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2. ed. revista
Editora da Universidade Estadual de Maringá
CONSELHO EDITORIAL
Profa Dra Clarice Zamonaro Cortez, Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik, Prof. Dr. Erico Sengik,
Prof. Dr. José Carlos de Sousa, Prof. Dr. José Luiz Lopes Vieira, Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza, Prof.
Dr. Lupércio Antonio Pereira, Profa Dra Maria Iolanda Sachuk, Prof. Dr. Mauro Antonio da Silva Sá
Ravaganani, Prof. Dr. Osvaldo Ferrarese Filho, Profa Dra Ruth Izumi Setoguti e Prof. Dr. Sezinando
Luiz Menezes. Secretária: Maria José de Melo Vandresen.
EDUARDO AUGUSTO TOMANIK
O OLHAR NO ESPELHO
“CONVERSAS” SOBRE A PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS
2. ed. revista
Maringá
2004
1. CiênciasCopyright
Sociais -
Metodologia de pesquisa.
1994 para Eduardo 2. Pesquisa
Augusto Tomanik participante. 3. Pesquisa
social
Todos os -direitos
Alternativas.I. Título
reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer
processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a
autorização, por escrito, do autor. CDD 21. ed. Cd. 300.72
Todos os direitos reservados desta edição 2004 para Eduem.
Zenaide Soares da Silva CRB 9/1307
AAPESQUISA
PESQUISAPARA
PARAA ATRANSFORMAÇÃO
TRANSFORMAÇÃODA
DAREALIDADE
REALIDADESOCIAL
SOCIAL........................................
........................................ 161
161
SAOBRE
SOBRE
PESQUISA
ASASFORMAS
FORMAS
EFERÊNCIAS AALTERNATIVAS
TRANSFORMAÇÃO
ALTERNATIVAS DE DA REALIDADE
DEPESQUISA
PESQUISA : CRÍTICA
: CRÍTICA SOCIAL
ÀÀPESQUISA........................................
PESQUISA CRÍTICA..........
CRÍTICA .......... 209
.........................................................................................................................
PARA 161
209
241
EFERÊNCIAS
EFERÊNCIAS.........................................................................................................................
......................................................................................................................... 241
241
EFERÊNCIAS......................................................................................................................... 241
LHAR NO ESPELHO
UM BREVE COMENTÁRIO
Ao estudar um aspecto qualquer da vida humana −seja este aspecto uma ca-
racterística particular de uma pessoa ou um amplo processo coletivo −o cientista
social estará também, inevitavelmente, refletindo sobre sí mesmo. Para ele, não há
como não ser, ao mesmo tempo, pesquisador e pesquisado.
Mais ainda; ao realizar seus estudos, o cientista social sofre sempre
múltiplas influências: das idéias próprias de sua época, das crenças e inte-
resses de seu grupo e mesmo de suas disposições pessoais mais ou menos
duradouras. O que, afinal, consegue ver, é sempre uma imagem, por vezes
bastante fiel, mas nunca idêntica à realidade.
Tal como ao olhar-se ao espelho, o que um ser humano vê é algo pare-
cido consigo, mas que não é ele. Bidimensional, invertida, a imagem jamais
se igualará a ele, embora o reproduza.
Por outro lado, a imagem percebida não é necessariamente a que o es-
pelho mostra; é uma outra, parecida, mas que inclui também tudo em que
aquele ser pensa, crê, o que pretende e sente sobre sí mesmo.
Ao olhar no espelho, o ser humano é, ao mesmo tempo, o que vê e o
que é visto.
Daí o título...
Daí o texto...
APÍTULO 1
Você está entrando pela primeira vez em um curso sobre ciência e pes-
quisa, ou tendo contato pela primeira vez com um texto específico sobre o
assunto?
Seja bem-vindo.
Eu poderia acrescentar a esta saudação a fórmula usual do “sinta-se
como se estivesse em sua casa”, mas esta frase, com certeza, exprimiria
muito mais um desejo meu que uma sensação sua.
Provavelmente, a sua impressão em relação à ciência é de estranheza ou
até de um certo temor. No mínimo de falta de familiaridade com o assunto.
Se for feita, agora, uma pergunta sobre o que você sabe sobre ciência,
provavelmente, sua primeira tendência será a de responder que não sabe
nada, e que nos lugares onde estudou até agora não se falou, ou se falou
muito pouco sobre isso. Se for assim, permita-me discordar.
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
Tenho a impressão que você sabe muito mais sobre ciência do que po-
de parecer à primeira vista. Todos nós temos entrado em contato com a
ciência há muito tempo e com grande frequência, participando dos progres-
sos e contradições que ela produz e até conversando, ainda que de forma
indireta, sobre o que venha a ser ciência e para o que ela serve.
Pois é sobre isso que conversaremos logo a seguir (até onde for possí-
vel “conversar” através de um texto escrito).
Por outro lado, pode ser que este não seja o seu primeiro curso ou tex-
to sobre estes temas.
Seja bem-vindo da mesma forma, e vamos ao assunto.
A CIÊNCIA
Antes de falarmos sobre a ciência, é conveniente tentarmos entender,
mesmo que de forma superficial, o que é a ciência.
Fazendo isto, estaremos começando, talvez, pelo ponto mais difícil;
[...] por incrível que pareça, não há coisa mais controversa em ciência
que sua própria definição. Partimos, pois, do ponto de vista de que se
trata de uma discussão insolúvel, pelo menos no sentido de que não se
pode atribuir em momento algum a ela uma posição definitiva (Demo,
1980, p. 13).
14
O OLHAR NO ESPELHO
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ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
O OLHAR NO ESPELHO
O OBJETO
O objeto de uma ciência é aquilo a que ela se propõe a conhecer; é a
parte da realidade sobre a qual ela pretende realizar seus estudos.
O universo em que vivemos, a realidade que construímos e os seres em
que nos transformamos são entidades complexas demais para serem conhe-
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cidas e compreendidas por uma mesma pessoa, ou para serem estudadas
em sua totalidade. Frente a estas dificuldades, o caminho adotado pela ciên-
cia tem sido o de dividir a realidade em partes, e desenvolver áreas de estu-
O OLHAR NO ESPELHO
O OLHAR NO ESPELHO
O objeto de uma ciência é aquilo a que ela se propõe a conhecer; é a
parte da realidade sobre a qual ela pretende realizar seus estudos.
O objeto deem
O universo umaqueciência
vivemos, é aquilo a que que
a realidade ela construímos
se propõe a econhecer;
os seres éema
parte da realidade sobre a qual ela pretende realizar
que nos transformamos são entidades complexas demais para serem conhe- seus estudos.
cidasOeuniverso em que por
compreendidas vivemos,
uma amesma
realidade que construímos
pessoa, ou para serem e osestudadas
seres em
em sua totalidade. Frente a estas dificuldades, o caminho adotado pelaconhe-
que nos transformamos são entidades complexas demais para serem ciên-
cidasteme sido
cia compreendidas
o de dividirpor uma mesma
a realidade pessoa,e desenvolver
em partes, ou para serem áreasestudadas
de estu-
em sua
dos totalidade. em
especializadas Frente
cadaa uma
estasdelas,
dificuldades,
originandoo caminho
assim asadotado
diversaspela ciên-
ciências.
cia tem sido o de dividir a realidade em partes,
Freqüentemente acontece que uma destas ciências chega a desenvolvere desenvolver áreas de estu-
dos especializadas
conhecimentos tãoem cada umasobre
complexos delas,sua
originando
área, ou assim as diversas
a descobrir ciências.
variações tão
Freqüentemente acontece que uma destas ciências
importantes dentro desta, que se subdivide, dando origem a novas ciências. chega a desenvolver
conhecimentos
Outras vezes é tão complexos de
a combinação sobre
duassua área,
áreas de ou a descobrir
estudo variações
que permite tão
o surgi-
importantes dentro
mento de uma terceira. desta, que se subdivide, dando origem a novas ciências.
Outras vezes
Neste é a combinação
processo de divisõesdesucessivas,
duas áreascadade estudo
ciênciaquevai permite o surgi-
delimitando sua
mento de uma terceira.
área específica de estudo, ou seja, vai-se dedicando a conhecer, cada vez
maisNeste
a fundo,processo de divisões
determinada partesucessivas, cada ciência
da realidade. vai delimitando
Vai definindo (e às vezessua
área específica
redefinindo) seudeobjeto.
estudo, ou seja, vai-se dedicando a conhecer, cada vez
maisÉ apreciso
fundo,não determinada
confundir osparte objetosdaderealidade.
estudo dasVai definindo
ciências (e às
(divisões vezes
artificiais
redefinindo) seu objeto.
da realidade) com os fenômenos e processos naturais ou sociais.
ÉUmpreciso
mesmo nãofenômeno
confundir os objetos
pode de estudo
ser objeto de das ciências
várias (divisões
ciências. Um artificiais
furacão,
da realidade) com os fenômenos e processos naturais ou
por exemplo, pode estar presente nos estudos da meteorologia (interessada sociais.
