Mas essa n e b l i n a l u m i n o s a não p o d e ser a P r i m e i r a Causa que
o nosso juízo causal pede, p o r q u e n ã o é eterna e imutável. Se
fosse eterna, estaria i n t e i r a m e n t e desenvolvida; e se estivesse
i n t e i r a m e n t e desenvolvida, não poderia desenvolver-se a i n d a
para f o r m a r o universo. Se fosse imutável, não estaria sujeita a
m u d a n ç a s ; e se não é imutável, é, assim como o u n i v e r s o que
se desenvolve dela, um estado transitório da matéria, p e d i n d o
c o m o todas as outras m u d a n ç a s , u m a causa.

7. Qual o Argumento Teleológico?


Teleologia (feios - f i m , e logos - discurso) é a ciência das
causas finais, ou dos propósitos ou desígnios, c o m o estes se
a c h a m e x i b i d o s na n a t u r e z a , na a d a p t a ç ã o das p a r t e s aos

38
Origem da Idéia de Deus

i n t e i r o s , dos m e i o s aos f i n s e dos órgãos aos seus usos. E


c h a m a d o t a m b é m a r g u m e n t o baseado no D e s í g n i o ; afinal é
b a s e a d o n o r e c o n h e c i m e n t o das o p e r a ç õ e s d e u m a c a u s a
inteligente na natureza. Pode ser apresentado sob duas f o r m a s ,
baseadas respectivamente nas manifestações m a i s gerais e mais
especiais dessa inteligência.
PRIMEIRA FORMA. Premissa maior - O r d e m e h a r m o n i a
universais na operação c o n c o r r e n t e de u m a i m e n s a m u l t i d ã o
de e l e m e n t o s separados, a c h a m explicação só no p o s t u l a d o de
u m a causa inteligente.
Premissa menor - O universo, no seu t o d o e em todas as
suas p a r t e s , é u m a e s t r u t u r a da o r d e m m a i s c o m p l e x a e
simétrica.
Conclusão - L o g o , a causa eterna e absoluta do u n i v e r s o é
u m a m e n t e inteligente.
SEGUNDA FORMA. Premissa maior - O a j u s t a m e n t o das
partes e a adaptação dos meios para efetuar um fim ou propósito,
p o d e m ser explicados só r e f e r i n d o - o s a u m a inteligência e
v o n t a d e q u e t i n h a m em vista esse f i m ou p r o p ó s i t o .
Premissa menor - O u n i v e r s o está cheio de s e m e l h a n t e s
a j u s t a m e n t o s de partes e de o r g a n i s m o s c o m p o s t o s de partes
q u e c o n c o r r e m para efetuar certos fins.
Conclusão- Logo, a P r i m e i r a Causa do u n i v e r s o n ã o p o d e
deixar de ser u m a m e n t e e u m a v o n t a d e i n t e l i g e n t e s q u e
t i n h a m em vista esses fins.
Se estes a r g u m e n t o s são válidos, p r o v a m q u e D e u s é u m a
Pessoa e t e r n a e a u t o - e x i s t e n t e . Trata-se de um a b s u r d o o
postulado de uma inteligência inconsciente ou de uma
i n t e l i g ê n c i a q u e p r o d u z a e f e i t o s sem q u e o p e r e v o n t a d e
alguma. Estas frases não r e p r e s e n t a m n e n h u m a idéia possível;
e inteligência e v o n t a d e , q u a n d o se a c h a m juntas, c o n s t i t u e m
personalidade.
Q u a n t o à p r i m e i r a f o r m a do a r g u m e n t o , é e v i d e n t e que o
p r ó p r i o f a t o de ser a ciência u m a coisa possível, é p r o v a
i n d u b i t á v e l de ser intelectual a o r d e m da natureza. A ciência é

39
Capítulo2 ' '

um p r o d u t o do espírito h u m a n o q u e é a b s o l u t a m e n t e incapaz
de passar além das leis da sua constituição. As intuições da
razão, os processos lógicos da análise, inferências i n d u t i v a s ou
dedutivas, a imaginação, a i n v e n ç ã o e todas as atividades da
alma é q u e o r g a n i z a m os processos científicos; e se vê q u e
t u d o isso corresponde perfeitamente à natureza exterior. Depois
de resolvidos até os mais sutis p r o b l e m a s abstratos da m a t e m á -
tica e da mecânica, t e m - s e a c h a d o s u b s e q ü e n t e m e n t e q u e as
soluções f o r a m antecipadas na natureza. As leis da n a t u r e z a
são as expressões de h a r m o n i a s n u m é r i c a s e geométricas, e
exemplos maravilhosos de u m a razão superior e do belo perfeito.
C o n t u d o , essas leis, e m b o r a sejam invariáveis nas m e s m a s
c o n d i ç õ e s , n e m são e t e r n a s n e m i n e r e n t e s à c o n s t i t u i ç ã o
e l e m e n t a r do universo. As p r o p r i e d a d e s da m a t é r i a e l e m e n t a r
são constantes, m a s as leis q u e as o r g a n i z a m são, elas m e s m a s ,
efeitos complicados, o resultado de ajustamentos anteriores sob
as categorias de t e m p o , espaço, q u a n t i d a d e e q u a l i d a d e . A
m e d i d a que se m u d a m esses ajustamentos, m u d a m - s e t a m b é m
as leis. E esses a j u s t a m e n t o s são, pois, a causa dessas leis; e os
a j u s t a m e n t o s n ã o p o d e m , por isso, deixar de ser o p r o d u t o ou
do acaso, o q u e é a b s u r d o , ou da inteligência, o q u e é certo.
Esta o r d e m intelectual da natureza é o p r i m e i r o p o s t u l a d o
necessário de toda a ciência, e é a essência de todos os processos
do universo, desde o a g r u p a m e n t o de átomos até à revolução
dos m u n d o s ; desde a digestão de um pólipo até à ação f u n c i o n a l
d o cérebro h u m a n o .
Q u a n t o à s e g u n d a f o r m a deste a r g u m e n t o - O p r i n c í p i o
de desígnio p r e s s u p õ e a o r d e m intelectual geral do u n i v e r s o
e suas leis, e apresenta já, a n t e c i p a d a m e n t e , a a f i r m a ç ã o de
q u e o caráter da P r i m e i r a Causa é m a n i f e s t a d o m a i s a i n d a
pelas provas e n c o n t r a d a s em toda parte, de s e r e m essas leis
gerais obrigadas a c o n c o r r e r para, p o r m e i o de a j u s t a m e n t o s
especiais, efetuar certos f i n s q u e e v i d e n t e m e n t e se d e v i a m
efetuar. Este p r i n c í p i o é ilustrado pelos a j u s t a m e n t o s m ú t u o s
descobertos nas diversas providências da n a t u r e z a , e

40
Origem da Idéia de Deus

especialmente pelos organismos vegetais e animais, e as relações


que envolvem de um organismo para com outro organismo,
de o r g a n i s m o para com o instinto, e de organismos e classes
de organismos para com outros, e as circunstâncias físicas em
que se acham colocados. Em muitos casos, a intenção destes
a j u s t a m e n t o s e adaptações especiais é e v i d e n t e de per si e
inegável, como, e.g., o caso das diversas partes do olho para
p r o d u z i r a visão. N o u t r o s casos, a intenção é mais obscura e
conjetural. M e s m o no estado atual das ciências, p o d e m o s
c o m p r e e n d e r só em parte; p o r é m já desde o p r i n c í p i o , as
p r o v a s de d e s í g n i o i n t e l i g e n t e t ê m s i d o t r a n s p a r e n t e s e
a b u n d a n t e s . Um só p e r í o d o n u m m a n u s c r i t o é prova de
inteligência, m e s m o se o contexto for indecifrável. No entanto,
todo passo que se dá adiante nas ciências, descobrem-se mais
provas espalhadas em área maior e com u m a luz mais clara.

8. Quais são algumas das objeções feitas contra a inferência


deísta tirada do argumento de desígnio especial, e quais são as
respostas?
I a . H u m e (Dialogues on Natural Religion, Pt. 7, etc.) afirma
que a nossa convicção de que adaptação é prova de desígnio,
é devida à experiência e não pode passar além dela: e a de que
o nosso juízo dos organismos naturais implicam desígnio na
sua causa é uma inferência tirada da analogia das invenções
engenhosas do h o m e m e dos seus efeitos. Diz mais, que essa
analogia é falsa - (1) Porque já temos c o n h e c i m e n t o prévio do
inventor h u m a n o como agente inteligente, e n q u a n t o que do
autor da natureza não temos n e n h u m c o n h e c i m e n t o prévio, e
é esse m e s m o autor que a inferência deísta procura verificar.
(2) Todos os processos da natureza são diversos daqueles por
meio dos quais os homens executam as suas obras; e a formação
do m u n d o e a instituição dos processos da natureza são efeitos
peculiares, inteiramente dissemelhantes daqueles que temos
experiência.
RESPONDEMOS: ( 1 ) 0 a r g u m e n t o peca por ter como base

41
Capítulo 2

um falso postulado de fato. Do inventor h u m a n o , da sua alma


não temos c o n h e c i m e n t o prévio n e m c o n h e c i m e n t o algum, a
não ser o que nos dá o caráter das obras pelas quais se manifesta
a nós. E é exatamente do m e s m o m o d o e na m e s m a extensão
que chegamos ao c o n h e c i m e n t o do Autor da natureza. (2) O
a r g u m e n t o baseia-se n u m falso postulado de p r i n c í p i o . A
analogia das invenções do engenho h u m a n o não é a base da
nossa convicção de que a ordem e a adaptação são provas de
inteligência. É juízo universal e necessário da razão que a ordem
e a adaptação só p o d e m proceder de u m a causa inteligente, ou
do acaso; e esta última suposição é absurda.
2 a . A l g u n s cientistas, t e n d o a d q u i r i d o o c o s t u m e de
c o n s i d e r a r o universo como u m a u n i d a d e absoluta, cujos
processos são todos executados por leis gerais, invariáveis ( u m
m o d o de pensar em que a teologia agostiniana se antecipou
por séculos à ciência), fazem objeção que, tomando como prova
de intenção o ajustamento das partes, em certos grupos ou
sistemas especiais o teólogo natural toma, p o r engano, u m a
p a r t e pelo t o d o e um efeito i n c i d e n t a l de u m a lei geral,
resultado de condições especiais e temporais, pelo fim real da
p r ó p r i a lei. D i z e m que m e s m o se fosse inteligente a P r i m e i r a
Causa do universo, os homens cometeriam um absurdo infinito
n u t r i n d o a presunção de interpretar o Seu propósito, por meio
dos resultados especiais que eles vêem proceder da operação
de leis que já têm estado operando desde toda a eternidade,
por todo o espaço infinito e sobre um sistema infinito de partes
concorrentes.
RESPONDEMOS: (1) É evidente que as relações das partes
de um todo especial, concorrendo todas para p r o d u z i r um fim
especial, p o d e m ser e n t e n d i d a s m u i t o b e m e n q u a n t o
permaneçam inteiramente desconhecidas as relações desse todo
especial para com a totalidade do todo geral; ainda que a razão
e a revelação d e r r a m e m muita luz m e s m o sobre esta última
parte. Um só osso de um animal de espécie desconhecida dá
t e s t e m u n h o inegável de adaptação especial, e p o d e até, como

42
Origem da Idéia de Deus

dizem com toda a razão os cientistas, lançar m u i t a luz para


alem de si, sobre a constituição daquele todo a que p e r t e n c e u ,
mas do qual não temos outro conhecimento. (2) Confessamos
que essa crítica, se b e m que falhe quanto ao a r g u m e n t o tirado
do desígnio, tem força quanto ao m o d o pelo qual este argu-
mento tem, às vezes, sido aplicado. Os antigos teólogos naturais,
muitas vezes em grau um tanto exaltado, abstraíram orga-
nismos individuais do grande todo dinâmico do qual são tanto
produtos como partes. O Dr. F l i n t (Theism, pág. 159) distingue
bem os fins intrínsecos, extrínsecos e supremos de q u a l q u e r
ajustamento especial. Assim, o fim intrínseco desse ajusta-
m e n t o especial chamado olho, é a visão. Seus fins extrínsecos
são os fins úteis para os quais esse órgão serve para o animal
que o possui, e os fins úteis para os quais o animal serve para
tudo o que está com ele, em relação imediata ou remota. Seu
fim supremo é o fim do próprio universo. " Q u a n d o afirmamos,
pois, que há causas finais no sentido de fins intrínsecos em
quaisquer coisas, afirmamos só que as coisas são unidades
sistemáticas, cujas partes se acham relacionadas definitiva-
m e n t e umas com outras, e coordenadas para p r o d u z i r e m
um resultado c o m u m ; e quando afirmamos que há em
quaisquer coisas, causas finais, no sentido de fins extrínsecos,
afirmamos somente que as coisas não são sistemas isolados e
independentes, e sim, sistemas definitivamente relacionados
com o u t r o s sistemas, e ajustados de m o d o que são partes
componentes de sistemas superiores e meios para produzir
resultados mais compreensíveis do que elas m e s m a s " -
Theism, pág. 163
E verdade que um h o m e m não pode discernir o s u p r e m o
fim de u m a parte, e n q u a n t o não discerne o s u p r e m o fim do
todo, e que não pode discernir todos os fins extrínsecos de
qualquer sistema especial, enquanto não conhece todas as suas
relações para com todos os demais sistemas especiais. Apesar
disso, p o r é m , assim como um h o m e m , que não sabe nada das
relações que tem u m a certa planta ou um animal para com a

43
Capítulo 2

flora ou a fauna de um continente, pode ter certeza absoluta


quanto às funções da raiz ou de u m a garra ou unha, na economia
da p l a n t a ou do a n i m a l , assim t a m b é m p o d e r á e n t e n d e r
perfeitamente a maneira por que todas as partes que concorrem
para produzir um todo especial são adaptadas para esse f i m ,
sem que, por ora, n a d a saiba da relação extrínseca em que está
esse todo especial para com aquilo que está fora dele.
3 a . Certa classe de cientistas tem afirmado, nestes últimos
tempos, que o t e s t e m u n h o dado da existência de Deus, pela
ordem e adaptação manifestadas nos processos da natureza,
fica m u i t o enfraquecido, senão invalidado absolutamente pela
p r o b a b i l i d a d e de ser verdadeira a h i p ó t e s e alternativa da
evolução. Há muitas teorias da evolução, mas o termo, no
sentido geral, significa o juízo de que o estado do universo
c o m o um t o d o e em t o d a s as s u a s p a r t e s , em q u a l q u e r
m o m e n t o tem sua causa no estado em que se achava o universo,
no m o m e n t o anterior; que as mudanças notadas foram
produzidas pela agência de forças inerentes na natureza, e que
se p o d e n o t a r a operação dessas forças, de m o m e n t o para
m o m e n t o , sem solução de continuidade causal, d u r a n t e todo
o t e m p o passado.
Todas as possíveis teorias da evolução, consideradas em
sua relação com a teologia, p o d e m ser assim classificadas: (1)
As que não negam n e m obscurecem o testemunho que a ordem
e a adaptação observadas na natureza dão da existência de
Deus, da Sua imanência nas Suas obras, e do Seu governo
providencial sobre elas. (2) As que, embora r e c o n h e ç a m a
D e u s como a causa original a Q u e m se deve referir no passado
remoto a origem e os ajustamentos primários do universo,
c o n t u d o n e g a m a Sua i m a n ê n c i a e c o n s t a n t e a t i v i d a d e
providencial nas Suas obras. (3) As que m a n i f e s t a m , ou vir-
t u a l m e n t e obscurecem ou negam, o t e s t e m u n h o que a o r d e m
e adaptação do universo dão da existência e atividade de Deus,
tanto como Criador como também como Governador
providencial. .»• , • .

44
Origem da Idéia de Deus

Para com a primeira destas classes de teorias da evolução, o


teólogo natural sente, naturalmente, só o mais amigável inte-
resse.
Q u a n t o àsegunda classe, que admite que u m a inteligência
divina ideou e inaugurou o universo no princípio absoluto,
mas nega que qualquer agente semelhante esteja i m a n e n t e no
universo dirigindo seus processos, cabe-nos dizer: (1) Que o
ponto que estamos procurando estabelecer agora é a auto-exis-
tência de u m a Primeira Causa inteligente, e não o m o d o da
Sua relação para com o universo. Este ú l t i m o p o n t o será
elucidado em diversos capítulos subseqüentes. (2) E m u i t o
filosófico e mais de acordo com a verdadeira interpretação do
princípio científico de continuidade, o conceber-se a Primeira
Causa c o m o i m a n e n t e no u n i v e r s o , e c o m o c o n c o r r e n d o
orgânicamente com todas as causas secundárias e não inteli-
gentes em todos os processos que são indícios de poder ou
inteligência. Isso é r e c o n h e c i d o por todos os cientistas, e
caracteriza a grande maioria deles, que são deístas ortodoxos
ou que referem todos os fenômenos do universo físico à ação
dinâmica da vontade divina. (3) São incontestáveis as provas
que a consciência moral do h o m e m , a história e a revelação
fornecem, em favor da imanência e operação eficaz de Deus,
em todas as Suas obras.
Q u a n t o à terceira classe de t e o r i a s da e v o l u ç ã o q u e
obscurecem ou negam, quer manifesta quer virtualmente, o
t e s t e m u n h o que a ordem e a adaptação do universo são de u m a
inteligente Causa Primária do universo, como, e.g., a teoria de
D a r w i n quanto à diferenciação de todos os organismos, em
virtude de variações acidentais surgindo durante um tempo
ilimitado, cabe-nos dizer:
I o . Toda teoria semelhante, quando proposta para explicar
o universo atual, deve fornecer u m a explicação provável de
todas as classes de fatos. Mas é notório que todas as teorias da
evolução p u r a m e n t e natural, deixam inteiramente de explicar
os fatos seguintes: (1) A origem da vida. Não poderia existir

45
Capítulo 2

na suposta neblina luminosa, e não poderia ser gerada p o r


aquilo que não tem vida. A decisão m a d u r a da ciência de hoje
(1878) é a que já se acha expressa no axioma antigo omne vi-
vum ex vivo. (2) A origem da sensação. (3) T a m b é m a da
inteligência e da vontade. (4) Também a da consciência. (5) O
estabelecimento de tipos distintos, logicamente correlatados e
persistentes, em gêneros e espécies, m a n t i d o s pela lei da
hibridade. (6) A origem do homem. O Prof. Virchow, de Berlim,
no seu recente discurso perante a Sociedade Alemã de Naturalistas
e Médicos, em M u n i c h , diz: "Saibam que me ocupo atualmente
com especialidade no estudo de Antropologia; mas sinto-
me obrigado a declarar que cada passo que temos dado para
diante na província de antropologia pré-histórica tem-nos
realmente afastado mais de qualquer prova de semelhante
conexão (isto é, de ser o h o m e m descendente de qualquer tipo
inferior)".
2 o . Mas m e s m o se fosse possível p r o v a r c o m o fato a
evolução contínua, isso de m o d o algum afetaria as provas que
nos fornecem a ordem inteligente e as adaptações notadas no
universo. Estabeleceria somente um método ou sistema de
meios, porém em grau algum alteraria a natureza dos efeitos
ou os atributos da causa real, descoberta por meio desses efeitos.
(1) Seria preciso ainda explicar a origem das leis da abiogênese,
de reprodução, de diferenciação e r e p r o d u ç ã o sexuais, de
hereditariedade, de variação das leis que, de átomos e energia
mecânica, possam desenvolver sensação, razão, consciência e
v o n t a d e . (2) L e i s n u n c a são causas, mas s e m p r e m o d o s
complicados de ação; o resultado da coação de i n ú m e r o s
agentes inconscientes. Em vez de serem explicações, são elas
mesmas efeitos m u i t o complexos dos quais a razão exige u m a
causa intelectual. (3) Todas as leis físicas são o resultado das
propriedades originais da matéria, operando sob a condição
m ú t u a de certos a j u s t a m e n t o s complicados. A l t e r a d o s os
ajustamentos, alteram-se as leis. As que executam a evolução
ou antes aquelas em que é analisado o processo da evolução, é

46
Origem da Idéia de Deus

preciso que sc refiram retrospectivamente aos a j u s t a m e n t o s


originais dos elementos materiais da neblina luminosa. Esses
ajustamentos nos quais, segundo a hipótese da evolução, devia
achar-se latente toda f u t u r a o r d e m e vida, tiveram necessaria-
m e n t e como causa, ou o acaso ou a inteligência. Huxley, em
seu Criticisms on Origin of Species, pág. 330, baseia no acaso
toda a lógica da evolução, assim: "Tem sido d e m o n s t r a d o que
um aparelho, m u i t o bem adaptado para um fim particular,
pode ser o resultado de um m é t o d o de tentativas e erros,
executado por agentes inconscientes; como t a m b é m da
aplicação direta de meios adaptados para p r o d u z i r e m esse
f i m , p o r um agente inteligente". Segundo a teologia, cada
organismo é como u m a bala de carabina atirada d i r e t a m e n t e
n u m alvo. Segundo D a r w i n , "os organismos são como que
metralhadora da qual u m a bala ou poucas acertam em algum
o b j e t o , e as o u t r a s caem l o n g e " . A m o d e r n a e x p l i c a ç ã o
científica dos processos do universo, por meio só de causas
físicas à exclusão da inteligência, difere da antiga teoria já há
m u i t o abandonada do acaso, somente nos acidentes: (a) do
uso enganador das palavras "leis da natureza", e (b) do postu-
lado de que o acaso, operando durante um t e m p o in-definido,
pode fazer u m a obra de inteligência. Todavia, assim como
n i n g u é m pode crer que qualquer soma de t e m p o possa
explicar a forma das facas de pedra e as pontas de seta de pedra,
sem o t r a b a l h o h u m a n o ; n e m que u m a coleção de tipos
lançados ao acaso m e s m o em n ú m e r o ilimitado de vezes
possa cair em u m a ordem tal que f o r m e m os d r a m a s de
Shakespeare ou Os Luzíadas p o r Camões, assim t a m b é m
n i n g u é m p o d e crer racionalmente que a ordem complicada
e tão evidentemente intelectual do universo proceda do
acaso. (4) Na criação artificial é o h o m e m que escolhe; na
seleção natural (natural selection) é a natureza que escolhe.
Por conseguinte, se os resultados são os ajustamentos mais
cuidadosos para efetuar um fim determinado, segue-se que
essa característica foi estampada sobre os organismos pela

47
Capítulo 2

natureza e que, por isso, esta foi dirigida inteligentemente: (a)


ou por u m a inteligência i m a n e n t e nos seus elementos, ou em
seu todo organizado; (b) ou pelo ajustamento original do seu
m a q u i n i s m o , ou p o r um Criador inteligente.

9. Exposição do argumento moral, isto é, as provas fornecidas


pela consciência moral e pela história da raça humana.
O a r g u m e n t o cosmológico nos conduziu a u m a Causa
Primária eterna e auto-existente. O a r g u m e n t o deduzido da
o r d e m e adaptação descobertas nos processos do universo
revela-nos que essa grande Causa Primária possui inteligência
e vontade, isto é, que é um espírito pessoal. O a r g u m e n t o
moral ou antropológico fornece dados novos para inferências,
c o n f i r m a n d o as c o n c l u s õ e s a n t e r i o r e s q u a n t o ao fato da
existência de u m a Causa Primária pessoal e inteligente; e, ao
m e s m o tempo, acrescentando a essa concepção os atributos
de s a n t i d a d e , justiça, b o n d a d e e v e r d a d e . O a r g u m e n t o
deduzido do desígnio inclui o argumento deduzido da
causa; e o a r g u m e n t o deduzido da justiça e benevolência
inclui esses dons e acrescenta ainda um elemento novo que
lhe é próprio.
Este grupo de argumentos pode ser assim exposto:
1 0 . Consciência de si é a base fundamental de todo conheci-
mento. Dá-nos imediatamente o conhecimento de nós mesmos
como existentes e como sujeitos a certos atributos e agentes
em certas formas de atividade. Nossas almas, com todos os
seus atributos, precisam de explicação. Não existem desde a
eternidade; tampouco podiam ser desenvolvidas de elementos
materiais, porque: (1) A consciência dá t e s t e m u n h o da sua
unidade, simplicidade e espiritualidade. (2) As leis da razão e
o sentimento moral não podem ser explicados como o resultado
de transformadas impressões do sentido, modificadas pelas
associações divididas pela hereditariedade, segundo Mill e
Spencer, porque: (a) são universalmente as mesmas, (b) não
podem ser analisadas, (c) são necessárias e (d) soberanas sobre

48
Origem da Idéia de Deus

todos os impulsos. Segue-se que a alma h u m a n a foi criada, e


seu Criador não p o d e deixar de ter atributos superiores aos da
sua obra. • • : i } M : ;i :
2 o . O h o m e m é essencial e universalmente um ser religioso.
Tem os sentimentos de dependência absoluta e de respon-
sabilidade moral inerentes em sua natureza; esses sentimentos
são universais e necessários. A consciência implica sempre cm
responsabilidade para c o m um ser superior em autoridade
moral e, por isso, em caráter moral. Essa responsabilidade
está implícita e s p e c i a l m e n t e no s e n t i m e n t o de culpa que
a c o m p a n h a toda violação de consciência. D e u s manifesta-Se
e é reconhecido na consciência como u m a v o n t a d e santa, reta,
justa e inteligente, isto é, um espírito santo e pessoal.
3 o . As adaptações encontradas na natureza, até o n d e nos é
possível examinar as suas relações para com criaturas sensíveis,
são caracteristicamente benéficas e dão t e s t e m u n h o de um
p r o p ó s i t o geral de p r o m o v e r a f e l i c i d a d e e s a t i s f a z e r o
s e n t i m e n t o do belo. Isso implica em desígnio, e desígnio de
um especial caráter estético e moral, e prova que a Causa
P r i m á r i a é benévola e a m a n t e do belo.
4 o . A história inteira da raça h u m a n a , até onde é conhecida,
descobre u m a ordem e um propósito morais que não acham
sua explicação na inteligência ou no p r o p ó s i t o moral dos
agentes h u m a n o s que nela f i g u r a m ; e essa história descobre
t a m b é m u m a u n i d a d e de plano que abrange tudo, todos os
povos e todos os séculos. Os fenômenos da vida social e nacional,
da distribuição etnológica, e do desenvolvimento e difusão
das civilizações e religiões, p o d e m ser explicados unicamente
pela existência de um governador e educador sábio, reto e
benévolo dos homens.

10. Como expor as objeções ao argumento moral, e também as


suas respostas?
Essas objeções baseiam-se nestes p o n t o s : I o . A inva-
riabilidade mecânica das leis naturais, e sua inexorável falta

49
Capítulo 2

de atenção ao bem-estar das criaturas dotadas de consciência.


2 o . Os sofrimentos dos animais irracionais. 3 o . A existência
geral de males morais e físicos entre os homens. 4 o . A partilha í
desigual dos favores providenciais, e a ausência de toda
proporção entre a soma de felicidade concedida e o caráter
moral dos que a recebem.
Estas dificuldades que de todos provam mais ou m e n o s a
fé, são, na maior parte dos casos, os motivos reais do ateísmo
cético. J o h n Stewart Mill, em s e u f e a j ' on Nature (Three
Essays on Religion) assevera que é característico da "Natureza"
infligir, sem piedade, sofrimentos e a morte; e que, se a causa
da natureza é u m a vontade pessoal, deve ser um m o n s t r o de
crueldade e injustiça. Em seuEssayon Theism, Pt.2, argumenta
como se fosse u m a imoralidade abominável afirmar que o
autor da natureza, assim como nós a conhecemos, é onisciente
e o n i p o t e n t e , e ao m e s m o t e m p o , a b s o l u t a m e n t e justo e
benévolo; que o único meio de absolvê-10 da acusação de ser
cruel e injusto é negar que seja ilimitado o Seu c o n h e c i m e n t o
ou o Seu poder, ou mesmo ambos. A conclusão que tira das
provas que cita, ele apresenta assim: " U m ser cujo poder é
g r a n d e mas l i m i t a d o , e l i m i t a d o d e u m m o d o q u e n e m
p o d e m o s c o n j e c t u r a r ; cuja inteligência é g r a n d e e talvez
ilimitada, mas talvez mais limitada ainda do que é o seu
poder; que deseja a felicidade de Suas criaturas e a isso presta
alguma atenção, porém, ao mesmo tempo, parece ter outros
motivos para Suas ações, e motivos que têm para ele mais
peso; e a cujo respeito é difícil crer que tenha criado o uni-
verso só para esse fim." Na sua Autobiography, ch.2, falando
de seu pai James Mill, ele diz: "Ouvi-o dizer que foi a leitura
da Analogy por Butler que produziu nele u m a reviravolta
sobre esse ponto. E essa obra, sobre a qual continuava sempre
a falar com m u i t o respeito, o c o n s e r v o u , p o r um t e m p o
considerável, crente na autoridade divina do cristianismo,
provando-lhe que fossem quais fossem as dificuldades que se
o p u n h a m à aceitação do Velho e do Novo Testamentos como

50
Origem da Idéia de Deus

livros que procederam de um ser p e r f e i t a m e n t e sábio e b o m ,


ou que estes livros registram os atos de tal ser, as m e s m a s
dificuldades ou maiores ainda se opõem à crença de que um
ser de s e m e l h a n t e caráter seja o Criador do universo. Ele
considerava os a r g u m e n t o s de Butler como concludentes
contra os únicos oponentes aos quais são dirigidos. Os que
a d m i t e m a existência do Criador e Governador onipotente, e
t a m b é m perfeitamente justo e benévolo de um m u n d o c o m o
este, pouco p o d e m alegar contra o cristianismo que n ã o se
possa alegar, com pelo m e n o s igual força, contra eles. Por
conseguinte, não e n c o n t r a n d o lugar de descanso no deísmo,
ficou em estado de perplexidade até que afinal, e sem dúvida
depois de muitas lutas, cedeu à convicção de que sobre a origem
das coisas, absolutamente nada se pode saber".
RESPONDEMOS: I o . E certo que D e u s não criou o universo
com o único fim, n e m m e s m o com o fim principal de promover
a felicidade de Suas criaturas. A nossa razão, a observação e as
Escrituras Sagradas concorrem em revelar c o m o fins m u i t o
mais exaltados e mais dignos da ação divina, a manifestação
da Sua própria glória e a promoção da mais exaltada excelência
de Suas criaturas inteligentes, p o r meio da educação e da
disciplina. E é evidente que a operação de inexoráveis leis
gerais, a miséria e os sofrimentos incidentais desta vida p o d e m
ser os meios mais eficazes para promover esses fins.
2 o . A intenção direta de todos os órgãos de que se acham
providas as criaturas dotadas de consciência é, evidentemente,
a promoção do seu bem-estar; a dor e a miséria são incidentais.
M e s m o a m o r t e súbita e violenta dos a n i m a i s irracionais
promove, provavelmente, a maior soma possível de alívio no
campo dos sentido
3 o . A consciência tem ensinado aos h o m e n s , em todos os
séculos, que os sofrimentos a que estamos sujeitos nesta vida
são as conseqüências diretas e merecidas dos pecados dos
h o m e n s , quer como penas, quer como castigos cuja intenção
benévola é o nosso m e l h o r a m e n t o moral.

51
Capítulo 2

4°. A origem do pecado é confessadamente um mistério,


a t e n u a d o em parte, p o r é m , pela consideração de q u e é o
resultado do abuso da dádiva m e l h o r e mais valiosa que nos
foi concedida, a agência livre e responsável; e t a m b é m pelo
fato, revelado nas Sagradas Escrituras, de que na providência
d i v i n a até o p e c a d o terá de servir p a r a m a n i f e s t a r m a i s
p l e n a m e n t e as perfeições de Deus, e contribuir para p r o m o v e r
a excelência moral e a felicidade da criação inteligente.
5 o . As desigualdades das cotas concedidas pela providência
e a desproporção entre o bem-estar e o caráter moral dos homens
nesta vida resultam do fato de não ser este m u n d o lugar de
recompensas e castigos, e que os caracteres e destinos diversos
exigem disciplina diversa de educação; e essas desigualdades
e desproporções apontam para reajustamentos futuros,
revelados na Bíblia (Sal. 73, Almeida).
6 o . N e m o a r g u m e n t o teleológico n e m o moral envolvem
a asserção de podermos, no estado atual dos nossos conheci-
m e n t o s , discernir no universo provas de u m a sabedoria ou
b o n d a d e que fosse infinita ou m e s m o perfeita. Estes atributos
são indicados como fatos e características gerais da natureza.
Mas o nosso discernimento deles é necessariamente limitado
pela imperfeição dos nossos conhecimentos. M e s m o no juízo
só da razão é i n f i n i t a m e n t e provável que, q u a n d o tivermos
adquirido conhecimentos mais adequados, veremos que aquilo
que agora nos parece anômalo e incompatível tanto com a
sabedoria perfeita como com a b o n d a d e perfeita, ilustra essas
m e s m a s perfeições que fomos tentados a julgar obscurecidas
por certas anomalias.

11. Exposição das provas bíblicas.


Sendo o h o m e m criatura finita, culpada e m o r a l m e n t e
corrompida, é inevitável que as automanifestações de D e u s na
n a t u r e z a sejam i m p e r f e i t a m e n t e a p r e e n d i d a s p o r nós. A
revelação sobrenatural que Deus manifestou, m e d i a n t e um
processo histórico de intervenções especiais em sucessão

52
Origem da Idéia de Deus

cronológica, interpretadas p o r u m a o r d e m de profetas dota-


dos s o b r e n a t u r a l m e n t e e registradas nas Escrituras Sagradas,
s u p l e m e n t a a luz da n a t u r e z a , e x p l i c a os m i s t é r i o s da
Providência e dá-nos os princípios de u m a verdadeira teodicéia.
O D e u s que a natureza encobre, m e s m o q u a n d o O revela, as
Sagradas Escrituras no-10 apresentam descoberto, em toda a
perfeição da sabedoria, santidade e amor, na Pessoa de Jesus
Cristo. Q u e m v e m a Cristo vem a Deus. A verdade do teísmo
é d e m o n s t r a d a na Pessoa de Jesus, e daí por diante n ã o m a i s
será aceita senão p o r aqueles que lealmente reconheçem Sua
soberania sobre a inteligência, a consciência e a vida.

12. Exposição do princípio em que se baseiam os argumentos,


a priori, a favor da existência de Deus, o valor desse princípio,
e as formas principais sob as quais esses argumentos têm sido
apresentados.
A r g u m e n t o s a posteriori são os que, dos fatos da ex-
periência, se deduzem das causas ou dos princípios. Assim,
e.g, nós, por meio dos argumentos precedentes m e d i a n t e os
fatos da c o n s c i ê n c i a e da n a t u r e z a e x t e r i o r , t e m o s s i d o
c o n d u z i d o s a o c o n h e c i m e n t o d e D e u s c o m o u m espírito
pessoal, inteligente e reto, a Causa Primária, poderosa, sábia
e benévola, e Governador moral. A r g u m e n t o s a priori são
os que p r o c e d e m das idéias necessárias da razão e vão às
conseqüências necessariamente deduzidas delas, ou às verdades
necessárias nelas incluídas.
E certo que as intuições das verdades necessárias são as
mesmas, em todos os homens. Não são generalizações tiradas
da experiência, e sim estão pressupostas em toda a nossa
experiência. Levam o c u n h o da universalidade e da neces-
sidade. T ê m validade objetiva, não d e p e n d e n d o do estado
subjetivo da consciência pessoal, n e m da natureza das coisas,
mas anterior e superior a todas as coisas. Que seria, pois, que
pode ser a base, o f u n d a m e n t o de verdades eternas, necessárias,
universais e imutáveis, a não ser u m a natureza infinita, eterna,

53
Capítulo 2 > ;

autoexistente, imutável, da qual seja a essência?


Temos visto que a nossa razão só se p o d e contentar com
u m a causa que não teve causa. Essa causa não pode deixar de
ser eterna, autoexistente e imutável. Temos, em nossas mentes,
as idéias e intuições da infinidade e perfeição, c o m o t a m b é m
as da eternidade, autoexistência e imutabilidade. "Estas, a não ;
ser que sejam inteiramente ilusórias - suposição que n ã o se
p o d e conceber - devem ser atribuíveis a algum ser. A única j
questão é então: de que Ser? Deve ser dAquele q u e j á p r o - «
vamos ser a Primeira Causa de tudo, a f o n t e de todo o poder,
sabedoria e b o n d a d e manifestados no universo. Não p o d e m
ser atribuídos ao universo, porque já se mostrou que este não
é senão um efeito, e efeito de u m a inteligência, u m a Pessoa.
Isso não pode ser de nós mesmos, n e m de coisa alguma ao
alcance de nossos sentidos p o r q u e nós, e t u d o o que os nossos
s e n t i d o s p o d e m alcançar, s o m o s f i n i t o s , c o n t i n g e n t e s e
imperfeitos. Só o Autor do universo, o Pai do nosso espírito,
Aquele de quem vem toda a boa dádiva e todo o d o m perfeito,
pode ser não criado, não condicionado, infinito e perfeito. Isso
completa a idéia de Deus, até o n d e pode alcançar a razão
natural, ou esta a pode formar; e dá t a m b é m consistência à
idéia. As conclusões dos argumentos a posteriori não satisfazem
n e m a inteligência n e m o coração, enquanto não são ligadas à
intuição da razão sobre a i n f i n i t u d e e por esta suplementadas.
A concepção de um D e u s que não seja infinito, um D e u s que
n ã o seja i l i m i t a d o em todas as Suas p e r f e i ç õ e s - é u m a
concepção autocontraditória que a inteligência recusa-se a
aceitar" - Dr. Flint, Theism, pág. 291.
I o . Anselmo, Arcebispo de Canterbury (1093-1109), em
seus tratadosMonologioneProslogion, expõe o argumento assim:
temos a idéia de um Ser infinitamente perfeito. Mas existência
é um elemento necessário para a perfeição infinita. Por isso
existe um Ser i n f i n i t a m e n t e perfeito porque, de outro modo,
faltaria à perfeição i n f i n i t a , como nós a concebemos, um
elemento essencial à perfeição.

54
Origem da Idéia de Deus

2°. Descartes (1596-1650), em suas Meditationes de prima


philosophia, prop. 2, pág. 89, o expõe assim: " N ã o podia ter
o r i g e m n u m a f o n t e f i n i t a , a idéia q u e t e m o s de um Ser
i n f i n i t a m e n t e perfeito, e por conseguinte, essa idéia nos foi
comunicada necessariamente por um Ser i n f i n i t a m e n t e per-
feito". O m e s m o filósofo, em conexão com outros assuntos,
diz t a m b é m que essa idéia representa u m a realidade objetiva,
porque: (1) é idéia m u i t o clara, e as idéias levam a convicção
de corresponderem à verdade, na proporção da sua clareza e
(2) p o r q u e é necessária.
3 o . O Dr. Samuel Clarke publicou em 1705 sua Demon-
stration ofthe Being and Attributes ofGod. Seu a r g u m e n t o é que
o tempo e o espaço são infinitos e existem necessariamente.
C o n t u d o não são substâncias. Logo, existe necessariamente
u m a substância eterna e infinita da qual são propriedades.

AS PRINCIPAIS TEORIAS ANTITEÍSTAS

13. Que é ateísmo?


Ateísmo, segundo sua etimologia, significa negação da
existência de Deus. O n o m e foi aplicado pelos antigos gregos
a Sócrates e a outros filósofos, para indicar que eles não se
c o n f o r m a r a m com a religião popular. Foi aplicado t a m b é m ,
no m e s m o sentido, aos cristãos primitivos. Segundo o uso
estabelecido em todas as línguas modernas, o t e r m o significa
a g o r a a n e g a ç ã o da e x i s t ê n c i a de um C r i a d o r pessoal e
Governador moral. Se b e m que a crença na existência de um
D e u s p e s s o a l seja o r e s u l t a d o d e u m r e c o n h e c i m e n t o
espontâneo de Deus, manifestando-Se na nossa consciência e
nas obras da natureza, ainda assim o ateísmo é possível como
estado anormal da consciência, produzido p o r especulações
sofísticas ou pela indulgência de paixões pecaminosas, do
m e s m o modo que o idealismo subjetivo é possível. Existe sob
as seguintes formas: 1. Prático. 2. Especulativo. O ateísmo
especulativo pode ainda ser (1) Dogmático, como no caso de

55
Capítulo 2 . . •. ,r-yi '.v)

chegar-se à conclusão de que: (a) D e u s não existe, ou (b) que


as faculdades do h o m e m são incapazes de averiguar ou verificar
a Sua existência (e. g., H e r b e r t Spencer, First Principies, pt. 1).
(2)Cético, como no caso de só duvidar-se da Sua existência
e de negar-se o caráter conclusivo das provas g e r a l m e n t e
apresentadas a favor dessa existência. (3) Virtual, como no caso
(a) de se m a n t e r e m princípios essencialmente incompatíveis
com a existência de Deus, ou com a possibilidade de adqui-
rirmos algum conhecimento a esse respeito, e. g., materialistas,
positivistas, idealistas absolutos; (b) de se negarem alguns dos
a t r i b u t o s e s s e n c i a i s da n a t u r e z a d i v i n a , c o m o f a z e m os
panteístas, e J. S. Mill em seus Essays on Religion; (c) de se
adotarem explicações do universo que excluem (i) a agência
de um Criador e Governador inteligente, (ii) ou o governo
moral de Deus e a liberdade moral do h o m e m , como e. g., as
teorias de D a r w i n e Spencer, e os necessitarianos, em geral.
Veja Ulrici, God and nature e Review of Strauss; Strauss, em
Old and New; Buchanan, Modem Atheism; Tulloch, Theism;
Flint, Theism. ,u .

14. Que é dualismo?


O dualismo (em Filosofia, a teoria oposta ao M o n i s m o ) é
a doutrina de existirem no universo duas essências generica-
m e n t e distintas: matéria e espírito. Neste sentido, a d o u t r i n a
c o m u m do cristianismo é dualista. Todos os antigos filósofos
pagãos criam na existência eterna e i n d e p e n d e n t e da matéria
e, por conseguinte, todos os que entre eles eram também teístas,
eram realmente dualistas cosmológicos. A religião de Zoroastro
era um dualismo mitológico, que tinha por fim explicar a
existência do mal. S e g u n d o ela, O r m u z e A h r i m a n - os
princípios pessoais do b e m e do mal - e m a n a r a m de u m a
suprema divindade abstrata, Akerenes. Algumas das seitas
dessa religião sustentavam o dualismo na sua forma absoluta,
e referiam todo o mal à hute, a matéria auto-existente. Este
princípio dominava entre as diversas seitas cristãs espúrias e

56
Origem da Idéia de Deus

gnósticas, no segundo século da era cristã, e no sistema de


Manes, no terceiro século; e sua influência no m u n d o oriental
manifestou-se na tendência ascética da Igreja Cristã Primitiva.
Veja J. F. Clarke, Ten Religions; Hardwicke, Christ and other
Masters; Neander's, Church History; Pressensé, Early Years of
Chnstianity; Tennemann,Manual Hist. Phil.
• í.'i;.•!';.3 . • „r-';,t •
15. Que é politeísmo ?
O politeísmo (polys e theos) distribui as perfeições e funções
do D e u s infinito, entre muitos deuses limitados. Teve origem
no culto da natureza, representado nos mais antigos Vedas
dos h i n d u s e que, em tão p o u c o t e m p o e r a d i c a l m e n t e ,
substituiu o m o n o t e í s m o primitivo. No princípio, e n q u a n t o
se conservava na Caldéia e na Arábia, consistia em culto dos
elementos, especialmente das estrelas e do fogo. Depois tomou
formas especiais, segundo as tradições, o gênio e a civilização
relativa dos diversos povos. Entre os selvagens mais grosseiros
degenerou-se até ao fetichismo, como na Africa Central e
Ocidental. E n t r e os gregos, tornou-se o veículo para a expres-
são do seu h u m a n i t a r i s m o mais a p u r a d o na a p o t e o s e de
homens heróicos, antes que na revelação dos deuses encarnados.
Na í n d i a , sendo aí filho de uma filosofia panteísta, tem-se
desenvolvido ao extremo o mais extravagante, tanto a respeito
do n ú m e r o quanto ao do caráter de seus deuses. Sempre que
o politeísmo esteve ligado a especulações, apareceu como a
contra-parte exotérica do panteísmo. Carlyle, Hero Worship;
Max Müller, Compar Myth., nos Oxford Essays; Prof. Tyler,
Theology of Greek Poets.

16. Que é deísmo?


O deísmo (de deus), se b e m que etimologicamente seja
o m e s m o que teísmo (de theos), tem sido distinguido desde
meados do século 16 eé o n o m e dado ao sistema que admite
a existência de um Criador pessoal, mas nega Sua presença
diretora no m u n d o , Seu imediato governo moral e toda a

57
Capítulo 2

intervenção e revelação sobrenaturais. O m o v i m e n t o começou


com os deístas ingleses, L o r d e H e r b e r t de C h e r b u r y (1581-
1648), Hobbcs (1680), Shaftesbury, Bolingbroke (1678 - 1751),
T h o m a s Paine (1809), etc. Passou para a França, o n d e veio a
ser representado por Voltaire e pelos enciclopedistas. Daí passou
para a Alemanha, o n d e teve como representantes Lessing e
Reimarus (Wolfenbüttel Fragmentist), e, invadindo a Igreja e a
teologia, foi representado essencialmente pela antiga escola
dos racionalistas naturalistas que o admitiam com u m a forma
branda e inconseqüente do socinianismo, e. g., Eichhorn (1752-
1827), Paulus (1771 -1851), Wegscheider (1771-1848). Foi repre-
sentado na América pelo falecido T h e o d o r e Parker, e ainda o
é pela extrema esquerda do partido chamado Cristãos Liberais.
Na Alemanha, o mero dualismo naturalista cedeu ao pan-
teísmo, assim como este cedeu, u l t i m a m e n t e , ao a t e í s m o
materialista, e. g., Strauss. Veja Leland, Viezu of Deistical
Writers; Boyle Lectures por Van Mildert; Farrar, Criticai Hist. of
Free-thought; Dorner, Hist. Protest. Theology; Hurst,Hist. ofRa-
tionalism-,Analogy, por Butler.

17. Que é idealismo?


"Idealismo é a doutrina de que, nas percepções externas,
os objetos conhecidos imediatamente são idéias. Ela tem
sido m a n t i d o sob diversas formas." Veja Reid, p o r H a m i l t o n ,
nOta C. ..«."J , ,,i • í i <•
Na seguinte passagem de Lewes, pode-se ver quais são
algumas das formas do idealismo moderno, entre os alemães:
"Vejo u m a árvore. Os psicologistas c o m u n s me dizem que
neste fato da vista acham-se implicadas três coisas, a saber:
u m a árvore, u m a imagem dessa árvore, e u m a m e n t e que
apreende essa imagem. Fichte me diz que sou eu só que existo.
A árvore e sua imagem são uma coisa, e esta é uma modificação
da m i n h a mente. Isto é idealismo subjetivo. Schelling me diz
que tanto a árvore como o meu ego (o eu) são existenciais, igual-
m e n t e reais ou ideais; mas n ã o são n a d a m e n o s do q u e

58
Origem da Idéia de Deus

manifestações do absoluto, infinito ou não condicionado. Isso


é idealismo objetivo. No entanto, Hegel me diz que todas estas
explicações são falsas. A única coisa que existe (nesse fato da
vista) é a idéia, a relação. O e w e a árvore só são dois termos da
relação, e lhe devem sua realidade. Isso é idealismo absoluto.
Segundo esse, não há n e m espírito n e m matéria, n e m céu n e m
terra, n e m Deus n e m h o m e m . A doutrina oposta ao idealismo
é o realismo" - Vocabulary of the Philosophical Sciences, por
C . P K r a u t h , D. D., 1878.

:i
18. Queématerialismo?
L o g o que c o m e ç a m o s a refletir, f i c a m o s cônscios da
presença de duas classes de fenômenos, entrelaçadas em todas
as suas partes e, ao mesmo tempo, sempre distintas - f o r m a n d o
u m a dessas classes, os f e n ô m e n o s c h a m a d o s p e n s a m e n t o s ,
sentimentos e vontade, e a outra os chamados extensão, inércia,
etc. Por mais que os analisemos, não podemos n u n c a f u n d i r os
f e n ô m e n o s de uma classe com os da outra. Os de uma classe
conhecemos pela consciência, os da outra pela sensação; e
conhecemos os de uma classe tão direta e certamente como os
da outra. E não sendo possível f u n d i r os f e n ô m e n o s de u m a
dessas classes com os da outra, referimos u m a classe a u m a
s u b s t â n c i a c h a m a d a espírito, e a o u t r a a u m a s u b s t â n c i a
chamada matéria.
Os materialistas são u m a classe de filósofos superficiais
nos quais a consciência moral não está m u i t o viva, e que
adquiriram o costume de dirigir sua atenção exclusivamente
aos objetos sujeitos aos nossos s e n t i d o s , e de explicar os
f e n ô m e n o s físicos por meio de concepções mecânicas. Por isso
caem no erro f u n d a m e n t a l de afirmar: (1) Que há s6uma subs-
tância, ou antes, que todos os f e n ô m e n o s do universo p o d e m
achar explicação nos átomos e na energia. (2) Q u e inteligência,
s e n t i m e n t o , consciência, volição, etc., são p r o p r i e d a d e s da
matéria, ou funções de u m a organização material, ou
modificações de energia conversível. Não foi a inteligência que

59
Capítulo 2

precedeu e p r o d u z i u o r d e m e organização, mas são estas que,


d e s e n v o l v i d a s p o r leis i n e r e n t e s n a m a t é r i a , p r o d u z e m
inteligência. Os darwinianos alemães c h a m a m esse sistema o
desenvolvimento mecânico causal do universo. Diz Huxley que
a vida, e por c o n s e g u i n t e a organização, é o r e s u l t a d o da
"mecânica molecular do protoplasma".
RESPONDEMOS: I o . Esta não é n e n h u m a teoria recôndita,
c o m o a l g u n s p r e t e n d e m a r e s p e i t o de s u b s t â n c i a . Se os
f e n ô m e n o s da consciência p o d e m ser resolvidos em
modificações de matéria e energia, isto é, em algum m o d o de
movimento, então todas as verdades conclusivas e necessárias
são impossíveis, o dever não obriga n i n g u é m ; a consciência é
u m a mentira e a liberdade da vontade é um absurdo. Nesse
caso, seriam dissolvidos o dever e a verdade, a h o n r a e a
esperança, toda moralidade e toda religião.
2 o . A teoria é parcial e sem provas. Como questão de fato,
temos c o n h e c i m e n t o mais direto e claro da alma e de suas
intuições, faculdades e poderes, do que o h o m e m científico
tem da matéria. Que é que ele sabe da natureza real do átomo,
da energia, força, gravidade, etc.?
3°. A explicação da matéria por meio do espíriro, da força
e da ordem por meio da inteligência e da vontade, é racional.
Mas a explicação dos fenômenos da inteligência, da vontade e
da consciência c o m o modificações da matéria ou força, é
absurda. A razão pode contentar-se com a primeira, mas não
pode contentar-se com a outra. Da alma h u m a n a sabe-se que é
u m a causa absoluta, da matéria sabe-se que não o é - que é só
veículo da energia, e que está n u m processo de dispersão. Da
inteligência, sabe-se que é a causa da ordem e da organização;
a respeito destas, porém, não podemos i m a g i n a r como
poderiam ser as causas da inteligência.
Tyndal (.Athenoeum, de 29 de agosto de 1868) diz: "É
impossível imaginar a passagem da física do cérebro para os
fatos correspondentes da consciência. Mesmo concedendo que
um p e n s a m e n t o definido e u m a definida ação molecular no

60
\ Origem da Idéia de Deus

cérebro têm lugar s i m u l t a n e a m e n t e , não possuímos o órgão


intelectual, n e m segundo parece, o r u d i m e n t o de tal órgão que
nos habilitaria a passar p o r um processo de raciocinar de um
desses f e n ô m e n o s p a r a outro... Q u a n d o se a f i r m a q u e o
crescimento do corpo é processo mecânico, e que q u a n d o
pensamos, tem lugar no cérebro u m a ação correlativa, parece-
-me que se tem exposto a posição do materialista, até o n d e essa
posição é sustentável. Creio que o materialista conseguirá,
afinal, sustentar essa posição contra todos os ataques; porém
não creio que, na constituição atual da mente h u m a n a , possa
passar além disso. Não creio que tem o direito de dizer que
seu a g r u p a m e n t o molecular e seus m o v i m e n t o s moleculares
explicam tudo. Na realidade não explicam nada". í :i '

19. Que épanteísmo?


P a n t e í s m o (panthéos) é m o n i s m o absoluto, e m a n t é m que
o inteiro universo fenomenal é a forma em constante m u d a n ç a
da existência da única e exclusiva substância universal, que é
Deus. Assim, pois, Deus é tudo, e t u d o é Deus. D e u s é (to on)
existência absoluta, da qual cada coisa finita é u m a f o r m a
diferenciada e transitória. Esta doutrina pode n a t u r a l m e n t e
t o m a r f o r m a s m u i t o diversas. (1) O p a n t e í s m o de u m a só
substância, de Spinoza. Este sustentava que D e u s é a única
s u b s t â n c i a absoluta de t u d o ; que possui dois a t r i b u t o s -
pensamentos e extensão - dos quais, por meio de u m a evolução
eterna, inconsciente e necessária, procedem respectivamente
os m u n d o s físico e intelectual. (2) O panteísmo materialista
de Strauss, Der Alte und der Neue Glaube. (3) O panteísmo
idealista de Schelling, que m a n t é m a identidade absoluta do
sujeito e objeto; e de Hegel, que m a n t é m a identidade absoluta
do p e n s a m e n t o e da existência como determinações do único
Espírito absoluto.
É óbvio que o panteísmo, em todas as suas formas, neces-
sariamente nega, ou a personalidade moral de Deus ou a do
h o m e m , ou enfim a de ambos. Logicamente torna as duas

61
Capítulo 2

impossíveis. Segundo ele, D e u s só chega à consciência de si


no h o m e m : a consciência da livre determinação pessoal de si
no h o m e m , é u m a ilusão; a responsabilidade moral é um
preconceito; o sobrenatural é impossível e a religião é u m a
superstição. M e s m o assim, porém, é tal a flexibilidade do sis-
t e m a que ele, sob u m a f o r m a , t o m a u m a guisa m í s t i c a e
representa a D e u s como a pessoa universal que absorve o
m u n d o em Si; e sob a forma contrária, toma u m a aparência
p u r a m e n t e naturalista e representa o m u n d o como absorvendo
a Deus, e propõe-nos a raça h u m a n a em seu desenvolvimento
sempre culminando como o único objeto de reverência e culto.
O m e s m o Spinoza, que Pascal e Bossuet declararam ateísta, é
c h a m a d o p o r Jacobi e Schleiermacher de o mais fervoroso e
reverente dos místicos. A individualidade intensa das ciências
físicas do presente século tem reagido de um m o d o poderoso
sobre o panteísmo, substituindo o idealismo pelo materialismo,
afastando D e u s e elevando o h o m e m , como se vê na reccnte
degradação do panteísmo para o ateísmo, nos casos de Strauss,
Feuerbach, etc.
O panteísmo mais antigo, mais persistente e mais espa-
lhado de que temos notícia na história do m u n d o , é o da
índia. Como religião, tem modelado o caráter, os costumes e
a mitologia do povo, d u r a n t e 4.000 anos. Como filosofia, tem
aparecido sob três formas principais: a Sanckhya, a Nyaya e
a Vedanta. Modos panteístas de pensar formavam, em escala
m a i o r ou menor, a base de todas as formas da filosofia grega, e
especialmente a da escola neoplatônica de Plotino (205-270),
Porfírio (233-305), e Jâmblico (f 333). Tornou a aparecer, no
ensino de João Scotus Erigena (nasceu em 800) e no dos neo-
-platônicos da Renaissance, e. g., Giordano B r u n o (f 1600). O
panteísmo m o d e r n o começou com Benedito Spinoza (1632-
1677), e t e r m i n o u com os discípulos de Schelling e Hegel.
Além do p a n t e í s m o puro, tem h a v i d o u m a v a r i e d a d e
i n f i n i t a de f o r m a s i m p u r a s de p a n t e í s m o v i r t u a l . Isso é
verdadeiro quanto a todos os sistemas que afirmam a imper-

62
Origem da Idéia de Deus

sonalidade do infinito e absoluto, e que resolvem todos os


a t r i b u t o s d i v i n o s em m o d o s de c a u s a l i d a d e . O m e s m o é
verdadeiro t a m b é m q u a n t o a todos os sistemas que
representam a preservação providencial c o m o u m a criação
c o n t í n u a , n e g a m a eficácia real das causas s e c u n d á r i a s e
a f i r m a m que D e u s é o único agente no universo, e. g.^Edwards
on Original Sin, p o n t o 4, capítulo 3, e E m m o n s . A m e s m a
c a t e g o r i a p e r t e n c e , t a m b é m , a d o u t r i n a f a n t a s i o s a das
emanações que era a feição principal das teosofias orientais, e
o Hylozoísmo de Averróes (f 1198) que supõe a co-eternidade
da matéria e de u m a anima mundi plástica e inconsciente. Veja
H u n t , E s s a y on Pantheism, Londres, 1866; Saisset,Modem Pan-
theism, E d i m b u r g o , 1863; Cousin, Histoire de la Philosophie
Moderne; Ritter, Hist. AncientPhilos.; Buchanan,Faith in God,
etc.; Dõllinger, Gentile andjew, L o n d r e s , 1863; Max Müller,
Hist. Anc. Sanscrit Lit.

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Os Mananciais da Teologia

Definição geral de teologia, Capítulo 1, Pergunta 1.


1. Quais as duas grandes seções em que se divide a teologia?
I a . Teologia natural, que é a ciência que se propõe estas
duas p e r g u n t a s : (1) Seria possível estabelecer, p o r provas
satisfatórias, a existência objetiva de Deus como um Espírito
pessoal e extra-terreno? (2) Que é que se pode averiguar legiti-
m a m e n t e a respeito da verdadeira natureza de Deus cm si, e a
respeito de Suas relações com o universo, e especialmente com
o h o m e m , somente mediante a luz da natureza? Aqui é neces-
sário fazer-se, com cuidado, u m a distinção entre o conheci-
m e n t o a que pode chegar, por meio das provas fornecidas nas
Suas obras, a razão h u m a n a , i n d e p e n d e n t e m e n t e de todas as
sugestões fornecidas pela revelação sobrenatural, e.g., a teologia
de Platão e a de Cícero; e por outro lado, o c o n h e c i m e n t o de
Deus que as faculdades h u m a n a s p o d e m agora deduzir dos
f e n ô m e n o s da natureza, sendo ajudadas, m e s m o sem
reconhecerem, pela luz de u m a revelação sobrenatural, e.g., a
teologia dos racionalistas modernos.
2 a . Teologia revelada é a ciência que, pressuposta a teologia
natural, compreende como seu campo t u d o quanto nos tem
sido revelado de diversos modos sobrenaturais a respeito de
Deus c Sua relação com o universo, e especialmente com os
homens.

2. Que opiniões extremas têm sido admitidas quanto à

64
Mananciais da Teologia

possibilidade e validade da teologia natural, e em distinção da


teologia revelada ?
I a . A dos deístas ou teístas naturalistas, que negam ou a
possibilidade ou o fato histórico de uma revelação sobrenatural,
e m a n t ê m que a teologia natural descobre-nos tudo q u a n t o é
possível ou necessário que os h o m e n s saibam agora a respeito
de Deus e Suas relações conosco. Muitos racionalistas sobre-
naturalistas alemães, e n q u a n t o a d m i t e m o fato histórico de
u m a revelação sobrenatural, sustentam que esta tem por fim
u n i c a m e n t e reforçar e ilustrar as verdades que nos são dadas
na teologia natural, e que estas são, de per si, suficientes, preci-
s a n d o ser reforçadas s o m e n t e p o r q u e os h o m e n s não lhes
prestam bastante atenção.
Esta doutrina é refutada abaixo. Perguntas 7 a 10.
2 a . Há cristãos que sustentam o extremo contrário, de
não existir realmente u m a ciência de teologia natural, e que
devemos as nossas primeiras informações válidas quanto à
existência de Deus a u m a revelação sobrenatural. Isso é refu-
tado - (1) Pelo t e s t e m u n h o das Escrituras, Rom. 1:20-24, e
2:14,15, etc. (2) Pelo t e s t e m u n h o da e x p e r i ê n c i a , e.g., o
c o n h e c i m e n t o de D e u s a d q u i r i d o por alguns dos filósofos
pagãos, embora fosse imperfeito. (3) A validade da inferência
dcísta deduzida dos f e n ô m e n o s da consciência e do m u n d o
exterior foi vindicada no Cap. 2. (4) E evidente, de per si,
que algum c o n h e c i m e n t o do ser de D e u s já se pressupõe
l o g i c a m e n t e pelo r e c o n h e c i m e n t o de u m a certa revelação
sobrenatural advinda dEle.

3. Quais as principais respostas dadas à pergunta : qual é a


fonte ou norma autoritativa do conhecimento em teologia?
I a . A teoria de Schleiermacher e da Escola Transcenden-
tal. Ele foi pregador e professor em Halle e em Berlim de
1796 a 1831, autor de Teologia Medianeira, e i n a u g u r o u o
m o v i m e n t o com seus Discursos sobre Religião, Dirigidos aos
Instruídos Entre os que a Desprezam, 1799, e A Fé Cristã sob

65
Capítulo 3

os Princípios da Igreja Evangélica, 1821.


Ele tomava a religião como u m a espécie de sentimento, e \
sustentava que ela se baseia em nossa consciência constitucional •
de Deus, a qual consiste, segundo ele, do lado intelectual n u m a \
intuição de Deus, e do lado emocional, n u m s e n t i m e n t o de j
dependência absoluta. O cristianismo consiste naquela forma •
específica dessa consciência religiosa constitucional que foi \
gerada no peito de seus discípulos pelo Deus h o m e m , Jesus j
Cristo. E assim como a consciência h u m a n a , em geral, é gerada
em cada indivíduo pelas suas relações sociais, assim, a cons- j
ciência cristã, em geral, é gerada em c o m u n h ã o com aquela j
sociedade (a Igreja) que Cristo f u n d o u e da qual Ele é o centro j
:
da vida. E assim como as instituições comuns dos h o m e n s
são aquilo para o que se apela em último recurso, em todas as
questões dos conhecimentos naturais, assim também a c o m u m
consciência cristã da Igreja é aquilo para o que devemos apelar
em todas as questões da fé cristã, a qual, na sua totalidade, e
não as Escrituras, é a regra de fé.
OBJEÇÕES: (1) Esta doutrina não condiz com a natureza
do cristianismo que, como sistema remediador, baseia-se em
certos fatos históricos, os quais, é necessário que saibamos para
que se tornem eficazes, e dos quais podemos ter conhecimento
certo só por meio de u m a revelação sobrenatural. N e n h u m a
forma de intuição no-los pode ensinar. (2) Não condiz com a
convicção u n i f o r m e dos cristãos: de que o cristianismo é um
sistema de fatos e princípios revelados divinamente. (3) N ã o
nos dá n e n h u m critério da verdade. Se essa doutrina fosse
verdadeira, todas as diversas doutrinas dos diversos partidos
da Igreja seriam, necessaria e t ã o - s o m e n t e , o u t r a s tantas
variações conciliáveis da mesma verdade fundamental. (4) Não
condiz com o que ensinam as Escrituras Sagradas, que ela é a
Palavra de Deus; n e m com o que ensina explicitamente, quanto \
à sua n a t u r e z a - que ela é u m a revelação, c o m u n i c a n d o
verdades objetivas; e quanto à necessidade para a salvação das
verdades assim comunicadas.

66
Mananciais da Teologia

2 a . A mística d o u t r i n a da "luz interior", ou da inspiração


geral de todos os h o m e n s , ou, ao menos, de todos os cristãos,
m a n t i d a pelos Quacres. Esta doutrina difere do racionalismo
porque faz dos sentimentos, e não da razão, o órgão das verdades
religiosas, e p o r q u e toma a "luz interior" como o t e s t e m u n h o
que o Espírito Santo dá ao h o m e m e com o espírito do h o m e m .
Difere da nossa doutrina da inspiração, por ensinar a direção
prática e a iluminação do Espírito Santo no coração de todos
os h o m e n s crentes, e não só no dos f u n d a d o r e s oficiais e
primeiros mestres da Igreja. Difere da iluminação espiritual
que, segundo cremos, experimentam todos os crentes
verdadeiramente regenerados, e só eles, p o r q u e (1) pretende
chegar ao c o n h e c i m e n t o da verdade, i n d e p e n d e n t e m e n t e da
sua revelação nas Escrituras, e (2) afirma que pertence a todos
os que queiram prestar-lhe atenção e obedecer-lhe.
OBJEÇÕES: (1) Esta doutrina contradiz as Escrituras, (a)
Elas n u n c a p r o m e t e m u m a iluminação que leve os h o m e n s
além do próprio ensino delas, e os torne i n d e p e n d e n t e s desse
ensino, (b) E n s i n a m que a revelação objetiva dada nelas é
absolutamente necessária à salvação ( R o m : 11:11-18). (2) E
refutada pela experiência que (a) testifica que a "a luz inte-
r i o r " não dá n e n h u m critério por meio do qual se possa
d e t e r m i n a r a verdade de qualquer doutrina; (b) testifica que
essa " l u z i n t e r i o r " n u n c a l e v o u n e n h u m i n d i v í d u o o u
c o m u n i d a d e ao conhecimento da verdade salvadora, indepen-
d e n t e m e n t e da revelação objetiva; e (c) testifica que essa "luz"
p r o d u z i u sempre uma depreciação irreverente das Escrituras,
e no transcurso do tempo, desordem e confusão.
3 a . A teoria de u m a Igreja inspirada, isto é, inspirada nas
pessoas, ou ao menos no ensino oficial de seus pastores e mestres
principais. Esta teoria é refutada no Cap. 5.
4 a . O postulado c o m u m de todos os racionalistas, de ser a
razão a fonte e medida de todo o nosso conhecimento de Deus.
Esta teoria é considerada e refutada abaixo. Perguntas 7 a 10.
5 a . A d o u t r i n a v e r d a d e i r a e p r o t e s t a n t e , de q u e as

67
Capítulo 3

Escrituras Sagradas do Velho e N o v o Testamentos, s e n d o


inspiradas por Deus, são para nós a Sua Palavra, e u m a regra
de fé e prática infalível e de autoridade, e a única fonte
e n o r m a autorizada da teologia cristã, à exclusão de todas
as outras fontes e normas.

4. Qual o sentido exato em que o termo "razão" é empregado


por aqueles que a contrastam com a fé como a fonte do conhecimento
religioso?
O termo "razão" é empregado em sentidos diversos pelas
diversas classes de racionalistas. Alguns e n t e n d e m por ela o
órgão por cujo meio apreendemos intuições superiores, as
verdades necessárias e conclusivas. Tais são a consciência íntima
da existência e a t r i b u t o s de Deus, de Schleiermacher, e a
intuição do i n f i n i t o , de Schelling e Cousin, e t a m b é m os
sentimentos morais de intuição, de N e w m a n e Parker. Outros
e n t e n d e m pelo termo "razão" o e n t e n d i m e n t o , ou a faculdade
lógica de observarmos, julgarmos e tirarmos inferências dentro
da esfera da experiência. Compreende, por conseguinte, como
seu f u n d a m e n t o e n o r m a a massa inteira dos conhecimentos e
opiniões hodiernas. Praticamente todos os homens dão o nome
respeitável de " r a z ã o " ao seu próprio h á b i t o e a t i t u d e de
espírito, com a inteira massa organizada de conhecimentos,
opiniões e preconceitos de que seus â n i m o s estão cheios.
C h a m a m razoável aquilo que está de conformidade com esse
hábito ou essa massa de opiniões por eles aceitas.
Nesta controvérsia, p o r é m , d e s i g n a m o s com o t e r m o
"razão" a inteira faculdade natural que o h o m e m possui para,
por meio dela, chegar ao conhecimento da verdade, e incluímos
nela as intuições, o e n t e n d i m e n t o , a imaginação, os afetos e as
emoções, operando em condições naturais e i n d e p e n d e n t e -
m e n t e de auxílio sobrenatural.

5. Que é Racionalismo?
"Naturalista" é quem sustenta que a natureza é u m a esfera

68
Mananciais da Teologia

completa em si e i n t e i r a m e n t e i n d e p e n d e n t e ; e nega p o r isso,


ou a realidade do que se chama sobrenatural, ou a possibilidade
de p o d e r e m os h o m e n s chegar a ter qualquer c o n h e c i m e n t o
do sobrenatural, se é que esse existe; nega, p o r conseguinte, a
necessidade ou a possibilidade, ou o fato de u m a revelação
sobrenatural. O t e r m o "racionalista" é mais geral. Inclui os
naturalistas de todos os graus e t a m b é m todos os que, e m b o r a
a d m i t a m o fato de u m a revelação divina, m a n t ê m , contudo,
que essa revelação, suas doutrinas, e os d o c u m e n t o s em que se
acham contidas, devem todos ser sujeitos à razão h u m a n a como
s u p r e m o árbitro, para serem por ela avaliados e acreditados,
ou rejeitados e interpretados. C o m os racionalistas, a razão é o
ú l t i m o f u n d a m e n t o e juiz da fé.
No seu sentido histórico o racionalismo, como u m a
forma da incredulidade que b r o t o u no meio da própria
Igreja Cristã, e que faz uso ilegítimo da razão na interpre-
tação das Escrituras e suas doutrinas, tem sido ativo sempre
n u m a ou noutra forma, e em diversos graus, e manifestou-se,
de um m o d o notável, n u m a classe dos escolásticos medievais
e nos discípulos de Socino. Sua forma m o d e r n a e mais ex-
trema teve origem na Alemanha em meados do século passado.
As causas a que se deve atribuir foram: (a) O estado abatido
em que se achava a religião em todos os países protestantes,
(b) A influência da filosofia formal e do d o g m a t i s m o dc Wolf,
discípulo de Leibnitz. (c) A influência dos deístas ingleses,
(d) A influência dos incrédulos franceses r e u n i d o s na corte de
Frederico o grande - rei da Prússia. Semler, professor em Halle,
(nascido em 1725, falecido em 1751) foi o pai do racionalismo
crítico. E m b o r a pessoalmente devoto, ele examinava arbitra-
r i a m e n t e a canonicidade dos livros das Sagradas Escrituras, e
sem fazer caso das provas históricas, substituiu-as p o r suas
próprias idéias subjetivas do que convinha. I n t r o d u z i u , na
i n t e r p r e t a ç ã o da B í b l i a , o p r i n c í p i o da " a c o m o d a ç ã o " ,
s u s t e n t a n d o que, além de muitas verdades positivas, Cristo e
Seus apóstolos e n s i n a r a m t a m b é m m u i t a s coisas em

69
Capítulo 3

"acomodação" às idéias geralmente aceitas entre os seus


c o n t e m p o r â n e o s - H u r s t , History of Rationalism.
Esta tendência, muito reforçada depois m e d i a n t e a
influência de Lessing e Reimarus o Fragmentista de Wolfen-
b ü t t e l , p e n e t r o u na massa da literatura teológica alemã e
c u l m i n o u nos últimos anos do século 18 e nos primeiros do
século 19. E n t r e os seus principais representantes sobressaem
os n o m e s de Bretschneider, E i c h h o r n e Paulus na teologia
bíblica, e o de Wegscheider na teologia dogmática. F o r a m
especialmente os dois últimos que, a d m i t i n d o o fato de ser o
cristianismo u m a revelação sobrenatural, ao m e s m o tempo
m a n t i v e r a m que é meramente u m a republicação dos ele-
m e n t o s da religião natural, e que a "razão" é o juiz s u p r e m o
q u a n t o aos livros que se devem ter por canónicos e t a m b é m
q u a n t o ao que ensinam. Os milagres, eles rejeitaram como
indignos de crédito. As narrações de milagres, registradas nas
Escrituras, eles relacionavam à ignorância, superstição ou
parcialidade dos escritores, e os milagres relacionavam a causas
n a t u r a i s . A Jesus, t i n h a m em c o n t a de h o m e m b o m , e o
cristianismo original eles consideravam como u m a espécie de
socianismo filosófico. E isso o que, na Alemanha, tem sido
designado históricamente pelo título de Racionalismo, e mais
especificamente por Rationalismus vulgaris, o racionalismo
antigo, ou do senso comum.
Depois de levantarem-se as filosofias de Fitche, Schelling
e Hegel, receberam novo impulso a especulação teológica e a
interpretação bíblica. Isso deu lugar, por um lado, a u m a reação
para a ortodoxia, p o r meio da "Teologia da M e d i a ç ã o " de
Schleiermacher, e por outro, a uma escola nova do racionalismo
transcendental, a base do qual é um m o d o panteísta de pensar.
Nega necessariamente o sobrenatural e postula como princípio
f u n d a m e n t a l , a impossibilidade de um milagre. Essa escola,
c u j o quartel-general foi a cidade de Tubingen, t e m sido
representada proeminentemente por Christiano Baur, com sua
teoria de Tendências; Strauss, com sua teoria Mística; e R e n a n ,

70
Mananciais da Teologia

com sua teoria Legendária, para explicar a origem das Escrituras


do Novo Testamento, negando, ao m e s m o tempo, sua base
histórica de fatos.
Essa t e n d ê n c i a , c o m diversos graus de força, t e m - s e
manifestado no caráter da opinião teológica na Inglaterra e
América, p r i n c i p a l m e n t e na escola de Coleridge, Maurice,
Stanley, Jowett e Williams, e entre os latitudinários em geral;
na Escócia, em Tulloch; e na América, no falecido T h e o d o r o
Parker, na escola dos cristãos liberais e na relaxação geral da
fé, que se nota em toda parte.
German Rationalism, por Hagenbach, Clarke E d i n b u r g h
Library; History of German Protestantism, por K a h n i s , Clarke
Ed. L i b . ; Criticai History ofFree Thought, por A. S. Farrar, New
York, D. Appleton & Co.; Germany: its Universities, Theology
and Religion, por Philip Schaff, D. D. History of Rationalism,
President H u r s t , C. Scribner, N e w York.

6. Quais as duas classes em que se pode agrupar todas as bases


argumentativas de oposição ao cristianismo histórico?
I a . Bases a priori. Estas descansam em idéias falsas sobre a
existência e natureza de D e u s e de Sua relação com o m u n d o .
Por isso o positivista, que limita os conhecimentos do h o m e m
a f e n ô m e n o s e suas leis de coexistência e seqüência; o deísta,
que nega a imanência de D e u s nas Suas obras, e nega t a m b é m
ou t o r n a r e m o t a ou obscura a Sua relação conosco como
Governador moral e Pai espiritual: o panteísta, que nega a
personalidade de D e u s ; e o naturalista científico, que vê na
natureza somente a operação de leis físicas que são invariáveis
e a u t o m á t i c a s : todos negam i g u a l m e n t e a possibilidade e
credibilidade de um milagre, resolvem a inspiração em gênio,
e de um ou de outro modo, explicam as Sagradas Escrituras
de f o r m a que não lhes fica base histórica de fatos. Esta classe
de questões já foi discutida acima, no Cap. 2.
2 a . Bases históricas e críticas. Estas descansam todas nos
defeitos que se alega acharem-se nas provas históricas da

71
Capítulo 3

g e n u i n i d a d e e autenticidade dos diversos livros do " c â n o n


sagrado", e nas discrepâncias e erros históricos e científicos
que se diz encontrarem-se nas Escrituras. Desta classe de
questões trata-se nas seções de I n t r o d u ç ã o Bíblica e H e r m e -
nêutica.

7. Quais os argumentos em prova de que a razão não é, em


última instância, a medida das idéias religiosas, de que estas não
têm nela sua origem?
São, em geral, três:
1 °. A priori. A razão, por causa do estado atual do h o m e m ,
que é estado de ignorância, degradação moral e culpa, não tem
as q u a l i d a d e s necessárias p a r a torná-la c o m p e t e n t e p a r a
adquirir, de per si, n e m (1) certeza, n e m (2) c o n h e c i m e n t o
s u f i c i e n t e p a r a o g o v e r n o p r á t i c o do h o m e m , q u a n t o à
existência de Deus, Seu caráter, Sua relação conosco, ou Seus
propósitos a nosso respeito.
2 o . A experiência universal: a razão, de per si, n u n c a
conseguiu resolver esses p r o b l e m a s , e s e m p r e , q u a n d o os
h o m e n s c o n f i a v a m nela de um m o d o i n d e v i d o , levou-os,
apesar de u m a revelação desprezada, para o ceticismo e a
confusão.
3o. C o m o questão de tato, t e m - n o s sido dado um
d o c u m e n t o infalível de uma revelação sobrenatural, o qual,
q u a n d o interpretado com o auxílio iluminador do Espírito
Santo, nos ensina conhecimentos que são necessários à salvação,
e que a "razão" de modo algum podia ter antecipado.
Para estabelecer-se este argumento é necessário que se
e s t a b e l e ç a m , em sua o r d e m e s e p a r a d a m e n t e , os p o n t o s
seguintes:
I o . Uma revelação sobrenatural é necessária para o h o m e m ,
no seu estado atual.
2 o . U m a revelação sobrenatural é possível tanto aparte Dei
q u a n t o a parte hominis.
3°. Por aquilo que a teologia n a t u r a l nos revela, dos

72
Mananciais da Teologia

atributos de Deus, de Suas relações para c o m os h o m e n s


e de n o s s o e s t a d o m o r a l , u m a r e v e l a ç ã o s o b r e n a t u r a l é
antecedentemente provável. 'ju-. ., -
o
4 . E um fato histórico que o cristianismo é u m a revelação
sobrenatural.
5 o . E também um fato histórico que o cânon atual do Velho
e Novo Testamentos só consta dos d o c u m e n t o s autênticos
e genuínos que atualmente existem dessa revelação e contém
todos esses documentos.
6 o . Os livros de que se compõe esse cânon foram inspirados
de um m o d o s o b r e n a t u r a l , de m a n e i r a que c o n s t i t u e m a
Palavra de Deus, e u m a regra infalível e autorizada de fé e
prática para os h o m e n s . " f ' ;

8. Provas de que uma revelação sobrenatural é necessária para


os homens no seu estado atual.
I a . A própria razão ensina: (1) que, como questão de fato,
a natureza moral do h o m e m está em desordem, e (2) que suas
relações para com Deus acham-se perturbadas pela culpa e
aberração.
A razão pode descobrir o fato de existir o pecado, mas
n e n h u m a s u g e s t ã o faz, q u a n t o a o m o d o d e r e m e d i á - l o .
Podemos determinar a priori que Deus está resolvido a p u n i r
o pecado, porque isso, sendo matéria de justiça, descansa na
Sua natureza inalterável e necessária; mas nada podemos
d e t e r m i n a r assim q u a n t o à Sua disposição de prover, ou
p e r m i t i r que se ofereça, um r e m é d i o , p o r q u e isso, s e n d o
matéria da Sua graça, depende da Sua vontade.
2 a Um anelo religioso espontâneo, natural e universal, por
uma divina automanifestação e intervenção da parte de Deus,
e que é manifesto em toda a história h u m a n a , prova a neces-
sidade de uma revelação sobrenatural.
3 a . A razão n u n c a , no caso de n e n h u m a c o m u n i d a d e
histórica, conseguiu dar aos h o m e n s certeza; satisfazer às suas
necessidades e regular a sua vida. • -

73
Capítulo 3

4 a . O racionalismo é forte só para atacar e destruir. N u n c a


mostrou-se m u i t o apto para construir. Não há dois racionalistas
proeminentes que concordem quanto ao que sejam os
resultados positivos e certos do ensino da razão. j

9. Provas de que uma revelação sobrenatural épossível da parte


de Deus e também quanto ao que diz respeito ao homem.
Q u a n t o à sua possibilidade da parte de Deus - se o teísmo '
é verdadeiro - se Deus é u m a Pessoa infinita e extra-terrena,
que ainda dirige a operação das leis que Ele instituiu como
Seu m é t o d o , e s u b o r d i n o u o sistema físico aos interesses
superiores do Seu governo moral - então é evidente que limitá-
-10 quanto à maneira, ao caráter e à extensão de Suas auto-
m a n i f e s t a ç õ e s a Suas c r i a t u r a s , é um a b s u r d o . Todas as
pressuposições filosóficas alegadas contra a possibilidade de
u m a revelação sobrenatural da parte de Deus, têm por base
princípios deístas, materialistas ou panteístas. O a r g u m e n t o
que estabelece o teísmo já expusemos no Cap.2.
Para provar que, da parte do h o m e m , há u m a impos-
sibilidade de comunicar-se-lhe verdades novas por meio de
u m a revelação em forma de livro, os modernos racionalistas
transcendentais têm empregado este argumento: as palavras
são sinais convencionais que têm o poder de despertar, na
mente, só as idéias que, tendo sido apreendidas anteriormente,
têm sido associadas convencionalmente a essas palavras.
RESPONDEMOS: I o . A d m i t i m o s que é necessário que as
simples idéias definitivas que não se pode analisar, sejam
p r i m e i r o apreendidas por um órgão apropriado n u m ato de
intuição espontânea. N i n g u é m pode chegar a ter a idéia de
cores senão pela função de seus olhos; n e m a idéia do que é
direito senão por um ato intuitivo de seu sentido moral.
2°. A revelação cristã não contém novas idéias simples,
defi-nitivas, e impossíveis de serem analisadas. Ela pressupõe
e envolve a matéria de todas as intuições semelhantes e naturais,
e desperta as intuições racionais e morais a um exercício

74
Mananciais da Teologia

mais ativo e n o r m a l pela associação c o m novos aspectos de


nossas relações espirituais; pela maior parte, p o r é m , ela narra
fatos objetivos e concretos, explica a aplicação de princípios
intuitivos às nossas verdadeiras relações e condições históricas;
e faz-nos saber os propósitos, exigências e promessas de D e u s .
3 o . Até novas idéias simples p o d e m ser despertadas na
m e n t e h u m a n a , por meio de uma iluminação interior,
sobrenatural e espiritual, operando nas m e n t e s daqueles que
são os objetos da experiência religiosa. A obra do Espírito
Santo, a c o m p a n h a n d o a palavra escrita, completa a revelação.
Um cristão experimentado, sob o ensino do Espírito Santo
aplicando a Palavra de Deus, tem um c o n h e c i m e n t o tão claro
e certo da matéria c o m p r e e n d i d a na sua experiência c o m o é o
que tem da matéria que percebe por meio de seus sentidos
corporais.

10. Demonstrar, pelos dados da teologia natural, que no estado


atual da natureza humana, uma revelação sobrenatural é antecedente
provável.
Como mostramos no Cap. 2, a teologia natural nos ensina
que existe um D e u s pessoal que é infinito, eterno, sábio, e
absolutamente justo, reto e benévolo. Ensina-nos, também, que
o h o m e m criado à imagem divina é corrupto m o r a l m e n t e e
c o n d e n a d o judicialmente. Revela-nos que o h o m e m precisa
da ajuda de Deus, que ele a anela e espera, e que por isso não
está incapacitado para ela, como o estão os anjos maus. Por
conseguinte, todas as perfeições de Deus e todas as misérias
dos h o m e n s autorizam a esperança racional de que, em algum
tempo e de algum modo, Deus, na Sua graça, esteja disposto a
intervir de um modo sobrenatural a favor do h o m e m e a revelar
Seu caráter e Seus propósitos mais p l e n a m e n t e para direção
do h o m e m .

11. Como se pode provar que, como fato histórico, o cristianismo


é realmente uma estupenda revelação sobrenatural?

75
Capítulo 3

A este respeito, é necessário referir ao leitor os muitos e


excelentes tratados sobre as evidências do cristianismo. As
obras p o r Paley, C h a l m e r s , E r s k i n e e Alexander sobre as
Evidências; Criticai History ofFree Thought, por A. S. Farrar;
Evidences of Christianity, por H o p k i n s ; Evidences of Christianity
in the Nineteenth Century, por Albert Barnes; Leading Evidences
of Christianity, por G. Wardlaw; Apologetics ofthe Christian Faith,
por Hetherington; Grounds of Christian Hope, por Leathes;
Supernatural in the New Testament, por Row; Superhuman
Origin of the Bible, por Rogers; Modem Doubt and Christian
Belief por Christlieb; Historical Evidence of the Truth of the
Scripture Records, por Rawlinson; Christianiamty and Morality,
por Wace; Cautions for Doubters, por T i t c o m b ; Prize Essay
on Infidelity, por Pearson; Witness of History to Christ, por F.
W. Farrar.

12. Como se pode provar que o cânon aceito do Velho e do


Novo Testamentos consta só dos livros autênticos e genuínos da
revelação cristã e contém todos esses livros?
A este respeito t a m b é m é preciso recomendar ao leitor os
melhores tratados sobre o cânon das Sagradas Escrituras. B.
F. Westcott, sobre The Canon e sobreIntroduction to the Study of
the Gospels; When were our Gospels composed?, por Tischendorf;
Historie Origen of the Bible, por E. Cone Bissell; The Supernatu-
ral Origin of Christianity e The Beginnings of Christianity, por
Prof. George P Fisher.

13. Qual é a natureza e qual a extensão da inspiração das


Escrituras Sagradas?
Veja a seguir, no Cap. 4.

14. Qual é o ofício legítimo da razão na esfera da religião?


1°. A razão é a revelação primária que Deus fez ao h o m e m ,
e é necessariamente presuposta em toda revelação subseqüente,
seja qual for sua espécie.

76
Mananciais da Teologia

2 o . Por isso a razão, inclusive a natureza moral, emocional


e a experiência, é necessariamente o i n s t r u m e n t o p o r meio do
qual a p r e e n d e m o s e r e c e b e m o s todas as revelações
subseqüentes. U m a revelação dirigida aos irracionais seria tão
inconseqüente como a luz para os cegos. Este é ousus organicus
da razão.
3 o . Segue-se que n e n h u m a revelação subseqüente pode
contradizer a razão, operando legitimamente d e n t r o da sua
própria esfera. Porque, de outro modo, (1) Deus Se contradiria
a Si mesmo, e (2) a fé se tornar-ia impossível. Q u a n d o cremos,
assentimos que uma coisa é verdadeira; mas q u a n d o essa coisa
contradiz a razão, vemos q u t n ã o éverdadeira. Por conseguinte,
a razão, julgando pelas evidências, ou interpretando os escritos
de u m a revelação sobrenatural, tem o ofício de exercer o judi-
cium contradictionis. A razão tem, pois, que d e t e r m i n a r duas
questões: (1) Seria Deus quem fala? (2) Q u e diz Ele? Isso,
p o r é m , exige (a) a cooperação de todas as faculdades do saber,
tanto as morais como as puramente intelectuais; (b) um espírito
h u m i l d e e dócil; (c) sinceridade perfeita e lealdade à verdade;
(d) prontidão para a prática de toda verdade conhecida, e (e) a
iluminação e a assistência do Espírito da verdade que nos é
prometido.
Esta é a antiga distinção entre aquilo que é contrário à
razão e aquilo que está acima dela. E evidente que o maior
absurdo que podemos cometer é alegarmos, como objeção a
u m a revelação acreditada por toda espécie de provas, que a
nossa razão não pode compreender o que essa revelação ensina,
ou que ela contém elementos que parecem inconciliáveis com
outras verdades. Porque: (1) Essa objeção pressupõe que a razão
h u m a n a é a mais exaltada forma de inteligência, o que é um
absurdo. (2) Não há outro ramo em que os h o m e n s limitem a
sua fé por sua capacidade de compreender. P e r g u n t o : o que
c o m p r e e n d e m ou e n t e n d e m os cientistas quanto à natureza
original dos átomos, da inércia, da gravidade, da energia ou
força, e da vida ? No entanto, crêem em tudo isso, e não há

77
Capítulo 3

m o m e n t o em que não se vejam obrigados a aceitar o incom-


preensível como uma verdade e a reconhecer que o inexplicável
é CertO. :
Toda a incredulidade especulativa tem sua origem no louco
orgulho do espírito h u m a n o , no desejo insaciável de ver t u d o
explicado, e, sobretudo, de ver todo o conhecimento reduzido
em aparência á unidade lógica. O senso c o m u m e o hábito de
reduzir as opiniões à prática conduzem à saúde do corpo e do
espírito, e também, à fé religiosa. •.,«

15. Que é Filosofia, e qual a sua relação com a Teologia?


Filosofia, no seu sentido lato, abrange todos os conheci-
mentos humanos adquiridos por meio das faculdades naturais
do homem, e consiste nesses conhecimentos interpretados e
sistematizados pela razão. Ciência é palavra mais específica,
que diz respeito a algum ramo especial, reduzido perfeitamente
a um sistema. Em nossos dias, o termo ciência está sendo
limitado mais e mais definidamente ao conhecimento dos
fenômenos físicos do universo. Neste sentido, a ciência tem
por alvo a determinação dos fenômenos nas suas classificações
de semelhança e dissemelhança, e suas leis ou o r d e m de
coexistência ou sucessão, e não indaga sobre substância, causa,
propósito, etc. A filosofia é pressuposta, pois, na ciência como
o conhecimento primário e mais geral. Indaga a respeito do
âmago das leis do pensar, da intuição e da verdade absoluta,
da substância e existência real, da causa absoluta, da natureza
absoluta, da força e da vontade, da consciência e do dever.
Quanto às suas relações com a teologia, nota-se:
I o . Que os primeiros princípios da verdadeira filosofia são
pressupostos em toda a teologia, tanto natural como revelada.
2 o . Que as Sagradas Escrituras, se bem que não tenham
p r i m a r i a m e n t e a finalidade de ensinar filosofia, c o n t u d o
p r e s s u p õ e m n e c e s s a r i a m e n t e e e n v o l v e m os p r i n c í p i o s
fundamentais de uma filosofia verdadeira - não as inferências
deduzidas desses princípios agrupados n u m sistema, c sim os

78
Mananciais da Teologia

próprios princípios, os que dizem respeito a substância e causa,


a consciência e o dever.
3 o . A filosofia em voga em q u a l q u e r t e m p o reagiu e
necessariamente reagirá ante a interpretação das Escrituras e a
formação de sistemas teológicos. Isso foi verdade q u a n t o ao
Platonismo, ao N e o - P l a t o n i s m o do segundo período; q u a n t o
à f i l o s o f i a a r i s t o t é l i c a da I d a d e M é d i a ; aos s i s t e m a s de
Descartes e L e i b n i t z ; de K a n t , Fichte, Schelling e Hegel na
E u r o p a c o n t i n e n t a l , e de Locke, Ried, Coleridge, etc., na
Inglaterra.
4°. O crente devoto, p o r é m , que tem a certeza de ser a
Bíblia a própria Palavra de Deus, n u n c a pode p e r m i t i r que a
sua filosofia, derivada de f o n t e s h u m a n a s , d o m i n e a sua
interpretação da Bíblia, mas procurará com espírito dócil e
com o auxílio do Espírito Santo, fazer sua filosofia h a r m o n i -
zar-se perfeitamente com aquilo que é contido implicitamente
na Palavra de Deus. Há de procurar, sem falta, ter u m a filosofia
que seja serva genuína e natural daquilo que está revelado
nessa Palavra.
Todo o pensar h u m a n o e toda a vida h u m a n a são u m . Se,
pois, D e u s fala com qualquer finalidade, Sua palavra deve ser
s u p r e m a ; e até o n d e diz respeito a qualquer r a m o das opiniões
e ações dos homens, deve ser aceita nesse r a m o como autoridade
indiscutível e como a Lei suprema.
As diversas seções em que se divide a teologia cristã já
foram e n u m e r a d a s no capítulo 1.

79
4

A Inspiração das Escrituras


PRESSUPOSIÇÕES NECESSÁRIAS

1. Quais são as pressuposições necessárias quanto a princípios


e questões de fato, que é preciso admitir-se antes de poder afirmar
a possibilidade da inspiração ou a inspiração de qualquer livro
em particular?
I a . A existência de um D e u s pessoal p o s s u i n d o , em
a b s o l u t a perfeição, os a t r i b u t o s de poder, i n t e l i g ê n c i a e
excelência moral. ,
a
2 . Que, em Sua relação com o universo, Ele é ao m e s m o
t e m p o i m a n e n t e e transcendente. Que está acima de tudo, e
sobre rudo age livremente, de fora. Q u e está dentro de t u d o e
age através de toda parte do interior, no exercício de todas as
Suas perfeições, e segundo as leis e modos de ação que tem
estabelecido para as Suas criaturas, sustentando-as e gover-
nando-as em todas as Suas ações.
3 a . Que o governo moral de Deus sobre os homens e sobre
todas as criaturas inteligentes, governo que Ele exerce por meio
da verdade e de outros motivos dirigidos à razão delas e à
vontade delas, recompensa-as e castiga-as segundo os seus
caracteres e as suas ações morais, e educa-as benevolamente
para o seu destino exaltado, em Sua c o m u n h ã o e em Seu
serviço.
4 a . O fato de que a raça h u m a n a , em vez de progredir por
via de um desenvolvimento natural de u m a condição moral
inferior para u m a condição moral superior, caiu de seu estado

80
Inspiração das Escrituras

e relação originais e está agora p e r d i d a n u m a c o n d i ç ã o q u e


envolve corrupção e culpa, e é incapaz de salvar-se dela sem
intervenção sobrenatural. • ion t i * ; j s ::v ' • •
5 a . A i n t e g r i d a d e histórica das Escrituras Sagradas, sua
veracidade c o m o história, e a g e n u i n i d a d e e autenticidade dos
diversos livros que a c o m p õ e m .
6 a . A v e r d a d e do cristianismo, no s e n t i d o em q u e este se
acha exposto n o s d o c u m e n t o s sagrados.
Todas essas pressuposições necessárias, a verdade das quais
está envolvida na d o u t r i n a de s e r e m i n s p i r a d a s as Sagradas
Escrituras, dividem-se em duas classes -
( I a ) As que se f u n d a m na intuição, e as provas m o r a i s e
espirituais da v e r d a d e divina c o m o sejam, a existência e os
a t r i b u t o s de D e u s e Suas relações c o m o m u n d o e c o m os
h o m e n s ; o t e s t e m u n h o da consciência m o r a l dos h o m e n s de
que são pecadores c o n d e n a d o s j u s t a m e n t e , e incapazes de
salvar-se por si m e s m o s .
(2 a ) As q u e se f u n d a m em questões de fato, e q u e d e p e n -
d e m do t e s t e m u n h o histórico e crítico q u a n t o à verdadeira
o r i g e m e ao c o n t e ú d o dos livros sagrados.
Se se duvidar de qualquer desses princípios ou fatos, deve-
-se p r o c u r a r as suas provas nas divisões da teologia que tratam
deles especialmente, como por exemplo, no r a m o da
apologética - o a r g u m e n t o teísta e a teologia natural, as provas
do cristianismo, a origem histórica das Escrituras, o cânon,
crítica e exegese do texto sagrado.

EXPOSIÇÃO DA D O U T R I N A DA IGREJA
SOBRE A INSPIRAÇÃO

2. Qual o sentido em que a Bíblia é inspirada, segundo o ensino


universal da Igreja, e até onde é que se estende essa inspiração,
segundo esse mesmo ensino?
A Igreja ensina universalmente que os escritores sagrados
e r a m de tal m o d o i n f l u e n c i a d o s pelo Espírito Santo que seus

81
Capítulo 4

escritos, em seu todo e em todas as suas partes, são a Palavra


de D e u s para nós - u m a revelação de autoridade, que D e u s
nos fez, aprovada por Ele e enviada a nós como u m a regra de
fé e prática. Os escritos originais da qual eram absolutamente
infalíveis, q u a n d o interpretados no sentido em que os autores
e m p r e g a v a m as palavras que escreveram c o m a u t o r i d a d e
divina absoluta.

3. Que quer dizer inspiração "plena"?


U m a influência divina, plena e suficiente para conseguir
o seu fim. O fim conseguido, neste caso, é a perfeita infali-
b i l i d a d e das E s c r i t u r a s em t o d a s as suas p a r t e s , c o m o
d o c u m e n t o autêntico quanto aos fatos narrados e doutrinas
e n s i n a d a s ; e infalível t a n t o a r e s p e i t o dos p e n s a m e n t o s
expostos como das expressões empregadas na sua exposição.
De m o d o que, não obstante virem a nós por meio do espírito,
coração, imaginação, consciência e vontade de h o m e n s , são
ainda assim, no sentido mais restrito do termo, a Palavra de
Deus. ! = .•' •.«• • :

4. Que quer dizer a expressão "inspiração verbale como se


pode provar que as palavras da Bíblia foram inspiradas?
Quer dizer que, fosse qual fosse a influência divina que
assistia aos sagrados escritores n a q u i l o que e s c r e v e r a m ,
estendeu-se à expressão de seus pensamentos em palavras,
como também aos pensamentos. Sendo o efeito disso que, nos
escritos originais, a linguagem exprime com certeza infalível
os pensamentos que D e u s queria manifestar, de modo que as
palavras, bem como os pensamentos, são a revelação que Deus
nos fez. Que essa influência estendia-se às palavras, torna-se
evidente-
I o . Pelo próprio desígnio que a inspiração tinha em vista,
que não era tornar infalivelmente acertadas as opiniões dos
h o m e n s inspirados (havia diferenças de opinião entre Paulo e
Pedro, Gál. 2:11, e às vezes os profetas não sabiam o sentido

82
Inspiração das Escrituras

daquilo que escreviam), e sim, fazer com que nos documentos


fosse c o n s i g n a d a i n f a l i v e l m e n t e a v e r d a d e . Todavia um
d o c u m e n t o consta de palavras. •*--
o
2 . Os h o m e n s p e n s a m em palavras, e q u a n t o m a i s
d e f i n i d a m e n t e pensam, tanto mais i m e d i a t a m e n t e se acham
seus p e n s a m e n t o s associados c o m u m a expressão verbal
exatamente apropriada ao p e n s a m e n t o . Por conseguinte, é
impossível conseguir-se ou conservar-se infalibilidade nos
pensamentos independentes da infalibilidade na sua expressão
verbal.
3 o . As Escrituras a f i r m a m a sua inspiração verbal. 1 Cor.
2:13; 1 Tess. 2:13.
4 o . Os escritores do N o v o Testamento, q u a n d o citam o
Velho Testamento em apoio de um argumento, muitas vezes
b a s e i a m o a r g u m e n t o nas p r ó p r i a s palavras e m p r e g a d a s ,
a t r i b u i n d o assim autoridade às palavras, e não só aos pensa-
m e n t o s que as palavras exprimem - Mat. 22:32 e Ex. 3:6,16;
Mat. 22:45 e Sal. 100:1; Gál. 3:10 e Gên. 17:7, no original e na
Vulgata.

5. Por quais meios produziu Deus> segundo o ensino da Igreja,


o resultado acima definido?
A doutrina da Igreja reconhece o fato de que as Escrituras
são, ao m e s m o tempo, um p r o d u t o da ação de Deus e dos
h o m e n s . Os escritores h u m a n o s produziram, cada um a sua
parte, no exercício livre e natural de suas faculdades pessoais,
nas condições históricas em que se achavam. Deus, t a m b é m ,
de tal m o d o operou c o n c o r r e n t e m e n t e nesses e por esses
escritores que o inteiro organismo das Escrituras e cada parte
delas é, para nós, a Sua palavra infalivelmente verdadeira, no
sentido em que foi escrita e é de autoridade absoluta.
A ação de Deus inclui os três elementos seguintes:
I o . Sua ação providencial em produzir as Escrituras. O
curso inteiro da redenção da qual a revelação e a inspiração
e r a m funções especiais, foi u m a providência especial,

83
Capítulo 4

dirigindo a evolução de uma história especialmente


providencial. Nesta, o natural e o sobrenatural continuamente
interpenetravam-se. Mas, como era necessariamente o caso, o
natural era a regra e o sobrenatural a exceção; sendo este,
porém, tão pouco sujeito a acidentes e tanto sujeito ao desígnio
racional de D e u s , como o é o natural. Assim, D e u s p r o d u z i u
providencialmente, a Seu tempo, os h o m e n s expressamente
destinados para ocasiões d e t e r m i n a d a s , revestidos das
f a c u l d a d e s , q u a l i d a d e s , educação e e x p e r i ê n c i a da graça
necessárias para a produção dos escritos que Deus tencionava
fazer aparecer. Moisés, Davi, Isaías, Paulo ou João; gênio e
caráter, natureza e dotes da graça, lavrador, filósofo ou rei; o
h o m e m e, com ele, todos os sutis acidentes pessoais foram
preparados providencialmente no m o m e n t o próprio como as
necessárias precondições instrumentais para a obra que se devia
fazer.
2 o . A revelação de verdades inatingíveis de outro m o d o .
Sempre que o escritor não possuía ou n ã o podia por meios
naturais tornar-se possuidor do conhecimento que Deus queria
comunicar, foi-lhe revelado, de u m a maneira sobrenatural,
m e d i a n t e palavras ou u m a visão. Esta revelação era sobre-
natural, objetiva quanto a quem a recebia, e era-lhe certificada
como verdade, de origem divina por t e s t e m u n h o apropriado.
Foi revelada dessa maneira, diretamente, grande parte das
Escrituras - as profecias sobre eventos futuros, as doutrinas
peculiares do cristianismo, as promessas e ameaças da Palavra
de Deus, etc., m a s não foi revelado, de m o d o algum, todo o
conteúdo das Escrituras.
3 o . Inspiração. Os escritores estavam sujeitos a uma divina
i n f l u ê n c i a p l e n a c h a m a d a inspiração, que atuava sobre e
mediante suas faculdades naturais, em tudo o que escreveram,
dirigindo-os na escolha do assunto e em todo o curso de seus
p e n s a m e n t o s e no m o d o de os e x p r i m i r em palavras, de
maneira que, sem interferência no livre exercício natural de
suas faculdades, eles, livre e espontaneamente, p r o d u z i r a m

84
Inspiração das Escrituras

os próprios escritos que D e u s queria que produzissem, e que


possuem assim os atributos de infalibilidade e autoridade,
c o m o supra definidos. •• . y-xv
A inspiração difere, portanto, da revelação - (1) Em que a
inspiração é a constante experiência dos escritores sagrados
em t u d o o que escreveram, e em que afeta a infalibilidade
igual de todos os escritos que p r o d u z i r a m ; e n q u a n t o que a
revelação, c o m o já dissemos acima, era c o n c e d i d a sobre-
naturalmente, só quando era necessária. (2) Em que a revelação
comunica, objetivamente, ao escritor, verdades desconhecidas;
e n q u a n t o q u e a i n s p i r a ç ã o era u m a i n f l u ê n c i a d i v i n a ,
o p e r a n d o subjetivamente sobre os sagrados escritores, sem
comunicar-lhes nada, mas dirigindo suas faculdades no seu
exercício natural, de m o d o que p r o d u z i s s e m d o c u m e n t o s
autênticos e infalíveis quanto às matérias de história, doutrina,
profecia, etc. que D e u s t i n h a o desígnio de enviar por meio
deles à Sua Igreja.
Ela difere da iluminação espiritual em q u e esta é um
elemento essencial na obra santificadora do Espírito Santo
c o m u m a todos os cristãos. N u n c a resulta no c o n h e c i m e n t o
de verdades novas, e sim, somente no discernimento da beleza
e do poder espirituais das verdades já reveladas nas Sagradas
Escrituras. ' <A>
A inspiração é u m a influência especial do Espírito Santo,
que foi peculiar aos profetas e apóstolos e lhes assistia só no
exercício de suas funções c o m o mestres d i v i n a m e n t e acre-
ditados. A maioria deles foi inspirada e t a m b é m iluminada
espiritualmente. Alguns, como Balaão, não sendo regenerados
f o r a m inspirados, porém estavam sem iluminação espiritual.

AS PROVAS DA D O U T R I N A DA IGREJA
SOBRE A INSPIRAÇÃO

6. Quais as fontes de onde se deve tirar as provas quanto à


natureza e à extensão da inspiração das Escrituras? ,,,

85
Capítulo 4

I a . As asserções das próprias Escrituras Sagradas.


2 a . Os f e n ô m e n o s das Escrituras q u a n d o e x a m i n a d o s
criticamente. .•*•«• ; - •

A S A F I R M A Ç Õ E S D A S E S C R I T U R A S SAGRADAS
Q U A N T O A N A T U R E Z A DA SUA
PRÓPRIA INSPIRAÇÃO

7. Como se pode justificar a apresentação das asserções das


Sagradas Escrituras como prova da sua inspiração?
Não raciocinamos n u m círculo vicioso quando baseamos
a v e r d a d e da inspiração das Escrituras em suas p r ó p r i a s
asserções. Chegamos a esta questão já crendo na credibilidade
das Escrituras como história, e na de seus escritores como
t e s t e m u n h a s de fatos, e na verdade do c r i s t i a n i s m o e na
deidade de Cristo. Por conseguinte, deve ser verdade tudo
quanto Cristo afirma a respeito do Velho Testamento, tudo
quanto prometeu aos apóstolos, tudo quanto estes asseveram
a respeito de uma influência divina, operando neles e por meio
deles; ou a respeito da infalibilidade e autoridade dos seus
escritos. E isso mais especialmente p o r q u e todas as suas
reivindicações foram endossadas por Deus, operando com eles
por meio de sinais maravilhosos e dons do Espírito Santo. E
evidente que, se negarmos a sua inspiração e a infalibilidade
e autoridade dos seus escritos, os acusaremos de presunção
fanática e de fazerem falsas representações do caráter, o mais
grosseiro, e negaremos a validade do seu t e s t e m u n h o sobre
qualquer ponto. Se negarmos a inspiração plena das Escrituras,
ficará solapada toda a fé cristã.

8. Como se pode, com justiça, inferir a inspiração dos apóstolos


do fato de fazerem milagres?
O milagre é um sinal divino, credenciando a pessoa a
quem foi concedido esse poder, como agente comissionado
d i v i n a m e n t e - M a t . 16:1-4; A t o s 14:3; H e b . 2:4. E s t e

86
Inspiração das Escrituras

t e s t e m u n h o divino n ã o só a n i m a a crer, m a s t o r n a absoluta-


m e n t e obrigatório o dever de crer. D e u s nos m a n d a crer
q u a n d o vemos um sinal; mas não podia m a n d a r - n o s crer em
coisa q u e n ã o fosse verdade pura comunicada de um m o d o
infalível.

9. Como se pode mostrar que o dom da inspiração foi prome-


tido aos apóstolos?
Mat. 10:19; Luc. 12:12; João 14:26; 15:26; 16:13; Mat.
28:19, 20; João 13:20.

10 .De que modos diversos os apóstolos reivindicaram para si,


a posse do Espírito?
Disseram:
1 0 . Q u e t i n h a m o E s p í r i t o de c o n f o r m i d a d e c o m a
promessa de C r i s t o - A t o s 2:33; 4:8; 13:2-4; 15:28; 21:11; 1
Tess. 1:5.
2 o . Falaram como os profetas de Deus - 1 Cor. 4:1; 9:17;
2 Cor. 5:19; 1 Tess. 4:8.
3 o . Falaram com autoridade plena - 1 Cor. 2:13; 1 Tess.
2:13; 1 João 4:6; Gál. 1:8,9; 2 Cor. 13:2,3,4. Colocam seus
escritos na mesma categoria das Escrituras do Velho Testa-
m e n t p : 2 Ped. 3:16; 1 Tess. 5:27; Col. 4:16; Apoc. 2 : 7 - D r .
Hodge.

11. Como foram confirmadas suas asserções a esse respeito?


I o . Por sua vida santa, simples, temperada e ao m e s m o
tempo heróica.
2 o . Pela santidade da doutrina que ensinaram e pela virtude
espiritual dessa d o u t r i n a , atestada p o r seus efeitos sobre
c o m u n i d a d e s e indivíduos.
3 o . Pelos milagres que realizaram - Heb. 2:4; Atos 14:3;
Mar. 16:20.
4 o . Todos estes testemunhos nos vêm, não só comprovados
pelos escritos dos p r ó p r i o s apóstolos, m a s t a m b é m pelo

87
Capítulo 4

t e s t e m u n h o u n i f o r m e dos primeiros cristãos, seus contem-


porâneos e seus sucessores imediatos.

12. Como demonstrar que os escritores do Velho Testamento ]


declaravam-se inspirados?
1°. Moisés diz-nos que escreveu, pelo menos, parte do
Pentateuco por ordem divina: Deut. 31:19-22; 34:10; N ú m .
1 6 : 2 8 , 2 9 - D a v i afirma que falou por inspiração - 2 Sam. 21:1.
2 o . Como fato característico, os escritores do Velho Testa-
m e n t o não falam em seu próprio nome, mas introduzem suas
mensagens com o prefácio: "Disse o S e n h o r " , "O Senhor me
disse", "O Senhor falou", etc.: Jer. 9:13; 13:13; 30:4; Is. 8:1;
23:11; Miq. 4:4. Amós 3:1; Deut. 18:21,22; 2 Sam. 21:1; 1
Crôn. 17:3 - Dr. Hodge.

13. Como foram confirmadas as suas asserções a esse respeito?


I o . F o r a m c o n f i r m a d a s a seus c o n t e m p o r â n e o s pelos
milagres que esses profetas realizaram, pelo c u m p r i m e n t o de
muitas de suas predições ( N ú m . 16:28-33), pela santidade de
sua vida, pela perfeição moral e espiritual de sua doutrina, e
pela adaptação prática do sistema religioso que revelaram às
necessidades urgentes dos homens.
2 o . São confirmadas a nós p r i n c i p a l m e n t e - (1) Pelo
c u m p r i m e n t o notável de muitas de suas predições, séculos
depois de proferidas. (2) Pela evidente relação que existia en-
tre a religião simbólica que promulgaram e os fatos e doutrinas
do cristianismo, provando assim, um divino pré-ajustamento
do tipo para o a n t í t i p o . (3) Pelo abono de Cristo e Seus
apóstolos. i

14. Quais as fórmulas que introduzem no Novo Testamento


muitas das citações tiradas do Velho Testamento; e como provam
essas formas de expressão a inspiração das antigas Escrituras?
"O Espírito Santo diz", Heb. 3:7; "Significando com isto
o Espírito Santo" Heb. 9:8; "Diz o Senhor", Atos 2:17 e Is.

88
Inspiração das Escrituras

44:2; " D i z a lei" 1 Cor. 9:9,10 e D e u t . 25:4; " D i z a Escritura",


Rom. 4:3; Gál. 4:30; "Está escrito" Luc. 18:31; 21:22; João
2:17; 20:31; R o m . 4:17; "Disseste pelo Espírito Santo por
boca de Davi", Atos 4:25 e Sal 2:1,2; " D e u s determina... um
certo dia... dizendo por D a v i d " , H e b . 4:7 e Sal. 9 : 7 , 8 ; " D a v i
lhe c h a m a em espírito, dizendo": Mat. 22:43 e Sal. 110:1.
Assim, pois, as Escrituras do Velho Testamento são o que
D e u s disse, o que falou p o r boca de Davi, etc. e são citadas
c o m o bases autorizadas para argumentação conclusiva; por
isso não p o d e m deixar de ser inspiradas.

15. Como se pode provar a inspiração dos escritores do Velho


Testamento pelas declarações expressas do Novo Testamento?
Luc. 1:70; Heb. 1:1; 2 Tim. 3:16; 1 Ped. 1:10,12; 2 Ped.
1:21.

16. Qual é o argumento sobre este ponto, tirado da maneira


pela qual Cristo e Seus apóstolos, nos seus argumentos, muitas vezes
citam o Velho Testamento como autoridade suprema?
Cristo cita, constantemente, o Velho Testamento. Mat.
21:13; 22:43. Declara que não pode falhar, João 7:23; 10:35;
que a lei toda éobrigatória, Mat. 5:18; e que era necessário que
se cumprisse tudo o que a Seu respeito se acha escrito em
"Moisés", os profetas e os Salmos", Luc. 24:44. Os apóstolos
c o s t u m a m citar o Velho Testamento do m e s m o modo. "Para
que se cumprisse o que se achava escrito" é, para eles, u m a
f ó r m u l a característica: Mat. 1:22; 2:15; 17:23; 26:54; João
12:38; 15:25, etc. Todos apelam para as palavras das Escrituras
c o m o a u t o r i d a d e s u p r e m a . Isso, de certo m o d o , prova a
infalibilidade das Escrituras.

• ti.

> í'g/ .

89
Capítulo 4

OS F E N Ô M E N O S DAS ESCRITURAS
CONSIDERADOS COMO PROVAS DA N A T U R E Z A
E E X T E N S Ã O DA SUA I N S P I R A Ç Ã O

17. Que provas temos nos fenômenos das Escrituras sobre a


natureza e extensão das causas humanas que cooperaram para
produzi-las?
Toda parte das Escrituras igualmente contém provas de
u m a origem h u m a n a . Os escritores de todos os livros eram
h o m e n s , e o processo de composição que lhes deu origem era,
c a r a c t e r i s t i c a m e n t e , processo h u m a n o . As características
pessoais do modo de pensar e sentir dos escritores operaram
e s p o n t a n e a m e n t e na sua atividade literária e i m p r i m i r a m
caráter distinto em seus escritos, de um m o d o em tudo seme-
lhante ao efeito que o caráter de quaisquer outros escritores
produz nas suas obras. Escreveram impelidos por impulsos
humanos, em ocasiões especiais e com fins determinados. Cada
um deles enxerga o seu assunto do seu ponto individual de
vista. Recolhe o seu material de todas as fontes que lhe são
acessíveis - da experiência e observação pessoais, de antigos
d o c u m e n t o s e de t e s t e m u n h o contemporâneo. Arranja seu
material com referência ao fim especial que tem em vista; e
de princípios e fatos tira inferências segundo o seu p r ó p r i o
m o d o , mais ou m e n o s lógico, de pensar. Suas emoções e
imaginações exercitam-se espontaneamente e manifestam-se
como co-fator nas suas composições. As limitações de seu
c o n h e c i m e n t o pessoal e de seu estado mental em geral, e os
defeitos de seus hábitos de pensar e de seu estilo são tão óbvios
em seus escritos como o são outras quaisquer de suas carac-
terísticas pessoais. Usam a linguagem e os modismos próprios
da sua nação e classe social. Adotam os usos loquendi correntes
entre o seu povo, sem tomar a responsabilidade das idéias
filosóficas que lhes deram origem.
Os hábitos e métodos mentais dos escritores eram os da
sua nação e geração. Eram orientais, em sua maioria, e por

90
Inspiração das Escrituras

isso seus escritos estão repletos de metáforas e símbolos. E, se


b e m q u e p o d e m o s confiar s e m p r e n a v e r a c i d a d e d e suas
afirmações, contanto que as limitemos, segundo a intenção
dos autores, àquilo que t i n h a m em vista c o m o seu f i m , eles
n u n c a visavam essa exatidão na enumeração, ou em narrações
cronológicas ou circunstanciais, que caracteriza as estatísticas
das modernas nações ocidentais. Assim como todos os h o m e n s
p u r a m e n t e literatos, em todos os séculos, eles descrevem a
o r d e m e os fatos da natureza s e g u n d o p a r e c e m , e n ã o de
c o n f o r m i d a d e científica com suas leis ou causas abstratas.
M u i t o s pensadores superficiais têm dito que alguns dos
fatos que acabamos de m e n c i o n a r não c o n d i z e m com o fato
alegado de serem os escritores sagrados dirigidos divinamente.
Mas, se refletirmos, parecer-nos-á evidente que, se Deus quiser
revelar-Se a nós, não irá fazê-lo senão sob todas as limitações
dos modos h u m a n o s de pensar e falar. E se Ele inspira h o m e n s
para comunicar Sua revelação mediante escritos, é necessário
servir-Se dos homens de um modo que condiga com a natureza
destes, como agentes racionais e espontâneos. E é evidente
que todas as distinções entre os diversos graus de perfeição do
c o n h e c i m e n t o dos h o m e n s , e na elegância do dialeto e estilo
h u m a n o s , nada são q u a n d o olhados à luz das relações c o m u n s
do h o m e m para com Deus. E evidente que Deus podia revelar-
-Se tão b e m por meio de um camponês como de um filósofo;
e m u i t o m e l h o r , se p o r Sua graça e m e i o s p r o v i d e n c i a i s
ajustou, previamente, as características pessoais do camponês
para os fins especiais que t i n h a em vista.

18. Que provas temos, nos fenômenos das Escrituras, quanto à


natureza e extensão da influência divina exercida na sua produção?
I a . Em toda parte das Escrituras acham-se provas morais
e espirituais da sua origem divina, sendo, porém, naturalmente
mais conspícuas em algumas partes que em outras. Encontram-
-sc reveladas nelas verdades transcendentais, u m a moralidade
perfeita, u m a revelação das perfeições absolutas da Deidade,

91
Capítulo 4

u m a previsão de eventos futuros, um c o n h e c i m e n t o perfeito


e í n t i m o dos segredos do coração h u m a n o , u m a luz que
esclarece a razão e u m a autoridade que obriga a consciência,
u m a compreensão de todos os motivos da experiência e vida
h u m a n a s , que não p o d i a m vir de f o n t e que não fosse divina.
Tudo isso é característica de grande parte das Escrituras, e em
toda a literatura t u d o isso é característico tão-somente das
Escrituras. E isso, j u n t a m e n t e com o t e s t e m u n h o do Espírito
Santo, é, praticamente, o t e s t e m u n h o em que confia a maioria
dos verdadeiros crentes.
2 a . No entanto, há outra característica das Escrituras, a
qual, tomada em conexão com o precedente, prova, incon-
testavelmente, a sua origem divina, em seu todo e em cada
u m a de suas partes. As Sagradas Escrituras são um organismo,
isto é, um todo composto de muitas partes diversificadas
e n t r e si em matéria, f o r m a , e estrutura c o m o os diversos
m e m b r o s do corpo; e, ao m e s m o tempo, cada parte se acha
ajustada às outras e ao todo, m e d i a n t e as correlações, as mais
i n t r i c a d a s e delicadas, m a s t e n d o em vista todas um f i m
comum.
As Escrituras são a história e a interpretação da obra da
redenção. Essa é u m a obra que D e u s preparou e levou a efeito
por meio de m u i t o s atos sucessivos d u r a n t e um processo
h i s t ó r i c o q u e d u r o u m u i t o s séculos. U m a p r o v i d ê n c i a
s o b r e n a t u r a l i a d e s e n v o l v e n d o , d u r a n t e esse t e m p o , u m
sistema de intervenções divinas, acompanhadas e interpretadas
por u m a ordem de profetas instruídos e dirigidos de um m o d o
sobrenatural. Cada um dos escritores tinha sua própria ocasião
especial e temporária de escrever; e t a m b é m seus próprios
temas e auditório especiais e temporários. E, contudo, cada
um contribuiu com parte daquilo que era necessário para
c o n s t r u i r o o r g a n i s m o c o m u m , ao passo que p r o g r e d i a a
história providencial tomando cada documento, além de servir
para o seu fim temporário, o seu lugar p e r m a n e n t e c o m o
m e m b r o do todo. De m o d o que o evangelho c u m p r i u a lei, o

92
Inspiração das Escrituras

antítipo correspondeu ao tipo e o c u m p r i m e n t o à predição, a


história foi interpretada pelas doutrinas e as doutrinas deram
leis ao dever e à vida. Q u a n t o m a i s m i n u c i o s a m e n t e f o r
estudado o conteúdo de cada livro à luz de seu f i m especial,
tanto mais diversas e exatas se achará que são suas articulações
no sistema geral do todo, e tanto mais b e m ordenada ver-se-á
que é a estrutura do todo. Isso constitui a m e l h o r prova de
desígnio que nos é possível imaginar, e no caso das Escrituras,
é prova de u m a influência divina e sobrenatural compreen-
d e n d o o seu todo, e estendendo-se a todas as partes, d u r a n t e
dezesseis séculos; c o m p r e e n d e n d o sessenta e seis escritos, e
cerca de quarenta cooperadores h u m a n o s . Assim, pois, a ação
divina na gênese de toda parte das Escrituras é d e t e r m i n a d a
tão claramente e com a m e s m a certeza como o é na gênese
mais antiga dos céus e da terra.

19. Qual a objeção feita a esta doutrina, baseada na maneira


livre por que as Escrituras do Velho Testamento são citadas no
Novo, e qual a resposta a essa objeção?
Na maioria dos casos, os escritores do Novo Testamento
citam os do Velho com exatidão verbal. As vezes, citam a versão
Septuaginta q u a n d o está c o n f o r m e com o hebraico; outras
vezes, introduzem u m a outra tradução; e outras vezes ainda,
citam a versão Septuaginta mesmo q u a n d o difere do hebraico.
Em alguns casos, comparativamente poucos, suas citações do
Velho Testamento são feitas de um m o d o m u i t o livre, e em
acomodação aparente do sentido literal.
B a s e a n d o seu raciocínio sobre esta ú l t i m a classe de
citações, os intérpretes racionalistas têm dito que é impossí-
vel que fossem inspirados plenamente, tanto os escritores do
Velho Testamento citados, como também os do Novo Testa-
m e n t o fazendo as citações, porque dizem eles, se os ipsissima
verba eram infalíveis em primeiro lugar, um escritor infalí-
vel os teria transferido sem alteração. Mas, se é verdade que
um autor h u m a n o pode citar-se a si m e s m o de um m o d o

93
Capítulo 4 , ,

livre, m u d a n d o de expressão, e dando um novo jeito ao


seu p e n s a m e n t o para adaptá-lo, o mais perspicuamente, ao
fim que tem em vista, o Espírito Santo pode, p o r certo, fazer
o m e s m o . O m e s m o E s p í r i t o , q u e t o r n a r a i n f a l í v e i s os
escritores do Velho Testamento para escreverem só a verdade
pura, naquela forma que estava melhor adaptada ao fim que
então t i n h a m em vista, tornou infalíveis os escritores do Novo
Testamento para usarem desse material já disponível de tal
m o d o que, e n q u a n t o tirassem dele um sentido novo, ensinas-
sem só a verdade; e, além disso, a própria verdade que D e u s
tivera em vista desde o princípio. E ensinaram essa verdade
com autoridade divina - Veja Hermeneutical Manual, Part 3,
por Fairbairn. Cada u m a dessas citações deve ser examinada
separadamente e em seus detalhes, como fez o Dr. Fairbairn.

20. Que objeção à doutrina da inspiração plenária tira-se do


fato alegado de existirem "discrepâncias" no texto das Escrituras?
E como se deve responder a esta objeção?
Objeta-se que o texto sagrado contém numerosas asserções
e narrações que não estão de acordo com outras contidas em
outras partes das Escrituras, ou com fatos bem averiguados
da história ou da ciência.
E evidente que semelhante estado de coisas, m e s m o se
fosse provada a sua existência, não serviria, à vista das muitas
provas apresentadas acima, para refutar a doutrina de serem
as Escrituras, até certo ponto e em certo grau, o p r o d u t o da
inspiração divina. A força da objeção dependeria, essencial-
m e n t e , do n ú m e r o e caráter dos casos de discrepância cuja
existência fosse provada; e esses casos nada provariam contra
o fato da inspiração, e diriam respeito só à sua natureza, grau
e extensão.
E óbvio que o fato de realmente existirem semelhantes
"discrepâncias" pode ser determinado só pelo exame cuidadoso
e i n d e p e n d e n t e de cada caso alegado. Este exame pertence
aos r a m o s da crítica e da exegese bíblicas. As s e g u i n t e s

94
Inspiração das Escrituras

considerações, p o r é m , são e v i d e n t e m e n t e b e m f u n d a d a s , e são


suficientes para acalmar todas as apreensões a este respeito.
I a . A I g r e j a n u n c a e n s i n o u a i n f a l i b i l i d a d e v e r b a l de
n e n h u m a t r a d u ç ã o das Sagradas E s c r i t u r a s / n e m a exatidão
perfeita de n e n h u m dos m a n u s c r i t o s das Escrituras, no origi-
nal hebraico e grego, que possuímos agora. E r e c o n h e c i d o que,
nesses exemplares, há m u i t a s "discrepâncias" c o m o resultado
d e m u i t a s t r a n s c r i ç õ e s sucessivas. E , p o r é m , t e s t e m u n h o
u n â n i m e dos cristãos letrados que, a i n d a q u e essas variações
dificultem a interpretação de muitos p o r m e n o r e s , não
e n v o l v e m a p e r d a , n e m d i m i n u e m as provas de um só fato ou
d o u t r i n a essencial do cristianismo. E é um fato c o n s o l a d o r
que os críticos cristãos, d e s c o b r i n d o e c o n f e r i n d o exemplares
das Escrituras, em manuscritos cada vez mais antigos e exatos,
estão c o n s t a n t e m e n t e p r o g r e d i n d o no seu d e s e m p e n h o de dar
à Igreja um texto mais perfeito das E s c r i t u r a s , nas línguas
originais, que n e n h u m o u t r o dos que p o s s u i a m desde os tem-
p o s dos apóstolos.
2 a . A Igreja a f i r m o u s e m p r e a i n f a l i b i l i d a d e absoluta só
dos registros originais das Escrituras, c o m o eles saíram das
m ã o s dos escritores inspirados. E m e s m o a respeito destes
n u n c a a f i r m o u que tivessem c o n h e c i m e n t o s i n f i n i t o s , m a s só
q u e e r a m infalíveis q u a n t o àquilo que t i n h a m o d e s í g n i o de
anunciar. U m a "discrepância" pois, no sentido em que os novos
críticos a f i r m a m e a Igreja nega sua existência, é u m a palavra,
frase ou passagem existindo no registro original de q u a l q u e r
parte das Escrituras, cujo f i m e v i d e n t e era de a f i r m a r c o m o
verdade alguma coisa que estava em manifesta e irreconciliável
contradição com o que se dizia em outra qualquer parte desses

É necessário excetuar a igreja católica romana, que declarou a


tradução chamada Vulgata de autoridade indiscutível, apesar de conter
inúmeros erros de tradução, sendo alguns deles bem graves, como por e.g.
"malitia", em Isaías 40:2; "sacramentum", em Efésios 5:32, e Hebreus
11:21. Nota do tradutor.

95
Capítulo 4

m e s m o s registros originais, em hebraico e grego, das


Escrituras, ou em contradição com qualquer fato conhecido e
indubitável. Será necessário que se prove a existência de u m a
"discrepância" que, em todos os sentidos, tenha estas carac-
terísticas, antes que a alegação de existirem "discrepâncias"
possa afetar a d o u t r i n a da Igreja com referência à inspiração
verbal e plenária das Escrituras.
s

3 a . E certo que, à vista de tudo o que as próprias Escrituras


a f i r m a m ou descerram quanto à natureza e extensão da influ-
ência divina que regulava e dirigia a sua gênese, e q u a n t o à
sua autoridade sobre a consciência e vida como a voz de Deus,
a existência de "discrepâncias" no sentido supra definido, é
e x t r e m a m e n t e improvável. Os que afirmam sua existência
devem apontá-las e provar, perante juízes competentes, que
todos os elementos da definição supra encontram-se, em cada
caso alegado, não só provavelmente mas sem a possibilidade
de dúvida. O ónus probandi está sobre eles exclusivamente.
4 a . Esta, porém, é u m a tarefa que é muito difícil e até
quase impossível de se desempenhar. Porque, para sustentarem
sua posição contra as muitas probalidades que há contra ela,
será n e c e s s á r i o que os que a f i r m a m a e x i s t ê n c i a de
discrepâncias nas Escrituras, provem, em cada caso alegado,
cada um dos seguintes pontos: (1) Que a discrepância alegada
existia no registro original das Escrituras inspiradas. (2) Q u e
a interpretação dada ao texto pelo objetor é a única admissível,
e que é aquilo m e s m o que o escritor queria dizer. A
dificuldade disso se tornará evidente q u a n d o se considerar
que são de uma obscuridade inerente antigas narrações, não
cronológicas e fragmentárias, com um f u n d o quase impene-
trável às nossas pesquisas e escritas, em circunstâncias que
n ã o c o n h e c e m o s . Este estado de coisas, que tantas vezes
embaraça o intérprete e impede o apologista de provar a perfeita
h a r m o n i a das narrações, impede, com igual força, todos os
esforços engenhosos dos críticos racionalistas de provar a
existência de "discrepâncias". Mas tudo isso eles devem fazer,

96
Inspiraçao das Escrituras

ou fica em pé a probabilidade da sua n ã o existência. (3) É


p r e c i s o que p r o v e m t a m b é m que os fatos c i e n t í f i c o s ou
históricos, ou as afirmações das Escrituras, que se alegam estar
em contradição com esses fatos, sejam deveras fatos, e que
essas afirmações sejam realmente parte do texto inspirado das
Escrituras canónicas, e que o sentido em que elas se acham
contraditórias com esses fatos, seja realmente o único sentido
que racionalmente p o d e m ter. (4) Depois de provadas - a
realidade dos fatos, a g e n u i n i d a d e do texto que parece estar
em contradição com eles, e a legitimidade da interpretação
que parece t a m b é m estar em contradição com esses fatos -
será ainda necessário provar que n ã o só parece haver contra-
dição e que esta parece irreconciliável no estado atual dos
nossos conhecimentos, como t a m b é m provar que eles, em si,
são real e essencialmente irreconciliáveis.
5 a . F i n a l m e n t e , é suficiente que c h a m e m o s a atenção
para o fato de que n e n h u m caso de "discrepância", no sen-
tido acima definido desta palavra, tem sido provado de tal
m o d o que fosse reconhecido pela c o m u n i d a d e de letrados
crentes. Existem, nas Escrituras, muitas passagens difíceis de
serem interpretadas, e outras que parecem irreconciliáveis
u m a s c o m as o u t r a s , m a s n ã o se tem p r o v a d o n e n h u m a
" d i s c r e p â n c i a " . A m e d i d a que os h o m e n s p r o g r i d e m no
conhecimento, desaparecem algumas dificuldades e surgem
outras. E é provável, no mais alto grau, que se tivéssemos
c o n h e c i m e n t o perfeito de tudo, não encontraríamos
dificuldade alguma nas Sagradas Escrituras.

21. Explicar o sentido de passagens como 1 Coríntios 7:6,


12,14; R o m a n o s 3:6,19; Gálatas 3:15, e mostrar sua perfeita
consonância com a inspiração plenária da Bíblia inteira.
" C o m o h o m e m " ou " h u m a n a m e n t e falando" são expres-
sões que se e n c o n t r a m f r e q ü e n t e m e n t e , e seu sentido fica
d e t e r m i n a d o pelo contexto. Em R o m a n o s 3:6 significa que
Paulo, por amor à clareza, servia-se da linguagem comumente

97
Capítulo 4

usada entre os h o m e n s ; o que dizia era opinião dos judeus,


não a sua própria. Em R o m a n o s 6:19 significa: "de um m o d o
a d a p t a d o à c o m p r e e n s ã o h u m a n a " ; e em G á l a t a s 3:15,
significa: " s i r v o - m e de u m a ilustração tirada das coisas
h u m a n a s " , etc.
Em 1 Coríntios 7:6: " E u digo isto p o r p e r m i s s ã o "
(segundo o original e a vulgata, "secundum indulgentia") "e não
por m a n d a m e n t o " , refere-se ao versículo 2. O m a t r i m ô n i o
sempre era permitido, porém em certas circunstâncias era
inoportuno.
"Aqueles que estão unidos em m a t r i m ô n i o m a n d o , não
eu, senão o Senhor"; "Aos mais digo eu, não o S e n h o r " - 1
Cor. 7:10,12. Aqui o apóstolo refere-se àquilo que "o Senhor",
isto é, "Cristo" ensinou q u a n d o estava na terra, e distingue
entre aquilo que Cristo ensinou e o que o apóstolo ensina. E
como Paulo, nesta passagem, põe suas palavras em igualdade
de autoridade com as de Cristo, este fato mostra que Paulo
reivindicava para si u m a inspiração que tornava sua palavra
igual à de Cristo, em infalibilidade e autoridade.
"Julgo que t a m b é m eu tenho o espírito de D e u s " - 1 Cor.
7:40. "Julgo que t e n h o " é, segundo o uso da língua grega, só
um m o d o regional de dizer: eu tenho. Sobre o uso deste verbo
no grego, confira-se Gálatas 2:6 e 1 Coríntios 12:22. Paulo
não tinha n e n h u m a dúvida de ser i n s t r u m e n t o do Espírito
Santo - Hodge, Com. on First Corinthians.

DECLARAÇÃO DEFECTIVA DA DOUTRINA

22.Diga qual o sentido em que os escritores teológicos em-


pregam os termos de "inspiração" de "superintendência", de
"elevação", de "direção"e de "sugestão".
Certos escritores sobre este a s s u n t o , c o n f u n d i n d o a
distinção entre inspiração e revelação e empregando o primeiro
destes termos, no sentido de toda a influência divina que atuava
sobre os sagrados escritores, tanto para que conhecessem a

98
Inspiração das Escrituras

verdade c o m o para que a escrevessem, d i s t i n g u e m e n t r e


diversos graus de inspiração para acomodar a sua teoria aos
fatos do caso. Porque, em primeiro lugar, é evidente que parte
do c o n t e ú d o das Escrituras podia b e m ser c o n h e c i d a dos
escritores, sem n e n h u m auxílio sobrenatural, e n q u a n t o que
outra parte não podia ser conhecida deles; em segundo lugar,
os diversos escritores fizeram uso de suas faculdades naturais
e i n t r o d u z i r a m , nos seus escritos, suas peculiaridades indivi-
duais de pensamento, de sentimento e de estilo.
Por "inspiração de superintendência", esses escritores
queriam dizer exatamente aquilo que demos acima como a
definição de inspiração. Por "inspiração de elevação" entendem
essa divina influência que exaltava as qualidades naturais dos
escritores sagrados a um grau de energia a que, de outro modo,
não poderiam chegar.
Por "inspiração de direção" e n t e n d i a m essa influência
d i v i n a que d i r i g i u os e s c r i t o r e s s a g r a d o s na e s c o l h a e
disposição do seu material.
Por "inspiração de sugestão" e n t e n d i a m essa influência
divina que sugeriu a suas mentes verdades novas e que, de
outro modo, estariam fora do seu alcance.

23. Que objeções se pode fazer a essas distinções?


I a . Essas distinções nascem da falta anterior de não se
d i s t i n g u i r e n t r e revelação (que é f e n ô m e n o a p r e s e n t a d o
freqüentemente) e a inspiração (fenômeno apresentado
c o n s t a n t e m e n t e nas Escrituras); u m a fornece o material no
caso dos escritores não poderem obtê-lo de outro modo; outra
dirige os escritores a todo instante, (1) em garantir a verdade
infalível de tudo quanto escreveram (2) na escolha e distri-
buição do seu material.
2 a . E p e r i g o s o d i s t i n g u i r e n t r e g r a u s d i f e r e n t e s da
inspiração, como se certas partes das Escrituras fossem a Pala-
vra de Deus em graus diferentes, e n q u a n t o que, na verdade,
toda ela é igual e absolutamente a infalível Palavra de Deus.

99
Capítulo 4

FALSAS DOUTRINAS SOBRE A INSPIRAÇÃO

24. Quais os princípios que conduzem, necessariamente, à


negação de qualquer inspiração sobrenatural?
Todos os princípios filosóficos ou modos de pensar que
excluem a distinção entre o natural e o sobrenatural neces-
sariamente conduzem à negação da inspiração, no sentido
em que é afirmada pela Igreja. São, por exemplo, todos os
p r i n c í p i o s p a n t e í s t a s , m a t e r i a l i s t a s e n a t u r a l i s t a s , e,
n a t u r a l m e n t e , os princípios racionalistas, em todas as suas
formas. . .. ...

2 5. Quais as diversas formas em que se tem sustentado a doutrina


de uma inspiração parcial ?
Ia. Afirma-se que certos livros foram inspirados
plenariamente, e n q u a n t o que outros foram escritos só com o
natural auxílio providencial e gracioso de Deus. S.T. Coleridge
admitia a inspiração plenária da lei e dos profetas, dos quais
não podia passar um só i ou um til sem que fosse c u m p r i d o ;
mas negava isso a respeito dos demais livros do cânon.
2 a . Muitos admitem que os elementos morais e espirituais
das Escrituras e as doutrinas, até onde estas dizem respeito à
n a t u r e z a e aos p r o p ó s i t o s de D e u s c u j o c o n h e c i m e n t o é
inatingível de outro modo, são produtos da inspiração; mas
negam isso quanto aos elementos históricos e biográficos, e a
todas as alusões a fatos ou leis científicas.
3 a . Outros admitem que a inspiração dos escritores dirigia
os seus p e n s a m e n t o s , mas n e g a m que se e s t e n d i a à sua
expressão em palavras.
N u m desses sentidos, ou em todos, diversos h o m e n s têm
m a n t i d o e afirmam que as Escrituras são só "parcialmente"
inspiradas. Por conseguinte, todos negam que usão a palavra
de Deus", como é afirmado pelas próprias Escrituras e por
todas as Igrejas históricas. A d m i t e m só que elas "contêm a
palavra de Deus". •

100
Inspiração das Escrituras

26. Qual é a doutrina da "Inspiração da Graça"?


Coleridge, em suas Confessions of an Inquiring Spirit, Carta
7, m a n t é m q u e as Escrituras, exceto a lei e os profetas, f o r a m
p r o d u z i d a s por seus escritores auxiliados pelo "grau s u p e r i o r
d a q u e l a graça e c o m u n h ã o c o m o E s p í r i t o q u e se e n s i n a à
I g r e j a , em t o d a s as c i r c u n s t â n c i a s , e a t o d o o m e m b r o
r e g e n e r a d o da Igreja de Cristo, a esperar e p e d i r em oração".
Esta é a d o u t r i n a de M a u r i c e (Theological Essays, pág. 339) e,
v i r t u a l m e n t e , a de M o r e l l (.Philosophy ofReligion, pág. 186), e
dos quacres. Estes a d m i t e m q u e há u m a revelação objetiva
s o b r e n a t u r a l e q u e esta é c o n t i d a nas Escrituras, as quais são
m u i t o úteis e a regra, de autoridade, de fé e prática, no s e n t i d o
de n ã o p o d e r ser verdadeira u m a revelação p r e t e n d i d a que
esteja em desacordo com as E s c r i t u r a s ; e que estas são juiz,
em todas as controvérsias e n t r e cristãos. M a s eles m a n t ê m ,
t a m b é m , q u e as E s c r i t u r a s são só " u m a regra s e c u n d á r i a ,
s u b o r d i n a d a ao E s p í r i t o de q u e m r e c e b e r a m toda sua
excelência", o qual E s p í r i t o i l u m i n a a t o d o o h o m e m e lhe
revela, ou pelas Escrituras, ou sem elas, se lhe f o r e m desco-
n h e c i d a s , t o d o esse c o n h e c i m e n t o de D e u s e da Sua v o n t a d e
que lhe é necessário para sua salvação e direção, sob a condição
de p r e s t a r obediência c o n s t a n t e a essa luz q u e lhe é assim
c o m u n i c a d a graciosamente a ele e a todos os homens.Barclay's
Apology, Theses Theological, proposições 1, 2 e 3.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS

CATÓLICO-ROMANA - Decretos do Cojicílio de Trento,


sess. 4 "O evangelho... primeiramente promulgado pela
boca de Nosso Senhor Jesus Cristo Filho de Deus, e depois
pelos seus apóstolos...o mandou pregar a toda a criatura; e
vendo que esta verdade e disciplina se contém em livros
escritos, e em tradições (sem escritos) que, recebidas pelos
apóstolos da boca de Cristo, ou ditadas pelo Espírito Santo,
dos mesmos apóstolos, como de mão em mão chegaram
até n ó s ; (o Concílio) seguindo o exemplo dos padres

101
Capítulo 4

ortodoxos, com igual afeto de piedade, venera e recebe


todos os Livros, tanto do Velho como do Novo Testa-
m e n t o , sendo Deus o único autor de ambos os Testa-
mentos; e também as mesmas tradições, que pertencem
tanto à fé como aos costumes; como ditadas pela boca de
Cristo, ou pelo Espírito Santo, c por uma contínua suces-
são, conservadas na igreja católica, recebe-as e venera com
igual afeto, piedade e reverência."
Decretos dogmáticos do Concílio vaticano, 1870, Sess. 3,
Cap. 2. "Ademais, esta revelação sobrenatural, segundo a
crença universal da Igreja, declarada pelo santo Sínodo
de Trento, é contida nos livros escritos e tradições não
escritas, que têm chegado até nós, tendo sido recebidas
pelos apóstolos da própria boca de Cristo, ou aos próprios
apóstolos ditadas pelo Espírito Santo, foram transmitidas
como de mão em mão. E esses livros do Velho e do Novo
Testamentos devem ser recebidos como sagrados e canó-
nicos, na sua inteireza, com todas as suas partes, assim
como se acham enumerados no decreto do dito Concílio,
e estão contidos na antiga edição da Vulgata. Esses a igreja
(católica r o m a n a ) tem por sagrados e canónicos, não
porque houvessem sido compostos cuidadosamente por
indústria meramente humana, nem porque foram depois
aprovados por sua autoridade, nem somente por conterem
uma revelação sem mistura alguma de erro; e sim porque,
tendo sido escritos por inspiração do Espírito Santo, têm
Deus por seu autor e foram entregues como tais à mesma
Igreja."
LUTERANAS -Fórmula ConcordiaeEpitome. 1: "Cremos,
confessamos e e n s i n a m o s que a única regra e n o r m a
segundo a qual todos os dogmas e doutrinas devem ser
e s t i m a d o s e julgados não é n e n h u m a outra senão os
escritos proféticos e apostólicos do Velho e do N o v o
Testamentos, assim como está escrito em Sal. 119: 105 e
Gál. 1:8."
REFORMADAS - Segunda Confissão Helvética. Cap. 1. A
respeito das Escrituras Sagradas: "Cremos e confessamos
q u e as E s c r i t u r a s c a n ó n i c a s d o s s a n t o s p r o f e t a s e

102
Inspiração das Escrituras

apóstolos de cada um dos T e s t a m e n t o s são a v e r d a d e i r a


Palavra de D e u s , e q u e p o s s u e m a u t o r i d a d e s u f i c i e n t e
p o r si só e n ã o dos h o m e n s . Pois D e u s m e s m o falou aos
patriarcas, aos profetas e aos apóstolos, e c o n t i n u a a falar
a nós, pelas E s c r i t u r a s Sagradas."
A Confissão Belga. Art. 3. "Confessamos que esta Palavra
de Deus não foi enviada nem entregue pela vontade do
homem, e sim, que os homens santos de Deus é que falaram,
inspirados pelo Espírito Santo, como diz o apóstolos Pedro
(2 Ped. 1:21). E que depois Deus, levado a isso pelo cuidado
especial que tem por nós e nossa salvação, mandou Seus
servos, os profetas e apóstolos, escreverem a Sua palavra
revelada, e Ele mesmo escreveu, com Seu próprio dedo,
as duas t á b u a s da lei. Por isso c h a m a m o s s a n t o s , e
Escrituras divinas, a todos esses escritos."
A Confissão de Fé, de Westminster. Cap. 1. "Por isso
aprouve ao Senhor revelar-Se e declarar essa Sua vontade
à Sua Igreja, em diversos tempos e de vários modos; e
depois, para melhor conservação e propagação da verdade
e para mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja
contra a corrupção da carne e a malícia de satanás e do
m u n d o , fazê-la escrever toda inteira". A autoridade das
Escrituras Sagradas, as quais devem ser cridas e obedecidas,
não depende do testemunho de nenhum homem ou igreja,
mas somente de Deus (que é a própria verdade), seu
Autor; e, por isso, deve ser recebida - por ser a Palavra de
Deus."

103
5

A Regra de Fé e Prática

AS E S C R I T U R A S DO V E L H O E N O V O
TESTAMENTOS, T E N D O SIDO DADAS POR
I N S P I R A Ç Ã O DE D E U S , SÃO A Ú N I C A REGRA, E
REGRA I N T E I R A M E N T E SUFICIENTE, DE FÉ E
P R Á T I C A , E J U I Z NAS C O N T R O V É R S I A S .

1.0 que se quer dizer quando se afirma que as Escrituras são a


única regra infalível de fé e prática?
Tudo quanto Deus ensina ou ordena é de autoridade sobe-
rana. Tudo quanto nos comunica o c o n h e c i m e n t o infalível
daquilo que Ele ensina e ordena, é u m a regra infalível. As
Escrituras do Velho e Novo Testamentos são os únicos meios
pelos quais Deus, durante a dispensação atual, comunica-nos
o conhecimento da Sua vontade quanto àquilo que devemos
crer a Seu respeito, e diz-nos quais os deveres que Ele de nós
exige.

2. O que a igreja romana declara ser a regra infalível de fé e


prática?
A teoria romana é que a regra completa de fé e prática
consta das Escrituras e da tradição, ou seja, o ensino oral de
Cristo e Seus apóstolos transmitido até nós pela igreja (católica).
A f i r m a m que a tradição é necessária, I o . para o ensino de
verdades adicionais, n ã o contidas nas Escrituras; 2 o . para
interpretar as Escrituras, e que a igreja (católica r o m a n a ) foi

104
A Regra de Fé e Prática

designada d i v i n a m e n t e para ser a depositária e o juiz, tanto


das Escrituras como da tradição -Decretos do Concílio de Trento,
Sess. 4, e Teologia de Deus, Tom. 2, N°. 80 e 81. ; • '

3. Por quais argumentos os defensores dessa teoria procuram


estabelecer a autoridade da tradição? Qual o critério de que se servem
para distinguir as tradições verdadeiras das falsas, e quais os
fundamentos em que baseam a autoridade das tradições que admitem
como verdadeiras?
I o . Seus a r g u m e n t o s a favor das tradições são: (1) As
Escrituras autorizam-nas: 2 Tess. 2:14(15); 3:6. (2) Os antigos
"ss. padres" afirmavam a autoridade da tradição e em grande
parte baseavam nela a sua fé. (3) O ensino oral de Cristo e Seus
apóstolos, q u a n d o d e t e r m i n a d o claramente e conhecido, é
intrinsecamente de igual autoridade à dos seus escritos. As
próprias Escrituras nos têm sido transmitidas pelo testemunho
da tradição, e o rio não pode subir mais alto do que a sua
origem. (4) A necessidade: (a) As Escrituras são de sentido
obscuro, e precisam da tradição como seu intérprete, (b) As
Escrituras são incompletas como regra de fé e prática devido
haver muitas doutrinas e instituições, reconhecidas universal-
mente, baseadas na tradição como s u p l e m e n t o às Escrituras.
(5) A analogia. Todos os Estados reconhecem tanto as leis não
escritas como leis escritas, a lei c o m u m e a lei baseada em
estatutos.
2 o . O critério de que se servem para distinguir entre as
tradições v e r d a d e i r a s e as falsas, é c o n s e n s o católico. Os
ritualistas anglicanos l i m i t a m a aplicação desta regra aos
primeiros três ou quatro séculos. Os romanistas reconhecem
como consenso de a u t o r i d a d e aquilo que foi d e t e r m i n a d o
constitucionalmente pelos bispos reunidos em concílio geral,
ou pelo papa ex cathedra, em qualquer época.
3 o . D e f e n d e m as tradições que têm por verdadeiras - (1)
Com base no testemunho histórico, e as deduzem dos apóstolos
como sua origem. (2) Baseando-se na autoridade da igreja,

105
Capítulo 5

expressa pelo consenso católico.

4. Por quais argumentos pode-se demonstrar a invalidade de


todas as tradições eclesiásticas, como parte de nossa regra de fé e
prática?
I o . As Escrituras não atribuem, como se afirma, autoridade
às tradições orais. As tradições de que Paulo fala nas passagens
citadas de 2 Tess. 2:14(15); 3:6, foram todas as suas instruções,
o r a i s e e s c r i t a s , e comunicadas por ele a esses m e s m o s
tessalonicenses; não foram transmitidas. Por outro lado, Cristo
repreendeu severamente esta mesma doutrina dos católicos
romanos, na pessoa dos predecessores destes - os fariseus. Mat.
15:3; Mar. 7:7 (8). ,
2°. E improvável, a priori, que D e u s suplementasse as
Escrituras com a tradição, como parte de nossa regra de fé. (1)
P o r q u e as Escrituras, como mostraremos abaixo (perguntas
7-14), são certas, definidas, completas e perspícuas. (2) Porque
a tradição, por sua própria natureza, é i n d e t e r m i n a d a e está
sujeita a ser adulterada por todas as formas de erro. Além disso,
c o m o h a v e r e m o s de d e m o n s t r a r abaixo ( p e r g u n t a 20), a
a u t o r i d a d e das Escrituras não se acha baseada, em ú l t i m a
instância, na tradição.
3°. A base inteira em que os romanistas apoiam a autori-
dade de suas tradições, isto é, a história e a autoridade da igreja,
é inválida. (1) Eles não têm apoio n e n h u m na história. Por
mais de trezentos anos, depois do tempo dos apóstolos, eles
têm p o u q u í s s i m a s evidências a favor de q u a l q u e r de suas
tradições, e as que têm contradizem-se m u t u a m e n t e . São, por
isso, obrigados a recorrer ao postulado absurdo de que aquilo
que se ensinou no quarto século, foi ensinado no terceiro, e
por conseguinte, também no segundo e no primeiro. (2) A igreja
(católica) não é i n f a l í v e l , c o m o d e m o n s t r a r e m o s a b a i x o
(pergunta 18).
4 o . Sua p r á t i c a n ã o está em c o n f o r m i d a d e c o m seus
princípios. Os romanistas não aceitam muitas das tradições

106
A Regra de Fé e Prática

mais antigas e mais b e m atestadas; e muitas das suas preten-


sas tradições são invenções recentes e desconhecidas pelos
seus predecessores.
5 o . M u i t a s de suas tradições, como aquelas q u e dizem
respeito ao sacerdócio, ao sacrifício da missa, etc., estão fla-
g r a n t e m e n t e em oposição direta ao ensino das Escrituras.
N ã o obstante, essa igreja p r e t e n s a m e n t e infalível afirma a in-
falibilidade das Escrituras! U m a casa dividida contra si mesma
não subsistirá. .. . . ... .

5. Que é necessário para constituir uma regra única e infa-


lível de fé? •
Inspiração plenária, e que a regra seja completa, perspícua
eacessível. — r. -

6. Que argumentos oferecem as próprias Escrituras a favor da


doutrina de serem elas a única regra infalível de fé?
I o . As Escrituras falam sempre em n o m e de D e u s e se
i m p õ e m , como obrigatórias, à fé e à obediência.
2 o . Cristo e Seus apóstolos referiam-se sempre às Escrituras
escritas que, existiam então; e a nenhuma outra regra de fé, fosse
qual fosse - Luc. 16:29; 10:26; João 5:39; Rom. 4:3; 2 T i m .
3:15. •
o
3 . Os bereanos foram elogiados por sujeitarem todas as
q u e s t õ e s , e m e s m o o e n s i n o dos a p ó s t o l o s , à p r o v a das
Escrituras - Atos 17:11; veja t a m b é m Is. 8:16.
4 o . Cristo repreendeu os fariseus por fazerem acréscimos
às Escrituras e pervertê-las - Mat. 15: 7-9; Mar. 7: 5-8; veja
t a m b é m Apoc. 22:18, 19; e D e u t . 4:2; 12:32; e Jos. 1:7.

1 .Em que sentido é que se afirma que as Escrituras são completas


como regra de fé? • • u
Não quer dizer que, nas Escrituras, se acham todas as
revelações feitas por Deus em qualquer tempo ao h o m e m , e
sim que o seu conteúdo é a única revelação que Ele nos faz

107
Capítulo 5

agora, e que esta revelação é a b u n d a n t e m e n t e suficiente para a


nossa direção, em todas as questões de fé, prática e m o d o s de
p r e s t a r - L h e culto, e exclui a necessidade e o direito de inven-
ções h u m a n a s .

8. Como se pode provar, pelo desígnio das Escrituras, que estas


são completas? <. i .v.
As E s c r i t u r a s p r o f e s s a m c o n d u z i r - n o s a D e u s ; p o r
conseguinte, devem ensinar-nos tudo o que é necessário para
esse fim. Se, para esse fim, houvesse necessidade de qualquer
regra suplementar, como a tradição, isto seria referido nelas.
"Se não fossem completas a este respeito, seriam mentirosas".
Mas, conquanto os sagrados escritores r e m e t a m constante-
m e n t e aos escritos dos outros, n e n h u m deles, n e m u m a só vez,
fala da necessidade nem na existência de outra regra - João 20:
31; 2 T i m . 3:15-17.
Í ; JVÍU-C»,'-, y. .. . 1;
9. Por quais outros argumentos pode-se provar este princípio?
As próprias Escrituras se apresentam como u m a regra
completa para o fim a que se propõem, e assim t a m b é m o
verdadeiro povo espiritual de Deus, em todos os séculos, vêem
nelas essa regra completa. E n s i n a m um sistema completo e
conseqüente de doutrina. Fornecem todos os tipos necessários
para o governo da vida particular dos cristãos, em todas as suas
relações; para o culto público a D e u s ; e para a administração
do reino de Deus. E repelem todas as pretensas tradições e
inovações sacerdotais.

10. Qual o sentido em que os protestantes afirmam e os


romanistas negam a clareza das Escrituras?
Os protestantes não afirmam que as doutrinas reveladas
nas Escrituras estejam ao nível das faculdades h u m a n a s para
compreendê-las. Confessam que muitas delas estão além de
todo o entendimento. N e m afirmam eles que se possa explicar
todas as partes das Escrituras com certeza e perspicuidade,

108
A Regra de Fé e Prática

p o r q u e muitas das profecias são i n t e i r a m e n t e enigmáticas,


e n q u a n t o n ã o explicadas pelos eventos a que se r e f e r e m .
A f i r m a m , p o r é m , que todo artigo essencial de fé e regra de
prática é revelado claramente nelas, ou pode ser deduzido delas
com certeza. Tudo isso o cristão menos instruído pode aprender
nas Escrituras, sem dificuldade; por outro lado, é verdade
t a m b é m que, com o progresso dos conhecimentos históricos e
críticos, e p o r meio das controvérsias, a Igreja Cristã está
fazendo progresso constante na interpretação exata das Escri-
turas e na compreensão, na sua integridade, do sistema nelas
ensinado.
Os protestantes a f i r m a m e os romanistas negam que se
pode, sem perigo, conceder aos cristãos particulares e não
instruídos, a licença de interpretar as Escrituras p o r si.

11. Como se pode provar a perspicuidade das Escrituras pelo


fato de serem uma lei e uma mensagem?
Já vimos (pergunta 8) que as Escrituras ou são completas
ou falsas, pelo desígnio nelas mesmas professado. Provamos
agora sua perspicuidade, pelo mesmo princípio. Elas professam
ser: (1) u m a lei que devemos obedecer; (2) u m a revelação de
verdades que devemos crer, e afirma que em ambos estes aspec-
tos devemos recebê-la, sob pena de m o r t e eterna. Supor-se,
pois, que não é perspícua, tanto nos seus m a n d a m e n t o s como
no seu ensino, é o m e s m o que acusar a Deus de tratar-nos de
um m o d o que é ao m e s m o tempo dissimulado e cruel.

12. Quais as passagens onde é afirmada a sua perspicuidade?


Sal. 18 (19):8, 9; Sal. 118 (119): 105, 130; 2 Cor. 3:14; 2
Ped. 1:18-21; Heb. 2: 2; 2 Tim. 3:15, 17.

13. Que outros argumentos há para estabelecer este ponto?


I o . As Escrituras são dirigidas imediatamente ou a todos
os h o m e n s i n d i s t i n t a m e n t e , ou a todos os crentes tomados
como tais - Deut. 6:4-9; Luc, 1:3; Rom. 1:7; 1 Cor. 1:2; 2 Cor.

109
Capítulo 5

1:1; e 4:2; Gál. 1:2; Ef. 1:1; Fil. 1:1; Col. 1:2; Tia. 1: l ; 2 P e d .
1:1; 1 João 2:12,14; Judas, vers.l; Apoc. 1:3,4; 2:7. As únicas
exceções são as Epístolas dirigidas a T i m ó t e o e Tito.
2 o . M a n d a - s e todos os cristãos, i n d i s t i n t a m e n t e , exami-
n a r e m as Escrituras: 2 T i m . 3:15,17; Atos 17:11; João 5:39.
3 o . A experiência universal. Temos provas tão claras do
poder das Escrituras de darem luz, como temos a respeito do
sol. Os argumentos contra isso são um insulto à compreensão
de todos os leitores da Bíblia no m u n d o .
4 o . A u n i d a d e essencial na fé e prática, apesar de algumas
diferenças circunstanciais em todas as c o m u n i d a d e s cristãs,
em t o d a s as i d a d e s e nações q u e a p r e n d e m sua religião
diretamente nas Escrituras.

14. Qual foi a terceira qualidade mencionada como necessária


para constituir as Escrituras em regra suficiente de fé e prática ?
Que fossem acessíveis. E evidente que esta é a característica
p r o e m i n e n t e das Escrituras, em Contraste com a tradição, que
está entregue à custódia de u m a corporação de sacerdotes, e
com qualquer outra regra pretendida. O que cabe à Igreja fazer
a esse respeito é simplesmente dar a maior circulação possível
à Palavra de Deus. .

15. Que é que se entende quando se diz que as Escrituras


são o juiz e também a regra, em questões de fé?
" U m a regra é u m a n o r m a segundo a qual se deve julgar;
um juiz é quem expõe e aplica essa regra à decisão dos casos
particulares". A doutrina protestante é :
I o . Que as Escrituras são a única regra infalível de fé e
prática.
2 o . (1) Negativamente: que não há corporação alguma de
h o m e n s que sejam qualificados ou estejam a u t o r i z a d o s a
i n t e r p r e t a r as Escrituras, ou a aplicar os seus princípios à
decisão das questões particulares,«o sentido de serem suas decisões
obrigatórias para outros cristãos. (2) P o s i t i v a m e n t e : q u e as

110
A Regra de Fé e Prática

Escrituras são a única voz infalível na Igreja, e devem ser


interpretadas à sua própria luz e com o auxílio gracioso do
Espírito Santo, p r o m e t i d o a todos os cristãos (1 João 2:20,27)
pelos indivíduos, cada um de per si, com a ajuda, m a s não sob
a a u t o r i d a d e dos outros cristãos, seus irmãos. Os credos e
confissões, q u a n t o à sua forma, são obrigatórios s o m e n t e para
os que os professam voluntariamente; q u a n t o à sua matéria,
são obrigatórios s o m e n t e até onde a f i r m a m aquilo que a
Bíblia ensina, e p o r q u e a Bíblia ensina assim.

16. Qual é a doutrina católico-romana quanto à autoridade da


igreja como intérprete infalível da regra de fé e juiz autorizado de
todas as controvérsias?
A d o u t r i n a da igreja católica r o m a n a é que a igreja é
absolutamente infalível, em todas as matérias de fé e prática
cristãs; e a depositária e intérprete, d i v i n a m e n t e autorizada,
da regra de fé. Seu ofício n ã o é a c o m u n i c a ç ã o de novas
revelações da parte de Deus, mas a sua inspiração a torna
infalível na disseminação e interpretação da revelação origi-
nal comunicada pelos apóstolos.
Por isso a igreja determina, com autoridade divina: I o . O
q u e s e j a m E s c r i t u r a s Sagradas. 2 o . O que seja t r a d i ç ã o
verdadeira. 3 o . Qual o sentido das Escrituras e da tradição, e
qual a aplicação dessa regra perfeita a cada questão em par-
ticular de fé ou prática.
Dessa autoridade se acham revestidos o papa, q u a n d o faz
ou diz qualquer coisa no seu caráter oficial; e os bispos, como
corporação, quando se acham reunidos em concílio ecumênico,
ou q u a n d o dão assentimento geral a um decreto do papa ou de
um concílio -Decretos do Concílio de Trento, seção 4; Teologia de
Deus, N°. 80, 81, 8 4 , 9 3 , 9 4 , 9 5 , 9 6 . Bellarmine, Lib.3, De Eccl.,
cap. 14, e Lib. 2, De Concil., cap. 2.

17. Quais os argumentos que a igreja romana emprega no


intuito de estabelecer essa doutrina?

111
Capítulo 5

I o . As promessas de Cristo feitas, segundo dizem, aos


apóstolos e seus sucessores oficiais, tornando-os infalíveis, e
suas decisões e interpretações autorizadas - Mat. 16:18; 18:18-
20; Luc. 24:48,49; João 16:13;20:23.
2°. A comissão dada à igreja (romana) como mestra do
m u n d o - Mat. 28:19, 20; Luc. 10:16, etc.
3 o . A igreja é declarada ser " c o l u n a e f i r m a m e n t o da
verdade", e que "as portas do i n f e r n o não prevalecerão contra
ela" - I T i m . 3:15; Mat. 16:18.
4 o . A igreja (romana) é dada o poder de ligar e desligar, e
a ordem de que aquele que não a ouvir seja tido por " u m gentio
ou um publicano" - Mat. 16:19; 18:15-18.
5 o . A igreja (romana) recebeu a ordem de discriminar
entre a verdade e o erro, e por isso deve ser qualificada e estar
autorizada a fazer i s s o - 2 Tess.3:6; R o m . 16:17; 2 João, vers. 10.
6 o . A necessidade. Os h o m e n s precisam e desejam um
i n t é r p r e t e e juiz infalível, s e m p r e vivo, visível e c o n t e m -
porâneo.
7 o . A analogia universal. Todas as c o m u n i d a d e s entre os
h o m e n s têm juízes vivos, b e m como a lei escrita, e esta seria
de pouco valor sem aqueles.
8 o . Este poder é necessário para se conseguir u n i d a d e e
universalidade que todos reconhecem como atributos essenciais
da verdadeira igreja (a igreja católica romana).

18. Quais os argumentos que demonstram não terem funda-


mento algum essas pretensões da igreja romana?
I o . U m a pretensão, revestindo h o m e n s mortais de um
poder de tanto peso, pode ser estabelecida só pelas provas mais
claras e decisivas; e a falta de se apresentarem tais provas
converte a pretensão em traição contra Deus e contra a raça
humana.
2 o . As provas apresentadas não estabelecem essas pretensões
porque, das promessas que Cristo fez à Igreja de preservá-la
da extinção e do erro, n e n h u m a se estende até ao p o n t o de

112
A Regra de Fé e Prática

torná-la infalível. O mais q u e p r o m e t e u foi que o verdadeiro


povo de D e u s n u n c a desapareceria inteiramente da terra; n e m
seria jamais a b a n d o n a d o , m e s m o se apostatasse das coisas
essenciais da fé.
3 o . As provas apresentadas não estabelecem as suas pre-
tensões, p o r q u e essas promessas não foram feitas por Cristo
aos oficiais da Igreja como tais e, sim, ao corpo inteiro dos
verdadeiros crentes. Confira-se João 20:23 com Luc. 24:33,
47-49, el João 2:20, 27.
4 o . As provas apresentadas não servem para estabelecer as
suas pretensões p o r q u e a Igreja à qual foram e são feitas as
promessas preciosas das Escrituras não é u m a sociedade externa
e visível, a autoridade sobre a qual se ache entregue nas mãos
de u m a linha perpétua de apóstolos. Isto p o r q u e - (1) a palavra
Igreja (ecclesia) é um t e r m o coletivo, e a b r a n g e todos os
chamados eficazmente ou regenerados - Rom. 1:7; 8.28; ICor.
1:2; Jud. v e r s . l ; 2 Tim. 1:9; Heb. 9:15; 1 Ped. 2:9; 5:10; Ef.
1:18; 2 Ped. 1:10. (2) Os atributos imputados à Igreja provam
que ela consta tão-somente do verdadeiro povo espiritual de
D e u s - E f . 5:27; 1 Ped. 2:5; João 10:27; Col. 1:18,24. (3) As
Epístolas foram dirigidas à Igreja, e nas suas saudações temos
a explicação de que a expressão "à igreja" é equivalente a "os
chamados", "os santos", "os que servem a Deus em espírito" -
como se vê nas saudações em 1 e 2 C o r í n t i o s ; Efésios;
C o l o s s e n s e s ; 1 e 2 P e d r o ; J u d a s . T a m b é m no c o r p o das
Epístolas os mesmos predicados são atribuídos aos m e m b r o s
da verdadeira Igreja - 1 Cor. 1:30; 3:16; 6:11,19; Ef. 2:3-8 e
19-22; ITess. 2:13; Col. 1:21; 2:10; 1 Ped. 2:9.
5 o . Os apóstolos inspirados não tiveram sucessores. (1) No
Novo Testamento não há prova alguma de que os tivessem. (2)
Proveu-se para a perpetuação regular dos ofícios de presbítero
e diácono ( I T i m . 3: 1-13), mas nada absolutamente se fez para
a perpetuação do apostolado. (3) Nos escritos dos primeiros
séculos nada se encontra que diga respeito à existência de
apóstolos na Igreja. T i n h a m deixado de existir tanto o n o m e

113
Capítulo 5

c o m o o ofício. (4) N e n h u m daqueles que se dizem sucessores


dos apóstolos têm feito ver "os sinais do apostolado" - 2 Cor.
12:12; 1 Cor. 9:1; Gál. 1:1,12; Atos 1:21,22.
6 o . Esta reivindicação, q u a n d o baseada na autoridade do
papa, é totalmente antibíblica, pois as Escrituras nada sabem
sobre o papa. Devido ser baseada na autoridade do c o n j u n t o
total dos bispos, expressa no seu assentimento geral, é oposta
às Escrituras pelos motivos supra expostos, e é, além disso,
impraticável, p o r q u e seu juízo universal n u n c a foi e n u n c a
poderá ser r e u n i d o e enunciado imparcialmente.
7 o . Não pode haver infalibilidade onde não há consistência
própria. Mas, como questão de fato, a igreja papal não tem
sido consistente consigo no seu ensino. (1) Tem e n s i n a d o
doutrinas diversas, em diversas partes e séculos. (2) A f i r m a a
i n f a l i b i l i d a d e das E s c r i t u r a s e, ao m e s m o t e m p o , e n s i n a
d o u t r i n a s evidente e r a d i c a l m e n t e irreconciliáveis c o m o
sentido claro das mesmas Escrituras, como por exemplo, as
doutrinas sobre o sacerdócio, a missa, as penitências, as boas
obras, o culto prestado a Maria e às imagens. Por isso é que a
igreja r o m a n a esconde as Escrituras do povo.
8 o . Se o sistema religioso dos romanistas é verdadeiro, então
é evidente que a religião verdadeira e espiritual deve florescer
nos países da sua c o m u n h ã o e todo o resto do m u n d o ser um
/

deserto moral. E notório, p o r é m , que os fatos são exatamente


o inverso disso. Se, pois, a d m i t i m o s que o sistema r o m a n o é
v e r d a d e i r o , s u b v e r t e r e m o s u m a das p r i n c i p a i s provas do
próprio cristianismo, a saber, a luz auto-evidencial e a v i r t u d e
prática da verdadeira religião, e o t e s t e m u n h o do Espírito
Santo.

19. Quais os argumentos diretos pelos quais se pode estabelecer


a doutrina de que as Escrituras são o supremo juiz nas controvérsias?
Que todos os cristãos devem estudar por si as Escrituras, e
que em todas as questões quanto à vontade revelada de D e u s
se deve apelar só a elas, fica provado pelos seguintes fatos:

114
A Regra de Fé e Prática

I o . As Escrituras são perspícuas: veja acima as p e r g u n t a s


11-13. vj.i
2 o . As Escrituras são dirigidas a todos os cristãos: veja
p e r g u n t a 13.
3°. As Escrituras o r d e n a m a todos os cristãos examiná-las,
julgar e provar por elas todas as doutrinas e todos os que
professam ser mestres dos outros - João 5:39; Atos 17:11; Gál.
1:8; 2 Cor. 4:2; 1 Tess. 5:21; 1 João 4 : 1 , 2 .
4 o . O Espírito Santo, autor e intérprete das Escrituras, é
p r o m e t i d o a todos os cristãos. Confira-se João 20:23 com Luc.
24:47-49; 1 João 2:20,27; R o m . 8:9; 1 Cor. 3:16,17.
5 o . A religião é e s s e n c i a l m e n t e u m a coisa pessoal. E
n e c e s s á r i o q u e t o d o cristão c o n h e ç a e creia na v e r d a d e ,
explicitamente para si, sobre o f u n d a m e n t o direto de suas
próprias provas morais e espirituais, e não simplesmente sobre
o f u n d a m e n t o da autoridade de outros. A não ser assim, a fé
não poderia ser o que é, um ato moral; n e m poderia "purificar
o coração". A fé deriva seu poder santificador da verdade que
ela a p r e e n d e i m e d i a t a m e n t e em f u n ç ã o das provas experi-
mentais que essa verdade, q u a n d o aceita, dá de si m e s m a -
João 17:17,19; Tia. 1:18; 1 Ped. 1:22.

20. Qual a objeção apresentada contra esta doutrina, pelos


romanistas, sobre o fundamento de ser a igreja (católica) a nossa
única autoridade para crermos que as Escrituras são a Palavra de
Deus?
Sua objeção é que, desde que recebemos as Escrituras como
a Palavra de Deus só por confiarmos no testemunho autorizado
da igreja r o m a n a , nossa fé nas Escrituras não é senão outra
f o r m a de fé nessa igreja. E sendo a autoridade da igreja o
f u n d a m e n t o da a u t o r i d a d e das E s c r i t u r a s , a igreja deve,
n a t u r a l m e n t e , ser superior às Escrituras.
Isso é absurdo, e por dois motivos:
I o . O fato postulado é falso. O t e s t e m u n h o sobre o qual
aceitamos as E s c r i t u r a s como a Palavra de D e u s não é a

115
Capítulo 5

autoridade da igreja (católica romana), mas: (1) D e u s falou


pelos apóstolos e profetas, como é evidente (a) pela natureza
de sua doutrina, (b) pelos milagres que realizaram, (c) p o r suas
profecias, (d) por nossa experiência pessoal e pela observação
do poder da verdade. (2) Estas mesmas Escrituras que pos-
suímos foram escritas pelos apóstolos, etc., como fica evidente
(a) por suas provas internas, (b) pelo testemunho histórico dado
por todas as t e s t e m u n h a s competentes e contemporâneas, na
igreja e fora dela.
2 0 . M e s m o se o fato postulado fosse verdadeiro, isto é, se
soubéssemos só pelo t e s t e m u n h o autorizado da igreja, que as
Escrituras são de Deus, seria absurda a conclusão que pre-
t e n d e m tirar: p o r q u e a t e s t e m u n h a que prova a identidade ou
p r i m o g e n i t u r a de um príncipe não adquire, por esse motivo,
o direito de governar o reino, e n e m m e s m o o de interpretar a
vontade do príncipe.

21. Como se deve responder ao argumento a favor da


necessidade de um juiz visível, e que os romanistas tiram da
diversidade de seitas e doutrinas entre os protestantes?
I o . Não temos a pretensão de dizer que seja infalível o
juízo particular dos protestantes, mas só que, q u a n d o com
espírito h u m i l d e e crente julgam as coisas divinas à luz das
Escrituras, chegam a ter um conhecimento competente das
verdades essenciais.
2 o . O termo protestante é simplesmente negativo, e são
chamados assim muitos incrédulos que protestam, tanto con-
tra as Escrituras como contra Roma. No entanto, entre os
p r o t e s t a n t e s bíblicos existe, apesar de m u i t a s d i f e r e n ç a s
circunstanciais, um maravilhoso grau de acordo sobre as coisas
essenciais de fé e prática, como atestam seus hinos e livros de
devoção.
3 o . A diversidade que realmente existe entre eles tem sua
origem na falta de aplicarem, com fidelidade, os princípios
protestantes pelos quais contendemos. Os homens não t o m a m

116
, A Regra de Fé e Prática

seu credo simplesmente, e sem preconceitos da Bíblia.


4 o . A igreja católica r o m a n a , na sua exposição autorizada
feita pelo Concílio de Trento, provou ser juiz m u i t o indefinido.
Suas decisões doutrinárias precisam de um intérprete infalível,
i n f i n i t a m e n t e mais do que precisam dele as Escrituras.

22. Como se pode mostrar que a teoria católico-romana, bem


como a protestante, impõe necessariamente ao povo a obrigação de
decidir segundo o seu juízo particular?
Acaso existe um Deus? Teria Ele Se revelado? Teria Ele
estabelecido u m a Igreja? Seria essa Igreja mestra infalível?
Seria verdade que o juízo particular é guia cego? Qual de todas
as pretendidas igrejas seria a verdadeira? E evidente que todas
estas questões têm de ser decididas pelo juízo particular do
i n q u i r i d o r antes de lhe ser possível entregar, racional ou
irracionalmente, o seu juízo particular à direção da igreja que
se blazona de ser infalível e não admite o direito de juízo par-
ticular. Assim os romanistas se vêem obrigados a apelar para
as Escrituras para provar que elas não p o d e m ser entendidas,
e dirigem seus argumentos ao juízo particular dos h o m e n s
para provar que o juízo particular é i n c o m p e t e n t e para nos
dirigir com acerto. Seus argumentos baseiam-se, pois, naquilo
a respeito do qual querem provar, por meio de seus argumentos,
que não tem base! ...... (

23. Como se pode provar que o povo é muito mais competente


para descobrir o que seja aquilo que a Bíblia ensina do que o é para
decidir, segundo os sinais em que insistem os romanistas, qual seja a
igreja verdadeira?
Os romanistas, obrigados pela necessidade, têm decidido
que há certos sinais pelos quais se pode distinguir a verdadeira
igreja de todas as falsas. São (1) U n i d a d e (sujeitando-se todos
a u m a cabeça visível, o papa); (2) Santidade (3) Catolicidade
(4) Apostolicidade (envolvendo u m a sucessão, i n i n t e r r u p t a ,
de bispos c a n o n i c a m e n t e o r d e n a d o s desde os apóstolos) -

117
Capítulo 5

Catecismo do Concílio de Trento, P a r t e 1, C a p . 10. O r a , a


compreensão e aplicação inteligentes destes sinais envolve uma
soma i m e n s a de instrução e capacidade inteligente da parte do
i n q u i r i d o r . Ser-lhe-ia tão fácil provar-se d e s c e n d e n t e de N o é
por u m a série, i n i n t e r r u p t a , de casamentos legítimos, c o m o
lhe será estabelecer q u e a igreja r o m a n a t e m d i r e i t o ao ú l t i m o
dos sinais acima n u m e r a d o s . Ao m e s m o tempo, n i n g u é m p o d e
r a c i o n a l m e n t e ceder o seu direito de julgar p o r si o e n s i n o da
Bíblia e n q u a n t o não for c l a r a m e n t e p r o v a d o esse p o n t o .
As Escrituras, p o r certo, com seu p o d e r espiritual d a n d o
t e s t e m u n h o delas, não exigem tanto do juízo particular.

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA QUANTO


À I N T E R P R E T A Ç Ã O DAS ESCRITURAS,
À T R A D I Ç Ã O E À I N F A L I B I L I D A D E DO P A P A

I o . QUANTO A INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS -


Decretos do Concílio de Trento, Sessão 4. Além disso, o
m e s m o sacrossanto Sínodo... determina e declara que:
esta mesma antiga e vulgata edição, que pelo uso de tantos
séculos foi aprovada na igreja (católica romana), nas lições
públicas, disputas, pregações e exposições, seja dada por
autêntica - e em forma que ninguém, com pretexto algum,
se atreva ou intente rejeitá-la.
"Ademais, para refrear engenhos petulantes, determina
que: ninguém, confiado na sua prudência em matéria de
fé e costumes, e edificação da doutrina cristã, torça as
Sagradas Escrituras para os seus conceitos particulares,
contra aquele sentido que abraçou, e abraça a santa madre
igreja a quem pertence julgar o verdadeiro s e n t i d o e
interpretação das Escrituras, nem se atreva a interpretar
as mesmas Escrituras contra o u n â n i m e consenso dos
padres; ainda que essas interpretações nunca venham à
tona".
Decretos dogmáticos do Concílio Vaticano, cap. 2 - "E
havendo sido mal interpretadas, por alguns, as coisas que

118
A Regra de Fé e Prática

o santo Sínodo de Trento decretou, a bem das almas a


respeito da interpretação das Escrituras Sagradas, com o
fim de refrear espíritos rebeldes, nós, renovando o dito
decreto, declaramos que este é o seu sentido: que, em
matérias de fé e costumes, pertencendo a edificação da
doutrina cristã, deve-se ter aquilo como verdadeiro sentido
das Santas Escrituras que nossa santa madre igreja abraçou
e abraça, à qual pertence julgar o verdadeiro sentido das
Santas E s c r i t u r a s e, p o r isso, a n i n g u é m é p e r m i t i d o
interpretar as Sagradas Escrituras de modo contrário a
esse sentido, ou ao consenso unânime dos padres".
2 o . QUANTO À TRADIÇÃO - Prof Fidei Tridentince (1564
d.C.) 2 e 3 - "Aceito e abraço f i r m e m e n t e a tradição
apostólica e eclesiástica, e todas as demais ordenações e
instituições da mesma igreja. Aceito, também, as Santas
Escrituras, segundo o sentido que abraçou e abraça a santa
madre igreja, a quem pertence julgar o verdadeiro sentido
e interpretação das Escrituras; e nunca hei de tomá-las
ou interpretá-las de um modo que não seja de acordo com
o consenso unânime dos padres."
Concílio de Trento. Sessão 4 - "E vendo que esta verdade
e disciplina se contém em livros escritos, e sem escritos
nas tradições que recebidas pelos apóstolos, da boca de
C r i s t o , o u d i t a d a s pelo E s p í r i t o S a n t o aos m e s m o s
apóstolos, como de mão em mão, chegaram até nós".
3 o . QUANTO À AUTORIDADE ABSOLUTA DO PAPA -
Decisões dogmáticas do Concílio Vaticano, cap. 3 - "Por isso
ensinamos e declaramos que por ordenação do Senhor...
o poder de jurisdição do pontífice romano é imediato, e
que a ele todos, de qualquer rito e dignidade que sejam,
tanto os pastores como os fiéis, e tanto individual como
c o l e t i v a m e n t e , são, por seu dever de s u b o r d i n a ç ã o
hierárquica e obediência verdadeira, obrigados a sujeitar-
se, não só nas matérias que pertencem à fé e costumes,
mas também nas que pertencem à disciplina e governo da
igreja, em todo o m u n d o . . . Além disso, e n s i n a m o s e
declaramos mais que ele é o supremo juiz dos fiéis, e que
em todas as causas cuja decisão pertence à igreja, pode-se

119
Capítulo 5

recorrer ao seu tribunal, e que ninguém pode reabrir a


decisão da sé apostólica, por não haver autoridade supe-
rior à dela, nem pode alguém legalmente passar em
revista a sua decisão. Por isso desviam-se do curso reto
os que afirmam que é legal apelar das decisões do pontífice
romano para um concílio ecumênico, como para uma
autoridade superior à do pontífice romano".
4°.QUANTO A INFALIBILIDADE ABSOLUTA DO PAPA
COMO MESTRE DA IGREJA EM TODO O UNIVERSO -
Decretos dogmáticos do Concílio Vaticano, cap. 4 - "Aderindo,
pois, fielmente à tradição recebida do princípio da fé cristã
para a glória de D e u s nosso Salvador, a exaltação da
religião católico-romana e a salvação do povo cristão,
aprovando o sacrossanto concílio, ensinamos e definimos
que é uma doutrina revelada divinamente: que o pontífice
r o m a n o q u a n d o fala ex-cathedra, isto é, q u a n d o em
c u m p r i m e n t o do ofício de pastor e doutor de todos os
cristãos, em virtude de sua autoridade apostólica, define
uma doutrina que diz respeito à fé ou costumes, e que a
igreja universalmente deve crer, pelo auxílio divino que
lhe é prometido em Pedro bem-aventurado, ele é revestido
da infalibilidade com a qual o divino Salvador queria que
fosse revestida Sua Igreja, com o fim de definir doutrinas
que digam respeito à fé c costumes; e que por isso tais
definições do pontífice romano são irreformáveis em si
mesmas, e não pelo consenso da igreja. Mas se alguém
presumir - o que Deus não permita - a contradizer esta
nossa definição, seja anátema".
O Cardeal Manning, no seu livro Vatican Council, diz
que nesta definição há seis pontos a serem notados:
"I o . Define o significado da frase bem conhecida loquens
ex-cathedra, isto é, falando do assento ou lugar, ou com a
autori-dade do mestre supremo de todos os cristãos e
obrigando o assentimento da igreja em todo o universo.
"2 o . A matéria de que trata o ensino infalível, a saber,
a doutrina de fé e costumes.
"3°. A causa eficiente da infalibilidade, isto é, o auxílio
divino prometido a Pedro, e nele, a seus sucessores.

120
A Regra de Fé e Prática

"4 o . O ato a que é ligado esse auxílio divino, que é o de


definir doutrinas que digam respeito à fé e costumes.
"5 o . A limitação desta autoridade infalível ao ofício
doutrinal da igreja.
"6 o . O valor dogmático das decisões ex-cathedra, a sa-
ber, que são em si mesmas irreformáveis por serem, cm si
mesmas, infalível e não porque a igreja, ou uma parte ou
um membro dela, lhes dê o seu assentimento".
Decretos dogmáticos do Concílio Vaticano, cap. 4 - "Porque
o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de
Pedro a fim de que, por Sua revelação, anunciassem
doutrinas novas; e sim, para que por Seu auxílio, pudessem
guardar inviolavelmente e explicar fielmente, a revelação
ou depósito de fé transmitida por meio dos apóstolos".

121
6

Comparação de Sistemas

Neste capítulo será apresentado um breve esboço das


principais posições contrastadas dos três sistemas rivais do
pelagianismo, semipelagianismo e agostinianismo, ou, como
são chamados em suas formas mais completamente desenvol-
v i d a s - s o c i n i a n i s m o , arminianismo e calvinismo; e também
um esboço da história da sua origem e disseminação.

1. Qual foi, em geral, o estado das opiniões teológicas nos


primeiros três séculos ?
D u r a n t e os três primeiros séculos que decorreram depois
da m o r t e do apóstolo João, os ânimos especulativos da Igreja
o c u p a v a m - s e p r i n c i p a l m e n t e em d e f e n d e r a v e r d a d e do
c r i s t i a n i s m o c o n t r a os i n c r é d u l o s - c o m b a t e r as heresias
gnósticas geradas pelo f e r m e n t o da filosofia oriental - e em
determinar definitivamente as questões que se desenvolveram
nas controvérsias a respeito das Pessoas da Trindade.
Não parece que se fizessem, nesses séculos, exposições
definidas e conseqüentes a respeito da natureza, da origem e
das c o n s e q ü ê n c i a s do pecado no h o m e m ; n e m q u a n t o à
natureza e aos efeitos da graça divina; nem quanto à natureza
da obra redentora de Cristo, ou o método da sua aplicação pelo
Espírito Santo ou da sua apropriação pela fé. Como fato geral,
pode-se dizer que, em conseqüência da grande influência de
Orígenes, os c h a m a d o s Pais da Igreja Grega, quase todos,
adotaram u m a espécie de semipelagianismo, negando a culpa

122
Comparação de Sistemas

do pecado original e s u s t e n t a n d o que o pecador tem o poder


de predispor-se e cooperar com a graça divina. E este, ainda
hoje, é o caráter da antropologia grega. Os m e s m o s atributos
caracterizaram, t a m b é m , as especulações dos m a i s antigos
escritores da Igreja Ocidental; mas, d u r a n t e os séculos 3 e 4,
manifestou-se, entre os Pais latinos, u m a tendência notável
para adotarem as opiniões mais corretas, que foram depois
vindicadas, tão assinaladamente, pelo grande Agostinho. Essa
t e n d ê n c i a p o d e ser notada, m a i s claramente, nas obras de
Tertuliano de Cartago, que m o r r e u cerca do a n o de 220, e de
Hilário de Poitiers (f 368) e Ambrósio de Milão (f 397).

2. Por que meios tem a Igreja feito progresso na clara


discriminação da verdade divina? E quais os séculos, e quais os ramos
da Igreja em que as grandes doutrinas da Trindade, da Pessoa de
Cristo, do pecado e da graça, da redenção e sua aplicação, foram
definidas?
A Igreja tem sempre feito progresso, no sentido de adquirir
mais claras concepções e mais exatas definições da verdade
d i v i n a , p o r m e i o de c o n t r o v é r s i a s a t i v a s . E a p r o u v e à
Providência que as diversas grandes seções do sistema revelado
nas Escrituras inspiradas fossem discutidas, mais completa e
mais claramente definidas, em séculos diversos e no seio de
nações diversas t a m b é m .
Assim, as questões p r o f u n d a s envolvidas nas seções da
teologia própria, e da cristologia, foram investigadas, princi-
p a l m e n t e , por h o m e n s de origem grega, e foram definidas
autorizadamente em sínodos, reunidos na metade oriental da
Igreja geral, durante o século 4 e os que se seguiram imediata-
mente. Quanto à teologia, a divindade consubstancial de Cristo
foi definida no Concílio de Nicéia, em 325, e a personalidade
e deidade do Espírito Santo, no Concílio de Constantinopla,
em 381, acrescentando os latinos a cláusulaFilioque, no Concílio
de Toledo, em 589. Q u a n t o à cristologia - o Concílio de Efeso
afirmou, em 431, a unidade pessoal do Teantropos. O Concílio

123
Capítulo 6

de Calcedônia afirmou, em 451, que as duas naturezas em


Cristo são distintas. O sexto Concílio de Constantinopla, em
680, afirmou que o Senhor possuiu u m a vontade h u m a n a ,
como t a m b é m u m a vontade divina. Estas decisões têm sido
aceitas pela Igreja inteira, grega e romana, luterana e reformada.
As questões a respeito do pecado e da graça, incluídos no
t í t u l o geral d e a n t r o p o l o g i a , f o r a m m a i s c o m p l e t a m e n t e
investigadas, em p r i m e i r o lugar, por h o m e n s de origem latina
que chegaram primeiro a conclusões definidas na controvérsia
de Agostinho com Pelágio, em meados do século 5.
As questões sobre a redenção, e o método da sua aplicação,
abrangidas sob a grande divisão da soteriologia, não foram
investigadas completamente até o t e m p o da Reforma, e depois
pelos grandes teólogos da A l e m a n h a e da Suíça.
M u i t a s questões pertencentes à grande divisão de eclesio-
logia, ainda hoje esperam sua solução completa no f u t u r o .

3. Quais são os três grandes sistemas de teologia que têm sempre


subsistido na Igreja?
Abrangendo a revelação dada nas Escrituras - um sistema
completo de verdades - cada seção separada não pode deixar
de sustentar muitas relações óbvias, algumas lógicas outras não,
com todas as outras seções, como as diversas partes de um
grande todo. O desenvolvimento imperfeito e a concepção
defeituosa ou exagerada de u m a d o u t r i n a q u a l q u e r intro-
duzirão, inevitavelmente, a confusão e o erro no sistema inteiro.
Por exemplo: opiniões pelagianas sobre o estado natural do
h o m e m tendem sempre a dar em resultado opiniões socinianas
sobre a Pessoa e a obra de Cristo. E opiniões semipelagianas
sobre o pecado e a graça são atraídas irresistivelmente e, por
sua vez, atraem opiniões arminianas sobre os atributos divinos,
a natureza da expiação e a obra do Espírito.
Há, com efeito, como poderíamos já prever, só dois sistemas
completos e autoconseqüentes de teologia cristã possíveis.,
I o . H á , de um lado, o agostinianismo, c o m p l e t a d o no

124
f Comparação de Sistemas

calvinismo. 2 o . De outro lado há o pelagianismo, completado


no socinianismo. E 3 o , o a r m i n i a n i s m o , que está entre os dois,
e é um s i s t e m a de c o m p r o m i s s o s , o s e m i p e l a g i a n i s m o
desenvolvido.
No uso c o m u m , o t e r m o socinianismo é e m p r e g a d o para
designar esses elementos do falso sistema que dizem respeito
à Trindade e à Pessoa de Cristo. Os termos pelagianismo e
semipelagianismo são aplicados aos desvios mais extremistas
ou mais moderados feitos das verdades de que trata a Antro-
pologia, e o termo a r m i n i a n i s m o é empregado para designar os
erros m e n o s extremistas que neste sistema são ensinados na
seção dtsoteriologia.

4. Quando, onde e por quem foram primeiro discriminados


claramente os princípios fundamentais das duas grandes escolas
antagonistas de teologia?
As posições c o n t r a s t a d a s dos sistemas a g o s t i n i a n o e
pelagiano foram primeiro desenvolvidas e definidas por meio
de controvérsias m a n t i d a s pelos h o m e n s e m i n e n t e s cujos
n o m e s trazem - Agostinho e Pelágio - durante a primeira terça
parte do século 5.
Agostinho foi bispo de Hipona, África setentrional, de 395
a 430. Pelágio, cujo sobrenome foi Morgan, era um m o n g e
britânico. Foi a j u d a d o nas suas controvérsias p o r seus discí-
pulos Celestio e Juliano, de Eclano, Itália.
As posições m a n t i d a s p o r Pelágio f o r a m c o n d e n a d a s
geralmente pelos representantes da Igreja inteira desde aquele
t e m p o até agora, e todas as denominações (com exceção dos
socinianos professos) as têm reputado como heresias fatais.
F o r a m condenadas pelos dois concílios reunidos em Cartago,
em 407 e 416; pelo Concílio de Milevo, na N u m í d i a , em 416;
pelos papas Inocêncio e Zósimo, e pelo concílio ecumênico de
E f e s o , e m 431. E s t e r e p ú d i o a p r e s s a d o e u n i v e r s a l d o
pelagianismo prova que, embora fossem m u i t o imperfeitas as
idéias dos primeiros pais sobre essa classe de questões, o sistema

125
Capítulo 6 1

ensinado por Agostinho devia ser, q u a n t o às coisas essen-


ciais, o m e s m o que a fé da Igreja, em sua substância, desde o
princípio da era cristã.

5. Como se pode expor, em contraste, as principais doutrinas


distintivas dos sistemas agostiniano epelagiano?
" I a . Q u a n t o ao pecado original:*
Agostinianismo - Pelo pecado de Adão, em quem pecaram
todos os homens juntos, vieram para o m u n d o o pecado e todos
os demais castigos merecidos do pecado de Adão. Por ele ficou
corrompida a natureza humana, tanto física como moralmente.
Todo h o m e m traz consigo para o m u n d o uma natureza já tão
corrupta que nada pode fazer senão pecar. A propagação desta
qualidade da sua natureza é pela concupiscência. i
"Pelagianismo - Por sua transgressão, Adão só fez mal a si
e não à sua posteridade. Q u a n t o ao que diz respeito à sua
natureza moral, todo o h o m e m nasce na mesma condição em
que foi criado Adão. Não há, pois, pecado original.
"2 a . Quanto ao livre-arbítrio:
"Agostinianismo - Pelo pecado de Adão, a vontade h u m a n a j
p e r d e u i n t e i r a m e n t e a sua liberdade. Em seu atual estado j
corrompido, o h o m e m só pode querer e fazer o mal.
"Pelagianismo - A vontade do homem é livre. Todo h o m e m
tem o poder de querer e fazer o bem, como t a m b é m o mal. Por
isso d e p e n d e só de si, se for bom ou mau.
"3 a . Q u a n t o à graça:
"Agostinianismo - Se, porém, o h o m e m , no seu estado atual,
quer e faz o bem, é só devido à obra da graça divina. Esta é
u m a obra interna, secreta e maravilhosa, operada por D e u s no
h o m e m . E u m a obra que precede e t a m b é m acompanha. Pela
graça precedente o h o m e m alcança a fé, e m e d i a n t e esta chega
a ver o que é bom e recebe o poder de querer o bem. Para fazer

* Historical Presentalion of Augustinianism and Pelagianism (Exposição


Histórica de Agostinianismo e Pelagianismo) por Dr. G. E Wiggers.

126
Comparação de Sistemas

q u a l q u e r boa obra, precisa da graça c o o p e r a n t e . C o m o o


h o m e m não p o d e fazer nada sem a graça, assim t a m b é m nada
pode fazer contra ela. E irresistível. E como o h o m e m não tem,
por natureza, m e r e c i m e n t o algum, Deus, d a n d o a Sua graça a
qualquer h o m e m , não o faz em atenção à disposição moral
desse h o m e m , mas opera s e g u n d o a Sua própria livre vontade.
"Pelagianismo - Ainda que seja verdade que o h o m e m ,
por sua livre vontade que é um dom de Deus, tem capacidade
para querer e fazer o bem, sem o auxílio especial de Deus,
c o n t u d o para que o possa fazer mais facilmente, D e u s revelou a
lei, deu-lhe o ensino e exemplo de Cristo para o ajudar, e
concedeu-lhe até mesmo as operações sobrenaturais da graça.
Esta, no seu sentido mais l i m i t a d o (influência graciosa) é
concedida só àqueles que, empregando fielmente suas próprias
forças, merecem que o seja. Mas o h o m e m pode resistir-lhe.
"4 a . Q u a n t o à predestinação e à redenção:
"Agostimanismo - Desde toda a eternidade, D e u s fez um
d e c r e t o livre e i n c o n d i c i o n a l de salvar a l g u n s de t o d a a
h u m a n i d a d e que estava c o r r u p t a e sujeita à c o n d e n a ç ã o .
Aqueles que p r e d e s t i n o u p a r a essa salvação dá os m e i o s
necessários para conseguirem esse fim. Sobre os outros, porém,
que n ã o p e r t e n c e m ao p e q u e n o número* dos eleitos, cai a
merecida ruína. Cristo veio ao m u n d o e m o r r e u s o m e n t e a
favor dos eleitos.
"Pelagianismo - O decreto divino de eleição e reprovação é
f u n d a d o na presciência de Deus. Aqueles, a quem Deus previu
que guardariam os mandamentos, predestinou para a salvação;
os outros, para a condenação. A redenção de Cristo é geral,
mas só aqueles que realmente pecaram precisam da Sua
m o r t e expiatória. Todos, p o r é m , p o d e m ser levados a u m a
perfeição e virtude superior, por meio do ensino e exemplo de
Cristo."

* A doutrina de Agostinho não nos permite concluir, de forma alguma,


que os eleitos são "poucos" ou em "pequeno número".

127
Capítulo 6

6. Qual foi a origem do sistema mediano ou semipelagiano?


Enquanto a controvérsia pelagiana estava no seu auge, João
Casiano, de descendência síria, e educado na Igreja Oriental,
tendo ido para Marselha, França, com o fim de promover os
interesses do m o n a s t i c i s m o nessa região, c o m e ç o u a dar
publicidade a um sistema de doutrinas que ocupava posição
média entre os sistemas de Agostinho e Pelágio. Esse sistema,
a cujos advogados se deu o n o m e de massilianos, devido à
origem do seu chefe, chamados depois semipelagianos pelos
escolásticos, é, nos seus princípios essenciais, o m e s m o que
agora se c h a m a a r m i n i a n i s m o , u m a exposição do qual
falaremos numa parte subseqüente deste capítulo. Fausto, bispo
de Riez, França, de 427 a 480, foi um dos defensores mais
d i s t i n t o s e dos p r o p a g a d o r e s m a i s b e m s u c e d i d o s dessa
doutrina, a qual foi aceita p e r m a n e n t e m e n t e pela Igreja Ori-
ental, e por algum tempo, disseminada largamente t a m b é m
na Igreja Ocidental, até ser condenada pelos sínodos de
O r a n g e e Valence, em 529.

7. Qual a relação do agostinianismo com o calvinismo, e do


semipelagianismo com o arminianismo?
D e p o i s desse t e m p o , o a g o s t i n i a n i s m o t o r n o u - s e a
o r t o d o x i a r e c o n h e c i d a da Igreja O c i d e n t a l , e o n o m e de
n e n h u m outro h o m e m , não inspirado, exerce influência tão
universal, tanto entre os papistas como entre os protestantes,
como Agostinho. Se se deve usar de algum nome h u m a n o como
designação de um sistema de verdades, divinamente reveladas,
o termo agostinianismo como oposto ao pelagianismo designa,
com propriedade, todos aqueles elementos de fé que o m u n d o
inteiro de cristãos evangélicos m a n t é m em c o m u m . Por outro
lado, agostinianismo como oposto a semipelagianismo designa,
com propriedade, o sistema c o m u m e n t e chamado calvinismo
- e n q u a n t o cassianismo seria, p r o p r i a m e n t e , a designação
histórica do sistema mediano ou semipelagiano, c o m u m e n t e
c h a m a d o agora arminianismo.

128
Comparação de Sistemas

8. Como se achavam divididos os partidos, entre os escolásticos,


com respeito a esses grandes sistemas, e como se acham divididos
na moderna igreja papal?
Depois de decorrida a idade das trevas, d u r a n t e a qual
permanecera entorpecida toda a especulação ativa, o grande
Tomás de Aquino, italiano por nascimento, 1124 d.C., m o n g e
da o r d e m d o m i n i c a n a , " D o c t o r Angelicus", advogou com
habilidade consumada o sistema agostiniano, do m o d o
incômodo e artificial que caracterizava os escolásticos. João
D u n s Scotus, inglês por nascimento, 1265 d.C., m o n g e da
ordem franciscana, " D o c t o r Subtilis", foi, naquele século, o
defensor mais hábil do sistema que se chamava então semi-
pelagiano. As controvérsias ressuscitadas assim c o n t i n u a r a m
por muitos séculos, sustentando os dominicanos e tomistas,
em geral, a eleição incondicional e a graça eficaz; e os francis-
canos e scotistas, em geral, a eleição condicional e o poder
inalienável da vontade h u m a n a de cooperar com a graça divina
ou resistir-lhe. As m e s m a s d i s p u t a s , sob diversos n o m e s
partidários, c o n t i n u a m ainda a agitar a igreja r o m a n a desde a
R e f o r m a , se b e m que o g ê n i o de seu s i s t e m a r i t u a l e a
p r e d o m i n â n c i a dos jesuítas nos seus concílios t e n h a m feito
prevalecer, em quase toda essa igreja, o semipelagianismo.
O Concílio Ecumênico de Trento, cujas sessões começa-
ram em 1546 d.C., procurou f o r m u l a r um credo i n d e f i n i d o
que satisfizesse aos adeptos de ambos os sistemas. A conse-
qüência foi que tanto os dominicanos como os franciscanos
disseram que suas opiniões haviam sido sancionadas por aquele
concílio. A verdade é que, e n q u a n t o as exposições gerais e
indefinidas de doutrina que se e n c o n t r a m nos seus cânones
são, muitas vezes, agostinianas na forma, as explicações mais
detalhadas e exatas que se lhes seguem são u n i f o r m e m e n t e
semipelagianas.
A ordem dos jesuítas, f u n d a d a em 1541 d.C. por Inácio
de Loyola, tem-se identificado sempre com a teologia semi-
pelagiana. L u i z Molina, jesuíta espanhol, 1588 d.C., in-

129
Capítulo 6

ventor da distinção d e n o m i n a d a scientia media, alcançou tanta


fama na defesa do semipelagianismo que os adeptos deste,
na igreja papal, têm sido chamados molinistas. Em 1638 d.C.
faleceu Jansênio, bispo de Ipres, nos Países Baixos, deixando
sua g r a n d e obraAugustinus, na qual desenvolveu claramente e
estabeleceu, por extratos numerosos, o verdadeiro sistema de
Agostinho. Esta obra ocasionou controvérsias m u i t o dila-
tadas, foi atacada ferozmente pelos jesuítas, e condenada pelas
bulas de Inocêncio X e Alexandre VII, em 1653 e 1656 d.C. -
s e g u i d a s , em 1713 d.C., pela b u l a célebre unigenitus, de
Clemente XI, condenando o Comentário do Novo Testamento,
por Quesnel.
Os agostinianos, na igreja romana, foram subseqüente-
m e n t e chamados jansenistas, e t i n h a m sua sede principal na
H o l a n d a e na Bélgica, como t a m b é m em Porto Royai, perto
de Paris. Tem havido, entre eles, h o m e n s m u i t o ilustres como
T i l l e m o n t , Arnaulos, Nicole, Pascal e Quesnel. As contro-
vérsias entre os dominicanos e os molinistas, os jansenitas e os
jesuítas têm continuado até o nosso tempo, se bem que agora o
semipelagianismo junto com o jesuitismo, que triunfou
definitivamente no Concílio Vaticano, em 1870 d.C., reina
quase universalmente na igreja católica romana.

9. Qual a posição da Igreja Luterana com relação a esses


grandes sistemas?
Lutero, monge da ordem agostiniana e discípulo fervoroso
de Agostinho, ensinou um sistema de fé que concorda, no
e s p í r i t o e em todos os p o n t o s essenciais, com o e s p í r i t o
desenvolvido depois mais sistematicamente por Calvino. O
único ponto importante em que diferiu do consenso c o m u m
das igrejas calvinistas, era o que diz respeito à presença literal
e física da Pessoa de Cristo em, com e sob os elementos da euca-
ristia. Com essas opiniões de Lutero parece que M e l a n c h t h o n
concordava, q u a n d o publicou a primeira edição dos seus
Loci communes. P o s t e r i o r m e n t e , p o r é m , m o d i f i c a r a m - s e

130
Comparação de Sistemas

g r a d u a l m e n t e suas opiniões sobre a liberdade do h o m e m e a


soberania da graça divina. Depois da m o r t e de L u t e r o , na
conferência de Leipzig, em 1548, declarou, explicitamente,
que concordava com os sinergistas que a f i r m a m que, no ato
regenerador, a vontade h u m a n a coopera com a graça divina.
Por outro lado, as opiniões de M e l a n c h t h o n q u a n t o à relação
do sinal significado nos sacramentos (ou seja, as ordenanças)
com a graça, estavam m u i t o mais em c o n f o r m i d a d e com as
que m a n t i n h a m os discípulos de Zwínglio e Calvino do que
com as que ensinava sua própria igreja. Sua posição, em relação
a esses dois pontos, ofendeu m u i t o os "velhos luteranos", e
ocasionou controvérsias prolongadas e amargas. Afinal pre-
valeceu sobre seus antagonistas o p a r t i d o " v e l h o " ou dos
luteranos estritos, e fez-se de suas opiniões u m a completa
exposição científica na Formula Concordiae, publicada em
1580 d.C. Ainda que este d o c u m e n t o notável não chegasse a
ocupar posição igual à que ocupa a Confissão de Augsburgo
e sua Apologia, que são a confissão reconhecida universal-
mente das igrejas luteranas, pode, com justiça, ser considerada
como a melhor testemunha ao nosso alcance a respeito daquilo
que r e a l m e n t e é a teologia e s t r i t a m e n t e l u t e r a n a , q u a n d o
desenvolvida n u m sistema completo.
As características da teologia luterana quando contrastadas
com as das igrejas r e f o r m a d a s p o d e m ser expostas sob os
seguintes pontos:
I o . Q u a n t o à teologia própria e à cristologia, os únicos
pontos em que diferem do calvinismo são os dois seguintes:
(1) Q u a n t o aos atributos divinos ligados à preordenação
soberana, eles m a n t ê m que até onde esta diz respeito às ações
dos agentes morais, é limitada às ações que são boas moral-
mente, e que não têm relação d e t e r m i n a n t e com as que são
más. Deus prevê todos os eventos, sejam quais f o r e m ; Ele
preordena todas as ações dos agentes necessários, e as boas
ações dos agentes livres - mas nada mais.
(2) Q u a n t o à cristologia, m a n t ê m que, em virtude da
m m r h Ç A AUBREY ÇLARK
131
Capítulo 6

união hipostática, o elemento h u m a n o da Pessoa de Cristo tem


parte com o divino em pelo m e n o s alguns dos seus atributos.
Assim, Sua alma h u m a n a tem parte na onisciência e onipo-
tência da Sua deidade, e Seu corpo, na sua onipresença, e jun-
tos têm o poder de dar vida ao verdadeiro crente que recebe a
ordenança.
2 o . Q u a n t o à antropologia, suas opiniões são idênticas às
dos mais estrénuos proponentes da teologia reformada, como,
por exemplo, a imputação antecedente e imediata do primeiro
pecado de Adão; a total depravação moral de todos os seus
descendentes, por natureza e desde o nascimento; e sua inca-
pacidade absoluta d e , por suas próprias forças, fazerem, como
devem fazer, coisa alguma das que p e r t e n c e m à sua relação
com Deus.
3 o . Q u a n t o aos grandes elementos centrais da soteriologia,
concordam com muita exatidão com os reformados q u a n t o à
natureza e à necessidade da obra expiatória de Cristo; q u a n t o
à justificação forense, m e d i a n t e a imputação ao crente tanto
da o b e d i ê n c i a ativa c o m o da passiva de Cristo; q u a n t o à
natureza e ao ofício da fé justificadora; q u a n t o à ação s o m e n t e
da graça divina na regeneração do pecador, com a qual graça a
alma, morta por seus delitos, não pode,em princípio, cooperar;
quanto à eleição eterna e soberana que Deus faz dos crentes
em Cristo, não por causa de qualquer coisa neles, e sim em
virtude de Sua vontade graciosa e, por conseguinte, quanto ao
fato de dever-se atribuir a salvação de toda alma realmente
salva só e unicamente à graça de Deus, e de m o d o algum à
vontade cooperante do h o m e m , ou ao seu merecimento.
Ao m e s m o t e m p o ensinam, com óbvia inconseqüência
lógica, q u e , na d i v i n a i n t e n ç ã o , a graça do e v a n g e l h o é
absolutamente universal - que Cristo morreu igualmente, e
no m e s m o sentido, por todos os h o m e n s ; dá graça a todos
igualmente. Os que se perdem, perdem-se porque resistem à
graça. Os que são salvos, devem sua salvação u n i c a m e n t e à
graça, a mesma que tem em c o m u m com os p e r d i d o s - a

132
Comparação de Sistemas

mesmíssima graça - não em grau maior de graça ou em grau


m e n o r de pecado - n e m ao b o m uso que fazem da graça
recebida, e sim, s i m p l e s m e n t e à própria graça. S e g u n d o eles,
Deus elege s o b e r a n a m e n t e todos os que são salvos, mas não
passa soberanamente por alto nos que se p e r d e m . Dá a m e s m a
graça a todos, e os destinos são diversos porque os que se perdem
persistem em resistir a essa graça.
A distinção mais i m p o r t a n t e do luteranismo diz respeito
à d o u t r i n a sobre a eucaristia. Eles m a n t ê m a presença real e
física do S e n h o r na Ceia do S e n h o r - em, c o m , e sob os
elementos - e que a graça significada e c o m u n i c a d a pelas
o r d e n a n ç a s é necessária à salvação, e n ã o é c o m u n i c a d a
o r d i n a r i a m e n t e por n e n h u m outro meio. Por isso a teologia e
vida eclesiástica dos luteranos estritos c o n c e n t r a m - s e nos
sacramentos. D i f e r e m do partido altamente sacramental da
Igreja Episcopal, em rejeitarem o dogma da sucessão apostólica
e as tradições da Igreja Primitiva.

10. Em quantos grandes partidos tem estado dividido sempre o


mundo protestante, e quais são?
Todo o m u n d o protestante, desde os tempos da Reforma
até agora, tem estado dividido em duas grandes famílias de
Igreja, classificadas respectivamente como LUTERANAS, OU as
que t o m a r a m o seu caráter de L u t e r o e M e l a n c h t h o n ; e
REFORMADAS, ou as que receberam a impressão característica
de Calvino. A família LUTERANA de igrejas compreende todos
aqueles protestantes da Alemanha, H u n g r i a , e das províncias
bálticas da Rússia, que a d e r e m à Confissão de Augsburgo,
j u n t a m e n t e com as igrejas nacionais da Dinamarca, Noruega
c Suécia, e a grande denominação desse n o m e na América do
Norte. O n ú m e r o de seus adeptos é estimado em vinte cinco
m i l h õ e s * de l u t e r a n o s a u t ê n t i c o s , e n q u a n t o q u e a Igreja
Evangélica da Prússia, formada por u m a união política dos

* M e a d o s do século X I X .

133
Capítulo 6

adeptos das duas confissões, abrange, provavelmente, mais


onze milhões e meio. Seus livros simbólicos são a Confissão de
Augsburgo e sua Apologia, os artigos de Esmalcalda, os Cate-
cismos, grande e pequeno, de L u t e r o e, recebida pelo partido
estrito deles, a F ó r m u l a Concordiae. As igrejas CALVINISTAS
ou REFORMADAS abrangem, segundo o uso restrito do termo,
todas as igrejas protestantes que derivam sua teologia, de
G e n e b r a ; e e n t r e elas, por causa de óbvias condições
modificadoras, as igrejas episcopais da Inglaterra, Irlanda e
América do N o r t e f o r m a m u m a subdivisão separada; e os
metodistas wesleyanos, que são c o m u m e n t e classificados com
os r e f o r m a d o s por t e r e m - s e desenvolvido h i s t o r i c a m e n t e
daquele ramo, acham-se afastados mais ainda do que a Igreja
da Inglaterra, do tipo normal da classe geral. N u m sentido
geral, porém, esta classe compreende todas aquelas igrejas da
Alemanha que aceitam o Catecismo de Heidelberg; as igrejas
protestantes da Suiça, França, H o l a n d a ; as igrejas nacionais
da I n g l a t e r r a e Escócia; as i n d e p e n d e n t e s e b a t i s t a s da
Inglaterra e América do Norte; e os diversos ramos da Igreja
Presbiteriana da Inglaterra, Irlanda e América. Compreendem
cerca de oito milhões de reformados alemães; dois milhões da
Igreja R e f o r m a d a da H u n g r i a ; doze m i l h õ e s e m e i o de
episcopais; seis milhões de presbiterianos; três e meio milhões
de metodistas; quatro e meio milhões de batistas, e um milhão
e meio de i n d e p e n d e n t e s - ao todo, cerca de trinta e oito
milhões.
As confissões p r i n c i p a i s da Igreja R e f o r m a d a são as
Confissões Galicana, Belga; Segunda Helvética e a Escocesa;
o Catecismo de Heidelberg; os trinta e nove Artigos da Igreja
da Inglaterra; os Cânones do Sínodo de Dort, e a Confissão e
Catecismos da Assembleia de Westminster.

11. Qual foi a origem da heresia unitária ?


Na Igreja Primitiva, os ebionitas, seita judia-gnóstica-cristã,
f o r a m os únicos r e p r e s e n t a n t e s daqueles que, nos t e m p o s

134
Comparação de Sistemas

modernos, têm o n o m e de socinianos. Um p a r t i d o entre eles


chamava-seelkasitas. Suas idéias, com modificações especiais,
acham-se expressas nas Homilias Clementinas, escritas cerca do
ano de 150 d.C., na Síria oriental. Os humanistas mais distintos
da Igreja Primitiva foram os dois Teodotos de Roma, ambos
leigos - Artemon (f 180), e Paulo de Samosata, bispo de Antio-
quia (260-270), deposto por um concílio r e u n i d o em 269 d.C.
A maioria desses admitia o nascimento sobrenatural de Cristo,
mas afirmava que era m e r a m e n t e h o m e m , h o n r a d o com u m a
especial influência divina. Eles a d m i t i a m uma apoteose ou
deificação relativa de Cristo, subseqüente à Sua vida e obra
neste m u n d o . u - , uv>
Cerinto, que viveu durante a última parte do p r i m e i r o
século e a primeira parte do segundo, sustentava que Jesus foi
mero h o m e m , nascido de Maria e José, e que o Cristo ou Logos
desceu sobre Ele, na forma de u m a p o m b a , no Seu batismo, e
que foi, então, elevado à dignidade de Filho de D e u s , operou
milagres, etc. O Logos deixou o h o m e m Jesus na crucificação
dEle. Negou, t a m b é m , a ressurreição de Jesus.
A esses sucederam os arianos^ no quarto século. D u r a n t e a
Idade Média, não ficou n e n h u m partido, na Igreja, que negasse
a b e r t a m e n t e a d i v i n d a d e s u p r e m a de Jesus. N o s t e m p o s
modernos reviveu o unitarismo, no período da Reforma, por
meio dos trabalhos de Lélio Socino, da Itália. Foi, por este,
levado para a Suíça, e ali existiu como d o u t r i n a professada
por alguns hereges conspícuos, de 1525 a 1560 d.C. Os seus
professores mais p r o e m i n e n t e s f o r a m os Socino ( L é l i o e
Fausto), Serveto e Ochino. Existia como igreja organizada em
Rocow, Polônia, o n d e os hereges exilados acharam refúgio, de
1539 a 1658, q u a n d o os socinianos foram expulsos da Polônia
pelos jesuítas e, passando para a Holanda, ficaram absorvidos
pelas i g r e j a s " r e m o n s t r a n t e s " o u a r m i n i a n a s . E m 1609
Schmetz, com os materiais tirados do ensino de Fausto Socino,
s o b r i n h o de Lélio e do de J. Crellio, compôs o Catecismo
Racoviano, que é a obra normal do socianismo (veja a tradução

135
Capítulo 6

de Rees, 1818). Depois da sua dispersão, A n d r é Wissowatis e


outros r e u n i r a m as obras mais importantes dos seus teólogos
mais ilustres sob o título dzBibliotheca Fratrum Polonorum. Esses
escritores desenvolveram o socianismo com habilidade
consumada, deram-lhe uma forma perfeita e reduziram-no a
um sistema lógico. E p u r a m e n t e unitário na sua teologia,
humanista na sua cristologia,pelagiano na sua antropologia; e
sua soteriologia foi desenvolvida em perfeita coerência lógica
e ética com esses elementos. Uma exposição de suas posições
características encontra-se abaixo.
Tornou a aparecer, com doutrina sustentada por alguns
h o m e n s isolados, na Inglaterra, no século 17. D u r a n t e o século
18, certo n ú m e r o de igrejas p r e s b i t e r i a n a s da I n g l a t e r r a
decaíram para o socianismo; e nos fins do m e s m o século, um
n ú m e r o maior de igrejas congregacionais, no leste do estado
de Massachussetts, seguiram o seu exemplo. E essas juntas
constituem a base da denominação unitária moderna.
"Sua ú l t i m a f o r m a é u m a modificação do socianismo
antigo, devido à pressão da religião evangélica de u m a parte, e
da crítica r a c i o n a l i s t a de o u t r a . Priestly, C h a n n i n g e J.
Martineau são os exemplos das fases sucessivas do u n i t a r i s m o
m o d e r n o . Priestly é exemplo do socianismo antigo, que se
edificava sobre uma filosofia sensacional; C h a n n i n g é exemplo
de um esforço de se conseguir um grande desenvolvimento do
elemento espiritual; e Martineau é o da elevação de vista
induzida pela filosofia de Cousin, e pela introdução da idéia
de progresso histórico nas idéias religiosas" - F a n a r Crit. Hist.
of Free Thought, Bampton Lecture, 1862.

12. Quando e em que circunstâncias teve origem o arminianismo


moderno?
James Arminius, professor de teologia na Universidade
de L e y d e n , de 1602 até a sua morte em 1609, embora sendo
ministro da Igreja Calvinista da Holanda manteve, a princípio,
secreta e depois mais abertamente, esse sistema de opinião

136
Comparação de Sistemas

teológica que desde aquele t e m p o tem sido c h a m a d o p o r seu


nome. Suas opiniões d i f u n d i r a m - s e r a p i d a m e n t e e foram, ao
m e s m o tempo, combatidas pelos principais h o m e n s da Igreja.
Cerca de um ano após a m o r t e de A r m í n i o , seus discípulos
constituíram-se em partido organizado e, nessa forma, apresen-
taram aos Estados da H o l a n d a e Friesland ocidental u m a
representação (remonstrance), p e d i n d o que se lhes permitisse
conservar seus lugares na Igreja sem que fossem sujeitos, pelos
tribunais eclesiásticos, a exames incômodos sobre sua ortodoxia.
Pelo fato de ser a apresentação dessa remonstrance o seu primeiro
ato c o m b i n a d o c o m o u m p a r t i d o , f i c a r a m , depois, s e n d o
conhecidos na história como remonstrantes. »-
Pouco depois disso, os remonstrantes, com o fim de definir
b e m a sua posição, apresentaram às autoridades cinco artigos
em que exprimiam sua fé quanto à predestinação e a graça.
Essa foi a origem dos célebres "Cinco Pontos" na controvérsia
entre o calvinismo e o a r m i n i a n i s m o . Em breve, p o r é m , a
controvérsia estendeu-se a mais pontos; e os a r m i n i a n o s , por
se conservarem lógicos, viram-se obrigados a ensinar doutrinas
radicalmente errôneas quanto à natureza do pecado, ao pecado
original, à imputação, à natureza da propiciação, e à justifica-
ção pela fé. A l g u n s de seus a u t o r e s l e v a r a m o e s p í r i t o
racionalista inerente no seu sistema até aos seus resultados
legítimos, n u m pelagianismo quase irrestrito, e alguns foram
até suspeitos de socianismo.
Não se tendo conseguido, por outros meios, impor silêncio
aos inovadores, os Estados Gerais reuniram em Dort, Holanda,
um Sínodo geral, cujas sessões ocorreram em 1618 e 1619.
C o n s t a v a de p a s t o r e s , p r e s b í t e r o s r e g e n t e s e p r o f e s s o r e s
teológicos das igrejas da Holanda, e de deputados das igrejas
da Inglaterra, Escócia, Hesse, Bremen, Palatinado e Suíça -
não se achando presente n i n g u é m da França, por tê-lo proibido
o seu rei. Os delegados estrangeiros presentes eram dezenove
presbiterianos das igrejas reformadas do continente, um da
Escócia e quatro episcopais da Igreja da Inglaterra, entre eles,

137
Capítulo 6

c o m o chefe, o b i s p o de L l a n d a f f . Este S í n o d o c o n d e n o u
u n a n i m e m e n t e as doutrinas dos arminianos, e nos seus Artigos
c o n f i r m o u a c o m u m fé calvinista das igrejas reformadas. Os
teólogos r e m o n s t r a n t e s mais distintos que se sucederam a
A r m í n i o foram Episcópio, Curcelloea, L i m b o r c h , Le Clerc,
Wetstein e o ilustre jurisconsulto Grotio.
A d e n o m i n a ç ã o dos metodistas na G r ã - B r e t a n h a e na
América é a única grande entre os protestantes do m u n d o
inteiro cujo credo é abertamente arminiano. Mas o seu armi-
nianismo, como este se acha exposto nas obras de Ricardo
Watson, seu escritor mais autorizado e teólogo incomparavel-
m e n t e mais competente do que Wesley, está m u i t o m e n o s
afastado do calvinismo da Assembléia de Westminster do que
o está o sistema dos r e m o n s t r a n t e s ulteriores, e deve sempre
ser d e s i g n a d o pelo n o m e q u a l i f i c a d o d e " a r m i n i a n i s m o
evangélico". Nas obras de Watson a antropologia e a sote-
r i o l o g i a d o a r m i n i a n i s m o são, e m s e n t i d o geral, m u i t o
semelhantes às divisões correspondentes do luteranismo e do
calvinismo de Baxter, e da Escola Francesa do século 17.

13. Eis um esboço das principais posições do sistema sociniano.


TEOLOGIA E CRISTOLOGIA
I o . A unidade divina.
(1) Esta unidade é incompatível com quaisquer distinções
pessoais na deidade.
(2) Cristo é mero h o m e m .
(3) O Espírito Santo é u m a influência divina impessoal.
2 o . Os atributos divinos.
(1) N ã o existe em D e u s n e n h u m p r i n c í p i o de justiça
vindicativa: nada que o impeça de aceitar os pecadores só sob
a base do seu arrependimento.
(2) E essencialmente impossível que sejam conhecidos
f u t u r o s eventos contingentes. A presciência de Deus não se
estende a tais eventos.

138
Comparação de Sistemas

ANTROPOLOGIA —
o
I . O h o m e m foi criado sem caráter moral positivo. "A
imagem de D e u s " à qual, diz a Bíblia, o h o m e m foi criado,
não inclui a santidade.
2 o . Adão, c o m e n d o o fruto proibido, cometeu pecado e
incorreu, assim, na ira de Deus, mas, não obstante isso, retinha
ainda a mesma natureza moral e as tendências c o m as quais
fora criado, e transmitiu-as i n t e g r a l m e n t e à sua posteridade.
3 o . A culpa do pecado de A d ã o n ã o é i m p u t a d a à sua
descendência.
4°. O h o m e m pode, agora, cumprir todas as suas obrigações
por natureza, e fazê-lo tão b e m quanto Adão antes de pecar. As
circunstâncias nas quais se f o r m a o caráter do h o m e m , agora
são m e n o s favoráveis do que no caso de Adão, e p o r isso o
h o m e m é fraco. Mas D e u s é i n f i n i t a m e n t e misericordioso, e a
obrigação é graduada pela capacidade. O h o m e m foi criado
mortal, p o r natureza, e teria m o r r i d o m e s m o que não tivesse
pecado.
SOTERIOLOGIA
A grande finalidade da missão de Cristo foi ensinar e dar
certeza q u a n t o às verdades a c u j o respeito as conclusões da
razão m e r a m e n t e h u m a n a são problemáticas. Isso Ele fez
tanto p o r sua doutrina como p o r seu exemplo.
I o . Cristo não d e s e m p e n h o u , sobre a terra, o ofício de
sacerdote; fê-lo no céu, mas em sentido m u i t o indefinido.
2 o . O ofício principal de Cristo foi profético. Ele ensinou
uma lei nova. D e u o exemplo de u m a vida santa. E n s i n o u
sobre a personalidade de Deus. E ilustrou a d o u t r i n a de u m a
vida f u t u r a por Sua própria ressurreição.
3 o . Sua m o r t e foi necessária c o m o a c o n d i ç ã o impres-
cindível da Sua ressurreição. Seu desígnio foi t a m b c m o de
produzir assim u m a impressão moral nos pecadores, dispondo-
-os a arrepender-se dos seus pecados, e assegurando-lhes a
clemência de Deus. Não havia necessidade de n e n h u m a
propiciação da justiça divina, n e m seria possível propiciá-la

139
Capítulo 6

por meio de sofrimentos vicários.


ESCATOLOGIA
I o . No período intermediário entre a morte e a ressurreição,
a alma permanece inconsciente.
2 o . "Porque fica evidente, pelas autoridades citadas, que
eles (os p r i m e i r o s s o c i n i a n o s ) i g u a l m e n t e c o m o u t r o s
m a n t i n h a m , constantemente, que haveria u m a ressurreição
tanto dos justos como dos injustos, e que os injustos seriam
condenados a um castigo eterno, mas que os justos seriam
admitidos à vida eterna." B. Wissowatio.
"A doutrina sobre os tormentos eternos no inferno, a maior
parte dos unitários de hoje (1818) rejeita, p o r ser, na sua
opinião, inteiramente inconciliável com a b o n d a d e divina, e
por não ter base nas Escrituras. Com referência ao destino
f u t u r o dos ímpios, alguns sustentam que, depois da ressur-
reição, serão aniquilados ou que sofrerão a destruição eterna,
no sentido literal das palavras. A maioria, porém, tem aceitado
a doutrina da restauração universal, segundo a qual todos os
homens, por mais depravados que tenham sido seus caracteres
nesta vida, serão afinal, por meio de u m a disciplina corretiva
adaptada na sua severidade à natureza de cada caso particular,
levados a t o r n a r - s e b o n s e, p o r c o n s e q ü ê n c i a , f e l i z e s " -
Catecismo Beacoviano, de Rees - págs. 367, 368.
ECLESIOLOGIA
I o . A Igreja é simplesmente u m a sociedade voluntária.
Seu f i m é o a p e r f e i ç o a m e n t o m ú t u o . Seu laço c o m u m ,
semelhança de sentimentos e aspirações. Sua regra é a razão
humana.
2 o . O s s a c r a m e n t o s são s i m p l e s m e n t e o r d e n a n ç a s
comemorativas e instrutivas.

14. Eis um esboço das posições principais do sistema arminiano.


OS ATRIBUTOS DIVINOS
I o . A d m i t e m que a justiça vindicativa é um atributo
divino; m a n t ê m , porém, que é cedível, que é opcional mais

140
Comparação de Sistemas

do que essencial, que pertence antes à política administrativa,


e que não é tanto um princípio necessário.
2 o . A d m i t e m que Deus tem presciência de todos os eventos
sem n e n h u m a exceção. I n v e n t a r a m a distinção expressa pelo
termo Scientia Media para explicar a presciência certa de
eventos futuros cuja ocorrência, porém, n ã o fica d e t e r m i n a d a
nem por Deus, n e m por qualquer outra causa antecedente.
3 o . N e g a m que a preordenação de D e u s se estenda às
volições dos agentes livres, e m a n t ê m que a eleição dos homens
não é absoluta, e sim condicionada à fé e obediência previstas.
ANTROPOLOGIA
I o . Um caráter moral não pode ser criado, mas é deter-
m i n a d o só por decisão prévia de quem o possui.
2 o . Tanto a liberdade como a responsabilidade envolvem,
necessariamente, a possibilidade de poder fazer o contrário.
3 o . C o s t u m a m negar a imputação do p r i m e i r o pecado de
Adão à sua posteridade.
4 o . Os a r m i n i a n o s estritos negam a depravação total do
h o m e m , e só a d m i t e m que é m o r a l m e n t e fraco p o r natureza.
A r m í n i o e Wesley eram ortodoxos, mas menos conseqüentes.
5 o . Negam que o h o m e m tenha capacidade moral para
principiar u m a vida santa ou c o n t i n u a r nela, p o r sua própria
força e sem auxílio divino - mas afirmam que todos têm o
poder de cooperar com a graça comum, ou de resistir-lhe.
Somente o que distingue o santo do pecador é o seu próprio
uso ou abuso da graça.
6°. Consideram a influência graciosa de Deus como sendo
influência moral e suasória em vez de um exercício direto e
eficaz da energia recriadora de Deus.
7 o . M a n t ê m que qualquer santo pode cair da graça - em
qualquer período da sua vida terrestre.
SOTERIOLOGIA
1°. A d m i t e m que Cristo fez um sacrifício vicário de Si
como substituto dos pecadores mas, ao m e s m o t e m p o , negam
que tenha sofrido a pena literal da lei ou u m a p e n a plenamente

141
Capítulo 6

equivalente a ela, e m a n t ê m que os Seus sofrimentos foram


p o r graça aceitos como substitutos dessa pena.
2°. M a n t ê m q u e n ã o só c o m r e s p e i t o à s u f i c i ê n c i a e
adaptação da m o r t e de Cristo, mas t a m b é m na intenção do Pai
em dar Seu Filho, e na intenção do F i l h o em Se entregar,
C r i s t o m o r r e u , n o m e s m o s e n t i d o , p o r todos o s h o m e n s
igualmente.
3 o . Q u e a aceitação, da parte do Pai, da satisfação de Cristo
em vez da execução da pena na própria pessoa do pecador,
envolve um a f r o u x a m e n t o da lei divina.
4 o . Que, em resultado da satisfação feita por Cristo, D e u s
pode agora, de perfeita c o n f o r m i d a d e com Seu caráter e com
os interesses de Seu governo geral, oferecer a salvação sob
condições mais fáceis. Por conseguinte, o evangelho é u m a
nova lei, e x i g i n d o fé e o b e d i ê n c i a evangélica em vez da
obediência perfeita exigida originalmente.
5 o . Por conseguinte, a obra de Cristo não salva realmente
a n i n g u é m - só torna possível a salvação de todos - tirou os
obstáculos legais que exigiam - não adquire fé para n i n g u é m
mas torna possível a salvação, sob a condição da fé.
6 o . A t o d o s os h o m e n s são c o n c e d i d a s i n f l u ê n c i a s
suficientes do Espírito Santo, oportunidades e meios de graça
suficientes para serem salvos.
7 o . Todos os h o m e n s podem e têm a obrigação de alcançar,
nesta vida, a perfeição evangélica. Esta, segundo as explicações
q u e eles d ã o a r e s p e i t o dela, c o n s i s t e em ser o c r i s t ã o
p e r f e i t a m e n t e sincero, em achar-se a n i m a d o por um amor
perfeito, e em fazer tudo o que de nós é exigido nesta dispen-
sação do evangelho.
8°. A respeito dos pagãos, alguns têm m a n t i d o que o
evangelho é, de um ou de outro modo, pregado virtual, senão
f o r m a l m e n t e , a todos os homens. Outros, que no m u n d o
futuro há três condições correspondentes às grandes classes em
que se pode dividir a raça inteira, com relação ao evangelho -
o Status Credentium; o Status Incredulorum, e o Status Ignorantium.

142
Comparação de Sistemas

15. Eis um breve esboço das posições principais do sistema


calvinista.
TEOLOGIA
I o . Deus é um soberano absoluto, infinitamente sábio, reto,
justo, benévolo e poderoso, d e t e r m i n a n d o , desde toda
eternidade, a ocorrência certa de todos os eventos, de qualquer
classe, que sejam segundo o conselho da Sua própria vontade.
2 o . A justiça v i n d i c a t i v a é u m a p e r f e i ç ã o essencial e
imutável da natureza divina, que exige o castigo pleno de todo
e qualquer pecador, e D e u s não pode afrouxar o seu exercício
n e m deixar de exercê-lo.
CRISTOLOGIA - n..: >
O M e d i a d o r é uma só pessoa eterna e divina, ao m e s m o
t e m p o verdadeiro D e u s e verdadeiro h o m e m . Na u n i d a d e da
Pessoa teantrópica as duas naturezas p e r m a n e c e m puras e não
misturadas, e cada uma retém distintos seus atributos separados
e incomunicáveis. A personalidade é a do L o g o s eterno e
imutável. A Sua natureza h u m a n a é impessoal. Todos os Seus
atos m e d i a n e i r o s e n v o l v e m o exercício c o n c o r r e n t e das
energias das duas naturezas, segundo suas diversas proprie-
dades, na u n i d a d e da Sua Pessoa, que é u m a só.
ANTROPOLOGIA
I o . D e u s criou o h o m e m por um ato i m e d i a t o da Sua
onipotência, e n u m estado em que não havia defeito físico,
intelectual ou moral, e com caráter moral f o r m a d o
positivamente.
2 o . A culpa do pecado público de Adão, Deus, por um ato
judicial, põe à conta imediata de cada um de seus descendentes,
desde o m o m e n t o em que c o m e ç a m a existir, e antes de
qualquer de seus atos.
3 o . Os homens, por conseguinte, começam a existir n u m
estado d e c o n d e n a ç ã o , p r i v a d o s d a q u e l a s i n f l u ê n c i a s d o
Espírito Santo das quais depende a sua vida moral e espiritual.
4 o . Segue-se disso que principiam a ser agentes morais
privados daquela retidão original que pertencia à natureza

143
Capítulo 6

h u m a n a como a mesma foi criada em Adão, e já com u m a


tendência prévia para o pecado; e essa tendência que neles está
é da natureza do pecado, e merece castigo.
5o. A n a t u r e z a do h o m e m , ainda depois da Q u e d a ,
conserva suas faculdades constitucionais de razão, consciência
e livre vontade, e por isso o h o m e m continua a ser agente moral
e responsável; mas, n ã o obstante, está m o r t o espiritualmente,
e t o t a l m e n t e avesso ao q u e é b o m e s p i r i t u a l m e n t e , e é
absolutamente incapaz para m u d a r seu coração ou c u m p r i r ,
de um m o d o adequado, qualquer dos deveres que nascem da
sua relação com Deus.
SOTERIOLOGIA
I o . A salvação do h o m e m é absolutamente da graça de
D e u s . D e u s estava livre p a r a , e m c o n f o r m i d a d e c o m a s
perfeições infinitas da Sua natureza, salvar todos ou muitos,
ou poucos ou n i n g u é m , segundo a Sua soberana vontade.
2 o . Cristo fez-Se Mediador em virtude de um pacto eterno
feito entre o Pai e o Filho, segundo o qual tornou-Se o substituto
legal de Seu povo eleito, e como tal c u m p r i u , p o r meio da Sua
obediência e sofrimentos, todas as obrigações que para esses
eleitos nasceram das Suas relações federais para com a lei -
pagando vicariamente mediante Seus sofrimentos a sua dívida
penal - c u m p r i n d o vicariamente, por Sua obediência, todas
as condições pactuadas das quais d e p e n d i a sua felicidade
eterna - cumprindo, assim, tudo o que a lei exigia, satisfazendo
à justiça de D e u s e a d q u i r i n d o a salvação eterna daqueles
por q u e m morreu.
3 o . P o r isso a d q u i r i u , p o r Sua m o r t e , as i n f l u ê n c i a s
salvadoras do Espírito Santo para todos aqueles p o r q u e m
morreu. E o Espírito Santo aplica, infalivelmente, a redenção
adquirida por Cristo a todos os que intencionava salvar, no
t e m p o exato e sob aquelas m e s m a s c o n d i ç õ e s que f o r a m
p r e d e t e r m i n a d a s no pacto eterno da graça - e isso faz pelo
exercício imediato e i n t r i n s e c a m e n t e eficaz de Seu poder,
operando diretamente neles, e nas operações da sua natureza

144
Comparação de Sistemas

renovada levando-os à fé, ao a r r e p e n d i m e n t o e à obediência.


4 o . A justificação é um ato judicial de D e u s , pelo qual,
i m p u t a n d o - n o s a justiça perfeita de Cristo na qual se acham
incluídas sua obediência ativa e passiva, começa a nos ver e
nos tratar de c o n f o r m i d a d e com essa justiça, declarando que
estão satisfeitas todas as exigências penais, e que nós, graciosa-
m e n t e , temos direito a todas as i m u n i d a d e s e recompensas
condicionadas no pacto original com Adão, sob sua obediência
perfeita.
5 o . E m b o r a n ã o seja possível alcançar absoluta perfeição
moral nesta vida, e a certeza n ã o seja da essência da fé, é, não
obstante, possível e obrigatório para todo crente esforçar-se
por chegar a ter certeza da sua própria salvação pessoal, e
esquecendo-se do que para trás fica, que se esforce p o r tornar-
-se perfeito em tudo.
6 o . Apesar do fato que entregue a si próprio todo crente
cairia i m e d i a t a m e n t e , e e m b o r a a maioria dos crentes sofra
desvios temporais, todavia, p o r meio da operação da Sua
graça no coração, de c o n f o r m i d a d e com as provisões do pacto
eterno da graça e com o propósito de Cristo em morrer, D e u s
i m p e d e infalivelmente que até o crente mais fraco apostate
i n t e i r a m e n t e ou pereça eternamente.

145
7

Credos e Confissões

E m b o r a os credos e confissões, seus usos e sua história,


f o r m e m um r a m o d i s t i n t o e separado de estudos, i r e m o s
considerá-los juntos neste capítulo, e nos diversos capítulos
desta obra que se seguirem serão encontradas referências ao
credo particular em que se acha definida mais claramente ou
com mais autoridade a doutrina particular que está sendo
tratado.
Sobre este assunto i n t e i r o consulte-se a notável obra
histórica e crítica por Dr. Philip S c h a f f - The Creeds of
Christendom. No primeiro volume, o autor nos dá a história da
origem e da ocasião em que foi c o m p o s t o cada credo ou
confissão, e uma apreciação crítica do seu conteúdo e valor.
No segundo e no terceiro volumes, nos é dado o texto de
todos os credos principais, em dois idiomas.

1. Por que são necessários credos e confissões, e como foram


produzidos?
Tendo sido dadas, por inspiração de Deus, as Escrituras
do Velho e do Novo Testamentos, elas são para o h o m e m ,
no seu estado atual, a única e toda-suficiente regra de fé e
prática. Essa palavra divina é, pois, a única norma de doutrina
que tem autoridade intrínseca para obrigar a consciência. Todas
as demais normas são de valor e autoridade só até onde
ensinem o mesmo que ensinam as Escrituras.
Mas, é o dever inalienável dos h o m e n s e u m a necessidade

146
Credos e Confissões

que, no uso de suas faculdades naturais e pelos meios c o m u n s


de interpretação, chegue cada um a certas conclusões a respeito
daquilo que as Escrituras ensinam. Desde que todas as verdades
concordam entre si, em todas as suas partes, e desde que a razão
humana procura sempre e instintivamente reduzir a uma
unidade e coerência lógica todos os elementos dos conheci-
mentos que procura adquirir, segue-se que os h o m e n s são como
que obrigados a construir, mais ou m e n o s f o r m a l m e n t e , um
sistema de fé com os materiais apresentados nas Escrituras.
Todos os que estudam a Bíblia fazem isso, necessariamente,
no próprio processo de compreender e coordenar o seu ensino;
e pela linguagem de que os sérios e s t u d a n t e s da Bíblia se
s e r v e m , em suas orações e o u t r o s atos de c u l t o e na sua
costumeira conversação religiosa, todos tornam manifesto que,
de um ou de outro modo, acharam nas Escrituras um sistema
de fé tão completo como no caso de cada um deles lhe foi
possível. Se os h o m e n s recusarem o auxílio oferecido pelas
exposições de doutrina elaboradas e definidas vagarosamente
pela Igreja, cada um terá de fazer seu próprio credo, sem auxílio
e c o n f i a n d o só na própria sabedoria. A questão real entre a
Igreja e os i m p u g n a d o r e s de credos h u m a n o s não é, c o m o eles
muitas vezes dizem, u m a questão entre a Palavra de D e u s e os
credos dos h o m e n s , mas é questão entre a fé provada do corpo
coletivo do povo de D e u s e o juízo provado e a sabedoria
desassistida do objetor individual. Assim, como era de supor-
-se, foi de fato assim que a Igreja procedeu, m u i t o vagarosa-
m e n t e e pouco a pouco, nesta obra de interpretar exatamente
as Escrituras e de definir as grandes doutrinas que c o m p õ e m
o sistema de verdades reveladas nessas m e s m a s Escrituras.
Muitas vezes a atenção da Igreja era chamada para o estudo de
u m a d o u t r i n a n u m a época, e n u m a época subseqüente para o
de outra; e à medida que assim se fazia progresso gradual na
discriminação clara das verdades evangélicas, fez a Igreja, em
diversos períodos, exposições exatas do resultado das novas
aquisições e deu assim ao m u n d o novos credos ou confissões

147
Capítulo 7

de fé com o fim de conservar a verdade, de instruir nela o povo,


e de discriminá-la e defendê-la contra as perversões dos hereges
e dos ataques dos incrédulos e, t a m b é m , com o fim de ter
nesses credos um laço c o m u m de fé e regra c o m u m para o
ensino e a disciplina.
Os credos antigos da Igreja (universal) foram compostos
pelos primeiros quatro concílios ecumênicos ou gerais, exces-
são feita daquele que é c h a m a d o Credo dos Apóstolos, f o r m a d o
gradualmente das confissões feitas nas ocasiões de batismo
nas igrejas ocidentais, e do Credo Atanasiano, feito particular-
m e n t e , não se sabe por quem, nem onde. A grande confissão
autorizada pela igreja papal foi produzida pelo concílio
ecumênico r e u n i d o em Trento, 1545. A maioria das principais
confissões protestantes são devidas a pessoas individuais,
ou a pequenos grupos de pessoas, e.g., a Confissão de Augsburgo
e a Apologia, a Segunda Confissão Helvética, o Catecismo de
Heidelberg, a antiga Confissão Escocesa, os Trinta e Nove Artigos
da Igreja da Inglaterra, etc. Duas, p o r é m , das mais valiosas e
mais geralmente aceitas confissões protestantes foram produ-
zidas por grandes e veneráveis assembléias de teólogos eruditos,
a saber: os Cânones do Sínodo Internacional de Dort, e a
Confissão e os Catecismos da Assembléia Nacional de Westminster.

2. Quais são seus usos legítimos?


T ê m sido achados úteis, em todas as épocas da Igreja, para
os seguintes fins: 1. Para assinalar, conservar, e disseminar as
aquisições feitas no conhecimento das verdades cristãs por
qualquer r a m o da Igreja, em qualquer grande crise de seu
desenvolvimento. 2. Para discriminar a verdade das glosas de
mestres falsos; e para defini-la acuradamente na sua inteireza
e em suas proporções definidas. 3. Para servir como meios na
grande obra de instrução popular..

3. Qual é a base e a extensão da sua autoridade ou poder


de obrigar a consciência?

148
Credos e Confissões
\

A matéria de todos esses credos e confissões obriga as


consciências dos h o m e n s só até o n d e está em c o n f o r m i d a d e
com as Escrituras, e de acordo com essa conformidade. A forma,
porém, em que se acha exposta essa matéria obriga só aqueles
que subscreveram v o l u n t a r i a m e n t e a confissão, e p o r q u e a
subscreveram.
Em todas as igrejas faz-se u m a distinção entre as condições
n a s q u a i s se a d m i t e m m e m b r o s à sua c o n g r e g a ç ã o e as
condições nas quais os oficiais são a d m i t i d o s a seu ofício
sagrado de ensinar e governar. N e n h u m a igreja t e m o direito
de i m p o r a seus m e m b r o s particulares u m a c o n d i ç ã o q u e
Cristo n ã o fez condição da salvação. A Igreja é o r e b a n h o de
Cristo. As ordenanças são os selos do Seu pacto. Todos aqueles,
pois, que professam a verdadeira religião de um m o d o que
mereça crédito, isto é, todos os que são p r e s u m i v e l m e n t e povo
de D e u s t ê m o direito de admissão à Igreja. Essa profissão que
m e r e ç a c r é d i t o envolve n a t u r a l m e n t e u m c o n h e c i m e n t o
competente das doutrinas f u n d a m e n t a i s do cristianismo, u m a
declaração de fé pessoal em Cristo e de dedicação ao Seu
serviço, e u m a disposição de espírito e costumes de vida que
condigam com essa profissão. Por outro lado, a n i n g u é m se
p o d e confiar n e n h u m ofício n u m a igreja se não professa crer
na verdade e sabedoria da constituição e leis que ele terá o
dever de conservar e administrar. A n ã o ser assim, seriam
impossíveis toda h a r m o n i a de s e n t i m e n t o s e toda cooperação
eficaz em ação.
É um princípio de moral admitido u n i v e r s a l m e n t e que o
animus imponentis, o sentido em que as pessoas que i m p õ e m
um juramento, uma promessa ou obrigação o entendem, obriga
a consciência das pessoas que se obrigam pelo j u r a m e n t o ou
pela promessa. Todos os candidatos, pois, a qualquer ofício na
Igreja Presbiteriana, ou crêem pessoalmente no "sistema de
d o u t r i n a s " ensinado nos símbolos normais dessa Igreja, no
s e n t i d o em que tem sido e n t e n d i d o h i s t o r i c a m e n t e ser a
verdade de Deus, ou eles m e n t e m solenemente diante de

149
Capítulo 7

D e u s e dos homens.

4. Quais os credos da Igreja Primitiva em que fica ainda a


herança comum da Igreja moderna?
I O . O CREDO DOS APÓSTOLOS, assim chamado. Este credo
desenvolveu-se gradualmente da comparação e assimilação dos
credos batismais das principais igrejas da parte ocidental ou
l a t i n a da Igreja P r i m i t i v a . As f o r m a s m a i s c o m p l e t a s e
populares desses credos batismais eram os de Roma, Aquileja,
Milão, Ravena, Cartago e H i p o , "das quais a forma r o m a n a ,
a u m e n t a n d o - s e com acréscimos derivados de outras, pouco a
pouco tornou-se a mais geralmente aceita. E n q u a n t o os seus
diversos artigos, considerados separadamente, são todos de
origem nicena ou anti-nicena, não se pode achar vestígios do
Credo dos Apóstolos como um todo, anteriores ao século 6". -
Creeds of Christendom, por Schaff, vol. 1, pág. 20.
Foi, junto com a Oração D o m i n i c a l c os Dez M a n d a -
m e n t o s , acrescentado ao seu catecismo pelos teólogos de
Westminster, "não como se fosse composto pelos apóstolos
ou devesse ser considerado Escritura canónica, e sim por
ser um sumário breve de fé cristã, de c o n f o r m i d a d e com a
Palavra de Deus e recebido antigamente nas igrejas de Cristo".
Os que formularam a Constituição da Igreja Presbiteriana
dos E s t a d o s U n i d o s r e t i v e r a m - n o c o m o p a r t e d o n o s s o
catecismo. E também parte do catecismo da Igreja Metodista
Episcopal. "E usado na confissão batismal das igrejas inglesa,
reformada, luterana, romana, metodista episcopal e protestante
episcopal."
s

E como segue:
"Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e
da terra; e em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor;
o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu
da virgem, Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos;
foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno
(hades); ao terceiro dia ressurgiu dos mortos; subiu ao

150
Credos e Confissões

céu; e está sentado à mão direita de Deus Pai todo-pode-


roso; donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo; na santa Igreja católica, na
c o m u n h ã o dos santos, na remissão dos pecados, na
ressurreição do corpo e na vida eterna. Amém".

2 o . O CREDO NICENO, no qual está definida a verdadeira fé


trinitária da Igreja, em oposição aos erros arianos e semi-arianos.
Existe em três formas, e foi e v i d e n t e m e n t e m o l d a d o sobre
formas preexistentes, de um m o d o semelhante pelo qual se
desenvolveu o Credo Apostólico.
(1) A forma original em que foi composto e decretado
pelo concílio ecumênico de Nicéia, 325 d.C., é a seguinte:
"Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador
de todas as coisas visíveis e invisíveis.
"E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus,
gerado do Pai, Unigénito, isto é, da essência do Pai, Deus
de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus;
gerado (não feito) de uma substância com o Pai; por quem
foram feitas todas as coisas, tanto no céu como na terra;
que, por amor de nós os homens, e pela nossa salvação,
desceu do céu e encarnou, e foi feito homem; padeceu, e
ao terceiro dia ressuscitou; subiu ao céu, donde há de vir
para julgar os vivos e os mortos.
"E no Espírito Santo.
"Mas, os que dizem: "Houve tempo em que não era";
"Não era antes de ser feito e: "Foi feito do nada"; ou: "E
de substância, ou essência diversa"; ou: "O Filho de Deus
foi criado"; ou "é mutável" ou "alterável" - são condenados
pela santa igreja católica e apostólica".
(2) O Credo Niceno-Constantinopolitano. Este consiste do
Credo Niceno, supratranscrito, mas com uma ligeira m u d a n ç a
no primeiro artigo, e com acréscimo das cláusulas que definem
a Pessoa e a obra do Espírito Santo, e sem o anátema no fim.
Esta nova forma do Credo Niceno é geralmente atribuída ao
C o n c í l i o d e C o n s t a n t i n o p l a , c o n v o c a d o pelo I m p e r a d o r
Teodósio, em 381, para condenar a doutrina dos macedônios,

151
Capítulo 7

que negaram a deidade do Espírito Santo. É certo que essas


m u d a n ç a s foram feitas mais ou m e n o s naquela época; e as
diversas "cláusulas" acrescentadas já existiam a n t e r i o r m e n t e
em formulários propostos por teólogos individuais. No entanto,
não existem provas de que essas m u d a n ç a s foram feitas pelo
Concílio de Constantinopla. Foram, porém, reconhecidas pelo
Concílio de Calcedônia, em 431.
E nesta segunda forma que o Credo N i c e n o é utilizado
agora na Igreja Grega.
(3) A terceira, ou f o r m a latina deste credo, na qual é
utilizado nas igrejas r o m a n a , episcopal e luterna, difere da
segunda forma supramencionada só nos seguintes pontos:
(a) Restitui à primeira cláusula as palavras " D e u s de D e u s " ;
haviam pertencido ao Credo N i c e n o original, mas t i n h a m
sido omitidas na sua forma grega niceno-constantinopolitana.
(b) Acrescentou-se o célebre termo Filioque à cláusula que
a f i r m a v a que o E s p í r i t o procede do Pai. Este t e r m o foi
acrescentado pelo concílio provincial de Toledo, Espanha,
em 589, e foi gradativamente aceito por toda a Igreja Ocidental,
e daí p o r todos os protestantes, sem n e n h u m a ratificação
ecumênica. E rejeitado pela Igreja Grega. O texto deste credo,
recebido com reverência por todos os católicos e protestantes,
é como segue:
"Creio em um só Deus, Pai onipotente, Criador dos
céus e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e
em um só Senhor Jesus Cristo, Filho unigénito de Deus,
gerado de Seu Pai antes de todos os séculos; Deus de Deus,
Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado
e não feito, de uma só substância com o Pai; por quem
foram feitas todas as coisas; o qual, por amor de nós, os
homens, e pela nossa salvação, desceu do céu, encarnou
por obra do Espírito Santo, e nasceu da virgem, Maria, e
foi feito homem; foi também crucificado por amor de
nós sob o poder de Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado,
e ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras; e subiu
ao céu, e está sentado à direita de Deus Pai. E tornará a

152
Credos e Confissões

vir com glória para julgar os vivos e os mortos; cujo reino


não terá fim. E creio no Espírito Santo, o Senhor e Doador
da vida, que procede do Pai e do F i l h o (esta f r a s e
"Filioque" foi acrescentada ao credo de Constantinopla
pelo concílio da Igreja Ocidental reunido em Toledo, em
589), o qual, junto com o Pai e o Filho, é adorado e
glorificado, o qual falou pelos profetas. E creio numa só
Igreja Católica e Apostólica; confesso um só batismo para
a remissão dos pecados; e espero a ressurreição dos mortos
e a vida do mundo futuro. Amém".

3 O . O CREDO ATANASIANO, t a m b é m c h a m a d o Quicunque


vult ( Q u e m quer que), p o r serem estas as suas p r i m e i r a s
palavras, é vulgarmente atribuído ao grande Atanásio, bispo
de Alexandria, de cerca de 328 a 373, e chefe do p a r t i d o
ortodoxo da Igreja, oposto ao arquiherege Ário. Os ilustrados
teólogos m o d e r n o s , porém, dão-lhe u n a n i m e m e n t e origem
menos antiga, e dizem que veio provavelmente do N o r t e da
África, e da escola de Agostinho. Bigham refere-o a Virgílius
Tapsensis, do fim do século quinto. Schaff diz que, na sua
forma completa, não aparece antes do século oitavo.
Este credo é aceito nas igrejas romana, grega e inglesa.
Apresenta u m a exposição m u i t o bem expressa da fé típica de
todos os cristãos, f a z e n d o - s e objeção só às "cláusulas
condenatórias", que realmente nunca deveriam fazer parte de
u m a c o m p o s i ç ã o h u m a n a , e s p e c i a l m e n t e de u m a que faz
distinções tão sutis n u m assunto tão p r o f u n d o .
É como segue:
"1. Quem quer que queira ser salvo, é-lhe necessário,
primeiro que tudo, que receba a fé católica." 2. A qual é
preciso que cada um guarde perfeita e inviolada, ou terá
com certeza que perecer para sempre 3. A fé católica,
porém, é esta: que adoremos um só Deus em trindade, e
trindade em unidade. 4. Não confundindo as Pessoas, nem

* Não se refere à fé da igreja católica romana. . . u-xn-..!

153
Capítulo 7

separando a substância. 5. Porque a Pessoa do Pai é uma, a


do Filho outra, e a do Espírito Santo outra. 6. Mas no Pai,
no Filho e no Espírito Santo há uma só deidade, glória
igual e majestade coeterna. 7. O que o Pai é, o Filho é, e o
Espírito Santo é. 8. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o
Espírito Santo é incriado. 9. O Pai é imenso, o Filho é
imenso, o Espírito Santo é imenso. 10. O Pai é eterno, o
Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. 11. E, contudo,
não há três eternos, porém um só eterno. 12. Assim
também não há três incriados, nem três imensos, mas um
só incriado e um só imenso. 13. Do mesmo modo, o Pai é
onipotente, o Filho é onipotente e o Espírito Santo é
onipotente. 14. E, contudo, não há três onipotentes, mas
um só onipotente. 15. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus,
o Espírito Santo é Deus. 16. E, contudo, não há três Deuses,
porém um só Deus. 17. Assim o Pai é Senhor, o Filho é
Senhor, o Espírito Santo é Senhor. 18. E, contudo, não há
três Senhores, mas um só Senhor. 19. Porque, assim como
somos obrigados pela verdade cristã a confessar que cada
pessoa de per si é Deus e Senhor, assim também somos
proibidos pela religião católica de dizer que há três Deuses
ou Senhores. 20. O Pai não foi feito de ninguém, nem
criado, nem gerado. 21. O Filho é só do Pai, não feito,
nem criado, mas gerado. 22. O Espírito Santo é do Pai e
do F i l h o , não feito, nem criado, nem gerado, mas
procedente. 23. Por isso há um só Pai, não três Pais, um
só Filho, não três Filhos, um só Espírito Santo, não
três Espíritos Santos. 24. E nesta trindade nenhum é o
primeiro ou o último, maior ou menor. 25. Todavia todas
as três pessoas coeternas são coiguais entre si; de modo
que, como se disse acima, deve-se adorar tanto a unidade
em trindade como a trindade em unidade. 26. Portanto,
quem quiser ser salvo, deve pensar assim a respeito da
Trindade. 27. Mas é necessário para a salvação eterna que
também creia fielmente na encarnação de nosso Senhor
Jesus Cristo. 28. É, portanto, verdadeira fé que creiamos
e confessemos que o nosso Senhor Jesus Cristo é tanto
homem como Deus. 29. E Deus, gerado desde a eternidade

154
Credos e Confissões

da substância do Pai; h o m e m nascido no t e m p o , da


substância de sua mãe. 30. Perfeito Deus, perfeito homem,
subsistindo numa alma racional e em carne humana. 31.
Igual ao Pai com respeito à Sua deidade, menos do que o
Pai com respeito à Sua humanidade. 32. O qual, embora
sendo Deus e homem, não é dois Cristos, e sim um só. 33.
Um só, não por conversão da Sua deidade em carne, mas
sim por ser assumida em Deus a sua humanidade. 34. Um
só, de modo algum por confusão de substância, e sim pela
unidade da Pessoa. 35. Porque, assim como a alma racional
e a carne são um só h o m e m , assim também Deus e o
homem são um só Cristo. 36. O qual padeceu pela nossa
salvação, desceu ao inferno, ao terceiro dia ressurgiu dos
mortos. 37. Subiu ao céu, está assentado à mão direita de
Deus Pai onipotente, donde virá para julgar os vivos e os
mortos. 38. Em cuja vinda todos os homens ressurgirão
com seus corpos, e darão conta de suas próprias obras. 39.
E os que tiverem praticado o bem entrarão na vida eterna;
os que tiverem praticado o mal irão para o fogo eterno.
40. Esta é a fé católica, e se o homem não a crer fiel e
firmemente, não poderá ser salvo.

4 o . O CREDO DE CALCEDÔNIA. O I m p e r a d o r M a r c i a n o
convocou o quarto Concílio e c u m ê n i c o para r e u n i r - s e em
C a l c e d ô n i a , na B i t í n i a , s o b r e o m a r B ó s f o r o , f r e n t e a
C o n s t a n t i n o p l a , p a r a s u p r i m i r as h e r e s i a s e u t i q u i a n a e
nestoriana. O concílio foi composto de 630 bispos e esteve
em sessão de 8 até 31 de o u t u b r o de 451 d.C.
A principal parte da "Definição de F é " em que concordou
esse concílio foi como segue:
"Nós, pois, seguindo aos santos Pais, todos unanime-
mente, ensinamos aos homens a confessar, um só e o
m e s m o F i l h o , nosso S e n h o r Jesus Cristo; o m e s m o
perfeito em deidade, e perfeito, também, em humanidade;
v e r d a d e i r a m e n t e Deus, e t a m b é m , v e r d a d e i r a m e n t e
homem, de uma alma racional e corpo; consubstancial
com o Pai segundo a deidade, e consubstancial conosco

155
Tl
Capítulo 7

segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós, mas


sem pecado; gerado do Pai antes de todos os séculos,
segundo a deidade, e nestes últimos dias, por nós e pela
nossa salvação, nasceu de Maria, a virgem mãe de Deus
segundo a humanidade. É um só e o mesmo Cristo, Filho,
Senhor, unigénito, existindo em duas naturezas sem
mistura, sem mudança, sem divisão, sem separação; não
sendo, de modo algum, destruída a diversidade das duas
naturezas por sua união, porém sendo conservadas as
propriedades peculiares de cada natureza, e concorrendo
para (formar) uma só pessoa e uma só subsistência, não
separadas ou divididas em duas pessoas, e sim um só e o
mesmo Filho, e Unigénito, Deus o Verbo, o Senhor Jesus
C r i s t o ; assim como os profetas, desde o p r i n c í p i o ,
declararam acerca dEle, e como o próprio Senhor Jesus
Cristo nos ensinou, e como o credo dos santos Pais nos
transmitiu".
C o m esse c r e d o c o m p l e t o u - s e o d e s e n v o l v i m e n t o da
doutrina ortodoxa sobre a Trindade de Pessoas no D e u s único,
e sobre a dualidade de naturezas no Cristo único. P e r m a n e c e
como exposição universalmente respeitada da fé c o m u m da
Igreja.

5. Quais os Símbolos Doutrinários da igreja de Roma?


Além dos credos supramencionados, todos os quais são
de autoridade reconhecida na igreja católica r o m a n a , seus
símbolos de fé mais autorizados são:
1.° Os Cânones e Decretos do Concílio de Trento, o qual os
romanistas consideram como o vigésimo concílio ecumênico,
e foi convocado pelo papa Pio IV, para sustar o progresso
da Reforma (1545-1563 d.C.). Os decretos contêm as exposi-
ções positivas da d o u t r i n a papal. Os cânones explicam os
decretos, distribuem a matéria sob breves títulos e c o n d e n a m
as doutrinas opostas cm cada ponto. Se bem que o sistema de
d o u t r i n a ensinado seja propositalmente ambíguo, é evidente
mas não conseqüentemente semipelagiano.

156
Credos e Confissões

2.° O Catecismo Romano, ou Catecismo do Concílio de Trento,


que explica e confirma os cânones do Concílio de Trento, foi
composto por ordem de Pio V, e p r o m u l g a d o por autoridade
de Pio V, em 1566.
3.° O Credo do Papa Pio IV, t a m b é m c h a m a d o Professio
Fidei Tridentinae ou Forma Professionis Fidei Catholicae, contém
um sumário das doutrinas ensinadas nos Cânones e Decretos
do Concílio de Trento, e foi p r o m u l g a d o n u m a bula pelo
papa P i o IV, em 1561. S u b s c r e v e m - n o todos os mestres e
eclesiásticos católico-romanos, seja qual for seu grau, e todos
os convertidos do protestantismo.
H como segue:
"Eu, F., creio e professo com fé firme todas e cada uma
das coisas contidas no símbolo de fé usado na santa igreja
católica romana; a saber, creio num só Deus Pai, todo-
-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas
visíveis e invisíveis; e em um só Senhor Jesus Cristo,
Filho unigénito de Deus, gerado do Pai antes de todos os
séculos; Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de
verdadeiro Deus, gerado, não feito, consubstancial com o
Pai, por quem foram feitas todas as coisas; o qual, por
amor de nós os homens e pela nossa salvação desceu do
céu, encarnou por obra do Espírito Santo, e nasceu da
Virgem Maria, e se fez homem; foi crucificado por amor
de nós sob o poder de Pôncio Pilatos, padeceu e foi
s e p u l t a d o , e ao terceiro dia ressuscitou s e g u n d o as
Escrituras, e subiu ao céu, está sentado à mão direita do
Pai, e tornará a vir com glória para julgar os vivos e os
mortos; cujo reino não terá fim; e no Espírito Santo, o
Senhor e Doador da vida, que procede do Pai e do Filho,
o qual, junto com o Pai e o Filho, é adorado e glorificado,
o qual falou pelos santos profetas; e numa só igreja santa,
católica e apostólica. Confesso um só batismo para a
remissão dos pecados, e espero a ressurreição dos mortos
e a vida eterna no mundo futuro. Amém.
"Admito e abraço firmissimamente as tradições apos-
tólicas e eclesiásticas, e todas as outras constituições e

157
Capítulo 7

instituições da mesma igreja. Admito também as Santas


Escrituras no sentido em que as abraçou e abraça a santa
madre igreja, a quem pertence julgar do verdadeiro sentido
e interpretação das Escrituras; e nunca hei de tomá-las
ou i n t e r p r e t á - l a s de um m o d o que não seja de
c o n f o r m i d a d e com o u n â n i m e consenso dos padres.
Professo também que há verdadeira e propriamente sete
sacramentos na lei nova, instituídos por Jesus Cristo nosso
Senhor, e necessários para a salvação dos homens, se bem
que nem todos o sejam para todos - a saber, batismo,
c o n f i r m a ç ã o , eucaristia, p e n i t ê n c i a , e x t r e m a - u n ç ã o ,
ordem e matrimônio, e que conferem graça; e desses,
batismo, confirmação e ordem não se pode reiterar sem
sacrilégio. Recebo também e admito as cerimônias da
igreja católica romana, recebidas e aprovadas na adminis-
tração solene de todos os sacramentos supramencionados.
Recebo e abraço todas e cada uma das coisas definidas e
declaradas no santo Concílio de Trento a respeito do
pecado e da justificação. Professo igualmente que na missa
se oferece a Deus um sacrifício verdadeiro, próprio e
propiciatório pelos vivos e pelos mortos; e que no san-
tíssimo sacramento da eucaristia estão verdadeira, real e
substancialmente o corpo e o sangue, junto com a alma e
a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo, e que se faz
uma conversão da substância inteira do pão em seu corpo,
e da substância inteira do vinho em seu sangue, a qual
conversão a igreja católica r o m a n a chama transubs-
tanciação. Confesso também que debaixo de cada uma das
espécies separadamente se recebe o Cristo todo e inteiro,
e um verdadeiro sacramento. Sustento com constância
que há um purgatório, e que as almas detidas nele são
ajudadas com o sufrágio dos fiéis. Também que os santos,
que reinam juntamente com Cristo, devem ser honrados
e invocados, que oferecem orações a Deus por nós, e que
se deve venerar suas relíquias. Afirmo firmissimamente
que as imagens de Cristo, e da mãe de Deus sempre
virgem, e também as dos demais santos, deve-se ter e
conservar, e se lhes deve t r i b u t a r a devida h o n r a e

158
Credos e Confissões

veneração. Afirmo também que o poder das indulgências


foi deixado por Cristo na igreja, e que o uso delas é
sumamente saudável ao povo cristão. Reconheço a santa
igreja católica e apostólica, mãe e mestra de todas as
igrejas; e prometo e juro verdadeira obediência ao bispo
romano, o sucessor de S. Pedro, príncipe dos apóstolos e
vigário de Jesus Cristo. Professo t a m b é m , e recebo
i n d u b i t a v e l m e n t e todas as demais coisas estatuídas,
definidas e declaradas pelos santos cânones e concílios
ecumênicos, e especialmente pelo santo Concílio de
Trento (e estatuídas, definidas e declaradas pelo Concílio
Ecumênico Vaticano, especialmente as que dizem respeito
à primazia e à infalibilidade do pontífice romano.*
"E condeno, rejeito e anatematizo igualmente todas as
coisas contrárias a isso, e todas as heresias, quaisquer que
sejam, condenadas, rejeitadas e anatematizadas pela igreja.
Esta verdadeira fé católico-romana, fora da qual ninguém
pode ser salvo, que professo agora livremente e abraço
verdadeiramente, eu, E, prometo, protesto e juro abraçar
com toda a constância e professar a mesma toda e inteira,
com a ajuda de Deus, até ao fim da minha vida; e procurar,
até onde chegarem as minhas forças, que a mesma seja
abraçada, ensinada e pregada por todos os que estão sob
minha autoridade, ou foram confiados ao meu cuidado,
em virtude do meu ofício, com a ajuda de Deus e destes
santos evangelhos de Deus - Amém".
4.° O Santo Concílio Ecumênico Vaticano foi convocado por
Pio IX; reuniu-se na Basílica do Vaticano em 8 de dezembro
de 1869, e c o n t i n u o u suas sessões até ao dia 20 de o u t u b r o de
1870, depois do qual foi suspenso indefinidamente.
Os decretos desse concílio dividem-se em duas seções:
(1) "A Constituição Dogmática sobre a Fé Católica". Esta
abrange quatro capítulos. O capítulo 1 trata de D e u s como
Criador; o capítulo 2, da revelação; o capítulo 3, da fé; o capítulo

* Acrescentado pela "Sagrada Congregação do Concílio", 2 de janeiro de


1887.

159
Capítulo 7

4, da fé e a razão. A estes seguem-se dezoito cânones que con-


d e n a m os erros do racionalismo e da incredulidade modernos.
(2) "Primeira Constituição Dogmática sobre a Igreja de
Cristo". Esta abrange t a m b é m quatro capítulos. O capítulo 1
tem por título: "Da instituição da primazia apostólica em Pedro
bem-aventurado"; o capítulo 2: "Da perpetuidade da primazia
de Pedro bem-aventurado nos pontífices romanos"; o capítulo
3: " D o poder e da natureza da primazia do pontífice r o m a n o " .
A matéria nova vem nos dois últimos capítulos, que e n s i n a m
o absolutismo papal, e a infalibilidade papal. Estas definições
já foram apresentadas em extensão suficiente no capítulo 5
deste livro.
Em conseqüência desse princípio de infalibilidade Papal,
segue-se necessariamente que a série inteira de bulas papais, e
especialmente as que foram dirigidas contra os jansenistas; o
Decreto de Pio IX "Sobre a imaculada conceição da bem-
-aventurada Virgem Maria", promulgado a 8 de dezembro de
1854, e seu Syllabus de erros, de 8 de dezembro de 1864, são
todos infalíveis e irreformáveis, e são partes dos espantosos
Símbolos de Fé que são de autoridade indiscutível na igreja
católica romana!

6 Quais são os símbolos normais de doutrina da Igreja Grega?


A Igreja Primitiva, por causas p r i m a r i a m e n t e políticas e
eclesiásticas e secundariamente doutrinárias e rituais, dividiu-
-se em duas grandes seções - a Igreja Oriental, ou grega, e a
Igreja Ocidental, ou latina. Essa divisão tomou corpo no sétimo
século e foi consumada no oitavo. A Igreja Grega abrange cerca
de oitenta milhões de pessoas - a maioria dos súditos cristãos
do império turco, e as igrejas nacionais da Grécia e da Rússia.
Todas as igrejas protestantes procederam da divisão ocidental
ou latina da Igreja.
A Igreja Grega arroga-se, p r e e m i n e n t e m e n t e , o título de
"Ortodoxa" porque os originais credos ecumênicos, definindo
as d o u t r i n a s da T r i n d a d e e da Pessoa de C r i s t o , f o r a m

160
Credos e Confissões

produzidos na divisão oriental da Igreja Primitiva e na lingua


grega, e são por isso, em sentido especial, a sua herança; e
p o r q u e , s e n d o a sua teologia a b s o l u t a m e n t e estacionária,
contenta-se ela com a repetição literal das fórmulas antigas.
Adere aos credos antigos e às decisões doutrinais dos sete
primeiros concílios ecumênicos, e possui alguns catecismos e
confissões m o d e r n o s . Os mais i m p o r t a n t e s deles são:
I o . A "Confissão O r t o d o x a da Igreja Grega Católica e
Apostólica", composta por P e d r o Mogilas, m e t r o p o l i t a n o de
Kiev, na Rússia, em 1643, e aprovada por todos os patriarcas
do Oriente.
2 o . Os "Decretos do Concílio de Jerusalém", ou Confissão
de Dositeo, 1672.
3 o . Os Catecismos Russos, que t e n h a m a sanção do santo
Sínodo, especialmente o Catecismo Maior, de Philaret,
metropolitano de Moscou, 1820 - 1867, aprovado u n a n i m e -
m e n t e p o r todos os patriarcas orientais, e desde 1839 usado
geralmente nas igrejas e escolas da Rússia.
Os decretos do Sínodo de Jerusalém e n s i n a m substan-
cialmente, posto que menos definidamente, a m e s m a doutrina
que o Concílio de Trento q u a n t o às Escrituras e à tradição, às
boas obras e à fé, à justificação, aos sacramentos, ao sacrifício
da missa, ao culto dos santos e ao purgatório.
O Catecismo de Filareto aproxima-se mais do princípio
evangélico da supremacia da Bíblia em matérias de fé e vida
cristãs, do que qualquer outra exposição feita pela Igreja
Oriental.

7. Quais são os símbolos normais de doutrina da Igreja


Luterana?
Além dos grandes credos gerais que aceitam em c o m u m
todos os cristãos, seus símbolos de fé são:
I o . A Confissão de Augsburgo, cujos autores c o m u n s foram
L u t e r o e M e l a n c h t h o n . Depois de assinada pelos príncipes e
líderes protestantes, foi apresentada ao I m p e r a d o r e à Dieta

161
Capítulo 7

imperial, em Augsburgo, em 1530. É a mais antiga confissão


protestante, a base fundamental da teologia luterana,* e a única
norma doutrinária universalmente aceita nas igrejas luteranas.
Consta de duas grandes divisões. A primeira, que contém vinte
um artigos, apresenta uma exposição positiva das doutrinas
cristãs como os luteranos as e n t e n d e m ; a segunda, com sete
artigos, condena os principais erros característicos do roma-
/

nismo. E evangélica, no sentido agostiniano, posto que não


seja tão exata na exposição como o são as confissões calvinistas
mais perfeitas, e contém naturalmente os germens das opiniões
peculiares dos luteranos quanto à necessidade dos sacramentos
para a salvação, e quanto à relação dos sinais sacramentais com
a graça que significam. Contudo, estas peculiaridades estão
tão longe de serem expostas explicitamente, que Calvino achou
esta confissão tão consoante com suas idéias sobre as verdades
d i v i n a s q u e a s u b s c r e v e u d u r a n t e a sua r e s i d ê n c i a em
Estrasburgo.
Em 1540, dez anos depois de adotada c o m o s í m b o l o
público da Alemanha protestante, M e l a n c h t h o n preparou e
p u b l i c o u u m a e d i ç ã o e m l a t i m , n a qual f i z e r a d i v e r s a s
alterações e que, por isso, ficou conhecida como a Variata
e n q u a n t o se chamava Invariata a confissão original e única
autêntica. As mudanças principais introduzidas nessa edição
tendem a opiniões sinergistas ou arminianas a respeito da graça
divina de um lado, e do outro, a idéias quanto aos sacramentos
que são mais simples e mais de conformidade com a das igrejas
reformadas. Veja: History of Christian Doctrine, de Shedd, Liv.
7, cap. 2; e, também, a exata e erudita edição ilustrada da Conf.
de Augsburgo, do Dr. Charles K r a u t h , D.D.
2 o . ^.Apologia (Defesa) da Confissão de Augsburgo, preparada
p o r M e l a n c h t h o n , em 1530, e s u b s c r i t a p e l o s t e ó l o g o s

* Isto parece um tanto equívoco. Os teólogos luteranos, assim como os das


demais denominações protestantes, dizem que a base fundamental (the
ultimate basic) de sua teologia é a Bíblia, e não a Confissão de Augsburgo.

162
Credos e Confissões

protestantes em 1537, em Esmalcalda.


3°. Os Catecismos Maior e Menor de Lutero, 1529 d.C., "o
primeiro para uso dos pregadores e professores, e o outro para
guia dos jovens." -
o
4 . Os Artigos de Esmalcalda, preparados por L u t e r o , em
1536, e subscritos pelos teólogos evangélicos, em fevereiro de
1537, na cidade cujo n o m e trazem.
5 o . A Formula Concordice (Forma de Acordo), preparada
cm 1577 por Jacob Andrese e M a r t i n h o C h e m n i t z e outros,
com o fim de pôr têrmo a certas controvérsias que se haviam
suscitado na Igreja Luterana, especialmente (1) a respeito da
ação relativa da graça divina e da vontade h u m a n a , na obra da
regeneração; (2) a respeito da natureza da presença do Senhor
na eucaristia. Esta Fórmula c o n t é m u m a exposição m a i s
científica e mais bem desenvolvida da doutrina luterana do
que qualquer outra que se possa achar nos seus símbolos
públicos. Sua autoridade, porém, é reconhecida só pelo partido
extremo dos luteranos, isto é, por aquele partido, na Igreja,
que leva c o n s e q ü e n t e m e n t e as p e c u l i a r i d a d e s da teologia
luterana ao seu mais completo desenvolvimento lógico.
T o d o s estes s í m b o l o s l u t e r a n o s a c h a m - s e e d i t a d o s ,
acuradamente, em latim emLibri Symbolici, pelo Dr. C. A. Hase,
Leipzig, 1836, e em Creeds of Christendom, pelo Dr. Schaff.

8. Quais as principais Confissões das Igrejas Reformadas ou


Calvinistas ?
As Confissões das Igrejas Reformadas são m u i t o consi-
deráveis em n ú m e r o , c variam um tanto em caráter, posto que
concordem substancialmente quanto ao sistema de d o u t r i n a
que e n s i n a m . Veja:
1.° A mais antiga confissão daquele r a m o do protestan-
tismo, que não estava satisfeito com a tendência e com o
símbolo luterano, é a Confessio Tetratpolitna - porque os teólogos
de quatro cidades do sul da Alemanha, Estrasburgo, Cons-
tance, M e m i n g e n e L i n d a u , prepararam-na e a apresentaram

163
Capítulo 7

ao i m p e r a d o r na m e s m a Dieta de Augsburgo, em 1530, em


que foi apresentado o primeiro símbolo luterano. Dos teólogos
que se ocuparam em sua preparação, o principal foi M a r t i n h o
Bucer, de E s t r a s b u r g o . C o n s t a de v i n t e e dois artigos, e
concorda geralmente com a Confissão de Augsburgo. Os pontos
de d i f e r e n ç a p e r t e n c e m à d o u t r i n a sobre os sacramentos.
Q u a n t o a esse assunto é zuingliana. Em 1532, p o r é m , essas
quatro cidades adotaram a Confissão de Augsburgo, de m o d o
que a Confessio Tetrapolitana deixou de ser o símbolo adotado
f o r m a l m e n t e por qualquer ramo da Igreja Luterana.
2.° As confissões reformadas de maior autoridade entre
as igrejas são as seguintes:
(1) A Segunda Confissão Helvética, preparada por Bullinger,
em 1564, e publicada em 1566, substituiu a Primeira Confissão
Helvética de 1536. Foi adotada por todas as igrejas reformadas
da Suíça, c o m exceção da de Basiléia ( q u e c o n s e r v o u a
primeira), e pelas igrejas reformadas da Polônia, da França, da
H u n g r i a e da Escócia, e tem sido considerada sempre por
todas as igrejas reformadas como da maior autoridade.
(2) O Catecismo de Heidelberg, preparado por U r s i n o e
Oleviano, em 1562. Foi estabelecido pela autoridade civil como
o símbolo normal de doutrina, como t a m b é m como meio de
ensino religioso, para as igrejas do Palatinado - naquele tempo
um Estado alemão que incluía as duas margens do Reno. Foi
aprovado pelo Sínodo de Dort, e é símbolo normal de doutrina
das igrejas reformadas (alemãs e holandesas) da América do
Norte. Era usado na Escócia para ensino das crianças, antes da
adoção dos Catecismos da Assembléia de Westminster, e seu
uso foi sancionado u n a n i m a m e n t e pela primeira Assembléia
Geral da Igreja Presbiteriana U n i d a dos Estados Unidos, em
1870. Veja as Atas.
(3) Os Trinta e nove Artigos da Igreja da Inglaterra. Em 1552,
Cranmer, auxiliado por outros bispos, preparou os Quarenta e
dois Artigos de Religião que foram publicados por autoridade
do Rei, em 1553. Foram revistos e reduzidos ao n ú m e r o de

164
Credos e Confissões

i rinta e nove pelo arcebispo Parker e outros bispos, e ratificados


pelas duas Casas de Convocação e publicados por a u t o r i d a d e
do Rei, em 1563. Constituem o Símbolo n o r m a l de d o u t r i n a
da Igrejas Protestantes Episcopais da Inglaterra, da Irlanda,
da Escócia, das Colônias e dos Estados U n i d o s da A m é r i c a do
Norte. Tem sido discutida, e sem motivo algum, a questão sobre
se estes artigos são ou não calvinistas; pois o décimo sétimo
Artigo, Da Predestinação e Eleição, é decisivo e é como segue:
"A p r e d e s t i n a ç ã o à vida é o eterno p r o p ó s i t o da
Deidade, pelo qual (antes de lançados os fundamentos do
mundo) Deus tem decretado, por Seu conselho oculto a
nós, livrar da maldição e condenação os que elegeu em
Cristo, dentre os homens, e conduzi-los por Cristo à
salvação eterna. Por isso, os que se acham dotados de um
tão excelente benefício de Deus são chamados, segundo o
propósito divino, por Seu Espírito, atuando no devido
tempo: pela graça obedecem ao c h a m a m e n t o ; são
justificados livremente; são feitos filhos de Deus por
adoção; são formados à imagem de Seu unigénito Filho,
Jesus Cristo; vivem religiosamente em boas obras e, afinal,
chegam, pela misericórdia de Deus, à felicidade eterna.
"Assim como a piedosa consideração da predestinação
e da nossa eleição em Cristo está cheia de um suavíssimo,
doce, e inexplicável conforto para as pessoas devotas, e as
que sentem, em si mesmas, a operação do Espírito de
Cristo, que vai mortificando as obras da carne e seus
membros terrenos, e levantando os seus pensamentos às
coisas altas e celestiais, não só porque estabelece e con-
firma muito a sua fé na salvação eterna que hão de gozar,
por meio de Cristo, mas também porque torna mais
fervoroso o seu amor para com Deus; assim também, para
as pessoas curiosas e carnais, destituídas do Espírito de
(-risto, o ter, de contínuo, ante os olhos a sentença da
predestinação divina é um precipício muitíssimo peri-
goso, por onde o diabo as arrasta ao desespero, ou a que
vivam numa segurança de vida impuríssima, não menos
perigosa do que o desespero.

165
Capítulo 7

"Ademais, devemos receber as promessas de Deus do


m o d o pelo qual nos são, g e r a l m e n t e , p r o p o s t a s nas
Escrituras Sagradas; devemos seguir, em nossas obras, a
vontade divina que nos é declarada expressamente na
Palavra de Deus".
Estes artigos, p u r g a d o s do seu c a l v i n i s m o e r e d u z i d o s em
n ú m e r o a v i n t e e cinco, inclusive um n o v o artigo político
(o v i g é s i m o terceiro), a d o t a n d o c o m o artigo de fé o sistema
político do governo dos Estados U n i d o s , c o n s t i t u e m o símbolo
n o r m a l de d o u t r i n a da Igreja Metodista Episcopal da América.
(4) Os Cânones do Sínodo de Dort. Este célebre s í n o d o foi
c o n v o c a d o para r e u n i r - s e e m D o r t , H o l a n d a , p o r a u t o r i d a d e
dos Estados Gerais, com o f i m de p ô r t ê r m o às controvérsias
suscitadas pelos discípulos de A r m í n i o . Suas sessões tiveram
c o n t i n u i d a d e de 13 de n o v e m b r o de 1618 a 9 de maio de 1619.
C o n s t a v a de p a s t o r e s , p r e s b í t e r o s r e g e n t e s e p r o f e s s o r e s
teológicos das igrejas da H o l a n d a , e d e p u t a d o s das igrejas da
Inglaterra, da Escócia, de Hesse, de B r e m e n , da Suíça e do
P a l a t i n a d o . Os cânones desse s í n o d o f o r a m aceitos p o r todas
as igrejas r e f o r m a d a s como u m a exibição exata, verdadeira e
e m i n e n t e m e n t e revestida de a u t o r i d a d e do sistema calvinista
de teologia. C o n s t i t u e m , j u n t o s c o m o Catecismo de H e i d e l -
berg, a confissão d o u t r i n á r i a da Igreja R e f o r m a d a da H o l a n d a ,
e de sua filha, a Igreja R e f o r m a d a (holandesa) da América.
(5 )A Confissão e os Catecismos da Assembléia de Westminster.
Esta assembléia de teólogos foi c o n v o c a d a p o r ato do
P a r l a m e n t o A m p l o , votado em 12 de j u n h o de 1643. A convo-
cação original abrangia dez m e m b r o s da C â m a r a Alta, ou dos
lordes, e vinte da Câmara Baixa, ou dos comuns, c o m o m e m b r o s
leigos, e cento e vinte e um teólogos, aos quais se acrescentaram
depois vinte ministros, ficando assim representadas as diversas
opiniões q u a n t o ao governo da Igreja. Essa corporação
c o n t i n u o u em sessão de I o de julho de 1643 até 22 de fevereiro
de 1649. A Confissão e os Catecismos que p r o d u z i r a m f o r a m

166
Credos e Confissões

imediatamente adotados pela Assembléia Geral da Igreja da


Escócia. Também a Convenção Congregacional, convocada por
(>romwell, que se reuniu em Savoy. Londres, em 1658, aprovou
;i parte doutrinal da Confissão e dos Catecismos da Assembléia
de Westminster, e incorporou, quase i n t e i r a m e n t e , em sua
própria confissão, a Declaração de Savoy. "A diferença entre as
duas confissões é tão pequena que os independentes modernos
icm, por assim dizer, a b a n d o n a d o o uso dela (a Declaração de
Savoy) em suas famílias, e concordado com os presbiterianos
em usar os Catecismos da Assembléia" - Neal, Puritans,
vol. 2, pág. 178. Essa Confissão, juntamente com os Catecismos
Maior e Menor, são os símbolos normais de d o u t r i n a de
iodas as igrejas presbiterianas no m u n d o , de derivação inglesa
ou escocesa. E t a m b é m , de todos os credos, o que é mais
estimado por todas as igrejas dos congregacionalistas, na
Inglaterra e América.
Todas as assembléias que se r e u n i r a m na Nova Inglaterra
com o fim de estabelecer a base doutrinal de suas igrejas, ou
aprovaram ou adotaram, explicitamente, essa Confissão e esses
(Catecismos como exposições exatas da sua própria fé. Fez assim
o Sínodo que se reuniu em Cambridge, Massachusetts, em
junho de 1647, e outra vez em agosto de 1648, e preparou a
Plataforma de Cambridge. Fê-lo também o Sínodo r e u n i d o em
Hoston, em s e t e m b r o de 1679, e em maio de 1680, e que
produziu a Confissão de Boston. Também o fez o Sínodo reunido
em S a y b r o o k , C o n n e c t i c u t em 1708, o q u a l p r o d u z i u a
Plataforma de Saybrook.
3 a . Há ainda mais algumas confissões reformadas que,
embora não sejam símbolos normais de doutrina de grandes
denominações de cristãos, são, contudo, de m u i t o interesse
clássico e de a u t o r i d a d e por causa de seus autores ou das
circunstâncias em que se originaram.
( 1 ) 0 Consensus Tigurinus ou Consensus de Zurich, ou "O
consenso m ú t u o dos pastores da Igreja de Z u r i c h e de João

167
Capítulo 7

Calvino, pastor da igreja de Genebra, a respeito da doutrina


do sacramento." Constava de vinte e seis artigos, tratando
exclusivamente de questões que diziam respeito à Ceia do
Senhor, e foi preparado por Calvino, em 1549, com o fim de
e f e t u a r a c o r d o m ú t u o e n t r e t o d o s o s p a r t i d o s d a Igreja
Reformada a respeito das questões de que trata. Foi subscrito
pelas igrejas de Z u r i c h , G e n e b r a , St. Gall, S c h a f f h a u s e n ,
Neuchatel, Basiléia e dos Grisons, e recebido favoravelmente
em t o d a s as diversas p a r t e s da Igreja R e f o r m a d a , e fica
m o n u m e n t o excelso da doutrina verdadeira da Igreja Refor-
mada sobre essa questão tão discutida. E de valor especialmente
porque expõe com muita clareza e com autoridade indubitável,
as verdadeiras opiniões de Calvino sobre esta matéria, expostas
deliberadamente depois de haver deixado de fazer esforços
vãos, no intuito de conseguir a unidade do protestantismo por
meio de uma concessão às opiniões luteranas quanto à presença
do Senhor na eucaristia.
N o a p ê n d i c e a c h a r - s e - á u m a t r a d u ç ã o e x a t a desse
d o c u m e n t o importante.
(2) O Consensus Genevensis foi preparado por Calvino, em
1552, em n o m e dos pastores de Genebra, e é u m a exposição
completa das idéias de Calvino sobre a Predestinação. T i n h a
por fim u n i r todas as igrejas suíças em suas idéias a respeito
d e s s e p o n t o . F i c a c o m o m o n u m e n t o p r o e m i n e n t e dos
princípios f u n d a m e n t a i s do verdadeiro calvinismo.
(3) A Formula Consensus Helvetica, elaborada em Z u r i c h ,
em 1675, por João H e n r i q u e Heidegger, de Zurich, a j u d a d o
por Francisco Turretino, de Genebra; e Lucas Gernler, de
Basiléia. Seu título é: " F o r m a de acordo das grejas reformadas
suíças, a respeito da doutrina da graça universal, das doutrinas
ligadas a essa, e de alguns outros pontos". T i n h a por fim u n i r
as igrejas suíças em condenar e excluir a forma modificada do
calvinismo que naquele século emanava da Escola Teológica
de Saumur, e representada por Amyraldo, Plaoeo, etc. Esta é a

168
Credos e Confissões

mais científica e completa de todas as confissões reformadas.


A proeminência de seus autores* e o fato de representar distin-
l i v a m e n t e a escola m a i s p e r f e i t a m e n t e c o n s e q ü e n t e dos
calvinistas antigos a t o r n a m de m u i t o interesse clássico. Foi
subscrita por quase todas as igrejas suíças, mas em 1722 deixou
dc ter autoridade pública como confissão.** Todas as confissões
das igrejas reformadas acham-se publicadas n u m só volume
na Collectio Confessionum in Ecclesiis Reformatis publicatarum,
por Dr. H. A. N i e m e y e r , L e i p z i g , 1840, e em Creeds of
('hristendom, por Dr. Schaff.

+
VcyáHerzog's Real- Encyclopedia, Bomberger's Translation. Artigo,Helvetic
(Àmfessions.

* f Aparecerá traduzida no apêndice.

169
8

Os Atributos de Deus

1. Quais os três métodos de determinar os atributos que pertencem


ao Ser divino?
I o . O método de analisar a idéia da perfeição infinita e
absoluta. Este método procede com base no postulado de que
nós, como agentes morais e i n t e l i g e n t e s , f o m o s criados à
imagem de Deus. Neste processo a t r i b u í m o s a Deus toda a
excelência da qual temos experiência ou idéia, em grau infinito,
e em perfeição absoluta, e negamos que ele seja de qualquer
m o d o imperfeito ou limitado.
2 o . O método de inferir suas características pelas obras dele
que vemos ao redor de nós, e da nossa experiência pelo m o d o
como nos trata.
3 o . O ensino didático das Escrituras, a elucidação que nela
nos é dada do Seu caráter, na Sua revelação sobrenatural e
dispensações cheias de graça, e sobretudo na revelação pessoal
de D e u s em Seu filho Jesus Cristo.
Todos estes métodos concordam e n t r e si, suplementam-
-se e limitam-se m u t u a m e n t e . A idéia da perfeição absoluta e
i n f i n i t a , que em certo sentido nos é i n a t a , auxilia-nos na
interpretação das Escrituras, e estas c o r r i g e m as inferências da
razão natural e põem o selo da a u t o r i d a d e divina em nossas
opiniões sobre a natureza divina.

2. Até onde podemos ter a certeza que a realidade objetiva


corresponde com as nossas concepções subjetivas da natureza divina?
A respeito deste ponto há duas posições extremas e opostas

170
Atributos de Deus

que é necessário evitarmos:


I a . A primeira posição extrema de supormos que as nossas
concepções de D e u s são, q u e r em espécie q u e r em grau,
a d e q u a d a s p a r a r e p r e s e n t a r a r e a l i d a d e o b j e t i v a de Suas
perfeições. D e u s é incompreensível p o r nós no sentido de que
(a) fica sempre u m a parte imensurável da Sua natureza e da
Sua excelência da qual não temos n e m p o d e m o s ter conheci-
mento; e (b) m e s m o aquilo que sabemos dEle, sabemos m u i t o
imperfeitamente e concebemos m u i t o i n a d e q u a d a m e n t e . A
esse respeito, a imperfeição do c o n h e c i m e n t o que os h o m e n s
lêm de Deus é análoga em espécie, embora infinitamente maior
em grau à imperfeição do conhecimento que u m a criança p o d e
ler da vida de um grande filósofo ou estadista, m o r a n d o na
mesma cidade. A criança não só sabe que o filósofo ou estadista
vive - mas sabe t a m b é m , até certo p o n t o real, o que é essa vida
e, contudo, o seu conhecimento é m u i t o imperfeito, tanto
porque apreende só uma parte muito pequena dessa vida, como
lambém porque compreende só muito imperfeitamente
mesmo essa pequena parte.
2 a . A segunda posição extrema que devemos evitar é o de
supor que o nosso conhecimento de Deus é ilusório, que nossas
concepções das perfeições de Deus não correspondem, em grau
algum, à realidade objetiva. "Sir" William H a m i l t o n , o Sr.
Mansel e outros, depois de provarem que somos obrigados a
pensar em Deus como "causa primária", como " i n f i n i t o " e
"absoluto", procedem a dar definições destes termos abstratos,
dos quais tiram, então, a conclusão necessária de que esses
lermos envolvem contradições m ú t u a s que a razão h u m a n a
nao pode tolerar. Em seguida, tiram a conclusão de que as
nossas concepções de Deus não podem corresponder à real
existência objetiva do Ser divino. "O pensarmos que Deus seja
aquilo que pensamos que é, é blasfêmia." A última e mais
extrema consagração da verdadeira religião não pode ser outra
i oisa que um altar "ao D e u s desconhecido e a q u e m não nos é
possível conhecer" ("Sir" William Hamilton,Discussions, pág.

171
Capítulo 8

22). Sustentam eles que todas as representações de D e u s


comunicadas nas Escrituras, e as melhores concepções que nós,
com o auxílio das Escrituras, p o d e m o s f o r m a r dEle, de m o d o
algum correspondem à realidade objetiva, e que não têm p o r
fim dar-nos conhecimento real e científico, e sim, servir-nos
como postulados reguladores "muito instrutivos para o
s e n t i m e n t o e para a ação", e suficientes, praticamente, para as
nossas necessidades atuais; "suficientes para dirigir a nossa
vida, mas não para satisfazer à nossa inteligência-não nos dizem
o que Deus é em Si, e sim o que Ele quer que pensemos a Seu respeito "
- M a n sei, Limits ofReligious Thought, pág. 132.
Esse modo de pensar leva realmente ao ceticismo, se não
ao ateísmo dogmático, se bem que não era esse o fim que
t i n h a m em vista esses autores. (1) Baseia-se n u m a definição
artificial e inaplicável de certas noções abstratas m a n t i d a s por
alguns filósofos a respeito do "absoluto" e do "infinito". Como
mostraremos logo à frente (Pergunta 6) u m a definição verda-
deira do absoluto e do infinito, no sentido em que as Escrituras
e os h o m e n s não sofisticados dizem que D e u s é absoluto e
i n f i n i t o , não envolve contradição ou a b s u r d o algum. (2)
Demonstrar-se-á abaixo (Pergutas 3 e 5) que temos bom f u n d a -
m e n t o para o postulado segundo o qual, como seres morais e
inteligentes, fomos real e verdadeiramente criados à imagem
de D e u s , e que p o r isso p o d e m o s c o n h e c ê - 1 0 c o m o Ele
realmente é. (3) Se a nossa consciência íntima e as Escrituras
Sagradas nos apresentam concepções ilusórias quanto ao que
Deus é, não temos motivo algum para confiar nelas q u a n d o
nos dizem que Deus é, ou que existe. (4) Esse princípio leva
ao ceticismo absoluto. Se o nosso Criador quer que pensemos
nEle de um modo diverso da verdade, não temos motivo para
confiar em nossos instintos ou faculdades constitutivas quanto
aos outros ramos do conhecimento. (5) Esse princípio é imoral,
porque faz de falsas representações dos atributos divinos o
princípio regulador da vida moral e religiosa dos homens. (6)
Os ditames mais exaltados e mais certos da razão h u m a n a

172
Atributos de Deus

p r o d u z e m necessariamente a convicção de que os princípios


morais e a natureza essencial de quaisquer atributos morais
não p o d e m deixar de ser os m e s m o s em todos os m u n d o s e em
todos os seres possuidores, em qualquer sentido, de um caráter
moral. A verdade, a justiça, o amor e a benevolência não p o d e m
deixar de ser no Criador aquilo m e s m o que são na criatura, e
em D e u s aquilo m e s m o que são no h o m e m .

3. Que é antropomorfismo, e quais os diversos sentidos em que


se emprega essa palavra?
A n t r o p o m o r f i s m o é palavra e m p r e g a d a para designar
qualquer opinião sobre a natureza de Deus que o considere
c o m o se possuísse ou exercesse quaisquer a t r i b u t o s seme-
lhantes aos do h o m e m .
Os antropomorfistas antigos sustentavam que D e u s tem
partes e órgãos corporais como os nossos, e que devem ser
tomadas em sentido literal todas as passagens das Escrituras
que falam em Seus olhos, mãos etc.
Os panteístas, "Sir" W. Hamilton, e alguns outros filósofos,
dizem que todas as nossas concepções de D e u s c o m o um
Espírito pessoal, etc., são antropomorfísticas - isto é, são modos
de conceber que não estão em c o n f o r m i d a d e com a verdade
o b j e t i v a , e s i m são d e t e r m i n a d o s n e c e s s a r i a m e n t e pelas
condições subjetivas dos modos h u m a n o s de pensar.
Segue-se, pois, que é necessário tomar-se a palavra em dois
sentidos:
I o . No bom sentido, no qual, desde que o h o m e m foi criado
à imagem de Deus como um espírito racional e livre, é bíbli-
co, racional, e está de acordo com a verdade objetiva, que
pensemos em Deus como possuindo, em perfeição absoluta
quanto à espécie, e em perfeição absoluta quanto ao grau, e
sem n e n h u m a limitação, todos os atributos essenciais que
p e r t e n c e m aos nossos espíritos. Q u a n d o dizemos que Deus
sabe, quer e sente, que Ele é justo, verdadeiro e misericordioso,
o sentido dessas afirmações é que L h e atribuímos atributos da

173
Capítulo 8

m e s m a espécie que os atributos que têm esses n o m e s e que


pertencem aos homens, mas, em Deus, em perfeição absoluta
e sem limites.
2 o . A palavra é empregada em mau sentido q u a n d o utilizada
para designar um modo de pensar em D e u s c o m o se houvesse
nEle qualquer imperfeição ou limitação. Pensar em Deus, por
exemplo, como se tivesse mãos ou pés, ou experimentasse em
Si as perturbações das paixões humanas, ou de qualquer outro
m o d o semelhante, seria um a n t r o p o m o r f i s m o falso e i n d i g n o
dEle.

4. Como devemos entender as passagens das Escrituras que


atribuem a Deus membros corporais e as fraquezas próprias da
paixão humana?
As passagens a que se faz referência são aquelas em que se
fala no rosto ou face de Deus, como em Ex. 33:11 e 2 0 ; em Seus
olhos, 2 Crôn. 16:9; em Suas narinas, 2 Sam. 22:9; em Seus
braços ou pés, Is. 52:10; Sal. 18:9. E a s passagens que falam dEle
arrepender-Se, entristecer-Se e estar cansado, como Gên, 6:6,
7 ; J e r . 15:6; Sal. 95:10; em enfurecer-Se, como D e u t . 29:20,
etc. Estas expressões devem e n t e n d e r - s e c o m o metáforas.
Representam só analogicamente a verdade a respeito de Deus,
e como nos parece, de nosso ponto de vista. Q u e Deus não
pode ser material demonstraremos adiante, na p e r g u n t a 20.
Q u a n d o o texto diz que Ele Se arrepende, Se entristece,
que é zeloso, que está irado, etc., só quer dizer que Se comporta
para com os homens como um h o m e m se comportaria q u a n d o
agitado por essas paixões. Essas metáforas e n c o n t r a m - s e ,
principalmente, no Velho Testamento, e ali, nas passagens
m u i t o retóricas dos livros poéticos e proféticos.

5. Quais as provas de que não só são necessárias, mas também


são válidas, as concepções antropomórficas de Deus, tomada essa
palavra no seu bom sentido?
O fato f u n d a m e n t a l em que se baseia toda a ciência, toda a

174
Atributos de Deus

teologia e toda a religião é que D e u s fez o h o m e m alma viva, à


Sua própria imagem. A n ã o ser assim, o h o m e m n ã o poderia
c o m p r e e n d e r mais das obras de D e u s do que da Sua natureza,
e todas as relações de p e n s a m e n t o s e s e n t i m e n t o s entre eles
seriam impossíveis. Q u e o h o m e m tem o direito de pensar em
Deus como a fonte original e totalmente perfeita das qualidades
morais e racionais que n E l e se acham, provam os seguintes
fatos:
I o . E d e t e r m i n a d o assim pelas leis necessárias da nossa
/

natureza. (1) E matéria da nossa consciência íntima. Se cremos


em Deus, é-nosforçoso crer nEle como espírito pessoal, racional
e reto. (2) M e s m o nas adulterações aviltantes da mitologia pagã
as c o n c e p ç õ e s que se fazem de D e u s são u n i v e r s a l m e n t e
semelhantes a essa. . ?• >
o
2 . Não há outro modo possível de conhecermos a Deus.
H a v e r e m o s sempre de fazer a nossa escolha entre o princípio
que sustentamos e o ateísmo absoluto.
3 o . O m e s m o é determinado também pelas leis necessárias
de nossa natureza moral. A natureza moral do h o m e m , inata e
indestrutível, inclui o s e n t i m e n t o de sujeição a u m a vontade
reta s u p e r i o r à nossa, e de r e s p o n s a b i l i d a d e p e r a n t e um
Governador moral. Mas isso seria um absurdo se o Governador
moral não fosse, no nosso sentido das palavras, um espírito
pessoal inteligente e reto. <
4°. O argumento mais durável e satisfatório para estabelecer
o fato da existência de Deus, é o argumento a posteriori baseado
nas provas de "desígnio" que vemos nas obras de Deus. E se
este a r g u m e n t o é válido para estabelecer o fato da existência
de Deus, é válido t a m b é m para provar que Ele possui e exerce
inteligência, intenção benévola e a faculdade de escolher, ou
seja, que Ele é, em nosso sentido dos termos, um espírito
pessoal e inteligente.
5 o . As E s c r i t u r a s a t r i b u e m c a r a c t e r i s t i c a m e n t e esses
m e s m o s atributos a Deus, e em toda parte p r o p u g n a m Sua
existência. •= :?

175
Capítulo 8

6 o . Deus, manifestado na Pessoa de Jesus Cristo, que é a


imagem expressa da Pessoa do Pai, exibiu em todas as situações
esses m e s m o s atributos, e t a m b é m o fez de tal m o d o que
d e m o n s t r o u sempre ser D e u s tão verdadeiramente como era
homem.

6. Qual é o sentido dos termos "infinito" e "absoluto", e qual o


sentido em que eles são aplicados à natureza de Deus e a cada um
dos Seus atributos? • •*.
A definição que H a m i l t o n e Mansel dão de infinito é:
"aquilo que está livre de toda limitação possível; aquilo que é
t a m a n h o que não se p o d e conceber um maior, e que, p o r
conseguinte, não pode receber atributos adicionais, ou um
m o d o de existência adicional que não possuísse já, desde toda
a e t e r n i d a d e " ; e sua definição do absoluto é: "aquilo que existe
de per si, não tendo n e n h u m a relação necessária para com
outros seres". Baseados nestas definições, argumentam (1) que
aquilo que é infinito e absoluto deve incluir em si a soma total
de todas as coisas, o b e m e o mal, o atual e o possível; porque,
se estivesse excluído dele alguma coisa real ou possível, não
seria mais infinito e absoluto e sim, finito e relativo; (2) que
não pode ser objeto de conhecimentos, porque aquilo que é
conhecido fica, por isso mesmo, limitado, porque fica definido;
e é t a m b é m estabelecida assim u m a relação entre o conhecido
e a pessoa que o conhece; (3) que não pode ser pessoa, p o r q u e
a consciência pessoal implica limitação e m u d a n ç a ; (4) que
não pode conhecer outras coisas, p o r q u e o conhecer implica
relação, como já foi dito - Discussions por H a m i l t o n , Art. 1;
Limits ofReligious Thought, por Mansel, Lectures 1, 2 e 3.
Todos estes devaneios lógicos nascem do fato de tomarem
esses filósofos, como p o n t o de partida, a premissa falsa de um
abstrato "infinito" e "absoluto" e substituindo isso pela Pessoa
verdadeiramente infinita e absoluta revelada nas Escrituras e
na consciência h u m a n a como a causa primária de todas as
coisas, o Governador moral e Redentor dos homens.

176
Atributos de Deus

" I n f i n i t o " q u e r dizer o que n ã o tem limites. Q u a n d o


dizemos que D e u s é infinito no Seu Ser, c o n h e c i m e n t o , ou
poder, queremos dizer que Sua essência e as propriedades ativas
desta n ã o t ê m l i m i t a ç õ e s que e n v o l v a m i m p e r f e i ç õ e s d e
qualquer espécie que seja. Ele transcende todas as limitações
do t e m p o e do espaço, e conhece todas as coisas de um m o d o
a b s o l u t a m e n t e perfeito. P o d e fazer t u d o q u a n t o q u e r p o r
i n t e r m é d i o de meios ou sem eles, e c o m facilidade e sucesso
perfeitos. Q u a n d o os h o m e n s dizem que D e u s é infinito na
Sua justiça, b o n d a d e ou verdade, isso significa que na Sua
natureza inexaurível e imutável possui esses a t r i b u t o s em
perfeição absoluta.
"Absoluto", q u a n d o aplicado a Deus, q u e r dizer que Ele é
u m a Pessoa eterna e auto-existente, que existia antes de todos
os demais seres, e que é a causa inteligente e voluntária de
t u d o q u a n t o mais existiu, existe agora, ou em qualquer t e m p o
há de existir em todo o universo, etc., e que por isso Ele não
mantém relação necessária com nada que existia fora dEle. Tudo
quanto existe está condicionado a Deus, assim como o círculo
está condicionado a seu centro; mas Deus, seja q u a n t o à Sua
existência, seja quanto a qualquer dos modos dela, não está
condicionado a n e n h u m a das Suas criaturas, n e m à criação
como um todo. Deus é o que é porque é, e Ele quer aquilo que
quer p o r q u e "assim é do seu agrado". Tudo o que mais existe
é o que é porque Deus queria que fosse o que é. Toda relação
que Ele sustém para com aquilo que está fora dEle foi por Ele
tomada voluntariamente.

7. Quais os diversos modos pelos quais as Escrituras revelam


Deus?
Revelam Deus - I o . Por meio de Seus nomes. 2 o . Por meio
das o b r a s que L h e são a t r i b u í d a s . 3 o . Por m e i o de Seus
atributos. 4 o . Por meio do culto que elas requerem que L h e
seja prestado. 5 o . Pela manifestação de Deus em Cristo.

177
Capítulo 8

8. Qual a etimologia e a significação dos diversos nomes dados


a Deus nas Escrituras? • •
I o . JEOVÁ, do hebraicoHayah, ser. Exprime auto-existência
e i m u t a b i l i d a d e ; é o n o m e i n c o m u n i c á v e l de D e u s q u e os
judeus, por motivo supersticioso, nunca pronunciam,
s u b s t i t u i n d o - o , na sua leitura do Velho Testamento, no origi-
nal, pelo nomeAdonai, SENHOR. E este ú l t i m o n o m e substitui
o de Jeová t a m b é m na vulgata e em diversas o u t r a s versões.
JAH, p r o v a v e l m e n t e abreviatura de Jeová, é e m p r e g a d o
/

p r i n c i p a l m e n t e nos Salmos. - Sal. 68:4, no original. E a ú l t i m a


sílaba da palavra "aleluia" , louvai a Jeová.
A Moisés D e u s deu a conhecer Seu n o m e peculiar - EU
SOU O QUE SOU - Ex. 3:14, da m e s m a raiz q u e Jeová, e c o m a
m e s m a significação f u n d a m e n t a l .
2 o . EL, poder, força, t r a d u z i n d o Deus, e aplicado t a n t o a
deuses falsos como ao D e u s verdadeiro - Is. 44:10.
3 o . ELOIM e ELO AH, sendo os dois o m e s m o n o m e , o último
sendo a f o r m a singular, e o primeiro, a f o r m a plural. E derivado
àtAlah, temer, reverenciar. Na sua f o r m a singular é u s a d o só
nos livros poéticos e nos m e n o s antigos. Na sua f o r m a p l u r a l é
usado, às vezes, no sentido plural de deuses; mais c o m u m e n t e ,
porém, como umpluralis excellentia, aplicado a Deus. É aplicado
t a m b é m a deuses falsos, mas de preferência, a Jeová c o m o o
g r a n d e o b j e t o de adoração.
4°. ADONAI, o Senhor pluralis excellentice aplicado
e x c l u s i v a m e n t e a D e u s , e x p r i m i n d o possessão e d o m í n i o
absoluto, equivalente a Senhor, aplicado tantas vezes a Cristo
n o N o v o Testamento.
V

5°. SADDAI, onipotente, um pluralis excellentice. As vezes


aparece só, como em Jó 5: 17; e, às vezes, é p r e c e d i d o de EL,
c o m o em Gên. 17:1.
6°. ELYÔN, o EZEBAexcelso, adjetivo verbal d t â l â c h - s u b i r
- S a l . 9:2; 21:7. :uí •
7 o . O termo TZEBAOTH, dos exércitos, é u s a d o f r e q ü e n t e -
m e n t e como epíteto qualificativo de um dos n o m e s

178
Atributos de Deus

supramencionados de Deus, como: Jeová dos Exércitos, Deus


dos Exércitos, Jeová Deus dos Exércitos - Amós 4:13; Sal. 24:10.
Alguns t o m a m isso como o equivalente de: Deus das batalhas.
Mas o v e r d a d e i r o s e n t i d o é: " S o b e r a n o das estrelas, dos
exércitos materiais do céu, e dos anjos, seus h a b i t a n t e s " - Dr.
J. A. Alexander, Com. on the Psalms, 24:10, e Gesenius, Heb.
Lex. í **'íífp «
8 o . Muitos outros epítetos são aplicados a Deus, em sentido
metafórico, para expor a relação que sustenta para conosco
e os ofícios que Ele desempenha, e.g. Rei, Legislador, Juiz.
Is. 33:17; Sal. 24:8; Sal. 50:6; Rocha, Fortaleza, R e d e n t o r : 2
Sam. 22:2,3; Sal. 62:2; Pastor, Agricultor: Sal. 23:1; João
15:1; Pai: Mat. 6:9; João 20:17, etc. .•»»»• r.v

9. Que são atributos divinos }


Os atributos divinos são as perfeições atribuídas à essência
divina nas Escrituras, ou exercidas visivelmente por Deus, nas
Suas obras da criação, da providência e da redenção. Não são
propriedades ou estados da essência divina separáveis, de fato
ou na h i p o t é t i c a , dessa m e s m a essência divina, c o m o são
separáveis da essência da criatura as propriedades e m o d o s de
t u d o o que foi criado. O c o n h e c i m e n t o de Deus é Sua essência
c o n h e c e n d o ; Seu amor é Sua essência a m a n d o ; Sua vontade é
Sua essência q u e r e n d o ; e todos estas q u a l i d a d e s não são
capacidades latentes de ação, n e m estados que m u d a m , mas
estados coexistentes e e t e r n a m e n t e i m u t á v e i s da essência
divina, a qual, tanto a respeito do estado e m o d o , como a
respeito da existência, é "a mesma de ontem, hoje, e o será por
todos os séculos", e "sem m u d a n ç a , n e m sombra de variação".
A respeito da natureza e das operações de Deus, p o d e m o s
saber tão-somente o que L h e aprouve revelar-nos, e em todas
as nossas concepções, quer da Sua natureza, quer dos Seus atos,
haverá sempre, e necessariamente, um elemento de incom-
p r e e n s i b i l i d a d e que é i n s e p a r á v e l da i n f i n i d a d e . O Seu
c o n h e c i m e n t o e o Seu poder excedem tanto à compreensão

179
Capítulo 8

c o m o à Sua e t e r n i d a d e e i m e n s i d a d e - J ó 11:7-9; 26:14; Sal.


139:5,6; Is. 40:28. Os e l e m e n t o s m o r a i s da Sua n a t u r e z a
gloriosa são a n o r m a ou o tipo original de nossas f a c u l d a d e s
morais; e assim é q u e nos é possível c o m p r e e n d e r os s u p r e m o s
p r i n c í p i o s de v e r d a d e e justiça sobre os quais E l e opera. A
v e r d a d e , a justiça e a b o n d a d e são n a t u r a l m e n t e os m e s m o s
a t r i b u t o s , q u e r e m D e u s , q u e r nos anjos, q u e r n o h o m e m . A o
m e s m o t e m p o , aquilo q u e D e u s faz, d e c o n f o r m i d a d e com
esses p r i n c í p i o s , é, m u i t a s vezes, u m a prova para a nossa fé, e
dá ocasião para O a d o r a r m o s m a r a v i l h a d o s - R o m . 11:33-36;
Is. 55:8,9.

10. Que quer dizer o termo SIMPLICIDADE, quando aplicado


a Deus pelos teólogos ?
O t e r m o " s i m p l i c i d a d e " é e m p r e g a d o , primeiro, em
oposição à composição material, q u e r mecânica, orgânica ou
q u í m i c a ; em segundo lugar, em s e n t i d o metafísico, para negar a
relação de substância e p r o p r i e d a d e , de essência e m o d o . No
p r i m e i r o sentido da palavra, a alma h u m a n a é simples, p o r q u e
não é c o m p o s t a de elementos, partes ou órgãos. No s e g u n d o
s e n t i d o da palavra, nossas almas são complexas, p o r q u e há
nelas distinção entre Sua essência e Suas p r o p r i e d a d e s , e Seus
m o d o s ou estados sucessivos de existência. Sendo Deus, p o r é m ,
infinito, eterno, autoexistente desde toda a eternidade,
n e c e s s a r i a m e n t e s e m p r e o m e s m o sem sucessor, os teólogos
s u s t e n t a m que n E l e a essência, as p r o p r i e d a d e s e os m o d o s são
u m a só e a m e s m a coisa. E sempre aquilo que é; e Seus diversos
estados de intelecção, emoção e volição n ã o são sucessivos e
transitórios, e sim coexistentes e p e r m a n e n t e s ; e Ele é essen-
c i a l m e n t e aquilo que é, e tão n e c e s s a r i a m e n t e c o m o o é a Sua
existência. O que há em D e u s , quer seja p e n s a m e n t o , emoção,
volição, ou um ato, é Deus.
A l g u n s p e n s a m e m D e u s c o m o p a s s a n d o p o r diversos
m o d o s e estados transitórios, como passam os h o m e n s , e p o r
c o n s e g u i n t e supõem que as p r o p r i e d a d e s da n a t u r e z a d i v i n a

180
Atributos de Deus

são relacionadas com a essência divina como as propriedades


das coisas criadas são relacionadas com as coisas dotadas com
elas. Outros levam tão longe a idéia de simplicidade que negam
haver distinção a l g u m a nos p r ó p r i o s a t r i b u t o s d i v i n o s , e
supõem que a única diferença entre eles está no m o d o pelo
qual se m a n i f e s t a m externamente, e nos efeitos produzidos.
Ilustram sua idéia pelos diversos efeitos que o m e s m o raio de
luz do sol p r o d u z em diversos objetos.
Para evitar estes dois extremos, os teólogos c o s t u m a m
dizer que os atributos divinos diferem u n s dos outros e da
essência divina, I o . nãorealiter, ou assim como u m a coisa difere
de outra, ou de qualquer m o d o que implique composição em
Deus. N e m , 2 o . m e r a m e n t e nominaliter, como se não houvesse
em D e u s coisa alguma que corresponda realmente a nossas
concepções de Suas perfeições. Mas, 3 o . diz-se que diferem
virtualiter, de m o d o que há nEle base ou motivo adequado
para todas as representações feitas nas Escrituras a respeito
das perfeições divinas, e para as concepções que p o r isso nós
temos delas - Turretino,Institutio Theologicce, Locus 3; Quaes.
5 e 7; e Dr. C. Hodge,Lectures.

11. Quais os diversos princípios segundo os quais se tem pro-


curado classificar os atributos divinos? '
A i m e n s i d a d e do assunto e a i n c o m e n s u r a b i l i d a d e de
nossas faculdades tornam evidente que n e n h u m a classificação
que possamos fazer pode ser mais do que a p r o x i m a d a m e n t e
exata e completa. A classificação c o m u m tem p o r base os
seguintes princípios: - • .
I o . Distinguem-se como absolutos e relativos. Um atributo
absoluto é u m a propriedade da essência divina considerada
em si: e.g., auto-existência, imensidade, eternidade, inteli-
gência. Um atributo relativo é u m a propriedade da essência
divina considerada em relação à criação: e.g., onipresença,
onisciência, etc. *
2 o . Distinguem-se t a m b é m como afirmativos e negativos.

181
Capítulo 8

Um atributo afirmativo é u m a qualidade que exprime alguma


p e r f e i ç ã o positiva da essência d i v i n a : e.g., o n i p r e s e n ç a ,
onipotência, etc. Um atributo negativo é u m a qualidade que
nega qualquer defeito ou limitação de qualquer m o d o nas
perfeições divinas: e.g., imutabilidade, infinidade, incompre-
ensibilidade, etc.
3 o . Distinguem-se como comunicáveis o. incomunicáveis. Os
atributos comunicáveis são aqueles com os quais os atributos
do espírito h u m a n o tem alguma analogia: e.g, poder, conhe-
cimento, vontade, b o n d a d e e retidão. Os incomunicáveis são
aqueles quanto aos quais não há na criatura nada que lhes seja
análogo: e.g., eternidade, i m e n s i d a d e , etc. Esta distinção,
p o r é m , necessariamente não deve ser levada longe demais.
D e u s é infinito em relação ao espaço e ao tempo; nós somos
finitos em relação a um e a outro. Mas Ele não é menos infinito
quanto ao Seu conhecimento, à Sua vontade e à Sua retidão
em todos os Seus modos, e nós somos finitos em todos estes
aspectos. Todos os atributos divinos que conhecemos ou que
podemos conceber são comunicáveis, por terem suas analogias
em nós; entretanto todos são igualmente incomunicáveis, por
serem todos infinitos em Deus.
4 o . Os atributos de Deus distinguem-se como naturais e
morais. Os naturais são todos os que L h e pertencem por ser
Ele um Espírito infinito e racional: e.g., eternidade, imensi-
dade, inteligência, vontade, poder. Os morais são os demais
atributos, que L h e pertencem por ser Ele Espírito infinito e
reto: e.g., justiça, misericórdia, verdade.
Eu proporia, sem m u i t a segurança, a classificação
seguinte:
(1) Os atributos que qualificam igualmente todos os outros
- infinidade, aquilo que não tem limites: absolutidade,* aquilo
que não é determinado, n e m quanto à Sua existência, n e m

* Neologismo usado por Odayr Olivetti para fins exclusivamente técnico-


-teológicos.

182
Atributos de Deus

q u a n t o ao m o d o da Sua existência ou da Sua ação, p o r coisa


a l g u m a q u e haja fora d E l e p r ó p r i o . Isso inclui a i m u t a b i l i -
dade. •
(2) Os a t r i b u t o s n a t u r a i s : D e u s é E s p í r i t o infinito, auto-
existente, eterno, imenso, simples, lime na vontade, inteligente,
poderoso.
(3) Os a t r i b u t o s morais. D e u s é E s p í r i t o i n f i n i t a m e n t e
reto, verdadeiro e fiel.
(4) A glória excelsa de todas as perfeições divinas em união:
a f o r m o s u r a da SANTIDADE de D e u s .

A U N I D A D E DE DEUS - '

12. Quais os dois sentidos da palavra em que UNIDADE é um


predicado de Deus ?
I o . D e u s é único: há um só Deus, com exclusão de qualquer
outro.
2 o . E m b o r a haja tripla distinção pessoal na u n i d a d e da
D e i d a d e , essas t r ê s P e s s o a s são n u m e r i c a m e n t e u m a s ó
s u b s t â n c i a ou essência, e c o n s t i t u e m um só D e u s indivisível.

13. Como se pode provar a proposição de que Deus é um e


indivisível? -
1°. Parece haver na razão u m a necessidade de concebermos
a D e u s c o m o um só. A q u i l o q u e é i n f i n i t o e absoluto n ã o p o d e
deixar de ser um só, indivisível em essência. Se D e u s n ã o é
um só, segue-se que há m a i s de um Deus.
2 o . A representação u n i f o r m e das Escrituras - João 10:30.

14. Como se prova pelas Escrituras que a proposição segundo


a qual há um só Deus é verdadeira?
C o m passagens como as seguintes: D e u t . 6:4; 1 Reis 8:60;
Is. 44:6; Mar. 11:29,32; 1 Cor. 8:4; Ef. 4:6.

= /Jll -•

183
Capítulo 8

15. Que argumento se tira da harmonia da criação a favor da


unidade divina?
A criação inteira entre os dois extremos, até onde chega a
observação telescópica e microscópica, é m a n i f e s t a m e n t e um
só sistema indivisível. Já provamos, porém (Cap. 2), a existência
de Deus, pelos fenômenos do universo; e argumentamos agora,
partindo do mesmo princípio, que, se um efeito é prova da
operação prévia de u m a causa, e se evidências de intenção e
desígnio provam a existência de quem tencionava, então a
singeleza e a unidade de um plano e sua operação nesse desígnio
e na sua execução provam t a m b é m que quem teve o desígnio
foi UM SÓ.

16. Sobre este ponto, que argumento se tira da existência


necessária de Deus?
Diz-se que a existência de Deus é necessária porque desde
toda a eternidade tem sua causa em si mesma. É a mesma em
todo o t e m p o e no espaço inteiro. É um absurdo pensar em
Deus como não existindo em qualquer tempo e em qualquer
parte do espaço, e n q u a n t o que, com respeito a todas as demais
existências, elas dependem pura e simplesmente da vontade
de Deus, e por isso são contingentes. No entanto, a necessidade
que é u n i f o r m e em todos os tempos e em qualquer parte do
espaço é evidentemente u m a só e indivisível, e só pode ser a
base da existência de um só Deus.
Este argumento é lógico, e muitos distinguidos teólogos
o valorizam em muito. Parece, p o r é m , envolver o erro de
supor-se que a lógica h u m a n a pode ser a medida da existência.

17. Que argumento se tira da perfeição infinita para provar


que só pode haver um Deus?
Deus é infinito em Seu Ser e em todas as Suas perfeições.
Mas o que é infinito, por incluir tudo, exclui t u d o o mais da
mesma espécie. Se houvesse dois seres infinitos, cada um deles
incluiria necessariamente o outro, e seria por este incluído, e

184
Atributos de Deus

seriam assim um só e o m e s m o ser idêntico. É certo que a


idéia da coexistência de dois seres i n f i n i t a m e n t e perfeitos
repugna tanto à razão h u m a n a c o m o às Escrituras. í

18. Que époliteísmo? E dualismo?


Politeísmo, como indica a etimologia da palavra, é um
t e r m o geral que designa todos os sistemas de religião que
ensinam a existência de mais de um Deus.
D u a l i s m o é o n o m e que se dá ao sistema que reconhece a
existência de dois princípios originais e i n d e p e n d e n t e s no
universo, um bom e o outro m a u , e que atualmente esses dois
princípios estão n u m a relação de antagonismo incessante,
esforçando-se sempre o b o m princípio por opor-se ao mau
princípio e por livrar o m u n d o da sua intrusão maléfica.

A E S P I R I T U A L I D A D E DE DEUS

19. Que é que se afirma, e também que é que se nega na proposição


segundo a qual Deus é Espírito?
Nada sabemos de uma substância, senão o que se manifesta
por suas propriedades. Matéria é a substância cujas proprie-
dades se manifestam diretamente aos nossos sentidos corporais.
Espírito é a substância cujas propriedades se manifestam a nós
diretamente na autoconsciência, e só inferencialmente por meio
de palavras e outros sinais ou modos de expressão, m e d i a n t e
os nossos sentidos.
Q u a n d o dizemos que Deus é Espírito, o sentido é:
I o . Negativamente, que Ele não possui partes n e m paixões
corporais; que não Se compõe de elementos materiais; que
n ã o está sujeito a n e n h u m a das condições que l i m i t a m a
existência material; e que, por conseguinte, não p o d e ser
a p r e e n d i d o por n e n h u m de nossos sentidos corporais.
2 0 . Positivamente, que Ele é um ser racional que distingue
com precisão infinita entre o verdadeiro e o falso; que é um
ser moral, que distingue entre o bom e o m a u ; que é agente

185
Capítulo 8

livre, cujas ações são determinadas só por Sua própria vontade;


e, e n f i m , q u e todas as p r o p r i e d a d e s essenciais de nossos
espíritos p o d e m t a m b é m realmente ser asseveradas a respeito
dEle, e em grau infinito.
Esta grande verdade é inconciliável com a doutrina
segundo a qual Deus é a alma do m u n d o (anima mundi), u m a
força plástica, organizadora, inseparável da matéria; e também
com a d o u t r i n a gnóstica da emanação, e com todas as formas
do materialismo e do panteísmo modernos.

20. Quais as provas de que Deus é Espírito?


I a . As Escrituras o afirmam expressamente - João 4:24.
2 a . Nossa idéia das perfeições infinitas e absolutas de Deus.
A m a t é r i a é o b v i a m e n t e i n f e r i o r ao e s p í r i t o , e dela são
inseparáveis muitas imperfeições e limitações. A matéria,
consistindo em átomos separados e atuando incessantemente
uns sobre os outros, não pode ser "uma", n e m "infinita", n e m
"imutável", etc. E sente-se que a idéia de que a matéria está
em união com o espírito em Deus, como é o caso do h o m e m ,
avilta a D e u s e O sujeita às limitações do tempo e do espaço.
3 a . Não há em parte alguma n e n h u m indício de proprie-
dades materiais no Criador e Governador providencial do
universo - enquanto que todas as provas da existência de Deus
testificam também que Ele é u m a pessoa de sabedoria, benevo-
lência, retidão e poder supremos - isto é, que é um espírito
pessoal.

A R E L A Ç Ã O DE D E U S C O M O ESPAÇO

21. Que é que se entende pela imensidade de Deus?


" I m e n s i d a d e de D e u s " é a frase empregada para expressar
o fato de que Deus é infinito em Sua relação com o espaço, isto
é, que a inteira essência indivisível de D e u s está s e m p r e
presente c o n c o m i t a n t e m e n t e em toda parte do espaço inteiro
e imenso.

186
Atributos de Deus

N ã o s e acha p r e s e n t e a s s i m e m v i r t u d e d e a l g u m a
multiplicação infinita do Seu Espírito, p o r q u e o Espírito é
e t e r n a m e n t e um só e i n d i v i d u a l ; n e m é isso r e s u l t a d o de
alguma difusão infinita da sua essência pelo espaço imenso,
assim como o ar está difuso sobre a superfície da terra; porque,
sendo Espírito, não é composto de partes, nem se pode estender;
mas a D e i d a d e inteira, em Sua essência única e indivisível,
está sempre presente igualmente, a todo m o m e n t o da duração
eterna, em todo o espaço infinito e em cada parte dele.

22. Como difere imensidade de onipresença? • ' '


Imensidade é a característica de Deus em relação ao espaço
tomado em sentido abstrato. Onipresença é a característica de
D e u s em relação às Suas criaturas como estas ocupam, cada
qual p o r si, certo lugar no espaço. A essência divina (Deus) é
absolutamente imensa em Sua própria natureza; é onipresente
em relação a todas as Suas criaturas.

23. Quais os diversos modos da presença divina, e como se


pode provar que Deus está presente em toda parte quanto à Sua
essência?
P o d e m o s pensar em D e u s como presente em qualquer
p a r t e ou com qualquer criatura, de diversos modos: I o . Q u a n t o
à Sua essência; 2 o . Q u a n t o ao Seu conhecimento; 3 o . Manifes-
t a n d o a Sua presença a q u a l q u e r criatura i n t e l i g e n t e ; 4 o .
M a n i f e s t a n d o o Seu poder de q u a l q u e r m o d o na criatura
h u m a n a ou sobre ela. Q u a n t o à Sua essência e ao Seu conhe-
c i m e n t o , a Sua presença é sempre e em toda parte a mesma.
Q u a n t o à Sua automanifestação e ao exercício do Seu poder, a
S u a presença manifesta-se de i n ú m e r o s modos e graus
d i f e r e n t e s . Assim, por exemplo, está presente para a Sua Igreja
de um m o d o diverso daquele pelo qual o está para o m u n d o ;
e s t á p r e s e n t e no inferno na manifestação e execução da Sua
j u s t a ira, e no céu o está na manifestação e comunicação da
S u a graça, do Seu amor e da Sua glória.

187
Capítulo 8

24. Como provar que Deus é onipresente quanto à Sua essência ?


Que Deus é onipresente quanto à Sua essência fica provado:
o
I . Pelas Escrituras (1 Reis 8:27; Sal. 139:7-10; Is. 66:1; Atos
/

17:27,28). 2 o . Pela razão. (1) E conseqüência necessária da


Sua infinidade. (2) Pelo fato de que o Seu c o n h e c i m e n t o é
Sua essência conhecendo, e Suas ações são Sua essência agindo.
C o n t u d o , o Seu conhecimento e o Seu poder estendem-se a
todas as coisas.

25. Como expor as diversas relações que os corpos (que são


espíritos criados) e Deus têm com o espaço?
T u r r e t i n o diz: " e n t e n d e m o s q u e o s c o r p o s e x i s t e m
circunscntivamente no espaço, porque, ocupando certa porção
do espaço, acham-se cercados por todos os lados pelo espaço;
os espíritos criados não ocupam parte alguma do espaço, n e m
são a b a r c a d o s pelo espaço, e, c o n t u d o , estão no espaço
definidamente, como aqui, e não acolá; Deus, porém, está no
espaço repletivamente, porque de um modo transcendente a
Sua essência cnche o espaço todo. Não está incluído em parte
alguma, n e m excluído de parte alguma. I n t e i r a m e n t e pre-
sente em toda parte, compreende ao m e s m o t e m p o o espaço
inteiro."
O t e m p o e o espaço não são nem substâncias, n e m quali-
dades, n e m simplesmente relações. Eles constituem um gênero
separado, absolutamente distinto de todas as demais entidades,
e por conseguinte impossível de classificar. "Sabemos que o
t e m p o e o espaço e x i s t e m ; sabemos t a m b é m , p o r provas
suficientes, que Deus existe; mas não temos meios de saber
como o tempo e o espaço se acham relacionados com
Deus. 1- A idéia de "Sir" Isaac Newton - Deus durat semper e
adest ubique, et, existendo semper et ubique, durationem et spatium
constituit * - é por certo u m a idéia sublime; porém duvido

* Deus dura para sempre e está presente em toda parte, e, existindo sempre e
em lodo lugar, constitui a duração e o espaço. Em latim no original. Nota de
Odayr Olivetti.

188
Atributos de Deus

m u i t o que a inteligência h u m a n a possa afirmar ditatorial-


m e n t e que é u m a idéia tão verdadeira q u a n t o s u b l i m e " -
M c C o s h , Intuitions of the Mind, pág. 212.

A R E L A Ç Ã O DE D E U S C O M O T E M P O

26. Que é a eternidade?


A eternidade é duração infinita; duração despida de todos
os limites, sem princípio, sem sucessão, sem fim. Os esco-
lásticos chamavam-na punctum stans, isto é, um presente que
:
p e r m a n e c e sempre e para sempre. •
Podemos, porém, conceber a eternidade positivamente
como duração estendida i n f i n i t a m e n t e do m o m e n t o atual em
duas direções, para o passado e para o futuro, chamadas impro-
p r i a m e n t e eternidade a parte ante, ou passada, e eternidade a
parte post, ou futura. A eternidade de Deus é, porém, u m a só
e indivisível. Eternitas est una individua et tota simid.

27. Que é o tempo?


Tempo é duração limitada, medida pela sucessão, ou do
p e n s a m e n t o ou do movimento. Distingue-se em referência a
nossas percepções em passado, presente e futuro.

28. Que relação tem o tempo com a eternidade?


A eternidade, o presente sem m u d a n ç a , sem princípio e
sem f i m , compreende o tempo inteiro, e coexiste como um
m o m e n t o não dividido, junto com todas as sucessões do tempo
à m e d i d a que aparecem e passam em sua ordem.
Podemos pensar, porém, só sob as limitações do tempo e
do espaço. Podemos pensar em D e u s só do modo finito de
determinar primeiro e executar depois, de prometer ou ameaçar
p r i m e i r o , e c u m p r i r depois a Sua palavra, etc. Aquele que
habita na eternidade transcende i n f i n i t a m e n t e a nossa
inteligência. Is. 57:15.

189
Capítulo 8

29. Quando dizemos que Deus é eterno, que é que afirmamos, e


que é que negamos?
Afirmamos, I o . que, quanto à Sua existência, n u n c a teve
princípio e nunca terá f i m ; 2o. que, quanto ao m o d o da Sua
existência, Seus pensamentos, emoções, propósitos e atos, eles
são invariáveis, u n o s e inseparáveis, sempre os mesmos; e 3 o .
Q u e Ele é imutável.
Negamos, I o . Q u e Deus teve princípio ou que terá f i m ;
2 o . que há variação nos Seus estados ou modos de ser; e 3 o .
que a Sua essência, os Seus atributos e os Seus propósitos em
qualquer tempo m u d a r ã o .

30 .Em que sentido é que se fala nos atos de Deus como passados,
presentes e futuros?
No tocante a D e u s , os Seus atos n u n c a são passsados,
presentes ou futuros, senão somente quanto aos objetos e aos
efeitos p r o d u z i d o s na criatura. O propósito eficiente,
c o m p r e e n d e n d o o objeto, o tempo e todas as circunstâncias,
estava-Lhe presente sempre e sem m u d a n ç a ; o evento, p o r é m ,
sucedendo no tempo, é assim passado, presente ou f u t u r o para
nós.

31. Em que sentido é que os eventos são futuros ou passados


para Deus?
Sendo infinito o c o n h e c i m e n t o de Deus, segue-se, 1°. que
todos os eventos estão sempre igualmente presentes ao Seu
conhecimento, e desde toda a eternidade para toda a eternidade;
mas, 2 o . esses eventos L h e são conhecidos como r e a l m e n t e
sucedem, e.g., em S u a natureza e em Suas relações e sucessões
verdadeiras. E, pois, real e verdadeira esta d i s t i n ç ã o - o
c o n h e c i m e n t o que D e u s tem dos eventos é sem princípio, fim
ou sucessão; não o b s t a n t e , Ele os conhece assim como são em
si, sucedendo-se no t e m p o como passados, presentes ou futuros,
em sua relação entre si.

190
Atributos de Deus

A IMUTABILIDADE DE DEUS

32. Que é que se entende por imutabilidade de Deus?


Por Sua imutabilidade e n t e n d e m o s que é conseqüência
da perfeição infinita de D e u s ; que Ele não pode ser m u d a d o
por coisa alguma fora dEle, e que não mudará por causa de
n e n h u m princípio que haja nEle; que, quanto à Sua essência,
à Sua vontade e aos Seus modos de existência, Ele é sempre,
de eternidade a eternidade, o mesmo. Assim, é absolutamente
imutável em Si mesmo. E é imutável t a m b é m em relação às
Suas criaturas, pois no Seu c o n h e c i m e n t o , no Seu propósito e
na Sua verdade, como nós os concebemos e nos são revelados,
não há m u d a n ç a n e m sombra alguma de variação. - Tia. 1:17.

33. Como se prova pelas Escrituras e pela razão que Deus é


imutável?
I o . Pelas Escrituras: Mal.3:6; Sal.33:11; Is. 46:10; Tia. 1:17.
2 o . Pela razão: (1) D e u s é auto-existente. C o m o não é
causado p o r nada e é a causa de tudo, não pode ser m u d a d o
/

por nada, porém m u d a tudo. (2) E o Ser absoluto. N e m a Sua


e x i s t ê n c i a , n e m o m o d o dela, n e m a Sua v o n t a d e , são
d e t e r m i n a d o s p o r n e n h u m a r e l a ç ã o n e c e s s á r i a q u e eles
s u s t e n h a m c o m coisa alguma fora dEle. Assim c o m o Ele
precedeu t u d o e causou tudo, assim t a m b é m a Sua vontade
soberana d e t e r m i n o u livremente as relações que Ele p e r m i t e
que essas coisas t e n h a m com Ele. (3) E infinito em duração, e
/

por isso não pode sofrer variação ou mudança. (4) E infinito


em todas as Suas perfeições, em c o n h e c i m e n t o , sabedoria,
retidão, benevolência, vontade, poder, e por isso não pode
m u d a r , porque ao infinito nada se pode acrescentar e dele nada
se p o d e tirar. Qualquer m u d a n ç a O tornaria ou m e n o s do que
i n f i n i t o antes, ou m e n o s do que infinito depois.

34. Como conciliar com a imutabilidade de Deus a criação do


mundo e a encarnação do Filho? • .•/. vc;

191
Capítulo 8

I o . Q u a n t o à criação. O propósito eficaz, a determinação e


o p o d e r de criar o m u n d o r e s i d i r a m em D e u s d e s d e a
eternidade, mas esse m e s m o propósito eficaz era o de produzir
efeito no tempo e na ordem apropriados. O efeito foi produzido
por Deus, porém isso não implica nem sombra de m u d a n ç a
em Deus, pois nada L h e foi tirado nem acrescentado.
2 o . Q u a n t o à encarnação. O Filho divino assumiu, n u m a
u n i ã o pessoal conSigo, u m a natureza h u m a n a criada. Sua
essência incriada não sofreu m u d a n ç a alguma. Sua Pessoa
eterna não m u d o u , mas só e n t r o u n u m a nova relação. A
m u d a n ç a efetuada por esse evento estupendo ocorreu somente
na natureza criada do h o m e m Jesus Cristo.

A INTELIGÊNCIA INFINITA DE DEUS

35. Em que aspectos o modo de conhecer de Deus difere do


nosso?
O conhecimento de Deus é, I o . Sua essência conhecendo;
o
2 . Um só ato eterno, totalmente compreensivo e indivisível.
(1) Não é discursivo, isto é, não procede logicamente do
conhecido para o desconhecido; e úmintuitivo, isto é, discerne
tudo diretamente à sua própria luz.
(2) E independente, isto.é, não depende de m o d o algum das
criaturas ou de suas ações, e sim unicamente da Sua própria
intuição infinita de todas as coisas possíveis à luz da Sua própria
razão, e de todas as coisas atuais e futuras à luz do Seu próprio
propósito eterno.
(3) E total e simultânaeo, não sucessivo. E um só ato
indivisível de intuição, vendo todas as coisas em si mesmas,
suas relações e sucessões, como sempre presentes.
(4) E perfeito e essencial, não relativo, isto é, Ele conhece
todas as coisas diretamente, em suas essências ocultas, enquanto
nós as conhecemos só por suas propriedades e em suas relações
com os nossos sentidos.
(5) Nós conhecemos imperfeitamente o presente e im-

192
Atributos de Deus

perfeitamente nos recordamos do passado, e n q u a n t o que do


f u t u r o nada sabemos. Deus, p o r é m , conhece p e r f e i t a m e n t e
todas as coisas presentes, passadas e f u t u r a s por um olhar
total, não sucessivo e totalmente compreensivo.

36. Como os teólogos definem esta perfeição divina?


Diz Turretino, Locus 3,2:12 - "A respeito do conhecimento
de Deus, deve-se, antes de tudo, tomar em consideração duas
coisas, a saber, o seu modo e o seu objeto. O modo do conheci-
m e n t o divino consiste em que D e u s conhece todas as coisas
perfeita, imutável, individual e distintamente, e assim
distingue-se o Seu c o n h e c i m e n t o daquele dos h o m e n s e dos
anjos. 1. Ele conhece todas as coisas perfeitamente, p o r q u e as
conhece por Si m e s m o ou por Sua própria essência, e não
pelos f e n ô m e n o s das coisas, c o m o as criaturas c o n h e c e m
objetos. 2. Ele conhece todas as coisas individualmente, porque
as conhece intuitivamente, por um ato direto de cognição, e
não inferencialmente, por meio de um processo de raciocínio
discursivo, ou pela comparação de u m a coisa com outra. 3.
Ele conhece todas as coisas distintamente, isto é, não r e ú n e os
diversos predicados das coisas por meio de u m a concepção
diferente, mas vê através de todas as coisas por um só ato m u i t o
distinto de intuição, e nada, n e m a m e n o r coisa, L h e escapa.
4. Ele conhece todas as coisas imutavelmente, p o r q u e nEle não
há n e m sombra de m u d a n ç a , e, p e r m a n e c e n d o Ele m e s m o
imutável, muda todas as coisas, e percebe assim todas as diversas
mudanças das coisas, por um só ato imutável de cognição.

37. Como se pode classificar os objetos do conhecimento di-


vino?
I o . D e u s mesmo, em Seu próprio ser infinito. E evi-
dente que este, t r a n s c e n d e n d o a soma de todos os demais
objetos, é o ú n i c o objeto a d e q u a d o de um c o n h e c i m e n t o
realmente infinito.
2 o . Todos os objetos possíveis, quer existam ou t e n h a m

193
Capítulo 8

existido, quer não existam e n u n c a v e n h a m a existir, vistos à


luz da Sua própria razão infinita.
3 o . Todas as coisas reais que já existiram, existem agora,
ou virão a existir, Ele compreende n u m só ato eterno e simul-
tânaeo de conhecimento, como atualidades sempre presentes
a Ele, e conhecidos como tais à luz de Seu próprio propósito
soberano e eterno.

38. Qual a designação técnica do conhecimento de coisas


possíveis, e qual a base desse conhecimento?
Sua designação técnica éscientia simplicis intelligentice, isto
é, conhecimento de simples inteligência, chamado assim porque o
concebemos como simplesmente um ato da inteligência divina,
sem que concorra um ato da vontade divina. Pela mesma razão
tem sido c h a m a d o scientia necessaria, isto é, não voluntária, ou
não determinada pela vontade. A base desse c o n h e c i m e n t o é o
conhecimento essencial e infinitamente perfeito que Deus tem
da Sua própria onipotência.

39. Qual a designação técnica do conhecimento das coisas reais,


passadas ou presentes ou futuras, e qual a base desse conhecimento?
E c h a m a d o scientia visionis, ou seja, conhecimento de vista, e
scientia libera, quer dizer, conhecimento livre, p o r q u e neste caso
e n t e n d e m o s que a Sua inteligência é determinada por um ato
concorrente da Sua vontade. A base desse c o n h e c i m e n t o é o
conhecimento infinito que Deus tem do Seu propósito eterno,
todo ele - compreensivo e imutável.

40. Como se prova que o conhecimento de Deus estende-se a


eventos futuros que são contingentes?
Para nós os homens os eventos contingentes o são por dois
m o t i v o s : I o . Suas causas i m e d i a t a s p o d e m ser p a r a nós
indeterminadas, como no caso do lançamento de dados; 2 o .
Suas causas imediatas podem consistir na volição de um agente
livre. Mas, para Deus, os eventos da primeira destas duas classes

194
Atributos de Deus

não são, de m o d o algum, contingentes; e os da segunda Ele


"preconhece" como contingentes quanto à causa, todavia n e m
p o r isso com m e n o r certeza dc que v e n h a m a suceder.
Q u e Ele preconhece todos os esses eventos é certo -
I o . Porque as Escrituras o afirmam -1 Sam. 23:11,12; Atos
2:23; 15:18; Is. 46:9,10. - •
2 o . Muitas vezes Ele predisse eventos contingentes futuros,
e as profecias c u m p r i r a m - s e - Mar. 14:30.
3 o . D e u s é infinito em todas as Suas perfeições; por isso o
Seu c o n h e c i m e n t o deve ser (1) perfeito, e p o d e c o m p r e e n d e r
todas as coisas futuras como também passadas; (2) independente
das criaturas. Ele conhece todas as coisas em si m e s m a s à Sua
própria luz, e de maneira n e n h u m a d e p e n d e da v o n t a d e de
qualquer criatura tornar o c o n h e c i m e n t o de D e u s mais certo
ou mais completo.

41. Como se pode conciliar a certeza da presciência de Deus


com a liberdade dos agentes móveis?
Note-se, primeiro, a dificuldade que aqui se apresenta: a
presciência de Deus é certa; por conseguinte, um evento, um
ato, previsto, é com certeza f u t u r o ; mas, se é certo que é futuro,
isto é, se é certo que se há de praticar o ato, como pode ser livre
o agente q u a n d o o pratica?
Para evitar esta dificuldade, alguns teólogos negam a
realidade da liberdade do h o m e m , e outros afirmam que, sendo
livre o conhecimento de Deus, Ele Se abstém voluntariamente
de conhecer aquilo que vão fazer as Suas criaturas dotadas de
liberdade.
Observamos sobre isso -
I o . Q u e D e u s preconhece com certeza todos os eventos
futuros, e que o h o m e m é livre, são dois fatos estabelecidos
inabalavelmente sobre provas independentes. E necessário,
pois, que os aceitemos como verdades, tanto um como o outro,
quer nos seja possível conciliá-los, quer não.
2 o . E m b o r a a n e c e s s i d a d e seja i n c o n c i l i á v e l c o m a

195
Capítulo 8

liberdade, a certeza moral não o é, como será d e m o n s t r a d o


detalhadamente no Cap.15, Perg. 25. .> • ;

42. Que é scientia media?


Esta é a designação técnica do c o n h e c i m e n t o que D e u s
tem dos eventos contingentes futuros, e que, segundo supõem
os autores desta distinção, não depende do propósito eterno de
D e u s tornando certo o evento, e sim do livre ato da criatura
/

previsto por Deus mediante u m a intuição especial. E chamada


scientia media por supor-se que ocupa lugar intermediário en-
tre a scientia simplicis intelligentice e a scientia visionis. Difere da
primeira em não ter por objeto todas as coisas possíveis, e sim
u m a classe especial de coisas realmente futuras. E difere da J
segunda em não ter sua base no propósito eterno de Deus, e •
sim na ação livre das criaturas, simplesmente prevista.

.. 43. Por quem foi introduzida essa distinção, e com que fim?
Pelo jesuíta L u i z Molina, que nasceu em 1535 e faleceu
em 1601, e foi professor de teologia na Universidade de Évora,
Portugal, em sua obra intituladaLiberi arbitrii cum gratia donis, j
divina prescientia, preedestinatione et reprobatione concordia* Foi •
excogitada com o f i m dc explicar c o m o D e u s podia pre-
conhecer com certeza o que as Suas criaturas livres fariam na |
ausência de qualquer preordenação soberana da parte dEle, j
d e t e r m i n a n d o as suas ações; fazendo assim a preordenação i
divina dos h o m e n s para a felicidade ou para a infelicidade ?
d e p e n d e r da presciência divina da fé e da obediência dos
homens, e negando que a presciência dc Deus dependa da Sua
preordenação soberana.

44. Quais os argumentos contra a validade dessa distinção?


I o . Os argumentos em que se baseia essa distinção são
insustentáveis. Seus defensores alegam - (1) As Escrituras -

* Harmonia do livre-arbítrio com o dom da graça, a presciência divina, a


predestinação e a reprovação. Em latim no original. Nota de Odayr Olivetti.

196
Atributos de Deus

1 Sam. 23:9-12; Mat. 11:22,23. (2) Q u e essa distinção é obvia-


m e n t e necessária para tornar o m o d o da presciência de D e u s
conciliável com a liberdade do h o m e m .
Ao p r i m e i r o a r g u m e n t o r e s p o n d e m o s q u e os eventos
m e n c i o n a d o s nas passsagens supracitadas das Escrituras não
eram futuros. E n s i n a m simplesmente que Deus, c o n h e c e n d o
todas as causas, tanto as livres como as necessárias, sabe o que
qualquer criatura fará em quaisquer condições. M e s m o nós
sabemos que se p u s e r m o s fogo à pólvora, seguir-se-á u m a
explosão. Este c o n h e c i m e n t o pertence, pois, à primeira classe
das citadas acima (Perg. 38), ou seja, ao conhecimento de todas
as coisas possíveis. Ao segundo argumento respondemos que
a presciência certa de Deus envolve tanto a certeza do f u t u r o
ato livre da criatura como o envolve a Sua preordenação; e que
a preordenação soberana de Deus, com respeito aos atos livres
dos h o m e n s , só torna certamente futuros esses atos, e de m o d o
algum d e t e r m i n a que sejam praticados, a não ser pela livre
vontade da criatura agindo livremente.
2 o . Essa scientia media é desnecessária, porque todos os
objetos possíveis do conhecimento, todas as coisas possíveis, e
todas as coisas que realmente hão de ser.\ já foram compreendidas
nas duas classes já citadas (Pergs. 38, 39).
3 o . Se D e u s preconhece com certeza qualquer evento fu-
turo, então é com certeza f u t u r o , e Ele o preconheceu como
f u t u r o com certeza, ou porque já era certo anteriormente, ou
p o r q u e a Sua presciência o tornou certo. Se a Sua presciência
o t o r n o u certo, então a presciência envolve a preordenação. Se
já era certo anteriormente, então gostaríamos de saber o que
foi que o podia tornar certo, se não foi o decreto de Deus
d e t e r m i n a n d o u m a de três coisas. (1) Será que D e u s m e s m o
causaria o evento imediatamente? (2) Será que o causaria por
meio de alguma segunda causa necessária? (3) Será que algum
agente livre o causaria livremente? Só temos a escolha entre a
preordenação de Deus e u m a fatalidade cega.
4 o . Esta teoria faz o c o n h e c i m e n t o de Deus depender dos

197
1
Capítulo 8

atos de Suas criaturas fora dEle. Isso é, ao m e s m o t e m p o ,


absurdo e ímpio, p o r q u e Deus é infinito, eterno e absoluto.
5 o . As Escrituras ensinam que D e u s não só preconhece,
mas t a m b é m preordena os atos livres dos homens. Is. 10:5-15;
Atos 2:23; 4:27,28.

45. Qual a diferença entre sabedoria e conhecimento, e em que


é que consiste a sabedoria de Deus?
Conhecimento é o simples ato da inteligência apreendendo
o que uma coisa é, e compreendendo sua natureza e suas relações
ou como é.
Sabedoria pressupõe conhecimento, e é o uso prático que
a inteligência, determinada pela vontade, faz do material do
conhecimento. A sabedoria de Deus é infinita e eterna. A
concepção que fazemos dela é que Ele escolhe o fim, o mais
exaltado possível - a manifestação da Sua própria glória - e
que escolhe e dirige, em todas as Suas operações, os melhores
m e i o s possíveis p a r a c o n s e g u i r esse f i m . Sua s a b e d o r i a
manifesta-se-nos de um modo glorioso nos grandes teatros da
criação, da providência e da graça.

O P O D E R I N F I N I T O DE DEUS

46. O que se entende pela onipotência de Deus?


Poder é a eficiência que, em virtude de uma lei essencial
do pensar, reconhecemos como inerente a uma causa em relação
ao seu efeito. Deus é a causa primária não causada, e a eficiência
causal da Sua vontade é absolutamente não limitada por coisa
alguma fora das próprias perfeições divinas.

47. Que distinção se faz entre a potestas absoluta e a potestas


ordinata de Deus? ,
As Escrituras e a razão ensinam-nos que a eficiência causal
de Deus não está limitada ao universo de causas secundárias e
às suas propriedades ativas e às Suas leis. A frase potestas

198
Atributos de Deus

absoluta exprime a onipotência de D e u s considerada absoluta-


m e n t e em si mesma - e especificamente essa reserva infinira
de poder que permanece nEle como um livre atributo pessoal,
acima e além de todas as forças da natureza e Suas ordinárias
operações providenciais sobre elas e por meio delas. Criação,
milagres, etc., são operações deste poder de Deus. A potestas
ordinata, p o r é m , é o poder de D e u s que Ele exerce no sistema
estabelecido de causas secundárias no curso o r d i n á r i o da
Providência, e por meio desse sistema. Os racionalistas e os
defensores do mero naturalismo, que negam os milagres e toda
i n t e r f e r ê n c i a divina no sistema estabelecido da n a t u r e z a ,
n a t u r a l m e n t e a d m i t e m só esta segunda, e negam a p r i m e i r a
f o r m a do poder divino. ' ' " •' ••

48. Em que sentido o poder de Deus é limitado, e em que sentido


não o é?
Q u a n t o à nossa eficiência causal, estamos cônscios: I o . De
que é m u i t o limitada. Temos poder direto só sobre o curso de
nossos pensamentos e a contração de uns poucos músculos.
2 o . De que dependemos do uso de meios para p r o d u z i r m o s os
efeitos desejados. 3 o . De que dependemos de circunstâncias
exteriores que nos l i m i t a m sempre e sempre nos i m p õ e m
restrições.
O poder inerente na vontade divina, porém, pode produzir
quaisquer efeitos que Ele deseje i m e d i a t a m e n t e , e q u a n d o
condescende em empregar meios, dá-lhes livremente a eficácia
que nesse caso d e m o n s t r a m possuir. Todas as circunstâncias
exteriores, sejam quais forem, são criação dEle, e d e p e n d e m
da Sua vontade, e por isso não p o d e m limitá-lO de n e n h u m
m o d o . D e u s não é limitado de n e n h u m m o d o que seja no
exercício do Seu poder. Ele não pode cometer pecado, n e m
produzir contradições, porque o Seu poder é a eficiência causal
de u m a essência i n f i n i t a m e n t e racional e reta. Por isso o Seu
poder só é limitado por Suas próprias perfeições.
49. A distinção que existe entre o nosso poder e a nossa vontade

199
Capítulo 8

seria uma perfeição ou um defeito? E ela existe em Deus?


Objeta-se que, se o nosso poder fosse igual aos nossos
desígnios, e se cada volição tivesse como resultado imediato a
obra desejada, não estaríamos cônscios de n e n h u m a diferença
entre o poder e a vontade. A d m i t i m o s que é um defeito no
h o m e m quando seu poder não está comensurado à sua vonta-
de, e que este nunca é o caso com Deus. Por outro lado, porém,
q u a n d o um h o m e m está cônscio de possuir forças que podia
empregar, mas não quer empregar, está cônscio de que isto é
uma excelência, e de que a sua natureza está mais perfeita por
possuir essa reserva de forças, do que estaria se não a possuísse.
Dizer-se, pois, que o poder não se estende além da Sua vontade
de exercê-lo, que não há em Deus nada que não exerça, é o
m e s m o que dizer que Ele não é maior do que a Sua criação.
Os atos de um grande h o m e m nos i m p r e s s i o n a m ,
principalmente quando olhados como os indícios de forças
m u i t o maiores que ele guarda, em reserva. Assim é com D e u s
também.

50. Como se pode provar que a Deus pertence a onipotência


absoluta?
1°. As Escrituras o a f i r m a m - J e r . 32:17; Mat. 19:26; Luc.
1:37; Apoc. 19:6.
2 o . Esta verdade está envolvida na própria idéia de Deus,
como um Ser infinito.
3 o . E m b o r a tenhamos visto apenas parte dos Seus caminhos
(Jó 26:14), a nossa experiência estendendo-se, cada vez mais,
nos está revelando, c o n s t a n t e m e n t e , provas novas e m a i s
estupendas do Seu poder, que indicam sempre u m a reserva
inexaurível.

A V O N T A D E DE D E U S

51. Que é que se entende pela vontade de Deus?


A vontade de D e u s é a essência infinita e e t e r n a m e n t e

200
Atributos de Deus

sábia, poderosa e reta de D e u s exercendo o Seu querer. Em


nossa concepção dela é aquele atributo da D e i d a d e ao qual
referimos os Seus propósitos e decretos, como seu princípio.

52. Em que sentido se diz que a vontade de Deus é livre, e em


que sentido se diz que é necessária?
A vontade de Deus é a essência sábia, poderosa e reta de
D e u s exercendo o Seu querer. Por conseguinte, Sua vontade,
em todos os Seus atos, é certa e, ao m e s m o t e m p o , m u i t o
/

livremente, tanto sábia quanto reta. E evidente que a liberdade


da indiferença está alheia à natureza de Deus porque a perfeição
da sabedoria consiste em escolher, do m o d o mais sábio; e a
perfeição da retidão consiste em escolher do m o d o mais reto.
Por outro lado, porém, a vontade de Deus é, desde toda a
eternidade, i n d e p e n d e n t e de todas as Suas criaturas e de todos
os Seus atos.

53.Que se entende pela distinção entre a vontade decretatória


e a vontade preceptiva de Deus?
Pela vontade decretatória D e u s detemina eficazmente a
futurição certa dos eventos. Pela Sua vontade preceptiva, Deus
como Governador moral ordena às Suas criaturas morais que
façam aquilo que Ele julga b o m e sábio que elas façam nas
circunstâncias em que se achem.
Nisso não há nada que seja inconciliável. Aquilo que Ele
quer como nosso dever pode ser b e m diverso daquilo que Ele
quer como Seu propósito. Aquilo que Ele p e r m i t e pode estar
b e m longe de ser aprovado por Ele, e pode m u i t o b e m ser
pecado se o fizermos.

54. Que se entende pela distinção entre a vontade secreta e a


vontade revelada de Deus?
A vontade secreta de D e u s é Sua vontade decretatória,
chamada secreta porque, embora seja às vezes revelada aos
h o m e n s nas profecias e nas promessas da Bíblia, na sua

201
Capítulo 8

maior parte nos fica oculta.


A vontade claramente revelada de D e u s é Sua vontade
preceptiva, que nos é revelada sempre como a regra do nosso
dever - Deut. 29:29.

55. Em que sentido os arminianos mantêm a distinção entre a


vontade antecedente e a vontade conseqüente de Deus, e quais as
objeções contra essa distinção?
E uma distinção inventada pelos escolásticos, e adotada
pelos arminianos, na tentativa de conciliar a vontade de D e u s
com a teoria deles sobre a liberdade do h o m e m .
C h a m a m ato antecedente da vontade de Deus aquilo que
precede à ação da criatura; e.g., antes de Adão pecar, D e u s
queria que ele fosse feliz. C h a m a m ato conseqüente da vontade
de Deus aquilo que se segue ao ato da criatura, e que é a
conseqüência desse ato; e.g., depois do pecado de Adão, D e u s
queria que ele sofresse a pena devida ao seu pecado.

E e v i d e n t e que essa d i s t i n ç ã o não r e p r e s e n t a verda-
deiramente a natureza da vontade de Deus e Sua relação com
os atos de Suas criaturas. I o . Deus é eterno, e p o r isso não
pode haver nos Seus propósitos distinção de t e m p o ; 2 o . D e u s
é e t e r n a m e n t e onisciente e o n i p o t e n t e . Se, pois, Ele quer
alguma coisa, quer necessariamente desde o princípio os meios
de efetuá-la, e consegue assim o fim desejado. Se não fosse
assim, Deus teria ao mesmo tempo e em relação ao m e s m o
objeto, duas vontades inconciliáveis. A verdade é que Deus,
por um só ato compreensivo da Sua vontade, determinou eterna
e i m u t a v e l m e n t e que t u d o o que sucedeu c o m A d ã o , do
princípio ao fim, sucedesse nessa mesma ordem e sucessão em
que cada evento ocorreu. 3 o . Deus é i n f i n i t a m e n t e indepen-
dente. Aviltamos a Deus se pensarmos nEle como alguém
que determina aquilo que Ele não tem poder para efetuar,
e depois m u d a de v o n t a d e em c o n s e q ü ê n c i a dos atos
independentes das Suas criaturas.
/
E verdade que, em conseqüência dos limites naturais das

202
Atributos de Deus

nossas capacidades, c o n c e b e m o s as diversas i n t e n ç õ e s do


propósito único, eterno e indivisível de Deus, c o m o se susten-
tassem entre si u m a certa relação lógica, não temporal, c o m o
algo principal e conseqüente. F o r m a m o s , assim, a concepção
de que D e u s p r i m e i r o , na o r d e m lógica, d e c r e t o u ou
d e t e r m i n o u criar o h o m e m e depois p e r m i t i r que ele caísse, e
a seguir preparar u m a redenção - Turretino.

56. Em que sentido os arminianos mantêm a distinção entre a


vontade absoluta e a vontade condicional de Deus, e quais as objeções
contra ela?
Segundo eles, a vontade absoluta de D e u s é a que não
d e p e n d e de n e n h u m a condição fora dEle,e.g., a determinação
de criar o h o m e m . Sua vontade condicional é a que d e p e n d e
de alguma condição, e.g., Sua determinação de salvar os que
crêem, isto é, sob a condição da fé deles.
É e v i d e n t e que essa d i s t i n ç ã o é i n c o n c i l i á v e l c o m a
n a t u r e z a d e D e u s c o m o u m Ser e t e r n o , a u t o - e x i s t e n t e ,
independente, infinito em todas as Suas perfeições. Avilta-O a
posição segundo a qual a Sua vontade é s i m p l e s m e n t e parte
coordenada da criação, limitando a criatura e sendo por esta
limitada. O erro é o resultado de destacar um f r a g m e n t o da
vontade de Deus do propósito único, inteiro, e absolutamente
compreensivo, eterno. É evidente que, q u a n d o considerado
como eterno e um só, o propósito de D e u s deve incluir tanto
as condições todas como as suas conseqüências. A vontade de
D e u s não depende de n e n h u m a condição, mas Ele determina
e t e r n a m e n t e o evento como d e p e n d e n t e da sua condição, e a
condição como d e t e r m i n a n d o o evento.
Todos a d m i t e m q u e a v o n t a d e p r e c e p t i v a d e D e u s ,
expressa em m a n d a m e n t o s , promessas e ameaças, d e p e n d e
muitas vezes de condições. Se crermos, seremos com toda a
certeza salvos. Esta é a relação estabelecida i m u t a v e l m e n t e
entre a fé, como a condição, e a salvação, como conseqüência,
isto é, a fé é a condição da salvação. Mas isso é coisa m u i t o

203
Capítulo 8

diversa do q u e dizer q u e a fé q u e P a u l o t i n h a foi a c o n d i ç ã o do


propósito eterno de D e u s de salvá-lo; p o r q u e o m e s m o
p r o p ó s i t o d e t e r m i n o u t a n t o a fé, a condição, c o m o a salvação,
a sua c o n s e q ü ê n c i a . Veja algo m a i s no Cap. 10, s o b r e os
decretos.

57. Em que sentido se diz que a vontade de Deus é eterna?


E um só ato eterno, não sucessivo, t o t a l m e n t e c o m p r e e n -
sivo, d e t e r m i n a n d o absolutamente ou efetuar ou p e r m i t i r todas
as coisas, em todas as suas relações, condições e sucessões, que
s u c e d e r a m , s u c e d e m e virão a suceder.

58. Em que sentido se pode dizer que a vontade de Deus é a


regra de retidão?
E e v i d e n t e que, no s e n t i d o m a i s elevado, a respeito da
v o n t a d e de D e u s , não se p o d e c o n s i d e r a r essa v o n t a d e c o m o a
base f u n d a m e n t a l de toda a retidão, c o m o i g u a l m e n t e não se
p o d e considerar como a base f u n d a m e n t a l de toda a sabedoria.
P o r q u e , nesse caso, seguir-se-ia, I o . que não há d i f e r e n ç a
essencial entre o bem e o mal p r o p r i a m e n t e ditos, mas s o m e n t e
uma diferença constituída arbitrariamente pelo próprio Deus;*
e 2 o . q u e n ã o há n e n h u m s e n t i d o em que se possa a t r i b u i r
retidão a D e u s ; p o r q u e seria o m e s m o que dizer q u e Ele q u e r
c o m o quer. A v e r d a d e é que a Sua v o n t a d e opera c o n f o r m e a
Sua sabedoria i n f i n i t a m e n t e reta vê estar correto.
Por o u t r o lado, p o r é m , a v o n t a d e revelada de D e u s é para
nós a regra absoluta e p r i n c i p a l da retidão, t a n t o q u a n d o nos
m a n d a fazer o que em si m e s m o é i n d i f e r e n t e , e assim o torna
reto, c o m o q u a n d o nos m a n d a fazer o que em si m e s m o e
e s s e n c i a l m e n t e é reto, p o r q u e é reto.

' 'V. O •

* Veja Charles Hodge, Systematic Theology, Cap. 5, § 9s., pág. 405. Nota do
tradutor.

204
Atributos de Deus

A J U S T I Ç A A B S O L U T A DE D E U S ^"r„-
v ' *í £
59. Que se entende pelas distinções de justiça absoluta e justiça
relativa, rectoral, distributiva e punitiva ou vingadora de Deus?
A justiça absoluta de Deus é a infinita perfeição moral ou
retidão universal do Seu próprio Ser.
A justiça relativa de Deus é a Sua natureza i n f i n i t a m e n t e
reta, considerada como se manifesta em relação a Suas criaturas
morais, como Seu Governador moral.
A justiça de Deus é chamada rectoral q u a n d o considerada
como se manifesta na administração geral do Seu governo
universal pelo qual Ele cuida das Suas criaturas e governa as
'

suas ações. E chamada distributiva q u a n d o considerada como


se manifesta na ação de Deus pela qual Ele dá a cada criatura
exatamente aquilo que lhe é devido, como p r ê m i o ou como
pena; e é chamada punitiva ou vingadora quando considerada
como se manifesta nos atos de exigir e infligir a pena adequada
e proporcional por todo pecado, por causa do seu demérito
intrínseco.

60. Quais as diversas opiniões a respeito da justiça punitiva de


Deus, isto é, quais os diversos motivos alegados para explicar por
que Deus pune o pecado?
Os socinianos negam inteiramente a justiça punitiva dc
D e u s e sustentam que Ele só p u n e o pecado pelo b e m do
pecador individual, e pelo b e m da sociedade, u n i c a m e n t e até
o n d e esta possa estar i n t e r e s s a d a n o r e f r e a m e n t o o u n o
m e l h o r a m e n t o do pecador. Os teólogos que sustentam a teoria
governamental da propiciação (ou da expiação), sustentam que
D e u s não p u n e o pecado por causa de qualquer p r i n c í p i o
imutável que haja em Si m e s m o e que exija a punição dEle,
mas simplesmente pelo b e m do universo, com base em certos
g r a n d e s p r i n c í p i o s i m u t á v e i s d e política g o v e r n a m e n t a l .
Reduzem assim a justiça a u m a forma de benevolência geral.
Leibnitz afirmava que "a justiça é a b o n d a d e dirigida pela

205
Capítulo 8

sabedoria". Este princípio pressupõe que a felicidade é o maior


b e m ; que a essência da virtude consiste no desejo de promover
a felicidade, e que, por conseguinte, o único fim da justiça
pode ser a prevenção da miséria. Este é o f u n d a m e n t o da teoria
governamental da propiciação. Veja Cap. 25. T a m b é m Park,
Atonement (Expiação).
Alguns afirmam que a necessidade de punição do pecado
é somente hipotética, isto é, que é tão-somente um resultado
do decreto eterno de Deus.
A verdade é que a própria retidão eterna e essencial de
D e u s determina que Ele imutavelmente castigue todo pecado
com u m a pena proporcional.

61. Como se prova que a benevolência desinteressada não


constitui a totalidade da virtude?
I o . Algumas manifestações de benevolência desinteres-
sada, e.g., o amor natural paterno, são p u r a m e n t e instintivas, e
nada têm de caráter moral positivo.
2 o . Algumas manifestações de benevolência desinteres-
sada são positivamente imorais, como, e.g., q u a n d o um juiz
cede à sua s i m p a t i a para com um c r i m i n o s o , ou cede às
instâncias dos amigos deste.
3 o . Há princípios virtuosos que não se pode reduzir a
benevolência desinteressada, como, e.g., possuirmos na devida
consideração prudencial o nosso próprio b e m ; termos
aspirações e empregarmos esforços para alcançar excelência
pessoal; termos um santo ódio ao pecado por causa do próprio
pecado, e o santo desejo de ver o pecado p u n i d o para que fique
vindicada a justiça.
4 o . A idéia de dever é a idéia essencial constitutiva da
virtude. N e n h u m a análise possível da idéia de benevolência
dará como resultado a idéia de obrigação moral. Esta é simples,
irredutível, nítida. O dever é o gênero, e a benevolência é u m a
das espécies que ele abrange.

206
Atributos de Deus

62. Quais as provas derivadas dos princípios universais da


natureza humana que mostram que a justiça de Deus não pode deixar
de ser um princípio fundamental e imutável da Sua natureza,
determinando-o a castigar o pecado por causa do demérito intrínseco
deste?
A obrigação que todo governador justo tem de castigar o
pecado, o demérito intrínseco do pecado, e o princípio de que
o pecado deve ser punido, são fatos determinantes da consciência
moral. Não podem ser reduzidos a outros princípios, quaisquer
que sejam. Prova-se isso -
I o . Porque estão envolvidos na consciência do seu próprio
demérito que tem todo pecador despertado - "...fiz o que a
teus olhos parece mal, para que sejas justificado q u a n d o falares,
e p u r o quando julgares" (Sal. 51: 4.) No seu grau superior, este
s e n t i m e n t o vem a ser o remorso, e este só pode ser apaziguado
por uma expiação. Por isso é que muitos assassinos não tiveram
paz enquanto não se entregaram às autoridades, sentindo então
alívio i m e d i a t o . E m i l h õ e s de a l m a s t ê m a c h a d o paz na
aplicação do sangue de Cristo a suas consciências perturbadas.
2 o . Todos os homens julgam assim os pecados dos outros.
As consciências de todos os h o m e n s bons são gratificadas
q u a n d o a pena justa caiu sobre o ofensor, e tais h o m e n s ficam
irados q u a n d o ele escapa. -
3 o . Esse p r i n c í p i o é t e s t e m u n h a d o p o r todos os ritos
sacrificiais c o m u n s a todas as religiões antigas, pelas peni-
tências que, n u m a ou noutra forma, são quase universais ainda
n o s t e m p o s m o d e r n o s , p o r t o d a s as leis p e n a i s , e p e l o s
sinônimos das palavras culpa, castigo, justiça, etc., c o m u n s a
todos os idiomas.
4 o . E auto-evidente que a aplicação de um castigo injusto
é um crime, não importa quão benévolo seja o motivo que o
inspirou, nem quão bom seja o resultado que o segue. E não é
m e n o s auto-evidente que é a justiça de um castigo merecido
que torna b o m o seu efeito na sociedade, e não é este efeito que
torna justo o castigo. A execução da pena capital n u m h o m e m

207
Capítulo 8

pelo bem da sociedade será um crime, um grave erro, a não


ser que essa execução seja justificada pelo demérito do h o m e m .
Nesse caso seu demérito será visto por toda a sociedade como
o motivo real da sua execução.

63. Como se prova a mesma verdade pela natureza da lei


divina?
Grotio, em sua g r a n d e obra, Defensio Fidei Catholicce de
Satisfactione Christi (Defesa da Fé Católica sobre a Satisfação
Realizada por Cristo), na qual se origina a Teoria Governa-
mental da Propiciação, s u s t e n t a que a lei divina é produto da
vontade divina e que, por conseguinte, Deus pode abrandar
essa lei tanto nos seus e l e m e n t o s preceptivos como nos penais.
Mas a verdade é que (a) a p e n a é parte essencial da lei divina;
(b) a lei de Deus, quanto a todos os seus princípios essenciais
do certo e do errado, não é p r o d u t o da vontade divina, e sim
um transcrito imutável da natureza divina; (c) logo, a lei é
imutável e é necessário q u e se cumpra cada i dela.
Prova-se isso - I o . P o r q u e os princípios f u n d a m e n t a i s
têm necessariamente a sua base imutável na natureza divina,
ou (a) doutro modo a d i s t i n ç ã o entre o certo e o errado seria
puramente arbitrária - ao passo que são discernidos pelas
nossas intuições morais a s e r e m absolutos e independentes de
qualquer volição divina ou h u m a n a ; (b) doutro m o d o não
teriam sentido as palavras q u a n d o se diz que Deus é reto, se a
retidão fosse criação arbitrária da Sua vontade; (c) porque Deus
declara que unão pode m e n t i r " , que anãopode negar-se".
2 o . As Escrituras declaram que não é possível afrouxar a
lei, que é necessário que se cumpra - João 7:23; 10:35; Luc.
24:44; Mat. 5:25,26.
3°. As Escrituras declaram que Cristo veio c u m p r i r a lei,
e não afrouxá-la - Mat. 5:17,18; Rom. 3:31; 10;4.

64. Que argumento se pode tirar da independência e da abso-


luta auto-suficiência de Deus para provar que a justiça punitiva de

208
Atributos de Deus

Deus é atributo essencial da Sua natureza?


O conceito de que o Ser de Deus é obrigado pelas exigências
; exteriores da Sua criação a seguir qualquer curso de ação é
inconciliável com os Seus atributos essenciais. Existem nEle,
necessariamente, tanto o motivo dos Seus atos como os fins
que Ele tem em v i s t a - C o l . 1:16; Rom. 11:36; Ef. 1:5,6; Rom.
9 :22,23. Se Ele castiga o pecado p o r q u e assim o d e t e r m i n a m
os p r i n c í p i o s da Sua p r ó p r i a n a t u r e z a , Ele age i n d e p e n -
dentemente. Mas se recorre ao castigo somente c o m o o meio
necessário para refrear e governar as Suas criaturas, então os
, Seus atos dependem dos atos delas.

65. Como se pode provar a mesma verdade pelo amor que Deus
tem à santidade e pelo ódio que tem ao pecado?
Nas Escrituras o amor que Deus tem à santidade e o ódio
que t e m ao p e c a d o são r e p r e s e n t a d o s c o m o e s s e n c i a i s e
| intrínsecos nEle. Ele ama a santidade por amor dela própria, e
odeia o pecado e tem a determinação de castigá-lo por causa
do seu próprio demérito intrínseco. Ele odeia o pecado nos

[ maus todos os dias - Sal. 5:6; 7:11. "A m i m me pertence a


vingança, a retribuição, a seu tempo..." - D e u t . 32:35. Ele
retribui a cada um segundo as suas obras - Is. 59:18; 2 Tess.
I 1:6: "Se de fato é justo diante de Deus que dê em paga tribulação
aos que vos atribulam" - Rom. 1:32: "...conhecendo a justiça
de Deus que são dignos de m o r t e os que tais coisas praticam,
L não s o m e n t e as fazem, mas t a m b é m consentem aos que as
f a z e m " - D e u t . 7:5,6; 21:22.

66. Como se pode provar esta verdade pelo que as Escrituras


ensinam a respeito da natureza e da necessidade da propiciação de
('risto?
Q u a n t o à sua natureza as Escrituras ensinam que Cristo
sofreu a pena do pecado vicariamente como substituto do seu
povo eleito, e que assim expiou a sua culpa, reconciliou-o a
Deus e remiu as suas almas dando-Se a Si m e s m o como

209
Capítulo 8

o preço de remissão exigido em lugar deles. As E s c r i t u r a s em


toda p a r t e e de todos os m o d o s e n s i n a m q u e o d e s í g n i o da
m o r t e de Cristo foi p r o d u z i r sobre o G o v e r n a d o r do u n i v e r s o
m o r a l um efeito expiador do pecado, e n ã o p r o d u z i r , n e m no
coração do pecador, n e m na consciência m o r a l do u n i v e r s o
i n t e l i g e n t e , u m a i m p r e s s ã o m o r a l . Isso t u d o será p r o v a d o
d e t a l h a d a m e n t e nos capítulos 25 e 33.
Q u a n t o ànecessidade da propiciação as Escrituras e n s i n a m
q u e era a b s o l u t a . E n s i n a m q u e era necessário q u e C r i s t o
morresse ou, doutra f o r m a , os pecadores haveriam de perecer
- G á l . 2 : 2 1 ; 3:21. M a s a p r o p r i e d a d e de p r o d u z i r u m a
i m p r e s s ã o moral em cada p e c a d o r pessoalmente, ou no â n i m o
público do universo em geral, não pode ter como resultado u m a
necessidade absoluta da parte de D e u s - visto q u e D e u s , que
criou o universo e todos os seus m e m b r o s c o m p o n e n t e s , p o d i a
n a t u r a l m e n t e , se quisesse, p r o d u z i r neles impressões m o r a i s
de qualquer espécie, ou sem meios ou servindo-se de quaisquer
m e i o s que quisesse. U m a necessidade absoluta precisa estar
baseada na natureza imutável de D e u s , a qual é a base da sua
v o n t a d e em todos os seus atos, e a d e t e r m i n a . Logo, a n a t u r e z a
eterna de D e u s O obriga, i m u t a v e l m e n t e , a p u n i r todo pecado.

Politicai Science - " P r e s i d e n t T h e o d o r e D. Woolsey",


vol. 1, págs. 330-335.
"A teoria de que a correção é o fim principal do castigo
não resiste a exame. (1) O estado não é i n s t i t u i ç ã o
benévola (humane). (2) Essa teoria não faz distinção en-
tre os crimes. Se um assassino parecesse reformado ao
fim de uma semana, ter-se-iam conseguido os fins da sua
detenção e ele deveria ser solto; e n q u a n t o que o u t r o
o f e n s o r m u i t o m e n o s c u l p a d o p o d e r i a b e m ter q u e
p e r m a n e c e r preso d u r a n t e meses e anos antes q u e se
manifestasse nele a inoculação de bons princípios. (3)
Qual a espécie de correção que se deverá desejar conseguir?
Seria uma correção que dê segurança à sociedade da não
repetição do crime? Nesse caso é a sociedade, e não o

210
Atributos de Deus

criminoso, que tira proveito do processo corretivo. Ou


seria preciso que se procure conseguir uma transformação
radical, de modo que o criminoso deixe de ser egoísta e
cobiçoso, e que se despertem nele os princípios mais
excelsos e puros? Nesse caso será necessário transformar
a casa de correção em igreja para o ensino do evangelho.
"A explicação de que o Estado protege a sua própria
existência, ou os habitantes inocentes do país, infundindo
em seus súditos o terror e refreando-os de cometerem
crimes pelo medo do castigo, respondemos que, se bem
que este efeito é real e importante, ainda não está provado
*

que o estado tem o direito de fazê-lo. E necessário


pressupor o crime e que o criminoso merece castigo an-
tes que o senso moral aprove que lhe seja infligida uma
pena. E a medida da punição exigida pelo bem público na
ocasião flutua muito, e às vezes é até tirânica; além disso,
o simples terror, se não se desperta ao mesmo tempo o
sentimento de justiça, é tanto uma fonte de ódio quanto
motivo para a obediência.
"A teoria de que o estado, infligindo castigo ao malfeitor
só lhe dá o que ele merece, é a única que parece ter
fundamento sólido. Pressupõe que, desobedecendo-se a
alguma lei reta e justa, cometeu-se um mal moral, e que,
de acordo com uma particularidade que tem o apoio da
nossa natureza moral, convém que o malfeitor sofra algum
mal físico ou mental, e que em todas as formas de governo
exercido sobre criaturas morais deve haver um poder
capaz de decidir quanto de castigo deve seguir-se à prática
de certas e determinadas transgressões. O estado, como
Paulo diz, é realmente ministro de Deus, vingador em ira
contra aquele que procede mal (Rom. 13:4). Contudo,
somente o é n u m a esfera m u i t o limitada, e para fins
especiais... O Estado castiga atos, e não pensamentos;
intenções manifestando-se em atos, não sentimentos;
castiga as pessoas dentro de um certo território sobre o
qual tem jurisdição, e talvez aqueles seus súditos que
cometam crime noutra parte, e mais ninguém; castiga os
atos prejudiciais à sua própria existência e à comunidade

211
Capítulo 8

dos seus súditos; não castiga segundo uma escala exata de


merecimentos, porque, sem uma revelação divina, não
pode saber quais são os merecimentos dos indivíduos, nem
o que c a culpa relativa que os diversos atos provocam nas
diferentes pessoas." *

A BONDADE ABSOLUTA DE DEUS

67. Que distinções são indicadas pelos termos benevolência,


complacência, misericórdia e graça?
A b o n d a d e i n f i n i t a de D e u s é u m a perfeição gloriosa que
carateriza p r o e m i n e n t e m e n t e a Sua natureza, e que Ele, de um
m o d o i n f i n i t a m e n t e sábio, justo e soberano, exerce para com
as Suas criaturas de vários m o d o s s e g u n d o as suas relações e
condições.
Benevolência é a b o n d a d e de D e u s c o n s i d e r a d a generica-
m e n t e . E s t e n d e - s e a todas as suas criaturas, com exceção das
c o n d e n a d a s j u d i c i a l m e n t e p o r causa de seus pecados, e faz
provisão para o bem-estar delas.
A complacência é a afeição a p r o b a t ó r i a c o m q u e D e u s
aprecia as Suas p r ó p r i a s perfeições infinitas, e toda i m a g e m e
reflexão delas nas Suas criaturas, especialmente nos santificados
da nova criação.
A misericórdia de D e u s , cujas f o r m a s mais passivas são dó
e compaixão, é a b o n d a d e divina m a n i f e s t a d a com respeito à
miséria de Suas criaturas, sentindo-as e fazendo provisão para
o alívio delas, e, no caso dos pecadores i m p e n i t e n t e s , t r a t a n d o -
-os com paciência l o n g â n i m a .
A graça de D e u s é sua b o n d a d e p r o c u r a n d o c o m u n i c a r
seus favores e, s o b r e t u d o , a c o m u n h ã o da Sua p r ó p r i a vida e
felicidade, a Suas criaturas morais - as quais, como criaturas,
n e c e s s a r i a m e n t e n ã o têm n e n h u m m e r e c i m e n t o - e pro-
e m i n e n t e m e n t e Seu amor eletivo, obtendo, m e d i a n t e um preço

* Esta citação é a p r e s e n t a d a de f o r m a r e s u m i d a .

212
Atributos de Deus

i n f i n i t o , a f e l i c i d a d e deles, s e n d o que eles m e r e c e m


p o s i t i v a m e n t e o castigo d i v i n o , p o r serem c r i a t u r a s peca-
minosas.

68. Exponha a definição falsa da benevolência divina feita


freqüentemente, e demonstre a sua definição verdadeira.
Define-se muitas vezes a benevolência infinita de Deus
como aquele atributo em virtude do qual Ele comunica a todas
as Suas criaturas a maior soma possível de felicidade, isto é, a
maior medida que são capazes de receber, ou a m e d i d a que é
c o m p a t í v e l c o m a aquisição da m a i o r soma de f e l i c i d a d e
agregada ao universo moral.
Mas isso pressupõe que D e u s esrá limitado p o r alguma
coisa fora de Si; que não podia ter assegurado para as Suas
criaturas maior felicidade do que a de que realmente gozam.
Pressupõe t a m b é m que Deus considera a felicidade como b e m
superior à excelência moral.
A verdadeira definição da benevolência divina é que é
aquele atributo em virtude do qual Deus produz no universo
toda a felicidade compatível com os fins supremos que tinha
em vista na criação. Estes fins colocam-se nesta o r d e m : 1. A
manifestação da Sua própria glória. 2. A suprema excelência
moral dc Suas criaturas. 3. A suprema felicidade de Suas
criaturas racionais.

69. Quais as fontes do nosso conhecimento de que Deus é


benevolente?
I a . A razão. Benevolência é elemento essencial da perfeição
moral. D e u s é i n f i n i t a m e n t e perfeito, e por isso i n f i n i t a m e n t e
benévolo.
2 a . A experiência e a observação. A sabedoria de Deus
manifestada em idealizar, e Seu poder manifestado em executar
o Seu desígnio nas diversas esferas da criação, da providência
e da religião revelada, foram e v i d e n t e m e n t e d e t e r m i n a d a s
sempre por intenções benévolas.

213
Capítulo 8

3 a . As asserções diretas das Escrituras - Sal. 145:8,9;


1 João 4:8.

70. Como se pode provar que Deus é bondoso e está sempre


pronto a perdoar o pecado?
N e m a razão n e m a consciência p o d e m ensinar-nos que
Deus quer perdoar o pecado. E evidentemente dever dos
homens perdoar-se m u t u a m e n t e as ofensas que recebem, mas
o perdão do pecado como pecado não é da nossa alçada.
Parece claro que não pode haver p r i n c í p i o moral que
obrigue qualquer governador soberano a perdoar o pecado
como transgressão da lei. Tudo quanto a razão e a consciência
nos asseguram a esse respeito é que não pode haver perdão
do pecado sem u m a propiciação. A afeição bondosa que levasse
um g o v e r n a d o r a p r e p a r a r u m a propiciação seria, de sua
natureza essencial, perfeitamente livre e soberana, e só poderia
ser conhecida à medida que fosse bondosamente revelada. Por
isso o e v a n g e l h o é boas novas, c o n f i r m a d a s p o r s i n a i s e
maravilhas - Êx. 34:6,7; Ef. 1:7-9.

71. Quais são as diversas teorias inventadas na tentativa de


conciliar a existência do pecado com a bondade de Deus?
I a . Alguns a r g u m e n t a m que a ação livre é essencial a um
sistema moral, e que a independência absoluta da vontade é
essencial à ação livre; que, como objeto do poder, dirigir a vontade
de agentes livres não é superior a operar contradições; e que
por isso Deus, embora onipotente, não poderia i m p e d i r que o
pecado e n t r a s s e n u m sistema m o r a l , sem que violasse a
natureza desse sistema.
2 a . O u t r o s a r g u m e n t a m que D e u s , em sua s a b e d o r i a
infinita, permitiu que o pecado entrasse por ser isso um meio
necessário para promover a maior soma possível de felicidade
no universo como um todo.
Sobre essas teorias dizemos:
I o . Q u e a p r i m e i r a tem por base u m a falsa idéia das

214
Atributos de Deus

condições da liberdade e da responsabilidade h u m a n a s (veja


abaixo, Cap. 15); e mais, que limita de um m o d o i n d i g n o o
poder de Deus, representando-O como querendo e procurando
fazer o q u e n ã o consegue efetuar, e t a m b é m q u e O t o r n a
d e p e n d e n t e das suas criaturas.
2 o . Q u a n t o à segunda teoria acima, devemos estar s e m p r e
lembrados de que a glória de Deus, e não o b e m s u p r e m o do
universo, é o fim supremo de D e u s na criação e na providência.
3 o . A permissão do pecado, em sua relação tanto com a
religião como com a b o n d a d e de Deus, é um mistério inson-
dável, e todas as tentativas de solvê-lo só servem para misturar
palavras com discursos de i g n o r a n t e s (Jó 38:2). E um dos
privilégios da nossa fé, porém, sabermos que, embora a nossa
filosofia não o possa compreender, é u m a permissão m u i t o
sábia, reta e misericordiosa; e que redundará na glória de Deus
e no b e m dos Seus escolhidos.

72. Como se pode mostrar que não há incongruência entre os


atributos de bondade e de justiça?
B o n d a d e e j u s t i ç a são a s p e c t o s d i v e r s o s de u m a só
perfeição moral imutável, infinitamente sábia e soberana. Deus
n ã o é às vezes m i s e r i c o r d i o s o e o u t r a s vezes justo, n e m
misericordioso até certo ponto e justo até certo ponto, porém é
eterna e i n f i n i t a m e n t e misericordioso e justo. Em relação à
criatura, esta perfeição i n f i n i t a da Sua natureza apresenta
diversos aspectos, c o n f o r m e d e t e r m i n a d o pelo juízo que a
sabedoria infinita faz em cada caso individual.
Mesmo em nossa experiência achamos que, em princípio,
não há n e n h u m a inconseqüência nestes atributos da nossa
natureza moral, apesar de que a nossa falta de sabedoria e de
conhecimento, o sentimento do nosso demérito, e uma simpatia
m e r a m e n t e física, muitas vezes p e r t u r b a m tanto o nosso juízo
c o m o o n o s s o coração q u a n d o q u e r e m o s a j u s t a r esses
princípios aos casos individuais da vida.
~H •-"

215
Capítulo 8

A VERDADE ABSOLUTA DE DEUS

73. Que é a verdade, considerada como atributo divino?


A v e r d a d e de D e u s , no seu s e n t i d o mais lato, é u m a
p e r f e i ç ã o que qualifica todos os seus a t r i b u t o s m o r a i s e
intelectuais. Seu conhecimento é infinitamente verdadeiro em
relação aos seus objetos, e Sua sabedoria n ã o está sob a
influência n e m de preconceitos n e m da paixão. Sua justiça e
Sua bondade, em todas as suas operações, estão em h a r m o n i a
com a n o r m a perfeita da Sua natureza. Em todas as mani-
festações que Deus faz das Suas perfeições a Suas criaturas,
Ele s e m p r e age de c o n f o r m i d a d e c o m a Sua v e r d a d e i r a
natureza, é sempre perfeitamente conseqüente. Em seu sentido
m a i s especial, esse a t r i b u t o de verdade qualifica todas as
relações q u e D e u s t e m c o m Suas c r i a t u r a s r a c i o n a i s . E
verdadeiro, fiel, tanto para conosco quanto para conSigo; e
assim está posto um f u n d a m e n t o seguro para toda a fé e todo o
conhecimento. E o f u n d a m e n t o , a base, de toda a confiança
que temos, 1°. em nossos sentidos; 2 o . em nossa inteligência
(:intellect) e em nossa consciência; 3 o . em qualquer revelação
sobrenatural devidamente autenticada.
As duas formas em que essa perfeição se manifesta em
relação a nós são: I a . a verdade inteira que Ele m a n t é m em
todas as Suas comunicações; 2 a . sua perfeita sinceridade ao fazer
todas as Suas promessas e Sua fidelidade em cumpri-las.

74. Como se pode conciliar a verdade de Deus com o aparente


não cumprimento de algumas de Suas ameaças?
As promessas e as ameaças de Deus às vezes são absolutas,
e neste caso Ele as c u m p r e no sentido exato em que foram
feitas. Muitas vezes também elas são condicionais, dependentes
da o b e d i ê n c i a ou do a r r e p e n d i m e n t o da c r i a t u r a - J o n .
3 : 4 , 1 0 , 1 1 ; J e r . l 8 : 7 , 8 . Essa c o n d i ç ã o p o d e ser e x p r e s s a
explicitamente, e pode t a m b é m ser condição implícita, por
entender-se que o caso individual está n a t u r a l m e n t e sujeito

216
Atributos de Deus

ao princípio geral de que o verdadeiro a r r e p e n d i m e n t o e


a fé livram de todas as ameaças e alcançam todas as bênçãos
prometidas.

75. Como se pode conciliar com a sinceridade de Deus os convites


e as exortações das Escrituras dirigidas àqueles que Deus não tenciona
salvar?
Veja acima (Perg. 53), a distinção entre a vontade pre-
ceptiva de Deus e a Sua vontade decretatória. Seus convites e
exortações Ele dirige de boa fé a todos os h o m e n s : I o . porque
é dever de todo h o m e m arrepender-se e crer, e a v o n t a d e
preceptiva de D e u s é que todos o façam; 2 o . p o r q u e não há
coisa alguma que impeça o pecador de o fazer, senão a sua
própria falta de vontade; 3 o . em todos os casos em que alguém
c u m p r i r a condição, Deus c u m p r i r á t a m b é m a Sua promessa;
4 o . Deus n u n c a prometeu habilitar todos a crerem; 5 o . esses
convites e exortações não são dirigidos aos réprobos como tais,
e sim a todos os pecadores como tais, com o fim declarado de
salvar desse m o d o os eleitos.

A SOBERANIA I N F I N I T A DE D E U S

76. Que se entende pela soberania de Deus?


Seu direito absoluto de governar todas as Suas criaturas
simplesmente segundo a Sua própria boa vontade, e de dispor
delas.

77. Como se prova que esse direito é afirmado nas Escrituras?


D a n . 4:25, 35; Apoc. 4:11; 1 Tim. 6:15; Rom. 9:15-23.

78. Em que se baseia a soberania absoluta de Deus?


I o . Em Sua superioridade, em Seu Ser e em todas as Suas
perfeições em relação a todas as Suas criaturas. . isjoj
o
2 . Estas foram por Ele criadas do nada, e são agora
m a n t i d a s em existência por Seu poder, para a Sua própria

217
Capítulo 8

glória e segundo a Sua própria boa vontade - Rom. 11:36.


3 o . Os benefícios infinitos que Ele nos concede, e a nossa
dependência dEle, b e m como a nossa bem-aventurança nEle,
são motivos para que nós não só reconheçamos essa verdade
gloriosa, como t a m b é m nos regozijemos nela. O Senhor reina;
regozije-se a terra!

79. Haveria algum sentido em que há limites à soberania de


Deus?
E evidente que, considerada em sentido abstrato, como
um dos atributos de Deus, entre outros, a Sua soberania é
qualificada p o r todos os demais. N ã o pode senão ser u m a
soberania i n f i n i t a m e n t e sábia, reta e misericordiosa.
Mas Deus, considerado em sentido concreto como
soberano infinito, não está limitado por coisa alguma fora dEle
próprio. "Todos os moradores da terra são por ele reputados
em nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do
céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a
mão, n e m lhe dizer: que fazes?" (Dan. 4:35).

A SANTIDADE INFINITA DE D E U S

80. Que se entende pela santidade de Deus?


Não se deve entender a santidade de Deus como se fosse
um atributo entre outros; antes, o vocábulo é um t e r m o geral
que representa a concepção da Sua perfeição c o n s u m a d a e a
/

Sua glória total. E a sua infinita perfeição moral coroando


a sua infinita inteligência e o Seu infinito poder. Há u m a
glória que pertence a cada atributo, considerado p o r si só,
e há u m a glória que pertence a todos eles juntos. A natureza
intelectual é a base essencial da natureza moral. A infinita
perfeição moral é coroa da Deidade. A santidade é a glória
total assim coroada.
A santidade no Criador é a perfeição total de u m a inteli-
gência i n f i n i t a m e n t e reta. A santidade na criatura não é mera

218
Atributos de Deus

perfeição moral, e sim perfeição da natureza criada de agentes


m o r a i s s e g u n d o a sua espécie, em u n i ã o e em c o m u n h ã o
espirituais c o m o Criador infinito - 1 João 1:3.
A palavra s a n t i d a d e , aplicada a D e u s nas E s c r i t u r a s ,
representa, I o . pureza moral - Lev. 11:44; Sal. 145:17; 2 o .
majestade t r a n s c e n d e n t e m e n t e augusta e venerável - Is. 6.3;
Sal. 22:3; Apoc. 4:8.
"Santificar ao Senhor" é fazê-10 santo, quer dizer, declarar
e adorar a Sua santidade v e n e r a n d o a Sua majestade augusta
em toda parte e em tudo aquilo em que e por que a Sua Pessoa
ou o Seu caráter é representado - Is. 8:13; 29:23; Ez. 38:23;
Mat. 6:9; l P e d . 3 : 1 5 .

219
•7,-W TV

A Santíssima Trindade

1. Quais são a etimologia e a significação da palavra Trindade,


e quando foi introduzida na linguagem da Igreja?
A palavra Trindade (Trinitas) é derivada dttres-unus, tnniis
- três em u m , ou o um que é três, e os três que são u m ; não
triplo -trinitas e não triplicitas. A palavra não se acha nas Escri-
turas. Mas os termos técnicos são u m a necessidade absoluta
em todas as ciências: e, neste caso, tornaram-se especialmente
essenciais por causa das perversões sutis que s o f r e r a m as
exposições simples e não técnicas da Bíblia às mãos dos
incrédulos e dos hereges. Esse termo, como definido acima,
exprime b e m o fato central da grande doutrina de u m a só
essência subsistindo eternamente como três Pessoas, todos os
elementos da qual as Escrituras ensinam explicitamente. A
palavra grega que significa trindade foi empregada primeiro
nesta conexão por Teófilo, bispo de Antioquia, na Síria, de
168 a 183. O termo latino Trinitas foi usado p r i m e i r o p o r
Tertuliano, por volta do ano 220 - Eccl. Hist., Mosheim, vol. 1,
pág. 121, nota 7.

2. Qual o significado teológico do termo substantia, e qual a


mudança que ocorreu no seu uso?
Substantia, no uso atual da palavra, é equivalente à essência,
à existência independente. Assim, na Deidade, as três Pessoas
são o mesmo em substância, isto é, de uma só c mesma essência
numérica, indivisível.

220
A Santíssima Trindade

A palavra foi utilizada, no princípio, como equivalente à


subsistentia ou modo de existência. Neste sentido, e n q u a n t o há
na Deidade uma só essência, há nela três substantice ou Pessoas.
Veja Turretino, Tomo 1, locus 3, perg. 23.

3. Que outros termos são empregados como os equivalentes de


substantia, nas definições desta doutrina?
Os termos latinosessentia e natura. Em português: essência,
substância, natureza, ser

4. Qual é o sentido teológico da palavra subsistentia?


E empregada para designar o m o d o de existência que
distingue qualquer coisa individual de todas as demais coisas,
ou qualquer pessoa de todas as demais pessoas. Aplicada à
doutrina da Trindade, subsistência é o modo de existência que
é peculiar a cada uma das três Pessoas divinas, e que em cada
u m a dElas constitui a essência única em Pessoa distinta.

5. Qual o significado que, no Novo Testamento, tem a palavra


"hypostasis"?
E s t a palavra, q u a n t o à sua etimologia, é e x a t a m e n t e
equivalente ao termo substância (sub-stare); vem da palavra
grega que significa "estar sob" ou "debaixo de".
A palavra é empregada cinco vezes no Novo Testamento:
I o . Em sentido figurado, significando confiança, ou esse
estado de â n i m o em que se está cônscio de que se tem u m a
base f i r m e e segura: 2 Cor. 9:4; 11:17; Heb. 3:14, que vem da
fé, Heb. 11:1.
2 o . Em sentido literal, significando natureza essencial -
Iieb. 1:3. Veja Com. on Heb., de Sampson.

6. Em que sentido a palavra é empregada pelos escritores


eclesiásticos?
Até meados do século 4 esta palavra foi empregada geral-
mente, em conexão com a doutrina da Trindade, em seu sentido

221
Capítulo 9

primário, como equivalente ao termo substância. E empregada


neste sentido no Credo publicado pelo Concílio Niceno, em
325, e t a m b é m nos decretos do Concílio dc Sardica, na Ilíria,
em 347. Estes concordaram em afirmar que, na Deidade,
há só u m a hypostasis. Como porém, alguns, naquele tempo,
tomassem a palavra no sentido de pessoa, seu uso foi mudado,
por consenso geral, principalmente graças à influência de
Atanásio e, daí por diante, seu sentido, na linguagem teológica,
é o mesmo que pessoa, em distinção da palavra grega que
significa essência. Foi transferida para a lingua portuguesa
na forma de um adjetivo, para designar a união hipostática,
ou pessoal, de duas naturezas no D e u s - h o m e m , Jesus
Cristo.

7. Que é essencial à personalidade, e como se deve definir a


palavra pessoa, em conexão com a doutrina da Trindade?
A palavra latina suppositum - u m a existência distinta e
individual; e.g., uma árvore ou um cavalo, em particular. U m a
pessoa ésuppositum intellectuale, uma existência distinta e indi-
vidual à qual pertencem as propriedades da razão e da livre
vontade. No círculo inteiro da nossa experiência e observação
da existência pessoal entre as c r i a t u r a s , a p e r s o n a l i d a d e
descansa sobre a distinção de essência e parece ser inseparável
desta. Cada pessoa distinta é u m a alma distinta, com ou sem '
corpo. \
Esse m o d o distinto de existência que constitui a única
essência divina coordenadamente em três pessoas separadas, é
um mistério infinito que não podemos compreender e que,
por isso, nos é impossível definir adequadamente, e só podemos
conhecê-lo até onde nos é revelado. Tudo o que sabemos a res-
peito é que essa distinção, chamada personalidade, abrange
todas essas p r o p r i e d a d e s i n c o m u n i c á v e i s , que p e r t e n c e m
eternamente ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, separada-
mente, e não a todos em c o m u m ; que ela é a base para Eles Se
congregarem em conselhos, para Se amarem m u t u a m e n t e e

222
A Santíssima Trindade

para atuarem u n s sobre os outros, isto é, para interagirem,


como, e.g., para o Pai enviar o Filho, e para o Pai e o Filho
enviarem o Espírito Santo, e para o uso dos pronomes pessoais
Eü, Tu, Ele, na revelação que qualquer das Pessoas faz de Si e
das outras.
G e r h a r d d e f i n e pessoa assim: "Persona est substantia
individua, intelligens, incommunicabilis, quas non sustentatur
in alia, vcl ab alia". Em relação a este grande mistério da
Trindade divina de Pessoas na unidade de essência, a definição
que Calvino oferece é melhor, por ser mais simples: "Por
pessoa, pois, entendo, uma subsistência na essência divina -
uma subsistência que, embora relacionada com as outras duas,
d i s t i n g u e - s e delas p o r p r o p r i e d a d e s i n c o m u n i c á v e i s " -
Instituías, Liv. 1, Cap. 13, § 6. .......

8. Que outros lermos têm sido empregados pelos teólogos como


equivalentes de Pessoa, nesta conexão?
Em grego, hypostasis, e prosopon - aspecto; em latim:
persona, hypostasis, subsistentia, aspectus; em inglês: person,
hypostasis; em português: pessoa, hipóstase.

9. Que é que se entende pelos termos: "homoousios" (da mesma


substância) e "homoiousios" (de substância semelhante)?
No p r i m e i r o concílio ecumênico da Igreja, o qual, cons-
t a n d o de t r e z e n t o s e dezoito bispos, foi c o n v o c a d o pelo
imperador C o n s t a n t i n o em Nicéia, na Bitínia, em 325, havia
três grandes partidos que m a n t i n h a m outras tantas opiniões a
respeito da Trindade.
1 0 . O partido ortodoxo, que m a n t i n h a a opinião, agora
sustentada por todas as igrejas cristãs, de que o Senhor Jesus,
quanto à Sua natureza divina, c da mesma substância, idên-
tica, ao do Pai. Esses insistiram em que se L h e aplicasse o
t e r m o específico "homoousios", composto de ( h o m o s ) - o
mesmo, e (ousia) - substância, para ensinar a grande verdade
de que as três Pessoas da Deidade são um só Deus, por serem

223
Capítulo 9

da mesma essência numérica.


2°. Os arianos, que m a n t i n h a m que o Filho de D e u s é a
maior de todas as criaturas, mais semelhante a D e u s do que
qualquer outra, o unigénito Filho de Deus, criado antes de
todos os séculos, por quem Deus criou todas as coisas, e di-
vino só nesse sentido. Sustentavam que o Filho era "heteroousion"
- de essência diferente, ou genéricamente dissemelhante do
Pai.
3°. O partido médio, chamado semiarianos, que man-
t i n h a m que o Filho não é criatura, mas negavam que fosse
Deus no m e s m o sentido em que é o Pai, afirmavam que o Pai
é o único Deus absoluto e auto-existente; e que, ao m e s m o
tempo e desde toda a eternidade, fez proceder de Si, da Sua
própria livre vontade, uma Pessoa divina, com a mesma natureza
e as mesmas propriedades que Ele mesmo possui. Negavam, pois,
que o Filho fosse da mesma substância (homoousios) com o
Pai, mas admitiam que é de uma essência realmente semelhante
e derivada do Pai ("homoiousios", de semelhante, e "ousia",
substância) um só, genericamente, mas não n u m e r i c a m e n t e .
Naquele concílio prevaleceram as opiniões do primeiro
partido, ou seja, do partido ortodoxo, e desse tempo em diante
têm sido representadas sempre pelo termo técnico - opiniões
homoousianas.
Q u a n t o ao credo promulgado por esse concílio, veja o
cap.7.

10. Quais as proposições envolvidas essencialmente na doutrina


da Trindade ?
I a . Há um só Deus, e Ele é um só, isto é, é indivisível.
2 a . A única essência divina e indivisível existe, como um
todo, e t e r n a m e n t e como Pai, como F i l h o e como Espírito
S a n t o ; p o s s u i n d o , cada Pessoa, a essência toda e s e n d o
c o n s t i t u í d a e m Pessoa d i s t i n t a p o r certas p r o p r i e d a d e s
incomunicáveis, não comuns a ela e também às outras.
3 a . A distinção entre as três é distinção pessoal, no sentido

224
A Santíssima Trindade

de que ocasiona (1) o uso dos p r o n o m e s pessoais Eu, Tu, Ele,


(2) u m a concorrência em conselho e um a m o r m ú t u o , e (3)
u m a ordem distinta de operação.
4 a . H a v e n d o só u m a essência divina, e sendo todos os
atributos ou todas as propriedades ativas inerentes na essência
a que p e r t e n c e m , e inseparáveis dela, segue-se que todos os
atributos divinos devem ser identicamente c o m u n s a cada u m a
das três Pessoas que subsistem em c o m u m na única essência
divina. E n t r e as criaturas, cada pessoa distinta é u m a distinta
substância numérica, e possui u m a inteligência distinta, u m a
vontade distinta, etc. Na Deidade, p o r é m , há só uma substân-
cia, uma inteligência,uma vontade, etc., e, contudo, co-existem
eternamente nessa única essência três Pessoas, cuja intcligcncia,
vontade, etc., é u m a só. Em Cristo, pelo contrário, há dois
espíritos, duas inteligências, duas vontades, e, c o n t u d o , ao
m e s m o tempo, só uma indivisível Pessoa.
5 a . Sendo essas Pessoas divinas um só Deus, todos os
atributos divinos são comuns a cada u m a dElas no m e s m o
sentido; não obstante isso, porém, revela-se-nos nas Escrituras
que existe e n t r e Elas u m a certa o r d e m de subsistência e
operação. (1) De subsistência, de modo que o Pai n e m é gerado,
nem procede, enquanto o Filho é eternamente gerado pelo
Pai, e o Espírito procede eternamente do Pai e do F i l h o ; (2)
De operação, de modo que a primeira Pessoa envia a segunda,
e opera por meio dEla, e a primeira e a segunda enviam a
terceira e operam por meio dEla.
Por isso é que se diz sempre que o Pai é a primeira Pessoa,
o F i l h o a segunda e o Espírito Santo a terceira.
6 a . Apesar do fato de que todos os atributos divinos são
igualmente comuns às três Pessoas, e que todas as operações
divinas realizadas ad extra, tais como a criação, a providência e
a redenção, são atribuídas ao único ser divino - ao D e u s único,
considerado em sentido absoluto - e também em separado ao
Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, contudo, as Escrituras atri-
b u e m a l g u m a s o p e r a ç õ e s d i v i n a s r e a l i z a d a s ad intra

225
Capítulo 9

exclusivamente a cada u m a das Pessoas divinas, respectiva-


mente, e.g., geração ao Pai, filiação ao Filho, processão ao
Espírito Santo; e há também algumas operações realizadas ad
extra que as Escrituras atribuem p r o e m i n e n t e m e n t e a cada
Pessoa, r e s p e c t i v a m e n t e , c r i a ç ã o ao Pai, redenção ao Filho
e santificação ao Espírito Santo.
Portanto, a fim de estabelecermos esta doutrina em todas
as suas partes sobre o t e s t e m u n h o das Escrituras, é necessário
que provemos, em sua ordem, as seguintes proposições:
I a . Que Deus é um só.
2 a . Que Jesus de Nazaré, quanto à Sua natureza divina, era
verdadeiramente Deus e, ao m e s m o tempo, Pessoa distinta do
Pai.
3 a . Q u e o Espírito Santo é verdadeiramente D e u s e, ao
mesmo tempo, Pessoa distinta.
4 a . Que as Escrituras ensinam diretamente que há u m a
Trindade de Pessoas em uma só Deidade.
5 a . Restará r e u n i r tudo o que as Escrituras e n s i n a m a
respeito das relações necessárias e eternas que estas três Pessoas
divinas m a n t ê m umas com as outras entre si. Essas relações
p o d e m ser assim distribuídas: (1) A relação que a segunda
Pessoa m a n t é m com a primeira, ou a geração eterna do Filho;
(2) A relação que a terceira Pessoa m a n t é m com a primeira e a
segunda, ou a processão eterna do Espírito Santo; e (3) Suas
propriedades pessoais e a ordem da Sua operação ad extra.

1. D E U S É UM SÓ E HÁ UM SÓ D E U S

As p r o v a s desta p r o p o s i ç ã o , t i r a d a s da r a z ã o e das
Escrituras, foram expostas acima, Cap. 8, sobre os atributos de
Deus, perguntas 12-18.
A resposta à pergunta: como se pode conciliar com esta
d o u t r i n a f u n d a m e n t a l da u n i d a d e divina a existência
coordenada de três Pessoas distintas na Trindade, achar-se-á
abaixo na pergunta 94 deste capítulo.

226
A Santíssima Trindade

2. J E S U S DE N A Z A R É , Q U A N T O À SUA
N A T U R E Z A D I V I N A , ERA V E R D A D E I R A M E N T E
DEUS E, AO MESMO TEMPO,
P E S S O A D I S T I N T A D O PAI

11. Quais as diversas opiniões mantidas a respeito da Pessoa


de Cristo? \ - •r
A doutrina ortodoxa a respeito da Pessoa de Cristo é que
Ele existia desde toda a eternidade como o Filho coigual ao
Pai, constituído da mesma essência infinita e autoexistente que
caracteriza o Pai e o Espírito Santo.
A doutrina ortodoxa a respeito da Pessoa de Cristo, como
Ele Se acha constituído agora, depois da Sua encarnação, vem
exposta no Cap. 23. U m a exposição das diversas opiniões
h e r é t i c a s a r e s p e i t o da Sua Pessoa achar-se-á abaixo nas
perguntas 96-99, deste capítulo.

12. Até onde esperavam os judeus do tempo de Cristo que o


Messias viesse como Pessoa divina?
E certo que, quando Cristo apareceu, a grande m u l t i d ã o
do povo judaico já não conservava mais a expectação escritu-
rística de um Salvador divino, e desejava que só viesse um
príncipe temporal, que fosse, n u m sentido p r o e m i n e n t e , o
predileto do céu. Diz-se, porém, que em alguns dos escritos
rabínicos acham-se espalhados alguns indícios de que alguns
dos judeus mais ilustrados e espirituais m a n t i n h a m - s e ainda
fiéis à fé antiga.

13. Como se pode provar pelas Escrituras a preexistência de


Jesus em relação ao Seu nascimento "de mulher"?
1°. Pelas passagens que afirmam que Ele foi o Criador do
m u n d o - João 1:3; Col. 1:15-18.
2 o . Pelas passagens que declaram expressamente que Ele
estava com o Pai antes de haver m u n d o ; que era rico e possuía
g l ó r i a - J o ã o 1:1,15,30; 6:62; 8:58; 2 Cor. 8:9.

227
Capítulo 9

3 o . Pelas passagens que declaram que "veio ao m u n d o " ,


"desceu do c é u " - J o ã o 3:13,31; 13:3; 16:28; 1 Cor. 15:47.

14. Como se pode provar que o SENHOR (Jeová; Yavé), que


Se manifestou como o Deus dos judeus (o Deus da Aliança)
sob a antiga economia, era a segunda Pessoa da Trindade, que
Se encarnou em Jesus de Nazaré?
Este fato não é afirmado expressamente nas Escrituras,
m a s p o d e ser c o m p r o v a d o pela c o m p a r a ç ã o d e m u i t a s
passagens. Veja:
I o . Todos os aparecimentos divinos da economia antiga
são referidos a uma só pessoa - Cf. Gôn. 18:2,3,17,18; 32:9,29;
Êx. 3:14,15; 13:21; 20:1,2; 24:1,2; 25:1,21; Deut. 4:32,35,39;
Nee. 9:7-38. Essa Pessoa única é chamada Jeová * (Senhor, na
tradução portuguesa de Figueiredo (SENHOR, na Versão de
Almeida), n o m e incomunicável de Deus, e, ao m e s m o tempo,
anjo, ou enviado - Cf. Gên. 31:11,13; 48:15,16; Os. 12:2,5.
C o m p a r e m também Ex. 3:14,15 com Atos 7:30-35; Ex. 13:21
com Êx. 14:19; Êx. 20:1,2 com Atos 7:38 e Sal. 62:7,11,12.
2". Mas ninguém jamais viu a Deus Pai (João 1:18; 6:46);
n e m p o d i a essa Pessoa ser u m a n j o , o u o u t r o e n v i a d o
semelhante; todavia Deus o Filho foi visto (1 João 1:1,2) e
enviado (João 5:36).

* M o d e r n a m e n t e descobriu-se que o nome "Jeová" é resultado da leitura do


nome por excelência de Deus (o tetragrama inefável, impronunciável) com
os sinais vocálicos doutra palavra. Os judeus, por respeito, não p r o n u n -
ciavam o N o m e ; em seu lugar liam Adonai (Senhor) ou E l o h i m (Deus). E
os massoretas, especialistas judeus que criaram o fabuloso sistema de sinais
vocálicos e outros sinais, porque o hebraico escrito só constava de consoantes,
seguiram aquela tradição e ao N o m e juntaram os sinais vocálicos de
Adonai ou de Elohim. Assim é que "Jeová" é n o m e inexistente no
hebraico. N u m a tentativa de aproximação, tem sido comum o emprego
de Yavé ou Iavé. Na seqüência, manteremos a forma "Jeová", utilizada na
edição original desta obra. Nota de Odayr Olivetti.

228
A Santíssima Trindade

3 o . Jeová, que era ao m e s m o t e m p o o a n j o ou o enviado da


economia antiga, foi t a m b é m exposto pelos profetas como o
Salvador de Israel e o Autor da nova dispensação. Em Zac.
2:11,12 vemos que um Jeová é enviado de outro. Veja Miq.
5:2. Em Mal. 3:1 declara-se que "o SENHOR", "o A n j o da
aliança", virá ao Seu próprio templo; e isto é aplicado a Jesus
em Mar. 1:2. C o m p a r e m Sal. 97:7 com H e b . 1:6 e Is. 6:1-5
com João 12:41.
4°. Referindo-se a passagens do Velho Testamento, algumas
passagens do Novo parecem implicar diretamente esse fato.
C o m p a r e Sal. 78:15,16,35 com 1 Cor. 10:9.
5 o . A Igreja é u m a só sob ambas as dispensações, e desde o
p r i n c í p i o Jesus é o Redentor e a Cabeça da Igreja; é, por isso,
mais coerente com t u d o o que nos foi revelado a respeito dos
ofícios das três Pessoas divinas na obra da redenção, que se
acate a opinião agora apresentada. Veja t a m b é m João 8:56,58;
Mat. 23:37; 1 Ped. 1:10,11.

15. De que forma no Velho Testamento se fizeram as primeiras


indicações da existência e da operação de uma Pessoa distinta de
Deus e ao mesmo tempo divina?
Nos livros mais antigos fala-se em um Anjo, enviado da
parte de Deus, aparecendo muitas vezes aos h o m e n s , e sendo
ao mesmo tempo D e u s - G ê n . 16:7-13. O Anjo de Jeová aparece
a Agar, fala como quem tem poder divino e é c h a m a d o Deus -
Gên. 18:2-33. Três anjos aparecem a Abraão, e um deles é
c h a m a d o Jeová, versículo 17 - Gên. 32:24-30. Um A n j o luta
com Jacó e o abençoa como Deus, e em Os. 12:3-5 esse A n j o é
c h a m a d o Deus - Êx. 3 : 2 . 0 Anjo de Jeová aparece a Moisés na
sarça ardente, e nos versículos seguintes esse Anjo é c h a m a d o
Jeová, e lhe são dados o u t r o s t í t u l o s divinos. Esse A n j o
conduziu os israelitas no deserto - Ex. 14:19; Is. 63:9. Jeová é
representado como salvando Seu povo mediante o Anjo da Sua
Presença. Assim Mal. 3:1 - "...de repente virá ao seu templo o
SENHOR (Adon, no hebraico), a quem vós buscais, o A n j o da

229
Capítulo 9 ;

aliança, a quem vós desejais..."; aplicado a Cristo em Mar. 1:2.

16. Que provas da deidade do Messias apresenta-nos o


Salmo 2?
O referido salmo declara que Ele é o Filho de Deus e que
como tal L h e será dado o domínio do m u n d o inteiro e dos
seus habitantes. E exorta a todos a se submeterem a Ele e a
confiar nEle, sob pena de incorrerem em Sua ira. Em Atos
13:33, Paulo declara que este salmo refere-se a Cristo.

17. Que provas temos no Salmo 45?


Os judeus antigos entenderam que este salmo foi dirigido
ao Messias, e este fato é estabelecido em H e b . 1:8,9. Nele,
portanto, Jesus é chamado Deus, e Seu trono um trono eterno.

18. Que provas temos no Salmo 110? -


Que este salmo se refere ao Messias fica provado por Cristo
(Mat. 22:43,44), e pelo autor da Epístola aos H e b r e u s (Heb.
5:6; 7:17). Nele o Messias é chamado Senhor (Adonai) de Davi,
e é convidado a assentar-Se à mão direita de Jeová, até que
todos os Seus inimigos se t e n h a m tornado escabelo de Seus
pés.

19. Que provas temos em Isaías 9:6?


E evidente que esta passagem se refere ao Messias, o que é
confirmado por Mat. 4:14-16. Declara explicitamente que o
m e n i n o nascido é também " D e u s forte, Pai do f u t u r o século
(Figueiredo; literalmente, Pai da eternidade, ou Pai eterno),
Príncipe da paz".

20. Que provas temos em Miquéias 5:2?


Os judeus e n t e n d e r a m que a referência é a Cristo, o que
fica confirmado por Mat. 2:6 e João 7:42. A passagem declara
que as Suas "origens são desde os tempos antigos, desde os
dias da eternidade", isto é, desde a eternidade.

230
A Santíssima Trindade

21. Que provas ternos em Malaquias 3:1,2?


É óbvio que esta passagem se refere ao Messias, o que é
c o n f i r m a d o por Mar. 1:2.
O templo, que era lugar consagrado à presença e ao culto
de Jeová, é chamado "seu templo". E no versículo dois L h e é
atribuída u m a obra divina de juízo.

22. Que provas temos na maneira pela qual os escritores do


Novo Testamento aplicam a Cristo as Escrituras do Velho Testa-
mento?
Os apóstolos muitas vezes aplicam a Cristo a linguagem
do Velho T e s t a m e n t o , m e s m o q u a n d o é e v i d e n t e que os
escritores originais queriam falar em Jeová, e não no Messias
como tal.
O Salmo 102 é e v i d e n t e m e n t e u m a oração dirigida ao
Senhor supremo, atribuindo-Lhe eternidade, criação, governo
p r o v i d e n c i a l , culto, b e m c o m o atenção às orações e suas
respostas. Mas o texto de Heb. 1:10-12 afirma que o salmo foi
dirigido a Cristo. Em Is. 45:20-25 Jeová fala e afirma a Sua
soberania suprema. Mas em Rom. 14:11 Paulo cita u m a parte
da declaração de Jeová a respeito de Si, para provar que teremos
todos que comparecer ante o tribunal de Cristo. Compare
t a m b é m Is. 6:3 com João 12:41.

23. Qual o caráter geral do testemunho dado a respeito deste


ponto pelo Novo Teestamento?
Esta doutrina fundamental nos é apresentada em cada um
dos livros e em cada parágrafo separado do Novo Testamento,
ou por afirmação direta ou por implicação necessária, como
qualquer leitor sincero poderá verificar pessoalmente. A massa
i n t e i r a d e s t e t e s t e m u n h o é t a m a n h a , e ele se a c h a tão
i n t i m a m e n t e entrelaçado com todos os demais temas de cada
passagem, que aqui só tenho lugar para apresentar u m a amostra
geral do testemunho, classificado sob os títulos costumeiros.
AUBREY ÇLARK

231
Capítulo 9

24. Provas de que o Novo Testamento dá títulos divinos a Cristo:


João 1:1; 20:28; Atos 20:28; Rom. 9:5; 2Tess. 1:12; 1 Tim.
3:16; Tito 2:13; Heb. 1:8; 1 João 5:20.

25. Provas de que o Novo Testamento atribui títulos divinos


a Cristo:
E t e r n i d a d e - João 1:2; 8:58; 17:5; Apoc. 1:8,17,18; 22:13.
Imutabilidade - Heb. 1:11,12 e 13:8.
Onipresença - João 3:13; Mat. 18:20; 28:20.
O n i s c i ê n c i a - Mat. 11:27; João 2:23-25; 21:17; Apoc.
2:23.
O n i p o t ê n c i a - J o ã o 5:17; Heb. 1:3; Apoc. 1:8; 11:17.

26. Provas de que o Novo Testamento atribui obras divinas


a Cristo:
C r i a ç ã o - J o ã o 1:3,10; Col. 1:16,17.
Conservação e P r o v i d ê n c i a - H e b . 1:3; Col. 1:17; Mat.
28:18.
Milagres - João 5:21-26.
Juízo - 2 Cor. 5:10; Mat. 25:31,32; João 5:22.
Obras da graça, a eleição inclusive-João 1:17; 13:18; 15:19.
Santificação - Ef. 5:26.
O enviar o Espírito Santo - João 16:7,14;
O dar a vida eterna - João 10:28.

27. Provas de que o Novo Testamento ensina que se deve prestar


culto supremo a Cristo:
Mat. 28:19; João 5:22,23; 14:1; Atos 7:59,60; 1 Cor. 1:2; 2
Cor. 13:14; Fil. 2:9,10; Heb. 1:6; Apoc. 1:5,6; 5:11,14; 7:10.

28. Provas de que o Filho, sendo Deus como é, é Pessoa distinta


do Pai.
Este fato é ensinado tão claramente nas Escrituras, e se
acha implícito tão universalmente, que o sistema sabeliano,
que o nega, nunca conseguiu muita aceitação.

232
A Santíssima Trindade

Cristo foi enviado pelo Pai, veio dEle, voltou para Ele,
recebeu m a n d a m e n t o s dEle, fez a Sua vontade, ama-O, é dEle
amado, dirigiu-Se a Ele em oração, empregou os p r o n o m e s Tu
e Ele q u a n d o falava a Ele ou a respeito dEle. Isso t a m b é m os
títulos relativos, Pai e Filho, implicam necessariamente. Veja
o Novo Testamento todo.
Ao estabelecer a doutrina da Trindade, no que diz respeito
à segunda Pessoa, o ponto principal é provar a deidade absoluta
de Cristo, pois tão óbvia é a Sua personalidade distinta que
praticamente não há discussão sobre isso. Q u a n d o , p o r é m , se
quer estabelecer a veracidade da doutrina a respeito da terceira
Pessoa, o ponto principal é que se prove a Sua personalidade
distinta, p o r ser revelada tão c l a r a m e n t e a Sua d i v i n d a d e
absoluta que a respeito dela não há controvérsia.

3. O E S P Í R I T O S A N T O É V E R D A D E I R A M E N T E
DEUS E, AO MESMO T E M P O , PESSOA DISTINTA.

29. Que seitas sustentavam que o Espírito Santo é uma criatura?


A deidade do Espírito Santo é revelada tão claramente
nas Escrituras que poucos se têm atrevido a pô-la em questão.
As antigas controvérsias dos ortodoxos com os arianos, antes e
depois do concílio niceno, 325 d.C., a respeito da deidade do
Filho, ocuparam de tal modo os ânimos dos dois partidos que
se prestou pouca atenção naquele tempo às questões relacio-
nadas com o Espírito Santo. Diz-se, porém, que Ário ensinava
que, assim como o Filho é a primeira e a maior criatura do
Pai, assim t a m b é m o Espírito Santo é a primeira e a maior
criatura do Filho. Veja Neander, C h u r c h Hist., vol. 1, págs.
416-420.
Diz-se que alguns dos discípulos de Macedónio, bispo de
Constantinopla, 341-360 d.C. sustentavam que o Espírito Santo
não é Deus supremo. Essa opinião foi condenada pelo Segundo
Concílio Geral de Contantinopla, 381 d.C. Esse concílio defi-
niu e resguardou a fé ortodoxa acrescentando cláusulas defini-

233
Capítulo 9

das à referência simples que o credo antigo fazia ao Espírito


Santo. Veja o Credo do Concílio de Constantinopla, Cap.7.

30. Por quem o Espírito Santo foi considerado só como uma


energia de Deus?
Todas aquelas seitas antigas chamadas geralmente monar-
quianas e patripassianas, ensinavam, com algumas distinções
subordinadas, que na Deidade há somente u m a Pessoa, assim
como u m a só essência, e que essa Pessoa, em diversas relações,
é chamada Pai, Filho ou Espírito Santo. No século 16, Socino,
que ensinava que Jesus Cristo era mero h o m e m , sustentava
que a expressão Espírito Santo é empregada nas Escrituras
como designativo da energia divina quando opera de um modo
particular. Essa é agora a opinião de todos os u n i t á r i o s e
racionalistas modernos.

31. Como se pode provar que todos os atributos de personali-


dade são atribuídos ao Espírito Santo nas Escrituras?
Os atributos de personalidade são os seguintes: inteli-
gência, volição, operação independente. Cristo emprega os
pronomes Eu, Tu, Ele, quando fala da relação do Espírito Santo
para com Ele ou para com o Pai: "Eu o enviarei". "Ele dará
t e s t e m u n h o de si." "A quem o Pai enviará em m e u n o m e . "
Assim, pois, Ele é enviado; dá testemunho; recebe do que é de
Cristo e no-lo anuncia. Ensina e conduz à verdade. Sabe, tem
c o n h e c i m e n t o , porque esquadrinha as coisas p r o f u n d a s de
Deus. Opera todos os dons sobrenaturais, repartindo-os entre
os h o m e n s segundo a Sua boa v o n t a d e - J o ã o 14:17,26; 15:26;
1 Cor. 2:10,41; 12:11. Ele argúi, glorifica, ajuda, intercede -
João 16.7; Rom. 8:26.
...

32. Como se pode provar Sua personalidade pelos ofícios que


as Escrituras dizem que Ele desempenha?
O Novo Testamento, em todo o seu ensino, mostra que o
p l a n o de redenção envolve essencialmente a operação do

234
A Santíssima Trindade

Espírito Santo cm aplicar a salvação que foi a obra realizada


pelo F i l h o e com a qual Ele visava alcançar-nos. Ele inspirou
os profetas e os apóstolos; ensina e santifica a Igreja; escolhe os
oficiais da Igreja, preparando-os pela comunicação de dons
especiais segundo a Sua boa vontade. E o advogado, e todo
cristão é Seu cliente. Traz-nos todas as graças do Cristo assunto
ao céu e as torna eficazes em nossas pessoas em cada m o m e n t o
da nossa vida. E óbvio que a Sua distinção pessoal acha-se
envolvida na própria natureza dessas f u n ç õ e s que Ele
desempenha - Luc. 12:12; Atos 5:32; 15:28; 16:6; 28:25; Rom.
15:16; 1 Cor. 2:13; Heb. 2:4; 3:7; 2 Ped. 1:21. - =•

33. Que argumento se pode deduzir da fórmula do batismo a


favor da personalidade do Espírito Santo?
Os cristãos são batizados em n o m e do Pai e do F i l h o e do
Espírito Santo. Não seria possível conciliar todas as leis da
linguagem e da razão com esse suposto ato de falar em " n o m e "
de uma energia, ou o de associar uma energia coordenadamente
com duas pessoas distintas.
1
• . ' : . ' .

34. Como se pode provar Sua personalidade pelo que se diz do


pecado contra o Espírito Santo?
E m M a t . 12:31,32; Mar. 3:28,29; e Luc. 12:10, esse pecado
é chamado "blasfêmia contra o Espírito Santo". Ora, blasfêmia
é pecado cometido contra uma pessoa, e nessas passagens
distingue-se essa blasfêmia do m e s m o pecado cometido
contra as outras Pessoas da Trindade.

35. Como conciliar com a Sua personalidade expressões como


"dar " ou "derramar " o Espírito ?
Essas e outras expressões semelhantes são empregadas
figuradamente para indicar a nossa participação nos dons e
operações do Espírito. E u m a das figuras mais n a t u r a i s e
c o m u n s a de designar o dom pelo n o m e de quem o dá. Assim
é que se fala em "revestir-nos de Cristo", em sermos "batizados

235
Capítulo 9

em Cristo", etc. - Ef. 5:30; R o m . 13:14; Gál. 3:27. .

36. Corno se prova que os nomes de Deus são aplicados ao


Espírito Santo?
Comparando-se, por exemplo, Ex. 17:7 e Sal. 95:7 com
Heb. 3:7-11. Veja Atos 5:3,4.
*•' : ni:*r> '
37. Que atributos divinos as Escrituras Lhe atribuem?
Onipresença - Sal. 139:7; 1 Cor. 12:13.
O n i s c i ê n c i a - 1 Cor. 2:10,11.
Onipotência - Luc. 1:35; Rom. 8:11.

38. Que operações no mundo exterior as Escrituras Lhe atribuem?


A criação - Gên. 1:2; Jó 26:13; Sal. 104:30.
O poder de realizar milagres - M a t . 12:28; 1 Cor. 12:9-11.

39. Como fica estabelecida a Sua deidade suprema pelo que


as Escrituras dizem da Sua ação na obra de redenção?
D i z e m as Escrituras que Ele é o agente i m e d i a t o da
regeneração: João 3:6; Tito 3:5; e da ressurreição de nossos
corpos: Rom. 8:11. Sua ação na geração da natureza h u m a n a
de Cristo, na ressurreição dEle e na inspiração das Escrituras
f o r a m manifestações do Seu p o d e r divino em p r e p a r a r a
redenção que agora Ele aplica.

40. Como conciliar com Sua deidade expressões como "ele não
falará de si mesmo"? .. ,. • •
Essa expressão e outras semelhantes devemos entender
como se referindo à obra oficial do Espírito; do m e s m o m o d o
como entendemos o que se diz de Cristo, que "foi enviado"
pelo Pai e que L h e está subordinado. O fim que o Espírito
Santo tem em vista em Sua obra oficial nos corações dos
h o m e n s não é o de revelar as relações da Sua Pessoa com as
outras Pessoas da Deidade, e sim simplesmente o de revelar o
caráter e a obra mediatárias de Cristo.

236
A Santíssima Trindade

4. AS E S C R I T U R A S E N S I N A M D I R E T A M E N T E
Q U E HÁ UMA T R I N D A D E DE PESSOAS
N U M A SÓ D E I D A D E » '• :

41. Como é ensinada diretamente esta trindade de Pessoas na


fórmula do batismo?
O batismo em n o m e de Deus implica o reconhecermos a
autoridade divina de Deus, Sua promessa de dar-nos a vida
eterna e a nossa obrigação de L h e prestarmos culto divino e
obediência. Os cristãos batizados entram assim n u m a relação
de pacto ou aliança com três Pessoas nomeadas d i s t i n t a m e n t e
em sua ordem. A linguagem implica necessariamente que cada
um desses n o m e s representa u m a Pessoa; e a natureza do
sacramento (da ordenança) prova que cada u m a delas é divina.
Veja Mat. 28:19.

42. Como é ensinada esta doutrina diretamente na fórmula da


bênção apostólica?
Veja 2 Coríntios 13:13. Temos aí nomeadas distintamente
três Pessoas, e cada u m a c o m u n i c a n d o u m a bênção separada,
segundo a Sua própria ordem e maneira de operação. O amor
do Pai em i d e a l i z a r , a graça do F i l h o em a l c a n ç a r , e a
comunicação do Espírito Santo em aplicar a salvação. São três
nomes pessoais distintos de ação pessoal, e cada um igualmente
divino.

43. Que prova nos é dada pela narração do batismo de Cristo?


Veja Mateus 3:13-17. Aí t a m b é m são apresentadas a nós
três Pessoas n o m e a d a s d i s t i n t a m e n t e e d e s c r i t a s c o m o
operando cada u m a segundo a Sua própria maneira: o Pai
falando do céu, o Espírito descendo em forma de pomba e
pousando sobre Cristo, e Cristo reconhecido como o Filho
amado de Deus, saindo para fora da água. ,;vivjí

44. Veja o argumento apresentado por João 15:26 e seu contexto.

237
Capítulo 9

Nessa passagem t a m b é m temos três Pessoas distintas


mencionadas ao m e s m o tempo, e afirmada a Sua ação relativa.
O F i l h o é a Pessoa que fala sobre o Pai e sobre o Espírito, e
que está reivindicando a respeito de Si o direito de enviar o
Espírito. O Pai é a Pessoa de q u e m procede o Espírito. A
respeito do Espírito o Filho diz que Ele "virá", que "será
enviado", que "procede", que "testificará".

45. Que dizer sobre a prova da genuinidade de 1 João 5:7?


Não disponho de espaço para apresentar um b o m resumo
dos argumentos a favor e contra a genuinidade da cláusula em
disputa. VejaHorne's Introdvol. 4, Parte 2, cap. 4, sec. 5.
L i m i t o - m e a dizer:
I o . Que a cláusula em disputa é como se segue: "no céu: o
Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são
os que testificam na terra".
2°. Entre os h o m e n s ilustrados e piedosos há diferença de
opiniões quanto à p r e p o n d e r â n c i a das evidências; as mais
abalizadas inclinam-se contra a genuinidade da cláusula.
3 o . A doutrina ensinada nessa passagem é tão bíblica, e é
tão íntima a conexão gramatical e lógica da cláusula com o
contexto, que, para edificação, e no estado atual do nosso
conhecimento, devemos retê-la, mas não devemos citá-la para
estabelecer doutrina.
4°. A rejeição dessa passagem de m o d o algum d i m i n u i a
força irresistível das provas fornecidas pelas Escrituras a favor
da doutrina ortodoxa sobre a Trindade.

46. Que passagens do Velho Testamento implicam existir mais


de uma Pessoa na Deidade?
Note-se o uso do plural nas passagens seguintes: Gên. 1:26;
3:22; 11:7; Is. 6:8. Confira-se a tripla repetição do n o m e de
Jeová em N ú m . 6:24-26 com a bênção apostólica em 2 Cor.
13:13. N o t e - s e t a m b é m em Is. 6:3 a tripla repetição da
atribuição de santidade.

238
A Santíssima Trindade

47. Que passagens do Velho Testamento falam do Filho como


Pessoa distinta do Pai e, ao mesmo tempo, como Deus?
No Salmo 45:6,7 temos o Pai dirigindo-Se ao F i l h o como
D e u s e u n g i n d o - O . Veja t a m b é m S a l m o 110:1 e Isaías
45:6,7,14.
Nas profecias fala-se do Filho sempre como u m a Pessoa
distinta do Pai e, ao m e s m o tempo, Ele é c h a m a d o " D e u s
Forte", etc. - Is. 9:6; Jer. 23:6.

48. Que passagens do Velho Testamento falam do Espírito Santo


como Pessoa distinta do Pai e, ao mesmo tempo, como Deus?
Gên. 1;2; 6:3; Jó 26:13; Sal. 104:30; 139:7; Is. 48:16.

5. R E S T A - N O S C O N S I D E R A R O Q U E AS
ESCRITURAS ENSINAM A RESPEITO DAS
R E L A Ç Õ E S E T E R N A S E N E C E S S Á R I A S Q U E AS
T R Ê S P E S S O A S D I V I N A S S U S T E N T A M E N T R E SI.

A. A R E L A Ç Ã O QUE A S E G U N D A PESSOA M A N T É M COM


A PRIMEIRA, OU A GERAÇÃO E T E R N A DO F I L H O .

49. Qual o uso idiomático da palavra hebraica b e n (filho)?


E usada no sentido - I o . De filho. 2 o . De descendente; e
aqui, no plural, "filhos de Israel", em vez de israelitas. Também
u n i d a , no plural, ao n o m e de um lugar ou nação, para denotar
seus habitantes ou os cidadãos, como "filhos de Sião", etc. 3 o .
De discípulo, pupilo, adorador, como "filhos dos profetas" (1
Reis 20:35); e "filhos de D e u s " aplicado (1) a reis, Sal. 2:7; (2)
aos a n j o s , G ê n . 6:2; Jó 38:7; (3) ao povo de D e u s , Seus
adoradores, Deut. 14:1; 4 o . Em combinação com substantivos,
para exprimir idade, qualidade, etc., como "filho de um ano",
em vez de: com a idade de um ano, Lev. 12:6, no hebraico ;
"filhos de Belial", em vez de malvados, Deut. 13:13; "filho da
m o r t e " , em vez de digno de morte, 1 Sam. 20:31; "outeiro,
filho da gordura" em vez de outeiro fertilíssimo, Is. 5:1, no

239
Capítulo 9

hebraico. O m e s m o idiotismo acha-se t a m b é m no grego do


N o v o Testamento. Veja Gesenius,i/e6. Lex.

50. Em que sentido os homens são chamados "filhos de Deus"


nas Escrituras?
A idéia gerai expressa pela palavra "filho", compreende -
I o . semelhança e derivação de natureza; 2 o . amor paterno e
filial; e 3 o . estado de herdeiro.
Nesse sentido geral, todas as criaturas santas e inteligentes
de Deus são chamadas Seus filhos. O termo é aplicado em
sentido eminente aos reis e magistrados, que recebem de Deus
o seu poder de regência - Sal. 82:6, e aos cristãos, que são objetos
da regeneração espiritual e da adoção - Gál. 3:26, objetos
especiais do favor divino - Mat. 5:9, e são semelhantes a Deus
- Mat. 5:45. Quando aplicada a criaturas, quer sejam h o m e n s
quer anjos - Jó 1:6; 38:7, a palavra está sempre no plural. No
singular é aplicada somente à segunda Pessoa da Trindade, com
a única exceção da aplicação feita a Adão em Luc. 3:38, eviden-
temente para denotar a sua derivação direta de Deus, sem a
intervenção dc um pai h u m a n o .

51. Quais os motivos alegados pelos socinianos para a aplicação


da expressão "Filho de Deus " a Cristo nas Escrituras?
I o . Alguns socinianos dizem que o n o m e Filho de Deus é
aplicado a Cristo somente como um título oficial, do m e s m o
modo como é aplicado no plural a reis e magistrados.
2 o . Outros socinianos dizem que Cristo foi chamado Filho
d e D e u s s o m e n t e p o r q u e D e u s O fez n a s c e r d e m o d o
sobrenatural, e não por geração natural. Em apoio disso eles
citam Lucas 1:35.

52. Que resposta se deve dar ao argumento baseado em Lucas


1:35, de que Jesus foi chamado Filho de Deus somente por causa
do Seu nascimento miraculoso? 1
I o . Se esse fosse o motivo f u n d a m e n t a l pelo qual o n o m e

240
A Santíssima Trindade

" F i l h o de D e u s " é aplicado tantas vezes a Cristo, Ele deveria


ser chamado "Filho do Espírito", pois foi o Espírito Santo
que desceu sobre a virgem. Mas nunca é chamado assim,
nem há indício algum nas Escrituras de tal relação.
2 o . Mesmo que esse tenha sido um dos motivos pelos quais
Cristo é chamado Filho de Deus, não se segue que não haja
outros e mais poderosos motivos revelados nas Escrituras para
se L h e dar esse nome. Provaremos abaixo que há.
/

3 o . E provável que o verdadeiro motivo pelo qual o anjo


disse à virgem o que consta dessa passagem era fazer-lhe saber
que, em conseqüência da geração sobrenatural de seu filho, o
m e n i n o que havia de nascer dela seria chamado o " F i l h o de
Deus". Não seria um m e n i n o c o m u m : o que havia de nascer
deveria ser considerado como relacionado de um m o d o pecu-
liar com Deus, até que se fizesse a completa revelação da Sua
filiação eterna como Pessoa divina.

53. Quais os motivos alegados pelos arianos para a aplicação


desse título a Cristo?
Os arianos dizem que é chamado assim porque Deus O
criou mais à Sua semelhança do que à de qualquer outra
criatura, e antes de qualquer outra criatura.

54. Qual o motivo alegado por alguns trinitarianos, que quanto


a este ponto afastam-se da fé ortodoxa, para a aplicação desse
título a Cristo, e em que passagens se apoiam?
Eles afirmam que o título "Filho de Deus" não pertence a
Cristo como o Logos, a eterna segunda Pessoa da Trindade, e
sim como o Theantropos (o Deus-homem). Objetam contra a
doutrina ortodoxa da filiação eterna de Cristo, alegando:
I o . Que filiação implica em derivação, e, por conseguinte,
em inferioridade.
2 o . Que a expressão "Filho de Deus" Lhe é aplicada em
muitas passagens como um sinônimo de "Cristo" e de outros
títulos oficiais, pertencendo a Seu ofício mediatorial e não às

241
Capítulo 9

Suas relações eternas dentro da Deidade. Suas referências


bíblicas são Mat. 16:16; João 1:49, etc.
3 o . Q u e no Sal. 2:7 é declarado expressamente que Cristo
foi constituído "Filho de D e u s " no tempo, contrariamente à
sua coexistência como tal desde a eternidade com o Pai por
necessidade da Sua natureza.
4 o . Tiram o mesmo argumento de Rom. 1:4.

55. Demonstre que não tem fundamento a objeção feita contra


a doutrina ortodoxa pela representação da segunda Pessoa como
inferior à primeira.
Essa objeção só parece plausível quando se força muito a
analogia entre as relações humanas de pai e filho e as relações
divinas a que se aplicam os mesmos termos. Mas essas relações
humanas podem ser a melhor analogia que nos é conhecida
das relações divinas de Pai e Filho, e servir de base para a
aplicação apropriada desses termos, sem que deixe de ser
verdade que as duas realidades indicadas são necessaria-
mente tão diversas como o material é diverso do espiritual, o
temporal do eterno e o finito do infinito. Além disso, a objeção
reside numa errônea compreensão da doutrina ortodoxa quanto
aos seguintes pontos:
I o . A doutrina da Igreja é que a Pessoa, e não a essência do
Filho, é gerada do Pai. A essência auto-existente da Deidade
pertence ao Filho e ao Pai igualmente, desde toda a eternidade.
2 o . O Pai gera ao Filho por um eterno e necessário ato
constitucional (não voluntário). Assim, o Filho de modo algum
depende do Pai ou Lhe é inferior, e é isso que distingue esta
doutrina do ensino da Igreja dos semi-arianos. Veja abaixo,
perg. 97. .... . . . . . . . . ,

56. Demonstre que não tem fundamento a objeção feita contra


a doutrina da Igreja, objeção baseada em Mateus 16:16; João
1:49,etc.
Em n e n h u m a dessas passagens se afirma que Ele é Filho

242
A Santíssima Trindade

como o Cristo, isto é,como o Mediador, mas que, sendo o Filho


eterno de Deus, é o Cristo, o Rei de Israel, etc.

51. Prove que nem o Salmo 2 nem Romanos 1A ensinam que


Cristo foi feito filho de Deus.
Q u a n t o ao Salmo 2:7, o Dr. Alexander (veja Com. on
Psalms), afirma que significa simplesmente: "Tu és meu Filho,
sou hoje, agora, sempre, eternamente Teu Pai. Mesmo que
relacionemos "hoje" com o p r i n c í p i o da relação filial, a
primeira cláusula do versículo, por sua forma de reminiscência
ou de narração, lança isso para um passado indeterminado. "O
Senhor me disse", mas quando? Se entendermos que o disse
desde a eternidade, deverá ver-se que a forma da expressão
seria perfeitamente análoga às outras formas figuradas por cujo
meio as Escrituras representam verdades realmente inefáveis
na linguagem humana".
Quanto a Romanos 1:4, diz o texto: "Declarado (horisthen-
tos, de horizo) Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de
santificação, pela ressurreição dos mortos". (A versão utilizada
pelo tradutor da edição de 1895 (que é a de Figueiredo) diz:
"Que foi predestinado Filho de Deus...) A palavra horizo,
empregada oito vezes no Novo Testamento, significa sempre
constituir, designar, ao passo que aqui se insiste em que
significa manifestar. Seu significado restrito é limitar, definir,
e bem pode ser tomada no sentido dcpropor, caracterizar, é este
o sentido em que o Dr. Hodge (Com. on Rom.) informa que o
termo é tomada pela grande maioria dos comentadores, alguns
dos chamados Pais gregos inclusive. Mas, m e s m o que se
conceda a interpretação que os nossos oponentes dão a essa
passagem, ficarão intactas as provas indubitáveis que muitas
outras passagens dão a favor da doutrina ortodoxa. Não seriam
inconciliáveis os dois motivos pelos quais Cristo é chamado o
Filho de Deus. , jv oi;.
É muito evidente que Cristo chama-Se a Si mesmo Filho
de Deus e que foi reconhecido como tal por Seus discípulos

243
Capítulo 9 • •

antes da ressurreição, e por isso esta O podia revelar ou


manifestar como sendo o Filho de Deus, mas não O podia
constituir em Filho de Deus.

58.Demonstre que Atos 13:32,33 não prova que Jesus foi


feito Filho de Deus.
Dessa passagem tira-se o argumento segundo o qual Jesus,
por Sua ressurreição, foi constituído em Filho de Deus como
o primeiro passo na Sua exaltação oficial. Isso não pode ser:
I o . Porque Ele foi enviado ao m u n d o como o Filho de
Deus.
2 o . Porque a palavra anastesis, tendo suscitado (tendo dado
surgimento), não ressuscitado (a Jesus), refere-se à suscitação
de Jesus no Seu nascimento, e não à Sua ressurreição dentre os
m o r t o s . Q u a n d o a palavra é e m p r e g a d a para d e s i g n a r a
ressurreição de Jesus, é quase sempre acompanhada da frase
dentre os mortos, como no versículo 34. O versículo 32 declara
que foi cumprida a promessa a que se faz referência no versículo
23. Veja Alexander, Com. onActs. • -

59. Qual a resposta ortodoxa à pergunta: por que Cristo é


chamado "Filho de Deus"?
A doutrina ortodoxa é que Cristo é chamado "Filho de
Deus" nas Escrituras para indicar a Sua eterna e necessária
relação pessoal como a segunda Pessoa da Deidade com a
primeira Pessoa, que é chamada Pai para indicar a relação
recíproca.

60. Como se acha exposta a doutrina nos credos niceno e


atanasiano, e na Confissão de Westminster?
Credo Niceno: "Filho de Deus, gerado de Seu Pai antes de
todos os séculos; Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus
de v e r d a d e i r o D e u s ; gerado, não feito, sendo de uma só
substância com o Pai". j•) - : .
Credo Atanasiano: "O Filho é somente do Pai, não feito,

244
A Santíssima Trindade

nem criado, mas gerado". ' >-


Confissão de Westminster: "O Pai não é de n i n g u é m - não
é gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado
do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do
Filho". A tradução que consta no "Livro de Confissões",
p u b l i c a d o pela Missão P r e s b i t e r i a n a do Brasil C e n t r a l ,
principia a parte pertinente dizendo: "O Pai não é nem gerado,
nem procedente de ninguém..." (Capítulo 2, Seção 3).

61. Que exposição e explicação comuns os escritores ortodoxos


dão desta doutrina?
A geração eterna do Filho é definida c o m u m e n t e como
sendo um eterno ato pessoal do Pai, no qual, por necessidade
da Sua natureza, e não por querer, Ele gera a pessoa (não a
essência) do Filho, comunicando-lhe a inteira substância
indivisível da Deidade, sem divisão, alheação ou mudança, de
modo que o Filho é a imagem expressa da Pessoa do Pai, e
continua eternamente, não do ou pelo Pai, e sim no Pai, e o
Pai no Filho. Veja especialmente Heb. 1:2; João 10:38; 14:11;
1 7 : 2 1 . 0 principal apoio bíblico da doutrina acha-se em João
5:26 - Turretino, Tom. 1. L. 3, Question 29.
Os teólogos que insistem nessa definição crêem que a idéia
de derivação está necessariamente implicada na de geração;
que ela é indicada pelos termos recíprocos Pai e Filho, e por
todas as representações dadas nas Escrituras quanto à relação e
ordem das Pessoas da Deidade, sendo sempre o termo Pai
e m p r e g a d o para r e p r e s e n t a r a D e i d a d e a b s o l u t a m e n t e
considerada; e julgam que essa teoria é necessária para manter
a u n i d a d e essencial das três Pessoas. Os teólogos antigos
chamavam por isso ao Pai pegetheotetos, "fonte da Deidade",
aitia huion, "princípio" ou "causa" do Filho, e ao Filho e ao
Espírito Santo chamavamaitiatoi, "causados" (os que dependem
de outrem como seu princípio ou sua causa). -; -
Resguardavam ao mesmo tempo a igualdade essencial do
Filho e do Espírito Santo com o Pai, dizendo:

245
Capítulo 9

I o . Que a inteira essência divina, sem divisão ou mudança,


e por isso todos os atributos divinos, lhes era comunicada.
2 o . Q u e essa comunicação era operada por um ato eterno e
necessário do Pai, e não da Sua livre vontade. Em todos os
antigos credos essa identidade quanto à essência, e subor-
dinação quanto ao m o d o de subsistência e comunicação, é
expressa do modo indicado acima: "Deus de Deus; L u z de
L u z " ; "do Pai"; "verdadeiro Deus de verdadeiro D e u s " ;
"gerado, não feito"; "da mesma substância com o Pai".

62. Demonstre como os escritores ortodoxos procuravam


resguardar sua doutrina contra toda irreverência antropomórfica.
Para resguardar sua doutrina de derivação e de geração
eternas contra todas as concepções grosseiras e antropomórficas,
sustentavam cuidadosamente que a derivação e a geração
referidas eram - 1. achronôs, acrônicas, atemporais, eternas;
2.asomatôs, não corporais, mas espirituais; 3.aoratôs, invisíveis;
4. achônstôs, não uma transferência local, nem uma comu-
nicação fora, e sim dentro da Deidade; 5. apathôs, sem paixão
nem mudança; 6. pantelôs akataleptôs, totalmente incom-
preensíveis.

63. Que é essencial à doutrina bíblica da geração eterna do


Filho?
Na exposição acima feita da doutrina ortodoxa não há nada
que seja incompatível com a verdade revelada. Mas a idéia de
derivação, como envolvida naquela da geração eterna do Filho
pelo Pai, parece antes ser uma explanação de fatos revelados
do que um fato revelado. N u m assunto como este, pois, é
melhor que não se fale positivamente. Tudo quanto é revelado
explicitamente é, I o . que o termo Filho é aplicado à segunda
Pessoa da Trindade; 2 o . que esse termo, como o que lhe é
equivalente, "unigénito", revela alguma relação, dentro da
Deidade, da Pessoa do Filho com a do Pai; e que a designação
de Pai é recíproca à de Filho; 3 o . que essa relação é tal que Pai

246
A Santíssima Trindade

e Filho são o mesmo em substância, e são iguais pessoalmente;


que o Pai é primeiro e o Filho é segundo na ordem de revelação
e operação, que o Filho é a imagem expressa da Pessoa do Pai,
não o Pai a da Pessoa do Filho, e que o Filho não é do nem
pelo Pai, e sim no Pai, e o Pai no Filho.

64. Como se pode mostrar que a doutrina comum não se


contradiz a si mesma?
É evidente que não há nada de incompatível na simples
exposição bíblica dada na resposta à última pergunta. Contro-
versistas heterodoxos, porém, têm dito que a doutrina ortodoxa
ensina o que é manifestamente inconciliável quando diz que
o Pai comunica a inteira essência divina ao Filho sem alheá-la
de Si mesmo, e sem dividi-la ou mudá-la de outra maneira.
Todo este assunto está fora do círculo da lógica h u m a n a ; mas,
ao mesmo tempo, é evidente que esta doutrina não envolve
n e n h u m a contradição, nem mistério maior do que o que se
acha envolvido na verdade segundo a qual toda a essência de
Deus acha-se presente ao mesmo tempo, sem divisão nem
difusão, em toda parte do espaço.

65. Quais os termos, além do vocábulo "Filho", empregados


para designar as características da segunda Pessoa e Sua relação
com a primeira?
A Palavra, ou o Verbo, com Deus, e que é Deus - João 1:1;
A imagem do Deus invisível - 2 Cor. 4:4; Col. 1:15; A imagem,
ou impressão, do Seu ser ou substância - Heb. 1:3; A forma de
Deus - Fil. 2:6; O resplendor da Sua glória - Heb. 1:3.

66. Que distinção alguns dos chamados "Pais da Igreja"faziam


entre a geração eterna, a antemundanal e a mundanal do Filho?
I o . Por Sua geração eterna entendiam a relação essencial
do Filho para com o Pai como Seu Filho consubstancial e
eterno. " •••
o
2 . Por Sua geração antemundanal entendiam o começo

247
Capítulo 9

das operações da Sua energia e a manifestação da Sua Pessoa


fora do seio da Deidade, na esfera da criação externa, etc. -
Col. 1:15.
3°. Por Sua geração mundanal entendiam Seu nascimento
sobrenatural em carne - Luc. 1:35.

67. Que distinção alguns dos chamados Pais faziam entre


"o logos endiathetos" (ratio ínsita, a razão) e o "logosprophorikos"
(ratio prolata, a razão produzida ou expressa)?
Os "pais" ortodoxos empregavam a frase logos endiathetos
para designar o Verbo, que consideravam como Pessoa dis-
tinta, que habita desde toda a eternidade com o Pai. O motivo
pelo qual usavam essa frase era uma analogia que imaginavam
existir entre a relação do logos (verbo ou razão) eterno com o
Pai (João 1:1), e a relação da razão do homem com a sua alma
racional. Assim, segundo eles, o logos endiathetos é a idéia
refletiva de Deus mesmo "hipostatizada". Foram levados a
f i l o s o f a r a s s i m , sobre u m t e m a i n c o m p r e e n s í v e l , pela
influência que exerciam sobre eles os filósofos platônicos
daquele século, que ensinavam que há uma espécie de trindade
m e t a f í s i c a , e.g., que no D e u s ú n i c o há três p r i n c í p i o s
constitutivos, to agathon, bondade, nous, inteligência, psuche,
vitalidade. Seu fito imediato era ilustrar a unidade essencial
da Trindade e provar, contra os arianos, pela aplicação que João
faz a Cristo do epíteto logos theos, o Verbo de Deus, que Ele é
essencialmente divino.
Designavam o Verbo pela frase logos prophorikos como a
razão de Deus revelada, quando Ele procedeu do Pai na obra
da criação.
Os arianos, aproveitando-se da imperfeição essencial desta
representação, embaralharam a controvérsia admitindo que a
frastlogosprophorikos tinha realmente aplicação a Cristo, porque
(em Cristo) havia sido produzida por Deus a Sua primeira e
mais exaltada de todas as criaturas e a imagem do Seu intelecto;
mas, ao mesmo tempo, declararam, com alguma aparência de

248
A Santíssima Trindade

verdade, que a frase logos endiathetos, quando aplicada a


Cristo, ensina puro sabelianismo, porque não indica distinção
pessoal, e nada mais significa senão unicamente o próprio
intelecto do Pai.

68. Se Deus é uens a se ipso" auto-existente, como pode o


Filho ser Deus, se Ele é Theos ek Theou, Deus de Deus?
A objeção apresentada nesta pergunta não se aplica à
exposição bíblica da geração eterna do Filho apresentada acima
(Perg. 63), e, sim, somente à teoria de derivação envolvida na
definição comum (veja Perg. 61). Os que insistem na validade
dessa definição respondem à objeção dizendo que autoexis-
tência é atributo de essência, e não de Pessoa. O Pai, como
Pessoa, gera a Pessoa, não a essência, do Filho, cuja Pessoa é
constituída da mesmíssima essência auto-existente que a do
Pai. Assim o Filho é Deus a se ipso quanto à Sua essência, e
Deus de Deus quanto à Sua Pessoa.

69. Que argumento a favor da filiação eterna de Cristo pode


ser tirado da designação das Pessoas da Trindade como o Pai, o
Filho e o Espírito Santo? •>' •>;: i- '•< ' . ;
Na bênção apostólica e na fórmula do batismo o Deus
único é designado como o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O
termo Filho, porém, não pode ser aplicado a Cristo nesta
conexão como título oficial, ou como designativo de um
homem gerado miraculosamente, porque, I o . é chamado assim
como uma das três Pessoas divinas que constituem a Deidade;
2 o . o termo Filho é recíproco do de Pai, e, por conseguinte,
indica a relação da segunda Pessoa com a primeira. Haja o que
mais houver envolvido nessa relação, só pode ser necessário e
eterno, incluindo a paternidade da parte da primeira Pessoa, e
filiação da parte da segunda.

70. Que argumento se pode apresentar em apoio desta doutrina


do uso da palavra "Filho" em Mateus 11:27 e em Lucas 10:22?

249
Capítulo 9 ,

É evidente que nestas duas passagens o termo Filho é


empregado para designar a natureza divina da segunda Pessoa
da Trindade em Sua relação à primeira. O Filho, como Filho,
conhece o Pai e é conhecido do Pai, como Pai. É infinito em
conhecimento, e por isso conhece o Pai. É infinito em Seu Ser,
c por isso não pode ser conhecido por ninguém, senão pelo \
Pai. I

71. Exponha o argumento de João 1:1-14.


Nesta passagem o Verbo eterno, que era Deus, descobriu-
Se como tal a Seus discípulos pela manifestação da Sua própria
glória divina, "glória como do (Filho) unigénito do Pai". Por
conseguinte, era o Filho "unigénito" como Deus, e não como
o Mediador nem como homem.

72. Exponha o argumento que se extrai da aplicação feita


nas Escrituras dos termos monogenes (unigénito) e idios (próprio)
à filiação de Cristo.
Embora muitas criaturas de Deus sejam chamadas Seus
filhos, a frase "Filho de Deus", no singular, e quando limitada
pelos termos "próprio" e "unigénito", é aplicada unicamente
a Cristo.
Este é chamado "Filho unigénito de Deus" - João 1:14,18;
3:16,18; 1 João4:9.
Em João 5:18 Cristo chama Deus "Seu próprio Pai" (assim
no grego). Em Romanos 8:32 é chamado "Seu próprio Filho",
isto é, o próprio Filho de Deus.
O uso destes termos qualificativos mostra que Cristo é
chamado Filho de Deus n u m sentido diverso daquele em que
outros são chamados assim. Por conseguinte, é chamado assim
como Deus, e não como homem, nem como título oficial.

73. Que argumento é derivado de João 5:22, e contexto, e de


João 10:33-37?
'Na primeira destas passagens os termos Pai e F i l h o são

250
A Santíssima Trindade

empregados para designar duas Pessoas iguais e divinas.


Como Filho, Cristo faz tudo o que faz o Pai, e é objeto de igual
honra.
Na segunda passagem Jesus toma o título "Filho de D e u s "
como equivalente à asserção de que é Deus, e os judeus O
acusam por isso de blasfemar.

74. Qual a prova fornecida pelas passagens que falam da


manifestação do dom ou da missão do Filho?
Veja 1 João 3:8; Rom. 8:3; João 3:16, etc.
Dizer que o Filho foi enviado ou manifestado implica que
já era Filho antes de ser enviado ou manifestado como tal.

75. Qual o argumento baseado em Romanos 1:3,4?


O argumento é duplo: I o . Diz-se que o Filho de Deus foi
feito carne; por conseguinte, preexistia como Filho. 2 o . Por
Sua ressurreição foi manifestado com poder que Ele é o Filho
de Deus quanto à Sua natureza divina. E evidente que as frases,
segundo a carne, o, segundo o espírito de santificação, são antitéticas,
indicando a primeira a Sua natureza humana, e a segunda a
Sua natureza divina.
í " V i: ~ ''\j
76. Qual o argumento baseado em Romanos 8:3?
Aqui Deus envia o Seu Filho em semelhança da carne do
pecado. E evidente, pois, que já era Filho quando Deus O
enviou, e que o fato dEle assumir a carne não O podia constituir
em Filho de Deus.

77. Qual o argumento baseado em Colossenses 1:15-21?


Nesta passagem o apóstolo fala extensamente da natureza
e da glória dAquele a quem, no versículo 13, chama " F i l h o
muito amado" de Deus (Figueiredo). Prova, assim, que Cristo,
como Filho, é a imagem do Deus invisível, que por Ele todas
as coisas subsistem, etc.

251
Capítulo 9

78. Qual o argumento baseado em Hebreus 1:5-8?


Nesta passagem o autor da Epístola expõe a superioridade
de Cristo como Pessoa divina, e Lhe chama "o Filho" e "o
Primogênito". Este Filho é introduzido na redondeza da terra
e, por conseguinte, já existia como Filho quando foi intro-
duzido. E, como Filho, é declarado que Ele é Deus e que Seu
trono é eterno.

79. Como se pode conciliar co?n esta doutrina as passagens


que parecem inferir que o Filho é inferior e sujeito ao Pai?
A alegação é que tais passagens provam que Jesus, como
Filho, é inferior e sujeito ao Pai.
Respondemos que em João 3:13 se diz que "o Filho do
h o m e m " desceu do céu, e está no céu. Mas, por certo, Jesus,
como Filho do homem, não era onipresente. Em Atos 20:28 se
diz que Deus adquiriu a Igreja pelo Seu próprio sangue;
mas, por certo, Cristo, como Deus, não derramou Seu sangue.
A explicação é que é de uso comum nas Escrituras dar à
Pessoa única do Deus-homem um título que L h e pertence
como possuidor de uma natureza, enquanto que aquilo que se
afirma a respeito d E l e só é verdade com respeito à outra
natureza. E assim que nas passagens a que se refere a pergunta
acima, Jesus é chamado "Filho de Deus" porque é o Verbo
eterno, enquanto, ao m e s m o tempo, nelas parece inferir que
Ele é inferior ao Pai, porque é também homem e Mediador.

B. A RELAÇÃO Q U E TERCEIRA PESSOA DA D E I D A D E


M A N T É M COM A P R I M E I R A E COM A S E G U N D A , OU A PRO-
CESSÃO E T E R N A DO E S P Í R I T O SANTO.

80. Qual a etimologia da palavra Espírito, e qual o uso dos


seus equivalentes no hebraico e no grego?
A palavra portuguesa "espírito" vem do latimspiritus, que
significa sopro, hálito, vento, ar, vida, alma. A palavra hebraica
equivalente, ruach, tem uso inteiramente análogo. I o . Seu

252
A Santíssima Trindade

sentido primário é vento, ar em movimento, Gên. 8:1; daí, 2 o .


sopro, respiração, Gên. 6:17; Jó 17:1; 3 o . alma animal, prin-
cípio vital nos h o m e n s e nos animais, 1 Sam. 30:12; 4 o . alma
racional do h o m e m , Gên. 41:8, e daí, m e t a f o r i c a m e n t e ,
disposição, índole, N u m . 5:14; 5 o . Espírito de Jeová, Gên.
1:2; Sal. 51:11. • . -
A palavra grega equivalente, pneuma, t a m b é m tem o
mesmo uso. Vem de pneô, respirar, soprar. Significa, I o . hálito,
Apoc. 11:11; 2 o . ar em movimento, vento, João 3:8; 3 o . o
princípio vital, Mat. 27:50; 4 o . a alma racional, falando-se (1)
das almas de homens falecidos, Heb. 12:23; (2) dos demônios,
Mat. 10:1; (3) dos anjos, Heb. 1:14; (4) do Espírito de Deus,
falando-se de Deus: (a) absolutamente, como um atributo da
Sua essência, João 4:24; e (b) como a designação pessoal da
terceira Pessoa da Trindade, que é chamada Espírito de Deus,
ou do Senhor, e Espírito Santo, e o Espírito de Cristo, ou de
Jesus, ou do Filho de Deus, Atos 16:6,7; Rom. 8:9; 2 Cor. 3:17;
Gál. 4:6; Fil. 1:19; 1 Ped. 1:11.

81. Por que a terceira Pessoa da Trindade é chamada Espírito?


Sendo igualmente espiritual a essência divina única e
indivisível que é comum a cada uma das Pessoas divinas, não
pode ser que esse termo seja aplicado à terceira Pessoa como
Sua designação pessoal, com o fim de dar-nos a conhecer assim
que essa Pessoa é espiritual quanto à Sua essência, mas, antes,
com o fim de denotar assim o que é peculiar à Sua Pessoa, isto
é, Sua relação pessoal com o Pai e o Filho, e o modo peculiar
de sua operação ad extra. Sendo e m p r e g a d o s os epítetos
recíprocos Pai e Filho para indicar, a certos respeitos, as relações
mútuas da primeira e da segunda Pessoas, assim também os
epítetos Espírito, Espírito de Deus, Espírito do F i l h o , o
Espírito que procede do Pai, são aplicados à terceira Pessoa
para indicar, a certos respeitos, a relação da terceira Pessoa com
as outras duas.

253
Capítulo 9 .\ím:

82. Por que Ele é chamado Espírito Santo?


Sendo a santidade um atributo da essência divina, e a
glória tanto do Pai e do Filho como do Espírito Santo, o termo
Santo não pode ser aplicado à terceira Pessoa em n e n h u m
sentido proeminente como Sua característica pessoal. É, por
conseguinte, indicativo da natureza peculiar de Suas operações.
E designado Espírito Santo porque é o autor da santidade por
todo o universo. Assim como o Filho é também chamado
Logos, ou Deus Revelador, assim também o Espírito Santo é
Deus Operador, o fito e glória de cuja obra no m u n d o moral é
a santidade, como no m u n d o físico é o belo.

83. Por que Ele é chamado Espírito de Deus?


Esta frase exprime Sua deidade, Sua relação com a Deidade
como Deus, 1 Cor. 2:11; Sua íntima relação pessoal com o Pai
como Seu espírito consubstacial procedendo dEle, João 15:26;
e o fato de que Ele é o Espírito divino, que, procedendo do
Pai, opera sobre as criaturas, Sal. 104:30; 1 Ped. 4:14.

84. Por que a terceira Pessoa é chamada Espírito de Cristo?


Veja Rom. 8:9; Gál. 4:6; Fil. 1:19; 1 Ped. 1:11. Sendo
idênticas em forma as frases Espírito de Deus e Espírito de
Cristo, e afirmando as Escrituras uniformemente, com uma
única exceção em João 15:26, aquilo mesmo quanto à relação
com o Pai, parece evidente que é chamado Espírito de Cristo
pelos mesmos motivos pelos quais é chamado Espírito de
Deus.
Esta frase manifesta t a m b é m a relação oficial que o
Espírito, em Suas operações na obra da redenção, mantém com
o D e u s - h o m e m , no fato de receber do que é dEle e no-lo
anunciar, João 16:14.

85. Que é que se entende pela frase teológica Processão do


Espírito Santo"?
Os teólogos chamam assim a relação que a terceira Pessoa

254
A Santíssima Trindade

m a n t é m com a primeira e a segunda, relação na qual, p o r um


ato eterno e necessário, isto é, não decorrente de u m a ação da
vontade do Pai e do Filho, Sua inteira e idêntica essência divina,
sem alheação, divisão ou mudança, é comunicada ao Espírito
Santo.

86. Que distinção os teólogos estabelecem entre processão e


geração?
Como este assunto inteiro transcende i n f i n i t a m e n t e a
medida de nossas faculdades, apenas podemos classificar e
contrastar os predicados que a inspiração tem aplicado à relação
d o Espírito com o Pai e o Filho. j:
Assim diz Turretino, vol. 1, L. 3, Q. 31: Diferem -
" I o . Quanto à Sua origem; o Filho provém só do Pai, mas o
Espírito procede do Pai e do Filho ao mesmo tempo.
"2 o . Quanto ao modo. O Filho provém por geração, que
não só efetua personalidade, mas também semelhança, em
virtude da qual o Filho é chamado imagem do Pai, e em
conseqüência da qual recebe a propriedade de comunicar a
mesma essência à outra Pessoa; mas o Espírito, por "spiração"
(espiração *), que só efetua personalidade, e em conseqüência
da qual a Pessoa que procede não recebe a propriedade de
comunicar a outra Pessoa a mesma essência.
"3 o . Quanto à ordem. O Filho é a segunda Pessoa, e o Espírito
é a terceira; e, embora ambos sejam eternos, sem princípio
nem sucessão, contudo, segundo o nosso modo de conceber as
coisas, a geração precede à processão". Os termos técnicos
utilizados para exprimir estes dois mistérios são generatio,
"geração ";processio missio, "processão".
"Os escolásticos procuraram em vão fundar uma distinção
entre geração c espiração sobre as operações diferentes da

* Neologismo técnico empregado por Odayr Olivetti em sua tradução da


obra Teologia Sistemática, de L o u i s B e r k h o f ( L u z para o C a m i n h o
Publicações, Campinas, 1990), pág. 98.

255
Capítulo 9

inteligência divina e da vontade divina. Dizem que o Filho é


gerado per modum intellectus, e que por isso é chamado Verbo
de Deus. O Espírito, per modum voluntatis, e que por isso é
chamado Amor." *

87. Qual é a base bíblica desta doutrina?


O que dissemos acima (Perg. 53) em relação à definição
teológica comum da geração eterna do Filho, é verdade também
em referência à definição c o m u m da processão eterna do
Espírito Santo, a saber, que, para tornarem mais inteligível o
método da unidade divina em Trindade, os teólogos têm levado
longe demais a idéia de derivação e subordinação na ordem da
subsistência pessoal. Este terreno é ao mesmo tempo sagrado
e misterioso. Os pontos dados nas Escrituras não devem ser
forçados, nem se deve especular sobre eles, porém devem ser
aceitos e confessados em sua nudez.
Os dados revelados por inspiração são simplesmente os
seguintes: 1°. O Pai, o Filho e o Espírito Santo, três Pessoas
divinas, possuem desde a eternidade a única essência inteira,
idêntica, indivisível, imutável. 2 o . O Pai, a julgar do Seu nome
característico e pessoal, da ordem em que Seu nome se encontra
u n i f o r m e m e n t e nas Escrituras, do fato de que o F i l h o é
chamado Seu e Seu unigénito, do fato de que o Espírito é
c h a m a d o Seu e p r o c e d e n t e d E l e , e da o r d e m da Sua
manifestação e operação ad extra, é evidentemente de algum
modo o primeiro na ordem de subsistência pessoal em relação
ao Filho e ao Espírito Santo. 3 o . Pelas mesmas razões, o Filho
(veja abaixo, Perg. 89), na ordem de subsistência pessoal, é
antes do Espírito. 4 o . Qual seja a natureza real destas distinções
na ordem de subsistência pessoal, nos é revelada só de modo

* Sobre isso ver Augustus Hopkins Strong, Systematic Theology, Three


Volumes in One, T h e Judson Press, 12a. ed., julho de 1949, pág. 342, notas,
principalmente a nota sobre "Edwards, Essay on the Trinity". Nota de Odayr
Olivetti.

256
A Santíssima Trindade

que é evidente - (1) Que não envolve n e n h u m a distinção de


tempo, porque todos, o Pai, o F i l h o e o Espírito Santo, são
i g u a l m e n t e eternos. (2) N ã o d e p e n d e de n e n h u m a ação
voluntária, porque isto tornaria a segunda Pessoa dependente
da primeira, e a terceira da primeira e da segunda, sendo certo
que todas são "iguais em poder e glória". (3) E uma relação tal
que a segunda Pessoa é eternamente o Filho unigénito da
primeira Pessoa, e a terceira é e t e r n a m e n t e o Espírito da
primeira e da Segunda Pessoas.

88. Qual a diferença entre as igrejas grega e latina quanto a


esta doutrina? -'j - < «•.... íj
O célebre Concílio Niceno (325 d.C.) definiu acurada-
m e n t e a d o u t r i n a da d e i d a d e do F i l h o , m a s d e i x o u o
testemunho quanto ao Espírito Santo na forma vaga em que
estava no credo antigo, chamado apostólico: "creio no Espírito
Santo". Todavia, tendo-se levantado a heresia de Macedónio,
que negava a deidade do Espírito Santo, o Concílio de Cons-
tantinopla (381 d.C.) completou assim o t e t e m u n h o do credo
niceno: "Creio no Espírito Santo, o Senhor, o Autor da vida,
que procede do Pai".
Suscitou-se depois uma controvérsia sobre a questão se
as E s c r i t u r a s e n s i n a m ou n ã o que o E s p í r i t o Santo tem
exatamente a mesma relação com o Filho que a que tem com
o Pai. Os latinos o afirmavam, e na terceira assembléia ecle-
siástica realizada em Toledo (589 d.C.)* acrescentaram a palavra
filioque (e do Filho) à versão latina do credo constantinopolitano,
dando a seguinte redação à cláusula: "Credimus in Spiritum
Sanctum qui a P a t r t filioque procedit". A Igreja grega opôs-se
a isso com violência, e até ao dia de hoje o rejeita. Por algum

* Apud H. Bettenson, in Documentos da Igreja Cristã, ASTE, S. Paulo,


1967, pág. 56, a "cláusula filioque" já fora utilizada no Concílio de Toledo
realizado em 477, tornou-se cada vez mais popular no Ocidente, e foi
inserida em diversas versões do credo. Nota de Odayr Olivetti.

257
Capítulo 9

t e m p o c o n t e n t a r a m - s e com o c o m p r o m i s s o : "O Espírito


procedente do Pai mediante o Filho" (Spiritum Sanctum qui
a Patre per Filium procedit); mas isso foi afinal rejeitado por
ambos os partidos. O credo constantinopolitano, conforme a
emenda feita no Concílio de Toledo, é o atualmente adotado
pela igreja romana, e também por todos os protestantes. Tem
o título de "credo niceno".

89. Como se pode provar, até onde nos é revelado, que o Espírito
Santo tem com o Filho exatamente a mesma relação que tem com
o Pai?
O epíteto "Espírito" é a designação pessoal característica
da terceira Pessoa. Tudo quanto nos é revelado da Sua eterna e
necessária relação pessoal com o Pai ou com o Filho é indicado
por essa palavra. Contudo é chamado Espírito do Filho como
igualmente Espírito do Pai. Possui a mesma essência, idêntica,
do Filho como do Pai. O Filho envia o Espírito e opera por
meio dEle, assim como o faz também o Pai. Onde quer que
esteja o Seu Espírito, aí revelam e manifestam o Seu poder
tanto o Filho como o Pai - João 14:16,26; 15:26; 16:7. Com a
única exceção da frase "que procede do Pai" * (João 15:26), as
E s c r i t u r a s a p l i c a m à relação do E s p í r i t o com o F i l h o
exatamente os mesmos predicados que aplicam à Sua relação
com o Pai.

90. Que ofício o Espírito exerce na economia da redenção?


Na economia da redenção, assim como universalmente,
em todas as operações da Deidade sobre a criatura, Deus o
Filho é o Deus revelado, Deus como Se fez conhecido, e Deus
o E s p í r i t o é a Pessoa d i v i n a q u e exerce a Sua e n e r g i a
imediatamente sobre a criatura e nela. No referido credo é

* De certa forma abrandada pela expressão "que eu vos enviarei" (ARA),


presente na mesma passagem citada. Nota de Odayr Olivetti.

258
A Santíssima Trindade

chamado, nesta relação, "o Senhor e Doador de vida". (Veja


resposta mais detalhada no Cap.24, "O Ofício Medianeiro de
Cristo", Perg. 9).
C. AS P R O P R I E D A D E S P E C U L I A R E S A CADA U M A DAS
T R Ê S PESSOAS DA D E I D A D E , E SUA O R D E M DE O P E R A Ç Ã O
"AD EXTRA".