Um mesmosua
em determinar fenômeno
origem, pode ser objeto dee várias
seu deslocamento em medirciências. Um furacão,
sua intensidade),
poreconomia
da exemplo, (preocupada
pode estar presentecom os nos estudos
prejuízos da meteorologia
causados por ele), da (interessada
engenha-
em determinar sua origem, seu deslocamento e em
ria (tentando desenvolver edificações que resistam à sua passagem) e até medir sua intensidade),
da economia
das (preocupada
ciências sociais como acom os prejuízos
antropologia, causados ou
a sociologia pora ele), da engenha-
psicologia (preo-
ria (tentando
cupadas, desenvolver
por exemplo, comedificações
as formasque queresistam
ele assumeà suanopassagem)
imaginárioe dasaté
das ciências sociais como a antropologia, a sociologia
populações por onde passa ou o papel que representa na organização dessas ou a psicologia (preo-
cupadas, por exemplo, com as formas que ele assume no imaginário das
populações).
populações
Se tomarmospor onde como passa ou o papel
exemplo que representa
o homem, veremos na queorganização dessas
ele é um objeto
populações).
presente nos estudos de praticamente todas as ciências, mesmo que de
forma Seindireta.
tomarmos como exemplo o homem, veremos que ele é um objeto
presente nos lado,
Por outro estudos de da
dentro praticamente
definição dotodas
objetoasde ciências,
uma ciência,mesmopodem queestar
de
forma indireta.
presentes fenômenos e processos que seriam considerados como totalmente
Por outro
diferentes por outralado, dentro da definição
classificação. A mesmado objeto
física de
queuma ciência,
permite podem estar
a fabricação de
presentes fenômenos e processos que seriam considerados
bombas de fissão ou de fusão nuclear pode estar presente na produção como totalmentede
diferentes por
alimentos. Umaoutra classificação.
brincadeira A mesma
de crianças física guerra
ou uma que permite
mundiala fabricação
podem estar de
bombas de fissão ou de fusão nuclear pode estar presente na produção de
alimentos. Uma brincadeira de crianças ou uma guerra mundial podem estar
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17
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
sendo estudadas ao mesmo tempo pela psicologia. Estas duas ciências, assim
como a química, a biologia, a sociologia ou a história (entre outras) podem ter
partes de suas atenções voltadas, por exemplo, para as viagens espaciais e as
olimpíadas, simultaneamente.
Podemos dizer, então, que, ao definir seu objeto de estudo, uma ciência não
está selecionando quais processos ou fenômenos vai estudar, mas quais os aspec-
tos destes ou de outros processos e fenômenos vão ser enfocados por ela.
Tome como exemplo de um processo a vida em sociedade. Diferentes as-
pectos desta podem ser estudados pela antropologia, sociologia, psicologia,
história, economia etc. Cada uma delas vai enfocar o mesmo processo de forma
diferente, centrando suas atenções naqueles aspectos que se relacionem mais
diretamente com seu interesse específico.
Convém sempre lembrar que estes cortes, realizados pelas ciências, ao
definir seus objetos, são artificiais, e que um fenômeno qualquer só pode
ser compreendido adequadamente quando os conhecimentos desenvolvidos
sobre ele pelas várias ciências são adequadamente reunidos e combinados.
Isto não é uma tarefa fácil, já que, por vezes, estudos desenvolvidos por
ciências diferentes apontam para conclusões distintas sobre um mesmo
fenômeno. A controvérsia gerada por esse tipo de fato pode levar décadas
para ser superada. De qualquer forma, a frase inicial deste parágrafo deve
ficar como um alerta contra o risco de que o cientista se feche em sua área
de estudo, tornando-se um superespecialista, e esquecendo que a realidade é
algo muito maior do que aquilo que a sua ciência permite conhecer.
Por outro lado, a definição de seu objeto de estudo é um processo fun-
damental para o desenvolvimento de uma ciência, já que é esta delimitação
que permite aos cientistas compararem seus estudos e checarem suas conclu-
sões. É preciso que fique claro o que está sendo estudado, e qual o enfoque
adotado, para que se possa saber se duas pesquisas ou teorias se referem ao
mesmo aspecto da realidade e podem, portanto, ser comparadas, para se so-
marem, ou para divergirem entre sí. O próprio desenvolvimento de uma ciên-
cia depende, então, de uma definição clara, ainda que provisória, de seu objeto
de estudo.
O OLHAR NO ESPELHO
O MÉTODO
No momento em que adota determinado aspecto da realidade como seu
objeto de estudo, cada ciência procura, paralelamente, desenvolver procedi-
mentos capazes de lhe permitir conhecer aquele objeto. Esses procedimen-
tos são os métodos. 18
Se dissemos que o objeto de cada ciência é o que ela se propõe a co-
nhecer, podemos dizer que os métodos indicam como ela se propõe a fazê-
lo.
O OLHAR NO ESPELHO
O OLHAR NO ESPELHO
No momento em que adota determinado aspecto da realidade como seu
objeto de estudo, cada ciência procura, paralelamente, desenvolver procedi-
No momento
mentos capazes deemlheque adota determinado
permitir aspecto
conhecer aquele da realidade
objeto. como seu
Esses procedimen-
objeto de estudo,
tos são os métodos. cada ciência procura, paralelamente, desenvolver procedi-
mentos capazes de
Se dissemos quelheo permitir
objeto deconhecer aquele
cada ciência é oobjeto.
que elaEsses procedimen-
se propõe a co-
tos são os
nhecer, métodos.
podemos dizer que os métodos indicam como ela se propõe a fazê-
lo. Se dissemos que o objeto de cada ciência é o que ela se propõe a co-
nhecer,
Um podemos
método, nodizer que osnão
entanto, métodos indicam
é apenas como elade
um conjunto se regras
propõedea ação,
fazê-
lo.
na medida em que reflete tudo aquilo que os seus elaboradores, ou os que o
Um acreditam
adotam, método, noouentanto,
pensamnão é apenas
saber sobre oumobjeto,
conjunto
antesdemesmo
regras de estu-
ação,
na
dá-lo. Se me proponho a estudar um objeto qualquer através da observação,o
medida em que reflete tudo aquilo que os seus elaboradores, ou os que
adotam,
estou nãoacreditam ou pensam
apenas adotando saber sobrecomo
a observação o objeto,
método,antes
masmesmo de estu-
deixando claro
dá-lo.naSeminha
que, me proponho
definiçãoa prévia
estudarsobre
um objeto qualquer
o objeto, estou através
aceitando da aobservação,
suposição
estou
de quenãoele apenas adotando a observação
tem características como método,
que são observáveis, e quemas deixando
estas claro
característi-
que, na minha definição prévia sobre o objeto, estou aceitando
cas são importantes a ponto de que ele possa ser conhecido através delas. a suposição
de que ele tem características que são observáveis, e que estas característi-
cas são importantes
O método acientífico
ponto deé um
que conjunto
ele possadeserconcepções
conhecidosobre
através delas. a
o homem,
natureza e o próprio conhecimento, que sustentam um conjunto de
regras
O métodode científico
ação, deé um procedimentos,
conjunto de prescritos
concepções para
sobre seo homem,
construira
conhecimento científico (Andery et al., 1988, p. 16).
natureza e o próprio conhecimento, que sustentam um conjunto de
regras de ação, de procedimentos, prescritos para se construir
Assim,conhecimento
todos os fatores que possibilitam
científico (Andery et al.,ou exigem
1988, p. 16).transformações nas
definições das ciências e de seus objetos, atuam de forma semelhante sobre
Assim, todos os fatores que possibilitam ou exigem transformações nas
os métodos.
definições
Da mesmadas ciências
forma quee dea seus objetos,
definição atuam de
do objeto, forma semelhante
a discussão sobre
sobre os méto-
os métodos.
dos é de extrema importância para o desenvolvimento dos conhecimentos, já
que Da
é elamesma forma que
que permite a definição
avaliar do objeto,
a adequação a discussão
de cada afirmação,sobre os méto-
de cada nova
dos é ou
frase de fórmula
extrema que
importância para ao ser
se proponha desenvolvimento
uma descriçãodos de conhecimentos,
um fenômeno ou já
que é ela que permite avaliar a adequação
processo, sejam eles naturais ou sociais. de cada afirmação, de cada nova
fraseLançar
ou fórmula que se proponha
uma afirmação qualquera éseralgo
umamuito
descrição
fácil. de umafirmar
Posso fenômeno ou
o que
processo,a respeito
quiser, sejam elesdenaturais
qualquerou coisa.
sociais.Difícil é elaborar uma afirmação capaz
Lançar com
de refletir, uma algum
afirmação
grauqualquer é algo muito
de fidelidade, fácil. do
uma parte Posso afirmar
objeto que oestou
que
quiser, a respeito
estudando, de qualquer
uma afirmação quecoisa. Difícil écompreender
me permita elaborar umamelhor
afirmação capaz
a estrutu-
de refletir,
ra, com algum
o funcionamento ou grau de fidelidade,
as relações deste meu umaobjeto
partecomdo objeto que estou
a realidade onde
estudando,
ele uma afirmação
se encontra. Igualmentequedifícil
me permita
é verificarcompreender melhor aqualquer
se uma afirmação estrutu-
ra, o funcionamento
possui essas qualidades.ou as relações deste meu objeto com a realidade onde
ele se encontra. Igualmente difícil é verificar se uma afirmação qualquer
possui essas qualidades.
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19
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
O caminho para superar estas dificuldades passa pelo estudo dos méto-
dos.
Isoladamente, qualquer afirmação, feita por qualquer pessoa, pode ter o
mesmo valor. As diferenças começam a se tornar claras quando são avaliadas
as bases de cada afirmação. O conhecimento dos passos que foram dados, das
informações que foram colhidas e das formas como o foram, dos raciocínios
realizados e das bases sobre as quais eles foram elaborados, do momento e do
local, da situação concreta na qual a afirmação foi elaborada, e (se possível)
das intenções do seu autor, me permitem ter uma visão bem mais clara sobre
o valor de cada afirmação.
Este procedimento de avaliação dos métodos de elaboração de uma a-
firmação nos permite distinguir facilmente as afirmações bem fundamenta-
das, daquelas que representam meros palpites do seu autor.
Outra forma de se avaliar uma afirmação é colocá-la em confronto com
a realidade que ela pretende refletir. Via de regra, quanto melhores forem
os processos utilizados para a elaboração de um conhecimento, maiores
serão as chances de que ele consiga refletir corretamente o aspecto estuda-
do. “É comum dizer-se que os resultados de uma pesquisa não podem ser
melhores que os métodos empregados para sua obtenção” (Newcomb, 1974,
p. 1).