91. Qual o significado teológico da palavra "propriedade" quando


aplicada à doutrina da Trindade, e quais são as propriedades pessoais
de cada uma das Pessoas da Deidade? . it .
Os atributos de Deus são as perfeições da essência divina,
e, por isso, c o m u n s às três Pessoas, que são "da m e s m a
substância", e, por isso, iguais em poder e glória". Já foram
discutidos no Cap. 8. No entanto, as propriedades de cada uma
das Pessoas divinas são os modos peculiares de subsistência
pessoal que fazem de cada Pessoa aquilo que ela é, e que
também constituem aquela ordem peculiar de operação que
distingue cada Pessoa das outras. As propriedades peculiares e
distintivas que pertencem a cada uma das Pessoas dá-se o nome
técnico de character hypostaticus - caráter pessoal. ;
O quanto nos são reveladas, as propriedades pessoais do
Pai são as seguintes: "Não é gerado de ninguém, nem procede
de n i n g u é m ; é o Pai do F i l h o , t e n d o - 0 g e r a d o desde a
eternidade; o Espírito procede dEle, e é Seu Espírito". Assim
o Pai é o primeiro em ordem e operação, enviando o F i l h o e o
Espírito Santo, e operando por meio dEles.
As propriedades pessoais do Filho são as seguintes: é o
Filho, desde a eternidade, o unigénito do Pai. O Espírito é o
Espírito do Filho assim como o é do Pai; é enviado pelo Pai, a
quem revela; e, assim como o Pai, envia o Espírito e opera por
meio dEle.
As propriedades pessoais do Espírito são as seguintes: é o
E s p í r i t o do Pai e do F i l h o , p r o c e d e n d o dEles d e s d e a
eternidade; é enviado pelo Pai e pelo Filho, que operam por
meio dEle; ele opera imediatamente sobre a criatura.

259
Capítulo 9

92. Que espécie de subordinação os escritores antigos atribuíam


à segunda e à terceira Pessoas em relação à primeira?
Afirmavam, como mostramos acima, que a geração eterna
do Filho pelo Pai, e a processão eterna do Espírito, vindo do
Pai e do Filho, envolviam em ambos os casos derivação da
essência. Ilustravam sua idéia deste ato eterno e necessário de
comunicação com o exemplo de um corpo luminoso que lança
raios de luz durante o tempo inteiro de sua existência. Assim
o credo niceno define o Filho como "Deus de Deus, Luz de
Luz". Assim como o brilho do sol é coevo com sua existência
e tem a mesma essência do sol como fonte, eles queriam por
meio desta ilustração dar expressão da sua fé na identidade e
conseqüente igualdade das Pessoas divinas q u a n t o à Sua
essência, e na subordinação relativa da segunda à primeira e
da terceira à segunda, quanto à Sua subsistência pessoal e
conseqüente ordem de operação.

93. Que é que se exprime pelo uso dos termos primeira, segunda
e terceira, em referência às Pessoas da Trindade?
Estes termos são aplicados às Pessoas da Trindade, por-
q u e - I o . As Escrituras dão sempre Seus nomes nesta ordem.
2 o . As designações pessoais de Pai, Filho e Espírito do Pai e
do Filho, indicam esta ordem de subsistência pessoal. 3 o . Seus
respectivos modos de operação estão sempre nesta ordem. O
Pai envia o Filho e opera por meio dEle; e o Pai e o Filho
enviam o Espírito e operam por meio dEle. As Escrituras
n u n c a , n e m direta n e m i n d i r e t a m e n t e , i n d i c a m o r d e m
diferente.
Quanto à relação externa da Deidade com a criatura, parece
que o Pai nos é revelado só como o vemos no Filho, que é o
Logos eterno ou o Verbo divino, a imagem expressa da Pessoa
do Pai. "Ninguém jamais viu a D e u s : o Filho unigénito, que
está no seio do Pai, é quem o revelou" - João 1:18. E o Pai e o
Filho operam diretamente sobre a criatura somente m e d i a n t e
o Espírito.

260
A Santíssima Trindade

"O Pai é toda a plenitude da Deidade invisível, sem forma,


a quem ninguém viu nem pode ver."
"O Filho é toda a plenitude da Deidade manifestada."
"O Espírito é toda a p l e n i t u d e da D e i d a d e o p e r a n d o
imediatamente sobre a criatura e tornando assim manifesto o
Pai na imagem do Filho, e pelo poder do Espírito."

94. Como se pode conciliar com a unidade da Deidade a idéia


de distinções pessoais na Deidade ?
Ainda que a constituição trinopessoal da Deidade esteja
inteiramente além do alcance da razão h u m a n a , como de fato
está, e nos seja conhecido u n i c a m e n t e por meio de u m a
revelação sobrenatural, como de fato é, é evidente que não há
contradição na proposição dupla segundo a qual Deus é um só
e, ao mesmo tempo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são esse
Deus único. São um só n u m sentido, e três n u m sentido
i n t e i r a m e n t e diferente. A essência eterna, auto-existente,
divina, constituindo todas essas perfeições divinas chamadas
atributos de Deus, é, no mesmo sentido e no mesmo grau,
c o m u m a todas as três Pessoas. Nesse sentido são um só.
Entretanto essa essência divina existe eternamente como Pai e
Filho e Espírito Santo, distintos por propriedades pessoais.
Nesse sentido são três. Cremos nisso, não porque o entendamos,
mas porque Deus Se nos revelou assim.

95. Como se pode conciliar a encarnação do Filho com a uni-


dade divina?
O Filho é idêntico ao Pai e ao Espírito quanto à essência,
mas d i s t i n t o dEles quanto à subsistência pessoal. Na
encarnacão não foi feita h o m e m a essência divina do Filho,
o '

porém Ele, como Pessoa divina, entrou numa relação pessoal


com a natureza h u m a n a do h o m e m Cristo Jesus. Isto não
constituiu uma nova pessoa, mas simplesmente introduziu um
novo elemento na Sua Pessoa eterna. Foi uma união pessoal
do Filho com u m a alma e um corpo humanos, e não houve

261
Capítulo 9

n e n h u m a mudança nem na essência divina, nem na relação


pessoal do Filho com o Pai c com o Espírito Santo.

OPINIÕES HERÉTICAS

96. Quais são os três grandes pontos que, juntos, constituem o


mistério da Trindade como Ela nos é revelada nas Escrituras, e cuja
inconciliabilidade aparente ocasiona a grande objeção contra esta
doutrina na mente dos hereges de todas as classes?
Os três grandes pontos são os seguintes: I o . Há absoluta-
mente só um Deus, só uma substância auto-existente, eterna,
imutável, espiritual. 2 o . Pai, Filho e Espírito Santo são cada
um igualmente este Deus único - são, cada um em comum,
c o n s t i t u í d o s da t o t a l i d a d e dessa essência i n d i v i s í v e l e
inalienável, tendo a mesma e idêntica essência numérica, e os
mesmos e idênticos atributos. 3 o . Não obstante isso, o Pai, o
Filho e o Espírito Santo são três Pessoas distintas, sendo que
cada uma Se distingue por Suas diversas propriedades pessoais.
A dificuldade para nós está em que, no caso dos únicos espíritos
criados de que temos qualquer conhecimento, cada pessoa é
uma essência espiritual distinta, e sua personalidade distinta
está discriminada definitivamente por diferença numérica de
atributos. Não podemos conceber como três pessoas p o d e m
ter entre si uma só inteligência e vontade.
Por conseguinte, todas as heresias sobre este ponto tiveram
origem n u m a ou noutra de três tendências distintas, ou na
tentativa de desembaraçar a doutrina de suas inconciliabili-
dades aparentes negando ou abatendo um ou outro de seus
elementos constitutivos. Assim, I o . Uma tendência é cortar o
nó da dificuldade negando a deidade do Senhor Jesus Cristo e
a personalidade do Espírito Santo, tornando assim Deus o
Pai na única Pessoa divina e possuidor exclusivo da única
substância divina. 2 o . Uma segunda tendência herética é a de
negar a unidade divina e manter a existência de três Deuses,
distintos tanto em essência como em Pessoa. 3 o . A terceira

262
A Santíssima Trindade

tendência herética é a de levar tão longe a unidade divina que


o Pai e o Filho e o Espírito Santo tornam-Se u m a essência
idêntica, só se admitindo que são três diversos nomes, aspectos
ou funções da única Pessoa divina.

97. Quais as diversas opiniões mantidas por aqueles que negam


a deidade de Cristo e a deidade ou a personalidade do Espírito
Santo?
I a . A dos antroponianos,* que afirmam que Cristo era mero
homem. Na Igreja Primitiva eram conhecidos pelos nomes de
ebionüas talogi - negadores do Logos, enquanto que na Igreja
m o d e r n a são conhecidos pelo n o m e de socinianos. Veja a
exposição da história e doutrina dos socinianos acima, Cap. 6,
Perg. 11-13. E n t r e os que afirmam que Jesus era mero h o m e m
há d i f e r e n ç a de opinião q u a n t o à Sua concepção, se foi
sobrenatural ou não, sobre a questão de Seus dons sobrenaturais
como profeta, e sobre o grau de honra e obediência que L h e
d e v e m o s . A l g u n s a d m i t e m que E l e teve u m a c o m i s s ã o
sobrenatural e divina, e qualificações divinas e sobrenaturais
s u p e r i o r e s às de q u a l q u e r o u t r o p r o f e t a . O u t r o s n e g a m
inteiramente o elemento sobrenatural, e O têm em conta de
mero h o m e m dotado de um gênio moral e religioso m u i t o
4 1
superior. • *•*
Toda esta classe sustenta que Deus é uma só Pessoa, como
é uma só essência, e a maior parte toma a expressão Espírito
Santo somente como a designação da energia divina mani-
festada nas coisas humanas. Alguns dos racionalistas alemães,
que na maior parte concordam com os socinianos, afirmam
que a expressão Espírito Santo assinala a única Pessoa divina
o p e r a n d o no m u n d o da natureza - criação e providência.
Outros sustentam que assinala Deus na Igreja.

* N e o l o g i s m o c r i a d o por O d a y r O l i v e t t i p a r a s u b s t i t u i r o t e r m o
"humanitarianos", termo de sentido ambíguo, empregado pelo tradutor
original.

263
Capítulo 9 -y .

2 a . Os gnósticos, em geral, afirmavam que o D e u s s u p r e m o


é um só, t a n t o em essência como em Pessoa, e q u e d E l e
emanavam diversas ordens de seres espirituais, sendo que
n e n h u m deles é realmente Deus e, contudo, são divinos, p o r
p r o c e d e r e m dEle mediante emanação. Chamavam-nos aeons,
e destes Cristo era o maior. A soma total desses aeons constituía,
na opinião dos gnósticos, o pan to pleroma tes theotetos, a soma
inteira de todas as auto-revelações ou auto-comunicações atuais
ou possíveis da Deidade inacessível, e que, segundo o apóstolo
Paulo, se haviam realizado única e plenamente em Cristo -
Col. 2:9.
3 a . Os primeiros trinitários nominais. " N a suâ construção
da d o u t r i n a da Trindade, o Filho não é u m a subsistência na
essência, mas somente uma efluência ou energia procedendo
dela; por isso não podiam afirmar logicamente a união da
natureza divina, ou da própria substância da D e i d a d e com a
h u m a n i d a d e de Jesus. U m a simples energia efluente, proce-
dendo de Deus e entrando na h u m a n i d a d e de Cristo, não seria
mais do que u m a i n s p i r a ç ã o i m a n e n t e s e m e l h a n t e à dos
profetas" - Shedd,Hist. Christ. Doe., Liv. 3, Cap. 5, § 1.
4 a . Os arianos, n o m e proveniente de Ário, presbítero de
Alexandria durante a primeira parte do quarto século, o grande
o p o n e n t e de Agostinho. Afirmava que a D e i d a d e consiste
n u m a só Pessoa eterna a qual, no princípio, antes de todos os
séculos, criou à Sua imagem um ser sobreangélico (heteroousion,
de essência diversa), seu Filho unigénito, o princípio da cria-
ção de Deus, por meio de quem t a m b é m fez os m u n d o s . A
primeira e maior das criaturas assim criadas pelo F i l h o foi o
E s p í r i t o S a n t o . N o c u m p r i m e n t o d o t e m p o , esse F i l h o
encarnou na Pessoa de Jesus de Nazaré.
5 a . A d o u t r i n a dos semiarianos. Este partido foi c h a m a d o
assim por ocupar um terreno intermédio entre os arianos e os
ortodoxos. Sustentavam que o Deus absoluto e auto-existente
é u m a só Pessoa, porém que o Filho é pessoa divina, de u m a
essência gloriosa e semelhante mas não idêntica à do Pai, e

264
A Santíssima Trindade

que foi gerado desde a eternidade pelo Pai no livre exercício


da Sua vontade e do Seu poder, e, por isso, é s u b o r d i n a d o ao
Pai e dEle dependente. Esta foi a idéia disseminada primeiro
por Orígenes e defendida com muita eloqüência no Concílio
Niceno por Eusébio, bispo de Cesaréia, e por Eusébio, bispo
da Nicomédia.
Parece que alguns dos semiarianos concordavam com os
arianos em considerar o Espírito Santo como a primeira e mais
gloriosa criatura do Filho, mas que a maioria deles tomava as
palavras "Espírito Santo" como o n o m e de u m a energia de
Deus ou como sinônimo da palavra "Deus".

98. Qual era a posição daqueles que procuravam diminuir


de suas dificuldades a doutrina da Trindade negando a unidade
divina?
Eram os triteístas, que afirmavam que há na Deidade três
ousiai, essências, consideradas numericamente, como também
três hypostaseis, Pessoas. Sustentavam que se devia entender a
ousia, a essência, como que na mera concepção de gênero, do
qual a hipostasis, a pessoa, é um indivíduo ou uma espécie;
que "há três Deuses, genericamente um, porém individual-
mente distintos". João Ascusuages, de Constantinopla, e João
Filopono, de Alexandria (na segunda parte do sexto século)
foram cabeças dos triteístas.

99. Qual era a posição daqueles que foram tão longe em sua
defesa da unidade divina, em oposição aos triteístas, que levaram à
idéia de que o Pai, e o Filho e o Espírito Santo são uma só Pessoa
como também uma só essência?
Os monarquianos, assim chamados porque rejeitavam a
tríada e m a n t i n h a m a mônada ou a unidade absoluta quanto
às Pessoas como também à essência da Deidade, eram de
diversas classes; alguns, como, e.g., os alogi, eram m u i t o
semelhantes aos unitários modernos, devendo estes dois termos
/

exprimir a mesma idéia. Outros, como Práxeas, da Asia Menor,

265
Capítulo 9 •

de cerca de 200 d.C., Noeto, de Esmirna, de cerca de 230 d.C.,


e Berilo, de Bostra, na Arábia, de cerca de 250 d.C., sustentavam
que essa única Pessoa divina encarnou no h o m e m Cristo, e
por isso se lhes deu o nome ázpatripassianos. Sabélio, presbítero
de Ptolomais, em meados do terceiro século, adotou as idéias
dos monarquianos e, em oposição à doutrina promulgada por
Orígenes e seus discípulos, afirmava que os títulos de Pai, Filho
e Espírito Santo eram tão-somente outros tantos nomes e
manifestações de um só e do mesmo Ser divino. Converteu
assim a distinção real e objetiva de Pessoas (uma Trindade de
essência) n u m a distinção m e r a m e n t e s u b j e t i v a e m o d a l
(Trindade de manifestações). "Afirmavam que só há uma
única Pessoa divina. Esta Pessoa única, entendida em Sua
simplicidade e em Sua eternidade abstratas, chama-Se Deus o
Pai; mas em Sua encarnação chama-Se Deus o Filho. As vezes
era empregado um modo diverso de apreender e de expor a
doutrina. Deus, em Sua natureza e em Seu modo de ser ocultos
e não revelados, chama-Se Deus o Pai, e quando sai das profun-
didades da Sua essência, criando o universo e revelando-Se e
comunicando-Se a este, toma assim sobre Si uma relação
diversa e também um nome diverso, que é o de Deus o Filho,
ou o Logos."

100. Por quais considerações se pode mostrar que a doutrina


da Trindade é um elemento fundamental do evangelho ?
Não se pode afirmar que as sutilezas das especulações
teológicas sobre este ponto sejam essenciais à fé, e sim que é
essencial à salvação que se creia nas três Pessoas em um só
D e u s , nos t e r m o s em que são reveladas nas E s c r i t u r a s .
Considerações: I a . O único Deus verdadeiro é Aquele que Se
nos tem revelado nas Escrituras; e a própria finalidade do
evangelho é levar-nos a conhecer esse Deus precisamente no
aspecto em que Se nos revelou. Qualquer outra concepção que
fizermos de Deus apresentará ao nosso espírito e à nossa
consciência um deus falso. Neste sentido não pode haver

266
A Santíssima Trindade

compromisso ou concessão sem traição. Os socinianos, os


arianos e os trinitários prestam culto a deuses diferentes.
2 a . As Escrituras declaram explicitamente que o conheci-
mento do Deus verdadeiro e de Jesus Cristo que Ele enviou
é a vida eterna; e que é necessário que honremos o Filho
como honramos o Pai - João 5:23; 14:1; 17:3; 1 João 2:23;
5:20.
3 a . No rito de iniciação na Igreja Cristã somos batizados
no nome de cada uma das três Pessoas da Trindade - Mat. 28:19.
4 a . O plano inteiro da redenção é baseado sobre esta
doutrina. A justificação, a santificação, a adoção, e tudo mais
que torna o evangelho a sabedoria e o poder de Deus para a
salvação, só se pode entender à luz dessa verdade f u n d a m e n -
tal.
5 a . Como fato histórico, não se pode negar que sempre
que em qualquer igreja foi a b a n d o n a d a ou obscurecida a
doutrina da Trindade, sofreram as mesmas conseqüências todas
as demais doutrinas características do evangelho.

M Sv'.. >0. . 'V

267
10

Os Decretos de Deus em Geral

1. Quais são os decretos de Deus?


Veja Conf. de Fé, Cap. 3; Cat. Maior, pág. 12, e Breve Cat.,
pág. 7.
O decreto de D e u s é Seu propósito soberano, eterno,
imutável, santo e sábio, abrangendo ao m e s m o tempo todas
as coisas que existiram, existem agora e em qualquer tempo
existirão, com suas causas, condições, sucessões e relações, e
d e t e r m i n a n d o sua futurição certa. Nós, em conseqüência da
limitação das nossas faculdades, concebemos as diversas partes
desse propósito único e eterno sob aspectos diversos e em
relações lógicas, e por isso o c h a m a m o s DECRETOS.

2. Como se classificam os atos de Deus, e em que classe os


teólogos colocam os decretos?
Todos os atos divinos imagináveis podem ser classificados
do m o d o seguinte:
I o . Ações imanentes e intrínsecas, p e r t e n c e n t e s essen-
c i a l m e n t e à perfeição da n a t u r e z a d i v i n a , sem n e n h u m a
referência a qualquer coisa que existe fora da Deidade. São os
atos da geração eterna e necessária, pela qual o F i l h o vem do
Pai, e a processão eterna e necessária, pela qual o Espírito
procede do Pai e do Filho, e todas as demais ações envolvidas
na associação m ú t u a das três Pessoas divinas.
2 o . Ações extrínsecas e transitórias, isto é, ações livres que,
p r o c e d e n d o de Deus e t e r m i n a n d o na criatura, dão-se

268
Os Decretos de Deus

sucessivamente no tempo, como sejam os atos de D e u s na


criação, na providência e na graça.
3 o . A terceira classe é semelhante à primeira, por serem
imanentes e intrínsecas, essenciais à perfeição da natureza
divina e aos estados permanentes do ânimo divino, mas ao
mesmo tempo diferem das ações da primeira classe por dizerem
respeito à inteira criação dependente, exterior à Deidade. Esses
atos são os decretos eternos e imutáveis de Deus a respeito de
todos os seres e eventos exteriores em relação a Ele.

3. Quais são a natureza e a fonte essenciais das dificuldades


que oprimem a razão humana quando cogita sobre este tema?
Todas essas dificuldades têm sua origem nas relações
i n t e i r a m e n t e inescrutáveis do eterno com o temporal, do
infinito com o finito, da soberania absoluta de Deus com a
livre agência do homem, e do fato indubitável da origem do
pecado com a santidade, a bondade, a sabedoria e o poder de
Deus. Não são peculiares a n e n h u m sistema de teologia, e se
encontram em qualquer sistema que reconheça a existência e
o governo moral de Deus e a ação livre do homem. Causaram
muita perplexidade aos filósofos pagãos da antigüidade, e os
deístas dos tempos modernos, juntamente com os socinianos,
com os pelagianos e com os a r m i n i a n o s , a c h a m - n a s tão
insolúveis como os calvinistas.

4. De que ponto de vista fixo devemos partir no estudo deste


assunto?
Um Deus auto-existente, independente, todo-perfeito e
imutável, existindo sozinho desde toda a eternidade, comcçou
a criar o universo físico e o universo moral n u m vácuo absoluto,
s e n d o levado a fazê-lo p o r m o t i v o s e com r e f e r ê n c i a a
finalidades, e segundo idéias e planos, todos interiores a Ele e
originados unicamente por Ele. Também, se Deus governa o
universo, é certo que, sendo ele um Ser inteligente, governa-o
segundo um plano; e este plano deve ser perfeito em sua

269
Capítulo 10

compreensão, abrangendo todos os pormenores. Se Ele tem


um plano agora, é evidente que teve esse mesmo plano sem
n e n h u m a alteração desde o princípio. O decreto de Deus é,
portanto, o ato de um Ser pessoal soberano, infinito, absoluto,
eterno e imutável, compreendendo um plano que inclui todas
as obras, sejam quais forem, grandes e pequenas, desde o
princípio da criação até à eternidade sem fim. Por isso tem que
ser incompreensível, e não pode depender de coisa alguma
exterior a Deus mesmo, porque já estava formado antes que
existisse coisa alguma fora Deus, e por isso abrange e determina
todas as coisas exteriores e todas as suas respectivas condições,
para sempre.

5. Qual a distinção entre presciência* e preordenação, e qual a


posição geral dos socinianos sobre este ponto?
Presciência é o ato da inteligência infinita de Deus, pelo
qual Ele conhece desde toda a eternidade, e sem mudança, a
futurição certa de todos os eventos, de qualquer espécie que
fossem, e que em qualquer tempo houvessem de acontecer.
Preordenação é um ato da vontade infinitamente inteli-
gente, pré-conhecedora, reta e benévola de Deus,determinando,
desde toda a eternidade, a futurição certa de todos os eventos,
de qualquer espécie que fossem, e que em qualquer tempo
houvessem de acontecer. A presciência reconhece a futurição
certa dos eventos, e a preordenação os torna com certeza futuros.
Os socinianos admitem que a presciência e a preordenação
de Deus são co-abrangentes, mas limitam u m a e outra aos
eventos pertencentes à criação e à providência que Deus
d e t e r m i n o u fazer acontecer, ou por Sua p r ó p r i a agência
imediata, ou por meio das causas secundárias que operam sob
a lei da necessidade. Eles n e g a m que a p r e s c i ê n c i a e a

Melhor seria o termopré-conhecimento, mas mantemos "presciência" por


ter sido utilizado pelo tradutor original, e por ser de uso geral. Nota de Odayr
Olivetti.

270
Os Decretos de Deus

preordenação de Deus se estendam aos atos voluntários dos


agentes livres, e dizem que tais atos são, p o r sua p r ó p r i a
natureza, contingentes e só podem ser conhecidos depois de
praticados.

6. Qual é a posição dos arminianos sobre este ponto?


Os arminianos concordam com os socinianos em negar
que Deus preordene os atos voluntários de agentes livres, ou
que de algum m o d o os predetermine de maneira que sejam
com certeza futuros. Mas diferem dos socinianos e concordam
conosco em sustentar que a presciência certa de Deus estende-
-se igualmente a todos os eventos, quer sejam contingentes
em sua natureza, quer sejam produzidos por causas secundárias
que operam sob a lei da necessidade. Sustentam que Deus prevê
com certeza absoluta e desde toda a eternidade a futurição dos
atos livres dos agentes morais, e que os abrange e os ajusta ao
Seu plano eterno - plano que abrange todas as coisas, as ações
livres dos agentes morais como apenas previstas, e as ações dos
agentes necessários como preordenadas absolutamente.

7. Podemos expor, sob diversos títulos, a doutrina calvinista


sobre este ponto.
I o . Deus pré-conhece todos os eventos como futuros com
certeza,porque os decretou e assim os tornou futuros com certeza
absoluta.
2 o . Os decretos de Deus referem-se igualmente a todos os
eventos futuros de qualquer espécie que sejam, às ações livres
dos agentes morais, como t a m b é m às ações dos agentes
necessários, às ações pecaminosas como também às que são
moralmente boas.
3 o . Algumas coisas Deus decretou e t e r n a m e n t e fazer
pessoalmente, e.g., a criação; outras fazer acontecer por meio
da ação de causas secundárias o p e r a n d o sob u m a lei de
necessidade; e outras ainda decretou mover agentes livres para
fazê-las, ou permitir que as fizessem no uso da sua liberdade;

271
Capítulo 10 ' • -

ao m e s m o tempo, estes últimos eventos o decreto torna tão


certamente futuros como qualquer dos outros.
4 o . Deus decretou os fins como também os meios, as causas
como t a m b é m os efeitos, as condições e os instrumentos como
também os eventos que deles dependem.
5 o . O decreto de Deus determina só a futurição certa dos
eventos, e de m o d o algum efetua ou causa um evento. Mas o
próprio decreto em todos os casos determina que o evento seja
efetuado por causas operando de uma maneira perfeitamente
em harmonia com a natureza do evento que vai ser efetuado.
Assim, por exemplo, no caso dos atos livres de um agente
moral, o próprio decreto determina ao mesmo tempo - (1)
Que o agente seja livre. (2) Que os seus antecedentes e também
todos os antecedentes do ato em questão sejam o que são ou
foram. (3) Que todas as condições atuais do ato sejam o que são.
(4) Que o ato seja inteiramente espontâneo e livre da parte do
agente. (5) Que seja com certeza futuro.
6°. Os propósitos de Deus, dizendo respeito a todos os
eventos de qualquer espécie, constituem uma só intenção todo-
compreensiva, abrangendo todos os eventos, os livres como
livres, os necessários como necessários, bem como todas as suas
causas, condições e relações, como um só sistema indivisível
de coisas, sendo cada elo essencial à integridade do sistema
todo.

8. Quanto ao que diz respeito ao plano eterno de um Criador


onisciente e onipotente, mostre que a presciência é equivalente à
preordenação.
Deus, possuindo presciência e poder infinito, existiu só,
desde a eternidade, e no tempo, movido s o m e n t e por Si,
começou a criar n u m vácuo absoluto. Quaisquer causas ou
condições limitantes posteriormente existentes, Ele mesmo
produziu intencionalmente, com perfeita presciência de sua
natureza, de suas relações e de seus resultados. Se Deus, pois,
prevendo que, se criasse certo agente livre e o colocasse em

272
Os Decretos de Deus

certas relações, esse agente agiria livremente de certo m o d o ,


mesmo assim, com essa previsão certa, criou esse mesmo agente
livre e o colocou precisamente nessas relações, é evidente que
Deus, agindo assim, predeterminaria a futurição certa do ato
previsto. E impossível que Deus, na realização de Sua obra,
seja em qualquer tempo obrigado a escolher entre dois males,
porque o sistema inteiro, e cada finalidade, cada causa par-
ticular, e cada condição, foram previstos claramente e, p o r
escolha deliberada, admitidos por Ele mesmo.

9. Que razões temos para ver os decretos de Deus como uma


só intenção todo-compreensiva?
1 0 . Porque, como mostraremos abaixo, são um ato eterno,
e ceternitas est una, individua et tota simul. *
2 o . Porque todo evento que realmente acontece no sistema
das coisas acha-se entrelaçado com todos os demais eventos
n u m envolvimento interminável. N e n h u m evento é isolado.
A cor de uma flor e o n i n h o de um pássaro acham-se relacio-
nados com o inteiro universo material. Mesmo em nossa
ignorância, podemos ver como um fenômeno químico está
em relação com uma miríade de outros fenômenos, classi-
ficados sob os títulos de mecânica, eletricidade, luz e vida.
3 o . Deus decreta os eventos como realmente sucedem, isto
é, eventos produzidos por causas e dependentes de certas
condições. O decreto que determina o evento não pode deixar
fora a causa ou a condição da qual depende o evento. Mas a
causa de um evento é o efeito de outro, e cada evento que sucede
no universo é mais ou menos imediata ou r e m o t a m e n t e a
condição de todos os demais, de modo que um propósito eterno
da parte de Deus é forçosamente um ato todo-abrangente.
Sendo finitas as nossas mentes, e sendo-nos impossível
abarcar n u m só ato de compreensão inteligente um n ú m e r o

* Uma possível tradução seria: a eternidade é una, em seus elementos


individuais e em sua totalidade, simultaneamente. Nota de Odayr Olivetti.

273
Capítulo 10

infinito de eventos em todas as suas relações e conexões, somos


obrigados a contemplar os eventos em grupos parciais, e
concebemos o propósito de Deus em relação a eles como atos
distintos e sucessivos. Por isso as Escrituras falam dos con-
selhos, propósitos e juízos de Deus no plural, e, para indicar a
relação que Deus quer que um evento tenha com outro, elas
falam como se Deus Se propusesse a fazer suceder um evento
como o meio ou a condição do qual outro depende. Isso tudo é
verdade, porque esses eventos todos têm essas relações entre
si; mas, ao mesmo tempo, todos se acham incluídos, e n e n h u m
está fora, desse propósito único e eterno de Deus que abrange
igualmente todas as causas e todos os efeitos, todos os eventos
e todas as suas condições.
Todos os erros especulativos dos homens a respeito deste
p o n t o nascem da tendência da m e n t e h u m a n a de prestar
atenção exclusiva só a uma parte do propósito eterno de Deus
e de considerar essa parte isolada das demais. Os decretos de
Deus não separam evento algum de suas causas ou condições,
s
como também não estão separados na natureza. E-nos tão
i m p o s s í v e l a b r a n g e r p o r u m s ó ato c o m p r e e n s i v o d a
inteligência todas as obras realizadas por Deus na natureza
como no-lo é abranger todos os Seus decretos. Somos obrigados
a estudar Suas obras parte por parte. Mas n e n h u m observador
inteligente que estuda a natureza julga que haja evento isolado.
Assim também somos obrigados a estudar Seus decretos parte
por parte; porém n e n h u m teólogo inteligente deve supor que
neles há elos quebrados ou conexão imperfeita em parte alguma.

10. Como se pode provar que os decretos de Deus são eternos?


I o . Sendo Deus infinito, Ele é necessariamente eterno e
imutável, desde a eternidade infinito em sabedoria e conhe-
cimento, e nos Seus pensamentos e propósitos absolutamente
independente de qualquer criatura. Não pode nunca haver
acréscimo à Sua sabedoria, nem surpresa para a Sua presciência,
nem resistência contra o Seu poder, e, por conseguinte, não

274
Os Decretos de Deus

pode nunca haver motivo para que Ele revogasse ou revogue


um decreto Seu ou modificasse ou modifique esse propósito
infinitamente sábio e reto que, pela perfeição da Sua natureza,
formou desde a eternidade.
2 o . As Escrituras o afirmam - (desde toda a eternidade)
Atos 15:18; (antes da fundação do m u n d o ) Ef. 1:4; (já antes da
criação do mundo) 1 Ped. 1:20 (Figueiredo); (desde o princípio,
segundo o grego (assim Almeida) 2 Tess. 2:13, mas, na tradução
de Figueiredo, "como primícias", 2:12; (antes dos tempos dos
séculos) 2 Tim. 1:9; (antes dos séculos) 1 Cor. 2:7; (o eterno
propósito) Ef. 3:11; etc.

1
11. Provamos que os decretos são imutáveis. -
I o . L e m b r a n d o que são e t e r n o s , como acabamos de
mostrar.
2 o . L e m b r a n d o que Deus é eterno, absoluto, imutável e
perfeito em sabedoria e poder.
3 o . E ensino das Escrituras - Sal. 33:11; Is. 46:10; etc.

12. Provamos, pela razão, que os decretos de Deus abrangem


todos os eventos.
C o m o m o s r r a m o s acima, n ã o há evento isolado. Por
conseguinte, se um só evento foi decretado absolutamente,
todos o deviam ser. Se um deles foi deixado indeterminado,
todos os eventos futuros serão indeterminados com ele, em
grau maior ou menor.

13. Provamos o mesmo ponto pelas Escrituras.


I o . Elas a f i r m a m que os decretos divinos a b r a n g e m
completamente todo o sistema - Ef. 1:11; Atos 17:26; Dan.
4:34,35.
2 o . Afirmam o mesmo a respeito dos eventos fortuitos -
Prov. 16:33; Mat. 10:29,30.
3 o . Também a respeito das ações livres dos homens - Ef.
2:10,11; Fil. 2:13. - — — •

275
Capítulo 10

4 o . Mesmo a respeito das más ações dos homens. "A este


(Cristo) que vos foi entregue pelo determinado conselho e
presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes
pelas mãos dos injustos" - Atos 2:23. "Porque verdadeiramente
contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram,
não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos
de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho
tinham anteriormente determinado que se havia de fazer" -
Atos 4:27,28. Veja também Atos 13;29; 1 Ped. 2:8; Jud. vers.
4; Apoc. 17:17. Quanto à história de José, compare Gên. 37:28
com Gên. 45:7,8 e 50:20. "Não fostes vós que me enviastes
para cá, senão Deus." "Vós bem intenstastes mal contra m i m ,
porém Deus o tornou em bem." Veja t a m b é m Sal. 17:13,14;
Is. 10:5-15; etc.

14. Como se prova a universalidade dos decretos de Deus


pela providência?
Segue-se da eternidade, imutabilidade, sabedoria, presciên-
cia e poder infinitos de Deus, que a Sua operação temporal na
providência procede em tudo segundo o Seu propósito eterno
- Ef. 1:1 le Atos 15:18. Mas, tanto as Escrituras como a razão
nos ensinam que o governo providencial de Deus compreende
tudo o que está nos céus e na terra como um todo, e todos os
eventos em detalhe - Prov. 16:33; Dan. 4:34,35; Mat. 10:29,30.

15. Podemos provar esta doutrina a partir da profecia.


Deus predisse nas Escrituras a ocorrência certa de muitos
eventos, sendo muitos deles as ações voluntárias de homens, e
sucederam segundo a predição. Ora, a base da profecia é a
presciência, e a base da presciência de um evento dado como
futuro com certeza é o decreto de Deus que o torna futuro. A
imutabilidade eterna do decreto é a única base, tanto da infali-
bilidade da presciência como da profecia. Mas, se Deus decretou
certos eventos futuros, segue-se que incluiu nesse decreto todas
as causas, condições, fatos correlatos e conseqüências. Não há

276
Os Decretos de Deus

evento isolado; para que Deus torne certamente f u t u r o um só


evento, é necessário que determine toda a concatenação das
causas e efeitos que constituem o universo.

16. Em que sentido são livres os decretos de Deus?


Os decretos de Deus são livres no sentido de que, ao
decretar, Deus foi d e t e r m i n a d o u n i c a m e n t e por Sua boa
vontade infinitamente santa, sábia, reta e benévola. Escolheu
sempre como quis, e sempre quis de conformidade com a
perfeição da Sua natureza.
. .'Át*ví. i.
17. Em que sentido os decretos de Deus são soberanos?
São soberanos no senrido de que, enquanto dererminam
absolutamente tudo quanto sucede fora de Deus, todos os seus
motivos e razões estão dentro da natureza divina, e não são
sugeridos nem ocasionados por nada do que está fora dEle,
nem dependem eles de coisa alguma que haja fora dEle.

18. Que distinção há entre decretos absolutos e decretos


condicionais?
Decreto absoluto é o decreto que, embora possa incluir
condições, não depende delas, isto é, torna certamente f u t u r o
o evento decretado, seja qual for, quer seja uma necessidade
mecânica, quer seja um ato voluntário, e todas as suas causas e
condições, seja qual for a sua natureza, e das quais o evento
depende.
Decreto condicional é o que decreta que um evento suceda
sob a condição de ser possível suceder outro evento, mas não
certo (não decretado).
Os socinianos negavam que pudessem ser previstas as ações
livres dos homens por serem intrinsecamente incertas, e por
isso afirmavam que Deus não as pôde prever. Sustentavam que
Deus decretou absolutamente criar a raça humana, e que, depois
da queda de Adão, decretou salvar todos os pecadores que se
arrependessem e cressem, mas que nada decretou a respeito

277
Capítulo 10

de pecar e nem da salvação de homens individuais.


Os arminianos, admitindo que Deus prevê com certeza
os atos de agentes livres, como t a m b é m todos os demais
eventos, sustentam que Deus decretou absolutamente criar o
h o m e m , e, prevendo que ele cairia, decretou absolutamente
preparar uma salvação para todos e salvar realmente todos os
que se arrependem e crêem, e que decretou condicionalmente
a salvação de homens individuais, sob a condição, prevista mas
não decretada, da sua fé e obediência.

19. Quais as objeções à atribuição de decretos condicionais a


Deus?
Os calvinistas admitem que o decreto totalmente abran-
gente de Deus determina todos os eventos segundo a sua
natureza inerente, as ações de agentes livres como livres, e a
operação de causas necessárias, necessariamente. Abrange
também o sistema inteiro de causas e efeitos de todo tipo, dos
motivos e condições das ações livres, como também as causas
necessárias dos eventos necessários. Deus decretou a salvação
sob a condição da fé, e, ao mesmo tempo e nesse mesmo ato,
decretou a fé daqueles cuja salvação determinou efetuar. "E
aos que predestinou, a estes também chamou." Assim o Seu
decreto desde o princípio abrangeu a agência livre dos homens
e dela cuidou, como também cuidou do proceder regular da
natureza segundo as leis estabelecidas. Assim também os Seus
pactos, ou promessas condicionais, que faz no tempo, são em
todas as suas partes a execução do Seu propósito eterno, que
compreendia a promessa, e a condição nos seus diversos lugares,
como m e i o s para o f i m em vista. Mas é e v i d e n t e m e n t e
impossível que se possa considerar o decreto de Deus como
b a s e a d o e m c o n d i ç õ e s que n ã o s e j a m elas m e s m a s
determinadas pelo decreto.
I o . Já mostramos acima (Pergs. 3-7) que o decreto divino é
eterno e totalmente abrangente. Uma condição implica possi-
bilidade de mudança. Ora, sendo um só sistema o universo

278
Os Decretos de Deus

inteiro, se uma parte é contingente, o todo o é também, porque,


se falhasse uma só condição, toda a concatenação de causas e
efeitos ficaria desarranjada. Se o arminiano responder que,
embora Deus não preordenou os atos livres dos h o m e n s , Ele
os previu infalivelmente e proveu a esse respeito, e por isso
Seus planos não podem falhar; o calvinista dirá que, se Deus
previu que certo h o m e m , em certas circunstâncias, agiria de
u m certo m o d o e m certa c o n j u n t u r a , n e s t e caso D e u s ,
decretando criar esse h o m e m e colocá-lo nessas circunstâncias
e nessa mesma conjuntura, preordenou a futurição certa desse
evento, daquilo que o h o m e m fez, e todas as suas conse-
qüências. Que o decreto de Deus é imutável e não depende de
condições incertas, fica provado (1) por sua eternidade; (2)
pelas asserções diretas das Escrituras - Is. 14:24,27; 46:10;
Sal. 33:11; Prov. 19:21; Rom. 9:11; Ef. 3:11.
2 o . Os arminianos admitem que a presciência de Deus é
eterna e certa, e abrange todos os eventos, os livres bem como
os necessários. Mas, (1) c o m o m o s t r a m o s no p a r á g r a f o
precedente, essa presciência envolve preordenação, e (2) certeza
na presciência implica em certeza no evento; certeza implica
em determinação, determinação nos deixa a escolha entre o
decreto de um Deus infinitamente sábio, reto e benévolo, ou
r
um destino cego. ' ; ; : ; r , ... . ,
o
3 . Um decreto condicional subverteria a soberania de Deus
e, quanto à administração de todo o Seu governo e à execução
de todos os Seus planos, torná-10-ia dependente das ações
voluntárias de Suas próprias criaturas. Contudo os decretos de
Deus são soberanos - Is. 40:13,14; Dan. 4:35; Rom. 9:15-18.
4 o . As Escrituras declaram que o decreto de Deus depende
somente do Seu "beneplácito" (Figueiredo: "da sua bene-
volência") e "do conselho da sua vontade". - Ef. 1:5,11; Rom.
9:1 l ; M a t . 11:25,26.
5 o . O decreto de Deus inclui os meios e as condições
-2 Tess. 2:13; 1 Ped. 1:2; Ef. 1:4.
6 o . O Seu decreto determina absolutamente as ações livres

279
Capítulo 10

dos h o m e n s - Atos 4:27,28; Ef. 2; 10.


7 o . É D e u s m e s m o q u e m opera no Seu povo a fé e a
obediência, as chamadas condições da sua salvação - Fil.
2:13; Ef. 2:8; 2 T i m . 2:25.

20. Até onde são eficazes os decretos de Deus, e até onde são
permissivos?
Todos os decretos de Deus são igualmente eficazes no
sentido de determinarem infalivelmente a futurição certa do
evento decretado. Os teólogos, porém, classificam os decretos
de Deus assim: I o . Eficazes, com respeito aos eventos que Ele
determinou efetuar por meio de causas necessárias, ou por Sua
própria ação imediata; 2 o . Permissivos, com respeito aos
eventos que Ele d e t e r m i n o u p e r m i t i r que agentes livres
efetuassem.

21. Como se pode provar que o decreto de Deus torna certo o


evento?
I o . Pela natureza do próprio decreto, que é soberano e
imutável (veja acima).
2°. Pela natureza essencial de Deus em Sua relação com
Sua criação, como soberano infinitamente sábio e poderoso.
3 o . A presciência de Deus considera como certos os eventos
futuros. A razão de ser desta certeza está necessariamente, ou
em Deus mesmo, ou nos próprios eventos, e esta ú l t i m a
suposição é o fatalismo.
4Ü. As Escrituras atribuem certeza de futurição aos eventos
decretados. Importa que o evento suceda assim como foi
"determinado" - Luc. 18:31-33; 24:46; Atos 2:23; 13:29; 1
Cor. 11:29; Mat. 16:21.

22. Como difere esta doutrina - que o decreto universal de Deus


torna certa a ocorrência de todos os eventos futuros - da antiga
doutrina do fatasismo?
A doutrina calvinista dos decretos concorda só n u m ponto

280
Os Decretos de Deus

com o fatalismo, e este é em sustentar que os eventos em questão


são com certeza futuros. Mas a doutrina arminiana da pres-
ciência divina faz exatamente o mesmo. Em todos os outros
aspec-tos a nossa doutrina difere da d o u t r i n a pagã do destino
cego. í
O fatalismo ensina que todos os eventos são d e t e r m i n a d o s
com certeza por u m a lei universal de causação necessária,
operando cegamente e, p o r meio de u m a força simples e não
inteligente, efetuando seus fins, irresistível e irrespectivamente
da livre vontade dos agentes livres envolvidos. N ã o deixa lugar
para fins ou propósitos finais, n e m para motivos e escolha,
m e i o s ou c o n d i ç õ e s , m a s é s i m p l e s m e n t e u m a e v o l u ç ã o
necessária.
A doutrina calvinista dos decretos, porém, postula o plano
infinito e totalmente abrangente de um Pai infinitamente sábio,
reto, poderoso e benévolo, cujo plano não é d e t e r m i n a d o por
mera vontade, e sim segundo "o conselho da sua vontade",
alcançando os melhores fins e a d o t a n d o os melhores meios
para alcançar esses fins - e cujo plano não é executado só por
força e sim por meio de todo tipo de causas secundárias, tanto
livres como também necessárias, sendo cada u m a pré-adaptada
para o seu lugar e função, e operando cada u m a sem constran-
g i m e n t o , segundo a sua natureza.
H á u m a diferença i n f i n i t a e n t r e u m a m á q u i n a e u m
h o m e m , entre a operação de motivos, inteligência, livre escolha,
e as forças m e c â n i c a s q u e o p e r a m sobre a m a t é r i a . E há
exatamente a m e s m a diferença entre o sistema de decretos
divinos e a d o u t r i n a pagã do destino cego.

23. Qual a objeção que, contra esta doutrina dos decretos


incondicionais, se faz do fato admitido de serem livres os homens?
OBJEÇÃO - Presciência implica na certeza do evento. O
decreto dc D e u s implica em que Deus o d e t e r m i n o u como
certo. Todavia o fato de determiná-lo como certo implica, da
parte de Deus, nalguma ação ou agência eficaz para p r o d u z i r

281
Capítulo 10

ou efetuar o evento, o que é inconciliável com a agência livre


dos homens.
RESPONDEMOS: é evidente que é só a execução do decreto,
e não o decreto em si mesmo, que pode impedir a livre agência
dos homens. Sobre o assunto geral do m o d o como Deus
executa Seus decretos, veja abaixo, os c a p í t u l o s s o b r e a
providência, a vocação eficaz e a regeneração.
Temos espaço aqui só para a seguinte exposição geral:
I o . As Escrituras atribuem a Deus tudo quanto há de bom
no h o m e m ; isso Ele opera em nós o querer e o fazer segundo o
Seu beneplácito. Todos os pecados que os h o m e n s cometem,
a s E s c r i t u r a s a t r i b u e m t o t a l m e n t e aos m e s m o s h o m e n s .
Contudo, o decreto permissivo de Deus realmente determina
a futurição certa do ato; porque Deus, sabendo com certeza
que o h o m e m em questão, colocado em certas circunstâncias,
agiria desse modo, colocou-o nessas mesmas circunstâncias em
que agiu assim e cometeu o pecado. No entanto, em caso algum,
n e m quando opera em nós o que é bom, n e m q u a n d o nos põe
onde sabe que com certeza havemos de fazer o mal, Ele n e m
viola nem restringe, na execução do Seu propósito, a perfeita
liberdade do agente.
2 o . Temos o fato d i s t i n t a m e n t e r e v e l a d o q u e D e u s
decretou os atos livres de homens, e que, ao mesmo tempo, os
homens não eram menos responsáveis, n e m m e n o s livres nos
atos que praticaram - Atos 2:23; 3:18; 4;27,28; Gên. 50:20;
etc. Nunca poderemos compreender como é que o Deus infinito
opera sobre o espírito finito do h o m e m , mas n e m por isso é
m e n o r o nosso dever de o crer.
3 o . Segundo a teoria da vontade, que faz a liberdade do
homem consistir na liberdade da indiferença, isto é, que em todos
os casos em que a vontade faz uma escolha, ela está em estado
de equilíbrio perfeito, igualmente i n d e p e n d e n t e de todos os
motivos pró ou contra, e tão livre para escolher em oposição a
todos os desejos como em harmonia com eles, é evidente que
neste caso a p r ó p r i a essência da l i b e r d a d e consistiria em

282
Os Decretos de Deus

incerteza. Se esta é a verdadeira teoria da vontade, D e u s não


pode executar os Seus decretos sem violar a liberdade do agente,
e a presciência certa é impossível.
Mas, como demonstramos abaixo, no Cap.15, a verdadeira
teoria da vontade é que a liberdade do agente consiste em que
este, em qualquer caso, age como lhe apraz, isto é, s e g u n d o os
desejos e disposições do seu coração, s e g u n d o a avaliação
imediata que sua razão faça do caso em particular. Esses desejos
e disposições são, por sua vez, d e t e r m i n a d o s pelo caráter do
agente em relação a suas circunstâncias, e esse caráter e essas
circunstâncias não estão, por certo, fora da influência do D e u s
infinito. . •• ; ...

24. Em que sentido é que alguns ensinam que Deus é o autor


do pecado?
Muitos pensadores de tendências panteísticas,£.g., o Dr.
E m m o n s , a f i r m a m que, assim c o m o D e u s é i n f i n i t o e m
soberania, e por Seu decreto d e t e r m i n a tudo, assim t a m b é m
por Sua providência efetua tudo o que sucede, de m o d o que
Ele é o único agente real do u n i v e r s o . Ao m e s m o t e m p o ,
sustentam que D e u s é um agente i n f i n i t a m e n t e santo q u a n d o
efetua aquilo que, produzido por D e u s , é reto, mas p r o d u z i d o
em nós, é pecado.

25. Como se pode demonstrar que Deus não é o autor do pecado?


A admissão do pecado na criação, por um Deus infinita-
m e n t e santo, sábio e poderoso, é urn g r a n d e mistério, do qual
não se pode dar n e n h u m a explicação. E n t r e t a n t o , que Deus
n ã o é o autor do pecado fica p r o v a d o -
I o . Pela natureza do pecado, o q u a l , q u a n t o à sua essência,
é anomia, falta de conformidade coin a lei, e desobediência ao
Legislador.
2 o . Pela natureza de Deus, que? q u a n t o à Sua essência, é
santo, e na administração do Seu r e i n o sempre proíbe e p u n e
o pecado.

283
Capítulo 10

3 o . Pela natureza do h o m e m , que é agente responsável e


livre, e origina os seus próprios atos. As Escrituras atribuem
sempre à graça divina as ações m o r a l m e n t e boas, e ao m a u
coração as ações pecaminosas dos h o m e n s .

26. Como se pode demonstrar que a doutrina dos decretos


incondicionais não representa Deus como o autor do pecado?
A dificuldade toda está no t r e m e n d o fato de existir o
pecado. Se Deus o previu e, apesar disso, criou o agente e o
colocou nas circunstâncias em que previu que ele cometeria o
pecado, é evidente que o predeterminou. Se não o previu, ou,
prevendo-o, não podia impedir que o pecado entrasse, então
não é i n f i n i t o no c o n h e c i m e n t o e no p o d e r , p o r é m foi
surpreendido e estorvado por Suas criaturas. A d o u t r i n a dos
decretos incondicionais não apresenta n e n h u m a dificuldade
especial. Representa D e u s como decretando que o pecado
resulte do ato livre do pecador, e não de Deus levando-o ou
i n d u z i n d o - o a pecar m e d i a n t e qualquer f o r m a de ação ou
tentação.

27. Que objeção contra esta doutrina é derivada do uso de


meios?
Esta é a forma mais c o m u m de objeção na boca de gente
ignorante e irreligiosa. Dizem que, se um decreto imutável
torna certos todos os eventos futuros, "se há de suceder aquilo
que deve sucederentão se segue que n e n h u m meio empregado
por nós p o d e i m p e d i r que suceda, n e m é necessário que
empreguemos meios para conseguir o resultado.
Segue-se daí, pois, que, sendo o uso de meios ordenados
por Deus, e instintivamente natural para o h o m e m , tendo
muitas coisas sido o efeito dos meios empregados, e sendo
evidente que muitas no f u t u r o d e p e n d e m deles, D e u s não
tornou certa n e n h u m a dessas coisas que dependem do uso de
meios da parte dos homens.

284
Os Decretos de Deus

> i i:.<-
28. Em que base se fundamenta o uso de meios?
Este uso f u n d a m e n t a - s e no m a n d a m e n t o de D e u s e
naquela propriedade existente no uso de meios para conse-
guirmos o resultado desejado que os nossos instintos, inteli-
gência e experiência nos ensinam. Mas, n e m a p r o p r i e d a d e
nem a eficácia dos meios para conseguirem o resultado residem
inerente e independentemente nos próprios meios, porém
foram estabelecidas originariamente por Deus e são m a n t i d a s
atualmente pelo próprio Deus; e na operação de todos os meios
Deus preside sempre e sempre dirige providencialmente. Isso
acha-se envolvido necessariamente em toda e qualquer teoria
cristã da providência, embora nunca possamos explicar a ação
relativa, a concorrência, de Deus sobre o h o m e m , o infinito
sobre o finito.

29. Como se pode demonstrar que a doutrina dos decretos


não dá fundamento racional para desencorajar alguém no uso
de meios?
Esta dificuldade (exposta acima, Perg. 27) tem sua raiz no
costume de isolar uma parte do decreto eterno de D e u s do
todo (Perg. 7), e no de confundir a doutrina cristã dos decretos
com a doutrina pagã do destino cego (Perg. 22). Mas, q u a n d o
Deus decretou um evento, decretou-o f u t u r o com certeza, não
como isolado de outros eventos, ou como i n d e p e n d e n t e de
meios ou agentes, e sim como dependente de meios e de agentes
e m p r e g a n d o livremente esses meios. O mesmo decreto que
torna certo o evento, determina t a m b é m o modo pelo qual
tenha que ser efetuado, e compreende tanto os meios como os
fins. Esse ato eterno e totalmente abrangente compreende a
existência toda d u r a n t e o tempo todo, e o espaço inteiro como
um só sistema, e, ao m e s m o tempo, cuida do todo em todas a
suas partes e de todas as partes em todas as suas relações umas
com as outras e com o todo. Um evento, pois, pode ser certo
com respeito ao decreto e à presciência de Deus e, ao m e s m o

285
Capítulo 10

tempo, verdadeiramente contingente na apreensão dos h o m e n s


e na sua relação com os meios de que depende.
30. Que distinção sempre devemos fazer entre as objeções
contra a prova de uma doutrina e as objeções contra uma doutrina
comprovada?
/ . . .

E evidente que são legítimas as objeções razoáveis, quer


bíblicas quer outras, que se possa fazer contra as provas em
que se baseia qualquer doutrina; e sempre se deve dar o devido
peso a essas objeções contra as provas alegadas a favor da
doutrina. Entretanto, u m a vez provado que u m a d o u t r i n a é
ensinada nas Escrituras, é igualmente evidente que todas as
objeções feitas contra essa doutrina não terão peso algum,
e n q u a n t o n ã o tiverem força b a s t a n t e para p r o v a r que as
Escrituras Sagradas não são a Palavra de Deus. Não chegando
a fazer isso, as objeções feitas contra u m a doutrina biblica-
mente comprovada, se não afetarem as provas em que ela se
f u n d a m e n t a (e a maioria das objeções feitas contra a doutrina
calvinista dos decretos são dessa natureza), só servirão para
ilustrar a verdade óbvia segundo a qual o intelecto finito do
h o m e m não pode c o m p r e e n d e r p l e n a m e n t e as coisas
parcialmente reveladas e parcialmente escondidas na Palavra
de Deus.

31. Quais são os efeitos práticos desta doutrina propriamente


ditos?
H u m i l d a d e , à vista da grandeza e da soberania infinitas
de Deus, e da dependência do h o m e m . Confiança implícita
na sabedoria, na retidão, na justiça, na bondade e na imuta-
bilidade dos propósitos de Deus, e pronta obediência aos Seus
m a n d a m e n t o s ; devendo nós estar sempre lembrados de que
os preceitos de Deus, revelados claramente, e não os Seus
decretos, são a regra do nosso dever.

286
Predestinação

1. Em que diversos sentidos a palavra predestinação é


empregada pelos teólogos?
I o . Como equivalente à palavra genérica decreto, incluindo
todos os propósitos eternos de Deus.
2 o . Como abrangendo somente aqueles propósitos de Deus
que dizem respeito especialmente às Suas criaturas morais.
3 o . Como d e n o m i n a t i v o do conselho de Deus que diz
respeito somente aos h o m e n s decaídos, incluindo a eleição
soberana de alguns e a justíssima reprovação dos demais.
4 o . As vezes o seu uso é tão restrito que é aplicada somente
à eleição eterna do povo de Deus para a vida eterna.
O terceiro sentido dado acima é o uso mais apropriado.
Veja Atos 4:27,28.

2. Em que sentidos as palavras proginosco (pré-conhecer) e


prognosis (presciência) são empregadas no Novo Testamento?
Proginosco é composta dtpro, antes, eginosco, cujo sentido
primário é conhecer, saber, e cujo sentido secundário é aprovar,
e.g., 2 T i m . 2:19; João 10:14,15; R o m . 7:15. Essa palavra
encontra-se cinco vezes no Novo Testamento. Duas vezes, em
Atos 26:5 e em 2 Ped. 3:17, significa conhecimento prévio,
apreensão, simplesmente. Nos três casos restantes, Rom. 8:29;
11:2 e 1 Ped. 1:20, é empregada no sentido secundário de
aprovar anteriormente. Isso se torna evidente pelo contexto,
p o r q u e é empregada para designar o motivo da predestinação

287
Capítulo 11

divina de indivíduos para a vida eterna, e a respeito da qual se


nos diz em outras passagens que não é "segundo as nossas obras,
mas segundo o Seu próprio propósito e graça", " s e g u n d o o
beneplácito de sua vontade" - 2 T i m . 1:9; Rom. 9:11; Ef. 1:5.
Prognosis encontra-se somente duas vezes no Novo Testa-
mento, em Atos 2:23 e 1 Ped. 1:2, e em ambos os casos significa
e v i d e n t e m e n t e aprovação, ou escolha prévia. O t e r m o é
explicado pela frase equivalente "decretado c o n s e l h o " ou
"determinado conselho".

3. Que sentidos têm no Novo Testamento as palavras eclego


(eleger) e eclogé (eleição)?
Eclego encontra-se vinte e uma vezes no Novo Testamento.
É empregada no sentido de, I o . A escolha que Jesus fez dos
Seus discípulos - Luc. 6:13; João 6:70. 2 o . A escolha que Deus
fez da nação judaica para Seu povo peculiar - Atos 13:17. 3 o .
A escolha de certos homens, feita por Deus ou pela Igreja, para
algum serviço especial - Atos 15:7,22. 4 o . A escolha que Maria
íêz da melhor parte - Luc. 10:42. 5 o . Na maioria dos casos, a
eleição feita por Deus de indivíduos para a vida eterna - João
15:16; 1 Cor. 1:27,28; Ef. 1:4; Tia. 2:5.
Eclogé encontra-se sete vezes no Novo Testamento. U m a
vez significa eleição para o ofício apostólico - Atos 9:15. Uma
vez o termo se refere aos que foram escolhidos para a vida eterna
- R o m . 11:7. Em todos os demais casos significa o propósito
ou ato de Deus escolhendo o Seu próprio povo para a salvação
- Rom. 9:11; 11:5,28; 1 Tess. 1:4; 2 Ped. 1:10.

4. De que outras palavras mais o Espírito de Deus Se sewe


no Novo Testamento para expor a verdade sobre este ponto?
Das seguintes:
Proorigein (limitar, marcar, tencionar definitivamente de
antemão, preordenar), encontra-se seis vezes no Novo Testa-
mento. Em todos os casos significa preordenação absoluta da
parte de D e u s - A t o s 4 : 2 8 ; Rom. 8:29,30; 1 Cor. 2:7; Ef. 1:5,11.

288
Predestinação

Protithemi, encontra-se três vezes no Novo Testamento. Em


Romanos 1:13 significa um propósito de Paulo, e em Romanos
3:25 e Efésios 1:9, um propósito de Deus.
Proetomazein, encontra-se duas vezes, em R o m a n o s 9:29 e
Efésios 2:10, significando preparar ou designar anteriormente.

5. A quem se atribui a eleição nas Escrituras?


O decreto eterno, como um todo e em todas as suas partes,
é, sem dúvida, o ato concorrente de todas as três Pessoas da
Trindade em Sua perfeita unidade de conselho e vontade.
Mas, na economia da salvação, como nos é revelada, o ato
de eleição soberana é atribuído especialmente ao Pai, como
Sua parte pessoal, assim como a redenção é atribuída ao
F i l h o e a santificação ao Espírito Santo - João 17:6,9; 6:64,65;
ITess. 5:9. - - • • -

6. Como se pode expor a teoria da predestinação chamada


"Teoria da Eleição Nacional''por seus defensores?
E a teoria segundo a qual a única eleição de que falam as
Escrituras, a respeito da salvação dos h o m e n s , consiste na
p r e d e s t i n a ç ã o d i v i n a de c o m u n i d a d e s e n a ç õ e s p a r a o
conhecimento da religião verdadeira e os privilégios exteriores
do evangelho. Esta forma de eleição, que sem dúvida alguma
representa um grande fato evangélico, é ilustrada eminente-
m e n t e pelo caso dos judeus. ' - • ' =- •'j- , ; •'

7. Como se pode expor a "Teoria do Individualismo


Eclesiásticoassim chamada por seus defensores?
Esta teoria, advogada por Stanley Fáber, pelo arcebispo
Whately, e p o r outros, envolve a a f i r m a ç ã o de que D e u s
p r e d e t e r m i n a a relação dos h o m e n s com a Igreja visível e com
os meios de graça. Por seu nascimento, e pela providência
subseqüente, faz o quinhão de alguns cair nas circunstâncias
as mais favoráveis, e o de outros, nas menos favoráveis.

289
Capítulo 11
8. Em que consiste a doutritia arminiana da eleição?
Os arminianos admitem a presciência de Deus, mas negam
a Sua p r e o r d e n a ç ã o a b s o l u t a em referência à salvação de
indivíduos. Sua d o u t r i n a distintiva é que D e u s não escolheu
certas pessoas desde a eternidade, d e t e r m i n a n d o que fossem
salvas, mas sim escolheu certos caracteres, os que fossem santos,
crentes e obedientes; ou certas classes de pessoas que tivessem
semelhantes caracteres, e.g., crentes que perseverassem até o
fim.
No entanto, visto q u e admitem que Deus prevê desde a
eternidade com certeza absoluta quais as pessoas que haveriam
de arrepender-se, crer e perseverar na fé e na obediência até o
fim, segue-se que a sua doutrina é equivalente ao seguinte:
prevendo Deus que certas e determinadas pessoas haveriam
de arrepender-se, crer e perseverar na fé e na obediência até o
fim, Ele predestinou desde a eternidade essas pessoas para a
vida e para a salvação, por causa da sua fé e perseverança assim
previstas. . • • •••• • • — .•*

9 Quais os diversos princípios em que as teorias acima


mencionadas concordam, e quais aqueles em que diferem?
As teorias da "Eleição Nacional" e do " I n d i v i d u a l i s m o
Eclesiástico" ensinam fatos que todos a d m i t e m , a saber, que
D e u s predestina indivíduos, comunidades e nações para os
privilégios exteriores do evangelho e para o uso dos meios de
graça. Isso n e m os arminianos nem os calvinistas negam. Mas
ambas essas teorias são viciosas e idênticas à a r m i n i a n a em
negarem que Deus predestina absolutamente as ações livres
dos h o m e n s e a salvação final de indivíduos. As três teorias
a d m i t e m que D e u s coloca alguns em c i r c u n s t â n c i a s mais
favoráveis do que outros para a salvação, p o r é m , ao m e s m o
tempo, sustentam que não é o decreto de Deus que determina
o destino final de cada h o m e m , c sim, que Deus o deixou
d e p e n d e n t e da livre vontade dos próprios homens. Todavia,
embora c o n c o r d e m estas três teorias no princípio f u n d a m e n -

290
Predestinação

tal, diferem entre si q u a n t o ao m o d o pelo qual p r o c u r a m


h a r m o n i z a r as declarações das Escrituras com esse princípio.
Diferem entre si quanto aos objetos, aos fins e aos motivos da
eleição. Quanto aos objetos da eleição de que falam as Escrituras,
as teorias calvinista, arminiana e do "Individualismo Ecle-
siástico" concordam em dizer que são indivíduos. A teoria da
"Eleição N a c i o n a l " a f i r m a q u e os objetos são nações ou
comunidades.
Q u a n t o ao objetivo da eleição, as teorias c a l v i n i s t a e
arminiana dizem que é a salvação eterna dos indivíduos eleitos.
As teorias do " I n d i v i d u a l i s m o Eclesiástico" e da "Eleição
Nacional" dizem que o objetivo da eleição é a admissão ao
uso dos meios de graça. Q u a n t o ao motivo da eleição de que
falam as Escrituras, os defensores das teorias calvinista, da
" E l e i ç ã o N a c i o n a l " e do " I n d i v i d u a l i s m o E c l e s i á s t i c o "
concordam em dizer que é a boa vontade soberana de Deus,
e n q u a n t o que os arminianos dizem que os eleitos são tais por
causa da sua fé, seu a r r e p e n d i m e n t o e sua p e r s e v e r a n ç a
previstos com certeza em cada caso individual.
É evidente que a doutrina calvinista dos decretos inclui a
eleição absoluta tanto de c o m u n i d a d e s e nações c o m o de
indivíduos para o uso dos meios de graça e para os privilégios
e x t e r i o r e s da I g r e j a . E e v i d e n t e t a m b é m q u e t o d o s os
a r m i n i a n o s têm que admitir até esse ponto, bem como os
calvinistas, o princípio da eleição absoluta, e p o r isso essa
admissão só não discrimina entre os dois grandes sistemas
opostos. A ú n i c a q u e s t ã o r e a l m e n t e em d i s p u t a e n t r e os
calvinistas e os arminianos, quanto à eleição, é esta: qual o
m o t i v o da p r e d e s t i n a ç ã o eterna de certos e d e t e r m i n a d o s
indivíduos para a vida eterna? São a fé e o a r r e p e n d i m e n t o
previstos dos próprios indivíduos, ou é a boa vontade soberana
de D e u s ? E forçoso que todo cristão tome lugar de um ou do
outro lado desta questão. Se disser que o motivo é a sua fé
prevista, será a r m i n i a n o , sejam quais forem as doutrinas que
sustentar além dessa; se disser que o motivo da sua eleição foi

291
Capítulo 11

a boa vontade soberana de Deus, será calvinista.


Esta divisão entre si, e esta concordância das suas posições
com os calvinistas, a l t e r n a n d o com divergências, são u m a
ilustração m u i t o sugestiva da dificuldade extrema com que os
defensores dos princípios a r m i n i a n o s têm que lutar em suas
tentativas de acomodar as palavras das Escrituras à sua doutrina.
De um p o n t o de vista polêmico, os calvinistas gozam da
vantagem capital de poderem dividir os seus oponentes e refutá-
-losseparadamente. - • • •• .

10. Quais os três pontos envolvidos na doutrina calvinista sobre


este assunto?
Os calvinistas afirmam, como mostramos no capítulo
anterior, que os decretos de Deus são absolutos e dizem respeito
a toda espécie de eventos, sejam quais forem. Sustentam, por
conseguinte, que, embora sejam as nações, as comunidades e
os indivíduos predestinados absolutamente a toda forma de
bem e mal que lhes sobrevêm, todavia as Escrituras e n s i n a m
também e especificamente que há uma eleição (1) de indivíduos
determinados, (2) para a graça da salvação, (3) não baseada na
fé prevista das pessoas eleitas, e sim unicamente na boa vontade
soberana de Deus.

11. E possível demonstrar a presunção da veracidade do que


acima foi dito, e que o pressuposto dessa verdade tem por base o fato
de que imparciais intérpretes incrédulos e racionalistas admitem que
a letra das Escrituras só pode ser adequadamente interpretada no
sentido calvinista.
Além do pressuposto que a favor do calvinismo provém
do fato mencionado no fim da resposta à Pergunta 9, de se
verem os intérpretes anticalvinistas obrigados a recorrer a todo
tipo de h i p ó t e s e s diversas para desviar a força óbvia do
t e s t e m u n h o bíblico a favor da predestinação absoluta, citamos
ainda o pressuposto adicional que a favor da mesma d o u t r i n a
provém do fato de que os racionalistas e os incrédulos em geral,

292
Predestinação

que concordam com os a r m i n i a n o s na sua oposição intensa


aos princípios calvinistas, mas não se acham restringidos por
n e n h u m a fé na inspiração divina da Bíblia, têm, c o n t u d o ,
bastante franqueza para admitir que esse Livro só pode ser
logicamente interpretado no sentido calvinista. Eis, pois, o
t e s t e m u n h o imparcial de inimigos: Wegscheider, em suas
Instituciones Theologice Christiana Dogmática, Parte 3, cap. 3, §
145, a maior autoridade que há quanto aos resultados a que
chegaram os racionalistas alemães em teologia dogmática,
declara que as passagens citadas de Paulo ensinam a doutrina
calvinista, porém que esse apóstolo foi levado ao erro pelas
n o ç õ e s e r r ô n e a s e i m p e r f e i t a s do seu s é c u l o , e m u i t o
e s p e c i a l m e n t e pelo e s p í r i t o a c a n h a d o d o p a r t i c u l a r i s m o
judaico. Veja t a m b é m Gibbon, Decline and Fali of the Roman
Empire, Cap. 33, Nota 31: "Talvez alguém que raciocine com
mais independência chegue a rir q u a n d o lê um comentário
a r m i n i a n o da Epístola aos Romanos".

12. Como se pode provar pelas Escrituras que os eleitos são


indivíduos, e que a finalidade da sua eleição é a vida eterna ?
I o . As Escrituras falam deles sempre como indivíduos, e
da eleição deles falam sempre como tendo por fim a graça ou a
glória - Atos 13:48; Ef. 1:4; 2 Tess. 2:13. 2 o . As Escrituras
distinguem explicitamente entre os eleitos e a massa em geral
da Igreja visível, e, por conseguinte, sua eleição não podia ser
limitada aos privilégios exteriores da Igreja - Rom. 9:7. 3 o .
Dizem as Escrituras que os nomes dos eleitos estão escritos
"nos céus" e "no livro da vida" - Heb. 12:23; Fil. 4:3. 4 o .
Também é dito explicitamente que as bênçãos que essa eleição
torna seguras são dadas pela graça de Deus, são salvadoras, são
os elementos resultantes da salvação e dela inseparáveis, e não
pertencem a nações, e sim a indivíduos, e.g., "a adoção de
filhos", "para serem conformes à imagem de seu F i l h o " , etc. -
Rom. 3:29; 8:15, 29; 9:15,16; Ef. 1:5; 1 Tess. 5:9; 2 Tess. 2:13.

293
Capítulo 11

13. Como se pode mostrar que essa eleição não se fundamenta


em obras, quer previstas quer não?
Isto segue-se - 1°. Da doutrina geral dos decretos, estabe-
lecida no capítulo anterior. Se os decretos de Deus referem-se
a todos os eventos, de q u a l q u e r espécie que sejam, e os
d e t e r m i n a m , segue-se que n ã o restam mais e v e n t o s que
pudessem constituir a condição dos decretos ou de qualquer
elemento neles presente, e segue-se também que Deus decretou
a fé e o arrependimento dos eleitos como t a m b é m a salvação
da qual são a condição.
2 o . As Escrituras declaram explicitamente que os decretos
não têm por condição obras de n e n h u m a espécie - Rom. 9:4-
7 ; 2 T i m . 1:9; Rom. 9:11.

14. Como se pode demonstrar que as Escrituras declaram


habitualmente que a predestinação é fundada na "boa vontade" ou
no "beneplácito de Deus" e no "conselho da Sua vontade"?
Citando textos como os seguintes: Ef. 1:5-11; 2 Tim. 1:9;
João 15:16,19; Mat. 11:25,26; Rom. 9:10-18.

15. Como se pode expor o argumento derivado da afirmação


de que "a fé", "o arrependimento" e "a obediência evangélica"são
frutos da eleição?
E auto-evidente que as mesmas ações não p o d e m ser ao
mesmo tempo motivos da eleição e frutos dela resultantes.
E n s i n a n d o , pois, a Bíblia que "a fé", "o a r r e p e n d i m e n t o " e "a
obediência evangélica" são frutos, não p o d e m ser os motivos.
As Escrituras ensinam essa verdade em Ef. 1:4: "Elegeu-nos
nele m e s m o antes do estabelecimento do m u n d o , pelo amor
que nos teve, para sermos santos e imaculados diante de seus
olhos" * - 2 Tess. 2:13; 1 Ped. 1:2; Ef. 2:10.

'Esta é a versão de Figueiredo; mas não é fiel, nem segundo o grego,


nem mesmo segundo a Vulgata. A tradução fiel do grego e da Vulgata é:
"Elegeu-nos nele mesmo antes do estabelecimento do mundo, para que > >

294
Predestinação

16. Faça-se a exposição do mesmo argumento derivado do fato


de serem a fé e o anependimento chamados dons de Deus.
Se a fé e o a r r e p e n d i m e n t o são "dons de Deus", o fato de
um h o m e m os possuir é resultante de um ato de Deus. Se são
resultantes de um ato de Deus, são resultantes do Seu propósito
eterno. Se são resultantes do Seu propósito, não p o d e m ser as
c o n d i ç õ e s de que d e p e n d e esse p r o p ó s i t o . As E s c r i t u r a s
afirmam que a fé e o a r r e p e n d i m e n t o são "dons de D e u s " em
Ef. 2:8; Atos 5:31 e 1 Cor. 4:7.

17. Como expor o argumento derivado daquilo que as Escrituras


ensinam quanto à natureza e à extensão da depravação inata e da
incapacidade?
O ensino das Escrituras sobre estes pontos achar-se-á
exposto e estabelecido nos capítulos 19 e 20. Ora, se os h o m e n s
nascem com u m a natureza cuja tendência universal é para o
pecado, e se são s e m p r e , e n q u a n t o não r e g e n e r a d o s pelo
Espírito de Deus, total e inalienavelmente avessos a e incapazes
de tudo o que é bom, segue-se que a natureza h u m a n a não
regenerada não é capaz, n e m de tender para a fé e o arrepen-
d i m e n t o como condições da eleição, n e m de aperfeiçoar estes
dons. Se, pois, a eleição tem por condições a fé e o arrepen-
d i m e n t o , é necessário que o h o m e m os produza ou ajude a
produzi-los em si. Contudo, se a natureza h u m a n a não pode
n e m produzi-los n e m ajudar a produzi-los, segue-se, ou que
n i n g u é m pode ser eleito, ou que a fé e o a r r e p e n d i m e n t o não
podem ser as condições da eleição.
. , t - fc . ' > 'ri
18. Como expor o mesmo argumento pelo que as Escrituras
ensinam sobre a natureza e a necessidade que o homem, tem da
regeneração?

< <fôsscmos santos e imaculados diante dele no amor". O texto da Vulgata


é: "Elegit nos in ipso ante m u n d i constitutionem, ut essemus sancti et
i m m a c u l a t i i n c o n s p e c t u e j u s i n c h a r i t a t e " . Nota do tradutor. • ...

295
Capítulo 11

No capítulo 24 será provado que as Escrituras e n s i n a m :


(1) que a regeneração é ato de D e u s ; (2) que, com respeito ao
referido ato, a alma é passiva; (3) que ela é absolutamente
necessária no caso de todos os h o m e n s vivos. Disso segue-se
que, se a regeneração em n e n h u m sentido é obra realizada pelo
h o m e m , e s i m , em t o d o s os s e n t i d o s , é o b r a r e a l i z a d a
unicamente por Deus, não pode ser a condição de que dependa
o propósito de Deus, mas é u m a obra determinada p o r esse
propósito.

19. Como se prova pelas Escrituras que todos os eleitos, e


SOMENTE os eleitos, crêem?
Todos os eleitos crêem - João 10:16, 27-29; 6:37-39;
17:2,9,24. Somente os eleitos crêem - João 10:26. E os que
crêem o fazem porque são eleitos - Atos 13:48 e 2:47.

20. Qual o argumento derivado do fato de que todos os cristãos


evangélicos, seja qual for sua escola teológica, em suas orações e em
seus hinos exprimem sempre os sentimentos próprios da doutrina
calvinista da eleição incondicional?
Só pode ser falsa aquela forma de doutrina que não pode
ser incorporada lógica e conseqüentemente na experiência
pessoal e no culto divino. E só pode ser verdadeira aquela forma
de doutrina que todos os cristãos, de todas as opiniões teóricas,
se acham sempre impelidos a exprimir na sua c o m u n h ã o com
Deus. Ora, todos os salmos, hinos e orações, quer escritos quer
espontâneos, de todos os cristãos evangélicos, incorporam os
princípios e respiram o espírito do calvinismo. Todos em suas
orações pedem a Deus que faça os homens arrepender-se e crer,
chegar-se ao Salvador e aceitá-10. Mas, se Deus dá a todos os
h o m e n s graça c o m u m c suficiente, e se a razão pela qual um
h o m e m arrepende-se e outro não, é que um faz b o m uso dessa
graça e outro não, e se a única diferença está nos homens, segue-
-se que devemos pedir aos h o m e n s que se convertam a si
mesmos, isto é, que se façam diferençar a si mesmos. Mas todos

296
Predestinação

concordam em pedir a Deus que os salve, e em r e n d e r - L h e


graças q u a n d o o faz.

21. Como se pode mostrar, pela natureza das objeções feitas


contra a doutrina de Paulo, e pelas respostas que lhes deu, que a
posição sustentada por esse apóstolo, a respeito da eleição, é a mesma
que a nossa?
A doutrina de Paulo é idêntica à calvinista, I o . p o r q u e a
ensina distintamente; 2 o . porque as objeções notadas por ele,
feitas contra a sua doutrina, são as mesmas que se fazem con-
tra a nossa (Rom. 9:6-24). O fim que o apóstolo t i n h a em vista
em toda esta passagem era provar o soberano direito que Deus
tinha de rejeitar os judeus como Seu povo peculiar e de chamar
pelo evangelho todos os h o m e n s indistintamente.
Ele a r g u m e n t a : I o . que as antigas promessas de D e u s não
diziam respeito aos descendentes naturais de Abraão, como
tais, e sim à sua posteridade espiritual; 2 o . que D e u s é soberano
absoluto na distribuição dos Seus favores.
Mas contra esta doutrina da soberania divina o apóstolo
expõe duas objeções, e dá-lhes resposta.
I a . Deus seria injusto se, só da Sua boa vontade, mani-
festasse a Sua misericórdia a alguns e rejeitasse outros (versículo
14). Esta m e s m a objeção é feita hoje contra a nossa doutrina.
"Ela representa o Deus santíssimo como pior do que o diabo,
mais falso, mais cruel e mais injusto." - Methodist Doctrinal
Tracts, págs. 170,171. A isso Paulo responde m e d i a n t e dois
a r g u m e n t o s : (1) D e u s reclama para Si esse direito: "Terei
misericórdia de quem eu tiver misericórdia" - Rom. 9:15,16.
(2) Deus, em Sua providência, exerce esse direito, como no
caso de Faraó (versículos 17,18).
2 a . A segunda objeção é que esta doutrina é incompatível
com a liberdade e a responsabilidade dos homens. Essa objeção
é na verdade absurda contra a doutrina de Paulo, mas é feita
todos os dias pelos arminianos contra a nossa doutrina.
Paulo, respondendo a essa objeção, não condescende em

297
Capítulo 11

apelar para a razão h u m a n a , e sim, afirma s i m p l e s m e n t e (1) a


soberania de Deus como Criador, e a dependência do h o m e m
como criatura, e (2) o fato de estarem todos os h o m e n s expostos
com toda a justiça à ira, por serem pecadores (versículos 20-
24). Veja a análise de R o m . 9:6-24 no Commentaiy on Romans,
por Hodge.

22. Como se pode discriminar acuradamente os dois elementos


envolvidos na doutrina da reprovação?
Reprovação é o aspecto que o decreto eterno de D e u s
apresenta relativamente àquela parte da raça h u m a n a que será
finalmente condenada por causa dos seus pecados.
A doutrina é, 1°. negativa, porque consiste em passar por
alto essa parte e em deixar de elegê-la para a vida eterna; e 2 o .
positiva, p o r q u e os h o m e n s envolvidos são c o n d e n a d o s à
miséria eterna.
Q u a n t o ao seu elemento negativo, a reprovação é simples-
mente soberana, porque aqueles que o decreto passa por alto
não são piores do que os eleitos, e o motivo simples pelo qual
alguns são eleitos e outros passados por alto é a boa vontade
soberana de Deus.
Q u a n t o ao seu elemento positivo, a reprovação é soberana,
mas simplesmente judicial, porque Deus, em todo e qualquer
caso, inflige miséria somente como a justa punição do pecado.
"O resto dos homens aprouve a Deus não contemplar e ordená-
-los para a desonra e ira por causa de seus pecados" - Conf. de
Fé, Cap. 3, Seção 7.

23. Como se pode demonstrar que as referidas posições acham-


se envolvidos necessariamente na doutrina geral dos decretos e na
doutrina específica da eleição de alguns para a vida eterna?
Como já dissemos acima, a doutrina da reprovação é auto-
-evidentemente elemento inseparável da doutrina dos decretos
e da eleição. Se Deus elege incondicionalmente a quem L h e
apraz, é evidente que também deixa entregues a si mesmos

298
Predestinação

incondicionalmente os que L h e apraz. Ele tem que preordenar


os que não crêem como t a m b é m os que crêem, embora estes
eventos sejam resultantes de causas b e m diversas.

24. Como se prova que isso é ensinado nas Escrituras ?


Pela citação de textos como os seguintes: Rom. 9:18,21;
1 Ped. 2:8; Jud. vers. 4; Apoc. 13:8. N o t e m estas palavras do
Senhor Jesus Cristo: "Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu c da
terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e
as revelaste aos p e q u e n i n o s . Sim, ó Pai, p o r q u e assim te
aprouve" - Mat. 11:15,26; "Vós não credes p o r q u e não sois
das m i n h a s ovelhas" - João 10:26. '

25. Como demonstrar que contra a doutrina de Paulo se fez a


mesma objeção que se faz contra a nossa ?
Citando Romanos 9:19. " D e que se queixa ele a i n d a ? " Se
Ele n ã o deu capacidade para obedecer, como pode m a n d a r ?
Veja t a m b é m Methodist Doctrinal Tracts, pág. 171.
O apóstolo responde mostrando, I o . que D e u s não tem
obrigação alguma de manifestar misericórdia para com todos,
e nem m e s m o para com alguns - versículos 20,21; e, 2°., que
"os vasos da ira" foram condenados por seus próprios pecados,
a fim de manifestar-se neles a justa ira de Deus, e n q u a n t o que
"os vasos de misericórdia" foram escolhidos, não por haver
neles qualquer coisa que fosse boa, e sim u n i c a m e n t e para
manifestar-se neles a Sua graça gloriosa - versículos 22,23.

26. Como se demonstra a identidade da doutrina de Paulo com


a nossa pelas ilustrações de que ele se serve no capítulo nove da
Epístola aos Romanos?
"Não tem o oleiro poder (exousia) sobre o barro, para da
mesma massa fazer um vaso para h o n r a e outro para desonra?
- versículo 21. Aqui a força inteira da ilustração está no fato de
não haver nenhuma diferença na massa, no barro; a massa toda
é barro, e a única causa da diferença dos vasos é a vontade do

299
Capítulo 11

oleiro. No caso de Jacó e Esaú (9-13), o p o n t o ilustrado é que


um dos filhos era tão bom como o outro, que não havia neles
diferença alguma, e que a diferença posterior entre eles era
devida ao "decreto de Deus segundo a eleição" - "Porque, não
tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o
propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa
das obras, mas por aquele que chama... - versículo 11, ARC.

27. Em que sentido se diz que Deus endurece os homens?


Veja Romanos 9:18 e João 12:40.
Este é, sem dúvida, um ato judicial no qual Deus, em
justo castigo dos pecados dos h o m e n s maus, não eleitos para a
vida, retira deles todas as influências da Sua graça, e os deixa
entregues às tendências desenfreadas de seus corações e às
influências não contrariadas do m u n d o e do diabo.

28. Qual a objeção feita contra a doutrina calvinista sob o


fundamento de que é incompatível com a justiça?
Há os que afirmam que se Deus, por um decreto soberano
e absoluto, passa por alto alguns h o m e n s e não lhes concede a
graça necessária para habilitá-los a arrepender-se e a crer em
Cristo, seria injusto da parte de Deus torná-los responsáveis e
puni-los por sua falta de fé. . .

29. Como expor a idéia fundamental em que repousa


necessariamente todo o arminianismo a respeito da relação que a
obra remediadora (terapêutica) de Cristo sustenta para com a justiça
de Deus, e a respeito da relação que a raça humana sustenta para
com o governo divino?
Q u a n d o se analisa o sistema arminiano penetrando até os
seus princípios fundamentais, acha-se que o referido sistema
repousa sobre o postulado de que o dom de Cristo foi dado aos
h o m e n s como compensação necessária pelos males que sobre
eles trouxe o pecado de Adão. Os arminianos a d m i t e m que
esse pecado foi a causa que tornou pecadora a raça inteira, e

300
Predestinação

que todos os descendentes de Adão nascem com u m a natu-


reza tão depravada que são m o r a l m e n t e incapazes de amar a
D e u s , e se d i s p õ e m n a t u r a l m e n t e para o mal. S u s t e n t a m ,
p o r é m , que os h o m e n s a princípio não são responsáveis por
sua condição moral, p o r q u e nascem nessa condição anterior a
toda ação pessoal. Por isso afirmam que o h o m e m n ã o pode
ser p u n i d o pelo pecado original, n e m poderia h o m e m algum
ser responsabilizado por qualquer ato de desobediência que
fosse resultado inevitável dessa depravação original, se D e u s
não houvesse por Cristo provido um remédio, d a n d o a todos
os h o m e n s capacidade, recebida pela graça, para fazer t u d o
q u a n t o deles exige c o m o c o n d i ç ã o da sua salvação. Essa
redenção e essa capacidade recebida pela graça para crerem e
obedecerem, D e u s deve a todos os h o m e n s , e são necessárias
para q u e eles se t o r n e m responsáveis e p u n í v e i s p o r seus
pecados, visto que só assim os h o m e n s , no que se refere a esses
atos de crer, arrepender-se e obedecer, ficam habilitados para
escolher o contrário. •. •
D i z o Dr. D . D . W h e d o n : " S o m e n t e q u a n d o se concede ao
h o m e m r e d e n t o r a m e n t e o que c h a m a m o s u m a capacidade
dada pela graça para fazer o b e m , é q u e ele pode r e s t r i t a m e n t e
ser responsável por fazer o mal". D i z ele ainda que, depois de
A d ã o pecar, D e u s t i n h a a e s c o l h a e n t r e s o m e n t e d u a s
alternativas compatíveis com a justiça: I a . Enviar à perdição
Adão e Eva antes de terem filhos; ou, 2 a . P e r m i t i r que propa-
gassem a raça sob as incapacidades resultantes do pecado e
prover um sistema redentor para todos.
Essa corrente distingue entre a culpa e a responsabilidade
moral pelo caráter e pela corrupção moral da natureza. E n s i n a
que s o m e n t e A d ã o e Eva foram culpados, e por isso respon-
sáveis, como t a m b é m corruptos, porque, tendo sido criados
m o r a l m e n t e livres, corromperam-se voluntariamente p o r seu
p r ó p r i o ato. Seus descendentes, p o r é m , estão todos poluídos
m o r a l m e n t e e mortos espiritualmente, porque h e r d a r a m de
Adão u m a natureza corrompida; mas não são culpados n e m

301
Capítulo 11

responsáveis pelo pecado original, n e m por n e n h u m a de suas


conseqüências, p o r q u e o seu estado foi determinado inevita-
velmente por um ato que não era seu. No estado atual das coisas,
em conseqüência do d o m de Cristo, todos os h o m e n s são
responsáveis, p o r q u e todos têm a graça suficiente.
Desta doutrina segue-se: 1°. Q u e a obra de redenção não
foi u m a obra da graça infinita, e sim um simples ato de
justiça em compensação pelos males que Adão trouxe sobre
a nossa natureza. 2 o . Q u e isso é devido a todos os h o m e n s ,
sem n e n h u m a exceção. "Rejeito", diz João Wesley (Doctrinal
Tracts, págs. 25,26), "a asserção de que Deus com justiça me
podia ter passado por alto, a m i m e a todos os h o m e n s , como
asserção a t r e v i d a e precária, que n ã o é s u s t e n t a d a pelas
Escrituras Sagradas." 3 o . Segue-se mais, que o auxílio do
Espírito Santo, por Sua graça, é tão necessário para tornar os
h o m e n s "pecadores responsáveis" como o é para trazê-los à
salvação. 4 o . Segue-se ainda que é a graça que envia os homens
para o inferno, assim como os leva para o céu, e que a ela é
devida a condenação de maior n ú m e r o de almas do que o de
almas que por ela foram salvas.

30. Como demonstrar que a posição dos anninianos a este respeito


é absolutamente incompatível com aquilo que as Escrituras e a Igreja
Cristã inteira ensinam sobre a natureza e a necessidade da
SATISFAÇÃO dada à justiça divina por Cristo?
No capítulo 25 será demonstrado que as Escrituras e a
Igreja inteira e n s i n a m que para a salvação do h o m e m era
absolutamente necessário dar-se plena satisfação ao inalienável
princípio de justiça essencial à natureza divina, de modo que,
se não fosse satisfeita a justiça de D e u s , Ele não poderia
manifestar Sua graça a h o m e m algum. Mas isso seria absurdo
se os homens não fossem antecedentemente responsáveis pelos
pecados pelos quais era necessário que dessem satisfação. Qual
o sentido de u m a "capacidade dada pela graça e concedida
redentoramente" a respeito de pessoas que nada perderam porque

302
Predestinação

não são responsáveis por nada? N ã o seria u m a impertinência


falar, no caso delas, em " r e d e n ç ã o " e em "graça"?
* •- > r»v
31. Como se prova pelas Escrituras que a salvação vem da
graça?
Graça é favor livre, não merecido, isto é, concedido a quem
n ã o o merece. Se a redenção é algo que todos os h o m e n s
merecem receber, ou se é u m a compensação necessária para
que sejam responsáveis, então o dom de Cristo não p o d e ser
u m a manifestação suprema do livre favor e amor de Deus. Pode
ser somente u m a manifestação da Sua retidão.
Mas as Escrituras declaram que o dom de Cristo é u m a
manifestação sem igual do livre amor de Deus, e que a salvação
nos vem da graça de Deus - L a m . 3:22; João 3:16; Rom. 3:24;
11:5,6; 1 Cor. 4:7; 15:10; Ef. 1:5,6; 2:4-10, etc. E todo cristão
v e r d a d e i r o r e c o n h e c e c o m o e l e m e n t o inseparável da sua
experiência que a salvação é toda da graça de Deus. Esta é
t a m b é m a explicação das doxologias do céu - 1 Cor. 6:19,20; 1
Ped. 1:18,19; Apoc. 5:8-14. - • < • <- ,
Se, porém, a salvação vem só da graça de Deus, é evidente-
m e n t e compatível c o m a Sua justiça que Ele salve todos,
muitos, uns poucos, ou n e n h u m , como L h e apraz.

32. Como se prova que é absurda e anticristã a objeção segundo


a qual a eleição incondicional é incompatível com a justiça de Deus?
A justiça considera necessariamente todos os homens como
igualmente sem n e n h u m direito ao favor de Deus. E injusto
justificar os injustos. Seria incompatível com a retidão que
um homem pecador exigisse ou que Deus concedesse a salvação
a qualquer pessoa como algo que lhe é devido. De outro m o d o
negar-se-ia a sentença condenatória da consciência e a cruz de
Cristo ficaria sem n e n h u m efeito. Se tomarmos, pois, como
f u n d a m e n t o a própria justiça, chegaremos à conclusão de que
a salvação só pode vir da graça divina, e que depende unica-
m e n t e da vontade soberana de D e u s se há de ser aplicada a

303
Capítulo 11

muitos, a poucos ou a n i n g u é m . Ou a salvação de n e n h u m


i n d i v í d u o é compatível com a justiça ou o sacrifício de Cristo
foi o pagamento de u m a dívida, e n ã o u m a graça. E a salvação
de um pecador que não a merece, evidentemente não pode
tornar-se motivo pelo qual outro pecador igualmente culpado
possa exigi-la como um direito seu.
'MH>' •.
33. Como expor e refutar a objeção de que a nossa doutrina é
incompatível com a retidão de Deus como GOVERNADOR
IMPARCIAL?
Muitas vezes os arminianos dizem que a razão nos ensina
a esperar que o Criador e Governador onipotente de todos os
h o m e n s seja imparcial no modo por que trata os indivíduos -
que conceda a todos as mesmas vantagens essenciais e as
mesmas condições de salvação. Dizem também que esta justa
pressuposição da razão se acha confirmada nas Escrituras, as
quais declaram que "Deus não faz acepção (ou exceção, como
em 2 C r ô n . l 9 : 7 F i g u e i r e d o , p r e s u m i v e l m e n t e em edição
antiga) de pessoas"-Atos 10:34; 1 Ped. 1:17. Na primeira destas
passsagens o apóstolo fala s i m p l e s m e n t e da aplicação do
evangelho aos gentios bem como aos judeus; e na segunda
afirma-se que Deus, no Seu julgamento das obras h u m a n a s , é
absolutamente imparcial. Na eleição, porém, a questão versa
sobre a graça, e não sobre o juízo feito a respeito de obras, e as
Escrituras em parte alguma dizem que Deus é imparcial na
comunicação da Sua graça. < :
Além disso, devemos sempre interpretar as pressuposições
da razão e os textos das Escrituras à luz dos fatos palpáveis da
história h u m a n a e das dispensações diárias da providência de
Deus. Se é injusto em princípio que Deus seja parcial na Sua
distribuição de bens espirituais, não pode ser menos injusto
que seja parcial na Sua distribuição de bens temporais. Como
matéria de fato, Ele faz as maiores distinções possíveis entre
os homens, desde o seu nascimento e i n d e p e n d e n t e m e n t e dos
seus merecimentos, na distribuição, não só de bens temporais,

304
Predestinação

mas também dos meios essenciais à salvação. Uma criança nasce


para a saúde, para honras e riquezas, para a posse de um coração
e de u m a consciência suscetíveis, e para todos os melhores meios
de graça, como sua herança segura e certa. Muitas outras nascem
para moléstias, para a vergonha, a pobreza, a posse de um
coração d u r o e de u m a consciência obtusa, e para as trevas
absolutas do paganismo e da ignorância a respeito de Cristo.
Se D e u s não p o d e ser parcial para com indivíduos, p o r que é
que o pode ser para com nações, e c o m o se pode explicar o Seu
proceder para com as nações pagãs e para com as crianças das
classes criminosas de países n o m i n a l m e n t e cristãos?
O arcebispo Whately dirige a seguinte admoestação
excelente a seus amigos arminianos: "Sugiro cautela no uso
que se fizer de u m a série de objeções tiradas dos atributos
morais de Deus, feitas f r e q ü e n t e m e n t e contra os calvinistas.
D e v e m o s acautelar-nos m u i t o para não e m p r e g a r m o s armas
que p o d e m virar-se contra nós. E u m a verdade terrível, p o r é m
inegável, que grandes multidões, m e s m o nos países evangeli-
zados, nascem e são criadas em circunstâncias que não somente
t o r n a m i m p r o v á v e l , m a s até i m p o s s í v e l , q u e o b t e n h a m
qualquer c o n h e c i m e n t o de verdades religiosas, ou a d q u i r a m
o hábito de c o m p o r t a m e n t o moral, e são até criadas, desde
crianças, em erros supersticiosos e na pior depravação. Por que
é que isso é permitido, n e m os calvinistas n e m os a r m i n i a n o s
p o d e m explicar; realmente, p o r que é que o Todo-poderoso
não faz m o r r e r no berço toda criança cuja malvadez e miséria,
se viver, Ele prevê, é coisa que n e n h u m sistema de religião,
quer natural quer revelado, nos habilita a explicar de m o d o
satisfatório" - Essays on some of the Difficulties of St. Paul,
Ensaio 3 o , sobre a eleição.

34. Como refutar a objeção tirada de textos como 1 Timóteo


2:4?
Eis os seus termos: "O qual deseja (quer) que todos os
h o m e n s sejam salvos, e cheguem ao pleno c o n h e c i m e n t o

305
Capítulo 11

da verdade". . ** -• •
A palavra querer tem dois sentidos - (a) desejar; (b)propor-
se, ter a intenção de, determinar-se a. Em contextos como o da
passagem acima é evidente que o sentido não pode ser que
Deus tem a intenção de salvar ou que Ele Se d e t e r m i n o u a
salvar a todos, porque (a) n e m todos são salvos, e n e n h u m a
das intenções ou propósitos de Deus pode falhar (b) porque a
afirmação é que Elequer que todos " v e n h a m ao c o n h e c i m e n t o
da verdade" no mesmo sentido em que "quer que todos sejam
salvos" - e, apesar disso, deixa que a imensa maioria dos
homens nasça, viva e morra nas trevas do paganismo, indepen-
dentemente da Sua participação ativa no caso deles.
Passagens como essa d e c l a r a m s i m p l e s m e n t e a bene-
volência essencial de Deus. Ele não tem prazer na m o r t e dos
ímpios, e tem m u i t o prazer na salvação dos homens. E, ao
m e s m o t e m p o , e em p e r f e i t a c o n s o n â n c i a c o m a S u a
benevolência, por motivos suficientes mas que não nos são
revelados, não proveu redenção para os anjos caídos, nem graça
eficaz para os não eleitos entre os homens. As passagens dessa
natureza afirmam simplesmente que, se não fossem aqueles
motivos, seria do agrado da Sua natureza benévola que todos
os h o m e n s fossem salvos.

35 .Como provar que a nossa doutrina não influi no ânimo dos


pecadores, tirando-lhes o incentivo para fazerem uso de meios?
Objeta-se que, se Deus determinou desde toda a eternidade
que um h o m e m seja convertido e seja salvo e que outro seja
deixado a perecer em seus pecados, não há mais lugar para o
uso de meios. Assim é que João Wesley, na obra Methodist
Doctrinal Tracts, representa falsamente a doutrina de Toplady,
dizendo: "Há, suponhamos, vinte homens, dos quais dez
f o r a m p r e o r d e n a d o s para que sejam salvos, façam o que
fizerem, e os o u t r o s dez foram p r e o r d e n a d o s para serem
c o n d e n a d o s , f a ç a m o que f i z e r e m " . Isso é, p o r é m , u m a
caricatura da doutrina, tão absurda quanto perversa.

306
Predestinação

CONSIDEREMOS:
I o . O decreto da eleição não assegura a salvação sem a fé e
a santidade, e sim, a salvação mediante a fé e a santidade, sendo
decretados tanto os meios como o fim. Os calvinistas crêem
tão f i r m e m e n t e como os arminianos que todo o que praticar o
mal será condenado, i n d e p e n d e n t e m e n t e da consideração se é
eleito ou não.
2 o . A doutrina da eleição não ensina que D e u s constrange
os h o m e n s de um modo incompatível com a sua liberdade. Os
n ã o eleitos E l e s i m p l e s m e n t e d e i x a fazer o q u e f o r de
c o n f o r m i d a d e com os impulsos dos seus próprios corações
maus. Os eleitos Ele, no dia do Seu poder, faz com que O
queiram. Opera neles tanto o querer como o efetuar, segundo a
Sua boa vontade. (Fil. 2:13). E certo é que Deus fazer que um
h o m e m queira não o tolhe de sua liberdade!
3 o . O decreto da eleição só torna certos o a r r e p e n d i m e n t o
e a fé dos eleitos. Todavia, a certeza antecedente de um ato
livre não é incompatível com a sua liberdade, de outro m o d o
seria impossível a presciência de um ato livre. O decreto da
eleição não produz a fé, e de modo algum tolhe a ação do agente,
e tampouco o exime da prática de obras.
'S i - :
36. Até onde podemos estar convencidos de que somos eleitos, e
em que se baseia essa convicção?
/ #

E-nos possível alcançar nesta vida uma convicção


inabalável e certa da nossa eleição, p o r q u e aos que D e u s
predestina a estes também chama; e aos que chama, a estes
t a m b é m justifica; e sabemos que aos que justifica, a estes
t a m b é m santifica. Assim, pois, os frutos do Espírito com-
provam a santificação, esta comprova a vocação eficaz, e esta
comprova a eleição. Veja 2 Ped. 1:5-10 e 1 João 2:3.
Além dessas provas fornecidas por nosso estado de graça e
p o r nossos atos, temos ainda o Espírito de adoção, que dá
t e s t e m u n h o com o nosso espírito e nos sela - Rom. 8:16,17;
Ef. 4:30. -

307
Capítulo 11

Em confirmação disso temos o exemplo de Paulo (2 T i m .


1:12) e o de muitos cristãos.

37. Como se pode demonstrar que esta doutrina é compatível


com a benevolência de Deus?
A única dificuldade a este respeito está em conciliar a
benevolência geral de D e u s com o fato de que Ele, sendo
i n f i n i t a m e n t e bom e poderoso, tenha admitido um sistema
que envolve o pecado, a impenitência final e a conseqüente
condenação de certos homens. Entretanto a mesma dificuldade
aperta também o sistema arminiano.
Os fatos provam que não é incompatível com a bene-
volência geral de Deus permitir que alguns sejam condenados
por causa dos seus pecados. Isso é t u d o quanto quer dizer
reprovação. A eleição gratuita, ou a escolha positiva de alguns
para a vida eterna, não descansa na benevolência geral de Deus,
e sim no amor especial que Ele dedica aos Seus - João 17:6,23;
Rom. 9:11-13; 1 Tess. 5:9. .

38. Como se pode demonstrar que esta doutrina é compatível


com a oferta geral do evangelho?
No evangelho, Deus oferece sinceramente a todos os que
o ouvem, sem n e n h u m a exceção, uma salvação suficiente para
todos e exatamente adaptada a todos, e apresenta todos os
motivos para o dever, para a esperança, para o temor, etc., que
deveriam induzir todos a aceitá-la, e promete solenemente que
todo aquele que vier a Ele, seja quem for, de m o d o n e n h u m
será lançado fora. E, pois, só e unicamente a pecaminosa falta
de vontade que impede qualquer pessoa que ouve o evangelho
de recebê-lo e gozá-lo.
O evangelho é para todos; a eleição é u m a graça especial
acrescentada àquela oferta. Os não eleitos poderiam vir e ser
salvos, se quisessem. Os eleitos vêm. Mas o decreto da eleição
não põe n e n h u m obstáculo no c a m i n h o de n i n g u é m , impe-
dindo-o de aceitar as ofertas feitas no evangelho. Qualquer

308
Predestinação

pessoa, seja eleita ou não, será salva se aceitar essas ofertas. Os


não eleitos D e u s simplesmente deixa fazer aquilo que seus
próprios corações lhes determina que façam.
N ã o é m e n o r a transparente dificuldade que se encontra
na t e n t a t i v a de conciliar a p r e s c i ê n c i a certa de D e u s da
impenitência final da grande maioria daqueles a q u e m Ele
oferece o Seu a m o r e p o r toda forma de a r g u m e n t o s procura
persuadir a aceitá-10, com o fato de L h o oferecer; especialmente
à vista da consideração de que Ele prevê que os Seus ofere-
cimentos a u m e n t a m m u i t o e com toda a certeza a culpa e a
miséria final dos que os rejeitam. .. . u;

39. Como se pode conciliar a doutrina da reprovação com a


santidade de Deus?
A reprovação deixa os não eleitos nos seus pecados, e assim
resulta no aumento do pecado durante toda a eternidade. Como,
pois, pode Deus, de um modo compatível com a Sua santidade,
f o r m a r um propósito cujo efeito e intenção é deixar esses não
eleitos no pecado e, assim, deixar que o seu pecado a u m e n t e
inevitavelmente?
Mas os arminianos, como t a m b é m os calvinistas, reco-
n h e c e m que D e u s criou a raça h u m a n a apesar de prever com
toda a certeza que daria assim ocasião a m u i t o pecado, e criou
também certos indivíduos, apesar da Sua presciência certa de
que esses m e s m o s i n d i v í d u o s c o n t i n u a r i a m a pecar eter-
n a m e n t e . A v e r d a d e i r a d i f i c u l d a d e está n o p r o b l e m a
h u m a n a m e n t e insolúvel da permissão do mal. Por que é que
D e u s , s e n d o i n f i n i t a m e n t e sábio, r e t o , m i s e r i c o r d i o s o e
poderoso, permite que exista o pecado no Seu universo? Os
a r m i n i a n o s não p o d e m responder a esta pergunta melhor do
que os calvinistas. •

40. Qual a legítima influência prática desta doutrina sobre a


experiência e a conduta cristãs?
Devemos lembrar, I o . Que esta verdade não é incompatível

309
Capítulo 11

com este sistema baseado na graça de Deus, e sim, faz parte


i n t e g r a n t e dele. F a z e m p a r t e deste sistema os p r i n c í p i o s
igualmente certos da liberdade e da responsabilidade moral
dos h o m e n s , e as ofertas livres do evangelho feitas a todos.
2 o . Q u e a nossa única regra de dever é a que se compõe
dos m a n d a m e n t o s , das ameaças e das promessas de D e u s
expressos claramente nas Escrituras, e não o decreto da eleição,
o qual Ele n u n c a revela, exceto nos seus elementos conse-
qüentes de vocação eficaz, fé e vida santa.
Q u a n d o é s u s t e n t a d a n e s s e s t e r m o s , a d o u t r i n a da
predestinação...
I o . Exalta a majestade e a soberania absoluta de D e u s e, ao
m e s m o tempo, ilustra as riquezas da Sua graça e o Seu justo
desprazer pelo pecado.
2 o . I m p r i m e em nós com mais força a verdade essencial
de que a salvação é inteiramente obra da graça de D e u s ,
e que n i n g u é m pode queixar-se se for passado por alto, n e m
jactar- se se for salvo. : i'? :«. • r. ; •
3°. Leva ao inquiridor a desesperar absolutamente de si e
a aceitar cordialmente a oferta livre de Cristo.
4 0 . No caso do crente que tem o t e s t e m u n h o em si, esta
d o u t r i n a o torna mais h u m i l d e e, ao m e s m o tempo, a u m e n t a a
sua confiança, chegando à esperança certa e segura.

41. Como se pode expor a verdadeira natureza da questão


discutida pelos teólogos a respeito da ORDEM DOS DECRETOS
DIVINOS? ' -
Desde que cremos que o decreto de Deus é u m a só intenção
eterna, não pode haver ordem de sucessão nos Seus propósitos,
n e m (a) no tempo, como se um propósito realmente precedesse
a outro, n e m (b) na deliberação distinta, ou opção, da parte de
D e u s . O t o d o é um só p r o p ó s i t o . M a s , d e t e r m i n a n d o a
existência do sistema inteiro, Deus compreendeu naturalmente
todas as partes do sistema, d e t e r m i n a d a s por Ele em suas
/

diversas sucessões e relações. E como um h o m e m que por um

310
Predestinação

só ato da sua inteligência reconhece uma m á q u i n a complicada


que lhe é familiar, e no m e s m o ato distingue acuradamente
suas diversas partes e c o m p r e e n d e a sua u n i d a d e , as suas
relações no sistema, e a intenção do todo. Por isso, a questão
quanto à ordem dos decretos não é questão quanto à ordem
dos atos de D e u s ao decretar, e sim, é questão q u a n t o à
verdadeira relação que sustentam entre si as diversas partes do
sistema decretado. Isto é, que relação estabeleceu o ú n i c o
p r o p ó s i t o e t e r n o de D e u s e n t r e criação, p r e d e s t i n a ç ã o e
redenção? Que ensinam as Escrituras a respeito do propósito
de D e u s no sentido de dar Seu Filho, e a respeito do fim e
motivo da eleição? Do motivo e fim da eleição já tratamos por
extenso acima. Do desígnio que Deus tinha em vista ao dar-
-nos Cristo, trataremos na divisão 4 do capítulo 25.

42. Qual é a teoria arminiana quanto à ordem dos decretos


que se referem à raça humana?
I o . O decreto de criar o homem. 2°. Sendo o homem falível,
por ser um agente moral e ter a sua vontade essencialmente
contingente, e sendo por isso impossível prevenir ou impedir
o seu pecado, Deus, prevendo que o h o m e m cairia com certeza
na condenação e na corrupção do pecado, decretou preparar
u m a salvação gratuita para todos os homens, mediante Cristo,
e p r e p a r a r meios suficientes para aplicar eficazmente essa
salvação à situação de todos. 3 o . Decretou absolutamente que
fossem salvos todos os que cressem em Cristo, e que fossem
reprovados por seus pecados todos os que não cressem. 4°.
P r e v e n d o que certos indivíduos haveriam de arrepender-se e
crer, e que outros haveriam de c o n t i n u a r impenitentes até ao
fim, Deus elegeu desde toda a eternidade para a vida eterna
aqueles cuja fé previa, sob a condição da sua fé, e reprovou
aqueles que previa que c o n t i n u a r i a m i m p e n i t e n t e s , sob a
condição dessa impenitência.

43. Que idéias a esse respeito ensinaram os teólogos protestantes

311
Capítulo 11

franceses Cameron, Amyrant e outros?


E s t e s p r o f e s s o r e s teológicos em S a u m u r , d u r a n t e o
segundo quarto do século 17, ensinaram que Deus decretou -
I o . Criar o h o m e m . 2 o . Permitir que ele caísse. 3 o . Preparar, na
mediação de Cristo, salvação para todos. 4 o . Mas, p r e v e n d o
que, se os homens fossem deixados a si mesmos, n e n h u m deles
se arrependeria nem creria, por isso elegeu s o b e r a n a m e n t e
alguns, aos quais decretou conceder as graças necessárias do
a r r e p e n d i m e n t o e da fé.

44. Que é a teoria infralapsariana da predestinação?


A teoria infralapsariana (infra-lapsum) da predestinação,
ou o decreto da predestinação considerado como subseqüente,
no propósito divino, ao decreto que p e r m i t i u a queda do
h o m e m , representa este como objeto da eleição depois de
criado e decaído. A ordem dos decretos é então a seguinte: I o .
O decreto de criar o h o m e m . 2 o . O de permitir que caísse. 3 o .
O de eleger certos h o m e n s dentre a raça inteira decaída e com
justiça condenada, para a vida eterna, e de passar por alto os
outros, deixando-os entregues às justas conseqüências dos seus
pecados. 4 o . O decreto de preparar a salvação para os eleitos.
ESTA É A T E O R I A C O M U M ÀS IGREJAS R E F O R M A D A S ,
CONFIRMADA P E L O S Í N O D O DE D O R T E PELA ASSEMBLÉIA
DE W E S T M I N S T E R .

45. Que é a teoria supralapsariana da predestinação?


C h a m a - s e supralapsariana {supra lapsum) a teoria das
diversas provisões do decreto divino nas suas relações lógicas,
que supõe que o supremo fim que Deus Se propôs na salvação
de uns e na condenação de outros, foi a Sua própria glória, e
que, como meio para alcançar esse fim, decretou criar o h o m e m
e permitir que caísse. Segundo esta teoria, o objeto da eleição
e da reprovação é só o h o m e m capaz de ser criado e de cair, e
não o h o m e m criado e decaído. A ordem dos decretos seria
então esta: I o . Dentre todos os homens possíveis Deus primeiro

312
Predestinação

decretou a salvação de u n s e a condenação de outros, a f i m de


promover assim a Sua própria glória. 2 o . Para alcançar esse
fim, decretou criar os que já havia escolhido ou reprovado. 3 o .
D e c r e t o u p e r m i t i r que caíssem. 4 o . D e c r e t o u p r e p a r a r a
salvação para os eleitos. Esta foi a teoria de Beza, sucessor de
Calvino em Genebra, e de G o m a r o , o grande o p o n e n t e de
Armínio.

46. Como expor os diversos pontos de acordo e de diferença


entre essas diversas teorias?
I o . A teoria arminiana comparada com a calvinista:
Segundo o arminiano, o decreto da redenção precede ao
da eleição, e este tem por condição a fé prevista do indivíduo.
Segundo o calvinista, porém, o decreto da eleição precede
ao da redenção, e o da eleição depende tão-somente da boa
vontade de Deus.
2 o . A teoria francesa ou saumuriana (da escola de Saumur)
comparada com a teoria legítima das igrejas reformadas e com
a arminiana:
A teoria da escola de S a u m u r está de acordo com a refor-
mada, e difere da arminiana p o r q u e sustenta que a eleição
depende unicamente da boa vontade soberana de Deus; difere,
p o r é m , da teoria reformada e concorda com a a r m i n i a n a em
sustentar que o decreto da redenção precede ao da eleição.
3 o . A teoria supralapsariana comparada com a infralap-
sariana, sustentada pelas igrejas reformadas:
Segundo a teoria supralapsariana, o decreto de eleger uns
e reprovar outros precede ao decreto de criar o h o m e m e
permitir que caísse. Segundo a teoria infralapsariana, o decreto
da eleição sucede ao decreto de criar e permitir a Queda. A
teoria supralapsariana considera como objeto da eleição ou da
reprovação, não o h o m e m como já criado e decaído, e sim o
h o m e m como capaz de ser criado e de cair. A teoria infralap-
sariana considera como único objeto desses decretos o h o m e m
como já criado e decaído.

313
Capítulo 11

47. Como expor os argumentos contra a teoria supralapsariana?


Não há dúvida de que esta é a teoria mais lógica de todas.
E postulada sobre o princípio de que aquilo que se faz por
último tencionava-se fazer desde o princípio, e isso, sem dúvida
n e n h u m a , é verdade em todas as esferas compreendidas na
experiência h u m a n a . Argumenta-se, pois, que, se o resultado
final da questão toda é a glorificação de D e u s na salvação dos
eleitos e na perdição dos não eleitos, este resultado deve ter
sido o propósito deliberado de D e u s desde o princípio. Mas a
causa em apreço é demasiado elevada para que se lhe apliquem
a priori as regras ordinárias do juízo h u m a n o , m u i t o m e n o s
para que se insista nelas; a seu respeito só podemos saber aquilo
q u e nos é positivamente revelado.
As o b j e ç õ e s c o n t r a a t e o r i a s u p r a l a p s a r i a n a são as
seguintes...
I a . O h o m e m capaz de ser criado é u m a nonentidade,*
coisa que não existe. Não poderia ser amado n e m eleito, a não
ser que fosse considerado como já criado.
2 a . A linguagem inteira das Escrituras em relação a este
assunto implica em que "os eleitos" o f o r a m como objetos do
amor eterno, não do n ú m e r o de h o m e n s criáveis, capazes de
ser criados, e sim do n ú m e r o inteiro de h o m e n s pecadores
realmente e x i s t e n t e s - J o ã o 15:19; R o m . 11:5,7.
3 a . As Escrituras declaram que os eleitos o foram para a
santificação e para a aspersão do sangue de Cristo. Segue-se,
pois, que, q u a n d o foram eleitos eram como culpados e
m a n c h a d o s pelo pecado - 1 Ped. 1:2; Ef. 1:4-6.
4 a . A predestinação inclui a reprovação. A teoria supra-
lapsariana representa D e u s como reprovando os não eleitos

* O termo "nonentidade" traduz literalmente o inglês non entity, que


m o d e r n a m e n t e significa nulidade (algo ou alguém sem características
próprias, definidas, valiosas). No presente texto justifica-se o uso do termo
por sua derivação latina do advérbio non (não) acrescido do particípio
presente do verbo ser, sum (ens, entis, sendo, existindo, existente, ente). Daí,
algo ou alguém inexistente. Nota de Odayr Olivetti.

314
Predestinação

por um ato soberano, não por causa dos pecados deles? e sim
para a Sua própria glória. Isto parece incompatível c o m a
retidão divina e t a m b é m com o ensino das Escrituras. Os n a o
eleitos foram preordenados por D e u s para a desonrQ e ira
por causa de seus pecados e para louvor de Sua gloriosa justiça.
Conf. de Fé, Cap. 3, Seções 3-7;Cat. Maior, Perg. 13;Bre^ e Cat.,
Perg. 20.

48. Como se pode demonstrar que a exegese correta de Efésios


3:9,10 não dá apoio à teoria supralapsariana?
Há os que dizem que essa passagem é u m a a f i í m a Ç a o
explícita da teoria supralapsariana. Se o para que do v e r s í c u l °
dez se referisse à cláusula imediatamente anterior, a p a s s a § e m
e n s i n a r i a que D e u s criou todas as coisas para que a Sua
m u l t i f o r m e sabedoria fosse patenteada pela Igreja aos ^njos. E
evidente, porém, que para que refere-se aos versículo s 8 e 9,
n o s q u a i s P a u l o declara que foi i n c u m b i d o d e p f e g a r 0
evangelho aos gentios e de esclarecer os h o m e n s a r e s p e i t 0 d°
mistério* da redenção. Tudo isso ele foi comissionado P a r a
fazer, para que fosse manifestada a glória de Deus, e a s ^ i m P o r
diante. Veja Hodge on Ephesians.

49. Como expor os argumentos contra a teoria da escola de


Saumur?
I o . Não é compatível com o fato de que os p r o p ó s ^ t o s de
Deus constituem u m só.** Segundo essa teoria, Deus, n u m s o
ato determinou preparar as condições objetivas da salvação
(redenção pelo sangue de Cristo) para todos, e c o n c e d e r as
condições subjetivas da salvação (graça eficaz) s o l v e n t e a

* Não "sacramento", como diz Figueiredo. Nota do tradutor.


** Em sua "Teologia Sistemática" (Systematic Theology, Vol.2, f^g. 323),
Charles Hodge argumenta dizendo que essa teoria "supõe mutabilidade
nos propósitos divinos; ou que o propósito de Deus pode d e i ^ a r de s e r
cumprido". Nota de Odayr Olivetti. .. < -

315
Capítulo 11

alguns. Isso é realmente uma tentativa de reunir n u m só sistema


o a r m i n i a n i s m o e o calvinismo. 2 o . As Escrituras declaram
que a finalidade para a qual Cristo veio foi executar o propósito
da eleição. Veio para dar a vida eterna a todos quantos o Pai
L h e desse - João 17:2,9; 10:15. P o r conseguinte, a redenção
não p o d e preceder à eleição. 3°. A verdadeira d o u t r i n a da
propiciação (veja Cap. 25) não é que Cristo veio para tornar
possível a salvação, e sim para efetuá-la para todos aqueles p o r
q u e m Ele morreu. Para esses a propiciação alcança a remissão
dos pecados, a fé, o a r r e p e n d i m e n t o e todos os f r u t o s do
Espírito. Por isso, todos os que são remidos arrependem-se e
crêem. .

50. Em que sentido os luteranos ensinam que Cristo é a razão


da eleição?
E n s i n a m que Deus elegeu Seu povo para a vida eterna
por amor de Cristo, e citam em apoio Efésios 1:4: " C o m o
também nos elegeu nele (em Cristo) antes da f u n d a ç ã o do
mundo".* E evidente que esta teoria pode ser explicada, ou de
acordo com a teoria arminiana dos decretos, ou com a francesa
(de Saumur), teorias acima expostas; isto é, que os eleitos fo-
ram escolhidos em Cristo e por a m o r dEle, ou que o foram
porque Deus, tendo provido por Cristo salvação para todos,
queria, elegendo certos indivíduos, que pelo menos no caso
destes a morte de Cristo Se tornasse eficaz para a salvação deles.
E s t a teoria é e v i d e n t e m e n t e r e f u t a d a pelos m e s m o s
argumentos apresentados acima contra as duas teorias que

* É interessante comparar as seguintes versões do versículo 4 completo:


ARC (que nesta passagem segue a VA inglesa): "Como também nos elegeu
nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreen-
síveis diante dele em caridade". ARA: "Assim como nos escolheu nele antes
da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele;
e em amor...". Figueiredo: "Assim como nos elegeu nele m e s m o antes do
estabelecimento do mundo, pelo amor que nos teve, para sermos santos e
imaculados diante de seus olhos". Nota de Odayr Olivetti.

316
Predestinação

acabamos de mencionar. Os eleitos o f o r a m "nele", não por amor


de Cristo, e sim p o r q u e a aliança eterna da graça inclui todos os
eleitos como m e m b r o s do corpo do qual Ele é a cabeça. As
Escrituras a p r e s e n t a m s e m p r e o a m o r de D e u s c o m o o m o t i v o
do d o m de Cristo, e não a obra realizada p o r Cristo c o m o o
m o t i v o do a m o r de D e u s - João 3:16; 1 João 4:10.

DIVERSAS EXPOSIÇÕES DAS IGREJAS

EXPOSIÇÃO LUTERANA - "O que primeiro deve-se


notar acuradamente é a diferença entre a presciência e a
predestinação ou a eleição eterna de Deus. Porque "a
presciência de Deus" nada mais é do que o fato de que
D e u s c o n h e c i a e sabia t o d a s as coisas a n t e s q u e
existissem... Essa presciência de Deus diz respeito aos
homens bons tanto quanto aos maus, mas nem por isso é
a causa do mal, nem a do pecado, que impele os homens a
cometerem crimes. Pois o pecado tem por origem o diabo
e a v o n t a d e depravada e má do h o m e m . N e m é essa
presciência de Deus a causa pela qual os homens perecem;
porque disso eles devem culpar-se a si mesmos; mas a
presciência de D e u s dispõe do mal e o limita, deter-
minando para onde vá, e até quando tenha que durar, de
modo que, embora em si seja o mal, c o n t r i b u i para a
salvação dos eleitos de Deus.
"Por outro lado a "predestinação", isto é, a eleição
eterna operada por Deus, diz respeito tão-somente a Seus
. filhos bons e escolhidos, e é a causa da sua salvação. Porque
lhes consegue a salvação e os dispõe para as coisas que
L h e pertencem. A nossa salvação é baseada de tal modo
sobre essa predestinação que as portas do inferno nunca a
poderão subverter. Essa predestinação operada por Deus
não se deve procurar no conselho secreto de Deus, e sim
na Sua Palavra, onde se acha revelada. A Palavra de Deus
conduz-nos a Cristo; este é aquele livro da vida em que se
acham inscritos e eleitos todos os que alcançam a salvação
eterna - porque assim está escrito: "elegeu-nos em Cristo

317
Capítulo 11

antes do estabelecimento do mundo" (Ef.l:4). A Palavra


de Deus, o "livro da vida", Cristo nos oferece, e este nos é
aberto e desdobrado mediante a pregação do evangelho,
assim como está escrito: "aos que escolheu, t a m b é m
chamou" (Rom. 8: 30). Em Cristo> pois, é que se deve
procurar a eleição eterna operada pelo Pai. Ele, em Seu
conselho e t e r n o , d e c r e t o u que fossem salvos só e
unicamente aqueles que conhecessem Seu Filho Jesus
Cristo e cressem nEle v e r d a d e i r a m e n t e " - Formula
Concordia, Hase Collect., págs. 617-619.
João Gerhard (1532-1637), Loci 2, 86 B - " D i z e m o s q u e
todos aqueles, e somente aqueles que Deus previa que
haveriam de crer em Cristo, o Redentor, m e d i a n t e a
eficácia do Espírito Santo e o ministério do evangelho,
e de perseverar na fé até ao fim da vida - somente
aqueles foram por Ele, e desde a eternidade, eleitos para
a salvação".
A D O U T R I N A DAS IGREJAS R E F O R M A D A S - Os trinta e
nove artigos da Igreja da Inglaterra. A r t i g o 17. Veja a c i m a ,
Cap.7.
Confissão de Fé de Westminster, C a p . 3, S e ç ã o 7. -
"Segundo o conselho de Sua própria vontade, pela qual
Ele concede ou recusa misericórdia, como Lhe apraz, para
a glória de Seu soberano poder sobre as Suas criaturas,
para louvor de Sua gloriosa justiça, o resto dos h o m e n s
aprouve a Deus não contemplar e ordená-los para a desonra
e ira por causa de seus pecados".
Cânones do Sínodo de Dort, C a p . 1, § 7 - "A e l e i ç ã o ,
porém, é o propósito imutável de Deus, pelo qual, antes
de se estabelecerem os f u n d a m e n t o s do m u n d o , Ele,
segundo a Sua muito livre boa vontade, e só da Sua graça,
escolheu, dentre toda a raça humana, decaída por sua
própria culpa da sua integridade primitiva, no pecado e
destruição, um certo número de homens, nem melhores
nem mais dignos do que os outros, mas estando na mesma
miséria como os demais, para a salvação em Cristo, a quem
constituíra desde a eternidade como o Mediador e a
Cabeça de todos os escolhidos, e o fundamento da salvação.

318
Predestinação

§9. Esta mesma eleição não é feita em conseqüência de


qualquer fé, obediência de fé, santidade ou qualquer outra
boa qualidade ou disposição previstas, como causa ou
condição antecedente no homem que haveria de ser eleito,
e sim para a fé e para a obediência da fé, e a santidade. E,
verdadeiramente, a eleição é a fonte de todo benefício
salvador; e dela emanam como seu fruto e efeito a fé, a
santidade e outros dons salutares, e, afinal, a própria vida
eterna. § 15. Além disso, as Escrituras Sagradas ilustram
e nos recomendam esta graça livre e eterna da nossa
eleição, mais especialmente porque testificam também
que nem todos os homens são escolhidos, mas que alguns
não são, ou Deus os passou por alto na Sua eleição eterna,
aos quais Deus, verdadeiramente, da Sua boa vontade
muito livre, justa, irrepreensível e imutável, decretou
viverem na miséria comum à qual, por sua própria culpa, se
haviam lançado, e não conceder-lhes viva fé nem a graça
da conversão".
OS REMONSTRANTES * - Remonstrantia etc. Cinco
artigos p r e p a r a d o s pelos defensores h o l a n d e s e s da
redenção universal (1610). Art. 1- "Deus, por um decreto
imutável, antes de lançar os fundamentos do m u n d o ,
ordenou em Jesus Cristo, Seu Filho, salvar dentre a raça
humana decaída, exposta ao castigo por causa do pecado,
aqueles que, em Cristo, por causa de Cristo e por Cristo,
pela graça do Espírito Santo, cressem em Seu Filho, e que,
pela mesma graça, perseverassem até o fim na obediência
da fé. E (decretou) também deixar no pecado e expostos à
ira aqueles que não são convertidos e são incrédulos, e
condená-los como estando fora de Cristo, segundo João
3:36.

' Remonstrantes (queixosos), n o m e de u m a seita calvinista holandesa,


fundada por Armínio. Em 1610 a seita recebeu esse nome porque os seus
membros enviaram uma "remonstrance" (uma representação queixosa)
aos estados, negando que desejavam causar conflito na igreja. Nota de
< )dayr Olivetti.

319
12

A Criação do Mundo

1. Qual a origem da doutrina da criação ex nihilo?


A prevalência, senão a concepção, da idéia de u m a criação
absoluta, ou de u m a criação ex nihilo, deve-se à influência da
Palavra inspirada de Deus. Anterior à revelação havia duas
causas prevalentes que impediam a aceitação dessa idéia, (a) A
idéia então universalmente aceita era que o axioma ex nihilo
nihil fit era verdadeiro. A conseqüência foi que todos os teístas
tanto como os ateístas deixavam de conceber a idéia de uma
criação absoluta, ou a rejeitavam como absurda, (b) A segunda
causa que exercia grande influência sobre os teístas era a idéia
de que a admissão de semelhante criação prejudicaria a teologia
natural, porque nessa hipótese seria impossível conciliar a
existência do mal com as perfeições de Deus.

2. Quais as opiniões defendidas pelos grandes teístas Platão e


Aristóteles?
Platão sustentava que há dois princípios eternos e auto-
existentes, Deus e a matéria, que existem coordenadamente
n u m a eternidade indivisível e não sucessiva; que o t e m p o e o
m u n d o presente e fenomênico que existe no tempo são obra
de Deus, que livremente molda a matéria em formas que dão
i m a g e n s de Suas p r ó p r i a s idéias eternas e i n f i n i t a m e n t e
perfeitas. Aristóteles também sustentava que Deus e a matéria
são coordenadamente auto-existentes e eternos; mas diferia de
Platão em considerar Deus como eternamente auto-ativo em

320
A Criação

organizar da matéria o m u n d o , e, por conseguinte, em consi-


derar o universo assim organizado como eterno, como t a m b é m
considerava eterna a matéria da qual é formado. •• >

3. Quais as opiniões defendidas a este respeito pelos gnósticos?


Alguns dos gnósticos ensinavam que o universo procede
de Deus por meio de emanação, explicada por eles como " u m
desenvolvimento necessário e gradual ad extra do g e r m e de
existência que estava em Deus", assim como os raios de luz
procedem do sol, etc. A maioria dos gnósticos sustentava, junta-
m e n t e com esta teoria de emanação, a doutrina do dualismo,
isto é, da a u t o - e x i s t ê n c i a c o o r d e n a d a de dois p r i n c í p i o s
i n d e p e n d e n t e s , D e u s e a matéria. De D e u s procederam por
emanações sucessivas os ALons, o D e m i u r g o , o Criador do
m u n d o , o Jeová do Velho Testamento, e f i n a l m e n t e Cristo. O
universo material veio de matéria auto-existente, organizada
pelo D e m i u r g o . Todas as almas e m a n a r a m do m u n d o da luz,
mas ficaram enredadas na matéria, e daí é que vem a contenda
histórica entre o bem e o mal, à qual Jesus Cristo veio extinguir
dando às almas o poder de livrar-se afinal dos laços da matéria.

4. Qual a teoria a este respeito que é comum a todos os sistemas


panteístas?
Os panteístas identificam Deus com o universo. Deus é o
Ser absoluto, do qual as coisas são os m o d o s especiais e
transitórios. D e u s é o princípio persistente e auto-existente de
todas as coisas, o qual, por uma lei inerente e auto-operativa
de desenvolvimento, está passando por ciclos incessantes de
mudanças. -*;••••' •

5 .Expor a verdadeira doutrina da criação.


A doutrina cristã a respeito da criação envolve os seguintes
pontos:
I o . " N o princípio", em algum p o n t o de começo definido
no tempo.

321
Capítulo 12

2 o . D e u s c h a m o u à existência, do nada, todas as coisas,


isto é, os princípios originais e causas de todas as coisas. Assim,
pois, t u d o q u a n t o existe, venha a existir ou pode existir, exte-
rior à Deidade, deve a sua existência e a sua substância, c o m o
t a m b é m a sua forma, a Deus.
3 o . Esse ato criativo foi um ato de vontade livre e auto-
d e t e r m i n a d a . N ã o foi um ato necessário e c o n s t i t u c i o n a l
análogo aos atos imanentes e eternos da geração do F i l h o e da
processão do Espírito Santo.
4 o . N ã o foi necessário esse ato para completar a excelência
e a f e l i c i d a d e d i v i n a s , as quais são e t e r n a s , c o m p l e t a s e
inseparáveis da essência divina. Mas foi executado no exercício
de u m a discrição absoluta e por motivos i n f i n i t a m e n t e sábios
- Dr. Charles Hodgc.
Esta doutrina é essencial ao teísmo. Todas as teorias quanto
à origem do m u n d o opostas a esta são essencialmente panteístas
ou ateístas.

6. Qual a distinção assinalada pelas expressões "creatio prima


seu immediata", e "creatio secunda seu mediata", e por quem
foi ela introduzida?
A frase "creatioprima seu immediata" signfica o ato originário
da vontade divina pelo qual Ele trouxe ou traz à existência, do
nada, os princípios e as essências elementares de todas as coisas.
A frase "creatio secunda seu mediata" significa o ato subseqüente
de Deus originando diversas formas de coisas, e especialmente
diversas espécies de seres vivos, das essências já criadas das
coisas. A Igreja Cristã sustenta ambas essas idéias. Essas frases
foram utilizadas p r i m e i r a m e n t e nas obras de certos teólogos
luteranos do século 17,e.g., Gerhard, Quenstedt etc.

7. Qual a significação primária, e qual o uso bíblico da palavra


hebraica bará?
Restritamente, I o . talhar, cortar. 2 o . Formar, fazer, produzir
(quer do nada, quer de material já existente - Gên. 1:1,21,27;

322
A Criação

2:3,4; Is. 43:1,7; 45:7,18; Sal. 51:12; Jer. 31:22; A m ó s 4:13.


N i p h a l , 1 °. Ser criado - Gên. 2:4; 5:2. 2 o . Nascer - Sal. 102:18;
Ez. 21:35. Piei, I o . Talhar, derrubar, e.g., u m a floresta - Jos.
17:15,18. 2°. Derrubar (com espada), matar - Ez. 23:47. 3 o .
Formar, esculpir, demarcar - Ez. 21:24 - Gesenius, Lexicon
(presumivelmente u m a edição antiga).

8. Expor prova direta da veracidade desta doutrina que temos


nas Escrituras.
I o . Sendo a idéia mesma inteiramente nova e alheia a todos
os modos anteriores de pensar, só podia ser comunicada nas
Escrituras por meio de termos antigos, empregados anterior-
m e n t e em sentido diverso, mas servindo-se deles de tal m o d o
que sugerissem um sentido novo. A palavra "bará", p o r é m , é
a melhor das que possui a língua hebraica para exprimir a
idéia dt fazer absolutamente.
2 o . Essa nova idéia é sugerida inevitavelmente pelo m o d o
em que a palavra é utilizada pela primeira vez por Moisés na
narração que faz, logo no princípio, da gênese do céu e da terra.
Como introdução geral da história da formação do m u n d o e
seus habitantes vem a declaração de que " N o princípio - no
princípio absoluto - Deus fez o céu e a terra". Não há aí o
m e n o r i n d í c i o de q u a l q u e r m a t e r i a l que já existisse. No
princípio Deus fez o céu e a terra; depois disso existiu o caos,
porque se diz então que "a terra era vã *e vazia", e o Espírito
de D e u s pairava sobre o abismo.
3 o . Essa mesma verdade é t a m b é m sugerida inevitavel-
m e n t e nas diversas f o r m a s de expressão e m p r e g a d a s nas
Escrituras para designar a ação de Deus em Sua obra de originar
o m u n d o . Em caso algum se acha o m e n o r indício de alusão a
q u a l q u e r m a t e r i a l p r e e x i s t e n t e ou a q u a i s q u e r condições

* Assim Figueiredo. Devia ser, porém: "estava em desolação, em estado


caótico". Nota do tradutor.

323
Capítulo 12

p r e c e d e n t e s de criação. Em todos os casos as E s c r i t u r a s


relacionam toda a ação causal da criação só e u n i c a m e n t e à
"Palavra", ao m a n d a d o de Jeová - Sal. 33:6 e 148:5,6. "Pela fé
é que nós e n t e n d e m o s que foram formados os m u n d o s (o
universo) pela palavra de Deus, para que o visível fosse feito
do invisível" (Heb. 11:3, Figueiredo). Veja Rom. 4:17; 2 Cor.
4:6.
9. De que maneira está inferida nas Escrituras esta doutrina
da criação absoluta do mundo por Deus?
1 0 . Em todas as passagens que ensinam que Deus é o Sobe-
rano absoluto e que as criaturas dependem dEleabsolutamente,
sendo que "nele vivemos, e nos movemos, e existimos" - Atos
17:28; Nee. 9:6; Rom. 9:36; 1 Cor. 8:6; Col. 1:16; Apoc. 4:11.
O r a , é e v i d e n t e que, se os e l e m e n t o s essenciais e os
p r i n c í p i o s p r i m o r d i a i s de todas as coisas não são criados
i m e d i a t a m e n t e por Deus do nada, mas existem e t e r n a m e n t e
por si e i n d e p e n d e n t e m e n t e dEle, segue-se então que Ele, em
Seus ofícios de C r i a d o r e G o v e r n a d o r p r o v i d e n c i a l , está
condicionado e limitado pelas propriedades e forças essenciais
e preexistentes desses elementos primordiais, e Ele n e m seria
o S o b e r a n o a b s o l u t o , n e m as coisas feitas d e p e n d e r i a m
absolutamente da Sua vontade.
2 o . Em todas as passagens que ensinam que o cosmos, isto
é, que "todas as coisas" tiveram princípio - Sal. 90:2; João
17:5,24.

10. Que argumentos derivados da razão, da consciência e


da constituição elementar da matéria podem ser aduzidos em
prova de uma criação absoluta?
Io. Só esta d o u t r i n a condiz com o s e n t i m e n t o de
dependência absoluta em que a criatura está de Deus, senti-
m e n t o inerente ao coração de todas as criaturas racionais e na
realidade do qual as Escrituras tanto insistem. Elas não
poderiam dizer que Ele sustenta "todas as coisas, pela palavra
do seu poder" (Iieb. 1:3), nem "que nele é que vivemos, nos

324
A Criação

movemos, e existimos" (Atos 17:28), se Ele não fosse absolu-


t a m e n t e o Criador e t a m b é m o F o r m a d o r de todas as coisas.
2 o . O t e s t e m u n h o da consciência torna manifesto: (1) Q u e
as nossas almas são entidades individuais e distintas, e não
partes ou partículas de D e u s ; (2) que não são eternas. Segue-
-se, pois, que foram criadas. E u m a vez que se admita a criação
ex nihilo dos espíritos dos homens, não haverá mais dificuldade
especial quanto à criação absoluta da matéria.
3 o . E m b o r a nos seja inconcebível a criação absoluta de
alguma coisa do nada, não o é mais do que o é a relação da
presciência infinita de Deus, ou da Sua preordenação, ou do
Seu governo providencial, com a liberdade da ação dos homens,
e n e m o é mais do que inconcebíveis são muitas outras verdades
que todos se vêem obrigados a crer.
4 o . A d m i t i d a a auto-existência necessária de um Espírito
pessoal i n f i n i t a m e n t e sábio e poderoso, cuja existência, na
hipótese de que Ele possui o poder de criar absolutamente, é
suficiente para explicar a existência de todos os f e n ô m e n o s do
universo, não é filosófico multiplicar causas gratuitamente,
como se faz na suposição de que a matéria é eterna, auto-exis-
tente e independente.
5 o . Depois que o filósofo materialista analisou a matéria
até aos seus átomos finais e d e t e r m i n o u as suas propriedades
primárias e essenciais, achou neles provas tão fortes de u m a
causa a n t e c e d e n t e e poderosa, e de u m a inteligência com
desígnios sábios, como as e n c o n t r a nas organizações mais
complexas da natureza; pois que outra coisa seriam as pro-
priedades f u n d a m e n t a i s da matéria senão os c o n s t i t u i n t e s
elementares das leis universais da natureza, e as condições finais
de todos os fenômenos? Se intenção ou desígnio, descoberto
na constituição do universo concluído, prova a existência de
um Formador divino, então com igual razão a mesma intenção
ou desígnio, descoberto na constituição elementar da matéria
prova a existência de um Criador divino.
S e g u n d o a a f i r m a ç ã o de Sir J o h n H e r s c h e l , todos os

325
Capítulo 12

átomos da mesma substância elementar, por serem todos iguais,


parecem "objetos fabricados".
" Q u e r seja autocontraditória a concepção de u m a multi-
dão de seres existentes desde toda a eternidade, quer não seja,
essa c o n c e p ç ã o t o r n a - s e p a l p a v e l m e n t e a b s u r d a q u a n d o
atribuímos u m a relação de igualdade quantitativa a todos esses
seres. Nesse caso, somos obrigados a olhar para além deles e
ver alguma causa c o m u m , ou alguma origem c o m u m , como
explicação do motivo pelo qual existe essa relação singular...
Temos chegado ao limite extremo das nossas faculdades de
pensar quando admitimos que, por não poder ser eterna e auto-
existente, a matéria teve necessariamente um Criador" - Prof.
J.Clerk-Maxwell, artigo "Atom", Encyclopcedia Britannica, 9 a .
edição.
- . . .

11. Como se pode expor e refutar a objeção contra esta doutrina,


baseada no axioma: "Ex nihilo nihil fit"?
Objeta-se que é um princípio original e auto-evidente da
razão que do nada nada pode proceder. Respondemos que essa
asserção é indefinida. Se quer dizer que n e n h u m a coisa nova,
e n e n h u m a mudança numa coisa já existente, podem principiar
sem u m a causa adequada, admitimos que isso é verdade, mas
não tem aplicação ao caso de que estamos tratando. Nossa
doutrina não é que o universo começou a existir sem causa
adequada, e sim que as substâncias, como também as formas
das coisas, tiveram princípio no tempo, e que sua causa existe
somente na vontade de Deus. O poder infinito inerente a um
Espírito auto-existente é precisamente a Causa à qual referimos
a origem de todas as coisas. Mas se a objeção acima quer dizer
que esse Deus infinito não tem o poder de criar entidades no-
vas, respondemos que o princípio é falso e não auto-evidente;
não traz n e n h u m dos indícios de u m a intuição válida - nem
auto-evidência, nem necessidade, nem universalidade. V)

12. Como se pode expor e refutar a doutrina daqueles que

326
A Criação

baseiam em razões morais a auto-existência da matéria?


Aqueles d e n t r e os p e n s a d o r e s teístas que se s e n t i r a m
tentados a tomar a matéria como eterna e auto-existente,
foram levados a isso pela vã esperança de explicar assim a
existência d o m a i moral em h a r m o n i a com a santidade de
Deus.
Q u e r i a m referir todos os f e n ô m e n o s do pecado a um
princípio essencialmente m a u , inerente à matéria, e assim
justificar Deus, sustentando que Ele t i n h a feito t u d o q u a n t o
L h e era possível para limitar esse mal. Ora, além da incon-
s e q u ê n c i a da t e n t a t i v a que faz essa teoria de v i n d i c a r a
santidade de D e u s à custa da Sua independência, os princípios
sobre os quais ela opera são absurdos, como se tornarão
evidentes nas seguintes considerações:
I o . O mal moral é, na sua essência, um atributo do espí-
rito. O referi-lo a u m a origem material conduz logicamente ao
mais crasso materialismo.
2 o . O inteiro sistema cristão de religião, e o exemplo de
Cristo, estão em oposição a esse ascetismo e " m a u t r a t a m e n t o
do c o r p o " , cuja conseqüência será necessariamente a idéia de
que a matéria é a base do pecado - Col. 2:16, Figueiredo.
3 o . Tendo Deus criado o universo material, disse que era
m u i t o bom - Gên. 1:31.
4 o . A Segunda Pessoa da santíssima Trindade t o m o u um
corpo real e material em união conSigo.
5 o . A criação material, por ora "sujeita à vaidade" em
conseqüência do pecado dos homens, haverá de ser renovada e
tornada o templo em que habite o D e u s - h o m e m para sempre.
Veja abaixo, Cap. 39, Perg. 17.
6 o . A obra realizada por Cristo para salvar Seu povo dos
seus pecados não contempla a renúncia da parte material da
nossa natureza, mas os nossos corpos, que são agora " m e m b r o s
de Cristo" e "templos do Espírito Santo", serão transformados
na ressurreição à semelhança do Seu corpo glorioso. E, contudo,
nada poderia ser mais absurdo do que a idéia de que o soma

327
Capítulo 12

pneumatikon, traduzido "corpo espiritual", não é coisa tão


literalmente material como o é o soma psyquikon, traduzido
"corpo animar - 1 Cor. 15:44. Se a causa do mal é essencial-
mente inerente à matéria, e se no passado este desenvolveu-se
sempre, apesar dos esforços feitos por Deus para limitá-lo, que
motivo de confiança pode qualquer de nós ter para o f u t u r o ?

13. Como se pode provar que nas Escrituras a obra da criação


é atribuída a Deus absolutamente, isto é, a cada uma das três Pessoas
da Trindade coordenadamente, e não a qualquer delas como Sua
função pessoal e especial?
1°. A Deidade a b s o l u t a m e n t e - Gên. 1:1,26. 2 o . Ao P a i -
1 Cor. 8:6. 3 o . Ao F i l h o - João 1:3; Col. 1:16,17. 4 o . Ao
Espírito Santo - Gên. 1:2; Jó 26:13; Sal. 104:30 (Sempre
coordenadamente).

14. Como se pode provar que nenhuma criatura pode criar


absolutamente?
I o . Pela natureza da obra. E p a t e n t e que u m a criação
absoluta ex nihilo é obra que só pode efetuar quem disponha
de poder infinito. E obra inconcebível para nós, porque é obra
de um poder infinito, e esse poder só pode pertencer àquele
Ser que, pela mesma razão, é incompreensível.
2 o . As Escrituras distinguem Jeová das criaturas e dos
deuses falsos, e estabelecem a Sua soberania e os Seus direitos
como o Deus verdadeiro, afirmando que Ele é o Criador - Sal.
96:5; Is. 37:16; 40:12,13; 44:5; Jer. 10:11,12.
3 o . Se fosse admitido que u m a criatura pode criar (em
termos absolutos), então as obras da criação não serviriam para
levar-nos ao conhecimento infalível de que o nosso Criador é
o Deus eterno e auto-existente.

15. Por que é importante que saibamos, se nos for possível


alcançar este conhecimento, qual foi o fim principal que Deus teve
em vista na criação?

328
A Criação

Esta não c pergunta de vã curiosidade. E evidente que,


sendo D e u s eterno, imutável e de inteligência absolutamente
perfeita, Ele invariavelmente haveria de m a n t e r em vista o
g r a n d e fim ou propósito final para o qual criou todas as coisas
no princípio, de forma que todas as Suas obras devem ser, mais
direta ou mais r e m o t a m e n t e , meios para esse fim. Ora, nós
somos constituídos de tal m o d o que p o d e m o s entender um
sistema s o m e n t e q u a n d o e n t e n d e m o s o seu f i m ou o seu
propósito final. Assim,e.g., podemos compreender as diversas
peças de um relógio ou de u m a m á q u i n a a vapor, suas relações
e funções, s o m e n t e depois de compreendermos o fim a que
deve servir o relógio ou a máquina por inteiro. E, embora Deus
nos tenha ocultado muitos dos Seus propósitos secundários,
cremos que Ele nos revelou esse grande desígnio final, sem o
c o n h e c i m e n t o do qual n u n c a p o d e r í a m o s c o m p r e e n d e r o
verdadeiro caráter da sua administração geral. N i n g u é m pode
negar que, se Ele revelou o propósito final da Sua criação,
deve ser para nós ponto da maior importância sabermos
qual é.
E por si m e s m o evidente quenós n u n c a poderemos chegar
a u m a generalização tão s u b l i m e c o m o essa p o r n e n h u m
processo de indução daquilo que sabemos ou podemos saber
das obras de Deus. E-nos necessário, pois, extrair todas as nossas
conclusões a esse respeito, em p r i m e i r o lugar, ao m e n o s ,
d a q u i l o que sabemos dos a t r i b u t o s de D e u s e do e n s i n o
explícito da Sua Palavra.

16. Qual o significado do termo TEODICÉIA, e por quem foi


primeiro explorado este ramo da teologia especulativa?
O t e r m o teodicéia ("theos dike") expressa uma justificação
especulativa do m o d o pelo qual D e u s trata a raça h u m a n a ,
especialmente no que diz respeito à origem do mal e ao governo
moral do m u n d o . Foi primeiro elevado a um ramo da ciência
teológica pelo filósofo alemão Leibnitz, em sua grande obra
intitulada Teodicéia, ou a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem

329
Capítulo 12

e a Origem do Mal, publicada em 1710.

17. Qual a opinião de Leibnitz a respeito do fim que Deus teve


em vista na criação, e por quem mais foi adotada ?
Leibnitz sustentava que se pode resolver em benevolência
toda a excelência m o r a l , e que o g r a n d e f i m t o t a l m e n t e
abrangente que Deus teve em vista na criação do universo, e
que tem em vista na Sua preservação e no Seu governo, é a
promoção da felicidade das Suas criaturas. Concluiu disso que
Deus escolheu o melhor sistema possível para conseguir esse
fim no mais alto grau possível. Este sistema é qualificado como
otimismo.
Essa teoria foi adotada por grande n ú m e r o de teólogos da
Nova Inglaterra, juntamente com a teoria, também aceita por
muitos, que considera a virtude como c o n s i s t i n d o de
benevolência desinteressada.
As objeções a essa teoria são:
I a . A v i r t u d e não consiste s o m e n t e em b e n e v o l ê n c i a
desinteressada - Veja acima, Cap.8, Perg. 61. E a felicidade
não é o maior bem.
2 a . Subordina o Criador à criatura, o maior ao menor, como
o meio para conseguir-se um fim. Quando Deus f o r m o u desde
a eternidade o propósito de criar, não existiam criaturas que
devessem ser tornadas felizes ou infelizes. O motivo para criar,
pois, não poderia ter origem naquilo que não existia, e só
poderia ter origem e objeto no próprio Ser divino.
3 a . As Escrituras (veja a p e r g u n t a seguinte) em parte
alguma, n e m direta n e m indiretamente, ensinam que alguma
coisa na criatura é o fim principal de Deus, n e m p r o p õ e m elas
em parte alguma qualquer bem público ou pessoal da criatura
como o fim principal que deve ter em vista a criatura mesma.

18. Como se pode expor a doutrina verdadeira? Citar as


exposições da Confissão de Fé que lhe dizem respeito.
A doutrina verdadeira é que o grande fim que Deus teve

330
A Criação

em vista na criação foi a Sua própria glória. Glória é excelência


manifestada. A excelência dos atributos de Deus é manifestada
por Sua operação. Por conseguinte, esse fim não foi o a u m e n t o ,
n e m da Sua excelência n e m da Sua felicidade, e s i m Sua
manifestação ad extra.
"Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, para m a n i f e s t a ç ã o da glória de Seu e t e r n o poder,
sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de
seis dias, e tudo m u i t o bom, o m u n d o e tudo o que nele há,
quer as coisas visíveis quer as invisíveis" - Confissão de Fé,
Cap.4, § 1. Ela afirma t a m b é m que a Sua glória é o fim prin-
cipal que Deus tem em vista em todos os Seus propósitos
e nas obras da providência e da redenção - Cap. 3, § 3,5,7;
Cap. 5, § 1; Cap. 6, § 1; Cap.33, § 2; Catecismo Maior, Pergs. 12
e 18; Breve Cat., Perg. 7.

19. Quais são os argumentos que a razão e as Escrituras


apresentam a favor da doutrina verdadeira?
I o . Tendo D e u s f o r m a d o o propósito de criar antes de
existir criatura alguma, é evidente que o motivo para criar teve
necessariamente sua origem e objeto no Criador preexistente,
e não na criatura não existente. O Criador não p o d e estar
subordinado à criatura finita e dependente, nem pode depender
dela.
2 0 . Sendo D e u s mesmo i n f i n i t a m e n t e mais digno do que
a soma de todas as criaturas, segue-se que a manifestação da
Sua própria excelência é um fim i n f i n i t a m e n t e mais digno e
mais exaltado do que o seria a felicidade das criaturas; seria
realmente o fim mais exaltado e mais digno que nos é possível
imaginar.
3 o . Nada p o d e exaltar tanto a criatura e tornar-se fonte da
sua felicidade como o fato de que D e u s fez dela um meio de
promover a Sua glória como Criador infinito, e t e s t e m u n h a
da Sua glória; e por isso propor Deus essa glória como "o fim
principal" da criação é o p e n h o r mais seguro do progresso da

331
Capítulo 12

criatura em excelência e bem-aventurança.


4 o . As Escrituras declaram explicitamente que esse é o
fim principal de Deus na criação - Prov. 16:4; Col. 1:16, e das
coisas como criadas - Rom. 11:36; Apoc. 4:11.
5 o . Elas ensinam que esse é t a m b é m o fim principal de
D e u s nos seus decretos - Ef. 1:5,6,12.
6 o . Elas também ensinam sobre Seu governo e Sua direção
p r o v i d e n c i a i s de Suas c r i a t u r a s , p o r Sua graça - R o m .
9:17,22,23; Ef. 3:10.
7 o . As Escrituras i m p õ e m c o m o dever a toda criatura
moral que adotem esse m e s m o fim como o seu fim pessoal em
todas as coisas - 1 Cor. 10:31; 1 Ped. 4:11.

20. Qual a atitude atual da ciência geológica em relação à


narração mosaica da criação?
Os resultados modernos da ciência geológica estabelecem
as seguintes conclusões: (a) Que os materiais elementares de
que o m u n d o é composto já existiam por um número indefinido
de séculos, (b) Que o estado em que se acha o m u n d o atualmente
foi produzido providencialmente por meio de u m a progressão
gradual, e que, durante longos tempos, esta progressão deu-se
em condições físicas bem diversas entre si. (c) Que o m u n d o
foi habitado sucessivamente por muitas ordens diversas de seres
o r g a n i z a d o s , s e n d o cada o r d e m p o r sua vez a d a p t a d a às
condições físicas em que o globo se achava d u r a n t e a perma-
nência dessa o r d e m , e notando-se também em cada ordem
sucessiva, como regra geral, u m a organização superior à da
ordem anterior, passando elas das formas mais elementares para
as mais perfeitas e complexas, (d) Que o h o m e m completa a
pirâmide da criação, o mais perfeito e o último f o r m a d o de
todos os habitantes do m u n d o . A única dificuldade que se
encontra em se conciliarem estes resultados com a narração
mosaica da criação está nos p o r m e n o r e s , a cujo respeito é
obscuro o s e n t i d o verdadeiro da narração i n s p i r a d a , e as
conclusões da ciência são imaturas. Por isso é que têm falhado

332
A Criação

todas as tentativas, como, e.g., a que fez H u g h Miller em sua


obra Testimony of the Rocks (O Testemunho das Rochas), de
acomodar à história bíblica em todos os seus p o r m e n o r e s as
conclusões mais ou menos certas da geologia.
Q u a n t o à relação entre aquilo que diz a ciência a respeito
da antigüidade do h o m e m e a cronologia bíblica, veja abaixo,
Cap. 16. Em geral, porém, há concordância m u i t o notável en-
tre a narração mosaica e os resultados dos estudos da geologia
quanto aos seguintes pontos: a narração concorda com aquilo
que a ciência diz, ensinando - (a) A criação dos elementos
n u m passado m u i t o remoto, (b) A existência intermédia do
caos. (c) O passar o m u n d o por diversas m u d a n ç a s antes de
chegar à sua atual condição física, (d) As criações sucessivas
de diversos gêneros e espécies de seres organizados - dos
vegetais antes dos animais - das formas inferiores antes das
f o r m a s s u p e r i o r e s - em adaptação às condições cada vez
melhores da terra - e do h o m e m como o último de todos.
Se lembrarmos quando, onde e para que fim essa narração
bíblica foi escrita e a c o m p a r a r m o s com todas as d e m a i s
c o s m o g o n i a s antigas, f i c a r e m o s c o n v e n c i d o s de que essa
c o n c o r d â n c i a maravilhosa com os ú l t i m o s r e s u l t a d o s dos
e s t u d o s d a ciência m o d e r n a é u m a c o n t r i b u i ç ã o m u i t o
i m p o r t a n t e para as provas da sua origem divina. Vê-se com
certeza que, m e s m o quando se lê essa narração à luz da mais
severa crítica moderna, ela é suficiente para o fim que o seu
A u t o r d i v i n o teve em vista, a saber, q u e s e r v i s s e c o m o
introdução geral da história da redenção, a qual, embora tivesse
suas raízes na criação, foi em seguida levada avante como um
sistema de revelações e influências sobrenaturais.

21. Como expor os diversos princípios que sempre devemos


ter em mente quando consideramos questões que envolvem um
conflito aparente entre a ciência e a revelação? ' •• • -
I o . Tanto as obras como a Palavra de Deus são revelações
Suas. Por conseguinte, as duas são igualmente verdadeiras,

333
Capítulo 12

igualmente sagradas, e devem ser tratadas com igual reverência.


E absolutamente impossível que haja conflito entre as duas
revelações, q u a n d o adequadamente interpretadas. Preferência
da nossa parte de u m a ou de outra é traição contra o Autor e
Senhor de ambas.
2 o . A ciência, como interpretação das obras de Deus, é,
portanto, um ramo legítimo e obrigatório dos estudos
humanos. Tem seus direitos que devem ser respeitados, e seus
deveres que ela deve observar. Todas as ciências têm o direito
de prosseguir nas suas investigações legítimas segundo os seus
próprios métodos legítimos. Não podemos exigir que o
químico prossiga nas suas pesquisas segundo os métodos do
filólogo, n e m do geólogo que vá procurar seus fatos na história,
quer sagrada q u e r profana. C o n t u d o é t a m b é m dever dos
estudantes de qualquer ciência que se conservem dentro dos
seus limites, e que reconheçam o fato de que a sua ciência é
u m a província apenas no imenso império da verdade, e que,
por isso, devem respeitar todas as diversas ordens de verdades,
tanto as verdades históricas e inspiradas como as científicas, e
tanto as verdades mentais e espirituais como as materiais.
3 o . Da limitação das faculdades h u m a n a s segue-se c o m o
conseqüência prática que os homens que se dedicam a um ramo
especial de pesquisas adquirem hábitos especiais de pensar,
como t a m b é m peculiares associações de idéias, s e g u n d o os
quais tornam-se propensos a m e d i r e julgar todas e quaisquer
verdades. Sucede assim que o h o m e m científico p r i m e i r o
interpreta mal e então tem ciúmes do teólogo, e este t a m b é m
interpeta mal e então tem ciúme do h o m e m científico. Isso,
porém, é acanhamento, e não conhecimento superior; c
fraqueza, e não força.
4 o . Sendo a ciência tão-somente u m a interpretação h u m a n a
das obras de Deus, é sempre imperfeita e comete muitos erros.
Os intérpretes da Bíblia são h u m a n o s t a m b é m , e p o r isso
p o d e m cometer erros, e n u n c a devem afirmar que as suas
interpretações são realmente as idéias que D e u s quis revelar.

334
A Criação

5 o . Todas as ciências, em sua condição imatura, têm sido


consideradas como opostas à Palavra de Deus. No entanto, ao
passo q u e se t o r n a r a m m a i s a m a d u r e c i d a s , a c h o u - s e que
estavam em perfeita h a r m o n i a com essa Palavra. As vezes é a
ciência que se emenda e se torna assim combinada com as idéias
dos teólogos; outras vezes são as opiniões dos teólogos que se
e m e n d a m e se t o r n a m a s s i m c o m b i n a d a s c o m a c i ê n c i a
aperfeiçoada e demonstrada, como, e.g., foi o caso do sistema
astronômico de Copérnico, sistema primeiro odiado pela igreja,
mas depois aceito universalmente por ela, e com gratidão.
6 o . No caso de muitas ciências, particularmente no da
geologia, ainda não chegou o tempo para que se procure ajustar
suas conclusões à revelação das E s c r i t u r a s . Assim c o m o
acontece com a história contemporânea em sua relação com as
profecias, a geologia, em sua relação com a narração mosaica
da criação, está in transitu (em transição). Suas conclusões ainda
são incertas. Q u a n d o todos os geólogos estiverem de acordo
e n t r e si, todos os fatos acessíveis da ciência tiverem sido
observados, analisados e classificados, a generalização estiver
completa, todos os seus resultados tiverem sido recolhidos e
se tiverem tornado parte indubitável e p e r m a n e n t e da herança
intelectual dos homens, ver-se-á então exposta por si m e s m a a
concordância entre a ciência e a revelação, e que a ciência
sustenta e ilustra a Palavra escrita de Deus, em vez de lhe ser
oposta.
7 o . H á , pois, duas tendências opostas que são igualmente
prejudiciais à causa da religião, e que mostram a fraqueza da
fé que caracteriza muitos dos seus amigos professos. A primeira
é a fraqueza de se aceitar imediatamente como verdade líquida
e certa qualquer conclusão hostil à Palavra de Deus, se for
anunciada por especuladores científicos; a constante confis-
são que assim se faz de que a luz da revelação é inferior à luz
da natureza, e a certeza das conclusões da exegese bíblica
e da teologia cristã inferior à dos resultados dos trabalhos da
ciência m o d e r n a ; os constantes esforços para acomodar as

335
Capítulo 12 ]

interpretações das Escrituras, como um nariz de cera, a cada [


fase nova que t o m a m as intcrpetações correntes da natureza.
A segunda tendência é a de ir ao extremo oposto, de n u t r i r
preconceitos e suspeitas contra todas as conclusões averiguadas
da ciência, com temor de serem, provavelmente, ofensas con-
tra a d i g n i d a d e da revelação, e de atacar com impaciência
m e s m o aquelas fases passageiras da ciência imperfeita que por
e n q u a n t o parecem inconciliáveis com as nossas opiniões.
E s t a n d o em pé sobre a rocha da verdade divina, os cristãos
nada têm que temer e podem bem esperar o resultado. A
fé perfeita, b e m como o a m o r perfeito, lança fora o temor.
Todas as coisas são nossas, quer sejam naturais, quer sobre- I
naturais, quer sejam ciência, quer revelação. Veja Isaac Taylor,
Restoration ofBelief (Restauração da Fé), págs. 9,10.

336

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13
Os Anjos

1. Quais os diversos sentidos em que a palavra grega aggelos


(anjo, mensageiro) é empregada nas Escrituras?
"Mensageiros comuns, Jó 1:14; Luc. 7:24; 9:52; profetas,
Is. 42; 19; Mal. 3:1; sacerdotes, Mal. 2:7; ministros do Novo
Testamento, Apoc. 1:20; também agentes impessoais, como a
coluna de n u v e m , Ex 14.19; a pestilência, 2 Sam. 24:16,17; os
v e n t o s , Sal. 1 0 4 : 4 ; p r a g a s , c h a m a d a s " a n j o s m a u s "
(Figueiredo), Sal. 78:49; o espinho na carne de Paulo, chamado
"anjo de satanás", 2 Cor.l2:7." Também a segunda Pessoa da
Trindade, chamada "o anjo da sua face", "o anjo do concerto",
Is 63.9; Mal. 3:1. Mas a palavra é aplicada p r i n c i p a l m e n t e a
seres celestes, Mat. 25:31 - Veja Kitto,Bib. Encyc.

2. Quais os designativos bíblicos dos anjos, e até onde expressam


eles sua natureza e seus ofícios?
Os a n j o s b o n s ( q u a n t o aos m a u s veja Perg. 15), em
referência à sua natureza, dignidade e poder, são chamados,
nas Escrituras, "espíritos", Heb. 1:14; "tronos, dominações,
principados, potestades, poderes", Ef. 1:21; Col. 1:16; "filhos
de Deus", Jó 1:6; Luc. 20:36; "anjos seus, magníficos em
poder", "os anjos do seu poder", Sal. 103:20; 2 Tess. 1:7; "santos
anjos", "anjos eleitos", Luc. 9:26; 1 Tim. 5:21; e com referência
aos ofícios que desempenham em relação a Deus e aos homens,
são chamados "anjos", ou mensageiros, e "ministradores", Heb.
1:13,14.

337
Capítulo 13

3. Quem eram os querubins?


E r a m criaturas idealizadas, compostas de quatro partes, a
saber, as de um h o m e m , de um boi, de um leão e de u m a águia.
Sua aparência p r e d o m i n a n t e era a de h o m e m , mas o n ú m e r o
de rostos, pés e mãos diferia segundo as circunstâncias - Ez.
1:6 comp. com Ez. 41:18,19, e Êx. 25:20.
As m e s m a s c r i a t u r a s idealizadas aplica-se t a m b é m o
designativo "seres viventes" (ARA), traduzido por "animais" nas
versões de Almeida, Revista e Corrigida, e outras - Ez. 1:5-
22; 10:15,17; Apoc. 4:6-9; 5:6-14; 6:1-7; 7:11; 14:3; 5:7; 19:4.
Os querubins eram seres simbólicos das propriedades
mais elevadas da vida das criaturas, e delas como indícios e
manifestações da vida divina; e eram seres típicos do estado do
h o m e m r e d i m i d o e glorificado, ou representações proféticas
dele, c o m o o e s t a d o em q u e essas p r o p r i e d a d e s s e r i a m
combinadas e manifestadas. Foram colocados no jardim do
Eden imediatamente depois da queda de Adão, cabendo-lhes
guardar o c a m i n h o da árvore da vida - Gên. 3:24.
Outra conexão, e mais comum, em que aparece o querubim
é q u a n d o se fala no trono da habitação peculiar de Deus. No
mais santo lugar do tabernáculo, Êx. 25:22; Jeová era c h a m a d o
o D e u s que estava assentado sobre, ou entre, os querubins, 1
Sam. 4:4; Sal. 80:1; Ez. 1:26,28; cuja glória estava sobre os
querubins. No Apoc. 4:6 fala-se nos animais (seres vivos) que
estavam no meio do trono e ao redor dEle.
Que significa tudo isso, senão o fato maravilhoso, revelado
mais claramente na história da redenção, de que a natureza
h u m a n a haverá de ser exaltada à habitação da Deidade? Em
Cristo ela já foi assunta, por assim dizer, ao próprio seio de
Deus; e por ser honrada tanto assim em Cristo, haverá de, nos
seus m e m b r o s , alcançar u m a glória maior do que a dos anjos
- Fairbairn, Typology, Part. 2, Ch. 1, Sec. 3.

4. Qual a etimologia da palavra serafim, e que ensinam as


Escrituras a seu respeito?

338
Os Anjos

A palavra serafim significa ardente, brilhante, refulgente.


Encontra-se na Bíblia somente em Isaías 6:2,6. E provável que
seja outro designativo, sob aspecto diverso, dos seres idealizados
chamados c o m u m e n t e querubins e seres vivos.

5. Haveria alguma prova de que os anjos são seres de diversas


ordens e hierarquias?
Que há semelhantes distinções parece evidente - I o . Pela
linguagem das Escrituras. Diz-se que Gabriel é um dos que
assistem diante de Deus, evidentemente em algum sentido
p r o e m i n e n t e - L u c . 1:19; e M i g u e l é c h a m a d o " u m dos
primeiros p r í n c i p e s " - D a n . 10:13. Note-se também os epítetos
arcanjo, tronos, dominações, potestades, principados, poderes
- E f . 1:21; Col. 1:16; Jud., vers. 9. 2 o . Pela analogia dos anjos
decaídos. Veja Mat. 9:34; Ef. 2:2. 3 o . Pela analogia da sociedade
h u m a n a e da criação universal. Em todo o universo conhecido
há graduação de ordem.

6. Falariam as Escrituras em mais de um arcanjo, e este deve


ser considerado como criatura?
O referido termo é empregado somente duas vezes no Novo
Testamento, e em ambos os casos está no n ú m e r o singular, e
vem precedido pelo artigo definido, Ao, no grego - 1 Tess. 4:16;
Jud., vers. 9. Assim, pois, o termo parece ser o título de u m a só
pessoa, chamada Miguel em Judas, vers. 9, e a mesma que em
Daniel 10:13; 12:1, é chamada " u m dos primeiros príncipes"
e "grande príncipe", e de quem se diz no Apocalipse 12:7 que
pelejou com seus anjos contra o dragão e seus anjos.
M u i t o s supõem que o arcanjo é o Filho de Deus. Outros
acham que pertence à classe mais elevada das criaturas, por
ser c h a m a d o " u m dos primeiros príncipes" em Daniel 10:13,
e porque n u n c a lhe são atribuídos atributos divinos.

7. Que ensinam as Escrituras a respeito do número e do poder


dos anjos? • -

339
Capítulo 13

I o . A respeito do seu n ú m e r o as Escrituras só e n s i n a m


que é m u i t o grande: "milhões de milhões" - Dan. 7:10; "mais
de doze legiões de anjos" - Mat. 26:53; " u m a multidão dos
exércitos celestiais" - Luc. 2:13; " m u i t o s milhares de a n j o s " -
Heb. 12:22.
2 o . A respeito do seu poder as Escrituras e n s i n a m que é
m u i t o grande, tanto q u a n d o exercitado no m u n d o material
como no espiritual. São chamados anjos do poder de Jesus em
2 Tessalonicenses 1:7, e no Salmo 103:20, "magníficos em
poder"; veja t a m b é m 2 Reis 19:35. Não têm, p o r é m , o poder
de criar, e assim como os h o m e n s , só p o d e m exercer o seu
poder conectivamente com as leis gerais da natureza, no sentido
absoluto dessa palavra.

8. Em que se ocupam eles?


I o . Vêem a face de Deus no céu, adoram as perfeições
divinas, estudam todas as revelações que Deus faz de Si nas
obras da providência e da redenção, e são perfeitamente felizes
na Sua presença e no Seu serviço - Mat. 18:10; Apoc. 5:11; 1
Ped. 1:12.*
2 o . Deus os emprega como Seus servos na administração
da Sua providência - Gên. 28:12; D a n . 10:13: (1) A Lei foi
ordenada por anjos - Atos 7:53; Gál. 3:19; Heb. 2:2. (2) São
ministros do bem, a favor do povo de Deus - Sal. 91:10-12;
Atos 12:7; Heb. 1:14. (3) São executores dos juízos de Deus
contra os Seus inimigos - 2 Reis 19:35; 1 Crôn. 21:16; Atos
12:23 - (4) No juízo final os anjos separarão os maus dos bons,
recolherão os eleitos e os elevarão para encontrar Cristo nos
a r e s - M a t . 13:30,39; 24:31; 1 Tess. 4:16,17.

*Convém notar que a última cláusula deste versículo, traduzida por


Figueiredo: "ao qual os mesmos anjos desejam ver", deve ser traduzida:
"as quais coisas os mesmos anjos desejam perscrutar". Nota do tradutor.

340
Os Anjos

9. Os anjos têm corpos? E como se pode explicar o seu


aparecimento? • • •>>•* »•
Nas Escrituras os anjos são chamados "espíritos" (Heb.
1:14), palavra empregada t a m b é m para designar as almas dos
h o m e n s q u a n d o separadas dos corpos - Luc. 8:55. Mas não há
nada no sentido dessa palavra, n e m nas opiniões dos judeus
do t e m p o de Cristo, n e m em coisa alguma do que nos dizem
as Escrituras a respeito das ocupações dos anjos, que prove
que os anjos não têm corpos de espécie n e n h u m a . E como se
diz que o Filho de Deus tem agora um "corpo glorioso", um
"corpo espiritual" para sempre, e como todos os remidos hão
de afinal ter corpos como o de Cristo, e os anjos são associados
com os h o m e n s remidos como m e m b r o s do m e s m o reino
i n f i n i t a m e n t e exaltado, parece provável que os anjos t e n h a m
sido criados com organização física não t o t a l m e n t e disse-
m e l h a n t e desses "corpos espirituais" dos remidos. Nos tem-
pos bíblicos anjos apareceram e falaram aos h o m e n s sempre
na forma corporal de homens, e t a m b é m à semelhança de
homens comuns comeram e abrigaram-se em c a s a s - G ê n . 18:8;
19:3.
Alguns supõem, por conseguinte, que os anjos têm corpos
s e m e l h a n t e s aos atuais corpos " n a t u r a i s " ou a n i m a i s dos
h o m e n s - 1 Cor. 15:44, compostos de carne, ossos e sangue,
com cabeça e feições, pés e mãos, e que, q u a n d o um a n j o
aparecia a qualquer pessoa, não havia m u d a n ç a nele, e sim ele
simplesmente entrava na esfera da percepção dos sentidos dessa
pessoa, apresentando-se-lhe assim como h a b i t u a l m e n t e é.
Isso, p o r é m , é inconciliável com os fatos narrados nas
E s c r i t u r a s . S e g u n d o esta, os anjos " a p a r e c e r a m " às vezes
exatamente como homens comuns, outras vezes, porém, de
modos bem diversos - N ú m . 22:31; Atos 12:7-10, passando
através de m u r o s de pedra, aparecendo e desaparecendo à
vontade, etc. Além disso, um dos três h o m e n s que apareceram
a Abraão em Manre, cujos pés ele lavou e que comeram o que
lhes havia preparado, era Jeová, a segunda Pessoa da Trindade,

341
Capítulo 13

que não tinha corpo antes de o tomar séculos depois no ventre


da virgem Maria. Se, pois, o corpo h u m a n o de u m a dessas
pessoas não era corpo real, não somos autorizados a concluir,
dos fatos ali registrados, que os das outras o eram - Gên. 18:4-
33.
Ademais, a teoria manifesta absurda confusão de pensa-
mentos. O corpo h u m a n o animal, assim c o m o o conhecemos,
é u m a organização física que está em equilíbrio com certas
condições físicas definidas e exatamente ajustadas, e p o d e
existir só nessas condições. Os animais vertebrados, dos quais
o h o m e m é a forma superior, foram m u d a d o s sempre q u a n d o
se m u d a r a m as condições físicas da terra, e deixam sempre de
existir q u a n d o essas condições se m u d a m muito. A concepção
de um corpo h u m a n o vivendo na água ou no fogo seria absurda,
e mais absurda ainda parece ser a concepção de u m a criatura
com sangue como o do h o m e m , e comendo alimento, existindo
i n d i f e r e n t e m e n t e na terra e no céu, atravessando à vontade o
espaço e n t r e as estrelas, e c o m o v e r d a d e i r o c o s m o p o l i t a
vivendo alternada e i n d i f e r e n t e m e n t e em todos os m u n d o s e
em todos os elementos, o éter, o ar e a água, e em todas as
temperaturas, desde a temperatura de milhares de graus do
sol, até ao zero absoluto do vácuo entre as estrelas.
A aparência corporal dos anjos deve, pois, ter sido alguma
coisa nova que assumiram, ou então alguma coisa preexis-
tente e p e r m a n e n t e , mas bastante modificada com o fim de
torná-los capazes de manifestar-se em f o r m a h u m a n a aos
homens.

10. Qual a doutrina e a prática romanas quanto ao culto


prestado aos anjos?
Diz oCatechismusRomanus, 3 : 2 , 9 , 1 0 - " P o r q u e o Espírito
Santo que diz: ao Deus u n o seja honra e glória - 1 T i m . 1:17,
manda-nos t a m b é m honrar a nossos pais e aos velhos - Lev.
19:32, etc.; e dos h o m e n s santos que deram culto só ao D e u s
u n o se diz nas Sagradas Escrituras que adoraram - Gên. 23:7,12,

342
Os Anjos

ctc., isto é, veneraram suplicantemente, a reis. Se, pois, reis,


por cujo ministério D e u s governa o m u n d o , são tratados com
tanta honra, não daremos aos espíritos angélicos u m a h o n r a
tanto maior em proporção quanto esses seres felizes excedem
aos reis em dignidade; (a esses espíritos angélicos) os quais
aprouve a D e u s constituir Seus ministros; de cujo ministério
Se serve n ã o só no governo da Igreja, mas t a m b é m no do resto
do universo; por cuja assistência, ainda que não os vejamos,
somos libertos diariamente dos maiores perigos da alma e do
corpo? Acrescentai a isso o a m o r com que nos a m a m , e que os
leva, segundo nos dizem as Escrituras - Dan. 2:13,* a oferecer
suas orações pelos países sobre os quais a P r o v i d ê n c i a os
colocou, e sem dúvida também por aqueles cujos guardas são,
porque apresentam diante do trono de Deus as nossas orações
e lágrimas - Jó 3:25; 12:12; Apoc. 8:3. Por isso nosso Senhor
nos ensinou no evangelho a não escandalizar os pequeninos,
porque nos céus os seus anjos incessantemente estão vendo a
face de seu Pai, que está nos céus - Mat. 18:10.
"Sua intercessão devemos, pois, invocar, p o r q u e vêem
sempre a Deus, e recebem dEle com muito boa vontade a defesa
da nossa salvação. Desta sua invocação as Sagradas Escrituras
dão t e s t e m u n h o " - Gên. 48:15,16.

11. Que idéias têm sido sustentadas quanto a "anjos da


guarda"?
"Foi opinião predileta dos santos Pais, que cada indivíduo
está sob a guarda de um anjo particular, que lhe é designado
como protetor. Costumavam falar t a m b é m em dois anjos -
um b o m e o outro mau - que eles s u p u n h a m que acompa-
n h a v a m a cada indivíduo, incitando-o o bom a n j o a t u d o
quanto é b o m e desviando dele o mal; e incitando-o o mau
anjo ao mal e desviando dele o b e m (Hermas 11:6). Os judeus,

* Parece que deve ser Dan. 10:13. Nota do tradutor.

343
Capítulo 13

com exceção dos saduceus, criam nisso, e os muçulmanos crêem


nisso ainda. Os antigos pagãos criam nessa idéia sob uma forma
modificada - pois os gregos t i n h a m seus demônios tutelares
(bons ou maus) e os romanos seus gênios. Na Bíblia, p o r é m ,
não há nada que apoie essa idéia. As passagens que c o s t u m a m
citar a seu favor (Sal. 34:7; M a t . 18:10) é certo q u e n ã o
significam nada disso. A primeira simplesmente ensina que
D e u s Se serve do ministério dos anjos para livrar Seu povo de
aflições e perigos; e a segunda, que os filhos dos crentes,
e n q u a n t o crianças, ou os mais pequenos entre os discípulos
de Cristo, dos quais os ministros da Igreja poderiam estar
inclinados a descuidar-se, são tidos em tão alta estima em outra
p a r t e que n e m os a n j o s j u l g a m abaixo da sua d i g n i d a d e
ministrar-lhes" - Kitto,Bib. Encyclop.

12. Quais os nomes dados a satanás, e o que significam?


Satanás, que quer dizer adversário, Luc. 10:18. O diabo,
s e m p r e n o s i n g u l a r n o grego, que s i g n i f i c a c a l u n i a d o r ,
difamador, Apoc. 20:2. Abadom (em grego Apoliom), que quer
dizer destruidor, Apoc. 9:11. Belzebu, o príncipe dos demônios,
do deus dos ecronitas, principal das divindades pagãs, todas
as quais os judeus t i n h a m na conta de demônios, 2 Reis 1:2
(Baal-Zebu); Mat. 12:24. O anjo do abismo, Apoc. 9:11. O
príncipe deste m u n d o , João 12:31. O príncipe destas trevas
(na tradução de Figueiredo, "governadores destas trevas"), Ef.
6:12. Leão que ruge, 1 Ped. 5:8. Pecador desde o princípio, 1
João 3:8. Acusador, Apoc. 12:10. Belial,2 Cor. 6:15. Enganador,
Apoc. 20:10. Dragão, Apoc. 12:7. Mentiroso e homicida, João
8:44. Leviatã, Is. 27:1. Lúcifer, Is. 14:12 (Figueiredo). Serpente,
Is. 27:1. Algoz (Figueiredo: algozes), Mat. 18:34. Deus deste
século (deste m u n d o ) , 2 Cor. 4:4. O que tinha o i m p é r i o da
morte, Heb. 2:14.

13. Como se pode provar que satanás é um ser pessoal, e não


mera personificação do mal?

344
Os Anjos

Em todos os diversos livros das Escrituras Sagradas


fala-se s e m p r e c o n s e q ü e n t e m e n t e e m satanás c o m o u m a
pessoa, e se lhe atribuem atributos pessoais. Passagens como
M a t e u s 4:1-11 e João 8:44 são decisivas.

14. Que ensinam as Escrituras a respeito da relação de satanás


com outros espíritos maus e com o nosso mundo?
Outros espíritos maus são chamados "seus anjos", Mat.
25:41; e ele é c h a m a d o "príncipe dos demônios", Mat. 9:34, e
príncipe das trevas e dos espíritos de malícia espalhados por
esses ares, Ef. 6:12. Isso mostra que ele é o principal espírito
do mal, o chefe.
Sua relação com o m u n d o é indicada pela história da
Queda, 2 Cor. 11:3; Apoc. 12:9, e por expressões como "deus
deste século" ( m u n d o ) , 2 Cor. 4:4, e "príncipe das potestades
do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência",
Ef. 2:2; é-nos dito que os homens maus são filhos dele, 1 João
3:10; ele cega os e n t e n d i m e n t o s dos que não crêem e c o n d u z
os cativos à sua vontade, 2 Tim. 2:26; também aflige, inquieta,
persegue e tenta o verdadeiro povo de D e u s até o n d e lhe é
p e r m i t i d o para o b e m final desse m e s m o povo - Luc. 22:31;
2 Cor. 12:7; 1 Tess. 2:18.

15. Quais os nomes dados nas Escrituras aos espíritos decaídos?


A palavra grega, ho diabolos, o diabo, é aplicada no origi-
nal somente a Belzebu. Outros espíritos maus são chamados
daimones, demônios, Mat. 8:31; espíritos i m u n d o s , Mar. 5:13;
anjos do diabo, Mat. 25:41; principados, potestades, príncipes
das trevas deste século, hostes espirituais da maldade, Ef. 6:12;
anjos que pecaram, 2 Ped. 2:4; anjos que não guardaram o seu
principado, mas deixaram a sua própria habitação, Jud., vers.
6; espíritos de mentira, 2 Crôn. 18:21.

16. Que poder ou influência sobre os corpos e as almas dos


homens lhes é atribuído?

345
Capítulo 13

Assim como todos os seres finitos, satanás só pode estar


n u m lugar a qualquer tempo; mas, sendo-lhe atribuído tudo o
que fazem os seus agentes, parece praticamente ubíquo.
É certo que ao m e n o s às vezes exerceram u m a influência
inexplicável sobre os corpos dos h o m e n s , porém inteiramente
sujeita ao d o m í n i o de D e u s - Jó 2:7; Luc. 13:16; Atos 10:38.
Eles t ê m p r o d u z i d o e agravado moléstias, e excitado apetites e
paixões - 1 Cor. 5:5. Em alguns casos, satanás tem poder sobre
a m o r t e - H e b . 2:14.
C o m relação às almas dos h o m e n s , satanás e seus anjos
não têm poder n e n h u m para m u d a r o coração ou coagir a
vontade; sua influência é s i m p l e s m e n t e moral, e exercida
mediante seduções enganosas, sugestão, e m b a i m e n t o e
persuasão. As frases descritivas da sua operação, empregadas
nas Escrituras, são como as que se seguem - "poder, e sinais e
prodígios de mentira", "o engano da injustiça", 2 Tess. 2:9,10;
"se transfigura em anjo de luz", 2 Cor. 11:14. Q u a n d o p o d e
enganar, e m p r e g a "ciladas", Ef. 6:11; "laço", 1 T i m . 3:7;
"profundezas", Apoc. 2:24; "cegou os e n t e n d i m e n t o s " , 2 Cor.
4:4; m a n t é m presos à sua vontade os que não se d e s p r e n d e m
dos seus laços, 2 T i m . 2-.2<y, e assim "engana todo o m u n d o " ,
Apoc. 12:9. Q u a n d o não pode persuadir, lança mão de "dardos
inflamados", Ef. 6:16, e de bofetadas, 2 Cor, 12:7.
Como exemplos da sua influência cm tentar os h o m e n s
ao pecado, as Escrituras citam os casos de Adão, Gên. capítulo
3; Davi, 1 Crôn. 21:1; Judas, Luc. 22:3; Ananias e Safira, Atos
5:3; e a tentação a que se submeteu o nosso bendito Salvador,
Mat. capítulo 4.

17. Qual a prova de que os pagãos adoram demônios?


"O daimon é o objeto do seu culto, deisidaimonia é o culto,
e deisídaimon é q u e m presta o culto." Paulo declarou que os
" v a r õ e s a t e n i e n s e s " e r a m deisidaimonesterons, i s t o é,
excessivamente dados ao culto dos daimones, demônios - Atos
17:22. Davi afirma que os ídolos dos pagãos são demônios

346
Os Anjos

- Sal. 106:36,37,e Paulo, que as coisas sacrificadas pelos gentios,


estes as sacrificam aos demônios, e não a D e u s - 1 Cor. 10:20.
Moisés, falando dos israelitas apóstatas - D e u t . 32:17, diz:
"Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a D e u s ; a deuses
que não conheceram, novos deuses que vieram há pouco dos
quais n ã o se estremeceram seus pais" (ARA). ( F i g u e i r e d o :
"...deuses novos e recentes, que seus pais não tinham adorado.")

18. Onde residem, e qual a verdadeira interpretação de Efésios


2:2 e 6:12?
Estas passagens declaram simplesmente que os espí-
ritos maus pertencem ao m u n d o invisível e espiritual, e não
ao sistema do nosso m u n d o . As Escrituras nada nos ensi-
n a m quanto ao lugar onde residem esses espíritos: ensinam
tão-somente que eles habitavam originalmente no céu, d o n d e
caíram, que agora têm acesso aos habitantes do m u n d o , e que
serão afinal lançados no lago de fogo preparado para eles -
Mat. 25:41; 2 Ped. 2:4; Apoc. 20:10.

19. Como eram chamados os que estavam possessos de espíritos


maus?
" E n d e m o n i n h a d o s " , termo traduzido assim em Mat. 4:24;
"lunático", Mat. 17:15; " u m h o m e m que tinha um espírito
i m u n d o " (Figueiredo: "possesso do espírito i m u n d o " ) , Luc.
4:33; " o p r i m i d o s do diabo", Atos 10:38.

20. Quais os argumentos apresentados por aqueles que


consideram os endemoninhados mencionados no Novo Testamento
como simplesmente doentes ou alienados?
Que não podemos distinguir entre os efeitos da possessão
demoníaca c os de moléstias. Que os mesmíssimos sintomas,
n o u t r o s casos, têm sido tratados como moléstias, e curados.
Que, como também a feitiçaria, a suposta existência de
s e m e l h a n t e s p o s s e s s õ e s l i m i t a - s e aos s é c u l o s d e m a i o r
ignorância.

347
Capítulo 13

D i z e m t a m b é m que essa doutrina é inconciliável com os


seguintes princípios claramente revelados: I o . Q u e as almas
dos falecidos vão imediatamente para o céu ou para o inferno.
2°. Q u e os a n j o s decaídos já estão presos "às cadeias da
escuridão, ficando reservados para o juízo" - 2 Ped 2:4; Jud.,
vers. 6.
P r o c u r a m dar outro sentido às palavras de Cristo e Seus
apóstolos, dizendo que, não tendo sido parte do desígnio deles
ensinar aos h o m e n s a verdadeira ciência da natureza e das
moléstias, adotaram nesses aspectos a linguagem c o m u m dos
seus contemporâneos, e chamaram as moléstias por seus n o m e s
populares, sem quererem, porém, dar assim o seu apoio à teoria
c o m u m quanto à natureza da causa produtora dessas moléstias.

21. Como se pode provar que os endemoninhados do Novo


Testamento estavam realmente possessos de espíritos maus?
As narrativas singelas de todos os evangelistas não deixam
a m í n i m a dúvida de que Cristo e Seus apóstolos realmente
criam, e queriam que outros cressem t a m b é m , que os
e n d e m o n i n h a d o s estavam de fato possessos de demônios.
Distinguem entre possessão e moléstias - Mar. 1:32; Luc.
6:17,18; Os "demônios", e não só os "possessos" deles falavam
(Mar. 5:12), e Cristo lhes dirigia a palavra, impunha-lhes ordens
e os repreendia - Mat. 8:32; 17:18; Mar. 1:25,34; 9:25. Seus
desejos, pedidos e paixões distinguem-se dos dos possessos -
Mat. 8:31; Mar. 9:26, etc. O n ú m e r o dos que estavam n u m a só
pessoa é m e n c i o n a d o - Mar. 5:9. Saíram do "possesso" e
entraram nos porcos - Luc. 8:32,33. N u n c a se diz que a lua
entrou n u m h o m e m , atormentando-o, ou que ela foi lançada
fora de um lunático, ou que a lua deu altos gritos, etc. Peca
pela base, portanto, o argumento daqueles que querem dar
outro sentido às palavras de Cristo e seus apóstolos a esse
respeito.

348
14

A Providência

1. Qual a etimologia e o uso técnico do termo "Providência",


e qual a relação desta com o decreto eterno de Deus?
P r o v i d ê n c i a , de pro e vídeo, q u e r dizer, l i t e r a l m e n t e ,
previsão, e depois, um a r r a n j a m e n t o cuidadoso, preparado
antecipadamente para alcançar certos fins predeterminados.
Turrctino define este termo como incluindo, no seu sentido
mais lato, (a) presciência, (b) preordenação, e (c) a a d m i n -
istração eficaz da coisa decretada. No uso técnico e teológico,
como também no uso comum da palavra, seu sentido restringe-
-se ao ú l t i m o dos três acima citados, a saber, a execução por
D e u s do Seu decreto eterno, no t e m p o e por meio das causas
secundárias originadas por Ele na criação. A preordenação dá
o plano, e é eterna, totalmente compreensiva e imutável. A
c r i a ç ã o dá o c o m e ç o a b s o l u t o d a s c o i s a s no t e m p o . A
providência inclui os dois grandes ramos: (a) A preservação
c o n t í n u a de todas as coisas como criadas; e (b) o governo
c o n t í n u o de todas as coisas assim preservadas, de m o d o que se
efetua t u d o aquilo para o que foram criadas. Veja Conf de Fé,
Cap. 5, Cat. Maior, Perg. 18, e Breve Cat., Perg. 11.

2. Como se pode expor a doutrina da preservação?


T u r r e t i n o , L . 6, Quaes. 4, diz: " C o n s e r v a d o est, qua Deus
creaturas omnes in statu suo conservat, quod fit conservatione
essentiae in especiebus, existentiae in individuis, et virtutis in
operationes". .

349
Capítulo 14

A preservação c aquela operação contínua da energia divina


em virtude da qual o Criador m a n t é m todas as criaturas em
existência c na posse de todas essas propriedades e qualidades
inerentes de que as dotou em sua criação, c t a m b é m na posse
daquelas que porventura tenham adquirido depois, em virtude
dos seus hábitos ou do seu desenvolvimento. Isto é, tanto a
existência como os atributos de toda espécie, b e m como a forma
e as f a c u l d a d e s de toda criatura i n d i v i d u a l são m a n t i d a s
c o n s t a n t e m e n t e em existência por Deus.

3. Que argumentos estabelecem a conclusão de que a operação


constante da energia divina é essencial para a preservação de todas
as criaturas?
I o . Esta verdade parece estar envolvida na própria con-
cepção de u m a criatura em sua relação de dependência do seu
Criador. Criatura é aquilo que depende em tudo e por t u d o só
da v o n t a d e do seu Criador. S e n d o assim a b s o l u t a m e n t e
dependente, não pode continuar por si mesmo a sua existência,
como igualmente não a pode originar.
2 o . Acha-se implícita no s e n t i m e n t o de d e p e n d ê n c i a
absoluta, que é um elemento essencial do sentimento religioso,
o qual é u m a característica invariável da natureza h u m a n a .
3 o . É ensinada nas Escrituras. - "Nele vivemos, e nos
movemos, e existimos" - Atos 17:28; "Todas as coisas subsistem
por ele" - Col. 1:17; "Sustentando todas as coisas, pela palavra
do seu p o d e r " - Heb. 1:3. Veja t a m b é m Nee. 9:6; Sal. 41:8;
50:10,11.

4. Qual a idéia dos deístas e dos racionalistas a respeito da


Preservação?
Eles consideram como meramente negativa a ação de Deus
na preservação contínua das criaturas - só não quer destruí-
das. Segundo esta opinião, o Criador mantém-Se fora da Sua
criacão do mesmo modo como um mecânico acha-se fora da
3

m á q u i n a que fabricou c pôs em movimento. Consideram o

350
A Providência

sistema de causas secundárias como dependentes da Causa


Primária somente no princípio do longo curso dos aconteci-
mentos, n u m passado i n f i n i t a m e n t e remoto. Eles sustentam
que no princípio D e u s criou todas as coisas, dotou-as de suas
diversas forças como causas secundárias, e ajustou-as n u m
sistema equilibrado, mas então as deixou operar independente-
m e n t e de todo suporte ou direção de fora, s e g u n d o a sua
natureza, em suas diversas relações, assim como um h o m e m
deixa um relógio ao qual acaba de dar corda.

5. Quais as objeções contra a opinião acima exposta?


I a . Como mostramos acima, essa opinião é inconciliável
com a relação essencial da criatura (como um efeito) com o
Criador (como u m a causa). Deus é o ú n i c o s aseipso. A única
e exclusiva causa da existência da criatura é a vontade de Deus.
E n q u a n t o Ele quiser, essa causa (visando a esse efeito) existirá.
Deixando Ele de exercer a Sua vontade (com vistas a um efeito
particular), a causa não existiria mais e, em conseqüência, o
efeito deixaria t a m b é m de existir.
2 a . Essa opinião é antropomórfica até a um grau i n d i g n o
de Deus. Envolve a omissão anti-intelectual de apreender a
diferença essencial que existe entre a relação de D e u s com a
criação e a do h o m e m com a obra de Suas mãos. O h o m e m
m a n t é m - s e necessariamente exterior à sua obra, e m e s m o
q u a n d o se acha presente, pode dirigir a sua atenção a um só
p o n t o em qualquer tempo. Deus, p o r é m , é onipresente, e não
somente quanto à Sua essência, senão também quanto ao Seu
c o n h e c i m e n t o , Sua sabedoria, Seu amor, Sua retidão e Seu
p o d e r i n f i n i t o s , e com cada á t o m o da criação e em cada
m o m e n t o da d u r a ç ã o do t e m p o . A c r i a t u r a está s e m p r e
interpenetrada como t a m b é m abrangida no p e n s a m e n t o e na
vontade divinas, e é sempre o que é e está como está, unica-
m e n t e por causa de Deus.
3 a . E óbvio que essa opinião afasta D e u s para tão longe da
criação que se torna irreligiosa em seus efeitos práticos. E,

351
Capítulo 14

s e g u n d o o t e s t e m u n h o da história, esta tem sido sempre a


influência exercida por ela.
4 a . Está obviamente em oposição ao espírito inteiro das
Escrituras, da qual vemos exemplos nos textos especiais acima
citados.

6. Qual a opinião extremo-oposta à última acima considerada,


quanto à natureza da operação divina envolvida na preservação?
A opinião extremo-oposta à que acabamos de expor é que
a preservação é uma criação contínua: que as criaturas e as
causas secundárias não têm existência real e contínua, mas são
reproduzidas do nada em cada m o m e n t o sucessivo, nos seus
respectivos estados, condições e ações sucessivos, pela perpétua
emanação da vis creatnx (força criadora) de Deus. Assim, pois,
o estado ou ação de qualquer coisa criada n u m m o m e n t o não
tem n e n h u m a relação causal com o seu estado ou ação em outro
m o m e n t o , mas a causa única, perpétua e imediata de tudo
quanto existe é Deus mesmo.
O s f u n d a m e n t o s desta d o u t r i n a f o r a m l a n ç a d o s p o r
Descartes (1596-1650) na exposição de suas idéias sobre a
relação da criação com o Criador, considerando aquela como
mantida por este mediante u m a criação contínua. Essas idéias
foram levadas ao extremo máximo compatível com o teísmo
por Malebranche, na doutrina das "causas ocasionais" e na de
"vermos todas as coisas em Deus", e foram levadas à sua
conclusão legítima e lógica no panteísmo absoluto por Spinoza
- Morell, Hist. of Mod. Phil., Parte 1, Cap. 2, § 1.
Incidentalmente, o presidente Edwards ensina a mesma
doutrina em sua grande obra Original Sin, Parte 4, Cap. 3. Diz
ele que n e m a existência da substância, nem a do modo, n e m a
da ação de qualquer coisa criada, em qualquer m o m e n t o de
tempo, tem conexão causal com a sua existência, ou com o seu
estado ou com a sua ação no m o m e n t o subseqüente; e que
aquilo que chamamos "curso da natureza" não é coisa separada
da operação de Deus. Ele ilustra a sua doutrina assim: "As

352
A Providência

imagens das coisas que vemos n u m espelho, e n q u a n t o conser-


vamos os olhos fixos nelas, parecem sempre as m e s m a s , e
parecem conservar u m a identidade perfeita e contínua. Mas é
sabido que não é assim. Os filósofos sabem m u i t o b e m que
essas imagens são renovadas c o n s t a n t e m e n t e pela impressão e
r e f l e x ã o de n o v o s raios de l u z ; de m o d o q u e a i m a g e m
produzida p o r raios anteriores está s e m p r e desaparecendo e
u m a nova imagem é produzida p o r novos raios a cada instante,
tanto no espelho como nos olhos... A i m a g e m que existe neste
m o m e n t o n ã o foi derivada daquela que existiu no m o m e n t o
anterior... a existência passada da imagem não tem influência
alguma para mantê-la n e m por um instante... Assim é c o m os
corpos c o m o com essas imagens... sua existência atual n ã o é,
falando em termos restritos, efeito da sua existência passada, e
sim inteiramente, a cada instante, efeito de u m a nova agência
ou operação de causa poderosa da sua existência".

7. Como se pode mostrar que essa doutrina é falsa e perigosa?


I o . Se D e u s está c o n t i n u a m e n t e criando de novo cada
criatura em cada m o m e n t o em seus estados e ações sucessivos,
e se o estado ou ato de u m a criatura n u m m o m e n t o não tem
relação causal com o seu estado ou ato no m o m e n t o posterior,
é evidente que Deus é o único Agente real no universo, e causa
única e imediata de tudo quanto sucede. É evidente que isso
envolve logicamente o p a n t e í s m o , e, como fato histórico,
c o n d u z à sua adoção.
2 o . É inconciliável com as nossas intuições originais e
necessárias de toda espécie de verdades, quer sejam físicas, quer
intelectuais, quer morais. Nossas intuições originais certificam-
-nos da existência real e permanente de substâncias espirituais
e materiais exercendo forças, e da de nossos próprios espíritos
como causas reais e autodeterminantes de ação, e, em conse-
qüência, como agentes morais. Mas, se fosse verdadeira essa
doutrina, então as nossas intuições primitivas e constitucionais
nos enganariam, o universo inteiro seria u m a ilusão, nossa

353
Capítulo 14

própria natureza u m a falsidade e o ceticismo universal seria


inevitável.
3 o . D e s m o r o n a imediata e radicalmente os f u n d a m e n t o s
da agência livre, da responsabilidade moral, do governo moral
e, por conseguinte, da religião.

8. Como expor os diversos pontos da verdadeira doutrina da


preservação providencial?
A verdadeira doutrina está entre as duas extremidades
acima expostas. Envolve as seguintes proposições:
I a . As substâncias criadas, tanto espirituais como materiais,
possuem existência real e p e r m a n e n t e ; isto é, são entidades
reais.
2 a . Todas possuem certas propriedades ativas e passivas,
de que foram dotadas por Deus.
3 a . As propriedades ou forças ativas têm eficácia real, e
não só aparente, como causas secundárias, na produção dos
efeitos que lhes são p r ó p r i o s ; e os f e n ô m e n o s , t a n t o da
consciência íntima como do m u n d o exterior, são produzidos
realmente pela operação de causas secundárias, assim como
no-lo dizem as nossas intuições inatas e necessárias.
4 a . Mas essas substâncias criadas n ã o são autoexistentes,
isto é, o motivo da sua existência continuada está em Deus, e
não nas substâncias.
5 a . Continuam a existir, não m e r a m e n t e em virtude de
um ato negativo de Deus, o de apenas não determinar a sua
destruição, e sim em virtude do exercício positivo e contínuo
do poder divino, mantendo-as em existência e na posse de todas
as propriedades e forças de que Deus as dotou.
6 a . Assim como são inescrutáveis todos os demais modos
pelos quais o infinito atua sobre o finito, assim o é t a m b é m a
natureza exata da ação divina que se manifesta na manutenção
de todas as coisas em existência e em ação.

354
A Providência

9. Como expor a doutrina bíblica do GOVERNO providencial


de Deus?
Tendo Deus decretado absolutamente e desde a eternidade
tudo o que sucede; tendo no princípio criado do nada todas as
coisas, pela palavra do Seu poder, e c o n t i n u a n d o depois a estar
presente em cada átomo da Sua criação, m a n t e n d o todas as
coisas em existência e na posse e exercício de todas as suas
propriedades, Ele T A M B É M governa e dirige as ações de todas
as criaturas assim preservadas, de modo que, sem n u n c a violar
as leis de suas diversas naturezas, faz, contudo, que cada um e
todos os eventos e ações sucedam segundo o plano eterno e
imutável abrangido em Seu decreto. Há desígnio na provi-
dência. D e u s escolheu Sua grande finalidade - a manifestação
da Sua própria glória - mas, para alcançar esse fim, escolheu
t a m b é m inumeráveis fins subordinados; estes são fixos; e Ele
determinou todos os eventos e ações nas suas diversas relações
para esses fins, e dirige c o n t i n u a m e n t e e de tal m o d o as ações
de todas as criaturas que esses fins gerais e especiais efetuam-
-se e x a t a m e n t e no t e m p o , pelos m e i o s e s t a b e l e c i d o s , da
m a n e i r a e nas condições que Ele d e t e r m i n o u desde a
eternidade.
Tmvzlmo,L.ó.Quaes.1, diz: "O termo providência abrange
três aspectos expressos pelos vocábulos gregos prognosin,
prothesin e disikesin - o pré-conhecimento da mente, o decreto
da vontade e a administração eficaz das coisas decretadas - o
c o n h e c i m e n t o dirigindo, a v o n t a d e o r d e n a n d o e o poder
executando... Por conseguinte, pode-se considerar a provi-
dência, ou no decreto antecedente, ou na execução subseqüente:
a primeira é a destinação eterna de todas as coisas; a segunda é o
governo temporal de todas as coisas segundo esse decreto; a
primeira é um ato imanente dentro de D e u s ; a segunda é um ato
transitório fora de Deus. Tratamos aqui da providência, na
maior parte, no segundo sentido do termo". Veja a Conf de Fé,
Cap. 5, o Cat. Maior, Perg. 18 e o Breve Cat., Perg. 11.

355
Capítulo 14

10. Que prova a consideração das perfeições divinas fornece a


favor do fato de que há semelhante governo universal?
Prova-se pelas seguintes considerações:
I a . O fato estupendo de que Deus é infinito em Seu Ser,
em Sua relação com o tempo e o espaço, e em Seu poder e
sabedoria, torna evidente que L h e é possível exercer provi-
dência universal, e que devemos atribuir à capacidade m u i t o
l i m i t a d a de nossa c o m p r e e n s ã o t o d a s as d i f i c u l d a d e s e
contradições aparentes que para nós parecem achar-se
envolvidas em semelhante providência.
2 a . A sabedoria infinita de Deus certifica que Ele tinha
em vista certa finalidade q u a n d o criou o m u n d o , e que não
deixará de empregar os melhores meios para alcançar esse fim
em todas as suas partes.
3 a . Sua bondade infinita torna certo que Ele não deixará
Suas criaturas sensíveis e inteligentes entregues aos laços de
um d e s t i n o mecânico e cego; n e m que as Suas c r i a t u r a s
religiosas sejam isoladas dEle, sendo que a sua vida mais
elevada consiste na c o m u n h ã o com Ele.
4 a . Sua retidão i n f i n i t a garante que Ele c o n t i n u a r á a
governar, recompensar e punir as criaturas que Ele fez sujeitas
a obrigações morais.

11. Que argumento se tira da inata constituição religiosa dos


homens?
Vê-se que o s e n t i m e n t o religioso, q u a n d o analisado,
compreende (a) um s e n t i m e n t o de dependência absoluta, e (b)
um sentimento de responsabilidade moral. O sentimento de
dependência absoluta leva, natural e verdadeiramente, todos
os h o m e n s em todas as nações e condições à convicção da pre-
sença imediata e do g o v e r n o providencial de Deus em todo o
universo e em todos os eventos. Estar sem D e u s no m u n d o é
estar n u m a c o n d i ç ã o em que são negadas as c o n v i c ç õ e s
elementares da natureza h u m a n a . O sentimento de responsa-
bilidade moral leva t o d o s os h o m e n s a crerem n u m governo

356
A Providência

moral s u p r e m o e universal, presente no m u n d o , p r o t e g e n d o


os bons e restringindo e castigando os maus. Se D e u s não
estivesse real e imediatamente presente na natureza e na história
da h u m a n i d a d e , não O poderiamos conhecer, e t a m p o u c o Ele
nos dirigiria e nos protegeria, e, em conseqüência, a obediência
a Ele não L h e seria devida n e m seria possível, e a moralidade,
a religião e a oração, todas estas igualmente não passariam de
ilusões.

12. Que argumento se tira da inteligência manifestada nas


operações da natureza?
O grande argumento indutivo que prova a existência de
um Deus pessoal baseia-se nas provas claras de que há desígnio
no universo. Ora, do mesmo modo que as provas de desígnio
na constituição da natureza constatam a existência de um
espírito que tem certos desígnios e os levou a efeito n u m a
criação, assim também as provas de desígnio nas operações da
natureza constatam a existência de um espírito que tem certos
desígnios e os leva a efeito no governo providencial.
Os elementos materiais, com suas diversas propriedades,
são todos incapazes de formar um desígnio; e, contudo, vemo-
-los todos ajustados de tal modo, em todas as suas proporções
e relações, que operam h a r m o n i o s a m e n t e na ordem de certas
leis gerais, e vemos que essas leis gerais são ajustadas de tal
modo em todas as suas coincidências e interferências intrin-
cadas que, por m o v i m e n t o s simples e o u t r o s c o m p l e x o s ,
regulares e outros fortuitos, produzem em toda parte, harmo-
niosamente, os resultados idealizados de m o d o o mais sábio e
benéfico. As propriedades mecânicas e químicas dos átomos
materiais; as leis da vida vegetal e animal; os movimentos do
sol, da lua e das estrelas no céu; os raios caloríficos, luminosos
e químicos do sol; os movimentos instintivos, como também
os voluntários, de tudo quanto vive na terra, estão todos agindo
e reagindo sem concerto ou desígnio possível da parte deles;
e, apesar disso, estão produzindo os resultados mais sábios e

357
Capítulo 14

benéficos. E, assim como o espírito que tem o desígnio não


pertence a n e n h u m dos elementos, é evidente que t a m p o u c o
pertence à reunião de todos eles. Só pode pertencer a um D e u s
pessoal, presente, totalmente sábio e todo-poderoso, que dirige
e governa todas as coisas pelo exercício presente do seu poder
inteligente nas criaturas e por i n t e r m é d i o delas.

13. Como se pode estabelecer esta doutrina mediante provas


derivadas da história do mundo?
Se a constituição da natureza h u m a n a (alma e corpo), em
suas relações elementares com a sociedade h u m a n a , prova a
existência de um Criador com certos desígnios, exatamente
do mesmo modo os resultados da associação h u m a n a , sabia-
mente idealizados, em geral e em casos individuais provam a
existência de um G o v e r n a d o r p r o v i d e n t e que tem certos
desígnios.
E certo que os homens, quer como indivíduos, quer como
reunidos em comunidades e nações, diferem dos elementos
do m u n d o material em seus modos de ação, porque agem, I o .
l i v r e m e n t e , por i m p u l s o p r ó p r i o ; e 2 o . com desígnio. Ao
m e s m o tempo, é tão limitada a esfera, tanto da previsão como
do desígnio de cada agente individual, tão grande a multi-
plicidade dos agentes, e tão inumeráveis as complicações de
diversas influências que atuam entre si e sobre cada c o m u n i -
dade, tanto dentro de uma como também da parte de outras
comunidades, e da natureza exterior, que, afinal, quaisquer
indivíduos ou comunidades só conseguem levar a efeito os seus
desígnios em escala muito limitada, e quase se perdem de vista
no resultado geral, resultado que igualmente está além da
previsão e da direção eficaz de todos. Mas quem estuda a história
geral, e se serve da chave da revelação, vê claramente os traços
de um desígnio geral em todos os grandes movimentos da
h i s t ó r i a h u m a n a , e em certos p o n t o s até se i n t e r l i g a n d o
visivelmente com as ações de agentes individuais. Por conse-
guinte, a providência de Deus, como um todo, compreende e

358
p
A Providência

dirige as pequenas providências dos h o m e n s . - :


' *'* •: -V. • TOlítfefó'?'
14. Qual o argumento bíblico, derivado das profecias, promessas
e ameaças de Deus?
Em inumeráveis casos Deus predisse nas Escrituras, com
muitos pormenores e absolutamente, a ocorrência certa de
determinados eventos, e prometeu ou ameaçou contingente-
mente que outros eventos aconteceriam sob certas condições.
Isso, porém, seria iludir os homens, se Deus não empregasse
os meios necessários para cumprir a Sua palavra.
Não é razoável contender, dizendo que Deus simplesmente
previa os eventos e assim os predisse, prometeu ou ameaçou
p o r q u e , a r e s p e i t o de m u i t o s , a p r o m e s s a ou a m e a ç a é
condicional, sendo baseada n u m a condição que não estava na
relação de causa para com o evento. E Deus não podia prever
um evento como contingente de outro que não tenha com Ele
a relação causal. Nesse caso, a verdade da promessa ou ameaça
certamente não pode depender de n e n h u m a conexão natural
entre os dois eventos, e sim, unicamente, da determinação de
Deus de fazer um seguir-se ao outro.

15. Como se prova pelas Escrituras que a providência de Deus


estende-se a todo o mundo natural? ' • •
Jó 9:5,6; 21:7-9; 37:6; Sal. 104:14; 135:5-7; 147:8-18;
148:7,8; Atos 14:17.

16. Como se prova pelas Escrituras que a providência de Deus


compreende os animais irracionais?
Sal. 104:21-29; 146:9; Mat. 6:26; 10:29.

17. Como se prova pelas Escrituras que a providência divina se


estende aos quefazeres gerais dos homens?
1 Crôn. 16:31; Jó 12:23; Sal. 10:12-15; 47:7; 116:7; Prov.
21:1; Dan. 2:21; 4:25. • *r .

3SQ
Capítulo 14

18. Como se mostra pelas Escrituras que as circunstâncias dos


indivíduos são dirigidas por Deus?
1 Sam. 2:6; Sal. 18:30; Prov. 16:9; Is, 45:5; Luc. 1:53; Tia.
4:13-15.

19. Como se prova que os eventos por nós considerados fortuitos


estão sob a direção de Deus?
1°. Chamamos fortuito o evento cujas causas próximas,
quer por serem muito complexas, quer por serem m u i t o sutis,
escapam à nossa observação. Todos os eventos dessa natureza,
porém, como, e.g., a queda de uma folha, acham-se ligados ao
sistema geral - tanto por seus antecedentes como por suas
conseqüências.
2°. As Escrituras afirmam o fato - Ex. 21:13; Jó 5:6; Sal.
75:6,7; Prov. 16:33.

20. Que distinção se tem feito entre providência geral e


providência particular, e qual é a doutrina verdadeira?
A maioria dos homens admite que Deus exerce u m a pro-
vidência geral diretora sobre os quefazeres humanos, dirigindo
o seu curso geral e d e t e r m i n a n d o os grandes e importantes
eventos, mas considera supersticiosa e derrogatória da sublime
dignidade e grandeza de Deus a concepção segundo a qual Ele
Se importa com todos os pormenores triviais. E muitos outros,
cujas idéias sobre este ponto não são muito claras, nutrem esse
mesmo sentimento, julgando praticamente do m e s m o modo
todos os eventos em sua relação à providência divina.
Mas esse sentimento e essa concepção nascem de idéias
m u i t o inadequadas e antropomórficas sobre os atributos de
Deus e Seu modo de operar, como se para a Causa absoluta e o
Governador infinito pudesse existir a mesma diferença entre
coisas pequenas e grandes que existe para nós; como se tam-
b é m p a r a Ele, assim c o m o p a r a nós, u m a m u l t i d ã o d e
pormenores fosse mais incômoda ou menos digna de atenção
do que o é algum grande resultado. U m a providência geral e

360
A Providência

uma especial não p o d e m ser dois diversos modos de operação


divina. A mesma administração providencial é necessaria-
mente ao m e s m o t e m p o geral e especial, p o r q u e se estende
igualmente e sem exceção a todos os eventos e a todas as
criaturas do universo. U m a providência geral é especial porque
consegue resultados gerais pela direção de todos os eventos,
«l andes e pequenos, que contribuem para esses resultados; e
uma providência especial é geral p o r q u e dirige especialmente
lodos os seres e todas as ações individuais em todo o universo,
lodos os eventos acham-se de tal m o d o relacionados u n s com
os outros como um sistema encadeado de causas, efeitos e
condições, que u m a providência geral que não seja ao m e s m o
lempo especial não é mais concebível do que o é um todo que
uao tenha partes ou u m a corrente que não tenha elos.

21. Como se prova que o governo providencial de Deus estende-


sc às ações livres dos homens?
1°. As ações livres dos h o m e n s são causas potentes com
iiifluência sobre o sistema geral das coisas exatamente do
mesmo modo como se dá com todas as outras classes de causas,
e, por conseguinte, segundo o princípio indicado na resposta à
pergunta anterior, devem estar sujeitas a Deus, ou, de outro
modo, ser-Lhe-á impossível qualquer forma de providência.
2°. As Escrituras afirmam esta v e r d a d e - E x . 12:36; 1 Sam.
24:9-15; Sal. 33:14,15; Prov. 16:1; 19:21; 20:24; 21:1; Jer. 10:23;
ImI. 2:13.

22. Como se prova pelas Escrituras que a agência providencial


de Deus é exercida sobre as ações pecaminosas dos homens?
2 Sam. 16:10; Sal. 25:3; 76:10; Atos 4:27,28; Rom. 11:32.

23. Que ensinam as Escrituras quanto à agência providencial


de Deus nas boas ações dos homens?
As Escrituras atribuem tudo quanto há de bom no h o m e m
;i livre graça de Deus, o p e r a n d o tanto providencial como

361
Capítulo 14

espiritualmente, e influindo tanto no corpo como na alma e


nas relações externas do indivíduo - 2 Cor. 12:9,10; Gál. 5:22-
25; Ef. 2:10; Fil. 2:13; 4:13.
D e v e m o s estar lembrados, p o r é m , de que, embora u m a
causa material possa ser analisada e decomposta na interação
m ú t u a de dois ou mais corpos, a alma h u m a n a age espon-
taneamente, isto é, gera ação. E t a m b é m de que a alma, em
todos os seus atos voluntários, é determinada por seus próprios
desejos e disposições predominantes.
Q u a n d o , pois, as Escrituras atribuem a D e u s todas as boas
ações dos h o m e n s , isso não quer dizer, I o . que Ele as cause,
n e m , 2 o . que Ele determine o h o m e m a praticá-las indepen-
d e n t e m e n t e da livre vontade do m e s m o h o m e m ; e sim que
D e u s opera de tal modo sobre o h o m e m , de dentro e espiritual-
mente, e por fora, por meio de influências morais, que p r o d u z
a disposição livre e boa. Ele opera p r i m e i r o em nós o querer,
e então t a m b é m o fazer a Sua boa vontade.

24. Que ensinam as Escrituras sobre a relação da providência


com as ações pecaminosas dos homens?
As Escrituras ensinam:
I o . Q u e as ações más dos h o m e n s estão sob a direção
eficaz de Deus no sentido de que elas só são praticadas com a
Sua permissão e segundo o Seu propósito - Gên. 37:28; 45:5;
50:20. Confira 1 Sam. 6:6; Êx. 7:13; 14:17; Is. 46:4; Atos
2:23; 3:18; 4:27,28; 2 Tess. 2:11.
2 o . Susta e dirige eficazmente o pecado - Gên. 50:20; Sal.
76:10; Is. 10:15.
3 o . D o m i n a - o para o b e m - Gên. 50:20; Atos 3:13.
4 o . Deus n e m causa n e m aprova o pecado. T ã o - s o m e n t e o
permite, o dirige, o restringe, o limita, o governa. O h o m e m ,
agente livre, é a única causa responsável e culpada dos seus
próprios pecados.
T u r r e t i n o expõe do m o d o seguinte o t e s t e m u n h o das
Escrituras a respeito deste assunto:

362
A Providência

I o . Quanto ao começo do pecado. (1) D e u s o p e r m i t e


livremente. Mas essa permissão n e m é moral, isto é, embora o
permita, não o aprova nunca; n e m m e r a m e n t e negativa, isto é,
Ele não concorda s i m p l e s m e n t e com o resultado, mas
determina positivamente que, para certos fins sábios e santos,
seja p e r m i t i d o aos m a u s h o m e n s que ajam s e g u n d o suas
naturezas más - Sal. 81:12; Atos 4:27,28. (2) Abandona os que
pecam, ou tirando-lhes a graça de que abusaram, ou não lhes
dando mais. Esse abandono pode ser (a) parcial, para provar o
coração do h o m e m - 2 Crôn. 32:31, ou (b) corretivo, ou (c)
p e n a l - Jer. 7 : 2 9 ; R o m . 1 : 2 4 - 2 6 . (3) D e u s o r d e n a a s
circunstâncias providenciais de m o d o que a maldade inerente
aos h o m e n s se manifeste como Ele determinou p e r m i t i r que o
faça - Atos 2:23; 3:18. (4) Deus entrega os h o m e n s a satanás,
(a) como tentador - 2 Tess. 2:9-11, ou (b) como a t o r m e n t a d o r
- 1 Cor. 5:5.
2 o . Quanto ao progresso do pecado, D e u s l i m i t a a sua
intensidade, a sua duração e a sua influência sobre outros. Isso
Ele efetua tanto por influências internas sobre o coração, como
pela direção das circunstâncias externas - Sal. 76:10.
3 o . Quanto ao fim ou ao resultado do pecado, D e u s sempre o
domina e o dirige para o b e m - Gên. 50:20; Jó 1:12; 2:6-10;
Atos 3:13; 4:27,28.

25. Em que três classes gerais se pode dividir todas as teorias


quanto ao governo providencial de Deus?
I a . As que afastam Deus de toda ação atual no universo, e
a f i r m a m a independência completa das causas secundárias. 2 a .
As que mais ou menos explicitamente negam a operação real
das causas secundárias e aceitam Deus como o único agente
ativo no universo. 3 a . A teoria intermédia ou cristã, que sus-
tenta todos os p r i n c í p i o s que a este r e s p e i t o e n s i n a m as
Escrituras, como sejam: a eficácia real das causas secundárias,
especialmente a liberdade do h o m e m nas suas ações e sua
responsabilidade moral por elas, e, ao mesmo tempo, a direção

363
Capitulo 14

universal e eficaz de Deus, pela qual, em perfeita conformidade


com os atributos da Sua natureza, e com as diversas proprie-
dades de Suas criaturas, Ele determina e dispõe todos os eventos
e todas as ações segundo o Seu propósito soberano.

26. Como se pode expor a teoria mecânica da providência?


Esta teoria supõe que, quando Deus criou o universo,
dotou todos os diversos elementos materiais e espirituais de
suas propriedades e forças respectivas, que depois as reuniu
em certas combinações e proporções, e assim os tornou sujeitos
a certas leis gerais. O m u n d o é assim u m a m á q u i n a cujas
diversas peças o Criador calculou de tal modo que ela efetua
agora de per si todos os propósitos que o Criador teve em vista.
Tendo-lhe dado corda, Deus deixou o m u n d o entregue a si
próprio. Deus é a Causa primária no sentido de ser a primeira
de u m a série interminável de causas que se afastam cada vez
mais da sua origem. Alguns filósofos limitam este mecanismo
rijo ao m u n d o físico e consideram a vontade livre dos h o m e n s
como um fator absolutamente i n d e t e r m i n a d o compreendido
no mecanismo geral do m u n d o . Mas a maioria dos que adotam
esta teoria mecânica nega a liberdade do homem e o considera
como um dos elementos cósmicos não essencialmente diferente
dos demais.
Portanto, todas as intervenções providenciais e todos os
milagres seriam impossíveis. Supor que há necessidade de
semelhantes intervenções seria supor que houve algum defeito
radical na obra criadora de Deus - que era incapaz de precalcu-
lar todas as combinações necessárias, ou então, que era incapaz
de produzir uma máquina que trabalhasse por si mesma. Diz
o professor Baden Powel: "É derrogante ao poder e à sabedoria
infinitos a suposição de que a ordem de coisas foi estabelecida
tão imperfeitamente que se torna necessário de vez em quando
interrompê-la e violá-la". E T h e o d o r e Parker diz: "Os h o m e n s
servem-se de expedientes precários; mas o I n f i n i t o não lança
mão de artifícios e subterfúgios: não há caprichos em Deus, e,

364
A Providência

p o r conseqüência, não há milagres na natureza". • • •"1


27. Como se pode demonstrar que esta teoria é falaz? "
I o . Está em oposição ao ensino claro da Palavra de Deus,
exposto nas respostas às perguntas 15-21. 2 o . E essencialmente
irreligiosa e materialista. Deixa de reconhecer que a educação
e a disciplina de agentes inteligentes e livres é o grande fim ao
qual está adaptado o universo como um sistema de meios.
Separa de Deus as almas dos homens, torna irrisória a oração,
impossível a revelação, a responsabilidade moral em pre-
conceito, e a religião em ilusão. 3 o . Baseia-se n u m a idéia
a n t r o p o m ó r f i c a de D e u s , a n t r o p o m ó r f i c a e n i m i a m e n t e
m e s q u i n h a . C o n c e b e o u n i v e r s o s i m p l e s m e n t e c o m o um
sistema mecânico de causas e como se tivesse com D e u s a
m e s m a relação que uma m á q u i n a h u m a n a tem com o seu
fabricante, que está necessariamente fora da sua obra. Deixa
inteiramente - (1) De apreender a imanência do Criador na
criação como espírito onipresente e sempre ativo e diretor,
como agente pessoal, que faz leis operando segundo leis com o
fim de efetuar propósitos por Ele escolhidos; (2) De apreender
a verdadeira natureza do universo em relação aos seus fins
supremos como sistema moral estabelecido com a intenção de
instruir e desenvolver agentes morais, livres e pessoais, criados
à imagem de Deus.
U m sistema que envolva u m a o r d e m estabelecida d a
natureza, e que proceda com sábia adaptação dos meios para
efetuar certos fins, é necessário como meio de comunicação
entre o Criador e a criação inteligente, e para efetuar a educação
/

moral e intelectual dessa criação. E somente assim que se pode


exercitar e manifestar os atributos divinos de sabedoria, retidão
e bondade, e é somente assim que os anjos e os h o m e n s podem
c o m p r e e n d e r o caráter de Deus c antecipar a Sua vontade, ou
cooperar inteligente e voluntariamente com o Seu plano.
P a r e c e necessário, p o r é m , q u e e m c o n e x ã o com u m
sistema geral de meios e leis haja ocasionalmente exercícios
diretos de poder, não só " n o p r i n c í p i o , para criar causas

365
Capítulo 14

secundárias e inaugurar a sua operação, mas t a m b é m subse-


q ü e n t e m e n t e , para dar aos súditos do Seu governo moral a
revelação da Sua personalidade livre e de Seu interesse imediato
nos afazeres deles. Em todo caso, tal ação direta e ocasional é
necessária para a educação do h o m e m no seu estado atual. Um
milagre, embora efetuado pelo poder divino sem meios, é em
si m e s m o um meio para efetuar um fim, e faz parte de um
plano. Todas as leis naturais tiveram origem na razão divina, e
são expressões da vontade de levar a efeito um propósito -Apud
D u q u e de Argyle, em sua obra Reign of Law. A " o r d e m da
natureza" é tão-somente um i n s t r u m e n t o da vontade divina,
i n s t r u m e n t o utilizado em subordinação a esse governo moral
superior em cujos interesses são realizados os milagres. Assim,
pois, "a ordem da natureza", a providencia c o m u m de Deus, e
os milagres, em vez de estarem cm conflito entre si, são os
elementos i n t i m a m e n t e correlacionados de um só sistema
universalmente compreensivo.

28. Que classes de filósofos têm real ou virtualmente negado a


eficácia das causas secundárias?
Todos os panteístas, como é natural, consideram todas as
causas secundárias como modificações da Causa Primária, e a
Deus como o único agente real no universo. Descartes, apesar
de crer em Deus e na real existência objetiva de agentes mate-
riais como também espirituais, não obstante, sustentava que
esses a g e n t e s e r a m c r i a d o s d e n o v o e m cada m o m e n t o
sucessivo, e em todos os seus sucessivos estados e ações, de
modo que realmente fazia das causas secundárias outras tantas
modificações da Causa Primária. Daí seus discípulos deduzi-
ram a teoria das causas ocasionais, dizendo que as mudanças
ocorridas nas causas secundárias são simplesmente as ocasiões
em que a Causa Primária exercita a Sua agência eficaz e produz
o respectivo efeito. Isso levou ao panteísmo de Spinoza. O Dr.
E m m o n s , da Nova Inglaterra, sustentava, em conexão com
u m a "teoria do exercício", a doutrina da eficácia divina. Tudo

366
A Providência

q u a n t o sabemos que ocorre na alma h u m a n a é u m a série de


exercícios ligada a um fio obscuro de consciência. D e u s é a
causa real, criando em cada m o m e n t o cada um desses exercícios
em suas sucessões, tanto os maus como os bons, do m e s m o
m o d o como um músico produz n u m i n s t r u m e n t o de sopro as
notas sucessivas, à Sua vontade.
A esta classe de especulações pertence a teoria do "con-
curso", que por tanto t e m p o esteve em voga na Igreja.

29. Qual a doutrina representada pela frase "CONCURSUS geral


e indiferente e quais foram os seus defensores?
D u r a n t e muitos séculos os teólogos discutiram as questões
relacionadas com o CONCURSUS, OU seja, o influxo e a cooperação
de D e u s nas causas secundárias.
Os jesuítas, e com eles os socinianos e os remonstrantes,
sustentam que esse "concursus" é só "geral" e " i n d i f e r e n t e " ;
isto é, que é igualmente comum a todas as causas, incitando-as
à ação, mas indiferentemente, isto é, a Causa Primária é, por
assim dizer, simplesmente um estímulo às causas secundárias,
deixando então a cada u m a a iniciativa de determinar o seu
m o d o particular de ação. Ilustram isso referindo-se ao poder
v i v i f i c a d o r do sol, que espalha os seus raios u n i v e r s a l e
i n d i f e r e n t e m e n t e sobre todos os objetos terrestres, raios que
são o princípio c o m u m de toda vida e de todo movimento.
O n d e esses raios não chegam não há vida. Ao mesmo tempo, o
sol conserva-se indiferente a qualquer forma particular de vida
ou de m o v i m e n t o - e cada germe em particular brota segundo
a sua própria espécie sob o poder vivificador do m e s m o sol.
É evidente que esta teoria admite que Deus conserva as
essências e as forças ativas de todas as coisas, mas, por omissão,
nega virtualmente todo real governo providencial. Segundo
ela, Deus criou e conserva todas as coisas, e estas, por sua vez,
operam espontaneamente e sem Sua direção eficaz, conforme
a sua natureza e as suas tendências.

367
Capítulo 14

30. Qual a doutrina representada pela frase "CONCURSUS


simultâneo e imediato"?
Esta frase exprime um ato de Deus em que Ele coopera
com a criatura no ato dela, como concausa, na produção do ato
como entidade. Nesta teoria, e na oposição ao "CONCURSUS geral
e indiferente" acima explicado, concordaram os discípulos de
Tomaz de Aquino na igreja romana e todos os teólogos luteranos
e reformados. Ainda restava, porém, como ponto difícil e de
divergência, a questão a respeito de q u e m é o fator determi-
nante nessa causalidade dual. Seria Deus quem determina a
criatura em todos os casos a agir, e a agir do modo como age e
não de outro modo, ou seria a criatura que se determina a si
mesma?

31. Qual a doutrina expressa na frase "CONCURSUS prévio e


determinante " e quais foram os seus defensores?
Em razão da questão acima pendente, os teólogos refor-
mados ou calvinistas sustentavam em acréscimo a doutrina do
"praecursus", ou seja, de um "CONCURSUS prévio e deter-
m i n a n t e " , quer dizer, uma energia atuando sobre a criatura e
determinando-a em cada caso a agir, e exatamente do m o d o
como age. Alguns aplicaram isso unicamente às boas ações
dos h o m e n s ; outros, mais logicamente, aplicaram-no a todas e
quaisquer ações.

32. Como procuraram os teólogos reformados conciliar essa


doutrina com a liberdade do homem e a santidade de Deus?
Q u a n t o à liberdade do h o m e m , diziam - I o . Que é um
mistério. 2 o . Que os dois fatos, (a) de que a ação h u m a n a é
livre, e (b) de que Deus dirige eficazmente essa ação, são
claramente revelados nas Escrituras, e por isso não p o d e m
deixar de ser conciliáveis, quer isso nos seja possível quer não.
3 o . Alegavam que omodus operandi desscconcursus divino varia
segundo a natureza da criatura em que atua, e que está sempre
em perfeita conformidade com a natureza dessa criatura e com

368
A Providência

os seus modos de ação. " D e s d e que, pois, a Providência n ã o


c o n c o r r e com a v o n t a d e h u m a n a , n e m por via de coação,
o b r i g a n d o u m a vontade que não o queira, n e m p o r via de
determinação física, como se fosse coisa brutal e cega, sem juízo
a l g u m , e sim r a c i o n a l m e n t e , d i r i g i n d o a v o n t a d e de u m a
m a n e i r a congruente com ela, para que se possa d e t e r m i n a r a
si mesma, segue-se que, achando-se a causa próxima da ação
de cada h o m e m no juízo da sua p r ó p r i a inteligência e na
escolha espontânea da sua própria vontade, a Providência não
constrange a liberdade de n i n g u é m , mas antes a sustém" -
Turretino, L. 6, perg. 6.
" M o v e r i v o l u n t a r i e est m o v e r i ex se, i.e., a p r i n c í p i o
intrínseco. "Sed illud principium intrinsecum potest esse ab alio
principio extrínseco. Et sic moveri ex se non repugnai si, quod move-
tur ex alio. Illud quod movetur ab alio dicitur cogi, si moveatur
contra inclinationem propriam; sed si moveatur ab alio quod sibi
datpropriam inclinationem, non dicitur cogi. Sic igitur Deus moven-
do voluntatem non cogit ipsam, quira dat ei ejus propriam inclina-
tionem" - Tomaz, vol. 1, págs. 105,4, citado por Dr. Charles
Hodge.
Q u a n t o à santidade de Deus em relação às ações pecami-
nosas das criaturas, esses teólogos sustentavam - I o . Q u e a
origem do pecado está n u m defeito ou n u m a causa secreta. 2 o .
Q u e há u m a diferença entre um ato de per si como entidade, e
sua qualidade moral. Deus é a concausa eficaz daquele, mas
não desta, se se tratar de um ato mau. Citavam como ilustração
disso o caso de um i n s t r u m e n t o musical mal afinado nas mãos
de um músico perito. O músico é a causa de cada um dos sons
produzidos em sua ordem, porém o desarranjo no instrumento
é o único fator causante da desarmonia. 3 o . Segue-se que a
relação da providência de D e u s com as ações más dos h o m e n s
é m u i t o diversa da sua relação com as ações boas. No caso
destas, D e u s não somente coopera na sua produção, mas dá
t a m b é m a graça que lhes comunica a sua qualidade moral. No
caso das más ações, porém, o concursus é limitado ao ato, e a

369
Capítulo 14

qualidade má é derivada u n i c a m e n t e da criatura.

3 3 . E x p o r as diversas objeções feitas contra esta teoria de CON-


CURSUS.
1. E u m a tentativa sem sucesso, de ultrapassar os fatos
ensinados pelas Escrituras, em sua busca de u m a explanação
da m a n e i r a que D e u s age sobre a criatura para efetuar Seus
objetivos.
2. Esta teoria t e n d e a negar a eficiência de causas secun-
dárias e, p o r t a n t o , t e n d e ao p a n t e i s m o . Este perigo foi m e n o s
apreciado pelos grandes r e f o r m a d o r e s e seus sucessores, nos
séculos 16 e 17, do que, necessariamente, chegou a ser em
/

nossos dias. E de suma i m p o r t â n c i a que sustentemos ambas


as verdades correlatas da eficiência de causas secundárias, e da
providência controladora de Deus da liberdade h u m a n a e da
soberania divina, d e i x a n d o então a questão de reconciliá-las
para o f u t u r o .

3>4. Até onde as Escrituras nos oferecem algum ensino acerca da


natureza do governo providencial de Deus?
N a d a absolutamente explicam q u a n t o à maneira pela qual
D e u s exercita a Sua agência, mas a f i r m a m explicitamente, e
em toda parte postulam, o fato de que Ele governa todas as
Suas criaturas e todas as ações delas, e t a m b é m expõem muitas
das características desse governo.
A f i r m a m que:
I o . É universal - Sal. 22:28,29; 103:17-19; D a n . 4:34,35;
2 o . É particular - M a t . 10:29-31;
3 o . C o m p r e e n d e os pensamentos e as volições dos h o m e n s ,
e muitos eventos que p a r e c e m contingentes - 2 Crôn. 16:9;
Prov. 16:9,33; 19:21; 21:1.
4 o . É e f i c a z - J ó 23:13; Sal. 33:11; L a m . 2:17.
5 o . E a execução do Seu propósito eterno, c o m p r e e n d e n d o
em um só sistema inteiro todas as Suas obras, desde o princípio
- Sal. 104:24; Is. 28:29; Atos 15:17,18; Ef. 1:11.

370
A Providência

6 o . Seu f i m p r i n c i p a l é a glória de D e u s , e, s u b o r d i -
n a d a m e n t e a isso, o b e m s u p r e m o da Sua Igreja r e d i m i d a
- R o m . 8:28; 9:17; 11:36.
7 o . As Escrituras ensinam que é impossível que a m a n e i r a
pela qual D e u s executa o Seu governo providencial n ã o seja
conciliável com as Suas próprias perfeições, porque D e u s "não
p o d e negar-se a si m e s m o " - 2 T i m . 2:13.
/

8 o . E t a m b é m congruente com a natureza de toda criatura


sujeita a esse governo, porque todos os agentes livres continuam
livres e igualmente responsáveis.
9 o . As Escrituras ensinam t a m b é m que, no caso das boas
ações dos h o m e n s , D e u s dá a graça e o motivo, e coopera nos
atos desde o princípio até ao f i m - Fil. 2:13. E, no caso das
m á s ações dos h o m e n s , permite-as simplesmente, restringe-
-as, e d o m i n a sobre elas para a Sua própria glória e o b e m
s u p r e m o da criação.

35. Como se pode conciliar com o governo providencial de Deus


a existência do mal físico e do mal moral?
A origem e a permissão do mal moral são um mistério
que não sabemos explicar.
Q u a n t o ao mal físico, respondemos:
I o . Que n u n c a é enviado como um fim em si mesmo, mas
sempre como um meio para alcançar um b e m maior.
2 o . Que nas suas relações atuais com o mal moral, como
corretivo e punitivo, a existência do mal físico é justificada
tanto pela razão quanto pela consciência como perfeitamente
digna de um D e u s sábio, reto e misericordioso.

36. Como se pode demonstrar que a distribuição aparentemente


anômala da felicidade e da miséria neste mundo não é inconciliável
com a doutrina da providência?
I o . Cada agente moral neste m u n d o recebe mais bens e
m e n o s males do que merece.
2 o . A felicidade e a miséria acham-se distribuídas m u i t o

371
Capítulo 14

mais igualmente neste m u n d o do que a princípio parece


n u m exame superficial.
3 o . Como regra geral, a virtude é recompensada e o vício
é p u n i d o m e s m o neste m u n d o .
4°. A dispensação atual é t e m p o de educação, preparação
e prova, e não de recompensas e castigos - Veja Sal. 73.

PROVIDÊNCIAS EXTRAORDINÁRIAS
E MILAGRES

37. Em que sentido se diferenciam as providências extra-


ordinárias dos eventos ordinários em sua relação com a direção
providencial de Deus?
Eventos como o vôo de codornizes e a pesca mencionados
em N ú m e r o s 11:31,32 e Lucas 5:6, até onde nós sabemos,
d i f e r e m dos eventos que s u c e d e m sob o n o r m a l g o v e r n o
providencial de Deus s o m e n t e na c o n j u n ç ã o d i v i n a m e n t e
prearranjada das circunstâncias. Os eventos são extraordinários,
mas não são sobrenaturais, e sua peculiaridade consiste somente
em sucederem em conjunção e m i n e n t e m e n t e aprazível com
certos outros eventos como, e.g., o aperto em que se achavam
os israelitas ou os apóstolos, com os quais eventos, porém, eles
não t i n h a m n e n h u m a conexão natural.

38. Como são designados os milagres no Novo Testamento?


São c h a m a d o s - (1) terata, p r o d í g i o s , Atos 2:19; (2)
dunameis, obras de poder sobre-humano; e (3) semeia, sinais,
João 2:18; Mat. 12:38. Essa última designação exprime o seu
verdadeiro fim, que é o de serem "sinais", impossíveis de imitar
ou falsificar, de que alguém foi comissionado e autenticado
por Deus para ser mestre religioso e ensinar sua doutrina.

39. Como se deve, pois, definir o milagre, no se?itido bíblico da


palavra, de modo que fique assinalada a sua diferença específica
tanto de eventos sobrenaturais em geral, como das providências

372
A Providência

extraordinárias definidas sob a Perg. 37? . •' :'•>u


O milagre é (1) um evento-que sucede no m u n d o físico e
que pode ser notado e discriminado com certeza pelos sentidos
corporais de testemunhas h u m a n a s (2) de caráter tal que não
possa ser referido racionalmente a n e n h u m a causa que não seja
a volição imediata de Deus, (3) essa volição a c o m p a n h a n d o
um mestre religioso com o fim de autenticar a sua comissão
divina e a veracidade do seu ensino.

40. Em que termos se pode expor a objeção a priori contra a


possibilidade do milagre, por envolver essencialmente a violação das
leis da natureza? Como lhe dar resposta?
Diz-se que tanto a experiência universal como a inte-
g r i d a d e da razão h u m a n a c o n c o r d a m em g a r a n t i r que é
absolutamente inviolável a lei da continuidade - que todo
evento possível tem sua explicação plena em causas adequadas
que o precederam, e que cada evento, por sua vez, é a causa de
u m a série i n t e r m i n á v e l d e c o n s e q ü ê n c i a s s u b s e q ü e n t e s .
N e n h u m evento pode ser isolado de seus antecedentes e das
respectivas conseqüências, nem de suas condições, e toda causa
opera segundo u m a lei inteligível da natureza.
Tudo isso é verdade, e o é tanto em referência aos milagres
como em referência a quaisquer outros eventos.
Se por "lei da natureza" e n t e n d e m o s as forças físicas que
produzem efeitos, então n e n h u m milagre envolve a suspensão
ou violação de tal lei. É da experiência geral que as forças
modificam umas as outras, e cada força adicional combina-se
com outras na produção de efeitos de outro m o d o impossíveis.
Se p o r "lei da natureza" e n t e n d e m o s o curso c o m u m dos
eventos observados na natureza, então o milagre é, segundo a
definição dada, u m a suspensão notável desse curso. Mas a
m e s m a coisa é efetuada todos os dias pelos h o m e n s , que
i n t e r f e r e m na ordem natural dos eventos que ocorrem na
natureza.
Em todo evento físico há u m a combinação de concausas

373
Capítulo 14

que o efetuam. A vontade h u m a n a n ã o viola n e n h u m a lei


q u a n d o opera, e não aniquila n e n h u m a força; simplesmente
combina em condições especiais diversas forças naturais, e
interpõe na soma das concausas u m a concausa nova - a volição
humana.
Q u a n d o Eliseu "cortou um pau, e o lançou ali, e fez n a d a r
o ferro" - 2 Reis 6:6, não foram m u d a d o s os pesos específicos
n e m do ferro n e m da água, n e m foi suspensa a lei da gravitação.
O milagre consistiu u n i c a m e n t e na interposição, por u m a
volição divina, de u m a nova força transitória, igual à diferença
dos pesos específicos da água e do ferro, e agindo no sentido
oposto ao da gravitação. Isso é exatamente análogo à ação da
vontade h u m a n a sobre objetos físicos - com esta exceção - a
vontade do h o m e m atua sobre objetos exteriores só indireta-
m e n t e , m e d i a n t e o mecanismo de seu corpo, e diretamente só
sobre os seus músculos voluntários; e n q u a n t o que a vontade
de Deus opera diretamente sobre todos os elementos do m u n d o
que Ele criou. E poder-se-ia mostrar que aquilo que é realmente
verdade neste milagre simples, também o é nos mais
complexos, como,*?.#., a ressurreição de Lázaro, se tivéssemos
c o n h e c i m e n t o suficiente da química e da fisiologia da vida
humana.
J o h n Stuart Mill (.Essay on Theism, Parte 4) diz: "Pode-se
dizer que "o poder da volição sobre os fenômenos é t a m b é m
u m a lei, e u m a das leis da natureza de que os h o m e n s adqui-
riram primeiro o conhecimento e de que primeiro se serviram...
Só não é u m a exceção à lei a interferência da vontade h u m a n a
no curso da natureza quando incluímos entre as leis a relação
de m o t i v o s para a volição; e, s e g u n d o a m e s m a regra, a
i n t e r f e r ê n c i a da v o n t a d e divina não seria t a m p o u c o u m a
exceção, porque não podemos deixar de supor que a Deidade,
em todos os Seus atos, é determinada por motivos". A analogia
alegada é boa; mas o que ela prova é só o que t e n h o sustentado
desde o princípio - que se poderia provar a interferência divina
no curso da natureza se tivéssemos a seu favor a mesma espécie

374
A Providência

de provas que temos a favor das interferências h u m a n a s " .


Isto é, o maior de todos os racionalistas filosóficos sustenta
que não há motivos a priori para que se julgue impossível o
milagre. E simplesmente uma questão de suficiência de provas.
Todo cristão está perfeitamente convencido de que as provas
(históricas, morais e espirituais) a favor da crença na ressur-
reição de Jesus Cristo e dos milagres associados historicamente
a esse evento são completas e suficientes.

41. Que diz a objeção contra os milagres, tirada do equilíbrio


do universo, e como responder-lhe?
/

E um fato que o u n i v e r s o físico i n t e i r o f o r m a um só


sistema, e que, como se acha ajustado atualmente, está n u m
estado de equilíbrio tão delicado que a adição ou a subtração
de um só átomo em qualquer parte perturbaria esse equilíbrio
no sistema inteiro. U m a perturbação, por um m i n u t o que fosse,
ab extra - a entrada de um agente não pertencente ao sistema
das coisas, seria destrutiva para o todo.
• m
E e v i d e n t e que esta objeção teria peso, se o u n i v e r s o
material fosse um todo exclusivo por si só, e se não estivesse
em relação constitucional com Deus. Todavia, se D e u s e a
criação juntos f o r m a m um todo - um completo universo de
coisas - então a objeção é absurda. A soma das atividades de
D e u s é o necessário complemento da soma das atividades de
todas as Suas criaturas, e só assim é que o equilíbrio é mantido.
Também é evidente que a vontade de Deus não está fora
da soma das coisas que constituem o universo mais do que o
está a vontade do h o m e m . E o h o m e m está constantemente
m o d i f i c a n d o a natureza em extensas áreas, e cada m o m e n t o
está fazendo a sua vontade atuar ab extra, como nova concausa,
sob as leis físicas do universo, dando-lhes novas direções e novas
condições.
D e m a i s disso, o equilíbrio do universo não é equilíbrio
permanente, mas está em mutação perpétua, especialmente em
conseqüência da dissipação do calor e da concentração da

375
Capítulo 14

matéria nos centros de atração.

42. Expor e contestar a objeção segundo a qual assumir a


necessidade de interferência miraculosa seria coisa derrogatória à
sabedoria e ao poder do Criador.
Alega-se que a perícia de um artífice h u m a n o manifesta-
-se sempre na medida em que a m á q u i n a construída faz o que
deve fazer sem necessidade de consertos, emendas ou direção
da parte do artífice ou de o u t r e m ; que a necessidade de inter-
venção ab extra, para qualquer f i m , é prova de defeito da
máquina, ou ao menos de limitação da perícia do construtor.
Por isso se diz que não pode haver necessidade de milagres,
senão sob a suposição de que Deus m u d o u Seu propósito ou
de que há algum defeito radical na criação. Disse T h e o d o r o
Parker: "Não há caprichos em D e u s e, por conseguinte, não
há milagre na natureza".
Esse argumento teria força se o desígnio dos milagres fosse
o de remediar dessa maneira qualquer defeito que porventura
se houvesse descoberto no universo físico. Contudo, com isso
n e n h u m cristão jamais sonhou.
O desígnio do milagre é simplesmente dar a conhecer às
criaturas inteligentes que o seu Criador intervém ativamente
no universo moral com o fim de restaurar a ordem perturbada
pelo pecado. O sistema moral é essencialmente diferente do
sistema físico. Este é mecânico, aquele abrange a razão, a
consciência, a VONTADE LIVRE, e a lei dos motivos. A vontade
livre tornou possível o pecado, e este tornou necessária a direta
intervenção divina, ou para remir ou para condenar.
Todos os milagres bíblicos acham-se agrupados ao redor
de grandes crises ocorridas na obra da redenção, ou da restau- ?
ração da lei original e natural perturbada pelo pecado. Por isso ]
os milagres bíblicos, em vez de serem como todos os "milagres" i
dos gentios, ou da igreja papal, ou do espiritismo moderno, os
quais são simples prodígios, exibições de poder, f a z e n d o
ostentação da sua violação da ordem natural, são eminente-

376
A Providência

m e n t e curas de moléstias, atos cuja tendência e cujo espírito


implicam a restauração e a confirmação, não a violação, da lei.
O m e l h o r sentido da palavra LEI é o r d e m , disposição
ordenada, atribuição de alguma função, com o fim de levar a
efeito um propósito.
Segue-se que a suprema essência de toda lei é o propósito
eterno de Deus. Não ocorreu n e n h u m a intervenção miraculosa
em conseqüência de um p e n s a m e n t o posterior. Um só ato
eterno de volição absolutamente inteligente abrangeu o sistema
inteiro de seres e eventos em todo o espaço e em toda a duração,
instituindo ao m e s m o tempo todos os fins, meios e métodos,
os necessários e os livres, os físicos e os morais, os atos das
criaturas em obediência à lei e as intervenções do Criador
i m p o n d o a lei.

43. Como se pode saber com certeza se um evento é realmente


um milagre no sentido desta palavra como foi definida acima?
1°. Milagre, segundo a definição acima, é " u m evento que
sucede no m u n d o físico, capaz de ser notado e discriminado
com certeza pelos sentidos corporais". Os milagres bíblicos,
particularmente os mais importantes deles, preenchem essa
condição, pois foram realizados (1) à clara luz do dia, (2) em
ocasiões diferentes, (3) em circunstâncias m u i t o diversas, (4)
na presença de muitas testemunhas e (5) sujeitos ao exame de
diversos sentidos - a vista, o ouvido, o tato - corroborando-se
mutuamente.
2 o . Segundo a mesma definição, é necessário que o milagre
" a c o m p a n h e um mestre religioso com o fim de autenticar a
sua comissão divina e a veracidade do seu ensino". Segue-se,
pois, que é necessário que todo evento semelhante, para ser
crível, seja (1) em si mesmo, de caráter racional e m o r a l m e n t e
congruente com a sua alegada origem divina. (2) Que o caráter
do mestre religioso, cuja comissão o evento autentica, e também
o caráter da sua doutrina, sejam tais que se t o r n e crível o
representarem eles os sentimentos e a vontade de Deus. (3) E

377
Capítulo 14

necessário que o mensageiro e sua mensagem estejam em har-


monia, histórica e doutrinariamente, com o organismo inteiro
de revelações c intervenções divinas que os precederam.
3 o . E necessário, em terceiro lugar, que o milagre seja "de
caráter tal que não possa ser referido racionalmente a n e n h u m a
causa que não seja a volição imediata de Deus".
Aqui se tem objetado que n u n c a p o d e m o s ter a certeza de
que um evento é realmente um milagre, m e s m o que o seja,
p o r q u e - (1) N e n h u m ser h u m a n o conhece todas as leis da
natureza, n e m sabe o n d e está exatamente a linha de separação
entre o natural e o sobrenatural. Aquilo que é novo e inex-
plicável é relativamente sobrenatural, isto é, é incapaz de ser
por nós reduzido às categorias da natureza. (2) Os maus espíritos
muitas vezes realizaram obras sobrenaturais - e, p o r conse-
guinte, é-nos impossível determinar se em qualquer caso dado
a causa do evento é ou não u m a volição direta de Deus.

RESPONDEMOS: I o . Q u a n t o ao que diz r e s p e i t o aos


espíritos maus, o reino de satanás é fácil de reconhecer por seu
caráter. N u n c a se deve reconhecer como milagre um evento
isolado. O h o m e m , sua doutrina e sua relação com o sistema
de revelações e intervenções miraculosas do passado, serão em
todos os casos s u f i c i e n t e s p a r a se p o d e r d i s c r i m i n a r um
verdadeiro de um falso. 2 o . Quanto ao que diz respeito à questão
de d e t e r m i n a r com certeza quais os efeitos que transcendem
as forças da natureza, temos a dizer - (1) Q u e há certas classes
de efeitos a cujo respeito é impossível que alguém duvide,e.g.,
a ressurreição de Lázaro e a multiplicação de pães e peixes;
p o d e m o s e s t a r em d ú v i d a q u a n t o aos l i m i t e s exatos do
sobrenatural - mas não se pode errar quanto àquilo que tanto
excede os limites do natural. (2) Esses efeitos foram produzidos
há dois mil anos, em época não científica e por indivíduos
sem instrução. (3) Foram produzidos repetidas vezes,por simples
palavras, sem emprego de outros meios, e em diversas condições físicas.
(4) As obras eram divinas em seu caráter, e as ocasiões eram

37X
A Providência

dignas delas; nos mestres religiosos e nas suas doutrinas


viam-se provas espirituais corroborativas dos milagres que
realizaram, e estes ocupam lugar apropriado no sistema inteiro
da revelação de Deus.

379
15

A Constituição da Alma,
a Vontade, a Liberdade, etc.

1. Em que seção geral da teologia estamos entrando agora,


e quais os principais tópicos abrangidos por ela?
A seção geral é a da ANTROPOLOGIA, e os principais tópicos
nela c o m p r e e n d i d o s são a constituição moral do h o m e m ,
considerado psicologicamente, a condição moral do h o m e m
q u a n d o foi criado, e as relações providenciais em que ele foi
introduzido na sua criação - a natureza do pecado, o pecado
de Adão, os efeitos que o seu pecado produziu sobre ele e sobre
a sua posteridade, e a condição moral e as relações legais em
que, como conseqüência, os seus descendentes são introduzidos
em seu nascimento.
É óbvio que, para que se e n t e n d a b e m a natureza do
pecado, original e atual, da influência da graça divina e da
mudança operada na alma regenerada, é necessário que se tenha
algum conhecimento das faculdades constitucionais da alma,
e especialmente daquelas questões psicológicas e metafísicas
que são inseparáveis das discussões teológicas.

2. Que princípio geral é necessário ter sempre em mente quando


se trata das diversas faculdades da alma humana?
A alma do h o m e m é um só agente indivisível, e não um
c o n j u n t o organizado constando de diversas partes; em
conseqüência, aquilo que descrevemos como suas diversas
faculdades é, antes, a capacidade desse agente ú n i c o para

380
A Constituição..

d e s e m p e n h a r , s i m u l t â n e a ou s u c e s s i v a m e n t e , as diversas
funções envolvidas, e n u n c a devemos concebê-las c o m o se
fossem partes ou órgãos que existem separadamente. Essas
d i v e r s a s f u n ç õ e s e x e r c i d a s pela a l m a são tão v a r i a d a s e
complexas que é necessário que se faça u m a análise minuciosa
delas, para que t e n h a m o s u m a idéia definida da sua natureza.
Ao m e s m o tempo, convém que estejamos lembrados de que
g r a n d e parte dos erros em que caíram os filósofos em suas
i n t e r p r e t a ç õ e s da constituição moral do h o m e m , f o r a m o
resultado do abuso desse m e s m o processo de análise. Isso é
verdade especialmente com respeito à interpretação dos atos
voluntários da alma h u m a n a . Na prossecução da sua análise, o
filósofo chega a reconhecer separadamente as diferenças c as
semelhanças dessas várias funções da alma, e muitas vezes não
se lembra de que essas mesmas funções nunca estão assim em
operação isoladamente, e sim concorrentemente, por ser a alma
um só agente indivisível, e que, por isso, as suas funções
diversas sempre se restringem m u t u a m e n t e . Assim t a m b é m
não é, de fato, verdade que a inteligência raciocina, que o
coração sente, a consciência aprova ou condena e a vontade
decide do m e s m o m o d o como os diversos m e m b r o s do corpo
o p e r a m j u n t o s , e os d i v e r s o s m e m b r o s de um c o n s e l h o
deliberam e decidem mediante ação c o n j u n t a de suas partes;
p o r é m a verdade é que a alma, que é u m a só e indivisível,
racional, sensível, moral e autodeterminante, raciocina, sente,
aprova ou condena e decide.
O poder autodeterminante da vontade, como faculdade
abstrata, é um absurdo como doutrina, e seria f u n e s t o como
experiência; mas o poder a u t o d e t e r m i n a n t e da alma h u m a n a
como um agente fatual, racional e sensível, é um fato de
consciência universal e u m a doutrina f u n d a m e n t a l da filosofia
moral e da teologia cristã. A questão real não versa sobre a
liberdade da vontade, e sim sobre a liberdade do homem em
determinar-se ou em escolher. E óbvio que somos livres se temos
a liberdade de nos determinarmos como nos convém, isto é,

381
Capítulo 15

segundo nos parece b e m , t o m a n d o t u d o em consideração.

3. Como classificar as principais faculdades da alma humana,


e quais constituem a sede da nossa natureza moral?
I o . As intelectuais. Esta classe abrange todas as faculdades
que de modos diversos concorrem para o exercício da função
geral do conhecimento; são elas a razão, a imaginação, os
sentidos corporais e o sentido moral (quando considerado como
simples fonte de conhecimento dando parte ao entendimento).
2 o . As emocionais. Esta classe abrange todos os sentimentos
que de a l g u m m o d o a c o m p a n h a m o exercício das o u t r a s
faculdades.
3 o . A vontade.
N o t a r - s e - á que as f u n ç õ e s da c o n s c i ê n c i a e n v o l v e m
faculdades que pertencem em parte à primeira classe e em parte
à segunda. (Veja abaixo, Perg. 5.)
Pergunta-se muitas vezes: qual de nossas faculdades é a
sede da nossa natureza moral? Pois bem, embora haja um
sentido em que todas as questões morais concernem à relação
dos estados ou atos da vontade com a lei de Deus revelada na
consciência, e nos quais, em conseqüência, a v o n t a d e e a
consciência são proeminentemente o f u n d a m e n t o da natureza
m o r a l do h o m e m , n ã o o b s t a n t e é v e r d a d e q u e t o d a s as
faculdades da alma h u m a n a , como acima classificadas, estão
em exercício em todas as distinções morais; por exemplo, o
intelectual na percepção e no julgamento; o emocional quando
experimentamos prazer ou desprazer; a vontade está operando
q u a n d o escolhemos ou rejeitamos, e quando agimos. Cada
estado ou ato, pois, de q u a l q u e r das f a c u l d a d e s da a l m a
h u m a n a , quer diga respeito ao julgar, quer ao escolher ou
recusar ou desejar a respeito de qualquer questão p u r a m e n t e
moral, ou do sentimento que lhe corresponda, é um ato ou um
estado moral, e assim, todas as faculdades, consideradas em
suas relações com a d i s t i n ç ã o e n t r e o b e m e o mal, são
faculdades morais.

382
A Constituição..

4. Que é a vontade?
O t e r m o " v o n t a d e " é e m p r e g a d o m u i t a s vezes p a r a
designar a simples faculdade da volição, mediante a qual a
alma escolhe, ou se recusa, ou se d e t e r m i n a a agir, designando
t a m b é m o exercício dessa faculdade. É empregado também
em sentido lato, e é neste que o emprego aqui, para incluir a
faculdade da volição junta com todos os estados espontâneos
da alma (que Sir William H a m i l t o n , emLectures on Metaphys-
ics, Lect. 11, chama faculdades de conação, excitativas, procu-
rantes, e que possuem, como característica c o m u m , " u m a
tendência para a realização do seu fim"), as disposições, os
afetos, os desejos, que d e t e r m i n a m o h o m e m no exercício da
sua livre faculdade da volição. Devemos lembrar-nos, porém,
de que estes dois sentidos da palavra " v o n t a d e " são essencial-
/

m e n t e distintos. E necessário que se distinga essencialmente


entre a vontade, como incluindo todas as faculdades de conação
(as disposições e os desejos), e a faculdade singela da alma,
cuja operação tem como resultado uma volição, isto é, u m a
escolha ou um ato que está de acordo c o m o seu desejo
prevalecente. r •->r *•>»»• •
O termo " v o n t a d e " é utilizado no sentido extenso neste
capítulo. O h o m e m é p e r f e i t a m e n t e livre nas suas deter-
minações,* isto é, exerce sempre a sua volição em conformi-
d a d e c o m a disposição ou c o m o desejo da v o n t a d e que

* Parece necessário ao tradutor advertir aqui ao leitor de que, na tradução


do inglês para o português de uma discussão como esta sobre a vontade,
encontra-se uma dificuldade peculiar, devida à falta, na língua portuguesa,
de um verbo que corresponda exatamente ao substantivo "vontade". No
inglês, the will é a faculdade da alma que chamamos vontade; "to will" é o
verbo correspondente, do qual não temos sinônimo preciso em português.
Portanto, o tradutor vê-se obrigado a empregar o verbo "determinar-se" (ou
seu correspondente substantivo verbal, "determinação") como tradução de
to will, embora longe esteja de ser sinônimo do verbo inglês. Com esta
explicação talvez se tornem menos difíceis de entender certas partes deste
capítulo. Nota d o tradutor. . e i .a .

383
Capítulo 15

prevalece no m o m e n t o da volição. Esta é a m a i o r de todas as


liberdades, e a única que condiz com a racionalidade e com a
responsabilidade moral.

5. Como se define o termo volição?


Pela expressão " f a c u l d a d e da v o l i ç ã o " e n t e n d e m o s a
faculdade executiva da alma, a faculdade de escolher ou de
autodecidir-se; e pelo termo "volição" entendemos o exercício
dessa faculdade em qualquer ato de escolha ou de autodecisão.

6. Que é a consciência?
A c o n s c i ê n c i a , c o m o f a c u l d a d e , c o m p r e e n d e (a) um
sentido ou u m a intuição moral, um poder de discernir entre o
bem e o mal, poder que, em combinação com o e n t e n d i m e n t o ,
ou seja, com a faculdade de comparar e julgar, faz o juízo
quanto a serem bons ou maus os nossos atos livres e as nossas
disposições morais, e também as disposições morais e os atos
voluntários de outros agentes livres, (b) Esta faculdade julga
segundo u m a lei divina do bem e do mal, e essa lei se acha
dentro de si (é uma lei para si mesma, a lei original escrita no
coração, Rom. 2:14,15), e (c) está acompanhada de emoções
vivas, agradáveis à vista do que é bom, e penosas à vista do que
é mau, especialmente quando a nossa consciência está ocupada
em rever os estados ou as ações de nossa própria alma. Esta
faculdade c soberana em sua esfera, e não pode ter nada n e m
ninguém superior que não seja a Palavra revelada de Deus.
Veja McCosh, Divine Government, Livro 3, Cap. 1, sec. 4.

7. Quais as verdadeiras provas pelas quais se pode determinar


a qualidade moral de qualquer ato ou estado mental?
As ú n i c a s v e r d a d e i r a s provas da q u a l i d a d e m o r a l de
qualquer ato ou estado são: I a . A Palavra inspirada de Deus, e
2 a . Os juízos espontâneos, práticos e universais dos homens.
Os juízos morais dos homens, assim como todos os nossos
juízos intuitivos, são dignos de confiança somente q u a n d o

384
A Constituição..

dizem respeito a juízos categóricos e individuais. As propo-


sições a b s t r a t a s e g e n e r a l i z a d a s q u e se p o d e d e r i v a r p o r
abstração e por generalização desses juízos individuais, p o d e m
ser verdadeiras ou não, mas em caso algum p o d e m ser aceitas
c o m o base segura para a construção de um sistema de provas
sobre elas. M u i t a s vezes têm sido feitas absurdas tentativas de
d e m o n s t r a r o caráter moral ou amoral de algum princípio, por
meio de formulários gerais representando verdades parciais
expostas imperfeitamente, e por meio de outras considerações
a priori, ou falsas, absurdas, ou irrelevantes.

8. Em que classes se dividem os afetos espontâneos da alma,


e quais as características distintivas de cada classe?
Os desejos e afetos espontâneos da alma são de duas classes
distintas: I a . Os desejos e afetos animalescos, ou os que nascem
c e g a m e n t e , sem inteligência, e.g., os apetites e os afetos
instintivos. Esses não têm em si mesmos n e n h u m a qualidade
moral intrínseca, e só se tornam causas de ação moral q u a n d o
refreados ou satisfeitos d e s o r d e n a d a m e n t e . 2 a . Os afetos e
desejos racionais, despertados por objetos apreendidos pelo
intelecto.

9. Quais os afetos racionais e espontâneos que possuem qualidade


moral, e a que essa qualidade é inerente?
Os afetos racionais e espontâneos são intrínseca e essencial-
m e n t e ou bons, ou maus, ou m o r a l m e n t e indiferentes, e sua
qualidade moral depende daquela dos objetos pelos quais são
atraídos. São b o n s ou m a u s ou m o r a l m e n t e i n d i f e r e n t e s
c o n f o r m e sejam bons ou maus ou indiferentes os seus objetos.
Sua qualidade moral, seja qual for, lhes é intrínseca. Q u a n d o
são bons, todos os homens os consideram dignos de aprovação,
e q u a n d o são maus, todos os h o m e n s os consideram dignos de
condenação e de justa indignação, por causa da sua natureza
essencial de b o n s ou maus, e sem levar em conta, de m o d o
algum, a sua origem. Quando são bons, esses afetos espontâneos

385
Capítulo 15

d e t e r m i n a m as volições para o b e m , e q u a n d o são m a u s ,


d e t e r m i n a m - n a s para o mal.

10. A que é que aplicamos a designação de "princípios ou


disposições permanentes" da alma? Quando é que eles possuem
caráter moral, e donde provém esse caráter?
Existem na alma, subjacentes a seus estados e afetos
passageiros, certos hábitos ou disposições permanentes, que
e n v o l v e m u m a t e n d ê n c i a o u u m a f a c i l i d a d e para c e r t a s
espécies de operações. Alguns desses hábitos ou disposições
são inatos, outros são adquiridos. Constituem o caráter do
homem e são a base, o fundamento, para todas as suas sucessivas
operações dos sentimentos, afetos, desejos, volição e ação. Até
o n d e são bons, o h o m e m é bom e boas são as suas ações; e até
onde são indiferentes moralmente, isto é, dizem respeito a
objetos m o r a l m e n t e indiferentes, as ações que deles nascem
t a m b é m são indiferentes moralmente. O caráter moral dessas
tendências morais inerentes à alma é intrínseco e essencial.
São as tendências finais da própria alma, e sua b o n d a d e ou
maldade é um fato final da consciência.

11. Como se demonstra que os atos do intelecto podem ter caráter


moral?
Em suas operações, o intelecto está de tal modo envol-
vido com os afetos e emoções morais que os seus juízos e
opiniões a respeito de todas as questões morais também têm
caráter moral. O h o m e m é responsável por seus juízos morais,
e t a m b é m por suas crenças e sentimentos morais, por serem
todos determinados imediatamente pelo estado geral ou pelo
caráter moral da alma. Q u e m está cego para a excelência mo-
ral ou para a fealdade do pecado é condenado por todas
as consciências esclarecidas. As Escrituras p r o n u n c i a m "ai"
sobre aqueles "que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que
fazem da escuridade luz, e da luz escuridade" - Is. 5:20;
e c h a m a m ao pecado "cegueira" e "estultícia" - 1 João 2:11;

386
A Constituição...

Ef. 4:18; Apoc. 3:17; Mat. 23:17; Luc. 24:25.

12. Quais as condições essenciais da responsabilidade moral?


P a r a q u e o h o m e m seja r e s p o n s á v e l m o r a l m e n t e é
necessário que ele seja um agente livre, moral e racional (veja
a resposta à pergunta antecedente). Veja: I o . É necessário que
esteja de posse real da sua razão, para distinguir a verdade da
m e n t i r a . 2 o . Q u e t e n h a em operação um senso moral para
distinguir o bem do mal. 3 o . Que sua vontade, em suas volições
ou atos executivos, tenha capacidade real de autodecisão, isto
é, seja d e t e r m i n a d a p o r seus p r ó p r i o s a f e t o s e d e s e j o s
espontâneos. Faltando qualquer destes requisitos, o h o m e m
está louco e não é n e m livre nem responsável.

13. Será que se pode dizer que a consciência é indestrutível e


infalível?
/

E possível tornar latente e perverter virtualmente, isto é,


q u a n t o a seus efeitos e f e n ô m e n o s , e t e m p o r a r i a m e n t e , a
consciência, que é o órgão da lei de Deus na alma. Por conse-
guinte, neste sentido fenomênico, ela não é n e m indestrutível
n e m infalível. No entanto, se o sentido moral for considerado
s i m p l e s m e n t e em si mesmo, é infalível; e se pudéssemos ler a
h i s t ó r i a i n t e i r a do h o m e m mais p e r v e r s o que já existiu,
veríamos que a consciência é verdadeiramente indestrutível.
OBSERVE:
I o . Q u a n t o à sua indestrutibilidade. Nas crianças a
consciência, como todas as demais faculdades da alma, não
está desenvolvida, e nos selvagens o está m u i t o imperfeita-
m e n t e ; t a m b é m , depois de contrair o hábito de não prestar
atenção à voz da sua consciência e de violar a sua lei, o pecador
i n d i v i d u a l em m u i t o s casos fica entregue judicialmente à
indiferença moral; sua consciência se torna latente tempo-
r a r i a m e n t e . Ao m e s m o t e m p o , é certo q u e ela n u n c a é
destruída, p o r q u e - (1) Muitas vezes desperta com u m a ener-
gia terrível no coração dos réprobos mais endurecidos, nas

387
Capítulo 15

agonias do remorso. (2) Porque esse remorso ou consciência


a c u s a d o r a c o n s t i t u i o t o r m e n t o essencial das a l m a s dos
perdidos. Este é o bicho que rói e n u n c a morre. Se não fora
assim, o seu castigo perderia o seu caráter moral.
2 o . Q u a n t o à sua infalibilidade. No ato pelo q u a l a
consciência julga estados ou atos morais acha-se envolvida a
ação c o n j u n t a do e n t e n d i m e n t o e do s e n t i d o m o r a l . O
e n t e n d i m e n t o é sempre falível, especialmente quando afetos e
desejos depravados influem em sua ação. Assim, de fato, a
consciência está c o n s t a n t e m e n t e d a n d o decisões errôneas,
devido a um mau juízo dos fatos e relações do caso, e esse juízo
errôneo pode ser causado por u m a propensão egoística, sen-
sual ou maligna. Daí existirem consciências enganadoras, como
t a m b é m c o n s c i ê n c i a s l a t e n t e s . A p e s a r disso, p o r é m , o
s e n t i m e n t o de que há u m a distinção entre o bem e o mal é
u m a lei eterna para o próprio ser moral, é indestrutível m e s m o
nos corações mais depravados, e assim como não pode ser
destruído tampouco pode ser mudado. Quando despertado para
agir, e não sendo enganado quanto ao verdadeiro estado do
caso em foco, sua linguagem é sempre a mesma. Veja McCosh,
Divine Government, Livro 3, Cap.2, Sec. 6, e Dr. A. Alexander,
Moral Science, Caps. 4 e 5.

14. Qual a natureza essencial da virtude?


"A virtude é u m a qualidade peculiar a" certos estados da
vontade, isto é, disposições permanentes ou afetos temporários
da vontade, e a "certas ações voluntárias de um agente moral,
qualidade que é percebida pela faculdade moral de que todo
h o m e m é dotado, e a percepção da qual é acompanhada de
u m a emoção que é diversa de todas as demais emoções, e é
chamada moral" - Dr. A. Alexander, Moral Science, Cap.26.
A essência da virtude é que obriga a vontade. Se u m a coisa
é m o r a l m e n t e boa, deve ser feita. A essência do mal moral é
que intrinsecamente merece desaprovação, e o agente merece
castigo.

388
A Constituição..

Este ponto é de grande importância, p o r q u e é aqui que


muita filosofia falsa perverte m u i t a s vezes a verdade, e p o r q u e
esta é a ú n i c a teoria, q u a n t o ao b e m m o r a l , q u e está em
c o n f o r m i d a d e c o m a d o u t r i n a b í b l i c a de r e c o m p e n s a s e
castigos, e sobretudo com a da propiciação realizada por Cristo.
A idéia de virtude é que se trata de u m a intuição simples
e final; a tentativa de analisá-la a destruiria. O que é b o m é
b o m p o r q u e é b o m . E sua própria razão suprema. Tem sua
n o r m a na natureza imutável de Deus.

15. Que é que constitui um caráter virtuoso ou vicioso?


A v i r t u d e , c o m o d e f i n i d a na u l t i m a resposta acima,
perrence somenre à vonrade do h o m e m (incluindo nela rodas
as faculdades conativas), e I o . A sua disposição p e r m a n e n t e .
2°. A seus afetos. 3 o . A suas volições. Alguns desses estados e
atos da vontade não são morais, isto é, não são n e m aprovados
n e m condenados como virtuosos ou viciosos pela consciência.
Mas virtude ou vício pertence só aos estados morais da alma e
a atos voluntários. Caráter virtuoso é, portanto, aquele em que
as disposições permanentes, os afetos e desejos temporários e
as volições da alma estão em harmonia com a lei divina.
Vicioso, porém, é o caráter em que esses estados e atos da
vontade não estão em h a r m o n i a com a lei divina.
Os atos de volição serão virtuosos ou viciosos segundo
forem os afetos ou desejos que os determinarem. Os afetos e
desejos são c o m o as disposições p e r m a n e n t e s , ou c o m o o
caráter. Este ú l t i m o é natureza da própria vontade, e é um fato
final e indissolúvel. Quer esse caráter seja inato, quer seja
adquirido pelo costume, o fato de a sua qualidade moral ser
virtuosa ou viciosa permanece o mesmo, e a responsabilidade
moral que pesa sobre o agente por seu caráter não m u d a .
Devemos estar lembrados de que o fato de que alguém
tem u m a consciência que aprova o b e m e condena o mal, e de
que ele experimenta emoções mais ou m e n o s vivas e penosas
ou agradáveis q u a n d o condena ou aprova, não torna o caráter

389
Capítulo 15

virtuoso; p o r q u e neste caso os próprios demônios e as almas


perdidas seriam m u i t o virtuosos. Mas o h o m e m virtuoso é
aquele cujo coração e cujos atos, na linguagem das Escrituras,
ou cujas disposições, afetos e volições, na linguagem dos filósofos,
estão em h a r m o n i a com a lei de Deus.

16. Quais as duas formas da teoria utilitária da virtude?


Aprimeira, e inferior, é a que sustenta que a virtude consiste
do desejo inteligente de felicidade. Diz o Dr. N. W. Taylor:
" N a d a é b o m senão a felicidade e os meios de adquiri-la, e
nada é mau senão a miséria e seus meios".
A segunda e superior forma da teoria utilitária da virtude
é a que a faz consistir de benevolência desinteressada, e que
afirma que todo pecado é uma forma de egoísmo. Já se mostrou,
nos capítulos 8 e 12, como se verá também no capítulo 18, que
esta teoria é defeituosa e, por isso, falsa.

17. Em que sentido afirmamos que o homem é agente livre?


Respondemos explicando:
I o . Que, sendo espírito, origina ação. A matéria age só na
medida em que se atua sobre ela. O h o m e m age por sua própria
força ativa.
2 o . Que, embora seja possível obrigar um h o m e m , pelo
medo, a determinar-se a fazer e também a fazer efetivamente
muitas coisas que não se determinaria a fazer nem faria de fato
se não fosse o medo, contudo, n u n c a poderá ser forçado a
d e t e r m i n a r - s e no s e n t i d o em que ele m e s m o não q u e i r a
determinar-se, à vista de todas as circunstâncias do caso Qie
never can be made to will what he does not himself desire to will -
literalmente: ele nunca poderá ser levado a querer o que ele
próprio não deseja querer).
3 o . Que ele é dotado de u m a razão para distinguir entre o
verdadeiro e o falso; e de u m a consciência, órgão de u m a lei
moral inata, para distinguir entre o b e m e o mal, para que os
seus desejos não somente sejam racionais, mas também retos.

390
A Constituição.

H, c o n t u d o , os seus desejos n ã o são necessariamente n e m


racionais n e m retos, porém se f o r m a m sob a luz da razão e da
consciência, ou de conformidade com elas ou contrários a elas,
segundo as disposições permanentes e habituais do h o m e m ,
isto é, segundo o seu caráter.

18. Como se pode mostrar que este atributo da natureza humana


é inalienável?
E conceito geral que um h o m e m está livre na sua deter-
m i n a ç ã o q u a n d o se d e t e r m i n a de c o n f o r m i d a d e com as
disposições e desejos que nele prevalecem n u m dado momento.
Pode ser que o juízo do h o m e m esteja enganado, que as suas
ações sejam constrangidas, mas a sua vontade énecessariamente
livre porque, se é realmente sua vontade, é como ele deseja que
seja, no estado atual do seu espírito, e tomadas em consideração
todas as circunstâncias do caso.
Segue-se que as volições são livres por sua própria essência,
quer o agente d e t e r m i n a n d o ou o ato determinado seja de b o m
senso quer não o seja, quer seja b o m quer mau.

19. Acaso não ensinam as Escrituras que o homem está


escravizado à corrupção, e que perdeu a sua liberdade?
Como acima demonstramos, o h o m e m é sempre livre em
suas volições responsáveis, tanto quando escolhe o que é contra
a lei de D e u s e da consciência, c o m o q u a n d o escolhe de
conformidade com essa lei. Contudo, no caso das criaturas não
caídas e dos h o m e n s santificados p e r f e i t a m e n t e , o estado
p e r m a n e n t e da vontade, os afetos e os desejos voluntários (o
coração, na linguagem bíblica) estão em h a r m o n i a com a luz
da razão e com a lei interior da consciência, e t a m b é m com a
lei exterior de D e u s que temos na revelação objetiva. Não há
conflito de princípios dentro da alma, e a lei de Deus, em vez
de constranger a vontade por meio de seus m a n d a m e n t o s e
ameaças, recebe obediência espontânea. Esta é "a liberdade
dos filhos de D e u s " ; e a lei torna-se a "lei real" (Tia. 2:8) da

391
Capítulo 15

liberdade q u a n d o a lei que está no coração do súdito corres-


p o n d e perfeitamente à lei do Governador moral.
No caso dos anjos e dos h o m e n s decaídos, p o r é m , as
disposições d o m i n a n t e s da v o n t a d e o p õ e m - s e à razão, à
consciência e à lei de D e u s ; e em geral se diz que o agente,
apesar de ser livre, p o r q u e se determina como lhe apraz, está
sob a escravidão de u m a natureza má, e que "é escravo do
pecado" p o r q u e é impelido por suas disposições corrompidas
a escolher aquilo que vê e sente que é prejudicial, e p o r q u e as
ameaças da lei de D e u s t e n d e m a constranger a vontade pelo
medo.
As Escrituras não ensinam que o h o m e m irregencrado não
é livre em seu p e c a d o , p o r q u e , n e s t e caso, ele n ã o seria
responsável. Mas o contraste entre a liberdade dos regenerados
e a escravidão dos irregenerados deve-se ao fato de que nos
regenerados os desejos e tendências habitualmente dominantes
não estão em conflito com os ditames da consciência e da lei
de Deus. Os não regenerados, considerados psicologicamente,
são livres q u a n d o pecam, porque se determinam do m o d o que,
t u d o considerado, lhes apraz; p o r é m , considerados teologica-
m e n t e em sua relação para com a lei de Deus, aprovada pela
r a z ã o e pela c o n s c i ê n c i a , p o d e - s e d i z e r q u e estão sob a
escravidão dos m a u s desejos e disposições de seu p r ó p r i o
coração, que eles vêem que é mau e insensato, mas que, apesar
disso, são incapazes de mudar.

20. Qual a distinção entre liberdade e capacidade?


A liberdade consiste cm poder um agente determinar-se
como lhe apraz, por ser a volição determinada somente pelo
caráter do agente determinante. A capacidade consiste em
poder um agente m u d a r seu próprio estado subjetivo, fazer-se
preferir aquilo que não prefere, e agir n u m dado caso em
oposição aos desejos e preferências coexistentes do coração e
do próprio agente.
Assim, pois, o h o m e m é tão verdadeiramente livre depois

392
A Constituição..

da Queda como o era antes dela, p o r q u e se d e t e r m i n a c o m o


^ apraz ao seu mau coração. Entretanto perdeu toda a capacidade
i de obedecer à lei de Deus, p o r q u e o seu m a u coração n ã o está
sujeito a essa lei, n e m p o d e o h o m e m mudá-lo.

21. Como definem liberdade Tunetino e o presidente Edwards?


Turretino, L. 10, Quais. 1- "Achando-se na alma só três
coisas junto com sua essência, a saber, faculdades, hábitos e
atos, a vontade (arbitrium) é c o m u m e n t e considerada como um
ato da mente; mas aqui não significa p r o p r i a m e n t e n e m um
ato n e m um hábito que se possa separar do h o m e m individual
e que o determina t a m b é m no sentido de u m a de pelo m e n o s
duas coisas contrárias; porém significa uma faculdade, todavia
não u m a faculdade vegetativa ou sensual e c o m u m a nós e aos
irracionais, na qual não haveria lugar n e m para a virtude n e m
para o vício, e sim u m a faculdade racional, cuja posse certa-
m e n t e não nos torna n e m bons n e m maus, mas por meio de
cujos estados e ações somos capazes de nos tornar ou b o n s ou
maus."
Quass. 3 - "Não consistindo, pois, na indiferença a natureza
essencial da liberdade, não se p o d e achar em outro p r i n c í p i o
que não seja no desejo ou prontidão racional (lubentia rationali)
em virtude da qual o homem faz aquilo que prefere ou se
determina a fazer conforme um juízo prévio da razão (facit
quod lubetpravio rationis judicio). Segue-se que dois elementos
juntos são necessários para constituir esta liberdade. (1) Io
proaireticon (o propósito), de m o d o que aquilo que se faz não é
d e t e r m i n a d o por um certo impulso cego e brutal, e sim ek
proaireseos, e conforme a razão previamente iluminada e um
juízo prático do intelecto. (2) Io ekousion (o espontâneo), de
m o d o que aquilo que se faz é d e t e r m i n a d o e s p o n t â n e a e
livremente, e sem constrangimento."
O p r e s i d e n t e E d w a r d s , On the Will, Sec. 5, d e f i n e a
l i b e r d a d e como "o poder, o p o r t u n i d a d e ou v a n t a g e m que
qualquer pessoa tem para agir como lhe apraz".

393
Capítulo 15

22. Quais os dois sentidos em que se emprega a palavra motivo,


como influindo sobre a vontade? E qual o sentido em que é verdade
que a vontade está sempre em conformidade com o motivo mais
forte?
I o . Um motivo para agir pode ser alguma coisa que se
acha fora da alma, como sejam o valor do dinheiro, os desejos
de um amigo, a sensatez ou a insensatez, a b o n d a d e ou a
malvadez de um ato considerado em si mesmo, ou os apetites
ou impulsos do corpo. Neste sentido é evidente que os h o m e n s
nem sempre agem segundo o m e s m o ou o melhor motivo.
Aquilo que atrai uma pessoa pode repelir outra, ou a pessoa
pode repelir a força atrativa de um motivo externo pela força
superior de alguma consideração tirada de dentro da própria
alma. Assim, pois, é verdadeiro o dito: "E o h o m e m que faz o
motivo, não o motivo que faz o h o m e m " .
2 o . Um motivo para agir pode ser o estado de â n i m o do
próprio h o m e m , isto é, o desejo ou a aversão à vista do objeto
exterior; ou seja, motivo no p r i m e i r o sentido. E evidente que
este m o t i v o i n t e r n o influi n e c e s s a r i a m e n t e na volição, e
igualmente evidente é o fato de que isso de modo algum torna
o h o m e m menos livre em sua autodeterminação, p o r q u e o
motivo interno é nada mais que o h o m e m mesmo desejando
ou recusando, segundo a sua própria disposição ou o seu caráter.

23. Não seria possível que haja ao mesmo tempo na mente


diversos desejos ou motivos internos contrários? E, quando é este o
caso, como fica determinada a vontade?
Muitas vezes sucede que há na m e n t e ao m e s m o tempo
desejos ou afetos impelindo em sentidos contrários, e nestes
casos o desejo mais forte, ou o grupo mais forte de desejos que
p u x e m n u m m e s m o sentido, determina a volição. Aquele que
é o mais forte fica manifesto somente pelo resultado, e não
pela intensidade do sentimento que desperta ou move. Alguns
desses motivos internos, como, e. g., a sede de vingança, são
m u i t o vivos, e outros, como, e. g., o sentimento do dever, são

394
A Constituição..

m u i t o calmos, e, c o n t u d o , o m o t i v o c a l m o m u i t a s vezes
manifesta-se como o mais forte e atrai a vontade para o seu
lado. Mas isso d e p e n d e do caráter do agente. É este conflito
interno de princípios opostos que constituem a luta da vida
cristã. E é esta m e s m a experiência que ocasiona grande parte
dessa confusão de consciência que se encontra entre os h o m e n s
a respeito do problema da vontade e das condições da agência
livre (ou do sujeito da ação). Muitas vezes os h o m e n s agem em
oposição a certos motivos que têm, porém nunca sem motivos;
e o motivo que afinal determina a vontade n u m dado caso pode
b e m ser o motivo m e n o s claramente apreendido pelo intelecto
e o que se manifesta menos vivamente nos sentimentos. Este é
o caso especialmente das surpresas súbitas e das coisas de pouca
i m p o r t â n c i a ; pois nestes a volição é d e t e r m i n a d a constante-
m e n t e e quase a u t o m a t i c a m e n t e por impulsos vagos ou pela
força do costume. N ã o obstante, se em qualquer caso refletir-
m o s b e m em t u d o o que se passou em nossa m e n t e na ocasião
em que d e c i d i m o s fazer alguma coisa, descobriremos que
determinamos fazer aquilo à luz de todas as circunstâncias que
o nosso e n t e n d i m e n t o nos apresentou a respeito do caso.

24. Se o estado mental imediatamente anterior ao ato da vontade


determina com certeza esse ato, como pode ser livre esse ato, se foi
determinado assim com certeza?
Esta objeção baseia-se unicamente na confusão das duas
idéias inteiramente distintas da liberdade da vontade, como
u m a faculdade abstrata, e da liberdade do h o m e m que exerce
a vontade. O h o m e m n u n c a é d e t e r m i n a d o a querer ou a
determinar-se por alguma coisa que esteja fora de si mesmo.
E ele m e s m o quem dá livremente e segundo o seu próprio
caráter, às circunstâncias externas que sobre ele influem, todo
o peso que possuem. Mas, por outro lado, o mero ato de volição,
considerado em abstrato, é determinado pelo estado mental,
moral e emocional do h o m e m no m o m e n t o em que se decide.
Sua liberdade racional, com efeito, não consiste em alguma

395
Capítulo 15

incerteza quanto ao seu ato, e sim no fato de que a sua alma


inteira, como agente indivisível, inteligente, sensitivo e moral,
d e t e r m i n a seus próprios atos como lhe apraz.

25. Como se prova que a certeza de uma volição de modo algum


é incompatível com a liberdade do agente desse ato?
I o . Deus, Cristo e os santos na glória são todos eminente-
mente livres nas suas santas volições e ações e, contudo, nada
pode haver de mais certo do que o fato de que eles, d u r a n t e
toda a eternidade, determinar-se-ão segundo a retidão.
2 o . O h o m e m é agente livre, contudo é certo que, desde o
nascimento de u m a criança, se continuar a viver, pecará.
3 o . Deus, desde a eternidade, previu como certas todas as
ações livres, e as preordenou, ou tornou-as certas. Nas profecias
predisse muitas delas como certas. E na regeneração Seu povo
torna-se "feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras,
as quais Deus preparou (proetoimasen, preparou com antece-
dência, preordenou) para que andássemos nelas".
4 o . M e s m o nós, se tivermos perfeito c o n h e c i m e n t o do
caráter de um amigo, e de todas as circunstâncias sob as quais
ele age, poderemos muitas vezes ter plena certeza do m o d o
como ele agirá, m e s m o em nossa ausência. Esta é a base de
toda a fé h u m a n a , e, por isso, a de toda a sociedade h u m a n a .

26. Em que consiste a teoria da liberdade moral chamada


"Liberdade da Indiferença"Poder Autodeterminante da Vontade"
"Poder de Escolher o Contrário ", "Liberdade de Contingênciaetc.,
sustentada pelos arminianos e outros?
Esta teoria afirma que na idéia de agência livre acha-se
envolvido essencialmente o seguinte - I o . Que a vontade do
h o m e m em q u a l q u e r volição p o d e d e c i d i r - s e n ã o só em
oposição a todos os induzimentos externos, mas t a m b é m em
oposição a todos os juízos e desejos internos, e ao inteiro estado
inferior e coexistente do próprio h o m e m . 2 o . Que em todas as
suas volições livres o h o m e m está cônscio de que poderia ter

396
A Constituição..

se d e c i d i d o em s e n t i d o d i a m e t r a l m e n t e oposto, s e m q u e
h o u v e s s e alteração a l g u m a n e m n a s suas c i r c u n s t â n c i a s
exteriores n e m no seu estado interior. 3 o . Q u e todas as volições
livres são contingentes, isto é, incertas, antes do evento, porque
n ã o são d e t e r m i n a d a s por coisa a l g u m a que n ã o seja só e
u n i c a m e n t e a f a c u l d a d e de volição da p a r t e do a g e n t e -
Hamilton's "Reid", págs. 599-624.
A verdadeira teoria da certeza moral, p o r é m , é que a alma
é uma unidade; que a vontade não se determina a si mesma,
mas é o h o m e m que, q u a n d o determina, determina-se a si
m e s m o ; e que sua volição é determinada com certeza pelo
estado interno, racional, moral e emocional, tomado como um
todo, em que o h o m e m está no m o m e n t o em que se determina.
Em oposição à primeira destas duas teorias e a favor da
segunda, afirmamos -
I o . Que o caráter do agente determina com certeza o caráter
de s u a s ações l i v r e s , e q u e a c e r t e z a de um a t o n ã o é
incompatível com a liberdade do agente que o pratica. Veja
acima, Perg. 12.
2 o . Que as doutrinas cristãs da presciência (ou do pré-
-conhecimento), da preordenação, da providência e da regene-
ração divinas provam, todas elas, que as volições dos h o m e n s
n e m são incertas n e m i n d e t e r m i n a d a s . Q u a n t o às provas
bíblicas destas doutrinas, veja os respectivos capítulos.
3". Concordamos com os defensores da primeira teoria em
sustentar que em qualquer ato livre que praticamos estamos
cônscios de o podermos praticar ou deixar de praticar segundo
a nossa vontade. "Mas, ao mesmo tempo, sustentamos que não
estamos m e n o s cônscios de que essa convicção í n t i m a de
possuirmos o poder para não praticar o ato é condicional. Isto
é, estamos cônscios de que o ato poderia ter sido diferente se
outras e diversas opiniões, idéias ou sentimentos tivessem sido
presentes em nossa mente, ou se lhes tivéssemos dado seu peso
devido. Mas o h o m e m não pode preferir contra a sua pre-
f e r ê n c i a , ou escolher c o n t r a a sua escolha. Pode ter u m a

397
Capítulo 15

preferência n u m a ocasião e outra em ocasião diversa; e p o d e ,


ter em ação ao m e s m o tempo diversos sentimentos e princípios
opostos e em conflito mútuo, porém não pode ter ao m e s m o
t e m p o preferências opostas e em conflito m ú t u o . "
4 o . A teoria do "poder a u t o d e t e r m i n a n t e da v o n t a d e "
considera a faculdade da vontade ou da volição como isolada
das outras faculdades da alma, como um agente i n d e p e n d e n t e
dentro de outro agente. Mas a alma é u m a unidade. Tanto a
;
consciência como as Escrituras ensinam que o h o m e m é um
agente livre e responsável. Desligando-se a faculdade de volição
das disposições e desejos morais, as volições não teriam mais
caráter moral; e desligando-se essa faculdade da razão, as j
!
volições n ã o teriam mais caráter racional. Se n ã o f o r e m
d e t e r m i n a d a s pelo estado interno do próprio h o m e m , serão
fortuitas e estarão fora do seu domínio. O h o m e m não poderá
ser livre, se a sua vontade estiver i n d e p e n d e n t e tanto da sua
inteligência e da sua razão como do estado do seu coração, e
não deverá ser tido c o m o responsável.

27. Por que o homem é responsável por suas ações externas, por
suas volições e por seus afetos e desejos? Como se prova que ele é
responsável por seus afetos?
O h o m e m é responsável por suas ações externas por serem
determinadas por sua vontade; é responsável por suas volições
por serem determinadas pelos princípios, sentimentos e desejos
do próprio h o m e m ; e é responsável por seus princípios, senti-
mentos e desejos por causa da sua natureza de bons ou maus, e
p o r q u e são dele e constituem o seu caráter.
As Escrituras ensinam e é o juízo universal dos h o m e n s
que "o h o m e m bom tira" ou produz " boas coisas do seu b o m
tesouro" e que "o h o m e m mau do mau tesouro tira coisas más".
Um ato deriva o seu caráter moral do estado do coração do
qual provém, e o h o m e m é responsável pelo estado do seu
coração, seja esse estado inato, ou f o r m a d o pela graça regene-
radora, ou adquirido.

398
A Constituição..

I o . P o r causa da n a t u r e z a o b r i g a t ó r i a d a q u i l o q u e é
m o r a l m e n t e b o m e p o r causa do desmerecimento do pecado.
2°. Porque os afetos e desejos do coração do h o m e m são
ele m e s m o a m a n d o ou recusando aquilo que é bom. É opinião
de todos que um h o m e m profano ou malévolo merece
desaprovação, seja qual for a causa que o leva a ser assim.

28. Como o Dr. D. D. Whedon expõe e contrasta a posição das


filosofias arminiana e calvinista?
Diz ele: "A esta máxima segundo a qual somos respon-
sáveis por nossas más volições, disposições ou natureza, seja
qual for o m o d o pelo qual as obtivemos, c o n t a n t o que as
possuamos realmente, nós (os merodistas) opomos esta ourra
m á x i m a segundo a qual,para que um agente seja responsável por
qualquer ato ou estado, é necessário que tenha poder de praticar o ato
contrário ou de produzir o estado contrário. Noutras palavras, o
poder é a base da responsabilidade". A única limitação que ele
admite é o caso de u m a incapacidade produzida voluntaria-
m e n t e pelo próprio agente. Esta, acrescenta ele, é u m a máxima
f u n d a m e n t a l segundo a qual se deve decidir todos os pontos
em discussão entre o a r m i n i a n i s m o e o calvinismo.

29. Como se pode mostrar que essa teoria arminiana leva a


conseqüências incompatíveis com o evangelho, e que a teoria calvinista
é verdadeira?
O Dr. W h e d o n admite que Adão, depois da sua queda,
perdeu toda a capacidade de obedecer à lei de Deus, e que era
responsável por essa incapacidade e por todas as suas conse-
qüências, porque, tendo sido criado com plena capacidade,
perdeu-a por seu próprio ato livre. A d m i t e também que cada
filho de Adão nasce com uma natureza corrompida e destituída
de capacidade de obedecer à lei de Deus. Nega, porém, que
u m a criança seja responsável ou punível p o r essa incapacidade
ou por qualquer ação pecaminosa que dela resulte, porque veio
sobre ela, sem culpa da sua parte, pelo pecado de Adão. A

399
Capítulo 15

título de justa compensação, p o r é m , pelo grande i n f o r t ú n i o


de serem pecadores inocentes, o Dr. W h e d o n afirma que D e u s
em C r i s t o dá a t o d o s os h o m e n s graça s u f i c i e n t e e, p o r
conseguinte, capacidade, advinda dessa graça, de obedecer à
lei evangélica. Se um h o m e m fizer uso da capacidade advinda
dessa graça, será salvo e sua fé e obediência evangélica lhe serão
imputadas como justiça perfeita; se, porém, não fizer uso dessa |
capacidade advinda da graça, será condenado como responsável
por esse abuso (ou mau uso) da capacidade, e, por isso, como
responsável t a m b é m por todos os seus sentimentos e ações
p e c a m i n o s a s , e pela i n c a p a c i d a d e s u b s e q ü e n t e em q u e
r e d u n d a esse abuso.
Respondemos que dessa teoria a r m í n i a n a segue-se:
I o . Q u e a salvação alcançada para nós por Cristo não foi
o b r a da g r a ç a l i v r e , e s i m u m a c o m p e n s a ç ã o t a r d i a e
incompleta concedida aos homens pelos males imerecidos que
em conseqüência do pecado de Adão vieram sobre eles ao
nascerem.
2 o . A "graça" concedida a todos é tão necessária para tornar
os pecadores puníveis como o é para salvá-los. Assim, pois,
s e g u n d o este p r i n c í p i o , a graça, t o r n a n d o os h o m e n s
responsáveis, porque opera neles a sua capacidade, envia para
o i n f e r n o maior n ú m e r o de almas do que leva para o céu
m e d i a n t e a fé em Cristo.
3 o . Não sendo responsáveis pela culpa original, e por isso
não puníveis, os que m o r r e m na infância vão para o céu em
virtude do seu direito natural.
Sustentamos, pelo contrário, que todo h o m e m , a não ser
que seja um louco, é responsável pelos seus afetos, desejos e
disposições morais, seja qual for a sua origem; e que este é um
fato final da consciência, confirmado pelas Escrituras e pelo
juízo universal dos homens. Um ato deriva seu caráter moral
do estado do coração de onde origina, mas o estado do coração
não adquire do ato o seu caráter moral; pois a qualidade moral
do estado do coração lhe é inerente, e responsabilidade moral

400
A Constituição..

é inseparável de qualidade moral.


Assim é -
I o . Em conseqüência da natureza essencial do b e m e do
mal. A essência do bem, isto é, no sentido moralmente b o m , é
que deve ser - obriga a vontade. A essência do mal - daquilo
que é moralmente mau - é que não deve ser, que a vontade é
obrigada ao contrário e que o praticá-lo merece castigo.
2°. Porque os afetos e desejos morais de um h o m e m nada
mais são do que o h o m e m mesmo amando ou aborrecendo a
bondade. E opinião de todos os homens que um indivíduo
profano ou malévolo merece reprovação, sejam quais forem as

causas que o levam a ser assim. E o caráter e não a origem da
disposição moral do coração que é a questão verdadeira. Cristo
disse: "O h o m e m bom do bom tesouro do seu coração tira o
bem, e o h o m e m mau do mau tesouro do seu coração tira o
m a l " - L u c . 6:45.

401
16

A Criação e o Estado Original do


Homem

1. Como provar que a raça humana teve origem num ato direto
de criação da parte de Deus?
I a . As Escrituras o afirmam explicitamente - Gên. 1:26;
2:7.
2 a . Esse fato acha-se implícito no abismo imensurável que
separa o homem no seu ínfimo estado brutal da ordem mais
próxima da criação inferior, indicando uma superioridade
maravilhosa quanto às qualidades em que o homem e os ani-
mais irracionais são comparáveis, e uma diferença absoluta de
espécie quanto à natureza intelectual, moral e religiosa do
homem e à sua capacidade para um progresso irrestrito. Mesmo
o Prof. Huxley, que sustenta temerariamente uma posição
extrema a respeito das relações anatômicas do homem para
com os animais inferiores, admite que quando se toma em
consideração a natureza superior do homem, existe entre ele e
os irracionais mais próximos "um abismo enorme, uma
divergência imensurável e praticamente infinita" - Primeval
Man, de autoria do Duque de Argyle.
3a. Está implícito no fato revelado nas Escrituras e realizado
na história que o homem estava destinado a exercer domínio
universal sobre todas as outras criaturas e sobre o sistema da
natureza. Não podia, pois, ser um mero produto da natureza,
um de uma série de entes coordenados.
4 a . Está implícito no fato de serem os homens chamados

402
Criação e Estado Original

"filhos de Deus" e de serem tratados como tais no sistema


inteiro da providência e da redenção. A natureza moral e
religiosa do h o m e m t a m b é m dá t e s t e m u n h o disso univer-
salmente, e tanto mais quanto mais se acham esclarecidos e
desenvolvidos esses elementos da sua natureza. E essa verdade
foi assinalada proeminentemente pela união pessoal da nossa
natureza com a Deidade.
/

E óbvio que, sendo transmitidos por descendência natural


tanto as naturezas e os hábitos intelectuais, morais, religiosos
e sociais dos homens, como o é a sua estrutura anatômica, não
somente é u m a arbitrariedade mas é t a m b é m um absurdo
tomar em consideração apenas esta e deixar de considerar
aqueles, n u m a investigação científica da origem do homem,
ou do seu lugar e das suas relações na ordem da natureza.

2. Como expor o estado atual da questão da antigüidade da


raça humana?
I o . As Escrituras e todos os resultados seguros da ciência
moderna ensinam acordemente que o h o m e m foi o último de
todos os seres organizados que apareceram na terra. Não foi
introduzida n e n h u m a espécie nova depois da introdução do
homem.
2 o . Os sistemas de cronologia bíblica geralmente aceitos
f o r a m d e d u z i d o s das indicações prima facie que nos são
conservados nos incompletos registros históricos e genealógicos
do período anterior a Abraão, contidos nos primeiros capítulos
de Gênesis. O sistema que indica o período mais curto,
deduzido por Usher do texto hebraico, põe a criação do homem
n u m a ocasião próxima de 4.000 anos antes do nascimento de
Jesus Cristo, ou de 6.000 anos da época atual. O sistema que
indica o período mais longo, deduzido por Hales e outros do
texto da Septuaginta e de Josefo, põe a criação do homem n u m a
ocasião próxima de 5.500 anos antes do nascimento de Jesus
Cristo, ou de 7.500 anos antes da época atual.
A respeito desses sistemas de cronologia, o Prof. W. H.

403
Capítulo 16

Green, D. D., de Princeton, diz (Pentateuch Vindicated, pág. 128)


- "Não devemos esquecer que há um elemento de incerteza
n u m a computação de tempo baseada em genealogias, como é
o caso em tão alto grau da cronologia sagrada. Quem nos poderá
certificar de que as genealogias antediluvianas e das gerações
anteriores a Abraão não foram condensadas do mesmo modo
que o foram as de gerações posteriores a Abraão? Se Mateus
omitiu alguns nomes dos avoengos do nosso Senhor Jesus Cristo
para tornar iguais os três grandes períodos que menciona, não
podia Moisés fazer o mesmo, a fim de apresentar sete gerações
de Adão até Enoque e dez de Adão até Noé? Nossa cronologia
c o m u m é baseada na impressão prima facie dessas genealogias.
A ela aderiremos enquanto não tivermos bons motivos para
abandoná-la. Mas, se as indicações recentemente descobertas,
da a n t i g ü i d a d e do h o m e m , a c u j o r e s p e i t o os c í r c u l o s
científicos se acham tão entusiasmados, demonstrarem, depois
de bem investigadas e p o n d e r a d a s , t u d o o que se t e n h a
imaginado que demonstram, qual seria o resultado? Demons-
trariam simplesmente que a cronologia popular se baseia numa
interpretação errada, e que um registro parcial das gerações
anteriores a Abraão foi por engano considerado registro
completo".
3 o . As pesquisas modernas têm trazido à luz uma soma
imensa e sempre crescente de provas de que a raça h u m a n a
existia na terra muitos séculos antes da data fixada para a
criação do h o m e m mesmo na cronologia deduzida do texto da
Septuaginta. As classes principais em que se pode dividir essas
provas são as seguintes:
(1) Nos m o n u m e n t o s egípcios têm-se descoberto pin-
turas etnológicas, m o s t r a n d o que todas as peculiaridades
divergentes dos tipos caucasiano e africano já se achavam
desenvolvidas completamente como eles estão agora, e isso
mais de 1.900 anos antes de Cristo. D u r a n t e todo o tempo
histórico n e n h u m a mudança de clima ou de costumes tem
produzido mudança apreciável em qualquer variedade da

404
Criação e Estado Original

raça h u m a n a e, por isso, devemos concluir que muitos séculos


e t a m b é m grandes mudanças foram necessários para produzir
tão grandes variações permanentes nos descendentes de um só
casal. O duque de Argyle diz m u i t o b e m : "Exatamente na
mesma proporção em que avaliamos a nossa fé na unidade da
raça humana, devemos estar prontos a aceitar quaisquer provas
da sua antigüidade. Quanto mais antiga se provar que a raça
h u m a n a é, tanto mais possível e provável será que ela descende
de um só casal" - Primeval Man, pág. 128.
(2) A filologia, ciência que estuda em grande amplitude
as línguas, prova que em tempos muito remotos deviam ter
vivido juntas e ter falado a mesma língua as nações que agora
falam línguas análogas, e que as nações e suas línguas se
dividiram no transcurso dos séculos em diversos ramos. Para
se desenvolverem, porém, tantos e tão diversos dialetos devem
ter sido necessários muitos e muitos séculos.
(3) A geologia, ciência que, entre outras coisas, estuda a
origem, a formação e as transformações sucessivas do globo
terrestre, tem descoberto restos de corpos humanos e de obras
de arte h u m a n a em depósitos de aluvião e cascalho, enterrados
f u n d o , e em cavernas e covas, junto com os restos de animais
de espécies desde há muito extintas, o que prova suficiente-
m e n t e que, depois da criação do h o m e m , grupos inteiros de
grandes quadrúpedes foram extintos; e também que o clima
da zona temperada do norte passou por uma transformação
revolucionária, e que a geografia física de todos os países
examinados a este respeito sofreu mudanças radicais depois
de criado o homem.

3. Como se pode provar a unidade da raça humana, e que


descende de um só casal?
Até o m o m e n t o em que escrevemos, Agassiz é o único
naturalista de primeira ordem que ensina que todas as diversas
espécies de variedades e seres organizados devem ter tido
origem independente e ter se propagado de países diversos.

405
Capítulo 16

Ele afirma, por conseguinte, que a raça h u m a n a é um gênero,


e que foi criado o r i g i n a r i a m e n t e em diversas variedades
específicas. A mesma teoria é sustentada com muita habilidade
n u m a obra recente que tem atraído a atenção na Inglaterra;
tem por título - The Genesis of the Earth and of Man.
Que o homem, genericamente diverso de todas as demais
criaturas, é de uma só espécie, prova-se -
1°. Pelas Escrituras - Atos 17:26; Rom. 5:12; 1 Cor.
15:21,22.
2 o . Pela propagação de Adão, pela i m p u t a ç ã o e pela
descendência, da culpa e da corrupção. O fato de ser Cristo o
Cabeça representativo do Seu povo, e de Sua obediência e Seus
s o f r i m e n t o s vicários, implica e s s e n c i a l m e n t e a u n i d a d e
absoluta da raça h u m a n a e sua descendência de um só casal.
3 o . A natureza moral e religiosa de todas as variedades da
raça h u m a n a é especificamente idêntica.
4 o . O mesmo fato é indicado geralmente pela história e
pela ciência chamada filologia comparativa.
5 o . No processo de domesticação de diversos ramos da
mesma espécie de animais irracionais, e. g., pombas e cães,
têm se verificado, como resultado, diferenças maiores do que
as que existem entre as diversas variedades da raça humana.
6 o . É fato admitido universalmente pelos naturalistas que
a união entre animais de espécies diversas nem sempre é fértil,
e que o produto de tal união raríssimas vezes pôde propagar-
-se - talvez nunca! Entre os homens, porém, por maior que
seja a diferença nas variedades a que os pais pertencem, isso
em nada influi no número de seus filhos, e estes, por sua vez,
podem propagar-se indefinidamente.

4. Como se pode mostrar que, segundo as Escrituras, a natureza


humana é composta de duas, e só duas, substâncias distintas? *

* Teoria chamada "dicotomia" ou "dicotômica", em oposição à tricotomia"


ou teoria "tricotômica". Nota de Odayr Olivetti.

406
Criação e Estado Original

As Escrituras ensinam que o h o m e m é composto de dois


elementos, chamados respectivamente em hebraico, grego,
latim e português, bãsãr, soma, corpus, corpo; e ruach, psychê,
pneuma, pnõe, dzõe, animus, mente, ânimo, alma, espírito. Isso
é claramente revelado:
1°. Na narrativa da criação - Gên. 2:7. O corpo foi formado
da terra e, então, Deus insuflou no h o m e m um sopro de vida,
e assim ele se tornou alma vivente.
2 o . No que se diz a respeito da morte, Ecl. 12:7, e do estado
da alma imediatamente depois da morte, enquanto os corpos
estão se corrompendo na terra - 2 Cor. 5:4-8; Fil. 1:23,24; Atos
7:59.
3 o . Em toda a linguagem usual das Escrituras são pos-
tulados esses dois elementos, e não são mencionados outros.

5. Como se pode expor a teoria daqueles que dizem que a nossa


natureza compreende três elementos distintos, e sua suposta base
bíblica?
Pitágoras, e depois dele Platão, e subseqüentemente os
filósofos gregos e romanos, sustentavam que o homem consiste
de três elementos constitutivos: o espírito racional, nous,
pneuma, mens; a alma animal, psychê, anima; e o corpo, soma,
corpus. Assim ficou sendo de uso vulgar essa divisão, e o
apóstolo Paulo adotou-a, empregando os três termos quando
queria designar em linguagem popular o h o m e m completo e
tudo o que lhe pertence como homem. "Todo o vosso espírito,
e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis
para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" - 1 Tess. 5:23; Heb.
4:12; 1 Cor. 15:44. Daí alguns teólogos tiram a conclusão de
que a doutrina segundo a qual a natureza h u m a n a é composta
de três elementos distintos é revelada na Palavra de Deus.

6. Como se pode refutar a teoria acima e mostrar que os termos


psychê e p n e u m a são empregadas no Novo Testamento como
sinônimas?

407
Capítulo 16

O uso que os apóstolos fizeram desses três termos prova


somente que empregaram palavras no seu sentido comum e
p o p u l a r para e x p r i m i r idéias divinas. A palavra pneuma
designa a alma, acentuando sua qualidade racional. A palavra
psychê designa a mesma alma, acentuando sua qualidade como
o princípio vital e animador do corpo. As duas são empregadas
juntas para designar em linguagem popular o h o m e m por
inteiro.
Não pode ser doutrina do Novo Testamento q u t pneuma e
psychê sejam duas coisas d i s t i n t a s , p o r q u e são trocadas
habitualmente uma pela outra, sendo muitas vezes empregadas
i n d i s t i n t a m e n t e . Assim, a palavra psychê, como t a m b é m
pneuma, é empregada para designar a alma como sede das
faculdades intelectuais e s u p e r i o r e s - M a t . 10:28; 16:26; 1 Ped.
1:22. E assim também a palavra pneuma é empregada, como
igualmente a palavra psychê, para designar a alma como o
princípio animador do c o r p o - T i a . 2:26. Pessoas falecidas são
chamadas indistintamente psychai, Atos 2:27,31; Apoc. 6:9;
20:4; epneumata, Luc. 24:37,39; Heb. 12:23.

7. Que ensinam os nossos livros normais e oficiais (isto é, os


nossos símbolos de fé) quanto ao estado em que o homem foi criado?
A Confissão de Fé, Cap. 4, § 2 , 0 Catecismo Maior, Perg. 17,
e o Breve Catecismo, Perg. 10, ensinam os seguintes pontos -
I o . Deus criou o h o m e m à Sua imagem; 2 o . Dotou-o de alma
racional e imortal, por sua vez dotada de conhecimento, justiça,
retidão e verdadeira santidade, e deu-lhe domínio sobre as
demais criaturas; 3 o . O homem foi criado com a lei de Deus
inscrita em seu coração e com o poder de cumpri-la, e, ao
mesmo tempo, sob a possibilidade de transgredi-la, sendo
deixado à liberdade da sua própria vontade, que era sujeita a
mudança.
A imagem de Deus dizia respeito - 1°. A espécie da sua
natureza; o h o m e m foi criado semelhante a Deus um espírito
livre, racional e pessoal. 2". Foi criado semelhante a Deus

408
Criação e Estado Original

quanto à perfeição da sua natureza - no conhecimento, Col.


3:10, na retidão, justiça e verdadeira santidade, Ef. 4:24. 3 o .
Foi criado semelhante a Deus quanto ao poder, expresso em
seu domínio sobre a natureza, Gên. 2:28.

8. Como se pode expor, em termos psicológicos, o verdadeiro


estado da questão? vijísf:;. •.
No capítulo anterior mostramos que a volição é deter-
minada pelo caráter moral dos desejos e afetos que a estimulem,
e destes a volição deriva seu caráter moral; mostramos igual-
m e n t e que os afetos e desejos temporários que estimulam e
motivam as volições em qualquer caso dado, vêm eles mesmos
dos hábitos e disposições p e r m a n e n t e s e da tendência da
vontade, que constituem o caráter moral do homem. Mostra-
mos ainda que o caráter moral dessas disposições permanentes
da vontade, e a responsabilidade do h o m e m por elas, são um
fato final que não se pode referir a outro p r i n c í p i o mais
fundamental ou essencial, e que esse fato é confirmado pelo
juízo universal dos homens.
Do acima exposto segue-se que a justiça e a santidade
o r i g i n a i s com as q u a i s A d ã o foi c r i a d o c o n s i s t i a m na
conformidade perfeita em que estavam todos os seus afetos e
todas as disposições morais da sua vontade (em linguagem
bíblica, seu coração) com a lei de Deus - cujo órgão era a sua
consciência clara e fiel.
Em conseqüência, não havia cisma ou cisão na natureza
do homem. A vontade, operando livremente de conformidade
com as luzes da razão e da consciência, conservava em sujeição
harmoniosa todos os princípios inferiores do corpo e da alma.
Em equilíbrio perfeito morava uma alma perfeita n u m corpo
igualmente perfeito.
Essa justiça original era natural no sentido (1) de que era
a perfeição original da natureza do h o m e m como havia saído
das mãos do Criador. Pertencia originariamente a essa natureza,
e (2) é sempre essencial à sua perfeição quanto à qualidade. (3)

409
Capítulo 16

Teria sido propagada sempre se o h o m e m não tivesse caído, do


m e s m o modo como agora a depravação inata é propagada, por
descendência natural. Por outro lado, porém, não era natural
no m e s m o sentido em que a razão, a consciência e a agência
livre são elementos especiais criados para constituir alguém
em h o m e m real. Como qualidade, é essencial à perfeição da
natureza h u m a n a , mas como elemento, não é essencial à
realidade dessa natureza.

9. Como se prova que Adão foi criado santo no sentido explicado


acima?
Pertence à essência da natureza do h o m e m que ele seja
agente moral responsável. Consideremos, porém:
1 0 . Como criatura moral, o h o m e m foi criado à imagem
de Deus - Gên. 1:27.
2 o . Deus declarou que todas as Suas obras, o h o m e m
inclusive, eram muito boas - Gên. 1:31. A bondade de uma
obra h u m a n a consiste essencialmente em sua adaptação ao fim
proposto por quem a fez. A "bondade" de um agente moral
não pode consistir em outra coisa que não seja a conformidade
da sua vontade à lei moral. Indiferença moral em um agente
moral já é da natureza do pecado.
3 o . As Escrituras declaram que o h o m e m foi criado santo
- E c l . 7:29.
4 o . Na regeneração o h o m e m é renovado à imagem de
Deus; na criação o h o m e m foi feito à imagem de Deus; essa
imagem, nos dois casos, deve ser a mesma, e inclui santidade
- Ef. 4:24.
5 o . Em 1 Coríntios 15:45, Cristo é chamado "o último
Adão", e no versículo 47 "o segundo homem". Cristo é reco-
nhecido por amigos e inimigos como o único h o m e m perfeito
encontrado na história inteira do m u n d o , o h o m e m exemplar
da humanidade normal. E, no entanto, a Sua natureza h u m a n a
foi formada pelo Espírito Santo, antes de ação alguma da parte
dEle, e absolutamente santa. Quando ainda estava no ventre

410
Criação e Estado Original

de Sua mãe foi chamado "o Santo" - Luc. 1:35. I' *•••"»'•

10. Em que consiste a doutrina pelagiana com respeito ao estado


original do homem?
Os pelagianos afirmam - I o . Que o homem pode com razão
ser tido como responsável só por suas volições não influen-
ciadas; e 2 o . Que se segue que é um absurdo dizer que o homem
tem um caráter moral anterior a qualquer ação moral da sua
parte; porque só é moral aquela disposição que se formou como
costume por meio da prévia ação da sua livre vontade não
influenciada por nada; quer dizer, é necessário que o homem
escolha o seu caráter, ou não pode ser tido como responsável
por ele. -• -• •
Eles sustentam, pois, que quando o homem foi criado,
sua vontade não somente era livre, mas, além disso, seu estado
era de equilíbrio moral, estando igualmente disposta para a
virtude e para o vício.

11. Como se pode expor e contrastar a posição dos pelagianos,


a do Dr. D. D. Whedon (arminiano) e a dos calvinistas, quanto à
justiça e ao pecado inatos?
Os pelagianos afirmam: I o . Que Adão foi criado agente
moral, porém sem caráter positivamente moral; que era
primeiro indiferente tanto para o bem como para o mal c que
Deus o deixara livre para formar seu caráter segundo esco-
lhesse, e sem que fosse influenciado por nada. 2 o . Que agora
todos os homens nascem, quanto a todas as particularidades
essenciais, no mesmo estado moral em que Adão foi criado.
3 o . Que o homem é mortal por natureza, e que a mortalidade
da raça humana não é conseqüência do pecado.
O Dr. D. D. Whedon (arminiano), conquanto concorde
com os pelagianos naquilo que é mais importante quanto ao
estado moral em que Adão foi introduzido originariamente
por sua criação, difere deles quanto à condição moral em que
os descendentes de Adão são introduzidos por seu nascimento.

411
Capítulo 16

Admite que uma inclinação "criada" pode ser boa ou má, e,


por isso, amável ou odiosa, entretanto nega que no primeiro
destes casos o agente possa ser com razão recompensado ou no
segundo castigado, por sua disposição, o caráter da qual ele
não determinou para si por prévias volições não influenciadas.
Se Adão tivesse formado para si um caráter santo, seria b o m e
digno de prêmio; e, tendo formado para si um caráter mau,
tornou-se mau e mereceu castigo. Mas os seus descendentes
são gerados com natureza corrompida sem culpa sua, e por
isso são maus e corruptos, porém não merecem castigo por
causa disso.
Em oposição a esses conceitos, os que têm posição
doutrinária ortodoxa a f i r m a m - I o . Q u e há disposições e
inclinações p e r m a n e n t e s que d e t e r m i n a m as volições. 2 o .
Muitas dessas inclinações são boas, muitas são más, e outras
muitas são moralmente indiferentes na sua natureza essencial.
3 o . Essas disposições morais p o d e m ser inatas bem como
a d q u i r i d a s , m a s em q u a l q u e r dos casos o a g e n t e é tão
responsável por elas como o é por outro qualquer estado ou
ato da sua vontade. 4 o . Adão foi criado com disposições santas,
que o incitavam a ações santas. Não se tornou santo, porém foi
feito assim por Deus.

12. Por que é que julgamos os homens responsáveis moralmente


por disposições inatas e concriadas?
I o . As crianças nascem com disposições e tendências
morais muito diversas. Não obstante, é juízo espontâneo e
universal dos homens que os que são por natureza malévolos,
cruéis e falsos não somente merecem que sejam detestados por
todos, mas também que devem ser tidos como moralmente
responsáveis por suas disposições e ações.
2 o . As Escrituras ensinam, como mostraremos no Capítulo
19, sobre o "Pecado Original", que todos os homens nascem
com uma tendência inerente para pecar, tendência que, inerente
à sua natureza, é em si mesma pecado e digna de castigo.

412
Criação e Estado Original

3 o . O presidente Edwards, em sua obra On the Will, Parte


4, § 1, diz: "A essência da virtude ou do vício das disposições
do coração e dos atos da vontade não está na sua causa, e sim na
sua natureza". E até João Wesley, arminiano como era, disse,
segundo citação feita por Ricardo Watson: "A santidade não
consiste no bom uso que fizermos de nossas faculdades, e sim
no b o m estado dessas faculdades, na boa disposição da nossa
alma. Levem isto com vocês, e não dirão mais que Deus não
podia criar o homem com justiça e verdadeira santidade"..."Que
é santidade? Não seria essencialmente o amor? E não poderia
Deus derramar esse amor em qualquer alma sem a concordância
d e s s a a l m a a n t e r i o r a o seu c o n h e c i m e n t o o u a o seu
consentimento? E se Ele o fizer, porventura o amor mudará
de natureza? Deixará de ser santidade? Esse argumento jamais
poderá ser sustentado".

13. Como se pode provar que um estado de indiferentismo moral


é em si mesmo pecado, e que, se não fosse assim, não seria possível
que o exercício de uma faculdade volitiva assim condicionada
resultasse num ato ou caráter moral?
E auto-evidente que o indiferentismo moral da parte de
um agente moral à vista de uma obrigação moral é em si mesmo
pecado. A essência da moralidade é que obriga a vontade de
u m a g e n t e m o r a l . U m a g e n t e a m o r a l p o d e sem c u l p a
conservar-se indiferente para com coisas morais. Um agente
moral pode sem culpa conservar-se indiferente para com coisas
indiferentes. Mas, pela própria natureza do caso, é um absurdo
dizer que um agente moral pode conservar-se indiferente a
respeito de uma obrigação moral conhecida por ele como sua
e que, apesar disso, esse indiferentismo não é moral e sim o
pré-requisito de toda moralidade.
Além disso, uma disposição moralmente indiferente não
p o d e resultar n u m ato ou costume santo. A b o n d a d e ou
m a l d a d e de um ato depende da b o n d a d e ou m a l d a d e da
/

disposição ou dos afetos que o incitaram. E o estado moral da

413
Capítulo 16

vontade (ou o coração, veja Mat. 7:17-20 e 12:33) que torna o


ato bom ou mau, não o ato que torna esse estado bom ou mau.
Os motivos pelos quais o homem faz uma coisa podem ser
muito bons, e, apesar disso, por ignorância ou loucura, pode
estar em grande erro quanto à natureza dessa coisa; contudo,
se todas as disposições e desejos que prevalecem no coração
em qualquer caso dado forem bons, a volição necessariamente
será moralmente boa; se forem maus, a volição será neces-
sariamente má; se forem indiferentes, a volição será forçosamente
indiferente também. Isso mostra o absurdo das posições acima
indicadas. Se, como dizem os pelagianos, Adão foi criado com
uma vontade igualmente disposta para o bem e para o mal,
seu primeiro ato não podia ter caráter moral de n e n h u m a
qualidade. E, não obstante, dizem que o primeiro ato de Adão,
que não tinha caráter moral, determinou o caráter moral do
próprio homem, e o de todos os seus atos e do seu destino para
todo o tempo futuro. Se isso fosse verdade, teria sido injusto
da parte de Deus, porque envolve a imposição de uma pena
terrível por um ato que em si não foi nem bom nem mau.
Como teoria é absurda, visto que faz evoluir toda moralidade
daquilo que é moralmente indiferente.
Ricardo Watson, vol. 2, pág. 16, diz muito bem: "Em Adão
aquela retidão da qual emanaram boa escolha e bons atos, ou
foi criada com ele, ou emanou de suas próprias volições. Se se
afirmar a última hipótese, seguir-se-á que Adão determinou-
-se para o bem antes de ter um princípio de retidão - o que é
absurdo; se se afirmar a primeira hipótese, ficará estabelecido
que ele foi criado em estado de retidão, com aptidões e
disposições para o bem".

14. Como demonstrar que a teoria pelagiana não pode basear-


se na experiência?
Essa teoria é toda construída sobre certas noções formadas
a priori, e é contrária à experiência universal. Se Adão foi criado
sem caráter positivamente moral, e se as crianças nascem assim

414
Criação e Estado Original

t a m b é m , então as condições de u m a agência livre, nesses


supostos casos, devem ser diversas das de uma agência livre,
no caso de todos os h o m e n s e mulheres adultos, cuja cons-
ciência é a única fonte de o n d e podemos recolher os fatos
necessários para d e d u z i r m o s deles alguns c o n h e c i m e n t o s
corretos a respeito deste ponto. Todos os que têm pensado ou
escrito sobre esta questão estavam cônscios de que só pode
existir liberdade sob as condições de um caráter moral já
formado. Mesmo que a teoria pelagiana fosse verdadeira, nunca
p o d e r í a m o s ter certeza disso, p o r q u e n u n c a e s t i v e m o s
cientemente em tal estado de indiferentismo. Nada mais é que
uma hipótese imaginada para que os interessados pudessem
sair de uma dificuldade - dificuldade que é resultado do fato
de que o nosso poder de pensar é limitado. Veja Sir William
Hamilton,Discussions, pág. 587 etc.

15. Que distinção faziam os chamados santos Pais entre a


imagem e a semelhança de Deus em que o homem foi criado? -
Gên. 1:26.
Por "imagem" de Deus os Pais e n t e n d i a m os poderes
naturais e constitutivos do homem, os poderes ou faculdades
intelectuais e morais, quais sejam a razão, a consciência e a
vontade livre (o livre-arbítrio). Por "semelhança" de Deus eles
entendiam a perfeição moral amadurecida e desenvolvida da
natureza h u m a n a , resultante de o h o m e m exercer santamente
as suas faculdades.
Neander, Hist. Christ. Dogmas, pág. 180, afirma que esse
foi o germe da subseqüente doutrina medieval e romana sobre
o estado original do homem.
Belarmino, De Gratia et Lib. Arbitrio, 1, cap. 6, diz: "Por
estes testemunhos dos Pais, somos obrigados a concluir que a
imagem e semelhança não são iguais em todos os aspectos, e
sim que a imagem diz respeito à natureza, e a semelhança às
virtudes (perfeições morais); de onde se segue que Adão, por
seu pecado, perdeu a imagem mas não a semelhança de Deus".

415
Capítulo 16

16. Que ensina o Catecismo do Concílio de Trento quanto ao


estado em que Adão foi criado?
Veja abaixo, no fim deste capítulo, as doutrinas das diversas
igrejas sobre este ponto.

17. Qual é a doutrina romana a respeito dos dona naturalia e


dona supernaturalia?
Segundo essa doutrina:
I o . Deus dotou o homem, em sua criação, de dona naturalia,
isto é, de todos os poderes e faculdades naturais e constitu-
tivos do corpo e da alma sem pecado, em estado de inocência
perfeita.
2°. Deus ajustou devidamente esses poderes uns aos outros,
pondo os inferiores na devida subordinação aos superiores. E
a esta harmonia dos poderes que se chamava Justitia - retidão
natural.
3 o . Havia, porém, pela própria natureza das coisas, nos
apetites e paixões inferiores, u m a tendência n a t u r a l para
rebelar-se contra a autoridade dos poderes superiores da razão
e da consciência. Essa tendência em si não é pecado; torna-se
pecado somente quando a vontade consente nela, e ela se
manifesta em algum ato. Isso é concupiscência: não é pecado,
mas é suprimento e ocasião para o pecado.
4 o . Para impedir a desordem que seria o resultado dessa
tendência natural de se rebelarem os elementos inferiores da
constituição h u m a n a contra os superiores, Deus concedeu ao
h o m e m o dom adicional, isto é os dona supernaturalia, ou dons
extraconstitutivos. Consistem na retidão ou justiça original,
que era um dom extraordinário, acrescentado à constituição
do homem, por meio do qual ele podia conservar na devida
sujeição e o r d e m os seus poderes naturais d e v i d a m e n t e
ajustados. Alguns dos teólogos romanos sustentam que esses
dons sobrenaturais foram concedidos ao h o m e m imediata-
mente, em sua criação, no mesmo momento em que lhe foram
dados os seus poderes naturais. A opinião geral, porém, e mais

416
Criação e Estado Original

coerente com essa doutrina, é que lhe foram concedidos depois,


como recompensa pelo b o m uso dos seus poderes naturais.
Veja Mohler, Symbolism, págs. 117,118.
5 o . Tanto a justitia como os dona supernaturalia eram
propriedades acidentais e acrescentadas à natureza humana de
Adão, e ele os perdeu em conseqüência da Queda.

18. Como essa doutrina influi na teoria dos católicos romanos


quanto ao pecado original e ao caráter moral dessa concupiscência
que permanece nos regenerados?
Eles a f i r m a m que o h o m e m , p o r sua q u e d a , p e r d e u
somente os dons acrescentados de "retidão original" (dona
supernaturalia), enquanto que a própria natureza h u m a n a em
si, os dona naturalia, compreendendo todas as suas faculdades
constitutivas de razão, consciência, vontade livre (em que eles
incluem a "capacidade moral") permanecem intactos. Assim,
pois, o efeito produzido pela Queda sobre a natureza moral do
h o m e m foi tão-somente negativo. Os Reformadores o defini-
ram como "falta da justiça original e corrupção da natureza
inteira".
Por isso eles afirmam também que a concupiscência, ou a
tendência de se rebelarem os poderes inferiores contra os
superiores, que p e r m a n e c e ainda nos regenerados, sendo
natural e parte constitutiva da natureza h u m a n a , não é da
natureza do pecado. Veja a exposição dada logo a seguir.

E X P O S I Ç Õ E S PÚBLICAS E A U T O R I Z A D A S
DAS DIVERSAS IGREJAS

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Cat. do Cone. de


Trento, P a r t e 2, cap. 2, Perg. 19: " E m ú l t i m o lugar, Ele
f o r m o u o h o m e m do limo da terra, criado e qualificado
de tal m o d o em corpo que fosse imortal e impassível, não,
p o r é m , em v i r t u d e da força da natureza, e sim em v i r t u d e
do d o m divino. Mas q u a n t o ao q u e diz respeito à alma do

417
Capítulo 16

h o m e m , criou-a à Sua i m a g e m e semelhança: dotou-a c o m


v o n t a d e livre, e de tal m o d o ajustou todos os seus apetites
e a t i v i d a d e s q u e estivessem s e m p r e sujeitos ao d o m í n i o
da razão. A c r e s c e n t o u e n t ã o o d o m a d m i r á v e l de justiça
original; e depois deu-lhe o d o m í n i o sobre todos os demais
a n i m a i s " . T a m b é m P a r t e 2, Cap.2, Perg. 42, e P a r t e 4,
Cap.12, Perg. 3.
Belarmino - Gratia Primi Hominis, 5 - "Deve-se entender,
em primeiro lugar, q u e o h o m e m consta n a t u r a l m e n t e de
c a r n e e espírito, e que por isso sua natureza assemelha-se
e m p a r t e a o s a n i m a i s e e m p a r t e aos a n j o s ; e , e m
conseqüência da sua carne e semelhança aos animais, t e m
u m a certa p r o p e n s ã o para o b e m corpóreo e sensível, ao
qual é i n d u z i d o p o r seus s e n t i d o s e apetites; e, em
conseqüência do seu espírito e semelhança aos anjos, t e m
u m a propensão para o b e m espiritual e racional, ao qual é
i n d u z i d o p o r sua razão e vontade. Mas, em conseqüência
dessas propensões diversas e contrárias, existe no m e s m o
h o m e m um certo conflito, e, em resultado desse conflito,
o h o m e m acha m u i t a dificuldade em agir, e n q u a n t o u m a
p r o p e n s ã o opõe-se a outra. Deve-se entender, em segundo
lugar, q u e a d i v i n a p r o v i d ê n c i a , no p r i n c í p i o da criação,
c o m o r e m é d i o desta m o l é s t i a o u l a n g u i d e z d a n a t u r e z a
h u m a n a , devida à condição da sua "matéria", acrescentou
o excelente d o m da justiça original, a qual, como freio de
o u r o , c o n s e r v a s s e a p a r t e i n f e r i o r em s u j e i ç ã o à p a r t e
s u p e r i o r , e esta em s u j e i ç ã o a D e u s ; p o s t o q u e a c a r n e
estivesse de tal m o d o sujeita ao espírito, q u e n ã o p o d i a
mover-se contra a vontade do espírito, n e m rebelar-se
c o n t r a o espírito, a n ã o ser q u e esse se rebelasse c o n t r a
D e u s ; c o n t u d o , estava no p o d e r do espírito rebelar-se ou
não rebelar-se".
Q u a n t o à d o u t r i n a de B e l a r m i n o sobre a atual condição
moral em que nascem os descendentes de Adão, veja
adiante, no f i m do Cap.19.
DOUTRINA LUTERANA - Formula Concordice (Hase),
pág. 640. (Pecado original) "é a privação daquela justiça
c o m a qual a n a t u r e z a h u m a n a foi criada no Paraíso, ou

418
Criação e Estado Original

daquela i m a g e m de D e u s à qual o h o m e m no p r i n c í p i o
foi criado em verdade, santidade e retidão.
DOUTRINA REFORMADA - Canon Dordt, 3:1 - "O
h o m e m , no princípio, foi criado à imagem de Deus, o r n a d o
no seu espírito com o conhecimento verdadeiro e salvador
do seu C r i a d o r e das coisas e s p i r i t u a i s , c o m justiça e
retidão no seu coração e vontade, e pureza em todos os
seus afetos, e assim era i n t e i r a m e n t e santo.
Veja também: Conf. de Fé da De Westminster, Cap.
4; Cat. Maior, Perg. 17; Breve Cat., Perg. 10.
i HHJTRIN A DOS REMONSTRANTES - L i m b o r c h , Theol.
Christ., 2: 24,5 - " C o s t u m a m dizer q u e a justiça original
consistia na iluminação e retidão do espírito, na santidade
c jiiNtiça da vontade, na harmonia dos sentidos e afetos, e
n u m a prontidão para o bem. H, com efeito, m u i t o evidente
q u e n o s s o s p r i m e i r o s p a i s , n o seu e s t a d o p r i m i t i v o ,
estavam n u m a condição m u i t o mais perfeita do que a em
que nós estamos q u a n d o nascemos. Visto que seu espirito
não era como tábua rasa e vazio de todo o c o n h e c i m e n t o ;
pois D e u s lhes havia dado c o n h e c i m e n t o v e r d a d e i r o e a
sabedoria necessária para seu estado; possuíam t a m b é m
capacidade para a d q u i r i r mais c o n h e c i m e n t o m e d i a n t e a
razão, a experiência e a revelação.
Sua vontade não era neutra, igualmente indiferente para
o b e m e o mal, mas antes de D e u s haver-lhes i m p o s t o a
lei, t i n h a m u m a retidão natural, de m o d o q u e não podiam
n e m desejar n e m agir d e s o r d e n a d a m e n t e . P o r q u e o n d e
não há lei, aí o uso mais livre da vontade não traz culpa -
2: 24,10. N ã o sofre dúvida que, se o primeiro h o m e m não
houvesse pecado, não teria m o r r i d o , p o r q u e a m o r t e e a
pena do pecado. Mas daí não se pode inferir corretamente
a imortalidade (natural) do homem... C o n t u d o , D e u s teria
conservado esta m o r t a l i d a d e em i m u n i d a d e p e r p é t u a da
m o r t e real, se o h o m e m não tivesse pecado".
DOUTRINA SOCINIANA - F. Socino, Prafectionesh Teol.,
cap. 3: " C o n c l u í m o s , pois, q u e A d ã o , m e s m o a n t e s de
t r a n s g r e d i r esse m a n d a m e n t o d e D e u s , n ã o era v e r d a -
d e i r a m e n t e justo e reto, p o r q u e n ã o era n e m impecável,

419
Capítulo 16

nem havia ainda sido sujeito a nenhuma ocasião para


pecar; ao menos não é possível afirmar que era certamente
justo, porque não consta que por qualquer motivo se
houvesse abstido de pecar. No entanto, há quem diga que
a justiça original do primeiro homem consistia nisso, que
possuía uma razão dominando sobre seu apetite e seus
sentidos e cobrindo-os, e que não havia divergência entre
eles. Mas isso dizem sem razão, porque o pecado cometido
por Adão torna evidente que seu apetite e seus sentidos
dominaram sobre sua razão, e nem antes disso havia
perfeito acordo entre eles".
Cathecismo Racov., Perg. 18: "Desde o princípio o
homem foi criado mortal, isto é, de modo que não só podia,
em harmonia com sua natureza, morrer, como também
não podia fazer outra coisa senão morrer, se fosse deixado
à sua natureza, embora fosse possível que, em virtude de
uma bênção divina especial, fosse conservado sempre em
vida".

420
17

A Aliança das Obras

1. Unais as diversos sentidos em que a palavra aliança ou pacto


>•11 • ofii prto i4 empregada nas Escrituras?
1" No m niido de uma ordenança natural - Jer. 33:20.
' No >.(1111110 de uma promessa incondicional - Gên.
9:11,12.
V\ Nouciitiilnde nina promessa condicional-Is. 1:19,20.
•I". No senlido de uma dispensação ou modo de adminis-
t r a d o - Heb. 8:6,9.
Quanto ao uso do termo diathêkê, traduzido às vezes por
testamento e outras vezes por aliança, no Novo Testamento, veja
o Cap.22, Perg. 4.
Nas frases teológicas "aliança das obras" e "aliança da
Kiaça", esse termo é empregado no terceiro sentido acima
mencionado, ou seja, no sentido de uma promessa dependente
de condições.

2. Quais são os elementos essenciais de uma aliança?


1 °. Partes contratantes. 2 o . Condições. Estas, numa aliança
feita entre iguais (pessoas/entidades) impõem-se e se obrigam
mutuamente, mas numa constituição soberana, imposta pelo
Criador sobre a criatura, será melhor dizer que essas "condi-
ções" são (1) promessas da parte do Criador, cujo cumprimento
depende de (2) condições que devem ser cumpridas pela
criatura. E (3) uma pena que será infligida se as condições não
forem cumpridas.

421
Capítulo 17

3. Como se pode mostrar que a constituição sob a qual Adão


foi posto por Deus na sua criação pode com razão ser chamada
aliança?
A narrativa inspirada daquilo que se passou entre Deus e
Adão apresenta claramente todos os elementos essenciais de
uma aliança como coexistentes nessa constituição. Veja:
I o . As "partes contratantes" - (1) Deus, o Governador
moral, exigindo, por necessidade de Sua natureza e relação,
conformidade absoluta à lei moral. (2) Adão, o livre agente
moral, por necessidade de sua n a t u r e z a e relação, sob a
obrigação inalienável de obedecer à lei moral.
2 o . As "promessas", vida e favor - Mat. 19:16,17; Gál. 3:12.
3°. As "condições", de que estavam suspensas as promessas,
obediência perfeita; no caso de Adão, sujeito somente à prova
especial de que ele não comesse do fruto da "árvore da ciência".
4°. A "pena", para o caso de não se cumprirem as condições.
"No dia em que dela comeres, certamente morrerás" - Gên.
2:16,17.
Essa constituição é chamada concerto (pacto, aliança) -
Os. 6:7.

4. Como as nossas exposições oficiais definem isso?


Conf De Fé, Cap. 4 § 2; Cap. 7: § § 1 e 2; Cap. 19: § 1. Cat.
Maior, Perg. 20; Breve Cat., Perg. 12.

5 .Por que não é absurdo chamar de "Concerto" ou de


'Aliança" uma constituição que o Criador impôs à criatura sem
consultá-la a respeito?
I o . Apesar de ser uma constituição soberana imposta por
Deus, não há motivo algum para supor que Adão não se
sujeitou a ela voluntariamente. Ele era uma criatura santa, e o
arranjo era muitíssimo vantajoso para ele.
2 o . Chamamo-lo concerto ou aliança porque estas palavras
são próprias para exprimir uma promessa condicional feita a
um agente livre.

422
A Aliança das Obras

3°. Destas palavras, p r i n c i p a l m e n t e o t e r m o "aliança"


(modernamente), muitas vezes é aplicado a outras constitui-
ções soberanas e de caráter semelhante à que o Criador impôs
«los homens. Se Deus pôde fazer alianças com Noé, caído e
culpado, Gcn. 9:11,12, e com Abraão, Gên. 17:1-21, por que
imo poderia fazer uma aliança com Adão não caído?

(>. Que nomes foram dados a essa aliança, e por quê?


I Iem sido chamada aliança da natureza, porque exprime
i h la»,oi•. que o homem, no seu estado natural em que acabava
• li mi < i indo < de onde não tinha caído, sustentava para com o
i iiiiilni < (uivei iiudoi ilo universo. Foi ajustado ao h o m e m
M mim .il 'Mi mio . .ii.lo, assim como a aliança da graça ajusta-se
•ih linjm ih nfto iimural ou caído.
Ifcm ildo i Intimida aliança legal ou judicial porque a
nua "condiçAo" era a conformidade perfeita à lei da absoluta
per Icílio moral.
V. Tem sido c h a m a d a aliança das obras, porque suas
»• s igètti ias estendiam-se somente àquilo que o próprio h o m e m
ÍOHKC e lizesse.
4°. H tem sido chamada aliança de vida, porque a promessa
anexa à obediência era a vida.
lira t a m b é m , essencialmente, uma aliança f u n d a d a na
«raça, porque, embora seja dever de toda criatura, como tal,
servir ao Criador até onde lhe é possível, não pode ser dever
do Criador conceder à criatura, como alguma coisa devida, a
c o m u n h ã o conSigo, ou a exaltação à infalibilidade no seu
poder moral, ou a felicidade eterna e inalienável.

7. Quais eram as partes dessa aliança, e como se pode provar


que Adão era nela o representante de toda a sua descendência natural?
As "partes" eram Deus e Adão, e Adão representava toda
a sua posteridade natural. Isso se torna evidente -
I o . Pelo paralelo traçado nas Escrituras entre Adão em sua
relação para com os seus descendentes, e Cristo em Sua relação

423
Capítulo 17

para com os Seus escolhidos - Rom. 5:12-19; 1 Cor. 15:22,47.


2 o . Pelo fato de que a pena denunciada contra Adão, se
desobedecesse, tem se tornado efetiva no caso de cada um dos
seus descendentes - Gên. 2:17; 3:17,18.
3 o . Pela declaração bíblica de que o pecado, a morte e todo
o mal penal vieram sobre o m u n d o em conseqüência do pecado
de Adão - Rom. 5:12; 1 Cor. 15:22. Veja o Cap. 21, sobre "A
Imputação do Pecado de Adão".

8. Qual foi a promessa anexa à aliança?


A "promessa "foi "vida" -
1°. Porque se acha implícita necessariamente na pena que
consistia na "morte", que foi proferida expressamente. Se
desobediência trouxe morte, é evidente que obediência teria
trazido vida.
2 o . Esta verdade é ensinada claramente noutras passagens
das Escrituras - Lev. 18:5; Nee. 9:29; Mat. 19:16,17; Gál. 3:12;
Rom. 10:5.
Essa vida n ã o era s i m p l e s m e n t e a c o n t i n u a ç ã o da
existência que Deus lhe dera como agente moral falível, e sim
um dom adicional de excelência moral infalível e de felicidade
inalienável, sob a condição de obediência durante um período
de provação.
I o . Isso é evidente porque a recompensa prometida no caso
de se c u m p r i r e m as "condições" deveria necessariamente
compreender alguma coisa mais, além daquilo que já havia
sido dado.
2 o . Porque o homem, assim como havia sido criado, era
sujeito a pecar, e nesse estado não podia haver felicidade
permanente e segura, nem excelência muito elevada.
3 o . Porque, com a concessão da recompensa t e r m i n a
necessariamente o prazo da provação, acabam as condições e a
felicidade inalienável torna-se certa e segura.
4 o . Porque os anjos quznão abandonaram a sua habitação
(Jud., vers. 6), foram premiados com vida dessa natureza.

424
A Aliança das Obras

5°. Porque a vida prometida devia corresponder à morte


prenunciada, e essa morte envolvia separação eterna de Deus e
destruição irremediável do pecador.
6°. Porque a vida que nos é oferecida no "Segundo Adão"
é dessa natureza.

9. Que é "provação" e quando e onde esteve a raça humana


sujeita à provação sob a aliança das obras?
Provação é prova. A palavra é empregada em diversos
ücntidos, para exprimir o estado, o tempo ou o ato da prova. O
tempo de provação, sob uma constituição tal qual foi a aliança
(Iiin olmw, nâo podia deixar de ser um tempo definidamente
hmltudo, porque é auto-evidente que a aplicação da pena ou a
i niUTNHrto do prémio poria termo, ipso Jacto, e para sempre, à
provuçao, c o premio não podia ser concedido antes de finda a
provação.
A prova da raça h u m a n a foi feita na pessoa de Adão no
lardim do Eden. Teve como resultado a Queda, e, tornando-se
daí por diante impossíveis as condições da aliança, estando o
homem incurso em sua pena, é impossível outra prova. Os
homens são agora por natureza filhos da ira.

10. Qual foi a condição dessa aliança? E por que foi escolhida
como prova a árvore da ciência do bem e do mal?
Perfeita conformidade do coração à vontade inteira de Deus
ate onde fora revelada, e perfeita obediência a essa vontade nos
atos - Deut. 27:26; Gál. 3:10; Tia. 2:10. O m a n d a m e n t o de
abster-se de comer do fruto proibido foi dado simplesmente
como prova especial e decisiva dessa obediência geral. Como
era moralmente indiferente em si a coisa proibida, o manda-
mento estava muito bem adaptado para servir como prova clara
e absoluta da prontidão de Adão para submeter-se à vontade
absoluta de Deus só porque era Sua vontade. A árvore vedada
foi sem dúvida chamada árvore da ciência do bem e do mal
porque, comendo do seu fruto em desobediência a Deus, os

425
Capítulo 17

h o m e n s chegaram pela experiência a conhecer o valor da


b o n d a d e e o mal infinito do pecado.
A obediência exigida pela lei como regra do dever é
naturalmente perpétua. Mas a exigência de obediência, feita
pela lei como condição da aliança das obras, fora limitada ao
período da provação. A palavra "perpétua", n a C o n f . de Fé, Cap.
19, § 1, e Cat. Maior, Perg. 20, foi admitida sem dúvida por
inadvertência.

11. Qual a natureza da morte prenunciada no caso de


desobediência?
As palavras "certamente morrerás", literalmente "morrerás
de morte", incluem evidentemente, nesta conexão, todas as
conseqüências penais do pecado. Estas são -
I o . A morte natural - Ecl. 12:7.
2 o . A morte moral e espiritual - M a t . 8:22; Ef. 2:1; 1 Tim.
5:6; Apoc. 3:1.
3 o . A morte eterna - Apoc. 20:6-14.
No mesmo instante em que foi violada a lei, começou a
o p e r a r a sua p e n a ; m a s , em v i r t u d e da i n t e r v e n ç ã o da
dispensação da graça, o efeito pleno da sentença fica suspenso
durante a presente vida. Logo que o homem caiu, retirou-se
dele o Espírito de Deus, e ele tornou-se morto espiritualmente,
mortal fisicamente, e sujeito à sentença de condenação à morte
eterna.
Isso torna-se evidente -
I o . Pela natureza do homem como ser espiritual. "E a vida
eterna é esta: que te c o n h e ç a m , a ti só, por ú n i c o D e u s
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:3).* No

* A versão de Figueiredo, citada no original desta obra, é ambígua porque


traduz, no versículo 2, a expressão "poder sobre toda carne" (literal) por
"poder sobre todos os homens". Então, no versículo 3, o leitor desavisado
pode confundir a quem se refere o termo "eles" do versículo 3. Nota de
OdayrOlivetti.

426
A Aliança das Obras

mesmo instante em que a alma separa-se de Deus, morre,


torna-se sujeita à Sua ira e maldição, e a pessoa inteira - corpo
c alma - fica envolvida n u m a série sem fim de más condições.
2 o . As Escrituras declaram que o salário do pecado é a
morte - Rom. 6:23; Ez. 18:4.
A natureza dessa morte é determinada - (1) Pela narração
dos efeitos produzidos em nossos primeiros pais,e.g., vergonha
por se reconhecerem nus, medo, alheação de Deus, increduli-
dade, e, depois de algum tempo, a dissolução do corpo, etc. (2)
Pela p e r c e p ç ã o e x p e r i m e n t a l dos seus e f e i t o s n o s seus
descendentes,e.g., corrupção da natureza, mortalidade do corpo,
as misérias da vida, segunda morte.

12. Que é que os aniquilacionistas afirmam a respeito da pena


denunciada na aliança das obras? '
Eles afirmam que a pena exata com que Deus ameaçou
Adão foi expressa assim: "Tu,íw mesmo, tua pessoa inteira, és pó
e ao pó voltarás". Citam N u m . 23:10; Juí. 16:30, etc. Sustentam
que " m o r t e " quer dizer precisa e u n i c a m e n t e cessação da
existência. Dizem eles que Adão não podia ter outra idéia em
conexão com essa palavra. A morte nesse sentido já havia
existido no m u n d o inúmeros séculos antes de Adão entre os
animais inferiores, e isso era tudo o que Adão sabia quanto a
esse ponto.
E inútil que especulemos sobre a questão de qual foi a
linguagem original em que Deus falou com Adão, e qual foi
precisamente o significado da palavra correspondente à nossa
palavra " m o r t e " que Ele empregou. E provável que Adão
e n t e n d e s s e s i m p l e s m e n t e que, se pecasse, p e r d e r i a irre-
m e d i a v e l m e n t e o favor divino. E foi exatamente isso que
aconteceu. Os fatos são claros -
I o . A palavra morte é empregada nas Escrituras, não para
exprimir cessação da existência, e sim uma certa condição má
de existência - Apoc. 3:1; Ef. 2:1-5; 5.14; 1 Tim. 5:6; Rom.
6:13; 11:15; João 5:24; 6:47.

427
Capítulo 17

2 o . Mais adiante, Capítulos 37 e 40, será demonstrado


que as Escrituras não admitem, n e m a noção do sono da alma
durante o intervalo entre a morte e o Juízo Final, n e m a da
aniquilação dos maus depois do Juízo.

13. Que quer dizer o selo de uma aliança, e qual foi o selo da
aliança das obras?
O selo de u m a aliança é um sinal exterior e visível,
instituído por Deus como p e n h o r da Sua fidelidade, e das
bênçãos prometidas na aliança.
Assim, o arco-íris é o selo da aliança feita com Noé - Gên.
9:12,13. A circuncisão foi o selo original da aliança feita com
Abraão (Gên. 17:9-11; Rom. 4:11), em substituição da qual
foi depois instituído o b a t i s m o - C o l . 2:11,12; Gál. 3:26,27. A
árvore da vida foi o sinal e selo exterior e visível da vida
prometida na aliança das obras, e da qual o homem foi excluído
por causa do pecado, e à qual é de novo admitido mediante o
segundo Adão no Paraíso celeste. Compare Gên. 2:9 e 3:22,24
com Apoc. 2:7; 22:2-14.

14. Segundo Witsius, em sua grande obra sobre as alianças,


quais foram os selos ou sacramentos da aliança das obras?
No Vol. 1, Cap. 6, Witsius enumera quatro - 1 °. O Paraíso.
2 . A árvore da vida. 3 o . A árvore da ciência do bem e do mal.
o

4 o . O Sábado, ou o dia de descanso.


Todas estas realidades foram, sem dúvida, instituições
simbólicas ligadas à dispensação divina original da qual a
aliança das obras era a base. Mas não parece haver motivo para
dizer que p e r t e n c i a m à classe particular das instituições
simbólicas chamadas sacramentos sob a dispensação do Novo
Testamento. A árvore da ciência do bem e do mal selou a morte
e, por conseguinte, não podia ser um selo da aliança das obras,
que oferecia a vida.

428
A Aliança das Obras

15. Em que sentido se acha revogada a aliança das obras, e


em que sentido está ainda em pé?
Tendo sido quebrada esta aliança por Adão, nem um só
de todos os seus descendentes naturais pode jamais cumprir
suas condições; e, t e n d o Cristo c u m p r i d o todas as suas
condições a favor do Seu povo, a salvação é oferecida agora sob
a condição da fé. Neste sentido a aliança das obras foi revogada
sob o evangelho, porque Cristo cumpriu as suas condições.
Não obstante isso, sendo baseado nos princípios imutáveis
da justiça, essa aliança é ainda obrigatória sobre todos os que
não se recolheram ao refúgio que nos é oferecido em Cristo.
Ainda hoje é verdade que "o que observar estes preceitos,
achará neles vida", e "a alma que pecar, essa morrerá". Neste
sentido essa lei ainda está em pé, e condena os homens por
causa dos seus pecados; e, ao mesmo tempo, em conseqüência
da sua incapacidade absoluta de cumprir os seus preceitos,
opera como pedagogo (aio ou preceptor) para conduzi-los a
Cristo. Porque Cristo, tendo cumprido tanto a condição em
que Adão falhou, como também tendo sofrido a pena em que
Adão incorreu, tornou-Se o fim dessa aliança para justificar a
todo aquele que crê e que n E l e é tido e tratado como se
houvesse guardado a aliança e merecido a recompensa nela
prometida.

429
18

A Natureza do Pecado
e o Pecado de Adão

1. Quais são as únicas provas que servem para determinar a


resposta à pergunta: "Que épecado?"
I a . A Palavra de Deus.
2 a . Os juízos intuitivos dos homens. As provas da validade
destes juízos são (a) a auto-evidência; (b) a universalidade; e
(c) a necessidade. Esses juízos intuitivos dos homens não
julgam imediata e diretamente partindo de noções abstratas
ou de p r o p o s i ç õ e s gerais, e sim de casos c o n c r e t o s e
individuais. E o entendimento que, de muitas convicções
intuitivas e individuais, tira máximas gerais e as generaliza, e
essas máximas gerais serão verdadeiras ou falsas segundo tiver
sido bem ou mal feito esse processo de generalização. A soma
imensa de confusão e erro que existe a respeito da natureza do
pecado e do que se deve considerar como pecado é devida a
uma viciosa generalização de princípios gerais deduzidos de
intuições individuais, e à aplicação i n d i s c r i m i n a d a das
máximas deduzidas assim a casos que se acham fora dos limites
a que se estendem as intuições. As máximas de que todo pecado
consiste em ação voluntária, c de que a nossa capacidade é a
medida da nossa responsabilidade, são máximas desse gênero
e exemplos desse abuso. E tão absurdo querer que o entendi-
mento decida de uma questão que pertence ao domínio do
sentido moral, como o seria querer que o olfato decidisse de
uma questão de sons. Veja McCosh, Intuitions of the Mind

430
A Natureza do Pecado.

(Intuições da Mente), Livro 1, cap.2: § § 4 e 5, e Livro 4, cap.


3: § § 1-3. . • -

2. Que é necessário que uma verdadeira definição da natureza


do pecado abranja?
É necessário que uma definição do pecado abranja -
I o . Tudo o que a Palavra de Deus e a consciência esclarecida
declaram ser pecado.
2 o . Não deve abranger mais nada. Se a definição não estiver
de conformidade com estas duas regras, será falsa.

3. Quais as definições de Turre tino, dos nossos livros oficiais e


de Vitringa?
Turretino,Locus 9,Quces. 1. - "Inclinado, actio vel omissio
pugnans cum lege Dei, vel carens rectitudine legali debita in
esse".
Conf. de Fé, cap. 6, § 6; Cat. Maior, Perg. 24; Breve Cat.,
Perg. 14 - "Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei
de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei".
Campegio Vitringa, professor de teologia em Franeker,
falecido em 1722 - "Forma peccati est desconvcnientia, actus,
habitus, aut status hominis cum divina lege".
Esta última definição, excelente, abrange duas proposições
constitutivas -
I a . O pecado é toda e qualquer falta de conformidade com
a lei moral de Deus, quer seja de excesso quer de deficiência,
quer de comissão quer de omissão;
2 a . E qualquer falta de conformidade que haja nos estados
e costumes morais, como também nas ações da alma h u m a n a ,
com a lei de Deus.

4. Que é lei? Que é a Lei de Deus?


A palavra lei é empregada em muitos e variadíssimos
sentidos. Os físicos a empregam muitas vezes como designação
d e
~ B I B U O T E Ç A AUBREY ÇLABK

431
Capítulo 18

1°. Um fato geral, e.g., o fato geral de que todos os corpos


se atraem m u t u a m e n t e na razão inversa dos quadrados das
distâncias.
2 o . Uma ordem estabelecida da seqüência em que certos
eventos sucedem, como, e.g., as estações do ano, e qualquer
ordem estabelecida da natureza.
3 o . O modo de operação de uma forma específica, como a
lei da indução elétrica, etc.
4 o . Uma ordem espontânea de desenvolvimento, como a
lei interna e auto-operativa do crescimento dos animais e
plantas dos seus germes ou sementes.
A lei moral de Deus, porém, não é um princípio interno e
auto-regulador da natureza moral do homem, como a fingida
luz interna dos quacres, e sim um padrão imperativo de
excelência moral imposto aos homens de fora e de cima, pela
autoridade suprema de um Governador moral e pessoal sobre
súditos morais e pessoais. Envolve (a) um certo grau de
esclarecimento quanto à verdade e ao dever, (b) uma regra de
ação que regula a vontade e obriga à consciência, (c) sanções
ou motivos imperativos que constrangem à obediência.

5. Como se prova que qualquer falta de conformidade com a


"Lei" é pecado?
I o . Sempre que pecamos, a consciência nos condena por
não nos c o n f o r m a r m o s a um p a d r ã o que r e c o n h e c e m o s
intuitivamente como sendo obrigatório para nós. A consciência
implica (a) responsabilidade moral, e, por isso, sujeição a um
Governador moral, e (b) um padrão ao qual nos devemos
conformar. A própria consciência, como órgão da lei de Deus,
contém a lei escrita no coração.
2 o . Está implícito na linguagem empregada pelo Espírito
Santo nas Escrituras para exprimir a idéia de pecado:set,setim,
de sâtâh, "afastar-se do caminho", hâtâ, hamartano, "errar o
alvo",parabasis (Gál. 3:19), "um desviar-se, uma transgressão".
3 o . Afirma-se t a m b é m explicitamente nas Escrituras.

432
A Natureza do Pecado...

"Todo o que comete pecado, comete igualmente ten anomian,


a ilegalidade, porque o pecado é ilegalidade" - 1 João 3:4.
"Porque onde não há lei também não há transgressão" - Rom.
4:15.

6. Como se prova que qualquer falta de conformidade com a


lei moral de Deus é pecado?
Como se mostrou acima, isso está implícito nas operações
da consciência. Esta dá testemunho da lei que nos é imposta
por uma autoridade exterior em relação a nós - a autoridade
suprema de Deus. Na falta de qualquer revelação sobrenatural,
ela tem levado todas as nações gentílicas a reconhecerem a
autoridade de Deus ou de deuses exercendo governo, a crerem
em r e c o m p e n s a s e castigos a d m i n i s t r a d o s p o r D e u s , e a
praticarem certos ritos expiatórios.
Davi assevera que toda e qualquer espécie de pecado é
desobediência e uma desonra feita a Deus. Veja o Salmo 51.
Segue-se que um pecado não é simplesmente uma violação
da lei da nossa própria constituição, nem do sistema das coisas,
e sim uma ofensa contra um Legislador pessoal e um Gover-
nador moral que vindica sua Lei com penas. A alma que peca
está sempre cônscia de que seu pecado (a) é intrinsecamente
vil e maculador, e (b) que com justiça merece castigo e chama
sobre o pecador a justa ira de Deus. Por isso o pecado traz
sempre consigo duas características inalienáveis - (a) desme-
recimento, culpa, reatus, (b) corrupção, mácula.

7. Como se pode mostrar que essa Lei (qualquer falta de


conformidade com a qual é pecado) exige perfeição moral absoluta?
Isso se acha envolvido necessariamente na própria essência
da obrigação moral. A própria essência do bem moral é que este
deve ser. A própria essência do mal moral é que este não deve
ser. Se qualquer coisa for indiferente moralmente, não será
moral, e se for moral, será coisa de obrigação. Sendo isso da
essência do bem moral, é evidente que é tão verdadeiro a

433
Capítulo 18

respeito de cada parte como do todo. Por conseguinte, qualquer


grau de falta de plena conformidade com o bem moral no mais
alto grau é da natureza do pecado, "Porque qualquer que
guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se
/

culpado de todos" - Tia. 2:10. E verdadeira a antiga máxima:


omne minus bonum habet rationem mali.
Deste princípio segue-se evidentemente que a doutrina
romana de obras de supererrogação não é somente ímpia, mas
também absurda; porque se essas obras são obrigatórias, não
são supererrogatórias; e se não são obrigatórias, não são morais,
e se não são morais, não podem ter valor moral. E segue-se
também que todos os perfeccionistas que, embora admitam
que os homens nesta vida não são capazes de guardar per-
feitamente a lei de absoluta perfeição moral, sustentam ao
mesmo tempo que os cristãos podem nesta vida viver sem
pecado, empregam, evidentemente, linguagem incorreta e
enganadora.

8. Como se prova que qualquer falta de conformidade com


essa Lei, nos estados e hábitos permanentes da alma, como tam-
bém nos seus atos, épecado?
I o . Isso fica provado pelo juízo comum de todos os homens.
Todos julgam que o estado moral do coração determina o
caráter moral das ações, e que o caráter moral destas torna
manifesto o estado do coração, e que o homem cujos atos são
habitualmente profanos, malévolos ou impuros, é ele mesmo
q u e m , no estado p e r m a n e n t e do seu coração, é p r o f a n o ,
malévolo ou impuro.
2 o . O m e s m o fica p r o v a d o pela c o m u m e x p e r i ê n c i a
religiosa de todos os cristãos. Esta experiência envolve sempre
convicção do pecado, e esta envolve como seu elemento mais
uniforme e proeminente, não só a convicção de não estarem
os nossos atos em c o n f o r m i d a d e com a lei de Deus, mas
t a m b é m o s e n t i m e n t o de que nas p r o f u n d e z a s da nossa
natureza, debaixo e além do alcance da volição, estamos mortos

434
A Natureza do Pecado..

espiritualmente e manchados, impotentes e insensíveis para


as coisas divinas, e por isso merecedores da condenação. Todo
verdadeiro cristão já tem dito com Paulo: "Miserável h o m e m
que eu sou! Q u e m me livrará do corpo desta m o r t e ? " - Rom.
7:24. Este sentimento acha expressão, e deste princípio dá-se
t e s t e m u n h o em todas as orações, súplicas e confissões, e nos
hinos e na literatura devocional dos cristãos de todos os séculos
e de todas as igrejas.
3 o . As Escrituras chamam explicitamente "pecado" a todos
os estados permanentes da alma quando não estão de confor-
midade com a lei de Deus. Diz que o pecado e suas paixões
reinam no corpo mortal; que os m e m b r o s do corpo são os
instrumentos do pecado; que os irregenerados são os servos do
V

pecado - Rom. 6:12-17. A disposição ou "tendência" perma-


nente para pecar chama-se "carne, em oposição ao "espírito",
Gál. 5:17; t a m b é m "concupiscência", T i a . l : 14,15; " h o m e m
velho", "corpo do pecado", "ignorância", "cegueira do coração",
"alienação da vida de Deus", Ef. 4:18-22.

9. Como se pode mostrar que mesmo os primeiros movimentos


espontâneos da concupiscência constituem pecado?
1 0 . O coração do cristão muitas vezes tem, m o m e n t â n e a e
espontaneamente, desejos maus, quando a consciência logo os
condena, e a vontade os proíbe e refreia, e deles desvia a atenção.
Mesmo quando o h o m e m assim não consente com o pecado
que está nele, o cristão, contudo, sente que tais movimentos
da concupiscência são pecaminosos e dignos de condenação, e
não somente resiste a eles, como também os condena e se
aborrece por causa deles, e procura logo lavar-se no sangue
expiatório e pelo Espírito purificador de Jesus.
2 o . Concupiscência é chamada "pecado" nas Escrituras.
" E u não conheci o pecado senão pela lei; p o r q u e eu não
conheceria a concupiscência (epithumian), se a lei não dissesse:
não cobiçarás (epithumeseis), Rom. 7:7. Também "as paixões
(os m o v i m e n t o s ) dos p e c a d o s " , a " o u t r a lei nos m e u s

435
Capítulo 18

membros", e "o pecado que habita em m i m " e que, sem o


meu consentimento, agiu produzindo "em m i m toda a con-
cupiscência", etc. - Rom. 7:5-24.

10. Qual o primeiro grande mistério em conexão com a origem


do pecado?
Como e por que foi permitida a existência do pecado na
criação realizada por um Deus ao mesmo tempo eterno, auto-
existente e i n f i n i t o em Sua sabedoria, poder, santidade e
bondade?
Todas as soluções propostas para este enigma, e que ainda
em nossos dia têm seus defensores, são resumidas do modo
seguinte pelo professor Haven, de Chicago:
"Ou Deus não podia impedir que entrasse o pecado (a)
em sistema algum, ou (b) num sistema que envolvesse agência
livre.
"Ou Deus, por algum motivo, não quis impedir a entrada
do pecado, ou (a) por ser sua existência desejável em si mesma;
ou (b) embora não sendo desejável em si é o meio necessário
para p r o d u z i r a maior soma de b e m ; ou (c) embora não
p r o p e n d a para o b e m , pode ser d o m i n a d o de m o d o que
concorra para produzir a maior soma de bem; ou (d) porque,
em termos gerais, a sua permissão será um mal menor do que
o seu impedimento absoluto".
É evidente (a) que Deus permitiu que entrasse o pecado, e
(b) que por isso está bem feito. Mas como pode estar bem feito,
é e sempre será um mistério que exige submissão da nossa
parte e que desafia a que lhe achemos solução satisfatória.

11. Qual foi a doutrina dos maniqueus a respeito da origem


do pecado?
Eles sustentavam que o pecado tem sua razão de ser em
algum princípio auto-existente e eterno, independente de
Deus - ou na matéria ou em algum demônio auto-existente.
Mas esta doutrina é incompatível, (a) com a independência,

436
A Natureza do Pecado..

infinitude e soberania de Deus; (b) com a natureza do pecado,


que é essencialmente a rebelião contra Deus de u m a livre
vontade (livre-arbítrio) criada. O pecado é um elemento de
agência moral pervertida. Considerá-lo atributo da matéria é
negá-lo. Todos os chamados "santos pais" u n a n i m e m e n t e se
opuseram ao maniqueísmo, e sustentaram a doutrina ortodoxa
de que o pecado neste m u n d o só é produto do livre-arbítrio do
homem.

12. Que diz a teoria de Agostinho a respeito da natureza do


pecado considerado como privação?
Agostinho afirmava - I o . Que Deus é o Criador de todas
os seres e o Governador absolutamente soberano de todos os
agentes morais e de todas as suas ações; e 2 o . Que não obstante
isso, Deus em n e n h u m sentido, nem é o autor, nem a causa do
pecado. A fim de conciliar estes dois pontos, ele sustentava,
3 o . Que o pecado não é um ser, uma entidade, e sim, na sua
essência, é simplesmente um defeito. Seu pronunciamento,
que circula geralmente entre todas as classes de teólogos, é:
Nihil est malum nisiprivatio beni. (Literalmente: Nada é mal,
senão privação do bem.) Os teólogos distinguem propriamente
entre "negação" e "privação". Negação é a ausência daquilo
que não pertence à natureza de um objeto, como , e.g., a
faculdade da visão a uma pedra. Privação é ausência daquilo
que, pertencendo à natureza do objeto, é necessário para a sua
perfeição, e.g., a faculdade da visão a um homem.
Portanto, o pecado é privação porque tem sua origem na
ausência das qualidades morais que devem achar-se presentes
nos estados e ações de um agente moral, livre e responsável.
Devemos estar lembrados, porém, de que a depravação
inerente que "vem de uma causa defectiva ou privativa" toma
imediatamente uma forma positiva, por causa da natureza
essencialmente ativa (dinâmica) da alma humana. N u m estado
passivo de existência, um defeito poderia continuar sendo
puramente negativo. Todavia num ser sempre ativo (dinâmico),

437
Capítulo 18

c que está sempre com obrigações morais, um defeito moral


não pode senão tornar-se imediatamente em vício positivo.
Não amar a Deus é odiá-10. Não estar conformado em tudo
à Sua vontade é rebelar-se contra Ele e violar a Sua lei
em todos os pontos. Veja Edwards, Original Sin (O Pecado
Original), Parte 3, sec. 2.

13. O que diz a doutrina pelagiana a respeito da natureza do


pecado?
A teoria pelagiana do pecado, que é rejeitada por todos os
ramos da Igreja Cristã, é -
I o . Que uma lei pode comandar volições.
2 o . Que os estados da alma só podem ser comandados até
onde forem o efeito direto de prévias volições.
3 o . Que, portanto, o pecado consiste somente em atos de
volição.
4 o . Que o homem não tem obrigação alguma de fazer aquilo
que não tem capacidade plena para fazer.
5 o . Que, portanto, não há coisa semelhante àquilo que se
chama depravação inata.
6°. Que, sendo necessário que uma volição seja determinada
só e unicamente pela vontade para que tenha caráter moral ou
possa ser aprovada ou condenada, segue-se que o pecado está
fora do domínio absoluto de Deus.

14. Em que sentido é verdadeira a declaração de que "todo


pecado é voluntárioe em que sentido é falsa?
Tudo depende do sentido em que se tomar a palavra
"voluntário". Se, no sentido pelagiano, se restringir aos "atos
de volição", então a declaração de que "todo pecado é volun-
tário" será falsa. Se, porém, a palavra for tomada no sentido de
incluir as disposições, tendências e afetos espontâneos que
constituem o caráter p e r m a n e n t e da alma, que incitam as
volições e decidem da sua natureza, então todo pecado é
voluntário, porque todo pecado tem sua razão de ser e sua fonte

438
A Natureza do Pecado...

nessas tendências e disposições espontâneas, isto é, nos estados


morais permanentes da alma. „

15. Quais são as peculiaridades da teoria católico-romana a


este respeito, e também as dos perfeccionistas arminianos?
A igreja católica romana concorda com todos os protes-
t a n t e s em s u s t e n t a r que são p e c a m i n o s o s os h á b i t o s e
disposições permanentes, como também as ações da alma, que
não estejam em conformidade com a lei de Deus. Mas é u m a
característica proeminente da sua doutrina que eles afirmam
que não são propriamente da natureza do pecado essa condição
moral da alma que permanece nos regenerados em conse-
qüência do pecado original, e o fomes* ou alimento de pecado
real. Eles sustentam que o primeiro movimento espontâneo
dessa concupiscência não é pecado em si mesmo e não deve
ser tratado como tal - porém que se torna causa de pecado só
quando a vontade entretém as suas solicitações e as traduz em
ações - Cat. do Cone. de Trento, Parte 2, cap. 2, Perg. 42.
Os arminianos servem-se mais ou menos das mesmas
distinções em defesa da sua doutrina da perfeição cristã. Wesley
(Meth.Doc. Tracts (Tratados sobre a Doutrina Metodista), págs.
294-312) d i s t i n g u e e n t r e "o pecado p r o p r i a m e n t e assim
chamado, isto é, transgressão voluntária de uma lei conhecida,
e o pecado impropriamente assim chamado, isto é, transgressão
involuntária de uma lei conhecida ou não", e declara: "Creio
que nesta vida não há perfeição que exclua essas transgressões
i n v o l u n t á r i a s , que acho serem c o n s e q ü ê n c i a n a t u r a l da
ignorância e dos erros inseparáveis da mortalidade".

O P E C A D O DE A D Ã O

16. Qual o segundo mistério em conexão com a origem do


pecado? ' • '

f
* Latim fomes- lenha, combustível. Nota de Odayr Olivetti. -

439
Capítulo 18

Como pôde o pecado originar-se n u m ser criado com uma


disposição positivamente santa?
A dificuldade consiste em conciliar de um m o d o inte-
ligível o fato de que o pecado originou-se assim -
I o . Com a conhecida constituição da vontade humana. Se
as volições são como são os afetos e desejos, e se estes, estimu-
lados por causas externas, são bons ou maus, conforme o estado
moral e p e r m a n e n t e da vontade, como então uma volição
pecaminosa pôde originar-se n u m a vontade santa? Ou, como
é que o estado p e r m a n e n t e da alma pôde tornar-se mau?
2 o . Com a experiência universal. Sendo impossível que
u m a volição ou um desejo pecaminoso se origine na santa
vontade de Deus, ou na dos santos e dos anjos, ou que um
afeto ou uma volição verdadeiramente santa se origine, sem
que tenha ocorrido uma regeneração sobrenatural, nas vontades
depravadas dos homens decaídos (Luc. 6:43-45), como é que
uma volição pecaminosa pôde originar-se na vontade santa de
Adão?
Que Adão foi criado com uma vontade santa mas falível,
a qual decaiu, são fatos estabelecidos pelo testemunho divino.
Temos a obrigação de crer neles, apesar de não p o d e r m o s
explicá-los racionalmente. E nos e impossível explicá-los -
I o . Permanece sempre na vontade h u m a n a um elemento
inescrutável para nós, seja qual for a teoria que a seu respeito
adotarmos.
2 o . P o r q u e todo o nosso raciocínio baseia-se necessa-
r i a m e n t e em nossa consciência í n t i m a , e n e n h u m o u t r o
h o m e m jamais teve na sua consciência a experiência de Adão.
A origem de nossas próprias volições pecaminosas é m u i t o
evidente; faltam-nos, porém, alguns dos dados necessários para
explicar a situação de Adão.
No entanto, por via de aproximação, devemos notar -
I o . Que não é lógico deduzir da vontade independente de
Deus alguma conclusão a respeito da vontade dependente de
uma criatura.

440
A Natureza do Pecado..

2 o . Q u e a infalibilidade dos santos e dos anjos não lhes é


inerente, e sim é u m a graça confirmador a acrescentada por
Deus. Não está mais em estado de provação (ou de prova) como
estava A d ã o - a v o n t a d e dele era livre, p o r é m n ã o estava
confirmada. . •
o
3 . A v o n t a d e d e p r a v a d a do h o m e m caído n ã o p o d e
originar afetos e volições santos, porque é necessário que se
ache presente um princípio positivamente santo que os
constitua santos. Mas, por outro lado, no caso de Adão, já se
a c h a v a m nele, n a sua v o n t a d e s a n t a , m u i t o s p r i n c í p i o s
m o r a l m e n t e indiferentes, em si mesmos n e m bons n e m maus,
e somente se tornando maus quando, na falta de sua boa direção
da parte da razão e da consciência, incitassem à indulgência
de algum m o d o proibido por Deus,£.£., incitassem o h o m e m ,
Adão, a a d m i r a r e desejar c o m e r do f r u t o p r o i b i d o , ou a
a d q u i r i r ciência (conhecimento) de um m o d o proibido. O
pecado começou no m o m e n t o em que, levado pelas palavras
persuasivas de satanás, Adão demorou-se em pensar nesses dois
motivos, apesar da proibição feita por Deus, e p e r m i t i u assim
que eles prevalecessem em sua alma ao ponto de neutralizar
t e m p o r a r i a m e n t e tanto a sua reverência pela autoridade de
D e u s como o receio de sua ameaça.
4 o . Adão, conquanto dotado de u m a disposição santa, estava
sem a experiência de tentações.
5°. A tentação dirigiu-se a um princípio da sua natureza
que era m o r m e n t e indiferente, e o tentador era um ser de
inteligência m u i t o superior à de Adão, e a ele é necessário
referir a origem de todos os pecados.

17. Qual foi, segundo se pode inferir da narrativa da Queda,


a natureza exata do primeiro pecado de Adão?
S e g u n d o se pode i n f e r i r da narrativa (Gên. 3:1-6), os
m o v i m e n t o s iniciais cuja i n f l u ê n c i a resultou no p r i m e i r o
pecado dos nossos primeiros pais, eram, considerados em si
mesmos, m o r a l m e n t e indiferentes. Eram - I o . Apetite natural

441
Capítulo 18

pelo f r u t o atraente. 2 o . Desejo natural de adquirir ciência (ou


conhecimento). 3 o . O poder persuasivo de satanás sobre Eva,
junto com a conhecida influência de u m a inteligência e de
u m a vontade superiores. 4 o . O poder persuasivo de satanás e
de Eva j u n t o s sobre Adão. Seu terrível pecado, infere-se,
consistiu essencialmente - I o . Na i n c r e d u l i d a d e : trataram
v i r t u a l m e n t e a Palavra de Deus como mentira. 2 o . Na desobe-
diência, cometida deliberadamente; arvoraram em lei a sua
vontade, em vez da vontade de Deus.

18. Que relação Deus sustentava para com o pecado de Adão?


A respeito da relação de Deus para com o pecado de Adão,
t u d o quanto sabemos é -
I o . Que D e u s criou Adão santo, com todas as faculdades
morais necessárias para fazer dele um agente responsável.
2 o . Q u e com todo o direito deixou de conceder-lhe, du-
rante o tempo da sua provação, qualquer dom sobrenatural
necessário para torná-lo infalível.
3 o . N e m causou n e m aprovou o seu pecado. 4 o . Decretou
soberanamente permitir que pecasse, determinando, pois, que
pecasse, como pecou.

19. Que efeito o pecado de Adão produziu sobre ele?


I o . Na relação natural que Adão m a n t i n h a para com Deus
como súdito sob o Seu governo moral, seu pecado não podia
deixar de produzir imediatamente o efeito de (1) desagradar a
Deus e aliená-10, e (2) de depravar sua própria alma.
2 0 . Em virtude da relação estabelecida entre D e u s e Adão
pela aliança das obras, Adão incorreu na pena sentenciada nessa
aliança, isto é, a morte, a qual compreendeu (1) mortalidade
do corpo, (2) corrupção da alma, e (3) sentença de morte eterna.

20. Em que sentido o homem tornou-se totalmente depravado,


e como pôde a depravação total ser resultado de um só pecado?
Q u a n d o se afirma que a depravação total foi o resultado

442
A Natureza do Pecado...

imediato do p r i m e i r o pecado de Adão, não se quer dizer


que ele se tornou tão m a u quanto lhe foi possível, n e m tão
c o r r o m p i d o como o é o m e l h o r dos seus descendentes não
regenerados; mas o sentido é -
I o . Q u e a sua apostasia de D e u s foi completa. D e u s exige
obediência perfeita, e Adão foi rebelde.
2°. Q u e D e u s retirou dele o Seu favor e a Sua c o m u n h ã o
c o m ele, as ú n i c a s condições que l h e p e r m i t i a m ter vida
espiritual.
3 o . Q u e um cisma se introduziu em sua própria alma. Sua
consciência passou a acusá-lo, e n u n c a mais poderia calar-se,
sem que houvesse u m a expiação. O resultado disso foi que
ele passou a ter m e d o de Deus, desconfiança, cometer pre-
varicação e, c o m o conseqüência necessária, i n ú m e r o s outros
pecados.
4 o . A s s i m , t o r n o u - s e depravada a n a t u r e z a inteira do
h o m e m . A vontade passou a estar em guerra contra a cons-
ciência e, dessa maneira, o e n t e n d i m e n t o ficou obscurecido; a
consciência, sujeita constantemente a ultrajes e desprezo, ficou
e n d u r e c i d a ; os apetites do corpo t o r n a r a m - s e desordenados e
os m e m b r o s do corpo se t r a n s f o r m a r a m em i n s t r u m e n t o s de
iniqüidade.
5 o . N ã o f i c o u n a natureza d o h o m e m n e n h u m p r i n c í p i o
recuperativo; iria de mal a pior, se D e u s não interviesse.
Assim, pois, sendo essencialmente ativa (dinâmica) a alma
h u m a n a , embora um só pecado n ã o estabelecesse um hábito
c o n f i r m a d o , esse pecado alienou D e u s e produziu confusão na
alma do h o m e m , e desse m o d o levou a um curso interminável
de pecado.

CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO


SOBRE A SUA P O S T E R I D A D E

São elas -
I a . Q u e a r e s p o n s a b i l i d a d e legal desse p e c a d o pesa

443
Capítulo 18 •••> •

judicialmente, e desde o primeiro m o m e n t o da sua existência,


sobre todos aqueles de q u e m Adão fora o representante na
aliança das obras.
2 a . Que, em conseqüência, cada um dos seus descendentes
nasce em estado de exclusão da c o m u n h ã o vivificadora do
Espírito divino.
3 a . Que, em conseqüência, nasce sem a justiça original e
com u m a tendência inerente que infalivelmente leva todos e
cada um dos seus d e p e n d e n t e s a p e c a r e m , d e s d e o seu
nascimento.
4a. Q u e os h o m e n s são a b s o l u t a m e n t e i n c a p a z e s
m o r a l m e n t e d e m u d a r sua n a t u r e z a o u d e c u m p r i r suas
obrigações.
Por motivos que aparecerão depois, discutiremos os pontos
ligados à natural corrupção e incapacidade moral do h o m e m
antes do p o n t o que se relaciona com a imputação, ou a razão e
o m o d o por que as conseqüências do pecado de Adão passam
dele para os seus descendentes.

444
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19

O Pecado Original
(Peccatum Habituale)

1. Como se deve definir o pecado original?


V e j a C o n / de Fé, Cap.6; Cal. Maior, Perg. 2 5 , 2 6 B r e v e Cat.,
Perg. 18.
A expressão pecado original é empregada às vezes no sentido
de incluir t a n t o a i m p u t a ç ã o judicial da culpa do p e c a d o de
Adão, como t a m b é m a corrupção m o r a l hereditária, q u e é u m a
das conseqüências dessa imputação. Mais restritamente, porém,
a expressão pecado original designa s o m e n t e a c o r r u p ç ã o m o r a l
hereditária c o m u m a todos os h o m e n s desde o seu nascimento.
Ao d e f i n i r m o s esta d o u t r i n a , NEGAMOS:
I o . Q u e essa c o r r u p ç ã o seja em q u a l q u e r s e n t i d o física e
q u e seja i n e r e n t e à essência da alma ou a q u a l q u e r das suas
f a c u l d a d e s n a t u r a i s , c o m o tais.
2 o . Q u e consista p r i m a r i a m e n t e na m e r a s u p r e m a c i a da
/

p a r t e sensual da nossa natureza. E um h á b i t o d e p r a v a d o ou


uma tendência má da vontade.
3 o . Q u e consista só na ausência de disposições santas;
p o r q u e , em c o n s e q ü ê n c i a da a t i v i d a d e i n e r e n t e à a l m a , o
p e c a d o m a n i f e s t a - s e d e s d e o p r i n c í p i o p o r via d e u m a
t e n d ê n c i a positiva para o mal.
Por o u t r o lado, AFIRMAMOS:
I o . Q u e o pecado original é p u r a m e n t e m o r a l , s e n d o a
t e n d ê n c i a inata da v o n t a d e para o mal.
2Ü. Que, t e n d o sua sede na v o n t a d e oposta à santa lei de

445
Capítulo 19

D e u s , desvia o e n t e n d i m e n t o e assim e n g a n a a consciência,


c o n d u z a juízos m o r a i s errados, à cegueira do e n t e n d i m e n t o , a
u m a s e n s i b i l i d a d e deficiente e p e r v e r t i d a em relação às coisas
m o r a i s , à ação d e s o r d e n a d a da n a t u r e z a sensual e, assim, à
c o r r u p ç ã o da alma inteira.
3°. Q u e apresenta dois aspectos: (1) A perda do original
h á b i t o reto da v o n t a d e . (2) A presença de um h á b i t o positiva-
mente mau.
4°. C o n t u d o , do fato de n ã o abranger esta depravação inata
u m a disposição positiva para o mal, não se segue q u e n ã o t e n h a
sido i n f u n d i d a n a alma u m a q u a l i d a d e m á positiva. P o r q u e ,
da n a t u r e z a e s s e n c i a l m e n t e ativa ( d i n â m i c a ) da alma, e da
natureza essencial da virtude, como aquilo que obriga à
v o n t a d e , segue-se e v i d e n t e m e n t e q u e é impossível q u e a alma
seja i n d i f e r e n t e m o r a l m e n t e ; e assim essa depravação que,
c o m o diz o P r e s i d e n t e Edwards*, "vem de u m a causa defectiva
e privativa", toma i m e d i a t a m e n t e u m a f o r m a positiva. N ã o
a m a r a D e u s é rebelião c o n t r a Ele, e não obedecer à v i r t u d e é
calcá-la aos pés. O a m o r por nós m e s m o s em breve nos leva a
temer, e depois a odiar o v i n g a d o r da justiça - E d w a r d s , Origi-
nal Sin (O Pecado Original), P a r t e 4, sec. 2.

2. Por que esse pecado é chamado original?


N ã o p o r q u e pertencesse à constituição original da nossa
n a t u r e z a assim c o m o esta saiu das mãos de D e u s , e sim, I o .
P o r q u e é d e r i v a d o p o r geração o r d i n á r i a de Adão, e s t i r p e
original da raça h u m a n a ; e 2 o . P o r q u e é a raiz i n t e r n a ou a
origem de todos os pecados efetivos que m a c u l a m a nossa vida.
E s s e p e c a d o c h a m a - s e t a m b é m , t e c n i c a m e n t e , Peccatum
Habituale, ou um pecado que consiste n u m h á b i t o ou estado

* Jonathan Edwards, grande teólogo e pregador, e um dos maiores, senão o


maior filósofo norte-americano. Foi Presidente do Colégio de Nova Jersey,
atual Universidade de Princeton. Nota de Odayr Olivetti.

446
O Pecado Original

m o r a l m e n t e c o r r o m p i d o da alma, em distinção do pecado


imputado e do pecado efetivo.

3. Como se pode provar que a doutrina do pecado original não


envolve corrupção da substância da alma?
É juízo universal dos h o m e n s que existem na alma, além
da sua essência e de suas faculdades naturais, certos hábitos,
inatos ou adquiridos, que qualificam (ou condicionam) a ação
dessas faculdades e constituem o caráter do h o m e m . Esses
hábitos, ou disposições inerentes, que d e t e r m i n a m os afetos e
desejos da vontade, governam as ações do h o m e m e, q u a n d o
bons, são aprovados e, quando maus, são reprovados por todos.
Um hábito moral inato da alma, e.g., o pecado original, não é
uma corrupção física como também qualquer hábito adquirido
(seja hábito intelectual, seja moral) não é u m a m u d a n ç a física.
Além disso, as Escrituras distinguem entre o pecado e o
agente de um modo que prova que o hábito de pecar (o hábito
pecaminoso) não é alguma coisa consubstancial com o próprio
pecador - Rom. 7:17, "o pecado que habita em m i m " - Heb.
12:1.

4. Como se pode provar que o pecado original não consiste em


alguma moléstia, nem somente na supremacia da parte sensorial
da nossa natureza?
E m b o r a seja verdade que os apetites desordenados do
corpo dão ocasião a muitos pecados, é c o n t u d o evidente que a
origem ou a raiz do pecado não pode estar neles -
1°. Pela própria natureza do pecado, o qual tem necessaria-
mente sua sede no estado moral do princípio voluntário. Uma
m o l é s t i a , ou q u a l q u e r f o r m a de d e s o r d e m física, n ã o é
v o l u n t á r i a e, p o r c o n s e g u i n t e , n ã o p o d e ser e l e m e n t o de
responsabilidade moral. E, além disso, obrigação da vontade
regular a natureza inferior e sensório-sensual, e o pecado deve
sua origem à falta desses afetos morais que seriam supremos
se ainda continuassem a reinar na vontade.

447
Capítulo 19

2 o . Pelo fato de não t e r e m n e n h u m e l e m e n t o sensório-


s e n s u a l os p e c a d o s m a i s g r a v e s , e.g., o o r g u l h o , a i r a , a
malevolência, e a AVERSÃO A DEUS.

5. Como se pode provar que esse hábito ou disposição inata da


alma, que leva os homens a cometerem maus atos, é em si mesmo
pecado?
1°. Esse h á b i t o inato da alma é um estado da v o n t a d e , e
é um p r i n c í p i o final q u e os estados, b e m c o m o os atos da
vontade, em relação à lei da consciência, são morais, isto é, ou
b o n s ou m a u s . Veja acima, Cap.15, Perg. 9 e 10.
2°. Esses h á b i t o s ou estados p e r m a n e n t e s da v o n t a d e
c o n s t i t u e m o caráter do h o m e m , q u e todos os h o m e n s julgam
m e r e c e r louvor ou censura.
3 o . Essa disposição inerente para cometer atos pecaminosos
é c h a m a d a " p e c a d o " nas Escrituras - R o m . 6:12,14,17; 7:5-17.
E c h a m a d a " c a r n e " " c a r n a l " em o p o s i ç ã o a " e s p í r i t o " ou
" e s p i r i t u a l " , Gál. 5:17,24; t a m b é m " c o n c u p i s c ê n c i a " , Tia.
1:14,15; "o nosso h o m e m v e l h o " e "corpo do pecado", R o m .
6:6; t a m b é m "ignorância", "cegueira do coração" e "separados
da vida de D e u s " , Ef. 4:18,19.

6. Como se pode mostrar que o pecado original não consiste


somente na falta da retidão original?
I o . Da atividade i n e r e n t e à alma h u m a n a e da n a t u r e z a
i n e r e n t e m e n t e obrigatória do q u e é m o r a l m e n t e b o m , segue-
-se que a ausência de boas disposições c o n d u z i m e d i a t a m e n t e
à formação de disposições positivamente más. Não amar a D e u s
é o d i á - 1 0 ; não o b e d e c e r - L h e é d e s o b e d e c e r - L h e . A desobedi-
ência c o n d u z ao m e d o , à m e n t i r a e a todas as f o r m a s de pecado.
Veja acima, Perg. 1.
2 o . C o m o matéria de fato, a depravação inata m a n i f e s t a
seu c a r á t e r p o s i t i v o pelos p e c a d o s p o s i t i v o s , tais c o m o o
o r g u l h o , a malevolência, etc. q u e dela p r o v ê m m e s m o nas
crianças de idade m u i t o tenra.

448
O Pecado Original

3 o . As Escrituras lhe atribuem caráter positivo q u a n d o lhe


aplicam termos c o m o "carne", "concupiscência", " h o m e m
velho", "lei nos meus membros", "corpo do pecado", "o pecado
t o m a n d o ocasião", " m e enganou", e "obrou toda a concupis-
cência" - R o m a n o s , capítulo 7.

7. Como se pode mostrar que o pecado original afeta o homem


inteiro?
O pecado original tem sua sede na vontade, e consiste
primariamente nesse p e n d o r para disposições e afetos ilícitos
que é o h á b i t o i n a t o da alma h u m a n a . M a s , as diversas
faculdades da alma não são outros tantos agentes separados. E
a alma em sua unidade que opera em cada função como o agente
indivisível, qualificando-se m u t u a m e n t e u m a à outra suas
diversas faculdades segundo a sua espécie. Q u a n d o a alma está
ocupada em entender alguma coisa,e.g., a matemática, em que
seus afetos não se acham interessados, então não há na sua ação
n e n h u m elemento moral. Entretanto, quando está ocupada em
entender alguma coisa a respeito da qual seus afetos depra-
vados se acham interessados de um modo perverso, sua ação
imparcial será necessariamente prejudicada. As conseqüên-
cias, pois, da p r o p e n s ã o p e c a m i n o s a da v o n t a d e na sua
influência governadora sobre as operações da alma, em todas
as suas faculdades, serão -
I o . O e n t e n d i m e n t o , tornado parcial pelos afetos perver-
tidos, operando c o n c o r r e n t e m e n t e com o sentido moral em
formar juízos morais, dará como resultado juízos errados, u m a
consciência enganadora e u m a geral "cegueira do entendi-
m e n t o " a respeito de coisas morais.
2 o . As emoções e os s e n t i m e n t o s que a c o m p a n h a m os
juízos da consciência em aprovar o bem e condenar o mal,
sendo muitas vezes ultrajados e tratados com negligência, vão
se t o r n a n d o menos vivos, e isso r e d u n d a r á n u m a consciência
endurecida e n u m a insensibilidade moral em geral.
3 o . N u m curso prolongado de ação pecaminosa, a memória

449
Capítulo 19

ficará p o l u í d a pelos materiais a m o n t o a d o s das experiências


c o r r u p t o r a s , e delas a imaginação t a m b é m tirará material para
o seu uso.
4 o . O c o r p o t a m b é m se t o r n a r á c o r r o m p i d o . (1) Seus
apetites naturais, na falta de direção e g o v e r n o a p r o p r i a d o s , se
t o r n a r ã o d e s o r d e n a d o s . (2) Seus p o d e r e s ativos serão e m p r e -
gados c o m o " i n s t r u m e n t o s d e i n i q ü i d a d e " .
5 o . As E s c r i t u r a s e n s i n a m - (1) Q u e o e n t e n d i m e n t o do
" h o m e m n a t u r a l " é depravado, b e m c o m o os seus afetos - 1
Cor. 2:14; 2 Cor. 4:4; Ef. 4:18; Col. 1:21. (2) Q u e a regeneração
envolve n ã o s o m e n t e a renovação do coração, m a s t a m b é m a
sua i l u m i n a ç ã o - A t o s 26:18; Ef. 1:18; 5:8; 1 Ped. 2:9. (3) Q u e
a v e r d a d e dirigida ao e n t e n d i m e n t o é o meio p r i n c i p a l de q u e
se s e r v e o E s p í r i t o S a n t o nas o b r a s de r e g e n e r a ç ã o e de
s a n t i f i c a ç ã o - J o ã o 17:17; Tia. 1:18.

8. Que se entende pela afirmação de que o homem é, por natureza,


totalmente depravado?
Por essa frase o r t o d o x a NÃO SE DEVE ENTENDER -
1°. Q u e o h o m e m d e p r a v a d o n ã o t e m c o n s c i ê n c i a . A
b o n d a d e de um agente não consiste em ter consciência, e sim
em estarem suas disposições e afetos em c o n f o r m i d a d e com a
lei da qual a consciência é o órgão. M e s m o os d e m ô n i o s e as
almas p e r d i d a s sabem o que é b o m e m a u , e s e n t e m essas emo-
ções vindicativas das quais a consciência está a r m a d a .
N e m , 2 o . que os h o m e n s não regenerados, p o s s u i n d o u m a
c o n s c i ê n c i a n a t u r a l , n ã o a d m i r e m m u i t a s vezes o c a r á t e r
v i r t u o s o e as boas ações dos outros.
N e m , 3 o . que sejam incapazes de ações ou afetos interes-
sados em suas diversas relações com os outros seres h u m a n o s .
N e m , 4 o . que q u a l q u e r h o m e m seja tão d e p r a v a d o q u a n t o
é possível que se torne, n e m que todos t e n h a m u m a disposição
p r o p e n s a para todas as f o r m a s de pecado.
M a s , ENTENDE-SE-
I o . Que, desde que a v i r t u d e consiste na c o n f o r m i d a d e

450
O Pecado Original

das disposições da vontade com a lei de D e u s , e que a própria


alma da virtude consiste em ser a alma leal a Deus, segue-se
que todo h o m e m , por natureza, está, em sua disposição geral,
separado de D e u s e que, por conseguinte, todos os seus atos,
quer sejam m o r a l m e n t e indiferentes, quer sejam c o n f o r m a d o s
a princípios s u b o r d i n a d o s do b e m , são viciados pelo estado de
rebelião contra D e u s em que se acha o agente.
2°. Que esse estado da vontade dá como resultado um cisma
na alma, e a perversão moral de todas as faculdades da alma e
do corpo (veja a resposta à Perg. i m e d i a t a m e n t e anterior).
3 o . Q u e esse estado t e n d e a resultar em mais corrupção,
em progressão sem f i m , em todas as partes da nossa natureza,
e que esta deterioração seria incalculavelmente mais rápida
do que é, se D e u s não a restringisse por meio do Seu Espírito.
4°. N ã o resta mais n e n h u m elemento recuperativo na alma.
O h o m e m só p o d e tornar-se cada vez mais e para sempre pior,
se não experimentar u m a recriação miraculosa.

9. Que prova da doutrina do pecado original se pode extrair


da narrativa da Queda?
Deus criou o h o m e m à Sua imagem e declarou que, como
agente moral, era m u i t o bom. Ameaçou-o com a m o r t e no dia
em que comesse do f r u t o proibido, e esta ameaça c u m p r i u - s e
literalmente só no sentido da morte espiritual. A vida espiritual
do h o m e m depende de estar ele em c o m u n h ã o com D e u s ; mas
Deus, em Sua ira, baniu-o da Sua presença. Em conseqüência
disso, é declarado que o estado espiritual do h o m e m agora é a
" m o r t e " , a mesma pena que fora sentenciada - Ef. 2:1; 1 João
3:14.

10. Que descrição as Escrituras fazem da natureza humana,


e como se pode inferir daí a existência de uma depravação inata
e hereditária?
Segundo as Escrituras, todos os h o m e n s estão total-
m e n t e separados de Deus, e depravados m o r a l m e n t e em

451
Capítulo 19

seu e n t e n d i m e n t o , coração, vontade, consciência, corpo e


a ç õ e s - R o m . 3:10-23; 8:7; Jó 14:4; 15:14; Gên. 6:5; 8:21; Mat.
15:19; Jer. 17:9; Is. 1:5,6. Diz-se que essa depravação diz
respeito, I o . aos atos; 2 o . ao coração; 3 o . que é desde o nasci-
m e n t o , e que é por natureza; 4 o . que afeta a todos os h o m e n s ,
sem exceção - Sal. 51:5; João 3:6; Ef. 2:3; Sal. 58:3.

11. Que testemunho desta doutrina é dado por Romanos 5:12-


21?
Nessa passagem Paulo prova a culpa - a obrigação legal
de sofrermos a penalidade - do pecado de Adão imputada a
nós, pelo fato indiscutível de que a penalidade da lei, que Adão
violou, é infligida a todos. Mas essa pena toda consistiu no
mal penal - a morte física, espiritual e eterna. O pecado original,
junto com a morte natural, é declarado nessa passagem como
um fato inegável, e o apóstolo tomou-o como base de seu
a r g u m e n t o para provar a imputação do pecado de Adão.

12. Como fica estabelecida a verdade desta doutrina pelo fato


da existência geral do pecado?
Todos os homens, em todos os séculos, e sejam quais forem
as suas circunstâncias ou as influências educacionais que os
cercaram na sua mocidade, principiam a pecar logo que se
tornam capazes de ações morais. Ora, um efeito universal deve
ter causa universal também. Assim, pois, como julgamos que
o h o m e m é, por natureza, u m a criatura inteligente, p o r q u e as
ações de todos os h o m e n s envolvem um e l e m e n t o de
i n t e l i g ê n c i a , assim t a m b é m j u l g a m o s com certeza q u e o
h o m e m é, por natureza, depravado, porque todos os h o m e n s
pecam.

13. Se Adão pecou, apesar de estar livre de qualquer corrupção


de sua natureza, como então o fato de sua posteridade pecar poderia
provar que a sua natureza é corrompida?
O pecado de Adão prova que um agente moral pode ser

452
O Pecado Original

ao m e s m o t e m p o santo e falível, e que tal criatura, entregue a


si mesma,pode pecar; mas, quanto à sua posteridade, a questão
e: qual é a causa u n i f o r m e e universal por que todos, sem
exceção, pecam logo que se tornam agentes morais? No caso
de Adão, a questão é: como ele pôde pecar? No de seus descen-
dentes: por que é que todos com certeza pecam desde crianças?

14. Com quais outras objeções os pelagianos e outros procuram


diminuir a força do argumento baseado na universalidade do pecado?
I o . Os que afirmam que a liberdade do i n d i f e r e n t i s m o é
essencial à agência responsável, e que as volições não ficam
d e t e r m i n a d a s pelo p r e c e d e n t e e s t a d o m o r a l d o e s p í r i t o ,
atribuem todas as ações pecaminosas ao fato alegado de não
estar condicionada a vontade do h o m e m , e insistem em que o
lato dele agir como age seja tomado como fato final.
Em resposta, reconhecemos que o h o m e m se d e t e r m i n a
sempre como lhe apraz, mas a questão é: por que é que todos
se aprazem em d e t e r m i n a r - s e para o pecado? U m a causa
i n d i f e r e n t e não p o d e explicar um r e s u l t a d o u n i f o r m e . A
doutrina do pecado original ensina simplesmente que o caráter
depravado da própria vontade é a causa u n i f o r m e do resultado
uniforme.
2 o . Outros procuram explicar os fatos alegando a influência
universal do mau exemplo.
Respondemos: (1) As crianças uniformemente manifestam
disposições depravadas n u m a idade tão tenra que não se pode
racionalmente atribuir esse pecado à influência do exemplo.
(2) M e s m o as crianças que desde o nascimento se acharam
cercadas de i n f l u ê n c i a s que só p o d i a m incliná-las para a
santidade, manifestam disposições depravadas.
3 o . Outros ainda procuram explicar os fatos referindo-os à
ordem natural que se segue no desenvolvimento de nossas
faculdades, e.g., as faculdades animais, depois as intelectuais,
e por último as morais; e assim as inferiores, antecipando-se
;is superiores, pervertem-nas.

453
Capítulo 19 I

Em resposta, referimo-nos à Perg. 4, acima. E, ademais,


essa explicação não s o m e n t e é imperfeita, p o r é m t a m b é m
a d m i t e v i r t u a l m e n t e o fato da depravação inata e hereditária.
Pois tal o r d e m de d e s e n v o l v i m e n t o , d a n d o em r e s u l t a d o
conseqüências tão uniformes, é cm si m e s m a u m a corrupção
total da natureza.

15. Que argumento a favor da doutrina do pecado original


pode-se deduzir da universalidade da morte?
A p e n a l i d a d e da lei foi a m o r t e , a b r a n g e n d o a m o r t e
espiritual, a morte física e a m o r t e moral. A morte física é
universal; a morte eterna, suspensa temporariamente por amor
de Cristo, foi sentenciada contra todos os impenitentes. Mas,
v e n d o que u m a parte da pena tornou-se efetiva, m e s m o no
caso de crianças que n u n c a pecaram pessoalmente, somos
obrigados a crer que a outra parte tornou-se efetiva t a m b é m .
Os animais irracionais, que t a m b é m sofrem e m o r r e m , não
são agentes morais, e nunca estiveram incluídos n u m a aliança
de v i d a , e p o r isso o seu caso, e m b o r a a p r e s e n t e certas
dificuldades peculiares, não tem analogia com o dos h o m e n s .
A geologia a f i r m a que os a n i m a i s irracionais s o f r e r a m e
m o r r e r a m em gerações sucessivas antes da criação e apostasia
do h o m e m ; e isso é ainda um dos problemas não resolvidos da
providência de Deus.

16. Como se pode provar esta doutrina pelo que as Escrituras


dizem a respeito da regeneração?
As Escrituras declaram -
I o . Q u e a regeneração é u m a m u d a n ç a radical de caráter
moral, operada pelo Espírito Santo no exercício de p o d e r
sobrenatural. E chamada "nova criação"; os regenerados são
chamados "feitura de Deus, criados para as boas obras", etc. -
Ez. 36:26; Ef. 1:19; 2:5,10; 4:24; 1 Ped. 1:23; Tia. 1:18.
2 o . Diz-se que é absoluta e universalmente necessária -
João 3:3; 2 Cor 5:17.

454
O Pecado Original

17. Como se pode provar esta doutrina pelo que as Escrituras


dizem a respeito da redenção?
A respeito da redenção as Escrituras a f i r m a m -
I o . Quanto à sua natureza, que o desígnio do sacrifício de
Cristo e seu efeito é livrar todo o Seu povo, por meio de u m a
propiciação, tanto do poder como da culpa do pecado - Ef.
5:25-27; Tito 2:14; Heb. 9:12-14; 13:12.
2 o . Quanto à sua necessidade, q u e era a b s o l u t a m e n t e
necessária para todos - não s o m e n t e para os adultos, mas
t a m b é m para as crianças que nunca cometeram pecado efetivo
- Atos 4:12; Rom. 3:25,26; Gál. 2:24; 3:21,22; Mat. 19:14;
Apoc. 1:5; 5:9.
Alguns dizem que Cristo só r e m i u as crianças libertando-
-as da sujeição ao pecado. No entanto, sendo a redenção u m a
propiciação feita por sangue, em que sofreu "o Justo pelos
injustos", se as crianças não são pecadoras, não p o d e m ser
remidas. O estado de inocência resultante da libertação da
sujeição ao pecado não admite redenção. Veja Dr. Taylor, Condo
ad Clerum (New H a v e n , 1828), págs. 24,25; t a m b é m Harvey's
Review, do m e s m o autor ( H a r t f o r d , 1829), pág. 19.

18. Qual a prova derivada do batismo das crianças?


O batismo, como foi com a circuncisão, é um rito externo
que significa as graças internas da regeneração e da purificação
de natureza espiritual - Mar. 1:4; João 3:5; Tito 3:5; D e u t .
10:16; R o m . 2:28,29. Ambos esses ritos deviam ser aplicados
às crianças. Todavia a aplicação do rito externo seria inútil e
p r o f a n o se as crianças não precisassem e não fossem capazes
daquilo que o rito significa.

19. Se Deus é o autor da nossa natureza, e se essa natureza é


pecaminosa, como podemos evitar a conclusão de que Deus é o
autor do pecado?
Essa conclusão seria inevitável se, 1°. O pecado fosse ele-
m e n t o essencial da nossa natureza, ou se, 2 o . Fosse i n e r e n t e a

455
Capítulo 19

essa natureza originariamente, c o m o saiu das mãos de Deus.


Mas sabemos, 1°. que o pecado teve origem no livre ato
do h o m e m , criado santo, porém ao m e s m o t e m p o falível; 2 o .
que a corrupção inteira da nossa natureza veio do pecado; e,
3 o . que, em conseqüência do pecado e com toda justiça, D e u s
tirou de nós as influências conservadoras do Seu Espírito
Santo e deixou os h o m e n s entregues às conseqüências naturais
e penais do seu pecado. Veja Calvino, Instit., Lib. 2, Cap. 1,
sec. 6 e 11.

20. Como se pode conciliar esta doutrina com a liberdade do


homem e sua responsabilidade por seus atos?
I o . A nossa consciência afirma que o h o m e m é sempre
responsável por seus atos livres, e que seu ato é sempre livre
q u a n d o ele se determina como, tudo considerado, lhe apraz.
2 0 . O pecado original consiste em más disposições e, por
conseguinte, o h o m e m , pecando, age livremente, p o r q u e age
exatamente como quer agir.
3 o . A nossa consciência declara que a incapacidade não é
incompatível com a responsabilidade. O hábito ou a disposição
inerente à vontade é o que determina a sua ação; mas h o m e m
algum pode m u d a r a sua disposição por um ato da volição, ou
s i m p l e s m e n t e por querer mudá-la. Veja Cap. 18, Perg. 4 e 25.

21. Como se propaga essa corrupção da natureza?


Veja abaixo, sob o Cap.21.

22. Em que sentido o pecado pode ser o castigo do pecado?


I o . Por via de conseqüência natural (1) nas operações
i n t e r n a s da própria alma, no d e s o r d e n a m e n t o de suas
faculdades; (2) na confusão das relações entre o pecador e Deus.
2 o . Por via de abandono judicial. Por causa do pecado,
D e u s retira o Seu Espírito, e a conseqüência disso é mais
p e c a d o - R o m . 1:24-28.

456
O Pecado Original

23. Que ensinam as Escrituras a respeito do pecado contra o


Espírito Santo?
Veja Mar. 12:31,32; Mar. 3:29,30; H e b . 6:4,6; 10:26,27; 1
João 5:16.
Estas passagens dão a e n t e n d e r que esse p e c a d o consiste
em rejeitar m a l i g n a m e n t e o sangue de Cristo e o t e s t e m u n h o
do E s p í r i t o S a n t o , apesar de p r o v a s e c o n t r a a p r ó p r i a
/

convicção. E c h a m a d o pecado c o n t r a o E s p í r i t o Santo p o r q u e


é o t e s t e m u n h o e a i n f l u ê n c i a dEle, p r e s e n t e no coração, q u e o
p e c a d o r rejeita d i r e t a e a q u e resiste d e s d e n h o s a m e n t e . É
imperdoável, não p o r q u e a sua culpa exceda aos m e r e c i m e n t o s
de C r i s t o , n e m p o r q u e o estado do p e c a d o r seja tal q u e o
E s p í r i t o S a n t o n ã o t e n h a p o d e r para t r a n s f o r m á - l o , e sim
p o r q u e o pecado consiste na rejeição deliberada e final de Cristo
e Seu Espírito, e p o r q u e D e u s d e t e r m i n o u s o b e r a n a m e n t e que
este seria o limite final da Sua graça.

24. Quais as idéias principais envolvidas na doutrina pelagiana


do pecado original?
O sistema c h a m a d o pelagiano o r i g i n o u - s e c o m Pelágio,
em suas controvérsias com A g o s t i n h o , no p r i n c í p i o do q u i n t o
século, e foi depois desenvolvido c o m p l e t a m e n t e pelos
discípulos de F a u s t o e Loelio Socino no século 16. E o sistema
explicado no Catecismo Racoviano*, e é o dos u n i t á r i o s da
I n g l a t e r r a e dos Estados U n i d o s dos séculos 18 e 19. A b r a n g e
os p o n t o s seguintes:
I o . O pecado de A d ã o só afetou a ele p r ó p r i o .
2 o . As crianças n a s c e m no m e s m o estado m o r a l em q u e
A d ã o foi criado.
3 o . Todo h o m e m possui capacidade plenária para pecar

* De Racov, Polônia, onde foram disseminadas as idéias socinianas. Nota


de Odayr Olivetti.

457
Capítulo 19

ou para arrepender-se e obedecer sempre que lhe aprouver.


4 o . A responsabilidade está na razão exata da capacidade;
e as exigências de Deus estão na razão das diversas capacidades
(morais e constitutivas) e circunstâncias dos h o m e n s .

25. Quais as idéias principais envolvidas na doutrina


semipelagiana?
Segundo a apreciação crítica feita por Wiggers em sua
Historical Presentation of Augustinianism and Pelagianism
(Apresentação Histórica do Agostinianismo e do Pelagianismo),
o pelagianismo considera o h o m e m como moral e espiritual-
mente são, o semipelagianismo o considera como enfermo, e o
agostinianismo como morto.
Eis aqui um r e s u m o das d o u t r i n a s peculiares q u e os
semipelagianos ensinavam na idade média -
I o . Negavam a imputação do pecado de Adão.
2 o . R e c o n h e c i a m q u e o h o m e m h e r d a de A d ã o u m a
condição mórbida da sua natureza.
3 o . Essa condição, porém, não é pecado, mas é a causa
certa de pecados.
4 o . Essa condição envolve as faculdades morais da alma a
tal p o n t o que n i n g u é m pode, sem auxílio divino, c u m p r i r as
exigências nem da Lei n e m do evangelho. O h o m e m possui,
p o r é m , o poder de começar a viver b e m , e então Deus, v e n d o
os seus esforços, e sabendo que sem a Sua graça esses esforços
serão infrutíferos, dá-lhe, por Sua graça, o auxílio de que ele
necessita.
A d o u t r i n a de Armínio e o "sinergismo" de M e l a n c h t h o n
reduzem-se praticamente à doutrina que acabamos de expor,
com a única diferença de que os semipelagianos sustentavam
que o h o m e m pode e necessariamente tem que iniciar em si a
obra do a r r e p e n d i m e n t o e o b e d i ê n c i a , e que D e u s e n t ã o
coopera i m e d i a t a m e n t e com ele; e que os a r m i n i a n o s e os
sinergistas sustentam que o homem é tão depravado que precisa
da graça de D e u s para dispô-lo e habilitá-lo a começar como

458
O Pecado Original

t a m b é m a c o n t i n u a r e levar a efeito essa obra; mas que, ao


m e s m o tempo, todos os h o m e n s realmente têm a m e s m a graça
c o m u m operando neles, a qual, p o r é m , n a d a efetua e n q u a n t o
o h o m e m não coopera voluntariamente com ela, q u a n d o então
essa graça c o m u m se torna eficaz em virtude dessa cooperação.
A Igreja Grega ocupa a mesma posição geral a respeito do
pecado original, e sustenta -
I o . Q u e o pecado original n ã o é voluntário e por isso não é
v e r d a d e i r a m e n t e pecado.
2 o . Que a influência de Adão estende-se somente à natureza
sensório-sensual dos seus descendentes, e não à sua natureza
racional, n e m à sua natureza espiritual, estendendo-se, por isso,
à sua vontade somente m e d i a n t e a natureza sensório-sensual.
3 o . As crianças estão sem pecado, p o r q u e possuem só u m a
natureza física e propagada.
4 o . A vontade h u m a n a tem a iniciativa na regeneração,
m a s precisa do auxílio d i v i n o . Isso é s e m i p e l a g i a n i s m o ;
e n q u a n t o a posição correspondente do a r m i n i a n i s m o é que a
graça tem a iniciativa na regeneração, p o r é m que a sua eficácia
d e p e n d e da cooperação h u m a n a .

26. Qual é a teoria de "New Haven" a este respeito?


O Dr. Nathaniel W. Taylor, de New Haven, o príncipe da
teologia da escola nova da América, ensinava que o pecado
consiste unicamente nos atos da vontade: que "o pecado original
é ato do próprio h o m e m , e consiste em ele escolher livremente
como seu b e m principal algum outro objeto e não Deus". Essa
definição inclui a preferência p e r m a n e n t e que p r e d o m i n a na
v o n t a d e e q u e d e t e r m i n a os atos de escolha especiais e
transitórios; que a respeito dessa preferência cada ser h u m a n o
determina-se logo que se torna agente moral, e que é sempre
u m a p r e f e r ê n c i a de algum b e m m e n o r , em vez de D e u s .
Sustenta igualmente que a natureza do h o m e m , na condição
em que começa a existir agora, em conseqüência do pecado de
Adão, é a ocasião e não a causa de os h o m e n s fazerem unifor-

459
Capítulo 19

m e m e n t e má escolha m o r a l , e q u e o p e c a d o original é, assim,


por natureza, s o m e n t e no s e n t i d o de q u e a v o n t a d e o c o m e t e
l i v r e m e n t e , apesar de u n i f o r m e m e n t e , como ocasionado p o r
natureza, mas que a própria natureza, ou sua tendência inerente
de ocasionar o pecado, não é em si pecado n e m merece castigo.
Veja Concio ad Clerum, N e w H a v e n , 1828, e Harvey's Review,
do m e s m o autor.

27. Qual é a doutrina concernente à mudança efetuada pela


Queda na natureza moral do homem?
Veja abaixo as exposições públicas das diversas igrejas.

28. Que distinção os católicos romanos fazem entre pecados


mortais e pecados veniais?
D i z e m eles q u e mortais são os pecados q u e s e p a r a m de
D e u s a alma e fazem p e r d e r a graça b a t i s m a l ; e q u e veniais são
os q u e só i m p e d e m o acesso da alma a D e u s . Veja abaixo,
B e l a r m i n o , nas "Exposições autorizadas das diversas igrejas".
As objeções são - I a . E u m a distinção q u e as E s c r i t u r a s
n u n c a fazem. 2 a . Se não fosse o sacrifício de Cristo, todo pecado
seria m o r t a l - Tia. 2:10; Gál. 3:10.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS
DAS DOUTRINAS DAS DIVERSAS IGREJAS

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Concílio de Trento,


Sess. 5, Can. 2. - "Se alguém disser que o pecado de Adão
só foi nocivo a ele mesmo, e não à sua descendência; e
que a santidade que recebeu de Deus e a justiça que perdeu,
para si só a perdeu e não para nós; e que manchado com o
pecado de desobediência só transfundira por todo o gênero
h u m a n o a morte e moléstias do corpo, e não o pecado,
que é morte da alma - anathema sit" . Ib.6, Cap. 1. "Declara
em primeiro lugar o Santo Concílio que, para se entender
bem e sinceramente a doutrina da justificação, convém
que cada um conheça e confesse que, tendo todos os

460
O Pecado Original

homens pela prevaricação de Adão perdido a inocência e


se tornado imundos... em tal forma são servos do pecado,
e sujeitos ao poder do diabo e da morte... posto que o livre
arbítrio não ficou neles extinto, e sim atenuado de forças
e inclinado". Ib. Sess. 6: Can. 5. "Se alguém disser que o
livre arbítrio depois do pecado de Adão foi perdido e
extinguido... - anathema sit". Can. 7. "Se alguém disser
que todas as obras que se fazem antes da justificação
(regeneração), de qualquer modo que se façam, verdadei-
ramente são pecados, ou merecem o ódio de Deus; e que
com quanto maior veemência forceja alguém em se dispor
para a graça, tanto mais gravemente peca - anathema sit".
Belarmino, "Amiss. Gratia", 3:1 - "A penalidade pro-
priamente imposta em conseqüência do primeiro pecado
foi a perda da retidão original e dos dons sobrenaturais
que Deus tinha concedido à nossa natureza" - "De Gratia
primi Hom." 1: "Eles (os católicos romanos) ensinam que
pelo pecado de Adão o homem inteiro ficou deteriorado,
mas não perdeu nem o livre-arbítrio nem n e n h u m dos
dona naturalia, mas unicamente os dona supernaturalia". Ib.
C. 5 - Por isso o estado do homem depois da queda de
Adão não difere do seu estado in puris naturalibus (isto é, o
estado em que foi criado e em que estava antes de receber
os dona supernaturalia - veja as "Exposições" no fim do
Cap. 16) mais do que o estado de um homem a quem
roubaram a roupa difere do estado de um homem origi-
nalmente nu, nem é pior a natureza humana (se tirardes a
culpa original), nem labora ela em maior ignorância e
enfermidade do que era e laborava quando criada in puris
naturalibus. Daí seguir-se que a corrupção da natureza não
é o resultado da perda de dom algum, nem a do acréscimo
de nenhuma qualidade má, e sim unicamente o resultado
da perda do dom sobrenatural em conseqüência do pecado
de Adão".
Amiss. Gra., 5, 5: "A questão e n t r e nós e nossos
adversários não é se a natureza humana ficou gravemente
depravada em conseqüência do pecado de Adão: porque
isso confessamos livremente. Nem é se essa depravação

461
Capítulo 19

pertence de qualquer modo ao pecado original, de maneira


que se possa dizer que é o material desse pecado. Mas a
controvérsia toda versa sobre este ponto - se essa corrup-
ção da natureza, e especialmente a concupiscia per se e em
sua p r ó p r i a n a t u r e z a , como se acha nos b a t i z a d o s e
justificados (regenerados) é propriamente pecado original.
E isto que os católicos romanos negam.
DOUTRINA LUTERANA - "Formula Concordice", pág. 640
- (Deve-se crer) - I o . "Que esse mal hereditário é culpa
(desmerecimento) mediante a qual, por causa da desobe-
diência de Adão e Eva, nós todos estamos sujeitos à ira de
Deus e somos por natureza filhos da ira, como testificou
o apóstolo Paulo (Rom. 5:12, ss. Ef. 2:3). 2 o . Que há em
todos falta, defeito e privação totais da justiça original
criada no Paraíso, ou da imagem de Deus à qual o homem
foi no princípio criado em verdade, santidade e justiça; e
que há, ao mesmo tempo, a impotência e incapacidade, a
fraqueza e estupidez, que tornam o h o m e m totalmente
incapaz de tudo quanto é espiritual e divino... 3 o . Além
disso: que o pecado original na natureza humana não só
envolve a perda e a ausência totais de tudo quanto é bom
nas coisas espirituais e que dizem respeito a Deus; mas
que, em vez da imagem perdida de Deus, há também no
h o m e m uma corrupção interior, péssima, profunda,
inescrutável e indescritível da natureza inteira e de todas
as faculdades, e primariamente nas faculdades principais
e superiores da alma, na mente, no intelecto, no coração
e na vontade".
Ib. pág. 645 - "Mas, ainda que esse pecado original
i n f e c c i o n e e c o r r o m p a a natureza inteira do h o m e m ,
como uma espécie de veneno ou lepra espiritual (como
diz o D r . L u t e r o ) , de m o d o q u e em nossa n a t u r e z a
corrompida não é possível apresentar separadamente aos
o l h o s esses dois, a n a t u r e z a em separado e o pecado
original em separado; contudo, essa natureza corrompida,
ou substância do homem corrompido, o corpo e a alma,
ou o p r ó p r i o h o m e m como criado por Deus, no qual
habita o pecado original, não é um e o mesmo que esse

462
O Pecado Original

pecado original que habita na natureza ou na essência


do h o m e m e a corrompe; como no corpo do leproso, o
corpo leproso e a lepra que está no corpo não são uma e
a mesma coisa".
DOUTRINA REFORMADA - "Conf Belga", Art. 15:
"(Peccatum originis) é essa corrupção da natureza inteira e
esse vício hereditário que os torna corruptos mesmo no
ventre de suas mães, e que, como raiz, produz toda espécie
de pecados no homem e é por isso tão vil e execrável à
vista de D e u s , que é s u f i c i e n t e para c o n d e n a r a raça
humana".
"Conf. Gallica", Art. 11: "Cremos que este vício (originis)
c verdadeiramente pecado, que torna a todo e qualquer
h o m e m , sem exceção m e s m o das crianças e s c o n d i d a s
ainda no ventre de suas mães, réus diante de Deus, da
morte eterna".
"Os 39 Artigos da Igreja Anglicana.", Art. 9: "(O pecado
original) é um vício e corrupção da natureza de todo
homem da geração de Adão; pelo que o homem está distan-
ciado muitíssimo da justiça original, e é de sua própria
natureza inclinado ao mal; de forma que a carne tem
sempre desejos sensuais contrários ao espírito; e por isso
toda pessoa que nasce neste mundo merece a ira de Deus
e a condenação".
DOUTRINA REMONSTRANTE - "Apol. Conf Remon-
strante", pág. 84: "Eles (os remonstrantes) não consideram
o pecado original como pecado propriamente dito, nem
como um mal que, como pena, no sentido restrito dessa
palavra, passe de Adão para a sua posteridade, e sim como
um mal, uma enfermidade ou vício ou qualquer nome que
se lhe queira dar, que de Adão, privado da sua justiça
original, vem por propagação sobre a sua posteridade".
L i m b o r c h , "Theol. Christ.", 3, 3,4: " C o n f e s s a m o s
também que as crianças nascem menos puras do que era
Adão quando foi criado, e com uma certa propensão para
pecar, mas isso não lhes advém tanto de Adão como de
seus pais imediatos, porque, se viesse de Adão, devia ser
igual em todos os homens. Contudo é agora desigual no

463
Capítulo 19

mais alto grau, e os filhos pendem comumente para os


pecados de seus pais".
DOUTRINA SOCINIANA - "Cat. Racoviano", pág. 294:
"E a queda de Adão, tendo sido um só ato, não podia ter o
poder de corromper nem a natureza do próprio Adão, e
muito menos a da sua posteridade. Não negamos, porém,
que, em conseqüência do costume constante de pecar, a
natureza do homem está agora infeccionada de uma certa
queda e de uma t e n d ê n c i a excessiva para pecar. Mas
negamos que isso seja pecado per se, ou que seja da natureza
do pecado".

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464
20

Incapacidade

1. Quais são os três elementos principais envolvidos nas


conseqüências que o pecado de Adão trouxe sobre a sua posteridade?
São -
I o . A culpa, o reato* ou a justa r e s p o n s a b i l i d a d e legal do
p r i m e i r o pecado ou ato de apostasia de Adão, q u e é i m p u t a d a
ou i m p o s t a j u d i c i a l m e n t e sobre os seus d e s c e n d e n t e s , e em
v i r t u d e da qual cada criança nasce em estado de c o n d e n a ç ã o .
2 o . A depravação total da nossa natureza, e n v o l v e n d o u m a
disposição pecadora inata e l e v a n d o i n e v i t a v e l m e n t e a trans-
gressões efetivas.
3 o . A inteira i n c a p a c i d a d e da alma de m u d a r sua n a t u r e z a
ou de fazer coisa a l g u m a que seja e s p i r i t u a l m e n t e boa, em
o b e d i ê n c i a à lei divina.

2. Quais os três tipos de doutrina que, a respeito da incapacidade


humana para cumprir a lei de Deus, sempre existiram na Igreja?
I o . O tipopelagiano - (a) Caráter m o r a l só p o d e ser p r e d i -
c a d o de volições, (b) A c a p a c i d a d e é s e m p r e a m e d i d a da
r e s p o n s a b i l i d a d e , (c) Por c o n s e g u i n t e , t o d o h o m e m possui
s e m p r e p l e n o p o d e r de fazer t u d o q u a n t o é de seu dever fazer,
(d) Por isso é só a v o n t a d e de cada um que, com exclusão da
interferência de qualquer influência interna que venha de Deus,
t e m que decidir sobre o caráter e o destino do h o m e m . A ú n i c a

* Estado ou condição de réu, de acusado. Nota de Odayr Olivetti.

465
Capítulo 20

influência divina de que o h o m e m precisa e que é compatível


c o m o seu caráter c o m o a g e n t e a u t o d e t e r m i n a d o é u m a
influência externa, providencial e educativa.
2 o . O tipo semipelagiano - (a) A natureza do h o m e m ficou
enfraquecida pela Queda de modo que, nas coisas espirituais,
ele não pode agir b e m sem auxílio divino, (b) Esse estado moral
enfraquecido que as crianças h e r d a m de seus pais é a causa do
pecado, mas não é em si m e s m o pecado no sentido de merecer
a ira de Deus. (c) E necessário que o h o m e m procure c u m p r i r
todos os seus deveres e, neste caso, D e u s lhe dá a Sua graça
cooperativa e torna bem-sucedidos os seus esforços, (d) O
homem só é responsável pelos pecados cometidos por ele depois
de receber e abusar das influências da graça.
3 o . O tipo agostiniano - Este foi adotado por todas as igrejas
protestantes originais, luteranas e reformadas, (a) O h o m e m é
por natureza tão inteiramente depravado que é t o t a l m e n t e
incapaz de fazer alguma coisa e s p i r i t u a l m e n t e boa, ou de
começar ou dispor-se em qualquer grau para isso. (b) M e s m o
sob as influências incitantes e persuasivas da graça divina, a
vontade do h o m e m é t o t a l m e n t e incapaz de agir b e m , em
cooperação com a graça, e n q u a n t o a própria vontade não é,
radical e p e r m a n e n t e m e n t e , renovada pela energia da graça,
(d) M e s m o d e p o i s d e r e n o v a d a , a v o n t a d e fica s e m p r e
d e p e n d e n t e da graça divina, no sentido de que ela o incite,
dirija e habilite a fazer qualquer boa obra.

3. Qual é a diferença entre os escritores protestantes antigos e


os modernos quanto ao usus loquendi das palavras "liberdade"
e "capacidade"?
Os antigos muitas vezes empregavam a palavra "liberdade"
no m e s m o s e n t i d o em que e m p r e g a m o s agora a p a l a v r a
"capacidade", e negavam que, depois da Queda, o h o m e m
tivesse qualquer "liberdade" de vontade a respeito das coisas
divinas.
O s t e ó l o g o s m o d e r n o s s u s t e n t a m , a esse r e s p e i t o ,

466
I Incapacidade

exatamente a m e s m a d o u t r i n a que os antjgos; mas julgam que


é mais judicioso fazer u m a distinção no uso dos dois termos.
E n t e n d e m , pois, pelo t e r m o " l i b e r d a d e " a p r o p r i e d a d e
inalienável de qualquer agente moral e livre, seja b o m ou m a u ,
de exercer volições s e g u n d o l h e apraz; isto é, s e g u n d o as
disposições e tendências p r e d o m i n a n t e s da sua alma. P o r
"capacidade", p o r é m , e n t e n d e m o poder de u m a alma h u m a n a
depravada, e indisposta por natureza para qualquer bem
espiritual, de m u d a r suas disposições e tendências p r e d o m i -
nantes p o r meio de qualquer volição, p o r mais que p r o c u r e
mudá-las assim, ou de obedecer aos preceitos da lei na ausência
de quaisquer disposições santas. Os afetos p e r m a n e n t e s da
alma governam as volições; m a s estas não p o d e m m u d a r os
afetos. E q u a n d o dizemos que n i n g u é m depois da Q u e d a tem
capacidade para prestar a obediência espiritual que a lei exige,
o s e n t i d o é (a) que as radicais disposições morais de todos
opõem-se por natureza a essa obediência, e (b) que o h o m e m é
absolutamente incapaz de mudá-las, ou (c) de exercer volições
contrárias a elas.

4. Como se pode expor a doutrina ortodoxa tanto negativa como


positivamente?
A d o u t r i n a ortodoxa não ensina -
I o . Q u e o h o m e m t e n h a perdido na Queda qualquer de
suas faculdades constitutivas necessárias para fazer dele um
agente moral e responsável. Essas faculdades são (a) a razão,
(b) a consciência, e (c) a livre vontade (o livre-arbítrio). Essas
todas o h o m e m possui e tem em exercício. Ele tem o poder de
c o n h e c e r a v e r d a d e ; r e c o n h e c e e sente as distinções e as
obrigações morais; seus afetos, tendências e hábitos de ação
são espontâneos; em todas as suas volições ele prefere, escolhe
e rejeita livremente o que lhe apraz e como lhe apraz. Portanto,
é responsável.
2°. N e m , que o h o m e m não tenha o poder de sentir e fazer
muitas coisas que são boas e dignas de amor, benévolas e justas,

467
Capítulo 20

nas suas relações com os seus semelhantes. Muitas vezes isso é


a d m i t i d o nas confissões protestantes e nas obras clássicas dos
seus teólogos, o n d e se concede que o h o m e m , m e s m o depois
da Q u e d a , ainda tem capacidade para a humana justitia, o b e m
civil, etc.
Mas a doutrina ortodoxa ensina -
I o . Que, depois da Queda, a incapacidade do h o m e m diz
respeito às coisas que envolvem as nossas relações, como seres
espirituais, para com D e u s - a apreensão e amor da excelência
espiritual e uma vida em conformidade com ela. Nas confissões
de fé essas coisas são chamadas "coisas de Deus", "coisas do
Espírito", "coisas que dizem respeito à salvação".
2°. Que o homem, depois da Queda, é inteiramente incapaz
de saber, sentir ou agir em conformidade com essas coisas. Um
h o m e m natural pode estar esclarecido intelectualmente, porém
espiritualmente está cego. Pode possuir afetos naturais, mas o seu
coração está morto para com Deus e é invencivelmente avesso
à Sua Pessoa e à Sua Lei. Pode obedecer à letra desta, entretanto
não pode obedecê-la em espírito e em verdade.

5. Em que sentido essa incapacidade é absoluta, em que sentido


é natural e em que sentido é moral?
I o . É absoluta no sentido próprio deste termo. N e n h u m
h o m e m não regenerado tem o poder de fazer aquilo que a esse
respeito Deus exige dele - quer direta quer indiretamente; nem
pode m u d a r a sua natureza de modo que tenha mais poder;
n e m pode preparar-se para a graça; n e m pode principiar a
cooperar com a graça e n q u a n t o Deus, no ato da regeneração,
não lhe m u d a r a natureza e, mediante a Sua graça, não lhe der
capacidade graciosa de agir graciosamente e em c o n s t a n t e
dependência de Sua graça.

2 o . Enaturalno sentido de não ser acidental ou adventícia,
e sim inata, e que pertence à nossa natureza decaída como ela
se propaga por lei natural de pais a filhos.
3 o . Não é natural num sentido, p o r q u e não pertenceu à

468
Incapacidade

natureza do h o m e m c o m o foi criado. Ele foi criado com plena


capacidade de fazer tudo quanto lhe era exigido, e a posse dessa
capacidade é sempre necessária para a perfeição moral da sua
natureza. Pode ser um h o m e m real sem ela, c o n t u d o não
h o m e m perfeito. A capacidade concedida ao h o m e m pela graça
de D e u s na regeneração n ã o é um dote e x t r a n a t u r a l , m a s
consiste n u m a parcial restauração da sua natureza à sua con-
dição de integridade original.
4 o . Não é natural ainda noutro sentido - p o r q u e não é de
m o d o algum resultado de qualquer deficiência da natureza
h u m a n a , como existe agora, nas faculdades morais e racionais
da alma. <> '
o
5 . Essa incapacidade c puramente moral, porque, enquanto
todo h o m e m responsável possui todas as faculdades, tanto
morais como racionais e intelectuais, necessárias para agir bem,
o estado moral dessas faculdades é tal que é impossível ao
h o m e m agir bem. Sua essência está na incapacidade da alma
de conhecer, escolher e amar o que é espiritualmente b o m , e
seu fundamento está nessa corrupção moral da alma que a torna
cega, insensível e totalmente avessa a tudo quanto é espiri-
t u a l m e n t e bom.

6. Qual a história da célebre distinção entre capacidade natural


e capacidade i?ioral?
Essa distinção foi primeiro apresentada explicitamente
n e s t a f o r m a por João C a m e r o n , que nasceu em Glasgow,
Escócia, em 1580, foi professor na escola teológica de Saumur,
França, em 1618, e faleceu em 1625.
O Presidente (Jonathan) Edwards (da futura Universidade
de Princeton), em sua grande obra intitulada On the Will (Sobre
a Vontade), Parte 1, C. 4, adotou os mesmos termos, afirmando
que, depois da Q u e d a , os h o m e n s têm capacidade natural para
fazer t u d o o que deles é exigido, mas que não têm capacidade
moral para fazê-lo. Por capacidadenatara/ ele entendia que todo
h o m e m natural está de posse, como condição necessária para

469
Capítulo 20

o t o r n a r um a g e n t e r e s p o n s á v e l , de todas as f a c u l d a d e s
constitutivas necessárias para habilitá-lo a obedecer à lei de
D e u s . Por capacidade moral e n t e n d i a esse estado moral e
inerente dessas faculdades, essa disposição reto zboa do coração
que é necessária para o c u m p r i m e n t o desses deveres.
Não há por que questionar a validade e a importância dessa
exposição feita pelo Presidente Edwards e do m o d o com ele
faz essa distinção; e o m e s m o princípio é reconhecido acima,
na exposição da doutrina ortodoxa, nas respostas às perguntas
4 e 5. Apesar disso, p o r é m , temos sérias objeções contra a
fraseologia empregada, e pelos seguintes motivos: •
I o . Essa fraseologia não é autorizada pela analogia das
Escrituras. Estas n u n c a dizem que o h o m e m tem u m a espécie
de capacidade e que não tem a outra. E n s i n a m coerentemente
em toda parte que o h o m e m não pode fazer o que é exigido
dele; e n u n c a ensinam que o possa fazer em algum sentido.
2 o . N u n c a foi adotada pelas confissões de fé promulgadas
pelas igrejas reformadas.
3 o . E essencialmente ambígua, e assim tem sido empre-
gada muitas vezes para exprimir, e outras para encobrir, erros
semipelagianos. O seu emprego tende n a t u r a l m e n t e a fazer
errar e a c o n f u n d i r o pecador convicto de seus pecados; pois
afirma que ele pode (fazer o que lhe é exigido), em certo sentido,
e n q u a n t o a verdade é que ele só possui alguns dos requisitos
essenciais da capacidade. Dizer que um pássaro morto tem
capacidade muscular para voar e que só lhe falta a capacidade
vital é brincar com palavras. A verdade do caso é que o pecador
é absolutamente incapaz por causa de u m a deficiência moral.
E certo que essa incapacidade é pura e simplesmente moral.
Mas não é verdade, e é enganador, dizer ao pecador que ele
tem capacidade natural, q u a n d o o fato é que ele é incapaz de
fazer o que deve fazer. A obra realizada pelo Espírito Santo na
regeneração não é u m a persuasão moral, e sim uma nova criação
moral. • '
o
4 . " N a t u r a l " não é a antítese própria de "moral"; porque

470
Incapacidade

u m a coisa pode ser ao m e s m o tempo natural e moral. A incapa-


cidade do h o m e m , como d e m o n s t r a m o s acima, é com certeza
i n t e i r a m e n t e moral, porém é ao m e s m o tempo, e n u m sentido
importante, natural, isto é, pertence à sua natureza no seu estado
atual c assim é t r a n s m i t i d a dos pais aos filhos.
5 o . A linguagem empregada não e x p r i m e a c u r a d a m e n t e a
distinção i m p o r t a n t e que se quer assinalar. A incapacidade é
m o r a l , e n ã o é n e m física n e m constitutiva. N ã o t e m seu
f u n d a m e n t o na falta de n e n h u m a faculdade, mas sim no estado
moral e c o r r o m p i d o das faculdades, na desinclinação inve-
terada dos afetos e disposições da natureza voluntária.

7. Como se pode provar pelas Escrituras o fato dessa


incapacidade?
Com o exame de passagens como as seguintes: Jer. 13:23;
João 6:44,65; 15:5; Rom. 9:16; 1 Cor. 2:14.

8. Como se pode provar o mesmo fato pelo qual as Escrituras


ensinam a respeito do estado moral do homem por natureza?
E um estado de cegueira e de trevas espirituais - Ef. 4:18; de
m o r t e espiritual - Col. 2:13. Os não regenerados são "servos
(escravos) do pecado" - Rom. 6:20; estão "fracos" - R o m . 5:6.
A Bíblia afirma que os h o m e n s estão nos laços do diabo e que
estão "presos à vontade dele" - 2 T i m . 2:26; e que o único
m o d o por que se pode m u d a r o caráter de nossas obras é que
se m u d e o caráter de nossos corações - Mat. 12:33-35.

9. Como se pode provar a mesma verdade pela qual as Escri-


turas ensinam acerca da natureza e necessidade da regeneração?
Q u a n t o à sua natureza, ensinam que a regeneração é um
" n o v o nascimento", u m a "nova criação", um gerar de novo, o
dar-nos D e u s um novo coração; os que a experimentam são
/

"novas criaturas", "feitura de Deus", etc. E efetuada pela "sobre -


excelente grandeza do seu poder" (do poder de Deus) - Ef.
1:18-20. Elas afirmam que todas as graças cristãs, como sejam

471
Capítulo 20

o amor, a fé, a paz, a alegria etc., são " f r u t o do E s p í r i t o " - Gál.


5:22,23. " D e u s é o q u e opera em vós t a n t o o q u e r e r c o m o o
efetuar,* s e g u n d o a sua boa v o n t a d e " - Fil. 2:13.
Q u a n t o à sua necessidade, e n s i n a m que esta m u d a n ç a
radical dos estados e p r o p e n s õ e s p r e d o m i n a n t e s da p r ó p r i a
v o n t a d e é , n o caso d e t o d o f i l h o d e A d ã o , sem n e n h u m a
exceção, a b s o l u t a m e n t e necessária para a salvação.
E claro, pois, que, antes dessa m u d a n ç a operada nele pelo
p o d e r divino, o h o m e m só pode estar absolutamente i m p o t e n t e
espiritualmente, e que toda capacidade q u e em qualquer t e m p o
possa ter, m e s m o para cooperar com a graça que o salva, só
p o d e ser conseqüência dessa m u d a n ç a .

10. Como se pode provar o mesmo fato pela experiência ?


I o . Pela experiência de todo pecador convicto de seu pecado.
T o d a c o n v i c ç ã o v e r d a d e i r a d o p e c a d o a b r a n g e estes d o i s
e l e m e n t o s : (a) U m a c o m p l e t a convicção de r e s p o n s a b i l i d a d e
e culpa, que faz o p e c a d o r justificar a D e u s e p r o s t r a r - s e ele
m e s m o d i a n t e de D e u s em confissão , na completa r e n ú n c i a
da c o n f i a n ç a em si, e na m a i o r a u t o - h u m i l h a ç ã o . (b) U m a

* Figueiredo, seguindo a Vulgata, tem aqui "perfazer". Mas é de notar que


no original a palavra traduzida aqui "perfazer" por Figueiredo é "perficere"
na Vulgata. Acha-se ainda, no Novo Testamento, em Mat.14:12; Mar. 6:14;
Rom. 7:5; 1 Cor. 12:6,11; 2 Cor. 1:6; 4.12; Gál. 2:8; 3:5; 5:6; Ef. 1:11,20; 2:2;
3:20; Fil. 2:13; Col. 1:29; 1 Tess. 2:13; 2Tess. 2:7; Tia. 5:16, e em nenhuma
outra passagem; e que em todas essas passagens, exceção feita de Fil. 2:13
eTia. 5:16, a Vulgata traduz a palavra grega por "operari"; e Figueiredo
a traduz por "obrar", com exceção de Ef. 1:20, onde a traduz por "effeituam"
(efetuam), Ef. 2:2, por "exercitam o seu poder", e Tia. 5:16, onde a Vulgata
traduz a palavra, que no original está na forma de particípio passivo, por
"assidua", e Figueiredo por "fervorosa". E é de notar ainda que em Fil.
2:13, na primeira parte do versículo, a Vulgata traduz o original grego por
"operatur" e Figueiredo por "obra", a mesmíssima palavra grega que na
segunda parte do mesmo versículo, e só e unicamente neste lugar - de todo
o Novo Testamento -a Vulgata o traduz por "perficere" e Figueiredo por
"perfazer", evidentemente por motivos doutrinários. Nota do Tradutor.

472
Incapacidade

c o m p l e t a convicção da nossa i m p o t ê n c i a m o r a l e i n t e i r a
dependência tanto da graça divina para habilitar-nos como dos
m e r e c i m e n t o s de Cristo para justificar-nos. É necessário que
o pecador chegue nos dois sentidos, isto é, a respeito da sua
c u l p a e t a m b é m a r e s p e i t o da sua c o m p l e t a i m p o t ê n c i a
espiritual, a desesperar-se inteiramente de si - ou não poderá
ser conduzido a Cristo.
2°. Pela e x p e r i ê n c i a de t o d o cristão v e r d a d e i r o . Sua
convicção mais i n t i m a é (a) que estava absolutamente sem
forças espirituais e que foi salvo por u m a intervenção divina,
ab extra, (b) que as forças que agora ele goza, por mais fracas
que s e j a m , são s u s t e n t a d a s só e u n i c a m e n t e m e d i a n t e as
comunicações constantes do Espírito Santo, e que ele só vive
espiritualmente na medida em que se apega a Cristo.
3 o . Pela experiência universal da família h u m a n a . Con-
cluímos que todo h o m e m está absolutamente sem n e n h u m a
capacidade espiritual porque nunca, desde que o m u n d o existe,
se descobriu caso algum de um único h o m e m que exercesse
essa capacidade.

11. Como se pode expor e refutar a objeção feita contra a nossa


doutrina, e baseada na alegação de que "a capacidade é a medida
da responsabilidade "?
Não há dúvida de que o axioma segundo a qual a capaci-
dade é a medida da responsabilidade é verdadeira nalguns casos
e falsa noutros. O erro que vicia completamente a objeção acima
citada c o n t r a a d o u t r i n a bíblica da i n c a p a c i d a d e h u m a n a
consiste na falta de discriminação entre as circunstâncias em
que o axioma é verdadeiro e aquelas em que é falso.
E u m a verdade auto-evidente - u m a que n i n g u é m nega
q u e u m a i n c a p a c i d a d e que c o n s i s t e (a) n a a u s ê n c i a das
faculdades absolutamente necessárias para o c u m p r i m e n t o de
um dever, ou (b) na ausência dc qualquer ocasião para o seu
emprego, é totalmente incompatível com responsabilidade
moral no caso. Se um h o m e m não tiver olhos, ou, se os tiver

473
Capítulo 20

mas estiver irremediavelmente sem luz, n ã o pode ser moral-


m e n t e o b r i g a d o a ver. A s s i m t a m b é m u m h o m e m s e m
intelecto, ou sem consciência natural, ou sem qualquer das
outras faculdades constitutivas e essenciais para agência moral,
não p o d e ser responsável por não agir como agente moral.
E é evidente t a m b é m que essa ausência de responsabili-
dade v e m só e u n i c a m e n t e do simples fato da incapacidade. A
este respeito não importa nada se a incapacidade é devida a um
ato voluntário ou a um ato praticado por outrem, contanto que
a i n c a p a c i d a d e seja real. P o r e x e m p l o , u m h o m e m q u e
arrancasse os próprios olhos para eximir-se ao recrutamento,
poderia com justiça ser responsabilizado por esse ato, mas não
por não ver, isto é, por não empregar olhos que já não tem.
Por outro lado, p o r é m , não é m e n o s evidente que q u a n d o
a incapacidade consiste unicamente na falta de disposições
e afetos convenientes e próprios, em vez de ser, neste caso,
incompatível com a responsabilidade, ela se torna motivo de
u m a justa condenação. Nada há que seja mais certo ou mais
universalmente concedido do que os fatos de que os nossos
afetos e disposições (1) não estão sob o governo da nossa von-
tade. U m a volição nossa não os pode m u d a r mais do que pode
m u d a r a nossa natureza. (2) Apesar disso, somos responsáveis
p o r eles.
Os que sustentam que a nossa responsabilidade é limitada
p o r nossa capacidade devem, por conseguinte, sustentar (1)
que todo h o m e m , por mais degradado que seja, p o d e imedi-
atamente, por um ato de volição, conformar-se, e de coração,
ao mais sublime padrão da virtude, o que é absurdo; ou (2)
que o padrão de obrigação moral fica rebaixado mais e mais à
m e d i d a que o h o m e m peca, e em c o n s e q ü ê n c i a dos seus
pecados torna-se cada vez mais incapaz de obedecer, isto é,
que a obrigação moral d i m i n u i à medida que a culpa aumenta,
ou, por outra, que os direitos de D e u s d i m i n u e m à medida
que a u m e n t a a nossa rebelião contra Ele - o que t a m b é m é
absurdo, p o r q u e este princípio acabaria e v i d e n t e m e n t e com a

474
Incapacidade

Lei, t o r n a n d o de n e n h u m efeito tanto os seus preceitos como


a sua penalidade; pois o pecador, rebaixando-se mais e mais,
rebaixaria consigo t a m b é m a Lei. O princípio acima tiraria a
lei das m ã o s de D e u s e a colocaria n a s do p e c a d o r , q u e
determinaria sempre a extensão das exigências da Lei segundo
a extensão da sua própria apostasia.

12. Como se pode provar que os homens são responsáveis por


seus afetos?
I o . As Escrituras todas dão testemunho do fato de que Deus
exige que os h o m e n s t e n h a m b o n s afetos, e que Ele julga e
trata os h o m e n s segundo os seus afetos. Cristo declara (Mat.
22:37-40) que toda a lei moral se resume nos dois mandamentos
de a m a r m o s a Deus de todo o coração e ao próximo como a
nós mesmos. "Destes dois m a n d a m e n t o s depende toda a lei e
os profetas." Mas o " a m o r " é um afeto, e não u m a volição, e
n e m está ele sob o governo imediato das volições.
2 o . E juízo instintivo de todos que os afetos e disposições
morais são intrinsecamente bons ou maus, e que em todos os
casos, i n d e p e n d e n t e m e n t e da sua origem, e só segundo o seu
caráter, merecem louvor ou censura. Verdade é que alguns afetos
são em si mesmos m o r a l m e n t e indiferentes e se t o r n a m bons
ou m a u s só q u a n d o adotados pela vontade como princípio de
ação em preferência a outros princípios competidores, como,
e.g., o afeto do amor de si mesmo. Há outros afetos, porém,
que são intrinsecamente bons, como, e.g., o amor a Deus e a
benevolência desinteressada para com os nossos semelhantes;
e há o u t r o s que são i n t r i n s e c a m e n t e maus, como, e.g., a
malevolência, ou a desconfiança a respeito de Deus; e são bons
ou maus sem que nisso influa de m o d o algum a sua origem -
Rom. 7:14-23. Toda volição deriva sua qualidade moral do afeto
q u e a i n c i t a ; m a s a q u a l i d a d e moral do afeto é original,
i n d e p e n d e n t e e absoluta.
3 o . As Escrituras e a experiência cristã universal ensinam
que a c o n d i ç ã o c o m u m dos h o m e n s é, ao m e s m o t e m p o ,

475
Capítulo 20

condição de impotência moral e de responsabilidade. Segue-


-se, pois, que as duas coisas não p o d e m ser incompatíveis.

13. Como podem conciliar-se a incapacidade dos homens e os


mandamentos, promessas e ameaças de Deus?
Com toda a justiça, Deus trata o pecador segundo a medida
da sua r e s p o n s a b i l i d a d e , e não s e g u n d o a m e d i d a da sua
incapacidade pecaminosa. Teria sido u m a concessão inteira-
mente indigna de Deus se Ele baixasse as Suas exigências em
p r o p o r ç ã o aos pecados dos h o m e n s . E, além disso, sob a
dispensação do evangelho, Deus faz uso de Seus mandamentos,
promessas e ameaças como meios de atuação da Sua graça, a
fim de esclarecer os entendimentos, vivificar as consciências e
santificar o coração dos h o m e n s , sob a influência do Seu
Espírito.

14. Como se pode mostrar que o uso racional de meios não é


incompatível com a incapacidade dos homens?
A eficácia de todos os meios depende do poder de Deus, e
não da capacidade do h o m e m . Deus estabeleceu uma conexão
entre certos meios e o fim que se deseja alcançar; m a n d a - n o s
empregá-los e p r o m e t e u abençoá-los; e a experiência tem
d e m o n s t r a d o que Ele é fiel a Suas promessas e t a m b é m que
existe u m a conexão instrumental entre os meios e o fim.

15. Como se pode mostrar que o legítimo efeito prático desta


doutrina não é o de levar o pecador a procrastinar a obra da sua
salvação?
Essa doutrina tende, obviamente e com razão, a extinguir
as falsas esperanças de todo pecador e a paralisar as suas
tentativas de salvar-se e m p r e g a n d o suas próprias forças e
confiando nos seus próprios recursos. Mas, tanto a razão como
a experiência nos asseguram que o efeito natural e real dessa
grande verdade é - I o . Tornar h u m i l d e a alma e fazê-la des-
esperar-se de si. 2 o . Fazê-la sentir que a sua única esperança

476
Incapacidade

racional está em confiar i m e d i a t a m e n t e e sem reserva na graça


s o b e r a n a de D e u s em Cristo. 3 o . Esta v e r d a d e leva o cristão,
depois de convertido, a desconfiar h a b i t u a l m e n t e de si, a ser
d i l i g e n t e e vigilante, e a c o n f i a r h a b i t u a l m e n t e em D e u s e ser-
-Lhegrato. -.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS
DAS DIVERSAS IGREJAS

DOUTRINA ROMANA - Cone. de Trento, Sec. 6, cân. 7:


"Se a l g u é m disser que todas as obras que se fazem antes
da justificação, de q u a l q u e r tipo que se façam, verda-
d e i r a m e n t e são pecados, ou m e r e c e m o ódio de Deus...
anathema sit (seja a n á t e m a ) . " Sobre este assunto o leitor
p o d e r á ver algo mais sob os títulos de "Pecado Origi-
n a l " e "Vocação Eficaz."
DOUTRINA LUTERANA - Conf. de Augsburgo, pág. 15:
"A v o n t a d e h u m a n a possui certa capacidade (libertatem)
para p r o d u z i r retidão civil e escolher as coisas aparentes
aos sentidos. Mas, sem o Espírito Santo, não t e m o p o d e r
de p r o d u z i r a justiça de D e u s ou a justiça espiritual,
p o r q u e o h o m e m n a t u r a l n ã o percebe aquelas coisas que
são de D e u s . "
Foimula Concordice, pág. 579: "Cremos, pois, que tanto
c o m o a um cadáver falta o p o d e r de revivificar-se e
r e s t a u r a r - s e à vida corpórea, i g u a l m e n t e f a l t a m a q u e m ,
p o r causa do p e c a d o , está m o r t o e s p i r i t u a l m e n t e , todas
e c a d a u m a d a s f a c u l d a d e s de r e s t a u r a r - s e à v i d a
espiritual."
Ibidem, pág. 656 - C r e m o s q u e o intelecto, o coração
e a v o n t a d e do h o m e m não regenerado são i n t e i r a m e n t e
incapazes, nas coisas espirituais e divinas, e p o r seu
p r ó p r i o vigor n a t u r a l , de e n t e n d e r , crer, abraçar, pensar,
d e t e r m i n a r - s e , aperfeiçoar, fazer, operar ou cooperar em
coisa a l g u m a . " • •.>

477
Capítulo 20

DOUTRINA REFORMADA - Os Trinta e Nove Artigos


da Igreja Anglicana, Art. 10: "A condição do h o m e m ,
depois da q u e d a de Adão, é tal que ele n ã o p o d e mover-
-se n e m preparar-se a si m e s m o p o r sua p r ó p r i a força
n a t u r a l e boas obras, para a fé e a invocação de D e u s ;
p o r t a n t o , não temos p o d e r para fazer boas obras
agradáveis e aceitáveis a D e u s , sem a graça divina a nós
p r o v i n d a por meio de Cristo, para que t e n h a m o s vontade
r e a l m e n t e boa, e agindo conosco q u a n d o temos essa boa
vontade."
Conf. Helvética Posterior: " N o h o m e m não r e n o v a d o
n ã o há v o n t a d e livre para o b e m , n e m força para o fazer...
N i n g u é m nega q u e a respeito de coisas exteriores t a n t o
os n ã o r e g e n e r a d o s c o m o os r e g e n e r a d o s t e n h a m do
m e s m o m o d o a v o n t a d e livre; p o r q u e o h o m e m t e m esta
c o n s t i t u i ç ã o em c o m u m com os o u t r o s a n i m a i s , q u e
a l g u m a s c o i s a s ele se d e t e r m i n a a f a z e r e o u t r a s
determina-se a não fazer... A respeito deste ponto, conde-
n a m o s os m a n i q u e u s , que n e g a m q u e o mal t e n h a sua
origem no exercício da livre v o n t a d e (livre-arbítrio) de
u m h o m e m b o m . C o n d e n a m o s t a m b é m o s pelagianos,
que dizem que até os h o m e n s m a u s possuem livre
v o n t a d e suficiente para fazer o bem que D e u s nos m a n d a
fazer."
Formula Consensus Helvetica, Cass. 22: " S u s t e n t a m o s ,
pois, que falam com pouca exatidão e não sem perigo os
q u e c h a m a m a esta incapacidade de crer incapacidade
moral, e que não a consideram natural, acrescentando que
o h o m e m , seja qual for a condição em q u e seja colocado,
p o d e crer, c o n t a n t o que queira, e que a fé r e a l m e n t e é de
algum m o d o p r o d u t o do p r ó p r i o h o m e m ; e n q u a n t o o
apóstolo m u i t o d i s t i n t a m e n t e afirma que é d o m de D e u s
(Ef. 2:8)."
Artigos do Sínodo deDort, Cap. 8, sec. 3, Art. 3: "Todos
os h o m e n s são concebidos em pecado e n a s c e m filhos

478
Incapacidade

da ira, indispostos para q u a l q u e r b e m salvador, p r o p e n -


sos para o mal, estão m o r t o s n o s p e c a d o s e são escravos
do p e c a d o , e sem a graça do E s p í r i t o Santo r e g e n e r a d o r
n e m q u e r e m n e m p o d e m voltar para D e u s , corrigir sua
n a t u r e z a depravada, n e m dispor-se para a sua correção."
Conf. de Fé (de Westminster), Cap.9, § 3: "O h o m e m ,
p o r sua q u e d a e p o r seu e s t a d o d e p e c a d o , p e r d e u
t o t a l m e n t e t o d o o p o d e r de v o n t a d e para q u a l q u e r b e m
e s p i r i t u a l que a c o m p a n h e a salvação; de m a n e i r a q u e o
h o m e m natural, p o r ser i n t e i r a m e n t e avesso a esse b e m ,
e p o r estar m o r t o no pecado, n ã o pode, p o r seu p r ó p r i o
p o d e r , c o n v e r t e r - s e n e m p r e p a r a r - s e para a sua
conversão."
DOUTRINA REMONSTRANTE - L i m b o r c h , Theol.
Christ., L i b . 4, cap. 14, § 21: "A graça de D e u s é a causa
p r i m á r i a da fé, sem a qual o h o m e m não p o d e fazer b o m
u s o da sua livre vontade... P o r t a n t o , a livre v o n t a d e
coopera com a graça, de o u t r o m o d o a o b e d i ê n c i a ou a
d e s o b e d i ê n c i a do h o m e m não teria lugar... A graça n ã o
é a ú n i c a causa, e sim a causa p r i m á r i a da salvação...
p o r q u e a própria cooperação da livre v o n t a d e com a graça
v e m da graça c o m o causa p r i m á r i a ; p o r q u e , se a livre
v o n t a d e não fosse incitada pela graça p r e v e n i e n t e , n ã o
p o d e r i a cooperar com a graça."
DOUTRINA SOCINIANA - Cat. Racoviano, Perg. 422:
" N ã o nos seria concedida vontade livre para que
o b e d e ç a m o s a D e u s ? Sem d ú v i d a ; p o r q u e é certo que o
p r i m e i r o h o m e m foi c o n s t i t u í d o p o r D e u s d e tal m o d o
q u e se achava dotado de u m a v o n t a d e livre; n e m , p o r
c e r t o , t e m s o b r e v i n d o causa a l g u m a pela qual D e u s
privasse o h o m e m daquela livre v o n t a d e depois da sua
queda."

479
21

A Imputação do Pecado Original


de Adão à sua Posteridade
1. Como podemos expor os fatos já provados pelas Escrituras,
pela consciência e pela observação, e reconhecidos geralmente em
todos os credos das igrejas protestantes, quanto ao estado moral e
espiritual do homem, desde o nascimento e por natureza?
I o . Todos os h o m e n s , sem n e n h u m a exceção, começam a
pecar logo que exercem agência moral.
2 o . Todos n a s c e m c o m u m a n a t u r e z a cuja tendência
antecedente e p r e p o n d e r a n t e é pecar.
3 o . Essa tendência inata é em si mesma um pecado no
sentido mais rigoroso da palavra. Merece castigo e é corruptora
e destruidora e, sem n e n h u m a referência à sua origem em Adão,
merece p l e n a m e n t e a ira e a maldição de Deus e, q u a n d o não
é expiada pelo sangue de Cristo, carrega sempre essa maldição.
O Presidente Jonathan Edwards, em sua obra Freedom of the
Will (A L i b e r d a d e da Vontade), pt. 4, sec. 1, diz: "A essência
da virtude e do vício das disposições do coração não está na
sua causa, e sim na sua natureza".
4 o . Portanto, os h o m e n s são, por natureza, t o t a l m e n t e
avessos a todo b e m espiritual, e incapazes de por si sós m u d a r
essa má tendência inerente à sua natureza e de escolher o bem
em preferência ao mal.
5 o . Por conseguinte são, por natureza, filhos da ira e seu
caráter é formado e seu mau destino determinado antes de
qualquer ação pessoal sua.

480
A Imputação do Pecado Original

2. Como podemos mostrar que é nestes fatos incontestáveis


que está a verdadeira dificuldade na conciliação dos caminhos de
Deus para com o homem; e mais, que o reconhecimento destes fatos
em sua inteireza é de muito maior importância doutrinária do que
pode ser qualquer explicação da sua origem?
O fato de que, antes de nos ser possível qualquer ação
pessoal, começamos a existir com uma natureza que com justiça
nos expõe à condenação e infalivelmente nos predispõe para o
p e c a d o , é um m i s t é r i o a s s o m b r o s o , um mal i n d i z í v e l e,
contudo, um fato certo e universal. N e n h u m a teoria possível
quanto à sua origem pode agravar o mistério ou sua significação
terrível. Não dizemos que na doutrina de sermos responsáveis
pelo pecado original de Adão não haja dificuldades m u i t o
graves. Dizemos, porém, (a) que ela é ensinada nas Escrituras,
e (b) que ela é mais satisfatória à nossa razão e aos nossos
s e n t i m e n t o s morais do que qualquer outra explicação dada
em qualquer tempo.
N e m é m e n o s evidente que o pleno conhecimento desses
fatos é de m u i t o maior importância doutrinária e prática do
que o pode ser qualquer explicação da sua origem ou causa.
Nossas opiniões a respeito desses fatos determinarão imediata
e necessariamente a nossa relação com Deus, o caráter inteiro
da nossa experiência religiosa, e também as nossas idéias sobre
a natureza do pecado e da graça, a necessidade e natureza da
r e d e n ç ã o , da r e g e n e r a ç ã o e da s a n t i f i c a ç ã o ; e q u a l q u e r
explicação destes últimos fatos só servirá para esclarecer e
expandir as nossas idéias quanto à conformidade que existe
entre as perfeições de Deus e o modo como Ele trata a raça
h u m a n a ; e t a m b é m quanto às relações em que estão umas com
as outras as diversas partes do plano divino.
Achamos, p o r t a n t o - (1) Que as Escrituras insistem mais
e falam mais f r e q ü e n t e m e n t e nesses fatos que dizem respeito
ao e s t a d o i n a t o de p e c a d o do h o m e m , do que em nossa
responsabilidade pelo ato de apostasia de Adão. (2) Que todos
os grupos da Igreja Cristã, em todos os períodos, têm definido

481
Capítulo 21

e concordado nesses fatos, e n q u a n t o que, a respeito da nossa


conexão com Adão tem sempre havido opiniões m u i t o vagas
e contrárias u m a s às outras - Theo. oíthe Ref, "Essay" 7:1, de
autoria do Diretor C u n n i n g h a m .

3. Como expor os princípios morais auto-evidentes pressupostos


necessariamente em todas as investigações no modo pelo qual Deus
trata Suas criaturas responsáveis?
I o . Deus não pode ser o autor do pecado. 2°. Não devemos
crer que Deus pode criar u m a criatura de novo com natureza
p e c a d o r a . 3 o . A p e r f e i ç ã o de justiça e r e t i d ã o , n ã o m e r a
soberania, é a grande distinção de todo o Seu p r o c e d i m e n t o
para conosco. O erro de que a volição de D e u s d e t e r m i n a
distinções morais foi por motivos opostos m a n t i d o pelos
supralapsários Twisse, Gomar, etc., e por arminianos tais como
Grotius, querendo mostrar, uns que Deus podia condenar a
quem quisesse, m e s m o sem que houvesse culpa real, e outros
que Ele podia salvar a quem quisesse, m e s m o sem que hou-
vesse u m a propiciação real. A verdade f u n d a m e n t a l , porém,
a d m i t i d a agora p o r todos os cristãos, é que as i m u t á v e i s
perfeições morais de D e u s é que constituem a n o r m a absoluta
do que é justo, e que elas d e t e r m i n a m a Sua vontade em todos
os Seus atos e se manifestam em todas as Suas obras. 4 o . E u m a
noção pagã, adotada pelos racionalistas naturalistas, a idéia de
que "a ordem da natureza", ou "a natureza das coisas", ou "a
lei natural", é um agente real independente de Deus, limitando
a Sua liberdade ou operando com Ele como cooperador na
produção de efeitos. A "natureza" nada mais é que u m a cria-
tura e um i n s t r u m e n t o de Deus. É Ele quem faz o que ela
gera. 5 o . Não podemos crer que Deus infligiria um mal físico
ou moral a u m a criatura que não estivesse incursa com justiça
na pena da perda de seus direitos naturais. 6 o . A justiça exige
que todo agente moral passe por u m a prova equitativa, cujas
condições sejam tais que lhe dêem ao m e n o s tanto ensejo de
sair-se bem quanto o perigo de sair-se mal.

482
A Imputação do Pecado Original

4. Como poderíamos expor as duas questões distintas que daí


se derivam e que, embora muitas vezes confundidas, precisamos
conservar separadas?
I a . Como é que se origina u m a natureza má, inata, em
cada ser h u m a n o no começo da sua existência, e de m o d o que
o Criador do homem não é a causa do pecado? Se essa corrupção
da natureza originou-se em Adão, como nos é t r a n s m i t i d a ?
2 a Por que, e sob que f u n d a m e n t o de justiça, inflige D e u s
esse mal terrível, a raiz e o motivo de todos os demais males,
logo no começo da nossa existência pessoal? Qual a prova equi-
tativa pela qual foi p e r m i t i d o às crianças passarem? Q u a n d o e
p o r que p e r d e r a m elas seus d i r e i t o s c o m o c r i a t u r a s que
acabaram dc ser criadas?
E auto-evidente que estas questões são distintas e que
devem ser tratadas como tais. Para a primeira talvez se possa
achar resposta em base fisiológica. A segunda, p o r é m , diz
r e s p e i t o ao g o v e r n o m o r a l de D e u s e à j u s t i ç a de Suas
dispensações. A indevida desatenção a essa distinção, e porque
n e m sempre foi conservada proeminente, resultaram em muita
confusão na história da teologia de todas as épocas e escolas.

A. COMO SUCEDE QUE TODAS AS ALMAS


H U M A N A S SÃO C O R R U P T A S D E S D E O NASCI-
M E N T O ? SE ESSA C O R R U P Ç Ã O VEM TRANS-
M I T I D A DE ADÃO, C O M O É T R A N S M I T I D A ?

5. Que respostas têm sido dadas a esta pergunta, negando ou


não fazendo caso da origem adâmica do pecado?
I a . A teoria dos maniqueus, originariamente adotada por
M a n e s (240 d.C.) mas procedente do dualismo de Zoroastro,
da eterna auto-existência de dois princípios, um deles bom,
identificado com o Deus absoluto, e o outro m a u , identificado
com a matéria, ou com o princípio do qual a matéria é uma
das manifestações. Os nossos espíritos têm sua origem primária
em Deus, e o pecado é o resultado necessário de se acharem

483
Capítulo 21
/

eles enredados com a matéria. E óbvio que este sistema destrói


o caráter moral do pecado, e sofreu zelosa oposição de todos os
antigos "Pais" da Igreja Cristã.
2 a . A teoria panteísta, segundo a qual o pecado é o incidente
necessário de u m a natureza limitada e finita. Alguns escritores,
n ã o absolutamente panteístas, têm o pecado na conta de um
i n c i d e n t e inevitável n u m certo grau de desenvolvimento e
como o meio determinado para produzir u m a perfeição
superior.
3 a . Os pelagianos e outros racionalistas, negando que
haja corrupção inata, atribuem à liberdade da vontade (ao
livre-arbítrio), à influência dos maus exemplos, etc., o fato geral
de que todos os h o m e n s pecam logo que se t o r n a m agentes
livres.
4 a . O u t r o s a t r i b u e m essa corrupção culpável da nossa
natureza, inerente a toda alma h u m a n a desde o nascimento, a
u m a a p o s t a s i a efetiva d e cada a l m a , c o m e t i d a a n t e s d o
nascimento, ou n u m estado de preexistência individual, como
e n s i n a m Orígenes e, m o d e r n a m e n t e , o Dr. E d w a r d Beecher
em sua obra intitulada The Conflict of theAges (O Conflito das
Eras); ou como transcendental e fora do tempo, como ensina
Júlio Müller no livro de sua autoria, The Christian Doctrine of
Sin (A D o u t r i n a Cristã do Pecado), vol. 2, pág. 157. Esta é,
evidentemente, u m a pura especulação não apoiada n e m por
fatos da consciência n e m da observação; tem contra si o
t e s t e m u n h o das Escrituras, Rom. 5:12 e Gên. capítulo 3, e
nunca foi aceita pela Igreja.

6. Quais as diversas teorias, sustentadas por diversos teólogos


cristãos, que admitiam a origem adâmica do pecado humano, sobre
a maneira pela qual épropagado de Adão para os seus descendentes ?
/

E óbvio que esta é u m a questão de importância m u i t o


m e n o r do que a da questão moral que ainda fica por discutir,
quanto às bases de direito e de justiça que Deus tem para trazer
esse mal direta ou i n d i r e t a m e n t e sobre todos os h o m e n s no

484
A Imputação do Pecado Original

seu nascimento. Por isso, nem as Escrituras explicam este ponto


explicitamente, n e m dá a seu respeito u m a explicação u n i -
f o r m e a m a i o r parte dos teólogos.
D e s d e o princípio os teólogos ortodoxos se d i v i d e m em
traducionistas e criacionistas. Tertuliano advogou a teoria
segundo a qual os filhos derivam sua alma p o r geração natural
da de seus pais (traducionismo). J e r ô n i m o era de opinião que
D e u s cria cada alma i n d e p e n d e n t e m e n t e q u a n d o nasce a
criança (criacionismo). Agostinho esteve indeciso e n t r e estas
duas opiniões. A maioria dos teólogos católicos r o m a n o s tem
sido criacionista; a maior parte dos teólogos luteranos, e os da
Nova Inglaterra, seguindo o Dr. H o p k i n s , têm sido traducio-
nistas. Quase todos os teólogos da Igreja Reformada têm sido
criacionistas. Veja:
I o . A teoria c o m u m dos traducionistas não é "que a alma é
gerada de outra alma, n e m o corpo de outro corpo, e sim que o
h o m e m inteiro é gerado de outro h o m e m inteiro" - D. Pareus
(Heidelberg, 1548-1622), sobre R o m a n o s 5:12. Segundo essa
teoria, c evidente que a corrupta natureza moral de nossos
p r i m e i r o s pais seria t r a n s m i t i d a inevitavelmente a todos os
seus descendentes p o r geração natural.
2°. A doutrina do realismo p u r o é que a h u m a n i d a d e é,
genericamente, u m a só substância espiritual que se corrompeu
por seu próprio ato de apostasia em Adão. A alma dos h o m e n s
individuais não é substância distinta, e sim manifestação dessa
ú n i c a substância genérica e espiritual através de suas diversas
organizações corporais. E, sendo corrompida a alma universal,
c o r r o m p i d a s são t a m b é m , desde o nascimento, as suas diversas
manifestações.
3 o . Os que s u s t e n t a m que D e u s cria cada alma separa-
d a m e n t e , sustentam em geral t a m b é m que ele, como justa pena
pelo pecado de Adão, priva as almas das influências do Espírito
Santo das quais d e p e n d e toda a vida espiritual na criatura, e
que, em consideração à justiça de Cristo, restitui aos eleitos,
no ato da sua regeneração, essa influência vivificadora. O Dr.

485
Capítulo 21

T. Ridgely ( L o n d r e s , 1667-1734) diz (em sua obra teológica),


vol. l , p á g s . 4 1 3 , 4 1 4 : " D e u s cria os h o m e n s sem dons celestiais
e sem luz sobrenatural; e, com justiça, porque Adão perdeu
esses dons para si e para a sua posteridade".
Alguns poucos criacionistas, como L a m p é (Utrecht, 1683-
1729), Tom. 1, pág. 572, ensinam que o corpo derivado dos
pais "é c o r r o m p i d o por emoções desregradas e perversas, por
meio do pecado", e que assim comunica à alma colocada nele
por D e u s iguais afetos desregrados. Essa teoria, p o r é m , n u n c a
prevaleceu, p o r q u e o pecado não pertence à matéria e só p o d e
pertencer ao corpo em virtude de ser este o órgão instrumental
da alma. Contudo, muitos criacionistas atribuem a propagação
de pecados habituais à geração n a t u r a l ; n u m sentido geral,
c o m o u m a lei estabelecida por Deus, em virtude da qual os
filhos serão como os pais, sem indagarem sobre o modo. Assim
De Moer, Cap. 15, § 33, e "Cânones do Sínodo de D o r t r e c h t " .

B. P O R QUE, E F U N D A D O EM Q U E BASE DE
JUSTIÇA E RETIDÃO, DEUS FARIA COM QUE T O D O S
OS SERES H U M A N O S NASCESSEM P E R D I D O S
ANTES DE POSSUÍREM QUALQUER AGÊNCIA
PESSOAL E PRÓPRIA?

7. Qual é a explicação arminiana desse fato ?


I o . Eles todos a d m i t e m que todos os homens h e r d a m de
A d ã o u m a natureza c o r r o m p i d a que os p r e d i s p õ e para o
pecado, mas negam que essa condição inata seja em si mesma
pecado p r o p r i a m e n t e dito, ou que envolva culpa ou demérito
digno de castigo.
2 o . A f i r m a m que está em h a r m o n i a com a justiça de Deus
p e r m i t i r que este grande mal viesse sobre todos os h o m e n s ao
nascerem, somente à vista do fato de que Ele se havia deter-
m i n a d o a introduzir u m a compensação adequada na redenção
em Cristo, destinada imparcialmente a todos os homens, e as
influências suficientes da Sua graça, que todos os h o m e n s

486
A Imputação do Pecado Original

e x p e r i m e n t a m , e que restitui a todos a capacidade de fazer o


bem e, por isso, plena responsabilidade pessoal. Por conse-
guinte, as crianças não estão sob a condenação; esta não pesa
sobre n e n h u m ser h u m a n o enquanto não tiver abusado da graça
que lhe é concedida. No dom de Cristo, D e u s retifica o mal
que sofremos p e r m i t i n d o Ele que Adão usasse da sua natureza
depravada como o meio pelo qual gerar filhos pecadores. - Cf.
Dr. D. D . W h e d o n , em Bibliotheca Sacra, abril 1862, Conf
Rem.,1: 3; L i m b o r c h , Theol. Christ., 3:3, 4, 5, 67.
OBJETAMOS contra essa doutrina a f i r m a n d o - I o . Q u e a
nossa condenação em Adão é de justiça, e que a nossa redenção
em C r i s t o vem da GRAÇA. 2 o . Q u e o r e m é d i o do sistema
compensador não é aplicado a muitos gentios, etc. 3 o . Que essa
teoria não concorda com as doutrinas das Escrituras sobre o
pecado, a incapacidade h u m a n a , a regeneração, etc.

8. Qual é a resposta dada geralmente pelos teólogos da Nova


Inglaterra posteriores ao tempo do Dr. Hopkins?
O Dr. H o p k i n s ensinou a doutrina da eficácia divina na
produção do pecado (ou seja, que Deus é a causa eficiente do
pecado). Isso n a t u r a l m e n t e dissolve a questão quanto à justiça
de D e u s em introduzir no m u n d o os descendentes de Adão
como pecadores, p o r q u e D e u s seria a causa final de todo o
pecado. Os teólogos da Nova Inglaterra, posteriores a Hopkins,
a b a n d o n a r a m a doutrina de D e u s como causa eficiente, mas
concordam com ele em negar a imputação e em referir a u m a
divina constituição soberana a lei que faz com que cada um
dos descendentes de Adão herde a sua corrupção.
Se os que adotam essa teoria, embora reconhecendo que
essa divina constituição soberana é i n f i n i t a m e n t e justa e reta,
q u e r e m s i m p l e s m e n t e confessar que não têm c o n h e c i m e n t o
claro de Seus motivos e razões, respondemos tão-somente que,
e n q u a n t o simpatizamos em parte com ela, não podemos, no
entanto, recusar a luz parcial que as Escrituras projetam sobre
o p r o b l e m a , e que patentearemos abaixo. Mas se o desígnio

487
Capítulo 21

desses teólogos é afirmar (1) que essa constituição n ã o é justa,


ou (2) que é só a vontade divina que a torna justa, e que o fato
de ser soberana é o f u n d a m e n t o sobre o qual podemos declarar
que é reta, protestamos contra a teoria como u m a heresia grave.

9. Qual é a resposta ortodoxa à pergunta acima, e em que


concordam geralmente os teólogos romanos, luteranos e reformados?
É certo que, embora tenha havido diferença de opinião e
falta de clareza nas exposições sobre as bases da nossa respon-
sabilidade justa pelo pecado original de Adão, a Igreja toda
tem sempre sustentado que a perda da justiça original e a nossa
depravação moral e inata são a justa e reta, não soberana,
conseqüência penal do ato de apostasia de Adão. E s t a é a
DOUTRINA, a qual não só está de acordo com as Escrituras,
mas t a m b é m presta honra aos atributos morais de Deus e à
eqüidade do Seu governo moral, e está de c o n f o r m i d a d e com
a ortodoxia histórica. Na explicação desta doutrina tem havido
diferença de opinião entre os ortodoxos. E um simples fato
que Deus, como Juiz justo, condenou a raça inteira por causa
do pecado de Adão, e ser condenado por Deus, a fonte de vida,
envolve a morte moral e espiritual, e com justiça é seguido
por ela.

10. Onde, nas Escrituras, é afirmado o fato de que Deus


condenou a raça inteira por causa da apostasia de Adão?
Em R o m a n o s 5:17-19 - "Porque, se pela ofensa de um só,
a morte reinou por esse... Pois assim como por uma só ofensa
veio o juízo sobre todos os homens para condenação... Porque,
como pela desobediência de um só h o m e m , muitos foram feitos
pecadores...".