Como você pode ver, os métodos não são apenas formas de avaliar
afirmações, mas são também caminhos para se chegar a estas afirmações.
Este é um ponto que merece ser pensado com cuidado: grande parte da ati-
vidade dos cientistas (daqueles que exercem uma profissão baseada em conhe-
cimentos científicos) consiste em procurar a afirmação que tenha maiores
chances de refletir corretamente uma situação problemática, de descrever com
maior fidelidade um determinado acontecimento. Isto é válido tanto para aqueles
que se dedicam à pesquisa (a fase da ciência normalmente destinada à descober-
ta ou à elaboração de novos conhecimentos) quanto para os que procuram
aplicar a situações práticas os conhecimentos obtidos através da pesquisa.
Se nos detivermos um pouco sobre esta questão, veremos que procurar e-
laborar boas descrições de situações é uma necessidade não só para o cientista,
mas para qualquer cidadão, preocupado com problemas cotidianos. Qualquer
situação para ser compreendida (ou alterada) precisa ser descrita de uma forma
tal que permita aos interessados nela ter ao menos uma idéia aproximada de
sua dinâmica, de seus componentes e das relações entre eles. Tentar elaborar
20
O OLHAR NO ESPELHO
OS OBJETIVOS
O estudo dos objetos, através da aplicação dos métodos, visa atingir de-
terminados fins. Estes fins são os objetivos da ciência.
É ingênuo pensar que as ciências visam apenas ao conhecimento em sí,
ou a satisfazer uma ânsia natural do homem pela aquisição do saber. Idéias
como estas podem colocar as ciências e os cientistas num altar de “pureza”,
numa situação de distanciamento da realidade social e humana que eles não
devem e não podem ter. A busca de conhecimentos científicos não se fecha
sobre sí mesma, é uma atividade realizada sempre como forma, como meio
para se atingir outros fins exteriores a ela. A ciência não é algo diferente
daquilo que os cientistas fazem, e os cientistas não são seres diferentes dos
demais. Mesmo o cientista que se coloque como alguém que trabalha “pelo
bem da humanidade” vai estar, inevitavelmente, adotando uma definição
sobre o que seja este “bem”, e colocando seu trabalho a favor deste objetivo.
21
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
Além disso, nem sempre os objetivos da ciência (quer dizer, dos cientis-
tas) são tão genéricos ou altruístas assim. Nem sempre são louváveis. Fabri-
car bombas atômicas ou desenvolver pesquisas sobre armas bacteriológicas
(entre outras) são atividades que dificilmente poderão ser classificadas como
benéficas à humanidade como um todo. São muito mais ligadas ao desejo de
determinado grupo humano de se impor aos demais.
Aliás, a existência de situações diferenciadas de poder e de dominação
entre grupos humanos se reflete claramente na determinação dos objetivos
da ciência em cada período da história. Já tivemos conjuntos de conheci-
mentos denominados como “ciência” tendo como objetivos a adequada ado-
ração de Deus − no período em que a Igreja Católica dominava
praticamente todo o mundo ocidental−, o extermínio de raças consideradas
“inferiores” e o aprimoramento da raça “superior” − na Alemanha Nazista e
em uma série de outros regimes racistas mais disfarçados−, e o domínio
econômico, baseado no avanço tecnológico − em praticamente todo o mundo
de hoje.
Talvez, o panorama que estou traçando possa dar uma visão pessimista
sobre a ciência e seu papel. Minha intenção, contudo, não é desmerecer a
ciência, mas apresentá-la como o que ela é: uma atividade humana, elabora-
da por seres humanos e passível de ser influenciada e transformada por
eles. Os objetivos das ciências são os objetivos do homem. Cabe a ele (cien-
tista ou não) lutar para que estes objetivos sejam melhores, ou menos ego-
ístas.
O fato de que a ciência é um auxiliar eficaz na luta para se atingir estes
objetivos, já é uma das razões para estudar, entender e praticar a ciência.
Mas há outras razões para isto.
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O OLHAR NO ESPELHO
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ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
24
O OLHAR NO ESPELHO
só tem algo a ensinar aquele que, por meio da pesquisa, construir uma
personalidade própria científica, aquele que tem uma contribuição
original; caso contrário, não vai além de narrar aos estudantes o que leu
por aí. E se atribuirmos à universidade um compromisso com a
comunidade em que está inserida, para que não fique apenas na teoria,
mas consiga descer à prática, isto se consegue da melhor maneira
possível, se a intervenção na realidade estiver baseada em pesquisa
prévia, porque não se pode influenciar o que não se conhece (Demo,
1980, p. 7).
25
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
Há um ditado popular que, a meu ver, serve bem para ilustrar esta si-
tuação: se a única ferramenta que você conhece é o martelo, tudo o que cair
na sua mão vira prego, ou seja, se o seu conhecimento teórico e metodoló-
gico é limitado, você não só terá dificuldade em distinguir entre duas situa-
ções semelhantes mas não iguais, como, se conseguir distinguí-las não
conseguirá elaborar formas de ação adequadas a cada uma. Talvez o martelo
seja uma boa ferramenta para alguns trabalhos com madeira ou ferro, mas
para vidro...
Pense nisto antes de tentar fazer seu curso e, especialmente, as discipli-
nas ligadas à metodologia de pesquisa, da forma mais fácil...
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O OLHAR NO ESPELHO
27
ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE A CIÊNCIA
28
APÍTULO 2
em registrar as fontes onde deparei com cada uma delas, mas creio que
você poderá reconhecê-las, uma vez que já deve ter entrado em contato ou
talvez até adotado algumas.
Não tenho a intenção, aqui, de levantar todas as idéias equivocadas que
possam estar existindo sobre ciência e metodologia de pesquisa, como não
tenho a pretensão de esgotar a discussão sobre as idéias (falsas ou não) que
vou apresentar. Pretendo apenas me servir das informações que recolhi, dos
enganos que observei, para tentar levantar algumas discussões prévias ao
ato de pesquisar.
Antes de pretender realizar uma pesquisa científica, é necessário se ter,
no mínimo, algumas noções sobre o que venha a ser a ciência e a pesquisa,
quais suas funções e limites. Não basta, no entanto, ter qualquer noção; é
preciso conhecer de perto o que a ciência pensa a respeito de si própria, e
quais os limites que ela impõe para que um conhecimento seja considerado
científico.
Uma das funções da ciência é justamente esta: a de discutir os requisi-
tos necessários para que uma determinada afirmação possa vir a ser aceita
como válida pela própria ciência. Para isso ela cria uma área especializada
para a realização destas discussões: a metodologia, ou seja, o estudo dos
métodos.
Para aprofundar mais estas noções sobre ciência e metodologia, é
que pretendo partir das idéias equivocadas que tenho encontrado, ten-
tanto levantar críticas a elas, de forma a tentar superá-las e chegar assim
a conceitos mais aceitáveis, embora também sujeitos à discussão.
Começarei por descrever os equívocos referentes à metodologia, não
porque eles sejam mais ou menos importantes que as idéias equivocadas sobre
ciência, mas apenas porque são mais simples. De uma forma ou de outra,
essas idéias equivocadas se interrelacionam e influenciam. Talvez pelo fato de
não serem muito elaboradas − há exceções − elas podem aparecer ora de
forma complementar, ora de forma excludente em relação à outra ou ou-
tras.
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O OLHAR NO ESPELHO
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
Como você vê, é muito difícil elaborar qualquer “idéia” sem que ela se
refira a algo “concreto”.
Faça agora o inverso. Tente, de alguma forma, se relacionar com al-
gum “objeto”, sem que nessa relação apareçam nomes, intenções, enfim,
nada de “teórico”. Suponhamos que você esticou a mão e simplesmente
tocou um objeto. Então tente enumerar quantos “conhecimentos” estão
contidos neste gesto. No mínimo duas denominações/classificações (uma
parte do seu corpo que é “teoricamente” separada do restante e denominada
mão; e um objeto que deve ter algum nome, o que o distingue dos outros
objetos e do seu corpo), duas descrições de ação (dadas pelos verbos “esti-
car” e “tocar”) e uma intenção (a de realizar a ação). Mesmo que você não
tenha feito isso, nem tenha tentado nada, este “fazer nada” também envol-
veu uma decisão, não?
Daí podemos supor que também não é possível realizar qualquer inter-
venção no “concreto”, sem que essa ação seja permeada, de alguma maneira,
por elementos teóricos.
Se você quiser complicar ainda mais este nosso jogo de separação entre
o “mundo das idéias” e o “mundo das coisas”, responda: em qual deles você
classificaria os seus desejos? Desejos são “concretos” ou “abstratos”? “Coisas”
ou “idéias”?
Minha intenção, ao deixar a ciência momentaneamente de lado e fazer
esta volta toda, não foi a de dizer que não é possível compreender a teoria
sem a prática ou vice-versa, mas a de demonstrar que elas não são mais do
que dois aspectos de um mesmo processo. Ora, se elas não podem existir
separadas, é errado se pensar numa ciência puramente teórica: “[...] se ela
experimenta, terá de raciocinar; se raciocina, terá de experimentar” (Bache-
lard, 1986, p. 11).
Talvez não tenha sido possível, numa abordagem tão apressada e super-
ficial, ter tornado claro para você esta questão da indissociabilidade entre a
teoria e a prática. Caso isto tenha ocorrido, ou caso você pretenda se apro-
fundar no assunto (que é importante e instigante) sugiro que procure ler os
textos de Duarte Jr. (l984), sobre a Realidade, de Pereira (l982) sobre a
Teoria e o de Berger e Luckmann (l985), sobre a Construção da Realidade.
Além de aprofundarem esta discussão de forma “descomplicada”, cada um
deles fornece, ao final, uma bibliografia aos que querem se dedicar ainda
mais ao assunto.
36
O OLHAR NO ESPELHO
Voltando à ciência, dissemos ali atrás que ela não pode ser teoria pura.
Mesmo que isto fosse possível, há razões para afirmar que ela não deve ser
desligada das questões práticas. Não se justificaria a existência de uma ciên-
cia desvinculada da preocupação com a solução de problemas, uma vez que
a atividade científica demanda uma considerável soma de esforços, tanto em
nível econômico quanto humano. Todo este esforço é sustentado, via de
regra, por contribuições coletivas, voluntárias ou não, e deve retornar, por-
tanto, a essa coletividade. Além disso, a considerável quantidade de conhe-
cimentos prévios que o cientista utiliza ao iniciar suas investigações é um
patrimônio da humanidade que o vem produzindo através da história; e não
faz sentido que todo esse patrimônio seja apropriado por um grupo de
pessoas que não se disponham a utilizá-lo em favor dessa mesma humani-
dade.
Fica portanto aqui um convite para que você, aprendiz de cientista, re-
flita sobre a responsabilidade social da ciência e, é claro, do cientista.
Por outro lado, é interessante, e inquietante, notar como, dentro dos
próprios meios acadêmicos, parecem se manter algumas posturas que, tal-
vez, estejam relacionadas a uma visão de ciência como atividade obscura.
São os casos, por exemplo, de um apego excessívo à sofisticação do discurso,
ou de certo desprezo pelas teorias, refletido em frases como “na prática a
teoria é outra” e nas ações correspondentes. Ora, se não é possível se tomar
contato com a realidade independente de formulações teóricas e vice-versa,
desprezar as teorias, provavelmente, seja uma forma de tentar camuflar um
fraco preparo teórico e uma compreensão insuficiente do que venha a ser a
ciência. Por outro lado, apoiar-se num discurso aparentemente complexo,
mas vazio de conteúdo, pode indicar um apego excessivo à teoria, sem base
na realidade.
37
ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
teoria, mas vai mais além. Aqui o próprio acadêmico se identifica como um
futuro profissional de determinada área (das ciências), mas não como um
futuro cientista. Para ele, não só as teorias como as próprias noções do que
seja ciência, as discussões sobre o rigor da ciência, as noções de metodologia
e prática de pesquisa, todo o processo científico, enfim, serviriam apenas
para os que resolverem seguir a carreira acadêmica.
A ciência seria algo útil para os que fossem fazer cursos de pós-
graduação, escrever teses ou outros trabalhos, realizar pesquisas ou dar
aulas de metodologia. Para os “profissionais” seria dispensável. A eles basta-
ria o diploma (este, sim, muito importante), o conhecimento de algumas
técnicas, alguma experiência a ser adquirida no decorrer da própria atuação,
além, é claro, de sua capacidade pessoal.
Ao pretender ser um profissional em uma área de ciência, mas não
um cientista profissional, o acadêmico se transforma em técnico, mas
isto não significa que ele se vai identificar como tal. Ele pretende ser,
por exemplo, psicólogo, não técnico em psicologia, nem cientista.
Como isso é possível, não sei, mas verifique você mesmo como essa
postura é forte entre seus colegas, e não só enquanto acadêmicos. Esta
talvez seja a postura predominante entre profissionais da maioria das áreas
com as quais já mantive contato.
Essa situação é bastante piorada pelo fato de que, num país como o
nosso, que investe tão pouco em ciência, a maioria dos profissionais de
nível universitário que consegue manter-se dentro do seu campo de tra-
balho, é contratada para a execução de tarefas rotineiras e repetitivas,
para as quais as noções de ciência parecem mesmo pouco importantes.
Mesmo atuando como profissional liberal, situação em que, teoricamente,
teria mais liberdade de ação, as próprias exigências do mercado, baseadas
no mesmo modelo tecnicista que o cientista tem de sua profissão, contri-
buem para que ele assuma o papel de mero repetidor.
Infelizmente, parece que em alguns casos os próprios meios acadêmicos
contribuem para a manutenção deste jogo de equívocos. O resultado disto
tudo, além da desvalorização da ciência, é a desvalorização do próprio pro-
fissional.
38
O OLHAR NO ESPELHO
39
ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
Até o final deste capítulo espero ter conseguido mostrar a você que es-
ta visão pode estar contida em quaisquer das três. Voltaremos a isto quando
falarmos das relações entre ciência e política.
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O OLHAR NO ESPELHO
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
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O OLHAR NO ESPELHO
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ALGUMAS IMPRESSÕES EQUIVOCADAS SOBRE...
errôneas ou pouco adequadas, nem podem ser evitadas pela simples adoção
de conceitos aparentemente mais corretos. O conjunto dos procedimentos,
verbais ou não, é que deve ser levado em conta para a avaliação da atuação
do pesquisador ou do cidadão, de forma geral.
Este me parece um princípio importante, que deve ser considerado no
decorrer de todo o seu trabalho científico: a avaliação permanente da coe-
rência entre suas intenções e seus atos, seu preparo e suas pretensões e das
razões que o levaram a decidir por uma ou outra entre as várias opções
existentes a cada passo de uma pesquisa.
Esta busca de coerência é uma das preocupações da ciência. Mas isto é
assunto para um próximo texto, onde a partir das discussões que realizamos
aqui tentaremos chegar a entender o que é a ciência e quais os seus requisi-
tos.
50
APÍTULO 3
Ciência é discussão.
A frase acima não é uma boa definição de ciência; aliás nem mesmo é
uma definição, na medida em que não serve para distinguir o discurso cien-
tífico de outras formas de discurso nas quais a discussão se acha igualmente
presente, como é o caso, por exemplo, dos discursos políticos ou religiosos.
Ela serve apenas para indicar uma das características fundamentais da ciên-
cia.
Se a ciência pretende ser um conhecimento válido sobre a realidade, e se esta
realidade está em contínuo processo de transformação, não há nenhum sentido
em que se pretenda ter um corpo de conhecimentos estático e definitivo. Por esta
razão, uma das funções dos cientistas é a de discutir os critérios que permitem
estabelecer os limites e alcances da ciência, uma vez que estes itens podem sofrer
(e sofrem) alterações no decorrer da história.
Assim, se para outros tipos de conhecimento a discussão é uma possibi-
lidade, para a ciência ela é uma exigência.
O QUE É CIÊNCIA?
52
O OLHAR NO ESPELHO
53
O QUE É CIÊNCIA?
54
O OLHAR NO ESPELHO
A OBJETIVIDADE DA CIÊNCIA
55
O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO
57
O QUE É CIÊNCIA?
científico é 1 2 3 4 5 6
aberto ................................................................... X (**)
acumulativo ........................................................ X
analítico ............................................................... X X
certo e/ou previsível ........................................ X X X
claro e preciso ................................................... X
comunicável ........................................................ X X
constante ............................................................. X
crítico ................................................................... X
demonstrável ...................................................... X X
desinteressado ................................................... X
exato ...................................................................... X
experimental ....................................................... X
explicativo ........................................................... X
factual ................................................................... X X
falível ..................................................................... X X X
geral ...................................................................... X X X
metódico .............................................................. X X X X
objetivo ................................................................ X X X X
preditivo .............................................................. X
racional ................................................................ X X X X
real ......................................................................... X X
transcendente aos fatos ................................. X
sistemático .......................................................... X X X X X
universal .............................................................. X
útil ......................................................................... X
verificável ............................................................ X X X X X
(*) 1 Bunge apud Lakatos e Marconi, 1982:29 (referindo-se às ciências fatuais)
2 Ander-Egg, citado em Lakatos e Marconi, 1982:22
3- Barros e Lehfeld, 1986:60 e 63
4- Gil, 1987, p. 21
5- Cervo e Bervian, 1976, p. 17
6- Ferrari, 1974, p. ll
(**) O espaço sombreado indica que a característica é citada pelo autor
58
O O LOH A R NO ESPELHO
Q U E É C I Ê N C I A ?
O OLHAR NO ESPELHO
CONHECIMENTOS
Quadro 1. Características do conhecimento científico, de acordo com alguns autores.
O conhecimento Científico
Popular CONHECIMENTOS Filosófico Autores Teológico(*)
científico
Valorativo é Real(factual) 1 2
Valorativo 3 4Valorativo
5 6
Popular Científico Filosófico Teológico
aberto ...................................................................
Reflexivo Contingente X Racional
(**)
Inspiracional
Valorativo
acumulativo Real(factual)
........................................................ X Valorativo Valorativo
Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático
Reflexivo Contingente
analítico ............................................................... X Racional X Inspiracional
Verificável Verificável Não verificável Não verificável
Assistemático
certo e/ou previsível Sistemático
........................................ Sistemático
X X Sistemático
X
Falível Falível Infalível Infalível
Verificável
claro Verificável
e preciso ................................................... X Não verificável Não verificável
Inexato Aproximadamente exato Exato Exato
Falível
comunicável Falível
........................................................ X Infalível X Infalível
constante
Fonte:
Inexato .............................................................
Ferrari, 1974, p. 11.
Aproximadamente exato Exato Exato X
crítico ................................................................... X
Fonte: Ferrari, 1974, p. 11.
Para estes
demonstrável autores, inclusíve, nenhuma das várias características Xda ciência,
...................................................... X
isoladamente, serve para distinguí-la de forma definitiva de outrosX tipos de
desinteressado ...................................................