11. Como se pode mostrar que a Igreja inteira está de acordo


quanto a esta doutrina?
O pecado de Adão foi um ato de apostasia. A deserção
espiritual e a conseqüente corrupção espiritual que ocorreram

488
A Imputação do Pecado Original

i m e d i a t a m e n t e em sua experiência pessoal (a própria pena


denunciada) foram e v i d e n t e m e n t e u m a justa conseqüência

penal desse ato. Agostinho diz (De Nupt. et Concup. 2:34) - "E,
pois, forçoso concluir que se e n t e n d e que naquele p r i m e i r o
homem todos pecaram, p o r q u e todos estavam nele q u a n d o
pecou; e assim o pecado entra com o nascimento, e não é tirado
senão pelo novo nascimento".
O Dr. G. F. Wiggers, o erudito expositor de Augustinia-
nism and Pelagianism, from the Original Sources (O Agosti-
nianismo e o Pelagianismo, com Base nas Fontes Originais),
diz, cm sua exposição das idéias de Agostinho sobre o
pecado original, capítulo 5, divisão 2, § 2: "A propagação do
pecado de Adão entre a sua posteridade é um castigo desse
m e s m o pecado. A corrupção da natureza h u m a n a , na raça
inteira, é o castigo justo da transgressão do p r i m e i r o h o m e m ,
no qual todos os h o m e n s já existiam".
O Concílio de Trento, Sec. 5, 1 e 2, afirma que "o pecado,
que é m o r t e da alma", foi parte da pena em que Adão incorreu
por sua transgressão, e é t r a n s f u n d i d o p o r todo o gênero
h u m a n o , e não foi nocivo a ele só.
Belarmino,Amiss. Grat. 3,1, diz: "A pena que corresponde
p r o p r i a m e n t e ao pecado original é a perda da justiça original
e dos d o n s s o b r e n a t u r a i s dos quais D e u s s u p r i u a nossa
natureza".
L u t e r o (sobre Gênesis 1, pág. 98, cap. 5) afirma que a
imagem de Adão segundo a qual foi gerado Sete "incluiu o
pecado original e a pena da morte eterna infligida por causa
do pecado de Adão".
M e l a n c h t h o n (Explicatio Symboli Niceni, Corp. Refor., 23:
403 e 583) diz: "Adão e Eva trouxeram sobre seus descendentes
culpa e depravação".
Formula Concordiae, págs. 639 e 643 - "Especialmente
desde que, pela sedução de satanás, m e d i a n t e a Queda, pelo
justo juízo de D e u s no castigo dos homens, perdeu-se a justiça
concriada ou original... e corrompeu-se a natureza h u m a n a " .
A o R\
Capítulo 21

Apol. Aug. Confpág. 58: "No livro de Gênesis está descrita


a pena imposta pelo pecado original. Porque aí a natureza
h u m a n a ficou sujeita não só à morte e aos males corporais,
senão também ao domínio do diabo... Defeito e concupiscência
são tanto males penais como pecados".
Quenstedt (falecido em 1688), Quaes. Theo. Did. Pol. 1,
pág. 994: "Não foi simplesmente da vontade ou da soberania
absoluta de Deus, e sim da maior justiça e eqüidade que o
pecado, que cometeu Adão, como a raiz e a origem de toda a
raça h u m a n a , nos fosse imputado e propagado em nós de modo
que nos constituísse culpados".
Tanto a Segunda Confissão Helvética, Cap. 8, como a Gálica,
Art. 9, dizem que Adão, "por sua própria culpa, tornou-se
sujeito ao pecado, e tal como ele depois da Queda, tais são
t a m b é m todos os por ele propagados, sujeitos ao pecado, à
m o r t e e a diversas calamidades".
Pedro Mártir, professor em Z u r i q u e (1500-1561), citado
por Turretino (Locus 9: 2, 9, § 43), diz: "Não há por certo
n i n g u é m que possa duvidar de que o pecado original (inerente)
é infligido sobre nós como vingança e castigo da primeira
queda".
Calvino: "Deus, por um juízo justo, condenou-nos à ira
em Adão, e determinou que nascêssemos depravados por causa
do seu pecado".
Ursino (1534-1583), amigo de M e l a n c h t h o n e autor do
Catecismo de Heidelberg, diz (Qucest. 7, págs. 40,41): "O pecado
original" (inerente) "passa para" os seus descendentes, "não
mediante o corpo n e m mediante a alma, e sim mediante a gera-
ção impura do h o m e m inteiro, por causa da culpa de nossos
primeiros pais, por cuja causa Deus, por um juízo justo, en-
q u a n t o cria nossas almas, ao mesmo t e m p o as priva da retidão
original e dos dons originais que havia conferido aos pais".
L. Danaeo (1530-1596) - " H á três coisas que constituem
um h o m e m culpado diante de Deus: 1. O pecado e m a n a n d o
do fato de termos todos pecado no p r i m e i r o h o m e m . 2. A

A C \ Í \
A Imputação do Pecado Original

corrupção, que é o castigo desse pecado, e que caiu sobre A d ã o


e toda a sua posteridade. 3. Pecados próprios".
Teodoro de Beza (1519-1605), sobre Romanos, capítulo 12
etc., diz: "Assim como Adão, pela comissão do pecado, tornou-
-se p r i m e i r o culpado da ira de Deus e, depois, p o r ser culpado,
sofreu como castigo do seu pecado a corrupção da alma e do
c o r p o , assim t a m b é m t r a n s m i t i u à sua p o s t e r i d a d e u m a
natureza em primeiro lugar culpada, e em segundo depravada".
J. A r m í n i o , de L e y d e n (1560-1609) - "O m e s m o castigo,
pois, que foi infligido a nossos primeiros pais, desceu para
toda a sua posteridade e pesa agora sobre esta; de m o d o que
todos são, por natureza, filhos da ira, sujeitos à condenação... e
a u m a privação da retidão e da santidade verdadeira", falta-
-lhes a justiça original, pena geralmente chamada perda da
imagem divina, e pecado original".
G. J. Vóssio, L e y d e n (1577-1649),Hist. Pelag., Lib., 1 - 1:
"A igreja católica romana tem sempre decidido assim, que o
pecado original é i m p u t a d o a todos; isto é, que os seus efeitos
são, segundo o justo juízo de Deus, transmitidos a todos os
f i l h o s de Adão... p o r cuja causa n a s c e m o s sem a justiça
original".
Sínodo de D o r t (1618) - Tal como foi o h o m e m depois da
Q u e d a , tais os filhos que gerou... pela propagação de u m a
natureza viciada, segundo o justo juízo de Deus".
Francisco Turretino, Genebra (1623-1687), Locus 9, Q. 9,
§§ 6, 14.*
Amésio, Medulla Theolog., Lib., prim., cap. 17: "2. Esta
propagação do pecado consta de duas partes, de imputação e de
comunicação real. 3. Pela imputação esse a t o ú n i c o de

Turretino, apud Hodge, Sysfóm. Theol., 2, p. 211: "Recaiu sobre nós a pena
do pecado de Adão, tanto de privação como de punição positiva. Primeiro é
a falta e privação da justiça original; depois a morte, não só temporal mas
também eterna, e para todo o gênero humano pecaminoso, que imita os
pecados". Em latim no original. Acréscimo e tradução de Odayr Olivetti.

AQl
Capítulo 21

desobediência que Adão cometeu é t o r n a d o nosso t a m b é m . 4.


Pela comunicação real, não somente pelo pecado único. 5. O
pecado original, visto que consiste essencialmente na privação
da justiça original, e visto que essa privação segue ao primeiro
pecado como um castigo, então o pecado original tem em
p r i m e i r o lugar a natureza de um castigo, mais do que a de um
pecado. É um castigo, porque a justiça de D e u s nos nega essa
justiça original; mas é também um pecado, porque essa justiça
deveria achar-se presente, e acha-se ausente por culpa humana.
6. Por conseguinte, essa privação nos vem de Adão como
demérito até onde é castigo, e como causa eficiente real até
o n d e se acha ligada a ela a natureza do pecado".
H. Witsio (1636-1708), Economy, Liv. 1, cap. 8, §§ 33 e
34: " E , p o i s , necessário que, em virtude da aliança das obras, o
pecado de Adão seja de tal m o d o carregado sobre os seus
d e s c e n d e n t e s , que se achava i n c l u í d a com ele na m e s m a
aliança, que, por causa do demérito do seu pecado, eles nasçam
sem a justiça original, etc."
Formula Consensus Helvetica (1675), Cânone 10: "Parece,
porém, que de modo algum a corrupção hereditária poderia
cair, como morte espiritual, sobre toda a raça h u m a n a pelo
justo juízo de Deus, se não fosse precedida por algum pecado
dessa raça trazendo sobre ela a pena dessa morte. Porque Deus,
o J u i z s u p r e m a m e n t e justo de toda a terra, só castiga os
culpados."
Confissão e Catecismos de Westminster - Confissão, cap. 7, §
2, e cap. 6, § 3; Cat. Maior5 Pergs. 22 e 25; Breve Cat., Perg. 18.
O Presidente Witherspoon, Works (Obras), vol. 4, pág. 97:
"Parece claro que o estado de corrupção e maldade em que os
h o m e n s se a c h a m a g o r a é, s e g u n d o as d e c l a r a ç õ e s das
Escrituras, efeito e castigo do pecado original de Adão".
Veja também a verdade desta doutrina afirmada pelo Dr.
T h o m a s Chalmers, Institutes of Theology, Parte 1, Cap. 6; pelo
Dr. William C u n n i n g h a m , Theology of the Reformation, Ensaio
7, § 2; pelo Dr. James Thornwell, Collected Writings, Vol. 1,

492
A Imputação do Pecado Original

págs. 479, 559, 561, etc.; e um artigo de alta erudição escrito


pelo Prof. George P. Fisher, de N e w H a v e n , no " N e w Eng-
l a n d e r " de julho de 1868.
Temos, pois, o consenso de católicos romanos e protestan-
tes, luteranos e reformados, supralapsários e infralapsários, de
G o m a r e A r m í n i o , do Sínodo de D o r t r e c h t e da Assembléia
de Westminster, da Escócia e da Nova Inglaterra.

12. Por que se deu a esta doutrina o nome técnico de imputação


do ato de apostasia de Adão? Qual o significado destes termos?
No C o n c í l i o de T r e n t o , A l b e r t o P i g h i o e A m b r ó s i o
C a t h e r i n o (.Hist. Cone. Trent, por Padre Paulo, Lib. 2, sec. 65)
sustentaram que a culpa imputada do pecado original de Adão
c o n s t i t u í a a ú n i c a base da condenação que pesa sobre os
h o m e n s em seu nascimento. O Concílio não a d m i t i u essa
heresia, mas, apesar disso, sustentou antes u m a teoria negativa
mais do que positiva da corrupção culpada que é inerente ao
h o m e m . Em c o n s e q ü ê n c i a , Calvino e todos os p r i m e i r o s
reformadores e credos acentuaram muito o fato de que o pecado
original inerente, em distinção do pecado original imputado, é
i n t r i n s e c a m e n t e e c o m justiça, p o r ser c o r r u p ç ã o m o r a l ,
/

merecedor da ira e da condenação de Deus. E o motivo pelo


qual se atribui a salvação das crianças à graça soberana de Deus
e aos merecimentos expiatórios de Cristo, e nos adultos continua
como fonte de todo pecado próprio e pessoal, e é a base principal
da condenação à m o r t e eterna. Crianças e adultos sofrem, e
adultos são condenados por causa da culpa do pecado inerente,
mas n u n c a por causa do pecado i m p u t a d o de Adão.
Mas q u a n d o se pergunta por que é que Deus, direta ou
i n d i r e t a m e n t e , nos introduz no m u n d o corrompidos assim, a
Igreja inteira responde, como mostramos acima: porque Deus
nos castiga assim pela apostasia de Adão.
Essa verdade exprime-se tecnicamente como a "imputação
a nós da culpa do ato de Adão".
" C u l p a " é o que nos expõe com justiça ao castigo. O

493
Capítulo 21

r e c o n h e c i m e n t o da culpa é um ato judicial e não imposto pela


soberania de Deus.
"Imputação"(o t e r m o hebraico hâsab e o grego logízomai
e n c o n t r a m - s e f r e q ü e n t e m e n t e e são traduzidos por "ter em
conta", "reputar como", " i m p u t a r " , etc.) é simplesmente levar
alguém sobre os seus ombros um delito como motivo justo
para que contra ele se proceda segundo a lei, quer o delito
i m p u t a d o tenha sido cometido pela pessoa que o leva sobre si,
quer haja outro motivo válido para fazer dele, com justiça,
responsável por esse delito. Assim, pois, não imputar o pecado
a quem o cometeu é deixar, como um ato da graça, de fazer
pesar sobre essa pessoa a culpa do seu ato ou do seu estado
como f u n d a m e n t o para o castigo; e imputar a justiça sem obras
é pôr a crédito do crente uma justiça que não é pessoalmente
dele. - R o m . 4:6,8; 2 Cor. 5:19. Veja N ú m . 30:15; Lev. 5:17,18;
7:18; 16.22; (2 Sam. 19:19; Sal. 32:2); Rom. 2:26; 2 Tim. 4:16,
etc.
A imputação a nós do pecado de Adão, isto é, a colocação
dele sobre nós judicialmente, deve ser considerada como se
D e u s contemplasse a raça h u m a n a como um só todo, como
um só corpo moral, antes do que como uma série de indivíduos.
A raça foi condenada como um só todo, e por isso cada indiví-
duo nasce n u m estado de ruína pré-natal e justa. Turretino o
c h a m a commune peccatum, communis culpa, L.9, Quaes.9. Isso,
e somente isso, é o que a Igreja entende por esta doutrina. A
imputação a nós em c o m u m do ato de apostasia de Adão leva
o h o m e m , judicialmente, ao desamparo espiritual em parti-
cular, e este o leva, como conseqüência necessária, à depravação
inerente. Por outro lado, a imputação dos nossos pecados em
c o m u m a Cristo resultou em Seu desamparo (Mat. 27:46), mas
o Seu desamparo temporário não trouxe consigo n e n h u m a
tendência para pecado inerente, porque Cristo é o Deus-
- h o m e m . A imputação a nós da justiça de Cristo é a condição
da restituição do Espírito Santo, e essa restituição leva, como
conseqüência necessária, à regeneração e à santificação. "E só

494
A Imputação do Pecado Original

enquanto a justificatio forensis m a n t é m a posição que teve na


Reforma, precedendo o processo da salvação que (esta verdade
doutrinária) ocupa lugar firme e seguro" - Hist. Prot. Theol.,
de autoria do Dr. J. A. Dorner, vol. 2, pág. 160.

13. Qual a origem da distinção entre a imputação mediata e a


imediata do pecado de Adão, e qual tem sido o uso feito dessas
expressões entre os teólogos?
Como mostramos acima, a Igreja, desde o princípio, tem
estado de acordo em sustentar que a culpa do pecado original
de Adão foi lançada diretamente na conta da raça h u m a n a por
inteiro, do m e s m o modo que foi lançada sobre ele; e foi pu-
nida na raça pelo desamparo e pela conseqüente depravação,
do m e s m o m o d o que o foi nele. Isso os teólogos exprimem
u n i f o r m e m e n t e pela frase técnica: a imputação da culpa do
pecado original de Adão aos seus descendentes.
Na primeira metade do século 17 e n t e n d e u - s e universal-
m e n t e que Josué Plaçao, professor em Saumur, negava qual-
quer imputação do pecado de Adão à sua posteridade, e que
admitia somente u m a corrupção inerente derivada de Adão
por geração ordinária. Isso foi condenado explicitamente pelo
Sínodo Nacional francês, r e u n i d o em C h a r e n t o n , em 1645; e
foi repudiado por todos os teólogos ortodoxos, tanto luteranos
como reformados. Plaçao subseqüentemente originou a
distinção entre imputação mediata e imediata. C h a m o u por
aquele n o m e o ato de Deus fazer pesar diretamente sobre os
h o m e n s , e a n t e r i o r m e n t e ao seu próprio estado de pecador, a
culpa do pecado de Adão. E por este designou a teoria segundo
a qual D e u s nos vê culpados da apostasia de Adão j u n t a m e n t e
com ele, p o r q u e nós t a m b é m somos apóstatas em virtude da
corrupção inerente. Negava a primeira destas teorias, e admitia
a segunda.
/

E óbvio - I o . Q u e essa doutrina de u m a só imputação


mediata é v i r t u a l m e n t e a dos teólogos da Nova Inglaterra, já
discutida na resposta à Perg. 8, que atribui à soberania e não

495
Capítulo 21

ao juízo justo de D e u s o a b a n d o n o da raça h u m a n a à operação


da lei natural e hereditária.
2 o . Essa doutrina é u m a negação da d o u t r i n a universal da
Igreja de que o pecado de Adão foi imposto c o m justiça aos
seus descendentes como sobre ele mesmo, e que neles é p u n i d o
p o r depravação c o m o o foi nele. Aquela imputação, fosse qual
fosse o seu motivo, foi e v i d e n t e e p u r a m e n t e i m e d i a t a e
antecedente.
3°. E e v i d e n t e q u e o p e c a d o de A d ã o n ã o p o d e ser
i m p u t a d o mediata e imediatamente ao m e s m o tempo e para o
m e s m o efeito. Seria quase um absurdo supor que os h o m e n s
são p u n i d o s judicialmente tendo a corrupção inerente como
castigo justo do pecado de Adão, e que, ao m e s m o tempo, tê-
-los como culpados desse pecado porque sofrem aquele castigo.
E por isso que tantos defensores da doutrina da Igreja quanto
à i m p u t a ç ã o i m e d i a t a n e g a m q u e em a l g u m s e n t i d o a
imputação possa ser mediata.
4 o . Mas a pena do pecado de Adão foi a " m o r t e " ; isto é,
todos os males penais, tanto os temporais como os eternos. Os
d e f e n s o r e s m a i s e s t r é n u o s d a i m p u t a ç ã o i m e d i a t a , para
explicarem a inflição do pecado inato e inerente, admitem que
todos os demais elementos da pena imposta a Adão vieram sobre
nós por causa de nossos próprios pecados inerentes e realmente
cometidos - Veja Turretino, L. 9, Quaes. 9, § 14, e Princeton
Essays (Ensaios de Princeton).
5 o . A culpa do pecado de Adão é imputada imediatamente
à raça como um só todo, e essa imputação diz respeito a cada
indivíduo a n t e r i o r m e n t e à sua existência em u m a condição
depravada. Q u a n d o se considera cada h o m e m individual em
si mesmo, pessoal e subseqüentemente a seu nascimento, todos
concordam em que é condenado junto com Adão p o r causa de
u m a c o m u m depravação e vida inerentes.
6 o . Muitos têm dificuldade em conceber como é que a
corrupção inerente e herdada pode ser ao m e s m o tempo culpa
e corrupção. P e n s a m que um estado pecaminoso deve ter

496
A Imputação do Pecado Original

n e c e s s a r i a m e n t e sua o r i g e m n a e s c o l h a l i v r e d a pessoa
interessada, para que lhe possa ser imposta a responsabilidade
q u e a c u l p a traz c o n s i g o . M a s t o d o s r e c o n h e c e m q u e a
corrupção inerente é culpa. Alguns explicam isso tacitamente
pelo princípio de Edwards, segundo o qual "a essência das
disposições virtuosas ou viciosas do coração não está na sua
causa e sim na sua natureza". Outros, p o r é m , sustentam que a
culpa i n e r e n t e ao pecado inato se deve ao fato de estar ligado
este pecado como um efeito com a apostasia de Adão. Se, pois,
se p e r g u n t a r : por que é que a raça está sob maldição, e p o r que
Deus p e r m i t e que principiemos a nossa atividade moral n u m a
c o n d i ç ã o d e p r a v a d a ? - t o d o s os o r t o d o x o s r e s p o n d e r ã o
explícita ou virtualmente: "E por causa da justíssima i m p u -
tação imediata do pecado original de Adão".
Se se p e r g u n t a r : por que é que cada um de nós, depois de
nascer, é julgado culpado e não só c o r r o m p i d o , e p o r que é
que somos punidos com todos os males penais, tanto temporais
c o m o e t e r n o s , q u e f o r a m a p l i c a d o s a A d ã o ? M u i t o s dos
ortodoxos responderão: "E p o r q u e o nosso p r ó p r i o pecado
inerente medeia a plena imputação do pecado de Adão".
A n d r é Q u e n s t e d t (falecido em 1688), Theo. Did. Pol.,
Wittenberg, 1.998: "O pecado original de Adão nos é imputado
i m e d i a t a m e n t e p o r q u a n t o existimos até aqui em Adão. Mas o
seu pecado nos é i m p u t a d o m e d i a t a m e n t e , até o de somos
tratados i n d i v i d u a l m e n t e e na própria pessoa de cada um de
nós".
E Turretino (falecido em 1687), Genebra, Locus 9, Quaes.
9, § 14 - "A pena que o pecado traz sobre nós ou é de privação
ou é positiva. Aquela é a falta ou privação da justiça original.
Esta é a morte, tanto temporal como eterna, e em geral todos
os males que sobrevêm ao pecador... A respeito da primeira,
p o d e m o s d i z e r q u e o p e c a d o de A d ã o n o s é i m p u t a d o
i m e d i a t a m e n t e quanto ao efeito da pena, p o r q u e é a causa da
privação da justiça original, e assim deve preceder à privação,
ao m e n o s na o r d e m da natureza; e n t r e t a n t o a respeito da

497
Capítulo 21

segunda, pode-se dizer que a pena positiva é imputada


m e d i a t a m e n t e , p o r q u e l h e f i c a m o s expostos só depois de
nascermos e nos acharmos corrompidos".
Segue-se - (1) Q u e todos a d m i t e m efetivamente a i m p u -
tação imediata e n e g a m que haja s o m e n t e imputação mediata.
(2) M u i t o s não fazem caso da distinção, na qual n u n c a se falou
antes do t e m p o de Plaçoeo. (3) Alguns afirmam u m a e outra,
no sentido explicado acima.

14. Que prova desta doutrina nos dá a analogia que em


R o m a n o s 5:12-21 Paulo assevera existir entre a nossa condenação
em Adão e a justificação em Cristo?
"Pois assim como por u m a só ofensa veio o juízo sobre
todos os h o m e n s para condenação, assim também por um só
ato de justiça veio a graça s o b r e t o d o s os h o m e n s p a r a
justificação de vida."
A analogia afirmada nessas palavras diz respeito ao fato e
à natureza da imputação nos dois casos, e não ao motivo ou
base dela. Cristo é um com os Seus eleitos porque Seu Pai, por
Sua graça, O d e s i g n o u p a r a isso e p o r q u e Ele a s s u m i u
v o l u n t a r i a m e n t e a nossa natureza. Adão foi um com os seus
descendentes porque foi o seu cabeça natural e porque Deus,
por Sua graça, o designou para isso. Nestes aspectos há diferença
nos dois casos. Mas são idênticos quanto à unidade que subsiste
nos dois casos, e em virtude da qual pesa sobre nós, com justiça,
a culpa do pecado original de Adão e somos p u n i d o s por causa
dele, e Cristo leva com justiça sobre Si as nossas " m u i t a s
ofensas" e é punido por causa delas, ao passo que nós recebemos
o c r é d i t o de Sua justiça e por causa dela s o m o s aceitos,
regenerados e salvos. Veja acima, Perg. 12.
Se a imputação da justiça de Cristo é imediata, imediata
deve ser t a m b é m a do pecado de Adão; e, embora o motivo
daquela seja a graça, n e m por isso é m e n o s justa; e, embora o
motivo desta seja a justiça, n e m por isso é menos i m p r e g n a d a
da graça a constituição original de o n d e deriva.

498
A Imputação do Pecado Original

15. Como têm explicado os teólogos ortodoxos o MOTIVO ou o


FUNDAMENTO desta imputação judicial, universalmente
pressuposta, da culpa do pecado original de Adão aos seus
descendentes?
C o n c o r d a m geralmente que a raça é com justiça respon-
sável pelas conseqüências judiciais desse pecado. Afora isso,
as explicações dadas do caso têm sido diversas e muitas vezes
vagas. Veja:
I o . Agostinho e n t e n d e u a raça como essencialmente u m a
só unidade. Até o n d e se considera Adão como u m a pessoa,
seu pecado foi só dele; mas até o n d e a raça inteira estava nele
em sua forma de existência essencial, não distribuída e não
individualizada, o seu ato de apostasia foi a apostasia da raça
inteira e, s e n d o culpada e t a m b é m d e p r a v a d a a n a t u r e z a
c o m u m , esta é com justiça distribuída nesta condição e sob a
condenação a cada indivíduo. A raça inteira coexistia e era
coativa em Adão, não pessoal ou individualmente, e sim virtual
ou potencialmente. Veja o que dizem o Dr. Philip Schaff, no
Comentário de Lange sobre Romanos, págs. 191-196, e o Dr.
Jorge P Fisher, em New Englander, julho de 1860. Este é um
m o d o de p e n s a r q u e ao m e n o s p r e s s u p õ e a v e r d a d e do
realismo; e a linguagem empregada neste sentido tornou-se
tradicional na Igreja e tem sido empregada n u m sentido geral
por muitos que estavam longe de serem realistas em filosofia,
quando tratavam da nossa relação com Adão. Até entre teólogos
que rejeitaram explicitamente o realismo e o substituíram
d e f i n i t i v a m e n t e p o r o u t r a explicação dos fatos, têm sido
conservadas formas de expressão que tiveram origem nesse
realismo. A raça inteira tem sido considerada como u m a só
unidade orgânica, e tem-se dito que estivemos em Adão como
os ramos estão n u m a árvore, etc. Explicações como esta e
outras têm continuado até aos tempos ulteriores, e têm sido
mescladas com outras essencialmente diversas, como, por
exemplo, a da representação, etc. Esta, por pouco satisfatória
que seja como explicação da nossa culpa, é m u i t o ortodoxa,

499
Capítulo 21

não só pelo n ú m e r o e pela autoridade dos escritores que a


adotaram, mas t a m b é m p o r q u e nela se acha incluído, no mais
alto grau concebível, o motivo da imputação imediata. O ato
de apostasia de Adão nos é imputada como foi a Adão "porque
f o m o s c o - a g e n t e s c u l p a d o s c o m ele nesse a t o " - Essays
(Ensaios), de Shedd.
2 o . A teoria federal pressupõe a relação natural. Adão era,
diante de Deus no Paraíso, um agente moral, livre, responsável,
falível, com um c o r p o a n i m a l e u m a n a t u r e z a g e r a d o r a ,
procriadora. Se não interviesse um milagre, levaria seus filhos
c o n s i g o em seus d e s t i n o s . T o m a n d o - s e em c o n s i d e r a ç ã o
somente a lei, o seu estado dependia, e não podia deixar de
depender sempre, da sua livre vontade (do seu livre-arbítrio).
Por isso Deus, como o Curador benévolo e justo de todas as
criaturas morais, por Sua graça constituiu Adão como cabeça
e representante federal da raça como um todo e lhe prometeu,
para ele e para todos, a vida eterna, ou seja, a santidade e a
f e l i c i d a d e c o n f i r m a d a s , sob a c o n d i ç ã o d e o b e d i ê n c i a
temporária em condições favoráveis, e o ameaçou, para ele e
para todos, com a pena de morte, ou seja, a condenação e o
desamparo, se desobedecesse. Este foi um ato de graça em favor
de Adão, p o r q u e substituiu u m a provação eterna por u m a
temporária. E foi t a m b é m um ato de graça em nosso favor,
pelas razões mencionadas abaixo.
Esta "teologia federal" foi desenvolvida e introduzida em
toda a sua plenitude de pormenores e relações por Cocceio
(1602-1669), lente em Franecker e em Leyden. Foi considerada
como um sistema m u i t o bíblico, substituiu o escolasticismo
tanto em voga, destruiu para sempre a influência das especu-
lações supralapsárias e, com certas modificações, foi aceita
gradativamente tanto por luteranos e arminianos como por
calvinistas.
D u a s coisas, porém são historicamente certas:
I a . Que a idéia de u m a aliança com Adão, seus descen-
dentes inclusive, havia sido concebida claramente e proposta

500
A Imputação do Pecado Original

enfaticamente m u i t o t e m p o antes dessa ocorrência. Isso fora


feito p o r C a t h e r i n o diante do Concílio de Trento (Hist. Cone.
de Trento, de autoria do padre Paul, págs. 175, 177), e entre os
protestantes por h o m e n s como Hypério (f 1567), Oleviano
(cerca de 1563) e Rafael Eglin (Hist. Prot., Theol., de Dorner,
vol. 2, págs. 31-45).
2 a . Que as idéias essenciais da teoria da representação
federal prevaleceram m u i t o g e r a l m e n t e e n t r e os teólogos
protestantes desde o princípio. O Dr. Carlos P K r a u t h , falan-
do da teologia luterana c o m o um todo, diz: "Os motivos
assinalados para a imputação e a transmissão têm como centro
o caráter representativo de Adão (e Eva). As m i n u d ê n c i a s
técnicas da idéia federal apareceram mais tarde, mas a idéia
essencial em si existia já no começo da nossa teologia".
Melanchthon disse: "Adão e Eva mereceram culpa e depravação
para sua posteridade, porque os nossos primeiros pais haviam
sido dotados de integridade, para que a conservassem para a
sua posteridade inteira, e nesta provação representaram a raça
h u m a n a i n t e i r a m e n t e " - Explicatio Symboli Niceni, Corp.
Refor.23: 403 e 583.
C h e m n i t z (1522-1586),Loci theol., foi. 213,214, diz: "Deus
d e p o s i t o u em Adão os d o n s com os quais quis a d o r n a r a
natureza h u m a n a , sob a condição de que, se Adão os guardasse
para si, guardá-los-ia para a sua posteridade; e que, se os per-
desse e se tornasse depravado, geraria filhos à sua imagem".
Hutter, (f 1616),Lb. Chr. Com. Expli. 90, Wittenberg, diz: "Adão
representou a raça h u m a n a toda inteira". Assim t a m b é m Tiago
A r m í n i o (t 1 6 0 9 ) - ( D i s p . 3 1 , T h e s . 9); João Owen (1616-1683)
- (Justification, pág. 286); a Confissão de Westminster, Cap. 7, § 2,
e Cat. Maior, 22 (1646 e 1647).
Parece, pois, que q u a n d o os escritores teológicos, poste-
riormente ao predomínio da filosofia realista, explicam a nossa
u n i d a d e moral com Adão por meio das frases gerais e não
interpretadas de "que nós pecamos nele estando na sua coxa",
ou "sendo ele a nossa raiz", não se deve entender estas frases

501
Capítulo 21

c o m o se excluíssem toda referência à r e p r e s e n t a ç ã o ou à


responsabilidade que pesava sobre ele em virtude da aliança.
Essa linguagem exprime a verdade segundo qualquer das duas
teorias, ou m e s m o q u a n d o as duas são combinadas n u m a só
noção. E pela substituição indiscriminada dos termos vê-se
que muitas vezes as duas teorias estavam latentes debaixo de
u m a noção geral.

16. Que se pode aduzir com justiça em apoio do modo


agostiniano de explicar a nossa unidade moral com Adão?
Essa teoria explica a nossa u n i d a d e moral unicamente
sobre o f u n d a m e n t o de que ele é o cabeça e a raiz natural da
raça, e da conseqüente unidade física ou orgânica da raça
inteira nele.
A favor dessa teoria se pode alegar com justiça:
I o . Que, se p u d e r m o s provar que nós fomos "co-agentes
culpados com Adão no seu pecado", teremos apresentado o
m e l h o r motivo possível, e o mais satisfatório, para nos ser
imputada com justiça e imediatamente a culpa desse pecado.
2 o . A analogia, até onde ela se estende, de todo o proceder
providencial geral e especial de D e u s com os h o m e n s . As
alianças feitas por Deus com Noé, Abraão e Davi incluem os
filhos junto com os pais e se apoiam nas relações naturais de
gerador e gerados. A constituição da congregação judaica, e
t a m b é m a da Igreja Cristã, d e t e r m i n a m que os direitos das
crianças sejam predeterminados pelo estado de seus pais. Este,
é certo, é determinado por u m a aliança baseada na graça; mas,
ao m e s m o tempo, essa aliança pressupõe a mais f u n d a m e n t a l
e geral relação natural de geração e educação. Toda condição
e t o d o caráter h u m a n o , i n d e p e n d e n t e m e n t e de q u a l q u e r
intervenção sobrenatural, são d e t e r m i n a d o s por condições
históricas. H u g h Miller - Testimony ofthe Rocks (O Testemunho
/

das Rochas), falando como cientista cristão, diz: "E um fato


amplo e palpável, como o é a economia da natureza, que...
progenitores decaídos, quando separados completamente da

502
r A Imputação do Pecado Original

civilização e de toda i n t e r v e n ç ã o de caráter m i s s i o n á r i o ,


t o r n a m - s e f u n d a d o r e s de u m a raça decaída. As i n i q ü i d a d e s
dos pais são visitadas nos filhos". E ainda: " U m a das conse-
qüências inevitáveis da natureza do h o m e m que o Criador lhe
deu é que, tendo deixado livre a sua vontade, a v o n t a d e do pai
se tornasse o destino do filho".

17. Que argumentos se pode apresentar com justiça contra a


suficiência dessa explicação do motivo da imputação imediata da
culpa do pecado original de Adão?
1°. Note-se (1) que a congregação judaica, a quem foi dado
o segundo m a n d a m e n t o - Ex. 20:5, e os filhos de Noé, Abraão
e Davi, como t a m b é m a Igreja Cristã, foram incluídos em
alianças especiais baseadas na graça; (2) que, nos casos em que
Deus visita nos filhos a iniqüidade dos pais, na providência
natural e sem n e n h u m a consideração por quaisquer obrigações
e s p e c i a i s b a s e a d a s e m a l i a n ç a , D e u s age c o m d i s c r i ç ã o
realmente justa, embora soberana, tratando com rebeldes que
já estavam sob u m a prévia condenação justa.
2 o . Q u a n d o se refere ao fato de que Adão foi nosso cabeça
natural, e diz que nós estivemos nele como "raiz" e "os galhos
de u m a árvore", a noção não é satisfatória, (1) p o r q u e é m u i t o
i n d e f i n i d a ; (2) porque é u m a explicação material e mecânica
e, por isso, deixa inteiramente de explicar a responsabilidade
moral, que é essencialmente espiritual e pessoal; (3) além disso,
essa noção baseia-se, ao menos veladamente, na falácia de que
as leis do d e s e n v o l v i m e n t o natural c o n s t i t u e m os limites
necessários da operação divina, ou como agentes independentes
de Deus, ou como co-causas com Ele. A verdade, p o r é m , é
q u e a c o n s t i t u i ç ã o da n a t u r e z a é c r i a t u r a de D e u s e Seu
i n s t r u m e n t o . (4) Essa teoria não dá n e n h u m a explicação, n e m
por meio de algum princípio nem por alguma analogia, porque
s o m e n t e o primeiro pecado (o original) de Adão nos é imputado
e p o r q u e não nos é i m p u t a d o n e n h u m dos pecados
subseqüentes de todos os nossos antepassados.

503
Capítulo 21

3 o . A idéia de u m a coexistência e cooperação não pessoal


(veja Essays e Histor. Christ. Doe./Ensaios e H i s t ó r i a das
D o u t r i n a s Cristãs - por Dr. W. G. T. Shedd, e o comentário de
R o m a n o s em Lange's Commentary, págs. 192-194, p o r Dr.
P h i l i p Schaff) como a ú n i c a base de u m a justa responsa-
b i l i d a d e m o r a l n ã o tem a p o i o a l g u m n o t e s t e m u n h o d a
consciência, que é a nossa única cidadela de defesa contra o
materialismo, o naturalismo e o panteísmo. A única concei-
tuação do pecado que a consciência íntima nos dá é de que é o
estado ou o ato de um agente pessoal livre. Mesmo que fosse
u m a cooperação moral de natureza impessoal, virtual, poten-
cial, transcenderia a nossa consciência e a nossa inteligência,
e, sendo ela mesma ininteligível, não poderia lançar luz sobre
os fatos misteriosos para cuja explicação e justificação ela é
invocada.
4 o . Q u a n d o se p r o c u r a explicar essa teoria s e g u n d o a
filosofia realista, o resultado das tentativas não nos parece mais
feliz. Veja:
(1) S e g u n d o o r e a l i s m o p u r o , a h u m a n i d a d e é u m a
substância simples, genérica, espiritual, que voluntariamente
apostatou e se corrompeu em Adão. Cada pessoa h u m a n a é
u m a m a n i f e s t a ç ã o i n d i v i d u a l desse e s p í r i t o c o m u m , e m
conexão com u m a organização corporal e separada. Mas - (a)
Se fizermos tão pouco caso da nossa consciência íntima, como
poderemos defender-nos contra o panteísmo? (b) Como podem
ser justificados e santificados espíritos individuais, e n q u a n t o
o espírito geral p e r m a n e c e c o r r o m p i d o e culpado? (c) Como
foi que o Logos encarnou? (d) Em último lugar, como u m a
parte dessa substância espiritual será glorificada para sempre,
e n q u a n t o que outra parte será para sempre condenada?
(2) O Dr. Shedd explica que a substância espiritual genérica
que pecou foi depois, pela agência de Adão, d i s t r i b u í d a e
desenvolvida n u m a série de indivíduos. Todavia, pode
p o r v e n t u r a um espírito ser dividido, e as suas partes p o d e m
ser distribuídas, t o r n a n d o - s e cada parte um agente ativo da

504
A Imputação do Pecado Original

m e s m a forma como foi o todo de o n d e essa parte foi separada?


Não será isso c o n f u n d i r os atributos de espírito e matéria, e
explicar o pecado como material? E não é o pecado e m i n e n t e -
m e n t e espiritual e pessoal?

18. Que razões estabelecem o caráter mais satisfatório da


teoria federal da nossa unidade com Adão ?
I a . A teoria de que Adão foi nosso cabeça federal pressupõe
o fato de que ele foi nosso cabeça natural e nesse fato se apóia.
Ele era nosso cabeça natural antes de ser nosso cabeça federal.
Sem dúvida ele foi feito nosso representante federal p o r q u e
era nosso progenitor natural e estava em circunstâncias tais
que os seus atos não podiam deixar de afetar os nossos destinos,
e p o r q u e a nossa natureza estava sendo provada (típica, senão
essencialmente) nele. Portanto, tudo q u a n t o de virtude que
segundo esta explicação se pode supor que contém o fato de
Adão ser nosso cabeça natural, tudo isso a teoria federal retém.
2 a . Como já mostramos, a aliança foi um ato da graça
s u p r e m a de Deus para com Adão mesmo. E o foi mais ainda
para com os seus descendentes. Todas as criaturas morais de
D e u s são introduzidas na existência em estado de integridade
moral que é real, mas instável. E evidente que, quanto aos
h o m e n s e aos anjos, isso é verdadeiro e t a m b é m equitativo. E
necessário, pois, que passem por u m a provação limitada ou
ilimitada. Adão estava na condição mais vantajosa possível de
passar incólume por essa provação limitada pela graça divina.
Parece, p o r é m , que os seus descendentes não poderiam pas-
sar por u m a provação justa, a não ser na pessoa de Adão. "Só
eram possíveis três planos: (1) Deus poderia ter deixado a raça
inteira em sua relação natural para com Ele. (2) Cada indiví-
duo poderia ser sujeito a u m a prova individual, sob u m a ali-
ança de obras proposta pela graça divina. (3) A raça como um
todo poderia ser representada por algum termo limitado na
pessoa de seu cabeça natural. O primeiro plano teria com certeza
tido como resultado o pecado universal. O segundo é o que os

505
Capítulo 21

p e l a g i a n o s s u p õ e m q u e foi a d o t a d o . O terceiro é, sem


comparação, o p l a n o mais vantajoso para os h o m e n s . " -
Syllabus (Sumário) do Dr. Robert L. Dabney. A provação
separada das almas nascentes das crianças não era de certo
preferível.
3 a . Deus, decerto, como matéria de fato, sujeitou Adão a
u m a prova especial e temporariamente limitada, e fez-lhe uma
promessa de "Vida" e o ameaçou de "Morte". E esta mesma
pena, da qual ele foi ameaçado, em seu sentido geral e em seus
termos especiais (Gên. 2:17; 3:16-19) tem sido infligida a toda
a sua posteridade.
4 a . Esta teoria é confirmada t a m b é m pela analogia que as
Sagradas Escrituras afirmam existir entre a imputação a nós
do pecado original de Adão e a imputação a Cristo dos nossos
pecados e da Sua justiça a nós. Isso mostra que a raça é uma
u n i d a d e com Adão e que os eleitos são u m a u n i d a d e com
Cristo. Esta analogia é por certo mais completa segundo a teoria
federativa da união íntima entre Adão e a raça do que segundo
qualquer teoria que não faça caso dessa união. Tanto a aliança
da graça, que incluiu os eleitos, como a aliança das obras, que
incluiu a raça, vieram da graça divina. Cristo, pelo amor que
nos teve, tornou-se voluntariamente o Cabeça do Seu povo;
Adão, pela obediência que devia a Deus, e por interesse e
dever, não se recusou a tornar-se o cabeça federal da raça
h u m a n a . Deus, por Sua graça, escolheu os eleitos pelo amor
que lhes tem, e t a m b é m por Sua graça incluiu os descen-
dentes de Adão em sua representação, como ato de beneficência
para com eles.
Não será verdade que o que restar de misterioso nesta
d o u t r i n a perde-se nesse abismo aberto pelo fato da permissão
para que entrasse o pecado, diante do qual todas as diversas escolas
de teístas deste lado do véu se vêm obrigados a prostrar-se em
silêncio?

506
22

A Aliança da Graça

Todas as questões que dizem respeito ao assunto geral da


redenção pertencem a um ou outro dos seguintes títulos:
I o . O plano da redenção, incluindo a aliança da graça e a
eleição eterna, de que já se tratou acima, no Cap. 11.
2 o . A Pessoa e a Obra de Cristo na consecução da redenção.
3 o . A aplicação e a consumação da redenção pela operação
do Espírito Santo, junto com os meios da graça divinamente
instituídos para esse fim.

A ALIANÇA DA GRAÇA

E evidente -
I o . Que, sendo D e u s u m a inteligência infinita, eterna e
i m u t á v e l , deve, desde o p r i n c í p i o , ter f o r m a d o um p l a n o
t o t a l m e n t e abrangente e imutável, de t u d o quanto iria fazer
no tempo, plano no qual deviam achar-se incluídas Suas obras
de Criação, Providência e Redenção.
2 o . Um plano formado pelas três Pessoas, e que, nas suas
diversas partes recíprocas, devia ser distribuído entre Elas e
por Elas ser executado, como Aquele que enviou e Aquele
que foi enviado, como Dirigente e Mediador, como Executor
e Aplicador, deve necessariamente possuir todos os atributos
essenciais de u m a aliança eterna entre essas Pessoas.
3 o . Desde que Deus, em todos os diversos ramos do Seu
governo moral, trata o homem como um ser moral, inteligente,
voluntário e responsável, segue-se que a execução do plano da

507
Capítulo 22

redenção deve ser ética e não mágica em seu caráter geral, deve
proceder pela revelação de verdades e pelas influências de
motivos, e o p l a n o deve ser apropriado voluntariamente por
aqueles que lhe estão sujeitos, como u m a graça oferecida a eles,
e lhe devem obedecer c o m o a um dever imposto, sob pena de
reprovação. Daí se segue que a sua aplicação deve possuir todos
os atributos essenciais de u m a aliança feita no t e m p o entre
D e u s e Seu povo.

1. Qual o uso da palavra berith nas Escrituras hebraicas?


Essa palavra encontra-se mais de duzentas e oitenta vezes
no Velho Testamento e é traduzida pelas palavras aliança, concerto
e pacto.
É empregada para exprimir -
I o . U m a o r d e m n a t u r a l estabelecida d i v i n a m e n t e . A
aliança de Deus com o dia, com a noite, etc. Veja Jer. 33:20.
2 o . A aliança de um h o m e m com outro. Jonatas com Davi
- 1 Sam. 18:3 e capítulo 20. Davi e A b n e r - 2 Sam. 3:13.
3 o . A aliança que D e u s fez com N o é quanto à sua família,
Gên. 6:18,19, quanto à raça h u m a n a , Gên. 9:9. Tomou-se o
arco-íris como um sinal dessa aliança - Gên. 9:13.
4°. A "Aliança da Graça" feita com Abraão, Gên. 17:2-7,
que Paulo chama "a promessa", Gál. 3:17. Como sinal desta
aliança foi estabelecida a circuncisão - Gên. 17:11; cf. Atos
7:8.
5 o . A mesma aliança, feita geralmente, com Abraão, Isaque
e Jacó - Êx. 2:24, etc.
6 o . A m e s m a a l i a n ç a , com m o d i f i c a ç õ e s e s p e c i a i s e
temporárias de forma, constituindo a aliança nacional-eclesi-
ástica de Deus com o povo de Israel. A lei desta aliança foi
escrita por Moisés, do seu lado legal, primeiro n u m livro ("o
livro do concerto" - Êx. 24:7), e depois sobre tábuas de pedra
("destas palavras tenho feito concerto contigo", "as palavras do
concerto, os dez m a n d a m e n t o s " ) , o Decálogo, depois deposi-
tado n u m a caixa de ouro, "a arca do concerto" - N ú m . 10:33.

508
A Aliança da Graça

1°. A aliança feita com Arão, de um sacerdócio eterno ou


perpétuo - N ú m . 25:12,13.
8 o . A aliança feita com D a v i - Jer. 33:21,22; Sal. 89:4,5.

2. Qual o uso da palavra diatheke no Novo Testamento?


Essa palavra acha-se trinta e três vezes no Novo Testa-
mento, e é quase sempre traduzida por concerto ou aliança
q u a n d o se refere a qualquer ato divino em relação à igreja
antiga, e por testamento q u a n d o se refere a um ato divino em
relação à igreja sob a dispensação evangélica. Seu sentido
f u n d a m e n t a l é o de dispor, arranjar; nos clássicos essa forma
específica de arranjar ou dispor refere-se ao ato de fazer um
testamento; este sentido, p o r é m , a palavra tem p r o p r i a m e n t e
n u m a só passagem do Novo Testamento, a saber, em Heb.
9:16,17. Apesar de nunca ser empregada para designar a aliança
eterna da graça que o Pai fez com o F i l h o como o segundo
Adão em favor do Seu povo, contudo, designa sempre ou a
antiga ou a nova dispensação, isto é, o m o d o de a d m i n i s t r a r
essa aliança inalterável ou então alguma aliança especial feita
por Cristo com Seu povo m e d i a n t e a administração da aliança
da graça, como, por exemplo, as alianças feitas com Abraão e
com Davi.
Assim, a disposição feita por Deus com a igreja antiga por
m e i o de Moisés, a diatheke antiga, c o n t r a s t a d a no N o v o
Testamento com a nova - Gál. 4:24; Heb. 8:8, foi realmente
u m a aliança, tanto civil como religiosa, feita entre Jeová (Iavé)
e os israelitas; ao m e s m o tempo, tanto no seu elemento legal,
que, "por causa das transgressões foi posto, até que viesse a
semente, a quem havia sido feita a promessa", como t a m b é m
no seu e l e m e n t o simbólico e típico e n s i n a n d o verdades a
r e s p e i t o d e C r i s t o , era, e m s e n t i d o m a i s e x a l t a d o , u m a
dispensação ou um m o d o de administrar a aliança da graça.
Assim t a m b é m a dispensação evangélica atual introduzida por
Cristo, que toma a forma de u m a aliança entre Ele e Seu povo,
i n c l u i n d o m u i t a s p r o m e s s a s pela graça, d e p e n d e n d o d e

509
Capítulo 22

condições, é, contudo, no seu aspecto mais exaltado, esse modo


de a d m i n i s t r a r a aliança inalterável da graça que é chamada
"dispensação nova e melhor", em contraste com a comparativa-
m e n t e imperfeita "dispensação antiga e primeira" dessa mesma
aliança. Veja 2 Cor.3:14; Heb. 8:6,8-10; 9:15; Gál. 4:24.
A dispensação atual da aliança da graça por meio do nosso
Salvador tem, evidentemente, n u m aspecto, grande analogia
com u m a disposição testamentária, porque dispensa bênçãos
que só depois p o d e r i a m ser p l e n a m e n t e gozadas, e por meio
da Sua morte. Por conseguinte, a palavradiatheke é empregada
n u m a única passagem para designar a dispensação atual da
aliança da graça neste seu interessante aspecto - H e b . 9:16,17.
C o n t u d o , desde que as diversas dispensações dessa aliança
e t e r n a são s e m p r e r e p r e s e n t a d a s n o s o u t r o s l u g a r e s das
Escrituras sob a forma de alianças especiais administrativas, e
não sob a forma de testamentos, é para lamentar que essa palavra
grega seja tantas vezes traduzida pela palavra específica de
testamento, em vez de aliança, ou da palavra mais geral, que é
dispensação.* Veja 2 Cor. 3:6,14; Gál. 3:15; Heb. 7:22; 12:24;
13:20.

3. Quais são as três opiniões sustentadas pelos calvinistas, a


respeito das partes componentes da aliança da graça?
Nestas diferenças não se acha envolvida de modo algum a
verdade de qualquer doutrina ensinada nas Escrituras, mas
elas dizem respeito s o m e n t e à forma pela qual essa verdade
pode ser apresentada com maior ou m e n o r clareza.
I a . A primeira opinião diz respeito à aliança da graça como
feita por Deus com pecadores eleitos, p r o m e t e n d o Deus salvar
os pecadores como tais sob a condição da fé, e p r o m e t e n d o
eles, q u a n d o c o n v e r t i d o s , crer e obedecer. S e g u n d o esta

* As versões e as edições modernas da Bíblia em geral têm corrigido esse


engano de uma forma ou de outra. Nota de Odayr Olivetti.

510
A Aliança da Graça

opinião, Cristo não é u m a das partes da aliança, e é, sim, o seu


Mediador a favor dos Seus eleitos, e seu F i a d o r ; isto é, Ele
g a r a n t e q u e todas as condições exigidas dos eleitos serão
c u m p r i d a s por eles m e d i a n t e a graça divina.
2 a . C o n f o r m e a segunda opinião, houve duas alianças, das
quais a primeira, chamada aliança da redenção, foi feita desde
toda a eternidade entre o Pai e o Filho como partes. Nela o
Filho p r o m e t e u obedecer e sofrer, e o Pai p r o m e t e u dar-lhe
um povo e conceder a este, no Filho, todas as bênçãos espiri-
tuais e a vida eterna. A segunda, chamada aliança da graça, é
feita por D e u s com os eleitos como partes, sendo Cristo o
Mediador e o Fiador a favor do Seu povo.
3 a . Falando as Escrituras em dois Adãos, dos quais um
representa a raça inteira na economia da natureza, e o outro o
corpo inteiro dos eleitos n u m a economia baseada na graça,
parece mais simples considerar como o f u n d a m e n t o de todo o
proceder de D e u s em relação aos h o m e n s , s o m e n t e as duas
alianças contrastadas, das obras e da graça. A primeira destas,
feita por D e u s no jardim do E d e n com Adão como cabeça e
representante federal de toda a sua posteridade. Das promessas,
condições, penas e resultados dessa aliança já falei sob título
anterior (veja o Capítulo 17). A segunda, ou seja, a aliança da
graça, feita nos conselhos da eternidade entre o Pai e o Filho
como partes contratantes. Segundo esta opinião, o Filho entrou
nesta aliança na qualidade de segundo Adão, representou todo
o Seu povo como seu Mediador e Fiador, assumiu o seu lugar
e t o m o u sobre Si todas as obrigações que eles t i n h a m debaixo
da aliança das obras, violada, e tomou sobre Si o aplicar-lhes
todos os benefícios alcançados por esta eterna aliança da graça
e fazer com que eles cumprissem todos os deveres envolvidos
nesta mesma aliança. Assim, pois, sob um aspecto, esta aliança
pode ser considerada como se fosse feita pela cabeça para a
salvação dos membros, e, sob outro, como se fosse feito com os
m e m b r o s em sua cabeça e seu abonador. P o r q u e aquilo que é
u m a graça vinda de D e u s é para nós um dever, c o m o ora

511
Capítulo 22

Agostinho: "Da quodjubes, etjubes quod vis"; e daí resulta esta


complexa idéia da aliança.
Aos olhos de Deus, todo h o m e m do m u n d o está como
que contemplado n u m a ou noutra destas grandes alianças, ou
das obras ou da graça. Devemos estar lembrados, p o r é m , de
que nas diferentes dispcnsações, ou modos de administrar a
eterna aliança da graça, Cristo contratou com Seu povo diversas
alianças especiais, como provisões administrativas para levar
a efeito os compromissos e para aplicar-lhe os benefícios de
Sua própria aliança com o Pai. Houve assim a aliança feita por
Jeová (Iavé) (a segunda Pessoa, veja acima, Cap. 9, Perg. 14)
com Noé, o segundo cabeça natural da raça h u m a n a , Gên.
9:11,15; a aliança feita com Abraão, o crente típico, tendo o
sinal e selo visível da circuncisão, e sendo f u n d a d a assim a
Igreja visível como um agregado de famílias. Esta aliança
c o n t i n u a até o dia de hoje a ser a carta constitucional da Igreja
visível, e as ordenanças do Batismo e da Ceia do Senhor, que
agora lhe são anexos, significam e selam para os crentes os
b e n e f í c i o s da aliança da graça, a saber, a vida e t e r n a , o
a r r e p e n d i m e n t o , a obediência etc., da parte de Deus, como
coisas prometidas; da nossa parte, p o r é m , como coisas que são
do nosso dever, isto é, até onde devem ser feitas por nós -
compare Gên. 17:9-13 com Gál. 3:15-17. A aliança nacional
feita com os judeus, que constituíam então a Igreja visível,
Êx. 34:27; a aliança feita com Davi, tipo de Cristo como Rei
mediatário, 2 Sam. 7:15,16; 2 Crôn. 7:18. As ofertas universais
do e v a n g e l h o d u r a n t e a d i s p e n s a ç ã o a t u a l são t a m b é m
apresentadas sob a forma de u m a aliança. A salvação é ofere-
cida a todos sob a condição da fé, mas a fé é d o m de Deus,
adquirido por Cristo para os eleitos e a esses p r o m e t i d o e por
eles exercido q u a n d o lhes é dado. Todo crente, quando chega
ao c o n h e c i m e n t o de Deus, faz aliança com Ele e a renova em
todos os atos de fé e oração. Mas todas e cada uma destas alianças
especiais são provisões para a administração da eterna aliança
da graça, e o seu único desígnio é comunicar os benefícios que

512
A Aliança da Graça

asseguram àqueles a q u e m pertencem.


Para as exposições de nossos livros simbólicos (nossos
símbolos de fé) sobre este assunto, comparem-se a Confissão de
Fé, cap.7, seção 3, com o Catecismo Maior, Pergs. 30-36.

4. Como se pode provar pelas Escrituras que realmente foi


formada na eternidade uma "aliança da graça" entre as Pessoas
Divinas, em que "o Filho" representou os eleitos?
I o . Como se mostrou no princípio deste capítulo, seme-
lhante aliança se acha virtualmente implícita na existência de
um plano eterno de salvação f o r m a d o m u t u a m e n t e por três
Pessoas pelas quais deveria ser executado.
2 o . Q u e Cristo representou os Seus eleitos nessa aliança
está necessariamente implícito na doutrina da soberana eleição
pessoal para a graça e a salvação. A respeito de Suas ovelhas,
diz Cristo: " E r a m teus, e tu mos deste", e "Tenho guardado
aqueles que tu me deste, e n e n h u m deles se p e r d e u " - João
17:6,12.
3 o . As Escrituras a f i r m a m a existência da promessa e das
condições de semelhante aliança e as apresentam juntas - Is.
53:10,11.
4°. As Escrituras afirmam expressamente a existência de
s e m e l h a n t e aliança - Sal. 89:4; Is. 42:6.
5 o . Cristo se refere constantemente a u m a comissão prévia
que recebera de Seu P a i - J o ã o 10:18; Luc. 22:29.
6 o . Cristo pede a recompensa, t e n d o Ele c u m p r i d o essa
c o m i s s ã o - J o ã o 17:4.
7 o . Cristo assevera constantemente que Seu povo e a glória
esperada L h e são dados por Seu Pai como recompensa - João
17:6,9,24; Fil. 2:6-11.

5. Quais foram as partes contratantes desta aliança da graça?


Quais suas promessas ou condições da parte do Pai? E quais as
suas condições da parte do Filho?
I o . As partes contratantes foram o Pai, r e p r e s e n t a n d o a

513
Capítulo 22 ,

D e i d a d e i n t e g r a l m e n t e em Sua soberania indivisível, e p o r


o u t r o lado, D e u s o F i l h o , como o M e d i a d o r , r e p r e s e n t a n d o
t o d o o Seu povo eleito e, c o m o a d m i n i s t r a d o r da aliança,
fazendo-Se seu F i a d o r pelo c u m p r i m e n t o de todos os deveres
envolvidos da p a r t e deles.
2 o . As condições às quais o Pai se i m p ô s f o r a m , (1) t o d a a
preparação necessária, H e b . 10:5; Is. 42:1-7; (2) apoio à Sua
o b r a , L u c . 22:43; (3) u m a r e c o m p e n s a gloriosa, primeiro
consistindo na Sua Pessoa teantrópica, "o n o m e que esta acima
de t o d o n o m e " , Fil. 2:6-11 (ARA), e o d o m í n i o u n i v e r s a l
e n t r e g u e a Ele como o Mediador, João 5:22; Sal. 110:1; e a
entrega em Suas mãos da administração de todas as provisões
da aliança da graça a favor do Seu povo, Mar. 28:18; João 1; 12;
7:39; 17:2; Atos 2:33; t,em segundo lugar, a salvação de todos
aqueles pelos quais fez a aliança, i n c l u i n d o as provisões para a
regeneração, a justificação, a perseverança e a glória - Tito 1:2;
Jer. 31:33; 32:40; Is. 35:10; 53:10,11 (Dick,Lect. on Theol., vol.
l , p á g s . 506-509).
3 o . As condições a serem c u m p r i d a s pelo F i l h o f o r a m , (1)
que encarnasse, nascesse de m u l h e r , nascesse debaixo da lei,
Gál. 4:4,5; (2) que assumisse e cumprisse p e r f e i t a m e n t e , por
Seus eleitos, todas as condições violadas e todas as p e n a s
impostas pela aliança das obras e nas quais eles i n c o r r e r a m ,
Mat. 5:17,18; o que Ele devia fazer, primeiro, p r e s t a n d o u m a
obediência perfeita aos preceitos da Lei, Sal. 40:8; Is. 42:21;
João 9:4,5; 8:29; Mat. 18:17; e,em segundo lugar, s o f r e n d o toda
a p e n a l i d a d e em que Seu povo incorreu por seus pecados -
Is. cap. 53; 2 Cor. 5:21; Gál. 3:13; Ef. 5:2.

6. Em que sentido se afirma que Cristo é o Mediador da aliança


da graça?
1 °. C o m o o único M e d i a d o r entre D e u s e o h o m e m , Ele O
contratou.
2 o . C o m o M e d i a d o r , Ele c u m p r e t o d a s a s c o n d i ç õ e s
previstas na aliança em favor do Seu povo.

514
A Aliança da Graça

3 o . C o m o Mediador, Ele a d m i n i s t r a a aliança e dispensa


todas as Suas bênçãos.
4 o . Em t u d o isso Cristo não foi um m e r o i n t e r n ú n c i o
mediatário, expressão aplicável a Moisés - Gál. 3:19, mas foi
M e d i a d o r (1) p l e n i p o t e n c i á r i o - M a t . 28:18, e (2) S u m o
Sacerdote, realmente efetuando reconciliação p o r sacrifício
- R o m . 3:25.
5 o . A fras tmesítes diathékes, m e d i a d o r da aliança, é aplicada
três vezes a Cristo no Novo Testamento - Heb. 8:6; 9:15; 12:24;
mas, como em cada um desses casos a palavra que significa
aliança é qualificada pelo adjetivo " n o v o " ou " m e l h o r " , é evi-
dente que não é empregada nesses casos para designar a aliança
da graça p r o p r i a m e n t e dita, e sim a nova dispensação dessa
aliança que Cristo i n t r o d u z i u em Sua p r ó p r i a Pessoa em
contraste com a m e n o s perfeita administração dela que foi
introduzida i n s t r u m e n t a l m e n t e por Moisés.
Na administração geral da aliança da graça, Cristo age
como Mediador sacerdotal desde a fundação do m u n d o - Apoc.
13:8. Por outro lado, porém, a primeira ou "antiga dispensação"
ou m o d o especial de administrar essa aliança visivelmente
e n t r e os homens, o era i n s t r u m e n t a l m e n t e e, q u a n t o à forma,
era ordenada por anjos na mão de um mediador, que foi Moisés
(Gál. 3:19). E precisamente em distinção desta relação mantida
p o r M o i s é s com a revelação e x t e r n a dessas i n s t i t u i ç õ e s
simbólicas e típicas, por meio das quais era então administrada
a aliança da graça, que se declara que a excelência superior da
administração "nova" e " m e l h o r " consiste em que Cristo, o
" F i l h o em sua própria casa", descobre-se agora visivelmente
como o verdadeiro Mediador na administração espiritual e
pessoal da Sua aliança. Por isso, Aquele que desde o p r i n c í p i o
fora "o único m e d i a d o r entre Deus e os h o m e n s " (1 T i m . 2:5)
é revelado agora, como por via de eminência; o M e d i a d o r e
F i a d o r dessa aliança eterna sob sua dispensação " n o v a " e
" m e l h o r " , porque agora Ele é tornado visível na p l e n i t u d e de
Suas graças espirituais como o a d m i n i s t r a d o r imediato dessa

515
Capítulo 22

aliança, e n q u a n t o que sob a "primeira" e "antiga" ou "velha"


dispensação Ele estava oculto. Veja Comm. on Hebrews, de
Sampson.
6°. Como Mediador Cristo obriga-Se t a m b é m a dar a Seu
povo a fé, o a r r e p e n d i m e n t o e todas as graças, e garante por
eles q u e da sua p a r t e exercerão a fé, a r r e p e n d e r - s e - ã o e
c u m p r i r ã o todos os seus deveres.

7. Em que sentido Cristo é chamado Fiador da aliança da


graça?
No único caso em que o termo fiador é aplicado a Cristo
no Novo Testamento (Heb. 7:22), "Jesus se tem tornado fiador
de superior aliança" (ARA), a palavra traduzida por "testa-
m e n t o " ( m o d e r n a m e n t e traduzida p o r "aliança") significa
evidentemente a nova dispensação da aliança da graça, em
contraste com a antiga. Paulo está contrastando o sacerdócio
de Cristo com o dos levitas. Cristo é Sacerdote ou Fiador
segundo uma ordem superior, sob u m a revelação mais clara e
u m a administração mais real e mais direta da graça do que era
o caso com os sacerdotes típicos, descendentes de Arão. Cristo
é nosso Fiador ao m e s m o tempo como Sacerdote e c o m o Rei.
Como Sacerdote porque, como tal, Ele toma sobre Si e cumpre
todas as nossas obrigações sob a transgredida aliança das obras.
Como Rei (os dois ofícios são inseparáveis nEle; Ele é sempre
um Sacerdote real), porque, como tal, Ele a d m i n i s t r a a Seu
povo as bênçãos da Sua aliança, para este fim entra ern aliança
com eles, oferece-lhes graça sob as condições de fé e obediência,
e então, como seu Fiador, dá-lhes as graças da fé e da obediência
para que eles c u m p r a m a sua parte.

8. Que método geral caracteriza o modo pelo qual Cristo


administra a Sua aliança sob todas as dispensações?
Os benefícios adquiridos pela aliança estão postos nas mãos
de Cristo para serem concedidos a Seu povo c o m o dádivas
gratuitas e soberanas. Da parte de Cristo são dádivas, da nossa

516
A Aliança da Graça

parte, p o r é m , para c o m Ele, muitos deles são deveres. Assim,


na administração da aliança da graça, muitas dessas bênçãos
adquiridas, e que devem tornar-se efetivas por atos nossos,
como, por exemplo, a fé, etc., Ele exige de nós como deveres, e
p r o m e t e outros benefícios como u m a recompensa que tem por
condição a nossa obediência. Pode-se dizer, pois, que Ele
recompensa a graça com graça, e faz da graça u m a condição da
graça. P r o m e t e a fé a Seus eleitos e então opera neles a fé, e em
seguida dá-lhes em recompensa à sua fé a paz de consciência, a
alegria no Espírito Santo, a vida eterna, etc.

9. Qual a idéia arminiana da aliança da graça?


Os arminianos sustentam:
1 0 . Quanto às partes da aliança da graça, que Deus a oferece
a todos, e que f i r m a contrato realmente com todos os crentes.
2 o . Q u a n t o às suas promessas, que estas incluem todos os
benefícios temporais e eternos da redenção realizada por Cristo.
3 o . Q u a n t o às suas condições, que D e u s agora aceita, por
Sua graça, a fé e a obediência evangélica como justiça, em vez
de aceitar como tal somente essa perfeita obediência legal que
Ele exigiu do h o m e m sob a aliança das obras, a obra meritória
de Cristo tendo tornado compatível com os princípios da justiça
divina que Ele faça isso. Eles ensinam que todos >s h o m e n s
recebem graça suficiente para torná-los capazes de c u m p r i r e m
tais condições, se quiserem.

10. Em que sentido pode-se chamar a fé uma condição da


salvação?
A fé é u m a condiçãosine qua non da salvação; isto é, n e n h u m
adulto pode ser salvo se não crer, e todo h o m e m que crê será
salvo. Ela é, p o r é m , u m a dádiva que vem de D e u s , e é a
primeira parte ou o p r i m e i r o passo da salvação. Vista do lado
divino, ela é o princípio e o índice da obra salvadora de D e u s
em nós. Vista do lado h u m a n o , ela é um dever da nossa parte e
é um ato nosso. Como ato nosso, ela é, portanto, o meio que

517
Capítulo 22

nos une a Cristo e, assim, é o antecedente necessário, mas nunca


a causa merecedora da salvação gratuita que se segue. A fé,
como condição, é n a t u r a l m e n t e fé viva, que necessariamente
produz "confissão" e obediência.

11. Quais são as promessas que Cristo, como o Administrador


da aliança, faz a todos os que crêem?
A promessa feita por Deus a Abraão de que seria o seu
Deus e o da sua posteridade depois dele (Gên. 17:7) abrange
todas as demais. Todas as coisas, tanto físicas como morais, na
providência e na graça, para o t e m p o e para a eternidade,
contribuirão, segundo as promessas, para o nosso bem. "Tudo
é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de D e u s " - 1 Cor. 3:22,23.
Esta aliança do evangelho é muitas vezes chamada "aliança
da redenção". Veja acima, Pergunta 3, § 2. " Q u e m crer e for
batizado será salvo; mas quem não crer será condenado" - Mar.
16:16.

12. Como se pode provar que Cristo era o Mediador dos


homens tanto antes como depois do Seu advento em carne?
I o . Como Mediador Ele é tanto Sacerdote como Sacrifício,
e como tal temos a afirmação de que Ele é o "Cordeiro que foi
m o r t o desde a fundação do m u n d o " , e de que Ele é a vítima
"para que, intervindo a m o r t e para remissão das transgressões
que havia debaixo da primeira aliança, os chamados recebam
a herança eterna" - Apoc. 13:8; Rom. 3:24; Heb. 9:15.
2 o . Foi prometido a Adão - Gên. 3:15.
3 o . No capítulo 3 da Epístola aos Gálatas Paulo prova que
a promessa feita a Abraão (Gên. 17:7; 22:18) é o mesmíssimo
e v a n g e l h o que o apóstolo m e s m o pregava. Assim A b r a ã o
t o r n o u - s e o pai dos que crêem.
4°. Em Atos 10:43 lemos: "A este dão t e s t e m u n h o todos
os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão
dos pecados pelo seu n o m e " . Veja t a m b é m Is. cap. 53, todo o
capítulo, e 42:6.

518
A Aliança da Graça

5 o . As instituições cerimoniais de Moisés eram símbolos


e tipos da obra realizada p o r Cristo; c o m o símbolos, elas
figuravam para os antigos, e para a sua salvação, os mereci-
m e n t o s e a graça de Cristo; e como tipos, elas profetizavam a
substância daquilo que haveria de vir - H e b . 10:1-10; Col.
2:17.
6 o . Cristo é o Jeová (Iavé) da antiga dispensação. Veja
acima, Cap. 9, Perg. 14.

13. Como se prova que a fé era a condição da salvação atites


da vinda de Cristo, no mesmo sentido em que o é agora?
I o . Isso é afirmado no Velho Testamento - Hab. 2:4; Sal.
2:12.
2 o . Os e s c r i t o r e s do N o v o T e s t a m e n t o e l u c i d a m sua
d o u t r i n a da justificação pela fé com o exemplo de crentes do
Velho Testamento. Veja R o m . cap. 4 e Heb. cap. 11.

14. Como se pode demonstrar que Cristo, como o Administrador


da aliança da graça, fez aos membros da Igreja do Velho Testamento
as mesmas promessas que Ele nos faz?
I o . As promessas feitas ao antigo povo de Cristo abrangem
claramente todas as bênçãos espirituais e eternas; por exemplo,
a promessa feita a Abraão, Gên. 17:7, e explicada p o r Cristo,
Mat. 22:32, e a promessa feita a Abraão, Gên. 22:18; 12:3, e
explicada por Paulo, Gál. 3:16. Veja também Sal. 73:25; Ez.
36:27; D a n . 12:2,3.
2 o . Também deixam clara essa verdade as expectativas e as
orações do povo de D e u s - Salmos 51 e 16; Jó 30:24-27; Sal.
73:24-26.

15. Como foi administrada a aliança da graça do tempo de


Adão ao de Abraão?
1°. Por promessa. - •
2 o . Por meio de sacrifícios típicos instituídos na família
de Adão.

519
Capítulo 22

3 o . P o r meio de revelações imediatas e manifestações


pessoais de Jeová (Iavé) ou do M e d i a d o r divino. Assim "o
S e n h o r " é r e p r e s e n t a d o nos onze p r i m e i r o s capítulos de
Gênesis como " f a l a n d o " aos h o m e n s . Q u e essas promessas e
sacrifícios eram entendidos em sua verdadeira significação
espiritual fica provado pelo que se lê em H e b . 11:4-7. E que
essa administração da aliança da graça estendeu-se a m u i t o s
povos da terra d u r a n t e esse período fica provado pela história
de Jó, na Arábia, de Abraão, na Mesopotâmia, e de Melquise-
deque, em Canaã.

16. Como foi ela administrada desde os dias de Abraão até


aos de Moisés?
I o . A promessa feita durante o período anterior (Gên. 3:15)
foi revelada na forma de u m a aliança mais definida, revelando
que o Salvador p r o m e t i d o deveria vir da linhagem de Abraão
e Isaque, e foi exposto mais plenamente o fato de que o m u n d o
inteiro estava interessado na salvação que ele haveria de receber
Gên. 17:7; 22:18. Este foi o evangelho anunciado p r i m e i r o
- G á l . 3:8.
2 o . Os sacrifícios c o n t i n u a r a m do m e s m o modo.
3 o . A Igreja, ou seja, a congregação de crentes, que existira
desde o princípio nos seus m e m b r o s individuais, foi então
f o r m a d a n u m a c o n g r e g a ç ã o geral c o m o u m agregado d e
famílias, pela instituição da circuncisão, como um símbolo
visível dos benefícios da aliança da graça, e como um sinal de
que se pertence à Igreja.

17. Qual é a verdadeira natureza da aliança feita por Deus


com os israelitas por meio de Moisés?
Podemos considerá-la sob três aspectos -
I o . C o m o um p a c t o n a c i o n a l e político, pelo qual os
israelitas, n u m sentido político, tornaram-se o povo de Deus,
reconheceram-se sob o Seu governo teocrático, e tornando-se
Ele, neste sentido peculiar, o seu Deus. Sob um aspecto, o

520
A Aliança da Graça

sistema t o d o t i n h a referência a essa relação. '-5


2 o . Sob o u t r o aspecto, foi um pacto legal, p o r q u e a lei
moral, obediência à qual foi a condição imposta na aliança das
obras, figurou nele p r o e m i n e n t e m e n t e , e conformidade a essa
lei foi imposta como a condição de gozarem os israelitas do
favor divino e de todas as bênçãos nacionais. Mesmo o sistema
cerimonial, no seu aspecto m e r a m e n t e literal, e sem referência
a seu aspecto simbólico, foi também u m a regra de obras; porque
" m a l d i t o aquele que não c o n f i r m a r as palavras desta lei, n ã o
as c u m p r i n d o " - Deut. 27:26.
3 o . Na significação simbólica e típica de todas as insti-
tuições mosaicas, elas foram u m a revelação mais clara e mais
completa do que n e n h u m a anterior, das provisões da aliança
da graça. Isso é c o m p r o v a d o a b u n d a n t e m e n t e p o r toda a
Epístola aos Hebreus. Veja Hodge on Romans (Hodge sobre
Romanos).

18. Quais as diferenças características existentes entre a


dispensação da aliança da graça debaixo da lei de Moisés e depois
da vinda de Cristo?
E evidente que essas diferenças se referem s o m e n t e aos
modos da administração, e não à matéria das verdades reveladas,
n e m da graça administrada.
I o . Antes da vinda de Cristo, a verdade era ensinada por
meio de símbolos que eram ao mesmo tempo tipos da
propiciação real pelo pecado que se deveria fazer depois. Agora
a verdade é revelada na clara história evangélica.
2 o . Essa revelação era menos completa e também menos
clara.
3 o . Estava embaraçada com tantas cerimônias que era u m a
dispensação comparativamente carnal. A dispensação atual é
espiritual.
4 o . Estava limitada a um só povo. A dispensação atual,
livre de todas as organizações nacionais, abrange o m u n d o
inteiro.

521
Capítulo 22 ^

5 o . E evidente que o m o d o anterior de a d m i n i s t r a ç ã o foi ;


p r e p a r a t ó r i o para o atual, que é o m o d o final. ^
Q u a n t o às opiniões calvinistas sobre a aliança da graça,
v e j a T u r r e t i n o , / n s í . Theo. Elenck, Loc. 12; W i t s i o ^ a w . ofthe
Covs. Q u a n t o às a r m i n i a n a s , veja as obras de Fletcher tlnst. of
Theo., de Ricardo Watson.
i' i1

522
23

A Pessoa de Cristo

1. Como se pode provar que já veio o Messias prometido nas


Escrituras judaicas, e que Jesus Cristo é essa Pessoa?
P r o v a m o s a n t e r i o r m e n t e que Ele já veio, m o s t r a n d o que
as condições da época e as circunstâncias que, segundo as
declarações proféticas haveriam de assinalar o Seu advento,
não são mais possíveis. Provamos, em segundo lugar, que Jesus
de N a z a r é foi essa Pessoa, m o s t r a n d o que t o d a s aquelas
condições foram c u m p r i d a s nEle.

2. Como se pode mostrar que Gên. 4:10 se refere ao Messias,


e como essa passagem prova que o Messias já veio?
A palavra traduzida porShilo (Figueiredo) Siló (Almeida),
"aquele que deve ser enviado", significa paz e é aplicada ao
Messias - Cf. Miq. 5:2,5 com Mat. 2:6. Além disso, é só o
Messias que foi "a expectação das gentes", ou a quem serão
congregadas as gentes ou nações. Veja Is. 55:5; 60:3; Ag. 2:7.
Além disso, os judeus sempre e n t e n d e r a m a passagem como
se r e f e r i n d o ao Messias.
Até ao nascimento de Jesus Cristo, Judá retinha o cetro e
t i n h a legislador, ou, como diz Figueiredo, General; mas na
destruição de Jerusalém, setenta anos depois, Judá perdeu todo
o poder político. Se, pois, o Messias não tivesse vindo antes
dessa catástrofe, a profecia seria falsa.

3. E quanto à profecia de Daniel 9:24-27? • r >•

523
Capítulo 23

Essa profecia refere-se explicitamente ao Messias e à Sua


obra peculiar e exclusiva. Q u e as setenta semanas mencionadas
aqui devem ser interpretadas como semanas de anos, é certo,
I o . P o r q u e era costume judaico dividir assim o t e m p o ; 2°.
Porque é o uso c o m u m nos livros proféticos. Veja Ez. 4:6; Apoc.
12:6; 13:5; e 3 o . P o r q u e a interpretação literal das palavras,
c o m o setenta semanas, é impraticável.
A profecia é que em sete semanas de anos, ou em quarenta
e nove anos depois de f i n d o o cativeiro, a cidade seria reedifi-
cada; que em sessenta e duas semanas de anos, ou quatrocentos
e trinta e quatro anos depois de reedificada a cidade, apareceria
o Messias; que Ele, d u r a n t e o período de u m a semana de anos,
confirmaria a aliança, e que, no meio da semana, seria cortado.
Há alguma dúvida quanto à data exata da qual se deve
começar calcular; mas a maior diferença não é mais de dez
anos, e a data mais provável faz a profecia coincidir exatamente
com a história de Cristo.

4. Quais as profecias sobre a data, o lugar e as circunstâncias


do nascimento do Messias, que foram cumpridas em Jesus de Nazaré?
Q u a n t o à data, foi predito que Ele viria antes que se tirasse
o cetro de Judá (Gên. 49:10), no fim de quatrocentos e noventa
anos depois de sair o edito m a n d a n d o reedificar Jerusalém e
e n q u a n t o existia ainda o segundo templo - Ag. 2:9; Mal. 3:1.
Q u a n t o ao lugar e às circunstâncias, devia nascer em
Belém (Miq. 5:2) da tribo de Judá e da família de Davi (Jer.
23:5,6). Devia nascer de u m a virgem (Is. 7:14) e ser precedido
de um precursor (Mal. 3:1). Tudo isso cumpriu-se em Jesus
Cristo, e nunca mais se poderia c u m p r i r em outrem p o r q u e
todas as genealogias de famílias e tribos se perderam.

5. Quais características notáveis, descritas no Velho Testamento,


verificaram-se em nosso Salvador?
Ele deveria ser Rei e Conquistador de um império univer-
sal (Sal. 2:6 e 45; Is. 9:6,7), e, ao m e s m o tempo, ser "objeto de

524
A Pessoa de Cristo

desprezo e o ú l t i m o dos h o m e n s , um varão de dores", e ser


"cortado da terra dos viventes" - Is. cap. 53 (Figueiredo).
Deveria ser u m a luz para os gentios e sob a Sua administração
deveria m u d a r - s e a condição moral do m u n d o inteiro - Is.
42:6; 49:6; 60:1-7. Sua m o r t e deveria ser expiatória - Is.
53:5,9,12. Ele deveria entrar na cidade m o n t a d o n u m
j u m e n t i n h o - Zac. 9:9, e ser v e n d i d o p o r trinta m o e d a s de
prata. - Zac. 11:12,13. Suas vestes deveriam ser repartidas por
sorteio. - Sal. 22:19. D e v e r i a m dar-lhe vinagre a beber - Sal.
49:22. As próprias palavras que deveria p r o n u n c i a r na cruz
foram preditas - Sal. 22:2. Foi predito t a m b é m que Ele seria
traspassado, Zac. 12:10, e que a Sua m o r t e e a Sua sepultura
seriam com os ímpios e com os ricos - Is. 53:9. Veja Evidences
of Christianity (Evidências do Cristianismo), do Dr. Alexander.

6. Que obra peculiar o Messias deveria realizar e que foi


realizada por Cristo?
Todos os Seus ofícios mediatários foram substancialmente
preditos. Ele deveria realizar a obra de um profeta (Is. 42:6;
9:3) e a de um sacerdote (Is. 53:10), para fazer expiação pelo
pecado (Dan. 9:24). Como Rei, deveria administrar as diversas
dispensações do Seu reino, pondo termo a u m a e i n t r o d u z i n d o
o u t r a , s e l a n d o as visões e as profecias, f a z e n d o cessar os
sacrifícios e oblações (Dan. 9:24), e f u n d a n d o um reino que
n u n c a teria fim (Dan. 2:44).

7. Cinco pontos envolvidos na doutrina da Igreja quanto à


Pessoa de Cristo:
I o . Jesus de N a z a r é é v e r d a d e i r o D e u s , p o s s u i n d o a
natureza divina e todos os atributos essenciais da Deidade.
2 o . E t a m b é m verdadeiro h o m e m , sendo a sua natureza
h u m a n a derivada por geração ( c o m u m ) do tronco de Adão.
3 o . Estas duas naturezas continuam unidas em Sua Pessoa,
mas sempre sendo verdadeira divindade e verdadeira h u m a -
nidade, sem mistura n e m mudança quanto à essência, de modo

525
Capítulo 23

que Cristo possui ao m e s m o tempo, na u n i d a d e da Sua Pessoa,


dois e s p í r i t o s , c o m t o d o s os seus a t r i b u t o s essenciais, a
consciência, a mente, os sentimentos e a vontade h u m a n o s , e a
consciência, a m e n t e , os s e n t i m e n t o s e a v o n t a d e divinos.
("Gemina substancia, gemina mens, gemina sapientia roburetvirtus"
- Admonitia Neostadtiensis, 1581, da qual Ursinus foi o autor
p r i n c i p a l ) . Mas n ã o c o n v é m que p r o c u r e m o s explicar a
maneira pela qual os dois espíritos afetam m u t u a m e n t e um ao
outro, n e m até onde eles se u n e m n u m a só consciência, nem
como as duas vontades cooperam n u m a só atividade na união
da Pessoa única.
4°. Não obstante isso, eles, unidos assim, constituem uma
só Pessoa, e a esta única Pessoa pertencem os atributos das duas
naturezas.
5°. Esta Personalidade não é personalidade nova consti-
tuída pela união das duas naturezas no ventre da virgem, mas
é a Pessoa eterna e imutável do logos, a qual no tempo assumiu
u m a nascente natureza h u m a n a e sempre depois abrange a
natureza h u m a n a com a divina na Personalidade que pertence
eternamente à divina.

8. Como se pode provar que Cristo é realmente homem?


E c h a m a d o h o m e m - 1 Tim. 2:5. Seu título mais c o m u m
é "o Filho do h o m e m " , Mat. 13:37; t a m b é m posteridade ou
descendência (semente) da mulher, Gên. 3:15, de Abraão, Atos
3:25; F i l h o de Davi, e f r u t o dos seus lombos, Luc. 1:32; Atos
2:30; feito de mulher, Gál. 4:4. Ele tinha um corpo, comia,
bebia, dormia, crescia em estatura (idade), Luc. 2:52, e durante
u m a vida de trinta e três anos era reconhecido por todos como
u m v e r d a d e i r o h o m e m . M o r r e u e m a g o n i a n a c r u z , foi
sepultado, e provou a Sua identidade por meio de sinais físicos
- Luc. 24:36-44. Tinha u m a alma racional, dado que Ele crescia
em sabedoria. Tinha os sentimentos comuns da nossa natureza,
visto que Ele "moveu-se m u i t o em espírito", perturbou-Se e
chorou - João 11:33,35. Ele amava Marta, Maria, Lázaro e o

526
A Pessoa de Cristo

discípulo que estava recostado em Seu peito - João 11:5; 13:23.


A absoluta deidade de Cristo já foi provada acima, Cap.9.

9. Como se pode provar que as duas naturezas em Cristo


constituíam somente uma Pessoa?
Em muitas passagens é feita referência às duas naturezas,
q u a n d o é evidente que a referência é a u m a só Pessoa - Fil.
2:6-11. Noutras muitas passagens fala-se nas duas naturezas
como unidas. N u n c a se diz que a deidade abstratamente, ou
que um poder divino, fosse r e u n i d o ou manifestado n u m a
natureza h u m a n a , mas o que se diz concretamente da natureza
divina é que u m a Pessoa divina foi u n i d a a u m a natureza
h u m a n a - H e b . 2:11-14; 1 T i m . 3:16; Gál. 4:4; R o m . 8:3 e
1:3,4; João 1:14; 1 João 4:3.
A união de duas naturezas em u m a só Pessoa é ensinada
claramente t a m b é m nas passagens em que os atributos de u m a
das naturezas são afirmados da Pessoa, e n q u a n t o , ao m e s m o
t e m p o , esta é designada p o r um título d e r i v a d o da o u t r a
natureza. Assim, são atribuídos a Cristo a t r i b u t o s e ações
divinos em certas passagens, e n q u a n t o que a Pessoa a q u e m
são atribuídos é designada por um título divino - Atos 20:28;
Rom. 8:32; 1 Cor. 2:8; Mat. 1:23; Luc. 1:31,32; Col. 1:13,14.
Por outro lado, há passagens nas quais são atribuídos a
Cristo atributos e ações divinos, e n q u a n t o que a Sua Pessoa é
designada por um título h u m a n o - J o ã o 3:13; 6:62; R o m . 9:5;
Apoc. 5:12.

10. Que princípio geral se deve seguir na explicação das


passagens em que se atribuem a Cristo os atributos de uma das
naturezas mas que pertencem à outra?
O s e g u i n t e : a Pessoa de C r i s t o , c o n s t i t u í d a de duas
naturezas, é u m a só. Ele pode, portanto, ser designado indi-
ferentemente por títulos h u m a n o s ou divinos, e atributos tanto
d i v i n o s c o m o h u m a n o s p o d e m s e r - L h e a t r i b u í d o s verda-
deiramente. Q u a n d o Ele morreu, ainda era Deus, e q u a n d o

527
Capítulo 23

c h a m a para a vida os mortos, ainda é h o m e m .


As ações mediatárias p e r t e n c e m a ambas as naturezas.
D e v e m o s lembrar, p o r é m , que, e n q u a n t o a Pessoa é u m a só, as
naturezas, como tais, são distintas. O que pertence a qualquer
das naturezas é atribuído à Pessoa única, à qual as duas naturezas
pertencem; mas o que é peculiar a u m a delas nunca é atribuído
à outra. Deus, isto é, a Pessoa divina, que é ao m e s m o t e m p o
D e u s e h o m e m , deu Seu sangue por Sua Igreja, isto é, m o r r e u
q u a n t o à sua natureza h u m a n a (Atos 20:28). Mas n u n c a se
a f i r m a que as ações e os atributos h u m a n o s são da natureza
divina de Cristo, n e m que as ações e os atributos divinos são
da Sua natureza h u m a n a .

11. Como os teólogos definem as designações "natureza" e j


"pessoa" conforme se acham elas envolvidas nesta doutrina? •
Na doutrina da Trindade, a dificuldade é que um só Ser
espiritual existe como três Pessoas. Na doutrina da Encarnação,
a dificuldade é que dois espíritos existem reunidos em u m a só
Pessoa.
" N a t u r e z a " , n e s t a c o n e x ã o , tem sido d e f i n i d a c o m o
"essência" ou "substância".
"Pessoa", nesta conexão, tem sido definida como " u m a
substância individual que, n e m é parte de alguma outra coisa,
n e m é s u s t e n t a d a p o r ela", ou c o m o " u m a s u b s i s t ê n c i a
individual e inteligente,per se subsistens" (auto-subsistente). A
natureza h u m a n a de Cristo nunca foi "per se subsistensmas,
t e n d o começado a ser como um gérmen gerado n u m a união
pessoal c o m a e t e r n a S e g u n d a Pessoa da D e i d a d e , pode, \
portanto, ser desde o princípio, "in altero sustentatur" (ser j
sustentado por outrem). j

12. Que efeitos esta união pessoal produziu na natureza divina


de Cristo?
Sua natureza divina, sendo eterna e imutável, e, por con-
seguinte, incapaz de a u m e n t o , não sofreu m u d a n ç a essencial

528
A Pessoa de Cristo

p o r esta união. A inteira essência divina e imutável c o n t i n u o u


a subsistir como o eterno Verbo pessoal, abrangendo então u m a
perfeita natureza h u m a n a na u n i d a d e da Sua Pessoa e como o
órgão da Sua vontade. Contudo, em conseqüência desta união,
foi alterada a relação da natureza divina com a criação toda,
p o r q u e Cristo tornou-se, assim, E m a n u e l , " D e u s conosco",
" D e u s que se manifestou em carne".

13. Que efeitos esta união pessoal produziu na natureza humana


de Cristo?
A natureza h u m a n a , sendo perfeita segundo a sua espécie,
começou a existir em união com a natureza divina e como u m a
parte constitutiva da Pessoa divina, e como tal c o n t i n u a sendo
p a r a s e m p r e u m a n a t u r e z a h u m a n a sem m i s t u r a e sem
m u d a n ç a essencial.
O efeito produzido por essa união na natureza h u m a n a de
Cristo foi, p o r t a n t o -
I o . U m a exaltação de todas as excelências h u m a n a s acima
do nível da natureza dos h o m e n s e de outras criaturas - João
1:14; 3:34; Is. 12:2.
2 o . U m a exaltação sem igual à dignidade e glória, sobre
todo n o m e que se nomeia, e u m a c o m u n h ã o de h o n r a e glória
com a Deidade, em virtude da Sua união com ela n u m a Pessoa
divina.
3 o . Como se dá com a união de alma e corpo no h o m e m , a
alma, embora privada absolutamente de extensão em si
mesma, n e m por isso deixa de estar presente ao m e s m o tempo,
desde a cabeça até às plantas dos pés, em virtude da sua união
com o corpo - isto é, está virtualmente, se não essencialmente,
presente na percepção e na volição ativas - assim t a m b é m a
natureza h u m a n a de Cristo, em virtude da sua união pessoal
com o Verbo eterno, está (a) presente virtualmente (apesar de
localmente no céu) com Seu povo até às partes mais remotas
da terra ao m e s m o tempo, simpatizando (isto é, em empatia
real) com cada m e m b r o do Seu povo como alguém que também

529
Capítulo 23

foi t e n t a d o ; (b) p r a t i c a m e n t e inexaurível, apesar de t u d o


q u a n t o s e L h e p e d e n o exercício c o n s t a n t e das f u n ç õ e s
mediatárias que envolvem ambas as naturezas.
D a í vem a doutrina da Igreja a respeito da "communicatio
idiomatum velproprietatum" (comunicação de peculiaridades ou
de propriedades) das duas naturezas de Cristo. Esta doutrina é
afirmada no concreto a respeito da Pessoa, mas negada no abstrato
a respeito das naturezas; é afirmada utrius naturce adpersonam
(das duas naturezas para com a Pessoa), mas é negada utrius
naturce ad naturam (das duas naturezas para com esta ou aquela
natureza).

14. Até onde está incluída a natureza humana de Cristo no


culto que Lhe é devido?
E preciso que distingamos entre o objeto e os motivos de
culto. O único motivo por que devemos culto a alguém é que
possui atributos divinos. O objeto de culto não é a excelência
d i v i n a no a b s t r a t o , e sim a Pessoa d i v i n a de q u e m essa
excelência é um atributo. Ao D e u s - h o m e m , existindo Ele em
duas naturezas, devemos culto na perfeição de Sua Pessoa
inteira, u n i c a m e n t e em razão de Seus atributos divinos.

15. Qual a analogia apresentada na união de duas naturezas


nas pessoas dos homens?
Io. Todas as pessoas h u m a n a s c o m p r e e n d e m duas
n a t u r e z a s : (a) um espírito cônscio, a u t o - o p e r a n d o , auto-
d e t e r m i n a n d o , absolutamente sem extensão no espaço, e ( b )
um corpo altamente organizado, composto de matéria passiva.
2 o . Estes constituem u m a só pessoa. O corpo é parte da
pessoa.
3 o . Estas naturezas permanecem distintas, n u n c a se tor-
n a n d o comuns ao corpo material os atributos do espírito, n e m
os atributos do espírito ao corpo, mas os atributos, tanto do
espírito como do corpo, são comuns a u m a e à mesma pessoa.
Esta muitas vezes é designada por um título próprio de u m a

530
A Pessoa de Cristo

das naturezas, sendo que aquilo que se afirma é p r ó p r i o da


outra. - - •:••• . <•
o
4 . O espírito é a pessoa. Q u a n d o ele deixa o corpo, este é
sepultado como cadáver, e n q u a n t o que o espírito vai para o
Juízo. Na ressurreição, o espírito reassumirá o corpo correspon-
dente à sua pessoa.
5 o . E n q u a n t o estes se acham unidos, a pessoa possui e
manifesta os atributos de ambas as naturezas; e, em v i r t u d e
da união, o espírito sem extensão acha-se presente o n d e quer
que o corpo esteja, com extensão, e a matéria inerte e insen-
sível dos tecidos nervosos exulta com sensações e palpita com
desejos pois esses nervos são sensores da alma que sente e
deseja.

16. Qual a opinião peculiar introduzida na teologia pelos


luteranos quanto à c o m m u n i c a t i o i d i o m a t u m ? Quais as razões
para rejeitá-la?
J u n t o com o processo, e nele, pelo qual eles m a n t ê m sua
opinião peculiar sobre a presença da própria substância do
corpo e do sangue de Cristo em, com e sob o pão e o v i n h o na
Eucaristia, L u t e r o e os que o seguiram i n t r o d u z i r a m e elabo-
raram a doutrina de que, em conseqüência da união hipostática
das naturezas h u m a n a e divina na Pessoa única de Cristo, cada
u m a das duas naturezas participa dos atributos essenciais da
outra.
Q u a n d o se e x p l i c a v a m m a i s c o m p l e t a m e n t e a esse
respeito, não afirmavam que a natureza divina participa de
qualquer atributo distintivo da natureza h u m a n a , n e m que a
n a t u r e z a h u m a n a t e m parte em todos os a t r i b u t o s da Sua
deidade, mas afirmavam simplesmente que a h u m a n i d a d e de
Cristo tinha parte em Sua deidade nos atributos de onisciência,
onipresença e do poder de dar a vida.
Os defensores dessa doutrina dividem-se em duas escolas:
I a . A escola mais extrema, e, logicamente, mais conse-
qüente, representada por João Brentz e os teólogos de Tubingen.
'SIBLIOTÇÇA A U S f t S V C t à R K
531
Capítulo 23

Estes sustentavam que o próprio ato de encarnação efetuou,


c o m o sendo a essência da união pessoal, que cada u m a das
naturezas participasse das propriedades da outra. Desde a sua
concepção no ventre da virgem, a natureza h u m a n a de Cristo
foi dotada inalienavelmente de toda a majestade divina e de
t o d a s as p r o p r i e d a d e s q u e a c o n s t i t u e m . E s t a s e s t a v a m
necessariamente em exercício desde o princípio, mas não se
manifestaram durante a Sua vida terrestre, estando ocultas. Os
fatos da vida de Cristo d u r a n t e o Seu estado de h u m i l h a ç ã o
têm, portanto, sua explicação numakrypsis voluntária, ou seja,
n u m ocultamento das propriedades divinas da Sua natureza
humana.
2 a . A outra opinião, menos extrema, é a representada por
M a r t i n h o C h e m n i t z e os teólogos de Giessen. Eles t a m b é m
sustentavam que, pelo próprio ato de encarnação, a h u m a n i -
dade de Cristo foi dotada de perfeições divinas. Que, q u a n t o à
sua relação ao espaço, Logos non extra carnem, et caro non extra
Logon (ou seja, o Logos não sai dos limites da carne, e esta não
sai dos limites do Logos). Ensinavam, contudo, que o exercício
dessas perfeições não era necessário (no sentido filosófico da
palavra), e, sim sujeito à vontade da Pessoa divina, a qual fazia
a Sua natureza h u m a n a achar-se presente onde e q u a n d o quer
que o quisesse, e a qual, d u r a n t e o período da Sua h u m i l h a ç ã o
na terra, voluntariamente esvaziou (kenosis) a Sua natureza
h u m a n a do seu uso e do exercício de seus atributos divinos.
D i z o Prof. A. B. Bruce, D.D., emHumiliation of Christ, Lect. 3
(A Humilhação de Cristo, Pales. 3) - "Os luteranos sustentaram
a exaltação da h u m a n i d a d e de Cristo para encontrar a Sua
deidade e (enquanto estava na terra) a kenosis da Sua h u m a -
nidade. Os reformados insistiram na realidade da vida h u m a n a
de Cristo e no a u t o - e s v a z i a m e n t o ( ^ n o m ) da Sua deidade para
encontrar a Sua h u m a n i d a d e . Os luteranos sustentaram a vida
dupla da Sua h u m a n i d a d e glorificada (a presença local e a
onipresença não local). A tendência reformada foi reconhecer
a vida dupla do Logos - totus extra Jesum e totus in Jesus"

532
A Pessoa de Cristo

(totalmente fora de Jesus e totalmente em Jesus). ' •


Nós rejeitamos a opinião luterana:
I o . P o r q u e não é ensinada na Bíblia. F u n d a - s e r e a l m e n t e
em sua errônea interpretação das palavras de Cristo: "Isto é o
m e u corpo".
2 o . E impossível conciliá-la com os f e n ô m e n o s da vida
terrena de Cristo. A u m e n t a a dificuldade do p r o b l e m a para
cuja explicação ela foi inventada.
3 o . Ela virtualmente destrói a encarnação, porque, segundo
essa doutrina, a natureza divina assimila a natureza h u m a n a
a t r i b u i n d o a esta certas propriedades daquela, ab-rogando-a
assim v i r t u a l m e n t e e deixando efetivamente só a divina.
4 o . Envolve a falácia de se conceber que as propriedades
são separáveis das substâncias das quais elas são as forças ativas,
e assim se expõe às m e s m a s críticas a que se expõe a d o u t r i n a
da transubstanciação.

17. Como se pode provar que a doutrina da encarnação é


doutrina fundamental do evangelho ?
I o . Esta d o u t r i n a e todos os seus elementos são ensinados
nas Escrituras com suma clareza e proeminência.
2 o . Sua verdade se acha envolvida em todas as demais
doutrinas de todo o sistema de fé cristã; em todos os atos
m e d i a t á r i o s de Cristo, como Profeta, Sacerdote e Rei; na
história inteira do Seu estado de humilhação, e em todos os
a s p e c t o s d o Seu e s t a d o d e e x a l t a ç ã o ; e , s o b r e t u d o , n a
significação e valor do Seu sacrifício vicário, que é o coração
do evangelho. Se Cristo não é na mesma Pessoa tanto Deus
como h o m e m , ou não poderia morrer, ou a Sua m o r t e não teria
valor. Se Ele não fosse h o m e m , a Sua história seria um m i t o ;
se não fosse Deus, seria idolatria prestar-Lhe culto, e, ao mesmo
tempo, não L h e prestar culto seria desobedecer ao Pai - João
5:23.
3 o . As E s c r i t u r a s d e c l a r a m e x p r e s s a m e n t e q u e essa
d o u t r i n a é essencial - 1 João 4:2,3.

533
Capítulo 23

18. Quais os credos em que esta doutrina tem sido mais


acuradamente definida? Epor quais concílios?
I o . O Credo do Concílio de Nicéia, emendado pelo Concílio
de Constantinopla, como t a m b é m o Credo de Atanásio e o de
Calcedônia, são exposições acuradas e autorizadas de toda a
Igreja quanto a esta doutrina. Eles se acham no Cap. 7, acima.
2 o . A decisão do Concílio de Efeso a respeito, 431 d.C.,
c o n d e n a n d o os nestorianos e a f i r m a n d o a unidade da Pessoa;
a decisão do Concílio de Calcedônia (451) contra Eutico,
a f i r m a n d o a distinção das naturezas (contra a idéia de fusão,
de Eutico).
3°. A decisão do Concílio de Constantinopla (681) contra
os monotelitas (que afirmavam u m a só vontade na Pessoa única
de Cristo), a f i r m a n d o que a natureza h u m a n a de Cristo retém
na completa integridade u m a vontade separada como t a m b é m
u m a inteligência separada. Essas decisões conciliares
concluíram a definição, aperfeiçoada pouco a pouco, da Igreja
sobre a Pessoa de Cristo, e têm sido aceitas por todos os
protestantes.

19. Como se pode classificar todas as heresias sobre este assunto?


No sentido de que elas procuram evitar a impossibilidade
que a razão h u m a n a encontra na tentativa de c o m p r e e n d e r
perfeitamente a compatibilidade m ú t u a de todos os elementos
desta doutrina, (1) na negação do elemento divino; ou (2) na
negação do elemento h u m a n o em sua realidade e integridade;
ou, (3) na negação da unidade da Pessoa abarcando ambas as
naturezas.

20. Quais partidos sustentam que Jesus era mero homem?


Na Igreja Primitiva os ebionitas e os alogi. No t e m p o da
Reforma, os socinianos. Em nossos dias os racionalistas e os
unitários. Q u a n t o à sua história e suas doutrinas, veja acima,
Cap. 6, Pergs. 11 e 13, e abaixo, no fim deste capítulo.

534
A Pessoa de Cristo

21. Quais partidos negam a verdadeira humanidade de


Cristo, epor quais motivos?
Estas especulações tiveram todas u m a origem gnóstica.
Daí veio a convicção de que a matéria é má em si mesma, e
que inúmerosceons, ou grandes emanações espirituais de Deus,
que é o Absoluto, medeiam entre Este e o m u n d o . Ospnêumata
vêm de Deus, mas a matéria existe por si m e s m a e as almas
animais vêm de um ser m e n o r do que Deus. Por isso os docetce
(docetistas; d t d o k é o , supor, pensar, parecer) sustentavam que
a natureza h u m a n a (corpo e alma) de Cristo era um m e r o
f a n t a s m a ou a p a r ê n c i a , s e m n e n h u m a e x i s t ê n c i a real e
substancial; que não passava de u m a visão ou fantasma através
do qual o Logos quis manifestar-se aos h o m e n s por algum
tempo.

22. Em que consiste a heresia apolinariana?


Apolinário, bispo de Laodicéia, cerca do ano de 370, tido
c o m o ortodoxo e erudito, ensinava que, assim como o h o m e m
se constitui de um corpo, de u m a alma animal e de u m a alma
racional, todos compreendidos em u m a só pessoa, assim em
Cristo o Logos divino toma o lugar do pnêuma h u m a n o , e Sua
Pessoa única se constitui do pnêuma divino, ou alma racional,
e da alma animal e corpo h u m a n o s . Livrou-se ele assim da
d i f i c u l d a d e ligada à existência de dois espíritos racionais,
autoconscientes e a u t o d e t e r m i n a n t e s na mesma pessoa, mas,
ao m e s m o tempo, anulou o fato revelado de que Cristo é ao
mesmo tempo verdadeiro h o m e m e verdadeiro Deus. A
d o u t r i n a d e A p o l i n á r i o foi c o n d e n a d a pelo C o n c í l i o d e
Constantinopla, em 381d.C.

23. Em que consiste a heresia nestoriana?


O t e r m o nestoriano exprime u m a tendência exagerada
de especular sobre este assunto, antes que u m a falsa dou-
trina positiva e definível. E a tendência de acentuar tanto
a distinção das duas naturezas completas e não unificadas

535
Capítulo 23

de Cristo que se torna obscuro o fato igualmente revelado


da u n i d a d e da Sua Pessoa.
Essa tendência foi mais conspícua nos escritos de Teodoro
de Mopsuéstia, chefe da escola antioquiana, e, em razão da sua
influência, ela tornou-se a característica geral dessa escola. A
teologia da Igreja Oriental dos séculos quarto e q u i n t o estava
dividida entre as duas grandes escolas rivais de Alexandria e
de Antioquia. " N a escola de Alexandria p r e d o m i n a v a um
m o d o intuitivo de pensar, inclinando-se para o misticismo;
n a d e A n t i o q u i a p r e d o m i n a v a u m a i n c l i n a ç ã o lógica e
reflexiva da inteligência" - Neander,//wí., Tradução de Torrey,
vol. 2, pág. 352.
Nestório, que havia sido monge em Antioquia, veio a ser
patriarca de Constantinopla. Ele censurou a aplicação da frase
"Mãe de D e u s " à virgem, a f i r m a n d o que Maria dera à luz ao
Cristo e não a Deus. Cirilo, patriarca de Alexandria, contestou-
-o, e ambos lançaram-se anátemas mútuos. Nestório, segundo
o m o d o antioquiano de pensar, julgava que se devia distinguir
claramente entre as naturezas divina e h u m a n a de Cristo e
admitia s o m e n t e u m a s y n á f e i a (junção) de u m a e outra, e u m a
enoikesis (presença permanente) da deidade. Cirilo, ao contrário,
foi levado pelas tendências da escola egípcia (de Alexandria) a
sustentar a perfeita união das duas naturezas. Nestório, como
representante do seu partido, foi condenado pelo Concílio de
Éfeso, em 431 d.C. -Hist. ofDoct., de Hagenbach, Vol. 1, § 100.

24. Em que consiste a heresia eutiquiana ou monofisita?


Eutico era abade em Constantinopla e discípulo extremo
de Dióscuro, sucessor de Cirilo. Ele levou a sua oposição aos
nestorianos ao ponto de confundir as duas naturezas de Cristo,
s u s t e n t a n d o , p o r isso, que Ele possuía u m a só n a t u r e z a ,
resultante da união da deidade com a h u m a n i d a d e . Os que
adotaram esta opinião foram chamados monofisitas. F o r a m
condenados pelo Concílio de Calcedônia, 451 d.C., que adotou
a f ó r m u l a comunicada por Leão, o Grande, bispo de Roma, a

536
A Pessoa de Cristo

Flaviano, patriarca de Constantinopla: "Totus in suis, totus in


nostris"(que afirma a totalidade da natureza divina e a totalidade
da natureza h u m a n a na Pessoa de Cristo).

25. Qual é a doutrina dos monotelitas?


O I m p e r a d o r H e r á c l i o p r o c u r o u r e u n i r à I g r e j a os
monofisitas adotando, por convenção, a decisão do Concílio
de Calcedônia quanto à coexistência de duas naturezas distintas
na Pessoa única de Cristo, com a e m e n d a de que, em
conseqüência da união pessoal, havia em Cristo u m a só energia
d i v i n o - h u m a n a e u m a só vontade. Em oposição a isto, o Sexto
Concílio E c u m ê n i c o de C o n s t a n t i n o p l a (681 d.C.), com a
cooperação do bispo de Roma, adotou a d o u t r i n a de duas
vontades em Cristo, duas energias, como d o u t r i n a ortodoxa,
m a s decidiu que sempre se deve conceber a vontade h u m a n a
dEle c o m o subordinada à vontade divina - H a g e n b a c h , Hist.
ofDoct., § 104. Com esta decisão completou-se a definição desta
d o u t r i n a como esta é recebida pela Igreja toda, tanto romana e
grega como protestante. -

26. Em que consiste a doutrina moderna de Kénosis?


A antiga doutrina sociniana ensinava que Jesus, verdadeiro
h o m e m , depois da Sua ascensão passou por u m a apoteose, pela
qual foi exaltado a u m a condição e a u m a ordem intermediárias
e n t r e D e u s e o universo. Os eutiquianos ensinavam que a
natureza h u m a n a de Cristo foi absorvida pela divina e assimi-
lada a esta. Os luteranos ensinavam que a natureza h u m a n a foi
dotada de propriedades da divina. A d o u t r i n a m o d e r n a de
kénosis (quénose) é que, no caso de Jesus, o h o m e m se t o r n o u
D e u s e não foi u n i d o pessoalmente à divindade, mas que Deus
tornou-se literalmente h o m e m . Esta doutrina é ensinada com
diversas modificações pelos doutores T h o m a s i u s , H o f f m a n n ,
E b r a r d , M a r t e n s e n e outros, e m u i claramente pelo Dr. W. F.
Gess, n u m a obra m u i t o b e m traduzida (para o inglês) pelo Dr.
;
J. A. Reubelt. . , :

537
Capítulo 23 I

O termo kénosis significa um despejar voluntário de Si


m e s m o , da Sua deidade, pelo Logos. É derivado de Fil. 2:7: j
"aniquilou-se a si mesmo", e tem o apoio de declarações como |
1
a de João 1:14: "o Verbo se fez carne, e habitou entre nós".
1. O Pai só é de Si mesmo. Ele comunica e t e r n a m e n t e a
p l e n i t u d e da Sua essência e das perfeições divinas ao Filho,
d a n d o - L h e assim o ter vida em Si mesmo. O Filho, dimanando
assim eternamente do Pai, une-Se ao Pai na comunicação da
Sua plenitude ao Espírito, e é a vida do m u n d o .
2. "Mas o Logos é Deus; tem vida em Si assim como a
tem o Pai; a Sua volição quanto a receber a vida.do Pai é a
fonte da Sua vida; Sua consciência de Si é Seu próprio ato.
D a q u i se segue que Ele p o d e suspender Sua consciência de
Si."
3. C o n d e s c e n d e n d o em ser concebido no ventre da vir-
gem, o Logos despiu-Se t e m p o r a r i a m e n t e da Sua consciência
de Si e com ela da comunicação da vida do Pai ao Filho, pela
qual o Filho tem vida em Si assim como a tem o Pai, e por isso
estiveram suspensas a Sua onisciência, a Sua onipresença e o
Seu governo onipotente do m u n d o .
4. Q u a n d o a substância do Logos recobrou a Sua cons-
ciência de Si como o m e n i n o Jesus, o foi como um verdadeiro
m e n i n o h u m a n o , e Ele cresceu e se desenvolveram o Seu
c o n h e c i m e n t o e as Suas f a c u l d a d e s c o m o um v e r d a d e i r o
h o m e m sem p e c a d o , d o t a d o de graça p r e e m i n e n t e e da
p l e n i t u d e do Espírito de D e u s que nEle habitava.
5. Q u a n d o Jesus foi glorificado, tornou a começar a eterna
e anteterrena comunicação da plenitude da vida divina, do Pai
ao F i l h o , e Este, e m b o r a c o n t i n u e a ser v e r d a d e i r a m e n t e
h u m a n o , não é menos verdadeiramente Deus. E outra vez
eterno, onisciente, onipresente, onipotente. "Assim um h o m e m
é admitido à vida trinitária da Deidade, da glorificação do Filho
e por ela" - Reubelt, Script. Doct. Per. Christ. - Gess.
Essa doutrina - I o . É uma ofensa feita às infinitas perfeições
e à imutabilidade da natureza divina.

538
A Pessoa de Cristo

2 o . Não é compatível com o fato de que Cristo, q u a n d o na


terra, era D e u s real e absoluto.
3 o . T a m p o u c o é c o m p a t í v e l c o m o f a t o de q u e a
h u m a n i d a d e de Cristo foi u m a h u m a n i d a d e real, gerada da
s e m e n t e de Abraão.
4 o . Admite-se em geral que é u m a d o u t r i n a diversa da fé
i m e m o r i a l e universal da Igreja.
Para u m a discussão completa, veja Humiliation of Christ
(A H u m i l h a ç ã o de Cristo), de autoria do Dr. A. B. Bruce.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS ,,

As igrejas romana, grega e protestante concordam todas


em aceitar as definições dos credos de Nicéia e de Calce-
dônia, e o Credo de Atanásio (assim chamado). Veja acima,
Cap.7.
A d o u t r i n a L U T E R A N A q u a n t o às relações das duas
naturezas:
Formula Concordice, Parte 1, Epitome, cap. 8, §§ l i e 12:
"Por isso, não somente como Deus, senão também como
homem, Ele sabe todas as coisas e tem o poder de fazer
tudo, está presente com todas as criaturas, e tem nas Suas
mãos e debaixo dos Seus pés todas as coisas que estão no
/

céu, na terra e debaixo da terra. "E-me dado todo o poder


no céu e na terra", e "subiu acima de todos os céus, para
cumprir (ou "encher") todas as coisas". Estando presente
em toda parte, Ele pode exercer este poder, e não há coisa
alguma que Ele não possa fazer ou que Lhe seja desco-
nhecida. Segue-se, além disso, e muito facilmente, que
Ele, achando-Se presente, pode distribuir Seu verdadeiro
corpo e Seu verdadeiro sangue na Ceia do Senhor. Isso,
porém, não se efetua segundo o modo e a propriedade da
Sua natureza humana, e sim segundo o modo e a pro-
priedade da mão direita de Deus... E esta presença de
C r i s t o na Ceia não é física, n e m t e r r e n a , n e m
"capernáitica" (veja João 6: 52-59), e, contudo, é verdadeira
e substancial."

539
Capítulo 23

Parte 2 ("Solida Declaratio"), cap. 8, § 4: "Porque essa


comunhão de naturezas e propriedades não é resultado de
alguma efusão essencial ou natural das propriedades da
natureza divina sobre a humana, como se a humanidade
de Cristo as tivesse subsistindo independentemente e
separadas da Sua deidade; ou como se, por essa comunhão,
a natureza humana de Cristo se tivesse despido de suas
propriedades naturais, ou fosse convertida na natureza
divina, ou fosse em si e per se feita igual à natureza divina
por meio dessas propriedades comunicadas dessa forma,
ou que as p r o p r i e d a d e s e operações naturais fossem
idênticas ou mesmo iguais. Porque estes e semelhantes
erros têm sido rejeitados", etc.
Disse Lutero: "Onde quer que colocardes Deus, aí é
necessário que coloqueis a humanidade (de Cristo); não
podem ser separados nem desunidos; é uma só Pessoa, e a
humanidade está unida mais intimamente a Deus do que
a nossa pele está unida à nossa carne, sim, mais intima-
mente do que o corpo à alma".

A d o u t r i n a das IGREJAS REFORMADAS:


Confessio Helvetica Posterior, cap. 11: "Reconhecemos,
pois, que em um e o mesmo Senhor Jesus Cristo há duas
naturezas, e dizemos que estas se acham juntas e unidas
de tal modo que elas não são absorvidas, nem confundidas,
nem misturadas; mas são, antes, unidas e juntas em uma
só Pessoa, sendo conservadas com suas p r o p r i e d a d e s
permanentes; de modo que nós adoramos a um só Senhor,
o Cristo, e não dois; um só, dizemos, verdadeiro Deus e
homem, segundo a Sua natureza divina consubstancial
com o Pai, e segundo a Sua natureza humana consubs-
tancial conosco, homens, e em todas as coisas semelhante
a nós, exceto no pecado. Portanto, assim como abomi-
namos o dogma nestoriano, que faz dois Cristos de um
só, e dissolvendo a união da Pessoa; assim t a m b é m
execramos de coração a loucura de Eutico, dos monofisitas
e dos monotelitas, que apagam a propriedade da natureza
humana. Por isso nós de modo algum ensinamos que a

540
A Pessoa de Cristo

natureza divina em Cristo tenha sofrido, nem que Cristo,


segundo a Sua natureza humana, tenha até agora estado
no mundo e assim em toda parte."
Confissão de Westminster, Cap. 8, § 2: "O Filho de Deus,
a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno
Deus, da mesma substância e igual ao Pai, tomou sobre
Si, quando havia chegado a plenitude do tempo, a natureza
do homem e todas as suas propriedades essenciais e suas
enfermidades comuns, mas sem pecado; sendo concebido
pelo poder do Espírito Santo no ventre da virgem Maria,
da sua substância. De modo que duas naturezas inteiras,
perfeitas e distintas, a deidade e a humanidade, foram
unidas inseparavelmente em uma só pessoa, sem con-
versão, c o m p o s i ç ã o ou c o n f u s ã o . A qual Pessoa é
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e, contudo, um só
Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem."

541
24

O Ofício Medianeiro de Cristo

1. Quais os diversos sentidos da palavra Mediador, e em qual


destes sentidos é ela especialmente empregada quando aplicada a
Cristo?
I o . O sentido de internúncio ou mensageiro, para explicar
a vontade e c u m p r i r os m a n d a d o s de u m a das partes contra-
tantes ou de a m b a s , e . g , Moisés, Gál. 3:19.
2 o . O sentido de simples advogado ou intercessor, advo-
gando a causa da parte ofensora na presença da parte ofendida.
3 o . O sentido em que a palavra é especialmente empregada
q u a n d o aplicada a Cristo. Neste sentido, Cristo, o pacificador
eficiente, como Mediador, (1) tem entregues em Suas mãos
todo o poder e todo o juízo - Mat. 28:18 e 9:6; João 5:22, 25-
27; e, (2) Ele faz eficazmente reconciliação entre Deus e o
h o m e m por meio de u m a expiação p l e n a m e n t e satisfatória e
de u m a obediência perfeita.

2. Por que foi necessário que o Mediador possuísse uma natu-


reza divina, como também uma natureza humana?
s

I o . E evidente que era necessário que o Mediador fosse


Deus; (1) Para que fosse i n d e p e n d e n t e e não u m a simples
criatura de uma das partes, pois, de outro modo, não poderia
fazer eficazmente a paz. (2) Para que revelasse Deus e a salva-
ção que dEle vem aos homens, porque " n i n g u é m conhece o
Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" -
Mat. 11:27; João 1:18. (3) Para que, estando, quanto à Sua

542
O Ofício Medianeiro de Cristo

Pessoa, acima de toda a lei, e sendo, quanto à dignidade da Sua


natureza, infinito, pudesse, a favor do Seu povo, prestar à lei
u m a obediência voluntária e que não lhe devia p o r Sua pró-
pria conta, e para que a Sua obediência e os Seus sofrimentos
tivessem valor infinito. (4) Para que possuísse a sabedoria, o
c o n h e c i m e n t o e o poder necessários para a administração dos
r e i n o s i n f i n i t o s da p r o v i d ê n c i a e da graça que se a c h a m
entregues nas Suas mãos como o P r í n c i p e medianeiro.
2 o . Era evidentemente necessário que fosse h o m e m . (1)
Para que representasse verdadeiramente os h o m e n s como o
segundo Adão. (2) Para que fosse feito debaixo da lei, a fim de
tornar possíveis a Sua obediência, os seus sofrimentos e as Suas
tentações - Gál. 4:4,5; Luc. 4:1-13. (3) " F o i conveniente que
ele se fizesse em t u d o semelhante a seus irmãos, para vir a ser
um pontífice* compassivo e fiel no seu ministério..." (Figuei-
r e d o ) - H e b . 2 : 1 7 , 1 8 ; 4 : 1 5 , 1 6 . (4) P a r a q u e , e m Sua
h u m a n i d a d e glorificada, fosse o cabeça da Igreja glorificada,
e exemplo e modelo ao qual os que pertencem ao Seu povo
foram predestinados "para serem conformes à imagem de seu
Filho; a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos"
- R o m . 8:29. .. • •

3. Qual a diversidade de opiniões que existem sobre a questão


sobre se Cristo age como Mediador em uma só natureza ou nas
duas?
Os católicos romanos sustentam que Cristo foi Mediador
somente em Sua natureza h u m a n a , dizendo que era impossível
que D e u s intermediasse entre Si m e s m o e os h o m e n s .
Também tem sido sustentada a opinião oposta, a saber,
que Cristo foi Mediador somente em Sua natureza divina.
A doutrina bíblica é que Cristo foi Mediador como o Deus-
- h o m e m , nas duas naturezas.

* sumo sacerdote

543
Capítulo 24

4. Como se pode classificar os atos de Cristo com referência


a Suas duas naturezas?
Os teólogos têm d i s t i n g u i d o c o m p r o p r i e d a d e (veja
Turretino, in loco) entre a Pessoa que age e a natureza ou a
energia interna pela qual ela age. Afirmamos assim a respeito
do próprio h o m e m , que pensa e que anda. Neste caso, a mesma
pessoa faz estas duas classes de ações tão radicalmente distintas,
em v i r t u d e das duas naturezas abrangidas por ela. Assim
t a m b é m a Pessoa única do D e u s - h o m e m realiza todos os atos
que envolvem os atributos de u m a natureza divina, em virtude
da Sua natureza divina, e todos os atos que envolvem os
atributos de uma natureza humana, em virtude da Sua natureza
humana.

5. Como se pode provar que Cristo era Mediador e que agia


como tal tanto em Sua natureza divina como na humana?
I o . Pelo fato de que o desempenho de cada u m a das três
grandes funções do ofício medianeiro - a profética, a sacerdotal
e a real - envolvem os atributos de ambas as naturezas, com
foi provado plenamente sob a Pergunta 2.
2 o . Pelo fato de se atribuírem na Bíblia todos os atos de
Cristo como Mediador a u m a só Pessoa, considerada como
a b r a n g e n d o as duas n a t u r e z a s . A Pessoa é m u i t a s vezes
designada por um t e r m o derivado de u m a das naturezas,
e n q u a n t o a ação medianeira atribuída a essa Pessoa é feita
e v i d e n t e m e n t e em virtude da outra natureza abrangida na
Pessoa. Veja Atos 20:28; 1 Cor. 2:8; Heb. 9:14.
3 o . O fato de que o Mediador o é desde a fundação do
m u n d o (veja Cap. 22, Perg. 11), mostra evidentemente que
não o era só em Sua natureza h u m a n a ; e o fato de que o
Verbo eterno encarnou-Se a fim de Se preparar adequadamen-
te para a Sua obra medianeira (Heb. 2:17,18), mostra com igual
clareza que não era Mediador somente em Sua natureza divina.

544
O Ofício Medianeiro de Cristo

6. Qual o sentido em que os católicos romanos têm os santos e


os anjos na conta de mediadores?
Eles não atribuem, n e m aos santos n e m aos anjos, a obra
de propiciação p r o p r i a m e n t e dita. C o n t u d o , a f i r m a m que os
m e r e c i m e n t o s dos santos são o motivo e a m e d i d a da eficácia
da sua intercessão, da m e s m a forma como se dá no caso de
Cristo. •• '. a. -

7. Até onde atribuem eles um caráter medianeiro a seus


sacerdotes?
O protestante sustenta que a Igreja é composta de u m a
c o m p a n h i a de h o m e n s unidos uns aos outros em virtude da
união imediata de cada um deles com Cristo, a Cabeça. O
r o m a n o , ao contrário, afirma que cada m e m b r o individual é
u n i d o i m e d i a t a m e n t e à Igreja, e, p o r meio da Igreja, a Cristo.
Por isso os seus sacerdotes, da verdadeira sucessão apostólica,
como dizem, sujeitos aos bispos apostólicos, assim chamados,
sendo os únicos despenseiros autorizados dos sacramentos, e,
por meio destes, da graça de Cristo, são mediadores -
I o . E n t r e o indivíduo e Cristo - o elo necessário de união
com Ele. - '• '* • .• '• '
o
2 . Porque oferecem o sacrifício da missa e fazem nela,
s e g u n d o dizem, u m a verdadeira propiciação pelos pecados
veniais do povo, t e n d o o grande sacrifício de Cristo feito
propiciação pelo pecado original e lançado o f u n d a m e n t o para
a v i r t u d e propiciatória que pertence à missa. >• •• ' ;
o
3 . Porque, segundo dizem, são intercessores poderosos.

8. Como se pode provar que Cristo é o nosso único Mediador


no sentido próprio desta palavra?
I o . Pelo t e s t e m u n h o direto das Escrituras - 1 T i m . 2:5.
2 o . Porque, segundo as Escrituras, Cristo d e s e m p e n h o u
por nós todas as funções necessárias, tanto de propiciação como
de intercessão, 1 João 2:1, na terra e no céu - Heb. 9:12, 24;
7:25.

545
Capítulo 24

3 o . Porque, em virtude da dignidade da Sua Pessoa e da


perfeição da Sua natureza, todas essas funções foram por Ele
d e s e m p e n h a d a s exaustivamente - H e b . 10:14; Col. 2:10.
4°. Porque nEle há salvação perfeita, não há salvação em
n e n h u m outro, e n i n g u é m pode vir ao Pai senão p o r Ele -
João 14:6; Atos 4:12.
5 o . N ã o há lugar para n e n h u m outro m e d i a d o r entre o
i n d i v í d u o e Cristo - (1) p o r q u e Ele é nosso " i r m ã o " e "sacer-
dote compassivo", que convida todos a chegar-se a Ele
i m e d i a t a m e n t e , (diretamente), Mat. 11:28; (2) p o r q u e a obra
de atrair os h o m e n s trazendo-os a Cristo pertence ao Espírito
S a n t o - J o ã o 6:44; 16:14.

9. Segundo as Escrituras, qual a relação do Espírito Santo


com a obra medianeira de Cristo?
1 0 . A de gerar e dar p r e e n c h i m e n t o à Sua natureza hu-
mana. Luc. 1:35; 2:40; João 3:34; Sal. 45:8.
2 o . Cristo c u m p r i u no Espírito todas as Suas funções
m e d i a n e i r a s com o Seu e n s i n o p r o f é t i c o , Seu s a c r i f í c i o
sacerdotal e Suas administrações reais. O Espírito desceu sobre
Ele no Seu batismo, Luc. 3:22; levou-o para o deserto para ser
tentado, Mat. 4:1; "pela virtude do Espírito, voltou Jesus para
a Galiléia", Luc. 4:14; "pelo Espírito eterno (Jesus) se ofereceu
a si m e s m o imaculado a D e u s " - Heb. 9:14.
3 o . Cristo, como Mediador, e como parte das condições da
aliança da graça, é revestido da dispensação do Espírito como
"o Espírito da verdade", "o Santificador", e "o Consolador" -
João 15:26; 16:7; 7:39; Atos 2:33.
4o. Nas m i n i s t r a ç õ e s do E s p í r i t o por Cristo, c o m o
Mediador, opera por Ele e dirige para Ele, ensinando, vivificando,
santificando, conservando e operando todas as graças em Seu
povo. Assim c o m o C r i s t o , q u a n d o n o m u n d o , c o n d u z i a ,
s o m e n t e Ele, ao Pai, assim o Espírito Santo agora conduz,
s o m e n t e Ele, a Cristo - João 15:26; 16:13, 14; Atos 5:32; 1
Cor. 12:3.

546
O Ofício Medianeiro de Cristo

5 o . E n q u a n t o se diz que Cristo, c o m o Mediador, é nosso


"advogado" para c o m o Pai - 1 João 2:4, t a m b é m se diz que o
Espírito Santo é nosso "advogado", traduzido "Consolador",
sobre a terra, para ficar conosco para sempre, mostrar-nos as
coisas de Cristo, e ter controvérsia com o m u n d o - João 14:16,
26; 15:26; 16:7-9.
6°. E n q u a n t o se diz que Cristo é nosso M e d i a d o r para
interceder por nós no céu, H e b . 7:25; R o m . 8:34, t a m b é m se
diz que o Espírito Santo, f o r m a n d o dentro de nós pensamentos
e desejos segundo a vontade de Deus, intercede por nós, orando
p o r nós com gemidos inexprimíveis - R o m . 8:26, 27.
7 o . A soma de t u d o é que temos acesso ao Pai, mediante o
Filho, pelo Espírito - Ef. 2:18.

10. Qual o fundamento em razão do qual se aplicam a


Cristo os três ofícios de profeta, sacerdote e rei?
I o . P o r q u e estas três funções são todas igualmente neces-
sárias, e juntas exaurem toda a obra medianeira.
2 o . Porque a Bíblia atribui todas essas funções a Cristo. A
profética, D e u t . 18:15,18; conferir Atos 3:22; 7:37; Heb. 1;2;
a sacerdotal, Sal. 110:4, e toda a Epístola aos H e b r e u s ; a real,
Atos 5:31; 1 T i m . 6:15; Apoc.l7:14.
Devemos lembrar-nos sempre de que esses realmente não
são três ofícios, e sim três funções do ofício único e indivisível
de Mediador. Estas funções são facílimas de distinguir no
abstrato, mas no seu exercício elas se qualificam m u t u a m e n t e
em todos os atos. Assim, quando Cristo ensina, é essencialmente
M e s t r e real e sacerdotal; q u a n d o reina, é Rei sacerdotal e
profético, e q u a n d o expia ou intercede é Sacerdote profético e
real.
Foi Eusébio, 261-340 d.C., quem p r i m e i r o agrupou estes
três ofícios como p e r t e n c e n d o a Cristo (Livro 1, cap. 3) - " D e
m o d o que todos estes têm referência ao verdadeiro Cristo,
o Verbo divino e celeste, o único Sumo Sacerdote de todos
os h o m e n s , o único Rei de toda a criação, e do Pai o único

547
Capítulo 24 •1

s u p r e m o Profeta dos profetas".

11. Qual o sentido bíblico da palavra profeta ?


Seu sentido geral é de alguém que fala por outrem com
autoridade como intérprete. Assim Moisés foi profeta para seu
irmão Arão - Êx. 7:1.
Profeta de Deus é quem está qualificado e autorizado a
falar por Deus aos homens. O ato de predizer eventos futuros é
apenas incidental.

12. Como executa Cristo o ofício de profeta?


I o . Imediatamente, em Sua própria Pessoa, como q u a n d o
(1) no m u n d o com os Seus discípulos e (2) como a luz da nova
Jerusalém no meio do trono - Apoc. 21:23.
2 o . Mediatamente, (1) por Seu Espírito, (a) por inspiração,
(b) por iluminação espiritual. (2) Pelos oficiais da Sua Igreja,
(a) os inspirados, como apóstolos e profetas, e (b) os dotados
n a t u r a l m e n t e , como o ministério estabelecido - Ef. 4:11.
3 o . Tanto externamente, como por Sua palavra e por Suas
obras dirigidas ao e n t e n d i m e n t o , como também...
4 o . I n t e r n a m e n t e , pela iluminação espiritual do coração
- 1 João 2:20; 5:20.
5 o . Em três grandes passos sucessivos de desenvolvi-
m e n t o . (1) A n t e s da Sua e n c a r n a ç ã o ; (2) depois da Sua
encarnação; (3) d u r a n t e a eternidade na glória - Apoc. 7:17;
21:23.

13. Como se pode provar que Ele agiu como tal antes da Sua
encarnação?
I o . Por Seu título divino de Logos, "Verbo", como o eterno
Revelador por natureza e t a m b é m por ofício.
2 o . Já foi provado (Cap.23, Perg. 11, e Cap. 9, Perg. 14)
que Ele é o Jeová (Iavé) da economia do Velho Testamento. É
c h a m a d o Conselheiro - Is. 9:6. Anjo do testamento (aliança) -

548
O Ofício Medianeiro de Cristo

Mal. 3:1. I n t é r p r e t e * - J ó 33:23. • " ' "u -


3 o . O fato é afirmado diretamente no Novo Testamento -
1 Ped. 1:11. . . .

14. Que é essencial ao ofício sacerdotal, ou, que é um sacerdote


no sentido bíblico desta palavra?
Assim como, no sentido geral, profeta é q u e m é quali-
ficado e autorizado a falar por Deus aos homens, assim também,
no sentido geral, sacerdote é quem é qualificado e autorizado
a tratar com D e u s a favor dos homens.
/ ,

E necessário, pois, que o sacerdote - •"


I o . Seja tomado dentre os h o m e n s para representá-los -
H e b . 5:1,2; Êx. 27:9,12,21,29.
2 o . Seja e s c o l h i d o p o r D e u s c o m o Sua eleição e Sua
p r o p r i e d a d e especiais - N ú m . 16:5; H e b . 5:4.
3°. Seja santo, m o r a l m e n t e puro e consagrado ao S e n h o r -
Lev. 21:6; Sal. 106:17; Êx 39:30,31.
4 o . O sacerdote tem o direito de aproximar-se de Deus,
oferecer sacrifícios e fazer i n t e r c e s s ã o - N ú m . 16;5;Ex. 19:23;
Lev. 16:3,7, 12, 15.
O sacerdote era, pois, essencialmente mediador, admitido
d e n t r e os h o m e n s para apresentar-se a Deus, (1) a fim de
propiciar por meio de sacrifícios, Heb. 5:1-3 e (2) a fim de
fazer intercessão - Luc. 1:10; Ex. 30:8; Apoc. 5:8; 7:3,4.
T o m a d o da Tipologia de Fairbairn, Vol. 2, Parte 3, Cap. 3.

15. Como se pode provar pelo Velho Testamento que Cristo


foi verdadeiramente Sacerdote?
I o . E declarado expressamente. Comparar Sal. 110:4 com
H e b . 5:6; 6:20; Zac. 6:13.
2 o . São-lhe atribuídas funções sacerdotais - Is. 53:10,12;
D a n . 9:24,25.

* Em vez de "intérprete", nesta passagem, a Vulgata traz somenteloquens,


que Figueiredo traduz, "que fale a seu favor".

549
Capítulo 24

3°. Toda a significação e virtude do templo, do seu serviço,


e do sacerdócio levítico estava no fato de serem típicos de Cristo
e da Sua obra como Sacerdote. Isto a Epístola aos H e b r e u s
prova claramente.

16. Como se pode provar pelo Novo Testamento que em Cristo


se achavam todos os requisitos de um sacerdote?
I o . Cristo foi tomado dentre os h o m e n s para representá-
-los diante de Deus - Heb. 2:16; 4:15.
2 o . Foi escolhido por D e u s - Heb. 5:6.
3 o . Era perfeitamente santo - Luc. 1:35; Heb. 7:26.
4 o . T i n h a o direito de perfeito acesso ao Pai, e com a maior
i n f l u ê n c i a - J o ã o 16:28; 11:42; Heb. 1:3; 9:11,14,24.

17. Como demonstrar que Ele realmente desempenhou todos os


deveres do ofício sacerdotal?
O d e v e r de um s a c e r d o t e é m e d i a r p o r m e i o (1) de
propiciação, e (2) de intercessão.
I o . Ele mediou no sentido geral da palavra - João 14:6; 1
T i m . 2:5; H e b . 8:6; 12:24.
2 o . Ofereceu u m a p r o p i c i a ç ã o - E f . 5:2; Heb. 9:26; 10:12;
1 João 2:2.
3 o . Fez (e faz) intercessão - Rom. 8:34; Heb. 7:25; 1 João
2:1.
Que esta obra intercessória realizada por Cristo foi real e
não metafórica torna-se evidente pelo fato de que ela substituiu
o serviço do templo, que era tão-somente um tipo dela. Um
tipo e sombra pressupõe necessariamente uma substância literal
- H e b . 9:10-12; 10:1; Col. 2:17.

18. Na realização de Sua obra sacerdotal, que parte Cristo


executou na tena e que parte executa no céu?
Na terra apresentou obediência, propiciação e intercessão
- H e b . 5:7-9; 9:26,28; Rom. 5:19.
No céu apresentou Seu sacrifício no mais santo lugar e

550
O Ofício Medianeiro de Cristo

vive sempre para interceder por nós - H e b . 7:24,25; 9:12,24.

19. Em que aspectos foi mais excelente o sacerdócio de Cristo


do que o de Arão?
I o . Na dignidade de Sua Pessoa. Os sacerdotes araônicos
eram só homens. Ele era o F i l h o eterno. Eles eram pecadores
que t i n h a m necessidade de oferecer sacrifícios p r i m e i r o pelos
seus próprios pecados e depois pelos do povo. Ele era santo,
inocente, imaculado - Heb. 7:26,27. Era perfeito h o m e m e,
c o n t u d o , podia aproximar-Se de Deus i n f i n i t a m e n t e mais do
que qualquer outro ser - João 10:30; Zac. 13:7.
2 0 . No valor infinito do Seu sacrifício. Os sacrifícios dos
outros sacerdotes não podiam tirar os pecados, H e b . 10:4, e
era p r e c i s o repeti-los c o n t i n u a d a m e n t e - H e b . 10:1-3. O
sacrifício de Cristo foi perfeitamente eficaz, e foi oferecido u m a
só vez, sem necessidade de repetição - H e b . 10:10-14. Assim,
pois, os deles eram apenas u m a sombra do de Cristo - Heb.
10:1.
3 o . Na maneira da Sua consagração. Eles sem j u r a m e n t o ;
Ele com j u r a m e n t o - H e b . 7:20,22.
4 o . Eles, sendo muitos, sucederam-se por geração. Ele
p e r m a n e c e para sempre - Heb. 7:24.
5 o . O sacerdócio de Cristo está ligado a " u m tabernáculo
maior e mais perfeito", do qual a terra é o átrio e o céu o
verdadeiro santuário - Heb. 9:11 -24.
6 o . Cristo faz intercessão estando sobre um trono - Rom.
8:34; H e b . 8:1,2.
7 o . E n q u a n t o alguns dos servos de D e u s do Velho Testa-
m e n t o foram ao m e s m o tempo profetas e reis, como Davi, ou
Profeta e Sacerdote, como Esdras, somente Cristo foi ao mesmo
tempo, e com perfeição divina, profeta, sacerdote e Rei. Deste
modo as Suas divinas perfeições proféticas e reais qualificaram
e realçaram a virtude transcendental de todos os Seus atos
sacerdotais - Zac. 6:13.

551
Capítulo 24

20. Em que sentido Cristo foi sacerdote segundo a ordem de


Melquisedeque?
O sacerdócio araônico foi típico de Cristo; mas em dois
principais aspectos deixou de representar o grande Antítipo.
I o . Constava de sucessivas gerações de h o m e n s mortais.
2 0 . Constava de sacerdotes que não eram de linhagem real.
Por outro lado, o Espírito Santo nos apresenta subitamente,
na história patriarcal, Melquisedeque, sacerdote real, com os
n o m e s significativos de "Rei de Justiça"e "Rei de Paz", Gên.
14:18-20, e também s u b i t a m e n t e o retira. De o n d e vem e para
onde vai não sabemos. Como h o m e m particular, ele tinha u m a
história não escrita, assim como a têm os outros. Mas, como
sacerdote real, ele permanece para sempre sem pai, sem mãe,
sem origem, sucessão ou fim; e por isso, como diz o Espírito
Santo em Heb. 7:3, foi suscitado antecipadamente, como tipo
exato da eternidade do sacerdócio de Cristo - Sal. 110:4. A
profecia foi: "Tu és (ou serás) um sacerdote eterno, segundo a
ordem de Melquisedeque".
F o r a m duas, pois, as verdades prefiguradas a respeito de
Cristo neste tipo: (1) um sacerdócio eterno; (2) a união das
f u n ç õ e s reais e sacerdotais n u m a só pessoa. - F a i r b a i r n ,
Typology, Vol. 2, Parte 3, Cap. 3.

21. Como se pode provar que o ministério cristão não é


sacerdócio?
I o . E m q u a l q u e r t e m p o o s sacerdotes h u m a n o s e r a m
possíveis somente como tipos; mas tipos são possíveis somente
antes da revelação do antítipo. O fim por que foi instituído o
sacerdócio araônico cumpriu-se em Cristo, e por isso a insti-
tuição sacerdotal foi abolida para sempre por Cristo - Heb.
10:1,9,18.
2 o . Cristo cumpre perfeitamente todos os deveres e fins
do ofício sacerdotal, de m o d o que qualquer sacerdote h u m a n o
(assim chamado) é um anticristo - Heb. 10:14; Col. 2:10.
3 o . Não pode haver necessidade de sacerdote para

552
O Ofício Medianeiro de Cristo

a b r i r - n o s c a m i n h o p a r a Cristo, p o r q u e a s E s c r i t u r a s n o s
e n s i n a m que é somente por Cristo que p o d e m o s chegar ao Pai,
João 14:6, e com igual ênfase nos e n s i n a m que nos é neces-
sário chegar direta e imediatamente a Cristo - Mat. 11:28; João
5:40; 7.37; Apoc. 3:20; 22:17.
4 o . No N o v o Testamento n u n c a se atribui n e n h u m a f u n -
ção sacerdotal a qualquer dos oficiais nele mencionados, quer
inspirados quer não, quer ordinários quer extraordinários.
Todos os deveres de todos esses oficiais constavam só das
funções de ensinar e governar - 1 Cor. 12:28; Ef. 4:11,12; 1
T i m . 3; 1-3; 1 Ped. 5:2.
5 o . São chamados c o n s t a n t e m e n t e por n o m e s indicativos
de u m a classe i n t e i r a m e n t e diversa de funções, tais c o m o
"mensageiros, atalaias, arautos da salvação, mestres, governa-
dores, a d m i n i s t r a d o r e s , pastores e presbíteros". Veja Bibi
Repertory, Janeiro, 1845.

22. Em que sentido todos os crentes são sacerdotes?


Apesar de não poder existir na Igreja Cristã u m a classe de
s a c e r d o t e s que i n t e r v e n h a m e n t r e seus i r m ã o s e C r i s t o ,
c o n t u d o , em conseqüência da união, tanto federal como vital,
que existe entre cada cristão e Cristo, a qual envolve comunhão
com Ele em todas as Suas graças h u m a n a s e em todas as Suas
funções medianeiras, todo crente tem parte no sacerdócio do
Seu Cabeça n u m sentido tal que tem acesso imediato a D e u s
por Cristo, até ao mais santo lugar - H e b . 10:19-22; e que,
sendo santificado e qualificado espiritualmente, pode oferecer
ali, c o m o " s a c e r d o t e s a n t o " , " s a c e r d o t e real", sacrifícios
espirituais, não expiatórios, e sim a oblação de louvor, súplicas
e ações de graças, por Jesus Cristo, e pode fazer intercessão por
seus amigos vivos - H e b . 13:15; 1 T i m . 2:1,2; 1 Ped. 2:5,9.
Pelo m e s m o motivo eles são t a m b é m profetas e reis em
c o m u n h ã o com Cristo - 1 João 2:20; João 16:13; Apoc. 1:6;
5:10.
:q ir, '•

553
Capitulo 24

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS

A d o u t r i n a CATÓLICO-ROMANA do sacerdócio cristão...


Concilio de Trento, Sess. 23, Cap. 1: "O sacrifício e o
sacerdócio de tal m o d o são u n i d o s p o r d e t e r m i n a ç ã o de
Deus, que um e outro se e n c o n t r a m em todas as leis. C o m o ,
pois, no N o v o T e s t a m e n t o a igreja católica r e c e b e u p o r
i n s t i t u i ç ã o do S e n h o r o s a n t o e visível s a c r a m e n t o da
e u c a r i s t i a ; d e v e m o s t a m b é m c o n f e s s a r q u e nela h á u m
novo e visível sacerdócio, ao qual o antigo se t r a n s f e r i u .
E s t e s a c e r d ó c i o , c o m o m o s t r a m as S a g r a d a s L e t r a s , e
e n s i n o u s e m p r e a tradição da igreja católica, foi i n s t i t u í d o
pelo m e s m o Salvador n o s s o , o qual deu aos apóstolos e
seus sucessores no sacerdócio o p o d e r de consagrar,
oferecer e m i n i s t r a r o Seu corpo e Seu sangue, e t a m b é m
de r e m i t i r e reter os pecados".
A d o u t r i n a PROTESTANTE...
Conf. Helv., 2: cap. 18: "O ofício sacerdotal e o ofício
ministerial diferem muitíssimo um do outro. Aquele é
c o m u m a todos os cristãos; este não. No N o v o T e s t a m e n t o
de Cristo não há mais um sacerdócio tal como o que existiu
entre o povo antigo, que tinha uma unção externa,
Vestimentas santas e numerosas cerimônias, que eram
t i p o s de C r i s t o , o qual, v i n d o e c u m p r i n d o - o s , t e m ab-
- r o g a d o t o d a s estas coisas. M a s Ele p e r m a n e c e e t e r n a -
m e n t e o ú n i c o Sacerdote, e para q u e n a d a d e r r o g u e m o s
dEle, n ã o d a m o s o n o m e de sacerdote a n i n g u é m da classe
dos ministros. Porque o p r ó p r i o S e n h o r nosso não o r d e n o u
n a I g r e j a d o N o v o T e s t a m e n t o n e n h u m s a c e r d o t e para
o f e r e c e r d i a r i a m e n t e o sacrifício do Seu c o r p o e do Seu
sangue, e sim, u n i c a m e n t e ministros para pregarem e
a d m i n i s t r a r e m os s a c r a m e n t o s " .
A d o u t r i n a SOCINIANA sobre os ofícios m e d i a n e i r o s
d e Cristo...
O Catecismo Racoviano ensina que Cristo é tanto
Sacerdote como Profeta e Rei. M a s ocupa cento e oitenta
p á g i n a s (Seção 5) com a discussão do Seu ofício profético,
e só o n z e páginas (Seção 6) com a discussão do Seu ofício

554
O Ofício Medianeiro de Cristo

sacerdotal, e nove (Seção 7) com a discussão do Seu ofício


real. Sua morte e a maneira pela qual ela contribui para a
nossa salvação são discutidas (Seção 5 do cap. 8) sob o
título de Seu ofício profético, enquanto que a Sua obra
sacerdotal, discutida muito vagamente, é representada
como constando principalmente da Sua apresentação de
Si no céu como nosso Advogado, sendo eficaz para com
Deus a Sua intercessão em decorrência de Suas virtudes e
de Seus sofrimentos como mártir.

555
25

A Propiciação: sua Natureza,


Necessidade, Perfeição e Extensão

A N A T U R E Z A DA P R O P I C I A Ç Ã O

1. Como se pode definir o uso e o verdadeiro significado dos


diversos termos empregados na discussão deste tópico?
I o . A palavra agora empregada para designar a natureza
precisa da obra realizada por Cristo oferecendo-Se na cruz é
"propiciação".
No Velho Testamento é empregada muitas vezes como
tradução da palavra hebraica kafar, cobrir por meio de um sacrifício
expiatório. No Novo Testamento (no inglês) a palavra encontra-
-se apenas u m a vez - Rom. 5:11. Aí a palavra grega é traduzida
por reconciliação. Seu significado correto é fazer reparação
moral ou legal por u m a falta cometida ou um mal praticado.
Segundo o seu uso no Velho Testamento, e t a m b é m no seu uso
correto e teológico, ela não exprime a reconciliação efetuada
p o r Cristo, e sim a satisfação legal que é o m o t i v o dessa
reconciliação.
Seu sentido é m u i t o limitado para exprimir adequada-
m e n t e a natureza completa da obra que Cristo realizou como
nosso Substituto; porque, conquanto signifique propriamente
expiação de culpa, efetuada no sofrer a pena do pecado, deixa
i n t e i r a m e n t e de e x p r i m i r o f a t o de que C r i s t o t a m b é m
adquiriu para nós, m e d i a n t e Sua obediência ativa, o prêmio
positivo da vida eterna.

556
A Propiciação..

2 o . A palavra antiga empregada pelos teólogos do século


17 era "SATISFAÇÃO". Dessa f o r m a se expressa a c u r a d a e
a d e q u a d a m e n t e o que Cristo fez. C o m o o segundo Adão, Ele
c u m p r i u todas as condições da quebrada aliança das obras,
c o m o foi deixada pelo p r i m e i r o Adão. (a) Ele sofreu a pena da
transgressão, (b) Prestou a obediência que foi a condição para
que houvesse "vida".
3 o . D i s t i n ç ã o e n t r e SATISFAÇÃO PENAL e SATISFAÇÃO
PECUNIÁRIA. A primeira diz respeito a crimes e pessoas; a
segunda a dívidas e coisas. Elas diferem: (1) Em crimes a
exigência de se fazer expiação termina na pessoa do criminoso;
em dívidas, na coisa devida. (2) Em crimes exige-se um sofri-
m e n t o que, em qualidade, grau e duração, a razão esclarecida
j u l g a e x i g i d a p e l a j u s t i ç a ; em d í v i d a s e x i g e - s e exata e
u n i c a m e n t e a coisa devida, um quid pro quo* exato. (3) Em
crimes é admissível um sofrimento vicário somente à discrição
absoluta do soberano; e a conseqüente soltura do criminoso é
questão de graça; cm dívidas o pagamento da coisa devida,
seja quem for que o faça, livra ipso facto; e sua aceitação e a
soltura do devedor não são questão de graça. (Turretino, L.14;
Qs. 10). .. l
4 o . O significado do t e r m o PENA, e a d i s t i n ç ã o e n t r e
CALAMIDADES, CASTIGOS e MALES PENAIS. C a l a m i d a d e s são
s o f r i m e n t o s considerados sem referência alguma ao desígnio
com que são infligidos ou permitidos. Castigos são sofrimentos
com o fim de melhorar m o r a l m e n t e o sofredor. Males penais
são s o f r i m e n t o s infligidos com o desígnio de satisfazer as
exigências da justiça e da lei. Pena é essa espécie e grau de
s o f r i m e n t o que o legislador e juiz s u p r e m o determina como
legalmente e, com justiça, devido no caso de qualquer crimi-
noso específico. Se um substituto submeter-se a esses sofrimen-
tos, não deixarão de ser a pena da lei, se de fato satisfizerem à

* Isto por aquilo (um pelo outro). Em latim no original. Nota de Odayr
Olivetti.

557
Capítulo 25 ]

lei. A natureza e o grau dos sofrimentos p o d e m com justiça


ser m u d a d o s com a m u d a n ç a da pessoa que os padece, porém
o caráter deles c o m o pena permanece, ou o substituto incorre
em falta.
5 o . Significado das palavras SUBSTITUIÇÃO e VICÁRIO.
Substituição é o ato de graça de um soberano, q u a n d o p e r m i t e
que u m a pessoa não obrigada desempenhe um serviço ou sofra
um castigo no lugar de u m a pessoa obrigada. O d e s e m p e n h o
desse serviço e o padecimento da pena pelo substituto, e o
s u b s t i t u t o que d e s e m p e n h a o serviço e padece a pena são
vicários, isto é, em vez de (vice), como também a favor da pessoa
originalmente obrigada. i
<S°. EXPIAÇÃO t PROPICIAÇÃO. Estas duas palavras repre-
sentam o termo grego hiláskethai. Q u a n d o empregado com tòn
theón, tous theoús, como é o caso constantemente nos clássicos,
s i g n i f i c a fazer p r o p i c i a ç ã o pelo p e c a d o p o r m e i o de um
sacrifício de expiação. No Novo Testamento é empregado com
tàs hamartías - Heb.2:17, e significa expiar a culpa do pecado.
Expiação tem referência à relação da satisfação com o pecado
ou c o m o pecador. P r o p i c i a ç ã o t e m r e f e r ê n c i a ao efeito
p r o d u z i d o pela satisfação em r e m o v e r assim o desprazer
judicial de Deus.
7°. IMPETRAÇÃO e APLICAÇÃO. Impetração significa a
obtenção meritória, por meio de sacrifício, dessa salvação que
Deus prepara para Seu povo, e aplicação refere-se aos atos pelos
quais D e u s aplica a salvação a Seu povo no processo que
principia com a justificação e a regeneração, e t e r m i n a com a
glorificação.
8 o . O uso das palavras PROPICIAÇÃO e REDENÇÃO. (1) D u r a n t e
os séculos 16 e 17 as palavras redenção e propiciação foram
empregadas por todos, calvinistas e arminianos, como
equivalentes, como, e.g., nos tratados de Baxter e do Dr. Isaac
Barrows sobre Universal Redemption. (Veja C u n n i n g h a m , Hist.
Theol., Vol. 2, pág. 327, e o Dr. H. B. Smith, em Hist. ofDoct.,
por H a g e n b a c h , Vol. 2, págs, 356, 357. Também a Confissão de

558
A Propiciação..

Fé, cap.8, § 1, e o Catecismo Maior, Perg. 59.) (2) Nos tempos


m o d e r n o s alguns defensores calvinistas de u m a propiciação
i n d e f i n i d a distinguem assim entre os dois termos: dizem que
a propiciação, ou a impetração sacrificial da salvação, foi feita
i n d e f i n i d a m e n t e a favor de todos os h o m e n s ; m a s que a
redenção, e n t e n d e n d o - s e por este t e r m o a aplicação que D e u s
tencionava fazer da salvação, como t a m b é m a sua impetração,
é limitada aos eleitos (Dr. W. B. Weeks, em Atonement, por
P a r k , pág. 579). (3) Nas Escrituras propiciação (kippurim)
significa a expiação da culpa por meio de umapcena viçaria, a
fim de propiciar a Deus. Mas o uso bíblico da palavra redenção
é m e n o s definido e mais compreensivo. Significa livramento
de p e r d a ou de ruína pelo pagamento de um resgate, que o
nosso substituto (Cristo) fez por nós. Por isso ela pode significar
ou, (a) o ato de um só substituto pagando esse resgate, e então
significa o m e s m o que propiciação - Gál. 3:13; ou, (b) pode
significar o nosso conseqüente livramento especial do nosso
estado de perdidos, como a " m o r t e " ou o "diabo" - Col. 2:15;
Os. 13:14; ou, (c) o nosso completo revestimento da plena
salvação assim alcançada - E f . 1:14; 4:30; Rom. 8:23; etc.
9 o . MERITUM e SATISFACTIO. Esta distinção foi primei-
r a m e n t e assinalada por Tomás de Aquino ( 1 2 2 7 - 1 2 7 4 \ S u m m a
Theologice, Parte. 3: Q. 48,49. Cristo, como o segundo Adão,
c u m p r e por nós todas as condições da aliança das obras, que
fora r o m p i d a .Satisfação exprime a qualidade e o efeito de toda
a Sua obra terrena de obediência sofredora, mesmo até a morte,
considerada como um p a d e c i m e n t o da pena, a fim de livrar
dela o Seu povo. Meritum exprime a qualidade e o efeito da
mesma obra considerada como a prestação daquela obediência
que era para o Seu povo a condição para terem a vida. Na
teologia protestante exprime-se esta distinção empregando-se
as expressões obediência ativa e passiva, ou referindo-se a u m a
só obra vicária de Cristo, considerada (a) como um sofrimento
de males penais, e (b) como obediência às exigências da aliança.

559
Capítulo 25

2. Qual a diferença entre as relações "natural", "federal" e


"penal" que os homens mantêm com a lei divina?
I o . Toda criatura moral, no m o m e n t o da sua criação e em
conseqüência da sua natureza, fica necessariamente obrigada
a conformar-se em estado e em ato à lei divina de perfeição
moral absoluta, e qualquer falta de c o n f o r m i d a d e é pecado.
Esta relação é "natural", perpétua e inalienável, e é impossível
que u m a pessoa a tome sobre si em lugar de outra, ou como
seu representante.
2 o . Aprouve a Deus, por Sua graça, pôr o h o m e m , q u a n d o
da sua criação, sob uma aliança especial, na qual, sob a condição
de obediência perfeita, para a qual estabeleceu u m a prova
especial, em condições favoráveis e por um período limitado,
Ele p r o m e t e u dotar a raça h u m a n a de "vida eterna", com o
estabelecimento, inclusive, de um caráter indefectível e santo,
e de u m a herança celeste para sempre, sendo a alternativa a
pena de " m o r t e " imediata. Esta é a relação "federal" com a lei,
da qual a raça inteira, representada por Adão, caiu original-
m e n t e , e na qual os eleitos, representados por Cristo, são
subseqüentemente habilitados a conservar-se firmes.
3 o . Pela queda de Adão todos os h o m e n s se encontram
n u m a relação "penal" à Lei, da qual os eleitos estão isentos,
devido ao fato que Cristo a assumiu voluntariamente a favor
deles.

3. Que é antinomismo? E como se pode mostrar que essa heresia


abominável não está, de maneira alguma, envolvida na doutrina
geral dos reformadores protestantes e dos que os seguem?
O " a n t i n o m i s m o " , como a palavra o dá a conhecer, é a
doutrina segundo a qual Cristo satisfez todas as exigências da
lei moral a favor de todos os eleitos, ou de todos os crentes,
n u m sentido tal que eles não têm mais n e n h u m a obrigação de
c u m p r i r os seus preceitos como o padrão do caráter e dos atos.
Essa d o u t r i n a horrível, da qual Paulo foi c a l u n i o s a m e n t e
acusado, foi por ele repudiada - Rom. 3:8; 6:1.

560
A Propiciação..

Em sua reação natural contra a doutrina papal de uma


justiça de obras, Lutero e Melanchthon no princípio usaram
algumas expressões menos pensadas que parecem sugerir essa
heresia. Todavia, todo o seu sistema teológico, o espírito de
sua vida eo grosso dos seus escritos estão afastados dela o
mais que é possível. Quando o verdadeiro antinomismo foi
conseqüentemente ensinado por João Agrícola (f 1566), Lutero
se opôs a ele vigorosamente, refutou-o com êxito e o obrigou a
retirar-se. Alguns hipercalvinistas ingleses do século 17,e.g., o
Dr. Crisp, reitor de Brinkworth (f 1642), foram acusados dessa
heresia, porém eles negaram as inferências que outros tiraram
da sua doutrina. Muitas vezes o calvinista tem sido acusado
pelos arminianos de antinomismo (maliciosa ou ignorante-
mente) como uma inferência necessária. Como tendência, ele
naturalmente assalta o coração humano, quando o entusiasmo
religioso não é moderado pelo conhecimento bíblico e pela
verdadeira santificação, e a essa tendência estão em perigo de
sucumbir os fanáticos ignorantes e todas as classes de per-
feccionistas.
É evidente que as doutrinas da satisfação feita por Cristo e
da justificação pela imputação da Sua justiça, nos termos
mantidos pelas igrejas luteranas e reformadas, nada têm em
c o m u m com o antinomismo. Elas ensinam - (1) Que Cristo
cumpriu por Seu povo somente as obrigações federais e penais
da Lei, e que a Sua obediência e os Seus sofrimentos nessa
relação constituem Sua justiça, que é imputada ao que nEle
crê. (2) Que a própria finalidade da satisfação feita por Cristo
é "nos remir de toda iniqüidade, e purificar para si um povo
seu especial, zeloso de boas obras" - Tito 2:14. (3) Que os
crentes permanecem toda a sua vida sob a relação "natural"
com a lei, e esta é intransferível pessoalmente e nela serão
gradativamente aperfeiçoados por aquela santificação que a
justiça de C r i s t o i m p e t r a para eles. Veja J ú l i o C. H a r e ,
Vindication ofLuther.

561
Capítulo 25

4. Como se pode mostrar que a perfeita satisfação realizada por


Cristo abrange tanto a Sua obediência "ativa" como a "passiva", e
também a relação de cada um destes elementos com a nossa
justificação?
Cristo, conquanto fosse homem, foi uma pessoa divina.
Como tal, Ele voluntariamente submeteu-Se à condição de
"nascido sob a lei", e toda a Sua obediência terrestre à lei em
condições h u m a n a s foi tão vicária como o foram os Seus
sofrimentos. Sua obediência "ativa" abrange Sua vida inteira e
Sua morte, consideradas como uma obediência vicária. Sua
obediência "passiva" abrange Sua vida inteira e especialmente
a Sua morte sacrificial, considerada como um padecimento
vicário.
Adão representava a raça sob a aliança original das obras,
feita segundo a graça de Deus. Ele caiu, perdendo o direito à
vida eterna, cuja condição era obediência perfeita, e incorreu
na pena de morte, que era a pena imposta à desobediência.
Cristo, o segundo Adão, assumiu por Seus eleitos a aliança
que Adão tinha abandonado. Cristo (a) sofreu a pena - "a alma
que pecar, essa morrerá", (b) adquiriu o prêmio - "aquele que
fizer estas coisas viverá por elas". Toda a Sua obediência
sofredora e vicária, como também os Seus sofrimentos obedi-
entes são uma só justiça. Como obediência "passiva", a justiça
de Cristo "satisfaz" a exigência penal da Lei. Como obediência
"ativa", ela adquiriu para nós a vida eterna, desde a regeneração
até à glorificação. A imputação a nós dessa justiça é nossa
justificação.

5. Como se pode expor a verdadeira doutrina da satisfação


realizada por Cristo?
I o . Negativamente: (1) Os padecimentos de Cristo não fo-
ram um substituto posto em lugar da execução da pena da
Lei aos pecadores em suas próprias pessoas, mas foram a
própria pena infligida ao seu Substituto. (2) Esta pena não foi
da natureza de um pagamento pecuniário, um quid pro quo

562
A Propiciação..

e x a t o ; m a s foi u m a v e r d a d e i r a satisfação p e n a l , s e n d o u m
s u b s t i t u t o a pessoa q u e a sofreu. (3) N ã o foi um m e r o e x e m p l o
de castigo. (4) N ã o foi u m a simples exibição de a m o r ou de
consagração heróica.
2 o . Positivamente: (1) Seu MOTIVO foi o a m o r inefável que
D e u s tem para com os eleitos - João 10:16; Gál.2:20. (2) Q u a n t o
à sua NATUREZA, (a) Cristo é Pessoa divina, m a s t o m o u sobre
Si as r e s p o n s a b i l i d a d e s legais de Seu povo nas c o n d i ç õ e s de
um ser h u m a n o , (b) Ele obedeceu e sofreu como seu Substituto.
Sua o b e d i ê n c i a e Seus s o f r i m e n t o s f o r a m vicários, (c) A culpa,
ou a justa r e s p o n s a b i l i d a d e legal de nossos pecados, f o i - L h e
i m p u t a d a , isto é, foi i m p o s t a a Ele e p u n i d a nEle. (d) Ele n ã o
passou pelos m e s m o s s o f r i m e n t o s , n e m q u a n t o à q u a l i d a d e ,
n e m q u a n t o ao grau ou duração, q u e t e r i a m sido infligidos a
n ó s p e c a d o r e s , p o r é m passou p r e c i s a m e n t e pelos s o f r i m e n t o s
exigidos pela justiça d i v i n a de Sua Pessoa s o f r e n d o em nosso
lugar, (e) Seus s o f r i m e n t o s f o r a m os de u m a Pessoa d i v i n a
sofrendo n u m a natureza h u m a n a . (3) Q u a n t o aos seus EFEITOS,
(a) F o i o efeito, e n ã o a causa do a m o r de D e u s . Satisfez Sua
justiça e t o r n o u o exercício do Seu a m o r c o m p a t í v e l com Sua
justiça, (b) E x p i o u a c u l p a do p e c a d o e r e c o n c i l i o u D e u s
c o n o s c o c o m o G o v e r n a d o r justo, (c) A l c a n ç o u a salvação
daqueles por q u e m Ele m o r r e u , a d q u i r i n d o para eles o d o m
do Espírito Santo, os meios de graça e a aplicação e consumação
da salvação, (d) N ã o livraipso facto, c o m o seria no caso de u m a
satisfação pecuniária, mas, como u m a satisfação penal e vicária,
os seus b e n e f í c i o s são aplicados às pessoas n o s t e m p o s e sob as
p r e c o n d i ç õ e s prescritos pela aliança feita e n t r e o Pai e o Filho.
Sua aplicação é assunto de direito da parte de Cristo, e n t r e t a n t o
de graça, no que diz respeito a nós. (e) Sendo ela u m a execução
de justiça perfeita e castigo vicário, é exemplo m u i t o eficaz e
real de castigo para o universo moral, (f) Sendo ela um exercício
de amor imenso, produz legitimamente a mais profunda
impressão moral, amolecendo o coração, s u b j u g a n d o a rebelião
e d i s s i p a n d o os receios dos pecadores convictos.

563
Capítulo 25

PROVA BÍBLICA D A D O U T R I N A

6. Como expor o argumento derivado da natureza da justiça


divina, em apoio desta doutrina?
/

E evidente que Deus p u n e o pecado (1) por causa do


demérito intrínseco dele, que é oposto à retidão essencial e
imutável da natureza divina; ou, (2) por causa do mal que o
pecado faz às criaturas de Deus, sendo Ele levado a fazer isso
por um princípio de sábia benevolência que O leva a restringir
o pecado, fornecendo motivos dissuasivos; ou, (3) de Sua pura
soberania.
Mas, já temos provado (veja acima, Cap. 8, Pergs. 59-66) -
(1) Que a perfeição moral de Deus é essencial e fundamental, e
não produto da Sua autodeterminação. (2) Que em Sua essencial
perfeição moral se acha incluído um princípio de justiça que
faz da punição do pecado um fim em si mesmo. (3) Que a
virtude, e especialmente a justiça, não pode ser concebida
como benevolência desinteressada.
Os atributos essenciais de justiça e benevolência não se
acham em conflito. Benevolência para os que nada merecem é
graça, que essencialmente dá lugar a uma opção. A justiça é
livre, mas não dá lugar a uma opção.

7. Como expor a prova derivada da imutabilidade da lei divina,


e da verdade absoluta de Deus?
A vontade de Deus é determinada livremente por Sua
natureza. Sua lei, incluindo preceitos e castigos, é a expressão
e revelação, tanto da Sua natureza quanto da Sua verdade. Até
onde a Lei representa a Sua natureza e o Seu propósito, não
pode deixar de ser imutável. Até onde é uma revelação desse
p r o p ó s i t o , sua i m u t a b i l i d a d e é g a r a n t i d a pela v e r d a d e
inviolável de Deus.
Mas- \.*n',frikrr.'vr-'
o
I . Ele declarou que a Sua Lei é imutável, Luc. 16:17,
isto é, a Lei revelada, em todos os seus elementos; se a lei

564
A Propiciação.

cerimonial é imutável, a fortiori a lei moral o é.


2 o . E declarado que Cristo veio cumprir, e não suspender
ou rebaixar, a Lei - Mat. 5:17,18; Rom.3:31; 10.4
/

3 o . E afirmado que Deus há de p u n i r o pecado - Gên.


2:17; Ez. 18:4; Rom.3:26.

8. Como se pode mostrar que as Escrituras ensinam que Cristo


sofreu como nosso Substituto no sentido definido desse termo?
Substituto é quem é nomeado ou aceito para agir ou sofrer
em lugar de outrem, e seus atos ou sofrimentos são vicários.
Que Cristo obedeceu e sofreu como o Substituto de Seu povo
;
fica provado pelos fatos de que - : . vi > • v'
I o . A preposição hypér, com o caso genitivo, significa "em
vez de", "em lugar de", João 11:50; 2 Cor. 5:20; F m . , vers. 13;
e esta construção é empregada para expor a relação em que
está para conosco a obra realizada por Cristo - 2 Cor. 5:14,21;
Gál. 3:13; 1 Ped. 3:18
2 o . A preposição anti sempre e definidamente exprime
substituição (Winer, N. T. Graus, Parte 3, § 47) - Mat. 2:22;
5:38. Isto se torna ainda mais enfático por ser ela associada a
lytron, resgate, preço redentor. Cristo veio como resgate em lugar
de m u i t o s - Mat. 20:28; Mar. 10:45; 1 T i m . 2:6. Cristo é
chamadoantilytron, isto é, resgate substitutivo.
3 o . O mesmo fica provado pelo que as Escrituras ensinam
quanto ao fato de que os nossos pecados são postos sobre
Cristo. Veja abaixo, Perg. 9.
4 o . Também fica provado pelo que elas ensinam quanto à
natureza dos sacrifícios e quanto à natureza sacrificial da obra
realizada por Cristo. Veja abaixo, Pergs. 10 e 11.

9. Como igualmente se pode mostrar que Cristo morreu como


nosso Substituto, com respeito às passagens que falam em termos
de "fez cair sobre ele a iniqüidade" ou de "levou sobre si o pecado "
(cf., e.g., Is. 53: 6 e 12)?
O pecado pode ser considerado (1) em sua natureza formal,

565
Capítulo 25

como "transgressão da lei", 1 João 3:4 (ARA); ou (2) como


qualidade moral inerente ao agente (macula), Rom. 6:11-13;
ou (3) com respeito à sua obrigação legal de sofrer punição
(reato). É só neste último sentido que se fala em termos de o i
pecado "cair sobre" ou de "ser levado por outrem".
I o . Imputar o pecado a alguém é simplesmente colocá-lo
em sua conta como o f u n d a m e n t o da punição. (1) A palavra
hebraica hâsab significa estimar, ter como, imputar, creditar
algo a alguém como lhe pertencendo - Gên. 31:15; Lev.7:18;
N ú m . 18:27; Sal. 106:31. (2) Os mesmos significados tem a
palavra grega loguízomai - Is. 53:12; Rom. 2:26; 4:3,-9; 2 Cor.
5:19. (3) As Escrituras afirmam que os nossos pecados são
imputados a Cristo - Mar. 15:28: Is. 53:6,12; 2 Cor. 5:21; Gál.
3:13.
2 o . (1) A palavra hebraica sâbal tem o sentido exato de
levar, carregar, não de tirar ou remover, Lam. 5:7. E aplicada a
Cristo levando (sobre Si) os nossos pecados - Is. 53:11. (2)
Também a palavramzsá, construída com o vocábulo "pecado",
tem o sentido de ser "penalmente responsável" por ele - N ú m .
30:15; Lev. 5:17,18; 16:22. (3) A Septuaginta traduz essas
palavras às vezes por háiro, levar^ carregar, e às vezes por féro
e anaféro, que nesta conexão sempre tem o sentido de levar
sobre si, com o fim de tirar, remover - Robinson, Lex. Cf. Mat.
8:17 com Is. 53:4.

10. Como se pode mostrar que os sacrifícios judaicos (as vítimas


oferecidas em sacrifício) eram sofredores vicários das penas a que
estavam expostos os que os ofereciam, e que, no sentido literal, eram
tipos do sacrifício de Cristo?
E admitido por todos que, desde os tempos mais remotos,
ofereciam-se sacrifícios entre as nações pagãs, e com o fim de
propiciar a justiça ofendida.
A. O fato de que as vítimas dos sacrifícios cruentos dos
judeus sofriam vicariamente as penas devidas aos pecados dos
ofensores fica provado:

566
A Propiciação..

I o . Porsuaocflsráo-Lev. 4:1 a 6:13. Sempre, nesses casos,


a relação era com algum pecado, alguma transgressão moral
ou cerimonial.
2 o . Pelas qualificações das vítimas. Era preciso que fossem
da m e l h o r classe de animais associados estreitamente aos
homens,e.g., ovelhas, touros, novilhos, cabras, bodes, pombas;
os espécimes escolhidos t i n h a m que ser os melhores do seu
gênero quanto à idade, ao sexo e à condição física - Lev. 22:20-
27; Êx. 22:30; 29:1.
3 o . Pelo próprio ritual do sacrifício. Esse abrangia (1) A
imposição das mãos, com confissão do pecado - Lev. 1:4; 3:2;
4:4; 16:21; 2 Crôn. 29:23. Este ato exprime sempre nas Escri-
turas uma transferência da pessoa que impõe as mãos para a
pessoa ou animal ou coisa que recebe essa imposição, e.g., de
autoridade oficial, Deut. 34:9; Atos 6.6; ou de virtude curadora,
Mat. 9:18; Atos 9:12,17; ou do pecado, Lev.l6:7-22. O rabi
Arão Ben Chajim diz: "Onde não há confissão do pecado, não
há imposição das mãos" - Outram,De Sacrificiis, Div. 1., Ch. 15,
§§ 8, 10, 11. Por isso a vítima, embora perfeita em si, sempre
foi chamadahattâhth,pecado, Lev. 4;3, thâsâm,culpa, Lev. 5:6.
(2) A imolação da vítima. Era oferecida pelo pecador e "aceita
em lugar dele para fazer expiação por ele", Lev., cap. 4, e depois
imolada, "porque é pelo sangue que se faz expiação pela alma"
- Lev. 17:11. (3) A aspersão do sangue, no caso de sacrifícios
comuns, sobre os chifres do altar, mas no dia da propiciação o
sangue da vítima oferecida pelos pecados de todo o povo era
levado para dentro do véu e aspergido sobre o propiciatório,
Lev. 4:5 etc., significando isto sua aplicação para cobrir os
pecados e sua aceitação da parte de Deus.
4 o . Por seu efeito, que era sempre o perdão. "E lhe será
perdoado" era a promessa constante - Lev. 4:20-31; 6:30, etc.
E expresso sempre pela palavra h e b r a i c a s / a r , cobrir o pecado,
e pela palavra grega iláskesthai, expiar ou propiciar. Veja Lev.,
caps. 4 e 5; Heb. 2:17. A tampa da arca santa chamava-se
kapporeth, ilásterion, propiciatório, ou sede de expiação.

567
Capítulo 25

5 o . Esta é a exposição que todos os judeus instruídos fazem


destes ritos em todos os t e m p o s s u b s e q ü e n t e s . Veja O u t r a m ,
De Sac., Div. 1., Caps. 20-22.

B. O fato de que, no s e n t i d o rigoroso, e r a m tipos do


sacrifício de Cristo fica provado...
1 0 . São e x p r e s s a m e n t e c h a m a d o s " s o m b r a s " , das quais
Cristo é o "corpo", e " f i g u r a s " - H e b . 9; 13-24; 10:1,13; 11:12.
2 o . Cristo assevera q u e a Lei, como i g u a l m e n t e os profetas,
fala d E l e e da Sua obra - João 1:45; 5:39; L u c . 24:27.
3°. Declara-se que "Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado
por n ó s " - 1 Cor. 5:7; L u c . 24:44. Cf. Êx. 12:46 e N ú m . 9:12.
4 o . Declara-se q u e Ele foi " o f e r e c i d o " por Seu povo, que
Seu " s a n g u e " foi um sacrifício pelo pecado, etc. - João 1:29;
H e b . 9:26,28; 10:12,14; 1 Ped. 1:19; Ef. 5:2; 2 Cor 5:21.
5 o . Declara-se em toda parte que, p a r a chegar-se por Ele a
D e u s , Cristo fez p r e c i s a m e n t e aquilo que os antigos sacrifícios
faziam em esfera i n f e r i o r - Gál. 3:13; Mat. 20:28; 1 João 2:2;
4:10; R o m . 3:24,25; 5:9,10; Ef. 1:7; 2:13; Col. 1:14-20.

O SACERDÓCIO

11. Exponha o argumento derivado do fato de que Cristo fez


satisfação por Seu povo como seu Sumo Sacerdote.
1. O sacerdote era -
Io. Um h o m e m escolhido dentre os h o m e n s para
representá-los nas coisas p e r t e n c e n t e s a D e u s - H e b . 5:1. Isso
era v e r d a d e e s p e c i a l m e n t e no caso do s u m o sacerdote. " E l e
r e p r e s e n t a v a o povo t o d o ; Israel todo era c o n s i d e r a d o c o m o
e s t a n d o nele" - Vitringa, Obs. Sac., pág. 292; Êx. 38:9-29. Se
ele pecava, o seu pecado era c o n s i d e r a d o como pecado de t o d o
o povo - Lev. 4:3. Ele levava sobre o peitoral do juízo* os

* Em Figueiredo: "o Racional". Ver Êxodo 28:29.

568
A Propiciação..

nomes de todas as tribos. I m p u n h a as mãos sobre o bode de


propiciação (ou "da expiação") que levava o pecado, e confessava
os pecados de todo o povo - Lev. 16:15,21.
2 o . T i n h a o direito de se apresentar a Deus, e todo o povo
só tinha acesso a Deus por meio dos sacerdotes, especialmente
do s u m o sacerdote. N ú m . 16:5.
3 o . Isso os sacerdotes efetuavam por meio de sacrifícios
propiciatórios e de intercessão. Veja acima, Perg. 10. H e b . 5:1-
3; N ú m . 6:22-27.
2. E declarado que Cristo salva o Seu povo na qualidade
de Sumo Sacerdote.
I o . Tanto no Velho como no Novo Testamento se diz
expressamente que Ele é Sacerdote - Sal. 110:4; Zac. 6:13;
H e b . 5:6.
2 o . Ele possui todas as qualificações necessárias para esse
ofício. (1) Foi escolhido dentre os h o m e n s para representá-los.
Comparar Heb. 5:1 com 2:14-18 e 4:15. (2) Foi escolhido por
Deus - Heb. 5:4-6. (3) Foi santo - Heb. 7:26. (4) Tinha o direito
de aproximar-Se de D e u s - H e b . 1:3; 9:11-14.
3 o . Ele exerceu todas as funções de um sacerdote. Dan.
9:24-26; Ef. 5:2; Heb. 9:26; 10:12; 1 João 2:1.
4 o . No m o m e n t o em que se consumou a obra realizada
por Cristo, rasgou-se o véu do templo e acabou-se todo o típico
sistema sacrificial como íunctiis officio (como missão cumprida)
- M a t . 27:50,51.

12. Como se pode provar a verdade da doutrina acima exposta


quanto à natureza da satisfação feita por Cristo, pelos efeitos que
'lhe são atribuídos nas Escrituras?
I o . No que estes efeitos dizem respeito a Deus, declara-se
que constituem propiciação e reconciliação. (1) Hiláskesthai
significa propiciar uma deidade ofendida por meio de um
sacrifício expiatório - Heb. 2:17; 1 João 2:2; 4:10; Rom. 3:25.
(2) A palavra hebraica káfar significa, quanto ao pecado, uma
coberta, e quanto a Deus, propiciação. E traduzida muito bem

569
Capítulo 25

em nossas Bíblias por fazer propiciação ou expiação, aplacar,


reconciliar,perdoar,purgar, limpar, Ez. 16:63; Gên. 32:20,21; Sal.
45:4,5; 78:38; 1 Sam. 3:14; N ú m . 35:31,32•,resgatar, Sal. 49:8;
íazer satisfação (receber preço), N ú m . 35:31. (3) Katallásso,
reconciliar - pela morte de Cristo, não imputando as trans-
gressões, justificando por sangue, etc., Rom. 5:9,10; 2 Cor. 5:18-
20.
2 o . No que estes efeitos dizem respeito ao pecado, declara-
-se que constituem uma expiação, oupropiciação - H e b . 2:17; 1
João 2:2; 4.10; Lev. 16:6-16.
3 o . No que dizem respeito ao pecador, declara-se que
constituem redenção, isto é, livramento medianteresgafé - 1 Cor.
7:23; Apoc. 5:9; Gál. 3:13; 1 Ped. 1:18,19; ITim. 2:5; Sal. 51:11;
62:12.
Nas mesmas frases declara-se que a obra realizada por
Cristo é (1) uma oblação expiatória, (2) o preço de um resgate,
e (3) uma satisfação dada à Lei. Portanto, somos "remidos (ou
resgatados) pelo sangue precioso de Cristo como de um cordeiro
imaculado e sem contaminação algumaCristo "deu sua vida em
(<
redenção por muitosEle nos remiu da maldição da lei, feito ele
mesmo maldição por nós". "Aquele que não havia conhecido o
pecado, Deus fez pecado (isto é, sacrifício pelo pecado) por nós,
para que nós fôssemos feitos justiça de Deus nele" (Figueiredo).
Assim, pois, não se diz que Cristo foi feito um sacrifício, resgate
e objeto da maldição da Lei, e sim que Ele é esse gênero especial
de sacrifício que é um resgate - que a Sua obra de redenção é
de tal natureza que é efetuada pelo fato dEle levar a maldição
da lei em nosso lugar, e que Ele nos resgata oferecendo-Se como
sacrifício cruento a Deus.

13. Em que sentido e por quais motivos foi necessária a satisfação


prestada por Cristo? E como é que a verdadeira resposta a essa
pergunta confirma a doutrina ortodoxa quanto à Sua natureza?
D e s d e que a salvação dos h o m e n s é objeto da graça
s o b e r a n a , n ã o p o d e r i a h a v e r n e c e s s i d a d e d e que D e u s

570
A Propiciação..

providenciasse os meios necessários para alcançá-la; mas, se


Deus determinou salvar pecadores, qual o sentido em que, nesse
caso, a satisfação prestada por Cristo foi necessária?
I o . Os defensores da teoria sociniana ou da influência
moral dizem que ela foi necessária só contingente ou relativa-
mente, como o melhor meio imaginável de comprovar o amor
de Deus e vencer a oposição dos pecadores.
2 o . Os defensores da teoria governamental da propiciação
sustentam que ela foi relativamente necessária unicamente
porque era o melhor exemplo que, para desviar-nos do pecado,
Deus podia dar da Sua determinação de puni-lo. » •
o
3 . Alguns supralapsários, como o Dr. Twisse, presidente
da Assembléia de Westminster, a fim de exaltarem a soberania
de Deus, têm mantido que havia somente uma necessidade
hipotética, isto é, que a satisfação foi necessária unicamente
porque Deus tinha determinado perdoar o pecado só sob essa
condição.
4 o . A doutrina verdadeira é que foi absolutamente necessária
como o único meio possível de satisfazer a justiça de Deus com
/

referência ao perdão do pecado. E evidente que os motivos


para uma necessidade absoluta da parte de Deus só podem
estar na justiça imutável da Sua natureza, justiça que está por
trás da Sua vontade e a determina.
Que a satisfação foi absolutamente necessária fica pro-
vado -
(1) Se fosse possível alcançar-nos a salvação de qualquer
outra maneira, Cristo teria morrido em vão - Gál. 2:21; 3:24.
(2) Deus declarou que a Sua dádiva de Jesus Cristo é a
medida do Seu grande amor ao Seu povo. Sendo assim, é
evidente que não havia outra alternativa, porque de outro modo
o Seu amor não teria sido o motivo do sacrifício - Rom. 5:8;
João 3:16; 4:9.
(3) Paulo afirma que foi necessária como justificação da
justiça de Deus em relação aos pecados passados - Rom.
3:25,26.

571
Capítulo 25

E claro que, se era absoluta a necessidade de satisfação,


deveria ter seu motivo na natureza de Deus. Sendo assim, não
poderia ser outra coisa senão, em sua essência, uma satisfação
dada à justiça ou retidão essencial dessa natureza. Mas uma
satisfação à justiça ofendida é sofrimento penal.

14. Como se pode provar que a satisfação dada por Cristo inclui
tanto a Sua obediência "ativa" como a "passiva"?
Veja acima, Perg. 1 § 8. Cristo, como o segundo Adão,
toma sobre Si as obrigações que a aliança das obras impõe sobre
o Seu povo no estado em que foram deixadas pela queda do
primeiro Adão. As sanções dessa aliança eram - (1) "O h o m e m
que fizer estas coisas viverá por elas" - Lev. 18:5, comparado
com Rom. 10:5; Gál. 3:12 e Mat. 19:17. (2) A pena de morte.
Se Cristo sofresse somente a pena de morte e não prestasse a
obediência federal exigida de Adão, seguir-se-ia necessaria-
mente, ou (1) que Deus m u d o u as condições da lei e dá "a vida
eterna" sem que fosse cumprida a condição imposta; ou (2)
que nós nunca poderíamos alcançar essa vida; ou (3) que nós
teríamos que começar como Adão antes da sua apostasia e
cumprir em nossas pessoas as condições da aliança das obras.
Isso, porém, nos é impossível, e por isso Cristo as cumpriu
por nós por Sua obediência.
Isso é provado -
I o . Pelas Escrituras, que declaram que Ele não somente
sofreu a pena, mas também, por Seus merecimentos, adquiriu
para nós "a vida eterna", "a adoção de filhos" e uma "herança
eterna" - Gál. 3:13,14; 4:4,5; Ef. 1:3-13; 5:25-27; Rom. 8:15-
17.
2 o . Pela declaração expressa de que Ele nos salva tanto por
Sua obediência como por Seus sofrimentos - Rom. 5:18,19.

15. Qual é a doutrina da Igreja quanto à perfeição da satisfação


dada por Cristo?
A. Quanto ao seu valor intrínseco de satisfazer a justiça,

572
A Propiciação...

tem sido sustentado - • * b v5L- . ;* > • • •••


I o . Por D u n s Scotus (f 1308), que referiu a necessidade de
propiciação à vontade e não à natureza, afirmando que cada
oblação criada tem o valor que a Deus apraz dar-lhe". Aprouve
a D e u s , em Sua graça, aceitar os s o f r i m e n t o s da natureza
h u m a n a de Cristo como suficientes, segundo o princípio de
accepti latio, "tomar, segundo a vontade e voluntariamente,
nada por alguma coisa, ou uma parte por tudo".
2 o . Grotio (t 1645), em sua grande obra De Satisfactione,
etc., afirmou que, por ser a lei um produto da vontade divina,
Deus tinha a prerrogativa inalienável de relaxá-la (relaxatio), e
que por Sua graça relaxou-a, aceitando nos sofrimentos de
Cristo alguma coisa diversa e menor do que aquilo que a lei
exigia, um aliud pro quo, e não um quid pro quo.
3 o . L i m b o r c h eCurceloea (f 1712 ef 1659)-Apol. Theol,
3:21,6, zlnst. Rei. Christi, vol. 5, cap.19: § 5 - sustentaram que
Cristo não sofreu a pena da Lei, mas nos salva como um
sacrifício que não foi o pagamento de uma dívida e, sim, uma
condição que Deus em Sua graça.julgou suficiente, perdoando,
então, por Sua graça, a pena.
4 o . As igrejas romana, luterana e reformada sempre têm
sustentado que a satisfação dada por Cristo foi a de uma Pessoa
divina e, por isso, foi (1) supererrogatória, não devida a Ele
próprio e podendo ser creditada a outros; (2) de valor infinito.
Desde os tempos de Tomás de Aquino, a igreja católica romana
tem sustentado que é de valor superabundante e, por conseguinte,
satisfaz às exigências da lei no estrito rigor da justiça.

B. Q u a n t o à sua intenção e ao seu efeito ~


I o . As igrejas reformadas concordam todas em sua oposição
aos romanistas e aos arminianos, defensores de uma propiciação
indefinida, sustentando que a satisfação dada por Cristo é
perfeita no sentido de não só tornar possível a salvação daqueles
a favor de quem foi oferecida, mas também de tornar certas,
pelos merecimentos de Cristo, a aplicação dessa satisfação a

573
Capítulo 25

Seu povo e a sua completa salvação.


2 o . Os romanistas sustentam que, por meio do batismo, os
merecimentos de Cristo (1) anulam a culpa de todos os pecados
originais e próprios cometidos antes do batismo, e (2) alteram
a pena dos pecados cometidos depois do batismo de morte
eterna para penas temporais. Contudo, as pessoas que depois
de batizadas cometem pecados, têm que expiá-los mediante
penitências ou obras de caridade neste m u n d o , ou mediante
penas sofridas no purgatório, no outro - Cone. de Trento, Sess.
14, cap.8, e Sess. 6, cânones 29, 30.
3 o . Os arininianos sustentam que a satisfação dada por
Cristo torna possível a salvação de todos os homens e adquiriu
para eles graça suficiente, mas que o seu pleno efeito depende
da livre escolha que eles fizerem.
A verdade da doutrina reformada fica provada (1), pelo
fato de que as Escrituras referem o livramento da condenação
u n i c a m e n t e à m o r t e de Cristo, e que r e p r e s e n t a m como
disciplinares todos os sofrimentos dos crentes - Rom. 8:1-34;
Heb. 12:5-11. (2) Elas declaram que o sangue de Cristo "nos
purifica de todo pecado" e que "estamos perfeitos nele" que,
por " u m único sacrifício" nos aperfeiçoa - Col. 2:10; Heb.
10:12-14; 1 João 1:7. (3) A única condição imposta para a nossa
salvação é que tenhamos confiança na obra realizada por Cristo,
e esta mesma confiança (fé) nos é dada como um resultado dos
merecimentos de Cristo - Ef. 2:7-10. (4) Provamos acima (Perg.
14) que a satisfação dada por Cristo, e como merecimento dela,
adquiriu real e perfeita salvação sob certas condições. Veja
abaixo, Perg. 21.

16. Como se pode expor e responder às objeções que têm sido


feitas contra a verdade da doutrina ortodoxa?
I o . Os socinianos e outros objetam que, enquanto é um
dever imperativo e uma virtude cristã que os homens perdoem
livremente as ofensas, a nossa doutrina atribui a Deus o erro
maligno de ser vingativo.

574
A Propiciação.

RESPONDEMOS - (1) Q u e nós p e r d o a m o s o mal q u e se n o s


faz e n a d a t e m o s a fazer com a p u n i ç ã o dos pecados, e n q u a n t o
D e u s p u n e o pecado e n ã o p o d e sofrer males. (2) P r o v a m o s
a c i m a (Cap.8, Pergs. 53-58), que n ã o se p o d e resolver toda
v i r t u d e em benevolência, q u e a justiça é a t r i b u t o essencial de
D e u s e q u e o pecado é d e s m e r e c i m e n t o i n t r í n s e c o .
2 o . S o c i n o (1539-1604) e o u t r o s s u s t e n t a v a m que, se o
p e c a d o é p u n i d o , n ã o p o d e ser p e r d o a d o , e se é p e r d o a d o , não
p o d e ser p u n i d o , e q u e p o r isso a nossa d o u t r i n a exclui o
exercício da graça livre da p a r t e de D e u s em nossa salvação.
RESPONDEMOS: (1) A livre graça manifesta-se na soberana
a d m i s s ã o e aceitação, da parte de D e u s , da s u b s t i t u i ç ã o feita
p o r Cristo, e (2) na soberana i m p u t a ç ã o de Seus m e r e c i m e n t o s
aoa p e c a d o r i n d i v i d u a l . (3) O fato de s e r e m livres o a m o r de
D e u s e Sua graça q u e levou Cristo a oferecer-Se, é m i l vezes
m a i s conspícuo, à vista dos fatos de q u e os h o m e n s são con-
d e n a d o s com justiça e de q u e ela i n e x o r a v e l m e n t e exigiu satis-
fação na a u t o - h u m i l h a ç ã o do nosso Substituto, do que p o d e r i a
ser em q u a l q u e r soberana relaxação da lei ou p o r q u a l q u e r
s i m p l e s p e r d ã o c o n c e d i d o aos a r r e p e n d i d o s .
3 o . O u t r a objeção é que Cristo não sofreu a p e n a da lei,
p o r q u e nela f o r a m incluídos essencialmente (a) o r e m o r s o , (b)
a m o r t e eterna.
RESPONDEMOS: a p e n a da lei é e s s e n c i a l m e n t e o simples
d e s p r a z e r divino, e n v o l v e n d o a retirada da c o m u n h ã o vivifi-
cadora do E s p í r i t o Santo. Tal p e n a , no caso de t o d a c r i a t u r a ,
t e m p o r c o n s e q ü ê n c i a (a) a m o r t e espiritual, (b) e p o r isso e
n a t u r a l m e n t e eterna. Cristo sofreu esse desprazer e a b a n d o n o ,
M a t . 27:46, mas, s e n d o Pessoa divina, era i m p o s s í v e l q u e
sofresse a m o r t e espiritual.
Ele sofreu e x a t a m e n t e esse gênero, grau e d u r a ç ã o de dor
q u e a sabedoria divina, i n t e r p r e t a n d o a justiça divina, exi-
giu de u m a Pessoa d i v i n a s o f r e n d o v i c a r i a m e n t e a p e n a
dos p e c a d o s h u m a n o s ; pela m e s m a razão, o s o f r i m e n t o tem-
p o r á r i o de u m a só Pessoa d i v i n a é um p l e n o equivalente legal

575
Capítulo 25

do d e s m e r e c i m e n t o de toda a raça h u m a n a .
4 o . A objeção feita p o r Piscator (Professor em H e r b o r n ,
1584-1625) e outros c o n t r a o r e c o n h e c i m e n t o da obediência
ativa de Cristo c o m o e l e m e n t o c o m p o n e n t e da satisfação p o r
Ele p r e s t a d a consiste em a f i r m a r : (1) Q u e , s e g u n d o a lei, obe-
diência e s o f r i m e n t o s p e n a i s e r a m alternativas. Se se obedece
ao preceito, n ã o se deve sofrer a p e n a . (2) Q u e Cristo, c o m o
h o m e m , precisava da Sua justiça ativa para Si p r ó p r i o , c o m o a
qualificação essencial do Seu caráter pessoal.
RESPONDEMOS: (1) C o m o se m o s t r o u acima, Pergs. 2 e
14, C r i s t o foi o nosso R e p r e s e n t a n t e em nossa relação federal à
lei, e n ã o em nossa relação natural. A Sua obediência ativa e
passiva t e m fins diversos, m e r e c e n d o a p r i m e i r a os p r ê m i o s
positivos q u e têm p o r c o n d i ç ã o a obediência, e a s e g u n d a a
b ê n ç ã o negativa da remissão da pena. (2) Cristo, c o n q u a n t o
h o m e m , é Pessoa d i v i n a e, p o r isso, n u n c a esteve s u j e i t o
p e s s o a l m e n t e à aliança das o b r a s f e i t a c o m A d ã o . S e n d o
e s s e n c i a l m e n t e justo, nasceu debaixo da lei u n i c a m e n t e c o m o
nosso R e p r e s e n t a n t e , e Sua obediência debaixo das condições
da Sua vida terrestre, a s s u m i d a v o l u n t a r i a m e n t e , foi p u r a -
m e n t e vicária.
5 o . O u t r a objeção dos a r m i n i a n o s e de o u t r o s é q u e a
d o u t r i n a s e g u n d o a qual Cristo satisfez por n ó s às exigências
preceptivas da lei por Sua obediência ativa, e t a m b é m sofreu
as suas p e n a s , c o n d u z ao a n t i n o m i s m o .
A RESPOSTA a isso acha-se acima, Perg. 3.
6 o . S o c i n o e t o d o s os d e m a i s o p o n e n t e s da d o u t r i n a
o r t o d o x a objetam a i n d a que, q u a n d o a justiça exige satisfação
penal, essa exigência é e s s e n c i a l m e n t e pessoal. O q u e a justiça
o f e n d i d a exige é e s p e c i f i c a m e n t e a p u n i ç ã o da pessoa q u e
pecou. C o m o , então, p o d e m os s o f r i m e n t o s infligidos a u m a
pessoa q u e s u b s t i t u i a r b i t r a r i a m e n t e , pela v o n t a d e divina, o
c r i m i n o s o , satisfazer às exigências da n a t u r e z a divina? C o m o
p o d e m o s s o f r i m e n t o s d e u m h o m e m i n o c e n t e substituir, aos
olhos da justiça, os do h o m e m culpado?

576
A Propiciação..

RESPOSTA - A substituição de Cristo, realizada a favor de


pecadores eleitos, não foi um ato arbitrário. Ele deu satisfação
por eles como o Cabeça verdadeiramente responsável de uma
comunidade que constitui u m a corporação moral, constituída
de pessoas morais. Esta união responsável com Seu povo foi
estabelecida (a) tomando Ele sobre Si, voluntariamente, as suas
responsabilidades legais, (b) reconhecendo Deus, a fonte de
toda a Lei no universo, a Cristo como Fiador, e (c) assumindo
Ele a nossa natureza. Esse é, ao menos, o t e s t e m u n h o da
revelação, testemunho que, se não pode ser explicado, não pode
ser desmentido.

O D E S Í G N I O DA P R O P I C I A Ç Ã O

17. Como expor, primeiro negativa e depois positivamente, a


verdadeira doutrina quanto ao desígnio com que o Pai e o Filho
proveram uma satisfação?
Negativamente -
I o . Não há duas opiniões entre os cristãos quanto à sufi-
ciência dessa satisfação a fim de adquirir a salvação para todos
os h o m e n s , s e j a g r a n d e q u a n t o f o r o seu n ú m e r o . É
absolutamente ilimitada.
2 o . N e m quanto à sua aplicabilidade a qualquer de todos os
pecadores h u m a n o s que em qualquer tempo tenham existido,
existam ou venham a existir. As relações de todos com a lei são
idênticas, e aquilo que salvaria um salvaria os outros.
3°. N e m quanto àoferta que no evangelho Deus faz a "todo
o que quer". E aplicável a todos e será aplicada infalivelmente
a todos os crentes.
4 o . N e m quanto à sua aplicação efetiva. Os arminianos
concordam com os calvinistas no ensino de que, dos adultos,
somente os que crerem serão salvos, e os calvinistas, como
t a m b é m os arminianos, ensinam que todas as criança que
m o r r e m são remidas e salvas.
5 o . N e m há diversidade de opiniões quanto ao alcance

577
Capítulo 25

universal de alguns dos benefícios adquiridos por Cristo. Os


calvinistas crêem que toda a dispensação de longanimidade ^
sob a qual vive a raça h u m a n a depois da Queda, abrangendo
justos e injustos para bênçãos temporais e os meios de graça, é
parte do que em nosso favor o sangue de Cristo adquiriu. Eles
admitem também que Cristo morreu por todos os homens |
n u m sentido tal que por Sua morte Ele tirou todos os obstáculos
legais que impediriam a salvação de todo e qualquer h o m e m
e que a satisfação dada por Ele pudesse ser aplicada a qualquer
pecador, se Deus assim quiser.
2. Mas, positivamente, a questão é qual foi o desígnio, o
propósito, que o Pai e o Filho tiveram em vista na morte vicária
de Cristo? Esse propósito foi tornar certa a salvação dos eleitos,
ou só tornar possível a salvação de todos? Sua satisfação
abrange a todos indiferentemente, tanto a um h o m e m como a
qualquer outro? Essa satisfação adquiriu e tornou certa a sua
própria aplicação e todos os meios necessários para isso, para
todos aqueles em favor dos quais foi especificamente dada? A
impetração e a aplicação desta propiciação abrangeram a
mesma classe de objetos? Na ordem do propósito divino, foi
ela um meio para alcançar o propósito da eleição, ou é esta um
meio para levar a efeito a satisfação de Cristo, de outro modo
inoperante?
A nossa Confissão de Fé responde -
Cap. 8, § 5: "O Senhor Jesus, por Sua perfeita
obediência e pelo sacrifício de si mesmo ... não somente
adquiriu a reconciliação, mas também uma herança
perdurável no reino dos céus para todos os que o Pai Lhe
deu" - Cap. 8, § 6. "Como Deus tem destinado os eleitos
para a glória, assim também, pelo eterno e muito livre
propósito da sua vontade, Ele preordenou todos os meios
para isso. Portanto, os que são eleitos, tendo caídos em
Adão, são remidos por Cristo... Nem há outros quaisquer
que sejam remidos em Cristo... senão só os eleitos."
Cap. 8, § 8. "A T O D O S aqueles para quem Cristo adqui-
riu a salvação, ele com certeza e eficazmente aplica e

578
A Propiciação..

comunica a mesma." Também os Artigos do Sínodo de


Dort, Cap. 2, §§ 1, 2, 8.
O propósito com que Cristo morreu foi efetuar aquilo que
realmente efetua no resultado. I o . Incidentalmente, tirar todos
os obstáculos legais do caminho de todos os homens e tornar
objetivamente possível a salvação de todos os que ouvem o
evangelho, de modo que cada um tem o direito de apropriar-
-se dela à vontade; impetrar bênçãos temporais para todos e os
meios de graça para todos os que deles são s u p r i d o s na
providência divina. Todavia, 2°.Especificamente, Seu propósito
foi impetrar a efetiva salvação do Seu povo, em todos os seus
meios, condições e partes, e torná-la infalivelmente certa.
Segundo a maneira dos escolásticos agostinianos, Calvino diz
sobre João 2:2: "Cristo morreu suficientemente por todos, mas
eficientemente só pelos eleitos". Assim também o arcebispo
Usher, números 22 e 23 das Cartas publicadas por seu capelão,
Ricardo Parr, D.D.

18. Como se pode expor a doutrina arminiana sobre este assunto?


S e g u n d o essa d o u t r i n a , Cristo t i n h a o p r o p ó s i t o de
oferecer uma oblação sacrificial a favor de todos os homens
i n d i s c r i m i n a d a m e n t e , alcançando assim para todos graça
suficiente e tornando os seus pecados perdoáveis, conforme os
termos da aliança evangélica, isto é, sob a condição de terem fé
- Watson, Theol. Institutes, parte 2, Cap.25.

19. Qual era a doutrina dos "Marrow Men", na Escócia?


O livro Marrow of Modem Divinity (Medula da Teologia
Moderna) foi publicado na Inglaterra em 1646, e reeditado na
Escócia por Tiago Hogg, de Carnock, em 1726. Os "Marrow
M e n " eram Hogg, Thomas Boston e Ralph e Ebenezer Erskine,
e os seus adeptos, naSecession Church (Igreja Dissidente). Eram
p e r f e i t a m e n t e o r t o d o x o s com r e s p e i t o à r e f e r ê n c i a da
propiciação aos eleitos. A sua peculiaridade consistia em
acentuarem a referência geral da propiciação a todos os homens.

579
Capítulo 25

Diziam que Cristo não morreu por todos, mas que é morto,
isto é, é aproveitável, por todos. "Deus deu o d o m de Cristo a
todos os homens", diziam eles. Eles distinguiam entre o Seu
"amor que dá", que é universal, e o Seu "amor que elege", que
é especial (Marrow of Mod. Divinity). O Dr. John Brown disse
perante o Sínodo da UnitedSecession Church (Igreja Dissidente
Unida), em 1845: "No sentido dos universalistas, que dizem
que Cristo morreu para adquirir a salvação, eu sustento que
Ele morreu só pelos eleitos. No sentido dos arminianos, que
dizem que Cristo morreu para alcançar condições mais fáceis
de salvação, e graça c o m u m para h a b i l i t a r os h o m e n s a
cumprirem essas condições, mantenho que Ele não morreu
por ninguém. No sentido da maioria dos calvinistas, que dizem
que Cristo morreu para tirar os obstáculos legais do caminho
da salvação h u m a n a , dando satisfação perfeita pelo pecado, eu
sustento que Ele morreu por todos os h o m e n s " - Rev. A.
Robertson, History of Atonement Controversy in Secess. Church
(História da Controvérsia sobre a Expiação na Igreja Dissi-
dente).

20. Como se pode expor a doutrina de Amyraldus, da escola


francesa de Saumur, e de Baxter, na Inglaterra?
Sua doutrina é a teoria do universalismo hipotético ou
condicional, que sustenta que Deus entregou Seu Filho à
m o r t e a f i m de p r o v e r r e d e n ç ã o para todos os h o m e n s
indiscriminadamente, fazendo depender o seu gozo efetivo da
sua livre apropriação dela. Ao mesmo tempo, Ele quer dar
soberanamente a graça eficaz que determina somente os eleitos
para a apropriação pessoal da redenção.
A doutrina comum dos calvinistas logicamente faz do
decreto de provisão da redenção o meio para levar a efeito o
decreto de eleição. A teoria francesa e de Baxter faz do decreto
da eleição o meio pelo qual se leva a efeito o propósito geral da
redenção. Estas "novidades" os seus defensores procuraram
explicar de conformidade com as doutrinas ortodoxas perante

580
A Propiciação..

o sínodo francês de 1637, e foram virtualmente condenadas.


Veja Richard Baxter, Universal Redemption of Mankind by the
Lord Jesus Christ (A Redenção Universal da H u m a n i d a d e pelo
Senhor Jesus Cristo) e a resposta de John Owen em sua obra
Death of Christ (A Morte de Cristo), etc.

21. Como expor as provas bíblicas em que se apóia a doutrina


calvinista quanto ao "Propósito da Propiciação"?
I o . Comprova-a o fato de que só esta doutrina condiz com
a doutrina bíblica de que Deus, soberanamente e desde a
eternidade, elegeu certas pessoas para a vida eterna e todos os
meios necessários para produzirem este resultado. E claro que
dar satisfação especialmente pelos eleitos é um meio racional
para levar a efeito o decreto de eleição. Por outro lado, porém,
a eleição de alguns para a fé e o arrependimento não é provisão
racional para levar a efeito o propósito de remir todos os homens.
R. Watson (.Institutes, vol. 2, pág. 411) declara que a teoria de
Baxter, etc. "é a teoria mais inconseqüente a que tem ensejado
os esforços feitos no sentido de modificar o calvinismo". Claro
está que, se Deus tinha o propósito de que fossem com certeza
salvos os eleitos, e os outros deixados a sofrer as justas conse-
qüências de seus pecados, Cristo não poderia ter o propósito de
que todos os homens indiferentemente gozassem dos benefícios
da Sua morte.
2 o . Seu p r o p ó s i t o m a n i f e s t a a p r ó p r i a natureza da
propiciação, como acima foi provado. (1) Cristo expiou os
nossos pecados como nosso Substituto no sentido restrito. Ora,
um substituto representa pessoas definidas, e seu serviço,
quando aceito, realmente livra de suas obrigações as pessoas a
favor de quem o serviço foi prestado. (2) Cristo, sendo o nosso
S u b s t i t u t o debaixo da "aliança das obras", satisfez real e
perfeitamente todas as exigências da aliança. Neste caso, as
próprias condições da aliança estipulam que as pessoas a favor
d a s q u a i s essas c o n d i ç õ e s f o r a m c u m p r i d a s g o z e m a
recompensa merecida pelo Substituto. Não é a possibilidade

581
Capítulo 25

de vida, e sim a vida mesma que é prometida.


3 o . As Escrituras declaram em toda parte que o desígnio e
o efeito legal da obra de Cristo não foram para que se tornasse
possível a salvação do pecador, e sim salvá-lo efetivamente;
reconciliá-lo com Deus, e não somente torná-lo reconciliável
- M a t . 18:11; Rom. 5:10; 2 Cor. 5:21; Gál. 1:4; 3:13; Ef. 1:7;
2:16.
4 o . As Escrituras ensinam em toda parte que Cristo, por
Sua obediência e morte, adquiriu a fé, o arrependimento e as
influências do Espírito Santo. Segue-se que deve ter adquirido
estes dons para aqueles por quem Ele obedeceu e sofreu, e por
conseguinte, não podem ser as condições de que depende o
gozo dos benefícios da Sua morte. "Deus... nos abençoou com
todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo." O
Espírito Santo "abundantemente Ele derramou sobre nóspor
Jesus Cristo nosso Salvador" - Tito 3:5,6; Gál. 3:13,14; Fil. 1:29;
Tito 2:14; Ef. 5:25,27; 1 Cor. 1:30.
5°. Cristo morreu em conformidade com os termos de uma
aliança eterna entre Ele e o Pai. Isso é certo - (1) Porque três
Pessoas eternas e inteligentes só podem ter tido um plano
m ú t u o compreendendo todas as Suas obras, prescrevendo a
cada uma delas a Sua parte nele. (2) As Escrituras referem-se
muitas vezes a essa aliança - Sal. 89:4,5; Is. 42:6,7; 53:10,12.
(3) Cristo referiu-Se constantemente a ela enquanto a executava
- Luc. 22:29; João 6:38; 10:18. (4) Cristo reivindica o prêmio
ou recompensa estipulada - João 17:4-9. (5) Cristo fala sobre
os que L h e haviam sido dados pelo Pai - João 10:25-29; João
17:11 etc. Portanto, Jesus Cristo morreu especificamente por
aqueles que o Pai L h e dera.
6 o . Declara-se s e m p r e que aquilo que m o t i v o u esse
sacrifício de Si mesmo é a mais exaltada forma d e amor pessoal
- J o ã o 15:13; Rom. 5:8; 8:32; Gál. 2:20; Ef. 3:18,19; 1 João
3:16; 4:9,10. v , , ..
7°. A doutrina de que Cristo morreu especificamente pelos
eleitos acha-se exposta em toda parte nas Escrituras - João

582
A Propiciação...

10:11,15; Atos 20:28; Rom. 8:32-35; Ef. 5:25-27. *;'

22. Se Cristo morreu unicamente por Seu povo,em que é que


se apóia a oferta geral do evangelho?
"O Senhor Jesus, para alcançar a salvação do Seu povo, e
com este fim especificamente em vista, cumpriu as condições
da lei ou da aliança sob a qual o Seu povo e todos os h o m e n s
estavam colocados. Essas c o n d i ç õ e s e r a m - (1) P e r f e i t a
obediência; (2) Satisfação dada à justiça divina. A justiça de
Cristo consta, pois, da Sua obediência e morte. Essa justiça é
precisamente aquilo que a lei exige de todo pecador para a sua
justificação perante Deus. Está, pois, em sua natureza, adaptada
a todos os pecadores que estavam debaixo dessa lei. Sua
natureza não ficou mudada pelo fato de que foi adquirida só
para u m a parte de tais pecadores, nem pelo que lhes foi
alcançada em virtude de uma aliança entre o Pai e o Filho. O
que é necessário para a salvação de um só h o m e m é necessário
para a salvação de outro e de todos. E também de valor infinito,
por ser a justiça do Filho eterno de Deus, e por isso suficiente
para todos" - Hodge, Essays, págs. 181 e 182.
A todos os homens se deve, pois, oferecer de boa fé o
evangelho -
I o . Porque a satisfação dada à lei é suficiente para todos.
2°. Porque é exatamente adaptada à redenção de todos.
3°. Porque é do propósito de Deus salvar a todos os que
crêem em Cristo. Assim, a propiciação torna objetivamente
possível a salvação de todo aquele a quem for oferecida. O
desígnio da morte de Cristo foi adquirir a salvação do Seu povo;
mas é incidental que essa obra inclua também a oferta livre, e
feita de boa fé, da salvação a todos os homens, sob a condição
de terem fé em Cristo. N i n g u é m se perde por falta de uma
propiciação, nem porque haja outro obstáculo que lho impeça,
a não ser sua própria vontade libérrima e má.

23. Como se pode conciliar a condenação dos homens por

583
Capítulo 25

rejeitarem a Cristo com a doutrina de que Ele só morreu pelos eleitos?


U m a salvação totalmente suficiente e exatamente adaptada
às suas n e c e s s i d a d e s é o f e r e c i d a de boa fé a t o d o h o m e m
a q u e m chega o evangelho, e n ã o há c o m o n ã o seja dele, se
# /
ele crer, senão u n i c a m e n t e p o r sua p r ó p r i a má disposição. E
claro q u e ele n a d a t e m a fazer com o desígnio q u e D e u s teve
em vista p r o v e n d o essa salvação, além da p r o m e s s a positiva
de que D e u s a tenciona dar-lhe, se crer. Se um h o m e m é res-
ponsável p o r seu m a u c o r a ç ã o e pelo exercício detodas as suas
f a c u l d a d e s , é p o r c e r t o d i g n o de c o n d e n a ç ã o p o r r e j e i t a r
u m Salvador tão b o n d o s o .

24. Como se deve explicar as passagens que falam em Cristo


levar ou tirar os pecados do MUNDO e em morrer por TODOS?
São passagens c o m o H e b . 2:9; 1 Cor. 15:22; 1 João 2:2; 1
Tim. 2:6; João 1:29; 3:16,17; 6:51. Os termos " m u n d o " e "todos"
inquestionavelmente são empregados com graus m u i t o diversos
de l a t i t u d e nas Escrituras. Em m u i t a s passagens essa l a t i t u d e
é e v i d e n t e m e n t e limitada pelo contexto,e.g., 1 Cor. 15:22; R o m .
5:18; 8:32; João 12:32; Ef. 1:10; Col. 1:20; 2 Cor. 5:14,15.
N o u t r a s passagens a palavra " m u n d o " é e m p r e g a d a em oposi-
ção à nação judaica, povo de privilégios exclusivos - R o m .
11:12,15; 1 João 2:2. E e v i d e n t e que a f i r m a ç õ e s q u a n t o ao
d e s í g n i o d a m o r t e d e Cristo, e n v o l v e n d o s e m e l h a n t e s t e r m o s
gerais, é preciso l i m i t a r pelas afirmações mais definidas a c i m a
referidas. As vezes é e m p r e g a d a esta f o r m a geral de a f i r m a ç ã o
para realçar o fato de que, s e n d o Cristo u m a só vítima, fez
expiação p o r tantos m e d i a n t e um só sacrifício. C o m p a r e M a t .
20:28 c o m 1 T i m . 2:6 e H e b . 9:28. E c o n q u a n t o Cristo n ã o
t e n h a m o r r i d o com a i n t e n ç ã o de salvar todos, m e s m o assim
sofreu a p e n a dessa lei, debaixo da qual todos se achavam, e
agora oferece a todos a justiça assim a d q u i r i d a .

25. Como devemos entender as passagens que falam da


possibilidade de perecerem aqueles por quem Cristo morreu?

584
A Propiciação..

Tais passagens são hipotéticas e expõem com verdade a


natureza e tendência do ato contra o qual nos admoestam, e
são meios utilizados por Deus, sob a administração do Seu
Espírito, para cumprir Seus propósitos. Deus trata os h o m e n s
sempre dirigindo motivos à sua inteligência e à sua vontade, e
assim cumpre Seus próprios desígnios por meio dos homens.
No caso do n a u f r á g i o de P a u l o , era certo que n i n g u é m
pereceria; contudo, todos pereceriam se os marinheiros não
permanecessem no n a v i o - A t o s 27:24-31. Segundo o m e s m o
princípio se deve explicar passagens como Heb. 10:27-30; 1
Cor. 8:11 e todas as demais semelhantes a essas.

HISTÓRIA DAS DIVERSAS OPINIÕES


MANTIDAS NA IGREJA

26. Como se pode expor o caráter geral da soteriologia dos


chamados santos pais?
I o . Desde o princípio os "Pais" cristãos representativos
ensinavam de maneira indigesta e não científica que Cristo
sofreu como Substituto do Seu povo, para expiar o pecado e
propiciar a Deus. Aplicavam livremente à obra realizada por
Cristo a linguagem sacrificial das Escrituras. Outram,Dwc. 1,
cap. 17: " Q u a n t o ao que diz respeito à obra de Cristo como o
Redentor dos homens, achamos já na linguagem empregada
sobre este p o n t o pelos " P a i s " da Igreja, no p e r í o d o que
consideramos, todos os elementos fundamentais da doutrina
como essa veio depois a ser definida pela Igreja" - Neander,
Ch. Hist., vol. 1, pág. 640; veja os t e s t e m u n h o s abaixo
registrados.
2 o . J u n t o com estes sentimentos houve, em combinação
com eles, d u r a n t e todos os primeiros séculos até ao tempo de
Anselmo, u m a teoria acentuada especialmente por Orígenes
(185-254) e Irineu (c. 120-200), segundo a qual Cristo foi
oferecido por Deus como preço do resgate do Seu povo, resgate
pago a satanás, a cujo poder estavam sujeitos por ele os haver

585
Capítulo 25

c o n q u i s t a d o . Essa teoria f u n d a v a - s e em passagens c o m o Col.


2:15 e H e b . 2:14.

27. Como se pode expor, em termos gerais, as quatro teorias sob


uma ou outra das quais se pode agrupar todas as opiniões mantidas
em qualquer tempo sobre a natureza da reconciliação efetuada por
Cristo?
I a . A MÍSTICA. Esta teoria, embora t e n h a assumido diversas
f o r m a s , p o d e ser exposta, em termos gerais, assim: a recon-
ciliação e f e t u a d a por Cristo foi operada pela u n i ã o misteriosa
de D e u s e o h o m e m realizada na Sua encarnação, e não por
Sua m o r t e sacrificial. Esta é a teoria d e f e n d i d a p o r alguns dos
santos " P a i s " que a d o t a r a m a filosofia de Platão, pelos discí-
p u l o s de Scotus Erígena d u r a n t e a I d a d e M é d i a , por O s i a n d e r
e S c h w e n k f e l d no t e m p o da R e f o r m a , e p e l a e s c o l a de
S c h l e i e r m a c h e r , e n t r e os teólogos alemães m o d e r n o s .
2 a . A TEORIA DA INFLUÊNCIA MORAL, d i s t i n t i v a m e n t e
elaborada p r i m e i r o por A b e l a r d o (1079-1142) e m a n t i d a pelos
socinianos e p o r trinitários tais como M a u r i c e , Young, Jowett,
B u s h n e l l , etc. Os p o n t o s envolvidos são - (1) N ã o há em D e u s
um p r i n c í p i o tal c o m o a justiça vindicativa. (2) A b e n i g n i d a d e
é o p r i n c í p i o único, s u p r e m o e d e t e r m i n a n t e q u e leva D e u s a
c u i d a r da redenção dos seres h u m a n o s . (3) A ú n i c a finalidade
da vida e da m o r t e de Cristo é p r o d u z i r um efeito m o r a l sobre
o p e c a d o r i n d i v i d u a l , s u b j u g a n d o a sua o b s t i n a d a aversão a
D e u s e a sua teimosa desconfiança da Sua p r o n t i d ã o em per-
doar - r e c o n c i l i a n d o assim o h o m e m com D e u s , antes q u e
D e u s com o h o m e m . (4) Os socinianos sustentavam, além disso,
que a m o r t e de Cristo foi a necessária c o n d i ç ã o para a Sua
ressurreição, pela qual Ele trouxe à luz a imortalidade.
3 a . A TEORIA GOVERNAMENTAL, a qual, pressupondo todas
as v e r d a d e s positivas contidas na Teoria da I n f l u ê n c i a Moral,
sustenta - (1) Q u e em D e u s a justiça não é vindicativa, mas
deve ser relacionada com u m a retidão g o v e r n a m e n t a l geral,
baseada n u m a consideração BENÉVOLA pelo m e l h o r e mais

586
A Propiciação..

geral b e m - e s t a r final dos s ú d i t o s do Seu g o v e r n o m o r a l . (2) A


lei é um p r o d u t o da v o n t a d e divina e por isso D e u s p o d e relaxá-
-la. (3) As prerrogativas s o b e r a n a s de D e u s i n c l u e m o direito
de perdoar. (4) M a s a retidão g o v e r n a m e n t a l a c i m a explicada,
t e n d o e m vista q u e u m p e r d ã o i n d i s c r i m i n a d o h a v e r i a d e
e s t i m u l a r o pecado, d e t e r m i n a a D e u s q u e faça o p e r d ã o dos
p e c a d o s d e p e n d e r de um exemplo imponente de sofrimento n u m a
v í t i m a relacionada com os h o m e n s e com Ele, de m o d o q u e
m a n i f e s t e e f i c a z m e n t e a Sua d e t e r m i n a ç ã o de q u e n i n g u é m
p o d e entregar-se com i m p u n i d a d e ao pecado. Por isso - (a) Os
s o f r i m e n t o s de Cristo não c o n s t i t u í r a m p u n i ç ã o , e sim um
e x e m p l o de u m a d e t e r m i n a ç ã o de p u n i r o pecado no f u t u r o ,
(b) Cristo n ã o sofreu com o p r o p ó s i t o de satisfazer a justiça
d i v i n a , e sim o de dar a t o d o o u n i v e r s o m o r a l um m o t i v o
p o d e r o s o para evitar o pecado. A teoria g o v e r n a m e n t a l foi
elaborada p r i m e i r o p o r H u g o G r o t i o (f 1645) em sua g r a n d e
o b r a i n t i t u l a d a D e f e n s i o Fidei Catholicae de Satisfactione Christi
(Defesa da Fé Católica acerca da Satisfação de Cristo), na qual
a b a n d o n o u a fé cuja defesa t i n h a a s s u m i d o . Essa teoria n u n c a
foi i n c o r p o r a d a no credo de n e n h u m a igreja histórica, mas t e m
sido s u s t e n t a d a p o r diversas escolas de teólogos, como,e.g., os
s o b r e n a t u r a l i s t a s do século passado na A l e m a n h a ( S t a u d l i n ,
F l a t t , Storr e outros) e, na América, p o r J o n a t h a n E d w a r d s Jr.,
Smalley, Maxey, D w i g h t , E m m o n s e Park.
OBSERVAÇÕES - Essa t e o r i a c o n t é m m u i t a s v e r d a d e s
preciosas, m a s , ao m e s m o t e m p o , falha no p o n t o essencial do
qual d e p e n d e a i n t e g r i d a d e do todo. P o r q u e - (1) S o m e n t e
u m a real e v e r d a d e i r a p u n i ç ã o p o d e ser e x e m p l o d e u m a
p u n i ç ã o ou u m a prova da d e t e r m i n a ç ã o de D e u s de p u n i r o
pecado. (2) Ela não faz caso da justiça essencial de D e u s , n e m
(3) do fato de q u e o pecado é um mal essencial em si, n e m (4)
do fato de que Cristo sofreu c o m o a CABEÇA a q u e m todos os
seus m e m b r o s estavam UNIDOS.
4 a . A TEORIA DA SATISFAÇÃO, que abrange c o e r e n t e m e n t e
os e l e m e n t o s p o s i t i v o s das teorias da I n f l u ê n c i a M o r a l e

587
Capítulo 25

G o v e r n a m e n t a l acima expostas. F o i analisada e exposta de


maneira científica primeiro por Anselmo, arcebispo de
Cantária (1093-1109), em seu célebre livro Cur Deus Homo (Por
q u e D e u s H o m e m ? ) , e t e m f o r m a d o a base das d o u t r i n a s sote-
riológicas de todos os credos e da literatura teológica clássica
de t o d a s as igrejas h i s t ó r i c a s , d e s d e o t e m p o em q u e foi
originariamente formulada até agora. Foi exposta e comprovada
s u f i c i e n t e m e n t e na p r i m e i r a p a r t e deste capítulo.
LITERATURA. - Hase, Libn Symbolici Eccle. Evangelicae;
Niemeyer,Collectio Confessionum etc.; Streitwolf,Libri Symbolici
Eccle. Catholicae, De Sacrificiis, Gulielmo Outramo Auctores;
N e a n d e r e S c h a f f , Church Histories; A r c h b . M a g e e , The
Atonement; S h e d d ,History of Christian Doctrine; O w e n , Works,
vol. 10,Redemption; Ritschl, Crit. Hist. of the Christ. D o c t r i n e
of Reconciliation; C a n d l i s h , The Atonement', W a t s o n , Institutes.

AUTORIDADES CLÁSSICAS E CONFESSIONAIS

Orígenes, Homil. ad Lev., 1, falando sobre Cristo, diz:


"Impôs as mãos sobre cabeça do novilho, isto é, deitou
os pecados dos homens sobre a Sua própria cabeça, porque
Ele é a Cabeça do corpo, a Igreja".
Atanásio (298-373), Contra Arianos, 1, 45-60. "A morte
do Logos encarnado é o resgate pelos pecados dos homens
e uma morte da morte"... "Carregado de culpa, o mundo
estava condenado pela Lei, mas o Logos tomou sobre Si a
condenação e, sofrendo na carne, deu salvação a todos".
Gregório, o Grande (c. 540-604), Moralia in Jobum, 17,
46: "A culpa só pode ser extinta por uma oferta penal feita
à justiça...Segue-se que sc deveria oferecer um h o m e m
sem pecado...Era preciso, pois, que o F i l h o de D e u s
nascesse de uma virgem e Se tornasse h o m e m por nós.
Ele tomou sobre Si a nossa natureza sem a nossa corrupção
(culpa). Ele Se fez sacrifício por nós e expôs pelos pecadores
o Seu próprio corpo, vítima sem pecado e capaz, tanto de
morrer em virtude da Sua humanidade, como de purificar

588
A Propiciação.

os culpados, com base na justiça".


Bernardo de Claraval (1091-1153), Tract. contra Err.
Abcelardi, caps. 6 e 15: "Se Um morreu por todos, por
conseqüência, logo todos morreram"(2 Cor. 5:14), isto é, a
satisfação prestada por Um é imputada a todos, porque
esse Um levou os pecados de todos; e não se diga que quem
ofendeu foi um e quem fez a satisfação foi outro, porque a
cabeça e o corpo são um só em Cristo. Por isso a Cabeça
fez satisfação por Seus membros".
Wycliffe (1324-1384),De Incarn. etMort. Christi: "E, desde
que, segundo a terceira suposição, é necessário que se dê
satisfação pelo pecado, assim também era necessário que
essa mesma raça de homens desse uma satisfação tão
grande como foi grande no primeiro pai (Adão) a ofensa,
o que não poderia fazer homem algum que não fosse ao
mesmo tempo homem e Deus".
Os valdenses do Piemonte, em 1542, apresentaram a
Francisco I, rei da França, por intermédio do cardeal
Sadoleto, uma confissão na qual diziam: "Esta Confissão
é a que recebemos de nossos antepassados, passada de mão
em mão, segundo os seus predecessores ensinaram e
relataram em todos os tempos e idades... Nós cremos e
confessamos que a gratuita remissão dos pecados procede
da misericórdia e imerecida bondade do nosso Senhor
Jesus Cristo, que morreu uma só vez por nossos pecados,
o justo pelos injustos; que levou os nossos pecados em
Seu próprio corpo na cruz; que Ele é o nosso Advogado
junto a Deus, sendo Ele mesmo o preço da nossa recon-
ciliação; que deu satisfação em favor dos crentes, aos quais
os pecados não são imputados como imputados são aos
incrédulos e réprobos".
João Wessel (1419-1489), De Causis Incarnationis.
Verdadeiramente, Ele mesmo Deus, sacerdote e vítima,
deu satisfação por Si, de Si e para Si". Exempla Scalce
Meditationis, Exemplo 1, fig. 544: "O nosso Pai aman-
tíssimo quis que Tu, Seu próprio Filho amantíssimo,
fosses o fiador e a garantia no sentido de que fosse feito e
sofrido o suficiente, com base em justo penhor, por meu

589
Capítulo 25

fracasso total e meu inteiro malogro".


CONFISSÃO ORTODOXA DA IGREJA ORIENTAL
CATÓLICA E APOSTÓLICA, composta por Petrus Mogilas,
Metropolitano de Kiev, em 1642, e sancionada pelo Sínodo
de Jerusalém em 1672, pág. 85. A morte de Cristo foi morte
muito diversa da morte de todos os demais homens, nestes
aspectos: primeiro, por causa do peso dos nossos pecados;
em segundo lugar, p o r q u e Ele c u m p r i u o s a c e r d ó c i o
completo, mesmo até à cruz; Ele Se ofereceu a Deus o Pai
para resgate da raça h u m a n a . Por isso até à cruz Ele
cumpriu a mediação entre Deus e os homens".
DOUTRINA ROMANA - Cone. de Trento, Sess. 6, cap. 7:
"Cristo que, sendo nós inimigos, pela nímia caridade com
que nos amou, adquiriu por nós a justificação e satisfez
por nós ao Pai eterno, com Sua santíssima paixão no lenho
da cruz...". Catecismo do Cone. de Trento, Parte 2, cap. 5,
Perg. 60: "A primeira e mais excelente satisfação é aquela
pela qual tudo quanto é devido por nós a Deus por causa
de nossos pecados, foi pago abundantemente, ainda que
Ele nos tratasse segundo o restrito rigor da Sua justiça.
Esta é aquela satisfação que nós dizemos que aplacou a
Deus e no-lO tornou propício, e isso devemos somente a
Cristo o Senhor que, tendo pago na cruz o preço dos nossos
pecados, muito plenamente satisfez a Deus".
CONFISSÕES LUTERANAS - Hase, Collection, pág. 684,
Formula Concordice:"Aquela justiça que, diante de Deus,
somente por Sua graça é imputada à fé, ou ao crente, é a
obediência, o sofrimento e a ressurreição de Cristo, pelos
quais Ele, por amor de nós, satisfez à lei e expiou os nossos
pecados. Porque, sendo Cristo não somente homem, e sim
Deus e homem numa só Pessoa não dividida, não estava
sujeito à Lei nem ao sofrimento e morte por causa de Si
m e s m o , p o r q u e era o S e n h o r da Lei. Por isso a Sua
obediência (não somente em que Ele obedeceu ao Pai nos
Seus sofrimentos e morte, mas também em que Ele, por
a m o r de nós, fez-Se v o l u n t a r i a m e n t e s u j e i t o à Lei e
cumpriu-a por Sua obediência) nos é imputada, de modo
que Deus, por causa dessa inteira obediência (que Cristo

590
A Propiciação..

por Seus atos e sofrimentos, em Sua vida e em Sua morte,


por amor de nós prestou a Seu Pai que está no céu) remite
os nossos pecados, reputa-nos como bons e justos e nos
dá a salvação eterna".
DOUTRINA REFORMADA - Os Trinta e Nove Artigos,
Arts. 11 e 31.
"A oblação de Cristo, feita uma só vez, é a completa
redenção, propiciação e satisfação de todos os pecados,
t a n t o o o r i g i n a l c o m o os a t u a i s , do m u n d o t o d o ; e
n e n h u m a satisfação há para os pecados, senão unicamente
esta". Homil. 3a. Da Salvação - "Deus enviou a este mundo
Seu Filho único, nosso Salvador Jesus Cristo, para cumprir
a lei por nós e, pelo derramamento do Seu preciosíssimo
sangue, oferecer um sacrifício e dar satisfação a Seu Pai
por nossos pecados". Catecismo de Heldelberg, Pergs. 12-18
e 40. Conf. de Fé, de Westminster, cap.8, § 5; cap.11, § 3.
Form. Cons. Helvética, cans. 13-15. Cocceio, De Foed. et
Testam. Dei, cap. 5, 92. "Assim esse maior de todos os
mistérios (a aliança eterna entre o Pai e o Filho) é reve-
lado, de que maneira somos justificados e salvos por Deus,
de que maneira Deus pode ser tanto aquele que julga como
aquele que age como fiador, e que é Ele mesmo julgado,
que absolve e que intercede, que envia e é enviado. Isso é,
de que maneira Deus mesmo satisfaz-Se por Seu próprio
sangue."
DOUTRINA REMONSTRANTE - Limborch, Apol. Thes.
3, 22, 5: "Talvez se pergunte aqui como é que o sacrifício
de um só h o m e m pode ser suficiente e com efeito foi
s u f i c i e n t e para expiar os i n ú m e r o s pecados de tantas
miríades de homens. Resposta: Foi suficiente por dois
motivos. Primeiro, com respeito à vontade divina, que nada
m a i s exigia para o l i v r a m e n t o da raça h u m a n a , mas
satisfez-Se com este único sacrifício. Em segundo lugar,
com respeito à dignidade da Pessoa, Jesus Cristo...". 21, 6.
A satisfação de Cristo é chamada assim porque livra de
t o d a s as p e n a l i d a d e s d e v i d a s aos n o s s o s p e c a d o s e,
ouvindo-as e esgotando-as, satisfaz à justiça divina. Mas
este sentimento não tem apoio nas Escrituras. Chama-se

591
Capítulo 25

a morte de Cristo um sacrifício pelo pecado; porém os


s a c r i f í c i o s não são p a g a m e n t o s de d í v i d a s , n e m
constituem plena satisfação pelos pecados; no entanto uma
remissão gratuita é concedida quando são oferecidos".
Remonstrantia, etc., cinco artigos p r e p a r a d o s pelos
defensores holandeses da redenção universal (1610). Art.
2: "Por conseguinte, Jesus Cristo, o Salvador do mundo,
m o r r e u p o r t o d o e q u a l q u e r h o m e m , d e m o d o que
impetrou para todos, por Sua morte, a reconciliação e a
r e m i s s ã o dos pecados; mas, não o b s t a n t e isso, sob a
condição de que somente quem fosse crente, e isso também
s e g u n d o o e v a n g e l h o , teria a f r u i ç ã o real dessa
reconciliação".
DOUTRINA SOCINIANA -Rac. Cat., Sec. 5, cap.8: "Qual
foi o propósito da vontade divina que Cristo sofresse por
nossos pecados? Resposta: em primeiro lugar, a fim de que
se criasse por este meio para todos os pecadores um direito
m u i t o real e, por conseguinte, uma esperança segura de
lhes serem remitidos os pecados (Rom. 8:32; 5:8-10. Em
segundo lugar, para que todos os pecadores fossem incitados
para irem a Cristo e atraídos por Ele, buscando a sua salva-
ção somente nAquele e por Aquele que por eles morreu.
Em terceiro lugar, para que Deus desta maneira testificasse
o a m o r i l i m i t a d o q u e t e m pela raça h u m a n a e a
reconciliasse inteiramente conSigo (João 3:16)".

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592
26

A Intercessão de Cristo

1. Em que sentido Cristo permanece sacerdote para sempre?


Isso é declarado em H e b r e u s 7:3,24, para contrastar o
sacerdócio de Cristo com o de Arão, que constava de u m a
sucessão de h o m e n s mortais nas suas gerações. O sacerdócio
de Cristo é perpétuo porque -
I o . por um só sacrifício pelo pecado aperfeiçoou para
sempre aqueles pelos quais o sacrifício foi oferecido.
2 o . Ele vive sempre para interceder por nós.
3 o . Sua Pessoa e obra como Mediador continuarão a ser,
d u r a n t e toda a eternidade, o motivo pelo qual somos aceitos, e
o meio da nossa c o m u n h ã o com o Pai.

2. Cristo intercedeu no mundo por Seu povo ?


Exerceu no m u n d o essa função do Seu sacerdócio, Luc.
23:34; João 17:20; Heb. 5:7; exerce-a, porém, p r i n c i p a l m e n t e
no Seu estado de exaltação, no céu.

3. Que ensinam as Escrituras a respeito da intercessão de Cristo?


I o . Ele apresenta-Se p o r nós d i a n t e de D e u s c o m o o
Advogado sacerdotal do Seu povo, e apresenta o Seu sacrifício
- H e b . 9:12,24; Apoc. 5:6.
2°. Ele age como Advogado junto ao Pai e, apoiando-Se
na Sua própria obra perfeita e nos termos da aliança da graça,
exige como Seu direito, mas como u m a graça i n f i n i t a m e n t e

593
Capítulo 26

livre quanto a nós, o c u m p r i m e n t o de todas as promessas da


Sua a l i a n ç a - 1 João 2:1; João 17:24; 14:16; Atos 2:33; Heb.
7:25.
3 o . Tendo comunhão de natureza com Seu povo e expe-
riência pessoal das mesmas tribulações e tentações que as que
os afligem agora, Ele tem empatia com eles, vela por eles e
socorre-os em todas as suas diversas circunstâncias, e adapta as
Suas incessantes intercessões ao curso inteiro da Sua experiência
- 1 Ped. 2:5; Ef. 1:6; Apoc. 8:3; Heb. 4:14-16.

4. Por quem Ele intercede?


Não pelo mundo, e sim por Seu povo, de todos os rebanhos
e de todos os t e m p o s - J o ã o 10:16; 17:9,20.

5. Como se pode mostrar que a intercessão de Cristo faz parte


essencial de Sua obra sacerdotal?
/

E absolutamente essencial, Heb. 7:25, porque é necessário


que Ele, como Mediador, não somente abra o caminho de uma
salvação possível, mas que realmente alcance a salvação de todos
os que o Pai Lhe deu, e que forneça a cada um deles uma
"apresentação" ao P a i - J o ã o 17:12; Ef. 2:18; 3:12. A comunhão
do Seu povo com o Pai será sustentada sempre por Ele como
sacerdote medianeiro - Sal. 110:4; Apoc. 7:17.

6. Qual a relação existente entre a obra do Espírito Santo e a


intercessão de Cristo?
Cristo é Sacerdote real - Zac. 6:13. Do mesmo trono Ele,
como Rei, dispensa Seu Espírito a todos os objetos do Seu
cuidado, enquanto, como Sacerdote, intercede por eles. O
Espírito realiza Sua obra por Ele, tomando unicamente de Suas
coisas. Ambos agem de m ú t u o acordo, Cristo como quem
dirige, o Espírito como Seu agente. Cristo intercede por nós
estando fora de nós, como o nosso Advogado no céu, segundo
os termos da aliança eterna. O Espírito Santo, como o nosso

594
A Intercessão de Cristo

Advogado d e n t r o de nós, age sobre o nosso e n t e n d i m e n t o e o


nosso coração, iluminando c vivificando, e assim determinando
os nossos desejos " s e g u n d o a vontade de Deus". A obra dc um
é o c o m p l e m e n t o da do outro, e juntas f o r m a m um todo
completo - R o m . 8:26,27; João 14:26.

- • í

1
i '• 'j-ir-' "

595
27

O Reinado Medianeiro de Cristo

1. Como difere a soberania de Cristo como Mediador da Sua


soberania como Deus?
Sua soberania como D e u s é essencial à Sua natureza; não
foi derivada e c absoluta, eterna e imutável.
Sua soberania como Rei medianeiro é derivada, f o i - L h e
dada pelo Pai como prêmio por Sua obediência e por Seus
sofrimentos; é especial e diz respeito à salvação do Seu povo e
à administração das provisões da aliança da graça; e ela não
pertence à Sua natureza divina como tal, e sim à Sua Pessoa
como D e u s - h o m e m , o c u p a n d o o ofício de Mediador.
Seu reino é assunto m u i t o p r o e m i n e n t e nas Escrituras -
Dan. 2:44; Mat. 13:1-58; 20:20-29; Luc. 13:23-30; 17:20, 21;
Rom. 14:17; 1 Ped. 3:22; Ef. 1:10,21,22.

2. Qual é a extensão do reino medianeiro de Cristo, e quais os


seus diversos aspectos?
A autoridade medianeira de Cristo abrange o universo -
Mat. 28:18; Fil. 2:9-11; Ef. 1:17-23. Apresenta dois grandes
aspectos.
I o . Na Sua a d m i n i s t r a ç ã o geral, c o m o a b r a n g e n d o o
universo como um todo.
2 o . Na Sua administração especial, como abrangendo a
Igreja.
Tem sido distinguido como - (1) Seu reino d<z poder, que
abrange o universo inteiro em Sua administração providencial

596
Reinado Medianeiro de Cristo

c judicial. Seu f i m é a sujeição dos Seus i n i m i g o s , ( H e b .


10:12,13; 1 Cor. 15:25), a vindicação da justiça divina (João
5:22-27; 9:39) e o aperfeiçoamento da Sua Igreja. (2) Seu reino
degraça, que é espiritual tanto a respeito de Seus súditos, como
de Suas leis, modos de administração e meios empregados. (3)
Seu reino dt glória, que é a consumação da Sua administração
providencial e pela graça, e há de permanecer para sempre.

3. Quais os fins da Sua autoridade medianeira sobre o universo,


e como é ela administrada?
Seu f i m geral é alcançar a salvação da Sua igreja na
execução de todas as provisões da aliança da graça, que recaiem
sobre Ele como Mediador - Ef. 1:23. Constituindo o universo
um sistema moral e físico, era necessário que a Sua supremacia
como Mediador se estendesse a tudo, para que todas as coisas
c o n t r i b u í s s e m para o bem do Seu povo, Rom. 8:28; para
estabelecer um reino para eles, Luc. 22:29; João 14:2; para
subjugar todos os seus inimigos, 1 Cor. 15:25; Heb. 10:13; e
para que todos O adorassem - Heb. 1:6; Apoc. 5:9-13. Seu
governo geral medianeiro do universo é administrado, I o .
providencialmente; 2 o . judicialmente - João 5:22,27; 9:39; 2
Cor. 5:10. •
Efésios 1:10 c Colossenses 1:20 parecem ensinar que a
supremacia medianeira de Cristo tem relações muito abran-
gentes com o universo moral em geral, que de outro modo não
são de maneira alguma reveladas.