Para estes autores, inclusíve, nenhuma das várias características
exato ...................................................................... X
da ciência,
conhecimento. Após analisarem algumas delas, eles concluem que
isoladamente, serve para distinguí-la de forma definitiva
experimental ....................................................... X de outros tipos de
conhecimento. Após analisarem algumas
explicativo ...........................................................
embora nenhuma das características delas,
X que examinamosque
eles concluem até aqui distinga,
factual ...................................................................
necessariamente, a ciência da não X ciência, a noçãoX de que o fazem não
embora
ocorre por nenhuma
mero acaso; das características
falível .....................................................................
de um modo X que examinamos
geral, X até aquidescrevem
essas características distinga,
X
necessariamente,
a ciência, se bem que não a distingam. a ciência
geral ...................................................................... da não
X ciência, a noção de
A ciência esforça-se
X que o
por fazem não
X conseguir
ocorre por mero
rigor terminológico, capacidade de acaso;
metódico .............................................................. de um modo geral,
X previsão essas características
X e controle,
X descrevem
mais quantificação,
X
amelhor
ciência,teoria se bem e uma queexplicação
não a distingam.
objetivo ................................................................ objetiva
X
Adociência
mundo.
X
esforça-se
Contudo,
X
por conseguir
Xacreditamos
rigor terminológico,
que a distinção essencial mais adequada capacidade de previsão e controle, mais quantificação,
entre ciência e não ciência é uma
preditivo .............................................................. X
melhor
das teoria e umadaexplicação
características metodologia objetiva do mundo.
científica. Contudo, acreditamos
racional ................................................................ X X XÉ essa Xcaracterística − o
que a distinção essencial
princípio de controle − a que está mais próxima, mais adequada entre ciência e não ciência
entre é uma
real ......................................................................... X todosX os
das características
empreendimentos da metodologia
humanos, de pertencer científica. É essa característica
exclusivamente à ciência (Marx; − o
transcendente aos fatos ................................. X
princípio de controle − a que está mais próxima, entre todos os
sistemático Hillix, 1974, p. 23).
.......................................................... X X X X X
empreendimentos humanos, de pertencer exclusivamente à ciência (Marx;
universal .............................................................. X
Hillix, 1974, p. 23).
Assim, as características citadas atéX aqui não seriam exclusívas da ciên-
útil .........................................................................
cia, nem parte
verificável automática do conhecimento
............................................................ X científico.
X X Seriam, X antes de mais X
Assim, as características citadas até aqui não seriam exclusívas da ciên-
nada,1 qualidades
(*) a serem alcançadas visando à conquista da meta maior − a
cia, nem parte automática do conhecimento científico. Seriam, antes de mais
Bunge apud Lakatos e Marconi, 1982:29 (referindo-se às ciências fatuais)
objetividade.
nada,23-qualidades
Ander-Egg, citado em Lakatos e Marconi, 1982:22
a serem alcançadas visando à conquista da meta maior − a
No entanto, outras
Barros e Lehfeld, atividades
1986:60 e 63 humanas, tais como as investigações poli-
objetividade.
4- Gil, 1987, p. 21
ciais ou aCervo
imprensa noticiosa também podem buscar a objetividade. A dife-
No
5- entanto, outras
e Bervian, 1976,atividades
p. 17 humanas, tais como as investigações poli-
renciação se daria,
6- Ferrari, 1974, p.fundamentalmente,
ll pelo rigor metodológico próprio da
ciais
(**) O espaço sombreado indica que a característicapodem
ou a imprensa noticiosa também buscar a objetividade. A dife-
ciência. Assim, pode-se dizer que a ciência é um
é citada pelo autor
renciação se daria, fundamentalmente, pelo rigor metodológico próprio da
Quadro 2.Assim,
ciência. Características
pode-se de quatro
dizer quetipos de conhecimento.
a ciência é um
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58
59
O QUE É CIÊNCIA?
O MÉTODO CIENTÍFICO
A OBSERVAÇÃO
Observar, todos nós observamos. A cada momento estamos atentos a
um número praticamente infinito de estímulos, e colocamos nesta atividade
os nossos órgãos sensoriais todos. No entanto, da imensa gama de informa-
ções que recebemos, apenas uma pequena parcela nos interesssa, e mesmo
assim este interesse é momentâneo. Uma vez atingido nosso objetivo imedi-
ato, nossa atenção se volta para outros dados, e aqueles iniciais são nor-
malmente esquecidos. Via de regra, apenas conseguimos nos recordar de
uma parcela ínfima dos estímulos com os quais entramos em contato, e
60
O OLHAR NO ESPELHO
61
O QUE É CIÊNCIA?
62
O OLHAR NO ESPELHO
63
O QUE É CIÊNCIA?
Como você pode ver, todos esses cuidados são tomados para que o fato
observado esteja o mais próximo possível do fato ocorrido, ou, em outras
palavras, para que a observação tenha o maior grau de independência possí-
vel do observador. Em princípio, um processo de observação deve ser reali-
zado e registrado de tal forma que um outro pesquisador possa, nas
mesmas condições, obter resultados semelhantes ou, no mínimo, compará-
veis.
A adoção desses princípios tem possibilitado a utilização da observação
sistemática como um eficiente meio para a descrição dos fenômenos. No
entanto, aí mesmo reside a sua limitação: a observação serve para descrever
fatos, mas não para explicá-los; ela nos permite saber como as coisas são,
mas não porque elas ocorrem desta forma.
O EXPERIMENTO
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
O RACIOCÍNIO EMPIRICISTA
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
A APLICAÇÃO DA CIÊNCIA
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
quanto mais rigorosos para com sua ciência, tanto mais os cientistas
conscientes coçavam na cabeça perguntas inquietantes que se começa
ou continua a ter depois que a pesquisa afinal foi feita e tudo parece,
74
O OLHAR NO ESPELHO
A NÃO-NEUTRALIDADE DA CIÊNCIA
Estas últimas questões concentram, em grande parte, a insatisfação ini-
cial dos cientistas a que estamos nos referindo. Se prestarmos atenção à
composição econômica e educacional de nossa sociedade e analisarmos os
direitos e possibilidades dos participantes dos diferentes extratos sociais,
veremos que os membros das classes economicamente mais favorecidas
dispõem também de oportunidades muito mais amplas (e quase exclusívas)
de cumprirem as várias etapas da carreira acadêmica, forma tradicional de
se ter acesso aos conhecimentos científicos. Dispõem, igualmente, de maio-
res chances de ocuparem os cargos-chave para as tomadas de decisões sobre
as políticas de ensino e pesquisa, bem como sobre a aplicação do conheci-
mento científico, seus objetivos e metas.
Pode-se dizer a mesma coisa sobre as outras formas de conhecimento
existentes. Também as manifestações artísticas, religiosas e as várias formas
de conhecimento popular correm o risco de serem atraídas e controladas
pelos grupos dominantes.
Em outras palavras, o poder econômico tende a concentrar ao seu re-
dor e a controlar tanto o poder quanto o saber.
No caso das ciências, os grupos dominantes tendem a determinar, a
partir de suas perspectivas e interesses, quais assuntos devem ser pesquisa-
dos, quais linhas de pesquisa devam ser incentivadas, e de que forma e com
que finalidade os conhecimentos assim obtidos devem ser aplicados. Mesmo
que estas perspectivas, interesses, formas e finalidades não sejam aquelas
preferidas ou mais convenientes para as pessoas sobre as quais a ciência
realiza seus estudos e aplica suas conclusões, e que, geralmente, não são as
pessoas das classes dominantes.
São sempre aqueles que detêm o saber e o poder social que, com o auxílio
dos instrumentos científicos determinam unilateralmente o que, como e
75
O QUE É CIÊNCIA?
quando deve ser pesquisado e que decidem sobre o destino a ser dado ou o
uso a ser feito dos resultados da pesquisa. Os grupos “observados” não têm
nenhum poder sobre uma pesquisa que é feita sobre eles e nunca com eles
(Oliveira; Oliveira, 1982, p. 18).
76
O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
são típicos do pensamento conservador: sob esta ótica, o que existe hoje
é o único real possível (Oliveira; Oliveira, 1982, p. 23).
80
O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
[...] categoria de seres reais que ela procura conhecer. O objeto formal
consiste nos fenômenos específicos por que ela se interessa, o que
envolve uma perspectiva característica no enfoque do objeto real
(Nogueira, 1988, p. 2).
85
O QUE É CIÊNCIA?
as ciências humanas [...] ainda que tenham por objeto real ou sensível
os indivíduos humanos, com seu substrato orgânico, têm por objeto
formal certos fenômenos engendrados pela convivência humana e pela
capacidade especificamente humana de simbolização (Nogueira, 1988, p.
4).
86
O OLHAR NO ESPELHO
sujeitas a forças, tal como outras estruturas físicas, temos órgãos contro-
lados por mecanismos semelhantes aos existentes em outros organismos.
No entanto, ao atribuir significados humanos aos objetos e ao transfor-
mar seu mundo num mundo de fenômenos, o homem transforma-se
num outro tipo de elemento: um organismo histórico, um corpo pensan-
te; um elemento natural dotado de vontade própria.
Assim, não conseguirá bons conhecimentos científicos, por exemplo, um
pesquisador menos avisado que tentar explicar as desigualdades sociais através
da lei da sobrevivência do mais apto de Malthus; as guerras como decorrentes
da teoria da evolução das espécies de Darwin, ou mesmo as manifestações
emocionais do ser humano como meras consequências do funcionamento do
seu sistema hormonal. Embora possam parecer exageradas, ou até mesmo
cômicas, cada uma destas explicações já foi tentada e elas fazem parte da
história das idéias científicas.
Minha intenção ao citá-las foi a de ilustrar a existência de diferentes ob-
jetos formais derivados de um mesmo objeto real e, ao mesmo tempo intro-
duzir uma discussão que decorre do que vimos até aqui: se a ciência
trabalha com os objetos formais, e se há diferenças entre eles, haverá senti-
do em que todos sejam estudados da mesma maneira, ou seja, através do
mesmo método?
Colocada a pergunta desta forma, parece evidente a resposta de que
objetos diferentes deveriam merecer tratamentos diferentes. Apesar disto,
87
O QUE É CIÊNCIA?
mais correto pensarmos num conjunto de várias ciências, que embora pos-
sam (e devam) se auxiliar mutuamente, compartilhar suas informações e
discutir seus procedimentos, só poderão avançar na conquista de seus obje-
tivos a partir de uma avaliação contínua destes objetivos e dos procedimen-
tos adequados para atingí-los.
Cada uma das ciências deve guardar relativa autonomia das demais. Es-
ta autonomia é constituída pela existência de campos de estudos diferencia-
dos, ou seja, pela elaboração de objetos formalmente distintos, e pelo
desenvolvimento de métodos próprios para a construção de conhecimentos
relativos a este objeto.
Diferenciadas desta forma, é necessário que as ciências se procurem ar-
ticular, permutando e complementado seus conhecimentos. Esta articulação,
contudo, deve se dar de forma a preservar as características de cada ciência,
e não através da adoção de uma delas como parâmetro único a ser seguido,
ou da suposição de que haja maior importância nos estudos realizados por
uma ou por outra. Embora, por uma série de fatores, uma ciência possa,
num dado momento, apresentar maior desenvolvimento que outras, isto não
implica que ela deva se constituir num modelo a ser imitado, não lhe confe-
re importância maior, não lhe garante autonomia total em relação às de-
mais, nem serve como indicador de que ela esteja mais próxima de resolver
sozinha os problemas de sua área.
Tal como o campo das ciências da natureza
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
CIÊNCIA E IDEOLOGIA
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
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O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
[...] ela permite também “mostrar” (de forma imaginária) que: a) não
existe visão de paisagem que não esteja situada em um observatório
determinado; b) a síntese ou a média exata entre os níveis superiores e
inferiores não representa em nada um ponto de vista privilegiado; c) os
limites estruturais do horizonte não dependem da boa ou má vontade
do observador, mas da altura e da posição em que ele se encontra; d) o
pintor pode passar de um mirante a outro (“livre flutuação”), mas seu
horizonte de visibilidade dependerá sempre da posição em que ele se
encontra em tal ou qual momento; e) o observador situado no nível
superior pode dar conta tanto dos limites como das visões verdadeiras
dos níveis inferiores; f) o mirante não oferece senão a possibilidade
objetiva de uma visão determinada da paisagem” (Lowy, 1987, p. 204).
96
O OLHAR NO ESPELHO
expondo ou mesmo que consulte outras fontes, talvez o próprio Lowy (1987
ou 1989). Fica aí a isca.
De qualquer forma, lembre-se que a adoção daquele ponto de vista a-
penas oferece uma possibilidade, uma chance de que o conhecimento pro-
duzido venha a representar o que poderíamos chamar de uma “verdade
objetiva” sobre os processos sociais e as ações humanas.
Há várias razões que podem fazer com que mesmo elaborações teóricas
baseadas na visão social de mundo mais universalizante sejam fracas, ou de
pouco alcance. Entre estas podemos citar, apenas como exemplo: a) as ideo-
logias não são elaborações estáticas e definitivas, mas estão em constante
processo de transformação, o que pode levar o pesquisador menos atualiza-
do a abordar problemas ou questões já superadas pela prática do grupo; b)
não é fácil distinguir, entre os vários discursos sobre os interesses de um
grupo ou classe social, qual é aquele que de fato representa estes interesses,
o que também pode levar a equívocos no processo de produção do conhe-
cimento; c) o próprio nível de preparo e de interesse do pesquisador é um
fator determinante na qualidade dos conhecimentos produzidos.
Haveria, então, algum critério que permitisse avaliar a qualidade de um
conhecimento, ou através do qual se pudesse ter uma idéia, ainda que apro-
ximada, do grau de “verdade” contido em uma teoria? Há sim.
97
O QUE É CIÊNCIA?
Se, agindo de forma contrária, optamos por lutar para que nossa ciên-
cia coloque-se a serviço das populações pesquisadas e não dos grupos que
visam controlar tanto essas populações quanto à produção do conhecimen-
to, temos que, ao mesmo tempo, propor uma nova metodologia, rever a
concepção que adotamos sobre o sujeito de nossas pesquisas e sobre o
papel desempenhado por ele na construção do conhecimento sobre ele
próprio. Antes de mais nada, é necessário refletir sobre as diferenças e se-
melhanças existentes entre o pesquisador e o pesquisado.
98
O OLHAR NO ESPELHO
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O QUE É CIÊNCIA?
100
O OLHAR NO ESPELHO
101
O QUE É CIÊNCIA?
Temos então, que: a) as ciências sociais podem se propor não mais co-
mo instrumentos de controle, mas como um elemento a mais nas tentativas
de superação das desigualdades sociais; b) dentro desta proposta o papel do
cientista não é mais o de ser o produtor privilegiado (quando não exclusivo)
dos conhecimentos válidos sobre seu objeto, mas um dos participantes na
construção desses conhecimentos que, afinal, se referem também a ele pró-
prio; c) os outros participantes seriam as próprias pessoas, quer entendidas
individualmente, quer como membros de grupos, classes ou categorias, mas
sempre vistas como portadores de conhecimentos diferentes dos do cientis-
ta, mas tão importantes quanto estes; d) para esta nova tarefa, os métodos
“objetivos” do empiricismo, derivados das ciências naturais, seriam inade-
quados; e) é necessário, então, que se procure desenvolver novas formas de
ação, mais adequadas aos novos objetivos e objetos.
Longe de representar um momento em que grupos de cientistas alta-
mente qualificados discutem suas propostas e estabelecem um método, ou
alguns deles, como os procedimentos adequados para a nova produção
científica, a discussão metodológica, dentro desta perspectiva de re-
humanização das ciências sociais deve ser um processo contínuo, do qual
participem todos os integrantes de cada novo projeto de pesquisa. Não há
como estabelecer um método, qualquer que seja ele, como o método das
ciências. Vejamos por quê.
O estudo de uma realidade em constante transformação exige que os ins-
trumentos e procedimentos utilizados sejam capazes de acompanhar estas trans-
formações. Diferentes momentos da história social ou individual, processos
102
O OLHAR NO ESPELHO
103
O QUE É CIÊNCIA?
O SOCIAL E A CIÊNCIA
104
em que vivem, em particular sob a forma de diretrizes de ação
transformadora (Thiollent, 1985, p. 8).
105
105
O QUE É CIÊNCIA?
106
O OLHAR NO ESPELHO
são tentativos, não há razão final para que sejam apenas quatro ou para
que sejam obrigatoriamente estes (Demo, 1980, p. 16).
107
O QUE É CIÊNCIA?
Para que isto aconteça, é necessária uma constante busca de superação das
aparências, um questionamento permanente das “verdades” estabelecidas, mesmo
que pela própria ciência. Tornar claras as razões e os efeitos dos processos soci-
ais que no dia-a-dia se apresentam como “naturais” e inquestionáveis talvez seja
uma das principais tarefas das ciências humanas.
Esta tarefa exige preparo, muito preparo. Embora, como já vimos, al-
gumas visões sociais sobre a realidade possam vir a oferecer uma perspecti-
va mais ampla para a compreensão da realidade, o grau de conhecimentos
do cientista, a capacidade desenvolvida por ele para manejar estes conheci-
mentos e sua disposição em adquirir e desenvolver novas informações e
habilidades são requisitos indispensáveis para um trabalho científico signifi-
cativo. A mera opção por esta ou aquela postura não garante, isoladamente,
a qualidade da pesquisa ou da teoria produzida.
Convém lembrar que
108
APÍTULO 4
Você leu as frases que servem de abertura para este texto? Suponho
que sim.
Ao fazer isto, você passou a fazer parte de uma cadeia de pessoas que
entraram em contato com o pensamento de um mesmo autor, e que, suces-
sivamente o foram reproduzindo e passando adiante. O texto original, escri-
to em francês, foi traduzido para o português, lido (entre outras pessoas)
pelo autor que o cita em primeira mão e incluído em seu livro. Foi a partir
daí que eu o reproduzi e estou apresentando a você.
Apesar deste trajeto todo, como se trata de um texto escrito − e, na su-
posição de que todos os que o traduziram ou reproduziram tomaram o
cuidado de não alterá-lo − há razões para crer que o texto lido por você
conserve o mesmo sentido do texto original, e reflita com bastante fidelida-
de o pensamento expresso pelo seu autor.
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
110
O OLHAR NO ESPELHO
111
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
A LINGUAGEM DA CIÊNCIA
(PRECISÃO OU COMPLICAÇÃO?)
Alguns críticos são tão cínicos que sugerem que a ciência é
uma maneira de expor clichês com palavras de várias sílabas
para que ninguém possa entender o que significa (Goode; Hatt,
1977, p. 58).
112
O OLHAR NO ESPELHO
113
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
114
O OLHAR NO ESPELHO
uns dos outros e nem é possível que um ser humano se dispa de todos os
seus valores ao praticar a ciência.
Freqüentemente, emitimos afirmações a respeito de assuntos sobre os
quais as informações de que dispomos são poucas, incompletas ou mal fun-
damentadas. Em outras situações, opinamos sobre temas nos quais temos
interesses diretos, seja de cunho mais amplo, ou mesmo interesses pessoais,
mais restritos. No primeiro caso, provavelmente, emitiremos juízos típicos do
senso comum. No segundo, nos aproximaremos dos juízos ideológicos. Proces-
sos semelhantes a esses, com semelhantes conseqüências, são encontrados
também nos discursos científicos.
115
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
116
O OLHAR NO ESPELHO
117
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
O OLHAR NO ESPELHO
A verdade é que tanto se pode escrever de modo obscuro sobre
problemas simples e cotidianos, como se pode, muito bem,
escrever
A verdadedeé que
modotantoclaro e compreensível
se pode escrever de modo sobre problemas
obscuro sobre
abstratos, complexos
problemas simples ee cotidianos,
difíceis (Bazarian,
como 1985, p. 27).
se pode, muito bem,
escrever de modo claro e compreensível sobre problemas
abstratos, complexos e difíceis (Bazarian, 1985, p. 27).