4. Quando Cristo tomou formalmente sobre Si o Seu reino


medianeiro?
I o . Os defensores do advento premilenário e do reino
pessoal de Cristo à terra admitem que Ele reina agora à direita
de Seu Pai, sobre o trono de Seu Pai e pelo direito que a Seu
Pai pertence; mas sustentam também que somente no Seu
segundo advento Ele tomará posse efetiva do Seu próprio reino,
Se assentará em Seu trono como Mediador e ocupará então o

597
Capítulo 27 •••••'

trono literal de Davi, e de Jerusalém, como sua capital, consti-


tuirá Seu reino.
2 o . A verdade, como é sustentada p o r todos os ramos da
Igreja histórica, é que, conquanto Jesus tenha sido virtualmente
Rei medianeiro, como t a m b é m Profeta e Sacerdote desde a
queda de Adão, contudo, a ocasião em que tomou posse pública
e formal do Seu trono e inaugurou Seu reino espiritual foi
q u a n d o subiu ao céu e assentou-Se à destra de Seu Pai. A prova
disso é que as predições do Velho Testamento sobre o Seu reino
(Sal. 2:6; Jer. 23:5; Is. 9:6; D a n . 2:44) são aplicadas no Novo
Testamento ao p r i m e i r o advento. João Batista declarou que o
reino dos céus estava próximo. Cristo declarou que é "chegado
a vós o r e i n o de D e u s " e o assemelhou ao c a m p o em que
cresciam juntos o trigo e a cizânia, etc. - Mat. 12:28; Atos 2:29-
36.

5. Quais os diversos títulos aplicados nas Escrituras a esse reino,


e quais os sentidos em que esses títulos são empregados?
É c h a m a d o - (1) O " r e i n o de Deus", Luc. 4:43, porque é
p r o e m i n e n t e m e n t e de origem divina, e Deus exerce a Sua
autoridade muito direta e plenamente em sua administração.
(2) O " r e i n o de Cristo" e do "Filho do seu a m o r " (do amado
F i l h o de D e u s ) , M a t . 16:28; Col. 1:13, p o r q u e C r i s t o é
pessoalmente o Soberano imediato. (3) O "reino dos céus",
Mat. 11:12, porque a sua origem e as suas características são
do céu e ali será consumado.
Essas frases às vezes são empregadas para exprimir - (1) A
autoridade medianeira de Cristo, ou Sua administração, como
q u a n d o nós L h e atribuímos "o reino, o poder e a glória" ou
a f i r m a m o s que "o seu reino não terá fim". (2) As bênçãos e
vantagens de toda espécie, internas e externas, que caracterizam
essa administração, como quando se diz que "o reino é justiça,
e paz, e alegria no Espírito Santo". Ilustra isso o que Napoleão
III disse: "O Império é a paz". (3) Os súditos do reino coleti-
v a m e n t e , como q u a n d o se diz que se "entra no reino", ou

598
Reinado Medianeiro de Cristo

quando se fala nas "chaves do reino" que dão acesso a essa


comunidade ou excluem dela. Neste último sentido a frase
"reino de D e u s " ou "dos céus" é um sinônimo da palavra
"igreja".
A palavra basileía (reino), nesta conexão, acha-se cento e
trinta e sete vezes no Novo Testamento, sendo cento e dez vezes
nos quatro Evangelhos, e cinqüenta e três só no Evangelho
S e g u n d o M a t e u s , que é o E v a n g e l h o mais i n t i m a m e n t e
relacionado com o Velho Testamento, e somente vinte vezes
nas Epístolas, enquanto o vocábulo ekklesía (igreja), quando
se refere à Igreja de Cristo, e n c o n t r a - s e só u m a vez nos
Evangelhos e oitenta e oito nas Epístolas e no Apocalipse.

6. Qual a natureza da administração de Cristo como Rei do


Seu povo, isto é, do Seu reino em distinção do universo?
I o . É providencial. Ele exerce o Seu governo providencial
sobre o universo com o fim de alcançar assim o sustento, a
defesa, o enriquecimento e a glorificação do Seu povo.
2 o . Consegue este fim pela dispensação de Seu Espírito
chamando eficazmente, santificando, consolando, preservando,
ressuscitando e glorificando o Seu povo - João 15:26; Atos
2:33-36.
3 o . Consegue-o também prescrevendo a forma, a ordem
e as funções de Sua Igreja, os oficiais que devem exercer
essas funções, e as leis que eles devem administrar - Mat.
28:18,19,20; Ef. 4:8,11.
4 o . Consegue-o ainda designando as pessoas que devem
tomar sucessivamente sobre si essas funções, por meio de um
chamado espiritual, expresso no testemunho do Espírito, no
seu encaminhamento providencial e na chamada de seus irmãos
- A t o s 1:23,24; 6:5; 13:2,3; 20:28; 1 Tim. 1:12; 4:14.
Sob essa administração esse reino apresenta dois aspec-
tos - I o . como militante, Ef. 6:11,16; 2 o . como glorificado -
Apoc. 3:21. De conformidade com isso, Cristo apresenta-Se
como desempenhando, na administração dos quefazeres do

599
Capítulo 27

Seu r e i n o , as f u n ç õ e s de um grande c o m a n d a n t e , Apoc.


19:11,19, c dc um soberano reinando assentado em seu trono -
Apoc. 21:5,22,23.
O trono em que está assentado e de onde reina nos é
apresentado em três aspectos diversos, correspondendo às
diversas relações que Cristo m a n t é m com Seu povo e com o
m u n d o ; como um trono de graça, Heb. 4:16; um trono de juízo,
Apoc. 20:11-15; e um trono de glória - Comp. Apoc. 4:2-5
com Apoc. 5:6.

7. Em que sentido o reino de Cristo é espiritual?


I o . O Rei é Soberano espiritual, e não terreno - Mat. 20:28;
João 18:36.
2 o . Seu trono está à direita de Deus - Atos 2:33.
3 o . Seu cetro é espiritual - Is. 53:1; Sal. 110:2.
4 o . Os cidadãos do Seu reino são homens espirituais - Fil.
3:20; Ef. 2:19.
5 o . O modo como exerce o Seu governo é espiritual - Zac.
4:6,7.
6 o . Suas leis são espirituais - 1 Cor. 5:4-11; 2 Cor. 10:4;
Ef. 1:3-8; 2 Tim. 4:2; Tito 2:15.

8. Qual a extensão dos poderes de que Cristo tem investido Sua


Igreja visível?
Com relação ao magistrado civil, a Igreja é absolutamente
independente. Em sujeição à autoridade suprema de Cristo o
Cabeça, os poderes da Igreja são unicamente -
I o . D e c l a r a t i v o s , isto é, c o n s i s t e m em e x p l i c a r as
Escrituras, que são a regra perfeita de vida e fé, e assim dar
testemunho da verdade e promulgá-la em credos e confissões,
no púlpito e pela imprensa.
2 o . Ministeriais, isto é, consistem em organizar-se segundo
o modelo fornecido na Palavra, e então administrar, por meio
dos oficiais próprios, os sacramentos, as leis e a disciplina
prescritas pelo Mestre, e fazer provisão para a proclamação do

600
Reinado Medianeiro de Cristo

evangelho do reino a toda a criatura h u m a n a - Is. 8:20; D e u t .


4:2; Mat. 28:18-20; H e b . 13:17; 1 Ped. 2:4.
i ;f?. •}_ r- . t f .
9. Quais são as condições de admissão no reino de Cristo?
Simplesmente o reconhecimento prático da autoridade do
Soberano. Como Ele e o m o d o inteiro da Sua administração
são espirituais, é claro que é preciso entender a sua autoridade
e sujeitar-se praticamente a ela, de c o n f o r m i d a d e com a sua
n a t u r e z a e s p i r i t u a l . É esta a fé e s p i r i t u a l q u e e n v o l v e
iluminação e s p i r i t u a l - J o ã o 3:3,5; 1:12; 1 Cor. 12:3.

10. Qual a doutrina romana quanto à relação da Igreja com o


Estado?
Segundo a doutrina romana estritamente lógica, o Estado
é tão-somente uma fase da Igreja. Sendo a nação inteira, em
todos os seus m e m b r o s , u m a parte da Igreja u n i v e r s a l , a
organização civil está c o m p r e e n d i d a na Igreja para certos fins
especiais e subordinados, e é responsável ante a Igreja pelo
exercício de todos os poderes que lhe foram delegados.
A Primeira Constituição sobre a Igreja, Concílio do Vaticano,
1870, cap.4, afirma que o juízo do papa, pronunciadoex-cathe-
dra, c o m o pastor e doutor de todos os cristãos, sobre qualquer
questão de fé ou de moral, é infalível e i r r e f o r m á v e l . Esta
infalibilidade é pessoal, independente, separada e absoluta. Isso
abrange todas as matérias de fato e doutrinas reveladas, e todas
as demais matérias de fato e de verdades não reveladas, mas
que se acham envolvidas na defesa daquilo que está revelado.
No capítulo 3 declara-se que a autoridade suprema do papa
infalível estende-se "ao supremo e pleno poder de jurisdição
sobre a Igreja universal, não somente nas coisas pertencentes à
fé e à moral,mas também nas que dizem respeito à sua disciplina
e ao seu governo".
No "Sílabo papal de Enos" 1864, enviado a todos os bispos
pela autoridade do papa, é condenada a liberdade religiosa, é
a f i r m a d o o direito da igreja (romana) de obrigar pela força à

601
Capítulo 21

obediência a seus decretos, e é declarado nulo o casamento


daqueles que se recusam a aceitar o sacramento r o m a n o do
m a t r i m ô n i o . (Veja as proposições afirmativas publicadas, com
a aprovação do papa, por E Clemens Schrader).
O próprio Pio IX, em sua resposta à Mensagem da Academia
da Religião Católica (21 de julho de 1873) declarou que o papa
possui o direito, do qual se vale com propriedade, de, em
circunstâncias favoráveis, "poder passar juízo m e s m o sobre os
negócios civis e sobre os atos dos príncipes e das nações".
O arcebispo M a n n i n g , em Ccesarism and Ultramontanism,
p. 35, diz: "Se, pois, o poder civil não é competente para definir
os limites do poder espiritual, e se o poder espiritual pode,
com certeza divina, definir os seus próprios limites, este é
e v i d e n t e m e n t e divino. O u , p o r o u t r a , o p o d e r espiritual
conhece, com certeza divina, os limites da sua própria juris-
dição, e por isso conhece os limites e a competência do poder
civil". E mais: "Qualquer poder que seja i n d e p e n d e n t e e o
único que pode fixar os limites da sua própria jurisdição, e
que, assim, pode fixar os limites de outra jurisdição qualquer,
é ipso facto supremo". Veja "The Vatican Decrees in their bearing
on Civil Allegiance", de autoria de W m . E. Gladstone, e sua
"Answer to Reproofs and Rephes

11. Qual a doutrina erastiana quanto à relação da Igreja com


o Estado?
Essa doutrina, cujo n o m e deriva de Erasto, médico que
residia em Heidelberg, no século 16, é precisamente o contrário
da doutrina romana, e considera a Igreja somente como u m a
fase do Estado. O Estado, instituído divinamente com o fim
de c u i d a r de todas as necessidades, q u e r t e m p o r a i s q u e r
espirituais, dos homens, está, pois, encarregado do dever de
cuidar da disseminação da doutrina pura e da administração
devida dos sacramentos e da disciplina. E, portanto, dever do
Estado sustentar a Igreja, nomear seus oficiais, definir suas
leis e velar sobre a sua administração.

602
Reinado Medianeiro de Cristo

12. Qual é a doutrina comum das igrejas reformadas sobre


este ponto? u tnvzi cs-'
Q u e a Igreja e o Estado são ambos instituições divinas,
tendo fins diversos e, em todos os aspectos, independentes u m a
da outra. Os membros e os oficiais da Igreja são, como homens,
m e m b r o s do Estado e têm o dever de serem bons cidadãos; e
os m e m b r o s e os oficiais do E s t a d o , se são c r i s t ã o s , são
m e m b r o s da Igreja e, como tais, sujeitos às suas leis. Mas, n e m
os oficiais nem as leis de qualquer das duas instituições têm
qualquer autoridade dentro da esfera da outra.

13. Qual a idéia e a finalidade do Estado? -


O governo civil é instituição divina, e tem por fim proteger
os h o m e n s no gozo de seus direitos civis. Portanto, recebeu de
Deus autoridade para definir os direitos que dizem respeito a
todas as questões de pessoa e de propriedade, cuidar da sua
vindicação, regular a intercomunicação e cuidar de todos os
meios necessários para a sua própria segurança. -

14. Qual a finalidade da Igreja Visível?


E u m a instituição divina e tem por fim servir de meio
para conseguir a salvação dos h o m e n s . Com este fim ela foi
instituída especialmente -
I o . Para levar os h o m e n s ao c o n h e c i m e n t o da verdade.
2 o . Para torná-los obedientes à verdade e exercer suas graças
pela profissão pública de fé em Cristo, pela c o m u n h ã o com
s e u s i r m ã o s e p e l a a d m i n i s t r a ç ã o das o r d e n a n ç a s e da
disciplina.
3 o . Para constituir o t e s t e m u n h o visível e o tipo profético
da Igreja invisível e espiritual.

15. Quais os deveres dos oficiais do Estado com relação à Igreja?


O Estado é instituição divina e seus oficiais são ministros
de D e u s - R o m a n o s 13:1-4. Cristo o Mediador é, como fato
revelado, o "Governador das Nações", o "Rei dos reis e Senhor

603
Capítulo 27 >

dos senhores", Apoc. 19:16; Mat. 28:18; Fil. 2:9-11; Ef. 1:17-
23; e as Escrituras Sagradas são regra infalível de vida e fé para
todos os h o m e n s em todas as condições.
Segue-se, pois -
I o . Q u e todas as nações d e v e r i a m r e c o n h e c e r expli-
citamente ao Cristo de D e u s como o Governador supremo, e
Sua v o n t a d e r e v e l a d a c o m o a lei s u p r e m a do p a í s , aos
princípios gerais da qual se deveria conformar toda a legislação
especial.
2°. Q u e todos os oficiais civis deveriam fazer da glória de
D e u s o seu fim e tomar como seu guia a vontade revelada de
Deus.
3 o . Que, posto que n ã o se devesse fazer distinção entre as
diversas denominações cristãs, e se devesse conceder a todos
os seres h u m a n o s perfeita liberdade de consciência e de culto,
c o n t u d o , o m a g i s t r a d o civil deveria p r o c u r a r p r o m o v e r a
piedade b e m como a ordem civil (Conf. de Fé, cap.23, § 2).
Não deveriam fazer isso tomando sobre si funções eclesiásticas,
n e m procurando patrocinar ou dirigir a Igreja, e sim, por meio
d o seu e x e m p l o p e s s o a l , d a n d o p r o t e ç ã o i m p a r c i a l à s
propriedades das igrejas, facilitando os seus trabalhos, fazendo
e t o r n a n d o eficazes leis concebidas no verdadeiro espírito do
evangelho, e especialmente m a n t e n d o invioláveis o d o m i n g o
e o casamento cristãos, e fornecendo ensino cristão nas escolas
públicas.

16. Qual a relação que nos Estados Unidos da América a lei


civil mantém com as constituições, a disciplina e as propriedades
das diversas igrejas?
A. FATOS DA HISTÓRIA -
I o . Na Inglaterra a Igreja estabelecida (Anglicana) é u m a
corporação criada e dirigida pelo Estado.
2 o . Na maior parte das colônias americanas, no princípio
o E s t a d o t o m o u sobre si a direção absoluta dos negócios
eclesiásticos e concedeu os direitos de cidadão somente aos

604
Reinado Medianeiro de Cristo
;
que professavam certas doutrinas religiosas.
B . FATOS A T U A I S -
I o . A Constituição dos Estados Unidos declara que " N u n c a
será exigida u m a prova religiosa c o m o q u a l i f i c a ç ã o p a r a
qualquer ofício ou emprego público sob a chancela dos Estados
U n i d o s , e o C o n g r e s s o não fará lei a l g u m a a respeito do
estabelecimento de religião ou p r o i b i n d o seu livre exercício".
As constituições dos diversos estados contêm declarações no
m e s m o sentido.
2 o . N u m sentido geral, o cristianismo é, como fato histó-
rico, elemento essencial da lei c o m u m da Inglaterra, b e m
como da dos Estados U n i d o s (com exceção de alguns estados,
c o m o os de L u i s i a n a , Texas, N o v o México, e Califórnia),
incorporado em nossos costumes, princípios, precedentes, etc.*
3 o . O cristianismo é reconhecido pela lei civil como a
religião histórica e atual de imensa maioria dos cidadãos dos
Estados Unidos. A fé cristã e as instituições pelas quais se
manifesta devem, portanto, ser respeitadas e protegidas pela
lei civil.
4 o . A lei civil reconhece, pois, a Igreja, e t a m b é m que ela
tem um caráter histórico e que é um elemento i m p o r t a n t e da
sociedade. Reconhece e protege seu direito de existir e de gozar
da posse de seus privilégios e poderes legítimos. Assim a lei
civil reconhece e protege (1) a a u t o n o m i a da Igreja quanto a
(a) seu m o d o geral de governo e (b) sua disciplina das pessoas;
(2) os direitos de cada igreja, como organização, sobre seus
bens.
5 o . Os tribunais civis reconhecem como finais as decisões
dos t r i b u n a i s eclesiásticos q u a n t o (1) aos que devam ser
considerados como m e m b r o s da igreja, e (2) aos que devam
ser considerados como oficiais espirituais da igreja. Os tribunais

* Caso de "Updegraff contra aCommonwealth da Pensilvânia", 11 S. e R. 400,


perante o Tribunal Supremo. Juízes; Duncan, Tilghman e Gibson; 1824.

605
Capítulo 21

civis não têm a pretensão de reformar as decisões de n e n h u m


t r i b u n a l eclesiástico, c o m o fim de d e t e r m i n a r (1) se foi
d e v i d a m e n t e constituído (isto é, se o tribunal eclesiástico em
questão é reconhecido pela autoridade superior existente na
igreja), n e m (2) se, depois de constituído, observou e confor-
mou-se em t u d o a suas próprias regras".
O Juiz Rogers, do S u p r e m o Tribunal da Pensilvânia, no
caso da Igreja Alemã Reformada do C o n d a d o de L e b a n o n ,
Pensilvânia, disse: "As decisões dos tribunais eclesiásticos,
como as de qualquer outro tribunal judicial, são finais, p o r q u e
eles são os melhores juízes para a determinação do que constitui
u m a ofensa contra a Palavra de Deus e contra a constituição da
Sua Igreja".
O S u p r e m o Tribunal dos Estados Unidos, quanto ào caso
que envolveu a Igreja da Rua Walnut, Louisville, Kentucky,
1872, decidiu -
(1) Q u a n d o a d i s p u t a versar s o b r e m a t é r i a e s t r i t a e
p u r a m e n t e eclesiástica em seu caráter, matéria que diga respeito
a controvérsias teológicas, à disciplina da Igreja, ao governo
eclesiástico ou à c o n d u t a moral dos m e m b r o s , e sobre a qual
os t r i b u n a i s eclesiásticos disserem que têm jurisdição, os
t r i b u n a i s civis n ã o a s s u m i r ã o j u r i s d i ç ã o - n e m m e s m o
inquirirão do direito de jurisdição do (respectivo) t r i b u n a l
eclesiástico.
(2) Um tribunal espiritual é o juiz exclusivo da sua própria
jurisdição; sua decisão sobre essa questão c o m p r o m e t e os
tribunais seculares. Veja Dr. W m . E. Moore, em Presbyterian
Digest, pág. 251.
6 o . A lei civil reconhece o direito da Igreja de disciplinar
seus m e m b r o s . M e s m o a declaração pública, feita de
conformidade com as regras de ordem (governo) de uma igreja
da qual um m e m b r o tenha sido excomungado (excluído) por
ter cometido uma ofensa tida como infame pela lei, é justificada,
e perante a lei tal publicação não é injúria.
7 o . A igreja ou "sociedade eclesiástica" p r o p r i a m e n t e dita

606
í Reinado Medianeiro de Cristo

é distinta da "sociedade religiosa", criada e incorporada com o


fim de possuir bens para uso daquela. Estas sociedades
religiosas incorporadas são regidas segundo as suas cartas de
i n c o r p o r a ç ã o e os r e g u l a m e n t o s i n t e r n o s f o r m u l a d o s de
c o n f o r m i d a d e c o m as cartas; elas possuem bens por meio de
curadores, e são v i r t u a l m e n t e sociedades civis, tanto como os
bancos ou as c o m p a n h i a s de estradas de ferro. Estão sujeitas à
lei como as outras corporações. Estão sujeitas a serem visitadas.
Há r e m é d i o legal contra a intrusão nos seus escritórios, mas
elas p o d e m s o f r e r r e s t r i ç ã o p o r a d m i n i s t r a r e m m a l o u
e m p r e g a r e m m a l os b e n s a seu c u i d a d o . Seus artigos de
associação e os regulamentos feitos de c o n f o r m i d a d e com suas
cartas de incorporação, providenciando sobre eleições, reuniões,
e sobre a direção de seus negócios t e m p o r a i s , p o d e m ser
m u d a d o s , contanto que nada se faça contrário às cartas de
incorporação; p o r é m , e n q u a n t o existirem (tais artigos), serão
obrigatórios para todos os membros. Conformidade substancial
com eles é indispensável para a validade das transações seculares
e p o d e m ser revistos pelos tribunais civis.
8 o . Q u a n d o o "Testamento" ou a "Escritura de Doação"
ou os "Termos de Subscrição", ou a carta de incorporação de
u m a igreja não prescrever n e m (1) alguma doutrina específica,
n e m (2) alguma f o r m a especial de governo eclesiástico, n e m
(3) conexão com alguma denominação religiosa definida, a
maioria dos m e m b r o s dessa igreja dirigirá o emprego dos bens
seculares e, no caso de m u d a n ç a de doutrina, disciplina ou
conexão d e n o m i n a c i o n a l , levará consigo a posse da
propriedade.
M a s q u a n d o a doutrina, a forma de governo ou a conexão
eclesiástica se achar definida pelos donos originais ou pela carta
de incorporação da igreja, os tribunais civis farão respeitar todos
os t e r m o s e condições mencionados nas diversas escrituras
públicas. Em tal caso, se a maioria dos m e m b r o s fizer qualquer
m u d a n ç a em qualquer desses pontos essenciais, ela, por maior
que seja, perderá todos os direitos sobre a direção dos bens da

607
Capítulo 27

igreja, e a minoria, por m e n o r que seja, será m a n t i d a na posse


deles. E, em todos os casos s e m e l h a n t e s , os t r i b u n a i s se
conformarão, em suas decisões, às dos tribunais eclesiásticos
superiores como finais. Veja Lectures by Wm. Strong, L L . D . ,
Juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, 1875.

17. Quais são as jurisdições relativas das "Mesas de Curadores " •]


e das "Sessões" de nossas igrejas presbiterianas sobre as casas de j
culto pertencentes às suas respectivas congregações? <
A "Sessão" é a única corporação de oficiais congregacionais j
reconhecida em nossa constituição eclesiástica. A "Mesa de •
Curadores" é p r o d u t o dos tribunais civis, a qual foi instituída
com o fim de ser o guardião dos bens congregacionais.
Q u a n t o às suas respectivas jurisdições, as decisões dos
tribunais civis e as da Assembléia Geral estão de acordo. Os
curadores são investidos do direito legal às propriedades, e são
seus guardas "para os usos e fins para os quais lhes foram
confiadas", a saber, o culto divino etc., segundo a ordem da
igreja à qual as propriedades pertençam, inclusive as reuniões
para tratar dos negócios temporais da congregação. A sessão
está e n c a r r e g a d a da direção dos interesses e s p i r i t u a i s da
congregação, inclusive o direito de dirigir e regular o uso do
edifício para s e m e l h a n t e s fins. No S u p r e m o Tribunal dos
Estados Unidos, no caso da Igreja da Rua Walnut, de Louisville,
foram enunciados os seguintes princípios: "1. Pelos atos da
legislatura criando os curadores de uma igreja, em corporação,
e p e l a s r e g r a s r e c o n h e c i d a s da I g r e j a P r e s b i t e r i a n a , os
curadores são mera e n o m i n a l m e n t e portadores dos títulos e
os guardas dos bens da igreja. 2. No uso dos bens para serviços
religiosos, ou fins eclesiásticos, os curadores estão sujeitos à
direção da sessão da igreja". N u m a contenda entre os curadores
e a sessão de u m a igreja em Filadélfia, a respeito de um
organista, a questão foi levada perante o Supremo Tribunal da
Pensilvânia, que decidiu que o culto da congregação estava
sob a direção da sessão, que o serviço de cânticos era parte do

608
Reinado Medianeiro de Cristo

culto, e que, por isso, era só a sessão que podia n o m e a r o


organista. Os tribunais civis m a n t ê m com m u i t a firmeza os
direitos e privilégios do culto religioso e das igrejas, e exigem
fidelidade aos compromissos aceitos.

18. Quais os deveres da Igreja com relação ao Estado?


I o . A Igreja deve obediência ao Estado no exercício da sua
autoridade legal sobre as propriedades públicas da Igreja.
2 o . Está com a obrigação de usar todos os meios legais ao
seu alcance para levar o evangelho a todos os m e m b r o s do
Estado. Além disso ela não tem dever a l g u m p a r a com o
Estado.

19. Em que sentido Cristo vai restituir Seu reino ao Pai, e em


que sentido há de permanecer para sempre a Sua soberania
medianeira?
Parece-nos que a suma do que nos está revelado sobre estes
pontos é que, depois da plena glorificação do Seu povo e da
destruição dos Seus inimigos, Cristo abdicará da Sua autori-
dade medianeira sobre o universo, que Ele a d m i n i s t r o u como
D e u s - h o m e m , para que a Deidade absoluta seja imediatamente
tudo em tudo para a criatura (para que Deus seja tudo em todos)
- 1 Cor. 15:24-28. Mas a Sua soberania medianeira sobre o Seu
próprio povo, inclusive os ofícios de profeta, sacerdote e rei,
há de permanecer para sempre. Isto é certo -
I o . Porque Ele é sacerdote para sempre, e do Seu reino
não haverá fim - Sal. 110:4; Dan. 7:14; Luc. 1:33.
2 0 . A união pessoal entre as Suas naturezas divina e h u m a n a
há de permanecer para sempre.
3 o . Como Mediador Ele é o Cabeça da Sua Igreja, que é a
p l e n i t u d e (complemento) dEle, e a consumação das bodas do
Cordeiro é o princípio do céu - Apoc. 19:7; 21:2,9.
4 o . As Escrituras nos dizem que Ele, como " u m Cordeiro
que foi morto", está no céu e no trono; que Ele será sempre o
templo e a luz da cidade; que apascentará sempre o Seu povo

609
e o levará às fontes das águas vivas - Apoc. 5:6; 7:17; 22:22,23.

C R I S T O E X E C U T O U O SEU O F Í C I O
D E M E D I A D O R T A N T O N O SEU E S T A D O
D E H U M I L H A Ç Ã O C O M O N O D E EXALTAÇAO.

20. Em que consiste a humilhação de Cristo?


Veja o Catecismo Maior, Pergs. 46 e 50, e o Breve Catecismo,
Perg. 27.

21. Em que sentido Cristo foi sujeito à lei, e como isso foi um
ato de humilhação?
Em Sua encarnação, Cristo nasceu s u b s t i t u i n d o exata-
m e n t e o Seu povo em sua relação com a lei, e manteve c o m a
lei exatamente a mesma relação mantida por Seu povo. Nasceu,
pois, sujeito à lei, como se vê , I o . Como regra de dever, 2 .
C o m o aliança de vida; 3 o . C o m o aliança violada, em cuja
maldição a raça h u m a n a já incorrera. Assumir Ele volun-
t a r i a m e n t e essa posição foi p r o e m i n e n t e m e n t e um ato e
h u m i l h a ç ã o : I o . O ato pelo qual E l e a s s u m i u a n a t u r e z a
h u m a n a foi voluntário. 2 o . Depois da Sua encarnação, ua
Pessoa p e r m a n e c e u divina, e, c u m p r i n d o as exigências a ei
sobre pessoas e não sobre naturezas, Sua submissão a essas
exigências foi p u r a m e n t e gratuita. 3 o . Esta Sua condescendência
é realçada i n f i n i t a m e n t e pelo fato d E l e aceitar a maldição a
lei como aliança de vida já violada - Gál. 3:10-13; 4:4,5.

22. Em que sentido sofreu Cristo a maldição da lei, e como foi


isso possível ao Filho amado de Deus? f .
O Pai d e c l a r o u m u i t a s vezes que Cristo, em Sua própria
Pessoa, a b s o l u t a m e n t e considerada, era Seu " F i l h o amado ,
do qual disse: " e m q u e m me c o m p r a z o " , Mateus 3:17; 2 Ped.
1:17; e Ele s e m p r e fez o que era do agrado de D e u s Pai - João
8:29. C o n t u d o , no exercício do Seu ofício de Mediador, Ele
tinha t o m a d o o nosso lugar e t i n h a a s s u m i d o a culpa de nossos

610
Reinado Medianeiro de Cristo

pecados. Portanto, a ira de Deus, que Cristo levou sobre Si, foi
o desagrado infinito de D e u s causado pelos nossos pecados, e
esse desagrado concretizou-se vicariamente na Pessoa de Cristo,
p o r q u e sobre Ele foi posta a i n i q ü i d a d e de todos nós - Mat.
26:42,54; Luc. 24:44-46; João 19:30.

23. Quais as diversas interpretações da frase do Credo dos


Apóstolos, "desceu ao inferno" ou "ao Hades"?
A frase katábasis eis ádon, descensus ad inferos, foi u m a das
últimas a serem incorporadas no antigo Credo. Supõe-se que
foi derivada de Sal. 16:10; Atos 2:27; 1 Ped. 4:18-20. Veja:
I o . A igreja católica r o m a n a , sobre o f u n d a m e n t o de u m a
antiga tradição, interpreta essa frase no sentido de que Cristo,
depois de Sua morte, foi, em Sua Pessoa inteira, c o m o Deus-
- h o m e m , aoLimbus Patrum, imaginária parte do Hades em que
os santos do Velho Testamento estariam esperando a revelação
e a aplicação a eles da salvação por Ele alcançada. Ali Ele teria
pregado o evangelho e os teria levado para o céu. Veja abaixo,
Cat. do Cone. de Trento.
2 o . Os luteranos sustentam que a m o r t e de Cristo foi o
último passo da Sua humilhação e que a Sua descida ao Hades
foi o p r i m e i r o da Sua exaltação, porque foi revelar e consumar
Sua vitória sobre satanás e sobre os poderes das trevas, e
p r o n u n c i a r Sua sentença de condenação.
3 o . A Igreja da Inglaterra (Anglicana) afirma em seu 3 o .
artigo: "Assim como Cristo morreu por nós e foi sepultado,
assim t a m b é m devemos crer que Ele desceu ao inferno". No
p r i m e i r o livro de E d u a r d o VI acha-se a seguinte exposição,
mais completa: "O corpo de Cristo ficou no sepulcro até à Sua
ressurreição, mas Seu espírito partiu dEle e esteve com os
espíritos que estavam no cárcere, ou no inferno, e pregou aos
mesmos, como testifica a passagem de Pedro". O bispo Pearson,
em suaExposition of the Creed, ensina que Cristo realmente foi
ao lugar dos condenados para consumar a expiação dos pecados
h u m a n o s e destruir o poder do inferno sobre os Seus remidos.

611
Capítulo 27 .<

4 o . Calvino (Instituías, Liv. 2, cap.16, § 10) interpreta essa


frase metaforicamente, dizendo que exprime os sofrimentos
penais de Cristo na cruz. Nossa Conf. de Fé afixa ao Credo a
cláusula explicativa, "permaneceu no estado dos mortos", e a
Igreja Episcopal Americana afixa a cláusula equivalente, "foi
ao lugar dos espíritos dos mortos". Isto é, Cristo era verdadeiro
h o m e m , consistindo de corpo e alma, e Sua m o r t e foi u m a
verdadeira morte, e, deixando Seu corpo, a alma foi para o
m u n d o invisível dos espíritos, o n d e teve u m a existência
separada mas cônscia, até à Sua ressurreição.

24. Qual o verdadeiro sentido de 1 Pedro 3:19-21?


E passagem m u i t o obscura. A interpretação romana, já
dada na resposta à pergunta anterior, é que Cristo foi aoLimbus
Patrum e pregou o evangelho aos espíritos presos que espe-
ravam o Seu advento.
A interpretação c o m u m dos protestantes é que Cristo foi
m o r t o fisicamente, mas vivificado, ou restaurado à vida, pelo
Espírito, Espírito pelo qual, inspirando a Noé como pregador
da justiça, Cristo, muitos séculos antes, t i n h a descido do céu e
pregado aos h o m e n s daquela geração. Estes, em seus pecados
e em sua incredulidade, eram os "espíritos em prisão". Somente
oito pessoas creram e foram salvas; por isso os cristãos professos
e os pregadores do evangelho não devem ficar desanimados
face à incredulidade dos h o m e n s atualmente.
O u t r a interpretação, sugerida pelo arcebispo L e i g h t o n
n u m a nota, como sua última opinião, e explicada largamente
p e l o f a l e c i d o D r . B r o w n , de E d i m b u r g o , é q u e C r i s t o ,
m o r r e n d o fisicamente como sacrifício vicário, é vivificado no
espírito, isto é, vivificado espiritualmente, manifestado como
Salvador perfeito n u m grau m u i t o superior ao que foi possível
a n t e s ; m o r r e n d o c o m o um grão de trigo, Ele c o m e ç o u a
produzir m u i t o f r u t o ; e vivificado assim, Ele agora, por meio
da inspiração do Espírito, prega aos "espíritos em prisão", isto
é, aos prisioneiros do pecado e de satanás, do m e s m o m o d o

612
Reinado Medianeiro de Cristo

como t i n h a feito anteriormente, posto que c o m m e n o r poder,


por meio de N o é e de todos os profetas, q u a n d o os espíritos
eram desobedientes; sob o ministério de N o é foram salvas só
oito almas; p o r é m depois de vivificado Cristo no espírito, isto
é, depois de manifestado como o Salvador perfeito, m u l t i d õ e s
tem crido.

25. Hm que consiste a exaltação de Cristo?


Veja o Breve Cat., Perg. 28, e o Cat. Maior, Pergs. 51-54.

26. Como era possível que o Filho coigual a Deus fosse exaltado?
C o m o F i l h o coigual a Deus era impossível, mas a Sua
Pessoa, como D e u s h o m e m , podia ser exaltada em diversos
aspectos. Veja:
I o . Em conseqüência da união de Suas naturezas divina e
h u m a n a , a manifestação externa da glória da Sua Pessoa t i n h a
sido escondida aos olhos das criaturas.
2 o . Como Mediador, Ele ocupou oficialmente u m a posição
inferior à do Pai, pois condescendeu em ocupar o lugar dos
pecadores. T i n h a sido h u m i l h a d o m a i s d o que p o d e m o s
conceber e, como prêmio da Sua auto-humilhação voluntária,
o Pai O exaltou muitíssimo - Fil. 2:8,9; Heb. 12:2; Apoc. 5:6.
3 o . Sua alma h u m a n a e Seu corpo foram exaltados em grau
para nós inconcebível - Mat. 17:2; Apoc. 1:12-16; 20:11.

27. Quais as diversas fontes que estabelecem a ressurreição de


Cristo?
I o . O Velho Testamento a predisse. Compare Sal: 16.10
com Atos 2:24-31. Todas as demais predições a respeito do
M e s s i a s f o r a m c u m p r i d a s em C r i s t o , o q u e c o n f i r m a o
c u m p r i m e n t o desta também.
2 o . Cristo m e s m o a predisse e, por conseguinte, sendo Ele
o p r o f e t a v e r d a d e i r o , Sua p r e d i ç ã o c u m p r i u - s e em Sua
ressurreição - Mat. 20:19; João 10:18.
3°. T o m a n d o - s e em consideração a origem e o caráter

613
Capítulo 27

extraordinários de Cristo, o evento em apreço não t i n h a contra


si n e n h u m a improbabilidade antecedente.
4 o . O t e s t e m u n h o dos onze apóstolos. Os escritos destes
h o m e n s p r o v a m que eles eram bons, inteligentes e sérios, e
cada um deles teve muitas oportunidades para verificar o fato;
e eles selaram o seu t e s t e m u n h o com o seu sangue - Atos 1:3.
5 o . O t e s t e m u n h o i n d e p e n d e n t e de Paulo. Este, c o m o
quem nasceu fora do tempo devido, viu seu Senhor ressuscitado
e recebeu dEle, pessoalmente, Sua revelação e Sua comissão -
I C o r . 15:8; Gál. 1:12; Atos 9:3-8.
6 o . Foi visto por mais de quinhentos irmãos juntos, e Paulo
apela para eles - 1 Cor. 15:6.
7 o . A m u d a n ç a do dia de descanso semanal do último para
o p r i m e i r o dia da semana é um m o n u m e n t o do t e s t e m u n h o
concorde de toda a primeira geração de cristãos do fato da sua
fé na ressurreição de Cristo.
8 o . Os milagres operados pelos apóstolos foram os selos
postos p o r D e u s no t e s t e m u n h o dado por eles de que Ele
ressuscitou a Cristo - H e b . 2:4.
9 o . O t e s t e m u n h o do Espírito Santo, a c o m p a n h a n d o a
pregação dos apóstolos e h o n r a n d o a sua doutrina e os seus
trabalhos, não s o m e n t e por meio de milagres, e sim t a m b é m
por Seu poder de santificar, elevar e consolar - Atos 5:32 (Dr.
Hodge).

28. Pelo poder de quem Cristo ressurgiu?


As Escrituras atribuem a ressurreição de Cristo -
I o . A Ele m e s m o - J o ã o 2:19; 10:17.
2 o . Ao Pai - Atos 13:33; Rom. 10:9; Ef. 1:20.
A conciliação dessas duas proposições é feita pelo princípio
de que todos os atos do poder divino, concretizando-se em
objetos externos à Deidade, p o d e m ser atribuídos a qualquer
das Pessoas divinas, ou, em termos absolutos, à D e i d a d e - J o ã o
5:17-19.

614
Reinado Medianeiro de Cristo

29. Qual o fundamento da declaração feita pelo apóstolo de


que a nossa fé é vã se Cristo não ressuscitou (1 Cor. 15:14)?
I o . Se Cristo ressuscitou, Ele é o verdadeiro Messias e todas
as profecias de ambas as dispensações têm nesse fato um
penhor do seu cumprimento. Se Ele não ressuscitou, todas elas
são falsas.
2 o . Por Sua ressurreição ficou provado que Ele é o Filho
de Deus, Rom. 1:4, porque (1) Ele ressurgiu por Seu próprio
poder, e (2) Sua ressurreição autenticou tudo quanto Ele dissera
a respeito de Si mesmo.
3 0 . Em Sua ressurreição o Pai manifestou p u b l i c a m e n t e a
Sua aprovação e aceitação da obra realizada por Ele, Seu Filho,
como fiador do Seu povo. - Rom. 4:25.
4 o . Se Cristo ressurgiu, temos um advogado junto ao Pai -
Rom. 8:34; H e b . 9:11,12,24.
5 o . Se Cristo ressurgiu, temos certeza da vida eterna; se
Ele vive, nós t a m b é m viveremos - João 14:19; 1 Ped. 1:3-5.
6 o . E m c o n s e q ü ê n c i a d a u n i ã o e n t r e C r i s t o e Seus
m e m b r o s , que é tanto federal como espiritual, a Sua ressur-
reição é p e n h o r certo e seguro da nossa, (1) porque, assim como
m o r r e m o s em Adão, seremos vivificados em Cristo, 1 Cor.
15:21,22; e (2) em razão do Seu Espírito, que mora em nós -
Rom. 8:11; 1 Cor. 6:15; 1 Tess. 4:14.
7 o . A ressurreição de Cristo elucida e determina a nossa, e
a torna certa e segura - 1 Cor. 15:49; Fil. 3:21; 1 João 3 : 2 - D r .
Hodge.

30. Quando, onde e na presença de quem Cristo subiu ao céu?


Subiu quarenta dias depois da Sua ressurreição, de um
certo lugar situado no M o n t e das Oliveiras, perto da vila de
Betânia, na presença dos onze apóstolos e talvez de outros
discípulos, e n q u a n t o Ele os abençoava e enquanto eles O viam
e olhavam a t e n t a m e n t e para Ele. Lucas diz, além disso, que se
achavam dois varões glorificados; estes o Prof. J. A. Alexander
c o n j e t u r a que f o r a m Moisés e Elias. Estava a c o m p a n h a d o

615
Capítulo 21

t a m b é m de anjos celebrando Sua vitória sobre o pecado, e Sua


exaltação ao Seu trono de Mediador - Luc. 24:50,51; Mar.
16:19; Atos 1:9-11; Ef. 4:8; Col. 2:13-15; Sal. 24:8-11; 78:19.

31. Quais as diversas opiniões quanto à natureza da ascensão


de Cristo?
Aqueles que, como os luteranos, crêem que o corpo de
Cristo está onipresente para a Sua Igreja sustentam, como é
natural, que em Sua ascensão Ele não m u d o u de local e sim
retirou-Se do anterior trato sensorial que Ele m a n t i n h a com
Seus discípulos.
O certo é, porém, que Sua alma e Seu corpo passaram
realmente da terra para a morada dos bem-aventurados, e que
a Sua Pessoa inteira, como D e u s - h o m e m , foi gloriosamente
exaltada. Ele subiu como Mediador, t r i u n f a n d o sobre os Seus
inimigos e concedendo dons aos Seus amigos, - Ef 4:8-12; para
completar Sua obra medianeira - João 14:2,3; como o Precur-
sor do Seu povo, Heb. 6:20; e para encher o universo com as
manifestações da Sua glória e do Seu poder - Ef. 4:20.

32. Que é que a"sessão"de Cristo à direita de Seu Pai abrange?


Veja Sal. 110:1; Mar. 16:19; Rom. 8:34; Ef. 1:20,22; Col.
3:1; H e b . 1:3,4; 10:12; 1 Ped. 3:22.
É evidente que a palavra "sessão" (que se refere ao ato de
assentar-se) é empregada f i g u r a d a m e n t e neste contexto. No
entanto, ao m e s m o tempo expõe expressivamente a suprema
glorificação de Cristo no céu. Apresenta-O como o D e u s -
h o m e m , e no Seu ofício de Mediador exaltado à glória e à
felicidade supremas e universais, como também dotado de
poder sobre todos os principados e potestades e sobre todo
n o m e que se nomeia - Heb. 2:9; Sal.15:12; Mat. 26:64; Dan.
7:13,14; Fil. 2:9,11; Apoc. 5:6; assumindo assim, publica-
m e n t e , o Seu trono como Sacerdote e Rei medianeiro sobre o
universo, a b e m da Sua Igreja.

616
Reinado Medianeiro de Cristo

CRISTO, ASSENTADO SOBRE ESSE TRONO, DURANTE A


PRESENTE DISPENSAÇÀO, COMO MEDIADOR, APLICA EFI-
( :AZMENTE AO SEU POVO, POR MEIO DO SEU ESPÍRITO, A
SALVAÇÃO QUE PREVIAMENTE HAVIA ADQUIRIDO PARA ELES
EM SEU ESTADO DE HUMILHAÇÃO.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS DE DOUTRINAS

DOUTRINA ROMANA - Cat. Cone. de Trento, P a r t e 1,


cap. 6: " P r o f e s s a m o s , pois, que, logo depois da m o r t e de
Cristo, Sua alma desceu ao inferno... Mas confessamos ao
m e s m o tempo, por estas palavras, que a m e s m a Pessoa de
Cristo estava ao m e s m o t e m p o no i n f e r n o e no sepulcro,
porque... p o s t o que Sua a l m a partisse do Seu corpo, Sua
deidade n u n c a esteve separada n e m do corpo n e m da
a l m a . . . A p a l a v r a " i n f e r n o " r e f e r e - s e à q u e l a s moradas
o c u l t a s o n d e são d e t i d a s a s a l m a s d a q u e l e s q u e n ã o
a l c a n ç a r a m a b e m - a v e n t u r a n ç a celestial... Essas m o r a d a s
não eram todas da m e s m a natureza... U m a terceira espécie
de receptáculo é aquele em que f o r a m recebidas as almas
dos santos q u e m o r r e r a m antes da vinda de Cristo, nosso
S e n h o r ; e o n d e , sem s e n t i m e n t o algum de dor, sustentadas
pela b e m - a v e n t u r a d a esperança de redenção, elas gozaram
m o r a d a tranqüila. As almas, pois, desses h o m e n s piedosos,
que, no seio de Abraão, e s p e r a v a m o Salvador, Cristo, o
Senhor, livrou, descendo ao inferno... Ele não desceu para
sofrer alguma coisa, e sim para livrar do lastimoso
a b a t i m e n t o d e s s e c a t i v e i r o os s a n t o s e j u s t o s , e p a r a
c o m u n i c a r - l h e s o f r u t o da Sua paixão".
DOUTRINA LUTERANA - Form. Concorditz (Hase), pág.
788: " C r e m o s , pois, s i m p l e s m e n t e , q u e a pessoa i n t e i r a ,
D e u s e h o m e m , d e p o i s de s e p u l t a d a , d e s c e u às regiões
inferiores, venceu a satanás, d e r r u b o u os poderes infernais
e t i r o u do d i a b o toda a força e toda a a u t o r i d a d e " . " E m
v i r t u d e desta u n i ã o e c o m u n h ã o pessoal, Ele operou todos
o s S e u s m i l a g r e s e m a n i f e s t o u Sua d i v i n a m a j e s t a d e ,
s e g u n d o a Sua l i b é r r i m a v o n t a d e , no t e m p o e do m o d o
q u e b e m lhe pareciam, não s o m e n t e depois da Sua

617
Capítulo 21

ressurreição e ascensão ao céu, p o r é m até m e s m o em Seu


estado de h u m i l h a ç ã o . Já tinha, com efeito, esta majestade
logo em Sua concepção, ainda no ventre de Sua mãe; mas,
c o m o diz o apóstolo (Fil. 2:7), despiu-Se (aniquilou-Se) a
Si m e s m o ; e, c o m o e n s i n a o D r . L u t e r o , E l e t i n h a esta
m a j e s t a d e s e c r e t a m e n t e no estado de Sua h u m i l h a ç ã o , e
n e m s e m p r e fez u s o dela, m a s , s i m , todas a s vezes q u e
L h e aprouve. Todavia agora, tendo subido ao céu, não de
m a n e i r a c o m u m , c o m o q u a l q u e r pessoa santa, e sim c o m o
o apóstolo testifica (Ef. 4:10) subiu acima de todos os céus,
e n c h e v e r d a d e i r a m e n t e todas as coisas e se acha presente
e m toda parte, e , n ã o s o m e n t e c o m o D e u s , m a s t a m b é m
c o m o h o m e m , Ele reina e governa de m a r a m a r e até às
e x t r e m i d a d e s da terra... Estas coisas, p o r é m , não se
f i z e r a m de um m o d o t e r r e n o , e sim, c o m o o D r . L u t e r o
c o s t u m a v a dizer, do m o d o e m a n e i r a da m ã o direita de
D e u s (pro modo et ratione dexterce Dei), que não é um lugar
l i m i t a d o e fixo no céu; e n t r e t a n t o significa n a d a m e n o s
q u e o p o d e r o n i p o t e n t e de D e u s , que e n c h e o céu e a terra
- na posse do qual C r i s t o e n t r a real e v e r d a d e i r a m e n t e
q u a n t o à Sua h u m a n i d a d e , s e m n e n h u m a c o n f u s ã o o u
igualação de Suas n a t u r e z a s (divina e h u m a n a ) , n e m
q u a n t o à Sua essência ou aos Seus atributos essenciais" -
págs. 767,768.

618
28

A Aplicação da Redenção Feita


por Cristo Como Rei Medianeiro
por Meio da Operação Pessoal
do Espírito Santo

VOCAÇÃO EFICAZ

1. Qual é o uso geral, no Novo Testamento, das palavras kaléin


(chamar), klêsis (vocação, chamamento) e kletós (chamado)?
A palavra kaléin é empregada nos sentidos, I o . de chamar
com a voz, João 10:3; Mar. 1:20; 2 o . de c h a m a r para fora,
intimar com autoridade, Atos 4:18. 24:2; 3 o . de convidar, Mat.
22:3; 9:13; 1 Tim. 6:12. Muitos são chamados, mas poucos são
escolhidos. 4 o . Da vocação eficaz do Espírito - Rom. 8:28-30;
1 Ped. 2:9; 5:10. 5 o . Da designação para um o f í c i o - H e b . 5:4.
6 o . No sentido de dar-se um nome, Mat. 1:21.
Klêsis encontra-se onze vezes no Novo Testamento, e em
todos os casos significa a vocação eficaz do Espírito Santo, com
exceção de 1 Coríntios 7:20, onde o termo é empregado como
s i n ô n i m o de ofício ou ocupação. Veja Rom. 11:29; 1 Cor. 1:26,
etc. -Lexicon de Robinson.
Kletós e n c o n t r a - s e dez vezes no N o v o T e s t a m e n t o . E
empregado como designação -
I o . D o s nomeados para algum ofício - Rom. 1:1.
2 o . Dos que recebem o chamado externo da Palavra - Mat.
20:16.

619
Capítulo 28

3 o . D o s chamados eficazmente - R o m . 1:7; 8:28; 1 Cor.


1:2,24; Jud., vers. 1; Apoc. 17:14.
A própria palavra ekklesía (igreja), designando a compa-
nhia dos fiéis, os herdeiros das promessas, significa, etimolo-
gicamente, a c o m p a n h i a c h a m a d a para fora, a corporação
constituída pela "vocação".

2. Que é que a vocação externa inclui?


I o . U m a declaração do plano de salvação.
2 o . U m a declaração do dever que o p e c a d o r t e m de
arrepender-se e crer.
3 o . U m a declaração dos motivos que devem influir no
espírito do pecador, como sejam o temor, a esperança, o remorso
ou a gratidão.
4°. U m a promessa de que serão aceitos todos os que se
c o n f o r m a r e m com as condições - Dr. Hodge.

3. Como se pode provar que a vocação externa para a salvação


é feita unicamente por meio da Palavra de Deus?
A lei de Deus, como se acha impressa na constituição
moral do h o m e m , é natural no homem e inseparável dele como
um ser responsável - Rom. 1:19,20; 2:14,15. O evangelho,
porém, não faz parte dessa lei natural. E da graça, e não da
n a t u r e z a , e é só p o r m e i o de u m a r e v e l a ç ã o e s p e c i a l e
sobrenatural que podemos chegar ao seu conhecimento.
Isso é evidente - I o . p o r q u e as Escrituras declaram que o
c o n h e c i m e n t o da Palavra é essencial à salvação, Rom. 10:14-
17; e, 2 o . p o r q u e declaram t a m b é m que os que fazem pouco
caso da Palavra, quer escrita quer pregada, cometem o grande
pecado de rejeitar a possibilidade de salvação - Mat. 11:21,22;
Heb. 2:3.

4. Segundo qual princípio essa vocação é dirigida aos não


eleitos bem como aos eleitos?
Que é dirigida i n d i s c r i m i n a d a m e n t e às duas classes

620
A Aplicação da Redenção..

li ca provado -
I o . Pela declaração expressa das Escrituras - Mat. 22:14.
2°. Pelo m a n d a m e n t o que ordena pregar o evangelho a
toda criatura - Mar. 16:15.
3 o . Pela promessa feita a todos os que o aceitam - Apoc.
22:17.
4 o . Pelo juízo terrível p r o n u n c i a d o sobre os que o rejeitam
- J o ã o 3:19; 16:9.
É dirigida de igual m o d o aos n ã o eleitos como aos eleitos
p o r q u e é de igual m o d o seu dever e do seu interesse aceitar o
evangelho; p o r q u e as provisões de salvação são de igual m o d o
adaptadas ao seu caso, e são a b u n d a n t e m e n t e suficientes para
lodos; p o r q u e D e u s quer que nos benefícios do evangelho
t e n h a m parte todos os que o aceitarem.

5. Como se pode provar que há uma vocação interna espiritual


distinta da vocação externa?
I o . Pelas passagens que distinguem entre a influência do
Espírito e a da Palavra - João 6:45,64,65; 1 Tess. 1:5,6.
2 o . Pelas passagens q u e e n s i n a m que a i n f l u ê n c i a do
Espírito é necessária para a aceitação da verdade - Ef. 1:17.
3 o . Pelas passagens que atribuem a D e u s t u d o q u a n t o de
bom há no h o m e m - Fil. 2:13; Ef. 2:8; 2 Tim. 2:25, e.g., a fé
e o arrependimento.
4 o . As Escrituras distinguem entre os dois c h a m a m e n t o s :
dos que recebem u m , dizem elas: "muitos são chamados, mas
poucos escolhidos"; dos que recebem o outro, dizem: "aos que
c h a m o u a estes t a m b é m j u s t i f i c o u " . D a q u e l e s D e u s diz:
" P o r q u e eu vos chamei e vós não quisestes ouvir" - Prov. 1:24
(Figueiredo). Dos outros Ele diz: "Todo aquele que do Pai
ouviu e aprendeu vem a m i m " - João 6:45.
5 o . Há u m a necessidade absoluta de semelhante vocação
interna, espiritual: o h o m e m por natureza é "cego" e " m o r t o "
nas transgressões e pecados - 1 Cor. 2:14; 2 Cor. 4:4; Ef. 2:1.

621
Capítulo 28

6. Qual é a idéia pelagiana sobre a vocação interna?


Os pelagianos negam que haja pecado original e sustentam
que os termos b o m e mau só p o d e m ser aplicados aos atos
executivos da vontade. A f i r m a m , pois -
I o . Que como o h o m e m tem perfeita liberdade da vontade,
pode a qualquer tempo tanto deixar o pecado como continuar
na prática dele.
2 o . Que a única m u d a n ç a interna efetuada pelo Espírito
Santo no coração dos que são convertidos é devida aos fatos de
ser Ele o Autor das Escrituras e delas apresentarem estas
verdades e motivos morais que, por sua própria natureza,
exercem influência moral sobre a alma. Eles negam inteira-
m e n t e a existência da "graça" no sentido bíblico.

7. Qual é a idéia semipelagiana?


Os semipelagianos sustentam que a graça é necessária para
habilitar o h o m e m a voltar-se efetivamente para Deus e viver;
contudo, ao m e s m o tempo afirmam que, segundo a própria
natureza da vontade h u m a n a , é preciso que o h o m e m primeiro
deseje estar livre do pecado e que escolha a Deus como o seu
b e m supremo, podendo então esperar o auxílio divino para
levar esse desejo e essa escolha a efeito. Eles negam a existência
da graça preveniente, mas a d m i t e m a da cooperativa.

8. Qual é a idéia arminiana?


Os arminianos a d m i t e m a d o u t r i n a da depravação total
do h o m e m e que, em conseqüência dela, ele é inteiramente
incapaz de fazer b e m algum no desajudado exercício de suas
faculdades naturais. C o n t u d o , t e n d o Cristo m o r r i d o igual-
mente por todos, todos recebem graça suficiente para habilitá-
-los a fazerem tudo o que lhes é exigido. Esta graça suficiente só
se torna eficiente q u a n d o o pecador coopera com ela e dela se
vale - Apol. Conf. Remonstr., pág. 162, b; L i m b o r c h , Theol.
Christ., págs. 4, 12, 8.

622
A Aplicação da Redenção...

9. Qual a doutrina ensinada sobre este assunto pelos símbolos


da Igreja Luterana?
C o n c o r d a m a b s o l u t a m e n t e com os dos r e f o r m a d o s ou
calvinistas em ensinar -
1 0 . Q u e todos o s h o m e n s estão p o r n a t u r e z a m o r t o s
e s p i r i t u a l m e n t e e que são t o t a l m e n t e incapazes t a n t o de
começar a voltar-se para Deus como de cooperar com a Sua
graça para isso antes da sua regeneração.
2 o . Que a operação que o Espírito Santo por Sua graça
realiza na alma h u m a n a é a única e exclusiva causa eficiente
que vivifica a alma morta. Por isso -
3 o . O f u n d a m e n t o em que descansa a salvação dos que
crêem é a eleição eterna que por Sua graça D e u s realizou para
a salvação. Eles se recusam, p o r é m , a dar o passo que se segue
logicamente, que é o de reconhecer que a razão pela qual os
que não crêem não são vivificados é que Deus, com igual
soberania, não lhes dá a graça regeneradora. Eles insistem em
atribuir isso unicamente à resistência criminosa contra a graça,
q u e t o d o s r e c e b e m nos g r a u s i n i c i a i s - H a s e , Formula
Concordice, págs. 579-583, 662-666 e 817-821.
F u l a n o e Sicrano são igualmente pecadores; F. crê e S.
p e r m a n e c e réprobo. Os pelagianos dizem que é p o r q u e F.
d e t e r m i n o u - s e a crer e S. a recusar-se. Os semipelagianos
dizem que é p o r q u e F. começou a procurar crer e foi ajudado,
e n q u a n t o S. não fez esforço algum. Os arminianos dizem que
é p o r q u e F. cooperou com a graça c o m u m a todos e S. não
c o o p e r o u . Os l u t e r a n o s dizem que é p o r q u e a m b o s e r a m
t o t a l m e n t e incapazes de cooperar, mas que S. resistiu
persistentemente à graça, e n q u a n t o que F. cedeu afinal. Os
calvinistas dizem que é porque F. foi regenerado pelo poder
regenerador do Espírito de D e u s e S. não foi.

10. Qual é a idéia sinergista* sobre este ponto?

* Na derivação grega da palavra temos a preposição syn (com) e o >>

623
Capítulo 28

A convite de Maurício, o então novo Eleitor da Saxônia,


os teólogos de W i t t e n b e r g e de L e i p z i g r e u n i r a m - s e em
conferência em Leipzig, em 1548 d.C., e foi nessa ocasião que
se s u s c i t o u a c o n t r o v é r s i a sinergista. A palavra significa
cooperação. Os sinergistas eram teólogos luteranos que sobre
este único ponto se afastaram do seu próprio sistema e adotaram
a posição arminiana. M e l a n c h t h o n ensinou que "concorrem
três causas de u m a boa ação - a Palavra de Deus, o Espírito
Santo e a vontade h u m a n a a n u i n d o e não resistindo à Palavra
de D e u s " -Loci Communes, pág. 90.

11. Qual a doutrina comum das igrejas reformadas sobre a


vocação interna ?
Q u e é simplesmente u m a manifestação do poder divino
sobre a alma, imediata, espiritual e sobrenaturalmente, comu-
n i c a n d o u m a nova vida espiritual e t o r n a n d o assim possível
um novo m o d o de atividades espirituais. Q u e o a r r e p e n -
d i m e n t o , a fé, a confiança, a esperança, o amor, etc., são pura e
simplesmente atos do próprio pecador, mas que, como tais,
estes atos são possíveis unicamente em virtude da m u d a n ç a
o p e r a d a no estado m o r a l de suas f a c u l d a d e s pelo p o d e r
regenerador de Deus. Veja Conf de Fé, Cap. 10, Seções 1 e 2.
Antes da regeneração, a graça c o m u m p r o d u z sobre o
caráter e a vida externa uma superficial impressão moral, con-
tra a qual geralmente o pecador resiste. Com o ato de graça
que regenera, agindo dentro das energias espontâneas da alma
e m u d a n d o o seu caráter, o h o m e m não pode n e m cooperar
n e m resistir-lhe. Mas, no m o m e n t o em que a alma é rege-
nerada, começa a cooperar com as subseqüentes influências
prevenientes e cooperativas da graça, e às vezes, infelizmente,

< <substantivo érgon (ação, trabalho). Daí, o sinergista, seguidor do


sinergismo, acredita na ação conjunta da graça divina e a capacidade humana.
Nos contextos científicos emprega-se a palavra sinergia; nos religiosos ou
doutrinários, sinergismo. Nota de Odayr Olivetti.

624
A Aplicação da Redenção...

t a m b é m a resistir-lhes. Todavia, de maneira geral, a graça tem


valor preservativo, e f i n a l m e n t e ela vence e salva. Os teólogos
reformados c h a m a m à regeneração Conversio habitualis seu
passiva, isto é, a m u d a n ç a de caráter, em cuja efetivação a alma
é o objeto, e não o agente da ação. A conversão eles c h a m a m
Conversio actualis seu activa, isto é, a mudança instantaneamente
s u b s e q ü e n t e de ação, em que a alma, s u g e r i n d o a i n d a e
a j u d a n d o a graça, é o único agente.

12. Qual a diversidade de opiniões que sobre este ponto existem


entre os romanistas?
Os discípulos de Agostinho na igreja r o m a n a , dos quais
os jansenistas foram os mais proeminentes, são ortodoxos; mas
tem sido quase universalmente derrubados e substituídos por
seus a d v e r s á r i o s , os jesuítas, q u e são s e m i p e l a g i a n o s . O
Concílio de Trento procurou satisfazer a ambos os partidos. -
Concílio de Trento, Sess. 6, Caps. 3 e 4. As doutrinas de Quesnel,
que defendeu a verdade sobre este ponto, foram condenadas
na Bulla "Unigenitus", 1713 d.C. Belarmino ensinou que todos
os h o m e n s recebem a mesma graça, que só pelo evento se
verifica se é praticamente congruente com a natureza de u m , e
por isso eficaz no seu caso, e i n c o n g r u e n t e com a natureza de
outro, e por isso ineficaz no seu caso.

13. Que é que se entende por "graça comum", e como se pode


provar que o Espírito Santo realmente opera nas almas daqueles
cujo coração não é renovado?
A graça c o m u m é a influência restritiva e persuasiva do
E s p í r i t o Santo, o p e r a n d o s o m e n t e por meio das verdades
reveladas no evangelho, ou por meio da luz natural da razão e
da consciência, a u m e n t a n d o o natural efeito moral dessas
verdades sobre o coração, a inteligência e a consciência. Não
envolve m u d a n ç a do coração, e, sim, unicamente um aumento
do poder natural da verdade, u m a ação restritiva das más
paixões e um a u m e n t o das emoções n a t u r a i s em face do

625
Capítulo 28

pecado, do dever e do interesse próprio.


Q u e D e u s realmente opera desse m o d o sobre o coração
dos não regenerados fica provado - I o . Pelas Escrituras, Gên.
6 : 3 ; A t o s 7 : 5 1 ; H e b . 10:29; 2 o . Pela e x p e r i ê n c i a e pela
observação universais.

14. Em que a graça comum difere da graça eficaz?


I o . Q u a n t o a seus objetos. Todos os h o m e n s , em maior ou
m e n o r escala, são objetos da graça c o m u m ; somente os eleitos
são objetos da graça eficaz - Rom. 8:30; 11:7; 2 Tess. 2:13.
2°. Q u a n t o à sua natureza. A graça c o m u m é .somente
mediata, agindo por meio da verdade, e é s o m e n t e moral,
a u m e n t a n d o a influência moral que a verdade exerce natu-
ralmente, e estimulando somente as faculdades morais da alma,
tanto as racionais como as morais. No entanto, a graça eficaz é
imediata e sobrenatural, porque é operada diretamente na alma
pela energia imediata do Espírito Santo, e porque ela implanta
u m a nova vida espiritual e a capacidade de exercer de um novo
m o d o as faculdades naturais.
3 o . Q u a n t o a seus efeitos. Os efeitos da graça c o m u m são
superficiais e transitórios, modificando a vida externa, mas sem
m u d a r a natureza, e sua influência sempre sofre resistência
mais ou menos conscientemente, por estar oposta às disposições
prevalecentes da alma. A graça eficaz, porém, não operando
ela sobre, e sim, em a própria vontade, m u d a n d o os desejos
dominantes e dando nova direção às faculdades ativas da alma,
n e m é r e s i s t í v e l n e m i r r e s i s t í v e l , m a s sim m u i t o livre,
espontânea e, não obstante, m u i t o certamente eficaz.

15. Como se pode provar que a graça eficaz é limitada aos


eleitos?
I o . As Escrituras apresentam os eleitos como chamados e
os chamados como eleitos - R o m . 8:28,30; Apoc. 17:14.
2 o . Há textos que m o s t r a m que a vocação eficaz é baseada
no decreto da eleição - 2 Tess. 2:13,14; 2 Tim. 1:9,10.

626
A Aplicação da Redenção...

3 o . Há t a m b é m os que m o s t r a m que a santificação, a


justificação e todos os benefícios temporais e eternos da união
com Cristo são efeitos da vocação eficaz - 1 Cor. 1:2; Ef. 2:5;
Rom. 8:30.

16. Como se pode provar que a graça é concedida por amor


de Cristo?
I o . Todas as bênçãos espirituais são concedidas por a m o r
de Cristo - Ef. 1:3; Tito 3:5,6.
2 o . As Escrituras declaram especificamente que somos
chamados em Cristo - Rom. 8:2; Ef. 2:4-6; 2 Tim. 1:9.

17. Que é que se entende quando se declara que esta influência


divina é imediata e sobrenatural?
E n t e n d e - s e , I o ., que nega, (1) que ela é nada mais que a
influência moral da verdade; (2) que é unicamente a influência
moral do Espírito, a u m e n t a n d o a influência moral da verdade
apresentada objetivamente; (3) que estimula m e r a m e n t e as
faculdades naturais da alma. Entende-se, 2 o ., que afirma, (1)
que o Espírito Santo opera imediatamente na alma a partir do
í n t i m o ; (2) que o E s p í r i t o Santo, e x e r c e n d o o Seu p o d e r
regenerador, implanta u m a nova natureza moral, ou um novo
princípio de ação.

18. Quais os argumentos que provam que, além da influência


exercida por meio da verdade, o Espírito exerce na alma uma
influência imediata?
I o . E feita distinção entre a influência do Espírito e a da
P a l a v r a - J o ã o 6:45,64,65; Rom. 15:13; 1 Cor. 2:12-15; 1 Tess.
1:5,6.
2 o . E declarado que u m a influência divina é necessária
para a recepção da v e r d a d e - Sal. 119:18; Atos 16:14; Ef. 1:17.
3°. Essa operação interna no coração é atribuída a Deus -
Fil. 2:13; 2 Tess. 1:11; Heb. 13:21.
4 o . Há distinção entre o dom do Espírito e o da Palavra -

627
Capítulo 28

João 14:16; 1 Cor. 3:16; 6:19; Ef. 4:30.


5 o . A natureza desta influência é evidentemente diferente
da natureza da influência produzida pela verdade - Ef. 1:19;
3:7. E o efeito é c h a m a d o "nova criação" (ou "nova criatura"),
"novo nascimento", etc.
6 o . Os h o m e n s estão por natureza mortos no pecado e
precisam de tal intervenção direta do poder divino - Turretino,
Theol. Instits., Lo. 15, Quaes. 4.

19. Quais os diversos motivos alegados para dar-se a esta graça


o nome de "graça eficaz"?
I o . Os jesuítas e os arminianos, sustentando que todos os
h o m e n s recebem graça suficiente para habilitá-los a obede-
cerem ao evangelho, se quiserem, afirmam que esta graça torna-
-se eficaz q u a n d o a vontade do indivíduo coopera com ela, e
em todo caso é só o evento que prova que é eficaz.
2 0 . Belarmino e outros sustentam que a mesma graça, dada
a todos, é congruente com a natureza moral de u m , e neste
caso é eficaz, e incongruente com a natureza moral de outro, e
nesse caso é ineficaz.
3 o . Alguns romanistas têm sustentado o que se chama
doutrina da influência cumulativa. A influência suasória do
Espírito, tornada eficaz por u m a constante repetição e longa
continuação, efetua afinal o consentimento da alma.
4 o . A d o u t r i n a ortodoxa é que a eficácia desta graça é
inerente à sua própria natureza, por ser o exercício do poder
o n i p o t e n t e de D e u s na execução do Seu propósito eterno e
imutável.

20. Em que sentido a graça é irresistível?


Devemos lembrar-nos de que o cristão é ao m e s m o tempo
objeto das i n f l u ê n c i a s m o r a i s m e d i a t a s da graça sobre a
vontade, que são comuns a ele e aos incrédulos, e t a m b é m das
influências especiais da graça d e n t r o da vontade, que são
certamente eficazes. A primeira classe de influências os cristãos

628
A Aplicação da Redenção.

podem resistir, e c o n s t a n t e m e n t e resistem, por causa da lei do


pecado remanescente em seus m e m b r o s . A segunda classe de
influências é certamente eficaz, m a s n e m são resistíveis n e m
irresistíveis, p o r q u e operam de d e n t r o e levam espontanea-
mente a vontade consigo. É lamentável que a expressão "graça
irresistível" seja de uso corrente, p o r q u e sugere a idéia dc u m a
influência mecânica e coerciva sobre u m a criatura contra a sua
vontade, e n q u a n t o que é realmente um ato t r a n s c e n d e n t e do
Criador infinito, que faz com que a criatura deseje espon-
taneamente a graça divina. *

21. Como se pode provar que esta graça é certamente eficaz?


I o . Pelas provas acima apresentadas, quanto à sua natureza,
de que é u m a operação imediata do poder onipotente de Deus.
2 o . Pelas descrições da obra da graça. Os h o m e n s são por
n a t u r e z a "cegos", " m o r t o s " , " e s c r a v o s " , etc. A m u d a n ç a
efetuada é u m a "nova criação", etc.
3 o . Pelas promessas de Deus, que são seguras. Os meios
que Ele utiliza para vindicar a Sua fidelidade não podem deixar
?
de ser eficazes - Ez. 11:19; 36:26; João 6:45.
o
4 . Pela conexão que, segundo as Escrituras, existe entre a
vocação e a eleição. Os chamados são os eleitos; os eleitos são
os chamados. Como os decretos são certos, a vocação não pode
deixar de ser eficaz. Veja acima, Perg. 15.
5 o . A fé e o a r r e p e n d i m e n t o são dons de Deus, e quem
v e r d a d e i r a m e n t e se arrepende e crê é salvo. Segue-se que a
graça que comunica esses dons é eficaz - Ef. 2:8; Atos 11:18; 2
T i m . 2:25.

22. Como se pode provar que esta influência é congruente com


a nossa natureza?
Apesar de nos descartarmos inteiramente da distinção feita
* É perfeitamente válida a preocupação do autor. Apenas tomo a liberdade
de opinar que a graça eficaz é irresistível somente no sentido de que não há
criatura que possa frustrar sua eficácia. Nota de Odayr Olivetti.

629
Capítulo 28

por B e l a r m i n o (veja acima, Perg. 19), dizemos que a graça


eficaz é " c o n g r u e n t e com a natureza h u m a n a como tal, no
sentido de que o Espírito de Deus, posto que exerça na alma
u m a influência imediata e regeneradora, opera c o n t u d o em
perfeita h a r m o n i a com a integridade daquelas leis da nossa
natureza livre, racional e moral, que Ele m e s m o constituiu.
M e s m o na obra miraculosa do novo nascimento Ele opera em
nossa razão e em nossa v o n t a d e de perfeito acordo com a
constituição de cada u m a delas. Isto é certo:
I o . O m e s m o D e u s cria e regenera; Seu objetivo não é
destruir, e sim restaurar Sua própria obra.
2 o . As Escrituras e a nossa própria experiência ensinam
que os atos da alma que se seguem i m e d i a t a m e n t e depois da
implantação da graça são e m i n e n t e m e n t e livres e racionais. O
fato é que n u n c a antes a alma havia operado n o r m a l m e n t e -
Sal. 110:3; 2 Cor. 3:17; Fil. 2:13. 3 o . Esta influência divina
acha-se descrita por termos como "atrair", "ensinar",
" i l u m i n a r " - J o ã o 6:44,45; Ef. 1:18.

23. Que nos ensinam as Escrituras quanto à conexão entre esta


influência e a verdade?
E e v i d e n t e que no caso da regeneração de crianças a
verdade não é empregada. Na regeneração de adultos a verdade
está sempre presente. No ato de regeneração o Espírito opera
i m e d i a t a m e n t e na a l m a e m u d a o seu e s t a d o s u b j e t i v o ,
e n q u a n t o que a verdade é o objeto apreendido consciente-
m e n t e , sobre o qual se exercem as novas faculdades de discer-
n i m e n t o espiritual e os novos afetos. O Espírito provê vista, a
verdade é a luz discernida. O Espírito dá sentimento, a verdade
apresenta o objeto amado - Rom. 10:14,17; Tia. 1:18; João
17:17.

24. Que motivos podem ser apresentados para a crença em que


o Espírito não regenera os adultos por quem a verdade não é
conhecida?

630
A Aplicação da Redenção..

Negativamente: a Bíblia não apresenta base para a


esperança de tal extensão da graça, e n e m nela n e m em nossa
experiência entre os gentios m o d e r n o s encontram-se casos de
semelhante obra.
P o s i t i v a m e n t e : as E s c r i t u r a s associam s e m p r e toda a
influência espiritual com a verdade, e declaram que a pregação
(da verdade revelada) é necessária para a salvação dos pecadores
- R o m . 10:14.

25. Quais as objeções contra a doutrina arminiana da graça


suficiente?
Os a r m i n i a n o s sustentam que Deus tem o propósito de
salvar a todos e que por isso c h a m a a todos do m e s m o modo,
dando a todos graça suficiente, se quiserem aproveitá-la.
OBJETAMOS - I o . Relativamente poucos têm tido ocasião
de ouvir o c h a m a m e n t o externo do evangelho. Os gentios são
responsáveis com base na luz da natureza e estão sob a lei das
obras, mas ao m e s m o tempo não têm os meios da graça - Rom.
1:18-20; 2:12-15.
2 o . Essa doutrina é incompatível com o propósito divino
de eleição. Veja acima, C a p . l l .
3 o . Segundo o sistema arminiano, depende da livre vontade
do h o m e m (do livre-arbítrio) o tornar a graça suficiente da
parte de Deus, c o m u m a todos, em graça eficiente no seu caso.
Mas as Escrituras ensinam que a salvação é totalmente de graça
e um dom de D e u s - Ef. 2:8; 2 T i m . 2:25; Rom. 9:15,16.
4 o . As Escrituras declaram expressamente que n e m todos
os que recebem o c h a m a m e n t o externo têm graça suficiente -
R o m . 9:16-24; 11:8.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS DE DOUTRINA

DOUTRINA ROMANA - Cone. de Trento, Sessão 6, Cân.


1: "Se a l g u é m disser que o h o m e m pode justificar-se para
com D e u s " (por justificação os r o m a n o s e n t e n d e m a
I I B U O T E Ç A AUBREY ÇLARK
631
Capítulo 28

r e m o ç ã o do pecado e a i n f u s ã o de u m a disposição na alma


r e s u l t a n t e da graça) "pelas suas obras, feitas c o m as forças
da natureza, ou com a d o u t r i n a da Lei, sem a graça divina
p o r Jesus Cristo, seja anátema. Cân. 2 - Se alguém disser
q u e a graça divina por Jesus Criso se dá s o m e n t e para que
o h o m e m possa mais f a c i l m e n t e viver j u s t i f i c a d a m e n t e e
m e r e c e r a vida e t e r n a ; c o m o se pelo livre-arbítrio, sem a
graça, pudesse conseguir u m a e outra coisa, ainda que com
t r a b a l h o e dificuldade, seja anátema. Cân. 3. - Se alguém
disser que sem a inspiração p r o v e n i e n t e do Espírito Santo
e Sua a j u d a o h o m e m p o d e crer, e s p e r a r e a m a r c o m o
c o n v é m , para lhe ser conferida a graça da justificação, seja
a n á t e m a . C â n . 4. - Se a l g u é m disser q u e o livre-arbítrio
do h o m e m , m o v i d o e e s t i m u l a d o por D e u s , devido D e u s
o e s t i m u l a r e c h a m a r , em n a d a coopera a f i m de q u e se
d i s p o n h a para alcançar a graça da justificação; n e m p o d e
dissentir, se quiser, mas, c o m o u m a coisa m o r t a , n a d a faz,
é m e r a m e n t e passivo, seja a n á t e m a . C â n . 5. - Se a l g u é m
disser q u e o livre-arbítrio, depois do pecado de Adão, se
p e r d e u e se extinguiu; ou que é coisa só de título, ou antes,
t í t u l o sem realidade, e e n f i m u m a ficção i n t r o d u z i d a na
Igreja p o r satanás, seja a n á t e m a " .
DOUTRINA DA IGREJA GREGA -Jerem. in Act. Witem. -
" M e s m o depois da Q u e d a , nada i m p e d e o h o m e m de voltar -
-se do mal e, acrescentado a isso, de fazer o b e m e escolher
o q u e é justo, como q u e m possui o livre-arbítrio... De t u d o
isso é claro q u e é da n o s s a p a r t e a c o r d a r e o b e d e c e r , e
somos capazes de escolher o b e m como t a m b é m o mal. Só
precisamos de u m a coisa, e esta é o auxílio de D e u s para
q u e p o s s a m o s ser b e m s u c e d i d o s no b e m e ser salvos, e
s e m esse auxílio não temos forças para concluir a obra".
DOUTRINA LUTERANA - Form. Concordia, pág. 662 -
M a s antes de ser o h o m e m i l u m i n a d o , c o n v e r t i d o ,
r e g e n e r a d o e atraído pelo Espírito Santo, ele não é capaz,
de p e r si e p o r suas p r ó p r i a s forças n a t u r a i s , nas coisas
espirituais e ( t e n d e n t e s ) à sua própria conversão e
r e g e n e r a ç ã o , d e p r o d u z i r o u c o o p e r a r e m coisa a l g u m a ,
m a i s do que o poderia um poste ou um torrão de terra".

632
A Aplicação da Redenção.

Ib., pág. 589: "O que escreveu o Dr. L u t e r o - "A v o n t a d e


do h o m e m conserva-se p u r a m e n t e passiva na conversão",
é n e c e s s á r i o recebê-la reta e c o n v e n i e n t e m e n t e , a saber,
com respeito à graça divina fazer surgir os novos
m o v i m e n t o s , isto é, deve-se e n t e n d e r no s e n t i d o de que,
q u a n d o o E s p í r i t o de D e u s opera na v o n t a d e do h o m e m
pela Palavra ouvida, ou pelo uso dos sacramentos, p r o d u z
no h o m e m a c o n v e r s ã o e a r e g e n e r a ç ã o . P o r q u e , d e p o i s
de o E s p í r i t o S a n t o p r o d u z i r isso m e s m o , e d e p o i s de,
u n i c a m e n t e p o r Sua energia, m u d a r e r e n o v a r a v o n t a d e
d o h o m e m ; então, s i m , esta n o v a v o n t a d e é u m i n s t r u -
m e n t o do Espírito Santo de D e u s , de m o d o q u e ela n ã o só
p o d e l a n ç a r m ã o da graça, m a s t a m b é m c o o p e r a r c o m o
E s p í r i t o nas obras s u b s e q ü e n t e s " .
DOUTRINA REFORMADA - Conf. de Fé, Cap. 10, § 1:
"Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e
s o m e n t e aqueles, aprouve a Ele, no t e m p o p o r Ele deter-
m i n a d o e aceito, c h a m a r e f i c a z m e n t e p o r Sua P a l a v r a e
p o r Seu E s p í r i t o , d a q u e l e estado de p e c a d o e m o r t e em
q u e se a c h a m p o r natureza, para a graça e a salvação p o r
Jesus Cristo; i l u m i n a n d o e s p i r i t u a l m e n t e e d e u m m o d o
s a l v a d o r o e n t e n d i m e n t o deles para c o m p r e e n d e r e m as
coisas de D e u s , tirando-lhes o coração de p e d r a e d a n d o -
- l h e s um coração de c a r n e ; r e n o v a n d o - l h e s a v o n t a d e e
p o r Seu p o d e r o n i p o t e n t e d e t e r m i n a n d o - o s para aquilo
q u e é b o m , e atraindo-os eficazmente para Cristo; mas ao
m e s m o t e m p o de tal m o d o que eles vêm m u i t o l i v r e m e n t e ,
s e n d o p a r a isso d i s p o s t o s p o r Sua graça". § 2: "E esta
vocação eficaz é só da graça livre e especial de D e u s , e não
de coisa a l g u m a q u e fosse de q u a l q u e r m o d o prevista no
h o m e m , o q u a l em t u d o isso é i n t e i r a m e n t e passivo, até
que, s e n d o vivificado e r e n o v a d o pelo Espírito Santo, fica
assim habilitado a c o r r e s p o n d e r a esta vocação e a receber
a graça oferecida e c o m u n i c a d a nela" - Cat. Maior, Perg.
67. Breve Cat., Perg. 31.
Cânones do Sínodo de Dort, Caps. 3 e 4, Rejec. Er., E n o .
4: "(São r e j e i t a d o s aqueles) q u e e n s i n a m q u e o h o m e m
n ã o r e g e n e r a d o não está estrita e t o t a l m e n t e m o r t o nos

633
Capítulo 28

pecados, n e m vazio de toda a força q u a n t o ao q u e é b o m


e s p i r i t u a l m e n t e ; mas que p o d e ter f o m e e sede de justiça e
oferecer o sacrifício de um espírito q u e b r a n t a d o e contrito
q u e seja a c e i t o p o r D e u s " . A r t . 1 2 : " ( A r e g e n e r a ç ã o ) é
c l a r a m e n t e sobrenatural, u m a operação m u i t o poderosa e
ao m e s m o t e m p o m u i t o suave, maravilhosa, secreta e
inefável, n ã o i n f e r i o r a u m a criação, n e m m e n o r do que
u m a vivificação dos m o r t o s ; d e m o d o q u e t o d o s aqueles
e m c u j o coração D e u s opera desta m a n e i r a m a r a v i l h o s a ,
são c o m certeza r e g e n e r a d o s i n f a l í v e l e e f i c a z m e n t e , e
m a n i f e s t a m fé. E e n t ã o a v o n t a d e , s e n d o r e n o v a d a , n ã o
só t e m o p e r a d o D e u s sobre ela e é p o r Ele m o v i d a , m a s
s e n d o m o v i d a assim por Ele, ela m e s m a se move. P o r isso
t a m b é m se diz com razão q u e é o p r ó p r i o h o m e m que,
por m e i o desta graça recebida, crê e se a r r e p e n d e " .
DOUTRINA REMONSTRANTE - Conf. Remonstr., 17, 6:
" D e c i d i m o s , pois, q u e a graça de D e u s é o p r i n c í p i o , o
progresso e o remate de t u d o o que é b o m , de m o d o que
m e s m o a pessoa regenerada n ã o p o d e pensar, d e t e r m i n a r
n e m fazer coisa b o a e salvadora, sem esta graça p r é v i a ,
p r e v e n i e n t e , e s t i m u l a n t e , s u b s e q ü e n t e e cooperativa".
Apol. Conf. Remonstr., pág. 162, b: "A graça é c h a m a d a
eficaz por causa do resultado, o que, p o r é m se p o d e t o m a r
em s e n t i d o duplo: primeiro, do m o d o q u e se julga q u e a
g r a ç a n ã o t e m , d e p e r si, p o d e r a l g u m p a r a p r o d u z i r
c o n s e n t i m e n t o na v o n t a d e , m a s q u e toda a sua eficácia
p o d e d e p e n d e r da vontade h u m a n a ; ou em segundo lugar,
do m o d o q u e se julga q u e a graça t e m , de p e r si, p o d e r
suficiente para produzir consentimento na vontade,
p o r é m , por ser parcial este poder, não p o d e manifestar-se
em atos sem a cooperação da livre v o n t a d e h u m a n a , e por
isso ela, para p r o d u z i r efeitos, d e p e n d e da livre v o n t a d e
(do livre-arbítrio). Os r e m o n s t r a n t e s desejam que se t o m e
o segundo c o m o o seu m o d o de e n t e n d e r " .

634
29

A Regeneração

1. Quais os diversos termos e expressões empregados nas


Escrituras para designar esta obra ?
I o . "Criar" de n o v o - E f . 4:24. 2 o . " G e r a r " - T i a . 1:18. 3 o .
" D a r vida" - João 5:21; Ef. 2:5. 4 o . " C h a m a r das trevas para
uma maravilhosa luz" - 1 Ped. 2:9. A respeito dos regenerados
dizem as Escrituras: I o . Q u e são "ressuscitados dos m o r t o s " -
Rom. 6:13. 2°. Q u e são "novas criaturas" - 2 Cor. 5:17. 3 o .
Que "nasceram de novo" - João 3:3,7. 4 o . Q u e são "feitura de
D e u s " - E f . 2:10.

2. Qual a opinião pelagiana a respeito da regeneração?


Eles sustentam que só as volições p o d e m ser pecamino-
sas, e que é essencial à liberdade e à responsabilidade dos
homens que eles sejam sempre capazes tanto de deixar o pecado
como de permanecer nele. Por isso a regeneração nada mais é
que u m a reforma da vida e dos costumes. O h o m e m que dantes
se c o m p r a z i a em t r a n s g r e d i r a lei, c o m p r a z - s e agora em
obedecer-lhe.

3. Qual a doutrina da igreja católica romana sobre este assunto?


Os católicos romanos -
I o . c o n f u n d e m a justificação com a santificação, fazendo
delas um só ato de Deus no qual, para a Sua glória, por amor
dos m e r e c i m e n t o s de Cristo, pelo poder eficaz do Espírito
Santo e por meio do batismo, Ele apaga u m a vez por todas a

635
Capítulo 29

culpa dos nossos pecados e nos livra do poder inerente ao


pecado original e t a m b é m da sua mácula - Cone. de Trento,
Sessão 6, cap.7.
2 o . Eles sustentam a d o u t r i n a de que a regeneração é
operada u n i c a m e n t e por meio do batismo. Este é eficaz em
todos os casos da sua aplicação a crianças. No caso dos adultos,
estes p o d e m resistir à sua eficácia ou anulá-la. No batismo (1)
os pecados são perdoados; (2) a natureza moral do batizado é
renovada; (3) ele é feito filho e herdeiro de Deus - Cat. Rom.,
Parte 2, Cap.2.

4. Quais as diversas opiniões mantidas na Igreja Anglicana


sobre a regeneração batismal?
I a . A teoria do partido chamado puseíta, e que é essencial-
mente a mesma da igreja católica romana. Eles sustentam em
geral que o Espírito Santo, servindo-Se do batismo, implanta
na a l m a um g é r m e n de vida e s p i r i t u a l , e que este p o d e
permanecer latente por muito tempo, e depois ser desenvolvido
ou destruído.
2 a . A opinião de um grande partido m u i t o h a b i l m e n t e
representado pelo falecido bispo H. U. U n d e r d o n k , em seu
Essay on Regeneration, Filadélfia, 1835. Este sustentava que há
duas regenerações distintas, constando u m a de uma m u d a n ç a
de estado ou condição, e a outra de u m a m u d a n ç a de natureza. A
primeira é batismal, a segunda, moral, à medida que ambas
sejam espirituais por serem obra do Espírito Santo. A primeira,
ou a regeneração batismal, é um novo nascimento, porque nos
torna filhos de Deus, assim como a aliança que t i n h a por selo
a circuncisão tornou os judeus Seu povo peculiar. A segunda é
um novo nascimento ou u m a nova criação em sentido supe-
rior, p o r q u e é u m a gradual m u d a n ç a santificadora operada no
caráter moral pelo Espírito Santo, e não é necessariamente
ligada ao batismo.

636
A Regeneração

5. Qual a opinião sobre a regeneração mantida por aqueles que,


na América, sustentam o "Exercise Scheme"?
Esses teólogos negam que existam na alma quaisquer
hábitos ou disposições morais permanentes, e só a d m i t e m a
e x i s t ê n c i a da alma ou a g e n t e e seus atos ou " e x e r c i s e s "
(exercícios). No h o m e m natural a série de atos é totalmente
depravada. No homem regenerado uma nova série de atos santos
é criada pelo Espírito Santo e continuada por Seu poder -
E m m o n s , Sermão 64, sobre o " N o v o Nascimento".

6. Qual a opinião característica de "New Haven", defendida


pelo Dr. N. W. Taylor, sobre este assunto?
O Dr. Taylor concordou com os defensores do "Exercise
S c h e m e " em que não há na alma nada além do agente e seus
atos; mas divergiu deles sustentando que o h o m e m , e não Deus,
é o autor independente das ações humanas. Ele sustentava que,
q u a n d o Deus e o m u n d o se apresentam à contemplação do
espírito do h o m e m , a regeneração consiste do ato do pecador
pelo q u a l ele e s c o l h e D e u s c o m o o seu b e m s u p r e m o ,
c o n f u n d i n d o assim a regeneração com a conversão. O Espírito
Santo, de algum modo desconhecido, ajuda a refrear a operação
ativa do princípio natural e egoístico que prefere o m u n d o
como o seu b e m supremo. " U m espírito assim apartado do
m u n d o como seu b e m s u p r e m o escolhe logo a Deus por sua
porção, sob o impulso desse desejo inerente de alcançar a
felicidade, sem o qual n e n h u m objeto n u n c a p o d e r i a ser
considerado como bom, desejável ou amável". Este motivo
original para fazer essa escolha de Deus, que é a regeneração, é
m e r a m e n t e natural, e m o r a l m e n t e não é n e m b o m n e m mau.
Assim - I o . A regeneração é um ato do próprio h o m e m . 2 o . O
Espírito Santo ajuda o homem, (1) suspendendo o poder domi-
nador da sua disposição egoística e pecadora; (2) apresentando
ao seu espírito, à luz clara da verdade, a superioridade de Deus
como objeto de sua escolha. 3 o . O pecador escolhe então a Deus

637
Capítulo 29

c o m o o seu b e m s u p r e m o sob a convicção da sua inteligência


e impelido por um motivo natural, mas não pecaminoso, de
a m o r próprio, que se deve distinguir do egoísmo, sendo este a
essência do pecado. Veja Christian Spectator, dezembro de 1829,
págs. 693, 694, etc.

7. Qual é a doutrina comum dos cristãos evangélicos?


I o . Q u e na alma, além de suas diversas faculdades, existem
t a m b é m hábitos ou disposições, alguns dos quais são inatos e
outros adquiridos, e que dão o f u n d a m e n t o ou a base para a
alma exercer suas faculdades de um m o d o particular. Assim
julgamos ser p e r m a n e n t e m e n t e má a disposição moral de um
h o m e m q u a n d o o vemos agir h a b i t u a l m e n t e de um m o d o
pecaminoso, e p e r m a n e n t e m e n t e boa q u a n d o o vemos agir
h a b i t u a l m e n t e de um m o d o moralmente bom.
2 o . Estas disposições precedem as ações morais, e deter-
m i n a m o caráter destas como boas ou más.
3 o . Na criação Deus fez santa a disposição do coração de
Adão.
4°. Na nova criação Deus torna a criar santa a disposição
d o m i n a n t e do coração do h o m e m regenerado.
Por isso e p r o p r i a m e n t e chamada "regeneração", "nova
criação", "novo nascimento".

8. Quando se diz que a regeneração consiste em dar um novo


coração, ou em implantar um novo princípio ou uma nova disposição,
o que é que se entende pelos termos "coração", "princípio" e
"disposição"?
O Presidente Edwards (de Princeton) diz: "Por um prin-
cípio da natureza entendo, neste ponto, essa base posta na
n a t u r e z a , q u e r velha q u e r nova, para q u a l q u e r m o d o ou
maneira particular pela qual se exerçam as faculdades da alma.
Assim, pois, este novo "sentido espiritual" não é u m a nova
faculdade da inteligência, e sim u m a nova base posta na alma
para uma nova espécie de exercício dessa mesma faculdade

638
A Regeneração

d a i n t e l i g ê n c i a . A s s i m t a m b é m essa n o v a d i s p o s i ç ã o d o
coração, que a c o m p a n h a esse novo sentido, não é u m a nova
faculdade da vontade, e sim u m a base posta na natureza da
alma para u m a nova espécie de exercício dessa m e s m a facul-
dade da vontade - Edwards, s o b r t Religious Affections (Afetos
Religiosos), P a r t e 3, Seção 1.
O t e r m o "coração", significando essa prevalecente dispo-
sição moral que determina as volições e as ações, é o t e r m o
mais c o m u m e n t e empregado nas Escrituras - Mat. 12:33,35;
15:19; Luc. 6:43,45.

9. Como se pode mostrar que esta idéia sobre a regeneração não


a representa como envolvendo alguma mudança na essência da alma?
Essa é a acusação feita contra a doutrina ortodoxa por todos
os que n e g a m que haja na alma outra coisa além de suas
iaculdades constitutivas e seus exercícios. A r g u m e n t a m , pois,
que, se for m u d a d a qualquer coisa além dos meros exercícios
da alma, sua constituição f u n d a m e n t a l será m u d a d a fisica-
mente. Em oposição a isso, nós a r g u m e n t a m o s que temos
precisamente as mesmas provas de que existe na vontade u m a
p e r m a n e n t e disposição moral, ou u m a disposição inerente a
cia, como a razão pela qual um h o m e m bom segue habitual-
mente o b e m , e o h o m e m mau o mal. A r g u m e n t a m o s que
temos as mesmas provas de que existe a própria alma invisível,
ou qualquer das suas faculdades, como a razão pela qual um
h o m e m faz qualquer coisa, ou pela qual as suas ações são,e.g.,

um p e n s a m e n t o , uma emoção ou uma volição. E-nos
impossível conceber a escolha produzida em nós pelo Espírito
Santo, de mais de três modos diversos: "Primeiro, p o r sua
operação direta em produzir a escolha, caso em que esta não
seria ato nosso. Em segundo lugar, apresentando aos nossos
princípios constitutivos e naturais de amor próprio motivos
tais que eles nos levam a fazer a escolha, caso em que não haveria
moralidade no ato. Ou, em terceiro lugar, p r o d u z i n d o em nós
um tal gosto pelo caráter divino que a alma se regozija tão

639
Capítulo 29 \

espontânea e imediatamente em D e u s como sua porção como


se regozija na percepção do belo".
"Se o nosso Criador não s o m e n t e nos dotou de susceti-
bilidade geral para amar, mas t a m b é m da disposição específica
para amar nossos filhos, s o m e n t e Ele nos p o d e dar discer-
n i m e n t o e suscetibilidade para a percepção da beleza natural,
e pode dar-nos também gosto pela beleza moral. E se este gosto,
p o r causa do pecado, está viciado e pervertido, Ele o p o d e
restaurar p o r Seu Espírito na regeneração" - H o d g e , Essays.

10. Em que sentido se pode dizer que a alma é passiva na


regeneração?
O Dr. Taylor sustentou que a regeneração é o ato da alma
em que o h o m e m escolhe a Deus como sua porção. Assim, o
autor é o h o m e m , e não Deus.
A Igreja Cristã, ao contrário, sustenta que na regeneração
o Espírito Santo é o Autor e o h o m e m é o objeto. O ato do
Espírito Santo, i m p l a n t a n d o um novo princípio, não estorva
a atividade essencial da alma, mas somente dá nova direção a
essa atividade, porque, conquanto seja ativa a alma, ao mesmo
tempo é possível agir sobre ela. E, posto que seja necessaria-
m e n t e ativa no mesmo instante da sua regeneração, afirma-se
com razão que ela é passiva com relação a esse ato do Espírito
Santo pelo qual é regenerada. Considere:
I o . A alma, sob a convicção do E s p í r i t o Santo, e no
exercício de sentimentos meramente naturais, considera algum
aspecto da verdade salvadora, e procura aceitá-la.
2 o . O Espírito Santo, pelo exercício do Seu poder criador,
m u d a a disposição d o m i n a n t e do coração de u m a maneira
inexplicável e mediante u m a influência que a pessoa é incapaz
de apreender.
3o. A alma exerce s i m u l t a n e a m e n t e novos afetos e aceita
experimentalmente a verdade.

640
A Regeneração

11. Qual a diferença entre a regeneração e a conversão?


O termo conversão é empregado muitas vezes n u m sentido
lato, incluindo tanto a mudança da natureza como também o
exercício dessa natureza depois de mudada. Mas, q u a n d o se
faz distinção entre ela e a regeneração, significa o primeiro
exercício da nova disposição implantada na regeneração, isto
e, o ato de voltar-se livremente para Deus.
ü A regeneração é ato de Deus; a conversão é ato nosso. A
regeneração é a implantação de um princípio concedido pela
graça; a conversão é o exercício desse princípio. A regeneração
nunca é matéria de consciência direta de quem é regenerado;
a conversão o é para o convertido. A regeneração é um só ato,
completo em si, e nunca repetido; a conversão, sendo o começo
de uma vida santa, é o começo de uma série constante de atos,
sem fim e progressiva. "Leva-me tu, correremos (correrei) após
ti" - Cant. 1:4. Esta distinção é assinalada pelos teólogos do
século 17 ( e . g T u r r e t i n o , Lo. 15, Quaes. 4, § 13) com as frases
conversio habitualis sen passiva, isto é, a infusão feita por Deus
de um hábito na alma, fruto da graça, a cujo respeito ela é
passiva; e conversio actualis seu activa, isto é, os atos de fé e
arrependimento, que são a conseqüência, produzidos pela graça
cooperativa e que, ao m e s m o tempo, são atos do h o m e m
mesmo.

12. Como se pode provar que existe o que se chama comumente


regeneração?
I o . Pelas passagens das Escrituras que declaram que é
necessária tal m u d a n ç a - J o ã o 3:3; 2 Cor. 5:17; Gál. 6:15.
2 o . Pelas passagens que descrevem a mudança - Ef. 2:5;
4:24; Tia. 1:18; 1 Ped. 1:23.
3 o . Pelo fato de que ela é necessária tanto para os homens
caracterizados pela maior moralidade como para os que levam
vida dissoluta - 1 Cor. 15:10; Gál. 1:13-16.
4°. Pelo fato de que esta mudança interna não é uma simples
reforma externa, como fica provado pelo fato de que é atribuída

641
Capítulo 29

ao Espírito S a n t o - E f . 1:19,20; Tito 3:5.


5 o . Pela comparação entre o estado do h o m e m na graça e
seu estado como é por natureza - Rom. 6:13; 8:6-10; Ef. 5:8.
6 o . Pela experiência de todos os cristãos e pelo testemunho
de sua vida.

13. Qual a natureza da iluminação sobrenatural?


A alma do h o m e m é uma unidade: um estado radical- ]
mente defeituoso ou pervertido de qualquer de suas faculdades
afeta para o mal todas as demais faculdades. A essência do i
pecado consiste no fato de que as disposições e os sentimentos ]
morais da vontade estão pervertidos. Mas o estado pervertido i
destes sentimentos afeta necessariamente os exercícios da \
inteligência, a respeito de todos os objetos morais, tanto como
as próprias volições. Não podemos amar ou desejar um objeto
se não percebermos a sua beleza, e não podemos perceber
intelectualmente a sua beleza se as suas qualidades não forem
análogas ao nosso gosto inerente ou à nossa disposição. O
pecado é, pois, essencialmente enganoso, e o homem, como
pecador, é espiritualmente cego. Isso não consiste em n e n h u m
defeito físico. Ele possui todas as faculdades necessárias para
ver a beleza e sentir o poder da verdade, porém a sua natureza
i n t e i r a está p e r v e r t i d a e m c o n s e q ü ê n c i a das suas m á s
disposições. Logo que tais disposições forem mudadas ele
passará a ver e, vendo, amará a verdade e lhe prestará obedi-
ência, sem que se opere em sua natureza n e n h u m a mudança
constitutiva, isto é, sem que se lhe dê n e n h u m a faculdade nova,
mas somente sendo retificadas moralmente as suas faculdades
pervertidas.
Esta iluminação é chamada sobrenatural - I o . Porque,
tendo-se perdido, pode ser restaurada unicamente pelo poder
imediato de Deus. 2 o . Em contradistinção do estado defei-
t u o s o da atual n a t u r e z a d e p r a v a d a do h o m e m . Ela n ã o
comunica, porém, novas verdades ao espírito, nem d i m i n u i
de modo algum o dever do cristão de estudar a Palavra de Deus

642
A Regeneração

com diligência e oração, nem conduz a interpretações fanta-


siosas das Escrituras, e alheias ao sentido claro da letra: ela
simplesmente conduz à percepção e à apreciação da beleza
natural e do p o d e r espiritual da Palavra i n s p i r a d a e das
verdades nela reveladas.

14. Como se pode provar que os crentes recebem essa iluminação?


I o . É necessária - 1 Cor. 2:14; 2 Cor. 3:14; 4:3; João 16:3.
Pela constituição da nossa natureza é necessário que apre-
endamos um objeto como amável antes de podermos amá-lo
por amor de si mesmo.
2 o . As Escrituras afirmam essa verdade expressamente.
Conhecer a Deus é vida eterna - João 17:3; 1 Cor. 2:12,13; 2
Cor. 4:6; Ef. 1:18; Fil. 1:9; Col. 3:10; 1 João 4:7; 5:20; Sal.
19:9,10; 43:3,4.
S e n d o a alma u m a u n i d a d e , u m a m u d a n ç a em suas
radicais disposições morais m u d a necessária e simultanea-
mente o exercício de todas as suas faculdades, em relação aos
objetos morais e espirituais. A alma não pode amar aquilo cuja
beleza não percebe, nem pode ver beleza naquilo que nada
tem de análogo à sua natureza. O primeiro objeto, pois, pro-
duzido na ordem da natureza pela regeneração, ou por uma
mudança radical da disposição moral, é que se abram os olhos
do nosso entendimento para verem a excelência da verdade
divina; o segundo efeito é que amemos a excelência assim
percebida. Isto é o que o Presidente Edwards (Religions Affec-
tions) chama "o sentido do coração".

15. Qual o sentido da convicção de pecado que acompanha


a regeneração?
A iluminação espiritual conduz o h o m e m não regenerado
imediatamente à percepção da justiça, da bondade e do imenso
alcance e exatidão da lei de Deus, e também, por contraste, à
percepção da grande culpabilidade do pecado no abstrato, Rom.
7:7,13, e, sobretudo, do seu próprio pecado - revelando-lhe

643
Capítulo 29

assim, em contraste com a pureza e com a justiça divinas, a


corrupção do próprio coração, que ele merece a condenação, e
que, em todas as suas relações com Deus, é totalmente incapaz
de fazer algo que seja b o m - Jó 42:5,6. Este é um conhecimento
prático e experimental - produzido pela luta do Espírito Santo
com o h o m e m (João 16:8) - da sua culpa, da sua corrupção e
da sua impotência moral e espiritual.

16. Qual a natureza dessa convicção de pecado quemuitas vezes


ocorre antes da regeneração ou sem ela, e como se pode distinguir
essa falsa convicção daquela que é verdadeira?
A consciência natural é um elemento essencial e indestru-
tível da n a t u r e z a h u m a n a , e nela se a c h a m i n c l u í d o s o
sentimento do bem e do mal, e emoções dolorosas associadas
com o sentimento do mal. Conquanto esta faculdade possa ser
pervertida por algum tempo e possa tornar-se endurecida a
sensibilidade associada com ela, contudo, pode ser e muitas
vezes é vivificada, no caso dos não regenerados, para uma
atividade penosa, levando à convicção do desmerecimento, da
corrupção, da impotência e do perigo. No m u n d o futuro isso
constituirá em grande parte os sofrimentos dos perdidos.
Por outro lado, a convicção de pecado que é peculiar aos
regenerados distingue-se por ser acompanhada do sentimento
da beleza positiva da santidade e de um desejo ardente de não
somente ver-se livre das angústias do remorso, mas princi-
palmente da corrupção e do domínio do pecado.

17. Qual a natureza desses novos afetos que são a conseqüência


da renovação do coração, e como se distinguem dos exercícios dos
homens não renovados?
A i l u m i n a ç ã o espiritual p r o d u z a percepção daquela
beleza que os afetos renovados do coração aceitam e em que
encontram prazer. São espirituais, porque são formados dentro
de nós e mantidos em exercício pelo Espírito de Deus. São
santos, porque os seus objetos são santos, e porque têm prazer

644
A Regeneração

nos seus objetos por serem santos. Por outro lado, os afetos dos
homens não regenerados, por mais puros e até religiosos que
sejam, são apenas naturais em sua origem e terminam unica-
mente em objetos naturais. Tais h o m e n s podem ser gratos a
Deus pelos benefícios dEle recebidos, mas nunca O a m a m
simplesmente pelas perfeições da Sua natureza.

18. Qual a natureza da nova obediência resultante da


regeneração, e em que difere da moralidade?
A lei perfeita é espiritual e, por conseguinte, exige perfeita
conformidade quanto a ser, como também quanto a agir; é
necessário que os princípios centrais e dominantes de vida
estejam em harmonia com ela. Portanto, o homem regenerado
pensa, sente e age de conformidade com o espírito de toda a
Palavra de Deus, até onde lhe está revelada, e isso ele faz porque
é Palavra de Deus, e porque deseja sobretudo glorificá-10. Os
afetos santificados são a origem, a lei perscrutadora do coração
c a regra, a glória de Deus é o fim, e o Espírito Santo é o coope-
rador em todos os atos de obediência cristã.
A moralidade, ao contrário, tem sua origem nos afetos
meramente naturais; sua única mira é a conformidade dos atos
externos com a letra da lei, enquanto que o eu, em alguma
forma de justiça própria, reputação, fama ou felicidade, é o
fim determinador.

19. Como se pode provar a absoluta necessidade da regeneração?


I o . As Escrituras afirmam essa necessidade - João 3:3;
Rom. 8:6; Ef. 2:10; 4:21-24.
2 0 . E provada pela natureza do homem como pecador -
Rom. 7:18; 8:7-9; 1 Cor. 2:14; Ef. 2:1.
3 o . Pela natureza do céu - Is. 35:8; 52:1; Mat. 5:8; 13:41;
Heb. 12:14; Apoc. 21:27. A restauração da santidade é o grande
fim que o plano inteiro da salvação tem em vista - Ef. 1:4;
5:5,26,27.

645
Capítulo 29 j

20. As crianças podem ser regeneradas? Se podem, qual a


v
natureza da sua regeneração?
As crianças, b e m c o m o os adultos, são agentes racionais e
m o r a i s , e por n a t u r e z a t o t a l m e n t e depravadas. A diferença é
q u e nas crianças as faculdades estão em g é r m e n , ao passo q u e
nos a d u l t o s se acham desenvolvidas. Sendo a regeneração u m a
m u d a n ç a operada pelo p o d e r criador na i n e r e n t e condição
m o r a l da alma, é claro que essa m u d a n ç a p o d e ser e f e t u a d a
nas crianças e x a t a m e n t e no m e s m o s e n t i d o em q u e se efetua
n o s a d u l t o s ; em a m b o s os casos a operação é miraculosa e, por
isso, inescrutável.
O fato é estabelecido pelo que as Escrituras ensinam quanto
à depravação inata, à salvação das crianças que m o r r e m , à
circuncisão e ao b a t i s m o de crianças - L u c . 1:15; 18:15,16;
Atos 2:39. Veja abaixo, Cap.42.

. • - DECLARAÇÕES AUTORIZADAS

DOUTRINA ROMANA - Cone. de Trento, Sessão 6, Cap.


7: "A justificação (regeneração) não é somente a remissão
dos pecados, mas a santificação e renovação do homem
interior, pela voluntária recepção da graça e dos dons; pelo
que o homem passa de injusto para justo, e passa de inimigo
para amigo, a fim de ser herdeiro segundo a esperança da
vida eterna. As causas desta justificação são as seguintes:
a causa final, a glória de Deus e de Cristo, e a vida eterna;
a causa eficiente, a misericórdia de Deus que, gratuitamente,
lava e santifica, a s s i n a l a n d o e u n g i n d o com o Santo
Espírito da promessa, que é o penhor da nossa herança;
quanto à causa meritória, é esta o Seu diletíssimo Filho
u n i g é n i t o , nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo nós
i n i m i g o s , pelo n í m i o a m o r com que nos a m o u , nos
mereceu a justificação, e satisfez por nós ao Pai eterno,
com Sua santíssima paixão no lenho da cruz. A causa
instrumental é o sacramento do batismo, que é o sacra-
m e n t o da fé, sem a qual ninguém jamais se justificou.

646
A Regeneração

Finalmente, a única causa formal é a justiça de Deus; não


aquela com a qual Ele é justo, mas aquela com a qual nos
faz justos; por ela, sendo-nos concedida pelo Senhor, a
nossa alma fica espiritualmente renovada, e não somente
somos reputados justos, porém verdadeiramente se nos
dá este nome, e o somos".
DOUTRINA LUTERANA - Hase, Formula Concord., pág.
379: " P o r q u e a conversão é tal m u d a n ç a do h o m e m
mediante a operação do Espírito Santo na inteligência,
na vontade e no coração do homem que este pode (isto é,
mediante a operação do Espírito Santo) aceitar a graça
oferecida". Ib., pág. 681: "Mas a inteligência e a vontade
do h o m e m ainda não renovado c o n s t i t u e m os únicos
objetos da conversão, porque são a inteligência e a vontade
do h o m e m morto espiritualmente, em quem o Espírito
Santo opera a conversão e a renovação; para esta obra o
homem que vai ser convertido não contribui com nada,
todavia ela é realizada nele até que seja regenerado. Mas
depois, permanecendo noutras boas obras, ele coopera com
o Espírito Santo, fazendo as coisas que agradam a Deus,
daquela maneira que já foi exposta p l e n a m e n t e neste
tratado".
DOUTRINA REFORMADA e DOUTRINA REMONS-
TRANTE. Veja Cap. 28, acima.

,'í • : . •••

647
30

A Fé

1. Qual é, segundo a sua etimologia e o uso do Novo Testa-


mento, o significado da palavra pístis, "fé", "crença"?
E derivada da palavra peithó, persuasão ou convicção. No
Novo Testamento é empregada -
I o . Para significar o estado do espírito que é induzido pela
persuasão - Rom. 14:22.
2 o . Muitas vezes significa boa fé, fidelidade, sinceridade -
R o m . 3:3; Tito 2:10.
3 o . Assentimento à v e r d a d e - F i l . l : 2 7 ; 2 T e s s . 1:13.
4 o . Fé para com Deus ou em Deus - H e b . 6:1; 1 Tess. 1:8;
1 Ped. 1:21; Marcos 11:22. Fé em Cristo, Atos 24:24; Gál. 3:26;
e no Seu sangue, Rom. 3:22,25; Gál. 2:16,20.
/

5 o . E empregada no sentido de objeto da fé, a saber, a


revelação do e v a n g e l h o - R o m . 1:5; 10:8; 1 T i m . 4:1. -
Robinson,L^x. ofthe New Testament.

2. Quais os diversos significados do verbo pisteúein (crer) e


da frase pisteúein eis ou epi {crer em))
I o . Assentir à verdade, ser persuadido dela - Luc. 1:20;
João 3:12.
2 o . D a r crédito a u m a pessoa e à sua verdade - João 5:46.
3 o . Confiar ou ter confiança em - Atos 27:25.
A frase pisteúein eis ou epí é e m p r e g a d a s e m p r e p a r a
exprimir confiança c u l m i n a n d o em Deus, ou em Cristo
como Mediador. Diz-se muitas vezes que cremos ou damos

648
A Fé

crédito a Moisés e a outros que e n s i n a r a m a verdade, mas


podemos crer só em D e u s ou em Cristo. Em Deus, João 14:1;
Rom. 4:24; 1 Ped. 1:21. Em Cristo, João 14:1; Atos 16:31; João
3:15-18.

3. Como se pode definir fé?


Fé é um ato complexo da alma, que envolve a ação con-
corrente da inteligência e da vontade, sendo modificada em
diversos casos do seu exercício pela natureza do seu objeto e
pelas p r o v a s em que se baseia. A d e f i n i ç ã o m a i s geral é
"assentimento à verdade, depois de apresentadas as provas
apropriadas. Mas é claro que a sua natureza deve variar segundo
a natureza da verdade crida, e especialmente segundo a natureza
das provas sobre as quais se baseia o nosso assentimento. O
assentimento dado a u m a verdade abstrata ou especulativa é
um ato especulativo; o assentimento dado a uma verdade moral
é um ato moral; o assentimento dado a u m a promessa feita a
nós é um ato de confiança. Nossa crença em que a terra gira
sobre o seu eixo é um mero assentimento; nossa crença na
excelência da virtude é da natureza de um juízo moral; nossa
crença n u m a promessa é um ato de confiança". Assim também
com respeito às provas em que se baseia a nossa fé. "O m e s m o
h o m e m pode crer na mesma verdade por motivos diversos.
Um pode crer na verdade do sistema cristão s o m e n t e porque
outros ao seu redor crêem nela, e porque foi criado de modo
que nela cresse sem questionar; essa fé é na verdade cre-
d u l i d a d e . O u t r o p o d e crer nela por causa de suas provas
externas, e.g., milagres, profecias, história, harmonia lógica com
o sistema ou p l a u s i b i l i d a d e c o m o teoria para explicar os
f e n ô m e n o s da c r i a ç ã o e da p r o v i d ê n c i a . E s t a é u m a fé
especulativa. O u t r o pode crer porque as verdades da Bíblia
r e c o m e n d a m - s e à sua razão e à sua consciência, e concordam
com a sua experiência interna. Esta fé é baseada em provas
morais. Existe ainda outra fé que, porque o h o m e m sente e
ama a excelência moral das verdades cristãs, é baseada em sua

649
Capítulo 30 j|

intrínseca excelência, beleza e adaptação às nossas necessidades.


Esta é fé espiritual, que é dom de Deus" - Hodge, Way of Life.
Fé religiosa é "crença na verdade sob o testemunho de Deus".
Abrange, (1 )Notitia, conhecimento; (2 )Assensus, assentimento;
(3)Fiducia, confiança.

4. Até onde a fé é um ato da inteligência, e até onde é um ato


da vontade?
A alma una e indivisível sabe, conhece e ama, deseja e
decide, e estes diversos atos da alma reúnem-se sobre o mesmo
objeto. A alma não pode amar, nem desejar, nem escolher
aquilo que não conhece, nem pode ela conhecer um objeto
como b o m ou verdadeiro sem que haja alguma afeição da
vontade para com ele. O assentimento dado a uma verdade
especulativa pode ser simplesmente um ato da inteligência;
mas a crença n u m a verdade moral, n u m t e s t e m u n h o , em
promessas, é necessariamente um ato complexo, abrangendo
a vontade bem como a inteligência. A inteligência apreende a
verdade a crer, e avalia a validade das provas; mas a disposição
para crer no testemunho, ou nas provas morais, tem sua base
na vontade. A real confiança n u m a promessa é um ato da
vontade, e não somente um juízo da inteligência sobre a fé
que a promessa merece. Há uma relação exata entre o juízo
moral e os afetos, e a vontade, como a sede dos afetos morais,
determina os juízos morais. Por isso, assim como o h o m e m é
responsável por sua vontade, também o é por sua fé.
Até onde a fé inclui em si um ato de "cognição", ela é
evidentemente um ato da inteligência. Entretanto até onde
inclui em si "assentimento" c "confiança", envolve também as
faculdades espontâneas e ativas da alma - "a vontade" - e nos
seus exercícios superiores envolve muitas vezes a própria
volição proposital.

5. Qual a diferença entre conhecimento e fé?


Falando em termos gerais, conhecimento é a apreensão

650
A Fé

de um objeto c o m o verdadeiro, e fé é o assentimento dado à


sua verdade. E evidente, pois, que neste sentido geral do termo,
todos os exercícios da fé incluem em si o c o n h e c i m e n t o do
objeto ao qual se dá assentimento. E impossível distinguir entre
a apreensão da verdade, de u m a verdade p u r a m e n t e especu-
lativa, e o assentimento que se lhe dá reconhecendo-a como
v e r d a d e i r a . E m tais casos, f é e c o n h e c i m e n t o p a r e c e m
idênticos. Mas, c o n q u a n t o a apreensão da confiabilidade de
uma promessa merece fé seja c o n h e c i m e n t o , a confiança na
promessa é fé. A apreensão da verdade moral de um objeto é
conhecimento; o assentimento dado a ele, reconhecendo-o como
b o m e desejável, é fé.
As vezes é empregada a palavra c o n h e c i m e n t o nas Escri-
turas c o m o equivalente à f é - J o ã o 10:38; 1 João 2:3.
G e r a l m e n t e , p o r é m , as E s c r i t u r a s e m p r e g a m o t e r m o
conhecimento só para designar a apreensão daquelas idéias que
derivamos m e d i a n t e as fontes naturais da razão, da sensação e
do t e s t e m u n h o h u m a n o , e n q u a n t o o t e r m o fé é aplicado
s o m e n t e ao assentimento dado às verdades que se apoiam no
testemunho direto de Deus somente, e reveladas objetivamente
nas Escrituras e apreendidas m e d i a n t e a iluminação espiritual.
Assim a fé é " u m a r g u m e n t o (a prova) das coisas que não
/

a p a r e c e m " - H e b . 11:1, F i g u e i r e d o . E - n o s o r d e n a d o que


a n d e m o s "por fé, e não por vista" - 2 Cor. 5:7. Aqui a distinção
entre fé e conhecimento tem referência especialmente ao modo
de conhecer. Um é natural e discursivo, o outro é sobrenatural
e intuitivo.

6. Qual a distinção que os católicos romanos fazem entre fé


implícita e explícita?
Os católicos e os protestantes concordam em que não é
essencial à fé que o seu objeto seja compreendido pela inte-
ligência. Mas, por outro lado, os protestantes afirmam e os
católicos negam que é essencial que o objeto em que se crê
seja a p r e e n d i d o pela inteligência, isto é, que o c o n h e c i m e n t o

651
Capítulo 30

daquilo em que se crê é essencial à fé. Os católicos romanos


inventaram, então, a distinção entre fé explícita, que termina
em um objeto distintamente apreendido pela inteligência, e
fé implícita, que é a de quem crê na verdade de u m a proposição
a cujo respeito nada sabe. Eles sustentam que aquele que exerce
fé explícita n u m a proposição geral, exerce assim fé implícita
em t u d o quanto se acha incluído nela, quer saiba o que é, quer
não o saiba. Se, por exemplo, um h o m e m tem fé explícita em
que a igreja católica é mestra infalível, ele exerce desse m o d o
fé virtual ou implícita em todas as doutrinas ensinadas pela
igreja, m e s m o se as ignorar. Além disso, eles distinguem entre
as verdades que é preciso considerar com fé explícita, e as que
p o d e m ser sustentadas implicitamente. Seu ensino c o m u m é
que o povo precisa crer explicitamente s o m e n t e em três
doutrinas: I a . que há Deus; 2 a . que Ele é remunerador, inclu-
sive de recompensas e castigos futuros; 3 a . que é salvador.
"Esta doutrina foi recentemente ressuscitada pelos puse-
ítas, sob o título de reserva. Diziam eles que as verdades
distintivas do evangelho, em vez de serem claramente apre-
sentadas, deveriam se escondidas ou mantidas em reserva. O
povo pode olhar para a cruz como o símbolo da redenção, mas
não é necessário que saiba se é à sua forma, ao seu material ou
ao grande sacrifício que foi oferecido u m a vez por todas sobre
ela que se deve a eficácia da redenção. "A luz religiosa são trevas
intelectuais", dizia o Dr. Newman. Essa teoria baseia-se na
m e s m a s u p o s i ç ã o falsa de que é possível h a v e r fé s e m
conhecimento" - Dr. Hodge.

7. Qual é a diferença entre conhecer e compreender uma coisa,


e até onde o conhecimento é essencial àfé?
Sabemos ou conhecemos uma coisa quando a apreen-
demos simplesmente como verdadeira. Somente a compre-
e n d e m o s q u a n d o c o m p r e e n d e m o s p e r f e i t a m e n t e a sua
natureza, e a perfeita harmonia de todas as suas propriedades
umas com as outras e com todo o sistema das coisas de que ela

652
A Fé

faz parte. Conhecemos a doutrina da T r i n d a d e q u a n d o as suas


diversas partes nos são expostas; porém não há criatura que a
possa compreender.
Q u e o c o n h e c i m e n t o ou u m a simples apreensão do objeto
em q u e se crê ou confia é essencial à fé é evidente da própria
natureza dela. Fé é esse estado de espírito que tem a relação de
assentimento dado a certo objeto, envolvendo aquela ação da
inteligência e da vontade que é apropriada ao dito objeto.
Q u a n d o alguém ama, teme ou crê, é necessário que ame, tema
ou creia em algum objeto, p o r q u e é claro que estes estados de
espírito só p o d e m existir em relação a seus objetos apropriados.
Se n ã o se achar presente um objeto real, a imaginação p o d e r á
apresentar um objeto idealizado; mas é necessário que essa
m e s m a ficção da imaginação seja apreendida (ou conhecida)
como verdadeira, antes que se lhe possa dar o a s s e n t i m e n t o
como verdadeira (ou que se possa crer nela). Assim c o m o é
impossível que alguém goze do belo sem que o apreenda em
algum objeto do espírito, ou que exerça a m o r c o m p l a c e n t e
n u m ato virtuoso sem que perceba o ato, assim t a m b é m , e pelos
m e s m o s motivos, é impossível que um h o m e m exerça fé sem
que saiba o que ou em que é que ele crê. " F é implícita" é u m a
f ó r m u l a i n t e i r a m e n t e sem sentido.

8. Como se pode provar pelas Escrituras que conhecimento é


essencial à fé?
I o . Pela etimologia da palavra pístis, de peito, persuadir,
instruir. Fé é um estado de espírito resultante da instrução.
2 o . Pelo uso nas Escrituras do t e r m o c o n h e c i m e n t o como
s i n ô n i m o de f é - J o ã o 10:38; 1 João 2:3.
3 o . Pelo que as Escrituras ensinam quanto às fontes da fé.
Esta vem pela instrução - Rom. 10:14-17.
4 o . As E s c r i t u r a s d e c l a r a m q u e os r e g e n e r a d o s são
esclarecidos, receberam a unção e sabem todas as coisas - Atos
26:18; 1 Cor. 2:12-15; Col. 3:10.
5 o . Os meios de salvação consistem na disseminação da

653
Capítulo 30 \

verdade. Cristo é o grande instrutor. Os ministros do evange-


lho são instrutores - 1 Cor. 4:1; 1 T i m . 3:2; 4:13. Os cristãos
são gerados pela verdade, são santificados pela v e r d a d e -
João 17:19; Tiago 1:18 - Dr. Hodge.

9. Como se deve explicar as passagens que falam do


conhecimento como distinto da fé?
Conquanto todo ato de fé pressuponha um ato de conhe-
cimento, contudo, tanto a fé como o conhecimento variam
muito, tanto com relação à natureza do objeto conhecido e
crido, como à maneira pela qual se recebe o conhecimento, e
também com relação à evidência em que se apoia a fé. A fé
que as Escrituras d i s t i n g u e m do c o n h e c i m e n t o é a forte
persuasão de coisas não vistas. E a convicção da verdade de
coisas que estão além do círculo da nossa observação, que
p o d e m t r a n s c e n d e r i n t e i r a m e n t e as faculdades da nossa
inteligência e cuja existência só é garantida pelo testemunho
de Deus. Neste t e s t e m u n h o a fé descansa, apesar de tudo
quanto pareça inconseqüente ou impossível à razão humana.
Posto que o conhecimento seja essencial à fé, pode-se
distinguir dela - I o . A fé abrange em si também um ato da
vontade assentindo, além do ato da inteligência apreendendo.
2 o . O conhecimento derivado de uma fonte natural distingue-
-se do que é derivado de uma fone divina. 3 o . Como atual
apreensão imperfeita das coisas divinas, apreensão que é fé,
esta difere do conhecimento perfeito das coisas divinas que
3
teremos no céu - 1 Cor. 13:12.

10. Se na fé se acha necessariamente compreendido o


conhecimento, como se pode ordenar aos homens que creiam?
I o . A ninguém jamais se ordena que creia naquilo que
não lhe foi revelado, ou pela luz da natureza, ou peia Palavra
inspirada.
2°. A ninguém jamais se ordena que creia n u m a verdade
meramente especulativa. As verdades da religião apóiam-se

654
A Fé

no t e s t e m u n h o de Deus. Este é reforçado por provas morais, e


a fé nessas verdades envolve c o n h e c i m e n t o moral e espiritual
delas e gozo nelas. Provas morais só p o d e m ser d e v i d a m e n t e
apreciadas por q u e m possui sensibilidade moral; e a insen-
sibilidade moral que leva à cegueira q u a n t o à distinção entre
o b e m e o mal, é ela m e s m a um estado de depravação extrema.
A s E s c r i t u r a s , pois, l u m i n o s a s pela sua p r ó p r i a l u z
evidenciai, apresentam a verdade a todos a q u e m chega o seu
c o n h e c i m e n t o , e e x i g e m q u e eles a c e i t e m a v e r d a d e ao
receberem o t e s t e m u n h o de Deus. Se alguém sentir que a
evidência n ã o é conclusiva para ele, a causa n ã o p o d e deixar
de ser a cegueira pecaminosa do seu espírito. Por isso Jesus
Cristo diz; " N ã o quereis vir a m i m para terdes vida" - João
5:40. E a incredulidade é sempre lançada à culpa do "coração
mau".

11. Quais os motivos fundamentais do assentimento dado à


verdade, que é da essência da fé?
Em geral, a base f u n d a m e n t a l em que se f u n d a o nosso
a s s e n t i m e n t o à verdade de qualquer objeto de c o n h e c i m e n t o
é a veracidade de Deus. O t e s t e m u n h o dos nossos sentidos e as
intuições da nossa razão firmam-se todos em Sua veracidade
c o m o C r i a d o r . P r a t i c a m e n t e s o m o s l e v a d o s a d a r este
assentimento pela confiança universal e instintiva que temos
na constituição da nossa própria natureza.
A fé religiosa funda-se, I o . na fidelidade de D e u s como
essa nos é garantida em Sua revelação sobrenatural, João 3:33;
2 o . na evidência da i l u m i n a ç ã o espiritual, da experiência
pessoal do poder da verdade, e do t e s t e m u n h o do Espírito
Santo, o Santificador, e, assim, não "em sabedoria dos homens,
mas no poder de D e u s " - 1 Cor. 2:5-12.

12. Quais as duas espécies de provas pelas quais sabemos que


Deus revelou certas verdades como objetos de fé?
I a . A evidência que reside na p r ó p r i a verdade moral,

655
1
Capítulo 30

espiritual, experimental, racional - João 6:63; 7:17,26; Jer.


33:29.
2 a . A evidência abonadora da presença e do poder de Deus
a c o m p a n h a n d o a propagação da verdade e provando que esta
veio dEle. Consta de milagres, dispensações providenciais,
c u m p r i m e n t o de profecias, etc. - João 5:36; Heb. 2:4.

13. Como se pode mostrar que a autoridade da Igreja não é


base para a fé?
Veja acima, Cap. 5, Perg. 13.

14. Qual a natureza da fé histórica, e qual a evidência em que


se funda?
A espécie de fé p u r a m e n t e racionai, que se chama fé
histórica, é aquela apreensão da verdade, e o assentimento dado
a ela, que a considera unicamente em seus aspectos puramente
racionais como meros fatos históricos, ou meras partes de um
s i s t e m a lógico de o p i n i ã o . Sua e v i d ê n c i a a p r o p r i a d a é
p u r a m e n t e racional, isto é, a explicação dada pelas Escrituras
dos fatos da história e da experiência, e a evidência dos milagres,
das profecias, da história, etc.

15. Qual a natureza da fé temporária, e qual a evidência em


que se funda?
Fé temporária é o estado de espírito em que se acham
m u i t a s vezes neste m u n d o os i m p e n i t e n t e s que ouvem o
evangelho, e que é induzido pela evidência moral da verdade,
pelas influências comuns do Espírito Santo, e pelo poder da
simpatia religiosa. As vezes a imaginação exaltada apropria-se
com regozijo das promessas do evangelho - Mat. 13:20. Outras
vezes, o homem, à semelhança de Félix, crê e treme. Muitas
vezes é impossível, a princípio, distinguir entre este estado de
espírito e a fé verdadeira e salvadora. Mas, não nascendo de
uma obra divina de regeneração, ela não tem raiz nos princípios
permanentes do coração. E, pois, sempre, I o . ineficaz, não

656
A Fé

purificando o coração nem vencendo o m u n d o ; 2 o . temporária.

^ 16. Qual a evidência específica em que se funda a fé salva-


dora?
/

| E a luz que o coração recebe do Espírito Santo em Sua


obra de iluminação espiritual. Assim são apreendidas a beleza,
a excelência e a adaptação da verdade às suas necessidades
práticas por quem dá entrada a essa luz. Com isso o testemunho
do Espírito Santo coopera com a verdade e por meio dela - 1
Cor. 2:4,5; Rom. 8:16; 2 Cor. 4:6; Ef. 2:8.

17. Como se pode provar pelas Escrituras e pela experiência


que a iluminação espiritual é a base da fé salvadora?
I o . As Escrituras, onde quer que cheguem, exigem incon-
dicional, imediata e universalmente de todos, tanto dos mais
inteligentes como dos mais ignorantes, que as recebam e nelas
creiam, e a incredulidade é sempre taxada de pecado, e não
como se fosse mera ignorância ou incapacidade mental. A fé
que elas exigem deve, pois, ser um ato moral e deve depender
da congruência espiritual do crente com a verdade.
2 o . Por natureza os homens são cegos espiritualmente, e o
seu coração é " u m coração mau e infiel" - 2 Cor. 3:14; 4:4;
Heb. 3:12.
3 o . Os crentes são descritos como esclarecidos e capazes
de discernir as coisas do Espírito - Atos 13:48; 2 Cor. 4:6; Ef.
1:17,18; 1 João 2:20,27; 5: 9,10.
4 o . Os homens crêem porque são ensinados por Deus -
João 6:44,45.
5 o . Todo cristão tem consciência do que crê porque vê que
a verdade crida é verdadeira, bela, poderosa e satisfatória.
6 o . Provam-no os efeitos da fé. "Diz-se que vivemos por
fé, que somos santificados pela fé, que vencemos pela fé
e q u e s o m o s salvos pela fé. Um c o n s e n t i m e n t o cego à
autoridade, ou uma convicção racional, não produzem
semelhantes efeitos; se os efeitos são espirituais, segue-se

657
Capítulo 30

que a sua origem deve ser espiritual."

18. Quais as diversas opiniões a respeito da relação entre a fé


e a confiança?
Em conseqüência da sua doutrina da fé implícita, segundo
a qual nada se exige além de um assentimento cego ao ensino
da igreja, os romanistas (católicos) negam necessariamente que
a confiança é da essência da fé salvadora.
Os sandemanianos, como os campbelitas, sustentando que
a fé é simplesmente um juízo afirmativo da inteligência, um
juízo a respeito da verdade, em conformidade com a evidência,
negam também que a confiança é um elemento essencial da fé
salvadora.
Alguns teólogos ortodoxos têm sustentado que a confiança
deve antes ser considerada como uma imediata e invariável
conseqüência da fé salvadora, em vez de um elemento dessa
própria fé.
A fé religiosa, sendo resultado da iluminação espiritual,
respeita a Palavra total e completa de Deus e Seu testemunho,
e, como tal, é um estado complexo do espírito, variando com a
n a t u r e z a da p a r t e especial das verdades reveladas que é
contemplada em qualquer ato especial. Muitas das proposições
das Escrituras não são objetos de confiança, e então a fé que as
aceita é somente um assentimento complacente e reverente
dado a elas como verdadeiras e boas. Mas o ato específico de fé
que nos une a Cristo e é o começo, a raiz e o órgão de toda a
nossa vida espiritual, culmina na Pessoa e na obra de Cristo
como Mediador, como nos são apresentadas nas ofertas e nas
promessas do evangelho. Isso por certo inclui em sua própria
e s s ê n c i a a c o n f i a n ç a , e a esta fé se c h a m a , p o r via de
proeminência, "fé salvadora", porque é a fé que salva, e porque
é só por ela, como seu princípio, que são possíveis outros
quaisquer exercícios mais gerais da fé salvadora.

658
A Fé

19. Como se pode provar pela linguagem das Escrituras que


11 fé salvadora inclui em si a confiança?
A condição u n i f o r m e e única que as Escrituras impõem
corno necessária à salvação é a expressa nas palavras "crê em
Cristo" - João 7:38; Atos 9:42; 16:31; Gál. 2:16. O ato de crer
cm uma pessoa envolve necessariamente confiança b e m como
crédito.
O m e s m o fica provado a b u n d a n t e m e n t e pelo uso da frase
"pela fé em Cristo" - 2 T i m . 3:15; Atos 26:18; Gál. 3:26; Heb.
11:1. A fé é a substância das coisas esperadas, mas o f u n d a -
mento da fé é a confiança.

20. Como se pode provar a mesma verdade pelas expressões


empregadas nas Escrituras equivalentes à frase "crer em Cristo"?
"Receber a C r i s t o " - J o ã o 1:12; Col. 2:6. "Olhar para Ele"
- Is. 45:22; comparar N ú m . 21:9 com João 3:14,15. " P ô r nosso
refúgio nEle" - Heb. 6:18. "Vir a Ele" - João 6:35; Mat. 11:28.
"Confiar-Lhe (o depósito) para o guardar" - 2 Tim. 1:12. Todas
essas expressões não só c o m u n i c a m mas t a m b é m elucidam o
ato da fé salvadora, e todas envolvem confiança como elemento
essencial; porque não podemos "receber", "ir a Cristo", "olhar
para Ele" senão em função do caráter de u m a propiciação
realizada por Cristo como advogado e libertador, em que Ele
Se nos oferece.

21. Como se pode provar a mesma verdade pelos efeitos que


as Escrituras atribuem à fé?
As Escrituras declaram que pela fé os cristãos "alcançam
as promessas", "são persuadidos das promessas", "de fracos
tornam-se fortes", "são fortes no combate", "confessam que
são estrangeiros e peregrinos que buscam uma pátria melhor".
Assim como a fé n u m a ameaça necessariamente envolve medo,
assim t a m b é m a fé n u m a promessa necessariamente envolve
confiança.
Além disso, a fé funda-se na fidelidade de Deus e, por

659
Capítulo 30

isso, necessariamente envolve confiança - Heb. 10:23, e todo o


capítulo 11.

22. Como se pode mostrar que estas idéias a respeito da fé não


confundem a fé e a esperança?
Contra a nossa doutrina de que a fé salvadora envolve
confiança, os católicos romanos objetam que desse m o d o
c o n f u n d i m o s a fé e a esperança, que as Escrituras distinguem
- 1 Cor. 13:13, p o r q u e a esperança é s o m e n t e u m a forte
confiança. Entretanto a esperança não é somente uma forte
confiança. A confiança funda-se na base que nos dá certeza,
enquanto que a esperança contempla o objeto futuro, a cujo
respeito nos é dada certeza. A esperança é fruto da confiança.
Q u a n t o maior a confiança, tanto mais segura a esperança.

23. Quais as diversas opiniões a respeito da relação entre a fé


e o amor, e da distinção romanista (católica) entre "fides informis"
e "fides formata"?
I a . Para manterem a sua doutrina de que a fé, só, não é
salvadora, os católicos distinguem entre uma fé perfeita, ou
formada, e uma fé não formada. Reconhecem que a fé é coisa
distinta do amor, mas sustentam que o amor é essencial para
tornar a fé meritória e eficaz como o meio da nossa salvação.
Fides informis é um s i m p l e s a s s e n t i m e n t o , e x p l í c i t o ou
implícito, dado ao ensino da igreja. Precede necessariamente
à "justificação" como sua condição. Fides formata é f r u t o da
primeira justificação e é a condição daquelas boas obras que
merecerem maior graça.
2 a . Alguns dizem que o amor é a raiz de onde nasce a fé.
3 a . A doutrina verdadeira é que o amor é efeito imediato e
necessário da fé. A fé inclui em si a apreensão espiritual da
beleza e excelência da verdade, e um ato da vontade aceitando-
-a e confiando nela. Contudo, essas duas graças não podem ser
separadas analiticamente, porque se envolvem mutuamente.
Não pode haver fé sem amor, nem amor sem fé. A fé apreende

660
A Fé

a beleza do objeto, e o coração ama-o e s p o n t a n e a m e n t e . É


assim que "a fé obra pelo amor", p o r q u e esses afetos são a
origem dos motivos que dirigem a vontade.
E i m p o s s í v e l c o n c i l i a r a d o u t r i n a r o m a n i s t a c o m os
princípios essenciais do evangelho. A fé não é obra, e não pode
ter m e r e c i m e n t o algum, quer f o r m a d a quer não formada; é
essencialmente um ato em que nos despejamos inteiramente e
que nos salva p o r q u e nos valemos dos merecimentos de Cristo.
Ela nos leva a fazer boas obras e manifesta-se nos seus frutos,
m a s em sua relação c o m a justificação é, em sua p r ó p r i a
natureza, um protesto solene contra o mérito de todas as obras
h u m a n a s - Gál. 3:10,11; Ef. 2:8,9.
A doutrina protestante, de que o amor é f r u t o da fé, fica
estabelecida pelo que as Escrituras declaram a respeito da fé,
no sentido de que ela "santifica", "obra pelo a m o r " e "vence o
m u n d o " - Gál. 5:6; Atos 26:18; 1 João 5:4. Isso é efetuado do
seguinte m o d o - pela fé somos u n i d o s a Cristo, Ef. 3:17, e
assim somos feitos participante do Seu Espírito, 1 João 3:24,
um dos frutos do Espírito é o amor, Gál. 5:22, e o a m o r leva à
obediência - R o m . 13:10.

24. Qual é o objeto da fé salvadora?


A iluminação espiritual da inteligência e a renovação dos
afetos, que lançam a base para a alma exercer fé em qualquer
parte do t e s t e m u n h o de Deus, lançam a base para ela exercer
fé em todo esse testemunho. Toda a Palavra revelada de Deus,
pois, até onde é conhecida do indivíduo, à exclusão de todas as
tradições, doutrinas de h o m e n s e revelações particulares, é
objeto da fé salvadora. Aquele ato particular cie fé, p o r é m , que
nos une a Cristo, chamada, por via de distinção, fé justificadora,
tem por seu objeto a Pessoa e obra de Cristo como Mediador -
João 7:38; Atos 16:31.

25. Que quer dizer um artigo de fé em distinção de um artigo


de opinião?

661
Capítulo 30

Os católicos sustentam que todo cristão é obrigado, sob


pena de condenação eterna, a crer como artigo de fé, fé explícita
se lhe for conhecido, fé implícita se não lhe for conhecido,
todo e qualquer dogma decidido pela igreja (católica) como
verdadeiro, quer seja derivado das Escrituras, quer da tradição.
Por outro lado, a respeito de todas as questões não decididas
pela igreja, todos são livres para crer ou não, como matéria de
opinião.

• 26. Qual é o critério anglicano ou puseíta para distinguir as


doutrinas que é necessário conhecer e crer para que alguém seja salvo ?
Os anglicanos ou puseítas concordam com os romanistas
(veja acima, Perg. 6) em sustentar que o conhecimento não é
essencial à fé; mas discordam deles quanto à regra de fé. Os
católicos tomam por essa regra o ensino da igreja papal; os
puseítas, ao contrário, tomam por regra o testemunho uniforme
da t r a d i ç ã o conservada na l i n h a de sucessão dos bispos
apostólicos.

27. Qual a doutrina comum aos protestantes quanto às coisas


fundamentais em religião, e por meio de que provas se pode saber
quais são essas causas fundamentais?
Toda a doutrina ensinada na Bíblia é objeto de uma fé
esclarecida e espiritual. N e n h u m princípio revelado, por mais
subordinado que pareça comparativamente, pode ser tido como
indiferente, e adotado ou rejeitado à vontade. Todo h o m e m é
obrigado a dar crédito ao testemunho todo de Deus. Contudo,
o e v a n g e l h o é um s i s t e m a l o g i c a m e n t e c o n s e q ü e n t e de
verdades, de cujos princípios algumas verdades são essenciais
à sua integridade, enquanto que outras verdades são essenciais
unicamente à simetria e à perfeição; e a ignorância, a fraqueza
de c o m p r e e n s ã o lógica e os preconceitos p o d e m levar, e
constantemente levam, bons homens a apreenderem imper-
feitamente este sistema de verdades.
U m a doutrina fundamental, pois, seria uma doutrina que

662
A Fé

todos p r e c i s a r i a m a p r e e n d e r m a i s o u m e n o s c l a r a m e n t e
para que pudessem ser salvos, ou é u m a d o u t r i n a que, q u a n d o
conhecida, acha-se tão e v i d e n t e m e n t e envolvida com aquelas
essenciais à salvação, que não se p o d e rejeitar aquela se se crê
realmente nessas.
Uma doutrina fundamental é determinada -
I o . Do m e s m o m o d o como se d e t e r m i n a m os princípios
essenciais de qualquer outro sistema, isto é, por sua relação
com o sistema como um todo.
2 o . Todas as d o u t r i n a s f u n d a m e n t a i s são c l a r a m e n t e
reveladas.
3 o . As próprias Escrituras as declaram essenciais - João
3:18; Atos 16:31; 1 Cor. 5:17; Gál. 2:21; 1 João 1:8.

28. Qual o objeto da "fides specialis",ou do ato específico de


fé pelo qual somos justificados?
A Pessoa e a obra do Senhor Jesus Cristo como Mediador.
Isso fica provado da seguinte maneira:
I o . As E s c r i t u r a s declaram e x p r e s s a m e n t e que somos
justificados por aquela fé da qual Cristo é o objeto - Rom.
3:22,25; Gál. 2:16; Fil. 3:9.
2 o . A Bíblia diz que somos salvos pela fé em Cristo - João
3:16,36; Atos 10:43; 16:31.
3 o . A fé justificadora é representada como um "olhar para
Cristo", um "vir a Cristo", etc. - João 1:12; 6:35,37; Is. 45:22.
4 o . E declarado que a rejeição de Cristo, isto é, a recusa a
sujeitar-se à justiça de Deus, é o motivo da reprovação - João
8:24; 3:18,19.

29. De que maneira a doutrina católica sobre este ponto é


oposta à doutrina protestante?
Os católicos, c o n f u n d i n d o a justificação e a santificação,
sustentam que a fé justifica m e d i a n t e a virtude santificadora
da verdade. Visto que toda a verdade revelada possui essa
v i r t u d e santificadora, segue-se que toda a revelação de Deus,

663
Capítulo 30 ^

como é compreendida conforme as decisões da igreja, é o objeto


da fé justificadora. Isso, porém, é refutado por tudo quanto
temos estabelecido por meio das Escrituras, a respeito da
justificação, da santificação e da fé.

30. Seria Cristo, em todos os Seus ofícios, objeto imediato da


fé justificadora, ou somente em Seu ofício de Sacerdote?
No ato de fé o crente apropria-se de Cristo e funda-se nEle
como Mediador, o que inclui todas as Suas funções como tal.
Essas funções podem ser distinguidas analiticamente, mas de
fato a c h a m - s e s e m p r e r e u n i d a s i n s e p a r a v e l m e n t e n E l e .
Q u a n d o Ele age como Profeta, ensina como Rei e Sacerdote.
Quando reina, está assentado como Profeta e Sacerdote em Seu
trono. Além disso, a alma despertada sente-se conscientemente
necessitada das obras profética e real de Cristo, e estas são
necessariamente apreendidas por ela como inseparáveis da
Sua obra sacerdotal, no ato de fé.
É verdade, porém, que, sendo a obra substitutiva que
Cristo realizou como Sacerdote o f u n d a m e n t o meritório da
nossa salvação, por isso o Seu caráter sacerdotal é o mais
proeminente, tanto nas Escrituras como na experiência do povo
de Deus.

31. Até onde a paz de consciência e a paz com Deus são


conseqüências necessárias da fé?
A paz com D e u s é a reconciliação com Ele. Paz de
consciência quer dizer, ou a consciência dessa reconciliação,
ou o apaziguamento da nossa consciência, que nos condena.
Em todo caso, a fé nos dá paz com Deus porque nos une a
Cristo, Rom. 5:1; e à medida que a fé em Cristo for clara e
constante, igualmente o serão a nossa consciência da recon-
ciliação com Deus e a satisfação do nosso sentido moral de
que a justiça foi cumprida e que estamos perdoados. Ao mesmo
tempo, assim como a fé pode ser obscurecida pelo pecado*
assim também o verdadeiro crente pode cair no desagrado de

664
A Fé

seu Pai e p e r d e r a convicção de que está p e r d o a d o , c o m o


t a m b é m p e r d e r a sua s a t i s f a ç ã o m o r a l n a p e r f e i ç ã o d a
propiciação.

32. Quais seriam as três classes de opinião nutridas a respeito


da relação entre fé e certeza ?
I o . Os r e f o r m a d o r e s s u s t e n t a r a m g e r a l m e n t e que a fé
justificadora consiste na apropriação das promessas de salvação
por Cristo, feitas no evangelho, isto é, consiste em conside-
rarmos Deus como propício a nós p o r a m o r de Cristo.
2 o . Há q u e m tenha sustentado que a certeza da salvação é
inatingível nesta vida. Os católicos, sustentando que a fé cristã
é p r i n c i p a l m e n t e o assentimento implícito ao ensino de u m a
sociedade infalível e visível chamada igreja, e a c o n f o r m i d a d e
obediente com esse ensino, negaram e s t r e n u a m e n t e que os
indivíduos particulares t e n h a m qualquer autoridade bíblica
p a r a n u t r i r e m u m a p e r s u a s ã o segura d e que são o b j e t o s
especiais do favor divino. Costumavam asseverar que n e m é
"obrigatório", n e m "possível", n e m "desejável", que alguém
n u t r a tal convicção sem alguma revelação especial e sobre-
natural. Veja Belarmino, etc., abaixo citados.
3 o . A verdadeira doutrina é que "posto que esta convicção
infalível não pertença de tal modo à essência da fé que não seja
possível que um crente verdadeiro t e n h a que esperar m u i t o
t e m p o e lutar com muitas dificuldades antes de possuí-la,
contudo, sendo habilitado pelo Espírito a conhecer as coisas
dadas g r a t u i t a m e n t e p o r D e u s , ele p o d e alcançá-la, sem
n e n h u m a revelação extraordinária, no uso devido dos meios
ordinários. E, pois, dever de todos agir diligentemente para
t o r n a r e m certa a sua vocação e eleição". Todos concordam em
que a verdadeira fé não pode admitir n e n h u m a dúvida quanto
ao seu objeto. O que se crê, crê-se com certeza. Mas o objeto da
fé salvadora é Cristo e Sua obra como Mediador garantida a
nós nas promessas do evangelho, sob a condição da fé. A
verdadeira fé, pois, inclui essencialmente a convicção segura

665
Capítulo 30

de - I o . Q u e Cristo nos pode salvar. 2 o . Que Ele é fiel e nos há


de salvar, se crermos. Queremos dizer que isso é da essência da
fé, não que todo crente verdadeiro esteja sempre em tal estado
de espírito que exclua toda dúvida quanto ao poder ou ao amor
de Cristo; porque a iluminação espiritual de que depende a fé
é muitas vezes imperfeita em grau e variável em seu exercício. I
Contudo, toda dúvida semelhante é do pecado, e é alheia à
natureza da fé. No entanto, a condição se crermos, da qual
depende toda convicção segura da nossa salvação, não é matéria
de revelação, e sim de experiência, não de fé, e sim de
consciência íntima. 3
Os teólogos distinguem, pois, entre a convicção segura da
fé - Heb. 10:22; e a convicção segura da esperança - Heb .6:11.
A primeira é da essência da fé salvadora e é a convicção íntima
de que Cristo é tudo quanto diz que é, e fará tudo quanto
promete. A segunda é a convicção íntima da nossa salvação
pessoal, e é uma das aquisições superiores da vida cristã.

33. Com o se pode provar que a certeza da nossa salvação pessoal


não é essencial àfé salvadora?
I o . Pelo verdadeiro objeto da fé salvadora, como apre-
sentado acima.
2 o . Pelos exemplos apresentados nas Escrituras de santos
proeminentes que duvidaram a respeito de si - 1 Cor. 9:27.
3 o . Pelas exortações dirigidas aos que já eram crentes, no
sentido de que alcançassem a convicção segura como um grau
de fé superior ao que já gozavam.
4 o . Pela experiência do povo de Deus em todos os séculos.

34. Como se pode provar que é possível alcançar nesta vida


uma convicção segura?
I o . É assegurado por afirmações divinas - Rom. 8:16; 2
Ped. 1:10; 1 João 2:3; 3:14; 5:13.
2 o . As Escrituras dão exemplos que mostram que essa
convicção segura foi alcançada - 2 Tim. 1:12; 4:7,8.

666
A Fé

3 o . M u i t o s cristãos p r o e m i n e n t e s t ê m gozado de u m a
p e r m a n e n t e convicção segura, de cuja verdade sua santa vida
e conversação foi selo indubitável.

35. Em que base o homem pode ser certamente convencido da


sua salvação?
" É u m a convicção infalível, f u n d a d a , I o . n a verdade
divina das promessas de salvação; 2 o . na evidência interna das
graças às quais são feitas essas promessas, e 3 o . no t e s t e m u n h o
do Espírito de adoção, Rom. 8:15, t e s t e m u n h a n d o com o nosso
espírito que somos filhos de Deus, sendo o Espírito, Ef. 1:13,14;
2 Cor. 1:21,22, o p e n h o r da nossa herança, por q u e m somos
selados para o dia da redenção - Conf de Fé, Cap. 18 §,2.
Pode-se distinguir essa convicção legítima daquela vã e
presunçosa confiança que é u m a ilusão de satanás, distinção
que p o d e ser notada por estas características:a convicção
legítima, I o . gera h u m i l d a d e não fingida, 1 Cor. 15:10; Gál.
6:14; 2 o . leva o h o m e m a u m a ação diligente cada vez maior
na religião prática, Sal. 51:13,14,20; 3 o . ao estrito exame de si
m e s m o e ao desejo de ser examinado e corrigido por Deus,
Sal. 139:23,24; 4°. a constante aspiração de maior confor-
m i d a d e e mais íntima c o m u n h ã o com Deus - 1 João 3:2,3.

36. Como se pode mostrar que uma fé viva conduz


necessariamente a boas obras? s

I o . Pela natureza da fé. E a apreensão espiritual e aceitação


v o l u n t á r i a da verdade inteira de D e u s - as promessas, os
m a n d a m e n t o s , as ameaças das Escrituras - consideradas como
verdadeiras e boas. Essa fé induz necessariamente o exercício
dos a f e t o s r e n o v a d o s , e o a m o r m a n i f e s t a d o em atos é
obediência. Cada verdade, assim apreendida, produz seu efeito
apropriado no coração, e, por conseguinte, na vida.
2°. Pelo testemunho das E s c r i t u r a s - R o m . 15:18; Gál. 5:6;
Tia. 2:18; 1 João 5:4.
3 o . Pela experiência da igreja universal. - r, "~ ' '' ''

667
Capítulo 30

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS

Agostinho - "Quid est fides nisi credere quand nov nides?"


(sic)
DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA
Cat. do Cone. de Trento, 1:1: "Falamos aqui daquela fé
em virtude da qual damos o nosso consentimento inteiro
a tudo quanto tem sido divinamente revelado...em virtude
da qual mantemos como certo que tudo o que a autoridade
de nossa santa madre igreja ensina foi revelado por Deus".
Belarmino, Justif., 1 : 4 - (Os católicos romanos) ensinam
que fé histórica, tanto de milagres como de promessa, é
uma e a mesma coisa, e que esta coisa não é propriamente
um c o n h e c i m e n t o ou c o n v i c ç ã o s e g u r a , e sim um
assentimento certo e m u i t o firme, fiado na autoridade
suprema da verdade... Objeto da fé justificadora, que os
hereges limitam ao objeto único de misericórdia especial
(pessoal), os católicos r o m a n o s desejam e s t e n d e r tão
largamente como se estende o mundo; e, mais ainda, eles
contendem que a promessa de misericórdia especial não
pertence tanto à fé como à presunção. Diferem, pois, (dos
protestantes) quanto à faculdade do espírito que seja a sede
da fé. Porque eles (os protestantes),' colocando a fé na
vontade, definem-na como convicção segura (fidueia (ou
confiança)), e assim c o n f u n d e m - n a com a esperança,
porque a confiança (ou convicção segura) nada mais é do
que uma esperança forte, como ensina o piedoso Tomás.
Os católicos romanos ensinam que a fé tem sua sede na
inteligência. Finalmente, eles diferem quanto ao ato da
inteligência (em que consiste a fé). E verdade que eles (os
protestantes) definem a fé como uma forma de conhe-
cimento; nós (católicos romanos, a definimos como uma
forma) de assentimento. Porque assentimos a Deus, ainda
q u e Ele p r o p o n h a coisas em q u e crer, as q u a i s n ã o
compreendemos. Cap. 7 - Naquele que crê há duas coisas,
a p r e e n s ã o e um juízo ou a s s e n t i m e n t o . Além disso,
apreensão não é propriamente chamada conhecimento.
Porque pode acontecer que um católico r o m a n o pouco

668
A Fé

instruído apreenda só muito confusamente os três nomes


(da Trindade), e, não obstante isso, pode crer nela verda-
deiramente. Mas o juízo ou assentimento é duplo, seguindo
um a razão e a evidência de u m a coisa, e o o u t r o a
autoridade de quem propõe; o primeiro chama-se conhe-
cimento; o segundo, fé. Por isso os mistérios da fé, que
t r a n s c e n d e m a razão, nós os cremos embora n ã o os
compreendamos, de modo que a fé é distinguida como
oposta à ciência e é mais definida como ignorância do
que como conhecimento".
Cone. de Trento, Sessão 6, Cap. 9: "Porque, assim como
nenhuma pessoa piedosa deve duvidar da misericórdia
de Deus, do merecimento de Cristo, da virtude e eficácia
dos sacramentos; assim também, quando cada um olha
para si mesmo, para a sua fraqueza e falta de disposição,
pode recear, pode temer por sua graça; pois ninguém pode
saber com certeza de fé (a qual não pode estar com
falsidade) que conseguiu a amizade de Deus".
Belarmino, jfustif., 3, 3, diz: "A questão debatida entre
os católicos e os reformados foi: se alguém deve ou pode,
sem uma revelação especial, ter a certeza de uma fé divina,
sobre à qual não pode incidir erro nenhum de que os seus
pecados têm sido perdoados".

A DOUTRINA PROTESTANTE DA FÉ E DA
CERTEZA INABALÁVEL
Calvino, Instituías, Liv. 3, Cap. 2, 87: "Teremos uma
c o m p l e t a d e f i n i ç ã o de fé se dissermos que é um
conhecimento firme e certo da benevolência divina para
conosco, o qual, sendo fundado na verdade da promessa
gratuita em Cristo, não só é revelado ao nosso espírito,
mas é t a m b é m c o n f i r m a d o aos nossos corações pelo
Espírito Santo".
Cat. de Heidelberg, Perg. 21: "Que é fé verdadeira? Não
só é um m e r o c o n h e c i m e n t o , pelo qual c o n c o r d o
firmemente com tudo quanto Deus nos tem revelado na
Sua Palavra, mas é também uma plena confiança, acesa
no m e u coração pelo E s p í r i t o Santo, m e d i a n t e o

669
Capítulo 30

evangelho, que não só a outros, senão a mim também, o


perdão dos pecados, a justiça e a vida eterna foram dados
gratuitamente pela misericórdia de Deus, unicamente por
causa dos merecimentos de Jesus Cristo".
Apol. da Conf de Augsburgo, Perg. 68: "Mas a fé que
justifica não é meramente o conhecimento da história; é
sim assentimento à promessa de Deus em que, por amor
de Cristo, são oferecidas gratuitamente a remissão dos
pecados e a justificação... Esta fé especial, pois, pela qual
cada um crê que os seus pecados lhe foram perdoados por
a m o r de Cristo, e que D e u s é reconciliado e t o r n a d o
propício por Cristo (é a fé que) alcança a remissão dos
pecados e (que) justifica".
Conf. de Fé de Westminster, Cap. 18, § 2: "Esta certeza
não é uma mera persuasão conjectural e provável, fundada
numa esperança falível, e sim uma convicção infalível de
fé, fundada (a) na verdade divina das promessas, (b) na
evidência interna daquelas graças a que são feitas essas
promessas, (c) no testemunho do Espírito Santo... § 3:
Esta convicção infalível não p e r t e n c e de tal m o d o à
essência da fé que não seja possível que um verdadeiro
crente tenha de esperar muito tempo e lutar com muitas
dificuldades antes de participar dela... Contudo, ele pode
adquiri-la sem nenhuma revelação extraordinária, no uso
dos meios comuns. E por isso é dever de todos aplicar-se
diligentemente a fazerem certa a sua vocação e eleição".
Turretino, Livro 15, Quaes. 10: "A diversidade (de
expressões) que se encontra entre os ortodoxos proveio
da diversidade de sentidos em que se empregou a palavra
fiducia (confiança), que pode ser tomada em três sentidos:
1. No sentido de assentimento seguro, ou persuasão, que
tem por origem o juízo prático da inteligência, a respeito
da verdade e da bondade das promessas evangélicas, e a
respeito do poder, da vontade e da fidelidade de Deus em
Suas promessas. Neste sentido, peismoné (persuasão), Gál.
5:8, é termo empregado como seu sinônimo, e a plerofía
(plena certeza) é atribuída à fé, Col. 2:2; Heb. 10:22. 2. No
sentido do ato de fugir para e de aceitar a Cristo, pelo qual o

670
A Fé

crente, conhecendo a verdade e a bondade de Cristo, foge


para Ele, recebe-O, abraça-O e só se fia nos Seus mereci-
mentos. 3. No sentido de confiança, satisfação e tranqüilidade
de espírito, que provêm de refugiar-se o espírito em Cristo
e de recebê-lO. Porque aquele que se funda firmemente
em Cristo e O recebe, não pode deixar de comprazer-se
nEle seguramente, e de considerar-se como tendo achado
nEle e recebido dEle aquilo que procurou. No primeiro e
no segundo sentidos, confiança (fiducia) é da essência da
fé, e é apropriadamente chamada pelos teólogos a sua
forma*-, porque, como será provado mais adiante contra
as idéias papistas, é uma confiante apreensão de Cristo e
de todos os benefícios oferecidos na palavra do evangelho.
Mas no terceiro sentido outros dizem acertadamente que
ela não é a forma e sim o fruto da fé; porque nasce dela,
porém não a constitui".

* No sentido etimológico de "substância", aquilo que constitui algo. Nota


de Odayr Olivetti. , .

671
31

A União dos Crentes com Cristo

1. A quem estão todos os homens unidos em seu estado natural?


A Adão. A nossa união com ele inclui, I o . sua capitania
federal sob a aliança das obras - Rom. 5:12-19. 2 o . Sua capitania
natural, como, por força da geração c o m u m , a origem da nossa
natureza e da sua corrupção moral - Gên. 5:3; 1 Cor. 15:49.
Mas, tendo sido morta por Cristo a lei que se baseava na
aliança das obras, pela qual nos achávamos em união com
Adão, agora "morremos para aquilo em que estávamos retidos",
e estamos livres para ser "de outro marido", a saber, Cristo -
Rom. 7:1-6.

2. Qual é a natureza geral da nossa união com Cristo?


E u m a união singela, inefável e m u i t o íntima, apresen-
tando à nossa vista dois aspectos e dando lugar a duas diversas
classes de conseqüências.
I o . O p r i m e i r o aspecto desta união é seu caráter federal e
representativo, em que Cristo, como o segundo Adão - 1 Cor.
15:22, assume na aliança da graça as obrigações violadas da
aliança das obras que o primeiro Adão deixou de cumprir, e
cumpre-as a favor de todas as Suas "ovelhas", a favor de todos
"os que o Pai lhe deu". As conseqüências que provêm da nossa
união com Cristo sob este aspecto são tais como a imputação a
Ele dos nossos pecados, e a nós da Sua justiça, e todos os
benefícios forenses de justificação, adoção etc. Veja os capítulos
33 e 34.

672
A União dos Crentes com Cristo

2 o . O segundo aspecto desta união é seu caráter espiritual


c vital, cuja natureza e cujas conseqüências havemos de discutir
neste capítulo.

3. Qual é a base desta união?


(1) O propósito eterno do Deus triúno, expresso no
decreto da eleição (elegeu-nos nele mesmo antes da fundação do
m u n d o - Ef. 1:4), providenciando o seu c u m p r i m e n t o na
aliança da graça feita entre o Pai, como Deus absoluto, e o
Filho, como o Mediador - João 17: 2-6; Gál. 2:20; (2) na
encarnação do Filho, em que assumiu semelhança conosco em
comunidade de natureza, e Se fez nosso irmão - Heb. 2:16,17;
e (3) na missão e obra oficial do Espírito de Cristo (1 João
4:13), m e d i a n t e cuja operação poderosa nos corpos e nos
corações do Seu povo o último Adão é feito espírito vivificador
(1 Cor. 15:45), e são todos constituídos em corpo de Cristo e
Seus membros em particular - 1 Cor. 12:27.

4. Por quais analogias, tiradas das relações terrenas, esta união


dos crentes em Cristo é ilustrada nas Escrituras?
A designação técnica desta união é pelo termo "mística"
em linguagem teológica, porque ela transcende tanto todas as
a n a l o g i a s das relações e p a r e n t e s c o s t e r r e n o s , c o m o na
intimidade da sua comunhão, no poder transformador da sua
influência e na excelência das suas conseqüências. Contudo,
as Escrituras Sagradas ilustram diversos aspectos desta fonte
de graças com muitas analogias aptas, mas parciais.
C o m o , I o . os alicerces de um edifício e o p r ó p r i o
edifício - 1 Ped. 2:4-6. 2 o . Uma videira e seus ramos - João
15:5. 3 o . A cabeça e os membros do corpo - Ef. 4:15,16. 4°.
Marido e mulher - Ef. 5:31,32; Apoc. 19:7-9. 5 o . Adão e seus
descendentes, tanto em sua relação federal como natural -
Rom. 5:12-19; 2 Cor. 15:22,49.

673
Capítulo 31 |

5. Qual a natureza essencial desta união?


Por um lado, esta união não envolve n e n h u m a confusão
misteriosa da Pessoa de Cristo com as pessoas do Seu povo; e,
por outro, não é uma simples associação de pessoas semelhante
à que existe nas sociedades humanas. Mas é uma união que,
I o . determina ter o nosso estado ou posição legal a mesma base
que tem o seu; 2 o . vivifica e sustém, pela influência do Seu
Espírito morando em nós, a nossa vida espiritual, da fonte da
vida de Cristo, e transforma os nossos corpos e as nossas almas
para terem semelhança com a Sua humanidade glorificada.
E, pois -
I o . Uma união espiritual. Sua fonte ativa e seu vínculo
são o Espírito de Cristo, a Cabeça, que mora e opera nos
m e m b r o s - 1 Cor. 6:17; 12:13; 1 João 3:24; 4:13.
2 o . Uma união viva, isto é, a nossa vida espiritual é
m a n t i d a e determinada em sua natureza pela vida de Cristo
por meio da morada em nós do Seu Espírito - João 14:19; Gál.
2:20.
3 o . Abrange a nossa pessoa inteira, o nosso corpo
mediante o nosso espírito - 1 Cor. 6:15,19.
s

4 o . E união legal ou federal, de modo que todas as


obrigações legais ou federais estão sobre Cristo, e nós recebemos
0 benefício de todos os Seus merecimentos legais ou federais.
5 o . É união indissolúvel - João 10:28; Rom. 8:35,37; i
1 Tess. 4:14,17.
/

6 o . E uma união entre o crente e a Pessoa do Deus-


- h o m e m em Seu ofício como Mediador. Seu órgão imediato é
o Espírito Santo, que mora em nós, e por Ele somos unidos à
Deidade inteira e temos comunhão com Ela, porque Ele é o
Espírito do Pai bem como do Filho - João 17:21,23.

6. Como é estabelecida esta união entre Cristo e o cristão?


Foi estabelecida desde a eternidade no propósito e decreto
de Deus, e na aliança do Pai com o Filho - Ef. 1:4; João 17:2,6.
Contudo, os eleitos, quanto a seu caráter pessoal e às suas

674
A União dos Crentes com Cristo

relações atuais, antes da sua vocação eficaz pelo Espírito,


nasceram e foram "por natureza filhos da ira, como os outros
também", e "estranhos aos concertos da promessa" - Ef. 2:3,12.
No tempo determinado por Deus esta união é estabelecida
mutuamente com cada um dos Seus escolhidos. - I o . Pelo início
das operações eficazes e permanentes do Espírito Santo dentro
deles (dá-lhes vida juntamente com Cristo); no ato do novo
nascimento, abrindo-lhes os olhos e renovando-lhes a vontade;
e l a n ç a n d o assim em sua n a t u r e z a o f u n d a m e n t o para o
exercício da fé salvadora. 2 o . A fé salvadora é o segundo vínculo
pelo qual é estabelecida esta união mútua, por cujas operações
contínuas é sustentada a sua c o m u n h ã o com Cristo e são
desenvolvidas as suas ditosas c o n s e q ü ê n c i a s - E f . 3:17. Assim
"chegamo-nos a ele", "recebemo-lo", "comemos a sua carne e
bebemos o seu sangue", etc.

7. Quais são para os crentes as conseqüências desta união?


I a . T ê m em comum com Cristo a Sua posição e os Seus
direitos federais. Em termos forenses, são feitos "completos
nele". Sua justiça é a justiça deles e Seu Pai é o Pai deles.
Recebem nEle a adoção e são aceitos no Amado, quanto às
suas pessoas como também quanto a seus serviços. São selados
pelo Espírito Santo da promessa; nEle adquirem uma herança;
têm assento com Ele em Seu trono e vêem a Sua glória - Rom.
8:1; Col. 2:10; Ef. 1:6,11,13; Fil. 2:8-11; 3:8,9.
Como Mediador Jesus é "o Cristo", o ungido, e o crente é
o cristão, aquele que recebe "a unção" - Atos 11:26; 1 João
2:20. Seu ofício medianeiro abrange três funções principais -
(1) A de profeta, e, em comunhão com Ele, o crente é p r o f e t a -
João 16:13; 1 João 2:27. (2) A de sacerdote, e também o crente
é sacerdote nEle - Sal. 61:6; 1 Ped. 2:5; Apoc. 20:6. (3) A de
rei, e nEle o crente é rei - 1 Ped. 2:9; Apoc. 2:21; 5:10.
2 a . T ê m comunhão com Ele na virtude transformadora e
assemelhadora da Sua vida, tornando-os semelhantes a Ele;
"todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por

67S
Capítulo 31

graça", João 1:16. Isto é verdade (1) com respeito à nossa alma,
Rom. 8:9; Fil. 2:5; 1 João 3:2; (2) com respeito ao nosso corpo,
fazendo com que seja agora templo do Espírito Santo, 1 Cor.
6:17,19; e que a Sua ressurreição seja a causa da nossa res-
surreição e o Seu corpo glorioso o tipo do nosso corpo. - Rom.
6:5; 1 Cor. 15:47,49; Fil. 3:21. E assim os crentes se tornam
frutíferos em Cristo, tanto em seu corpo como em seu espírito,
que são d E l e - João 15:5; 2 Cor. 12:9; 1 João 1:6.
3 a . O resultado disso é sua c o m u n h ã o com Cristo em sua
experiência e em seus trabalhos, sofrimentos, tentações e morte
- Gál. 6:17; Fil. 3:10; Heb. 12:3; 1 Ped. 4:18; desse m o d o
t o r n a n d o até mesmo a nossa vida terrena sagrada e gloriosa.
4 a . C o n d u z também à c o m u n h ã o justa de Cristo com eles
em tudo quanto possuam - Prov. 19:17; Rom. 14:8; 1 Cor.
6:19,20.
5 a . Conduz também à conseqüência de que, na recepção
espiritual das santas o r d e n a n ç a s , eles r e a l m e n t e t e n h a m
c o m u n h ã o com Ele. São "batizados com Cristo" - Gál. 3:27.
"Porventura o cálice de bênção, que abençoamos, não é a
c o m u n h ã o do sangue de Cristo? O pão que partimos não é
porventura a comunhão do corpo de Cristo?" - 1 Cor. 10:16;
11:26; João 6:51,56.
6 a . Conduz também à c o m u n h ã o dos crentes uns com os
outros, por Ele, isto é, à c o m u n h ã o dos santos.

8. Qual a natureza da "comunhão dos santos" que nasce da


união de cada crente com o Senhor?
Veja a Conf. de Fé, Cap. 26. Estando todos os crentes
unidos a uma só Cabeça, segue-se naturalmente que por Cristo,
a Cabeça, acham-se relacionados m u t u a m e n t e uns com os
outros na mesma c o m u n i d a d e de espírito, vida, estado e
privilégios espirituais.
Isso envolve, da parte de todos os crentes -
I o . Obrigações e deveres recíprocos, segundo a graça espe-
cial concedida a cada um. E como no corpo: todos os diversos

676
A União dos Crentes com Cristo

órgãos têm parte na mesma vida geral e, ao m e s m o tempo,


cada um tem u m a adaptação individual e especial, diversa dos
outros e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , um dever diverso: " P o r q u e
também o corpo não é um só m e m b r o , mas muitos" - 1 Cor.
12:4-21; Ef. 4:11-13.
2 o . T ê m c o m u n h ã o uns com os outros em seus dons e
graças complementares, c o n t r i b u i n d o cada um com a sua
beleza especial para a beleza do todo - Ef. 4:15,16.
3 o . Esses deveres recíprocos dizem respeito ao corpo e aos
interesses temporais dos irmãos, b e m como aos interesses de
sua alma - Gál. 2:10; 1 João 3:16-18.
4 o . T ê m c o m u n h ã o na fé e na doutrina - Atos 2:42; Gál.
2:9.
5 o . No respeito e na subordinação m ú t u o s - Rom. 12:10;
Ef. 5:21; H e b . 13:17.
6 o . No amor e na simpatia m ú t u o s - Rom. 12:10; 1 Cor.
12:26.
7 o . Essa comunhão existe sem interrupção entre os crentes
na terra e no céu. E uma só, de "toda a família nos céus e na
t e r r a " - E f . 3:15.
8 o . Na glória a comunhão dos santos será perfeita, quando
haverá " u m rebanho e um pastor", e todos os santos serão u m ,
como o Pai e o Filho são um - João 10:16; 17:22.

677
32

O Arrependimento e a Doutrina
Católico-Romana das Penitências

1. Quais as palavras empregadas no original para exprimir


esta mudança de espírito e de sentimentos?
I a . metamélethai, de mélomai, importar-se com; combinada
com metá, mudar de cuidado. Palavra empregada só cinco vezes
no Novo Testamento.
2 a . metanoeín, de noéo, perceber, entender, considerar;
c o m b i n a d a com metá, m u d a r de intenção ou propósito. Esse é
o verbo empregado constantemente no Novo Testamento para
designar essa mudança.
3 a . Da m e s m a o r i g e m v e m o s u b s t a n t i v o metánoia,
arrependimento, mudança de intenção ou propósito. No uso que
no N o v o Testamento se faz dessas palavras, elas incluem as
idéias de luto e de contrição.

2. Que é anependimento salvador?


Veja Conf. de Fé, Cap. 15; Caí. Maior, Perg. 76: Breve Cat.,
Perg. 87.
O a r r e p e n d i m e n t o salvador inclui -
I o . Um sentimento de culpa, de corrupção e de incapa-
cidade pessoais.
2 o . U m a apreensão da misericórdia de Deus em Cristo.
3 o . Abatimento, como t a m b é m ódio ao pecado, o ato de
voltar-se resolutamente dele para Deus, e um esforço persistente
no sentido de levar nova vida, de santa obediência.

678
O Arrependimento... Penitências

3. Como se pode provar que o arrependimento é dom de Deus?


I o . Isso é evidente pela própria natureza do arrependi-
mento. Este inclui: (1) um s e n t i m e n t o da odiosidade do
pecado; (2) um sentimento da beleza da santidade; (3) a apre-
ensão da misericórdia de Deus em Cristo. Pressupõe, portanto,
a fé, que é dom de Deus - Gál. 5:22; Ef. 2:8.
2 o . As Escrituras afirmam-no e x p r e s s a m e n t e - Z a c . 12:10;
Atos 5:31; 11:18; 2 Tim. 2:25.

4. Qual a natureza do sentimento de pecado, que é elemento


essencial do arrependimento?
A iluminação espiritual e a renovação dos afetos que são
efetuadas na regeneração levam o crente a ver e a apreciar a
santidade de Deus revelada tanto na Lei como no evangelho,
Rom. 3:20; Jó 42:6, e também a ver e a sentir nessa luz a ex-
trema culpabilidade de todo pecado e a inteira corrupção
pecaminosa da sua natureza, como esta na verdade é. Esse
sentimento de pecado, correspondendo assim aos fatos próprios
do caso, inclui: I o . consciência de culpa, isto é, de que se está
exposto ao justo castigo, por oposição à justiça de Deus - Sal.
51:5,10; 2 o . consciência de corrupção oposta à santidade de
D e u s - S a l . 51:4,8,11; 3 o . consciência de incapacidade - Sal.
51:12,13; 109:22. Veja O Caminho da Vida - C. Hodge

5. Quais os frutos e as provas deste sentimento de pecado ?


Um sentimento de culpa, especialmente quando acom-
panhado do sentimento de incapacidade, produzirá percepção
de p e r i g o . E s t e s e n t i m e n t o p e n o s o o c o r r e em g r a u s c
modificações de uma diversidade infinita, d e p e n d e n d o do
temperamento natural, da instrução e das operações especiais
do Espírito Santo. Estes termos legais, porém, são comuns ao
arrependimento verdadeiro e ao falso, e os sentimentos em si
não possuem n e n h u m a virtude santificadora.
O s e n t i m e n t o de corrupção produz vergonha q u a n d o
pensamos em Deus, e causa aborrecimento de nós mesmos

679
Capítulo 32

quando pensamos em nós.


A confissão do pecado, tanto em particular, diante de Deus,
como t a m b é m d i a n t e dos h o m e n s , é um m o d o n a t u r a l e
i n d i s p e n s á v e l pelo q u a l este s e n t i m e n t o de p e c a d o se
manifestará legitimamente - Sal. 32:5,6; Prov. 28:13; Tia. 5:16;
1 João 1:9.
A única prova incontestável de que tal s e n t i m e n t o é
verdadeiro e genuíno é o desejo de ver-se livre do pecado e
esforços sinceros e permanentes nesse sentido.

6. Mostre que uma apreensão da misericórdia de Deus em


Cristo é essencial ao arrependimento.
I o . A consciência despertada ecoa a lei de Deus e não pode
ser apaziguada por n e n h u m a propiciação que seja menor do
que a que a própria justiça divina exige, e enquanto isso não
for efetuado, com sua aplicação feita com fé em Cristo, ou o
indiferentismo fará adormecer a alma, ou o remorso haverá de
atormentá-la.
2 o . Fora de Cristo Deus é fogo consumidor, e um temor
inextinguível afugenta desse fogo a alma - Deut. 4:24; Heb.
12:29.
3 o . Um s e n t i m e n t o da admirável b o n d a d e que Deus
manifestou para conosco na dádiva de Seu Filho, e da ingra-
tidão com que lho pagamos, é necessário para despertar e
fomentar na alma que se arrepende a vergonha e o pesar devidos
ao fato de que foi contra Deus que ela pecou - Sal. 51:4.
4 o . Isso fica provado pelo ensino e pelos exemplos apre-
sentados na Palavra de Deus - Sal. 51:1; 130:4.

7. Qual a natureza dessa "volta para Deus" que constitui a


essência do arrependimento?
E o abandono voluntário do pecado como mau e odioso,
com pesar, humilhação e confissão sinceros; e o regresso para
Deus, porque Ele tem direitos sobre nós e porque é miseri-
cordioso e pronto a perdoar; junto com a determinação de,

680
O Anependimento... Penitências

ajudados por Sua graça, viver em obediência a Seus man-


damentos. .. " ; , '

8. Quais as provas do verdadeiro arrependimento?


I a . A concordância da nossa própria experiência interna
com o ensino da Palavra de Deus sobre este assunto. Para
determinar isso é necessário que estudemos com oração as
Escrituras em conexão com o cuidadoso exame de nós mesmos.
2 a . Os efeitos permanentes manifestados na vida. Estes são
o ódio e o abandono dos pecados patentes, como também dos
ocultos, a escolha do serviço a Deus como b o m e desejável, a
profissão pública e inteira consagração prática - "Se em vós
| houver e abundarem estas coisas, não vos deixarão ociosos
nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo"
- 2 Ped. 1:8.
•I
9. Quais as relações mútuas existentes entre os termos "fé",
"arrependimento"regeneração"e "conversão"?
Regeneração é o ato inefável de Deus implantando uma
nova natureza. O termo conversão é empregado geralmente
para exprimir os primeiros exercícios dessa nova natureza,
deixando a vida antiga e principiando a nova. Fé designa o
primeiro ato da nova natureza e também o estado ou hábito
p e r m a n e n t e do espírito que p e r m a n e c e como a condição
essencial de todas as demais graças. E a apreensão espiritual
da verdade pela mente, e a aceitação leal da verdade pela
vontade. Sem isso não pode haver, nem amor, nem esperança,
nem paz, nem alegria, nem arrependimento. O sentido comum
ligado à palavra arrependimento é muito semelhante ao sentido
ligado ao termo conversão; mas em seu emprego difere dela
em duas particularidades. - I a . Conversão é uma palavra mais
geral e é empregada para incluir os primeiros exercícios da fé,
bem como todas as experiências de amor, santidade, etc., que
são a sua conseqüência. O termo a r r e p e n d i m e n t o é mais
específico, e exprime o ódio ao pecado e a renúncia a ele, e o

681
Capítulo 32

regresso para Deus, que acompanham a fé como conseqüência


dela. 2 a . A palavra conversão é empregada geralmente para
designar somente as primeiras operações da nova natureza no
começo de uma vida religiosa, ou, quando muito, os primeiros
passos para Deus depois de u m a reincidência notável no
pecado, Luc. 22:32, enquanto que a palavra arrependimento é
empregada para exprimir a constante ação de levar a cruz, que
é uma das principais características da vida do crente na terra
- Sal. 19:13,14; Luc. 9:23; Gál. 6:14; 5:24.

10. Qual a doutrina a respeito do arrependimento que foi


ensinada por muitos dos reformadores?
A l g u n s deles definiram o a r r e p e n d i m e n t o como con-
sistindo, I o . em mortificação, em um morrer para o pecado;
2 o . em vivificação, um viver para Deus. Isso corresponde à
nossa doutrina sobre a santificação. Os luteranos fazem o
a r r e p e n d i m e n t o consistir, I o . em contrição, ou pesar pelo
pecado; e 2 o . em fé no evangelho, ou absolvição. - Conf. de
Augsb., Art. 12. Essa, posto que seja empregada uma fraseologia
peculiar, é a doutrina verdadeira.

11. Qual a doutrina católico-romana da penitência?


No sistema romanista de salvação, a verdadeira analogia
da doutrina protestante da justificação não se acha na doutrina
romanista da justificação (assim chamada), e sim em sua
d o u t r i n a da p e n i t ê n c i a . Por justificação os p r o t e s t a n t e s
e n t e n d e m uma mudança de relação para com a lei divina, da
condenação para o favor de nosso Juiz e Rei, cuja razão de ser
é a satisfação dada por Cristo. Os católicos, p o r é m , não
entendem por justificação "somente a remissão dos pecados,
mas também a santificação e a renovação do h o m e m interior,
por meio da aceitação voluntária da graça e dos dons; pelo que
o h o m e m de injusto se torna justo, e de inimigo, amigo". E
mais: "Posto que ninguém pode ser justo, senão aquele a quem
se comunicam os méritos da paixão do nosso Senhor Jesus

682
O Arrependimento... Penitências

Cristo; isso, contudo, assim sucede, nesta justificação do ímpio,


e n q u a n t o pelo m é r i t o dessa m e s m a sacratíssima paixão o
Espírito Santo derrama a caridade de Deus no coração daqueles
que são justificados, sendo ela inerente à paixão" - Cone. de
Trento, Ses. 6, cap. 7. Isso é efetuado pelo batismo, e a cada
passo dado pressupõe a satisfação e os méritos de Cristo. Sua
satisfação faz propiciação por todos os pecados cometidos antes
do batismo e pelo castigo eterno de todos os pecados dos
batizados. Os méritos dEle alcançam graça preveniente, a
regeneração batismal, e são a base posta para os crentes mere-
c e r e m , p o r sua o b e d i ê n c i a graciosa e seus s o f r i m e n t o s
temporais, o perdão dos pecados, a permanência, a restauração
e o aumento da graça, bem como as recompensas do céu.
Justificados assim, e feitos amigos de Deus, eles vão
adiante, de virtude em virtude, e são renovados de dia em dia
mediante a observância dos mandamentos de Deus e da igreja
(católica), e estas suas boas obras merecem verdadeiramente, e
recebem, como prêmio justo, aumento de graça e justificação
(santificação) cada vez mais perfeita. A primeira justificação do
cristão, efetuada no batismo, o foi por amor de Cristo, sem a
cooperação do seu próprio mérito, embora pela cooperação da
sua vontade (se for adulto). Mas a sua justificação (santificação)
continuada e cada vez aumentando é efetuada por amor de Cristo
mediante seu próprio merecimento e na proporção deste, cres-
cendo este merecimento à proporção (a) da sua santidade, e (b)
da sua obediência às regras morais e eclesiásticas - Cone. de
Trento, Sess. 6, Cap. 10, Cân. 32.
No caso daqueles que pelo pecado c a í r a m da graça
recebida da "justificação", o SACRAMENTO DA PENITÊNCIA,
concedido como segunda prancha (de salvamento), depois do
naufrágio da graça perdida, recobra essa graça pelos méritos
de Cristo. Essa penitência inclui (1) pesar pelo pecado, (2) a
confissão desses pecados, (3) a absolvição sacerdotal, (4) uma
satisfação, consistindo (a) neste m u n d o em jejuns, esmolas,
orações, etc., e (b) depois da morte, no fogo do purgatório.

683
Capítulo 32

Eles distinguem a penitência - I o . Como uma virtude,


equivalente à doutrina protestante da graça do arrependimento.
2 o . Como um sacramento. A penitência, como uma virtude, é
interna; é u m a m u d a n ç a de espírito, incluindo pesar pelo
pecado e regresso para Deus. A penitência externa, ou a
expressão externa desse estado interno, é o que constitui o
SACRAMENTO DA PENITÊNCIA. O que constitui a matéria desse
sacramento são os atos praticados pelo penitente por via de
contrição, confissão e satisfação. Contrição é pesar pelos pecados
passados e aversão por eles, junto com o propósito de não pecar
mais. Confissão é a acusação de si mesmo feita a um sacerdote
que tem a respectiva jurisdição e o poder das chaves.Satisfação
é a l g u m a pena i m p o s t a pelo sacerdote e c u m p r i d a pelo
penitente para dar satisfação à justiça pelos pecados cometidos.
Essas práticas efetuam (a) a expiação da culpa dos pecados
passados, e (b) a disciplina e o crescimento da vida espiritual
da alma. A forma do sacramento é a absolvição proferida
judicialmente, e não só declarativamente, pelo sacerdote. Eles
sustentam que "é somente por meio deste sacramento que
podem ser perdoados os pecados cometidos depois do batismo"
- Cat. Rom., Parte 2, Cap. 5, Pergs. 12 e 13; Cone. de Trento,
Sess. 6, Caps. 14-16; Sess. 14, Caps. 1- 9, Sess. 6, Cân. 30.

12. Como se pode provar que a penitência não é sacramento?


I o . Não foi instituída por Cristo. As Escrituras nada
ensinam a seu respeito.
2 o . E conseqüência essencial da falsa teoria da regeneração
batismal.
3 o . Não significa, nem sela, nem comunica os benefícios
de Cristo e da nova aliança. Veja abaixo, Cap.41, Pergs. 2-5.

13. Qual a doutrina romanista a respeito da confissão?


A confissão é u m a acusação de si m e s m o , feita a um
sacerdote que tem a respectiva jurisdição e o poder das chaves.
E necessário que sejam confessados todos os pecados, sem

684
O Arrependimento... Penitências

reserva alguma, com todos os seus pormenores e circunstâncias


qualificantes. Se qualquer pecado mortal não for confessado,
não será perdoado, e se a omissão for proposital, é sacrilégio e
a pessoa incorre em culpa maior - Cat. Rom., Parte 2, Cap. 5,
Pergs. 33,34 e 42.

14. Quais os argumentos protestantes contra a confissão


auricular?
I o . Não é autorizada pelas Escrituras. Elas nos mandam
"confessar-nos uns aos outros" - Tia. 5:16.
2 o . Perverte o plano inteiro da salvação, porque torna
necessária a mediação de um sacerdote entre o cristão e Cristo,
o que foi refutado acima. Veja o Cap. 24, Pergs. 8 e 21.
3 o . As Escrituras nos mandam confessar os nossos pecados
a Deus diretamente, sem intermediários - Mat. 11:28; 1 Tim.
2:5; 1 João 1:9.
4 o . Os resultados práticos desse sistema sempre têm sido
maus, e essa invasão grosseira de todos os direitos sagrados da
personalidade é coisa que só pode causar revolta a toda alma
culta e honesta.

15. Qual a natureza da absolvição que os sacerdotes católicos


dizem que têm o poder de conceder?
A pretensão é a de que o sacerdote absolve judicial, e não
só declarativamente, e pela autoridade de Jesus Cristo, de todas
as conseqüências penais dos pecados confessados. Em prova
citam Mat. 16:19; 18:18; João 20:22,23. Cat. Rom., Parte 2,
Cap. 5, Pergs. 13 e \l\Conc. de Trento, Sess. 14"DePoenitentia",
Cân. 9.

16. Quais os argumentos contra aposse de tal poder de absolver,


por parte do ministério cristão?
I o . O ministério cristão não é sacerdócio. Veja acima, Cap.
24, Perg. 21.
2 o . M e s m o que fosse, não se seguiria a conclusão que os

685
Capítulo 32

romanistas tiram. A absolvição é ato soberano e não sacer-


dotal. Isso fica provado claramente pela definição do sacerdócio,
dada em H e b . 5:1-6, pela prática levítica, e pela p r ó p r i a
natureza do ato.
3 o . A concessão do poder das chaves, seja ele qual for, não
foi feita ao ministério como tal; porque em Mat. 18:1-18 Cristo
não Se dirigiu ao corpo dos discípulos (note especialmente
Mat. 18:15-22), e os m i n i s t r o s da Igreja P r i m i t i v a n u n c a
reivindicaram para si, nem exerceram tal poder.
4 o . O poder de perdão absoluto é incomunicável em si, e
de fato nunca foi dado; as palavras em questão não podem ser
entendidas nesse sentido, e não foram entendidas assim. A
prática dos apóstolos prova que eles as e n t e n d e r a m como
comunicando simplesmente o poder de declararem as condi-
ções sob as quais Deus perdoaria o pecado, e, de conformidade
com essa declaração, admitirem os h o m e n s à Igreja de Cristo
ou excluí-los dela.
5 o . Só esse princípio falso já torna Cristo sem n e n h u m
efeito, e perverte o evangelho inteiro - "Bib. R e p . " , janeiro de
1845.

17. Qual a doutrina católico-romana a respeito da satisfação


como parte da penitência?
Pela satisfação e n t e n d e m eles as obras impostas pelo
sacerdote depois da confissão, a cujo respeito se supõe que elas,
contrapostas aos pecados confessados e pelos quais (o confes-
sante) se professou contrição, constituem uma compensação
da violação da lei de Deus, e em atenção a elas os pecados são
p e r d o a d o s - C a t . i?om.,Parte2,Cap. 5,Pergs. 52 e53\Conc. de
Trento, Sess. 14, " D e Prenitentia", Caps. 1-9.

18. Quais as objeções contra essa doutrina?


I a . Não tem o apoio de n e n h u m a autoridade bíblica.
/

2 a . E uma desonra à única satisfação perfeita dada por nosso


Sumo Sacerdote uma vez por todas - Heb. 10:10-14.

686
O Arrependimento... Penitências

3 a . A distinção feita entre castigos temporais e eternos dos


pecados é destituída de autoridade. A pena do pecado é a ira
judicial de Deus - e e n q u a n t o esta durar, não haverá paz; e
quando for propiciada, não haverá mais condenação (Rom. 8:1).
Os s o f r i m e n t o s t e m p o r a i s dos que crêem em C r i s t o são
correções, não punições nem satisfações.
4 a . As pretensas "satisfações", ou nos são impostas por
m a n d a m e n t o (do padre), ou não. Se são, constituem simples-
m e n t e deveres, e o c u m p r i m e n t o delas não pode ser u m a
"satisfação" pela violação de outro dever. Se nos são impostas
por m a n d a m e n t o , são u m a forma de culto voluntário que
Deus odeia - Col. 2:20-23.

19. Qual a doutrina papal das indulgências?


A doutrina papal das INDULGÊNCIAS -
I o . Apóia-se nos mesmos princípios nos quais se baseia a
PENITÊNCIA. (1) Na distinção entre as penas temporais e as
eternas exigidas em satisfação pelos pecados. (2) No mere-
cimento superabundante adquirido pelo Chefe da Igreja e por
Seus membros (Cristo, a "virgem" e os santos), e pertencendo-
-lhes, constituindo um tesouro de merecimentos que está à
disposição discricionária da autoridade competente a bem de
qualquer crente pendente que não esteja em pecado mortal.
(3) No poder dispensador da igreja (católica romana), em
v i r t u d e do qual um oficial eclesiástico com c o m p e t e n t e
jurisdição tem autoridade para dispensar, fazendo as vezes de
Deus e da igreja, quaisquer ou todas as satisfações temporais
devidas pelo penitente, quer na terra, quer no purgatório, e
não cumpridas ainda por ele pessoalmente.
2 0 . Estas indulgências devem ser concedidas por "motivos
razoáveis", isto é, "é necessário que o motivo seja piedoso, não
uma obra meramente temporal, ou vã, não respeitando a glória
de Deus, e sim toda e qualquer obra que tenda para a honra de
Deus e para o serviço da igreja". A eficácia das indulgências
"não depende da importância da obra ordenada, e sim do

687
Capítulo 32

tesouro infinito dos méritos de Cristo e dos santos". Os "moti-


vos" são dinheiro dado para fins piedosos, orações especiais,
peregrinações a certos lugares santos, etc.
3 o . As indulgências são de diversas classes. (1)Gerais, para
toda a igreja, concedidas unicamente pelo próprio papa a todos
os fiéis em todo o m u n d o ; ou particulares, concedidas pela
competente autoridade a certas pessoas. (2) Podem serplenárias,
concedendo remissão de todos os castigos temporais neste
m u n d o e no purgatório; o\x par ciais, remitindo somente parte
das penas devidas. (3) Podem ser temporárias, para um n ú m e r o
especificado de dias ou meses. (4) Perpétuas, sem n e n h u m a
limitação de tempo. (5) Locais, legadas a certas igrejas ou a
outros lugares. (6)Reais, ligadas a certos objetos portáteis, tais
como rosários, medalhas, etc. (J)Pessoais, concedidas a certas
pessoas ou comunidades. Veja Enciclopédia, por McClintock
e Strong, e abaixo, Cone. de Trento, etc.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS

Cone. de Trento, Sess. 14, Cap. 1: "Então instituiu o


Senhor principalmente este sacramento da penitência
quando, depois que ressuscitou dos mortos, bafejou a Seus
discípulos, dizendo: "Recebei o Espírito Santo: aqueles
cujos pecados perdoardes, lhes serão perdoados, e os que
retiverdes, serão retidos". Com esta ação tão insigne e
palavras tão claras, o consenso de todos os padres entendeu
sempre que fora comunicado aos apóstolos e seus legítimos
sucessores o poder de perdoar e reter os pecados, de reconciliar
os fiéis que caíssem depois do batismo".
Ib. Cap. 3: "Ensina ainda o santo sínodo, (1) que a
FORMA do sacramento da penitência, em que princi-
palmente consiste a sua eficácia, se acha nestas palavras:
"EU TE ABSOLVO, etc...". Mas (2) os atos do próprio
penitente, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação,
são como que a SUBSTÂNCIA deste sacramento; os quais
atos de penitência, visto que são, por instituição de Deus,

688
O Arrependimento... Penitências

exigidos do penitente, para a inteireza do sacramento, e


para perfeita remissão dos pecados, se chamam partes da
penitência. Mas (3) o intento, o efeito deste sacramento,
quanto ao que pertence à sua virtude e eficácia, é a
reconciliação com Deus".
Ib. Cap. 4: "A contrição, que tem o primeiro lugar entre
os mencionados atos do penitente, é uma tristeza da alma,
e aversão pelo pecado cometido, com o propósito de não
tornar a pecar".
Ib. Cap. 5: "Os penitentes devem relatar na confissão
todos os pecados mortais que, depois de diligente exame,
tiverem na consciência, ainda que sejam os mais ocultos,
e cometidos somente contra os dois últimos preceitos do
Decálogo... Quanto aos veniais, pelos quais não somos
excluídos da graça de Deus, em que freqüentemente
caímos, posto que seja conveniente e útil, e de nenhum
modo presunçoso, confessá-los, contudo, pode-se calar a
respeito deles sem culpa, e podem ser expiados com outros
remédios... Quanto aos demais pecados (mortais) que não
ocorrem a quem faz esta diligente consideração, se
e n t e n d e m g e r a l m e n t e que são incluídos na mesma
confissão: pelos quais dizemos fielmente com o profeta:
"purifica-rne, Senhor, de meus ocultos delitos".
Id. Cap. 6: "(O concílio) declara também que os
sacerdotes, ainda que estejam em pecado mortal, pela
virtude do Espírito Santo, dada na ordem, exercitam como
ministros de Cristo a função de perdoar os pecados...
Ainda que a absolvição do sacerdote seja a dispensação de
um benefício alheio, c o n t u d o , não é só um mero
ministério de anunciar o evangelho, ou de declarar que
estão perdoados os pecados; mas uma semelhança de ato
judicial, no qual ele, à maneira de juiz, p r o n u n c i a
sentença... Nem a fé sem a penitência causaria remissão
alguma dos pecados; nem deixaria de ser negligentíssimo
na matéria da sua salvação aquele que, sabendo que o
sacerdote o tenha absolvido por zombaria, deixasse de
buscar com todo o cuidado outro que agisse seriamente".
Ib. Cap. 8: "Enfim, quanto à satisfação, que, assim como

689
Capítulo 32

entre todas as partes da penitência, foi sempre e em todo


o tempo por nossos pais recomendada ao povo cristão...".
Cap. 9: "Não só podemos satisfazer a Deus Pai por Cristo
Jesus, com as penas que de livre vontade aceitamos em
vingança do pecado, ou impostas por arbítrio do sacerdote
à medida do delito, mas também (o que é maior prova de
amor) com castigos temporais, que Deus nos dá, sofridos
por nós com paciência".
Sessão 6, Cone. 29: "Se alguém disser que aquele que
caiu depois do batismo não pode se levantar com a graça
de Deus, ou que na verdade o pode, mas que com a fé
somente recupera a justiça que perdera, sem o sacramento
da penitência... seja anátema. Cân. 30. - Se alguém disser
que, depois de recebida a graça da justificação, a qualquer
pecador penitente é perdoada a culpa, e a punição eterna
é apagada de tal modo que não lhe fica resquício algum de
pena temporal a ser paga ou neste mundo ou no purgatório,
antes que possa entrar no reino do céu, seja anátema".
INDULGÊNCIAS - Cone. de Trento, Sess. 25, "De
Indulgentiis'".
O papa Leão X, Bulla "De Indulgentiis" (1518) - "Para
que ninguém no futuro possa alegar ignorância da doutrina
da igreja católica romana a respeito das indulgências e
sua eficácia... o pontífice romano, vigário de Cristo sobre
a terra, pode, por motivos razoáveis, em virtude do poder
das chaves, da superabundância dos méritos (expres-
samente chamados tesouro) de Cristo e dos santos,
conceder indulgências aos fiéis, quer nesta vida, quer no
purgatório; e que os que têm verdadeiramente alcançado
essas indulgências, (são) aliviados tanto do castigo
temporal devido por seus pecados reais à justiça divina,
quanto é equivalente à indulgência concedida e alcançada".

690
33

A Justificação

1. Em que sentido a palavra díkaios, justo, é empregada no


Novo Testamento?
Sua idéia f u n d a m e n t a l é a de perfeita conformidade com
todas as exigências da lei moral. Consideremos:
I o . D i t o a respeito de coisas ou pessoas - Mat. 20:4; Col.
4:1.
2 o . Dito a respeito de Pessoas (1) como pessoalmente santas,
conformadas em seu caráter à lei - Mat. 5:45; 9:13. (2) A
respeito de possuírem elas u m a só qualidade exigida pela lei -
Mat. 1:19; Luc. 23:50. (3) C o m o justas no sentido forense,
isto é, como conformadas às exigências da Lei consideradas
como condição da aliança de vida - Rom. 1:17. (4) D i t o a
respeito de D e u s como p o s s u i n d o os atributos de justiça
d i s t r i b u t i v a na a d m i n i s t r a ç ã o das provisões da Lei e das
alianças - Rom. 3:26; 1 João 1:9. (5) Dito de Cristo, com respeito
ao Seu caráter como o único h o m e m perfeito, e à Sua posição
representativa em satisfazer todas as exigências da Lei a favor
do Seu povo - Atos 3:14; 7:52; 22:14.

2. Qual é o uso do verbo dikaióo, justificar, no Novo Testa-


mento?
Significa declarar que u m a pessoa é justa.
I o . Pessoalmente conformada à Lei quanto ao caráter
moral - Luc. 7:29; Rom. 3:4.
2 o . Justa em termos forenses, isto é, significa que, a seu

691
Capítulo 33

respeito, foram satisfeitas todas as exigências da Lei, tida


como a condição de v i d a - A t o s 13:39; Rom. 5:1,9; 8:30-33; 1
Cor. 6:11; Gál. 2:16; 3:11.

3. Como se pode provar que a palavra dikaióo é utilizada


em sentido forense quando as Escrituras a empregam em referência
à justificação do pecador debaixo do evangelho?
1°. Em muitos casos é o único sentido que pode ter. Diz-
-se que os ímpios são justificados sem as obras da Lei, pelo
sangue de Cristo, pela fé, livremente e de graça, mediante a
intervenção de um advogado, por meio de uma satisfação e da
justiça imputada - Rom. 3:20-28; 4:5-7; 5:1; Gál. 2:16; 3:11;
5:4; 1 João 2:2.
2 o . É empregada para exprimir o contrário de condenação
- Rom. 8:33,34.
3 o . A m e s m a idéia é c o m u n i c a d a por m u i t a s outras
expressões equivalentes e permutáveis entre si - João 3:18; 5:24;
Rom. 4:6,7; 2 Cor. 5:19.
4 o . Se o termo em apreço não tivesse esse sentido, não
h a v e r i a d i f e r e n ç a e n t r e a justificação e a santificação -
Turretino, Loc. 16, Quses. 1.

4. Qual o uso do termo dikaiosyne,justiça, e da frase "justiça


de Deus" no Novo Testamento?
O termo "justo" é concreto, designando a pessoa que está
p a r c i a l m e n t e c o n f o r m a d a à lei, ou a cujo respeito foram
satisfeitas perfeitamente todas as exigências da lei. O termo
"justiça", porém, é abstrato, designando qualidade, obediência
ou sofrimento que satisfaz às exigências da Lei, e que constitui
o motivo da justificação.
Por conseguinte, significa, I o . santidade de caráter, Mat.
5:6; Rom. 6:13; 2 o . aquela perfeita conformidade de pessoa e
vida à Lei, que foi a base original para a justificação, sob a
aliança das obras, Rom. 10:3,5; Fil. 3:9; Tito 3:5; 3 o . a
o b e d i ê n c i a e os s o f r i m e n t o s vicários de Cristo, o nosso

692
A Justificação

Substituto, alcançando assim para nós uma justiça que,


sendo-nos imputada, torna-a nossa, ou faz dela a base da
nossa justificação, Rom. 4:6; 10:4; 1 Cor. 1:30, e é por nós
recebida e aceita mediante a fé, Rom. 3:22; 4:11; 10:5-10; Gál.
2:21; Heb. 11:7.
A frase "justiça de Deus" encontra-se em Mat. 6:33; Rom.
1:17; 3:5,21,22,25,26; 10:3; 2 Cor. 5:21; Fil. 3:9; Tia. 1:20; 2
Ped. 1:1.
Significa e v i d e n t e m e n t e aquela perfeita justiça ou
satisfação dada à Lei inteira, tanto a seus preceitos como a suas
penas, que Deus proveu e que Ele aceitará, em contraste com
os nossos serviços imperfeitos ou penitências infligidas a nós
mesmos, que Deus rejeitará se forem oferecidos como base
para a nossa justificação.

5. Qual o uso do termo dikaíosis, justificação, no Novo Testa-


mento?
Encontra-se somente em Rom 4:25; 5:16,18. Significa a
relação com a Lei na qual somos introduzidos quando a justiça
de Cristo se torna legalmente nossa. Somos então absolvidos,
não incorrendo na pena. E as Escrituras declaram que nos
pertencem as recompensas prometidas aos obedientes.

6. Como se deve definir justificação em seu sentido evangélico?


Deus, como Soberano, elegeu Seu povo escolhido e o deu
a Seu Filho na aliança da graça, e como Soberano leva a efeito
essa aliança quando, por imputação, faz da justiça de Cristo a
justiça do Seu povo eleito. A justificação, porém, é um ato
judicial de Deus pelo qual Ele declara que, em virtude dessa
imputação soberana, a lei foi perfeitamente cumprida a nosso
respeito. Isso envolve, I o . perdão; 2 o . restauração ao favor
divino, como pessoas a cujo respeito serão cumpridas todas as
p r o m e s s a s q u e t ê m c o m o c o n d i ç ã o a o b e d i ê n c i a aos
/

m a n d a m e n t o s da Lei. E um ato estritamente legal, posto que


Deus nele admita e ponha em nossa conta uma justiça vicária,

693
Capítulo 33

porque esta justiça vicária é exatamente aquilo que, em todos


os aspectos, a Lei exige e pelo qual ela é cumprida. Veja abaixo,
Perg. 28.

7. Que exige a Lei para a justificação do pecador?


A Lei consta essencialmente de uma regra de dever e de
uma pena anexa a ser aplicada no caso de desobediência. No
caso do pecador, que já se tornou culpado, a Lei exige, pois,
que, além de prestar-lhe perfeita obediência, seja também
sofrida a pena que lhe cabe - Rom. 10:5; Gál. 3:10-13.

8. Como se pode provar que as obras não podem constituir


base para a justificação do pecador?
Paulo repetidamente assevera isso (Gál. 2:16), e declara
que não somos justificados por nossa própria justiça, provinda
da obediência da Lei - Fil. 3:9. Também o mesmo apóstolo
prova essa verdade mediante diversos argumentos -
I o . A Lei exige obediência perfeita. Por isso todas as obras
não perfeitas levam à condenação, e n e n h u m ato de obediência
praticado n u m a ocasião pode expiar a culpa por um ato de
desobediência praticado noutra - Gál. 3:10,21; 5:3.
2 o . Se fôssemos justificados pelas obras, Cristo teria
morrido em vão - Gál. 2:21; 5:4.
3 o . Se fosse pelas obras, não seria pela graça - Rom. 11:6;
Ef. 2:8,9.
4 o . Se fosse pelas obras daria ocasião para blasonar - Rom.
3:27; 4:2.
5 o . Paulo cita o Velho Testamento para provar que todos
os homens são pecadores, Rom. 3:9,10, e que, por isso, não
podem ser justificados pelas obras - Sal. 143:2; Rom. 3:20.
Cita Hab. 2:4 para provar que "o justo vive da (pela) fé"; e cita
também o exemplo de Abraão - Gál. 3:6.

9. Quais as diversas opiniões quanto à classe de obras que,


segundo o ensino das Escrituras, não bastam para a justificação?

694
A Justificação

Os pelagianos admitem que as obras de obediência à lei


cerimonial são dessa natureza, mas afirmam que as obras de
obediência à lei moral são a p r ó p r i a e única base para a
justificação. Os católicos admitem que as obras praticadas pelas
forças naturais do h o m e m , antes da sua regeneração, não têm
mérito e nada valem para a justificação, mas, ao m e s m o tempo,
sustentam que, tendo sido perdoados por amor a Cristo, no
batismo, o pecado original e as transgressões próprias pre-
viamente cometidas, as boas obras praticadas depois, mediante
a graça, têm a virtude, em conseqüência dos méritos de Cristo,
de I o . merecer o céu, e 2 o . dar satisfação pelos pecados. Somos,
pois, justificados pela obediência evangélica -Cat. Rom., Parte
2, Cap. 5; Cone. de Trento, Sess. 6, Cânones 24 e 32. Os protes-
tantes negam a eficácia justificadora de todas e quaisquer obras.

10. Como se pode mostrar que nenhuma classe de obras, quer


cerimoniais quer morais ou espirituais, pode justificar?
I o . Q u a n d o as Escrituras negam que a justificação possa
vir das obras, o termo "obras" é sempre empregado no sentido
geral de obediência à inteira vontade de Deus revelada, seja
qual for a maneira pela qual foi revelada. Obras praticadas em
obediência a qualquer lei, como base para a justificação, nunca
são contrastadas com obras praticadas em obediência a outra
lei, mas sim com a graça - Rom. 11:6; 4:4. Deus exige perfeita
obediência à Sua vontade inteira, como revelada a qualquer
h o m e m . Todavia, s e n d o todos os h o m e n s p e c a d o r e s , a
justificação pelas obras da Lei é igualmente impossível para
todos - Rom. 2:14,15; 3:9,10.
2 o . O crente é justificado sem as obras da Lei, Rom. 3:28;
e Deus justifica os ímpios, por amor de Cristo - Rom. 4:5.
3 o . Segundo as Escrituras, a justificação baseia-se em
f u n d a m e n t o inteiramente diferente. É "em nome de Cristo",
1 Cor. 6:11; "por seu sangue" (ou "pela sua vida"), Rom. 5:9;
"gratuitamente", "pela sua graça", "pela fé" - Rom. 3:24,28.
4 o . Paulo prova que, em vez de sermos justificados por

695
Capítulo 33

boas obras, essas se nos tornam possíveis somente em virtude


da nova relação para com Deus em que a justificação nos
introduz - Ef. 2:8-10; Rom., capítulos 6 e 7.

11. Como se pode conciliar Tiago 2:14-26 com esta doutrina?


Tiago não está falando da base meritória da justificação, e
sim da relação em que as boas obras estão para com a fé
verdadeira como seus frutos e como sua evidência ou compro-
vação. A base meritória da justificação é a justiça de Cristo -
Rom. 10:4; 1 Cor. 1:30. A fé é o requisito essencial e o meio
instrumental para que se possa receber essa justiça - Ef. 2:8.
Tiago, na citada passagem, simplesmente declara e argumenta
sobre a verdade de que a fé, que é assim a causa instrumental
da justificação, nunca é uma fé morta, porém é sempre uma fé
viva e um princípio que produz frutos. Paulo muitas vezes
ensina a mesma verdade: "a fé opera por caridade", Gál. 5:6;
"O c u m p r i m e n t o da lei é o amor", Rom. 13:10.

12. Qual é, segundo as Escrituras, a verdadeira e única base


da justificação ?
A justificação é uma declaração, da parte de Deus infinita-
mente sábio e santo, de que a Lei está satisfeita. A Lei, como o
seu Autor, é absolutamente imutável, e não pode satisfazer-se
com coisa alguma que não seja uma justiça absolutamente
perfeita, a qual ao mesmo tempo cumpre os seus preceitos e
c u m p r e a sua p e n a . Isso foi f e i t o p o r C r i s t o o n o s s o
Representante, e Sua justiça, imputada a nós, é a base única e
estritamente legal da nossa justificação. Assim Ele foi feito o
fim da lei para a nossa justificação , e nós somos feitos nele
justiça de D e u s - R o m . 3:24; 5:9,19; 8; 10:4; 1 Cor. 1:30; 6.11;
2 Cor. 5:21; Fil. 3:9.

13. Como se pode provar que a obediência ativa de Cristo aos


preceitos da Lei se acha incluída na justiça pela qual somos
justificados?

696
A Justificação

I o . A condição da aliança das obras era a obediência


perfeita. Tendo falhado essa aliança na pessoa de Adão, foi
necessário que o segundo Adão cumprisse essa condição,
porque na aliança da graça Cristo assumiu todas as obrigações
não cumpridas que o Seu povo tinha sob a aliança das obras.
Ele, por Seus sofrimentos, tirou a pena, mas somente Sua
obediência ativa c u m p r i u a condição.
2 o . Todas as promessas de salvação acham-se ligadas à
obediência e não a sofrimentos - Mat. 19:16,17; Gál. 3:12.
3 o . Cristo veio cumprir a Lei t o d a - I s . 42:21; Rom. 3:31;
1 Cor. 1:30.
4 o . A obediência de Cristo é expressamente contrastada
com a desobediência de Adão - Rom. 5:19.

14. Como se pode mostrar que a obediência de Cristo foi


espontânea (e não forçada)?
Embora Cristo tenha sido feito sujeito à Lei nascendo de
u m a m u l h e r e t e n h a p r e s t a d o obediência a essa L e i nos
exercícios da Sua assumida natureza h u m a n a , todavia Ele não
devia essa obediência por si, entretanto prestou-a livremente,
para que os Seus méritos pudessem ser imputados a Seu povo,
p o r q u e as exigências de q u a l q u e r lei não t e r m i n a m em
naturezas, e sim em pessoas; e Ele sempre foi e é Pessoa divina.
Assim como Ele sofreu, o Justo pelos injustos, assim também
obedeceu, o Autor da Lei em lugar daquele que está sujeito
à Lei.

15. Em que sentido a justiça de Cristo é imputada aos crentes?


A imputação é um ato de Deus como Juiz soberano, ao
m e s m o tempo judicial e soberano, no qual (1) Ele faz com
que sejam realmente de Cristo a culpa e as responsabilidades
legais dos nossos pecados, e pune a Cristo por causa deles. "Ele
foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas
iniqüidades: o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e
pelas suas pisaduras fomos sarados" - Is. 53:5,11. "Cristo nos

697
Capítulo 33

resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós"


- Gál. 3:13. "Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado
por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" - 2
Cor. 5:21; João 1:29. (2) Ele torna nossa a justiça de Cristo
(isto é, torna nosso o direito legal à recompensa pela aliança da
graça, cuja condição foi a justiça), e então nos trata como pessoas
que fazem legalmente jus a esses direitos. "Assim também Davi
declara bem-aventurado o h o m e m a q u e m Deus i m p u t a a
justiça sem as o b r a s " - Rom. 4:6. "Porque o fim da lei é Cristo
para justiça de todo aquele que crê" - Rom. 10:4; 1 Cor. 1:30;
2 Cor. 5:21; Fil. 3:9.
"Imputação" é creditar ou pôr na conta de alguém alguma
coisa como o motivo pelo qual se lhe dá tratamento judicial.
"Culpa" é a obrigação justa de sofrer castigo. Oreatuspcence,
ou "acusação para castigo", é imputado a Cristo em nosso lugar.
O reatas culpce, ou "acusação de culpa", permanece nosso.
"Justiça imputada" é o cumprimento vicário de todas as
exigências da aliança que constituem a condição para rece-
bermos a vida eterna.
"Mérito" é aquilo que merece recompensa por causa das
promessas feitas numa aliança. O merecimento da recompensa
nos é imputado em função de Cristo, o de ser digno de louvor
L h e pertence para sempre.
Da mesma maneira como Cristo não se torna pecador pela
imputação a Ele dos nossos pecados, também não nos tornamos
santos pela imputação a nós da Sua justiça. A transferência é
unicamente da nossa culpa para Ele e do Seu mérito para nós.
Ele com justiça sofreu o castigo devido aos nossos pecados, e
nós com justiça recebemos a recompensa devida à Sua justiça
- 1 João 1:9. Para a explicação de "imputação", veja acima,
Cap. 21, Perg. 12, e Cap. 25, Perg. 9.

16. Sobre que fundamento procede esta imputação?


Procede sobre o f u n d a m e n t o da união federal, espiritual
e vital que subsiste entre Cristo e Seu povo. Esta união, por

698
A Justificação

sua vez, está baseada no eterno decreto de eleição, c o m u m a


todas as Pessoas da Deidade, e em Sua eterna aliança da graça
feita e n t r e o Pai c o m o D e u s A b s o l u t o , e o F i l h o c o m o
Mediador. Assim é que o f u n d a m e n t o supremo da imputação
consiste na natureza eterna e na vontade imperativa de Deus, a
fonte de toda a lei e de tudo o que é bom.

17. Como se pode provar pelas Escrituras o fato desta


imputação?
Veja Rom. 5:12-21. Compare Rom. 4:6 e 3:21 com Rom.
5:19.
A doutrina da imputação está envolvida essencialmente
na doutrina da substituição. Se Cristo obedeceu e sofreu em
nosso lugar, isto só pôde acontecer por L h e haverem sido
imputados os nossos pecados, o que é afirmado diretamente
nas Escrituras, Is. 53:6; 2 Cor. 5:21; 1 Ped. 2:24; e, sendo assim,
o mérito da Sua obediência e dos Seus sofrimentos só pode
r e d u n d a r em nosso proveito - Mat. 20:28; 1 Tim. 2:6; 1 Ped.
3:18. Veja acima, Cap. 21, Perg. 12.
Esta d o u t r i n a é ensinada t a m b é m nas passagens que
afirmam que Cristo cumpriu a lei, Rom. 3:31; 10:4; e pelas
que asseveram que somos justificados pela justiça de Cristo, 1
Cor. 6:11; Rom. 8:1, etc.
Além disso, esta doutrina fica em pé ou cai com todo o
sistema de d o u t r i n a s por nós a p r e s e n t a d o a respeito do
sacerdócio de Cristo, da justiça de Deus, das alianças das obras
e da graça, e da natureza da propiciação; aos quais assuntos,
sob seus respectivos títulos, remetemos o leitor.

18. Quais os dois efeitos atribuídos à imputação da justiça de


Cristo?
A justiça de Cristo I o . satisfaz à pena da Lei, e 2 o . cumpre
as condições positivas impostas na aliança das obras, isto é,
obediência aos preceitos da Lei. A imputação dessa justiça
alcança, pois, para o crente, I o . a remissão da pena, o perdão

699
Capítulo 33

dos pecados; e 2 o . o reconhecimento e tratamento dele como


pessoa a cujo respeito foram cumpridas todas as condições da
aliança das obras e que t e m direito legal a todas as suas
promessas e vantagens. Veja abaixo, Perg. 28.

19. Acaso os pecados dos crentes, cometidos depois da sua


justificação, acham-se incluídos no perdão concedido em
conseqüência da imputação da justiça de Cristo? Se a resposta é
"sim", de que maneira sucede?
Os eleitos, posto que incluídos no propósito de Deus e na
aliança feita desde a eternidade com Seu Filho, são efetiva-
m e n t e unidos a Cristo somente no m o m e n t o da sua rege-
neração, quando, em conseqüência da sua união a Ele e da
imputação a eles feita da Sua justiça, sua relação com a Lei
fica mudada permanentemente. Conquanto a lei imutável con-
tinue sempre a ser a regra e o padrão perfeito para a sua
experiência e para a sua vida, não é mais para eles uma condição
da aliança de vida, porque foi cumprida para eles por seu
Fiador. Deus não lhes imputa mais o pecado com o fim de
castigo judicial; e todo o sofrimento que ainda lhes sobrevenha
é da natureza de correção, cujo fim é corrigi-los e torná-los
melhores, e, em relação a eles, não forma parte alguma da pena
da Lei.

20. Quais as diversas opiniões a respeito da classe de pecados


que são perdoados quando o pecador é justificado?
Os católicos romanos ensinam que o pecado original e
todas as transgressões pessoais cometidas antes do batismo são
perdoados por amor de Cristo pelo meio instrumental desse
sacramento, e que, depois do batismo, os pecados, à medida
que se cometem, são, mediante os méritos de Cristo, perdoados
na observância do sacramento da penitência. Veja acima, Cap.
32, Perg. 11.
O Dr. Pusey fez reviver uma antiga doutrina segundo
a qual se perdoam no batismo todos os pecados passados,

700
A Justificação

original e reais ou fatuais; mas o seu sistema não faz provisão


para o perdão dos pecados cometidos depois.
Muitos protestantes têm sustentado que no primeiro ato
da justificação se perdoam somente os pecados passados e
presentes, e que os pecados cometidos depois da regeneração
são perdoados à medida que são cometidos, depois de novos
atos de fé.
A verdadeira opinião, porém, é que, em conseqüência da
imputação da justiça de Cristo ao crente, este está emancipado
da sua prévia relação federal com a Lei, e, por isso, daí por
diante n e n h u m pecado é mais lançado em sua conta com o
f i m de condenação judicial. Isso segue-se da natureza da
imputação, como foi anteriormente exposta, e fica ilustrado
pela e x p e r i ê n c i a registrada de P a u l o , o qual, p o s t o que
lamentasse que uma lei nos seus membros repudiava a lei do
seu espírito, todavia nunca duvidou da sua relação filial com
Deus, nem do perdão dos seus pecados.

21. Quais as diversas opiniões a respeito da relação entre a fé


e a justificação?
Os socinianos sustentam que a fé, inclusive a obediência,
é a própria base meritória para a justificação-Cat. Rac., Pergs.
418-421 e 453.
Os arminianos ensinam que, posto que a fé não tenha
merecimento próprio, por ser dom de Deus, contudo, sendo
um princípio vivo, incluindo obediência evangélica, ela, por
amor dos merecimentos de Cristo, nos é imputada pela graça
de Deus, como justiça, isto é; é aceita como justiça e, por
isso, somos declarados justos - Limborch, Theol. Christ., 6:4,22
e 6:4,26.
A opinião ortodoxa é que a obediência de Cristo, passiva
e ativa, que satisfaz tanto ao preceito como à pena da Lei e
constitui assim uma justiça perfeita, é, pela imputação ao
crente, realmente feita justiça dele, no sentido legal, quando
se a p r o p r i a dela no ato de crer. Nossa fé constitui, pois,

701
Capítulo 33

simplesmente o meio pelo qual participamos da justiça de


Cristo, sendo esta a verdadeira base da nossa justificação.

22. Como se pode provar que a fé é somente a causa instrumental


da justificação?
I o . Pela própria natureza da fé. (1) Ela não é de nós, mas
é dom de Deus - Ef. 2:8; Fil. 1:29. (2) É um dos frutos do
Espírito e, por isso, não pode ser o motivo meritório para
recebermos bênçãos espirituais - Gál. 5:22. (3) E um ato da
alma e, por isso, é u m a obra; p o r é m , posto que sejamos
justificados mediante a fé, não o somos por obras. - Rom. 4:2-
5; 11:6. (4) A fé justificadora culmina em Cristo ou sobre Ele,
em Seu sangue, em Seu sacrifício e nas promessas de Deus;
em sua própria essência, pois, envolve confiança e, negando
que tenha valor justificador em si, só afirma o merecimento
u n i c a m e n t e daquilo (ou daquele) em quem confia - Rom.
3:25,26; 9:20,22; Gál. 3:26; Ef. 1:12,13; 1 João 5:10. (5) A Lei
exige necessariamente uma justiça perfeita, mas a fé, mesmo
q u a n d o c o m b i n a d a com a obediência evangélica que ela
produz, não é uma justiça perfeita.
2 o . As Escrituras, quando se referem à relação da justi-
ficação com a fé, empregam as expressões ek písteos, pela fé, e
diàpísteos, pela fé ou mediante a fé, entretanto nuncadiàpístin,
por causa da fé, Gál. 2:16.
3 o . A fé é distinguida da justiça que ela apreende - Rom.
1:17; Fil. 3:8-11. Turretino, Loc. 16, Quaes. 7.

23. Qual o objeto específico da fé justificadora?


Segundo os socinianos, que negam a deidade de Cristo, o
ato da fé justificadora culmina "em Deus por Cristo" - Cat.
Rac., Sec. 5, Cap. 9.
Os católicos romanos, que c o n f u n d e m a justificação e a
santificação, fazem da revelação inteira de Deus o objeto da fé
que justifica - Cat. Rom., Parte 1, Cap. 1.
A doutrina bíblica é que, posto que o coração renovado

702
A Justificação

creia igualmente em toda a Palavra de Deus conhecida, todavia


o ato específico da fé, pelo qual somos justificados, tem como
objeto a Pessoa de Cristo e Sua obra como Mediador.
Prova-se i s s o - , .
I o . Pelas declarações terminantes das Escrituras - Rom.
3:22,25; Gál. 2:16; Fil. 3:9.
2 o . Pelas declarações de que somos salvos pela fé nEle -
Atos 10:43; 16:31; João 3:16,34.
3 o . Por aquelas expressões figuradas que ilustram o ato de
fé salvadora como "olhando para Cristo" etc. - Is. 45:22; João
1:12; 6:35,37; Mat. 11:28.
4 o . I n c r e d u l i d a d e é recusar aceitar a justiça que Deus
proveu, isto é, Cristo - Rom. 10:3,4.

24. Qual a natureza da paz que provém da justificação?


I o . Paz com Deus, por estar perfeitamente satisfeita a
Sua justiça pela justiça de Cristo - Rom. 5:1; 2 Cor. 5:19;
Col. 1:21; Ef 2:14. Em testemunho de que Ele nos dá Seu
Espírito - Rom. 8:15,16; Heb. 10:15,17. Derrama Seu amor
em nossos corações, Rom. 5:5, e estabelece comunhão habitual
entre nós e Ele - 1 João 1:3.
2°. Paz interior de consciência, incluindo a consciência
í n t i m a de e s t a r m o s reconciliados com D e u s m e d i a n t e a
operação do Seu Espírito, como acima se viu, e o apazigua-
mento da nossa consciência acusadora mediante a apreensão
da justiça pela qual somos justificados - Heb. 9:14; 10:2,22.

25. Que outros benefícios mais nos vêm da justificação?


Sendo justificados na base de uma justiça perfeita, toda a
nossa relação com Deus e com a Lei fica mudada; e o resultado
é que r e c e b e m o s o dom do E s p í r i t o Santo, a adoção, a
santificação, a perseverança, a garantia de que todas as coisas
c o n t r i b u e m p a r a o nosso b e m , l i v r a m e n t o na m o r t e , a
ressurreição do corpo e a glorificação final.

703
Capítulo 33

RESPOSTAS A OBJEÇÕES

26. Como se pode expor e refutar as principais objeções contra


a doutrina protestante da justificação?
1°. Objeta-se que ela é legal e, por isso, exclui a graça.
RESPONDEMOS - Na verdade, é doutrina transcendental-
mente caracterizada pela graça. (1) A admissão de um substi-
tuto dos pecadores culpados foi ato de graça. (2) A obediência
e os sofrimentos vicários do Deus-homem foram atos de graça
infinita. (3) A imputação da Sua justiça a pessoas eleitas dentre
toda a massa da humanidade decaída é puramente um ato de
graça. Logo, (4) o fato grandioso de que Deus depois considera
e trata o crente como justo é obra da graça.
2 a . Que essa doutrina é ímpia porque declara que o pecador
é justo e que é possuidor da própria justiça de Cristo.
RESPONDEMOS: Não é ímpia porque - (1) Esta justiça foi
planejada livremente com a intenção de que fosse nossa, e nos
é dada livremente. (2) Não se trata da justiça pessoal e subjetiva
de Cristo, a qual é incomunicável, mas o que nos é imputado
é o Seu c u m p r i m e n t o vicário da aliança de vida, sob a qual
nascemos. (3) O mérito de louvor é retido por Cristo; só nos é
dado o mérito de recompensa. (4) A dádiva da justiça nos é
feita gratuitamente, para que o louvor da graça gloriosa reflua
unicamente a Cristo.
3a. Que a justificação gratuita, pela fé, leva à licenciosidade.
PAULO RESPONDE: Romanos 6:2-7 -
(1) proposição: onde o pecado foi abundante, a graça foi
muito mais abundante - Romanos 5:20.
(2) proposição: concluiremos, pois, que devemos continuar
no pecado para que a graça seja abundante? De modo n e n h u m
- Romanos 6:1, 2.
(3) proposição: a união federal do crente com Cristo, a
qual assegura a nossa justificação, é o f u n d a m e n t o inseparável
daquela união espiritual e vital com Ele que assegura a nossa
santificação.

704
A Justificação

(4) proposição: este método de justificação, longe de levar


à licenciosidade, adquiriu as únicas condições sob as quais
podemos ser santos, (a) Este método de justificação, devido à
m u d a n ç a que opera em nossa relação com Deus, habilita-nos
a retornar a Ele prestando-Lhe um serviço espontâneo e feito
por amor - R o m a n o s 6:14; 7:1-6. (b) Somente este método de
justificação nos liberta de um espírito de escravidão e de temor,
e nos dá o de adoção e de amor - Romanos 8:1-17; 13:10; Gálatas
5:6; 1 João 4:18; 2 João, versículo 6.

27. Em que aspecto diferiu a doutrina de Piscator sobre este


assunto da doutrina das igrejas reformadas?
Piscator, teólogo protestante, lente em H e r b o r n (1584-
1625), ensinou, I o . que, quanto à Sua natureza humana, Cristo
estava sujeito à Lei no mesmo sentido em que o está qualquer
outra criatura h u m a n a , e que, por isso, Ele podia obedecer à
lei somente por Si; 2 o . que, se Cristo tivesse obedecido à Lei
em nosso lugar, ela não poderia exigir de nós um segundo
cumprimento dela e, conseqüentemente, os cristãos não teriam
n e n h u m a obrigação de obedecer à lei de Deus; 3 o . que, se Cristo
tivesse obedecido aos preceitos da Lei e também sofrido a pena,
a Lei teria sido cumprida duas vezes, por serem alternativas e
não coincidentes as exigências dos preceitos e a pena da Lei.
Essa doutrina foi expressamente condenada nas igrejas
reformadas da Suíça e da Holanda, e pelos sínodos franceses
celebrados nos anos de 1603,1612 e 1614.
Em 1615, porém, o sínodo permitiu tacitamente que essas
opiniões passassem sem condenação -Hist. EccL de Mosheim.

28. Como se pode mostrar que a justificação não é simplesmente


perdão?
Piscator errou, deixando de d i s t i n g u i r -
I o . Que as exigências da Lei não terminam em naturezas,
e sim em pessoas. Cristo foi Pessoa divina e, por isso, Sua
obediência foi espontânea.

705
Capítulo 33

2 o . Que há uma diferença evidente entre uma relação fede-


ral com a L e i como condição da salvação e u m a relação
natural com ela como regra de vida. Com a Lei como con-
dição, Cristo a cumpriu como nosso Representante federal;
porém, como regra de vida, ela é obrigatória para o crente e
para todas as criaturas morais para sempre.
A justificação é mais que perdão -
I o . Porque a própria palavra "justificar" o prova. "Perdoar"
é desistir, no exercício de u m a prerrogativa soberana, da
execução das sanções penais da Lei. "Justificar" é declarar que
as exigências da Lei são satisfeitas, não que se desistiu delas. O
perdão é ato soberano; a justificação é ato judicial.
2°. C o m o já provamos no capítulo 25, Cristo, no rigor
estrito da justiça, satisfez vicariamente por nós às exigências
da Lei. Sua satisfação é a base requerida para a nossa justi-
ficação. Mas perdão é remissão da pena sem satisfação.
3 o . Se a justificação fosse mero perdão, livrar-nos-ia
simplesmente dos sofrimentos penais, todavia não nos proveria
n e n h u m outro bem. Mas "a justificação pela fé em Cristo" não
somente traz como resultado o perdão, porém também a paz,
a graça, a reconciliação, a adoção de filhos, a bênção de sermos
co-herdeiros com Cristo, etc. Veja acima, Perg. 13, e Rom. 5:1-
10; Atos 26:18; Apoc. 1:5,6.
No caso dos crentes justificados, a "justificação" inclui o
" p e r d ã o " . A nossa justificação tem por f u n d a m e n t o uma
"satisfação", e, por isso, não é mero perdão, e sim uma satisfação
"vicária", lançada pela graça de Deus a crédito de indignos, e,
por isso, efetua o perdão de nós pecadores que cremos em Cristo.

29. Acaso Calvino não teria empregado muitas vezes uma


linguagem que indica que a justificação e o perdão são a mesma
coisa?
Empregou. No entanto, na interpretação da sua linguagem
devemos estar lembrados -
I o . Do fato de que ele estava a r g u m e n t a n d o com os

706
A Justificação

romanistas, que ensinavam que a "justificação consiste na


remissão dos pecados e na infusão da graça". Em oposição a
isso, ele argumentava que a justificação consiste na remissão,
contudo não inclui a infusão.
2 o . Do fato conclusivo de que as suas definições completas
de "justificação" compreendem a verdade toda, definida mais
acuradamente nos símbolos das igrejas luterana e reformada.
Entretanto, vejamos:
João Calvino, Instituías, Livro 3, Cap. 2, § 2: "Diz-se
que um homem é justificado diante de Deus quando, no
juízo de Deus, ele é decretado justo e é aceito por causa da
sua justiça... Do mesmo modo dir-se-á que um homem é
justificado por obras, se em sua vida, ou pela perfeição de
suas obras, ele pode responder e satisfazer à justiça divina.
Se, porém, um homem quiser justificar-se pela fé, quando
excluído da justiça de obras, ele pela fé lança mão da justiça
de Cristo e, dela revestido, não aparece diante de Deus
como pecador, e sim como justo. Assim, pois, nós
i n t e r p r e t a m o s a justificação s i m p l e s m e n t e como a
aceitação pela qual Deus nos recebe em Seu favor, e
dizemos que esta justificação consiste no perdão dos
pecados e na imputação da justiça de Cristo.
Calvino, Com., 1 Cor. 1:30 - "Cristo nos é feito justiça,
e por estas palavras ele (o apóstolo) entendeu que somos
aceitos por Deus em Seu nome (de Cristo), porque Ele
expiou os nossos pecados, e Sua obediência nos é imputada
como justiça. Porque, consistindo a justiça da fé na
remissão dos pecados e na aceitação gratuita, nós obtemos
as duas coisas por Cristo".

30. Em que sentido a teoria governamental modifica a doutrina


da justificação?
Veja acima, Cap. 25, Perg. 27.
I o . Daquela teoria segue-se que a justificação é um ato
soberano e não judicial de Deus. Cristo não satisfez à Lei, mas
somente alcançou que fosse compatível com o governo de Deus

707
Capítulo 33

que Ele pusesse de lado a Lei no caso dos crentes. É mero


perdão, um ato de clemência executiva.
2 o . Devido Cristo não ter morrido como um substituto,
segue-se que Sua justiça não é imputada; é a ocasião, mas não
a base da justificação.
3 0 . Devido Cristo não ter morrido como um substituto,
não há união estritamente federal entre Ele e Seu povo, e a fé
não pode ser o meio da salvação, unindo-nos a Cristo, mas é
tão-somente a condição arbitrária sob a qual se nos concede a
justificação, ou é o meio de recomendar-nos a Deus.
4 o . Sendo a justificação mero perdão, só põe de lado a
condenação, e assim torna possível a salvação. Contudo, nada
faz para conseguir a posição futura do crente e suas relações
com Deus, sob a aliança da salvação.
O Dr. E m m o n s (1745-1840), um dos mais hábeis teólogos
da Escola da Nova Inglaterra, diz (Sermons, Vol. 3., págs. 3-67)
- (1) "A justificação, no sentido do evangelho, não significa
nem mais nem menos que o perdão ou remissão dos pecados".
(2) "Perdão é o único favor que Deus concede aos homens por
amor de Cristo". (3) "A plena ou final justificação dos crentes,
ou o seu direito à herança eterna, é condicional. E necessário
que eles façam certas coisas, que Ele especificou como termos
ou condições, cumprindo os quais eles podem tomar posse
dos seus diversos legados". (4) "Deus com efeito promete a
vida eterna a todos os que obedecem a Seus mandamentos ou
exercem os santos e benévolos afetos que os Seus mandamentos
exigem".

31. Como a teoria arminiana modifica a doutrina da justificação


quanto à natureza e ao desígnio da satisfação dada por Cristo?
Os arminianos sustentam - I o . Q u a n t o à natureza da
satisfação dada por Cristo, a qual, posto que fosse uma
propiciação real feita a nosso favor atendendo à justiça, a rigor
não foi perfeita, no que diz respeito à justiça, mas foi aceita
por Deus, por Sua graça, e como tal foi tratada por Deus -

708
A Justificação

Limborch, Apol Theol., 3, 22, 5. 2 o . Que essa satisfação não


foi estritamente a substituição dos eleitos por Cristo, mas an-
tes, que Ele sofreu a ira de Deus a favor de todos os homens, a
fim de fazer com que fosse compatível com a justiça, para que
Deus pudesse oferecer a salvação a todos os h o m e n s sob a
condição da fé.
Consideram, pois, a justificação como um ato soberano e
não judicial - I o . Em aceitar Deus os sofrimentos de Cristo
c o m o s u f i c i e n t e s para h a b i l i t á - 1 0 , sem q u e b r a das Suas
perfeições, a oferecer aos homens a salvação sob condições da
nova aliança de graça, isto é, a condição da fé. 2 o . Em imputar
ao crente a sua fé como justiça, por amor de Cristo.
Esta fé, segundo eles - I o . Inclui obediência evangélica,
isto é, o inteiro princípio de religião no coração e na vida. 2 o .
Eles a consideram mais como a base admitida pela graça, do
que como simplesmente o meio de justificação, sendo a fé
imputada como justiça, pela qual Cristo morreu - Limborch,
Theol. Christ., 6:4, 22 e 6: 4, 26.
Essa teoria (arminiana) tem contra si todos os argumentos
que acima apresentamos estabelecendo a doutrina ortodoxa,
mas além disso labora sob as seguintes objeçÕes -
I a . Ela deixa de tornar claro como é que a satisfação dada
por Cristo tornou compatível com a justiça divina que os
h o m e n s sejam salvos sob a condição da fé. Se Cristo não
obedeceu nem sofreu estritamente como o Substituto de Seu
povo, é difícil entender como, quanto ao que lhes diz respeito,
a justiça de Deus poderia ser aplacada; e se se disser que Ele
realmente cumpriu assim em seu lugar as exigências da justiça,
isto será admitir a teoria ortodoxa, acima exposta.
2 a . Ela deixa de t o r n a r clara a relação da fé com a
justificação - (1) Porque a fé em Cristo, incluindo a confiança,
necessariamente implica que os méritos de Cristo, nos quais
se deposita finalmente a confiança, constituem o f u n d a m e n t o
da justificação. (2) A fé deve ser ou o f u n d a m e n t o ou
simplesmente o meio da justificação. Se é o meio, a justiça de

709
Capítulo 33

Cristo, que é o objeto da fé, é o f u n d a m e n t o . Todavia se a fé é


o f u n d a m e n t o , onde ficam os méritos de Cristo em que a fé
se baseia?