Há uma espécie de crença arraigada, tanto nos meios acadêmicos quan-
to fora deles, de que o conhecimento de alguém pode ser medido pela difi-
Há uma
culdade espéciepessoas
das outras de crençaem arraigada,
compreender tantoo nos
que meios acadêmicos
ele fala; quan-
ou seja, quanto
to fora deles, de que o conhecimento de alguém pode ser
mais difícil, sofisticado e intransponível for o discurso, maior será o conhe- medido pela difi-
culdade das outras pessoas em compreender o que ele
cimento contido nele. Ainda se valoriza muito o discurso “bonito”, mesmo fala; ou seja, quanto
mais difícil,
quando não sofisticado e intransponível
consegue transmitir for o discurso,
o seu conteúdo, ou que maior
não será
tenhao mesmo
conhe-
cimento contido nele. Ainda se valoriza muito o discurso
conteúdo algum (veja, por exemplo, a fala de alguns políticos, especialmente “bonito”, mesmo
quando
em não consegue transmitir o seu conteúdo, ou que não tenha mesmo
campanha).
conteúdo algum (veja,
Os próprios alunosporuniversitários,
exemplo, a fala de alguns
quando fazempolíticos,
uma prova especialmente
ou escre-
em campanha).
vem um trabalho, com freqüência procuram expressar-se através de um
Os próprios
discurso alunos sofisticado,
pretensamente universitários, que,quando fazemdas
na maioria umavezes,
provanão ou éescre-
mais
vem um trabalho, com freqüência procuram expressar-se
do que uma tentativa de reprodução das formas de expressão do professor. através de um
discurso pretensamente sofisticado, que, na maioria
Às vezes, isto é apenas uma parte de uma estratégia para conseguir melho-das vezes, não é mais
do que
res umaOutras
notas. tentativa de éreprodução
vezes uma tentativa das formas
honesta,deembora
expressão do professor.
ingênua, de de-
Às vezes, isto é apenas uma parte de uma estratégia
monstrar conhecimentos ou de procurar afirmar-se como um aluno capaz, para conseguir melho-
res notas.
um embriãoOutras vezesdeé um
promissor umagrande
tentativa honesta,
cientista, ou, embora
no mínimo, ingênua,
de umdecien-de-
monstrar conhecimentos
tista competente. ou de procurar afirmar-se como um aluno capaz,
um embrião
Em qualquer promissor
dessesdecasos
um revela-se
grande cientista,
uma visão ou,equivocada
no mínimo,sobre de um cien-
o papel
tistalinguagem
da competente. na ciência. Em ambos procura-se criar uma aparência de
Em qualquer
conhecimento como desses casos revela-se
substituta uma visãoreal.
do conhecimento equivocada sobre o papel
da linguagem
Vamos tentar na entender
ciência. Emisto ambos
melhor.procura-se criar uma aparência de
conhecimento
Vimos quecomo substituta
a ciência, assimdocomo
conhecimento
a linguagem real.popular, elabora concei-
Vamos tentar entender isto melhor.
tos como uma forma de representar os fenômenos. Vimos como os concei-
tos Vimos
são uma queforma
a ciência, assim como
“econômica”, a linguagem
rápida, de indicarpopular,
toda elabora
uma série concei-
de
tos como uma forma
conhecimentos sobre odefenômeno
representara queos se
fenômenos.
referem. Vimos como os concei-
tos Temos
são uma forma três
aí, então, “econômica”,
elementos rápida,
diferentes,de embora
indicar comtoda alguma
uma série de
relação
conhecimentos
entre sí. Um é sobre o fenômeno
o fenômeno, a que se referem.
um acontecimento, objeto, ser, sentimento, ou
Temosdeaí,outra
elemento então,natureza,
três elementos
sobre odiferentes,
qual o homem embora(cientista
com alguma ou não)relação
de-
entre sí. Um é o fenômeno, um acontecimento, objeto,
senvolveu algum conhecimento. Outro é o conceito, o conjunto de conheci- ser, sentimento, ou
elementoque
mentos de ooutra
homem natureza,
possui sobre
sobre oo qual o homem
fenômeno, e que(cientista ou não)entre
lhe permitem, de-
senvolveu algum conhecimento. Outro é o conceito, o conjunto de conheci-
mentos que o homem possui sobre o fenômeno, e que lhe permitem, entre
119
119
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
120
O OLHAR NO ESPELHO
121
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
122
O OLHAR NO ESPELHO
123
SOBRE A LINGUAGEM CIENTÍFICA
124
O OLHAR NO ESPELHO
125
APÍTULO 5
Para os iniciantes na pesquisa social, costuma ficar claro que deve haver
um planejamento que antecede a ida ao campo. No entanto, as noções sobre
o que seja este planejamento também costumam ser ingênuas. Não há nada
de errado nisto, já que, afinal, são principiantes. Com alguma freqüência,
pessoas com pouca experiência na realização de pesquisas têm me apresen-
tado preocupações do tipo: “eu pensei em fazer um questionário com tantas
perguntas, para aplicar em X pessoas de diversos níveis. Será que esta amos-
tra é suficiente, ou que este número de perguntas é bom?”
Se, por um lado, este tipo de preocupação reflete uma disposição posi-
tiva para a realização da pesquisa, por outro peca por concentrar suas aten-
ções nos aspectos quantitativos e de execução e por deixar de lado o
planejamento e a qualidade. Não estou querendo dizer que os dois primei-
ros aspectos não sejam importantes, mas sim que eles dependem dos que
citei por último.
Há uma série de noções assim ingênuas, que parecem se repetir entre
aqueles que procuram se iniciar na prática das ciências sociais.
Tenho sentido falta de trabalhos que coloquem, para os iniciantes na
pesquisa, dados sobre as dúvidas mais comuns em cada fase do processo de
pesquisa, informações sobre formas de superação das dificuldades mais
freqüentemente encontradas, ou sobre a própria razão de ser de cada uma
das partes do processo, sua relação com as demais e até do porque de sua
inclusão, ou não, no relatório final.
É isso que pretendo fazer aqui: a partir de um modelo básico de proce-
dimento de pesquisa em ciências sociais, levantar os problemas que têm
surgido em cada uma das fases deste modelo.
Convém, antes de mais nada, fazer alguns lembretes.
Primeiro, que a existência de um modelo não deve condicionar o
procedimento de pesquisa. É fundamental que você entenda que, na
pesquisa científica, o modelo é que deve ser adaptado às necessidades
do trabalho a ser realizado. Em outras palavras, o que quero dizer é o
seguinte: uma seqüência pré-determinada de passos a ser seguida para a
realização de uma pesquisa numa área específica da ciência (é isto o
que chamo de modelo), não serve para a realização de qualquer pesqui-
sa naquela área, mas deve ser entendida como um guia básico. Cabe ao
pesquisador conhecer cada um destes passos − e mais alguns que não
128
O OLHAR NO ESPELHO
129
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
130
À partir de um detalhamento maior das fases principais da pesquisa,
exposto no quadro 3, vamos tentar entender cada uma delas, suas funções e
relações com o projeto todo.
A leitura deste texto
O Otalvez
L H Anão
R Nlhe
O garanta
E S P E La H
elaboração
O de um projeto
completo de pesquisa, mas espero que seja um bom começo.
3- Problema
Quadro 3. Modelo do projeto.
3.1- Delimitação e caracterização
1- Tema
3.2- Justificativa social e científica do estudo do problema
1.1- Definição
4- 1.2- Justificativa social e científica do estudo do tema
Hipóteses O OLHAR NO ESPELHO
4.1- Definição
2- Fundamentação teórica
4.2- Justificativas
3- 4.3- Delimitação dos termos da(s) hipótese(s)
Problema
3.1- Delimitação e caracterização
5- 3.2-
Procedimentos
Justificativaesocial
métodos
e científica do estudo do problema
130
5.1- Procedimentos gerais
4- 5.2- População
Hipóteses
5.2.1- Caracterização do universo
4.1- Definição
5.2.2- Seleção da amostra
4.2- Justificativas
5.3-
4.3- Metodologia
Delimitação dos termos da(s) hipótese(s)
5.3.1- Método geral da ciência
5- Procedimentos 5.3.1.1-
e métodosCaracterização
5.3.1.2-
5.1- Procedimentos geraisJustificativas
5.3.2- Métodos específicos
5.2- População
5.3.2.1- Caracterização
5.2.1- Caracterização do universo
5.3.2.2- da Justificativas
5.2.2- Seleção amostra
5.3.3- Técnicas
5.3- Metodologia
5.3.3.1- geral
5.3.1- Método Caracterização
da ciência
5.3.3.2-
5.3.1.1- Justificativas
Caracterização
5.3.4- 5.3.1.2-
InstrumentosJustificativas
5.3.2- 5.3.4.1- Caracterização
Métodos específicos
5.3.4.2- Justificativas
5.3.2.1- Caracterização
5.3.4.3- Pré-teste
5.3.2.2- Justificativas
5.3.3- 5.3.4.4-
Técnicas Dados complementares
5.3.5- Aplicação
5.3.3.1- Caracterização
5.3.5.1-
5.3.3.2- Planejamento
Justificativas
5.3.4- 5.3.5.2-
InstrumentosCuidados especiais
5.3.5.3- Tratamento dos dados
5.3.4.1- Caracterização
5.4- Cronograma 5.3.4.2- Justificativas
5.5- Orçamento5.3.4.3- Pré-teste
Há duas formas 5.3.4.4- mais
Dados complementares
comuns de se iniciar um processo de pesquisa.
5.3.5- Aplicação
Uma é partir do5.3.5.1- desejo ou necessidade
Planejamento de vir a conhecer, ou conhecer mais
sobre determinado assunto.