32. Como definem os católicos a justificação?


Eles a c o n f u n d e m com a santificação. Para eles, é, I o . per-
dão dos pecados, 2 o . a remoção do pecado inerente, por amor
de Cristo, e 3 o . a infusão positiva da graça.
A respeito desta justificação ensinam que a causa final é a
glória de Deus e a vida eterna. A causa eficiente é o poder do
Espírito Santo. A causa meritória é a obra realizada por Cristo.
A causa instrumental é o batismo. A causa formal é a influência
da graça, pela qual nós não só nos tornamos justos no sentido
forense, mas também inerentemente -Cone. de Trento, Sess. 6,
Cap. 7.
A fé, em sua relação com a justificação, eles definem como
o princípio da salvação h u m a n a , fonte e raiz de toda a justi-
ficação, isto é, da vida espiritual. Sustentam, por conseguinte,
que a justificação é progressiva e que, depois de receber o
h o m e m uma nova natureza e o perdão e a remoção dos pecados
no batismo, é necessário levar avante a obra pelo exercício da
graça implantada, isto é, pela prática de boas obras. Confun-
dindo eles a justificação com a santificação, negam neces-
sariamente que os homens seja justificados pela imputação da
justiça de Cristo, ou somente pela fé, sem obras - Cone. de
Trento, Sess. 6, Cans. 9 e 11, " D e Justificatione".
Eles admitem que a justificação é inteiramente gratuita,
isto é, que vem só da misericórdia de Deus, e por amor dos
méritos de Jesus Cristo, por não terem merecimento algum
nem os exercícios espirituais, n e m as obras dos h o m e n s ,
praticadas antes da sua justificação - Cone. de Trento, Sess. 6,
Cap. 7. Deve-se distinguir cuidadosamente entre (a) aquilo
que no caso de um adulto o prepara para a justificação, (b) a
realização da justificação em p r i m e i r a i n s t â n c i a , (c) sua
subseqüente realização progressiva no adiantamento da alma

710
A Justificação

beneficiada pela graça na justificação para a perfeição, e (d) a


restauração do cristão batizado a um estado de graça depois de
ter voltado para o pecado.
Veja:
I o . A preparação do pecador para a justificação procede
da graça preveniente de Deus, sem n e n h u m merecimento da
parte do preparando. Essa graça, operando pelo ato de ouvir a
Palavra, conduz à convicção do pecado, ao arrependimento, à
apreensão da misericórdia de Deus em Cristo, (à igreja), e assim
à determinação de receber o batismo e levar vida nova - Cone.
de Trento, Sess. 6, Caps. 5 e 6. •"
o
2 . A justificação efetiva do pecador é a infusão de hábitos
mediante a graça, depois de haver sido limpo da corrupção do
pecado pelo poder de Deus, por amor dos méritos de Cristo,
por meio do batismo, que produz seus efeitos em virtude de
uma energia inerente a ele, segundo a sua instituição por Deus.
Depois disso, estando removido o pecado inerente, a remissão
da culpa segue-se necessariamente como seu efeito imediato.
Culpa é a relação do pecado com a justiça de Deus. Sendo
removida a causa (o pecado), a relação deixa de existir ipso
facto - B e l a r m i n o , D e A m i s s . Gratice etc., v: 7.
3 o . Tendo sido justificado assim e tendo sido feito amigo
de Deus, o cristão vai adiante, de virtude em virtude, e é
renovado dia a dia mediante a observância dos mandamentos
de Deus e da igreja (católica), cooperando a fé com as boas
obras, tornadas possíveis então em virtude da prévia justi-
ficação, e merecendo elas realmente, e recebendo como sua
justa recompensa, aumento de graça e justificação cada vez
mais perfeita. A primeira justificação do pecador foi por amor
de Cristo, sem n e n h u m a cooperação de seu próprio mereci-
mento, mas com o consentimento da sua vontade. A sua segunda
justificação, ou a justificação continuada e aumentando sempre,
é por amor de Cristo, por meio e à proporção do seu próprio
merecimento, e este merece aumento de graça e aceitação à
medida (a) da sua santidade pessoal, e (b) da sua obediência às

711
Capítulo 33

regras eclesiásticas -Cone. de Trento, Sess. 6, Cap. 10 e Can. 32.


4 o . No caso dos que pecaram, depois de justificados, a graça
perdida da justificação é restaurada, por amor de Cristo,
mediante o sacramento da penitência, provido como segunda
tábua para aqueles em quem a graça naufragou. Esta penitência
inclui (a) pesar pelo pecado, (b) confissão feita a um sacerdote
da respectiva jurisdição, (c) absolvição sacerdotal, (d) satisfação,
constando de esmolas, jejuns, etc., e se esta satisfação não for
toda dada nesta vida, completar-se-á nas chamas do purgatório.
Todas estas satisfações, terrenas e purgatoriais, são satisfações
meritórias dadas à justiça divina, cancelam os castigos temporais
devidos pelos pecados em cuja remissão se penitenciam, e cujo
castigo eterno já foi perdoado gratuitamente, ou no próprio
sacramento ou no sincero desejo de participar dele - Cone. de
Trento, Sess. 6, Caps. 14 e 16, Can. 30, e Sess. 14, Caps. 1 a 9.

33. Quais os pontos de diferença entre os protestantes e os


católicos a respeito de toda esta questão?
I o . Quanto à natureza da justificação. Nós a consideramos
como um ato judicial de Deus, declarando que o crente é justo,
em termos forenses, com base na justiça de Cristo, que é feita
justiça dele por imputação. Os romanistas a consideram como
a infusão da graça inerente.
2 o . Q u a n t o à sua base meritória. Eles, como nós, dizem
que são os méritos de Cristo. Mas nós dizemos que esses méritos
se tornam nossos por imputação, por meio da fé; e eles dizem
que se tornam nossos pela santificação.
3 o . Quanto à natureza e ao ofício da fé. Nós dizemos que é
o meio da justificação; eles, que é o seu princípio e a sua raiz.
4 o . Eles dizem que a justificação é progressiva.
5 o . Dizem t a m b é m que a podemos perder cometendo
a l g u m p e c a d o m o r t a l , e q u e ela p o d e ser r e c o b r a d a e
aumentada mediante o sacramento da penitência, e que será
aperfeiçoada no purgatório. Veja acima, Cap. 32, sobre "O
Arrependimento e a Penitência".

712
A Justificação

34. Quais os principais argumentos contra a teoria romanista


sobre este assunto?
I o . A doutrina católico-romana é toda confusa. (1) Ela
confunde n u m a só definição duas coisas inteiramente distintas,
a saber, a nossa remissão forense da condenação que merecem
os pecados, com a nossa purificação do pecado inerente, e a
nossa introdução n u m estado em que, em conseqüência da Sua
aliança com Cristo, gozamos do favor de Deus, com a infusão
da graça inerente. (2) Deixa de dar uma explicação satisfatória
da maneira pela qual o mérito de Cristo nos propicia a justiça
divina.
2 o . A definição católico-romana é refutada por todas as
provas acima apresentadas de que os termos "justificação" e
"justiça" são empregados nas Escrituras em sentido forense.
3 o . Essa teoria, dizendo que a nossa graça inerente, operada
pelo Espírito Santo, por amor de Cristo, é a base, o motivo, de

sermos aceitos por Deus, subverte o evangelho todo. E da
própria essência do evangelho que a base da nossa aceitação
por parte do Pai seja a obra medianeira do Filho, sendo que
Ele, e não a nossa graça inerente, é o fim da Lei para a justiça
em nosso favor.
4 o . A teoria romanista do merecimento das obras prati-
cadas por nós, mediante a graça divina, depois do batismo,
não condiz com aquilo que as Escrituras e a própria igreja
católica r o m a n a ensinam a respeito do pecado e da culpa
originais, e a respeito da gratuidade essencial da salvação
operada por Cristo. O próprio Tomás de Aquino diz ( S u m m a ,
Quaes. 114, Art. 5): "Se a graça for tomada no sentido de um
dom gratuito, todo o merecimento será excluído pela graça".
Logo, cai por terra todo o sistema papal de justificação.
5 o . E legal em seu espírito e em seu método, e assim, ou
induz ao orgulho espiritual ou ao desespero, mas nunca pode
nutrir a verdadeira e segura confiança evangélica, que é ao
mesmo tempo h u m i l d e e inabalável.
6 o . As Escrituras declaram que Deus, por causa dos méritos

713
Capítulo 33 ^

de Cristo, justifica o crente em sua condição de ímpio, e não de


santificado. Certamente não poderia haver necessidade de uma
propiciação para que Deus Se tornasse justo e ao mesmo tempo
santificador dos ímpios - Rom. 4:5.
7°. As expressões imputar, contar como ou pôr pecado ou
justiça são compatíveis absoluta e u n i c a m e n t e com uma
interpretação forense. Imputar justiça sem obras no sentido
forense, é visto como racional no capítulo 4 da Epístola aos
Romanos. I m p u t a r graça inerente sem obras é absurdo.
8 o . A d e f i n i ç ã o r o m a n i s t a é r e f u t a d a p o r t o d o s os
argumentos que estabelecem a verdadeira teoria a respeito
da natureza e do ofício da fé justificadora. Veja acima, Pergs.
21-23.
EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Para a exposição


sobre a natureza, a base e os meios da justificação, ver acima,
no Cap. 29. Para a exposição sobre a doutrina romanista
das boas obras e das obras de supererrogação, veja abaixo,
no Cap. 35, e ver o que é dito sobre a doutrina da penitência
no Cap. 32.
Cone. de Trento, Sess. 6, Cap. 8 - "Diz-se que somos
justificados pela fé porque a fé é o princípio da salvação
dos homens, e o fundamento e a raiz de toda a justificação".
Ib., Can. 23. - "Se alguém disser que o homem, uma vez
justificado, não pode pecar mais, nem perder a graça; e
por isso aquele que cai e peca nunca fora verdadeiramente
justificado; ou se, ao contrário, disser que o homem pode
durante toda a vida evitar todos os pecados, ainda os
veniais, salvo por especial privilégio, como da bem-
-aventurada virgem Maria entende a igreja: seja anátema".
Can. 24: "Se alguém disser que a justiça recebida não se
conserva, nem também aumenta para com Deus pelas boas
obras; mas que as boas obras somente são frutos e sinais
da justificação que se alcançou: seja anátema". Can. 29:
"Se alguém disser que aquele que caiu depois do batismo,

714
A Justificação

não pode levantar-se com a graça de Deus; ou que na


verdade pode, mas que com a fé somente recupera a justiça
que perdera, sem o sacramento da penitência... seja
anátema". Can. 30: "Se alguém disser que, depois de
recebida a graça da justificação, a qualquer pecador
penitente é perdoada a culpa, e a punição eterna é apagada,
de tal modo que não lhe fica nenhum resquício de pena
temporal a ser paga, ou neste século ou no futuro, no
purgatório, antes de poder entrar no reino do céu: seja
anátema". Can. 32: "Sc alguém disser que as boas obras
do homem justificado de tal modo são dons de Deus que
não são t a m b é m bons m e r e c i m e n t o s do m e s m o
justificado; ou que este, com as boas obras que pratica,
pela graça de Deus e pelos méritos de Jesus Cristo, de Quem
ele é um membro vivo, não merece verdadeiramente
aumento de graça, a vida eterna e, se morrer em graça, a
consecução da mesma vida eterna e aumento de glória:
seja anátema".
Belarmino, "De Justificatione", 5, 1: "A opinião comum
de todos os católicos sustenta que todas as boas obras das
pessoas justificadas são verdadeira e p r o p r i a m e n t e
meritórias, e não somente merecem alguma recompensa,
mas a própria vida eterna". 4, 7. - "Dizemos que as boas
obras são necessárias ao homem justificado para a sua
salvação, não só de modo que estejam presentes, mas
t a m b é m p o r q u e são eficazes; p o r q u e elas efetuam a
salvação, e sem elas a fé não a efetua". Ib. 5, 5: "Os méritos
das pessoas justificadas não estão opostos aos de Cristo,
porém têm nestes a sua origem, e todo o louvor que
mereçam os merecimentos dos justificados, r e d u n d a
inteiramente no louvor dos merecimentos de Cristo".
DOUTRINA LUTERANA - Apologia Confessionis -
"Justificar significa neste lugar (Rom. 5:1) absolver, em
sentido forense, uma pessoa acusada e declará-la justa, mas
por causa da justiça de outrem, isto é, de Cristo; sendo
que esta justiça de outrem é lançada em nossa conta
mediante a fé".
Form. Concordice (Edição de Hase), pág. 685: "Nesta

715
1
Capítulo 33

transação o termo justificação significa declarar justos,


absolver dos pecados e do castigo eterno os pecadores,
por causa da justiça de Cristo, que é imputada por Deus à
fé". Ib., pág. 684: "O homem pecador pode ser justificado
diante de Deus... sem nenhum merecimento nosso, e
independentemente de quaisquer obras, precedendo ou
acompanhando a mera graça de Deus ou desta decor-
rendo". Ib., pág. 584: "Confessamos que unicamente a fé
é o meio ou instrumento com que apreendemos a Cristo,
nosso Salvador e, em Cristo, aquela justiça que pode
suportar o juízo de Deus". Ib., pág. 689: "Nem o arrepen-
dimento, nem o amor, nem outra virtude qualquer, mas
sim somente a fé é o único meio e instrumento com que
somos capazes de apreender e aceitar a graça de Deus, os
méritos de Cristo e a remissão dos pecados".
DOUTRINA REFORMADA - Conf. de Fé, de Westminster,
Cap. 11.
Cat. de Heidelberg, Perg. 60: "Todavia, posso agora
aceitar todos esses benefícios com verdadeira ousadia de
espírito; sem nenhum merecimento meu, somente da
graça de Deus, a perfeita satisfação, justiça e santidade de
Cristo me são imputadas e dadas como se eu mesmo nunca
houvesse pecado ou me houvesse manchado; sim, como
se eu mesmo tivesse prestado essa perfeita obediência
que Cristo prestou por mim".
DOUTRINA REMONSTRANTE - Limborch, Christ.
Theol., 6: 4, 22: "Entenda-se que, quando dizemos que
somos justificados pela fé, não excluímos as obras, que a
fé exige e, como mãe prolífica, produz, mas nós as
incluímos... nem se deve entender pela fé uma mera fé,
em contrastante distinção das obras que a fé produz, e
sim, junto com a fé, toda aquela obediência que Deus
prescreve no Novo Testamento, e que é suprida pela fé
em Jesus Cristo..." pág. 31. Mas a fé é a condição em nós
e de nós exigida para que obtenhamos a justificação. E,
pois, um ato que, quando considerado em si mesmo, de
modo algum é perfeito, e sim defeituoso em muitos
aspectos; todavia, é aceito gratuita e livremente por Deus

716
A Justificação

como completo e perfeito, e por causa dela Deus dá


gratuitamente a remissão dos pecados e a recompensa da
vida eterna..." pág. 29. O objeto da fé (justificadora) decla-
ramos que Jesus Cristo é, em toda a Sua Pessoa, como
Profeta, Sacerdote e Rei; não somente a Sua propiciação,
mas também os Seus preceitos, promessas e ameaças; por
ela, pois, aceitamos o Cristo integral, Sua Palavra e todos
os Seus benefícios salvadores".
DOUTRINA SOCINIANA - Cat. Racoviano, Sec. 5, Cap.
9: "A fé que é de per si acompanhada da salvação é um tal
assentimento à doutrina de Cristo que a aplicamos ao seu
objeto apropriado; isto é, que confiamos em Deus por
Cristo e nos entregamos inteiramente à obediência à Sua
vontade, alcançando assim as Suas promessas... Se, quando
a vida tem continuidade depois do reconhecimento de
Cristo, a piedade e a obediência são exigidas como
indispensáveis para a salvação, é necessário que a fé, à
qual só e verdadeiramente é atribuída a salvação, com-
preenda a obediência...". Ib., Cap. 2: "Somos justificados
quando Deus nos considera como justos, ou quando nos
trata como se fôssemos inteiramente justos e inocentes.
Isso Ele faz na Nova Aliança, perdoando os nossos pecados
e outorgando-nos a vida eterna".

.•••• -t-rr.

. ~ •

717
34

A Adoção e a Ordem Observada pela


Graça na Aplicação da Redenção, nas
Diversas Partes da Justificação, da
Regeneração e da Santificação

1. A que classes de criaturas é aplicada a expressão °filhos de


Deus " nas Escrituras, e por quais motivos se faz essa aplicação ?
I o . No singular é aplicado em sentido superior e incomu-
nicável u n i c a m e n t e à Segunda Pessoa da Trindade.
2 o . No plural, aos anjos, (1) porque são as criaturas favore-
cidas de D e u s , (2) p o r q u e , como inteligências santas, são
semelhantes a Ele - Jó 1:6; 38:7.
3 o . Aos magistrados entre os homens, porque possuem
autoridade delegada por Deus, e a esse respeito se L h e asse-
m e l h a m - Sal. 82:1,6.
4 o . Aos h o m e n s que foram objetos da adoção divina.
Essa adoção, e o estado de filhos que é sua conseqüência, é
dupla, (1) geral e externa, Ex. 42:2; Rom. 9:4; (2) especial,
espiritual e imortal - Gál. 4:4,5; Ef. 1:4-6.

2. Que é a adoção que os crentes têm em Cristo, e qual a relação


que a idéia representada por essa palavra nas Escrituras tem com
as idéias representadas pelos termos justificação, regeneração e
santificação?
Turretino faz da adoção u m a parte integrante da justi-
ficação. D i z ele que na execução da aliança da graça, Deus

718
A Adoção...

soberanamente imputa aos eleitos, quando primeiro crêem, a


justiça dc Cristo, que foi o c u m p r i m e n t o de toda a Lei e, p o r
isso, a base legal, sob a aliança das obras, a fim de obter para o
Seu povo tanto a remissão da pena como o direito legal a todas
as promessas que dependem da obediência. F u n d a d o nesta
imputação soberana, Deus declara judicialmente que a Lei,
em suas relações federais, foi cumprida perfeitamente a respeito
deles e, por outro lado, justifica-os, o que envolve duas classes
de bênçãos, I a . a remissão da pena merecida por seus pecados,
e 2 a . a concessão de todos os direitos e relações que resultam
do c u m p r i m e n t o positivo, da parte de Cristo e a favor dos
eleitos, da aliança das obras. Esta segunda parte integrante da
justificação Turretino chama adoção, e isso concorda essen-
cialmente com a definição de adoção dada em nossa Confissão
de Fé, Cap. 12, no Cat. Maior, Perg. 74, e no Breve Cat., Perg.
34 - Turretino, L. 16, Pergs. 4 e 6.
O grande Amésio (f 1633), em sua Medulla Theologica,
Cap. 28, representa a adoção como uma nova graça, mais adian-
tada que a justificação, e não como um dos seus elementos: a
sentença de Deus, baseada em Sua graça, na qual o crente,
tendo sido justificado, é recebido por amor de Cristo para a
relação e os direitos de filho.
A nós, porém, nos parece que as palavras "adoção" e "esta-
do de filhos", como empregadas nas Escrituras, exprimem
mais do que uma mudança de relação, e que uma concepção
mais adequada delas é a de que elas exprimem uma idéia com-
plexa, incluindo a mudança da natureza junto com a da rela-
ção e mostrando-nos o que é a nova criatura em suas novas
relações.
No instante em que um pecador é u n i d o a Cristo no
exercício da fé, operam-se nele simultânea e inseparavelmente,
I o . uma mudança radical em sua relação com Deus e com a
Lei como u m a aliança; 2 o . uma mudança em seu estado inte-
rior, ou em sua natureza. Esta mudança de relação é chamada
justificação. A REGENERAÇÃO é um ato de Deus no qual uma

719
Capítulo 34

nova criação dá origem a u m a nova vida espiritual no coração


do regenerado. O primeiro ato e o imediato dessa nova criatura,
depois da sua regeneração, é FÉ, ou seja, a aceitação genuína e
confiante da Pessoa e obra de Cristo. Q u a n d o então a pessoa
regenerada exerce fé, segue-se a JUSTIFICAÇÃO como ato ime-
diato de Deus, com base naquela justiça perfeita que a fé
habilitou o pecador a apreender, e Deus o declara livre de toda
a condenação e com direito a todas as relações e benefícios
p r o m e t i d o s na aliança que Cristo c u m p r i u a seu favor. A
SANTIFICAÇÃO é o crescimento progressivo para a maturi-
dade aperfeiçoada da nova vida implantada na regeneração. A
ADOÇÃO apresenta a nova criatura em suas novas relações,
exercendo-as de todo o seu coração, desenvolvendo sua nova
vida no meio de uma família congenial, cercada de relações
que p r o m o v a m o seu crescimento e a coroem com a b e m -
-aventurança. A justificação é tão-somente um ato forense, e
só diz respeito a relações, imunidades e direitos. A regeneração
e a santificação são obras totalmente morais e espirituais, e só
dizem respeito a qualidades e estados inerentes. A adoção
compreende a condição complexa do crente ao mesmo tempo
como regenerado e como justificado.

3. Qual é a ordem da graça na aplicação da redenção?


1°. Os dois princípios que fundamentalmente caracterizam
a soteriologia protestante são -
(1) A clara distinção entre a mudança de relação, chamada
justificação, e a mudança de caráter, chamada regeneração e
santificação.
(2) O fato de que a mudança de relação, a remissão da
pena e a restauração ao favor de Deus, envolvida na justificação,
necessariamente precede e torna possível a real mudança moral
chamada regeneração e santificação. Enquanto permanece a
condenação judicial, não há lugar para o exercício da graça. É
preciso que a remissão da pena preceda à operação do Espírito.
Somos perdoados para que sejamos bons, e n u n c a somos

720
A Adoção..
íifrn:
tornados bons para que sejamos perdoados.
"E evidente que era necessário que Deus m e s m o já fosse
em secreto favoravelmente disposto, por Sua graça, para com
o h o m e m , e que já o tivesse perdoado fórum divinum, por amor
de Cristo e da Sua relação com a natureza humana, para que
l h e p u d e s s e c o n c e d e r o d o m da r e g e n e r a ç ã o . De f a t o ,
considerada a regeneração como actus Dei forensis, havia
necessidade de que fosse considerada como existindo já antes
do h o m e m ser cônscio dela, e até já antes da sua fé" - Dr. J. A.
Dorner, Hist. Prot. Theology, Vol. 2, págs. 156, 160.
2 o . Daí vem o aparente círculo (vicioso) na ordem da graça.
Diz-se que a justiça de Cristo é imputada ao crente, e ao mesmo
tempo que a justificação é pela fé. Mas a fé é ato da alma
regenerada, e a regeneração é somente possível no caso da alma
já reconciliada com Deus pela aplicação da satisfação prestada
por Cristo.
Assim, a satisfação e os méritos de Cristo são a causa
antecedente da regeneração e, por outro lado, a participação
do crente na satisfação e nos méritos de Cristo (sua justificação),
tem como condição sua fé, que é um efeito da regeneração. É
necessário que tenhamos parte em Cristo, para que sejamos
regenerados, a fim de que tenhamos parte nEle para alcançar a
justificação.
Não se trata de ordem cronológica, porque a regeneração
e a justificação são atos da graça de Deus a b s o l u t a m e n t e
sincrônicos. A questão versa somente sobre a verdadeira ordem
das causas: seria imputada a nós a justiça de Cristo para que
possamos crer, ou ela nos é imputada porque cremos? Seria a
justificação um juízo analítico, no sentido de que o h o m e m é
justificado como crente, apesar de ser pecador, ou seria ela um
juízo sintético, no sentido de que esse pecador é justificado
por amor de Cristo?
3 o . A solução acha-se no fato de que Cristo impetrou que
a Sua salvação e todos os seus meios, condições e passos, fossem
aplicados aos "Seus", e que isso se fez em conseqüência de

721
Capítulo 34

u m a aliança em que Ele entrou com o Pai e na qual se pro-


videnciou que a redenção fosse aplicada a pessoas específicas
em certos tempos e debaixo de certas condições. A relação em
que, desde o seu nascimento, uma pessoa eleita está com Adão,
o pecado e a condenação, é exatamente a mesma em que estão
todos os demais homens. Mas a sua relação com a satisfação e
com os méritos de Cristo, como também com as graças que
t u d o isso outorga, é análoga à de um herdeiro com a herança
que lhe é legada n u m testamento. E n q u a n t o o herdeiro é
menor, o testamento dá-lhe de jure o direito em princípio à
herança. Para prepará-lo para ela, o próprio testamento faz
provisão para a sua educação, a expensas da herança; determina
quais os pagamentos em prestações que os executores do tes-
tamento lhe devem fazer; determina em certo sentido a sua
condição atual como herdeiro em perspectiva; e determina
q u a n d o e sob que condições se lhe pode entregar a posse
absoluta da propriedade. Ele possui certos direitos e goza de
certos benefícios desde o princípio; mas tem os direitos e os
poderes absolutos de proprietário somente quando chega à
idade própria e cumpre as condições prescritas no testamento.
/

E assim também que os méritos de Cristo são imputados ao


herdeiro eleito desde o seu nascimento, até onde eles constituem
a base para o tratamento que pela graça lhe é dado como
preparação para a sua plena posse.
Os teólogos protestantes dizem que a justificação é o ato
final de Deus como Juiz, pelo qual Ele declara que o herdeiro
está de plena posse dos direitos à sua herança, e que, daí por
diante, ele deve ser reconhecido e tratado como herdeiro de
posse, ainda que a consumação do ato de dar-lhe posse só
seja efetuada no dia da ressurreição. Cristo e Sua justiça não
são dados ao crente por causa da sua fé. Ela é a cônscia e
confiante aceitação daquilo que já lhe foi dado. O nosso Breve
Catecismo diz, Perg. 33: "A justificação é um ato da livre graça
de Deus, no qual Ele perdoa todos os nossos pecados, e nos
aceita como justos diante dEle, unicamente pela justiça de

722
A Adoção..

Cristo (1) imputada a nós e (2) aceita somente pela fé".


A regeneração e, por conseguinte, a fé são operadas em
nós por amor de Cristo e como resultado que tem por condição
u m a p r é v i a i m p u t a ç ã o da Sua justiça p a r a este f i m . A
justificação sobrevêm à fé e implica uma tal imputação da
justiça de C r i s t o que ela efetua u m a m u d a n ç a radical e
permanente nas relações do justificado com a lei como condição
de vida.

4. Segundo as Escrituras, que é que se acha envolvido no fato


de alguém ser filho de Deus por essa adoção ? '••
I o . Natureza derivada de Deus - João 1:13; Tia. 1:18; 1
João 5:18.
2 o . O renascer à imagem de Deus, à Sua semelhança -
Rom. 8:29; 2 Cor. 3:18; Col. 3:10; 2 Ped. 1:4.
3 o . O fato de trazer o Seu nome - 1 João 3:1; Apoc. 2:17;
3:12.
4 o . O serem objetos do Seu amor peculiar - João 17:23;
Rom. 5:5-8; Tito 3:4; 1 João 4:7-11.
5 o . A habitação em nós do Espírito de Seu F i l h o (Gál.
4:5,6), que forma em nós um espírito filial, ou um espírito
que convém aos filhos de Deus,obediente, 1 Ped.l:14; 2 João 6;
livre do sentimento de culpa, do cativeiro da Lei, do medo da morte,
Rom. 8:15, 21; 2 Cor. 3:17; Gál. 5:1; Heb. 2:15; 1 João 5:14; e
elevado por uma confiança santa a uma dignidade real, Heb.
10:19,22; 1 Ped. 2:9; 4:14.
6 o . Proteção, consolações e abundantes provisões presentes
- Sal. 125:2; Is. 66:13; Luc. 12:27-32; João 14:18; 1 Cor. 8:21-
23; 2 Cor. 1:4.
7 o . Correções paternais presentes, i n c l u i n d o aflições
temporais e espirituais - Sal. 51:11,12; Heb. 12:5-11.
8 o . A segura herança das riquezas da glória de nosso Pai,
como herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, Rom. 8:17;
Tia. 2:5; 1 Ped. 1:4; 3:7; inclusive a exaltação de nossos corpos
para c o m u n h ã o com Ele - Rom. 8:23; Fil. 3:21.

723
Capítulo 34 1

5. Qual a relação das três Pessoas da Trindade com esta adoção,


e em que relação ela nos introduz com cada uma das três Pessoas
respectivamente?
Esta adoção procede do eterno propósito do Pai, em
consideração aos méritos do Filho e é efetuada pela operação
eficaz do Espírito S a n t o - J o ã o 1:12,13; Gál. 4:5,6; Tito 3:5,6.
Por ela D e u s o Pai t o r n a - S e nosso Pai, o D e u s - h o m e m
encarnado torna-Se nosso irmão mais velho, e nós nos tornamos
- (1) semelhantes a Ele; (2) intimamente associados com Ele
em comunidade de vida, posição, relações e privilégios; (3)
co-herdeiros com Ele da Sua g l ó r i a - R o m . 8:17,29; Heb. 2:17;
4:15. O Espírito Santo mora em nós como Mestre, Guia,
A d v o g a d o , C o n s o l a d o r e Santificador. Todos os crentes
recebem a mesma adoção e, por conseguinte, são todos irmãos
- Ef. 3;6; 1 João 3:14; 5:1.

724
i. •?. f . ' £ I f ^ ).
35

A Santificação

1. Qual o sentido que as palavras hágios, santo, e hagiázein,


santificar, têm nas Escrituras?
O verbo hagiázein é empregado em dois sentidos diferentes
no Novo Testamento:
I o . No de tornar limpo, física ou moralmente. (1) Purifi-
cação cerimonial - Heb. 9:13; (2) Tornar limpo em sentido
moral - 1 Cor. 6:11; Heb. 13:12. Por isso as palavras "os santifi-
cados" significam o m e s m o que crentes - 1 Cor. 1:2.
2 o . Separar de um uso c o m u m para um uso sagrado;
consagrar. (1) dito de coisas, Mat. 23:17; (2) dito de pessoas,
João 10:36; (3) ter e venerar como santo, Mat. 6:9; 1 Ped. 3:15.
Hágios, como adjetivo,limpo,puro, santo; como substantivo,
o santo, é t a m b é m empregado em dois sentidos diferentes,
c o r r e s p o n d e n d o aos do verbo:
I o . P u r o , limpo: (1) cerimonialmente, Mat. 24:15; H e b .
9:1, (2) m o r a l m e n t e , Ef. 1:4; (3) como substantivo, os santos,
os santificados, Rom. 1:7; 8:27.
2 o . Consagrado, devotado - Mat. 4:5; Atos 6:13; 21:28;
Heb. 9:3. Esta palavra é empregada t a m b é m em louvor a Deus
- João 17:11; Apoc. 4:8.

2. Quais as diferentes opiniões sustentadas a respeito da natureza


da santificação?
I a . Os pelagianos, negando o pecado original e a incapa-
cidade moral do h o m e m , e sustentando que o pecado pode ser

725
Capítulo 35

tido como predicado de atos da vontade, somente, e não de


estados ou disposições inerentes, consideram, por conseguinte,
a santificação apenas como uma reforma moral da vida e dos
costumes, operada sob a influência da verdade pelo próprio
pecador no uso da sua força natural.
2 a . Os defensores do "modelo de exercícios" (exercise scheme)
afirmam que nada podemos achar na alma além de um agente
ou autor e seus exercícios. A regeneração, portanto, nada mais
é que a cessação de uma série de exercícios maus e a inaugura-
ção de uma série de exercícios santos. Uma facção, representada
pelo Dr. Emmons, afirma que Deus efetua imediatamente estes
exercícios santos. Outra facção, representada pelo Dr. Taylor,
de New Haven, declarou que é o próprio h o m e m que deter-
mina o caráter dos seus exercícios pessoais, escolhendo a Deus
como o seu bem supremo e tendo o auxílio do Espírito Santo
de uma maneira não explicada. Veja acima, Cap.29, Pergs. 5
e 6.
3 a . Muitos membros da Igreja Anglicana, em distinção
do seu segmento evangélico, sustentam que, q u a n d o um
homem se conforma com a igreja, o que constitui a condição
da aliança evangélica é i n t r o d u z i d o no uso de todos os
benefícios dessa aliança, e, se cumprir decentemente os seus
deveres relativos e participar das ordenanças, ficará habilitado
a fazer tudo o que se exige dele atualmente, e conseguirá toda
a bondade moral que é possível ou desejável no presente.
4 a . A doutrina ortodoxa é que o Espírito Santo, por Suas
influências constantes sobre a alma, em todas a suas faculdades,
por meio da verdade, nutre, exerce e desenvolve os princípios
e as disposições santas que implantou por ocasião do novo
n a s c i m e n t o , até que, s e n d o m o r t i f i c a d a s e extirpadas as
disposições pecaminosas e p l e n a m e n t e desenvolvidas as
disposições santas, n u m progresso constante, o objeto desta
graça alcança imediatamente após a morte a medida da estatura
de h o m e m perfeito em Cristo -Conf. de Fé, Cap. 13; Cat. Maior,
Perg. IS-, Breve Cat., Perg. 35.

726
I
A Santificação

3. Como se pode mostrar que a santificação envolve mais que


mera reforma? - .v /»••;'*
Veja acima, Cap.29, Perg. 12. " •

4. Como se pode mostrar que a santificação envolve mais que a


produção de santos exercícios?
Veja acima, Cap.29, Pergs. 7-10.
Além dos argumentos apresentados no capítulo acima
referido, podemos estabelecer esta verdade pela evidência
contida nas passagens das Escrituras que distinguem entre a
mudança operada no coração e os efeitos que ela produz na
v i d a - M a t . 12:33-35; Luc. 6:43-45. •• -

5. Qual a relação da santificação com a regeneração?


A regeneração é um ato criador do Espírito Santo, implan-
t a n d o na alma um novo p r i n c í p i o de vida e s p i r i t u a l . A
conversão é o primeiro exercício desse novo princípio originado
pela graça, voltando-se o pecador renascido espontaneamente
para Deus. A santificação é a obra realizada constantemente
pelo E s p í r i t o Santo pela qual Ele s u s t e n t a e desenvolve
espiritualmente o regenerado, sujeitando todas as faculdades
da alma cada vez mais perfeitamente à influência purificadora
e reguladora do princípio de vida espiritual implantado.

6. Qual a relação recíproca da justificação e da santificação?


Na ordem da natureza, a regeneração precede à justificação;
q u a n t o ao t e m p o , p o r é m , são s e m p r e e n e c e s s a r i a m e n t e
concomitantes. No mesmo m o m e n t o em que Deus regenera
um pecador, o pecador exerce fé em Cristo; e no m e s m o
m o m e n t o em que exerce fé em Cristo, é regenerado, e a santi-
ficação, que é a obra pela qual é levado adiante e aperfeiçoado
aquilo que tem por começo a regeneração, é efetuada sob as
condições daquelas novas relações nas quais o pecador é
i n t r o d u z i d o pela justificação. Nela somos libertados das
conseqüências penais do pecado e introduzidos n u m tal estado

727
Capítulo 35

de reconciliação com Deus e c o m u n h ã o com o Espírito Santo,


que ficamos emancipados da escravidão e do temor legal, e
revestidos daquele espírito de confiança e amor filiais que é o
princípio essencial de toda obediência aceitável. Além disso,
somos justificados em virtude da nossa união federal com
Cristo pela fé, que é a base daquela união viva e espiritual da
alma com Ele - da qual procede a nossa santificação. Veja
acima, Cap.31, Perg. 3.

7. Como se pode mostrar que esta obra se estende a todo o homem,


integralmente, ou seja, à inteligência, à vontade e aos afetos?
A alma é uma unidade, uma e a mesma autora ou agente
pensando, sentindo e decidindo. Um homem não pode amar
algo se não percebe que é merecedor do seu amor, nem pode
perceber a beleza, quer natural quer moral, que não seja
congenial com o seu coração. Sua natureza está por inteiro
depravada, I o . cega e insensível para a beleza espiritual; 2 o .
adversa ao bem moral, nas disposições dominantes da vontade,
e por isso é desobediente. A ordem em que as faculdades
operam é a seguinte: a inteligência percebe as qualidades do
objeto que ocupa a atenção; o coração ama as qualidades que
lhe são congeniais; a vontade escolhe aquilo que é amado.
Isso fica provado: I o . Pela experiência. A medida que o
espírito se torna mais depravado, torna-se t a m b é m mais
insensível à luz espiritual. Por outro lado, à medida que os
olhos percebem mais e mais claramente a beleza da verdade,
tanto mais vivos se tornam os afetos e mais obediente a vontade.
2 o . Pelo testemunho das Escrituras. Por natureza o homem
todo está depravado. A inteligência está obscurecida e os afetos
e a vontade estão pervertidos - Ef. 4:18.
S e n d o assim, é e v i d e n t e que a s a n t i f i c a ç ã o só p o d e
estender-se à natureza inteira do homem.
I o . Pela necessidade do caso.
2 o . Pelo testemunho das Escrituras - Rom. 6:13; 2 Cor.
4:6; Ef. 1:18; Col. 3:10; 1 Tess. 5:23; 1 João 4:7.

728
A Santificação

8. Em que sentido é santificado o corpo?


I o . Como consagrado: (1) por ser templo do Espírito Santo,
1 Cor. 6:19; (2) por ser membro de Cristo - 1 Cor. 6:15.
2 o . Como santificado: sendo o corpo parte integrante da
nossa pessoa, seus instintos e apetites operam imediatamente
sobre as paixões da alma, e, por isso, é necessário que os
sujeitemos à direção da alma santificada e que façamos de
todos os membros, como órgãos da alma, instrumentos de
justiça para Deus - Rom. 6:13; 1 Tess. 4:4.
3°. Nossos corpos hão de tornar-se semelhantes ao corpo
glorificado de Cristo - 1 Cor. 15:44; Fil. 3:21.

9. A quem as Escrituras atribuem a obra de santificação?


1° Ao P a i - 1 Tess. 6:23; Heb. 13:21.
2 o . Ao Filho - Ef. 5:25,26; Tito 2:14.
3 o . Ao Espírito Santo - 1 Cor. 6:11; 2 Tess. 2:13.
As três Pessoas da Trindade são sempre representadas
como concorrendo em todas as Suas operações externas, o Pai
operando pelo Filho e pelo Espírito Santo, e o F i l h o pelo
Espírito. A obra de santificação é atribuída com proeminência
especial ao Espírito Santo porque Ele é nela o Autor ou Agente
imediato e porque esta é, cm especial, Sua obra oficial no plano
da redenção.

10. Que nos ensinam as Escrituras a respeito da operação da


verdade na obra de santificação?
Todo o processo de santificação consiste no desenvolvi-
mento e na confirmação do novo princípio de vida espiritual
implantado na alma por ocasião da regeneração, e é dirigido
pelo Espírito Santo de conformidade com a operação das leis
e dos hábitos de ação naturais da alma h u m a n a como autora
ou agente inteligente, moral e livre, e mediante a referida
operação dessas leis e desses hábitos. Assim como as faculdades
naturais do corpo e do espírito, e os hábitos naturais que
modificam a ação dessas faculdades, são desenvolvidos pelo

729
Capítulo 35

exercício, assim também se dá com as graças cristãs, ou com


os hábitos espirituais, sendo as verdades do evangelho os
objetos sobre os quais operam essas graças e pelos quais elas
são estimuladas e dirigidas. Assim, a sublime beleza de Deus
apresentada na verdade, que é imagem dEle, é objeto do nosso
amor satisfeito e prazeroso; Sua bondade, da nossa gratidão;
Suas promessas, da nossa confiança; Seus juízos, do nosso temor
salutar; e Seus mandamentos promovem em nós a obediência
filial em suas diversas e muitíssimas formas - João 17:19; 1
Ped. 1:22; 2:2; 2 Ped. 1:4; Tia. 1:18.

11. Que eficácia atribuem as Escrituras aos sacramentos


(ordenanças) nesta obra?
I o . A teoria mais simples é que os sacramentos apresentam
a verdade aos olhos de uma maneira muito viva, meramente
como símbolos, e que são eficazes somente como um m o d o de
apresentar o evangelho objetivamente.
2 o . A teoria do extremo oposto é que eles, por sua eficácia
p r ó p r i a , c o m u n i c a m graça santificadora ex opere operato,
"porque comunicam graça em virtude do próprio ato sacra-
mental, instituído por Deus para este mesmo fim, e não pelo
mérito do administrador (sacerdote), nem pelo de quem os
recebe" - Belarmino, De Sac., 2, 1.
3 o . A teoria verdadeira é "que os sacramentos são meios
eficazes de graça, não só exibindo e sim realmente conferindo
aos que os r e c e b e m d i g n a m e n t e , os b e n e f í c i o s que eles
representam"; todavia, esta eficácia não reside propriamente
neles, mas acompanha o seu uso devido em virtude da divina
instituição e promessa, mediante a operação do Espírito Santo
que os acompanha, e dependendo isso da fé daquele que os
recebe, fé que, ao mesmo tempo, é a condição e o meio de se
receber o benefício - Mat. 3:11; Atos 2:41; 10:47; Rom. 6:3; 1
Cor. 12:13; Tito 3:5; 1 Ped. 3:21.

730
A Santificação

12. Na santificação, que oficio as Escrituras atribuem àfé?


Q u a n t o ao n ú m e r o de o r d e m , a fé é a primeira graça
exercida pela alma depois de regenerada; quanto ao princípio,
é a raiz de todas as demais - Atos 15:9; 26:18. É o i n s t r u m e n t o
pelo qual obtemos a santificação. Portanto...
I o . O de conseguir que se mude a relação do crente com
Deus e com a Lei, como a condição de obter a vida e o favor.
Veja acima, Perg. 6.
2 o . O de conseguir a união do crente com Cristo - 2 Cor.
13:5; Gál. 2:20; Col. 3:3.
3 o . Por sua própria natureza a fé nos santifica, porque, em
seu sentido mais lato, a fé é aquele estado espiritual da alma
em que ela tem comunhão viva e ativa com a verdade espiritual.
"Por esta fé o cristão crê que é verdadeiro tudo q u a n t o é
revelado na Palavra, pela autoridade do próprio Deus falando
nela; e atua diferentemente, segundo aquilo que cada passa-
gem dela contém; prestando obediência aos mandamentos,
tremendo às ameaças e aceitando as promessas de Deus para
esta vida e para a que há de vir - Conf de Fé, Cap.14, § 2.

13. Segundo as Escrituras, o que seria necessário para que


uma obra seja considerada boa?
I o . Que tenha como origem um b o m motivo, isto é, que
seja praticada por amor ao caráter de Deus, por respeito à
Sua autoridade e por zelo pela Sua glória; o amor como f r u t o
do Espírito, mesmo que não esteja sempre presente conscien-
temente, todavia imperando como princípio p e r m a n e n t e e
d o m i n a n t e na alma.
2 o . Que esteja em consonância com a Sua Lei revelada -
Deut. 12:32; Is. 1:11,12; Col. 2:16-23.

14. Qual é a doutrina papal a respeito dos "conselhos de Cristo "


que não se acham incluídos nos preceitos positivos da Lei?
Os mandamentos positivos de Cristo são apresentados
como obrigatórios a todas as classes de cristãos de modo igual,
r i p u t m ç A A t m s s Y ÇLABÍ
731
Capítulo 35

e sua observância como necessária à salvação. Seus conselhos,


porém, obrigam somente àqueles que, buscando um grau mais
exaltado de perfeição e u m a r e c o m p e n s a mais excelente,
assumem-nos voluntariamente. São tais como o celibato, a
pobreza voluntária, etc., e a obediência a regras (monásticas) -
Belarmino, De Monachis, Cap.7.
A impiedade desta distinção é evidente. -
I o . Porque Cristo exige a consagração total de todos os
cristãos: depois de termos feito tudo, somos servos inúteis. As
obras de supererrogação são, pois, impossíveis.
2°. Todo culto semelhante é indevido e é uma abominação
para Deus - Col. 2:18-23; 1 Tim. 4:3.

15. Que juízo se deve fazer das boas obras dos não regenerados?
Os homens não regenerados retêm algumas disposições e
alguns afetos relativamente bons em si e fazem muitas coisas
que em si são boas e estão em harmonia com a letra da lei.
Todavia -
I o . Quanto à sua pessoa, todo homem não renovado está
sob a ira e maldição de Deus e, por conseguinte, nada pode
fazer que L h e seja agradável. O rebelde com armas nas mãos é
rebelde em tudo, e n q u a n t o não se submete a quem é seu
soberano legal.
2°. Amor a Deus e respeito por Sua autoridade nunca são
o motivo supremo dos atos do homem não regenerado. Assim
é que, posto que muitos dos seus atos sejam civilmente bons
com respeito a seus semelhantes, todavia n e n h u m deles pode
ser espiritualmente bom com respeito a Deus. O pecador, antes
da justificação e renovação, é rebelde; cada um dos seus atos é
ato de um rebelde, ainda que, considerado em si, qualquer
dos atos possa ser bom, indiferente ou mau.

16. Em que sentido as boas obras são necessárias para a


salvação?
Como os frutos necessários e invariáveis tanto da mudança

732
I A Santificação

de relação operada na justificação, como t a m b é m da m u d a n ç a


de n a t u r e z a operada na regeneração, mas n u n c a c o m o o
f u n d a m e n t o meritório ou a condição da nossa salvação.
Essa necessidade resulta:
I o . Da santidade de Deus; 2 o . do Seu propósito eterno,
Ef. 1:4; 2:10; 3 o . do desígnio e da eficácia redentora da m o r t e
de Cristo, Ef. 5:25-27; 4 o . da união do crente com Cristo e da
energia do Seu Espírito m o r a n d o nos cristãos, João 15:5; Gál.
5:22; 5 o . da própria natureza da fé, que primeiro leva a amar e
então pratica obras por amor, Gál. 5:6; 6 o . do m a n d a m e n t o de
Deus, 1 Tess. 4:6; 1 Ped. 1:15; 7 o . da natureza do céu, Apoc.
21:27.

17. Qual é a teoria dos antinomistas a esse respeito?


Os antinomistas são, como o seu nome indica, os que
negam que os cristãos tenham a obrigação de guardar a Lei.
A r g u m e n t a m que, tendo Cristo cumprido, em nosso lugar,
tanto as partes preceptivas como as partes penais da lei de Deus,
segue-se que o Seu povo está livre da obrigação de guardá-la,
quer como regra de vida, quer como condição de salvação. Veja
acima, Cap. 25, Perg. 3.
É evidente que todas as teorias perfeccionistas que (como
as teorias pelagiana e de Oberlin), ensinam que a capacidade
do h o m e m para obedecer é a medida da sua responsabilidade,
ou (como as teorias papal e arminiana), que Deus, por amor a
Cristo, em Sua graça, não exige mais absoluta perfeição moral,
mas sim a fé e a obediência evangélica, são teorias essencial-
m e n t e antinomistas; porque todas concordam em ensinar que
os cristãos nesta vida não têm mais a obrigação de cumprir a
lei adâmica de absoluta perfeição moral.
Paulo, no capítulo 6 da Epístola aos Romanos, declara que
n a q u e l e t e m p o d i z i a m que esta heresia c o n d e n á v e l era
conseqüência lógica de sua doutrina. Ele, porém, não só o nega,
mas afirma que, ao contrário, a justificação mediante uma
justiça i m p u t a d a , sem o merecimento de obras, é a única

733
Capítulo 35

condição possível em que o pecador pode aprender a produzir


boas obras como frutos do amor filial. O próprio fim que
Cristo teve em vista foi remir para Si um povo peculiar, ze-
loso de boas obras, e isso Ele efetuou livrando-os do cativeiro
federal da Lei, a fim de torná-los capazes de conformar-se
moralmente a ela, como libertos do Senhor, cada vez mais
nesta vida e absolutamente na vida que há de vir.

18. Quais os diversos significados que têm sido dados ao termo


"merecimento"?
O t e r m o tem sido e m p r e g a d o t e c n i c a m e n t e em dois
sentidos diferentes:
1°. Estritamente, para designar a qualidade comum de
todos os serviços a que se deve uma recompensa, ex-justitia,
por causa do seu valor e da sua dignidade intrínsecos.
2°. Impropriamente, foi empregado pelos chamados "Pais"
como equivalente daquilo que dá como resultado uma recom-
pensa ou coisa conseqüente, sem especificação do motivo ou
virtude por cuja causa se obtém - Turretino, Loc. 17, Ques. 5.

19. Que distinção a igreja católica romana quer assinalar com


as expressões "merecimento de condignidade" e "merecimento de
congruência"?
Essa igreja ensina que "merecimento de condignidade"
só pertence a obras feitas depois da regeneração com o auxílio
da graça divina, e que esse auxílio é aquele grau de mereci-
mento que intrinsecamente e por eqüidade, e não somente por
causa de uma promessa ou aliança, merece a recompensa que
recebe das mãos de Deus. O "merecimento de congruência",
ensinam os romanistas, pertence às boas disposições e às obras
que o h o m e m , antes de sua regeneração, pode nutrir e praticar
sem a u x í l i o da graça d i v i n a e que fazem com que seja
congruente com Deus ou especialmente conveniente que Ele
recompense o autor i n f u n d i n d o a graça em seu coração.
E m u i t o difícil d e t e r m i n a r a posição exata da igreja

734
A Santificação

católica romana a respeito deste assunto, porque as diversas


escolas de seus teólogos divergem muito e as decisões do Con-
cílio de Trento são de propósito ambíguas. Parece que a crença
geral é que a capacidade de praticar boas obras tem sua origem
na graça i n f u n d i d a no coração do pecador por amor de Cristo,
por meio dos sacramentos, mas que depois estas boas obras
merecem, isto é, colocam para nós u m a base para exigirmos
com justiça a salvação e a glória. Alguns, entre eles Belarmino,
De Justific., 5, 1 e 4, 7, dizem que este merecimento pertence
intrinsecamente às boas obras dos cristãos, bem como em
conseqüência das promessas divinas; outros dizem que estas
obras merecem a recompensa somente porque Deus prometeu
a recompensa sob a condição da prática de boas obras - Cone.
de Trento, Sess. 6, Cap. 16 e Cans. 24 e 32.

20. Que é necessário para que uma obra seja meritória no conceito
verdadeiro deste termo?
Segundo Turretino, há cinco condições necessárias para
esse fim. I o . Que a obra não seja devida, ou que a pessoa que a
pratica não tenha a obrigação de praticá-la - Luc. 17:10. 2 o .
Que seja uma obra propriamente nossa, isto é, praticada por
nossas forças naturais. 3 o . Que seja perfeita. 4 o . Que seja igual
à recompensa merecida. 5 o . Que a recompensa seja de justiça
devida a tal obra - Turretino, Loc.17, Ques. 5.
Conforme essa definição, é claro que, em conseqüência
da absoluta dependência e obrigação da criatura, ela nunca
pode merecer recompensa alguma por qualquer obediência
que possa prestar aos mandamentos de seu Criador. I o . Porque
toda a força com que o h o m e m age lhe é dada gratuitamente
por Deus. 2 o . Todo o serviço que ela possa prestar, já o deve a
Deus. 3°. Nada que ela possa fazer pode ser igual à recompensa
do favor de Deus e da bem-aventurança eterna.
Na aliança das obras, Deus graciosamente p r o m e t e u
recompensar a obediência de Adão com a vida eterna. Mas
essa recompensa não foi por merecimento, e sim, da livre graça

735
Capítulo 35

e da promessa. Sob aquela constituição, t u d o dependia da


posição que a pessoa ocupava diante de Deus. E n q u a n t o Adão
p e r m a n e c e u sem pecado, os seus serviços foram aceitos e
recompensados segundo a promessa. Todavia, desde o momento
em que perdeu o direito à coisa prometida e perdeu a posição
que ocupava diante de Deus, n e n h u m a obra sua, fosse qual
fosse o caráter dela, podia merecer coisa alguma das mãos de
Deus.

21. Como se pode provar que as nossas boas obras, mesmo


praticadas depois de termos sido restaurados ao favor de Deus pela
justificação, não merecem a vida eterna?
1°. A justificação tem por base os méritos ou merecimentos
infinitos de Cristo, e sobre esta base descansa o nosso direito
ao favor de Deus e a todas as suas infinitas conseqüências. Os
méritos de Cristo, sendo eles a base de tudo e abrangendo tudo,
excluem a possibilidade de nós merecermos alguma coisa.
2 o . A lei exige obediência perfeita - Rom. 3:23; Gál. 5:3.
3 o . Somos salvos pela graça, e não por obras - Ef. 2:8,9.
4 o . Todas as boas disposições são graças ou dons concedidos
por Deus - 1 Cor. 15:10; Fil. 2:13; 1 Tess. 2:13.
5 o . Dizem as Escrituras que a própria vida eterna é dom
de Deus - 1 João 5:11.

22. Que ensinam as Escrituras a respeito das boas obras


praticadas pelos crentes e sobre as recompensas que lhes são
prometidas?
Tanto a obra como a recompensa são ramos da mesma raiz
benigna da graça. A aliança da graça faz provisão tanto para a
infusão de graça no coração como para o exercício dessa graça
na vida e para as recompensas dessa graça assim exercida. E
tudo de graça, graça por graça, graça acrescentada à graça, e a
recompensa nos é apresentada desta forma:
I o . Para que opere sobre nós como motivo racional para
uma obediência diligente.

736
A Santificação

2 o . Para assinalar que o dom da bem-aventurança eterna é


um ato de estrita justiça legal (1) com respeito aos méritos ou
merecimentos perfeitos de Cristo, (2) com respeito à fidelidade
com que Deus adere às Suas próprias promessas livres - 1 João
1:9.
3 o . Para indicar que a recompensa celestial, pela graça
divina, está n u m a certa proporção com a graça dada para a
obediência na terra, (1) porque Deus assim o quer, Mat. 16:27;
1 Cor. 3:8; (2) porque a graça dada na terra prepara a alma
para receber a graça dada no céu, 2 Cor. 4:17.

PODEM OS QUE CRÊEM EM CRISTO ALCANÇAR


NESTA VIDA A SANTIFICAÇÃO PERFEITA?

23. Em termos gerais, que é o perfeccionismo?


As diversas teorias sobre o perfeccionismo concordam
todas em sustentar que é possível a um filho de Deus neste
m u n d o tornar-se, I o . perfeitamente livre do pecado, 2 o .
conformado à lei debaixo da qual vivemos agora. Diferem
muito entre si, porém, I o . quanto à definição do pecado; 2 o .
quanto à lei que temos a obrigação de cumprir; 3 o . quanto aos
meios pelos quais se poderia alcançar a perfeição, se é pela
natureza ou pela graça.

24. Como é que a teoria pelagiana quanto à natureza do homem


e da graça conduz ao perfeccionismo?
Os pelagianos afirmam:
I o . Q u a n t o à natureza do h o m e m , que ela não ficou
radicalmente corrompida pela Queda, e que todos os homens
possuem o poder de cumprir todos os deveres exigidos deles,
pelo motivo de que Deus não pode com justiça exigir nada
que o h o m e m não tenha pleno poder de fazer.
2°. Quanto à graça de Deus, que esta não é nada mais que
a constituição favorável de nosso espírito, a influência da
verdade que Ele nos revelou, e as circunstâncias propícias em

737
Capítulo 35

que Ele nos colocou. Assim, na Igreja Cristã, e de posse da


revelação cristã, os homens acham-se de fato colocados nas
c i r c u n s t â n c i a s mais p r o p í c i a s para serem p e r s u a d i d o s a
c u m p r i r e m os seus deveres. Desse sistema segue-se direta-
mente que todo aquele que quiser poderá com certeza alcançar
a perfeição, se usar com o devido cuidado as suas forças ou
faculdades naturais e as vantagens da sua posição - Wigger's
Hist., View of Augustinianism and Pelagianism.

25. Qual é, segundo a teoria pelagiana, a natureza do pecado


do qual o homem pode livrar-se perfeitamente; qual a lei que o homem
pode cumprir perfeitamente; e quais os meios pelos quais se pode
alcançar essa perfeição?
Eles negam a corrupção original e inerente da natureza
do h o m e m e sustentam que pecado é somente alguma trans-
gressão voluntária de uma lei conhecida, e que disso qualquer
h o m e m pode abster-se, se quiser.
Quanto à lei que o h o m e m pode cumprir perfeitamente
em seu estado atual, eles afirmam que ela é a única e original
lei de Deus, de cujas exigências, porém, a capacidade de cada
h o m e m e as oportunidades tidas para adquirir conhecimento,
são a medida.
Q u a n t o aos meios pelos quais afirmam eles que o h o m e m
pode alcançar esta perfeição, sustentam a capacidade plenária
da vontade natural do h o m e m para cumprir todas as suas
obrigações, e admitem o auxílio da graça de Deus só no sentido
de ser ela a influência da verdade e de outras circunstâncias
propícias persuadindo o h o m e m a empregar as suas próprias
forças. Assim, pois, os meios pelos quais se pode alcançar a
santificação perfeita são, I o . a vontade do h o m e m ; 2 o . ajudada
pelo estudo da Bíblia, pela atitude de evitar p r u d e n t e m e n t e as
tentações, etc.

26. Em que sentido os católicos romanos sustentam a doutrina


da perfeição?

738
A Santificação

As decisões do Concílio de Trento sobre este assunto, assim


como sobre todos os pontos críticos, são de propósito ambíguas.
Elas enunciam o princípio de que a guarda da Lei deve ser
possível àqueles a quem a Lei obriga, porque Deus não manda
fazer impossibilidades. Os justificados (santificados) podem,
pela graça de Deus habitando neles, satisfazer à lei divina,pro
hujus vitce statu, isto é, pela graça de Deus ajustada, por amor
de Cristo, às nossas capacidades atuais. Mas ao mesmo tempo
confessam que os justos podem todos os dias cair em pecados
veniais e que, enquanto estamos na carne, ninguém pode viver
inteiramente sem pecado (salvo por especial privilégio conce-
dido por Deus); e, todavia, que os renovados podem nesta vida
guardar perfeitamente a Lei divina; e observando os conselhos
evangélicos, podem até fazer mais do que Deus manda e, dessa
maneira, entesourar, como o fizeram muitos santos, um f u n d o
de merecimento supererrogatório -Cone. de Trento, Sess. 6. Cf.
Caps. 11 e 16, e Cans. 18, 23 e 32. Veja acima, Perg. 14.

27. Em que sentido sustentam os romanistas que os renovados


podem nesta vida viver sem pecado; em que sentido podem satisfazer
plenamente à lei; e pelo uso de que meios se pode alcançar, segundo
o seu ensino, esta perfeição?
Quanto ao pecado, eles sustentam a distinção entre pecados
mortais e veniais, e que a concupiscência que ainda resta no
coração dos renovados, como resultado do pecado original e o
que alimenta o pecado atual, não é pecado em si mesmo, por
consistir este só no consentimento da vontade aos impulsos da
concupiscência. De c o n f o r m i d a d e com essas teorias, eles
sustentam que o cristão pode nesta vida viver sem cometer
pecado mortal, porém que nunca pode estar livre dos movi-
mentos internos da concupiscência, nem da possibilidade de
cair em pecados veniais por ignorância, falta de atenção ou
paixão.
Quanto à lei à qual o crente pode satisfazer plenamente
nesta vida, eles sustentam que, sendo Deus justo e não podendo

739
Capítulo 35

exigir de nós o que é impossível, Sua Lei foi bondosamente


ajustada à nossa capacidade presente, ajudada por Sua graça, e
que é essa Lei pro hujus vitce statu que podemos cumprir.
Quanto aos meios pelos quais se pode alcançar esta perfeição,
eles sustentam que a graça divina precede, acompanha e segue
a todas as nossas boas obras, e que esta graça devemos conseguir
por meio dos canais sacramentais e sacerdotais que Cristo
instituiu em Sua igreja, e especialmente por meio da oração,
do jejum, das esmolas e da aquisição de méritos supererroga-
tórios, seguindo os conselhos de Cristo quanto à castidade, à
obediência e à pobreza voluntária - Cone. de Trento, Sess. 14,
Cap. 5; Sess. 6, Caps. 11 e 12; Sess. 5, Can. 5; Cat. Rom., Parte
2, Cap. 2, Perg. 32; Parte 2, Cap. 6, Perg. 59; e Parte 3, Cap. 10,
Pergs. 5-10.

28. Em que forma os primeiros arminianos ensinaram essa


doutrina?
Armínio declarou que estava em dúvida a respeito deste
assunto - Writings ofArminius, tradução de Nichols, Vol. 1, pág.
256. Seus sucessores imediatos na chefia teológica do partido
remonstrante desenvolveram uma teoria de perfeccionismo
aparentemente idêntica à que foi depois ensinada por Wesley
e professada por seus discípulos. "O h o m e m pode, ajudado
pela graça divina, guardar perfeitamente todos os mandamentos
de Deus, segundo o evangelho ou a aliança da graça. A maior
perfeição evangélica (porque não estamos ensinando uma
perfeição legal, que inclui inteira isenção do pecado em todos
os aspectos e no mais alto grau, e exclui toda imperfeição e
fraqueza, pois isto cremos ser impossível), abrange duas coisas,
I a . uma perfeição que está na proporção das forças de cada
indivíduo; 2 a . um desejo de fazer cada vez mais progresso e
de crescer cada vez mais em forças" - Episcopius, citado pelo
Dr. G. Peck, em Christian Perfection, págs. 135 e 136.

740
A Santificação

29. Qual a doutrina wesleyana sobre este assunto?


I o . Que, posto que todo crente seja regenerado logo que é
justificado, e dê os passos iniciais na santificação, todavia isso
não exclui os restos de muito pecado inerente, nem o combate
da carne contra o Espírito, que pode continuar durante longo
tempo, mas que não pode deixar de cessar algum tempo antes
do h o m e m estar preparado para o céu.
2 o . Este estado de santificação progressiva não é de per si a
perfeição, que é propriamente chamada "santificação inteira"
ou "perfeita". Desta é necessário que, mais cedo ou mais tarde,
cada herdeiro da glória tenha experiência, e, posto que a maioria
não a alcance muito tempo antes da morte, todavia alguns a
alcançam em plena vida e, por isso, é dever e privilégio de
todos procurá-la e esperar que a alcancem agora.
3 0 . Este estado de perfeição evangélica não consiste na
capacidade de guardar perfeitamente a Lei original e absoluta
de santidade sob a qual Adão foi criado, nem exclui toda a
possibilidade de errar, de estar sujeito às enfermidades (ou
fraquezas) da carne e do temperamento natural, porém exclui,
sim, toda disposição interna de ceder ao pecado, bem como a
comissão externa dele, porque ela consiste n u m estado em que
u m a fé perfeita em Cristo e um amor perfeito a Deus enchem
a alma inteira e governam a vida toda, e cumprem assim todas
as exigências da "lei de Cristo", a única sob a qual o cristão
passa a sua provação.

30. Em que sentido os wesleyanos ensinam que os homens


podem viver sem pecado?
Não foi Wesley quem pessoalmente fez o emprego da frase
"perfeição sem pecado", mas também não fez objeção ao seu
emprego. Ele distinguia entre "o pecado propriamente assim
c h a m a d o , isto é, u m a transgressão voluntária de u m a lei
conhecida, e o pecado impropriamente assim chamado, isto é,
uma transgressão involuntária de uma lei, quer conhecida quer
não", e declarou: "Creio que nesta vida não há perfeição tal

741
Capítulo 35

que exclua estas transgressões involuntárias, que me parecem


ser conseqüências naturais da ignorância e dos erros inse-
paráveis da mortalidade". Declarou também que a obediência
do cristão perfeito "não pode suportar o rigor da justiça de
Deus, mas precisa do sangue expiador", e, por conseguinte, os
mais perfeitos "têm sempre motivo para dizer: "Perdoa-nos os
nossos pecados"; e o Dr. Peck afirma que "quanto mais santos
são os homens, tanto mais se detestam e se aborrecem a si
mesmos". Mas, por outro lado, eles sustentam que o cristão
pode nesta vida chegar a um estado de amor perfeito e cons-
tante, o que c u m p r e perfeitamente todas as exigências da
aliança evangélica. Violações da lei original e absoluta de
Deus não são imputadas ao crente como pecados, por haver
Cristo sido feito em seu favor o fim dessa lei para justiça, e
ele foi libertado dessa lei por amor de Deus e foi feito sujeito
à "lei de Cristo", e, pecado, para o cristão, é só aquilo que é
violação desta lei do amor. Veja o tratado de Wesley sobre
Christian Perfection (A Perfeição Cristã), na obra sobreMethodist
Doctrinal Tracts (Tratados Doutrinários Metodistas), págs. 294,
310,312, e a obra do Dr. Peck intitulada The Christian Doctnne
of Perfection (A Doutrina Cristã da Perfeição), pág. 204.

SI. A que lei, como eles dizem, o cristão pode obedecer


perfeitamente nesta vida?
V

O Dr. Peck diz, na página 244, de sua citada obra: "A huma-
nidade decaída, ainda quando renovada pela graça, perfeita
obediência à lei moral é impraticável durante o estado atual
de provação. Segue-se que a perfeição cristã não implica em
obediência perfeita à lei moral".
Eles sustentam que esta lei moral é universal e imutável,
que todas as criaturas morais estão com obrigação perpétua de
cumpri-la e que de modo algum ficam livres dessa obrigação
por terem perdido as forças por causa do pecado. Peck, pág.
271. Esta lei, porém, tem dupla relação com a criatura. I o . E
uma regra de caráter e de procedimento. 2 o . E uma condição

742
A Santificação

para sermos aceitos. Em conseqüência do pecado, tornou-se


impossível aos h o m e n s obterem a salvação pela Lei, e, por
isso, Cristo veio e ofereceu a essa lei em nosso lugar u m a
satisfação perfeita, e assim Ele é, em nosso favor, o fim da Lei
para justiça. Esta Lei, pois, posto que permaneça para sempre
como regra de dever, foi ab-rogada por Cristo como condição
da nossa aceitação.
" N e m é h o m e m vivo algum obrigado a g u a r d a r a lei
adâmica mais que a mosaica (quero dizer que ela não é a
condição quer da salvação presente quer da futura)." -Doctrinal
Tracts (Tratados Doutrinários), pág. 332. -
"O evangelho, que é a lei do amor, 'a lei da liberdade',
oferece a salvação sob outros termos e ao mesmo tempo provê
a vindicação da lei quebrada. A condição da justificação é, a
princípio,somente afé,ea condição da aceitação permanente é
a fé agindo pelo amor. Há diversos graus de fé e t a m b é m de
amor... Fé perfeita e amor perfeito são a perfeição cristã."
"O caráter cristão envolve o perfeito c u m p r i m e n t o dessas
condições, e mais nada."

32. Segundo o ensino wesleyano, por que meio se pode alcançar


essa perfeição?
Wesley diz: "Creio que esta perfeição é sempre operada
na alma por um simples ato de fé; por conseguinte, n u m
instante. Entretanto, creio também que há uma obra realizada
gradativamente, tanto antes como depois desse instante" -
Citado pelo Dr. Peck, op. cit., págs. 47 e 48.
Os wesleyanos sustentam que essa santificação não pode
ser efetuada nem pelas forças nem pelos merecimentos do
h o m e m , mas unicamente pela graça, por amor de Cristo, pelo
Espírito Santo, mediante a fé no Senhor Jesus Cristo, fé que
inclui crermos, I o . "na suficiência das provisões do evangelho
para livrar a alma completamente do pecado". 2 o . "Que essas
provisões foram feitas para nós"; 3 o . "Que essa bênção é para
nós agora" - Peck, Chr. Doct., Sanct., págs. 405-407.

743
Capítulo 35

33. Qual é a doutrina oberlinense da santificação?


"E o pleno e perfeito cumprimento do nosso dever inteiro,
de todas as nossas obrigações para com Deus e para com todos
os outros seres. E obediência perfeita à lei moral." Esta é a lei
original e universal de Deus, a qual, porém, não devido à graça
e sim simplesmente devido à justiça, sempre ajusta as suas
exigências à medida da capacidade presente dos que estão
debaixo dela. A lei de Deus não pode com justiça exigir agora
que a m e m o s a Deus t a n t o como O p o d e r í a m o s a m a r se
tivéssemos sempre empregado bem o nosso tempo, etc. Con-
tudo, o cristão pode agora alcançar um estado de "benevolência
perfeita e não interesseira"; pode ser, "segundo o seu conhe-
cimento, tão reto como Deus o é"; e pode estar "conformado
perfeitamente à vontade de Deus igualmente como o está a
vontade dos habitantes do céu". E isso, Finney parece ensinar,
é essencial até nos primeiros passos da experiência cristã. Em
suma, tudo parece ser que Deus tem o direito de exigir somente
aquilo que temos o poder de fazer; e daí se segue, pois, que
temos o pleno poder de fazer tudo o que Deus exige, e, por
isso, podemos estar conformados tão perfeitamente à vontade
de Deus a nosso respeito como seres celestais o estão a seu
respeito. Pres. Mahan, Scripture Doctrines of Christian Perfection,
(Doutrinas Bíblicas sobre a Perfeição Cristã), e Finney, Oberlin
Evangelist (O Evangelista de Oberlin), Vol 4, N°. 19, e Vol. 4,
N°. 15. Citado pelo Dr. Peck.

34. Quais os pontos de acordo e de desacordo entre as teorias


pelagiana, católico-romana, arminiana e oberlinense?
I o . Todas concordam em sustentar que é possível aos
h o m e n s chegarem nesta vida a um estado em que p o d e m
habitual e perfeitamente cumprir todas as suas obrigações, isto
é, ser e fazer tudo o que Deus exige que sejam ou façam agora.
2 o . A teoria pelagiana difere de todas a outras em negar a
deterioração das nossas forças morais naturais, e, por con-
seguinte, em negar a necessidade da intervenção de qualquer

744
I
A Santificação

graça sobrenatural, a fim de tornar os h o m e n s perfeitos.


3 o . As teorias pelagiana e oberlinense concordam em tomar
como padrão a original lei moral de Deus. Os teólogos ober-
linenses, porém, enquanto admitem que as nossas forças estão
deterioradas por causa do pecado, sustentam que a lei de Deus,
como matéria de simples justiça, ajusta as suas exigências às
forças presentes dos que estão debaixo dela. A teoria católico-
-romana toma a mesma Lei como padrão de perfeição, mas
difere da teoria pelagiana em sustentar que as exigências dessa
Lei foram ajustadas às forças deterioradas dos h o m e n s , e da
teoria oberlinense difere em sustentar que a acomodação às
forças enfraquecidas do h o m e m não foi questão de simples
justiça, mas decorre da graça, por amor dos méritos de Cristo.
A teoria arminiana difere de todas as outras em negar que
a Lei original seja o padrão da perfeição evangélica, e em
sustentar que, tendo sido c u m p r i d o essa Lei por Cristo, o
cristão tem agora somente a obrigação de cumprir as exigências
da aliança evangélica da graça. Isso, porém, parece diferir
mais em f o r m a do que em essência da teoria romanista a
respeito disso.
4 o . As teorias católico-romana e arminiana concordam -
(1) Em admitir que o cristão perfeito ainda está sujeito ao perigo
de transgredir as provisões da lei moral original e que está
sujeito a erros e fraquezas. O católico romano chama-os pecados
veniais; o arminiano, erros e fraquezas. (2) Em referir toda a
obra de tornar os homens perfeitos à eficácia do Espírito Santo,
que é dado por amor de Cristo. Mas, por outro lado, diferem,
(1) q u a n t o à natureza da fé pela qual é efetuada a santificação,
e (2) q u a n t o ao mérito das boas obras.

35. Com quais argumentos os perfeccionistas sustentam sua


teoria, e como se lhes pode dar resposta?
I o . Os argumentos apresentados a favor da teoria de que é
possível conseguir esta perfeição nesta vida são: (1) Os manda-
mentos de Deus, que nunca mandaria fazer impossibilidades

745
Capítulo 35

- Mat. 5:48. (2) O fato de que no evangelho foram feitas


abundantes provisões para se conseguir a santificação perfeita
do povo de Deus; fez-se, com efeito, tudo o que se poderia
fazer neste sentido em qualquer tempo. (3) As promessas que
Deus fez de remir Israel de todas as suas iniqüidades, etc. -
Sal. 130:8; Ez. 36:25-29; 1 João 1:7,9. (4) As orações dos santos
registradas nas Escrituras com aprovação implícita - Sal. 51:2;
Heb. 13:21.
2°. Os argumentos no sentido de que esta perfeição foi de
fato alcançada são: (1) Exemplos bíblicos, como Davi - Atos
13:22. Veja também Gên. 6:9; Jó 1:1; Luc. 1:6. (2) Exemplos
modernos - Peck, Christian Perfection, págs. 365-396.
RESPONDEMOS:
I o . As Escrituras nunca dizem que um cristão pode nesta
vida alcançar um estado em que possa viver sem pecado.
/

2 o . E preciso interpretar o sentido de passagens especiais


de conformidade com o testemunho global das Escrituras.
3 o . A linguagem das Escrituras n u n c a implica que o
h o m e m possa viver aqui sem pecado. Os mandamentos de
Deus estão ajustados à nossa responsabilidade, e as aspirações
e orações dos santos remetem o h o m e m a seus deveres e
privilégios, e não à sua capacidade atual. A perfeição é o verda-
deiro alvo dos esforços do cristão em todos os períodos do seu
crescimento e em todos os seus atos. Os termos "perfeito" e
"irrepreensível" muitas vezes são relativos, ou são empregados
para significar simples sinceridade ou verdade. Isso se torna
evidente pelo seguinte fato registrado:
4 o . Todos os homens perfeitos, segundo as Escrituras, às
vezes pecavam; disso dão testemunho as histórias de Noé, Jó,
Davi e Paulo. Compare o leitor Gên. 6:9 com Gên. 9:21; Jó 1:1
com Jó 3:1 e 9:20. Veja também Gál. 2:11,14; Sal. 19:13; Rom.,
capítulo 7; Gál. 5:17; Fil. 3:12-14.

36. Que objeções especiais pode-se fazer contra a teoria pela-


giana da perfeição?

746
A Santificação

Essa teoria faz parte de um sistema inteiramente anti-


cristão. Seus e l e m e n t o s c o n s t i t u i n t e s são a n e g a ç ã o do
t e s t e m u n h o bíblico a respeito do pecado original e da obra do
Espírito Santo na vocação eficaz, e a asserção do poder do
h o m e m de salvar-se a si mesmo. Envolve uma teoria fraca a
respeito da culpa e da torpeza do pecado, e da extensão,
espiritualidade e imutabilidade da santa lei de Deus. E a única
teoria da perfeição perfeitamente coerente em todos os tempos,
e, na mesma proporção, é a mais anticristã.

37. Que objeções especiais pode-se fazer contra a teoria católico-


-romana?
Essa teoria está em desarmonia...
I o . Com a verdadeira natureza do pecado. Nega que a
concupiscência seja pecado e afirma que só são pecados os atos
propositais da vontade que dão assentimento aos impulsos da
concupiscência. Faz distinção entre pecados mortais e veniais.
A v e r d a d e é que todos os pecados são m o r t a i s , e que a
concupiscência, "o pecado que habita em mim", é da própria
essência do pecado - Rom. 7:8-23.
2 o . Está em desarmonia com a natureza da santa lei de
Deus, que é essencialmente imutável e cujas exigências n u n c a
foram rebaixadas para acomodação às faculdades enfraquecidas
dos homens.
3 o . Está em ligação essencial com a teoria do mérito das
boas obras e do mérito superior das obras de supererrogação, o
que é r a d i c a l m e n t e destrutivo às d o u t r i n a s essenciais do
evangelho. ;

38. Que objeções especiais pode-se fazer contra a teoria


oberlinense?
Essa teoria parece assemelhar-se mais que as outras à
terrível regularidade lógica e ao espírito anticristão da teoria
pelagiana. Difere, porém, dessa heresia cm s u s t e n t a r -
1°. Que a lei de Deus foi acomodada, como matéria de

747
Capítulo 35

simples justiça, às faculdades debilitadas dos homens.


2 o . Q u e aquelas coisas que, julgadas pela lei original de
Deus, seriam faltas da parte dos homens, não são pecados,
porque a capacidade do h o m e m é a única medida do seu dever.
3 o . Que o princípio desta perfeição consiste na "benevo-
lência perfeita e não interesseira". Em todos estes aspectos essa
teoria também está em desarmonia com a verdadeira natureza
da lei de Deus, do pecado e da virtude.

39. Que objeções pode-se fazer contra a teoria arminiana?


Essa teoria, como a apresentam os escritores wesleyanos
mais autorizados, está em muito menor desarmonia com os
princípios e o espírito do cristianismo do que qualquer das
outras, e, por isso, na mesma proporção é menos coerente
consigo mesma como teoria, e é menos exata no uso que faz de
linguagem técnica. Esses irmãos cristãos merecem ser hon-
rados por suas idéias elevadas e pelo zelo com que insistem no
dever dos homens de irem sempre avante até alcançarem os
mais ricos de todos os dons espirituais, e, ao mesmo tempo,
será sempre motivo de lástima que o seu grande f u n d a d o r
tenha sido tão desviado pelos preconceitos de um sistema que
chegou a ligar em aliança antinatural muita verdade preciosa
a uma teoria e a uma terminologia singularmente próprias de
erros radicais. Direi, pois, aqui, uma vez por todas, em termos
gerais, que, q u a n d o e x p o n h o a doutrina a r m i n i a n a sobre
qualquer ponto, tenho preferido em geral fazê-lo na forma
em que a doutrina foi definida explicitamente pelos remons-
trantes holandeses, a fazê-lo na forma modificada e, segundo
me parece, menos logicamente definida, em que ela se acha
exposta nas obras das autoridades das igrejas wesleyanas,
cujos componentes se chamam propriamente "arminianos
evangélicos". A peculiar falta de exatidão teórica que obscurece
as suas definições, especialmente as que dizem respeito à
justificação e à santificação, eu atribuo ao espírito de um
cristianismo ardente, ativo e cheio de amor em verdadeira

748
A Santificação

luta com as falsas premissas da filosofia arminiana. .


CONSIDEREMOS: • .. ry.w.- M"»
o
I . Conquanto insistam e tornem a insistir na distinção
de estar a lei original de Deus n u m a relação dupla com os
h o m e n s (1) como u m a regra de caráter e de conduta, e (2)
como uma condição de alcançarem o favor de Deus, sua teoria
inteira está baseada n u m a confusão lógica dessas duas coisas
tão distintas. O Dr. Peck ensina com solicitude, e confirma
com m u i t o s t e s t e m u n h o s wesleyanos, excelente d o u t r i n a
calvinista quanto aos seguintes pontos: a lei original de D e u s
é universal e imutável, e suas exigências nunca p o d e m ser
alteradas nem comprometidas. A obediência a esta Lei foi a
condição da aliança original das obras. Esta condição foi violada
por Adão, mas foi cumprida perfeitamente a nosso favor por
Cristo, e assim foi conservada a inteireza da lei imutável de
Deus. Por isso, continua ele a argumentar, o crente não está
mais debaixo da Lei, mas sim debaixo da aliança da graça,
isto é, para servir-nos do parêntese qualificador ou restritivo
do próprio Wesley, "como a condição da salvação presente ou
futura". Com certeza, respondemos nós, Cristo nos é o fim da
Lei para justiça em seu sentido forense, isto é, para alcançar a
nossa justificação, porém é certo que Cristo não satisfez em
nosso lugar àquela Lei imutável em sentido tal que ela não
seja mais para nós a regra de vida, e à qual não seja mais nosso
dever conformar-nos pessoalmente. A questão da perfeição é
questão que diz respeito ao nosso caráter pessoal e não às nossas
relações: é moral e inerente, e não forense. Provar, pois, que a
lei original de Deus, sob a aliança do evangelho, não é mais a
condição da nossa salvação, o que nós também nos regozijamos
em crer, não serve de nada absolutamente para provar que
Deus, estando nós debaixo do evangelho, exige somente uma
obediência ajustada a um padrão mais fácil do que o anterior.
2 o . Essa teoria faz parte da teoria arminiana da aliança da
graça, que julgamos estar em g r a n d e d e s a r m o n i a com o
evangelho e que Watson (ytyàlnstitutes, Parte 1, Cap.23) parece

749
Capítulo 35

procurar evitar, recusando-se ao mesmo tempo a admitir a


imputação da justiça de Cristo ao crente. Diz essa teoria que,
t e n d o C r i s t o c u m p r i d o a lei o r i g i n a l de D e u s , p o r Sua
propiciação, é agora compatível com a justiça divina apre-
sentar-nos a salvação sob condições mais fáceis, que se resumem
na obediência evangélica, não exigindo a perfeição cristã mais
do que o c u m p r i m e n t o p e r f e i t o destas novas c o n d i ç õ e s
benévolas. Ora, essa teoria, além de confundir as idéias de lei e
aliança, de regra e condição, de f u n d a m e n t o da justificação e
padrão de justificação, é incompatível com os ensinos gerais
do evangelho a respeito da justiça de Cristo e do ofício da fé na
justificação. Torna os méritos de Cristo, de um m o d o incerto e
distante, em simples ocasião da nossa salvação, e torna a fé e a
obediência evangélica, em vez de obediência perfeita sob a
aliança antiga, no fundamento, em vez de simples meio e fruto
da nossa justificação. Desenvolvida logicamente, essa teoria
não pode deixar de levar à doutrina católico-romana do mérito
das boas obras.
3 o . Essa teoria nega que os erros e fraquezas, que resultam
dos efeitos do pecado original, sejam em si mesmos pecados, e
ao mesmo tempo admite que devem ser confessados, que se
deve pedir perdão deles, que é necessário que lhes seja aplicada
a propiciação do sangue de Cristo e que, quanto mais santo se
torna um homem, tanto mais ele aborrece o seu estado interior.
Isso de certo é uma confusão de linguagem e um abuso da
palavra pecado. Que será pecado senão (1) uma transgressão
da lei original de Deus, (2) que precisa da propiciação de Cristo,
(3) que deve ser confessada e precisa de perdão, (4) e é um
motivo próprio para o h o m e m ter horror de si mesmo?

40. Com quais declarações expressas das Escrituras está em


contradição qualquer modificação possível da teoria da perfeição
cristã?
1 Reis 8:46; Prov. 20:9; Ecl. 7:20; Tia. 3:2; 1 João 1:8.

750
A Santificação

41. Como se pode provar que está em oposição à experiência


dos santos, como se acha registrada nas Escrituras?
Veja o que Paulo diz de si mesmo, Rom. 7:14-25; Fil. 2:12-
14. Veja o caso de Davi, Sal. 19:12; 51; o de Moisés, Sal. 90:8;
o de Jó, 42:5,6; o de Daniel, 9:20. Veja Luc. 18:13; Gál. 1:11-
13; 6:1; Tia. 5:16.

42. Como está ela em conflito com a experiência comum do


povo de Deus?
Quanto mais santo se torna um homem, tanto mais ele se
torna humilde, mais renuncia a si próprio, mais sensível se
torna a todo pecado, e tanto mais se apega a Cristo. Sente que
as imperfeições morais que ainda lhe aderem são pecados,
lamenta-as e procura vencê-las. Os crentes sabem que sua vida
é um combate constante, que é só fazendo violência que podem
arrebatar o reino dos céus, e que lhes é necessário vigiar e orar
sempre. Estão sempre sujeitos às constantes correções da mão
amorosa de seu Pai, as quais só podem visar corrigir suas
imperfeições e confirmar suas graças. E é fato notório que os
melhores cristãos têm sido aqueles que se manifestaram menos
dispostos a dizer que tinham alcançado para si a perfeição.

43. Quais os legítimos efeitos práticos do perfeccionismo?


A tendência de toda doutrina semelhante é necessaria-
mente má, exceto até onde for modificada ou retificada por
outras verdades mantidas em conexão com ela, e que a limitem
ou estejam em desarmonia com ela. Este é proeminentemente
o caso em relação à teoria wesleyana, porque nela a ficção do
p e r f e c c i o n i s m o se acha ligada a g r a n d e q u a n t i d a d e de
evangelho puro. Contudo, o perfeccionismo de per si não pode
deixar de tender, I o . a opiniões pouco dignas sobre a lei de
Deus; 2 o . a opiniões inadequadas sobre a torpeza do pecado;
3 o . a um padrão baixo de excelência moral; 4 o . ao orgulho e ao
fanatismo espirituais.

751
Capítulo 35

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS DE DOUTRINAS


D E DIVERSAS IGREJAS

DOUTRINA ROMANA A RESPEITO DA PERFEIÇÃO


MORAL DOS REGENERADOS, DAS BOAS OBRAS, E DAS
OBRAS DE SUPERERROGAÇÁO. Quanto à sua teoria do
MÉRITO DAS BOAS OBRAS, veja acima, Cap. 33.
Cone. de Trento, Sess. 5, "Dec. do Pec. Original": "Se
alguém negar que a culpa do pecado original é perdoada
pela graça do nosso Senhor Jesus Cristo, conferida no
batismo; ou até afirma que não é extinguido tudo o que
tem verdadeira e própria condição de pecado, mas diz que
apenas é raspada, ou que não é imputada: seja anátema...
Confessa, porém, este santo concílio que nos batizados
fica a concupiscência ou incentivos (para o pecado)... Essa
concupiscência, a que o apóstolo algumas vezes chama
pecado, declara o sagrado concílio: que a igreja nunca
e n t e n d e r a , se lhe dava o nome de pecado, por que
verdadeira e propriamente seja pecado nos renascidos;
mas porque procede do pecado e inclina para o pecado.
Se, porém, alguém julgar o contrário, seja anátema".
Cone. de Trento, Sess. 5, Can. 18 - "Se alguém disser que
ao homem justificado, e que se acha em estado de graça, é
impossível observar os preceitos de Deus; seja anátema".
Belarmino, De Justif., 4: 10, segs. - "Se os preceitos são
impossíveis, não obrigam a ninguém, e então os preceitos
não são preceitos. Nem é possível imaginar como é que
se peque naquilo que é impossível evitar".
Id., De Monachis, Cap.7: "Chamamos "conselhos de
perfeição" a uma obra declarada boa mas cuja prática não
é ordenada por Cristo; não é prescrita, e sim recomendada.
Difere de um preceito quanto à sua matéria, assunto, forma
e finalidade. (1) A respeito da sua matéria (a diferença) é
dupla. Primeiro, porque a matéria do preceito é mais fácil,
a do conselho mais difícil, porque aquele é derivado dos
princípios da natureza, enquanto este, em certo sentido,
excede à natureza; e.g., a natureza inclina a pessoa para a
conservação da fidelidade conjugal, porém não para a

752
A Santificação

abstenção da relação conjugal. Em segundo lugar, a matéria


do preceito é boa... porque o conselho inclui o preceito
que diz respeito à mesma matéria e acrescenta mais alguma
coisa além do preceito. (2) Quanto ao assunto, os preceitos
diferem dos conselhos; porque os preceitos obrigam a
todos os homens em comum, e os conselhos não os obri-
gam. (3) Quanto à sua forma, diferem, porque o preceito
obriga em virtude de sua obrigatoriedade inerente, en-
quanto o conselho obriga somente com o consentimento
do homem. (4) A respeito de seus fins ou efeitos, eles dife-
rem, porque o preceito guardado tem uma recompensa, e
quando não é guardado, uma penalidade; mas o conselho,
quando não é guardado, não sofre pena, mas quando é
guardado, tem maior recompensa". Cap. 8: "E opinião de
todos os católicos que há muitos verdadeiros e próprios
conselhos evangélicos, mas especialmente o celibato, a
pobreza e a obediência (monástica), que Deus nem manda
a todos observar, nem são coisas indiferentes, e sim agra-
dáveis a Ele e por Ele recomendadas (Mat. 19:11-21; 1 Cor.
7:1-7).
DOUTRINA LUTERANA Apologia da Conf de Augsburgo,
pág. 21: "As Escrituras por inteiro e a Igreja toda declaram
que a Lei não pode satisfazer-se (com coisa alguma do
poder do homem depois da Queda). Este cumprimento
i m p e r f e i t o da Lei é aceito, não por si mesmo, mas
unicamente mediante a fé em Cristo. Doutro modo, a Lei
nos acusa sempre... Nesta fraqueza sempre há pecado que
pode ser lançado em nossa conta (para condenação)".
Formula concordice, pág. 678: "A doutrina papal e
monástica, de que o homem, depois de regenerado, é
capaz de guardar perfeitamente a lei de Deus nesta vida,
deve ser rejeitada".
Ib. pág. 589: "A nossa confissão é que as boas obras
se seguem certíssima e indubitabilissimamente a uma
fé verdadeira, como os frutos de uma árvore. Cremos
também que não se deve, de modo algum, levar em
conta as boas obras, não só quando se trata da
justificação, porém até quando estamos discutindo a

753
Capítulo 35

respeito da nossa vida eterna".


Ib., pág. 700: "Porque não são boas obras aquelas que
qualquer pessoa invente com boa intenção, ou que se façam
segundo as tradições humanas; mas aquelas que Deus
mesmo tem prescrito e mandado em Sua própria Palavra.
Porque obras verdadeiramente boas não podem ser
praticadas pelas forças naturais, porém somente quando
a pessoa está reconciliada com Deus pela fé, está renovada
pelo Espírito e foi criada de novo para boas obras, em
Jesus Cristo".
DOUTRINA REFORMADA Catecismo de Heidelberg, Perg.
62: "Nossas melhores obras nesta vida são todas imper-
feitas e estão manchadas pelo pecado".
Os Trinta e nove Artigos da Igreja da Inglaterra, Art. 12:
"Ainda que as boas obras, que são o fruto da fé, e seguem
a justificação, não possam expiar os nossos pecados, nem
suportar a severidade do juízo de Deus; são todavia agra-
dáveis e aceitáveis a Deus, em Cristo, e brotam necessa-
riamente de uma verdadeira e viva fé; de modo que por
elas se pode conhecer a fé viva tão evidentemente como
uma árvore se conhece pelo fruto".
Ib., Art. 14. - "Será impiedade e arrogância ensinar
que obras arbitrárias, que não se acham compreendidas
nos mandamentos divinos, são boas obras, chamadas obras
de supererrogação; porque por elas os homens declaram
que não só rendem a Deus tudo aquilo a que são obrigados,
mas também que por amor dEle fazem mais do que aquilo
que, como rigoroso dever, lhes é exigido, apesar de Cristo
ter dito claramente: "Quando fizerdes tudo o que vos for
mandado, dizei: somos servos inúteis, porque fizemos
somente o que devíamos fazer" - Lucas 17:10.
Confissão Helvética Posterior, pág. 498: "Ensinamos que
Deus dá uma recompensa ampla aos que praticam boas
obras. Contudo, não atribuímos esta recompensa que o
Senhor dá ao merecimento dos homens que a recebem,
mas sim à bondade, liberalidade e verdade de Deus, que a
promete e a concede; o qual, conquanto não deva nada a
ninguém, todavia prometeu que dará recompensa aos

754
A Santificação

que O adorem fielmente".


Confissão de Fé, de Westminster, Cap. 16, § 4. - "Os que
alcançam em sua obediência o maior grau possível nesta
vida, acham-se tão longe de poder fazer algo de
supererrogação e de fazer mais do que Deus requer, que
ainda lhes falta muito daquilo que em seu dever têm a
obrigação de fazer5'. (Veja o capítulo inteiro.)
Ib., Cap. 13, § 2: "Esta santificação tem lugar no homem
todo, e, todavia, é imperfeita nesta vida; permanecem
ainda alguns restos da corrupção em toda parte, donde
nasce uma guerra contínua e irreconciliável, lutando a
carne contra o Espírito e o Espírito contra a carne".
Ib., § 3 : - "Nesta guerra, posto que as corrupções
remanescentes possam por algum tempo prevalecer,
todavia, mediante o suprimento contínuo de forças do
Espírito de Cristo, a parte regenerada vence; e assim os
santos crescem em graça, sendo aperfeiçoados na santi-
dade e no temor de Deus".

755
36

A Perseverança dos Santos

1. Que é a doutrina bíblica quanto à perseverança dos santos?


"Os que D e u s aceitou em Seu Bem-amado, eficazmente
chamados e santificados pelo Seu Espírito, não p o d e m cair do
estado de graça, n e m total nem finalmente; mas com toda a
certeza hão de perseverar nesse estado até ao f i m , e estarão
e t e r n a m e n t e salvos" - Confissão de Fé, Cap. 17, § 1 ;Cat. Maior,
Perg. 79.

2. Por quais argumentos se pode estabelecer a certeza da


perseverança final dos santos?
I o . As asserções diretas das Escrituras - João 10:28,29;
Rom. 11:29; Fil. 1:6; 1 Ped. 1:5.
2 o . Esta certeza é i n f e r ê n c i a necessária das d o u t r i n a s
bíblicas (1) da eleição, Jer. 31:3; Mat. 24:22-24; Atos 13:48;
Rom. 8:30; (2) da aliança da graça, na qual o Pai deu o Seu
povo a Seu F i l h o como recompensa de Sua obediência e de
Seus sofrimentos, Jer. 32:40; João 17:2-6; (3) da união dos
cristãos com Cristo, no aspecto federal, sendo Cristo o seu
Fiador, razão pela qual eles não podem falhar (Rom. 8:1), e no
aspecto espiritual e vital, por cuja união eles permanecem nEle,
e necessariamente viverão porque Ele vive, João 14:19; Rom.
8:38,39; Gál. 2:20; (4) da propiciação, na qual Cristo c u m p r i u
todas as obrigações que eles tinham para com a lei como aliança
de vida, e alcançou para eles todas as bênçãos prometidas na
aliança; se, pois, um deles falhasse, o seguro f u n d a m e n t o de

756
Perseverença dos Santos

todos seria abalado, Sal. 53:6,11; Mat. 20:28; 1 Ped. 2:24; (5)
da justificação, que declara cumpridas todas as condições da
aliança de vida, e coloca o justificado para sempre n u m a nova
relação com Deus, de m o d o que ele não pode cair sob conde-
nação, porque não está mais debaixo da lei mas sim debaixo
da graça, Rom. 6.14; (6) da habitação do Espírito Santo nos
que compõem o povo de Deus, (a) como selo assinalando que
pertencem a Deus, (b) como p e n h o r ou primeira prestação da
redenção prometida, em penhor do c u m p r i m e n t o completo,
João 14:16; 2 Cor. 1:21,22; 5:5; Ef. 1:14; (7) da eficácia da
intercessão de C r i s t o - João 11:42; 17:11,15,20; Rom. 8:34.

3. Qual é a doutrina católico-romana sobre este ponto?


Cone. de Trento, Sess. vi, Can. 23: "Se alguém disser que o
h o m e m , u m a vez justificado, não pode perder a graça, e que
por isso aquele que cai e peca nunca fora verdadeiramente
justificado, seja anátema". - Veja abaixo, na apresentação da
doutrina católico-romana, neste capítulo, suas idéias quanto
aos "pecados veniais". .

4. Qual a doutrina arminiana sobre este ponto?


Faz parte inseparável do seu sistema, d i m a n a n d o neces-
sariamente das suas teorias sobre a eleição, o desígnio e os
efeitos da morte de Cristo, a graça suficiente e o livre- arbítrio,
que os que foram uma vez justificados e regenerados, se se
descuidarem da graça e entristecerem o Espírito Santo, podem
cair em pecados que n ã o c o n d i z e m com a v e r d a d e i r a fé
justificadora e, permanecendo e m o r r e n d o neles, podem por
isso cair d e f i n i t i v a m e n t e na c o n d e n a ç ã o - Confissão dos
Remonstrantes, xi, 7. Os luteranos e os arminianos concordam
neste ponto. U n s e outros crêem que os "eleitos" (os que Deus
escolheu para a vida eterna porque previra com certeza a sua
perseverança na fé e na obediência até ao fim) não podem
apostatar definitivamente. A verdadeira questão entre eles e
os calvinistas não é, pois, se os "eleitos" podem apostatar

757
Capítulo 36

finalmente e perecer, mas se os "verdadeiramente regenerados


e justificados" o podem.

5. Qual a objeção que, baseada no livre-arbítrio do homem,


se faz contra a doutrina ortodoxa?
Os que negam a certeza da perseverança final dos santos
sustentam a falsa teoria segundo a qual o livre-arbítrio consiste
na indiferença, ou na faculdade de se poder escolher o contrário,
e que, por conseguinte, certeza é incompatível com a liberdade.
Essa falácia já foi refutada acima, Cap. 15; veja especialmente
as Pergs. 25 e 26.
Que Deus dirige as ações livres de Suas criaturas é um
fato provado claramente pela história, pelas profecias e pela
consciência e experiência cristã universal, e pelas Escrituras -
Atos 2:23; Ef. 1:11; Fil. 2:13; Prov. 21:1.
/

E claro também que Deus assegura a perseverança final


de Seu povo de um modo perfeitamente compatível com a sua
liberdade. Ele m u d a os afetos do Seu povo e determina assim
a sua vontade mediante a sua própria livre espontaneidade.
Ele os introduz no estado de filhos pela adoção, cerca-os de
todos os meios santificadores, e q u a n d o caem em pecado
castiga-os zelosamente e os restaura. Vê-se, pois, que a doutrina
bíblica não é que o homem que uma vez creu verdadeiramente
tem segura a salvação, sejam quais forem os seus sentimentos
e os seus atos subseqüentes; mas, ao contrário, é que Deus
garante a salvação final de todos os que f o r a m u m a vez
verdadeiramente unidos a Seu Filho pela fé, assegurando, pelo
poder do Espírito Santo, a sua perseverança, perfeitamente
livre, nos sentimentos e obediência cristãos até ao fim.

6. Qual a objeção que, baseada em sua hipotética influência


imoral, se faz contra a doutrina ortodoxa?
A objeção feita é que esta doutrina de "uma vez na graça,
sempre na graça", só pode ter como resultado natural tornar os
homens descuidados, produzindo neles um falso sentimento

758
Perseverença dos Santos

de que se acham seguros em sua posição atual, e de confiarem


em que Deus os há de salvar afinal, i n d e p e n d e n t e m e n t e dos
seus próprios esforços.
Posto que seja certo que, da parte de Deus, se somos eleitos
e fomos chamados, seremos salvos, são todavia necessárias, da
nossa parte, vigilância, diligência e oração constantes, para que
se t o r n e m firmes para nós essa eleição e vocação - 2 Ped. 1:10.
O fato de que Deus age poderosamente conosco e assim nos
assegura a vitória em nossa luta contra o pecado é apresentado
nas Escrituras como motivo poderoso, não para que sejamos
preguiçosos, e sim diligentes - Fil. 2:13. A doutrina ortodoxa
não afirma a certeza da salvação daqueles que uma vez creram,
e sim a perseverança na santidade dos que creram ou crêem
verdadeiramente; é esta perseverança na santidade, pois, em
oposição a todas as suas fraquezas e tentações, que é a única
prova certa da verdade da experiência cristã passada do crente,
e da validade da sua confiança a respeito da sua salvação futura,
e por certo o fato de termos uma certeza como esta não pode de
m o d o algum promover n e m o descuido n e m a imoralidade.

7. Qual a objeção fundada nas exortações dirigidas nas Escrituras


aos crentes para que sejam diligentes; e nos avisos de que estarão
em perigo se se tornarem descuidados?
A objeção alegada é que as exortações e os avisos neces-
sariamente envolvem a contingência da salvação do crente, de
ter ela como condição sua fidelidade permanente, e que, por
conseguinte, elas envolvem também a possibilidade de sua
apostasia.
RESPONDEMOS -
I o . A palavra externa fala necessariamente do mesmo
m o d o a todos, dirigindo-se a eles nas classes a que julgam
pertencer; e como muitos dos que se professam cristãos, ou
"os que crêem estar em pé", enganam-se a si mesmos, essa
palavra externa envolve necessariamente a diminuta segu-
rança da sua posição (até onde é dado aos homens julgarem),

759
Capítulo 36

e a possibilidade de caírem.
2 o . D e u s garante a perseverança na santidade de Seu
v e r d a d e i r o povo pelo e m p r e g o de meios adaptados à sua
natureza como criaturas racionais, morais e livres. Vistos em
si mesmos, são sempre, como Deus lhes diz, instáveis, e por
isso Ele os exorta a que se apeguem com diligência à Sua graça.
E t a m b é m s e m p r e v e r d a d e que, se a p o s t a t a r e m , estarão
perdidos; mas é por meio, em parte, de tais ameaças que o
Espírito de Deus, por Sua graça, os preserva, impedindo-lhes
a apostasia.

8. Quais os principais textos em que os opositores se apoiam


para refutar os argumentos dos ortodoxos sobre este assunto?
Ez.l8:24; Mat. 13:20,21; 2 Ped. 2:20,21; e especialmente
Heb. 6:4-6 e 10:26.
Todas essas passagens podem ser explicadas de um modo
natural em perfeita harmonia com a doutrina ortodoxa, que
se apóia na m u i t o extensa evidência bíblica que se acha
apresentada acima, Perg. 2. Essas passagens, ou I o . apresentam
avisos hipotéticos das conseqüências da apostasia com o fim
de impedi-la, mostrando quais seriam as conseqüências da
indiferença e do pecado, e mostrando também quão grande é
a necessidade de cuidado e esforços sérios; ou, 2 o . mostram
quais serão as conseqüências terríveis do mau uso ou do abuso
das influências da graça comum, as quais, posto que envolvam
grande responsabilidade, todavia não chegam a redundar numa
mudança radical da natureza ou na conversão verdadeira.

9. Que argumento os oponentes desta doutrina deduzem de


exemplos bíblicos e da nossa experiência relacionada com a apostasia?
Citam das Escrituras casos como os de Davi e de Pedro, e
se referem aos muitos exemplos de apostasia de b e m abona-
dos cristãos professos de que, i n f e l i z m e n t e , t o d o s temos
conhecimento.
Todos esses exemplos, porém, pertencem evidentemente

760
Perseverença dos Santos

a u m a ou outra de duas classes: ou, I o . Eles n u n c a s e n t i r a m


em seu ser a virtude real da piedade, apesar de parecer tão bela
sua vida aos olhos dos seus semelhantes, R o m . 2:28; 9:5; 1
João 2:19; Apoc. 3:1; ou, 2 o . São crentes verdadeiros que, em
conseqüência de um afastamento temporário da graça restrin-
gcnte, desviaram-se por algum t e m p o , mas, não obstante isso,
são todos restaurados pela graça divina, e isso geralmente p o r
m e i o de correções - Apoc. 3:9. A esta classe pertenceram Davi
e P e d r o . N e n h u m cristão v e r d a d e i r o é capaz de apostasia
proposital; e o seu maior desvio da justiça é ocasionado por
impulsos súbitos de paixão ou m e d o - Mat. 24:24; Luc. 22:31.

EXPOSIÇÕES AUTORIZADAS
DA DOUTRINA ECLESIÁSTICA

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Concílio de Trento,


Sess. 6, Cap. 15: " T a m b é m se deve asseverar q u e n ã o só
c o m a i n f i d e l i d a d e , pela qual se p e r d e a m e s m a fé, m a s
também por qualquer outro pecado mortal, ainda que se
n ã o p e r c a a fé, p e r d e - s e a graça da j u s t i f i c a ç ã o , q u e se
havia recebido".
Ib., Can. 23: "Se alguém disser que o h o m e m , u m a vez
j u s t i f i c a d o , n ã o p o d e pecar m a i s , n e m p e r d e r a graça, e
p o r isso aquele q u e cai e peca n u n c a v e r d a d e i r a m e n t e fora
justificado... seja a n á t e m a " .
Ib., Cap. 11: " A i n d a q u e nesta vida m o r t a l , p o r m a i s
justos e santos que sejam, (os h o m e n s ) caiam algumas vezes
em p e c a d o s leves e c o t i d i a n o s , q u e t a m b é m se c h a m a m
veniais, n e m p o r isso deixam de ser justos".
Ib., Sess. 14, Cap. 5: " Q u a n t o aos ( p e c a d o s ) v e n i a i s ,
pelos quais não s o m o s excluídos da graça de D e u s , e em
que f r e q ü e n t e m e n t e caímos, posto que com retidão e
u t i l i d a d e se d i g a m na confissão, fora de toda p r e s u n ç ã o ,
c o m o m o s t r a a p r a x e das pessoas piedosas; c o n t u d o , po-
d e m calar-se sem culpa e ser expiados com outros r e m é -
dios. Mas, como todos os pecados mortais, m e s m o os

761
Capítulo 36

pensamentos, t o r n a m os h o m e n s filhos da ira e inimigos


de Deus, é necessário buscar o perdão de Deus, com u m a
clara e m o d e s t a confissão".
Belarmino,DeAmiss. Gira., Sess. 14, Cap. 5: "(1) O pecado
v e n i a l s e d i s t i n g u e d o p e c a d o m o r t a l p o r sua p r ó p r i a
n a t u r e z a , e sem n e n h u m a relação com a p r e d e s t i n a ç ã o ,
ou c o m a m i s e r i c ó r d i a de D e u s , ou c o m o e s t a d o dos
r e g e n e r a d o s , m e r e c e n d o u m c e r t o castigo, p o r é m n ã o
eterno. (2) Estes pecados ou são veniais por sua própria
n a t u r e z a , t e n d o p o r seu o b j e t o u m a coisa má ou
desordenada, mas que não se opõe ao amor de Deus e do
p r ó x i m o - como u m a palavra ociosa; ou são veniais pela
imperfeição da ação, isto é, (a) os que não são inteiramente
voluntários (propositais), como os que nascem de um
m o v i m e n t o súbito de cobiça ou de ira, e (b) os que dizem
respeito a ninharias, como o f u r t o de um óbolo (pequeno
donativo ou esmola)".
DOUTRINA LUTERANA - Formula Concordice, Pág. 705:
"Deve-se refutar e rejeitar zelosamente a falsa opinião de
alguns segundo a qual não se pode perder a fé, a justificação
a l c a n ç a d a e a p r ó p r i a s a l v a ç ã o em c o n s e q ü ê n c i a de
n e n h u m pecado ou crime, seja qual for".
Ib., pág. 591: "Condenamos o dogma segundo o qual o
h o m e m n ã o p e r d e a fé e o E s p í r i t o S a n t o c o n t i n u a a
habitar nele, m e s m o q u a n d o ele consciente e voluntaria-
m e n t e comete pecado, e de que os santificados e eleitos
retêm o Espírito Santo, ainda que c o m e t a m adultério ou
outros crimes e perseverem neles".
Apol. Aug. Conf., pág. 71: "A fé não pode coexistir com
pecados mortais".
Ib.,pág. 86: "A fé que recebe a remissão dos pecados...
não p e r m a n e c e nos que se r e n d e m a suas paixões, n e m
p o d e coexistir com pecados mortais".
DOUTRINA REFORMADA -Cân. Do Sínodo deDort, Cap.
5, c. 3: "Por causa dos restos do pecado que neles h a b i t a -
os convertidos não p o d e r i a m p e r m a n e c e r nesta graça se
fossem entregues às suas próprias forças. Todavia D e u s é
fiel e os confirma na graça que uma vez lhes foi concedida ç

762
Perseverença dos Santos

m i s e r i c o r d i o s a m e n t e , e p o d e r o s a m e n t e os conserva nela,
até o f i m . Cân. 4: " M a s , apesar desse p o d e r de D e u s , q u e
c o n f i r m a os fiéis na graça e os conserva, ser m a i o r do q u e
o q u e p o d e ser vencido pela carne, c o n t u d o , os convertidos
n e m s e m p r e são de tal m o d o influenciados e m o v i d o s p o r
D e u s que não possam desviar-se, em certas ações especiais,
da d i r e ç ã o e da graça e ser s e d u z i d o s pelas p a i x õ e s da
carne, e obedecer-lhes. P o d e m até cair em pecados graves
e a t r o z e s . . . " C â n . 5 : " N o e n t a n t o , c o m esses p e c a d o s
e n o r m e s , eles o f e n d e m m u i t o a D e u s , i n c o r r e m em culpa
de m o r t e , e n t r i s t e c e m o E s p í r i t o S a n t o , i n t e r r o m p e m o
exercício da fé, f e r e m g r a v e m e n t e a consciência, e às vezes
p e r d e m por algum tempo a consciência de estarem na
graça, até q u e , v o l t a n d o p a r a o c a m i n h o c o m a r r e p e n -
d i m e n t o sincero, o rosto paternal de D e u s t o r n e a b r i l h a r
p a r a eles." C â n . 6: " P o r q u e D e u s , q u e é rico em m i s e -
ricórdia, p o r causa do Seu i m u t á v e l p r o p ó s i t o de eleição,
n ã o tira i n t e i r a m e n t e o E s p í r i t o Santo dos que L h e per-
t e n c e m , m e s m o nas quedas lamentáveis, n e m p e r m i t e q u e
escorreguem de tal m o d o que caiam da graça da adoção e
do estado de justificação, ou q u e c o m e t a m o pecado que é
para m o r t e , ou c o n t r a o E s p í r i t o Santo, para que, a b a n -
d o n a d o s p o r Ele, se lancem à perdição eterna..." C â n . 8:
" D e m o d o q u e não é por seus p r ó p r i o s m e r e c i m e n t o s ou
forças, e sim pela gratuita misericórdia de D e u s , q u e eles
(os eleitos) alcançam tal posição que n e m caem t o t a l m e n t e
da fé e da g r a ç a , n e m p e r m a n e c e m até o f i m em s u a s
quedas e assim p e r e ç a m " .
Conf. de Fé, de Westminster, Cap. 17 § I o : "Os que D e u s
aceitou em Seu F i l h o a m a d o , os que Ele c h a m o u
e f i c a z m e n t e e s a n t i f i c o u p e l o Seu E s p í r i t o , n ã o p o d e m
cair do estado de graça, n e m total, n e m f i n a l m e n t e ; m a s
com toda a certeza perseverarão nesse estado até o f i m e
serão e t e r n a m e n t e salvos." § 2: "Essa p e r s e v e r a n ç a dos
santos n ã o d e p e n d e do seu livre-arbítrio, p o r é m da
i m u t a b i l i d a d e do decreto da eleição, q u e brota do livre e
imutável a m o r de D e u s Pai, da eficácia do m é r i t o e
intercessão de Jesus Cristo, da p e r m a n ê n c i a do E s p í r i t o e

763
Capítulo 36

da s e m e n t e de D e u s neles, e da n a t u r e z a da aliança da
g r a ç a ; de t o d a s estas coisas v ê m a sua certeza e a sua
infalibilidade".

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764
A Morte e o Estado da Alma
depois da Morte

1. Qual a parte da teologia em que entramos agora, e quais as


matérias nela incluídas?
A p a r t e c h a m a d a ESCATOLOGIA, ou a discussão das
últimas coisas.
I n c l u i a m o r t e , o estado da alma depois da m o r t e , o
s e g u n d o advento de Cristo, a ressurreição dos mortos, o juízo
final, o fim do m u n d o , o céu e o inferno.

2. Quais as diversas formas de expressão empregadas para


descrever a morte na Bíblia?
Um partir do m u n d o - 2 Tim. 4:6. Um entrar no c a m i n h o
de toda a t e r r a - J o s . 23:14. Um unir-se a seus pais, Juí. 2:10; e
a seu povo - D e u t . 32:50. Um desfazer-se a casa terrestre desta
m o r a d a - 2 Cor. 5:1. Um voltar ao pó - Ecl. 12:7. Um sono -
João 11:11. Um expirar (render o espírito) - Atos 5:10. Um
estar ausente do corpo e presente com o Senhor - 2 Cor. 5:9.
Um d o r m i r em Jesus - 1 Tess. 4:14.

3. Que é a morte?
A m o r t e é a suspensão da união pessoal entre o corpo e a
a l m a , s e g u i d a da resolução do c o r p o em seus e l e m e n t o s
químicos, e da introdução da alma naquele estado separado
de existência que lhe seja designado por seu Criador e Juiz -
Ecl. 12.7.

765
Capítulo 37

4. Qual a relação existente entre a morte e o pecado?


A plena pena da lei, inclusive todas as conseqüências
eternas do pecado - espirituais, físicas e penais, é chamada
m o r t e nas Escrituras. A sentença foi: "No dia em que dela
comeres, certamente morrerás" - Gên. 2:17; Rom. 5:12. Que
isso incluiu a morte natural fica provado por Rom. 5:13,14; e
também pelo fato de que, q u a n d o Cristo tomou sobre Si
a pena da lei, foi necessário que morresse - Heb. 9:22.

5. Por que morrem os justificados?


A justificação muda toda a relação federal do justificado
com a lei, e o eleva para sempre acima de todas as conseqüências
penais do pecado. A morte, pois, posto que permaneça como
parte da pena da lei violada em relação ao injusto, é, como
todas as demais aflições, m u d a d a em relação aos justificados
em elemento de disciplina proveitosa. Ela lhes é necessária
por causa da constituição presente de seus corpos, mas é, tanto
para seus corpos como para suas almas, a porta do céu. Estão
livres do aguilhão da m o r t e e do seu temor - 1 Cor. 15:55,57;
Heb. 2:15. São agora "bem-aventurados" em sua morte porque
" m o r r e m no Senhor" - Apoc. 14:13, e serão afinal libertados
perfeitamente do seu poder q u a n d o for destruído o ú l t i m o
inimigo - 1 Cor. 15:26.

6. Que provas temos da imaterialidade da alma, e que


argumento se pode tirar daí para provar a sua existência contínua
depois da morte?
Para a comprovação da imaterialidade da alma, veja as
provas no Cap. 2, Perg. 18.
Ora, conquanto a existência contínua de qualquer cria-
tura dependa u n i c a m e n t e da vontade do seu Criador, essa
vontade pode tornar-se conhecida por meio de u m a revelação
direta, ou, em qualquer caso especial, pode-se inferir por meio
de um raciocínio analógico baseado naquilo que sabemos do
seu m o d o de agir noutros casos. Até onde esse a r g u m e n t o

766
A Morte e..

analógico t e m aplicação, ele c o n f i r m a decisivamente a crença


em que u m a substância espiritual é, como tal, imortal. N ã o há

f
irte alguma do campo da experiência h u m a n a que nos dê
inhecimento de um só caso de aniquilação de um á t o m o de
atéria, isto é, da matéria como tal. Vemos que corpos materiais,
j organizados ou compostos q u i m i c a m e n t e , ou f o r m a d o s por
simples agregações mecânicas, estão constantemente e n t r a n d o
em existência e por sua vez desaparecendo, mas n u n c a pelo
a n i q u i l a m e n t o de suas partes elementares constituintes ou
c o m p o n e n t e s , p o r simples dissolução da relação que essas
partes haviam m a n t i d o umas com as outras. O que é espírito,
p o r é m , é e s s e n c i a l m e n t e s i m p l e s e u n o , p o r isso i n c a p a z
daquela dissolução das partes a que estão sujeitos os corpos
materiais. Inferimos, portanto, que os espíritos são imortais
p o r q u e não p o d e m estar sujeitos à única forma da m o r t e da
qual temos conhecimento.

7. Que argumento a favor da imortalidade da alma se pode


tirar do seu imperfeito desenvolvimento neste mundo?
Em todas as seções da vida organizada, cada criatura
individual, em seu estado normal, tende a desenvolver-se até
chegar a um estado que é a perfeição do seu gênero. A bolota
germina e se desenvolve, tornando-se carvalho. Mas cada ser
h u m a n o está cônscio de que nesta vida n u n c a alcançará a
perfeição que o Criador teve em vista quanto ao ideal do seu
t i p o ; possui f a c u l d a d e s não desenvolvidas, capacidades e
desejos naturais não satisfeitos; sabe que foi destinado a ser
m u i t o mais do que é, e a preencher u m a esfera mais elevada.
Assim como a razão profética do Criador faz provisão para a
borboleta m e d i a n t e o instinto da lagarta, assim t a m b é m o
Criador revela a existência imortal da alma n u m a esfera mais
elevada m e d i a n t e suas limitações conhecidas e seus movi-
m e n t o s instintivos na esfera atual.

767
Capítulo 37

8. Que argumento sobre este ponto pode ser tirado da justiça


distributiva de Deus?
E um juízo invariável da razão natural e u m a d o u t r i n a
f u n d a m e n t a l da Bíblia que o b e m moral está associado à
felicidade, e o mal moral à infelicidade, pela natureza e pelo
propósito invariáveis de Deus. Mas a história, tanto de todos
os h o m e n s como de todas as comunidades, estabelece o fato de
que esta vida não constitui um estado de retribuição; que
aqui a maldade muitas vezes se acha associada à prosperidade,
e a excelência moral à aflição; devemos, pois, tirar daí a
conclusão de que há um estado (numa esfera transcendental) a
ser conhecido por nós no futuro em que será ajustado tudo o
que aqui parefce incompatível com a justiça de D e u s . Veja
Salmo 73.

9. Como parecem indicar um estado futuro as operações da


consciência?
A consciência é a voz de Deus na alma, dando t e s t e m u n h o
do nosso pecado e desmerecimento, e da justiça divina essencial.
Exceto no caso dos que buscaram refúgio na justiça de Cristo,
todos os homens sentem que suas relações morais com Deus
n u n c a são adequadas nesta vida, e por isso o t e s t e m u n h o
característico da consciência h u m a n a , apesar de g r a n d e s
diferenças individuais a respeito da luz, da sensibilidade, etc.,
sempre coincide com o da Palavra de Deus, no sentido de que
depois da m o r t e segue-se o juízo - H e b . 9:27.

10. Como fica estabelecida esta doutrina pelo consenso geral


da humanidade?
Essa tem sido a crença universal de todos os homens, de
todas as raças e em todas as idades. Um consenso universal,
assim c o m o q u a l q u e r o u t r o efeito universal, é necessário
reportar-se a uma causa, igualmente universal, e este consenso,
uniforme entre homens que diferem entre si em todos os outros
aspectos e sentidos, não pode reportar-se a n e n h u m a outra

768
A Morte e..

origem que não a constituição da natureza do h o m e m , que é o


t e s t e m u n h o do seu Criador. . • •. •

11. Como se pode mostrar que o Velho Testamento ensina a


mesma distinção entre o corpo e a alma ensinada no Novo
Testamento?
I o . Na narrativa da criação. Deus f o r m o u o corpo com o
pó da terra, mas a alma (ou o espírito) Ele fez à Sua própria
imagem - Gên. 1:26; 2.7.
2 o . Na definição da morte - Ecl. 12:7: "O pó volte à terra,
como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu". Veja t a m b é m
Ecl. 3:21. • •

12. Que ensina o Velho Testamento a respeito do sheol? E como


se pode mostrar, pelo uso dessa palavra, que a imortalidade da
alma é doutrina da antiga aliança?
O substantivos/ieo/ vem do verboshâal, pedir, e x p r i m i n d o
o sentido do adágio inglês: "A cova grita: dai, dai". A palavra é
empregada no Velho Testamento para designar, em sentido
vago e geral, o estado dos mortos, tanto dos bons como dos
maus, intermediário entre a morte e a ressurreição dos justos -
Os. 13:14, ao qual se achavam associadas em geral idéias tristes,
e q u e se julgava, em s e n t i d o i n d e t e r m i n a d o , n a s p a r t e s
inferiores da terra - D e u t . 32:22; Amós 9:2.* E empregada
assim para designar a sepultura como o receptáculo do corpo
depois da m o r t e - Gên. 37:35; Jó 14:13, mas principalmente
para designar o receptáculo dos espíritos separados do corpo,
sem n e n h u m a referência explícita a u m a divisão entre a parte
destinada aos justos e a destinada aos maus. Que os espíritos se
m a n t ê m ativos e conscientes nesse estado vê-se pelo que nos é
revelado com relação a Samuel - 1 Sam. 28:7-20; Is. 14:15-17.

* Cf. o texto hebraico. Um modo fácil de verificar o termo conforme o


original hebraico é utilizar a Tradução Brasileira, que não traduz sheol,
mas simplesmente o translitera. Nota de Odayr Olivetti.

769
Capítulo 3 7

Q u a n t o aos b o n s , p o r é m , a sua r e s i d ê n c i a no s h e o l era


considerada como algo intermediário entre a m o r t e e u m a
ressurreição feliz - Sal. 49:16. Q u a n d o tratam deste assunto,
as Escrituras do Velho Testamento falam antes c o m o se a
existência c o n t í n u a da alma fosse coisa concedida, e não a
a f i r m a m explicitamente - Fairbairn, Hermeneutical Manual;
Josefo, Antigüidades, 18.1.

13. Qual é o teor do argumento de nosso Salvador a respeito


deste assunto, contra os saduceus?
Veja L u c . 20:37,38. M u i t o t e m p o depois da m o r t e de
Abraão, Isaque e Jacó, O Senhor (Yavé) continua a chamar-se
seu D e u s - Ex. 3:6. Mas Cristo, a r g u m e n t a n d o c o n t r a os
saduceus, que negavam a ressurreição dos mortos, declara:
" D e u s n ã o é Deus de mortos, e sim de vivos". Isto prova antes
a imortalidade da alma deles; mas, desde que Deus é o Deus
pactuai de pessoas, e desde que as pessoas desses patriarcas
incluíam tanto o seu corpo como a sua alma, o a r g u m e n t o
estabelece t a m b é m a imortalidade final do corpo, isto é, da
pessoa inteira.

14. Quais as passagens do Velho Testamento que afirmam


explícita ou implicitamente a esperança de um estado de bem-
-aventurança depois da morte?
N ú m . 23:10; Jó 19:26; Sal. 16:9-11; 17:15; 49:15,16; 73:25-
28; Is. 25:8; 26:19; Os. 13:14; D a n . 12:2,3,13.
* Sc '• í,#i '

15. Que provas mais fornece o Velho Testamento da existência


contínua da alma?
I a . A trasladação de E n o q u e e de Elias, e a temporária
reaparição de Samuel (se se entender que foi de fato Samuel) -
Gên. 5:24; H e b . 11:5; 2 Reis 2:11; 1 Sam. 28:7-20.
2 a . A p r o i b i ç ã o da p r á t i c a da n e c r o m a n c i a i m p l i c a a
existência geral da crença em que os mortos continuarão a
existir n o u t r o estado - Deut. 18:11,12.

770
A Morte e..

3 a . Em seu sistema simbólico, a terra de Canaã representa


a herança p e r m a n e n t e do povo de Cristo, e todo o propósito da
revelação completa do Velho Testamento, como foi apreendida
pelos c r e n t e s d a q u e l a d i s p e n s a ç ã o , dizia r e s p e i t o a u m a
existência f u t u r a e a u m a herança depois da m o r t e . Isso é
asseverado d i r e t a m e n t e no N o v o Testamento - Atos 26:6-8;
H e b . 11:10-16; Ef. 1:14.

16. Que nos ensina o Novo Testamento a respeito do estado da


alma logo depois da morte?
"As a l m a s dos justos, s e n d o e n t ã o a p e r f e i ç o a d a s na
santidade, são recebidas nos mais altos céus, onde vêem a face
de Deus em luz e glória, esperando a plena redenção de seus
corpos" - Luc. 23:43; 2 Cor. 5:6,8; Fil. 1:23,24. "E as almas
dos ímpios são lançadas no inferno, onde ficarão em tormentos
e em trevas espessas, reservadas para o juízo do grande dia
f i n a l " - Luc. 16:23,24; Jud., vers. 6 e 7. Conf de Fé, de West-
minster, Cap.32, § 1.
Esta exposição representa a doutrina das igrejas luteranas
e reformadas.
Inclui os seguintes pontos:
I o . Ao estado das almas, entre a m o r t e e a ressurreição,
p o d e - s e com p r o p r i e d a d e c h a m a r i n t e r m e d i á r i o , q u a n d o
considerado com relação aos estados que lhe precedem e que
se lhe seguem.
2 o . Se t a m b é m há ou não um lugar i n t e r m e d i á r i o , as
Escrituras não declaram d e f i n i d a m e n t e , mas o sugerem. Veja
abaixo, Cap.40, Perg. 3.
3°. As almas, tanto dos justos como dos perdidos, perma-
necem ativas e conscientes d u r a n t e esse estado.
4 o . O caráter e o destino espirituais e morais de cada um
ficam decididos irrevogavelmente para o b e m ou para o mal
no m o m e n t o da morte.
5 o . Os justos são aperfeiçoados imediatamente na santidade.
6 o . Passam logo para a presença de Cristo e em Sua presença

771
Capítulo 37

p e r m a n e c e m d u r a n t e todo o período.
7°. Este estado intermediário difere do estado final dos
remidos - (1) Por causa da ausência do corpo. (2) P o r q u e a
redenção ainda não se c o n s u m o u de maneira completa.

17. Qual o significado e uso da palavra ádes, hades, nas


Escrituras?
O t e r m o ádes, formado pela partícula privativa ou nega-
tiva a e pelo verbo ver, designa em geral o m u n d o invisível
habitado pelos espíritos dos mortos. Entre os antigos pagãos
clássicos, esse m u n d o invisível era considerado como con-
s i s t i n d o de d u a s regiões c o n t r a s t a d a s , a u m a das q u a i s
chamavam eliseu ou elísio, a morada dos bem-aventurados, e
à outra tártaro, morada dos viciosos e infelizes.
Os tradutores da Septuaginta empregaram essa palavra
grega para traduzir a palavra hebraica sheol. Cf. Atos 2:27 e
Sal. 16:10. No Novo Testamento encontra-se s o m e n t e onze
vezes, e m M a t . 11:23; 16:18; Luc. 10:15; 16:23; Atos 2:27,31;
1 Cor. 15:55; Apoc. 1:18; 6:8; 20:13,14. Em todos estes casos,
exceto em 1 Cor. 15:55, onde as edições mais críticas do original
têm aánate em vez de ádes, o termo é sempre traduzido por
i n f e r n o e, certamente, representa sempre o m u n d o invisível
sob o d o m í n i o de satanás, em oposição ao reino de Cristo, e
finalmente subjugado por Seu poder vitorioso. Veja Fairbairn,
Herm. Manual.

18. Qual o significado e uso das palavras parádeisos, paraíso,


e géena, geena?
Parádeisos, paraíso, derivada de alguma língua oriental e
adaptada às línguas hebraica e grega, significa parque, jardim
de recreio - Nee. 2:8; Ecl. 2:5. Os tradutores da Septuaginta
empregaram essa palavra para representar o jardim do E d e n -
Gên. 2:8, etc. Encontra-se apenas três vezes no Novo Testa-
m e n t o - Luc. 23:43; 2 Cor. 12:4; Apoc. 2:7, onde se vê, pelo
contexto, que ela se refere ao "terceiro céu", o jardim do Senhor

772
A Morte e..

em que está a "árvore da vida", junto ao rio que sai do t r o n o


de D e u s e do Cordeiro - Apoc. 22:1,2.
Géena é palavra hebraica composta, transcrita na Septua-
ginta e no Novo Testamento com letras gregas, e significa "vale
de H i n o m , Jos. 15:8, o vale que ladeia Jerusalém ao sul e segue
do vale de Josafá para o oeste, ao pé do m o n t e Sião. Ali se
estabelecera o culto de M o l o q u e , falso deus ao qual e r a m
sacrificadas crianças pelo fogo - 1 Reis 11:7. Josias deu cabo
desse culto e dessacralizou o lugar - 2 Reis 23:10-14. Depois
disso, consta que esse lugar tornou-se o receptáculo para toda
a i m u n d í c i e da cidade, e para os corpos dos animais m o r t o s e
dos malfeitores justiçados. Para a queima dessas coisas faziam-
-se ali de tempos a tempos grandes fogos. Por essa razão deram
ao lugar o n o m e de Tofete, que significa abominação, vômito,
Jer. 7:31," - Robinson, Greek Lexicon. Como u m a figura m u i t o
natural foi, pois, empregada essa palavra como designativo do
lugar do castigo final, sugerindo com muita força a idéia de
degradação e infelicidade. Encontra-se doze vezes no Novo
Testamento, e sempre para designar o lugar dos tormentos finais
- M a t . 5:22,29,30; 10:28; 18:9; 23:15,33; Mar. 9:43,47; Luc.
12:5; Tia. 3:6.

19. Quais as diversas opiniões mantidas a respeito do estado


intermediário das almas dos homens entre a morte e o juízo?
I o . Muitos protestantes, especialmente da Igreja da Ingla-
terra, retendo a significação clássica da palavra hades como
equivalente à da palavra hebraica sheol (como dada acima, Perg.
12), sustentam que há u m a região intermediária, consistindo
de dois distritos distintos, n u m ou no outro dos quais as almas
separadas do corpo, tanto dos perdidos como dos remidos,
respectivamente, esperam a ressurreição de seus corpos, a
decisão do Juízo, e sua trasladação para suas moradas finais de
b e m - a v e n t u r a n ç a ou de infelicidade. Sua doutrina difere da
d o u t r i n a c o m u m dos protestantes, p r i n c i p a l m e n t e - (1) Em
a f i r m a r positivamente que o lugar, e não somente o estado, é

773
Capítulo 37

intermediário. (2) Em afirmar que esse lugar se acha "embaixo"


em relação a este m u n d o . (3) Em sustentar que não se trata de
"os mais altos céus", o n d e D e u s manifesta a Sua presença
especial e o n d e Cristo h a b i t u a l m e n t e reside. Veja Yesterday,
To-day and Forever, pelo Rev. E.H. Bickersteth, e Hades and
Heaven, or The State ofthe Blessed, pelo m e s m o autor.
2 o . Q u a n t o à exposição completa da doutrina dos roma-
nistas, veja abaixo, Perg. 22.
3 o . As seitas de ênfase materialista e alguns socinianos
s u s t e n t a m q u e a s a l m a s dos h o m e n s f i c a m e m e s t a d o
inconsciente ou de vida i n t e r r o m p i d a desde a morte até ao
m o m e n t o da ressurreição.
4 o . Essa opinião é sustentada também pelos defensores da
aniquilação final dos maus, e é defendida m u i t o habilmente
p o r C. E H u d s o n na América, e provávelmente pelo falecido
arcebispo Whately na Inglaterra - View ofScripture Concerning
a Future State. .n-w
Os a r g u m e n t o s são: (1) Não temos experiência e n e m
p o d e m o s formar idéia de u m a atividade mental consciente
n u m estado separado do corpo. (2) São obscuras e não conclu-
sivas as provas bíblicas apresentadas em apoio da doutrina das
igrejas. (3) O significado original e simples da palavra m o r t e
é "extinção de existência". D e u s disse a Adão: " N o dia em que
dela comeres, certamente morrerás"; não o teu corpo, mas tu
m e s m o m o r r e r á s . Veja M a t . 10:28. (4) Q u e a g r a n d e
proeminência dada no Novo Testamento à futura ressurreição
do corpo, como efeito da redenção e como objeto da esperança
cristã, prova que a única vida futura esperada pelos apóstolos
era posterior à ressurreição e dependia dela. Veja 1 Cor. 15:14.
(5) C i t a m m u i t a s passagens para p r o v a r que, s e g u n d o as
Escrituras, os mortos ficam por enquanto em estado de
inatividade corporal e espiritual. Veja Sal. 6:5: "Pois, na morte,
não há recordação de ti; no sepulcro (sheol), quem te dará
louvor?" - Sal. 146:4; Jer. 51:57.
5 o . Essa doutrina foi ensinada primeiro por certos hereges

774
A Morte e..

da Arábia, chamados tanatopsiquitas, no t e m p o de Orígenes.


Ressuscitou depois como opinião de alguns teólogos nos séculos
13 e 14, mas foi condenada pela Universidade de Paris em
1240, c pelo papa Benedito X I I em 1366. Foi ressuscitada outra
vez p o r alguns anabatistas e refutada por Calvino em sua obra
Psicopaniquia, etc. N u n c a foi sustentada por n e n h u m a igreja
ou escola p e r m a n e n t e de teólogos.
Isaac Taylor, em sua Physical Theory of Another Life, Cap.
17, tira a conclusão, fundada somente nas Escrituras, de que o
estado intermediário das almas remidas "não é um estado
realmente inconsciente, mas de relativa inatividade e de energia
suspensa - um estado de transição durante cuja p e r m a n ê n c i a
devem acordar antes as faculdades passivas da natureza que as
ativas". • 1

20. Como se pode expor as provas bíblicas em que se baseia a


doutrina protestante exposta acima (Perg. 16)?
I o . A aparição de Samuel no uso de todas as suas faculdades
- 1 Sam. 28:7-20.
2 o . A aparição de Moisés e Elias por ocasião da trans-
figuração de Cristo - Mat. 18:3.
3 o . As palavras dirigidas por Cristo ao ladrão na cruz -
Luc. 23:43.
4 o . A parábola do h o m e m rico e Lázaro - Luc. 16:23,24.
5 o . A oração de Estêvão q u a n d o morria - Atos 7:59.
6 o . Em 2 Cor. 5:1-8 Paulo afirma que estar ausente do cor-
po é estar presente ao Senhor, e por isso declara (Fil. 1:21 -23)
que para ele m o r r e r seria lucro, e que estava constrangido de
um e outro lado, "tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o
que é i n c o m p a r a v e l m e n t e m e l h o r " e "por vossa causa perma-
necer na carne".
7 o . Ele declara (1 Tess. 5:10) que o sono da m o r t e c o viver
sempre com Cristo. Veja também Ef. 3:15; Heb. 6:12-20; 12:23;
Atos 1:25; Jud. 1:6,7; A p o c . 5:9; 6:9-11; 7:9; 14:1,3.

775
Capítulo 37

21. Como se pode mostrar que o estado intermediário não


constitui mais tempo de provação para os que saíram desta vida sem
terem sido unidos a Cristo?
E n t r e algumas classes de protestantes está se tornando em
voga* a opinião de que entre a morte e a ressurreição as almas
não unidas a Cristo terão mais u m a oportunidade para arre-
pender-se e alcançar a fé nEle. Que isso não tem f u n d a m e n t o
vê-se -
I o . Do fato de não ser ensinado em parte alguma das
Escrituras. E, q u a n d o muito, u m a esperança sugerida pelo
desejo, m a s sem f u n d a m e n t o algum na Palavra de Deus.
M e s m o que o fato de Jesus Cristo ter pregado "aos espíritos
em prisão" (1 Ped. 3:19) significasse realmente o ministério
pessoal de Cristo na esfera do estado intermediário, é certo
que não teria aplicação aos que O t i n h a m rejeitado como seu
Salvador aqui na terra, e, nesse caso, provavelmente só teria
aplicação aos verdadeiros crentes que viveram sob a dispensa-
ção do Velho Testamento, como a igreja católica romana sempre
tem ensinado.
2 o . A teoria funda-se no princípio f o r t e m e n t e anticristão
de que Deus tem o dever de conceder a todos os homens ocasião
propícia para conhecerem e aceitarem a Cristo. Se isso fosse
verdade, o evangelho seria u m a dívida, e não u m a GRAÇA.
3 o . Todo o ensino de Cristo e dos apóstolos envolve o
contrário. "Aos h o m e n s está ordenado morrerem u m a só vez,
vindo, depois disto, o juízo" - Heb. 9:27. "Disse-lhes, pois,
Jesus outra vez: Eu retiro-me, e buscar-me-eis, e morrereis no
vosso pecado. Para onde eu vou, não podeis vós vir" - João
8:21. "E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e
vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não

* Hodge escreveu essas palavras em fins do século XIX (o prefácio traz a


data de 6 de agosto de 1878). A tradução da qual estamos fazendo revisão e
atualização foi publicada em Lisboa, em 1895. Do nome do tradutor só
constam as iniciais: F. J. C. S. Nota de Odayr Olivetti.

776
A Morte e.

p o d e r i a m , n e m t a m p o u c o os de lá passar para cá" - L u c .


16:26; Apoc. 22:11.
4 o . A lei do hábito e do caráter moral c o n f i r m a d o tornaria
naturalmente o estado moral do pecador m u i t o mais insensível
e baldo de esperança no estado intermediário do que estivera
d u r a n t e a sua vida terrena, m e s m o que lhe fossem oferecidas
condições de a r r e p e n d i m e n t o . A razão não é m e l h o r f u n d a -
m e n t o para a "Esperança" do que são as Escrituras.

22. Que ensinam os romanistas a respeito das almas depois


da morte?
I o . Q u e as almas das crianças não batizadas vão para um
lugar preparado expressamente para elas, c h a m a d o "Umbus
infantum" onde não estão sujeitas a sofrimentos positivos, mas
t a m b é m não gozam da presença de Deus. Esse lugar (imagi-
nário) acha-se colocado n u m a parte superior do inferno, aonde
não chegam as chamas, e elas sofrem somente apoenam damni
(pena de privação), e não têm parte na poenam sensus (pena de
sofrimentos positivos), que aflige os pecadores adultos.
2 o . Q u e todos os adultos não batizados, e todos os que
perderam a graça batismal em conseqüência de pecado mortal,
e m o r r e r a m sem que estivessem reconciliados com a igreja,
vão i m e d i a t a m e n t e para o inferno.
3 o . Q u e os fiéis que alcançaram o estado de perfeição vão
i m e d i a t a m e n t e para o céu. . *
o
4 . Q u e a grande multidão de cristãos parcialmente san-
tificados, m o r r e n d o na c o m u n h ã o da igreja, mas ainda
embaraçados com imperfeições, vão para o purgatório, onde
ficam d u r a n t e um período mais ou menos longo, até que os
seus pecados sejam expiados e t a m b é m purgados, sendo então
trasladados para o céu. D u r a n t e esse período intermediário
p o d e m ser socorridos eficazmente p o r seus amigos na terra,
m e d i a n t e orações e obras.
5 o . Q u e os fiéis do Velho Testamento foram recolhidos a
u m a região chamada "Umbus patrum", descrita como "o seio de

777
Capítulo 37

Abraão", o n d e ficaram sem a visão beatífica de Deus, m a s


t a m b é m sem sofrimento, até ao t e m p o em que Cristo, d u r a n t e
os três dias em que Seu corpo estava no sepulcro, foi
libertá-los - 1 Ped. 3:19,20. Cat. Rom., Parte l , C a p . 6, Perg. 3;
Cone. De Trento, Sess. 25, do Purgatório.
Quanto ao purgatório, o Concílio de Trento só decidiu dois
pontos: I o . Q u e há purgatório; 2 o . "que as almas ali detidas
são ajudadas com os sufrágios dos fiéis, e principalmente com
o gratíssimo sacrifício do Altar".
E o p i n i ã o geral, p o r é m , que as suas penas são t a n t o
negativas como positivas. Que o meio i n s t r u m e n t a l dos seus
sofrimentos é fogo material. Que estes são terríveis e indefinidos
em extensão. Que os termos pelos quais se pode fazer satisfação
n e s t e m u n d o são m u i t o mais fáceis d e c u m p r i r . Q u e n o
purgatório as almas nem podem incorrer em culpa n e m ganhar
m e r e c i m e n t o algum; só p o d e m expiar seus pecados por meio
de sofrimentos passivos.
C o n f e s s a m q u e essa d o u t r i n a n ã o s e acha e n s i n a d a
d i r e t a m e n t e nas Escrituras, mas afirmam, I o . Q u e se deduz
necessariamente da sua d o u t r i n a geral quanto à satisfação
devida pelo pecado; 2 o . Q u e Cristo e os apóstolos a ensinaram
incidentalmente, assim como ensinaram a doutrina do batismo
das crianças, etc. Fazem referência a Mat. 12:32; 1 Cor. 3:15.

23. Como se pode mostrar que essa doutrina é de caráter


anticristão? <*.,:• l • :•l; f'! 51
o
I . É confessado que ela não tem f u n d a m e n t o direto nas
E s c r i t u r a s , e é óbvio que t a m b é m não tem nela n e n h u m
f u n d a m e n t o real. Só esta consideração é suficiente.
2 o . E fundada n u m a teoria inteiramente anticristã a respeito
do m o d o de dar satisfação à justiça divina pelos pecados
cometidos. (1) Que, apesar de serem infinitos os merecimentos
de Cristo, são u m a expiação somente do pecado original. (2)
Que é necessário que os fiéis façam expiação por seus próprios
pecados pessoais, cometidos depois do batismo, por meio de

778
A Morte e..

penitência aqui ou das penas do purgatório. Isso é c o n t r á r i o a


t u d o q u a n t o as Escrituras e n s i n a m , c o m o já p r o v a m o s acima,
sob os seus respectivos títulos. (1) q u a n t o à satisfação dada à
justiça divina por Cristo; (2) à natureza da justificação; (3) à
n a t u r e z a do p e c a d o ; (4) à r e l a ç ã o q u e t ê m c o m a lei os
s o f r i m e n t o s e as boas obras dos justificados; (5) ao estado das
almas dos fiéis depois da morte, etc. etc.
3 o . E d o u t r i n a pagã, derivada dos egípcios por via dos
gregos e r o m a n o s , e corrente em todo o império r o m a n o -
Eneida, de Virgílio, Liv. 6, págs. 739, 43.
4 o . Seus efeitos práticos sempre têm sido (1) sujeição abjeta
do povo ao sacerdócio; (2) vergonhosa desmoralização do povo.
A igreja é o a u t o n o m e a d o d e p o s i t á r i o e d e s p e n s e i r o dos
merecimentos superabundantes de Cristo, e dos merecimentos
supererrogatórios de seus santos proeminentes. T o m a n d o isso
p o r f u n d a m e n t o , ela dispensa das penas do p u r g a t ó r i o os que
pagam por seus pecados já cometidos, ou vende indulgências
aos que pagam pela licença de cometer pecados no f u t u r o .
Assim o povo vai pecando e pagando, e o sacerdote vai rece-
bendo o dinheiro e remitindo a pena. A ficção de um purgatório
do qual o sacerdote tem as chaves é a origem principal da
influência que ele t e m sobre o povo por via dos seus temores.
Veja Cap.32, Perg. 19.

EXPOSIÇÕES ECLESIÁSTICAS AUTORIZADAS

DOUTRINA ROMANA - Cat. do Cone. de Trento, P a r t e 1,


Cap. 6 § 3: " H á t a m b é m o fogo do purgatório, no qual as
almas dos justos são p u r i f i c a d a s d u r a n t e u m certo t e m p o
p o r m e i o de p e n a s , a f i m de q u e s e j a m a d m i t i d a s na sua
pátria eterna, na qual não pode e n t r a r n a d a que c o n t a m i n e .
E da verdade desta d o u t r i n a , que santos concílios
d e c l a r a r a m ser c o n f i r m a d a pelos t e s t e m u n h o s das
Escrituras c pela tradição apostólica, o pastor terá ocasião
de tratar mais diligente e f r e q ü e n t e m e n t e , por termos

779
Capítulo 37

c h e g a d o aos t e m p o s em q u e os h o m e n s não s o f r e m a sã
doutrina".
Belarmino, Purgator, 2.10: "É certo q u e no p u r g a t ó r i o ,
c o m o t a m b é m n o i n f e r n o , h á castigo pelo fogo, q u e r s e
e n t e n d a esse f o g o l i t e r a l , q u e r m e t a f o r i c a m e n t e " . S u a
p r ó p r i a o p i n i ã o é que é fogo corpóreo.
DOUTRINA DA IGREJA GREGA - Catecismo Maior da Igreja
Oriental, Ortodoxa, Católica, agora o símbolo mais
autorizado da Igreja Ortodoxa Grego-Russa. Pergs. 372-377,
sobre o Art. 11°: " D e s d e a m o r t e até à ressurreição geral as
a l m a s dos j u s t o s estão na l u z e no d e s c a n s o , c o m gozo
a n t e c i p a d o da felicidade e t e r n a ; m a s as a l m a s dos m a u s
estão n u m e s t a d o q u e é o c o n t r á r i o disso. S a b e m o s isso
p o r q u e é o r d e n a d o que a r e t r i b u i ç ã o perfeita, s e g u n d o as
obras, será r e c e b i d a pelo h o m e m p e r f e i t o depois da
ressurreição do corpo e do ú l t i m o juízo de D e u s - 2 T i m .
2:8; 2 Cor. 5:10. Mas q u e elas têm um gozo antecipado da
b e m - a v e n t u r a n ç a nos diz o t e s t e m u n h o de Jesus C r i s t o ,
que, na parábola, afirma que o justo L á z a r o foi levado para
o seio de A b r a ã o i m e d i a t a m e n t e d e p o i s da sua m o r t e -
L u c . 16:22; Fil. 1:23. A r e s p e i t o das almas, p o r é m , q u e
p a r t i r a m daqui com fé, mas não tiveram o t e m p o necessário
para p r o d u z i r frutos dignos d e a r r e p e n d i m e n t o , dizemos
q u e elas p o d e m ser a j u d a d a s para a l c a n ç a r e m u m a
ressurreição b e m - a v e n t u r a d a por orações oferecidas a seu
favor, e e s p e c i a l m e n t e pelas o f e r e c i d a s em u n i ã o c o m a
oblação do sacrifício i n c r u e n t o do corpo e do s a n g u e de
Cristo, e por obras de misericórdia feitas na fé em m e m ó r i a
delas".
D O U T R I N A P R O T E S T A N T E - Artigos de Esmalcalda
( L u t e r a n o s ) . P á g . 307: "O p u r g a t ó r i o , e q u a i s q u e r r i t o s
religiosos, culto ou outra coisa q u e lhe digam respeito, é
s o m e n t e u m disfarce d o diabo".
Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, art. 22°:
"A d o u t r i n a r o m a n a relativa ao purgatório, às indulgências,
à veneração e adoração tanto de imagens como de relíquias,
e à i n v o c a ç ã o d o s s a n t o s , é u m a coisa f ú t i l , v ã m e n t e
i n v e n t a d a , q u e n ã o s e f u n d a e m t e s t e m u n h o a l g u m das

780
A Morte e...

Escrituras, mas antes é repugnante à Palavra de Deus".


Breve Cat. da Ass. de Westminster, Perg. 37: "As almas dos
fiéis na hora da morte são aperfeiçoadas na santidade, e
imediatamente entram na glória; e os corpos, que con-
tinuam ligados a Cristo, descansam na sepultura até à
ressurreição".

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781
38

A Ressurreição

1. Qual o significado das frases, "ressurreição dos mortos" e


"dentre os mortos", empregadas nas Escrituras?
Anástasis significa, etimologicamente, " u m levantar ou
levantar-se". Essa palavra é empregada nas Escrituras para
designar o f u t u r o levantamento geral dos corpos de todos os
homens, do sono da morte, que há de ser efetuado pelo poder
de Deus.

2. Quais passagens do Velho Testamento têm aplicação a este


assunto?
Jó 19:25-27; Sal. 49:15; Is. 26:19; D a n . 12:1-3.

3. Quais passagens do Novo Testamento aplicam-se a este


assunto?
Mat.5;29; 10:28; 27:52,53; João 5:28,29; 6:39; Atos 2:25-
36; 13:34; Rom. 8:11,22,23; Fil. 3:20,21; 1 Tess. 4:13-17; e o
capítulo 15 de 1 Coríntios.

4. Qual o significado das expressões soma psyquikón, corpo


natural, e soma p n e u m a t i k ó n , corpo espiritual, corno empregadas
por Paulo em 1 Cor. 15:44?
A palavra psyqué, em contraste com pneüma, significa
sempre o princípio da vida animal; em distinção do princípio
de inteligência e de atividade moral, que é o pneüma. Um soma
psyquikón, t r a d u z i d o por corpo natural (animal), significa

782
A Ressurreição

evidentemente um corpo dotado de vida animal e adaptado ao


estado atual da alma e à presente constituição física da esfera
em que ela se acha. Um soma pneumatikón, traduzido corpo
espiritual, é um corpo adaptado ao uso da alma em seu estado
f u t u r o glorificado, e às condições morais e físicas do m u n d o
celeste, e com este fim assemelhado pelo Espírito Santo, que
nele habita, ao corpo glorificado de Cristo - 1 Cor. 15:45-48.

5. Como ressuscitará o mesmo corpo depositado na sepultura?


As passagens das Escrituras que t r a t a m deste assunto
ensinam claramente que deverão ressuscitar os mesmos corpos
que foram depositados nas sepulturas, p o r q u e as frases que
e m p r e g a m para designar os corpos ressuscitados são: I o . "o
nosso corpo" - Fil. 3:21; 2 o . "este corpo corruptível" - 1 Cor.
15:53,54; 3 o . "todos os que se acham nos túmulos" - João 5:28;
4 o . "os que d o r m e m " - 1 Tess. 4; 13-17; 5 o . "os vossos corpos
são m e m b r o s de Cristo" -1 Cor. 6:15; 6 o . A nossa ressurreição
ocorrerá graças à ressurreição de Cristo e será s e m e l h a n t e a
ela, que foi do Seu corpo idêntico - João 20:27.

6. Por que se pode pensar que a ressurreição final será simultânea


e geral?
Veja mais adiante, Cap. 39, Pergs. 9 e 10.

7. Que ensinam as Escrituras a respeito do corpo ressurreto?


I o . Há de ser espiritual -1 Cor. 15:44. Veja acima, Perg. 4.
2 o . Há de ser semelhante ao corpo de Cristo - Fil. 3:21.
3 o . Será glorioso, incorruptível e poderoso - 1 Cor. 15:54.
4 o . Jamais m o r r e r á - Apoc. 21:4.
5 o . N u n c a será dado em casamento - Mat. 22:30.

8. Como se pode provar que o corpo material de Cristo ressurgiu


dos mortos? . -
I o . Cristo o p r e d i s s e - J o ã o 2:19-21.
2 o . Faz-se referência à Sua ressurreição como uma atestação

783
Capítulo 38

miraculosa da verdade da Sua missão; se o Seu corpo não tivesse


ressuscitado literalmente, não haveria nada de miraculoso no
fato dEle viver depois da crucifixão.
3 o . Toda a linguagem das narrativas inspiradas necessa-
riamente envolve isso, quando falam de haver-se tirado a pedra,
de haver estado dobrado o lençol, etc.
4 o . Ressurgiu s o m e n t e no terceiro dia, o que prova que foi
u m a m u d a n ç a física, e não u m a simples continuação de u m a
existência espiritual - 1 Cor. 15:4.
5 o . Seu corpo foi visto, tocado e examinado, d u r a n t e o
espaço de quarenta dias, para que se estabelecesse precisamente
esse fato - Luc. 24:39. Veja Dr. Hodge.

9. Como se pode conciliar a materialidade da ressurreição de


Cristo com o que se diz a respeito dos modos da Sua manifestação
e com a Sua ascensão ao céu?
Os aparecimentos súbitos dEle e t a m b é m os desapare-
cimentos, narrados em Lucas 24:31; João 20:19; Atos 1:9,
f o r a m e f e t u a d o s p o r m e i o d e u m a i n t e r f e r ê n c i a nas leis
ordinárias que regulam no caso dos corpos materiais, e são
exatamente da mesma ordem dos muitos milagres realizados
por Jesus quando em Seu corpo, antes da Sua morte; e.g., andar
sobre o mar - M a t . 1 4 : 2 5 ; João 6:9-14.

10. Como a ressurreição de Cristo torna certa a do Seu povo e


a ilustra?
O corpo e a alma juntos constituem u m a pessoa, e é o
h o m e m , em sua pessoa inteira, que é abrangido tanto na aliança
da graça como o foi na das obras, e está em união federal e viva
tanto com o Segundo como com o primeiro Adão. A ressur-
reição de Cristo torna certa a nossa -
I o . Porque a Sua ressurreição sela e consuma o Seu poder
redentor; e a redenção das nossas pessoas envolve a redenção
do nosso corpo - Rom. 8:23.
2 o . Graças à nossa união federal e viva com Cristo - 1 Cor.

784
A Ressurreição

15: 21,22; 1 Tess. 4:14.


3 o . Graças ao Seu Espírito, que habita em nós (Rom. 8:11),
t o r n a n d o nossos corpos em m e m b r o s de Cristo - 1 Cor. 6:15.
4 o . P o r q u e Cristo, em v i r t u d e da aliança com o Pai, é
Senhor tanto dos m o r t o s como dos vivos - R o m . 14:9. Esta
m e s m a união federal e viva do cristão com Cristo (veja acima,
Cap. 31) t a m b é m fará com que a ressurreição do crente seja
s e m e l h a n t e à de Cristo, e não só a conseqüência dela - 1 Cor.
15:49; Fil. 3:21; 1 João 3:2.

11. Até onde podem ser consideradas de peso as objeções


científicas contra a doutrina da ressurreição do corpo?
Todas as verdades concordam entre si e são de D e u s e
necessariamente compatíveis u m a s com as outras, quer sejam
reveladas por meio dos fenômenos da natureza, quer pelas
palavras da inspiração. Por outro lado, do nosso conhecimento
parcial dos dados, tanto da ciência como da revelação, e do
m o d o errado pelo qual muitas vezes as interpretamos, segue-
-se que muitas vezes somos incapazes de perceber a h a r m o n i a
de verdades que são de fato i n t i m a m e n t e relacionadas entre si.
N ã o p o d e m o s crer que seja verdade qualquer coisa que vemos
ser incompatível com outra verdade já estabelecida firme-
mente. Mas, por outro lado, no estado atual do nosso
d e s e n v o l v i m e n t o , a m a i o r p a r t e das m a t é r i a s d o n o s s o
c o n h e c i m e n t o tem por base provas independentes, e aquilo
que nos é provado por provas conclusivas nós aceitamos como
verdade, m e s m o que não saibamos conciliar cada fato com
todos os outros nas h a r m o n i a s de suas leis superiores. Os
p r i n c í p i o s das ciências físicas m e r e c e m fé em v i r t u d e das
provas que temos a seu favor, isto é, até onde as ciências se
baseiam em provas e não em hipóteses, e também o testemunho
da revelação merece fé em virtude das provas que temos da
sua v e r a c i d a d e . A s c i ê n c i a s p o d e m m o d i f i c a r a n o s s a
interpretação da revelação, porém o mais certo de todos os
princípios é que toda ciência f u n d a d a em provas indiscutíveis

785
Capítulo 38

há dc corroborar sempre a revelação corretamente interpretada.

12. Como se pode conciliar a identidade de nosso futuro corpo


com o nosso corpo atual com 1 Coríntios 15:42-50?
Nos versículos 42 a 44 de 1 Coríntios, capítulo 15, essa
identidade é afirmada expressamente. O corpo será o mesmo,
posto que m u d a d o em diversos aspectos -
Io. Agora é corruptível,então será incorruptível.
2 o . Agora está em desonra, então será glorificado.
3 o . Agora é fraco, então será poderoso. I
4 o . Agora é natural (animal), isto é, adaptado à condição
atual da alma e à constituição do m u n d o ; então será espiritual,
adaptado à condição glorificada da alma e à constituição dos
"novos céus e nova terra". 1
O versículo 50 declara simplesmente que "a carne e o i
s a n g u e " , isto é, a atual c o n s t i t u i ç ã o c o r r u p t í v e l , f r a c a e
depravada do corpo, "não podem herdar (ou possuir) o reino
de Deus". C o n t u d o , a passagem tomada globalmente ensina
com clareza a transformação do velho corpo, e não a substituição
por um novo.

13. Quais os fatos estabelecidos pela ciência fisiológica a res-


peito das mudanças perpétuas que se efetuam em nosso corpo atual,
e qual a relação em que estes fatos estão com esta doutrina ?
Por um processo contínuo de assimilação do material novo
e de excreção do velho, as partículas que compõem o nosso
corpo m u d a m sem cessar desde o nosso nascimento até à nossa
m o r t e , e f e t u a n d o , segundo se tem c o m p u t a d o , u m a subs-
tituição de todos os átomos do corpo inteiro de sete em sete
anos. Não haverá, pois, no organismo de um adulto, u m a só
partícula que constituísse parte da sua pessoa q u a n d o era
m e n i n o , e no corpo de um h o m e m velho não haverá nada
daquilo que l h e p e r t e n c i a q u a n d o era de idade m e d i a n a .
D e s d e a m e n i n i c e até à velhice o corpo está sujeito univer-
salmente a grandes mudanças de tamanho, forma, expressão,

786
A Ressurreição

condição, e sofre diversas vezes u m a m u d a n ç a total das suas


partículas constitutivas. T u d o isso é certo; mas não é m e n o s
certo que, apesar de todas essas m u d a n ç a s , o h o m e m possui o
m e s m o e idêntico corpo desde a juventude até à velhice. Isso
p r o v a q u e , n e m a i d e n t i d a d e do m e s m o h o m e m d e s d e a
juventude até à velhice, n e m a identidade do nosso corpo atual
c o m o da r e s s u r r e i ç ã o , c o n s i s t e m em s e r e m as m e s m a s
partículas. Se estamos certos da nossa identidade n u m caso,
não é necessário tropeçar nas dificuldades do outro.

14. Qual a objeção contra esta doutrina que se baseia no fato


conhecido da dispersão das partículas do nosso corpo depois da morte,
e também no da sua assimilação por outros organismos?
No i n s t a n t e em que o p r i n c í p i o de vida e n t r e g a os
elementos do corpo ao domínio exclusivo das leis de afinidade
química, dissolvem-se as combinações atuais e espalham-se
no espaço os elementos, que, por sua vez, outros animais e
organismos vegetais t o m a m e assimilam. Assim, as m e s m a s
partículas f o r m a m , no decurso do tempo, parte dos corpos de
m i r í a d e s d e h o m e n s , nos p e r í o d o s sucessivos d o desen-
volvimento dos indivíduos e em gerações sucessivas. Por isso
tem-se objetado contra a d o u t r i n a bíblica da ressurreição do
corpo, alegando que será impossível d e t e r m i n a r a qual dos
m i l h a r e s d e c o r p o s d e q u e essas p a r t í c u l a s f o r m a r a m
alternadamente uma parte, elas serão atribuídas na ressurreição;
e que será impossível também vestir cada alma com seu próprio
corpo, p o r haverem muitos corpos tido parte nos elementos
constitutivos de cada um. Nós respondemos que a identidade
c o r p o r a l n ã o c o n s i s t e n o fato d e s e r e m suas p a r t í c u l a s
constitutivas sempre as mesmas. Veja acima, Perg. 13. Exata-
m e n t e assim c o m o Deus, por meio do nosso c o n h e c i m e n t o
i n t e r i o r , n o s t e m r e v e l a d o que o nosso c o r p o , apesar de
m u d a d o s muitas vezes os seus elementos constitutivos, são
idênticos desde a meninice até à velhice, assim t a m b é m , com
igual clareza e racionalidade, nos tem revelado, por meio da

787
Capítulo 38

Sua Palavra inspirada, que o nosso corpo ressuscitado em


glória será idêntico ao nosso corpo semeado em desonra, apesar
de p o d e r e m ter se espalhado até aos confins do m u n d o as suas
partículas constitutivas.

15. Que é essencial para a identidade?


/

I o . "E evidente que em casos diversos a identidade depende


de condições diversas. A i d e n t i d a d e de u m a p e d r a ou de
qualquer outra matéria não constituída organicamente consiste
em sua substância e em sua forma. Por outro lado, a identidade
de u m a planta, desde a semente até ao seu completo desen-
volvimento, é em grande parte independente de serem sempre
as mesmas sua substância e sua forma. Neste caso, a identidade
parece consistir no fato de ser cada planta um só todo consti-
tuído organicamente, e na c o n t i n u i d a d e da sucessão de seus
elementos e de suas partes. A identidade de um quadro não
depende de serem sempre as mesmas as partículas da matéria
colorida de que é composto, porque podemos imaginar que
essas m u d a m c o n t i n u a d a m e n t e , porém depende do desenho,
das cores, das partes claras e escuras, da expressão da idéia
que nele se acham incorporadas, etc.
2 o . "A identidade corporal não é conclusão inferida de u m a
comparação ou combinação de outros fatos, mas é em si mesmo
um só fato irredutível da consciência íntima. A criança, o
selvagem e o filósofo, todos têm igual certeza de que os seus
corpos são os mesmos nos diversos períodos da sua vida, e todos
têm, para a sua certeza, os mesmos f u n d a m e n t o s . Essa convic-
ção intuitiva, assim como não é resultado da ciência, assim
t a m b é m não tem a obrigação de dar conta de si à ciência, ou,
por outra, não temos mais obrigação de explicar isso antes de
crê-lo do que temos de explicar qualquer outro dos simples
dados da nossa consciência, i •
3 o . "A ressurreição do nosso corpo, posto que seja fato certo
da revelação, é para nós um fato do qual não temos experiência,
um f e n ô m e n o não observado. É impossível, pois, que

788
A Ressurreição

compreendamos agora as condições físicas da identidade do nosso


"corpo espiritual" com o nosso "corpo animal", p o r q u e não
temos n e m a experiência, n e m a observação, n e m a revelação
dos fatos que tal c o n h e c i m e n t o envolve. Os seguintes pontos,
p o r é m , são certos, quanto ao resultado - (1) O corpo da ressur-
r e i ç ã o será tão e s t r i t a m e n t e i d ê n t i c o ao c o r p o c o m que
m o r r e r m o s quanto este é idêntico ao corpo com que nascemos.
(2) Cada alma terá o c o n h e c i m e n t o intuitivo e indubitável de
que o seu novo corpo é idêntico ao velho. (3) Cada amigo
reconhecerá as características individuais da alma na expressão
p e r f e i t a m e n t e transparente do novo corpo - Dr. H o d g e .

16. Até onde os judeus sustentaram a doutrina da ressurreição


do corpo ?
Com exceção de algumas seitas heréticas, c o m o a dos
saduceus, os j u d e u s s u s t e n t a r a m essa d o u t r i n a no m e s m o
sentido em que nós a sustentamos. Isso é evidente -
I o . Porque é claramente revelada em seus escritos inspi-
rados. Veja acima, Perg. 2.
2 o . E afirmada em seus escritos não inspirados - Sabed.
3:6,13; 4:15; 2 Mac. 7:9,14,23,29.
3 o . Cristo, em vez de provar essa doutrina em Seus dis-
cursos, fala dela como já r e c o n h e c i d a - Luc. 14:14; João
5:28,29.
4 o . Paulo afirma que tanto os judeus antigos (Heb. 11:35)*
c o m o os seus c o n t e m p o r â n e o s (Atos 24:15) c r i a m nessa
doutrina.

17. Na Igreja Cristã, quais antigas seitas heréticas rejeitaram


a doutrina da ressurreição do corpo?
Todas as seitas que t i n h a m a designação genérica de

* Tanto Hodge como Calvino admitiam a autoria paulina de Hebreus. Em


geral o protestantismo tem preferido deixar aberta essa questão, pre-
dominando a idéia de que Paulo não é o seu autor. Nota de Odayr Olivetti.

789
Capítulo 38

g n ó s t i c a s e q u e , d e b a i x o de d i v e r s o s n o m e s específicos,
incorporaram em sua doutrina o f e r m e n t o da filosofia oriental
que infeccionou a Igreja Cristã d u r a n t e muitos séculos, desde
os seus primeiros dias, criam: I o . Que a matéria é essencial-
m e n t e má e constitui a origem de todo pecado e de toda a
miséria para a alma; 2 o . Q u e a santificação perfeita é consu-
m a d a u n i c a m e n t e na dissolução do corpo e na emancipação
da alma; 3 o . Que, por conseguinte, qualquer ressurreição lite-
ral do corpo é r e p u g n a n t e ao espírito e destruiria o propósito
global do evangelho.

18. Qual é a doutrina ensinada por Swedenborg sobre este


assunto?
Em substância, é a mesma que o professor Bush expõe
em seu outrora célebre livro Anasthasia. Eles ensinam que o
corpo literal é dissolvido e afinal perece (deixa de existir, é
destruído, desaparece) na morte. Mas que, por u m a lei sutil da
nossa natureza, é elaborado um corpo etéreo e l u m i n o s o da
psyqué (a sede da sensibilidade nervosa, que ocupa (ou f o r m a )
o elo intermediário entre a matéria e o espírito), de maneira
que a alma não sai do seu tabernáculo de carne como u m a
mera capacidade de pensar, porém é imediatamente revestida
desse corpo psíquico. Esta ressurreição do corpo, ensinam eles,
ocorre em todos os casos no m o m e n t o da morte e a c o m p a n h a
a alma que sai. VejaReligion andPhilosophy of Swedenborg, por
TheophilusParsons. .

19. Como explicam os racionalistas modernos as passagens das


Escrituras que dizem respeito a essa doutrina?
Explicam-nas de modo que dela nada fica, negando seu
sentido claro e dizendo: I o . Q u e são modos p u r a m e n t e alegó-
ricos de ensinar a verdade da existência contínua da alma depois
da morte; ou, 2 o . Que são concessões feitas aos preconceitos e
superstições dos judeus.

790
39

O Segundo Advento e o Juízo Geral

1. Qual é o significado das expressões "a vinda" e "o dia do


Senhor"f como empregadas tanto no Velho como no Novo Testa-
mento?
I o . Q u a l q u e r manifestação especial da presença ou do
poder de D e u s - João 14.18,23; Is. 13.6; Jer. 46.10.
2 o . São empregadas, por via de proeminência: (1) No Velho
Testamento, para exprimir a vinda de Cristo em carne e a
ab-rogação da economia judaica - Mal. 3.2; 4:5. (2) No Novo
Testamento, para exprimir a segunda e definitiva vinda de
CrÍStO. ... .
Os diversos termos que se referem a este ú l t i m o grande
evento são: Io. Apokálypsis, apocalipse, revelação - 1 Cor. 1:7;
2Tess. 1:7; 1 Ped. 1:7,13; 4:13. 2°.Parousía, presença, advento
- Mat. 24:3,27,37,39; 1 Cor. 15:23; 1 Tess. 2:19; 3:13; 4:15;
5:23; 2 Tess. 2:1,8; Tia. 5:7,8; 2 Ped. 1:16; 3:4,12; 1 João 2:28.
3 o . Epifáneia, aparição, aparecimento, manifestação - 2 Tess.
2:8; 1 T i m . 6:14; 2 T i m . 4:1,8; Tito 2:13.
O t e m p o daquela vinda é chamado: "o dia de D e u s " e "o
dia do S e n h o r " - 2 Ped. 3:12; 1 Tess. 5:2; "o dia de nosso
Senhor Jesus Cristo" - 1 Cor. 1:8; Fil. 1:6,10; 2 Ped. 3:10;
"aquele dia" - 2 Tess. 1:10; 2 T i m . 1:12,18; "o ú l t i m o dia" -
João 6:39-54; "o grande dia", "o dia da ira", "do juízo" e "da
revelação" - Judas, vers. 6, Apoc. 6:17; Rom. 2:5; 2 Ped. 2:9.
Cristo é c h a m a d o o erqómenos, o vindouro, o que há de
vir, "o que vem", com referência aos dois adventos - Mat. 21:9;

791
Capítulo 39

Luc. 7:19,20; 19:38; João 3:31; Apoc. 1:4; 4:8; 11:17.

2. Que provas podem ser apresentadas de que a Bíblia ensina


um advento literal e pessoal de Cristo ainda futuro?
I o . A analogia do primeiro advento. Tendo sido cumpridas
literalmente por u m a vinda pessoal as profecias que a Ele se
referiam, p o d e m o s estar certos de que serão c u m p r i d a s no
m e s m o sentido as profecias inteiramente semelhantes que se
referem ao segundo advento.
2 o . A linguagem de Cristo p r e d i z e n d o tal advento não
admite outra interpretação racional. A vinda, sua maneira e o
fim visado nela são todos definidos. Ele virá acompanhado de
uma multidão celeste, com poder e em grande glória. Virá na
ocasião da ressurreição e do juízo gerais e com o fim de
consumar Sua obra medianeira peia condenação e perdição
finais de todos os Seus inimigos e pelo r e c o n h e c i m e n t o e
completa glorificação de todos os Seus amigos - Mat. 16:27;
24:30; 25:31; 26:64; Mar. 8:38; Luc. 21:27.
3 o . Os apóstolos entenderam que essas predições diziam
respeito a um advento literal e pessoal de Cristo. A seus discípu-
los os apóstolos ensinaram que formassem o hábito de olhar
para esse advento como um motivo solene para que fossem
fiéis, e para operar neles animação e resignação em suas prova-
ções. E n s i n a r a m também que essa vinda de Cristo será visível
e gloriosa, e que será acompanhada da ab-rogação da presente
dispensação evangélica, da destruição dos Seus inimigos, da
glorificação dos Seus amigos, da conflagração do m u n d o e do
s u r g i m e n t o de "novos céus e nova terra". Veja as passagens
citadas no capítulo anterior, e Atos 1:11; 3; 19-21; 1 Cor. 4:5;
11:26; 15:23; H e b . 9:28; 10:37 - Dr. H o d g e emLectures.

3. Quais os três modos de interpretação adotados em referência


a Mateus, capítulos 24 e 25?
/

"E de notar que estes capítulos contêm respostas a três


perguntas distintas.

792
O Segundo Advento.

" I a . Q u a n d o seriam destruídos o templo e a cidade.


"2 a . Quais seriam os sinais da v i n d a de Cristo.
"3 a . A terceira pergunta refere-se ao fim do m u n d o . A
dificuldade está na separação das partes da resposta concer-
nentes a cada u m a destas perguntas. Há três métodos adotados
para a explicação destes capítulos. (1) O p r i m e i r o e n t e n d e que
eles se referem exclusivamente ao d e r r u b a m e n t o do Estado e
da religião judaicos e ao e s t a b e l e c i m e n t o e p r o g r e s s o do
evangelho. (2) O segundo e n t e n d e que aquilo que se diz ali
c u m p r i u - s e em certo sentido na destruição de Jerusalém, e se
c u m p r i r á n u m sentido superior no ú l t i m o dia. (3) O terceiro
s u p õ e q u e a l g u m a s partes r e f e r e m - s e e x c l u s i v a m e n t e a o
p r i m e i r o desses eventos, e outras partes exclusivamente ao
/

segundo. E claro que a primeira destas três teorias é insus-


t e n t á v e l , e q u e r se a d o t e a s e g u n d a , q u e r a t e r c e i r a , as
dificuldades que se e n c o n t r a m nestes capítulos não devem
l e v a r - n o s a r e j e i t a r o e n s i n o claro e c o n s t a n t e do N o v o
Testamento a respeito do segundo advento pessoal e visível do
F i l h o de D e u s " - D r . Hodge. , .

4. Em quais passagens se declara que não é conhecido o tempo


do segundo advento de Cristo?
Mat. 24:36; Mar. 13:32; Luc. 12:40; Atos 1:6,7; 1 Tess.
5:1-3; 2 Ped. 3:3,4,10; Apoc. 16:15.

5. Quais as passagens geralmente citadas para provar que os


apóstolos esperavam que o segundo advento aconteceria durante
a vida deles?
Fil. 1:6; 1 Tess. 4:15; H e b . 10;25; 1 Ped. 1:5; Tia. 5:8.

6. Como se pode mostrar que eles não tinham essa expectação?


I o . Os apóstolos, como indivíduos, em não se tratando do
seu ofício público como mestres inspirados, estavam sujeitos
aos preconceitos c o m u n s do seu século e da sua nação, e só
gradativamente chegaram ao pleno conhecimento da verdade.

793
Capítulo 39

D u r a n t e a vida de Cristo eles esperavam que Ele estabelecesse


o Seu reino em sua glória naquele tempo, Luc. 24:21;e depois
da Sua ressurreição a primeira pergunta que L h e fizeram foi:
"Senhor, será este o t e m p o em que restaures o reino a Israel?"
- Atos 1:6.
2 o . Em seus escritos inspirados os apóstolos n u n c a ensi-
n a r a m que a segunda vinda do Senhor haveria de acontecer
d u r a n t e a vida deles, n e m a qualquer t e m p o determinado.
E n s i n a r a m s o m e n t e (1) que devemos desejá-la habitualmente,
e (2) que, por ser i n d e t e r m i n a d a quanto ao tempo, deve ser
sempre considerada como iminente.
V

3 o . A m e d i d a que lhes foram concedidas revelações mais


completas, eles a p r e n d e r a m e ensinaram explicitamente que
não s o m e n t e era incerto o t e m p o do segundo advento, mas
t a m b é m que antes dele aconteceriam muitos eventos, então
a i n d a f u t u r o s , e.g., a apostasia a n t i c r i s t ã , a p r e g a ç ã o do
evangelho a todas as nações, a plenitude dos gentios, a conversão
dos judeus, a prosperidade milenária da Igreja e a destruição
final (da presente ordem de coisas) - Rom. 11:15-32; 2 Cor.
3:15,16; 2 Tess. 2:3. Isso está claro, m e s m o porque se declara
que a vinda de Cristo será acompanhada da ressurreição dos
mortos, do juízo geral, da conflagração geral e da restituição
(ou renovação) de todas as coisas. Veja abaixo, logo a seguir.

7. Qual a doutrina bíblica a respeito do milênio?


I o . As Escrituras, tanto do Velho como do Novo Testa-
mento, revelam claramente que o evangelho há de ainda exercer
u m a influência sobre todos os ramos da família h u m a n a , m u i t o
m a i o r e m a i s t r a n s f o r m a d o r a do que a que exerceu em
q u a l q u e r t e m p o passado. Esse r e s u l t a d o será c o n s e g u i d o
m e d i a n t e a presença espiritual de Cristo nas dispensações
comuns da Providência e nas ministrações da Sua Igreja - Mat.
13:31,32; 28:19,20; Sal. 2:7,8; 22:28,29; 72:8,11; Is. 2:2,3;
11:6,9; 60:12; 66:23; Dan. 2:35,44; Zac. 9:10; 14:9; Apoc.
11:15.

794
O Segundo Advento..

2 o . O período dessa prevalência do evangelho deve d u r a r


mil anos e por isso é c h a m a d o m i l ê n i o - Apoc. 20:2-7.
3 o . Os judeus serão convertidos ao cristianismo no começo
ou d u r a n t e o decorrer desse período - Zac. 12:10; 1 3 ; l ; R o m .
11:26-29; 2 Cor. 3:15,16.
4 o . No fim desses mil anos e antes da vinda de Cristo haverá
um t e m p o relativamente curto de apostasia e de conflitos en-
tre os reinos da luz e das trevas - Luc. 17:26-30; 2 Ped. 3:3,4;
Apoc. 20:7-9.
5 o . O advento de Cristo, a ressurreição geral e o juízo final
ocorrerão s i m u l t a n e a m e n t e , e serão seguidos i m e d i a t a m e n t e
pela conflagração do velho céu e da velha terra e pela revelação
de novos céus e nova terra - Conf. de Fé, Caps. 32 e 33.

8. Qual a teoria dos que sustentam que a vinda de Cristo será


"premilenária" *, e que Ele reinará pessoalmente na terra durante
mil anos antes do Juízo?
I o . M u i t o s dos judeus, cometendo erro total q u a n t o ao
caráter espiritual do reino do Messias, criam que, assim como
a Igreja t i n h a existido dois mil anos antes de se lhe dar a Lei,
assim também haveria de existir dois mil anos debaixo da Lei,
que o Messias começaria então o Seu reino pessoal, e que este,
p o r sua vez, haveria de continuar dois mil anos, até ao começo
do dia eterno do Senhor. Eles esperavam que o Messias reinaria
visível e gloriosamente em Jerusalém, como capital, sobre
todas as nações do m u n d o , e que os judeus, como Seu povo
escolhido, seriam exaltados à maior dignidade e gozariam de
privilégios proeminentes.
2 o . Os "pais" apostólicos do ramo judaico-cristão da Igreja
- Barnabé, H e r m e s , Papias e outros - adotaram essa opinião.

* Popularmente se empregam os termos "milenista", "premilenista", etc.


Em português o certo é como está no texto acima, o que se aplica aos seus
cognatos. As vezes cedemos àquelas formas, por amor do leitor comum.
Nota de Odayr Olivetti.

795
Capítulo 39

Permaneceu geralmente na Igreja desde o ano de 150 até ao de


250, sendo defendida por Irineu e Tertuliano. Depois desse
t e m p o a doutrina ensinada neste capítulo tem sido a d o u t r i n a
g e r a l m e n t e r e c o n h e c i d a p o r toda a Igreja, ao passo que o
milenarismo ou quilianismo tem se limitado a indivíduos e
partidos transitórios. Seus defensores f u n d a v a m sua doutrina
na interpretação literal de Apoc. 20:1 -10, e sustentavam - (1)
Que, depois do desenvolvimento da apostasia anticristã, n u m
tempo d e t e r m i n a d o de muitos e diversos modos, Cristo viria
s u b i t a m e n t e e começaria Seu reino pessoal de mil anos em
Jerusalém. Os que tivessem morrido em Cristo (alguns, porém,
diziam que só os mártires) ressuscitariam então e reinariam
com Ele na terra, a maioria de cujos habitantes estaria con-
vertida, e viveria durante esse período em grande prosperidade
e felicidade, sendo convertidos durante esse tempo t a m b é m
os judeus, que seriam todos reunidos em seu próprio país. (2)
Que, depois dos mil anos, viria por um curto espaço de tempo
a apostasia final, que seria seguida da ressurreição dos demais
mortos, isto é, os maus, seguida do seu julgamento e con-
denação no último dia, da conflagração final e dos novos céus
e nova terra.
3 o . Os premilenaristas modernos, conquanto difiram
entre si sobre os pormenores das suas interpretações, con-
c o r d a m s u b s t a n c i a l m e n t e com a teoria acima exposta.
C h a m a m - s e premilenaristas porque crêem que o advento de
Cristo acontecerá antes do milênio.

9. Quais os principais argumentos contra o premilenarismo?


1 0 . É evidentemente judaica em sua origem e em suas
tendências.
2 o . Não concorda com o que as Escrituras e n s i n a m , (1)
Q u a n t o à natureza do reino de Cristo, e.g., (a) que não é deste
m u n d o , e sim, espiritual, Mat. 13:11-44; João 18:36; Rom.
14:17; (b) que não se limita aos judeus, Mat. 8:11,12; (c) que
a regeneração é a condição de admissão a ele, João 3:3,5;

796
O Segundo Advento..

(d) q u e as bênçãos do Reino são p u r a m e n t e espirituais, s e n d o


o perdão, a santificação, etc., Mat. 3:2,11; Col. 1:13,14. (2)
Q u a n t o ao fato de que o reino de Cristo já veio. D e s d e a Sua
ascensão até agora Ele está assentado sobre o trono do patriarca
D a v i - A t o s 2:29-36; 3:13-15; 4:26-28; 5:29-31; H e b . 10:12,13;
Apoc. 3:7-12. Segue-se que as profecias do Velho Testamento
que p r e d i z e m este reino referem-se à presente dispensação da
graça, e n ã o a um reino f u t u r o de Cristo exercido p o r Sua
própria Pessoa entre os h o m e n s em carne na terra.
3 o . O s e g u n d o advento não se dará antes da ressurreição,
q u a n d o todos os mortos, tanto m a u s c o m o bons, ressuscitarão
ao m e s m o t e m p o - D a n . 12:2; João 5:28,29; 1 Cor. 15:23; 1
Tess. 4:16; Apoc. 20:11,15. Há s o m e n t e u m a passagem (Apoc.
20:1-10) que, na aparência, dá a impressão de que está em
desarmonia com o fato aqui afirmado. Para a verdadeira inter-
pretação dessa passagem, veja a p e r g u n t a subseqüente.
4 o . O s e g u n d o advento não se dará antes do julgamento de
todos os h o m e n s , dos b o n s e dos m a u s juntos - Mat. 7:21-23;
13:30-43; 16:24,27; 25:31-46; R o m . 2:5,16; 1 Cor. 3:12-15; 2
Cor. 5:9-11; 2 Tess. 1:6-10; Apoc. 20:11-15.
5 o . O segundo advento será a c o m p a n h a d o da conflagração
geral e da geração de "novos céus e nova terra" - 2 Ped. 3:7-13;
Apoc. 20:11; 21:1. Brown, sobre o segundo advento.

10. Quais considerações favorecem a interpretação espiritual


e se opõem à interpretação literal do Apocalipse 20:1-10?
Eis a interpretação espiritual desta difícil passagem: Cristo
tem em reserva para a Sua Igreja u m a época de expansão uni-
versal e de imensa prosperidade espiritual, q u a n d o o espírito
e o caráter do " n o b r e exército dos mártires" tornará a ser
p r o d u z i d o , d e u m m o d o n u n c a visto, n a grande m u l t i d ã o
c o m p o n e n t e do povo de Deus, e q u a n d o esses mártires, na
vitória geral da sua causa e no derrubamento dos seus inimigos,
receberão o benefício do juízo sobre os seus inimigos e reinarão
na terra; nesse período, o partido de satanás, "os outros mortos",

797
Capítulo 39

não tornarão a florescer até que sejam c u m p r i d o s os mil anos,


q u a n d o tornará a florescer por um pouco de tempo.
Considerações a favor dessa interpretação:
I a . Acha-se n u m dos livros mais figurativos ou simbólicos
da Bíblia.
2 a . Essa interpretação está em perfeito acordo com aquilo
que noutras passagens as Escrituras e n s i n a m mais explicita-
m e n t e sobre os diversos pontos envolvidos.
3 a . A m e s m a figura, isto é, a de tornar o m o r t o à vida, é
empregada muitas vezes nas Escrituras para exprimir a idéia
de revivificação espiritual da I g r e j a - I s . 26:19; Ez. 37:12-14;
Os. 6:1-3; R o m . 11:15; Apoc. 11:11.
C o n s i d e r a ç õ e s contrárias à i n t e r p r e t a ç ã o literal dessa
passagem:
I a . A pretensa d o u t r i n a de duas ressurreições, p r i m e i r o a
dos justos e, depois de um intervalo de mil anos, a dos maus,
não se acha ensinada em n e n h u m a outra parte da Bíblia, e essa
única passagem em que (aparentemente) se encontra é pouco
clara. Este é um forte pressuposto contra a veracidade da
doutrina contra a qual nos opomos.
2 a . Está em desacordo com o que as Escrituras e n s i n a m
u n i f o r m e m e n t e quanto à natureza do corpo da ressurreição,
isto é, que será "espiritual", não "animal", n e m de "carne e
s a n g u e " - 1 Cor. 15:44. C o n t r a r i a m e n t e a esse e n s i n o das
Escrituras, constitui parte essencial da doutrina associada à
interpretação literal da referida passagem, que os santos, ou ao
m e n o s os mártires, deverão ressurgir e reinar c o m Cristo
d u r a n t e mil anos em sua carne e neste m u n d o , como este se
acha constituído presentemente.
3 a . A interpretação literal dessa passagem contradiz o claro
e u n i f o r m e ensino das Escrituras de que todos os mortos, b o n s
e maus, ressurgirão e serão julgados juntos (ou concomitante-
mente) por ocasião da segunda vinda de Cristo e da completa
subversão da presente ordem da criação. Veja os t e s t e m u n h o s
bíblicos r e u n i d o s sob a pergunta anterior.

798
O Segundo Advento..

11. Como se pode mostrar que a futura conversão dos judeus é


ensinada nas Escrituras?
Isso Paulo, em Romanos 11:15-29, não s o m e n t e assevera,
p o r é m t a m b é m prova pelas profecias do VelhoTestamento,
e.g., Is. 59:20; Jer. 31:31. Veja também Zac. 12:10; 2Cor. 3:15,16.

12. Como expor os argumentos a favor e contra a opinião de


que os judeus seriam reconduzidos a seu próprio país?
A r g u m e n t o s a favor dessa restauração ou recondução:
I o . O sentido literal de muitas profecias do Velho Testa-
m e n t o - I s . 11:11,12; Jer. 3:17; 16:14,15; Ez. 20:40-44; 34:11-
31; 36:1-36; Os. 3:4,5; Amós 9:11-15; Zac. 10:6-10; 14:1-20;
3: 1-17.
2 o . Q u e o território p r o m e t i d o por D e u s a Abraão n u n c a
foi t o t a l m e n t e possuído, Gên. 15:18-21; N ú m . 34:6-12, e a
promessa foi repetida por boca de Ezequiel, 47:1-23.
3 o . O país, posto que possa s u s t e n t a r u m a p o p u l a ç ã o
imensa, está agora pouco ocupado, e v i d e n t e m e n t e à espera de
habitantes. Veja Keixh,Land ofIsrael*
4 o . Os judeus, embora espalhados entre todas as nações,
têm sido preservados miraculosamente como um povo separado
e e v i d e n t e m e n t e à espera de um d e s t i n o tão assinalado e
peculiar como tem sido a sua história.
A r g u m e n t o s contra a sua restauração ou recondução ao
país de seus pais:
I o . O N o v o Testamento absolutamente nada diz sobre tal
r e s t a u r a ç ã o , e isso seria u m a o m i s s ã o inexplicável nessa
revelação mais clara, se esse evento estivesse realmente no
porvir.
2°. A interpretação literal das profecias do Velho Testa-
m e n t o que dizem respeito a esta questão seria m u i t o forçada -
(1) Porque, para que a interpretação seja conseqüente, é preciso

* Hodge escreveu no fim do séculol9; a reocupação da Palestina por Israel


deu-se oficialmente a partir de 1948. Nota de Odayr Olivetti.

799
Capítulo 39

que seja literal em todas as suas partes. Seguir-se-ia então que


o próprio Davi há de ser ressuscitado para reinar pessoal-
mente em Jerusalém, Ez. 37:24, etc.; que há de ser restabelecido
do o sacerdócio levítico, e serão oferecidos sacrifícios cruentos
a Deus, Ez., capítulos 40 a 46; Jer. 17:25,26; que Jerusalém há 1
de ser o centro do governo, que os judeus hão de constituir I
u m a classe superior na Igreja Cristã e que dos confins da
terra h ã o de ir, semana após semana, todos os adoradores
prestar culto na cidade santa - Is. 2.2,3; 66.20-23; Zac. 14:16-
21. (2) P o r q u e essa interpretação conduz ao restabelecimento
de todo o sistema ritual dos judeus e está em desacordo com a
espiritualidade do reino de Cristo. Veja acima, Perg. 9. (3)
P o r q u e essa interpretação está em desacordo com o que o
Novo Testamento ensina claramente a respeito da abolição de
todas as distinções entre judeu e gentio: os judeus, q u a n d o
convertidos, tornarão a ser enxertados na mesma Igreja - Rom.
6:19-24; Ef. 2:13-19. (4) Porque essa interpretação está em
desacordo c o m o que o Novo Testamento ensina q u a n t o ao
desígnio temporário, à insuficiência virtual e à abolição final
do sacerdócio levítico e seus sacrifícios, e q u a n t o à suficiência
infinita do sacrifício de Cristo e à eternidade do Seu sacer-
d ó c i o - G á l . 4:9,10; 5:4-8; Col. 2:16-23; Heb. 7:12-18; 8.7-13;
9:1-14.
3 o . Por outro lado, a interpretação espiritual dessas profecias
do Velho Testamento - interpretação que as considera como
predições da pureza e da extensão futuras da Igreja Cristã,
indicando estes assuntos espirituais por meio das pessoas, dos
lugares e dos ritos da antiga economia que eram tipos deles - é
natural c t a m b é m está de acordo com a analogia das Escrituras.
No Novo Testamento os cristãos são chamados semente de
Abraão, Gál. 3:29; israelitas, Gál. 6:16; Ef. 2:13,19; os que
chegam ao m o n t e de Sião, H e b . 12:22; cidadãos da Jerusa-
lém celeste, Gál. 4:26; a circuncisão, Fil. 3:3; Gál. 2:11, e em
Apoc. 2:9 são chamados judeus. Há também um sacerdócio
cristão e um sacrifício espiritual -1 Ped. 2:5,9; Heb. 13:15,16;

800
O Segundo Advento...

Rom. 12:1. Veja Fairbairn, Typology Appendix^ Vol. 1.


.. . . . > ->

13. Quem será o juiz do mundo?


Jesus Cristo, em Seu caráter oficial como Mediador, em
Suas duas naturezas, como o Deus-homem. Isso é evidente -
I o porque, em Mat. 25:31,32 o Juiz é chamado "Filho do
homem", e em Atos 17:31, "o varão que (Deus) destinou".
2 o . Porque as Escrituras declaram que Deus "deu ao Filho
todo o juízo" e "o poder de exercer o juízo" - João 5:22,27.
3 o . P o r q u e , como M e d i a d o r , c a b e - L h e aperfeiçoar,
completar e manifestar publicamente a salvação do Seu povo
e a destruição dos Seus inimigos, junto com a gloriosa justiça
da Sua obra a respeito de uns e outros, 2 Tess. 1:7-10; Apoc.
1:7; e efetuar, assim, "a restauração de tudo" - Atos 3:21. E
isso Ele fará pessoalmente, para que se torne mais manifesta a
Sua glória, seja maior a humilhação dos seus inimigos vencidos,
e sejam mais completas as esperanças e o regozijo dos Seus
remidos.

14. Quem será julgado?


I o . A raça inteira de Adão, sem nenhuma exceção, de todas
as gerações, condições e caracteres, devendo comparecer cada
indivíduo na inteireza da sua pessoa, "corpo, alma e espírito".
Os mortos serão ressuscitados e os vivos serão transformados
simultaneamente-Mat. 25:31-46; 1 Cor. 15:51,52; 2 Cor. 5:10;
1 Tess. 4:17; 2 Tess. 1:6-10; Apoc. 20:11-15.
2 o . Todos os anjos maus - 2 Ped. 2:4; Jud., vers. 6. Os anjos
bons estarão presentes como assistentes e ministros - Mat.
13:41,42.

15. Em que sentido se diz que os santos julgarão o mundo?


Veja Mat. 19:28; Luc. 22:29,30; 1 Cor. 6:2,3; Apoc. 20:4.
Em virtude da união dos crentes com Cristo, a vitória e o
domínio dEle são deles. São co-herdeiros com Ele, e, se
sofrerem com Ele também reinarão com Ele - Rom. 8:17;

801
Capítulo 39

2 Tim. 2:12. Ele julgará e condenará os Seus inimigos como


Cabeça e Campeão da Sua Igreja, e todos os Seus membros
darão assentimento ao Seu juízo e se gloriarão em seu triunfo
- Apoc. 19:1-5. Hodge, Comm. on First Corinthians. (Comentário
de 1 Coríntios).

16. Mediante qual princípio será exercido o Seu juízo?


Em Apocalipse (20:12) o Juiz é representado figurada-
mente como, segundo a analogia dos tribunais humanos,
abrindo "os livros" (conforme as coisas escritas neles os mortos
deverão ser julgados), e também "outro livro", que é o "da
vida". Os livros mencionados primeiro sem dúvida repre-
sentam em figura a Lei ou o padrão segundo o qual cada um
deverá ser julgado e os fatos que lhe dizem respeito, ou "as
suas obras". O "livro da vida" (veja também Fil. 4:3; Apoc.
3:5; 13:8; 20:15) é o livro do eterno amor de Deus, que O levou
a escolher os Seus. Aqueles cujos nomes se acharem escritos
no "livro da vida" serão declarados justos por terem parte na
justiça de Cristo. A respeito de suas boas obras, porém, e do
seu caráter santo, será declarado que são as provas da sua eleição,
da sua relação com Cristo, e da gloriosa obra efetuada neles
por C r i s t o - M a t . 13:43; 25:34-40. -;
Aqueles cujos nomes não se acharem escritos no "livro da
vida" serão condenados por motivo das más obras que
praticaram estando no corpo, julgadas segundo a lei de Deus,
não como aprouve a cada um imaginar essa Lei, e sim como
foi mais ou menos claramente revelada a cada um pelo Juiz. O
gentio que pecou sem a Lei escrita, sem a Lei será julgado,
isto é, será julgado pela "obra da lei escrita em seu coração"
fazendo-se ele mesmo lei para si - Luc. 12:47,48; Rom. 2:12-
15. O judeu que pecou, tendo a Lei, "com a lei será julgado" -
Rom. 2:12. Cada indivíduo que vive sob a luz da revelação
cristã será julgado em estrita conformidade com toda a vontade
de Deus, como esta lhe foi revelada, sendo também modificada
a responsabilidade individual de cada um por todas as

802
O Segundo Advento..

vantagens especiais de qualquer gênero que cada qual gozou -


Mat. 11:20-24; João 3:19.
Os segredos de todos os corações, o estado interno de cada
um e os mais bem ocultos motivos de suas ações, bem como
estas mesmas, tudo isso será apresentado como matéria de
julgamento, Ecl. 12:14; 1 Cor. 4:5, e será declarado publica-
mente para vindicar a justiça do Juiz e tornar manifesta a
vergonha à qual será levado o pecador - Luc. 8:17; 12:2,3;
Mar. 4:22. Se os pecados dos santos serão ou não apresentados
no Juízo é ponto não decidido pelas Escrituras, embora seja
muito discutido por certos teólogos. Se forem apresentados,
temos a certeza de que será feito isso u n i c a m e n t e com a
finalidade de aumentar a glória do Salvador e a consolação
dos salvos.

17. Que revelam as Escrituras a respeito da futura conflagração


da nossa terra ?
As principais passagens que dizem respeito a esse ponto
são: Sal. 102:26,27; Is. 51:6; Rom. 8:19-23; Heb. 13:26,27; 1
Ped. 3:10-13; Apoc., capítulos 20 e 21.
Muitos dos teólogos antigos foram de opinião que essas
passagens indicam que devia ser destruído inteiramente o
universo físico que agora existe. Mas essa idéia foi abandonada
universalmente. Houve também quem afirmasse que esta terra
haveria de ser aniquilada.
A opinião mais comum e provável é que na "restauração
de tudo", Atos 3:21, a terra e sua atmosfera serão expostos a
um calor intenso, que mudará radicalmente sua atual condição
física, produzindo em lugar da presente ordem de coisas uma
ordem superior, que aparecerá como "novos céus e nova terra",
nos quais "a mesma criatura será libertada da servidão da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus", Rom.
8:19-23, e nos quais a constituição do novo m u n d o estará
adaptada aos corpos "espirituais" dos santos, 1 Cor. 15:44, para
ser o teatro da sociedade celeste, e sobretudo o templo e palácio

803
Capítulo 39

do D e u s - h o m e m para sempre - Ef. 1:14; Apoc. 5:9,10; 21:1-5.


Veja t a m b é m Fairbairn, Typology, Vol. 1, Parte 2, Cap. 2,
Seção 7.

18. Qual deve ser o efeito moral da doutrina bíblica do segundo


advento de Cristo? • 'l
Deve ser um consolo para os cristãos em suas tristezas e
um estímulo para que cumpram seus deveres - Fil. 3:20; Col.
3:4,5; Tia. 5:7; 1 João 3:2,3. É também seu dever amar, vigiar e
esperar pela vinda do seu Senhor e apressar-se para ela - Luc.
12:35,37; 1 Cor. 1:7,8; Fil. 3:20; 1 Tess. 1:9,10; 2 Tim. 4:8; 2
Ped. 3:12; Apoc. 22:20.
Quanro aos incrédulos, esra doutrina deve enchê-los de
apreensão e terror e levá-los ao arrependimento imediato -
Mar. 3:35,37; 2 Ped. 3:9,10; Jud., vers. 14,15. Brown, Second
Advent. V.

E X P O S I Ç Õ E S ECLESIÁSTICAS A U T O R I Z A D A S

Agostinho (De CivitateDei, 20,7) informa que já sustentara


a doutrina de um sábado milenário, mas que depois a
rejeitou, e defende a doutrina exposta neste capítulo, que
daí por diante tem sido a da igreja católica romana.
Conf. De Augsburgo, Parte 1, Art. 17: "Ensinam também
que Cristo aparecerá no fim do mundo para executar juízo,
e que ressuscitará os mortos e dará vida e felicidade eternas
aos justos eleitos, mas condenará os homens maus e os
demônios para serem atormentados para sempre. Con-
denam os anabatistas que crêem que terá fim o castigo
futuro dos homens e dos demônios perdidos. E condenam
outros que espalham opiniões judaicas, ensinando que antes
da ressurreição dos mortos os justos ocuparão o governo
do mundo e os maus estarão em sujeição em toda parte".
A Confissão Inglesa de Eduardo VI: "Os que procuram
ressuscitar a fábula dos milenaristas opõem-se às Sagradas
Escrituras e se precipitam em loucuras judaicas."

804
O Segundo Advento..

Conf. Bélgica, Art. 37: "Em último lugar, cremos, segundo


a Palavra de Deus, que o nosso Senhor Jesus Cristo voltará
corporal e visivelmente do céu, na maior glória, quando
chegar o tempo predeterminado por Deus, porém não
conhecido por nenhuma criatura, quando estiver completo
o número dos eleitos... Naquele tempo todos os que terão
morrido no mundo ressurgirão".
Conf. de Westminster, Cap. 32 e 33; Cat. Maior, Pergs. 87-
89. Estes (símbolos de fé) ensinam — 1. No último dia
haverá uma ressurreição geral, tanto dos justos como dos
injustos. 2. Todos os que estiverem vivos serão trans-
formados imediatamente. 3. Logo depois da ressurreição
acontecerá o julgamento geral e final dos homens e dos
anjos bons e maus. 4. A data desse dia e hora Deus de
propósito mantém em segredo. Nas Perguntas 53-56 ainda
nos é ensinado que a segunda vinda de Cristo só ocorrerá
no "último dia", no "fim do mundo", e que Ele virá então
"para julgar o mundo com justiça".

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805
40

O Céu e o Inferno

1. Qual o sentido em que os.termos ouranós, "céu", e tá


e p o u r á n i a , "lugares celestiaissão empregados no Novo
Testamento?
Ouranós é termo empregado principalmente em três
sentidos-
I o . A atmosfera em que voam os pássaros - Mat. 8:20;
24:30.
2 o . A região em que revolvem as estrelas. - Atos 7:42; Heb.
11:12.
3 o . A morada da natureza humana de Cristo, o teatro da
manifestação especial da glória divina e da bem-aventurança
eterna dos santos - Heb. 9:24; 1 Ped. 3:22. Este é chamado às
vezes "terceiro céu" - 2 Cor. 12:2. As frases "novos céus" e
"nova terra", em contraste com o "primeiro céu" e a "primeira
terra", 2 Ped. 3:7,13; Apoc. 21:1, referem-se a alguma mudança
não explicada, que dar-se-á na catástrofe final, quando Deus
vai revolucionar a nossa parte do universo físico, limpá-la da
mancha do pecado e prepará-la para ser morada dos bem-
-aventurados.
Quanto ao uso da frase "reino dos céus", veja acima,
Cap.27, Perg. 5.
Afrase tá epouránia é traduzida "coisas celestiais" em João
3:12, onde significa os mistérios do mundo invisível. Em Ef.
1:3; 2:6 e 6:12 é traduzida "lugares celestiais", e significa o
estado em que o crente é introduzido pela regeneração; veja

806
O Céu e o Inferno

também Ef. 1:20, onde a tradução é "nos céus". A referência é


sempre ao universo extraterreno.

2. Quais as expressões principais, tanto figuradas como literais,


empregadas nas Escrituras para designar a bem-aventurança futura
dos santos?
Expressões literais: a vida, a vida eterna - Mat. 7:14;
19:16,29; 25:46. A glória, a glória de Deus, um peso eterno
de glória - Rom. 2:7,10; 5:2; 2 Cor. 4:17. A paz - Rom. 2:10.
A salvação, a salvação eterna - Heb. 5:9". Veja Hitto, Bibi.
Encycl.
Expressões figuradas: "O Paraíso - Luc. 23:43; 2 Cor. 12:4;
Apoc. 2:7. A Jerusalém Celestial - Gál. 4:26; Apoc. 3:12. Reino
dos céus, reino celestial, reino eterno, reino preparado desde o
princípio do mundo - Mat. 25:34; 2 Tim. 4:18; 2 Ped. 1:11.
Herança eterna - 1 Ped. 1:4; Heb. 9:15. E-nos dito que osbem-
-aventurados assentam-se com Abraão, Isaque e Jacó, e que
estão no seio de Abraão, Luc. 16:22; Mat. 8:11; que reinam
com Cristo, 2 Tim. 2:11,12; que gozam um descanso sabático,
H e b . 4 : 1 1 , 1 2 " - Kitto, ibid.

3. O que nos é revelado a respeito do céu como um lugar?


Todas as representações bíblicas envolvem a idéia de um
lugar definido, bem como a de um estado de bem-aventurança.
A respeito daquele lugar, porém, nada mais nos é revelado,
senão somente que é definido pela presença local da alma e do
corpo finitos de Cristo, e que é o teatro da manifestação
proeminente da glória de D e u s - J o ã o 17:24; 2 Cor. 5:9; Apoc.
5:6.
Segundo Rom. 8:19-23; 2 Ped. 3:5-13; Apoc. 21:1, parece
provável que, depois da destruição geral da forma atual do
mundo, por meio do fogo, que acompanhará o Juízo, este
mundo será reconstituído e adaptado gloriosamente para ser a
morada permanente de Cristo e Sua Igreja. Assim como ha-
verá um "corpo espiritual", talvez haja, no mesmo sentido,

807
Capítulo 40

um m u n d o espiritual, isto é, um m u n d o adaptado para ser o


teatro dos espíritos glorificados dos santos aperfeiçoados. Assim
como a natureza foi amaldiçoada por causa do homem, e a
criatura está, por culpa dele, "sujeita à vaidade", pode ser que
elas também tenham parte com ele em sua redenção e exaltação.
Veja Typology, Parte 2, Cap. 2, Sec. 7, de Fairbairn.

4. Em que consiste a bem-aventurança do céu, até onde nos é


revelada?
I o . Negativamente: no livramento perfeito do pecado e de
todas as suas conseqüências, físicas, morais e sociais - Apoc.
7:16,17; 21:4,27.
2 o . Positivamente: (1) Na perfeição da nossa natureza,
material bem como espiritual; no pleno desenvolvimento e
exercício harmonioso de todas as nossas faculdades morais e
intelectuais, e no progresso desimpedido, durante toda a
eternidade-1 Cor. 13:9-12; 15:45-49; 1 João 3:2. (2) Em vermos
o nosso bendito Redentor, em desfrutarmos de comunhão
com a Sua Pessoa, de participação em toda a Sua glória e
bem-aventurança e, por intermédio dEle, de comunhão com
todos os santos e anjos - João 17:24; 1 João 1:3; Apoc. 3:21;
21:3-5. (3) Naquela "visão beatífica de Deus" que, consistindo
em descobrirmos cada vez mais claramente a excelência
divina apreendida com amor, transformará à alma à mesma
imagem, de glória em glória - Mat. 5:8; 2 Cor. 3:18.
Quando meditarmos naquilo que as Escrituras revelam
das condições da excelência celestial, devemos evitar dois erros:
(1) O extremo de considerar o m o d o de existência que
desfrutam os santos no céu como muito semelhante ao da nossa
vida terrena; (2) O extremo oposto de considerar as condições
da vida celestial como inteiramente diversas das pertencentes
à nossa vida presente. O primeiro desses extremos produzirá
naturalmente o mau efeito de rebaixar, mediante associações
indignas, as nossas idéias sobre o céu; e o outro extremo
produzirá o mau efeito de destruir em grande parte o poder

808
O Céu e o Inferno

moral que a esperança do céu deveria ter sobre o nosso coração


e a nossa vida, tornando vagas as idéias que formarmos sobre
ele e, por conseguinte, distante e fraca a nossa simpatia por
suas características. Para evitarmos tanto um como o outro
extremo, é necessário que fixemos os limites dentro dos quais
devem conter-se as nossas idéias sobre a existência futura dos
santos, distinguindo entre aqueles elementos da natureza do
homem e das suas relações com Deus e com os outros homens,
que são essenciais e imutáveis, e aqueles que terão que ser
modificados para que se torne perfeita a sua natureza em suas
relações. n
Consideremos: ;• - *•..> •< ;
o
I . Ocorrerão necessariamente as seguintes mudanças: (1)
Todo o pecado e suas conseqüências terão que ser tirados; (2)
"Corpos espirituais" terão que substituir nossa carne e nosso
sangue; (3) Os novos céus e a nova terra terão que substituir os
céus e a terra atuais como teatro da vida do homem; (4) As leis
da organização social terão que ser mudadas radicalmente,
porque no céu não haverá casamentos, porém será introduzida
uma ordem social análoga à dos anjos de Deus.
2 o . Os seguintes elementos são essenciais, e por isso
imutáveis: (1) O h o m e m continuará a existir sempre como
composto de duas naturezas, espiritual e material. (2) Ele é
essencialmente intelectual, e necessariamente vive pelo conhe-
cimento. (3) É também essencialmente ativo, e é necessário
que tenha alguma coisa para fazer. (4) O homem, como criatura
que é, só pode conhecer a Deus indiretamente, isto é, por meio
de Suas obras de criação e providência, da experiência da Sua
obra de graça em nossos corações, e por meio de Seu Filho
encarnado, que é a imagem da Sua Pessoa e a plenitude da
Deidade, corporalmente. Segue-se que no céu Deus continuará
a ensinar os homens por meio de Suas obras, e a operar neles
por meio de motivos dirigidos à sua vontade mediante a sua
inteligência. (5) A memória do homem nunca perde para
sempre nem a mais leve impressão, e será parte da perfeição

809
Capítulo 40

celestial o fato de que toda a experiência adquirida estará


sempre perfeitamente a serviço da vontade. (6) O homem é
essencialmente um ser social. Isso, tomado em conexão com o
ponto anterior, indica que as associações, bem como a expe-
riência da nossa vida terrena, levarão consigo para o novo modo
de existência todas as suas conseqüências, exceto onde forem
necessariamente modificadas (não perdidas) pela mudança.
(7) A vida do homem é essencialmente um progresso eterno
para a perfeição infinita. (8) Todas as conhecidas analogias das
obras de Deus na criação, na Sua providência, nos mundos
material e espiritual, e na Sua dispensação da graça (1 Cor.
12:5,28), indicam que entre os santos no céu haverá diferenças
quanto às suas capacidades e qualidades inerentes e também
quanto à sua ordem relativa e aos seus ofícios. Essas diferenças
serão, sem dúvida, determinadas (a) por diferenças consti-
tucionais de capacidade natural; (b) por recompensas providas
pela graça de Deus no céu correspondendo em grau e gênero à
fidelidade, sob a graça, do indivíduo na terra, e (c) pela
soberania absoluta do C r i a d o r - M a t . 16:27; Rom. 2:6; 1 Cor.
12:4-28.

5. Quais são as principais expressões literais e figuradas,


aplicadas nas Escrituras à condição futura dos réprobos?
Como lugar, é às vezes designada literalmente por ades,
hades, e às vezes por géena; ambas as palavras são traduzidas
por i n f e r n o - M a t . 5:22,29,30; Luc. 16:23 (VA). Também pela
frase "lugar de tormentos" - Luc. 16:28. Como condição de
sofrimento, é designada pelas frases "ira de Deus", Rom. 2:5, e
"segunda morte", Apoc. 21:8.
Expressões figuradas: Fogo eterno, preparado para o diabo
e seus anjos - Mat. 25:41. "Para o inferno, para o fogo que
nunca se apaga; onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca
se apaga" - Mar. 9:44. O lago que arde com fogo e enxofre -
Apoc. 21:8. O abismo - Apoc. 9:2. A natureza terrível dessa
morada dos maus é revelada por expressões como "trevas

810
O Céu e o Inferno

exteriores", o lugar onde há "choro e ranger de dentes", Mat.


8:12; "estou atormentado nesta chama", Luc. 16:24; "fogo que
nunca se apaga", Luc. 3:17; "fornalha de fogo", Mat. 13:42; "a
negrura das trevas", Judas, vers. 13; "atormentado com fogo e
enxofre", Apoc. 14:10; "o fumo do seu tormento sobe para todo
o sempre; e não têm repouso nem de dia nem de noite", Apoc.
!
14:11 -Bib. Ency., de Kitto. '' '

6. Que nos ensinam as Escrituras quanto à natureza da punição


futura?
E evidente que são figurados os termos empregados nas
Escrituras para descrever esses sofrimentos; todavia, esta-
belecem com certeza os seguintes pontos: esses sofrimentos
consistirão -
I o . Na perda de todo o bem, quer natural, concedido por
intermédio de Adão, quer resultante da graça, oferecido por
Cristo.
2 o . Em todas as conseqüências naturais do pecado des-
enfreado, no abandono judicial, no ódio total a Deus e na
terrível sociedade dos homens perdidos e dos espíritos malignos
- 2 Tess. 1:9.
3 o . Na inflição positiva de tormentos, na ira e na maldição
de Deus executadas tanto na natureza moral como na natureza
física dos seus objetos. As Escrituras estabelecem também o
fato de que esses sofrimentos serão - (1) Mais terríveis do que
nos é dado imaginar. (2) Sem fim, intermináveis. (3) De
diversos graus, proporcional ao demérito de cada pessoa (em
função da menor ou maior gravidade dos pecados de cada
p e s s o a ) - M a t . 10:15; Luc. 12:48.

7. Qual o uso das palavras aión, eternidade, e aiónios, eterno,


no Novo Testamento, e qual o argumento que, baseado nelas,
estabelece a duração sem fim da punição futura?
I o . A língua grega não possui termos mais enfáticos que
esses para exprimir a idéia de duração sem fim.

811
Capítulo 40

2 o . Posto q u e sejam e m p r e g a d o s às vezes no N o v o


Testamento para designar uma duração limitada, todavia, na
maioria imensa dos casos, evidentemente designam duração
ilimitada.
3 o São empregados para exprimir a duração sem fim de
Deus. (1) A palavraaiow é assim empregada em 1 Tim. 1:17, e
é aplicada a Cristo em Apoc. 1:18. (2) A palavraaiónios é assim
empregada em Rom. 16:26, e aplicada ao Espírito Santo - Heb.
9:14.
4 o . Ambos os termos são empregados para exprimir a
duração sem fim da felicidade futura dos santos. ( 1 ) 0 vocábulo
aión é assim empregado em João 6:57,58; 2 Cor. 9:9. (2) O
vocábulo aiónios é assim empregado em Mat. 19:29; Mar. 10:30;
João 3:15; Rom. 2:7.
5 o . Em Mat. 25:46 a mesmíssima palavra é empregada
numa só cláusula para definir tanto a duração da felicidade
futura dos santos como da miséria dos perdidos. Assim, pois,
as Escrituras declaram explicitamente que a duração da miséria
futura será sem fim, no mesmo sentido em que são sem fim a
vida de Deus e a bem-aventurança dos santos. Veja o exame
erudito, independente, crítico e conclusivo que do uso dessas
palavras no Novo Testamento fez o falecido professor Moses
Stuart, na obra Stuart's Essays on Future Punishment (Ensaios
de Stuart sobre o Castigo Futuro - ou, sobre as penas eternas).

8. Qual a prova que a favor da verdade sobre este assunto é


fornecida pelo uso da palavra aídios no Novo Testamento?
Essa palavra, em cuja formação entra o vocábuloa^í, sempre,
para sempre, significa no grego clássico,eterno. Encontra-se duas
vezes no Novo Testamento: em Romanos 1:20, "tanto o seu
eterno poder, como a sua divindade"; e em Judas, vers. 6, "E
aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram
a sua própria habitação, reservou na escuridão, e em prisões
eternas...". Mas os homens que se perdem compartilham do
destino dos anjos que se perderam - Mat. 25:41; Apoc. 20:10.

812
O Céu e o Inferno

Assim, a mesma palavra exprime a duração da Deidade e a


duração dos sofrimentos dos perdidos.

9. Que outras provas mais fornecem as Escrituras sobre este


assunto?
I a . Não há nada nas Escrituras que, mesmo de longe, su-
gira a idéia de que os sofrimentos dos perdidos terão fim.
2 a . A constante aplicação a este assunto da linguagem
figurada, expressa em termos como "o fogo que nunca se apaga",
"o seu bicho não morre", "abismo", a necessidade de se pagar
até o "último ceitil", "e o f u m o do seu tormento sobe para
todo o sempre" - Luc. 3:17; Mar. 9:45,46; Apoc. 14:11, só é
c o m p a t í v e l com a convicção de q u e D e u s q u e r q u e nós
creiamos, baseados na Sua autoridade, que a punição futura é
literalmente sem fim. Dos que cometerem o pecado
irremissível se diz que nunca lhes será perdoado, "nem neste
m u n d o nem no porvir" - Mat. 12:32 (ARA).
Tem-se argumentado que a linguagem é figurada, e cita-
-se o dito: "Theologia symbolica non est demonstrativa". E verdade.
Mas o que representam essas figuras? Que é que Deus quer
ensinar por meio desses símbolos? E inquestionável que cada
um deles, tomando-se um por u m , pode ser feito em pedaços
e tornar duvidoso o seu sentido. Mas devemos lembrar - (1)
Que essa linguagem é característica de todas as revelações
divinas que temos do porvir daqueles que m o r r e m impe-
nitentes. Descrições como essas colorem u n i f o r m e m e n t e a
representação inteira. (2) A Bíblia foi destinada à instrução
pública; por isso, o sentido óbvio deve ser o que o seu Autor
queria comunicar e, por conseguinte, é o sentido garantido
pela veracidade divina. Esta é u m a consideração de peso
especial no caso desta doutrina, porque - (a) E doutrina prática,
e diz respeito a cada pessoa, individualmente, (b) A linguagem
encontra-se f r e q ü e n t e m e n t e e capta a atenção de todos os
leitores, (c) A Igreja histórica, toda ela (com algumas exceções
individuais), tem, como matéria de fato, interpretado essa

813
Capítulo 40

linguagem no sentido de sofrimento interminável, e isso ape-


sar da pressão constante e tremenda dos desejos humanos a
favor de uma conclusão contrária.

10. Qual a suposição provável que sobre este assunto oferecem


a razão e a experiência?
As Escrituras nos ensinam - (1) Que o homem está morto
no pecado e que é moralmente impotente. (2) Que o arre-
pendimento e a fé são operados na alma pelo Espírito Santo.
A experiência nos ensina que, como deveres, o arrependimento
e a fé são coisas muito difíceis, mesmo nas condições mais
favoráveis. A razão e a experiência juntas nos ensinam que,
quanto mais tempo uma pessoa vive, tanto mais difíceis e raros
se tornam o arrependimento e a fé, e tanto mais definidamente
fixos se tornam o seu caráter moral e os seus costumes. Daí:
1 0 . As condições mais favoráveis possíveis são aquelas em
que estamos nesta vida, isto é, juventude, caráter ainda imaturo,
a Palavra, o Espírito Santo, a providência de Deus e a Igreja
Cristã. Demonstrações sobrenaturais e penas purgatoriais não
teriam efeito moral igual ao das condições que acabamos de
mencionar. "Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco
acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite" - Luc.
16:31.
2 o . A lei dos hábitos e do caráter moral fixo conduz à
conclusão de que a esperança de uma mudança favorável não
pode deixar de diminuir rapidamente, à medida que se adie o
arrependimento.
•f O \ > "Z;> '"/• ••'
11. Quais as duas teorias que sobre esta questão têm sido
sustentadas por diversas pessoas, em oposição à fé proclamada por
toda a Igreja Cristã e ao claro ensino da Palavra de Deus?
I o . A da extinção total da existência dos réprobos, como a
sentença da "segunda morte", depois do juízo final. Essa
doutrina, popularmente descrita em termos de "aniquilação
dos maus", e por seus defensores, "imortalidade condicional",

814
O Céu e o Inferno

é defendida habilmente por C. F. H u d s o n em seu livro Debt


and Grace as Related to the Doctrine of a Future Life (O Débito e
a Graça em Relação à D o u t r i n a de uma Vida Futura), por
H e n r y C o n s t a b l e em The Duration and Nature of Future
Punishment (Duração e Natureza da Punição Futura), pelo
arcebispo Whately em View of Scripture Revelation Concerning
a Future State (O C o n c e i t o da Revelação das E s c r i t u r a s
Concernente a um Estado Futuro) e por Edward W h i t e em
Life ofChrist (A Vida de Cristo).
Eles argumentam que a palavra "morte" significa sempre
"cessação de existência", e que "destruição eterna" significa
sempre "pôr fora da existência".
RESPONDEMOS - (1) Eles não conseguem, de modo algum,
d e m o n s t r a r que as palavras e frases supracitadas têm em
qualquer caso, e menos ainda que têm sempre, o sentido que
eles lhes atribuem. (2) Sua doutrina está em aberta contradição
com a apresentação uniforme das Escrituras quanto ao estado
final dos impenitentes, como foi ilustrado acima, Perg. 9. (3)
A doutrina deles está em contradição com o instinto natural e
universal de imortalidade, de que dão testemunho as religiões
e a literatura de todas as nações, quer pagãs, quer judaicas,
quer cristãs.
2°. A opinião dos que em geral concordam em ensinar a
f u t u r a restauração dos pecadores, após um período indefinido
de disciplina purificadora depois da morte, quer no estado
intermediário, quer depois do Juízo (veja acima, Cap.37, Perg.
21). Essa opinião baseia-se (1) n u m a classe de passagens
bíblicas que, segundo se diz, ensinam a restauração de todas
as coisas, como sejam Atos 3:21; Ef. 1:10; Col. 1:19,20, etc.
(2) Naquilo que eles chamam intuição moral de que um castigo
eterno seria indigno de Deus. • a j
RESPONDEMOS - (1) As passagens das Escrituras em que
se baseia o argumento só seriam compatíveis com essa teoria
de final salvação universal se não existissem nas Escrituras
declarações explícitas no sentido contrário. E necessário que

815
Capítulo 40

se interprete cada classe de textos bíblicos com referência a


outros, e é evidente que o explícito e definido é a regra para o
que é geral e indefinido. É axiomático que as palavras " t u d o "
e "todas as coisas" abrangem mais elementos ou menos, segundo
o assunto de que se trata. Admitimos com prazer - (a) que
TODOS os que estão em Cristo serão vivificados, e (b) que Ele
Se t o r n a r á o Cabeça de TODAS AS COISAS, a b s o l u t a m e n t e sem
exceção, no sentido de que o universo inteiro, incluindo os
amigos e os inimigos do Senhor, se tornarão sujeitos à Sua
supremacia real, que toda revolta será vencida, e que a cada
classe será atribuída a sua própria esfera. Veja abaixo, Perg. 14.
(2) Quanto à "intuição" ou às "intuições" em que se f u n d a a
doutrina em apreço, abaixo se mostrará que não merecem
confiança (Pergs. 12 e 13). (3) Assim como a esperança de
uma reforma moral, n u m a outra vida, não está de acordo com
as apresentações das Escrituras, assim tampouco é confirmada
pelo que ensinam a razão e a experiência. Veja acima, Perg. 10.

12. Quais as objeções que, derivadas da justiça de Deus, se


fazem contra esta doutrina?
A justiça de Deus exige - (1) Que ninguém padeça por
aquilo pelo que não é responsável. (2) Que o castigo esteja em
todos os casos à medida exata da culpa de quem o sofre.
Existe quatro objeções -
I o . Há multidões nos países pagãos, e até nos cristãos, que
não têm n e n h u m a responsabilidade por serem impenitentes,
porque nunca, em toda a sua vida, tiveram a oportunidade de
conhecer ou receber a Cristo.
RESPONDEMOS - As declarações diretas da Bíblia, a
analogia inteira do sistema cristão, e a experiência de todos os
cristãos, são unânimes em declarar que toda a raça h u m a n a é
culpada e merece a ira e a maldição procedentes de Deus já
antes da dádiva de Cristo e de ser Ele rejeitado. Se não fosse
assim, não seria necessário que Cristo viesse para expiar a culpa.
E, se não fosse assim, Cristo teria morrido em vão, e a salvação

816
O Céu e o Inferno

seria uma dívida paga, e não uma GRAÇA concedida.


2 o . N e n h u m pecado de uma criatura finita pode merecer
uma pena infinita; mas um castigo sem fim é uma pena infinita.
RESPONDEMOS - A palavra infinito nesta conexão i n d u z
ao erro. E claro que pecado sem fim merece castigo sem fim, e
isso é tudo o que as Escrituras e a Igreja ensinam. Um só pecado
merece a ira e a maldição procedentes de Deus. Ele não tem,
em justiça, a obrigação de prover redenção. No m o m e n t o em
que uma alma peca, ela é cortada da c o m u n h ã o e da vida de
Deus. E n q u a n t o permanecer nesse estado, continuará a pecar.
E n q u a n t o continuar a pecar, continuará a merecer a ira e a
s
maldição que procedem de Deus. E evidente que as más
disposições nutridas e os maus atos praticados no i n f e r n o
merecerão e receberão tão estritamente o devido castigo como
o mereceram e receberam os praticados e nutridos nesta vida.
Se não fosse assim, seria verdadeiro o princípio monstruoso
de que quanto pior se tornar um pecador, tanto menos merecerá
ele censura e castigo.
3 o . O i n f i n i t o não admite graus, todavia a culpa dos
diversos pecadores é maior ou menor. vr,s. . . .
RESPONDEMOS - Esta é uma cavilação sumamente desleal.
E e v i d e n t e q u e p e n a s i g u a l m e n t e eternas p o d e m variar
i n d e f i n i d a m e n t e em grau.
4°. A diferença moral entre o pior santo salvo e o melhor
pecador p e r d i d o pode ser imperceptível, e, no e n t a n t o , a
diferença dos seus destinos é infinita. . •
RESPONDEMOS - É verdade, mas o tratamento do mais
indigno crente tem por f u n d a m e n t o a justiça de Cristo, e o
tratamento do menos indigno incrédulo tem por f u n d a m e n t o
seu próprio caráter e conduta.

13. Qual a objeção que, extraída da benevolência de Deus, se


faz contra esta doutrina?
Há duas reivindicações -
I o . Que a benevolência de Deus O levará a fazer tudo

817
Capítulo 40

quanto está em Seu poder para promover a felicidade de Suas


criaturas; e que, como não temos n e n h u m direito de limitar
esse poder, temos o direito de esperar que Ele afinal pro-
porcionará a felicidade de todos.
RESPONDEMOS - (1) A benevolência de Deus O leva a
proporcionar a felicidade de todas as Suas criaturas até o n d e
isso c compatível com estes Seus outros atributos - sabedoria,
santidade e justiça. (2) Sabemos pela experiência de todos que
Ele inflige sobre Suas criaturas males que não têm n e n h u m a
tendência n e m influência alguma para promover finalmente
a felicidade dos indivíduos que os sofrem. (3) A benevolência
do supremo Governador Moral, interessado que é na paz e na
pureza do universo, está de acordo com Sua justiça em exigir a
execução da pena total da lei sobre todos os que quebrantam a
lei, e especialmente sobre todos os que a u m e n t a m a sua culpa
rejeitando o Filho de Deus que morreu na cruz.
2 o . Q u e as apuradas intuições dos cristãos lhes asseguram
que é incompatível com as perfeições morais de Deus,primeiro
trazer à existência seres imortais sob as condições comuns à
maioria dos homens, tdepois condená-los a uma vida posterior
de miséria eterna.
RESPONDEMOS - (1) A permissão para que o pecado
e n t r a s s e no m u n d o é um g r a n d e mistério. Q u e os seres
humanos, já antes de nascerem, perdessem sua inocência em
Adão é um g r a n d e m i s t é r i o . Todavia, todo ser h u m a n o
esclarecido sabe que está sem desculpa e que merece a ira de
Deus. (2) Deus, por meio da pena que executou em Seu próprio
Filho, quando Ele sofreu em nosso lugar, mostrou em que
conta Ele tinha a terrível culpa dos homens. (3) E um absurdo
dizer que as nossas intuições são adequadas para determinar o
que será justo que o Governador Moral de todo o universo
faça com os pecadores que permanecem impenitentes até ao
fim. Sem dúvida, a justiça nEle é exatamente a mesma que a
justiça n u m h o m e m perfeitamente justo. Mas nós não sabemos
todas as condições do caso, e as nossas "intuições" acham-se

818
O Céu e o Inferno

obscurecidas pelo pecado - Heb. 3:13. Por conseguinte, a única


fonte de conhecimento seguro que temos é a Palavra de Deus,
e ela, como já vimos, não nos dá f u n d a m e n t o algum para a
esperança de que haja arrependimento no além-túmulo. (4) E
u m a grande crueldade seguir o exemplo do diabo q u a n d o
enganou Eva, e persuadir o povo de que afinal de contas p o d e
ser que D e u s seja mais benévolo do que a linguagem da Sua
Palavra dá a entender - Gên. 3:3,4.

14. Qual o argumento a favor da futura restauração de todas


as criaturas racionais à santidade e à felicidade, que se fundamenta
em R o m a n o s 5:18,19; 1 Coríntios 15:22-28; Efésios 1:10;
Colossenses 1:19,20? r -> .-oüíiü >:
Com base em Rom. 5:18,19, argumenta-se que a frase
"todos os h o m e n s " tem exata e necessariamente aplicação tão
ampla n u m a das cláusulas como na outra.
RESPONDEMOS -
I o . Que a frase "todos os homens" é muitas vezes utilizada
nas Escrituras em passagens em que o contexto lhe limita
necessariamente o sentido. - João 3:26; 12:32.
2 o . No presente caso, a frase "todos os homens" é evidente-
m e n t e d e f i n i d a pela frase q u a l i f i c a d o r a ou restritiva do
versículo 17, "os que recebem a abundância da graça, e do dom
da justiça".
3 o . Este contraste entre "todos os h o m e n s " que estiveram
em Adão e "todos os homens" que estão em Cristo está em
h a r m o n i a com a analogia de todo o evangelho.
A respeito de 1 Cor. 15:22-28, o argumento é o mesmo
que o tirado de Rom. 5:18,19. Com base nos versículos 25-28,
argumenta-se que o grande fim do reino mediatário de Cristo
deve ser a restauração de todas as criaturas à santidade e à bem-
-aventurança.
RESPONDEMOS- . ••
o
I . Que essa é uma interpretação forçada dessas palavras,
que não é sua interpretação necessária ou obrigatória, e que é

819
Capítulo 40

refutada pelos muitos testemunhos que temos citado ante-


riormente das Escrituras.
2°. Que ela é incompatível com o escopo do assunto de
que o apóstolo trata nessa passagem. Ele declara que desde a
eternidade até à ascensão Deus reinou absolutamente. Da
ascensão até à restauração de todas as coisas, Deus reina na
Pessoa do Deus-homem como Mediador. Da restauração até à
eternidade, Deus tornará a reinar como Deus absoluto.
Também de Efésios 1:10 e Colossenses 1:19,20 tira-se um
argumento a favor da salvação final de todas as criaturas.
Respondemos que em ambas as passagens a expressão "todas
as coisas" significa toda a companhia dos anjos e dos homens
remidos e reunidos sob o domínio de Cristo. Porque, I o . Em
ambas as passagens o assunto do discurso não é o universo,
mas sim a Igreja; 2 o . Em ambas as passagens as palavras "todas
as coisas" são limitadas pelas frases qualificativas "os predes-
tinados", "nos fez agradáveis a si no Amado", "nós, os que
primeiro esperamos em Cristo", "se, na verdade, permane-
cerdes fundados e firmes na fé", etc. (nos respectivos contextos).
Veja os comentários sobre Romanos, 1 Coríntios e Efésios, por
Dr. Hodge.

15. Quais as opiniões que sobre este assunto têm prevalecido


entre os arminianos extremistas?
Os seus princípios fundamentais a respeito da relação da
capacidade com a responsabilidade os obrigam a sustentar que
não pode perecer ninguém que não tenha tido, sob uma ou
outra forma, e num ou noutro grau, alguma ocasião para valer-
-se da salvação mediante Cristo.
Para evitarem as inferências óbvias que se poderia tirar
dos fatos evidentes do caso, alguns têm suposto que Deus talvez
estenda o tempo da prova de alguns para além da vida presente
- S c o t C h r i s t i a n Life.
Limborch (Lib. 4, Cap. 11) julga provável que se salvem
todos os que neste mundo fazem bom uso da luz que têm; mas

820
O Céu e o Inferno

que, se rejeitarmos esta idéia, dando preferência a crer que a


bondade divina condenaria estes (os ignorantes) ao fogo do
inferno, parece que seria melhor sustentar que, assim como
há três estados para os homens neste mundo - o dos crentes, o
dos incrédulos e o dos ignorantes - assim também há de haver
três estados no mundo futuro: o da vida eterna para os fiéis,
o das penas do inferno para os incrédulos, e, além desses, o
status ignorantium (o estado dos ignorantes).

.. ü! £ : '

821
41

Os Sacramentos

1. Qual é a etimologia, e quais os usos clássico e patrístico da


palavra sacramentum?
I o . E derivada de sacro, sacrare, tornar sagrado, dedicar aos
deuses, ou a usos sagrados.
2 o . Em seu uso clássico significava - (1) Aquilo pelo qual
uma pessoa se obrigava a fazer alguma coisa por outra. (2)
Uma soma depositada em juízo como penhor, e que, no caso
do não cumprimento das palavras estipulados no contrato, era
dedicada a usos sagrados. (3) T a m b é m um j u r a m e n t o ,
especialmente o do soldado, de dedicar-se fielmente ao serviço
da pátria -Dictionary (Dicionário) de Ainsworth.
3 o . Os "pais" da Igreja empregavam essa palavra num
sentido convencional, como equivalente à palavra grega
mystérion, mistério, isto é, alguma coisa desconhecida antes de
ser revelada, e assim um emblema, um rito, um tipo, tendo
alguma significação espiritual latente, só conhecida dos
iniciados ou instruídos.
Os "pais" gregos aplicavam o termo mystérion às ordenanças
cristãs do Batismo e da Ceia do Senhor, por terem esses ritos
uma significação espiritual e serem assim uma certa forma de
revelação de verdades divinas.
Os "pais" latinos empregavam a palavrasacramentum como
palavra latina no seu sentido próprio, como designação de
qualquer coisa sagrada em si mesma, ou que tivesse o poder
de obrigar ou consagrar os homens; e, além disso, empregavam-
-na como o equivalente da palavra grega mystérion, isto é, no

822
Os Sacramentos

sentido inteiramente diverso de uma verdade revelada, ou de


um sinal ou símbolo que revela uma verdade que de outro
modo permaneceria oculta. Este fato deu ao uso da palavra
sacramentum, na teologia escolástica, uma danosa latitude de
significação e a tornou muito indefinida. Assim, em Ef. 3:3,9;
5:32; 1 Tim. 3:16; Apoc. 1:20, a palavra mystérion tem verda-
deiramente o sentido de "revelação de uma verdade que a razão
não poderia descobrir, e é traduzida por mystery na versão
inglesa e sacramentum na Vulgata Latina (em Almeida, por
mistério). Assim é que a igreja católica romana emprega a
mesma palavra em dois sentidos inteiramente diversos, pois a
aplica indiferentemente ao Batismo e à Ceia do Senhor como
"ordenanças que obrigam", e à união dos fiéis com Cristo
como uma verdade revelada - Ef. 5:32. Dessa forma tiram a
absurda inferência de que o matrimônio é um sacramento.

2. Como definem o sacramento os "pais", os escolásticos, a igreja


católica romana, a Igreja da Inglaterra e os nossos próprios símbolos ?
Veja as seguintes definições:
I a . De Agostinho: "Signum rei sacra", ou: "Sacramentum
est invisibilis gr atice visibile signum, ad nostram justificationem
institutum"accedit verbum ad elementum, et fit sacramentum".
2 a . De Victor de S. Hugo: "Sacramentum est visibilis forma
invisibilis gr atice in eo collatce".
3a. Do Concílio de Trento: "Um sacramento é alguma coisa
apresentada aos sentidos que, por instituição divina, não só
tem o poder de significar, mas também o de transmitir graça
eficazmente" - Cat. Rom., Parte 2, Cap. 1, Perg. 6.
4 a . Da Igreja Anglicana (Igreja da Inglaterra), conforme o
seu 25°. artigo da religião: "Os sacramentos (ordenanças)
instituídos por Cristo não são somente designações ou indí-
cios da profissão dos cristãos, mas antes uns testemunhos
firmes e certos, e uns sinais eficazes da graça e da boa vontade
de Deus para conosco, pelos quais Ele opera invisivelmente
em nós, e não somente vivifica, mas também fortalece e

823
Capítulo 41

confirma a nossa fé nele".


5*.Do Catecismo Maior da Assembléia de Westminster, Pergs.
162 e 163: "O sacramento é uma santa ordenança instituída
por Cristo na Sua Igreja, para significar, selar e conferir aos
que estão dentro da aliança da graça, os benefícios da Sua
mediação; para os fortalecer e aumentar a sua fé e todas as suas
outras graças; para obrigá-los à obediência, para testificar e
nutrir sua comunhão uns com os outros, e para distingui-los
dos que estão fora"; "As partes de um sacramento são duas:
uma o sinal exterior sensível utilizado segundo a instituição
de Cristo, e a outra uma graça interior e espiritual por ele
representada".

3. Segundo quais princípios se deve formular tal definição ?


I o . E preciso lembrar que a palavra sacramento não se
encontra na Bíblia.
2 o . A extrema largueza com que este termo tem sido
empregado, tanto em sentido próprio como palavra latina,
como no sentido que se lhe tem atribuído como o equivalente
convencional da palavra grega mystérion, torna evidente que,
nem por meio da etimologia da palavra sacramentum, nem
por meio do seu uso eclesiástico, é possível chegar a uma
definição acertada de uma ordenança evangélica.
3 o . O único modo próprio de formular uma definição
acertada de uma classe de ordenanças evangélicas é fazer uma
comparação de tudo quanto as Escrituras ensinam a respeito
da origem, natureza e propósito das ordenanças universalmente
reconhecidas como pertencentes a essa classe, determinando
assim os elementos essenciais que são comuns a todos os
membros da referida classe, e que os distinguem como classe
de todas as demais ordenanças divinas.
4 o . As ordenanças "universalmente reconhecidas" como
sacramentos são o Batismo e a Ceia do Senhor. "Tomás de
Aquino concordou com outros teólogos em ter o Batismo e a
Ceia do Senhor como potissima sacramenta" - Summa, P. 3,

824
Os Sacramentos

Quaes. 62, Art. 5, apud Hagenbach. A verdadeira questão é,


pois: haveria outras ordenanças divinas que tenham as caracte-
rísticas essenciais que são comuns ao Batismo e à Ceia do Senhor?

4. Quantos sacramentos os romanistas criaram, e como se


poderá decidir a controvérsia entre eles e os protestantes?
A igreja católica romana ensina que há sete sacramentos,
a saber, o batismo, a confirmação ou crisma, a Ceia do Senhor,
a penitência, a extrema unção, as ordens e o matrimônio.
Nós, porém, sustentamos que somente o Batismo e a Ceia
do Senhor podem propriamente ser chamados sacramentos
(isto é, ordenanças), quer se aceite a definição protestante deste
termo, quer se aceite a dos romanistas, como a damos acima,
Perg. 2. Veja por quê:
I o . A crisma, a penitência e a extrema unção não são de
instituição divina, não se fundamentando de modo algum nas
Escrituras.
2 o . O matrimônio, instituído por Deus no paraíso, e a
ordenação ao ministério do evangelho, instituída por Cristo,
embora tanto aquele como esta sejam instituições divinas,
evidentemente não são ordenanças do mesmo gênero que o
Batismo e a Ceia do Senhor e não cabem nas condições de
nenhuma das definições de um sacramento, porque nem signi-
ficam nem comunicam nenhuma graça interior.
. ' .. 2 j'V/ .
5. Quais os dois componentes de todo sacramento?
I o . "Um sinal exterior sensível utilizado segundo a insti-
tuição de Cristo; 2 o . Uma graça interior e espiritual por ele
representada"- Cat. Maior, Perg. 163. Veja abaixo,Apol. Conf.
DeAugsb. (Hase), pag. 267.
Os romanistas, na linguagem dos escolásticos, distinguem
entre a matéria e a f o r m a de um sacramento. Amatéria é aquela
parte do sacramento que está ao alcance dos sentidos e que é
significativa da graça, e.g., a água e o ato de aplicá-la no Batis-
mo,e o pão e o vinho, e os atos de partir o pão e de derramar o

825
Capítulo 41

vinho na Ceia do Senhor. A forma é a palavra divina pro-


nunciada pelo ministro quando administra os elementos,
dedicando-os assim ao ofício de significar uma graça.

6. Segundo os católicos romanos, qual é a relação entre o sinal


e a graça que ele significa?
Eles sustentam que, em conseqüência da instituição
divina, e em virtude do "poder do Todo-poderoso que neles
existe", a graça significada acha-se contida na própria natureza
dos sacramentos, de modo que ela é conferida sempre,ex opere
operato (isto é, ex vi ipsius actionis sacramentalis - pelo poder do
próprio ato sacramental), a todo aquele que o recebe e não lhe
oponha um obstáculo positivo. Entendem, pois, que a "união
sacramental", ou a relação existente entre o sinal e a graça que
ele significa, é física, ou como a que subsiste entre uma
substância e suas propriedades, isto é, o poder de conferir graça
está nos sacramentos assim como o poder de queimar está no
fogo - Cone. de Trento, Sess. 7, Câns. 6 e 8; Cat. Rom. Parte 2,
Cap. 1, Perg. 18; Belarmino, De Sacram., 2,1.

7. Qual é a doutrina zwingliana sobre assunto?


Zwínglio, o reformador da Suíça, ensinou uma doutrina
que era o extremo contrário à da igreja católica romana, a saber,
que o sinal simplesmente representa por símbolos apropriados
e por ações simbólicas a graça à qual ele está relacionado.
Assim, os sacramentos são unicamente meios eficazes para a
apresentação objetiva da verdade simbolizada.

8. Em que sentido acha-se empregada a palavra "exibir" * em


nossos livros simbólicos, em referência a este assunto?

* Termo e m p r e g a d o nos textos em inglês. Na Perg. 162 do Cat. Maior, e.g.,


temos em português o verbo "conferir" em lugar de "exibir". Nota de Odayr
Olivetti. • i

826
Os Sacramentos

Cf. Conf. De Fé, Cap.27, Séc. 3, e Cap. 28, Séc.. 6, e Cat.


Maior, Perg. 162.
Essa palavra vem do verbo latino exhibeo, que tinha os dois
sentidos, de comunicar e de descobrir ou revelar. E evidente
que o termo exibir tem em nossos símbolos o primeiro desses
sentidos: o de comunicar, conferir.

9. Qual a doutrina comum das igrejas reformadas quanto à


relação do sinal com a graça significada?
As confissões reformadas concordam em ensinar que essa
relação é -
1 0 . Simplesmente moral, isto é, é estabelecida somente
em virtude da instituição e da promessa de Cristo, e depende
da devida administração da ordenança e da fé e conhecimento
do participante.
2 o . É real, isto é, quando é devidamente administrado, e o
participante o recebe com conhecimento e fé, o sacramento,
em conseqüência da promessa de Cristo, realmente sela ao
participante a graça significada e lha comunica; isto é, ele recebe
a graça junto com o sinal dela.
Esta doutrina inclui, pois - - . , ;
I o . A teoria zwingliana, de que o sinal externo e visível
verdadeiramente significa ou simboliza a graça.
2 o . Que os sacramentos, como ordenanças instituídas por
Deus, são selos afixados à promessa para autenticá-la, como o
fenômeno natural do arco-íris, em virtude da instituição divina,
tornou-se o selo da promessa feita por Deus a Noé. • -v-
3o. Que, como selos que assim acompanham por autoridade
divina uma promessa divina, eles realmente comunicam a
graça que significam àqueles a quem essa graça é destinada e
que se acham em estado espiritual próprio para recebê-la,
"como uma chave transmite o direito de entrada, uma escritura
pública t r a n s m i t e uma propriedade, ou a c e r i m ô n i a de
casamento confere direitos maritais". Veja Turretino, Loc.19,
Ques. 4; Conf. de Fé, Cap.27; Caí. Maior, Pergs. 162 e 163; Cat.

827
Capítulo 41

de Gen., Seç. 5 & .De Sacramentis; Conf. dalgr. Francesa, Art. 34;
Antiga Conf. Escocesa, Seç. 21.

10. Qual é a finalidade dos sacramentos?


1 0 . Para que signifiquem (ou simbolizem, ou representem),
selem e confiram aos que estão dentro da aliança da graça os
benefícios da redenção realizada por Cristo e assim sejam um
dos principais meios de edificar a Igreja - Mat. 3:11; Gên.
17:11,13; 1 Cor. 10:2-21; 11:23-26; 12:13; Rom. 2:28,29; 4:11;
6:3,4; Gál. 3:27; 1 Ped. 3:21.
2 o . Que sejam insígnias visíveis dos que pertencem à Igreja,
e estabeleçam uma diferença visível entre o mundo e os que
professam seguir a Cristo - Gên. 34:14; Êx. 12:48; Ef. 2:19 -
Conf de Fé, Cap.27, Seç. 1.

A D O U T R I N A CATÓLICO-ROMANA A RESPEITO
:.s; DA EFICÁCIA DOS SACRAMENTOS

11. Qual é a doutrina católico-romana a respeito da eficácia


dos sacramentos?
I o . Como mostramos acima, Perg. 6, os católicos romanos
sustentam que os sacramentos contêm a graça que significam;
que esse p o d e r de c o n f e r i r graça é inseparável de um
sacramento verdadeiro; e que, como fato objetivo, eles a contêm
sempre e a apresentam do mesmo modo a todos os partici-
pantes, seja qual for o caráter deles.
2 o . Em todos os casos da sua aplicação, a não ser que se
faça oposição positiva e assim se anule a sua eficácia, eles
efetuam a graça que significam, como um opus operatum, isto
e, pelo simples poder inerente à própria ação sacramental.

12. Da parte do administrador, de que condições depende a


eficácia do sacramento, segundo a doutrina católico-romana?
Segundo os romanistas, a validade de um sacramento,
quanto ao que diz respeito ao administrador, depende -

828
Os Sacramentos

I o . De ser ele autorizado canonicamente. No caso dos


sacramentos de ordem e confirmação, é necessário que ele seja
um bispo em comunhão com o papa. No caso dos outros sacra-
mentos, que seja um sacerdote papal devidamente ordenado.
O caráter pessoal do bispo ou sacerdote, ainda que esteja em
pecado mortal, não impede a realização do efeito - Cone. de
Trento, Sess. 7, De Sacr., Cân. 12.
2 o . H necessário que o administrador tenha, no ato de
administrar o sacramento, a intenção positiva de fazer o que a
igreja tem a intenção de fazer quando celebra cada sacramento.
O teólogo católico-romano Pedro Dens (Vol. 5, pág. 127)
diz: "Para que a celebração do sacramento seja válida, é
necessário que o ministro celebrante tenha a intenção de fazer
o que a igreja faz. A intenção necessária no ministro consiste
num ato da sua vontade, pelo qual ele se determina a realizar o
ato externo com a intenção de fazer o que faz a igreja"; isto é,
celebrar um sacramento válido. A não ser assim, o ato é nulo,
m e s m o q u a n d o se realizam r e g u l a r m e n t e todos os atos
externos. Veja Cone. De Trento, Sess. 7, Cân. 11. Isso deixa o
participante inteiramente a mercê do ministro, por depender
a validade do ato inteiro da sua intenção secreta, vindo a ser
isto uma das muitas invenções daquela igreja anticristã para
tornar o povo dependente do sacerdote.

13. Em que sentido os protestantes admitem que "intenção"


é necessária?
Eles admitem que, para tornar o serviço externo em sacra-
mento, é necessário que seja feito com o propósito ostensivo e
professo de cumprir o mandamento de Cristo e de fazer o que
Ele exige que façam os que aceitam a aliança evangélica.

14. Qual a condição que os católicos romanos afirmam ser


essencial à eficácia do sacramento, da parte do participante?
I o . No caso do batismo de crianças não é necessária
nenhuma condição da parte delas.

829
Capítulo 41

2 o . Da parte dos adultos, a única condição é que eles não


se lhe oponham com incredulidade absoluta ou com resistên-
cia da v o n t a d e (non ponentibus obicem). Sendo a fé e o
arrependimento possíveis à alma não regenerada, eles são
também exigidos como necessários para produzir o efeito do
batismo (Cat. Rom., Parte 2, Cap. 2, Perg. 39). Belarmino, De
Sacram., 2,1, diz que a vontade de ser batizado, a fé e o arrepen-
dimento são disposições necessárias para tornar o sacramento
capaz de produzir seus efeitos, exatamente como estar seca a
lenha é a condição para o fogo poder queimá-la, mas nunca é a
causa do fogo.

15. Quais são, segundo a igreja papal, os efeitos dos


sacramentos? - *o
o
I . Graça justificadora (santificadora).
2 o . Três dos sacramentos, a saber, o batismo, a confirmação
e a ordem, imprimem também no participante um "caráter"
(da palavra grega charactér, um sinal ou divisa, gravado ou
impresso como um selo - como com um sinete). Este "caráter
sacramental" é uma impressão distintiva e indelével estampada
na alma, "cujo duplo efeito é que nos prepara para receber ou
fazer alguma coisa sagrada, e distingue uns dos outros". E por
isso que nunca se repete o batismo ou a confirmação, e que
um sacerdote nunca pode desfazer-se da autoridade e dos
privilégios do sacerdócio - Cat. Rom., Parte 2, Cap.l, Pergs.
21-25; Cone. de Trento, Sess. 7, Cân. 9.

16. Como se pode refutar essa doutrina?


Que os sacramentos não têm o poder de comunicar graça
a todos, quer estejam, quer não estejam incluídos na aliança
da graça, e quer possuam, quer não possuam fé, é certo,
porque -
I o . São selos da aliança evangélica (veja abaixo, Perg. 20).
Mas um selo só ratifica uma aliança como aliança. Pode
comunicar a graça prometida somente na suposição de se

830
Os Sacramentos

haverem cumprido as condições da aliança. No entanto, essa


aliança declara que a salvação e toda bênção e s p i r i t u a l
dependem da fé como sua condição.
2 o . Conhecimento e fé são exigidos como as condições
prévias, e é necessário que se achem em todos os que desejam
participar dos sacramentos, como as qualificações essenciais
para recebê-los - Atos 2:41; 8:37; 10:47; Rom. 4:11.
3 o . A fé é essencial para tornar eficazes os sacramentos -
Rom. 2:25-29; 1 Cor. 11:27-29; 1 Ped. 3:21.
4 o . Muitos que recebem os sacramentos estão notoriamente
sem a graça que eles significam. Atente-se para o caso de
Simão, o mago, Atos 8:9-21, e para os de muitos dos coríntios
e dos gálatas, e para a maioria dos cristãos nominais do tempo
atuai.
5 o . Muitos têm tido a graça sem os sacramentos. Disso
dão testemunho os casos de Abraão, do ladrão na cruz, de
Cornélio, o centurião, e de uma multidão de cristãos proemi-
nentes entre os quacres.
6 o . Essa doutrina amarra blasfemamente a graça do Deus
soberano e sempre vivo, e a coloca completamente à disposição
das mãos de homens falíveis e muitas vezes maus.
7 o . Essa doutrina é um elemento essencial daquele sistema
cerimonial e sacerdotal que prevalecia entre os fariseus, e contra
o qual todo o Novo Testamento é um protesto.
8 o . O efeito uniforme desse sistema tem sido o de aumentar
o poder dos sacerdotes e de confundir todo o conhecimento a
respeito da natureza da religião verdadeira. Como os batizados
nem sempre e geralmente não produzem de fato os frutos do
Espírito, todos os ritualistas concordam em não considerar esses
frutos como essenciais para a salvação. Onde prevalece esse
sistema, morre a piedade.
j&IftUOTEÇA AUBREY Ç l A B i

831
Capítulo 41

A D O U T R I N A DAS IGREJAS P R O T E S T A N T E S
Q U A N T O À EFICÁCIA D O S SACRAMENTOS

17. Qual é a doutrina luterana quanto à eficácia dos


sacramentos?
I o . Os luteranos rejeitam a doutrina papal de que os
sacramentos (as ordenanças) efetuam graça ex opere operato.
2 o . Eles sustentam que a sua eficácia em conferir graça
reside nos sacramentos intrinsecamente.
3° Sustentam igualmente que, como fato objetivo, a graça
é comunicada a todo aquele que recebe o sacramento, quer
tenha quer não tenha fé.
4 o . Mas a graça comunicada só tem efeito naqueles que
têm verdadeira fé para recebê-la. Como o poder para curar
residia em Cristo, quer a mulher tocasse nEle quer não tocasse
(Mat. 9:20); todavia, esse poder não teria sido aproveitado pela
mulher se ela não tivesse crido e tocado.
5 o . Eles sustentam que esta eficácia não reside no sinal
nem na cerimônia, e sim na Palavra que acompanha o sinal e
o constitui sacramento. A eficácia não é devida ao simples
poder moral da verdade, nem à fé do participante, mas é sobre-
natural, residindo no poder do Espírito Santo; não porém no
poder do Espírito Santo extrinsecamente à verdade, entre-
tanto residindo na verdade e permanecendo inseparável dela
- virtus Spiritus Sancti intrinsicus accedens. Veja Conseruative
Reformation, de Krauth, págs. 825-830.

18. Qual é a doutrina zwingliana e remonstrante quanto à


mesma?
A tendência intelectual que, a respeito deste assunto,
Zwínglio primeiro desenvolveu, foi depois desenvolvida mais
amplamente pelos remonstrantes no século seguinte, e mais
ainda pelos socinianos. Opiniões ultramoderadas a respeito da
natureza e eficácia dos sacramentos têm prevalecido muito
também no século atual (século 19) nas igrejas evangélicas,

832
Os Sacramentos

cm conseqüência da reação contra as teorias extremas dos


romanistas e dos ritualistas em geral. Para uma exposição geral
desse modo de pensar veja acima, Perg. 7.

19. Como se pode expor a doutrina das igrejas reformadas sobre


este assunto?
Quanto à doutrina sobre a relação do sinal com a graça
significada ou simbolizada, veja acima, Perg. 9.
Quanto à eficácia dos sacramentos, os reformados -
I o . Negam que eles confiram graça como um opus operatum.
2 0 . Afirmam que os sacramentos não comunicam graça
alguma ao participante indigno.
3 o . Que sua eficácia não vem de um mero poder moral da
verdade que simbolizam.
4 o . Que eles realmente conferem graça ao participante
digno.
5 o . Mas isso eles fazem instrumentalmente, porque a
eficácia sobrenatural não é devida a eles, nem a quem os
administra, e sim ao Espírito Santo que, como operador livre
e pessoal, serve-Se deles soberanamente para fazer a Sua
vontade (virtus Spiritus Sancti extrinsicus accedens).
6 o . Que, como selos da aliança da graça, eles comunicam e
confirmam graça àqueles a quem ela pertence, isto é, àqueles
que estão dentro daquela aliança, e, no caso dos adultos,
somente mediante uma fé viva.
7 o . Que a graça conferida pelos sacramentos é muitas vezes
conferida a verdadeiros crentes antes de usá-los e sem o seu
uso.

20. Por quais provas é estabelecida a verdade da doutrina


reformada?
A verdade da doutrina reformada é estabelecida, de um
lado, pelas provas que refutam a doutrina católico-romana,
expostas sob a Perg. 16. De outro lado, a sua verdade, como
oposta à teoria escassa de Zwínglio, é estabelecida como segue:

833
Capítulo 41

I o . Que os sacramentos não somente são sinais da graça de


Cristo, mas também são selos da aliança evangélica, oferecendo-
-nos aquela graça sob a condição de termos fé, "é evidenciado
pelo fato de que Paulo diz que a circuncisão foi o selo da justiça
da fé" - Rom. 4:11. E que o apóstolo pensava do mesmo modo
a respeito do batismo torna-se evidente de Colossenses, 2:11.
Com referência à Ceia do Senhor, o Salvador disse: "Este cálice
é o Novo Testamento no meu sangue", isto é, a nova aliança foi
ratificada por Seu sangue. O cálice desse sangue é o memorial
instituído por Cristo e é, por conseguinte, o memorial e também
a confirmação da própria aliança... O evangelho nos é apre-
sentado sob a forma de uma aliança. Os sacramentos são os
selos dessa aliança. Deus, por sua instituição, obriga-Se ao
cumprimento das Suas promessas; Seu povo, recebendo-os,
obriga-se a confiar nEle e a servi-lO. Esta idéia está incluída
na representação dada na fórmula do batismo (Rom. 6:3,4) e
em todas as passagens em que se diz que a participação nas
ordenanças cristãs inclui a profissão do evangelho".
2 o . Como selos afixados à aliança, segue-se que realmente
transmitem a graça significada, como forma legal de inves-
tidura, àqueles a quem ela pertence - segundo os termos da
aliança. Assim como se diz que os títulos de uma propriedade,
quando assinados e selados, transmitem a propriedade que eles
representam, por serem eles a forma legal pela qual a intenção
do proprietário original fica expressa publicamente e ratificado
/

o seu ato. E por esse motivo que nas Escrituras, como também
na linguagem geral, os nomes e os atributos das graças seladas
são atribuídos aos sacramentos pelos quais eles são selados e
transmitidos aos seus legítimos possuidores -Conf. de Fé, Cap.
27, Seç. 2. Diz-se que os sacramentos (as ordenanças) lavam-
-nos do pecado, que nos unem a Cristo, que nos salvam, etc.
- Atos 2:38; 22:16; Rom. 6:2,6; 1 Cor. 10:16; 12:13; Gál. 3:27;
Tit. 3 : 5 - 0 Caminho da Vida, Dr. Hodge.

834
Os Sacramentos

A NECESSIDADE DOS SACRAMENTOS

21. Qual a doutrina mantida pelos católicos romanos quanto


à necessidade dos sacramentos?
Os romanistas distinguem -
1°. Entre uma condição absolutamente necessária para
alcançar um fim, e uma que só é muito conveniente e ajuda
muito em sua consecução.
2 o . Entre a necessidade que pertence a meios essenciais, e
aquela obrigação que vem de um m a n d a m e n t o positivo de
Deus. De c o n f o r m i d a d e com isso, eles s u s t e n t a m que os
diversos sacramentos são necessários em sentidos diferentes.
O BATISMO, dizem, é necessário a b s o l u t a m e n t e - sua
administração positiva ou ao menos o sincero desejo de recebê-
-lo - tanto para as crianças como para os adultos, como o único
meio de alcançar a salvação.
A PENITÊNCIA, dizem, é absolutamente necessária no
mesmo sentido, mas somente para os que caíram em pecado
mortal depois de batizados.
A ORDEM, dizem, é absolutamente necessária no mesmo
sentido, p o r é m não para todas as pessoas, como meio de
salvação, m a s s i m com r e s p e i t o à i g r e j a i n t e i r a c o m o
comunidade.
A CONFIRMAÇÃO, a EUCARISTIA e a EXTREMA UNÇÃO são
necessárias somente no sentido de terem sido ordenadas e de
ajudarem muito.
O MATRIMÔNIO, dizem, é necessário somente neste segundo
sentido, e unicamente para os que entram na relação conjugal
- Cat. Rom., Parte 2, Cap. 1, Perg. 13.
Os pusseítas e em geral os extremistas da Igreja Anglicana
s u s t e n t a m o d o g m a da regeneração b a t i s m a l e, assim, a
conseqüência de que o batismo é absolutamente necessário
como o único meio de salvação.

835
Capítulo 41

22. Qual a doutrina protestante quanto à necessidade dos


sacramentos?
I o . Que os sacramentos do Batismo e da Ceia do Senhor
foram instituídos por Cristo e que sua observância perpétua é
obrigatória para a Igreja em razão do preceito divino. Isso se
torna evidente (1) da narrativa que temos da sua instituição,
Mat. 28:19; 1 Cor. 11:25,26; (2) do exemplo dos apóstolos -
Atos 2:41; 8:36,37; 1 Cor. 11:23-28; 10:16-21.
2 o . Que, não obstante isso, a graça oferecida na aliança
evangélica não reside fisicamente nesses sacramentos, nem está
ligada inseparavelmente a eles, de modo que, posto que sejam
obrigatórios como deveres, e ajudem muito como meios aos
que estão preparados para recebê-los, todavia não são em
sentido algum os meios essenciais sem os quais seria impossível
alcançar a salvação. Isso fica provado pelos argumentos apresen-
tados acima, sob a Perg. 16.

A V A L I D A D E DOS SACRAMENTOS

Isso inclui tudo quanto é essencial à legitimidade de um


sacramento, para que possa servir à finalidade da sua instituição.

23. Quais as diversas opiniões sobre este assunto?


Todos os segmentos eclesiásticos c o n c o r d a m que é
necessário que haja -
I o . A " m a t é r i a " v e r d a d e i r a , os e l e m e n t o s e ações
apropriados.
2 o . A " f o r m a " verdadeira, as palavras prescritas que
acompanham a celebração e que, acrescentadas à "matéria",
constituem o sacramento.
3 o . A "intenção" verdadeira, o propósito sério de fazer
aquilo que Cristo mandou fazer quando instituiu o rito.
Diversas igrejas divergem em suas opiniões a respeito do
que são a "matéria", a "forma" e a "intenção" verdadeiras.
Parece certo que não pode de modo algum ter a "intenção"

836
Os Sacramentos

verdadeira ninguém que não creia na deidade suprema de


Cristo, no Seu ofício como Redentor e na personalidade do
Espírito Santo. Por isso a Assembléia Geral, em 1814 (Moore's
Digest, pág. 660) decidiu: "É opinião decidida e unânime desta
Assembléia que os que renunciam às doutrinas fundamentais
da Trindade e negam que Jesus Cristo é o mesmo em substância
e igual em poder e glória ao Pai, não podem ser reconhecidos
como ministros do evangelho, e que as suas ministrações
(batismo etc.) não são válidas". Todas as igrejas concordam que
"a eficácia de um sacramento não depende da piedade de quem
o administra" - Conf. de Fé, Cap. 27, § 3 ;Conc. de Trento, Sess.7,
Cân. 11. E a Conf Gálica, Art. 28, expõe a opinião e a prática
comuns de todas as igrejas protestantes com respeito ao batismo
católico romano: "Não obstante isso, permanecendo ainda no
romanismo alguns vestígios da verdadeira Igreja, e especial-
mente a substância do batismo, cuja eficácia não depende de
quem o administre, reconhecemos que os que foram batizados
por eles não precisam ser rebatizados, embora, por causa da
corrupção contagiosa, ninguém possa oferecer seus filhos para
serem por eles batizados sem que também quem o fizer se
contamine".
Com relação às qualificações das pessoas que administram
os sacramentos, os papistas sustentam que, para a validade de
um sacramento é essencial que seja administrado por um
ministro ordenado canonicamente; para os da ordem e da
confirmação é essencial que o administrador seja bispo; para
os demais, que seja sacerdote. Mas, por ser o batismo absoluta-
mente necessário (como eles dizem) para a salvação, eles admi-
tem que "todos, mesmo de entre os leigos, quer seja homem
quer seja mulher, e seja qual for a seita que professe (podem
batizar). Porque isso é permitido quando a necessidade obriga,
mesmo aos judeus, aos incrédulos e aos hereges, contanto, po-
rém, que o façam com o propósito de fazer aquilo que a igreja
católica romana faz nesse ato de seu ministério" -Cat. do Cone.
de Trento, e Cone. de Trento, Sess. 7, "Do batismo", Cân. 4.

837
Capítulo 41

Os protestantes consideram os sacramentos (as ordenanças)


como u m a pregação da Palavra, t a m b é m como selos auto-
rizados e insígnias que atestam que se pertence à igreja. Por
conseguinte, a sua administração deve ser limitada àqueles
oficiais da igreja que possuam, por comissão divina, o ofício
de ensinar e governar, " n e m um nem outro dos quais (sacra-
mentos) pode ser celebrado por quem não for ministro da
Palavra, legalmente ordenado" -Conf. de Fé, Cap. 27, § 4. Não
considerando o batismo como essencial para a salvação, os
protestantes em geral não fazem n e n h u m a exceção a favor do
batismo leigo - Diretório para o Culto Divino, Cap. 7, § 1;
Calvino, Instituías, Livro 4, Cap. 15, § 20.

E X P O S I Ç Õ E S ECLESIÁSTICAS A U T O R I Z A D A S

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Cat. do Cone. de


Trento, Parte 2, Cap. 1, Perg. 8: "Um sacramento é coisa
exposta aos sentidos, a qual, por instituição de Deus, tem
o poder tanto de significar como de efetuar santidade e
justiça".
Cone. de Trento, Sess. 7, "De Sacramentis", Cân. 1: "Se
alguém disser que os sacramentos da nova lei não foram
todos instituídos por Jesus Cristo, Senhor nosso, ou que
são mais ou menos do que sete, a saber: Batismo, Con-
firmação, Eucaristia, Penitência, Extrema-Unção, Ordem
e Matrimônio; ou que algum desses sete sacramentos não
é verdadeira e propriamente sacramento; seja anátema".
Cân. 4 - "Se alguém disser que os sacramentos da nova
lei não são necessários para a salvação, mas (são) supérfluos;
e que sem eles, e sem o desejo deles, só pela fé os homens
alcançam de Deus a graça da justificação; ainda que nem
todos sejam necessários a cada um; seja anátema".
Cân. 6 - "Se alguém disser que os sacramentos da nova
lei não encerram a graça que significam, ou que não
conferem a mesma graça aos que lhes não põem óbice; e
que só são sinais externos da graça, ou justiça, que se recebe
pela fé, e certos sinais da profissão cristã, com que entre

838
Os Sacramentos

os homens se distinguem os fiéis dos infiéis; seja anátema"


Cân. 8 - "Se alguém disser que pelos mesmos sacra-
mentos da nova lei não se confere graça ex opere operato,
mas que a fé na divina promessa somente basta para
conseguir a graça; seja anátema".
Cân. 9 - "Se alguém disser que por estes três
sacramentos, a saber, Batismo, Confirmação e Ordem, não
se imprime caráter na alma; isto é, um sinal espiritual e
indelével, pelo que eles não podem ser repetidos; seja
anátema".
Cân. 11 - "Se alguém disser que dos ministros, quando
celebram e conferem sacramentos, não se requer ao menos
a intenção de fazer o que a igreja faz; seja anátema".
Cat. do Cone. de Trento, Parte 2, Cap. 1, Pergs. 24,25: "O
outro efeito do Batismo, da Confirmação e da Ordem é o
caráter que eles imprimem na alma. Este caráter é, por
assim dizer, um certo sinal distintivo impresso na alma, o
qual, apegando-se, como sempre faz, nunca se pode
apagar...tem efeito duplo: porque nos prepara para poder-
mos empreender e fazer alguma coisa santa, e também
serve para distinguir-nos uns dos outros por meio de algum
sinal".
Berlarmino, De Sacr., 2, 1: "Aquilo que ativa, próxima e
instrumentalmente efetua a graça da justificação é aquele
único ato externo a que se chama sacramento, e este se
chama opus operatum, porque é recebido passivamente
(operatum), de modo que é a mesma coisa para um
sacramento conferir graça ex opere operato, que é conferir
graça em virtude da própria ação sacramental, instituída
por Deus para esse fim, e não do merecimento nem do
administrador nem de quem o recebe... E verdade que a
vontade de Deus, que se serve do sacramento, concorda
ativamente, de fato é a causa principal. Os merecimentos
de Cristo também concordam, sendo a causa meritória,
não, porém a (causa) eficiente, porque não está no ato mas
no passado, visto que permaneça objetivamente na mente
de Deus. O poder e a vontade do ministro estão de acordo
necessariamente, todavia eles são causas remotas, porque

839
Capítulo 41

são necessários para efetuar a ação sacramental propria-


mente dita, que depois opera imediatamente... Vontade,
fé e arrependimento são necessariamente exigidos como
disposições do adulto que receber um sacramento, não
como causas ativas, porque nem mesmo a fé, nem o
arrependimento, podem efetuar graça sacramental, nem
dar eficácia aos sacramentos, mas só (podem) tirar os
obstáculos que impediriam os sacramentos de exercerem
a sua própria eficácia; por conseguinte, no caso das
crianças, não sendo exigida delas disposição, a justificação
se efetua sem essas coisas. Se, para queimar lenha, seca-se
primeiro a lenha, tira-se depois fogo da pederneira, aplica-
-se em seguida o fogo à lenha, dando então em resultado a
combustão, n i n g u é m diria que a causa imediata da
combustão é, ou a sequidão, ou o ato de tirar o fogo da
pederneira, ou sua aplicação à lenha, e sim que a causa
primária é só o fogo, e a causa instrumental só o aque-
cimento".
DOUTRINA LUTERANA -Conf. de Augsb., Pág. 13 (Hase):
"Os sacramentos foram instituídos, não somente para
serem sinais da profissão (de fé em Cristo) entre os
homens, mas, antes, para serem sinais e testemunhos da
vontade de Deus para conosco, expostos para estimular e
confirmar a fé das pessoas que deles se servem".
Apol. da Conf. de Augsb., Pág. 267: "E por haver duas
coisas n u m sacramento, o sinal e a palavra; esta é a
promessa do Novo Testamento de remissão do pecado... e
a cerimônia é como que uma representação pictórica da
Palavra, ou como um selo pondo em distinção a promessa.
Por isso, assim como a promessa será inoperante se não
for aceita com fé, assim também a cerimônia não produzirá
efeito se não houver fé. E assim como a Palavra foi dada
para estimular a fé, assim também o sacramento foi
instituído para que essa representação, sendo percebida,
mova o coração levando-o a crer".
Ib., pág. 203 - "Condenamos toda a classe de doutores
escolásticos que ensinam que os sacramentos conferem
graça ex opere operato a quem não lhes oponha obstáculos,

840
Os Sacramentos

sem n e n h u m a ação positiva do p a r t i c i p a n t e . M a s os


sacramentos são sinais de promessas, e, por isso, é preciso
que a fé esteja presente em sua celebração... Falamos aqui
da fé especial que confia n u m a promessa presente, não
somente crendo em geral que Deus existe, mas que crê
que a remissão dos pecados é oferecida".
Quenstedt (Wittenberg, * 1688), Vol. l,pág. 169: "A Palavra
de Deus, pela vontade e pela instituição do próprio Deus,
tem, antes mesmo e além de todo uso legítimo, um poder
divino, que é intrínseco e comum a todos os homens, e
suficiente para produzir imediata e propriamente efeitos
espirituais e divinos, tanto de bênção da graça como de
punição". n.» «>
Conf. de Angsb., Art. 9: "Eles condenam os anabatistas,
que desaprovam o batismo de crianças e afirmam que as
crianças podem ser salvas sem o batismo".
Apol. da Conf. de Augsb., pág. 156: "Aprova-se o nono
artigo, em que confessamos que o batismo é necessário
para a salvação, que as crianças devem ser batizadas, e que
o batismo de crianças não é ocioso, e sim necessário e
eficaz para a salvação".
Art. de Esmalcalda, Part. 3, Cap. 8: "E, quanto às coisas
que dizem respeito à Palavra falada ou externa, deve-se
manter firmemente que Deus não concede a ninguém o
Seu Espírito ou a Sua graça, a não ser por meio da Palavra
e com a Palavra externa precedendo... Portanto, é neces-
sário que perseveremos nisso c o n s t a n t e m e n t e , p o r q u e
Deus não quer tratar conosco por outro modo que não seja
pela Palavra falada e pelos sacramentos (ordenanças), e
porque tudo aquilo de que as pessoas se gabem como sendo
do Espírito sem a Palavra e os sacramentos, é o próprio
diabo".
DOUTRINA REFORMADA - Cat. de Genebra, pág. 519:
"O sacramento é um atestado externo da benevolência
divina para conosco, o qual, por um sinal visível, repre-
senta graças espirituais para selar em nossos corações as
promessas de Deus, podendo assim a sua virtude ser mais
bem confirmada. Vocês pensam que a virtude e eficácia

841
Capítulo 41

do sacramento não se acham no elemento externo mas


que vêm unicamente do Espírito de Deus? Eu verdadei-
ramente assim julgo, porque agrada mais ao Mestre exercer
o Seu próprio poder por Seus próprios instrumentos, seja
qual for o propósito para o qual Ele os destinou".
Cat. de Ileidelberg, Perg. 66: "Os sacramentos são sinais
visíveis e santos estabelecidos por Deus, para que, por meio
do seu uso, a promessa do evangelho se nos torne mais
clara e seja selada; a saber, que Deus, por amor da oblação
única de Cristo, dá-nos o perdão dos pecados e a vida
eterna".
Os Trinta e Nove Artigos, Art. 25: "Os s a c r a m e n t o s
instituídos por Cristo não são unicamente designações ou
indícios da profissão (de fé) dos cristãos, mas, antes, são
testemunhos firmes e certos, e sinais eficazes da graça e
da boa vontade de Deus para conosco, pelos quais Ele age
invisivelmente em nós, e não somente vivifica, p o r é m
também fortalece e confirma a nossa fé nEle. ...é somente
nas pessoas que os recebem dignamente que produzem
saudável efeito ou ação; todavia os que os recebem indig-
namente adquirem para si mesmos condenação, como diz
o apóstolo Paulo".
Conf. de Fé, de Westminster, Cap. 27; Cat. Maior, Pergs.
161-168; Breve Cat., Pergs. 91-93. Veja acima, Perg. 2.
DOUTRINA ZWINGLIANA E REMONSTRANTE -
Limborch, Christ. Theol., 5, 66, 31: "Resta dizer que Deus,
por meio dos sacramentos, exibe-nos a Sua graça, não
conferindo-a de fato por meio deles, mas representando-a
e colocando-a diante de nossos olhos por meio deles como
sinais claros e evidentes... E essa eficácia não é mais que
objetiva, exigindo (da nossa parte) uma faculdade cognitiva
q u e possa a p r e e n d e r a q u i l o q u e o sinal a p r e s e n t a
objetivamente à (nossa) mente... Eles operam sobre nós
como sinais, representando à mente a coisa da qual são
sinais. Não se deve procurar neles nenhuma outra eficácia".
• fy ;• !»;*• i-J.

842
! 42

O Batismo: Natureza, Propósito,


Objetos, Modo, Eficácia
e Necessidade

A N A T U R E Z A E O P R O P Ó S I T O DO B A T I S M O

1. Como expor os fatos que dizem respeito ao costume que existia


entre os judeus e as nações gentílicas antes da vinda de Cristo, de
lavar com água como símbolo de purificação espiritual?
N e n h u m outro símbolo religioso é tão natural e óbvio, e
n e n h u m o u t r o t e m sido e m p r e g a d o tão u n i v e r s a l m e n t e .
Indícios claros nos ensinam que esse costume existia entre os
discípulos de Zoroastro, os brâmanes, os egípcios, os romanos,
os gregos e especialmente entre os judeus. No tabernáculo
original, cujo m o d e l o D e u s m o s t r o u a Moisés no m o n t e ,
achava-se u m a grande bacia, colocada entre o altar sobre o qual
se fazia expiação pelo pecado, e o tabernáculo do t e s t e m u n h o ,
e ali os sacerdotes deviam lavar-se sempre, antes de entrarem
na p r e s e n ç a de D e u s - Êx. 30:18-21. Este s i m b o l i s m o
e n t r a n h o u - s e em sua língua e em seu culto religioso, Sal. 26:6;
H e b . 9:10, e no tempo de Cristo entrou em todos os detalhes
da vida secular - Mar. 7:3,4.
Portanto, a lavagem religiosa do corpo com água já estava
p r o n t a para ser empregada como símbolo por João Batista e
pelos discípulos do nosso Senhor.

843
Capítulo 42

2. O batismo de João foi cristão?


O Concílio de Trento (Sess. 7, "De Baptismo", Cân. 1) deci-
diu que, "Se alguém disser que o batismo de João Batista
teve a mesma eficácia que o batismo de Cristo, seja anátema".
Por motivos controversiais, muitos protestantes, principal-
m e n t e os das escolas de Zwínglio e de Calvino, t o m a r a m
p a r t i d o c o n t r á r i o e d e c i d i r a m que os dois e r a m idênticos
(.Instituías, Livro 4, Cap. 15 §§ 7-18; Turre tino, Instit., Loc. 19,
QUEBS. 1 6 ) .
Cremos que Calvino e os demais laboraram em erro, pelos
seguintes motivos -
I o . João Batista pertenceu à economia do Velho Testamento,
e não à do Novo. Eie viera "no espírito e virtude de Elias",
vestido como um dos antigos profetas, com os modos deles e
e n s i n a n d o a doutrina d e l e s - M a t . 11:13,14; Luc. 1:17.
2 o . Seu batismo foi o "de a r r e p e n d i m e n t o " , obrigando os
batizandos ao arrependimento, mas não à fé em Cristo e à
obediência a Ele.
3°. A igreja judaica ainda ficava em sua forma antiga. A
Igreja Cristã, como tal, ainda não existia. João pregava, "é
chegado o reino dos céus", Mat. 3:2, mas ele não reuniu n e m
s e l o u , p o r m e i o d o b a t i s m o , s ú d i t o s desse r e i n o n u m a
sociedade visível e separada.
4 o . Seu batismo não era ministrado em n o m e da Trindade.
5 o . A l g u n s d o s q u e f o r a m b a t i z a d o s p o r ele f o r a m
rebatizados pelo apóstolo Paulo - Atos 18:24-19:7.

3. Porventura os batismos ministrados pelos discípulos de Cristo


antes da crucificação foram idênticos aos ministrados pelos apóstolos
depois da Sua ascensão?
Até ao t e m p o da Sua morte, Cristo, como t a m b é m o havia
feito João, conformou-se aos usos e ensinou as doutrinas da
d i s p e n s a ç ã o judaica. Sua crucificação e Sua r e s s u r r e i ç ã o
demarcam a real transição da antiga dispensação para a nova.
A natureza do Seu r e i n o e a Sua própria deidade, e por isso a

844
O Batismo..

d o u t r i n a da Trindade, não eram ainda percebidas clara-


m e n t e , e a Igreja Cristã, como c o m u n i d a d e , não estava ainda
organizada. Ele pregou, como João pregara: "Arrependei-vos,
p o r q u e é chegado o reino dos céus", Mat. 4:17, e enviou Seus
discípulos para que pregassem: "É chegado a vós o reino de
D e u s " - L u c . 10:9.
Cremos, pois, que o batismo m i n i s t r a d o pelos discípulos
de Cristo antes da Sua crucifixão foi, c o m o o de João, simples-
m e n t e um rito preparatório e purificador, obrigando ao
arrependimento.

4. Onde está registrada a narrativa da verdadeira instituição


do batismo do cristão?
Em M a t e u s , 28:19,20: " P o r t a n t o ide, ensinai todas as
nações, batizando-as em n o m e do Pai e do Filho, e do Espírito
Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho
m a n d a d o ; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à
consumação dos séculos. Amém".

5. Como se pode provar que a sua observância é de obrigação


perpétua? -
Isso t e m s i d o n e g a d o pelos s o c i n i a n o s p o r m o t i v o s
racionalistas, e pelos quacres (Barclay, Apol. Prop., 12, com. §
6), em razão de u m a falsa espiritualidade, e por alguns partidos
de anti-batistas (ou anabatistas), que sustentam que o batismo
foi instituído para a iniciação na Igreja dos que estão fora dela,
e, p o r isso, não deveria ser aplicado aos que nasceram dentro
dela, em comunidades cristãs já estabelecidas.
Q u e foi instituído com o fim de ser observado em toda
parte e sempre deixam-no claro -
I o . O m a n d a m e n t o dado nas palavras da sua instituição:
(1) "todas as nações", e (2) "todos os dias, até à consumação dos
séculos".
2°. Os preceitos e a prática dos apóstolos - Atos 2:38; 10:47;
16:33, etc.

845
Capítulo 42

3 o . A razão de ser e a necessidade da o r d e n a n ç a , que


d e t e r m i n a r a m a sua existência no princípio, p e r m a n e c e m e
são universais.
4 o . A prática u n i f o r m e da Igreja, toda ela, em todos os
seus ramos, desde o princípio.

6. Como os nossos livros simbólicos definem o batismo?


Conf. de Fé, Cap. 28; Cat. Maior, Perg. 165; Breve Cat.,
Perg. 94.
Os pontos essenciais da sua definição são -
I o . E um "lavar com água".
2 o . Em n o m e do Pai e do F i l h o e do Espírito Santo.
/

3 o . E feito com o propósito de significar e selar "a nossa


união com Cristo, a participação das bênçãos do pacto da graça,
e a promessa de pertencermos ao Senhor".

7. Que é essencial à "matéria" do batismo?


Q u a n t o à sua "matéria", o batismo é essencialmente um
"lavar com água". N e n h u m modo especial de lavar é essencial.
I o . Porque o m a n d a m e n t o não prescreve n e n h u m m o d o
especial. Veja abaixo, Pergs. 12-21.
2 o . Porque n e n h u m m o d o especial de administração é
essencial para o simbolismo próprio deste sacramento. Veja
abaixo, Perg. 11. Por outro lado, a água é essencial para o
simbolismo do rito. E o símbolo natural de purificação moral,
Ef. 5:25,26; e foi estabelecida como tal nas leis de Moisés.

8. Que é necessário quanto à fórmula de palavras empregadas


na administração do batismo?
Para a validade do sacramento, é essencial que seja
ministrado "em n o m e do Pai e do F i l h o e do Espírito Santo".
Isso é certo - I o . Porque está incluído no m a n d a m e n t o - Mat.
28:19. 2 o . Pela significação do rito. Além de ser um símbolo
de purificação, é t a m b é m , essencialmente, o rito de iniciação
na Igreja Cristã, u m a ordenança com força de aliança, em que

846
O Batismo..

o batizando reconhece seus deveres para com D e u s e p r o m e t e


ser-lhe fiel naquele caráter e naquelas relações em que Ele Se
nos tem revelado nas Escrituras. A f ó r m u l a do batismo é, pois,
u m a resumida exposição de toda a d o u t r i n a bíblica do Deus
Triúno (Yavé), c o m o L h e aprouve revelar-Se a nós, e em todas
as relações que cada u m a das Pessoas da Trindade, p o r Sua
graça, m a n t é m com o crente, no plano da redenção. Por isso é
nulo o batismo de todas as seitas que rejeitam a doutrina bíblica
da Trindade.
As frases que dizem batizar "em n o m e de Jesus Cristo",
ou " e m n o m e do Senhor", ou " e m n o m e do Senhor Jesus",
Atos 2:38; 10:48; 19:5, não apresentam a f ó r m u l a de palavras
empregada pelos apóstolos na administração deste sacramento,
mas são empregadas s i m p l e s m e n t e para designar o batismo
cristão em d i s t i n ç ã o ao de João, ou p a r a i n d i c a r o efeito
u n i f o r m e daquela graça espiritual que o batismo simboliza, a
saber, a união com Cristo - Gál. 3:27.

9. Qual a significação da fórmula com a qual se batiza "em"


ou "no nome de alguém"?
Ser batizado "em n o m e de Paulo", 1 Cor. 1:13, ou "em
Moisés" (i Moyse, segundo a Vulgata*), 1 Cor. 10:2, é, da parte
do batizado, tornar-se discípulo crente e obediente de Paulo
ou de Moisés, objetos do seu c u i d a d o e p a r t i c i p a n t e s de
quaisquer bênçãos que eles possam conceder. Sermos batizados
em n o m e da T r i n d a d e (Mat. 28:19), ou "em n o m e do Senhor
Jesus", Atos 19:5, ou "em Jesus Cristo", Rom. 6:3, é sermos
unidos a Cristo, ou à Trindade, por Cristo, por meio do batismo,
ou, antes, pela graça da qual o batismo cerimonial é símbolo,
como Seus discípulos, crentes em Sua doutrina, herdeiros de
Suas promessas, e participantes de Sua vida espiritual.

* Figueiredo afasta-se muito disso. Nota do tradutor. (Figueiredo diz: e todos


foram batizados debaixo da conduta de Moisés, na n u v e m e no mar.
Acréscimo de Odayr Olivetti.)

847
Capítulo 42

10. Qual é o propósito do batismo? >'


O batismo tem por propósito -
1 0 . Primariamente, significar, selar e comunicar àqueles a
quem pertencerem, os benefícios da aliança da graça. Assim,
pois, (1) Simboliza a "lavagem da regeneração" (Tit. 3:5,
lavacrum, segundo a Vulgata), a "renovação do Espírito Santo",
que u n e o crente a Cristo e assim o torna participante da vida
de Cristo e de todos os demais benefícios. - 1 Cor. 12:13; Gál.
3:27. (2) No batismo Cristo sela, de um modo visível, as Suas
promessas àqueles que O recebem com fé, e lhes dá a graça
prometida.
2 o . Tem por propósito, em segundo lugar: (1) Ser u m a
insígnia visível do nosso voto de pertencermos ao Senhor, isto
é, de aceitarmos a Sua salvação e de nos dedicarmos a Seu
serviço. (2) E, por isso, ser u m a insígnia da nossa profissão
pública, da nossa separação do m u n d o e da nossa iniciação na
Igreja Visível. Como insígnia, assinala-nos como pertencentes
ao Senhor e, por conseguinte, (a) o batismo nos distingue do
m u n d o , e (b) simboliza a nossa união com os cristãos, nossos
irmãos.

11. Qual é o ensino emblemático do batismo?


Em todo sacramento há um sinal visível representando
u m a graça invisível. O sinal representa a graça p o r q u e Cristo,
com Sua autoridade, o estabeleceu e designou para esse fim.
Mas a escolha por Ele feita de qualquer sinal em particular
deveria f u n d a r - s e em sua idoneidade para ser emblema natu-
ral da graça que deveria representar. Assim é que, na Ceia do
Senhor, o pão p a r t i d o pelo m i n i s t r o oficiante, e o v i n h o
d e r r a m a d o , são e m b l e m a s n a t u r a i s d o c o r p o d e C r i s t o
q u e b r a d o e do Seu sangue d e r r a m a d o como sacrifício por
nossos pecados.
Do m e s m o modo, no sacramento do batismo, a aplicação
da água à pessoa do batizando é emblema natural da "lavagem
da regeneração" - Tit. 3:5. Por isso nos é dito que nascemos

848
O Batismo..

"da água e do Espírito", João 3:5, isto é, que somos regenerados


pelo Espírito Santo, regeneração da qual o batismo c o m água
é o e m b l e m a ; e que somos "batizados em um só Espírito em
um corpo",* isto é, que somos batizados no corpo espiritual
de Cristo, 1 Cor. 12:13; que somos "batizados em Cristo", de
m o d o que nos revestimos de Cristo, Gál. 3:27; e que somos
"batizados na sua m o r t e (de Cristo)" e "sepultados com ele
pelo batismo na morte",** para que " a n d e m o s nós t a m b é m
em novidade de vida", Rom. 6:3,4, porque o sacramento do
batismo é o e m b l e m a daquela regeneração espiritual que nos
u n e a Cristo tanto federal como espiritualmente, de m o d o que
temos parte com Ele tanto em Sua vida como em Sua morte, e
que, assim como Ele m o r r e u para o pecado como sacrifício,
assim também nós morremos para o pecado, deixando o pecado
de ser o princípio diretor da nossa vida; e assim como Ele
ressuscitou para tornar a assumir Sua vida natural, nós res-
surgimos para tomar posse e para o exercício de u m a nova
vida espiritual.
Os intérpretes batistas, p o r é m , insistem em que a Bíblia,
e n s i n a n d o ser o sinal externo deste sacramento a imersão do
corpo inteiro na água, ensina que o sinal é tanto um emblema
de purificação como também da nossa morte, sepultamento e
ressurreição com Cristo. O Dr. Carson, na página 381 de sua

* In unum Spiritu... in unum corpus, segundo a Vulgata, da qual Figueiredo


se afasta muito. Nota do tradutor. (Figueiredo diz: "fomos batizados todos
nós, para sermos um mesmo corpo"; Almeida (Revista e Corrigida): "fomos
batizados em um Espírito formando um corpo"; Almeida, Atualizada:
"em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo"; Versão
Autorizada, inglesa: "por um só Espírito somos todos batizados n u m só
c o r p o " ; Grego: "kai gàr en em pneúmati hemeis, pántes eis hèn sôma
ebaptísthemen". Acréscimo de Odayr Olivetti.

** Aqui também Figueiredo afasta-se inteiramente até da Vulgata, que


professa traduzir. Ela diz: Consepulti sumus cum illo per baptismum in
mortem. Ele: " F o m o s sepultados com ele para morrer ao pecado pelo
batismo". Nota do tradutor.

849
Capítulo 42

obra, diz: "A imersão do corpo inteiro é essencial ao batismo,


n ã o p o r q u e n a d a senão a i m e r s ã o possa ser e m b l e m a da
purificação, mas sim p o r q u e a imersão é o que Cristo nos
m a n d a fazer, e p o r q u e sem a imersão n ã o há e m b l e m a da
morte, s e p u l t a m e n t o e ressurreição, que estão no e m b l e m a
j u n t a m e n t e com a purificação". Ele f u n d a m e n t a a sua asserção
de que o sinal externo do sacramento do batismo haveria de
ser o emblema da morte, sepultamento e ressurreição do crente
em u n i ã o com Cristo, em Rom. 6:3,4 e em Col. 2:12.
I m p u g n a m o s essa interpretação -
I o . Em n e n h u m a das passagens citadas diz Paulo que o
nosso batismo na água é o emblema do nosso s e p u l t a m e n t o
c o m Cristo. Ele está f a l a n d o e v i d e n t e m e n t e d o b a t i s m o
espiritual do qual o com água é o e m b l e m a ; e é este batismo
espiritual que nos faz morrer para o pecado e viver para a
santidade, e nesta m o r t e e vida nova ficamos c o n f o r m a d o s à
m o r t e e ressurreição de Cristo. O que a Palavra de D e u s diz é
que somos "batizados em Cristo", que é obra realizada pelo
Espírito Santo, e não " n o " ou "em n o m e de Cristo", que é a
frase empregada sempre que se fala do batismo cerimonial. -
Mat. 28:.19: Atos 2:38; 19:5.
2 o . Ser "batizado na sua m o r t e " (Rom. 6:3) é frase perfeita-
m e n t e análoga a ser batizado " n o arrependimento" (Mat. 3:11,
- ARA, veja margem inferior; in poznitentiam, Vulgata); "na
remissão dos pecados" (Mar. 1:4; veja a Vulgata e Mat. 3:11,
margem inferior), "em um corpo" ou " n u m só corpo", 1 Cor.
12:13, isto é, para que, ou para o efeito de que participemos
dos benefícios da Sua morte.
3 o . A interpretação dos batistas envolve u m a completa
confusão com respeito ao emblema. Quererão eles acaso dizer
que o sinal externo da imersão é emblema da morte, sepulta-
m e n t o e ressurreição de Cristo, ou da morte, sepultamento e
r e s s u r r e i ç ã o e s p i r i t u a i s do c r e n t e ? M a s o a p ó s t o l o , n a s
passagens citadas, evidentemente n ã o faz comparação entre o
nosso batismo e a morte, sepultamento e ressurreição de Cristo,

850
O Batismo..

p o r é m entre a nossa m o r t e para o pecado e ressurreição para a


santidade, e a m o r t e e ressurreição do Redentor.
4 o . Os batistas concordam conosco na afirmação de que o
batismo c o m água é e m b l e m a de purificação espiritual, isto é,
da regeneração, mas insistem em que o batismo t a m b é m é
e m b l e m a (na imersão) da m o r t e do crente para o pecado e da
sua nova vida para a santidade - Dr. Carson, pág. 143. Contudo,
qual a distinção entre regeneração, m o r t e para o pecado e vida
para a santidade?
5 o . Os batistas dizem conosco que o batismo com água é
e m b l e m a de purificação. Mas é por certo impossível que o
m e s m o ato seja ao m e s m o t e m p o e m b l e m a de u m a lavagem e
de um s e p u l t a m e n t o e ressurreição! E possível associar u m a
dessas i d é i a s à o u t r a em c o n s e q ü ê n c i a de s u a s r e l a ç õ e s
espirituais, entretanto não é possível que o m e s m o sinal visível
seja emblemático das duas.
6°. A nossa u n i ã o com Cristo p o r obra do Espírito, e suas
conseqüências espirituais, acham-se representadas nas Escri-
turas por meio de muitas figuras, como sejam - a substituição
do coração de pedra p o r um de carne, Ez. 36:26; a edificação
de u m a casa, Ef. 2:22; a enxertia de um r a m o n u m a videira,
João 15:5; o despir-se da roupa suja e vestir-se de roupa limpa,
Ef. 4:22-24; u m a morte, sepultamento e ressurreição espirituais,
e o ser p l a n t a d o à semelhança da m o r t e de Cristo, Rom. 6:3-5;
e a aplicação ao corpo de um elemento purificador, Ez. 36:25.
Ora, o b a t i s m o com água representa todas estas coisas, p o r q u e
é o e m b l e m a de purificação espiritual, da qual todas essas
figuras são ilustrações analógicas. Por isso nos é dito que somos
"batizados em um corpo", 1 Cor. 12:13, e que pelo batismo
nos revestimos de Cristo, Gál. 3:27. Ao m e s m o tempo, seria
um absurdo ter o b a t i s m o com água c o m o emblema literal de
t u d o isso, e os nossos irmãos batistas não têm n e n h u m a base
bíblica para a asserção de que o sinal externo deste sacramento
é um e m b l e m a de u m a das analogias mais do que da outra.
VtyàDoctrine ofBaptisms, Parte 2, Cap. 2, do Dr. Armstrong.

851
Capítulo 42

O M O D O DE BATIZAR

12. Quais são as palavras empregadas no idioma original das


Escrituras para transmitir o mandamento para ministração do
batismo?
A palavra primária, bápto, encontra-se quatro vezes no
Novo Testamento, Luc. 16:24; João 13:26 (duas vezes); Apoc.
19:13, mas n u n c a em conexão com o assunto do b a t i s m o
cristão. Seu (múltiplo) significado clássico é, I o . Mergulhar,
imergir; 2 o . Tingir; 3 o . Lavar, quer mergulhando na água, quer
d e r r a m a n d o água sobre o que se lava.*
A palavra baptizo, que é na forma, mas não segundo o uso,
o freqüentativo de bápto, encontra-se setenta e seis vezes no
Novo Testamento, e é a palavra empregada pelo Espírito Santo
para transmitir o m a n d a m e n t o para a ministração do batismo.
Seu (múltiplo) significado clássico é, I o . Mergulhar, submergir,
a f u n d a r ; 2 o . M o l h a r b e m ; 3 o . D e r r a m a r sobre.
Além desses dois verbos, temos os substantivos derivados
da mesma raiz e tendo o m e s m o uso,báptisma, que se encontra
vinte e duas vezes e é traduzido batismo, e baptismos, quatro
vezes, traduzido batismos em Heb. 6:2, lavar em Mar. 7:4,8,**
e em Heb. 9:10 (sempre no plural).
A única questão de que temos que tratar é o uso bíblico
dessas palavras, p o r q u e é princípio importante e reconhecido
universalmente que muitas vezes há grande diferença entre os
usos bíblico e clássico da mesma palavra.
Este efeito é devido à influência de três causas. Vejaitop-
tism, its Modes and Subjects, por Dr. Alex. Carson;Meaning and
Use of the Word Baptizein {Baptizo), pelo Rev. Dr. C o n a n t ; e
Classic, Judaic, Johannic and Christian Baptism, por Rev. James

* Raramente se vê referência ao fato de que em Daniel 4.33, naSeptuaginta,


o verbo traduzido por "foi molhado" ("o seu corpo foi molhado do orvalho
do céu") éebáfe, 2 o . aoristo passivo debápto. Nota de Odayr Olivetti.
** No texto grego mais geralmente em uso não consta. Nota de Odayr Olivetti.

852
O Batismo..

W. Dale. Consideremos as referidas causas: i


I a . As principais obras clássicas foram escritas no dialeto
ático. Mas a língua em geral usada pelos povos que falavam
grego no começo da era cristã era o dialeto c o m u m ou helénico
do grego do tempo de Cristo, que resultou da fusão dos diversos
dialetos que existiam anteriormente. *
2 a . O idioma utilizado pelos escritores do Novo Testamento
veio a ser mais modificado ainda p o r estes fatos: sua língua
vernácula era u m a forma do hebraico - o siro-caldaico (ou ara-
maico); o uso constante que fizeram da tradução das Escrituras
hebraicas para o grego, a Septuaginta, influiu m u i t o em seu
m o d o de falar e escrever em grego, p a r t i c u l a r m e n t e q u a n d o
tratavam de assuntos religiosos; e, no próprio ato de comporem
o N o v o Testamento, eles estavam ocupados na exposição de
idéias religiosas, e na inauguração de instituições religiosas
que tiveram seus tipos e símbolos na velha dispensação, como
essa se achava revelada na l í n g u a sagrada das E s c r i t u r a s
hebraicas.
3 a . Os escritos do N o v o Testamento são a publicação de
novas idéias e revelações, e, por isso, as palavras e frases pelas
quais esses novos pensamentos são comunicados t ê m que ser
m u i t o modificados quanto ao seu sentido etimológico anterior
e seu uso pagão, e, "se quisermos apreender a p r o f u n d i d a d e e
o alcance completo da significação que elas têm em sua nova
aplicação, é preciso que procuremos isso no Novo Testamento,
c o n f e r i n d o p a s s a g e m c o m p a s s a g e m e e x a m i n a n d o a lin-
guagem empregada à luz das grandes coisas que ela traz à nossa
apreensão".
C o m o exemplos desse contraste entre os usos bíblico e
clássico de m u i t a s p a l a v r a s , e x a m i n e m - s e ángelos, a n j o ,
presbyteros, presbítero ou ancião,ekklesía igreja; basileía toü Theoü,
ou tôn ouranôn, reino de D e u s ou dos céus, palinguenesía,
regeneração, cháris, graça, etc. - Fairbairn,Herm. Manual, Parte
1, Seç. 2.

853
Capítulo 42

13. Qual a posição das igrejas batistas com respeito ao significado


da palavra bíblica baptizo, e por quais argumentos elas procuram
provar que a imersão é o único modo válido de ministrar o batismo?
"...ela significa s e m p r e imergir, e n u n c a e x p r i m e outra
coisa senão o m o d o " - Carson, on Baptism, pág. 55. Q u a n t o à
essa a f i r m a ç ã o ele confessa: " T e n h o contra m i m TODOS os
lexicógrafos e c o m e n t a d o r e s " . Os batistas i n s i s t e m , p o r t a n t o ,
em traduzir sempre as palavras baptizo tbáptisma pelas palavras
i m e r g i r e imersão.
Os a r g u m e n t o s c o m os quais p r o c u r a m p r o v a r q u e a
i m e r s ã o é o ú n i c o m o d o válido de batizar são -
I o . O significado constante da palavra baptizo.
2o. O significado simbólico do rito, c o m o s e n d o emble-
mático do s e p u l t a m e n t o e ressurreição.
3 o . A prática dos apóstolos.
4 o . A história da Igreja P r i m i t i v a .

14. Qual a posição mantida sobre este ponto por todos os


demais cristãos?
I o . É c o s t u m e estabelecido pelo uso bíblico a t r i b u i r aos
sinais as coisas sacramentais que esses sinais s i g n i f i c a m ou
s i m b o l i z a m ; e, p o r o u t r o lado, e m p r e g a r o n o m e do sinal para
designar a graça significada. E assim que, em Gên. 17:11,13, a
circuncisão é c h a m a d a pacto ou aliança; em M a t . 26:26-28,
Cristo c h a m a o pão Seu corpo, e o v i n h o Seu sangue; e em Tit.
3:5 ( s e g u n d o o grego e a Vulgata), o b a t i s m o é c h a m a d o "lava-
gem da r e g e n e r a ç ã o " (como ARC). E assim t a m b é m as palavras
BATIZAR e BATISMO muitas vezes são empregadas para designar
aquela obra e f e t u a d a na regeneração pelo E s p í r i t o S a n t o da
qual o b a t i s m o com água é o sinal significativo ou simbólico -
M a t . 3:11; 1 Cor. 12:13; Gál. 3:27; D e u t . 30:6. Segue-se, pois,
que essas palavras m u i t a s vezes são empregadas em sentido
espiritual.
2 o . Q u a n d o essas palavras se r e f e r e m ao b a t i s m o ceri-
m o n i a l , ou ao sinal q u e representa a coisa significada, elas

854
O Batismo.

e n v o l v e m a aplicação de água em n o m e da T r i n d a d e , c o m o
e m b l e m a de purificação ou de regeneração espiritual, e n u n c a ,
no seu u s o bíblico, significam coisa a l g u m a a respeito do modo
pelo qual se deva aplicar a água.
Este é o p o n t o exato em discussão: os batistas insistem em
q u e o m a n d a m e n t o q u e C r i s t o deu para a m i n i s t r a ç ã o do
b a t i s m o é um m a n d a m e n t o para " i m e r g i r " . Todos os d e m a i s
cristãos* s u s t e n t a m que o m a n d a m e n t o é para "lavar em água",
c o m o s í m b o l o de purificação espiritual.
D o s a r g u m e n t o s dos batistas expostos sob a Perg. 13 dei
resposta ao s e g u n d o sob a Perg. 11; ao p r i m e i r o e ao terceiro
darei resposta em seguida. ,, ...... .

15. Como se pode provar, por seu uso bíblico, que as palavras
b a p t i z o e b á p t i s m a não significam imersão e sim LAVAGEM para
significar PURIFICAÇÃO, sem referência alguma ao modo?
I o . O v e r b o e n c o n t r a - s e q u a t r o vezes na Septuaginta
( t r a d u ç ã o grega do Velho Testamento), e em três desses casos
refere-se ao b a t i s m o com água. Veja: 2 Reis 5:14 - O p r o f e t a
m a n d a r a dizer a N a a m ã : "Vai, e lava-te... e ficarás p u r i f i c a d o " .
E ele " m e r g u l h o u (literalmente: batizou-se) no Jordão... e ficou
p u r i f i c a d o " . Eclesiástico 34:30 ( M a t o s Soares) - "Se a l g u é m
se lava depois de ter tocado um m o r t o . . . " ( l i t e r a l m e n t e : "Se
a l g u é m se batiza...") Essa purificação se fazia b o r r i f a n d o ou
e s p a r g i n d o "a água da separação" - N ú m . 19:9,13,20. J u d i t e
12:7 ( M a t o s Soares) - J u d i t e "lavava-se n u m a f o n t e de água"
(literalmente: batizava-se). E n t r e aqueles povos não se tomava
b a n h o i m e r g i n d o - s e na água; e as circunstâncias em que Judite
se achava a u m e n t a m a i m p r o b a b i l i d a d e em seu caso. Lavava-
-se (batizava-se) para purificação. " E , e n t r a n d o , p e r m a n e c i a
pura..." (versículo 9).

* No tempo de Hodge ainda não t i n h a m nascido as igrejas pentecostais.


Nota de Odayr Olivetti.

855
Capítulo 42

2 o . A questão agitada entre alguns dos discípulos de João


e os judeus, João 3:22-30; 4:1-3, a respeito do batismo era acerca
da purificação, peri katharismoü.
3 o . Mat. 15:2; Mar. 7:1-5; Luc. 11:37-39- Nessas passagens
a palavra baptizo é empregada (1) para designar o costumeiro
ato de lavar as mãos antes das refeições, para limpá-las (ou
purificá-las), e se fazia h a b i t u a l m e n t e d e r r a m a n d o água sobre
elas, 2 Reis 3:11. (2) E trocada pela palavra nípto, que sempre
significa um lavar parcial. (3) Declara-se que o seu efeito era
purificar, katharizein. (4) As mãos batizadas, ou lavadas, acham-
-se opostas às i m u n d a s ou impuras, koinais.
4°. Marcos 7:4,8, "...lavar os copos (grego: "batismos de"),
e os jarros, e os vasos de metal, e as camas" - klínai, camilhas
dispostas em roda da mesa, nas quais os judeus se recostavam
e n q u a n t o comiam, várias pessoas em cada u m a delas. Esses
batismos t i n h a m por fim a purificação e, no caso das mesas,
das camilhas, etc., não podiam ser "batizadas" por imersão.
5 o . Em H e b r e u s 9:8,10 lemos que no " p r i m e i r o taber-
náculo" havia "manjares, e bebidas, e várias abluções" (literal-
m e n t e : vários b a t i s m o s ) . N o s v e r s í c u l o s 13, 19 e 21 são
especificados alguns desses "vários batismos" ou dessas "várias
abluções": "Porque, se o sangue dos touros e bodes, e a cinza
d u m a novilha esparzida sobre os i m u n d o s os santifica q u a n t o
à purificação da carne; Moisés " t o m o u o sangue dos bezerros
e dos bodes, com água, lã p u r p ú r e a e hissopo, e aspergiu tanto
o livro como todo o povo"; e ainda: "E s e m e l h a n t e m e n t e
aspergiu com o sangue o tabernáculo e todos os vasos do
ministério". -Doctrine ofBaptisms, Parte 1, do Dr. Armstrong.

16. Que argumento a favor deste modo de considerar o assunto


se pode tirar daquilo que a Bíblia diz do batismo com o Espírito
Santo?
Mat. 3:11; Mar. 1:8; Luc. 3:16; João 1:26,33; Atos 1:5;
11:16; 1 Cor. 12:13.
Se a palavra baptizo só significasse imergir, não seria

856
O Batismo..

aplicável ao uso figurado que nessas passagens se faz dela. Mas


se, como nós dizemos, ela significa purificar, limpar, então o
batismo com água, c o m o um ato de lavar, p o r é m n u n c a c o m o
uma imersão, pode bem representar a obra purificadora
realizada pelo Espírito Santo. Veja a Perg. subseqüente.

17. Que argumento se pode tirar do fato de se dizer que as bênçãos


simbolizadas pelo batismo são aplicadas por aspersão e derra-
mamento?
O dom do Espírito Santo é a graça simbolizada - Atos
2:1-4, 32, 33; 10:44-48; 11:15,16. O fogo, que não os imergiu
mas l h e s a p a r e c e u c o m o " l í n g u a s r e p a r t i d a s . . . a s q u a i s
pousaram sobre cada um deles", foi o sinal dessa graça. Jesus
m e s m o foi o b a t i z a d o r (foi q u e m m i n i s t r o u o b a t i s m o ) ,
c u m p r i n d o então a profecia de João Batista de que Ele haveria
de batizar com o Espírito Santo e com fogo. A respeito do
dom do Espírito Santo, diz a Bíblia que "veio do céu", "Deus...
d e r r a m o u " (veja Atos 2:17,18,33), "caiu sobre todos", "caiu
sobre eles".
Essas mesmas bênçãos haviam sido preditas no Velho
Testamento, em linguagem semelhante - Is. 44:3; 52:15; Ez.
36:25-27; Joel 2:28,29. A r g u m e n t a m o s , pois, que, se essas
bênçãos espirituais foram preditas no Velho Testamento por
meio das figuras de aspersão e d e r r a m a m e n t o , e se no N o v o
Testamento foram expostas simbolicamente sob as mesmas
formas, é claro que a Igreja pode simbolizá-las agora por meio
dos mesmos atos emblemáticos ou figurados.

18. Que argumento se pode tirar do modo de purificação ado-


tado sob o Velho Testamento?
Os ritos de purificação prescritos na lei levítica não deviam,
em n e n h u m caso de pessoas, ser celebrados p o r m e i o de
imersão. A lei prescreve atos de lavar e banhos, mas n e m as
palavras empregadas, n e m outra coisa alguma, indicam que
as pessoas deviam ser imergidas, sendo que a imersão não era

857
Capítulo 42

o m o d o usual de t o m a r b a n h o naqueles países. Os sacerdotes,


p o r é m , deviam lavar as mãos e os pés sempre que ministras-
sem perante o Senhor, Ex. 30:18-21, e suas abluções pessoais
eles faziam junto do "mar de fundição", 2 Crôn. 4:2-6, de o n d e
a água corria p o r tubos ou torneiras -1 Reis 7:38-45. P o r outro
lado, havia m u i t o s preceitos que m a n d a v a m efetuar purifi-
cações b o r r i f a n d o ou aspergindo sangue ou água, ou espa-
l h a n d o cinza - Lev. 8:30; 14:7 e 51; Êx. 24:5-8; N ú m . 8:6,7;
H e b . 9:12-22. Ora, sendo o batismo cristão u m a purificação, e
tendo sido instituído dentre os judeus, acostumados aos modos
judaicos de purificar, segue-se que o c o n h e c i m e n t o desses
modos deve lançar muita luz sobre a natureza essencial e sobre
o m o d o próprio de administrar o rito cristão.

19. Como se pode mostrar, com base em. 1 Coríntios 10:1,2 e 1


Pedro 3:20,21, que batizar (nessas passagens) não quer dizer imergir?
Em 1 C o r í n t i o s 10:1,2 lemos que os israelitas f o r a m
"batizados...na n u v e m e no m a r " - Cf. Ex. 14:19-31. Os israe-
litas foram batizados e, no entanto, passaram a pé enxuto. Os
egípcios foram imersos, mas não foram batizados. D i z o Dr.
Carson, pág. 413 que Moisés "recebeu uma imersão seca".
Em 1 P e d r o 3:20,21 Pedro declara que o b a t i s m o é o
antítipo da salvação das oito almas que estavam na arca. Mas a
sua salvação consistiu em não serem imergidos.

20. A respeito do verdadeiro modo de batizar, que argumento


se pode tirar das narrativas dos batismos feitos por João?
I o . O batismo de João não era o sacramento (a ordenança)
cristão, mas sim um rito de purificação, administrado por um
judeu a judeus, sob a lei judaica. Disso inferimos (1) que esse
batismo não foi praticado por imersão, porque não se efetuava
a purificação levítica de pessoas desse m o d o ; (2) que, não
obstante, era preciso, para o fim em vista, ou de um rio de
água corrente, como o Jordão, ou de muita água, como em
E n o m , que significa "fontes", porque, segundo essa lei, t u d o o

858
O Batismo.

que u m a pessoa tocasse antes da sua purificação tornava-se


i m u n d o , N ú m . 19:21,22. Havia "fontes, cisternas e depósitos
de água", Lev. 11:36, mas não no deserto o n d e João Batista
pregou. Depois da introdução da dispensação evangélica,
nada ouvimos sobre os apóstolos batizarem em rios ou de
precisarem de " m u i t a água" para a administração do sacra-
m e n t o do batismo.
2 0 . Em n e n h u m a das narrativas há um só caso em que se
diga que João batizou por imersão. A linguagem empregada
t e m aplicação n a t u r a l e exata ao b a t i s m o m i n i s t r a d o p o r
a s p e r s ã o (o b a t i z a n d o em pé na á g u a p o u c o f u n d a , e o
ministrante derramando água sobre ele com a mão). Neste caso,
as frases " b a t i z o u no Jordão", "saíram da água", etc., t ê m
aplicação de igual peso tanto ao batismo por imersão c o m o
por aspersão. Q u e o b a t i s m o de João foi mais p r o v a v e l m e n t e
m i n i s t r a d o por meio de aspersão vê-se (1) pelo fato de que era
u m a p u r i f i c a ç ã o feita p o r um j u d e u em judeus, e que as
abluções judaicas eram feitas d e r r a m a n d o água c o m as mãos.
Era costume geral, e esse costume tem p e r m a n e c i d o até aos
nossos tempos. (2) Aspersão ou d e r r a m a m e n t o é o m o d o mais
provável, em vista das grandes multidões batizadas por um só
h o m e m . - M a t . 3:5,6; Mar. 1;5; Luc. 3:3-21. (3) As mais antigas
obras de arte cristã ainda existentes representam o batismo de
Cristo, m i n i s t r a d o por João, como m i n i s t r a d o por afusão* -
Doctrine ofBaptisms, Parte 2, Cap. 3, do Dr. Armstrong.

21. Que provas se pode tirar dos casos de batismo cristão


mencionados no Novo Testamento?
I a . Foi d e m o n s t r a d o acima que o m a n d a m e n t o p a r a
batizar é m a n d a m e n t o para purificar pelo ato de lavar com
água, e daí se segue que, m e s m o que fosse provado que os
apóstolos batizaram por imersão, isso n ã o provaria que esse

* Como o quadro cujo original está em Ravenna e que as primeiras edições


do Dicionário de Bíblia, de Davis traziam impresso. Nota de Odayr Olivetti.

859
Capítulo 42

m o d o particular de lavar é essencial à validade da ordenança,


a n ã o ser que fosse provado t a m b é m que, segundo as analogias
das outras instituições evangélicas, D e u s tornou o m e r o m o d o
de obedecer a um m a n d a m e n t o tão essencial como aquilo q u e
Ele m a n d a . Mas é notório que o contrário disso é a verdade. A
Igreja foi o r g a n i z a d a e o culto p ú b l i c o do e v a n g e l h o foi
o r d e n a d o s e g u n d o certos princípios gerais, mas não foram
prescritos os pormenores do modo pelo qual se deveria alcançar
esses fins. Cristo instituiu a Ceia à noite, reclinado em camilha
e com pão sem fermento. Contudo, em n e n h u m desses aspectos
é essencial o " m o d o " .
2 a . Não há de fato um só caso em que a narrativa t o r n e
provável que os apóstolos batizassem por imersão, e em quase
todos os casos essa suposição é muitíssimo improvável.
(L) O batismo do eunuco, ministrado por Filipe, Atos 8:26-
39, é o único caso que parece favorecer a teoria da imersão.
Entretanto, note-se (a) que a linguagem empregada por Lucas,
m e s m o q u a n d o a tradução não é m u i t o clara, tem aplicação
tão natural ao batismo efetuado por afusão como p o r imersão,
(b) As preposições gregas eis, aqui traduzida por à, e ek, aqui
traduzida por da, acham-se empregadas em inúmeros casos a
f i m de exprimir m o v i m e n t o para ou de algum lugar - Atos
26:14; 27:34,40. E provável que Filipe e o eunuco t e n h a m
descido com o "carro" até à margem da água. De Filipe também
se diz que desceu "à água" e que saiu "da água", mas ele
c e r t a m e n t e não foi imerso, (c) Na própria passagem que o
e u n u c o estava lendo, Is. 52:15, está escrito que o Messias, em
quem ele cria, iria borrifar "muitas nações", (d) Lucas i n f o r m a
que a região estava "deserta", e até hoje não se descobriu naquele
c a m i n h o um lugar com água suficiente para a imersão de u m a
pessoa.
(2) Todos os outros casos de batismo cristão registrados
nas Escrituras trazem provas positivas contra a imersão. Veja:
(a) O batismo dos três mil em Jerusalém n u m a só ocasião, no
dia de Pentecoste - Atos 2:38-41; (b) O batismo de Paulo -

860
O Batismo..

Atos 9:17,18; 22:12-16. Ananias lhe disse: "O Senhor Jesus...,


me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo.
E logo...recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado", (c)
O batismo de Cornélio - Atos 10:44-48. (d) O do carcereiro de
Filipos - Atos 16:32-34. Em todos esses casos o b a t i s m o foi
a d m i n i s t r a d o i m e d i a t a m e n t e n o m e s m o lugar e m q u e o s
convertidos aceitaram o evangelho. Nada se diz de rios n e m
de muita água, m a s multidões ao m e s m o tempo, e famílias
inteiras, e indivíduos foram batizados em suas casas, ou no
cárcere, o n d e quer que se achassem na ocasião.

22. Qual tem sido no passado, e qual é no presente, o uso das


igrejas quanto ao modo de batizar?
N o s primeiros tempos da Igreja Cristã o m o d o c o m u m
foi o de imergir o corpo nu. D u r a n t e alguns séculos batizava-
-se imergindo três vezes o corpo, ou só se derramava ou aspergia
água na cabeça da pessoa em pé na água. Em casos de grande
perigo de morte, e onde escasseava água, considerava-se válido
o batismo por afusão ou aspersão {Christian Antiquities, de
B i n g h a m , Liv. 3, Cap. 11; Ch. Hist., de Neander, vol 1, tradução
de Torrey, pág. 310; Ch. Hist., de Schaff, vol. 2, § 92). A Igreja
Grega insiste na imersão. A igreja católica romana e as igrejas
p r o t e s t a n t e s a d m i t e m u m a e o u t r a f o r m a (mas em geral
p r a t i c a m a aspersão). Os costumes m o d e r n o s favorecem a
aspersão. • , •:?
Os batistas sustentam que a imersão é o único batismo
v á l i d o / Todas as demais igrejas o c i d e n t a i s n e g a m isso e
sustentam a validade igual do d e r r a m a m e n t o e da aspersão -
Conf. de Fé, Cap. 28, § 3.
N e n h u m defensor da aspersão pode, se for coerente com
os seus princípios f u n d a m e n t a i s e com os usos históricos da

* Lembremo-nos de que no tempo de Hodge não existiam os pentecostais


de hoje, entre os quais predomina a prática do batismo por imersão. Nota
de Odayr Olivetti.

861
Capítulo 42

Igreja Cristã, negar a validade do batismo por imersão. A


oposição da maioria das igrejas a esse m o d o de batizar tem sua
origem nas pretensões acanhadas e arrogantes dos batistas (em
geral) e na sua teoria errada a respeito da significação emble-
mática ou figurada do batismo, fazendo dele um "sepulta-
m e n t o " em vez de um "ato de lavar"; é contra isso que nós
protestamos.

A S P E S S O A S Q U E D E V E M SER B A T I Z A D A S

23. Quem deve ser batizado?


Conf. de Fé, Cap. 28, Seç. 4; Cat. Maior, Perg. 166; Breve
Cat., Perg. 95.
Todos aqueles, e somente aqueles, que são m e m b r o s da
Igreja visível devem ser batizados. Esses são, 1°., os que fazem
profissão digna de crédito da sua fé em Cristo; e, 2 o ., os filhos
cujos pais, ou um deles, são crentes. • • •'*. • ' .

24. No caso dos adultos, quais são os requisitos necessários


para o batismo?
U m a profissão digna de crédito da sua fé em Jesus como
seu Salvador. Isso é evidente - I o . Pela própria natureza da
ordenança como simbólica de dons espirituais, e como selo do
nosso pacto de que pertencemos ao Senhor. 2 o . Pela prática
u n i f o r m e dos apóstolos e dos evangelistas - Atos 2:41; 8:37.
Para a resposta completa a esta pergunta, veja abaixo, Cap. 43,
Perg. 25, sobre as condições de admissão à mesa da Ceia do
Senhor, que são idênticas às necessárias para o batismo.

25. Em que princípio essencial e constitutivo da natureza humana


baseia-se esta instituição? E como se pode mostrar que este prin-
cípio é reconhecido em todo o tratamento providencial que Deus,
por Sua graça, dá à raça humana?
A grande peculiaridade da h u m a n i d a d e é que, e n q u a n t o
cada indivíduo é um livre agente moral e responsável, nós

862
O Batismo..

constituímos u m a raça, reproduzida segundo a lei da geração,


c cada novo agente recém-nascido é educado e o seu caráter se
forma debaixo de condições sociais. Segue-se que em toda parte
a "a livre vontade do pai se torna o destino do filho", e o
resultado é o caráter representativo dos progenitores e o caráter
c destino h e r d a d o s que d i s t i n g u e m todas as raças, nações e
família.
/

E s e g u n d o esse princípio que D e u s sempre tem tratado a


raça h u m a n a na economia da redenção. A família, e n ã o o
indivíduo, é a u n i d a d e c o m p r e e n d i d a em todas as alianças e
dispensações. Pode-se notar esse fato em todo o p r o c e d i m e n t o
de D e u s para c o m Adão, Noé, (Gên. 9:9) Abraão, (Gên. 17:7 e
Gál. 3:8) e o povo de Israel (Êx. 20:5; D e u t . 29:10-13). Esse
mesmo princípio continua a reger t a m b é m a dispensação cristã,
como P e d r o assevera em seu p r i m e i r o sermão - Atos 2:38,39.

26. Qual é a Igreja visível, à qual o batismo é o rito que dá


entrada?
I o . A palavra igreja, ekklesía, é empregada nas Escrituras
no sentido geral de comunidade do povo de Deus, c h a m a d o
para fora do m u n d o e ligado a Ele em relações pactuais.
2 o . Portanto, a verdadeira Igreja espiritual, em distinção
da Igreja visível organizada na terra, consiste na c o m u n i d a d e
inteira dos eleitos, incluídos na aliança eterna da graça feita
entre o Pai e o segundo Adão - Ef. 5:27; Heb. 12:23.
3 o . Mas a Igreja visível e universal consiste em "todos
aqueles que, no m u n d o inteiro, professam a religião verda-
deira, j u n t a m e n t e com seus filhos, e é o reino do Senhor Jesus
C r i s t o , a casa e f a m í l i a de D e u s , f o r a da q u a l n ã o há
possibilidade ordinária de salvação" - Conf. de Fé, Cap. 35,
Seç. 2. Este reino visível Cristo, como Mediador da aliança
da graça, instituiu como provisão administrativa, com o fim
de, por meio dele, administrar as provisões dessa aliança; e
este reino, como sociedade externa e visível de pessoas que se
professam cristãs, Ele estabeleceu na aliança que fez com

863
Capítulo 42

A b r a ã o - G ê n . 12:1-3; 17:1-14.
4°. Cristo tem a d m i n i s t r a d o essa aliança por três modos,
ou em três dispensações sucessivas. (1) No período entre Abraão
e Moisés, d u r a n t e o qual lhe afixou o selo comprobatório,
ratificando a circuncisão. (2) No período entre Moisés e o Seu
advento (porque a lei que lhe foi acrescentada temporariamente
n ã o t o r n o u nula a promessa, mas antes administrou-a de um
m o d o especial, Gál. 3:17, acrescentou-lhe um novo selo, a
Páscoa, emblemática da obra propiciatória da semente
p r o m e t i d a , c o m o exposta na revelação mais clara que então
lhe foi concedida. (3) No período entre Cristo e o fim do m u n d o ,
em que, sendo a promessa explicada por meio de u m a revelação
m u i t o mais perfeita, os selos originais se acham substituídos
pelo Batismo e pela Ceia do Senhor. Veja abaixo, Perg. 27.
5 o . Segundo o propósito divino, a aliança feita com Abraão
abrangia a Igreja visível de Cristo, e não s o m e n t e sua poste-
ridade natural em seu caráter de família ou nação. Isto se vê
claramente pelas seguintes ponderações: (1) Nessa aliança Deus
prometeu salvação mediante Cristo e tendo a fé como condição.
C o m p a r a r Gên. 12:3 com Gál. 3:8,16; Atos 3:25,26. (2) O sinal
e selo afixado a ela simbolizava bênçãos espirituais e selava a
justificação pela fé - D e u t . 10:15,16; 30:6; Jer. 4:4; R o m .
2 : 2 8 , 2 9 ; 4 : 1 1 . (3) A a l i a n ç a f e i t a c o m A b r a ã o c o m o o
representante da Igreja visível e universal t i n h a estas carac-
terísticas: (a) Foi feita com ele como o "pai de muitas nações",
e Paulo afirma que D e u s o constituiu "herdeiro do m u n d o " e
"pai de todos os que crêem", Rom. 4:11,13, e que todos os que
crêem em Cristo agora, quer judeus quer gentios, são "des-
cendência de Abraão, e herdeiros c o n f o r m e a promessa", Gál.
3:29. (b) Continha provisão para que fossem incluídos em seus
privilégios o u t r a s pessoas não nascidas c o m o p o s t e r i d a d e
natural de Abraão - Gên. 17:12. Multidões de tais prosélitos
haviam sido introduzidas dessa forma (na esfera da aliança)
antes do advento de Cristo, e muitos deles achavam-se presentes
em Jerusalém c o m o m e m b r o s da Igreja em sua forma antiga,

864
\
O Batismo..

no dia de Pentecoste, procedentes "de todas as nações que estão


debaixo do céu" - Atos 2:5-11.
6 o . Está claro que a Igreja assim c o m p r e e n d i d a nessa
aliança administrativa não é composta só dos eleitos, c o m o
tais, e sim consiste na Igreja visível composta de pessoas q u e
se professam cristãs, e seus filhos, porque, (1) a aliança contém
a oferta do evangelho, inclusive a apresentação de Cristo, e a
oferta da salvação realizada por Ele a todos os h o m e n s (todas
as famílias da terra), t e n d o a fé c o m o condição - Gál. 3:8. Mas
isso pertence à Igreja visível e só p o d e ser a d m i n i s t r a d o p o r
meio de oráculos inspirados e de um ministério visível. (2)
C o m o fato incontestável, existia s e m e l h a n t e sociedade visível
sob a antiga dispensação; e sob a nova dispensação, todos os
cristãos, sejam quais forem as suas teorias, p r o c u r a m t o r n a r
realidade o ideal de semelhante sociedade visível, para conse-
g u i r e m a c o m u n h ã o cristã e ministerial. (3) Sob u m a e outra
dispensação Cristo entregou à Sua Igreja, como a um reino
visível, d o c u m e n t o s escritos, ordenanças sacramentais, insti-
tuições eclesiásticas e um ministério que ensina e governa.
Posto que t u d o isso tenha por desígnio m i n i s t r a r as provisões
da aliança da graça e efetuar como seu fim supremo a salvação
dos eleitos, é evidente que sinais e selos visíveis, a palavra
escrita e um ministério visível só p o d e m , como tais, pertencer
a u m a Igreja visível - Rom. 9:4; Ef. 4:11. (4) No Novo Testa-
m e n t o dá-se a mesma representação da Igreja, na parábola do
joio, etc. - Mat. 13:24-30, e 47-50; 25:1 -13. Ela deveria consistir
n u m a c o m u n i d a d e mista de bons e maus, de crentes verda-
deiros e de outros s o m e n t e professos, e a separação deveria
efetivar-se só no fim do m u n d o , "na consumação dos séculos".
7 o . Esta Igreja visível tem sido transmitida e propagada,
d e s d e o p r i n c í p i o , de dois m o d o s : (1) Os que n a s c e r a m
" e s t r a n h o s aos concertos da promessa", ou "hóspedes dos
t e s t a m e n t o s (das alianças) da p r o m e s s a " , e "separados da
c o m u n i d a d e de Israel", Ef. 2:12, eram i n t r o d u z i d o s nessa
relação s o m e n t e pela profissão de sua fé e pela c o n f o r m i d a d e

865
Capítulo 42

de sua vida. Debaixo da velha dispensação eles eram chamados


prosélitos, - Atos 2:10; N ú m . 15:15.(2) Todos os nascidos dentro
da aliança t i n h a m parte em todos os benefícios próprios do
fato de pertencerem por herança à Igreja visível. A aliança foi
feita com Abraão para si e para os seus "vindouros no decurso
das suas gerações, como aliança eterna" e por isso eles receberam
o sacramento que era o sinal e o selo dessa aliança. Por isso
também o dever de ensinar e de educar foi imposto na aliança
- Gên. 18:18,19; e a Igreja ficou sendo escola ou instituição de
educação, Deut. 6:6-9. De conformidade com essa verdade,
Cristo deu a Seus apóstolos a comissão ou incumbência de
fazer discípulos de todas as nações, batizando-as e ensinando-
-as - Mat. 28:19,20. Vemos, pois, que a Igreja é representada
sob a figura de um r e b a n h o que inclui cordeiros e ovelhas, Is.
40:11, e sob a de u m a videira de cujos renovos se cuida,
podando-se e cultivando-se a planta infrutífera ou cortando-a,
se for de todo imprestável - Is. 5:1-7; Luc. 3:7,8.

27. Como se pode mostrar que a Igreja é idêntica sob as duas


dispensações, e que argumento se pode tirar daí para provar que
as crianças, quando filhos de crentes, devem ser batizadas?
I o . A Igreja, sob ambas as dispensações, tem a m e s m a
n a t u r e z a e tem em vista o m e s m o fim. A Igreja do Velho
T e s t a m e n t o , c o m p r e e n d i d a na aliança feita com A b r a ã o ,
confiava na oferta evangélica de salvação pela fé - Gál. 3:8;
Heb., cap. 11. T i n h a por fim preparar u m a semente espiritual
para o Senhor. Por conseguinte - (1) Seu f u n d a m e n t o era o
m e s m o - o sacrifício e a mediação de Cristo. (2) As condições
impostas aos m e m b r o s eram as mesmas, (a) Todo verdadeiro
israelita era verdadeiro crente - Gál. 3:7. (b) Todos os israelitas
ao menos professavam a verdadeira religião. (3) Seus sacra-
mentos simbolizavam e selavam a mesma graça que os da Igreja
do N o v o Testamento. A Páscoa, assim como a Ceia do Senhor,
representava o sacrifício de Cristo - 1 Cor. 5:7. A Circuncisão,
assim c o m o o Batismo, representava o "despojo do corpo da

866
O Batismo..

carne", e ao batismo Paulo c h a m a "circuncisão de Cristo" -


Col. 2:11,12. Até os ritos da lei mosaica não e r a m senão u m a
revelação simbólica do evangelho.
2 o . Elas têm e x a t a m e n t e o m e s m o n o m e . A expressão
ekklesía kyríou, igreja do Senhor, é a tradução exata para o grego
das palavras hebraicas hal Yavé, traduzidas em nossa versão (a
versão utilizada pelo autor) por "congregação do Senhor".*
Comparar o Salmo 22:22 com H e b r e u s 2:12. Vemos, pois, que
Estêvão chamou à congregação do povo de Israel que estava ao
pé do Sinai "a congregação (ou igreja) no deserto" - C o m p a r a r
Atos 7:38, no grego, com Ex., cap. 32. Assim t a m b é m Cristo é
a forma grega d & Messias, e os anciãos ou presbíteros da Igreja do
Novo Testamento são idênticos, em função e n o m e , aos das
sinagogas.
3 o . Nos escritos apostólicos não se acha prova alguma de
haver sido abolida a Igreja antiga e de haver sido organizada
em lugar dela u m a Igreja nova e diferente. Os apóstolos n u n c a
dizem u m a só palavra a respeito de semelhante organização
nova. A preexistência de tal sociedade visível é sempre pres-
suposta como um fato. Seus discípulos s e m p r e f o r a m
acrescentados à "igreja", ou à "corporação" já existente - Atos
2:47. Verdade é que estava abolida a lei cerimonial de Moisés,
por meio da qual o caráter abraâmico da Igreja havia sido
a d m i n i s t r a d o durante cerca de mil e q u i n h e n t o s anos. Mas
Paulo a r g u m e n t a que a introdução dessa lei, quatrocentos e
trinta anos depois, não podia fazer nula a promessa, Gál. 3:17,
e, p o r conseguinte, a anulação da lei só podia dar lugar a u m a
administração mais perfeita da aliança e a um maior desen-
volvimento da Igreja nela compreendida.
4 o . Há muitas provas positivas de que a Igreja antiga,
baseada em sua constituição original, não foi abolida pela nova
dispensação.

* Figueiredo traz -igreja. Nota do tradutor. (Almeida: congregação-, Versão


Autorizada (inglesa): igreja.)

867
Capítulo 42 ^

(1) M u i t o s dos profetas do Velho Testamento d e c l a r a m


e x p l i c i t a m e n t e q u e a Igreja visível q u e em sua época existia,
em vez de ser ab-rogada pelo a d v e n t o do Messias, ficaria, em
c o n s e q ü ê n c i a disso, fortalecida e a u m e n t a d a g l o r i o s a m e n t e ,
de m o l d e a a b r a n g e r t a m b é m os g e n t i o s - Is. 49:13-23; 60:1-
14. Eles d e c l a r a m t a m b é m q u e a constituição federal, a b r a n -
g e n d o o filho c o m o pai, haveria de p e r m a n e c e r sob a n o v a
dispensação da Igreja, q u a n d o viesse o " R e d e n t o r a Sião" - Is.
59:20,21. P e d r o , em Atos 3:22,23, explica a profecia de Moisés
( D e u t . 18:15-19) no sentido de q u e toda alma q u e n ã o quisesse
ouvir aquele P r o f e t a (o Messias) seria " e x t e r m i n a d a d e n t r e o
povo", isto é, cortada da Igreja, d a n d o assim a c o n h e c e r q u e
p e r m a n e c e a Igreja da qual tal pessoa haveria de ser cortada.
(2) De perfeito acordo c o m essas profecias, P a u l o declara
q u e a Igreja judaica n ã o foi ab-rogada, m a s q u e os j u d e u s
i n c r é d u l o s f o r a m cortados da sua p r ó p r i a oliveira e q u e os
r a m o s gentílicos f o r a m e n x e r t a d o s em seu lugar; e p r e d i z q u e
chegará o t e m p o em q u e D e u s t o r n a r á a e n x e r t a r os j u d e u s na
sua p r ó p r i a oliveira, e não n o u t r a - R o m . 11:18-26. D i z ele
t a m b é m q u e os gentios adventícios são feitos cidadãos j u n t o
c o m os judeus crentes, e domésticos de D e u s na antiga família
d a f é - E f . 2:11-22.
(3) A aliança q u e c o n s t i t u i u a Igreja antiga c o n s t i t u i u
t a m b é m a A b r a ã o pai de m u i t a s nações. A p r o m e s s a da aliança
foi q u e D e u s seria "o seu D e u s e o da sua p o s t e r i d a d e depois
dele". Essa aliança abrangia, pois, as " m u i t a s n a ç õ e s " j u n t o
c o m seu pai Abraão. Por c o n s e g u i n t e , n u n c a p o d e r i a ter sido
c u m p r i d a a n t e s do a d v e n t o do Messias e da abolição da lei
restritiva, e a aliança feita com Abraão, em vez de h a v e r sido
s u b s t i t u í d a p e l o e v a n g e l h o , está só agora p r i n c i p i a n d o a
c u m p r i r - s e r e a l m e n t e . P o r isso foi que, no dia de P e n t e c o s t e ,
P e d r o e x o r t o u a t o d o s a se a r r e p e n d e r e m e a q u e f o s s e m
BATIZADOS, PORQUE A ALIANÇA FEITA COM ABRAÃO AINDA
ERA VÁLIDA p a r a todos os j u d e u s , e para seus filhos, e para
todos os q u e estavam longe, isto é, os gentios, q u a n t o s o S e n h o r

868
O Batismo..

haveria de c h a m a r a Si - Atos 2:38,39. P o r isso é t a m b é m q u e


P a u l o a r g u m e n t a c o m tanta seriedade que, s e n d o a i n d a válida
a aliança feita c o m Abraão, p o r essa razão, p o r seus p r ó p r i o s
termos, os gentios q u e criam em Cristo t i n h a m o m e s m o direito
q u e os judeus t i n h a m a um lugar n a q u e l a antiga Igreja q u e
n E l e t i n h a o seu f u n d a m e n t o . "Todas as nações serão b e n d i t a s
em ti. DE SORTE QUE" (ou ASSIM QUE"), diz P a u l o , "os q u e
são da fé são b e n d i t o s c o m o c r e n t e A b r a ã o " , e t o d o s os q u e
c r ê e m em Cristo, q u e r judeus q u e r gentios, são, s e g u n d o a
i n t e n ç ã o da aliança, " d e s c e n d ê n c i a de Abraão, e h e r d e i r o s
c o n f o r m e a p r o m e s s a " - Gál:l 3.6-29. E essa p r o m e s s a foi:
"SEREI O TEU DEUS E O DA TUA DESCENDÊNCIA DEPOIS DE
TI".
Esse a r g u m e n t o t e m aplicação direta e conclusiva à questão
do b a t i s m o de crianças. Veja:
I o . Em relação à aliança e à Igreja, o b a t i s m o o c u p a agora
o m e s m o lugar q u e a circuncisão ocupava. (1) A m b o s os ritos
r e p r e s e n t a m a m e s m a graça espiritual, a saber, a regeneração -
D e u t . 30:6; Col. 2:11; R o m . 6:3,4. (2) O b a t i s m o é agora o q u e
a circuncisão foi: o selo ou sinal c o m p r o b a t ó r i o da aliança feita
c o m Abraão. D i z o apóstolo P e d r o , em r e s u m o : "Sede bati-
zados, PORQUE A PROMESSA é para vós e para vossos f i l h o s " -
Atos 2:38,39. P a u l o diz e x p l i c i t a m e n t e q u e o b a t i s m o é o sinal
daquela aliança, " P o r q u e todos q u a n t o s fostes batizados e m
Cristo... sois d e s c e n d ê n c i a de Abraão, e h e r d e i r o s c o n f o r m e a
p r o m e s s a " , Gál. 1 3:27,29; e que o b a t i s m o é a circuncisão de
C r i s t o - Col. 2:10,11. (3) A m b o s os ritos f o r a m estabelecidos
para, nas eras sucessivas, servirem de meio de entrada na Igreja,
e esta, c o m o já p r o v a m o s , é a m e s m a sob as duas dispensações.
2 o . S e n d o a Igreja a m e s m a , e n ã o h a v e n d o m a n d a m e n t o
c o n t r á r i o , os m e m b r o s são os m e s m o s . Os filhos dos crentes
e r a m m e m b r o s d a I g r e j a a n t i g a , e , p o r isso, d e v e m s e r
r e c o n h e c i d o s c o m o m e m b r o s agora e d e v e m receber o rito de
iniciação. Isso os apóstolos p r e s s u p u n h a m c o m o e v i d e n t e e
universalmente concedido; um m a n d a m e n t o explícito de

869
Capítulo 42

batizar as crianças teria sugerido dúvidas quanto ao seu antigo


direito na Igreja.
3 o . Sendo declarado expressamente que a aliança, com sua
promessa, "serei o Deus do crente e de sua posteridade", ainda
está f i r m e debaixo do evangelho, os filhos dos crentes têm
direito ao selo dessa promessa - Dr. J o h n M. Mason, Essays on
the Church.

28. Quais as provas de que Cristo reconheceu que as crianças


têm direito a um lugar na Igreja?
1°. A respeito dos pequeninos (Mateus,^aidía; Lucas bréfe
(plural debréfos), crianças) Jesus Cristo declarou que "dos tais
é o reino de D e u s " ou "dos c é u s " - M a t . 19:14; Luc. 18:15,16.
A frase "reino de D e u s " ou "dospéus" significa a Igreja Visível
sob a nova dispensação - Mat. 3:2; 13:47.
2 o . Na comissão ou incumbência que deu a Pedro depois
da sua apostasia, o nosso Senhor o m a n d o u apascentar os
cordeiros, b e m como as ovelhas do r e b a n h o - J o ã o 21:15-17.
3 o . Na comissão geral que deu aos apóstolos, ordenou-lhes
que fizessem discípulos das nações (que sempre se c o m p õ e m
de f a m í l i a s ) , b a t i z a n d o - a s e d e p o i s e n s i n a n d o - a s - M a t .
28:19,20.

29. Como se pode mostrar que os apóstolos sempre agiram


segundo o princípio de que o filho é membro da Igreja se um dos
pais o é?
Os apóstolos (em geral) não eram pastores estabelecidos
no meio de u m a comunidade cristã estável, e sim missionários
itinerantes enviados a um m u n d o incrédulo, não para batizar,
mas sim para pregar o evangelho - 1 Cor. 1:17. A conseqüência
é que temos em Atos e nas Epístolas menção feita de apenas
dez casos específicos de batizados. Em dois deles, os do eunuco
e de Paulo, Atos 8:38; 9:18, não havia famílias para serem
batizadas. No caso dos três mil do dia de Pentecoste, no do
povo de Samaria e no dos discípulos de João em Efeso, f o r a m

870
O Batismo..

batizadas multidões de pessoas no m e s m o lugar o n d e fizeram


sua profissão de fé. Em quatro dos cinco casos restantes é dito
expressamente que as famílias foram batizadas. São os casos
de L í d i a , de Tiatira (em Filipos), do carcereiro de Filipos, de
Crispo e de Estéfanas - Atos 16:15, 32, 33; 18:8; 1 Cor. 1:16.
No único caso que resta, o de Cornélio, a narrativa dá a entender
que sua família foi batizada com ele. Assim, pois, os apóstolos,
sem q u e seja m e n c i o n a d a u m a só exceção, batizavam imedi-
a t a m e n t e os que professavam fé em Cristo, o n d e quer que se
achassem, e, quando t i n h a m famílias, t a m b é m batizavam estas,
como tais.
Note-se ainda que eles, em suas Epístolas, dirigiram-se a
m e n i n o s como m e m b r o s da Igreja. C o m p a r e m - s e Ef. 1:1 e
Col. 1:1,2 com Ef. 6:1-3 e Col. 3:20; e Paulo declarou que,
m e s m o nos casos em que somente um dos pais fosse crente, os
filhos deveriam ser considerados "santos", ou consagrados ao
Senhor, isto é, como m e m b r o s da Igreja - 1 Cor. 7:12-14.

30. Que argumento se pode inferir do fato de serem prometidas


e concedidas a crianças as bênçãos simbolizadas pelo batismo?
O batismo representa a regeneração em união com Cristo.
As crianças nascem na condição de filhos da ira, como os
demais. Não p o d e m ser salvas, pois, a não ser que nasçam de
n o v o e t e n h a m p a r t e nos benefícios da m o r t e de Cristo.
Portanto, é evidente, pela própria natureza do caso, que elas
p o d e m ser regeneradas no m e s m o sentido que os adultos o
p o d e m . "Dos tais é o reino dos céus" - Mat. 21:15,16; Luc.
1:41,44.

31. Que argumento se pode tirar da prática da Igreja Primitiva?


O batismo de crianças é instituição que existe de fato em
todos os segmentos da Igreja universal, com a única exceção
dos batistas m o d e r n o s (e dos pentecostais, que surgiram no
início do século vinte). Os batistas m o d e r n o s estão histo-
ricamente ligados aos anabatistas da Alemanha do ano de 1537,

871
Capítulo 42

a p r o x i m a d a m e n t e . Ora, a instituição do batismo de crianças,


ou veio dos apóstolos, ou teve começo definido depois, como
novidade ou inovação, que necessariamente deveria suscitar
oposição e controvérsias. O fato, porém, é que nos documentos
mais antigos já se fala dessa inovação c o m o costume universal
e tradição apostólica. Justino Mártir, que escreveu por volta
do ano 138, afirma que " E n t r e os cristãos do seu t e m p o havia
muitas pessoas de ambos os sexos, algumas com sessenta e
outras com setenta anos de idade, que haviam sido feitas
discípulos de Cristo desde a sua infância". Irineu, que nasceu
por volta do ano 97, diz: "Ele veio salvar todos para Si; todos,
digo, os que p o r Ele são regenerados para Deus, crianças,
m e n i n o s e m o ç o s " . Essa i n s t i t u i ç ã o é r e c o n h e c i d a p o r
Tertuliano, que nasceu em Cartago em 160, ou seja, só sessenta
anos depois da m o r t e do apóstolo João. Origines, nascido de
pais cristãos no Egito, em 185, declara que era "uso da Igreja
batizar crianças", e que "a Igreja t i n h a recebido dos apóstolos
a tradição". Cipriano, bispo de Cartago de 248 a 258, j u n t o
c o m um s í n o d o i n t e i r o q u e ele p r e s i d i u , resolveu que se
a d m i n i s t r a s s e o b a t i s m o às crianças antes do oitavo dia.
Agostinho, nascido em 358, declarou que esta " d o u t r i n a é
m a n t i d a pela Igreja toda, não foi instituída por concílios, mas
retida sempre". Pelágio admitiu isso, depois de haver visitado
todas as partes da Igreja, desde a Britannia (a Grã-Bretanha)
até à Síria, apesar de ser essa prática tão contrária ao seu sistema
de doutrina. Veja Hist. of Infant Baptism, por Wall, e Christ.
Antiquities, por Bingham, Liv. 11, Cap. 4.
Nosso argumento é que o costume de batizar crianças tem
existido (a) desde o século apostólico, (b) em todas as diversas
partes da Igreja Primitiva, (c) sem interrupção até ao t e m p o
presente, (d) em todas as grandes Igrejas históricas da Reforma;
ao passo que os seus impugnadores (a) tiveram origem depois
da Reforma, (b) cometem geralmente o grave pecado cismático
de não p e r m i t i r e m que os pedobatistas c o m u n g u e m com eles.

872
O Batismo...

32. Como se deve responder à objeção de que a fé é necessária


para o batismo? . . •
Os batistas a r g u m e n t a m - • ;r
I o . Que, t e n d o o S e n h o r dito, "Ide, pregai...quem crer e
f o r b a t i z a d o será salvo; mas q u e m não crer será c o n d e n a d o " ,
Mar. 16:15,16, p o r isso as crianças não d e v e m ser batizadas,
p o r q u e n ã o p o d e m crer.
2 o . Q u e , s e n d o o b a t i s m o o sinal de u m a graça espiritual e
o selo de u m a aliança, p o r isso as crianças não d e v e m ser
batizadas, por não p o d e r e m e n t e n d e r o sinal n e m fazer u m a
aliança.
RESPONDEMOS- • =. <••!.i? '• ".vO. -
I o . E e v i d e n t e q u e Cristo Se referiu s o m e n t e a a d u l t o s
q u a n d o falou d a necessidade d e c r e r e m ; p o r q u e disse t a m b é m
q u e a fé era necessária para a salvação, e as crianças são salvas
m e s m o que não possam crer.
2 o . A circuncisão era sinal de u m a graça espiritual; para
q u e um adulto a recebesse, exigia-se dele que fizesse profissão
de fé; e a circuncisão era t a m b é m o selo de u m a aliança. Apesar
disso, p o r é m , D e u s m a n d o u circuncidar as crianças. A verdade
é q u e a fé é necessária, p o r é m (no caso das crianças) a fé é a dos
pais ou de um deles, r e p r e s e n t a n d o seu filho. A aliança, da
qual o b a t i s m o é o selo, é feita com os pais a favor da criança, a
q u e m se aplica então com p r o p r i e d a d e o selo.
A l é m disso, d e v e m o s estar l e m b r a d o s de que a criança
n ã o é u m a coisa, e s i m u m a pessoa q u e nasceu c o m u m a
n a t u r e z a m o r a l m á , i n t e i r a m e n t e suscetível de ser r e g e n e r a d a
na infância e de receber do Espírito Santo o " h á b i t o " ou estado
da a l m a do qual a fé é a expressão. Por isso é q u e Calvino diz
(Instituías, Liv. 4, Cap. 16, § 20): "A semente do a r r e p e n d i m e n t o
e t a m b é m da fé jaz e s c o n d i d a nelas pela operação secreta do
Espírito".

873
Capítulo 42

33. Como devemos evitar a conclusão de que devemos admitir


as crianças à Ceia do Senhor, se as admitirmos ao Batismo?
N ã o têm aplicação aos dois sacramentos os motivos acima
exarados. Vejamos por quê:
I o . O Batismo é um ato que reconhece e sela o fato de que
o batizado pertence à Igreja; a Ceia do Senhor é um ato come-
morativo.
2 o . No Batismo quem recebe o sacramento é passivo; na
Ceia é ativo.
3°. As crianças nunca foram admitidas à Páscoa, e n q u a n t o
não fossem capazes de compreender a natureza da ordenança.
4°. Os apóstolos batizaram famílias, mas nunca admitiram
famílias, como tais, à Ceia do Senhor.

34. Os filhos de quem devem ser batizados?


"Os filhos daqueles que são m e m b r o s da Igreja visível
devem ser batizados" Breve Cat., Perg. 95; isto é, teoricamente,
os filhos cujos pais, ou só um deles, são crentes "(embora só
um deles o seja)", Conf. de Fé, Cap. 28, Seç. 4; e, praticamente,
"as crianças cujos pais, ou um só deles, professarem fé em Cristo
e obediência a Ele", Cat. Maior, Perg. 166. Os episcopais, os
católicos romanos, os protestantes do continente europeu e os
presbiterianos da Escócia (e antigamente os deste país - os
Estados U n i d o s da América) seguem o princípio de que toda
pessoa batizada, e não excomungada, sendo ela mesma m e m b r o
da Igreja Visível, tem o direito de ter t a m b é m seus filhos
reconhecidos e tratados como tais. M e s m o quando os pais são
incrédulos, os católicos r o m a n o s e os episcopais m a n d a m
batizar seus filhos sobre a fé professa de padrinhos.
E evidente, porém, que só devemos batizar os filhos de
pais, ou tutores efetivos, que façam profissão digna de crédito
de fé pessoal em Cristo. Motivos desta restrição:
I o . Por causa da natureza do ato. A fé é a condição da aliança
cujo selo é o batismo. A Assembléia Geral de 1794 decidiu
(definir) que o nosso Diretório para o Culto Divino exige que

874
O Batismo..

o pai, ou a mãe, ou os dois, se c o m p r o m e t a m expressamente


diante de D e u s e da Igreja "a orar com a criança e p o r ela, que
lhe sirvam de b o m exemplo de piedade e religião", etc. E o
Sínodo Geral de 1735 afirma que, se fosse p e r m i t i d o a outros
que n ã o os pais assumirem esses compromissos, "o selo seria
afixado como que n u m papel em branco" (Moore's Digest, págs.
665 e 666). Por isso é evidente que as condições necessárias
para que alguém tenha seus filhos batizados são exatamente as
mesmas que são necessárias para que ele próprio seja batizado
ou a d m i t i d o à Ceia do Senhor, as quais se r e s u m e m n u m a
profissão digna de crédito de verdadeira fé. -
o
2 . P a d r i n h o s que não sejam os pais ou tutores efetivos, e
que provavelmente n u n c a o serão, evidentemente não são os
representantes providencialmente designados da criança, e não
estão em condições de c u m p r i r suas promessas.
3 o . Aqueles que, tendo sido batizados, não c u m p r e m , pela
fé e obediência, seus votos batismais q u a n d o chegados à idade
m a d u r a , estão ipso facto suspensos os privilégios da aliança, e
p o r isso (seus pais ou responsáveis) não p o d e m recorrer a eles
a favor de seus filhos.
4 o . Os apóstolos batizaram somente as famílias daqueles
que professavam fé em Cristo.

A E F I C Á C I A DO B A T I S M O

35. Qual a doutrina católico-romana e dos ritualistas em geral


quanto à eficácia do batismo?
A doutrina católico-romana, com a qual o tractarianismo
(ou o "Oxford M o v e m e n t " , tentativa de estabelecer o catoli-
cismo r o m a n o na Igreja da Inglaterra, iniciado ali em 14 de
julho de 1833) concorda oficialmente, consiste nos seguintes
pontos:
I o . Que o batismo confere os merecimentos de Cristo e o
poder do Espírito Santo, e que, por isso, (1) ele purifica da
corrupção inerente; (2) consegue a remissão da pena do pecado;

875
Capítulo 42

(3) consegue a infusão da graça santificadora; (4) u n e a Cristo;


(5) i m p r i m e na alma um caráter indelével; (6) abre as portas
do céu - N e w m a n , Lcctures onjustification, pág. 257; Cat. Rom.,
Parte 2, Cap. 2, Pergs. 32-44.
2°. Que a eficácia da ordenança é inerente a ela mesma em
virtude da instituição divina. Seu poder não depende, n e m do
merecimento do ministro oficiante, n e m do de quem recebe o
sacramento, e sim do próprio ato sacramental, como um opus
operatum. No caso das crianças, a única condição da sua eficácia
é que o sacramento seja devidamente administrado. No caso
dos adultos, sua eficácia depende da condição adicional de que
o batizando não esteja em pecado mortal e que não resista de
vontade oposta - Pedro Dens,Z)e Baptismo.

36. Qual é a doutrina luterana sobre este assunto?


Os luteranos estavam de acordo com as igrejas reformadas
em repudiar a d o u t r i n a romanista da eficácia mágica deste
sacramento como opus operatum. Mas foram m u i t o além dos
reformados em m a n t e r a união sacramental entre o sinal e a
graça significada. Lutero, em seu Pequeno Catecismo, Parte 4,
Seç. 2, afirma que "o batismo opera o perdão dos pecados, livra
da morte e do diabo, e confere a salvação eterna a todos os que
crêem", e na Seç. 3, que "não é, de fato, a água que produz
esses efeitos, e sim a Palavra de Deus que está ligada à água e a
acompanha. Porque a água sem a Palavra só é água, não o
batismo, isto é (não) é a água da graça da vida, n e m o ato de
lavar da regeneração". Esta eficácia, no caso dos adultos,
depende da fé verdadeira e salvadora: "Além disso, não havendo
fé, p e r m a n e c e sendo um mero sinal inoperante".
Por conseguinte, os luteranos sustentam -
I o . O b a t i s m o é meio eficaz de conferir o perdão dos
pecados e a graça de Cristo.
2 o . Ele contém a graça que confere.
3 o . Sua eficácia não reside na água, mas sim na Palavra e
no Espírito Santo na Palavra.

876
O Batismo...

4 o . Sua eficácia, no caso dos adultos, d e p e n d e da fé do


batizando -Conservative Reformation, de K r a u t h , págs.545-584.
37. Qual é a doutrina zwingliana sobre este assunto?
Que o rito externo é um mero sinal, u m a representação
objetiva da verdade por meio de um símbolo, mas sem ter
eficácia alguma além da que é devida à verdade representada.

38. Qual é a doutrina das igrejas reformadas, e, entre elas, da


nossa, sobre este assunto?
Todas elas concordam em afirmar - • • -
I o . Que a d o u t r i n a zwingliana é incompleta. .
2 o . Que o batismo, além de ser um sinal, é t a m b é m o selo
da graça e, por conseguinte, uma presente e sensível comu-
nicação e confirmação da graça ao crente que tem o testemunho
em si mesmo, e para todos os eleitos é um selo dos benefícios
da aliança da graça, que, mais cedo ou mais t a r d e , serão
comunicados no t e m p o que for do agrado de Deus.
3 o . Q u e essa comunicação não é efetuada pela ação do ato
sacramental, mas sim pelo Espírito Santo, que acompanha a
Sua própria ordenança.
4 o . Que, no caso de um adulto, a recepção da b ê n ç ã o
d e p e n d e da sua fé.
5 o . Q u e os benefícios comunicados pelo batismo não lhe
são peculiares, porém pertencem ao crente anteriormente ao
batismo, ou sem ele, e lhe são muitas vezes renovados depois.
A nossa Conf. de Fé, Cap. 28, Seções 5 e 6, afirma que:
" I o . Pelo devido uso desta ordenança, a graça p r o m e t i d a
não s o m e n t e é oferecida, mas realmente exibida e conferida
pelo Espírito Santo àqueles (quer sejam adultos quer crianças)
a q u e m esta graça pertence.
"2 o . O batismo não consegue em todos os casos as bênçãos
da aliança.
"3 o . Nos casos em que as consegue, o dom não está neces-
sariamente ligado ao m o m e n t o da administração da ordenança.
"4 o . O recebimento dessas bênçãos depende de duas coisas:

877
Capítulo 42

(1) o uso devido da ordenança; (2) o propósito secreto de D e u s "


- D r . Hodge.
39. Em que consiste a doutrina da regeneração batismal,
geralmente assim conhecida? Em que fundamento se baseia ? Como
se pode mostrar que é falsa?
Os defensores protestantes da regeneração batismal, sem
admitir a teoria católico- romana de um opus operatum, susten-
tam que o batismo é o meio que Deus instituiu para comunicar
os benefícios da redenção em p r i m e i r o lugar. Que qualquer
experiência da graça desfrutada pelos não batizados é bênção
decorrente de u m a misericórdia não prometida em aliança
alguma. Que a culpa do pecado original é tirada e o Espírito
Santo é dado no batismo, e seus efeitos ficam como semente
na alma, para ser depois desenvolvida pela livre vontade da
pessoa batizada, ou, sendo negligenciada, tornar-se inoperante.
Toda criança é regenerada pelo batismo. Se morrer na infância,
a semente desenvolve-se no paraíso. Se chegar à idade adulta,
o resultado dependerá do uso que dela f i z e r - D i c t . ofTheology,
de Blunt, Art. "Baptism". Veja acima, Cap. 29, Perg. 4.
F u n d a m essa doutrina numa numerosa classe de passagens
das Escrituras, como sejam: "Cristo amou a igreja, e a si mesmo
se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a
lavagem da água, pela palavra",* Ef. 5:25,26; "Levanta-te, e
batiza-te, e lava os teus pecados", Atos 22:16. E t a m b é m João
3:5; 1 Ped. 3:21; Gál. 3;27; etc.
Os r e f o r m a d o s explicam essas passagens s e g u n d o os
seguintes princípios:
I o . Em todo s a c r a m e n t o há duas coisas: (1) um sinal
externo e visível; (2) u m a graça interna e invisível, significada
pelo sinal. E n t r e essas duas coisas existe u m a relação sacra-
mental ou simbólica que dá lugar a um m o d o de falar pelo

* Figueiredo e Matos Soares dizem, no versículo 26: "Para a santificar,


purificando-a no batismo da água, pela palavra da vida", mas no original
grego não consta "batismo". Nota de Odayr Olivetti.

878
O Batismo..

qual as p r o p r i e d a d e s e os efeitos da graça são a t r i b u í d o s ao


sinal. Todavia, n ã o se segue daí q u e os dois são inseparáveis,
c o m o t a m p o u c o q u e são idênticos.
2 o . Os s a c r a m e n t o s são insígnias de fé religiosa e neces-
s a r i a m e n t e e n v o l v e m a p r o f i s s ã o dessa fé. Na l i n g u a g e m
c o m u m , p r e s u m e - s e q u e essa fé se a c h a p r e s e n t e e q u e é
v e r d a d e i r a , e, nesse caso, a graça significada pelo s a c r a m e n t o
n ã o s o m e n t e é oferecida, mas t a m b é m é r e a l m e n t e c o m u n i c a d a
-Breve Cat., Pergs. 91 e 92.
Q u e o b a t i s m o não p o d e ser o ú n i c o meio, e n e m m e s m o
o m e i o c o m u m , regular, de c o m u n i c a r a graça da regenera-
ção (isto é, de iniciar a alma n u m estado de graça), é evidente.
Veja -
I o . A fé e o a r r e p e n d i m e n t o são f r u t o s da regeneração. Mas
a fé e o a r r e p e n d i m e n t o são as condições necessárias para q u e
se possa receber o b a t i s m o - Atos 2:38; 8:37; 10:47; 11:17.
2 o . Essa d o u t r i n a é idêntica à dos fariseus, q u e Cristo e
Seus apóstolos c e n s u r a r a m c o n s t a n t e m e n t e - Mat. 23:23-26.
D i z o apóstolo Paulo: " P o r q u e em Jesus Cristo n e m a circun-
cisão n e m a i n c i r c u n c i s ã o t e m v i r t u d e a l g u m a ; mas sim a fé
q u e opera p o r c a r i d a d e " , e " m a s sim o ser u m a nova c r i a t u r a "
- Gál. 5:6 e 6:15 Veja t a m b é m R o m . 2:25-29. As E s c r i t u r a s
d i z e m q u e s o m e n t e a fé salva, e q u e s o m e n t e a sua ausência
c o n d e n a - Atos 16:31; Mar. 16:16.
3°. O espírito e o m é t o d o do evangelho i n t e i r o são éticos,
e n ã o mágicos. O g r a n d e meio de que o E s p í r i t o Santo Se serve
é a VERDADE, e t u d o q u a n t o se diz nas E s c r i t u r a s da eficácia
dos s a c r a m e n t o s t a m b é m se diz da eficácia da verdade. São,
pois, m e i o s de graça em c o m u m com a Palavra, e s o m e n t e na
m e d i d a em q u e eles a c o n t ê m e a selam - 1 Ped. 1:23; João
17:17,19. O nosso S e n h o r diz: "Pelos seus frutos os conhecereis" -
M a t . 7:20.
4 o . Essa d o u t r i n a é r e f u t a d a pela experiência. I m e n s a s
m u l t i d õ e s de batizados, de todas as idades e em todas as nações,
n u n c a p r o d u z e m n e n h u m dos f r u t o s d o a r r e p e n d i m e n t o . O s

879
Capítulo 42

séculos e as c o m u n i d a d e s em que essa d o u t r i n a tem estado


mais arraigada tem sido os que se t o r n a r a m mais conspícuos
por sua esterilidade espiritual. -
5 o . O grande mal do sistema do qual faz parte a doutrina
da regeneração batismal está em sua tendência de t o r n a r a
religião u m a coisa de formas externas e mágicas, de criar e
n u t r i r assim um ceticismo racionalista entre os inteligentes e
u m a superstição e n t r e os ignorantes e os m ó r b i d o s , c o m o
t a m b é m de efetuar, entre todas as classes, o divórcio e n t r e a
religião e a moralidade.

A N E C E S S I D A D E DO B A T I S M O

40. Qual é a doutrina católico-romana sobre a necessidade


do batismo?
Q u e ele é, por instituição de Deus, o único meio sine qua
non da justificação (regeneração, etc.), tanto para as crianças
como para os adultos. No caso dos adultos, eles excetuam
s o m e n t e aqueles que formaram o sincero propósito de rece-
ber o batismo sem que, na providência de Deus, lhes fosse
possível levá-lo a efeito. No caso das crianças, não a d m i t e m
n e n h u m a exceção.

41. Qual é a doutrina luterana sobre este ponto?


Seus l i v r o s s i m b ó l i c o s a f i r m a m a n e c e s s i d a d e dos
sacramentos aparentemente sem qualificação (sem restrições
ou reservas). Veja a Conf. deAugsb., Art. 9, zApol. da Conf de
Augsb., pág. 156, citada no Cap. anterior deste livro. Mas o Dr
K r a u t h provou, por citações das obras de L u t e r o e de outros
escritores autorizados, que a sua d o u t r i n a realmente era que
(1) o batismo não é essencial (nos termos em que, e. g., a pro-
piciação de Cristo o é), mas que (2) é necessário como algo que
foi instituído para ser o meio c o m u m , normal, de conferir
graça; todavia, (3)não absolutamente, porque a "necessidade" é
limitada (a) pela possibilidade de tê-lo, de modo que não é

880
O Batismo..

a privação, m a s sim o desprezo do b a t i s m o , q u e c o n d e n a o


h o m e m , e (b) pelo fato de q u e todas as bênçãos são p r o m e t i d a s
sob a condição da fé. (4) O b a t i s m o n e m s e m p r e é seguido pela
regeneração, e ela n e m s e m p r e é p r e c e d i d a pelo b a t i s m o , e os
h o m e n s p o d e m ser salvos m e s m o sem o b a t i s m o . (5) Todas as
crianças q u e se a c h a m d e n t r o da igreja são salvas, m e s m o q u e
n ã o s e j a m batizadas. (6) Q u a n t o às crianças e n t r e os pagãos, o
p o n t o fica sem decisão, p o r q u e não está revelado, mas n u t r e m -
se esperanças - Conserv. Reform., p o r Dr. K r a u t h , págs. 557-
564.
v. *• í -• t •riifcíCíifV. • .
42. Qual é a doutrina reformada? '< •
Q u e o b a t i s m o é "necessário", p o r q u e Cristo o o r d e n a , e é
u n i v e r s a l m e n t e o b r i g a t ó r i o , p o r q u e é u m m e i o d e graça
d i v i n a m e n t e o r d e n a d o e m u i t o precioso, do qual seria í m p i o
fazer p o u c o caso c o n s c i e n t e e p r o p o s i t a l m e n t e ; e p o r q u e é a
insígnia ordenada e geralmente reconhecida p o r m e i o da qual
reconhecemos publicamente a fidelidade a Cristo. Sendo assim,
fazer c o n s c i e n t e m e n t e p o u c o caso dos s a c r a m e n t o s é m u i t o
p a r e c i d o com u m a traição.
Mas, geralamente o batismo não confere graça em p r i m e i r o
lugar, p o r é m a pressupõe, e a graça que ele simboliza e sela é
c o n f e r i d a m u i t a s vezes antes do b a t i s m o e m e s m o sem ele -
Conf de Fé, Cap. 2$;Instituías, de Calvino, Liv.4, Cap.16, § 26.

EXPOSIÇÕES DOS CREDOS AUTORIZADOS

DOUTRINA CATÓLICO-ROMANA - Cat. do Cone. de


Trento, Parte 2, Cap.2, Perg. 5: "Segue-se que se pode definir
o batismo acurada e convenientemente como o sacramento
da regeneração pela água na Palavra. Porque por natureza
nascemos de Adão filhos da ira e pelo batismo renascemos
em Cristo filhos da misericórdia".
Ib., Parte 2, Cap.2, Perg. 33: "Porque, não havendo
outro meio de salvação para as crianças, exceto o batismo,

881
Capítulo 42

é fácil entender quanto é enorme a culpa era que in-


correm os que permitem que elas sejam privadas da graça
do sacramento por mais tempo do que a necessidade
exige".
Berlarmino, De Bapt., 1, 4: "A igreja (católica romana)
tem sempre crido que as crianças perecem se saem desta
vida sem o batismo. Embora as crianças deixem de ser
batizadas por nenhuma culpa sua, todavia elas não perecem
sem culpa sua, porque têm o pecado original".
DOUTRINA LUTERANA - Veja as citações registradas no
capítulo anterior.
Quenstedt, 4, 147: "Pelo batismo e no batismo o Espírito
Santo infunde nas crianças uma fé verdadeira, salvadora,
vivificadora e real, seguindo-se daí que também as crianças
batizadas crêem verdadeiramente".
Art. Esmalcalda, Parte 3, Art. 5, "De Batismo" - "O
batismo nada mais é do que a Palavra de Deus junto com a
imersão na água, segundo a sua instituição e manda-
mento... A Palavra é acrescentada ao elemento e torna-se
em sacramento".
Cat. Minor, 4, Quses. 3 - "O batismo opera a remissão
dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a bem-aven-
turança a todos e a cada um dos que crêem no que a Palavra
e as promessas divinas revelam".
DOUTRINA REFORMADA - Cat.Geneb., pág. 522: "A
significação do batismo tem duas partes, porque nele é
representada a remissão dos pecados... Acaso alguém
atribui à água nada mais do que a função de ser ela a
figura de um ato de lavar? Penso que é tal figura e que,
ao mesmo tempo, uma verdade está ligada a ela. Pois
Deus não nos engana quando nos promete os Seus dons.
Por isso é certo que o perdão dos pecados e a novidade
de vida nos são oferecidos e são por nós recebidos no
batismo".
Instituías de Calvino, Liv. 4, Cap. 16, § 26: "Não desejo
que me entendam como que insinuando que se possa
desprezar impunemente o batismo. Longe de desculpar
tal desprezo, sustento que com isso se viola a aliança do

882
O Batismo.

Senhor. A passagem (João 5:24) tão-somente mostra que


não devemos julgar o batismo tão necessário que nos leve
a supor que todo aquele que não teve ocasião de obtê-lo
tenha perecido".
Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, Art. 27:
"O batismo não é somente sinal de profissão e marca
distintiva pela qual se distinguem os cristãos dos não
cristãos, mas é também sinal de regeneração ou novo
nascimento pelo qual, como por instrumento, os que
recebem retamente o batismo, são enxertados na Igreja:
as promessas da remissão dos pecados e da nossa adoção
como filhos de Deus pelo Espírito Santo são visivel-
mente assinaladas e seladas, a fé é confirmada, e a graça
é aumentada em virtude de oração a Deus. O batismo
das crianças deve ser mantido integralmente na Igreja
como plenamente conforme à instituição de Cristo".
Conf de Fé, Cap. 28; Cat. Maior, Pergs. 165-167; Breve
Cat., Pergs. 94 e 95.
§ 1 - "O batismo é um sacramento do Novo Testamento,
instituído por Jesus Cristo, não só para solenemente
admitir na Igreja a pessoa batizada, mas também para
servir-lhe de sinal e selo da aliança da graça, de sua união
com Cristo, da regeneração, da remissão dos pecados e
também da sua consagração a Deus por Jesus Cristo, a fim
de andar em novidade de vida. Este sacramento, segundo
a ordenação de Cristo, há de continuar em Sua Igreja até
ao fim do mundo".
§ 5 - "Posto que seja grande pecado desprezar ou
negligenciar esta ordenança, contudo, a graça e a salvação
não se acham tão inseparavelmente ligadas a ela que
ninguém possa ser regenerado e salvo, ou que sejam
indubitavelmente regenerados todos os que são batizados".
§ 6 - "A eficácia do batismo não se limita ao momento
em que é administrado; contudo, pelo devido uso desta
ordenança, a graça prometida é não somente oferecida,
mas realmente manifestada e conferida pelo Espírito Santo
àqueles a quem ele pertence, adultos ou crianças, segundo
o conselho da vontade de Deus, em Seu tempo apropriado".

883
Capítulo 42

DOUTRINA SOCINIANA - Socino acreditava que o


batismo tinha sido praticado pelos apóstolos depois da
morte de Cristo, e que era aplicado somente aos conver-
tidos, vindos de fora da Igreja. Os socinianos em geral
s u s t e n t a v a m que o b a t i s m o é apenas uma insígnia da
profissão de seguir a Cristo, que só o batismo por imersão
é válido e que só os adultos devem ser batizados - Cat.
Rac., Seç. 5, Cap. 3.

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884
43
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A Ceia do Senhor

1. Em que passagens do Novo Testamento consta a instituição


da Ceia do Senhor?
Mat. 26:26-28; Mar. 14:22-24; L u c . 22:17-20; 1 Cor.
10:16,17; 11:23-30.

2. Como se prova que a sua observância é de obrigação


perpétua?
Provam-no:
I o . As palavras da instituição: "Fazei isto em m e m ó r i a de
mim".
2°. As palavras de Paulo - 1 Cor. 11:25,26: "Fazei isto,
todas as vezes que comerdes, em m e m ó r i a de m i m . Porque
todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice
anunciais a m o r t e do Senhor, até que ele venha".
3 o . O exemplo apostólico - Atos 2:42,46; 20:7; etc.
4°. As muitas referências feitas a ela nos escritos apostólicos
c o m o de obrigação perpétua - 1 Cor. 10:16-21; etc.
5 o . A prática da Igreja Cristã, toda ela, em todos os seus
r a m o s , desde o princípio.

3. Quais as diversas frases empregadas nas Escrituras para


designar a Ceia do Senhor, e qual o seu sentido?
I a . "Ceia do S e n h o r " - 1 Cor. 11:20. A palavra grega
deípnon, t r a d u z i d a "ceia", designava o jantar, ou a refeição
p r i n c i p a l dos judeus, que se comia de tarde ou pouco antes
do anoitecer, e daí este sacramento recebeu esse n o m e , t e n d o

885
Capítulo 43

sido instituído na ocasião dessa refeição. Chama-se "do Senhor"


porque foi por Ele instituído, para comemorar Sua morte e
significar e selar a Sua graça.
2 a . "O cálice de bênção" - 1 Cor. 10:16. O cálice foi aben-
çoado por Cristo, e a bênção de Deus é agora invocada sobre
ele pelo ministro oficiante - Mat. 26:27.
3 a . "A mesa do Senhor" - 1 Cor. 10:21. "Mesa", aqui, por
uma figura comum, representa as provisões postas em cima
dela. E a mesa para a qual o Senhor convida Seus hóspedes e à
qual Ele preside.
4 a . "A c o m u n h ã o " -1 Cor. 1 0 : 1 6 . 0 ato de participar deste
sacramento, em que se dá e se recebe m u t u a m e n t e , estabelece
e exerce a c o m u n h ã o do crente com Cristo e, por conseguinte,
também a dos crentes uns com os outros, por Cristo.
5 a . "O partir do pão" - Atos 2:42. Aqui o ato simbólico do
ministro oficiante é usado para designar o ato completo da
celebração.

4. Por quais outros termos ela foi designada na Igreja Primitiva?


I o . "Eucaristia", dí? eukaristéo, dar graças. Veja Mat. 26:27.
Esta palavra qualifica com muita propriedade este sacramento
como um ofício divino de ação de graças. E tanto o cálice de
ação de graças, com o qual celebramos a graça de Deus e
prometemos ser-Lhe gratos, como o cálice de bênção, ou cálice
consagrado.
2 o . "Reunião", synaxis, porque o sacramento era adminis-
trado nas reuniões públicas.
3 o . "Administração santa", leiturguía, aplicada ao sacra-
mento como expressão de eminência. Dessa palavra,
obviamente, é derivada a palavra liturgia.
4 o . "Oblação de sacrifício", thusía. "Não se aplicava este
termo ao sacramento no sentido de um verdadeiro sacrifício
propiciatório; aplicava-se porque (1) a sua celebração era
acompanhada de uma coleta e de ofertas de esmolas (dona-
tivos para sustento da obra do Senhor e para beneficência);

886
A Ceia do Senhor

porque (2) comemorava o verdadeiro sacrifício de Cristo na


cruz; porque (3) era verdadeiramente um sacrifício de louvor
e de ação de graças, H e b . 13:15; porque (4) no estilo dos
antigos, todos os atos religiosos em que se consagrava qual-
quer coisa a Deus para a Sua glória e para a nossa salvação
eram chamados sacrifícios.
5 o . "Ágape",agápe. Os ágapes, ou festas de amizade, eram
refeições para as quais se reuniam todos os comungantes, e em
conexão com as quais eles recebiam os elementos consagra-
dos. Essa é a razão pela qual foi dado esse nome também ao
sacramento. :
6 o . Mistério,mystérion, ou revelação simbólica da verdade,
que rinha por fim o proveito especial usufruído pelos cristãos
iniciados. Este nome era aplicado aos dois sacramentos. Nas
Escrituras é aplicado a todas as doutrinas da revelação - Mat.
13:11; Col. 1:26.
7 o . Missa, (termo derivado do particípio passado do verbo
latino mitto, que significa, entre outras coisas, despedir), é a
designação principal usada pela igreja latina (católica). A
derivação mais provável deste termo (em conexão com o
sacramento) é da antiga fórmula de despedir os irmãos reunidos.
Q u a n d o estavam concluídos os ritos sagrados, os diáconos
diziam em voz alta: "Ite, missa est", Ide, despedida está -
Turretino, Lib. 19, Quaes. 21.

5. Como se define este sacramento, e quais os pontos essenciais


1
incluídos na definição?
Veja Cat. Maior, Perg. 168; Breve Cat., Perg. 96.
Eis os pontos essenciais dessa definição:
I o . Os elementos, pão e vinho, dados e recebidos segundo
a instituição de Jesus Cristo.
2 o . O propósito de quem os recebe de faze-lo em obediência
à instituição de Cristo, em comemoração dele, para anunciar
a Sua morte até quando Ele venha.
3 o . A prometida presença de Cristo no sacramento, por

887
Capítulo 43

Seu Espírito, "de modo que aqueles que o recebem dignamente


tornam-se participantes do corpo e do sangue de Cristo, com
todos os seus benefícios, não de u m a maneira corporal e carnal,
e sim pela fé, para seu alimento espiritual e crescimento na
graça".

6. Que qualidade de pão deve-se usar no sacramento, e qual é


o uso das diversas igrejas a este respeito?
O essencial é que seja pão, desta ou daquela qualidade -
I o . Em conseqüência do m a n d a m e n t o de Cristo.
2 o . Em conseqüência da significação do símbolo; porque
o pão, sendo o principal alimento natural de nosso corpo,
representa a carne dEle, a qual, como o Pão vivo, Ele deu
para ser a vida do m u n d o - João 6:51. Mas a qualidade do
pão, se deve ser levedado ou não, não está especificada no
m a n d a m e n t o , e a natureza do sacramento não torna isso
essencial.
Cristo serviu-Se de pão asmo ou não levedado porque este
estava na mesa, tendo-se acabado de celebrar a Páscoa. Os
primeiros cristãos celebravam a comunhão na ocasião de u m a
refeição c o m u m , com o pão c o m u m e n t e usado, que era
levedado. Desde o século oitavo, a igreja católica romana tem
usado pão não levedado e manda que se faça uso dele como o
único que convém (na verdade, criou o elemento específico
para esse uso, chamado "hóstia"), mas não o torna essencial
(Cat. do Cone. de Trento, Parte 2, Cap. 4, §§ 13 e 14). A Igreja
Grega insiste no uso de pão não levedado, e é deste que a Igreja
Luterana faz uso. As igrejas reformadas, a Igreja Anglicana
inclusive, consideram mais próprio o uso de pão fermentado,
por ser o pão da vida comum, e porque, na Ceia do Senhor, o
p ã o é s í m b o l o de a l i m e n t o e s p i r i t u a l . O uso do b o l o ,
i n t r o d u z i d o n a l g u m a s de nossas igrejas, é p r o v i n c i a n o e
arbitrário, e não se funda nem nas Escrituras, nem na tradição,
nem no bom gosto.

888
A Ceia do Senhor

7. Qual o significado da palavra hóinos, vinho, no Novo


Testamento, e como se vê que se deve usar vinho, e não a gum
outro líquido, na celebração da Ceia?
O uso dessa palavra no Novo Testamento torna evi ente
que era propósito dos escritores sagrados designar P 01 j ® ® 0
suco fermentado da u v a - M a t . 9:17; João 2:3-10; Rom. • >
Ef. 5:18; 1 Tim. 3:8; 5:23; Tit. 2:3. ^ .
Isto se acha estabelecido pelo testemunho unanime ae
todos os eruditos e dos missionários residentes no O r ^ n t ^ . ^ a
o artigo do Dr. Lindsay W. Alexander na Cyclopadia, de Ki o;
o artigo intitulado "Wine", por Dr. William L. Bevan, no
Smith's Bible Dict.; o que diz o Dr. P h . Schaff s o b r e J o a o '
11, na pág. 111 do Comm. onjohn, de Lange; o que 12 0 ^v-
Dr. T. Laurie, missionário, na revista Bibliotheca acra>
janeiro de 1869; a obra Residence ofEight Years in Persta>P0T
Dr. Justin Perkins, pág. 236; o artigo por Dr. Eli f111* '
Bibl. Sacra, 1846, págs. 385 et alia; e o por Rev. J. H. ^
(missionário) em Interior, de 20 de julho de 1871. .
A igreja católica romana, fundada na tradição, p
se deve misturar água com o vinho (Cat. do Cone. e ren 5
Parte 2, Cap. 4, Pergs. 16 e 17). Mas isso não consta do ma ^
mento, nem está envolvido de n e n h u m m o d o na s /® n . l , 1 C a ?
simbólica do rito. Que é vinho, e n e n h u m outro líqui o,
se deve usar ficará evidente para quem ler as pa avra
instituição, Mat. 26:26-29, e o que o Novo Testamento iz
o uso dos apóstolos.

8. Como se vê que o partir do pão é pai te impor^a


celebração do sacramento?
Pelas seguintes considerações: ^ ,
I . O exemplo de Cristo no ato da instituição, ci u e s e
a

observar em cada uma das narrativas inspiradas Q^e t


sobre o assunto - Mat. 26:26; Mar. 14:22; Luc. 22- >

2 a . É ponto p r o e m i n e n t e na referência que os apóstolos

889
Capítulo 43

fazem ao sacramento nas Epístolas -1 Cor. 10:16. Todo o ofício


é designado pelo n o m e deste único ato - Atos 2:42.
3 a . Pertence à significação simbólica do sacramento. (1)
Representa o corpo de Cristo quebrado por nós -1 Cor. 11:24.
(2) Representa a comunhão dos crentes, sendo eles muitos n u m
só corpo - 1 Cor. 10:17. Isso a Igreja Luterana nega, susten-
tando que "o partir é somente um ato preparatório para a
distribuição". Veja Conservative Reformation, por Dr. K r a u t h ,
págs. 719-722.

9. Qual é a verdadeira interpretação de 1 Coríntios 10:16,


e em que sentido se deve abençoar ou consagrar os elementos?
A palavra abençoar ou bendizer é empregada nas Escrituras
somente em três sentidos: I o . Bendizer a Deus, isto é, declarar
Seu louvor e e x p r i m i r - L h e a nossa gratidão; 2 o . Conferir
realmente uma bênção, como Deus confere bênçãos às Suas
criaturas. 3 o . Invocar a bênção de Deus sobre alguma pessoa
ou coisa. J. •
O "cálice de bênção que abençoamos" é o cálice consagrado
sobre o qual o ministro invocou a bênção divina. Assim como
se invoca a bênção de Deus sobre o alimento, que é assim
consagrado para seu uso natural, 1 Tim. 4:5, assim também na
Ceia do S e n h o r se s e p a r a m os e l e m e n t o s c o m o s i n a i s
s a c r a m e n t a i s de u m a graça i n v i s í v e l e e s p i r i t u a l , para
a n u n c i a r e m a m o r t e de C r i s t o e m i n i s t r a r e m graça ao
comungante crente, invocando o ministro a bênção de Deus
que aí consiste na presença de Cristo p r o m e t i d a por Seu
Espírito. •
A igreja católica romana ensina que, quando o sacerdote
pronuncia as palavras de consagração, com a devida intenção,
ele realmente opera a transubstanciação do pão e do vinho no
corpo e no sangue de Cristo. A forma, em latim, que se deve
usar na consagração do pão é, "Este é meu corpo", e a que se
deve usar na consagração do vinho é, "Porque este é o cálice do
meu sangue, do testamento novo e eterno, o mistério da fé,

890
A Ceia do Senhor

que será derramado por vós e por muitos para a remissão


dos pecados" - Cat. do Cone. de Trento, Parte 2, Cap. 4, Pergs.
19-26. , w:.-V "

10. Como se mostra que a distribuição dos elementos entre o


povo, e sua aceitação deles, é parte essencial deste sacramento?
Tendo a igreja católica romana desenvolvido completa-
m e n t e as doutrinas da transubstanciação e do sacrifício da
missa, logicamente chegou à conclusão de que é conseguido
o fim essencial da ordenança no m o m e n t o em que ocorre a
consagração, e por isso julga que a distribuição dos elementos
entre o povo não é essencial. Conservam, portanto, o pão (a
hóstia), como o verdadeiro corpo do Senhor, fechado no hos-
tiário, levam-no em procissões e lhe prestam culto. Afirmam
também que o sacerdote, na celebração da missa, tem o direito
de comungar sem o povo, e de levar a hóstia aos doentes que
estiverem ausentes do lugar da comunhão - Cone. de Trento,
Sess.13, Cap. 6, cânones 4-7, e Sess. 20, cân. 8.
Os protestantes, ao contrário, sustentam que é da essência
desta ordenança santa que seja uma ação, p r i n c i p i a n d o e
t e r m i n a n d o no uso d i v i n a m e n t e ordenado dos elementos.
"Tomai e comei", disse Jesus Cristo. "Fazei isto em memória de
mim." E um "partir do pão", um "comer e beber" em memória
de Cristo; é uma "comunhão". Todos os protestantes sustentam,
pois, que a distribuição e a recepção dos elementos são partes
essenciais do sacramento, e que, quando isso se tem feito,
concluiu-se o sacramento. Os l u t e r a n o s s u s t e n t a m que a
presença da carne e do sangue no sacramento limita-se ao
tempo do uso sacramental dos elementos, isto é, ao tempo
durante o qual são distribuídos e recebidos, e que o que sobra
não é depois senão pão e vinho comuns - Form. Concord., Parte
2, Caps. 7, 82 e 108; Conf de Fé, Cap. 29, § 4.
As igrejas r e f o r m a d a s s u s t e n t a m que se deve p ô r os
elementos na mão do comungante, e não em sua boca, como
fazem os católicos romanos. Cristo disse, "tomai e comei", e o

891
Capítulo 43

ato é simbólico, representando a apropriação pessoal por


parte de cada comungante.
Sendo este sacramento uma "comunhão" (1 Cor. 10:16,17)
dos m e m b r o s uns com os outros e de todos com Cristo, é um
abuso do rito enviar os elementos a pessoas ausentes da
companhia em que é celebrado, e um absurdo a c o m u n h ã o
particular de ministros ou leigos. Em caso de necessidade, todas
as igrejas r e f o r m a d a s p e r m i t e m q u e os seus p a s t o r e s e
presbíteros, acompanhados de tantos irmãos em Cristo quantos
as circunstâncias permitirem, celebrem a c o m u n h ã o nas casas
de crentes e n f e r m o s ou de o u t r o m o d o incapacitados de
comparecer ao culto público-Gen. Assemb., O. S., 1863,Moore's
Digest, pág. 668.

11. Qual deve ser a natureza dos exercícios praticados durante


a distribuição dos elementos?
"Os sacramentos são selos da aliança da graça" feita entre
Cristo e Seu povo, e na Ceia do Senhor "os participantes
dignos real e verdadeiramente recebem e aplicam a si mesmos
Cristo crucificado", sendo cada crente "feito sacerdote para
Deus" (1 Ped. 2:5; Apoc. 1:6), "tendo liberdade de entrar no
santuário pelo sangue de Cristo" (Heb. 10:19). De tudo isso
segue-se necessariamente que neste sacramento os comungantes
devem fazer tudo, sem mediação, na aliança que fazem com o
Senhor.
O ministro nunca deve, pois, tornar os comungantes rece-
bedores passivos de instruções ou exortações. Nas reuniões
preparatórias e no sermão pregado logo antes da celebração da
Ceia, o ministro pode tratar de ensinar e de exortar o povo;
mas na celebração o ministro deve limitar-se a dirigir os
comungantes no ato de comunhão por meio de exercícios de
culto direto, como sejam orações e hinos apropriados. E todas
as orações e hinos associados a esta santa ordenança devem ser
especificamente apropriados, e não só terem simplesmente um
caráter religioso.

892
A Ceia do Senhor

) A R E L A Ç Ã O DO S I N A L
C O M A GRAÇA S I G N I F I C A D A

12. Qual é a doutrina católico-romana sobre este ponto? E


como é ela expressa pelo termo transubstanciação ?
Os antigos pais falavam em linguagem geral da presença
de Cristo na Ceia, e geralmente com a tendência de exagerar.
Sua linguagem metafórica tendia a c o n f u n d i r os símbolos do
culto religioso e as idéias espirituais representadas. A medida
que se veio a considerar o ministério como um sacerdócio e
como o único canal da graça para o povo, os sacramentos (as
ordenanças) passaram a ser exaltados cada vez mais e a ser
c o n s i d e r a d o s como os i n s t r u m e n t o s necessários para o
recebimento dessa graça. Da idéia de um sacerdócio real veio
necessariamente a idéia de ser necessário um sacrifício real; e
para que o sacrifício fosse real, atribuiu-se-lhe a presença real
de uma vítima divina encarnada.
A doutrina foi ensinada explicitamente primeiro, em sua
forma atual, por Paschasio Radberto, abade de Corobet, em
831. Foi combatida por Ratramno, mas pouco a pouco ganhou
terreno. O termo transubstantio, conversão da substância, foi
empregado primeiro por Hildeberto de Tours, falecido em
1134, para definir a doutrina. Esta foi decretada primeiro,
c o m o artigo de fé, por i n f l u ê n c i a de Inocêncio III, pelo
Q u a r t o Concílio de Latrão, em 1215.
A doutrina declara que quando o sacerdote pronuncia as
palavras da consagração -
I o . A inteira substância do pão fica mudada no mesmo
corpo de Cristo que nasceu da virgem, e se acha agora assentado
à destra do Pai no céu, e que toda a substância do vinho fica
m u d a d a no sangue de Cristo.
2 o . Que, assim como em sua Pessoa teantrópica a alma
não é separável do corpo, nem a deidade o é da alma, assim
também no sacramento a alma e o corpo do Redentor estão
presentes, junto com Sua carne e Seu sangue.

893
Capítulo 43

3 o . Q u e somente as espécies, ou qualidades sensíveis do


pão e do vinho permanecem, accidentia sine subjecto, e que a
s u b s t â n c i a da carne e do sangue está presente sem seus
acidentes.
4 o . Que esta conversão das substâncias é permanente, de
modo que a carne e o sangue permanecem para sempre e devem
ser conservados e adorados como tais. Baseiam essa doutrina
nas Escrituras (Hoc est corpus meum), na tradição e na autoridade
de certos concílios.

13. Por quais motivos a igreja católica romana recusa o cálice


ao povo e só o concede ao sacerdote oficiante? E qual é sua
doutrina sobre "concomitância"?
Desde o tempo da Igreja Primitiva a Igreja Cristã, durante
séculos, a Igreja Grega e as igrejas protestantes, até ao tempo
p r e s e n t e , s e g u e m o exemplo de C r i s t o e Seus apóstolos
distribuindo entre todos os comungantes tanto o vinho como
o pão, "sub utraque forma". A igreja católica romana, porém,
temendo que, sem intenção alguma, seja profanada parte da
Pessoa do Senhor, concede o cálice somente ao m i n i s t r o
oficiante. A única exceção admitida é quando o papa dá o cálice
aos cardeais na quinta-feira (chamada) santa. A guerra hussita
teve por finalidade principal conseguir para o povo o privi-
légio de receber ambas as espécies na comunhão. Em defesa
do seu costume, os teólogos inventaram a doutrina de que
Cristo acha-se totalmente presente em cada um dos elementos.
A essa doutrina Tomás de Aquino foi quem primeiro deu o
n o m e de concomitância. No corpo acham-se i n c l u í d o s os
nervos, os músculos e tudo o mais que é necessário para um
corpo inteiro; e como o sangue é inseparável da carne, e a
alma o é do corpo, como também a deidade o é da alma,
segue-se que a Pessoa inteira do Redentor se acha presente em
qualquer porção dos dois elementos, ao se fazer a separação.
Aquele, pois, que recebe qualquer fração do pão recebe sangue
bem como carne, porque recebe o Cristo todo.

894
A Ceia do Senhor

14. Quais os argumentos que provam que a doutrina católico-


-romana da relação do sinal com a coisa significada é contrária
as Escrituras e também à razão?
I o . O único argumento bíblico dos católicos romanos é
tirado das palavras da instituição: "Este é meu corpo" - Mat.
26:26. Os protestantes respondem: "Essa frase, nesse lugar, quer
dizer necessariamente, "este pão representa, ou simboliza, meu
corpo". Isso é evidente - (1) Porque muitas vezes não se pode
d e i x a r d e i n t e r p r e t a r assim l i n g u a g e m s e m e l h a n t e nas
Escrituras,e. £.,Gên. 4 1 : 2 6 - " A s sete vacas formosas são* sete
anos; as sete espigas formosas também são sete anos". Dan.
7:24 - "Os dez cornos serão dez reis" (Figueiredo, aqui mais
de acordo com o hebraico; igualmente a NIV: "Os dez chifres
são dez reis...". Ez. 37:11: "Estes ossos são toda a casa de Israel".
Mat. 13:19,38 - "Este é o que foi semeado"; "O campo é o
m u n d o ; e a boa semente são os filhos do reino". Apoc. 1 : 2 0 -
"As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete castiçais
são as sete igrejas". (2) No caso em foco, o fato de Cristo achar-
-Se c o r p o r a l m e n t e p r e s e n t e , a s s e n t a d o à mesa, q u a n d o
pronunciou as palavras, e o fato dEle mesmo comer do pão,
torna outra qualquer interpretação impossível. (3) Também o
que Cristo disse do cálice torna impossível outra interpretação:
"Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue" - Luc.
22:20. "Isto (o cálice) é o meu sangue" - Mat. 26:28. Diz o
apóstolo Paulo (1 Cor. 10:16) que o cálice é akoinonía do sangue,
e que o pão é a koinonía do corpo de Cristo.
2 o . Paulo chama pão um dos elementos, tanto antes como
depois da sua consagração - 1 Cor. 10:16; 11:26-28.
3 o . Essa doutrina contradiz a sua própria definição de
sacramento. Os católicos romanos, bem como os protestantes
e os a n t i g o s p a i s , d i s t i n g u e m duas coisas em q u a l q u e r
sacramento, a saber, o sinal e a coisa significada. Veja acima,

* A Vulgata Latina aqui temsunt, são. Figueiredo afastou-se e pôs "denotam".


Nota do tradutor.

895
Capítulo 43

Cap. 41, Perg. 2. Mas a doutrina da transubstanciação confunde


essas coisas.
4 o . Os sentidos, dentro da esfera que lhes é própria, são
u m a f o r m a d e revelação d e D e u s c o m o q u a l q u e r o u t r a .
N e n h u m dos milagres n a r r a d o s na Bíblia contradizia os
sentidos, mas, ao contrário, a realidade dos milagres ficava
estabelecida pelo t e s t e m u n h o dos sentidos. Veja a trans-
formação da água em vinho - João 2:1-10, e também Luc.
24:36-43. Mas a doutrina da transubstanciação contradiz
absolutamente os sentidos, porque para a vista, o cheiro, o sabor
e o tato os elementos são pão e vinho depois da consagração
como o eram antes.
5 o . Também a razão, na esfera que lhe é própria, é u m a
forma de revelação divina; e, posto que outra revelação, quer
sobrenatural quer não, possa transcendê-la, nunca pode estar
em contradição com ela. Veja acima, Cap. 3, Perg. 14. Mas a
doutrina da transubstanciação contradiz os princípios da razão
(1) com respeito à natureza do corpo de Cristo, ensinando que,
apesar de ser material, pode estar, sem divisão, no céu e em
muitos lugares diferentes deste m u n d o ao m e s m o tempo. (2)
Sustentando que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes
no sacramento, sem n e n h u m a de suas qualidades sensíveis, e
que todas as qualidades sensíveis de pão e de v i n h o estão
presentes, apesar de se acharem ausentes as substâncias a que
elas pertencem. Todavia qualidades não podem ter existência
à parte dos corpos a que pertencem.
6 o . A doutrina da transubstanciação é parte inseparável
de um sistema de astúcia sacerdotal que é i n t e i r a m e n t e
anticristão e que inclui a adoração da hóstia, o sacrifício da
missa, e assim a substituição completa de Cristo e Sua obra
pelo sacerdote e suas obras. Essa doutrina também sujeita de
maneira blasfema a majestosa divindade de nosso Salvador ao
domínio de Suas criaturas pecadoras, para que a seu bel-prazer
O façam vir do céu, e O dêem ou se recusem a dá-lo ao povo.

896
A Ceia do Senhor

15. Como se pode expor a teoria luterana quanto à natureza


da presença de Cristo na eucaristia?
Os luteranos sustentam - I o . A communicatio idiomatum,
ou seja, que a união pessoal das naturezas divina e h u m a n a
envolve ao m e n o s o fato de a h u m a n i d a d e participar da
onipresença da Deidade. Por isso a Pessoa inteira do Deus
encarnado, em corpo, alma e deidade, está presente em toda
parte. 2 o . Que se deve entender literalmente a linguagem de
que se serviu o nosso Senhor na instituição: "Este (pão) é o
meu corpo".
Logo, eles afirmam - I o . Que a Pessoa inteira, o corpo e o
sangue de Cristo, está real e corporalmente presente em, com
e sob os elementos sensíveis. 2 o . Que são recebidos na boca. 3 o .
Que tanto o incrédulo como o crente os recebem, com a ressalva
de que o incrédulo os recebe para sua própria condenação.
Por outro lado, eles negam - I o . A transubstanciação,
sustentando que o pão e o vinho permanecem (quanto à sua
substância) o que parecem ser. 2 o . Que a presença de Cristo no
s a c r a m e n t o é efetuada pelo m i n i s t r o oficiante. 3 o . Q u e a
presença de Cristo nos elementos é permanente. Afirmam que,
sendo sacramental, cessa quando se conclui o sacramento. 4 o .
Que o pão e o vinho só representam o corpo de Cristo. 5 o . Que
a presença do corpo e do sangue verdadeiros é "espiritual", no
sentido de ser mediada ou (a) pelo Espírito Santo, ou (b) pela
fé daquele que recebe o sacramento.
.. .. i
16. Como expor a doutrina das igrejas reformadas?
A atividade de Lutero como reformador estendeu-se do
ano de 1517 ao ano de 1546; a de Melanchton, de 1521 a 1560;
a de Zwínglio, de 1518 a 1531; a de Calvino, de 1536 a 1564. O
" C o l ó q u i o de M a r b u r g o ocorreu em o u t u b r o de 1529; a
Confissão de Augsburgo foi publicada em junho de 1530, e a
primeira edição das Instituías de Calvino foi lançada em Basiléia,
em 1536, e a obra completa, em Genebra, em 1559.
I o . Z w í n g l i o a f i r m a v a q u e o p ã o e o v i n h o são

897
Capítulo 43

simplesmente memoriais do corpo de Cristo ausente, no céu.


E s t a sua o p i n i ã o p r e v a l e c e u p r i m e i r o e n t r e a s i g r e j a s
reformadas e foi incorporada na obra Fidei Ratio, de Zwínglio,
enviada à dieta (assembléia) realizada em Augsburgo, em 1530;
na Confessio Tetrapolitana, de Martinho Bucer, 1530; na Primeira
Confissão de Basiléia, de Oswaldo Micônio, 1532; e na Primeira
Confissão Helvética, de Bullinger, Micônio e outros, 1536.
2°. Calvino situou-se n u m terreno intermediário entre os
zwinglianos e os luteranos. Sustentava - (1) Em comum com
Zwínglio e com todas as igrejas reformadas que as palavras,
"Este é o meu corpo", significam "este pão representa o meu
corpo". (2) Que neste sacramento Deus oferece a todos, e a todos
os comungantes dá, mediante o seu ato de comerem o pão e
beberem o vinho, todos os benefícios sacrificiais da redenção
realizada por Cristo. (3) Ensinava também que, além disso, o
próprio corpo e sangue de Cristo, posto que ausentes, no céu,
comunica ao crente, no ato de receber os elementos, uma
influência vivificadora. Essa influência é real e viva, mas (a) é
mística, não física; (b) é c o m u n i c a d a por i n t e r m é d i o do
Espírito Santo, e (c) tem como condição, da parte do comun-
gante, fé para recebê-la. Esta doutrina acha-se exposta princi-
palmente nas Instituías de Calvino, Liv. 4, Cap. 17; na Conf.
Gálica, Art. 36, formulada por um Sínodo em Paris, em 1559;
na Conf. Escocesa, Art. 21, por João Knox, 1560; e na Conf.
Belga, Art. 35, de Von Bres, 1561.
3 o . Depois de perdida toda a esperança de reconciliação
dos ramos luteranos e reformados da igreja sobre este assunto,
Calvino compôs o Consensus Tigurinus, em 1549, com o fim
de unir o partido zwingliano de Z u r i c h e o calvinista de
Genebra n u m a só doutrina sobre a eucaristia. Foi aceito pelos
dois partidos, e a doutrina nele apresentada daí por diante
tem sido recebida como a doutrina das igrejas reformadas.
Predomina na Segunda Confissão Helvética, de Bullinger, 1564;
no Catecismo de Heidelberg, p o r U r s i n o , d i s c í p u l o de
Melanchton, 1562; nos Trinta e Nove Artigos da Igreja Anglicana,

898
A Ceia do Senhor

1562, e na Confissão de Fé, de Westminster, 1648.


Todas elas estão de acordo -
I o . Quanto à "presença" da carne e do sangue de Cristo,
(1) Sua natureza h u m a n a está somente no céu. (2) Sua Pessoa
como D eus-homem é onipresente e, portanto, está em toda
parte e sempre, e a nossa comunhão é com Sua Pessoa inteira,
e não (somente) com Sua carne e sangue. (Veja acima, Cap. 13,
Pergs. 13 e 16.) (3) A presença da Sua carne e do Seu sangue no
sacramento não é física nem local, e sim somente pelo Espírito
Santo, que pela graça influencia neste sentido a alma.
2 o . Quanto àquilo que o crente come e de que se sustenta,
elas (as C o n f i s s õ e s ) t o d a s c o n c o r d a m em que n ã o é a
"substância", mas sim a virtude (poder) e a eficácia do Seu
corpo e do Seu sangue, isto é, sua virtude sacrificial, como
quebrado e derramado pelo pecado.
3 o . Quanto aos crentes "comerem" esse "corpo e sangue",
elas concordam em que - (1) Não é de modo algum com a
boca. (2) É somente com a alma. (3) E pela fé, que é a boca ou
a mão da alma. (4) Pelo ou mediante o poder do Espírito Santo.
(5) Não se limita à celebração do sacramento, mas acontece
sempre que se exerce fé em Cristo. - Bib. Rep., abril de 1848.

A EFICÁCIA DO S A C R A M E N T O
D A CEIA D O S E N H O R

17. Qual a doutrina da igreja católica romana quanto à eficácia


da eucaristia, em que sentido ela sustenta que é também um
sacrifício, e em que fundamento se baseia para ensinar isso?
Os católicos romanos distinguem entre a eucaristia como
sacramento e como sacrifício. Como sacramento, seu efeito é
que ex opere operato o comungante que não lhe põe óbice é
nutrido espiritualmente, santificado e provido de merecimento
pela real e verdadeira substância do Redentor comida e bebida.
Por outro lado - "O sacrifício da missa é uma oblação
externa do corpo e do sangue de Cristo oferecidos a Deus em

899
Capítulo 43

reconhecimento do Seu domínio supremo, sob a aparência de


pão e de v i n h o mostrados visivelmente p o r um m i n i s t r o
legítimo, com o acréscimo de certas orações e cerimônias
prescritas pela igreja para assim dar-se melhor culto a Deus e
edifícar-se mais o povo" - Pedro Dens, vol. 5, pág. 358.
Com respeito à sua finalidade, esta deve distinguir-se nos
seguintes atos e aspectos:
1 °.Latreuticum, ato de adoração suprema oferecida a Deus.
2 o . Eucharisticum, ação de graças.
3 o . Propitiatorium, expiação dos pecados e propiciação de
Deus, efetuadas pelo sacrifício que se torna a fazer do corpo e
do sangue de Cristo.
4 o . Imperatorium, porque por meio dele alcançamos muitas
bênçãos espirituais e temporais - Pedro Dens, vol. 5., pág. 368.
A diferença entre a eucaristia como sacramento e como
sacrifício é m u i t o grande e é dupla. Como sacramento, a
consagração põe-lhe fim; como sacrifício, toda a sua eficácia
consiste em sua oblação (oferecimento). Como sacramento, é
fonte de mérito para o comungante digno; como sacrifício,
não só é fonte de mérito, mas também de satisfação, porque
expia os pecados dos vivos e dos mortos - Cat. Ro?n., Parte 2,
Cap. 4, Perg. 55; Cone. de Trento, Sess. 22.
F u n d a m e n t a m essa doutrina na autoridade da igreja e
recorrem absurdamente a Malaquias 1:11, como se houvesse
aí uma profecia deste sacrifício repetido perpetuamente, e à
declaração encontrada em H e b r e u s 7:17, de que Cristo é
"sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque",
o qual, dizem eles, desempenhou as funções de sacerdote
oferecendo pão e vinho a Abraão - Gên. 14:18.

18. Como se pode refutar essa doutrina?


I o . Não tem f u n d a m e n t o algum nas Escrituras. O apelo
para a profecia de Malaquias e para a relação típica de Mel-
quisedeque com Cristo é patentemente um absurdo.
2°. Fundamenta-se única e exclusivamente na doutrina

900
A Ceia do Senhor

da transubstanciação, a qual foi refutada acima, Perg. 14.


3 o . O sacrifício de Cristo na cruz foi sacrifício perfeito e,
por sua própria natureza essencial, exclui todos e quaisquer
outros - Heb. 9:25,28; 10:10-14,18,26,27.
4 o . Não está em harmonia com as palavras da instituição
proferidas por Cristo - Luc. 22:19; 1 Cor. 11:24-26. O sacra-
m e n t o c o m e m o r a o sacrifício de C r i s t o na c r u z , e, p o r
conseguinte, n ã o p o d e ser, ele mesmo, um novo sacrifício
propiciatório. Pela mesma razão, a essência de um sacramento
é diferente da de um sacrifício. Os dois não podem coexistir
:
na mesma ordenança.
o
5 . Pertencia à própria essência de todos os sacrifícios
propiciatórios, tanto dos sacrifícios típicos do Velho Testamento
como do sacrifício totalmente perfeito de Cristo, que se tirasse
vida, que se derramasse sangue, porque a vítima sofria vica-
riamente a pena da lei - Heb. 9:22. Mas os próprios papistas
chamam à missa um sacrifício incruento, e nela n i n g u é m sofre
dor ou morte.
6 o . O n d e há sacrifício deve haver sacerdotes para o
oferecerem; mas o ministério cristão não é sacerdócio. Veja
acima, Cap. 24, Perg. 21. v>r; ••lUf.jfrilr.r./t efciv-

19. Qual é a teoria luterana quanto à eficácia do sacramento?


A teoria luterana quanto a este ponto é que a eficácia do
sacramento não está nos sinais, e sim na Palavra de Deus que
os acompanha, e que ela só é operante quando o comungante
tem verdadeira fé. Este efeito é idêntico ao da Palavra e pela fé
inclui os benefícios da comunhão viva com Cristo e todos os
frutos dela. A teoria dá, porém, muita importância à virtude
ou poder do corpo e do sangue verdadeiros, presentes em, com
e sob as espécies do pão e do vinho. Este corpo e seu sangue
são recebidos fisicamente tanto pelos incrédulos como pelos
fiéis, mas é só nestes que, pela graça divina, eles se tornam
eficazes - Pequeno Cat., de Lutero, Parte 5; Conseru. Reform.,
por K r a u t h , págs. 825-829.

901
Capítulo 43

20. Qual a teoria chamada zwingliana, remonstrante e soci-


niana quanto à eficácia da eucaristia?
Zwínglio faleceu prematuramente. Sua teoria a respeito
dos sacramentos era, sem dúvida alguma, muito imperfeita.
Se não morresse tão cedo, teria por certo acompanhado seus
discípulos em unir-se a Calvino na aceitação do Consensus
Tigurinus. A doutrina conhecida por seu nome e realmente
sustentada pelos socinianos e pelos remonstrantes, difere da
dos reformados - I o . Em fazer dos elementos meros sinais; e
em negar que Cristo esteja presente na eucaristia de algum
modo. 2 o . Em negar que os sacramentos são meios de graça, e
em sustentar que são apenas atos de comemoração e insígnias
da profissão cristã.

21. Qual é a teoria das igrejas reformadas sobre este assunto?


Elas rejeitam a teoria católico-romana, segundo a qual a
eficácia do sacramento é-lhe inerente fisicamente como sua
propriedade intrínseca, assim como o calor é inerente ao fogo.
Rejeitam também a teoria luterana, até onde ela atribui ao
sacramento uma virtude ou poder sobrenatural e inerente, não
devida realmente aos sinais e sim à Palavra de Deus que os
acompanha, mas que, todavia, é sempre operante, contanto que
o comungante tenha fé. E, em terceiro lugar, elas rejeitam a
doutrina dos socinianos e outros, de que o sacramento nada
mais é do que uma insígnia de profissão da religião cristã, ou
um vago sinal de Cristo e Seus benefícios. Elas ensinam que o
sacramento é um eficaz meio de graça; porém a sua eficácia
não é atribuída a alguma virtude nele existente, n e m ao que o
administre, e sim, unicamente, à operação do Espírito Santo
(virtus Spintus Sancti extrinsecus accedens), exatamente como no
caso da Palavra. O sacramento possui, sem dúvida, a v i r t u d e
moral e objetiva de um emblema significativo e, como selo,
ele realmente comunica a todo crente a graça da qual é sinal, e
ocupa um lugar especial como o rito em que Cristo e Seu povo
se encontram; mas a sua virtude de comunicar ou t r a n s m i t i r

902
A Ceia do Senhor

graça depende inteiramente, como sucede com a Palavra, da


cooperação do Espírito Santo. Segue-se que essa virtude não
está de m o d o algum ligada ao sacramento, e pode ser exercida
sem ele; não o acompanha sempre, e não se limita ao tempo e
ao lugar o n d e se celebra o sacramento, e nem a e s t e - B i b . Ref,
abril de 1848; veja Conf. Gal., Arts. 36 e 37; Helv., ii, c.21;
Conf Escocesa, Art. 21; Os Trinta e Nove Artigos da Igreja
Anglicana, Arts. 28 e 29; e também os nosso símbolos, e. g.,
Conf. de Fé, Cap. 29, § 7.

22. Que ensinam os nossos símbolos a respeito das qualificações


necessárias para admissão à mesa do Senhor?
1°. Somente aqueles que foram verdadeiramente regene-
rados pelo Espírito Santo têm as qualificações necessárias, e
somente aqueles que professam fé em Cristo e andam em
c o n f o r m i d a d e com essa profissão devem ser a d m i t i d o s à
participação na Ceia do Senhor.
2 o . Pessoas más ou ignorantes, e as que sabem que nunca
foram regeneradas, não possuem as qualificações necessárias e
não devem ser admitidas pelos oficiais das igrejas - Conf. de
Fé, Cap. 29, § 8; Cat. Maior, Perg. 173.
3 o . Mas, apesar do fato de que há muitos que duvidam
que estão em Cristo, todavia, são cristãos verdadeiros; por isso,
se aquele que duvida assim realmente deseja ser achado em
Cristo e apartar-se da iniqüidade, ele deve procurar meios de
resolver as suas dúvidas e, fazendo isso, chegar-se à mesa do
Senhor para receber mais força espiritual - Cat. Maior, Perg.
172.
4 o . "Às crianças nascidas no grêmio da Igreja visível e
dedicadas a Deus no batismo, q u a n d o chegam à idade da
discrição, se não tiverem dado motivo para escândalo, pare-
cerem sóbrias e cordatas, e tiverem conhecimento suficiente
para discernir o corpo do Senhor, deve-se ensinar que é seu
dever e privilégio chegar-se à Ceia do Senhor". "Não se pode
fixar precisamente os anos da discrição nos cristãos jovens.

903
Capítulo 43
/

E necessário deixar isso ao critério da sessão da igreja (o


conselho)" - Diretório para o Culto, Cap. 9.

23. Qual costume a este respeito prevalece nas diversas igrejas,


e quais os princípios em que se funda?
I o . Segundo os católicos romanos, a salvação depende de
a pessoa estar em união com a igreja e de ser-lhe obediente, e,
por conseguinte, eles admitem aos sacramentos todos os que
exprimem o desejo de conformar-se e obedecer. "Ninguém",
porém, "com consciência de pecado mortal, ainda que se julgue
sumamente contrito, se houver oportunidade de recorrer a
um confessor, deve chegar-se à sagrada eucaristia sem antes
proceder à.confissão sacramental" - Cone. de Trento, Sess. 13,
Cap. 7 e Cân. 11. Os luteranos concordam com eles em admi-
tirem todos os que se conformam às exigências externas da
igreja.
2 o . Os episcopais extremos e outros que consideram os
sacramentos como em si mesmos meios eficazes de graça
sustentam que mesmo aqueles que sabem que não têm em si
n e n h u m dos frutos do Espírito, mas que têm fé especulativa
no evangelho, e estão livres de escândalo, devem ser admitidos,
se desejarem participar.
3 o . Segundo a d o u t r i n a e a praxe de todas as igrejas
evangélicas, a Ceia do Senhor foi instituída unicamente para
os crentes e, por isso, deve-se exigir de todos os que quiserem
participar uma profissão digna de crédito de fé em Cristo e a
promessa de L h e obedecerem. (1) As igrejas batistas, negando
inteiramente às crianças o direito de serem membros da igreja,
recebem como vindos do m u n d o todos os que pedem
admissão, e por isso exigem de todos provas positivas do novo
nascimento. (2) Todas as igrejas pedobatistas, sustentando que
todas as crianças batizadas já são membros da igreja, fazem
uma distinção entre a admissão dos filhos da igreja à Ceia do
Senhor e a admissão à igreja dos não batizados que eram do
m u n d o e inteiramente estranhos à igreja. Com relação aos

904
A Ceia do Senhor

primeiros, presume-se que virão à mesa do Senhor q u a n d o


chegarem "à idade da discrição, se não tiverem dado motivo
para escândalo, p a r e c e r e m sóbrios e cordatos, e t i v e r e m
conhecimento suficiente para discernir o corpo do Senhor".
No caso dos m u n d a n o s não batizados, presume-se que são
estranhos enquanto não fizerem profissão digna de crédito de
que foram transformados. -V •

24. Como se pode provar que, segundo a intenção de Cristo,


a Ceia do Senhor não é para os não renovados ?
E evidente que foi instituída somente para os que têm a
preparação espiritual necessária para fazer aquilo que todo
comungante professa fazer no próprio ato de participar do
sacramento. Esta ordenança é essencialmente -
I o . Uma profissão de (fé em) Cristo.
2 o . Um pacto solene em que o comungante professa aceitar
a Cristo e Seu evangelho e promete fazer o que deve fazer todo
discípulo do Senhor.
3 o . Um ato de c o m u n h ã o espiritual com Cristo.
As qualificações necessárias para comungar dignamente
são, pois, tal conhecimento e tal estado espiritual que habilitem
o comungante a discernir inteligente e verdadeiramente nos
emblemas (ou sinais, ou símbolos) o corpo do Senhor como
sacrificado pelo pecado, a fazer pacto com Ele na aliança do
evangelho, e a ter comunhão com Ele por Seu Espírito.

25. Que é que a igreja e seus oficiais têm o direito de exigir


daqueles que eles admitem à Ceia do Senhor?
"Os oficiais da igreja são os juízes das qualificações daque-
les que eles admitem à participação nos sacramentos." Eles
"examinarão sobre o seu conhecimento e piedade aqueles que
forem assim admitidos" - Diretório para o Culto, Cap. 9. Não
tendo Deus dado a n e n h u m desses oficiais o poder de ler o
coração, segue-se que as qualificações das quais eles são juízes
são simplesmente as de conhecimento suficiente, pureza de

905
Capítulo 43

vida e uma profissão digna de crédito de fé em Cristo. (Por


"digna de fé" não se entende aquilo que convence, e sim aquilo
que se pode considerar como verdadeiro.) E de seu dever exa-
m i n a r o candidato quanto ao seu conhecimento, observar a
sua vida e indagar a respeito dela, explicar-lhe com fidelidade
quais as qualificações espirituais e internas necessárias para
se comungar dignamente, e ouvir a sua profissão de fé e o seu
propósito espirituais. A responsabilidade do ato fica então com
a pessoa que faz a profissão, e não com a sessão ou conselho da
igreja, a cujo respeito nunca se deve entender que os oficiais
passam juízo Sobre as provas apresentadas, ou sobre a validade
delas.

26. Qual a diferença que a respeito deste ponto há entre as


igrejas presbiteriana e congregacional?
Entre essas duas corporações de cristãos existe uma dife-
rença em suas opiniões tradicionais e sua prática a respeito da
capacidade, do direito e do dever dos oficiais das igrejas de
formarem e afirmarem um juízo oficial positivo sobre o caráter
interno e espiritual dos que lhes são apresentados para serem
admitidos aos privilégios da igreja. Por uma "profissão digna
de crédito" os congregacionais entendem provas positivas de
experiência religiosa tais que produzam nos oficiais juízes a
convicção de que as pessoas admitidas são regeneradas. Os
presbiterianos, porém, entendem por essa frase somente uma
profissão inteligente de verdadeira fé espiritual em Cristo, e
que não seja desmentida pela vida.
O Dr. Candlish, em Edinburgh Witness, de 8 de junho de
1848, diz: "O princípio (de comunhão), como é notório que
sempre foi mantido pela Igreja Presbiteriana, não constitui os
pastores, os presbíteros ou os demais membros em juízes da
conversão verdadeira do candidato, mas, pelo contrário, lança
sobre o próprio candidato grande parte da responsabilidade.
E preciso que o ministro e a sessão ou conselho da igreja se
satisfaçam q u a n t o ao c o n h e c i m e n t o , à profissão digna de

906
A Ceia do Senhor

c r é d i t o e à vida santa de q u e m pede q u e seja recebido na igreja.


E p r e c i s o q u e eles d e t e r m i n e m n e g a t i v a m e n t e q u e n ã o há
m o t i v o para dizer q u e ele n ã o é cristão; m a s eles n ã o t o m a m
s o b r e si a r e s p o n s a b i l i d a d e de j u l g a r p o s i t i v a m e n t e a sua
conversão. Esta é a regra p r e s b i t e r i a n a de disciplina e, q u e r se
c o n s i d e r e boa ou m á , difere m u i t o da dos congregacionais. Na
prática, t a n t o u m a regra c o m o a o u t r a dão lugar a q u e se fale
s e r i a m e n t e à consciência, e as pessoas sem c o n h e c i m e n t o e cuja
profissão n ã o seja d i g n a de c r é d i t o são excluídas (ou n ã o são
recebidas).

EXPOSIÇÕES ECLESIÁSTICAS AUTORIZADAS

DOUTRINA ROMANA - DOUTRINA DA EUCARISTIA


COMO SACRAMENTO ECOMO SACRIFÍCIO-Cone. de Trento,
Sess. 13, Cân. 1: "Se alguém negar que no santíssimo
s a c r a m e n t o da eucaristia se contêm verdadeira, real e
substancialmente o corpo e o sangue, juntamente com a
alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo, e, por
conseguinte, todo o Cristo, e disser que (Cristo) está nele
somente como em sinal, figura ou virtude; seja anátem".
C â n . 2 - " S e a l g u é m d i s s e r q u e no s a c r o s s a n t o
sacramento da eucaristia fica a substância do pão e do
vinho, juntamente com o corpo e o sangue de nosso Senhor
Jesus Cristo; e negar aquela singular e admirável conversão
de toda a substância de pão em corpo e de toda a substância
d e v i n h o e m s a n g u e , f i c a n d o s o m e n t e a s espécies
(acidentes) de pão e de vinho; cuja conversão a igreja
romana com suma propriedade chama transubstanciação;
seja anátema".
Cân. 3 - "Se alguém negar que no venerável sacramento
da eucaristia, debaixo de cada uma das espécies, e debaixo
de cada parte destas espécies, q u a n d o elas se dividem,
encerra-se todo o Cristo; seja anátema".
Cân. 4 - "Se alguém disser que no admirável sacramento
da eucaristia, depois da consagração, não estão o corpo e o
sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, mas somente no uso,

907
Capítulo 43

quando se recebe, e nem antes nem depois; e que nas


hóstias ou partículas sagradas, que se guardam, ou sobejam,
não fica o verdadeiro corpo do Senhor; seja anátema".
Cân. 6 - "Se alguém disser que o Unigénito Filho de
Deus no santo sacramento da eucaristia não se deve adorar
com culto de latria também externo; e que por isso nem
se deve venerar com festividade particular, nem se deve
levar solenemente nas procissões, segundo o louvável rito
e costume da igreja universal (católica); ou que se não
deve expor publicamente ao povo, para ser adorado, e que
seus adoradores são idólatras; seja anátema".
Cân. 7 - "Se alguém disser que não é lícito reservar no
sacrário a sagrada eucaristia, mas que imediatamente após
a consagração deve ser distribuída aos circunstantes; ou
que não é lícito levá-la aos enfermos pomposamente; seja
anátema".
Cân. 8 - "Se alguém disser que Cristo, na eucaristia, só
é comido espiritualmente, e não também sacramental e
realmente; seja anátema".
Cân. 10 - "Se alguém disser que não é lícito ao sacerdote
que celebra, dar a Comunhão a si mesmo; seja anátema".
Sessão 21, Cân. 1 - "Se alguém disser que todos e cada
um dos fiéis de Cristo, por preceito de Cristo, e necessidade
de salvação, devem receber ambas as espécies do ss.
sacramento da eucaristia; seja anátema".
Cân. 2 - "Se alguém disser que a santa igreja católica,
sem ter justas causas e razões, se resolvera a conceder a
comunhão aos leigos e aos clérigos que não celebram,
debaixo da espécie de pão somente, ou que nisto errara;
seja anátema".
Cân. 3 - "Se alguém negar que Cristo, todo inteiro, fonte
e autor de todas as graças, se recebe debaixo da espécie só
de pão; porque, como muitos afirmam com falsidade, não
se recebe conforme a instituição de Cristo, debaixo de
ambas as espécies; seja anátema".
Sessão 22, Cân. 1 - "Se alguém disser que na missa não
se oferece a Deus verdadeiro sacrifício; ou que oferecê-lo
não é outra coisa do que dar Cristo a nós para o comun-

908
A Ceia do Senhor

garmos; seja anátema".


Cân. 2 - "Se alguém disser que Cristo não instituiu os
apóstolos sacerdotes, naquelas palavras: fazei isto em
minha comemoração; ou que não ordenou que eles e os
demais sacerdotes oferecessem o seu corpo e o seu sangue;
seja anátema".
Cân. 3 - "Se alguém disser que o sacrifício da missa é
somente de louvor e ação de graças, ou mera comemoração
do sacrifício feito na cruz; mas não propiciatório; ou que
só aproveita ao que comunga; e que não se deve oferecer
pelos vivos e pelos d e f u n t o s , pelos pecados, penas,
satisfações e outras necessidades; seja anátema".
Cân. 8 - "Se alguém disser que as missas em que
comunga só o sacerdote são ilícitas... seja anátema".
Cap. 2 - "Como neste divino sacrifício, que na missa se
exercita, encerra-se e é sacrificado incruentamente aquele
mesmo Cristo que uma vez cruentamente no altar da cruz
se ofereceu a si mesmo... portanto, com razão, conforme a
tradição apostólica, se oferece, não só pelos pecados, penas,
satisfações e outras necessidades dos fiéis vivos, mas
também pelos que morreram em Cristo, não estando
plenamente purificados".
Belarmino, Controv. de Eucharistia, v. 5: "O sacrifício da
missa não possui eficácia ex opere operato segundo a maneira
de um sacramento. O sacrifício não opera eficaz e
imediatamente, nem é ele propriamente o meio de que
Deus Se serve para tornar alguém justo. Não o torna justo
imediatamente como o fazem o batismo e a absolvição,
mas impetra o dom da penitência, por meio da qual se
opera no pecador a vontade de chegar-se ao sacramento
para ser por ele justificado... O sacrifício da Missa é o
que alcança, não só benefícios espirituais, mas também
temporais, e por isso pode ser oferecido pelos pecados,
penas e quaisquer necessidades".
DOUTRINA LUTERANA - Conf. de Augsb., Parte 1, Art.
10; Apol. da Conf de Augsb., pág. 157 (Hase); Form.
Concordice, Parte 1, Cap. 7, § 1: "Nós cremos, ensinamos e
professamos que, na Ceia do Senhor, o corpo e o sangue

909
Capítulo 43

dc Cristo estão verdadeira e substancialmente presentes e


que se distribuem e se recebem verdadeiramente junto com
o pão e o vinho. § 2. As palavras de Cristo (isto é o meu
corpo) devem ser entendidas somente no seu sentido
estritamente literal; de maneira que, nem o pão significa
o corpo ausente de Cristo, nem o vinho o sangue ausente
de Cristo, e sim de modo que, por causa da união
sacramental, o pão e o vinho são verdadeiramente o corpo
e o sangue de Cristo. § 3. - Quanto ao que diz respeito à
consagração, nós cremos, etc., que nenhum ato humano,
e nenhuma das palavras pronunciadas pelo ministro da
igreja, são a causa da presença do corpo e do sangue de
Cristo na Ceia, mas que isso deve ser atribuído unicamente
ao poder onipotente de nosso Senhor Jesus Cristo". § 5:
"Os motivos, porém, pelos quais contendemos a este
respeito contra os sacramentalistas, são estes... O primeiro
motivo é um artigo da nossa fé cristã, e vem a ser que
Jesus Cristo é verdadeiro, essencial, natural e perfeito Deus
e homem, e em unidade de pessoa inseparável e indivisível.
O segundo é que a destra de Deus está em toda parte;
mas aí Cristo foi posto real e verdadeiramente, quanto à
Sua humanidade, e, por conseguinte, achando-Se presente,
Ele reina e tem em Suas mãos e debaixo de Seus pés todas
as coisas que estão no céu e na terra. O terceiro é que a
Palavra de Deus não pode ser falsa. O quarto é que Deus
conhece e tem em seu poder diversos modos pelos quais
lhe é possível estar num lugar (presente), e não está limi-
tado a um único modo de presença, a que os filósofos
costumam chamar local ou circunscrito. § 6: Nós cremos,
etc., que o corpo e o sangue de Cristo não são recebidos
só espiritualmente mediante a fé, mas também pela boca,
não de uma maneira física, e sim de uma maneira sobre-
natural e celeste, em virtude de uma união sacramental...
§ 7: Nós cremos, etc., que não somente os que crêem em
Cristo se aproximam dignamente da Ceia do Senhor, mas
também os incrédulos e indignos recebem o verdadeiro
corpo e sangue de Cristo, de tal modo, porém, que eles não
tiram daí nem consolação nem vida, mas, antes, de modo

910
A Ceia do Senhor

que esta recepção virá a ser para seu juízo, a não ser que
sejam convertidos e se arrependam".
DOUTRINA DAS IGREJAS REFORMADAS-Conf. Gálica,
Art. 36: "Ainda que Cristo esteja agora no céu para ficar ali
até quando vier para julgar o mundo, cremos, todavia, que
Ele, pelo poder oculto e incompreensível do Seu Espírito,
nos nutre e nos vivifica com a substância do Seu corpo
e do Seu sangue, apreendidos pela fé".
Conf Escocesa: "E ainda que haja grande distância de
lugar entre o Seu corpo glorificado, que está agora no céu,
e nós mortais, que estamos agora na terra, todavia cremos,
apesar disso, que o pão que partimos é a comunhão do Seu
corpo, e que o cálice que abençoamos é a comunhão do
Seu sangue... Assim também confessamos que os crentes,
no uso devido da Ceia do Senhor, comem assim o corpo
e bebem o sangue de Jesus Cristo; e cremos firmemente
que Ele permanece neles e eles nEle, e, mais ainda, que se
tornam de tal modo carne da Sua carne e osso dos Seus
ossos que, assim como a Deidade dá vida e imortalidade à
carne de Jesus Cristo, assim também a Sua carne quando
comida, e o Seu sangue, quando bebido por nós, conferem-
-nos os mesmos privilégios".
Conf. Belga, Art. 35. - ; .. •
Instituías, de Calvino, Livro 4, Cap. 17, § 10: "Em suma,
a carne e o sangue de Cristo alimentam a nossa alma do
mesmo modo que o pão e o vinho mantêm e sustentam a
nossa vida corporal... Mas, ainda que pareça coisa incrível
que a carne e o sangue de Cristo, embora tão distantes de
nós quanto a lugar, sejam alimento para nós, lembremos
quanto o poder secreto do Espírito Santo excede a nossa
débil capacidade. Aquilo, pois, que o nosso espírito não
compreende, conceba-o a fé; e é que o Espírito Santo une
v e r d a d e i r a m e n t e coisas separadas pelo espaço. Aquela
sagrada comunhão de carne e sangue pela qual Cristo nos
comunica Sua vida, exatamente como se ela penetrasse
os nossos ossos e a nossa medula, Ele testifica e sela em
Sua Ceia; e isso Ele não faz apresentando-nos um sinal
vão e vazio, mas o faz exercendo no s a c r a m e n t o uma

911
Capítulo 43

eficácia do Espírito pela qual Ele cumpre o que promete.


E verdadeiramente a coisa aí significada ela mostra e
oferece a todos os que se assentam para tomar parte naquele
festim espiritual, ainda que somente pelos crentes recebida
com proveito".
Os Trinta e Nove Artigos, Art. 28: "A Ceia do Senhor é
um sacramento da nossa redenção pela morte de Cristo;
de modo que, para os que reta e dignamente, e com fé, o
recebem, o pão que partimos é uma participação do corpo
de Cristo; e, do mesmo modo, o cálice de bênção é uma
participação do sangue de Cristo... O corpo de Cristo dá-
-se, toma-se e come-se na Ceia de um modo unicamente
celestial e espiritual. E o meio pelo qual se recebe e se come
o corpo de Cristo na Ceia é a fé. O sacramento da Ceia do
Senhor não se reserva, nem se leva em procissão, nem se
expõe, nem se adora, em virtude do m a n d a m e n t o de
Cristo".
Cat. de Heidelberg, Perg. 76: "Que é comer o corpo
crucificado de Cristo e beber o Seu sangue derramado? E
não somente apropriar-nos com coração grato da paixão
de Cristo, e receber assim o perdão dos pecados e a vida
eterna, mas também ficarmos, por esse ato, mediante o
Espírito Santo, que habita em Cristo e em nós, unidos
mais e mais ao Seu corpo bendito, de modo que, conquanto
esteja Ele no céu e nós na terra, nós, apesar disso, somos
carne da Sua carne e osso dos Seus ossos, e vivemos sempre
um só espírito com Ele".
Conf. de Fé, de Westminster, Cap. 29, § 5: "Os elementos
exteriores deste sacramento, devidamente consagrados aos
usos ordenados por Cristo, têm tal relação com Cristo
crucificado que, verdadeira mas só sacramentalmente, são
às vezes chamados pelos nomes das coisas que representam,
a saber, o corpo e o sangue de Cristo; porém em substância
e natureza conservam-se verdadeira e somente pão e
vinho, como eram antes". Id., § 7: "Os que comungam
dignamente, participando exteriormente dos elementos
visíveis deste sacramento, também recebem interiormente,
pela fé, a Cristo crucificado e todos os benefícios da

912
A Ceia do Senhor

Sua morte, e dEle se alimentam, não carnal ou corporal-


mente, mas real, verdadeira e espiritualmente, não estando
o corpo e o sangue de Cristo, corporal ou carnalmente
nos elementos pão e vinho, nem com eles ou sob eles, mas
espiritual e realmente presentes à fé dos crentes nessa
ordenança, como estão os próprios elementos aos seus
sentidos corporais".

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913
índice

índice de Autores e de Assuntos


A Priori, Argumento - Veja Deus
Abelardo - 586
Absoluto, O - 1 7 1 , 1 7 6 , 1 7 7
Acaso, última prova que mostra ser absurda a hipótese da
evolução - 47
Adoção-718-724
a palavra definida - 718-720
vantagens - 723
Advento, Segundo - Veja Segundo Advento
Agrícola, João - 561
Ainsworth - 822
Alexander, Dr A - 75, 388,525
Alexander, Dr J A - 20, 29, 243, 244
Alexander, Dr Lindsay W - 889
Aliança da Graça - 507-522
Cristo como mediador - 514-516
emprego da palavra berith - 508-510
fé como condição - 517
história da administração - 519-522
idéia arminiana - 517
opiniões diferentes sustentadas por calvinistas -
510-513
Aliança das Obras - 421-429
Adão representou a raça - 423, 424
diferentes sentidos da palavra - 421
doutrina definida - 421-425
doutrina provada - 422, 423
em que sentido ainda em vigor - 428, 429
natureza da morte prenunciada - 426, 427
partes e condições - 423-426
selo da aliança - 428
Alogi - 263, 265
Ambrósio de Milão - 123
Amésio - 491, 719

914
índice

Amyrant - 3 1 2
Aniquilacionismo - 427
depois do juízo final - 814-816
durante estado intermediário - 774
Anjos - 337-348
arcanjo - 339
corpos - 341, 342
da guarda - 343
doutrina romana quanto ao culto prestado - 342
mau - 344-346
natureza, caráteres, títulos, ofícios, ordens e poder -
337-340
personalidade de satanás - 344, 345
possessão demoníaca - 347, 348
Anselmo - 54, 585,587
Antinomianismo - 560, 561, 733, 734
Antropologia - 22, 132, 138, 141, 143, 380
da Igreja Grega - 123
Antropomorfismo: bom e mau sentidos - 173, 174
textos bíblicos explicados - 174
Antroponianos - 263
Apol. Conf. Remonstrante - 463, 622
Apolinariana, Heresias - 535
Apolinário - 535
Apologética - 16
Apologia da Confissão de Augsburgo - 163, 490, 670, 753, 762,
825,840, 841,880,881
Apóstolos não tiveram sucessores - 113
Aquino, Tomás de - 129, 559, 573, 713, 824, 894
Arcanjo - Veja Anjos
Argyle, Duque de - 366, 402, 405
Arianos - 135,224,241,264
Ário - 233
Arminianismo - 125, 128, 300-302, 311, 140-143
vocação eficaz - 622, 628, 631
fé justificadora - 701
perfeiçã - 439
pecado original - 458, 459

915
índice

justiça original - 414


perseverança - 757
propiciação - 573, 576
doutrina da vontade - 399-401
justiça de Deus e os seres humanos perdidos antes de
nascerem - 486
justificação - 708-710, 716, 717
punição futura - 820, 821
Arminianos - 202, 203, 271, 278
Armínio, J - 491, 501,740
Arminius, James - 136
Armstrong, Dr Wm - 851, 859
Arnaulos - 130
Arqueologia - 15
bíblica - 19
Arrependimento e a doutrina católico-romana das penitências
-678-690
a respeito da confissão - 684, 685
a respeito de absolvição - 686
apreensão da misericórdia de Deus em Cristo - 680
dom de Deus - 679
doutrina católico-romana de penitência - 682-684
doutrina de indulgências - 687, 688
exposição - 682-684
exposições autorizadas - 688-690
frutos - 679, 680
provas - 679, 680
refutação da doutrina católico-romana - 685-687
Artigos de Esmalcalda - 134, 163, 780, 841, 882
Artigos, 39 da Igreja da Inglaterra - 134, 148, 165, 318, 463, 478,
591,754,780,823,842,882,883,898,912
Ascensão de Cristo - Veja Cristo
Atanásio - 588
Ateísmo - 55, 56
Atributos divinos - 141, 170-219
Averrões - 63

916

índice

Barclay, Robert - 845


Barnabé - 795 .> . ,
Barnes, Albert - 7 6 -... ...
Barrow, Dr Isaac - 558
Batismo - 843-884
a aplicação da graça simbolizada por aspersão e derrama-
mento - 857
a ordem para batizar é uma ordem para lavar, significando
purificação - 855, 856
a ordenança é de obrigação perpétua - 845, 846
água o símbolo de purificação - 843
batismo de João, não cristão - 844
batismo ministrado pelos discípulos antes da ressurreição,
inválido - 844, 845
batismos feitos por João e pelos apóstolos - 858-861
definido quanto à substância e fórmula - 846, 847
definido quanto ao propósito - 848
doutrina batista quanto ao ensino emblemático do modo
de batismo - 852-862
ensino emblemático - 848-851
modo - 852-862
modos de purificação do Velho Testamento - 857, 858
uso clássico e bíblico de - 852, 853
Pessoas que devem ser batizadas:
e a eficácia do batismo (doutrinas católico-romana,
luterana, zwingliana e reformada) - 875-880
batismo de crianças baseado na constituição da
natureza humana - 862, 863
batismo ocupa o lugar que a circumcisão ocupava
-869
Cristo e Seus apóstolos reconheceram que crianças
podem se membros de igreja - 870, 871
doutrinas católico-romana, luterana e reformada
-880,881
exposições autorizadas - 881-884
filhos de quem deve ser batizados? - 874,875
Igreja idêntica sob as duas dispensações - 866-870
Igreja Visível, sua natureza e seu propósito - 863-866

917
índice

objeções declaradas e respondidas - 871-873


prática da Igreja Primitiva - 871, 872
regeneração batismal - 878-880
Batistas - 851, 854
Baur, Cristiano - 70
Baxter, Richard - 138,558,580
Beecher, Dr Edward - 484
Belarmino - 415, 418, 461,489,625,628,665,668,669,711,715,
730,732,752,762, 780,826,830,839,840,881,882,909
Berilo - 266
Bernardo de Claraval - 588
Bevan - 889
Beza - 313, 491
Bickersteth, Rev E H - 774
Bingham - 861, 872
Bissel, E Cone - 76
Blunt - 878
Bolingbroke - 57 '•»«*» 'v - "
Bossuet - 62
Boston, Thomas - 579
Brentz, João - 531
Bretschneider - 70
Brown, Dr - 797
Brown, Dr John - 580, 612
Bruce, Dr A B - 532, 539
Bruno, Giordano - 62
Bucer, Martino - 898
Buchanan, Dr James - 56, 63
Bula, Unigenitus - 625
Bullinger - 898
Bushnell - 586
Butler, Bispo - 58

Calcedônia, Credo de - Veja Credos


Calvinismo - 143-145,271
doutrina de justiça original - 411, 412, 419
doutrina do desígnio da propiciação - 577-579
Calvino - 130, 133,223,456,490,580,612,707,838,844, 873,

918
índice

881, 882, 898,911,912 .. rv


Cambridge, plataforma - 167 •, v;v i'-'!
Cameron, J - 312, 469 , , . ?
Candlish, Dr - 588 • •-> -• -
Capacidade e liberdade distinguidas - 466, 467
Caráter virtuoso - 389, 390
responsabilidade moral -398-401
Carlyle - 57
Carson, Dr A - 849, 852, 854
Caso da Igreja da Rua Walnut - 606
Catecismos:
Assembléia de Westminster - 134, 148, 150, 268, 331, 349,
355,419,422, 426,431,445,492,501,513, 558, 559,613,
678,719,722, 726,781, 874,887,888
Concílio de Trento - 157, 417, 418, 439, 636, 668, 684, 685,
686,695,702,778,779,826, 830,838-840,881, 888, 891
Genebra - 827, 841, 882
Escocês - 827
Grande e Pequeno de Lutero - 134, 163, 882
Heidelberg - 134, 148, 164, 591,669,716,754,842,898,912
Maior, da Igreja Oriental - 780
Racoviano - 135, 420,464,479,554,555,592,701,702,717,
884
Russos dc Philaret - 161
Catherino, A - 493, 501
Católico-romana, doutrina:
autoridade e infalibilidade do papa - 119, 120 . ,
concomitância - 894, 907-909 . ..
conselhos de Cristo - 731, 752, 753
"descida ao inferno" por Cristo - 611, 617
eficácia e necessidade do batismo - 875-884
f é - 6 5 8 , 660, 663
graça - 631, 632
incapacidade - 477
merecimento de condignidade e de congruência - 734, 735
missa - 899, 900, 907-909
pecado - 439 '
pecado original - 460-462

919
índice

perfeição - 738-740, 744, 747


perseverança - 757, 761, 762
purgatório e estado intermediário - 777-779
regeneração - 682-690
sacerdócio cristão - 554
sacramentos - 825, 826, 828-831, 834-840
- sacramentos, sua eficácia - 828, 829
transubstanciação - 890-896, 907-909
Ceia do Senhor - 885-913
designações bíblicas e eclesiásticas - 885-887
distribuição dos elementos, essencial - 891,892
doutrina católico-romana (transubstanciação), exposta e
refutada - 893-896
doutrina católico-romana, como sacramento e sacrifício
(missa), exposta e refutada - 899-901
doutrina de concomitância - 894
doutrina luterana - 897
doutrina luterana da presença de Cristo na - 897
doutrina reformada - 897-899, 902,903
doutrina zwingliana - 902
eficácia de - 899-907
exposições autorizadas - 907-913
instituição e obrigação perpétua - 885
maneira correta de ministrá-la - 892
motivos por recusar o cálice ao povo - 894
o partir do pão - 889, 890
qualificações necessárias para admissão - 903-907
relação do sinal com a graça significada - 893-899
tipo de pão e vinho a serem usados - 888, 889
Celestio - 125
Cerinto - 135
Certeza da fé - 665-667
Céu e Inferno - 806-821
céu-806-810
:
eternos - 811-814 ' -
natureza da punição futura - 811
o estado do réprobo - 810, 811
objeções expressas e refutadas - 816-821

920
índice

teoria de aniquilação ou imortalidade condicional - 814


teoria de restauração - 815,816
termos bíblicos - 806, 807, 810, 811 .'r-/• .. ^já
f
um lugar-807 " / ( Í S / W : *-'•
uma condição - 807, 810
Chalmers, Dr Thos - 21,75, 492 - •
Channing, Dr Wm - 136 i
Chemnitz - 501, 532
Christlieb, Dr - 76
Ciência e revelação - 333-336
Ciências físicas - 16
Cipriano - 872 . . - .. , ?
Cirilo - 536 . »"• ' M i .-"bir : -*
Clark Maxwell, Prof J - 38 ,/ov
Clarke, Dr Samuel - 55 V" -> "
Clarke, J F - 5 7 ...•» : i
Cocceio - 500,591
Colcridge, S T - 71,79
Communicatio Idiomatum - 531-533
Comparação de sistemas - 122-145
Comunhão dos santos - 676,677 , -
Conant, Dr - 852 ,
Concílios:
Calcedônia - 124, 534, 536, 537
Cartago - 125
Constantinopla - 233, 257, 535, 537
Constantinopla 1 - 1 2 3 , ,
Constantinopla VI - 124
Éfeso - 123, 125, 534, 536
Latrão IV - 893
Milevo - 125
Nicéia 123, 151,223,233,257, 534
Toledo - 123, 257
Trento, decretos - 101, 118, 156, 460, 477, 489, 554, 590, 574,
617,625,636, 646,683,684,685,686,688,690,695,
710-712,714,735,738,739,740,752,757,761,778,823,
826,829,830,837,844,891,900,904, 907-909
Vaticano, decretos - 102,118,119, 120, 121, 159,601

921
índice
Conferência de Leipzig - 131
Confissões:
Augburgo- 131,133, 134,148, 162, 163,477,682,804,840,
841,880,897, 909-911
Basiléia - 898
— Belga- 103,134,463,805,898,911
Igreja Grega Ortodoxa - 160, 589
Remonstrantes - 634, 757
Escocesa - 134, 148, 898, 903
Gálica - 134,463,490, 837, 898,903,911
Inglesa de Eduardo VI - 804
Primeira Helvetica - 898
Segunda Helvetica - 102, 134, 148, 164, 478, 490, 540, 554,
754,903,
Tetrapolitana - 164, 898
Westminster - 103, 166, 244, 245, 268, 315, 331, 349,355,
419,422,426, 431,445,479,492,501,513,541,558,559,
578,591,633, 670,676,678,716,726,755,756,771,795,
805,824,826, 827,828,837,842,846,874,877, 881, 883,
891,903,912,913
Consciência - 384-388
Consensus:
Genevensis - 168
Tigurinus- 167, 898,902
Constable, Rev Henry - 815
Convicção de eleição possível - 307
Cosmológico, Argumento - Veja Deus
Cousin - 63, 136
Credos:
Atanasiano - 148, 153,154, 155,245
Calcedônia - 155
dos apóstolos - 148, 150
Papa Pio I V - 157-159
Credos e Confissões - 146-169
autoridade - 148, 149
como produzidos? - 146
por que necessários? - 146
usos - 148

922
s

índice
Crellio, J - 135 • •••l o h r s i , >c
Criação do mundo - 320-336 • mui
! ;
creatio prima e secunda - 322 " - ví *. /•
doutrina provada - 323-328 « . • ...
doutrinas do absoluto - 320-322
:
fim principal a glória de Deus - 328-332 .
narração mosaica e ciência - 332-336
Criação e estado original do homem - 402-420
Criacionismo - 484-486
Crisp, Dr Tobias - 561
Cristianismo, provas - 17
Cristo, ofício medianeiro - 542-555
exposições eclesiásticas autorizadas - 554,555
ministério cristão não é sacerdócio - 552 .
sacerdócio dos crentes - 553
Cristo, Pessoa de - 523-541
doutrina de kénosis - 537-539
doutrina declarada - 526, 527
doutrina luterana de communicatio idiomatum - 531-533
efeitos de união sobre a natureza humana - 529, 530
:
exposições eclesiásticas autorizadas - 539-541 - •
opiniões heréticas declaradas - 534-539
profecias do advento - 523-525
Cristo, reinado medianeiro - 596-618
diferentes aspectos - 596
doutrina das igrejas reformadas - 603
doutrina erastiana - 602
doutrina romana da relação entre igreja e estado - 601, 602
finalidade de Igreja e Estado - 603
fins - 597
jurisdições relativas de "Mesas de Curadores" e de
"Sessões" - 608, 609
lei americana - 604-608
quando Cristo tomou sobre Si - 597,598
uso de frases "reino de Deus", "reino dos céus", etc.
-598,599 •
natureza e administração - 599, 600
exposições eclesiásticas autorizadas - 617, 618

923
índice
Cristo, Seu estado de exaltação - 613-617
Sua "sessão" à direita de Seu Pai - 616, 617
Sua ascensão - 615, 616
Sua ressurreição - 613-615
Cristo, Seu estado de humilhação - 613-617
Sua descida ao inferno - 611,612
Cristo, união dos crentes com - 672-677
base - 674,675
comunhão dos santos - 676, 677
conseqüências - 675, 676
natureza - 672, 673, 674
Cristo, intercessão de - 593-595
Cristo, Sua deidade - 227-233
Cristologia - 131, 138,143
Crítica, alta, - 18
Crítica, textual - 18
Cunningham, Dr Wm - 482, 492, 558
Curceloea - 138, 573 o:.--

Dabney, Dr Robert L - 506


Dale, Rev James W - 852, 853
Danaeo, L - 490
Darwin, Charles - 45, 47, 56
De Moor - 486
Declaração de Savoy - 167
Decretos de Deus - 268-286
até onde eficazes e permissivos - 280
com o uso de meios - 284, 285
consistentes com livre agência do homem - 281, 282
diferem da antiga doutrina do fatalismo - 280, 281
dificuldades - 269
doutrina calvinista declarada - 271, 272
doutrina provada - 274-277
efeitos práticos desta doutrina - 286
eternos - 272
incondicionais - 278-280
ordem dos decretos - 310-317
ponto de vista arminiano - 271, 279

924
índice
santidade de Deus - 283, 284 -íi-vmoj
soberanos - 277 vajín.n  - J - Í U Í ^ }
um propósito - 273, 274
Deísmo - 57, 58 •
Dens - 829, 876, 900
Descartes - 54, 79, 352, 366
Descida ao inferno - 611,612
Desígnio, Argumento de - Veja Deus
Deus, Seus atributos - 141, 143, 170-219
bondade absoluta - 212-215
classificação - 181-183
:
espiritualidade - 185, 186 . j
imutabilidade - 191,192 •
inteligência infinita - 192-198 \ ' ;
: :
justiça absoluta - 205-212 '•• •"
métodos de determinar -170 -'M : • •• ' ' • •
natureza dos atributos - 179, 180
nomes, etimologias e significados - 178, 179
poder infinito - 198-200
realidade objetiva do nosso conhecimento - 170-173
relação com o espaço - 186-189 «
1
relação com o tempo - 189, 190 -:
sabedoria - 198
santidade - 218, 219
simplicidade - 180, 181
soberania - 217, 218
unidade - 183, 226
verdade - 216, 217
vontade - 200-204
Deus, Sua existência - 30-32
argumento a priori - 53-55
argumento bíblico - 52,53
argumento cosmológico - 35
argumento cosmológico, objeções e respostas - 36-38
argumento moral - 48
argumento moral, objeções e respostas - 49-52
argumento teleológico, objeções e respostas - 41-48
argumento teleológico, em duas formas - 38-41

925
/

índice

argumentos formais, valor e classificação - 34, 35


definição nominal - 30
em que sentido inata e em que sentido intuitiva - 32-34
idéia, até onde se deve tradição - 31
origem da idéia - 30
teorias antiteístas - 55-63
Deus, decretos de - Veja decretos
Deus, Seus atos classificados - 268, 269
não o autor do pecado - 283, 284
Dick, Dr J o h n - 5 1 4
Dõllinger - 63
Dominicanos - 129, 130
Dona Naturalia e Supernaturalia - 416, 417
Dorner, Dr J A - 58,495, 501,721
Doutrina reformada - 368, 369
Pessoa de Cristo - 540, 541
Doutrina zwingliana:
Ceia do Senhor, sua eficácia - 902
sacramentos - 827, 832
batismo e sua eficácia - 877
Doutrinas, História das - 23
Dualismo - 56, 57
Dwight - 587

Ebionitas - 263, 534


Ebrard, D r - 5 3 7
Eclesiologia - 22, 140
Edwards, Jonathan - 63, 352, 393,413,438,446,469,497,638,
643
Eglin, Rafael - 501
Eichhorn - 58, 70
Emmons, Dr - 366, 587, 637, 708, 726
Enciclopédia - 11
Episcopais - 134
Episcópio - 138
Episcopius - 740
Erastianismo - 602
Erasto - 602

926
/

índice

Erigena, Scotus - 62, 586 í»'*-'


Erskine, Ebenezer - 75, 579 . >"•; •
Erskine, Ralph - 579
Escatologia - 22, 140, 765 ' • •'>*
Escolásticos, Teologia dos - 128, 129
Escrituras: '
acessíveis - 110
autoridade não vem da igreja - 115, 116
completas - 107, 108
doutrina católico-romana quanto à interpretação - 118
inspiração - 80-103, 107
interpretação não vem da igreja - 115, 116 -
juiz de controvérsias - 110, 111, 114-117
perspícuas - 108, 109
regra infalível de fé e prática
Espírito Santo, Sua deidade e personalidade - 233-236
Estatística - 16
Estética - 16
Ética cristã - 22
Etnologia - 15
Eucaristia - 133 ; •
Eusébio de Cesaréia - 27, 265
Eusébio de Nicomédia - 265
Êutico - 534,536
Eutiquianismo - 536
Evolução, teorias da - 44-48
Exaltação, estado de - Veja Cristo
Exegese - 19

Fáber, Stanley - 289


Fairbairn, Dr Patrick - 338, 552, 801,808,853
Farrar, A S - 71, 76
Farrar, F W - 58, 76, 136
Fé-648-671
"Fides informis" e "fides formata" - 660, 661 • <
"Fides specialis" e seu objeto - 663
artigos de fé e artigos de opinião - 661, 662
como relacionada com a confiança - 658

927
índice

definida - 648-650
distinção católico-romana entre fé implícita e explícita
651,652
doutrina católico-romano - 658, 660, 663
doutrina provada - 659
exposições autorizadas - 668-671
fé conduz a obras - 667
fé e conhecimento - 650-655
motivos fundamentais da fé - 655
relação com justificação - 701
relação entre fé e certeza - 665-667
temporária e viva - 656
Feuerbach - 62
Fichte - 70, 79
Filologia bíblica - 18
Filologia Comparativa - 15
Filosofia - 16
sua relação com teologia - 78, 79
Filosofia Aristotélica - 79
Finney, Prof - 744
Fisher, Dr G P - 76, 493, 499
Flatt - 587
Fletcher - 522
Flint, Prof Robert - 34, 43, 54, 56
Formula Concordiae - 102, 131, 163, 318, 418,462,477,489,
539, 590,617,618, 623,632,633,647, 716,753, 762, 891,
909-911,
Formula Consensus Helvetica - 168, 169, 478, 492, 591
Franciscanos - 129
Frederico o Grande - 69

Gerhard, João - 318, 223, 322


Gess, Dr W F - 537, 538
Gibbon - 293
Gladstone, Hon Wm E - 602
Gnósticos - 56,264
Gomaro - 313, 482
Graça - 126

928

índice

Green, Prof Wm H - 403, 404


Gregório, o Grande - 588
Grotio - 138, 208, 573, 587
• V -i - j f L i J f i Ü!TV»!

Hagenbach - 71, 536, 537, 825 - > ; V Â J - . À C - J I R / J I R -

Hales-403 Í:>.U
Hamilton, Sir Wm - 58, 171, 176, 383, 397, 415 ' • •>.
Hardwicke - 57
Hare, Júlio C - 561
Harvey, Review de N W Taylor - 455
Hase - 588, 623
Haven, Prof - 436 !
Hegel-61, 62, 70, 79 • 0\ ,*•
Heidegger, J H - 168 ido - i . :
;
Herbert de Cherbury - 57
Hermenêutica - 19
Hermes - 795
Herschell, Sir John - 325
Hetherington - 76
Hilário de Poitiers - 123
Hildeberto de Tours - 893 . • k ,.
História: : f .: -
bíblica - 27
das doutrinas - 28
eclesiástica - 27
fontes da - 27 •, , lf, " . .. •
:
História Universal - 15 .. ;•
Hobbes - 57
Hodge, Dr Charles - 181, 243, 369, 521, 583,614, 615, 620, 640,
652,654,784,792,820
Hoffman, Dr - 537
Hogg, Tiago - 579
Homem, criação e estado original - 402-420
antigüidade - 403-405
arminiano - 411, 412 ... , •
criado justo - 408-410 -
diretamente criado por Deus - 402, 403 - ^
distinção entre imagem e semelhança de Deus - 415

929
índice
doutrina romana do estado original do homem - 416, 417
exposições autorizadas - 417-420
responsabilidade por disposições inatas - 411-415
teoria pelagiano de justiça original - 411, 414
v. Jricotomia desprovada - 407
unidade da raça provada - 405, 406
Homilias Clementinas - 135
Hopkins, Dr - 76, 485, 487
Hudson, C F - 774, 815
Humanitarianos - 263
Hume, David - 41
Humiliação, estado de - Veja Cristo
Hurst - 58, 70
Hutter - 501
Huxley - 47
Hypério - 501

Idealismo - 58, 59
Igreja:
doutrina católico-romana de infalibilidade da igreja,
expressa - 111
sem fundamento - 112
idéia, constituição, oficiais, etc. - 23, 24, 25
idêntica sob as duas dispensações - 866-870
visível - 863-866
Igreja da Inglaterra e Igreja Episcopal dos EUA, doutrina
delas em relação à "descida ao inferno" - 611, 612
Igreja e Estado - 601-610
Igreja Grega, doutrina quanto ao modo de batismo - 861
quanto à graça - 632
doutrina de pecado original - 459
Igreja Oriental, doutrina de, quanto ao estado intermediário
-780
Igrejas:
arminianas - 135
batistas - 134
independentes - 134
luteranas - 133

930
índice

presbiterianas - 134 t ,, / ; J j Kl Btutiuob f-b


reformadas - 134 -•?: -»?> owáw.-tiul
unitárias - 136 • n
Imortalidade da alma - 767-772 ,
Imputação do pecado original de Adão - 480-506 • ; r-. *1
dos nossos pecados para Cristo - 565, 566
imputação definida - 493, 494
justiça de Cristo para nós - 697-700
mediata - 495
Incapacidade - 465-479 '
distinção entre capacidade e liberdade - 466, 467
distinção entre capacidade moral e natural - 469-471
;
doutrina agostiniana - 466 ;'v< - ?«,*- " • •
doutrina pelagiana - 465, 466 >
;
doutrina provada - 471-473 :r ; .
doutrina semipelagiana - 466
doutrinas expostas - 465, 466
exposições eclesiásticas autorizadas - 477-479
objeções declaradas e respondidas - 473-475
Indulgências - 687, 688
Inferno - Veja Céu e Inferno ;•
Infinito, O - 171, 176
Infralapsarianos - 312
Inocêncio III - 893
Inspiração - 19, 80-103
"plena", o que é? - 82 ;;
"verbal", o que é? - 82 • .!• -
a ação providencial de Deus - 83
a doutrina provada - 85, 86
como difere da iluminação espiritual? - 85
como difere da revelação? - 84
declarações defeituosas da doutrina - 98
doutrina da igreja - 81
exposições autoritárias - 101-103
falsas doutrinas sobre inspiração - 100 = .,c-
natureza e extensão da inspiração definida - 85
objeções e respostas - 93-97 .
pressuposições necessárias - 80 '
B18U0 T C ? 4
U ^ E Y CLARK
931
índice
;
provas da doutrina da Igreja - 85-93 "
Intercessão de Cristo - 593-595
Interpretação profética - 20
Interpretação, história da - 19
Introdução de Horne - 238
Introdução Especial -18,19
Introdução Geral - 18
Irineu - 585, 796, 872

Jacobi - 62
Jâmblico - 62
Jansênio - 130 ' .»
Jansenistas - 130, 625
Jesuítas - 129, 367
João Ascusuages - 265
João Filopono - 265
Josefo - 403 • *•'
Jowett, Prof - 71, 586
Judeus, futura conversão e restauração - 799, 800
Juízo Final - 801-805
Juízo Particular - 117
Juliano-125
Justificação - 691-717
Calvino justificado - 707
doutrina católico-romana - 683, 684, 694, 695, 710-712
expressa e refutada - 710-714
doutrina definida e provada - 693-699
doutrina errada - 704-714
efeitos - 703
exposições eclesiásticas autorizadas - 714-717
imputação de justiça provada - 697-700
mas pela justiça ativa e passiva de Cristo - 696, 697
modificado pela teoria governamental da propiciação e
pela teoria arminiana - 707-710
não baseado em obras - 694
objeções expostas e respondidas - 704
objeto específico da fé justifícadora - 702, 703
relação com fé - 701

932

índice
teoria de Piscator - 705 ^ - í-f
uso noetestamentário de - 691-693

Kahnis - 71 -;
Kant-79 • • ••• '
Kitto - 337, 807, 811 V-<
Knox, João - 898
Krauth, Dr C P - 59,163, 501, 832, 876, 881, 890,901
Kurtz - 27
,
Lampé - 486 "•
L e Clerc-138 ' i a : 4 co«>ríbM
Leão, o Grande - 536
Leathes, Stanley - 76
Leibnitz - 79, 329 oq.
Leipzig, Conferência de - 624 * '
Leland - 58
Lessing - 58
Limborch- 138,419, 463,479,487, 573, 591, 622, 701,709, 716,
820,842
Livre Agência - 380-401 -
consistente com certeza - 396
distinção entre liberdade e capacidade - 392, 393 •
falsas teorias de contingência - 396-398 xioi. i'-i
motivos definidos - 394
teoria arminiana incompatível com o evangelho - 399-401
vontade definida - 383
Livre-arbítrio - 126 *
Locke, John - 79 " —
Loyola, Inácio de - 129 •
Luteranismo - 161, 162, 130-133, 368
descida ao inferno - 611, 612, 617, 618
eficácia da Ceia do Senhor - 901, 909-911 - •
eficácia dos sacramentos - 831, 832, 840, 841
incapacidade - 477 •• —
justiça original - 418, 419
justificação - 715, 716 '
necessidade de batismo - 876, 880, 881 = - »• •:

933
índice

pecado original - 462


perseverança - 762
Pessoa de Cristo - 531-533, 539, 540
predestinação - 317, 318
presença de Cristo na eucaristia - 897, 909-911
regeneração - 647
vocação eficaz - 623
Lutero - 130, 133,489, 531,561,618, 876, 897
Luz interior - 67

Macedónio - 233
Mahan, Prof - 744
Malebranche - 352
Manes - 56, 483
Manning, Arcebispo - 602
Manning, Cardeal - 120
Mansel - 171, 176
"Marrow Men" - 579, 580
Marburgo, Colóquio de - 897
Martensen - 537
Martineau, James - 136
Mártir, Justino - 872
Mártir, Pedro - 490
Mason, Dr John M - 870
Matéria, não eterna - 325-328
Materialismo - 59-61
Maurice - 70
Maurício - 624
Max Müller - 57, 63
McClintock, Dr John - 26, 27, 29, 688
McCosh, Dr James - 189, 384, 388, 430
Melanchthon - 130, 489, 501, 624, 897, 898
Merecimento:
conceito verdadeiro - 735, 736
doutrina católico-romana de merecimento de
condignidade e de congruência - 734, 735
Metodistas wesleyanos - 134, 138
Metodologia - 11

934
!
índice
Micônio, Oswald - 898 -Cfí .-Uc: \< ,7' •* .-»i*
Milagres - 372-379
até onde consistentes com perfeições divinas - 376, 377
até onde pode ser reconhecido - 377-379
possíveis - 373-375
Milênio, doutrina bíblica do - 794, 795
Mill, J S - 37, 50, 56, 374
Mill, James - 50
Miller, Hugh - 502
Missa, doutrina da - 887, 899, 900, 907-909
Moehler - 417
Molina, Luiz - 129, 196
Molinistas - 130 ' ; ih (
- •"
Monarquianos - 234, 265, 266 : . • / •
;:
Monoíisitas - 537
Monotelitas - 537
Moore, Dr Wm E - 606, 836, 875, 892
Moral, Argumento - Veja Deus
Morte e o estado da alma depois da morte - 765-781
doutrina anglicana - 773
doutrina católico-romana - 777-779
doutrina da alma, descanso ou aniquilação - 773, 774
doutrina do Velho Testamento - 769-771
doutrina neotestamentária - 771
doutrina refutada - 775
estado intermediário - 771-779 ' ' 1 •
Geena - 772, 773 ' \ •" ;
Hades - 772 ' •'
imortalidade da alma - 767-772
morte definida - 765
não há segunda probação - 776
paraíso - 772
por que morrem os justificados? - 766
qual a relação entre morte e pecado? - 766
uso bíblico de sheol - 769, 770
Mosheim - 220, 705 •' • ' ••
Müller, Júlio - 484 o - wt >.< -

935
/

índice
Neander, Augustus - 27, 57, 233, 415, 536, 585, 861
Neo-platônicos - 62, 79
Nestoriana, Heresia - 535, 536
Nestório - 536
New Haven doutrina de pecado original - 459, 460
Newman, J H - 876
Newton, Sir Isaac - 188
Niceno, Credo - Veja Credos
Nicole - 130
Niemeyer, Dr H A - 169
Noeto - 266

Oberlinense, doutrina da perfeição - 744-748


Ochino - 135
Ofício - Veja Cristo
Oleviano - 501
Orígenes - 265, 266, 585, 775,, 872
Osiander - 586
Outram - 585, 568 "
Owen, Dr J - 501

Paine, Thomas - 58
Paley - 75
Panteísmo - 61-63
Papa:
Alexandre VII - 130
Clemente XI - 130
Inocêncio - 125
Inocêncio X - 130
Leão X - 690
Pio I X - 6 0 2
Zósimo - 125
Papa, infalibilidade e autoridade - 119, 120
Papias - 795
Pareus, D - 485
Park, Prof Ed A - 206, 587 « •
Parker, Teodoro - 58, 71
Parsons, Dr Theophilus - 790

936
Pascal-62, 130 .*
;
Patripassianos - 234
Paulo de Samosata - 135 .
Paulo, Padre - 4 9 3 N *!>i:/:í:>Js
J
Paulus-58,70 s» i-
Pearson, Bispo - 76,611 ;
Pecado: '•
concupiscência constitui pecado - 435, 436
definição - 431
doutrina pelagiana - 438 "
em que sentido sempre voluntário - 438
falta de conformidade com a lei - 432, 433
origem do pecado - 436,437
previsível de estados permanentes como também de atos
-434
s
provas - 430 " -- *; • c; M -•••
sua natureza - 430-439
Pecado, de Adão - 439-444
efeito sobre ele mesmo - 442
sobre sua posteridade - 443-444
Pecado, imputação do original de Adão - 480-506
dificuldade está nos fatos -81-482
1
doutrina agostiniana - 502, 503 bfciRíjrn'XJ
doutrina da igreja provada - 498 *•:
duas questões distintas: como e porque? - 483
explicação arminiana da justiça de Deus e os seres
humanos perdidos antes de nascerem - 486
fundamento da imputação - 499-506 ~-
igrejas de acordo quanto a essa doutrina - 488-493
imputação definida - 493, 494
imputação mediata - 495-498
princípios auto-evidentes - 482
teoria da igreja - 488
teoria da Nova Inglaterra - 487, 488
teorias de origem que ignoram a origem adâmica
-483,484 ih:
teorias diferentes quanto à propagação do pecado
-484-486

937
índice
teoria federal - 500-506
Pecado, original - 126, 445-464
afeta o homem inteiro - 449, 450 -
doutrina definida - 445, 446
doutrina provada - 451
doutrinas pelagiana e semipelagiana - 457-459
é verdadeiramente pecado - 448
em que sentido "total" - 450, 451
exposições eclesiásticas autorizadas - 460-464
não envolve corrupção da substância - 447
não simplesmente perda de retidão original - 448, 449
New Haven, doutrina de - 459, 460
pecado contra o Espírito Santo - 457
Peck, Dr. George - 740,742, 743, 744, 746, 749
Pelagianismo:
de pecado original - 453, 454, 458, 459
de regeneração - 635
doutrina da justiça original - 411, 414 í •
:
incapacidade - 465, 466 .
pecado - 438 - '
perfeição - 737, 738
vocação eficaz - 622
Pelagianismo, comparado com Agostinianisnio - 124, 125
Pelágio - 125, 872
Penitência - Veja Arrependimento
Perfeccionismo - Veja Santificação
Perfeição, doutrina católico-romana - 738-740, 744, 747
Perkins, Dr Justin - 889
Perseverança dos santos - 756-764
arminiano - 757
doutrina católico-romana - 757, 761, 762
doutrina exposta e provada - 756, 757
exposições autorizadas - 761-764
luterano - 762
objeções declaradas e respondidas - 758-764
Pighio, Alberto - 493
;
Piscator - 575, 705
Plaçao, Josué - 495

938

índice
r
Plotino - 62 >
Polêmica - 23 . ...
Politeísmo - 57
Porfírio - 62 .. . M .««-no-»?
Posição de igrejas batistas quanto ao modo batismal, e a de
todas as outras igrejas - 854, 855
Possessão demoníaca - Veja Anjos : ^ n'-
Práxeas - 265 -- ' ' <
Predestinação - 127, 287-319
diferentes sentidos da palavra - 287 - i .
doutrina arminiana - 290 ..w --.rn
doutrina calvinista - 292 .• C J O J * •»
doutrina provada - 293-300
não baseada em obras e sim na soberana vontade de Deus
-294
objeções expressas e respondidas - 300-302
"teoria da eleição nacional" - 289 : "•
"teoria do individualismo eclesiástico" - 289
Preordenação, como difere da presciência e como equivale a
ela - 272 . . . . •„
Pressensé, Dr Edward - 57 ÍL «."hl; s«. •.
Priestley - 136 <ii - cí^oíov»?'-:
Professio Fidei Tridentinae - 119 .-•ximvj
Propiciação - 556-577 - \ :» •
;
autoridades clássicas e confessionais - 588-592 .
da Escola Francesa e de Baxter - 580, 581
de "Marrow Men" - 579, 580 .: ! Myüznuai'
desígnio - 577-585 >\ -•n-r';;
doutrina arminiana - 579 •" • ÍMIAM/
doutrina declarada - 562, 563, 577-579
doutrina provada - 564
doutrina reformada, provada - 581, 582
história de teorias que têm prevalecido - 585-588
inclui obediência ativa e passiva - 572 t?
natureza - 556-577 óiiífLü-:
necessidade - 570-572 v. -- a^nH -
obediência ativa e passiva - 561, 562
objeções declaradas e respostas - 574-577 .">1 i r ^

939
índice
objeções expressas e respostas - 583-585
perfeição - 572-574
teoria da satisfação - 587, 588
teorias mística, da influência moral e governamental
-586-588
termos definidos - 556-559
Provas do cristianismo - 17
Providência - 349-379
características expostas pelas Escrituras - 370
doutrina bíblica do governo providencial expressa e
provada - 355-361
extende-se a ações livres e pecaminosas - 361-363
idéia dos deistas - 350, 351
preservação - 349, 350
providência particular - 360, 361
providências extraordinárias e milagres - 372-379
teoria da criação contínua - 352, 353
teoria das causas ocasionais - 366, 367
teoria de concursus - 367, 368
teoria mecânica da providência - 364-366
verdadeira doutrina da preservação exposta - 354
Psicologia - 16
Punições, futuras, eternas - 811-821
Purgatório - 777-779
Pusey, Dr - 700

Quenstedt, André - 490, 497, 882, 322


Querubins - 338
Quesnel - 130, 625
Quilianismo - 795-797

Racionalismo - 8-71
Racionalistas - 234
Radberto, Paschasio - 893
Ratramno - 893
Rawlinson - 76
Razão:
diferentes sentidos - 68 •• •

940
índice

não é, em última instância, argumento de verdade


religiosa - 72, 73 "5
Realismo - 499-502
Redenção - 127 -• í ; u < '
Regeneração - 635-647 í V•
absoluta necessidade da - 645 '* "
distinta da conversão - 640, 641 •'
:
doutrina católico-romana - 682-690
doutrinas corretas - 638-642
doutrinas erradas -635-638
exposições autorizadas - 646, 647, 688-690 '-i : l
Regeneração batismal - 878-880
Regra de fé e prática - 104-121
doutrina católico-romana - 104 •-
doutrina protestante - 68, 104 - zoifiacit/i *Í<S
Reid-79, 397 r * r . r < M» .
Reimarus - 58, 70
Reinado de Cristo - Veja Cristo
Religião: - . •
o que é? - 11 • o ' <
comparativa, ciência da - 15 '
cristã: o que é? - 11
Remonstrance: ;
doutrina da predestinação - 319
doutrina da propiciação - 591, 592
doutrina de eficácia dos sacramentos - 832, 842 -
doutrina da incapacidade - 479
doutrina de justiça original - 419
doutrina do pecado original - 463 '• .
Remonstrantes - 137, 367
Renan - 70 ?• ••
Responsabilidade moral - 398-401 •
j
Ressurreição 782-790 -
condições de identidade pessoal - 788, 789 .,;j:nyoÍj
doutrina dos judeus - 789
doutrinas heréticas - 789, 790
objeções científicas expressas e respostas - 785-787
ressurreição de Cristo - 783-785 *>h ? In >í.a •<>-!=•-«

941
índice
simultânea e geral - 783
Revelação, sobrenatural, necessária, possível e provável
-73-76
sua natureza - 84
Ridgely, Dr T - 486
Ritschl-588
Ritter - 63
Robertson, Rev A - 580
Robinson, Dr Ed - 566, 619, 648, 773
Rogers, Henry - 76 ' ' • ••
Rogers, Juiz, Supremo Tribunal de Pensilvânia - 606
Row - 76 •

Sabélio - 266
Sacramentos - 822-842
definição de - 822-824
doutrina católico-romana da eficácia - 828-831
doutrina protestante - 831-834 - 0?--"í > ->-j '
doutrina zwingliana - 827, 832
etimologia e uso da palavra - 822, 823
exposições autorizadas - 838-842
necessidade de - 834-836
relação do sinal com a graça significada-827
validade -836-838
veja Batismo e Ceia do Senhor
Saisset - 63
Sampson-221 ' ' - .
Sandemanianos - 658 !*..»;
;
Santificação - 725-755 .
boas obras, sua natureza e necessidade - 732, 733
conceito verdadeiro de merecimento - 735, 736
diferentes conceitos - 725, 726
doutrina antinomiana - 733, 734
doutrina católico-romana - 731, 732, 738-740
doutrina definida - 725, 726
e fé-730, 731
exposições autorizadas - 752-755
merecimento de condignidade e congruência - 735

942
índice
1
operação da verdade - 729, 730 -
operação dos sacramentos (ordenanças) - 730
perfeita santificação - 737-755 <<
teoria arminiana - 740-743 -
teoria arminiana, refutada - 744-751 jv'
teoria católico-romana, refutada - 744-751 - - .-ylori&ir
teoria pelagiana de, declarada - 737, 738 • -r
!
teoria pelagiana, refutada - 744-751 ~
Satanás - Veja Anjos 'v- •
Schaff, Dr Philip - 27, 71, 146, 150, 153, 163, 169,499, 504, 588,
861, 889
Schelling - 61, 62, 70, 79 f.
Schleiermacher - 62, 65, 586 lf I - «:j2igjj>aic
Schwenkfeld - 586 :ohuiú<.
: !
Scientia media - 129, 196 ' "
Scotus, John Duns - 129, 573
Segundo Advento e Juízo Geral - 791-805 •:
advento literal ainda futuro - 792
como os santos julgarão o mundo - 801, 802
conflagração final do mundo - 803
exposições autorizadas - 804, 805
futura conversão e restauração dos judeus - 799, 800
interpretação do Apocalipse 20:1-10 - 797, 798
juízo final - 801-805 '
milênio, doutrina bíblica do - 794, 795 :
o Juiz e os que serão julgados - 801
os apóstolos não ensinavam que a vinda seria imediata
-793,794 \
os príncipios do juízo - 802,803 c
teoria premilenária declarada e refutada - 795-797 <
uso da palavra no Novo Testamento - 791
várias interpretações de Mateus, capítulos 24 e 25
-792,793
Semiarianos - 2 2 4 , 2 6 4 . •.« ato'.'
Semipelagianismo - 125, 1 2 8 , 4 5 8 , 4 5 9 \'c>l - íiíídí;,,'
vocação eficaz - 622
doutrina da incapacidade - 466 '-Àt '
Semler-69 <>7 -

943
índice
Serveto - 135
Shaftesbury - 57
Shedd, D r W m G T - 162, 264, 500, 504, 588
Shedd, Rev J H - 889
Sílabo Papal - 601
Simbólica - 28
Símbolos doutrinários:
da igreja de Roma - 156-160
da Igreja Grega - 160
da igreja luterana - 161-163
da igreja reformada - 163-169
Sinergismo - 623, 624
Sinergistas - 131
Sínodo:
de Charenton - 495
de Dort - 137, 578
cânones e decretos - 148, 166, 318, 319, 478, 479, 486,
491,633,634,762,763 •
deOrange-128 • ' -•
de Valence - 128
Smalley - 587
Smith, Dr Henry B - 558
Socinianismo - 125, 138-140, 457, 479
de eficácia do batismo - 883, 884
de justificação - 717
de propiciação - 575, 576, 586
doutrina do sacerdócio de Cristo - 554, 555
fé justificadora - 702, 703
Socinianos - 124, 134, 263, 271, 277, 367, 534
Socino, Fausto - 135, 234, 457, 575, 576
Soteriologia - 22, 125, 138, 142, 144
Spencer, Herbert - 56
Spinoza - 61, 62, 352, 366
Stanley, Dean Edward - 71
Staudlin - 587
Stewart, Prof B - 38
Storr - 587
Strauss - 56, 61, 62, 70

944

índice
Streitwolf- 588 vuT , f 'y\ ( ii t .
Strong, Juiz Wm - 608 ?>?? o
Stuart, Dr Moses - 812 .
v p
Supralapsarianos - 312-315, 571 ->
Swedenborg - 790 *. . f \ • - • • •ulunál

Taylor, Dr N W - 455, 637, 640, 726


Taylor, Isaac - 336, 775 ' •
Teleológico, Argumento - Veja Deus .
1
Tennemann - 57
!
Teodicéia - 329
Teodoro de Mopsuéstia - 536 ÀX
Teodoto - 135
Teologia:
as principais divisões da classificação proposta - 14
até onde possível? - 12 "
bíblica - 20
da mediação - 70 *
exegética - 17
federal - 500-506 , , : • ,-vrn-.? y
fontes - 65, 66 b
histórica - 26-29
natural - 17, 64
o que é? - 11 s.,.n Tí.':» !/?» g L l í t i t f . - •
por que desejável? - 12 •> b
prática - 23 <y- •
própria - 131 ' •' ' x'
ramos do conhecimento humano, auxiliares no estudo de
teologia - 15, 16
razão não é, em última instância, fonte da - 72, 73
revelada - 64
sistemática - 20
sobre quais perguntas fundamentais se baseia? - 13 -;
sua posição em relação a outras ciências - 13
sua relação com filosofia - 78, 79 u-n .í\o
:
três sistemas que sempre subsistiram - 124, 125 -
é 1
Teoria: - i
da influência moral da propiciação - 586 - :, i "

945
índice

de advento premilenário - 795-797 '


mística da propiciação - 586
utilitária da moral - 390
Teorias antiteístas - 55-63
Tertuliano - 220, 796, 872
Tertuliano de Cartago - 123
Tholuck, Prof - 26
Thomasius, Dr Gottfried - 537
Thornwell, Dr James - 493 • :
Tillemont - 130
Tipologia - 20
Tischendorf - 76
Titcomb - 76
Tradição, doutrina católico-romana - 104-107, 119
Traducionismo - 484-486
Transubstanciação, doutrina católico-romana - 890-896,
907-909
Trindade: o;. - <éjpjb?r-\ k!
r
doutrina da - 220-267 ' ' ~ rrKrçv* ;
definição de termos - 220-224
deidade e personalidade separada do Espírito Santo
-233-236 .
deidade e personalidade separada do Logos - 227-233
doutrina ensinada diretamente nas Escrituras - 237-239
doutrina fundamental do evangelho - 266
eterna geração do Filho - 239-252
opiniões heréticas - 262-267
processão eterna do Espírito Santo - 252-259
proposições envolvidas - 224-226
significado da palavra - 220 •
Tubingen - 70
Tulloch - 56, 71
Turretino, Francisco - 168, 181, 193, 203, 221, 245, 255, 349, 355,
362, 369, 393,431,490,491,496,497,522,557,628,641,670,
671,692,702,718,719,734,735, 827,844,887
Twisse - 482, 571
Tyler, Prof - 57
Tyndal - 60 •V .

946
índice
Ulrici - 56
Underdonk, Bispo H U - 636
União com Cristo - Veja Cristo
Unitários - 134, 234, 265
Universalismo condicional - 580 . ,í
Updegraff, Caso de - 605 * , , •« : X-'
Ursino - 490, 526, 898
Usher, Arcebispo James - 579, 403

Valdenses - 589
Van Mildert, Wm - 58 "
Virchow - 46
Virtude - 388, 389
Vitringa - 431 ( , . v*-.
Vocação: -k- ' " *'• °
conceitos de diferentes facções expressas e comparadas
-622-625
congruente com a nossa natureza - 629, 630
doutrina arminiana - 631
doutrina reformada de, explicada e provada - 624-630
eficaz - 619-634
exposições eclesiásticas autorizadas da doutrina - 631-634
vínculo com a verdade - 630
vocação externa - 620 m . :•
vocação interna provada - 621
Vocação Eficaz - Veja Vocação
Voltaire - 58 ' '
Von Bres - 898
Vossio, GJ - 491 * ::

Wace - 76
Wall, Dr Wm - 872
Wardlaw, G - 76
Watson, Ricardo - 138, 413,414, 522, 579, 581, 588, 749
Weeks, Dr W B - 559
Wegscheider - 58, 70, 293
Wesley - 138, 302,413,439,741,742,743
Wessel, John - 589

947
índice

Westcott, Rev B F - 76
Westein - 138
Whately, Arcebispo - 289, 305, 774, 815
Whedon, Dr D D - 300, 399, 411,487
White, Rev Ed - 815
Wiggers, Dr G F - 458, 489, 738
Williams - 71
Wissowatis, André - 135
Witherspoon, Presidente - 492
Witsio, H - 428, 492, 522
Wolf-69
Wolfenbiittcl, o Fragmentista - 70
Woolsey, President Theodore D - 210-212
Wycliffe - 589

Young, Dr John - 586

Zoroastro - 56 -a L
íf d
Zwinglio - 131, 897, 898 - ~ -!*!l

948

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