5.3.5.2- Esteespeciais
Cuidados assunto tanto pode ser uma linha teórica,
uma população 5.3.5.3-determinada ou algo
Tratamento dosainda
dados mais amplo.
5.4- Cronograma
Outra é ter como base uma pesquisa mais específica, normalmente den-
5.5- Orçamento
tro de um assunto sobre o qual já se tem algum conhecimento, ainda que
Há duas formas mais comuns de se iniciar um processo de pesquisa.
Uma é partir do desejo ou necessidade de vir a conhecer, ou conhecer mais
sobre determinado assunto. Este assunto tanto pode ser uma linha teórica,
uma população determinada ou algo ainda mais amplo.
131
Outra é ter como base uma pesquisa mais específica, normalmente den-
tro de um assunto sobre o qual já se tem algum conhecimento, ainda que
5.3.4.4- Dados complementares
5.3.5- Aplicação
5.3.5.1- Planejamento
5.3.5.2- Cuidados especiais
5.3.5.3- Tratamento dos dados
5.4-ACronograma
P E S Q U I S A P A R A A O B T E N Ç Ã O D E C O N H E C I M E N T O S
5.5- Orçamento
Há duas formas
assistemático. A primeiramaisdessas
comuns de seé iniciar
formas o que um processoescolha
chamamos de pesquisa.
de um
Uma éa partir
tema; segunda, do adesejo ou de
definição necessidade
um problema. de vir a conhecer, ou conhecer mais
sobreComodeterminado
o tema éassunto. Este assunto
mais amplo tanto podecomeçaremos
que o problema, ser uma linha porteórica,
ele, o
uma não
que população
significadeterminada
que você, na ou sua
algopesquisa,
ainda mais amplo.
tenha que fazer o mesmo.
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
Outra é ter como base uma pesquisa mais específica, normalmente den-
tro de um assunto sobre o qual já se tem algum conhecimento, ainda que
assistemático.
O T E M A AD primeira A P E S dessas
Q U I Sformas
A é o que chamamos escolha de um
tema; a segunda, a definição de um problema.
Como
Vimos oque tema é mais
o tema é o amplo
assuntoque o problema,
geral da pesquisa, começaremos
mas o que épor umele,
bomo
que
temanão significa que você, na sua pesquisa,
de pesquisa? 131 tenha que fazer o mesmo.
A resposta a esta pergunta só pode ser dada a partir da definição
da função da pesquisa. Ora, se a função do processo de pesquisa é tra-
O
zer TdeE alguma
M A D forma,A P E Suma Q U contribuição
ISA às pessoas, um bom tema é
aquele cujo estudo possa, ao menos potencialmente, colaborar para isso.
Vimos que o tema é o assunto geral da pesquisa, mas o que é um bom
Como, então, escolher um bom tema para a sua pesquisa?
tema de pesquisa?
Salvo nos raros casos de pesquisas encomendadas ou conduzidas por
A resposta a esta pergunta só pode ser dada a partir da definição
instituições, cabe ao próprio pesquisador ou à equipe de realizadores a
da função da pesquisa. Ora, se a função do processo de pesquisa é tra-
escolha do tema de pesquisa, e não há nenhuma fórmula mágica que garan-
zer de alguma forma, uma contribuição às pessoas, um bom tema é
ta esta escolha.
aquele cujo estudo possa, ao menos potencialmente, colaborar para isso.
Castro (1977) sugere que o tema de uma pesquisa deve ser, se pos-
sível,Como, então, escolher
importante, original um bom tema
e viável. para a autor
O próprio sua pesquisa?
reconhece que não é
Salvo nos raros casos de pesquisas
fácil estabelecer com segurança o quanto estes aspectosencomendadas ou estão
conduzidas
presentespor
instituições,
no tema, mascabe ao próprio
a proposta pesquisador
me parece muitoou útilà eequipe
lógica. de realizadores a
escolha do tema de pesquisa, e não há nenhuma
Além da preocupação fundamental com a função da pesquisa, fórmula mágica que garan-
o que po-
ta esta escolha.
demos acrescentar aqui é que, via de regra, é muito mais fácil e produtivo
Castro
trabalhar com(1977) sugere
assuntos que, que o temarazão,
por alguma de uma pesquisa
já nos deve ser, se pos-
interessam.
sível,É importante, original e viável. O próprio autor
provável que você, iniciante na atividade de pesquisa, tenha reconhece que não
solici-é
fácil estabelecer com segurança o quanto estes aspectos
tado a colaboração de um orientador. Possivelmente, esse orientador já tem estão presentes
no tema,
suas áreasmas de ainteresse
propostadefinidas
me parece muito
e suas útil de
linhas e lógica.
investigações traçadas.
Assim, se você for perguntar ao seu orientador qualdatema
Além da preocupação fundamental com a função pesquisa, o quenada
escolher, po-
demosnatural
mais acrescentar
que eleaquiindique
é que, algo
via dedentro
regra, do é muito
campomaisondefácil e produtivo
já vem traba-
trabalhar com assuntos que, por alguma razão,
lhando. Mas será que isso seria interessante para você? já nos interessam.
É provável
Além desse que
fator,você, iniciante
convém na atividade
que você leia o item de“como
pesquisa,
evitartenha solici-
ser explo-
tado apelo
rado colaboração
orientador”,de um orientador.
no livro de EcoPossivelmente, esse orientador
(1983), no capítulo que tratajájusta-
tem
suas áreas
mente de interesse
da escolha do tema. definidas e suas linhas de investigações traçadas.
Assim, se você for perguntar ao seu orientador qual tema escolher, nada
mais natural que ele indique algo dentro do campo onde já vem traba-
lhando. Mas será que isso seria interessante para você?
132
Além desse fator, convém que você leia o item “como evitar ser explo-
rado pelo orientador”, no livro de Eco (1983), no capítulo que trata justa-
mente da escolha do tema.
demos acrescentar aqui é que, via de regra, é muito mais fácil e produtivo
trabalhar com assuntos que, por alguma razão, já nos interessam.
É provável que você, iniciante na atividade de pesquisa, tenha solici-
tado a colaboração de um orientador. Possivelmente, esse orientador já tem
O OLHAR NO ESPELHO
suas áreas de interesse definidas e suas linhas de investigações traçadas.
Assim, se você for perguntar ao seu orientador qual tema escolher, nada
maisNanatural que ele indique
vida acadêmica, muitasalgo vezesdentro
você dotemcampo onde jáuma
que realizar vempesqui-
traba-
lhando.
sa para Mas será que isso
ser aprovado em seria
uma interessante
disciplina, e para aí o você?
tema a ser escolhido,
alémAlémde serdesse fator, convém
relevante, deve poder que você leia o item
ser estudado num “como evitar
prazo, via ser explo-
de regra,
O OLHAR NO ESPELHO
rado pelocurto.
bastante orientador”, no livro
Em regiões ondede os
Ecorecursos
(1983), bibliográficos
no capítulo quesãotrata justa-
escassos,
mente da escolha do tema.
tenho visto bons temas serem escolhidos e abandonados depois, ou
darem Na origem a trabalhos
vida acadêmica, muitasmuitovezesfracos,
você por
tem falta de material
que realizar uma teórico.
pesqui-
Além
sa paradisso, normalmente
ser aprovado em quando se descobre
uma disciplina, e aí que
o temaa realização de um
a ser escolhido,
estudodesobre
além determinado
ser relevante, deve tema
poderé ser impossível
132
estudado dentro
num do prazo
prazo, via previsto,
de regra,
também não
bastante curto.resta
Emmais tempo
regiões ondepara se realizar
os recursos bem outro estudo,
bibliográficos sobre
são escassos,
qualquer
tenho outro
visto tema.
bons temas serem escolhidos e abandonados depois, ou
darem Paraorigem a trabalhos
evitar este muito fracos,
tipo de situação, tenho por falta de material
recomendado que, para teórico.
a reali-
Além disso, pesquisas
zação destas normalmente quandoossealunos
acadêmicas, descobreusemque a realização inverso:
o procedimento de um
estudo
a partir sobre
de camposdeterminado tema (como,
muito amplos é impossível dentro psicologia
por exemplo, do prazo do previsto,
desen-
também não resta mais tempo para se realizar
volvimento ou sociedade) realizem primeiramente um levantamento bem outro estudo, sobre
do
qualquer outro tema.
material disponível, e que a partir daí se selecione, dentre os temas possí-
veis, Para
aquele evitar
que este
for otipo
maisdeinteressante.
situação, tenho recomendado que, para a reali-
zaçãoÉ destas
claro que este procedimentoosnão
pesquisas acadêmicas, alunos usem adequado
é o mais o procedimento inverso:
para trabalhos
adepartir
maior fôlego, como dissertações de mestrado ou de conclusão de desen-
de campos muito amplos (como, por exemplo, psicologia do cursos
volvimento ou sociedade)
de especialização, ou mesmorealizem primeiramente
para pesquisas um levantamento
cujos objetivos não sejam pri- do
material
mordialmentedisponível, e queNestes
didáticos. a partir daí ese naqueles
casos, selecione,em dentre
que osjá temas
se tempossí-
uma
área aquele
veis, definidaque de for
interesse
o mais ou prazos mais longos, deve se partir da escolha
interessante.
de um tema que
É claro para este
a seleção do material.
procedimento não é o mais adequado para trabalhos
Nas pesquisas
de maior fôlego, como acadêmicas
dissertaçõesem dequemestrado
se adoteouo de procedimento
conclusão deinverso,
cursos
como sugerimos, isso
de especialização, ou não
mesmoelimina
paraa pesquisas
busca de um cujosenriquecimento
objetivos não do materi-
sejam pri-
al teórico, mesmo
mordialmente após a Nestes
didáticos. escolha casos,
do tema. e naqueles em que já se tem uma
área Como
definidaauxiliar na escolha
de interesse do tema,
ou prazos maisvocê deve também
longos, consultar
deve se partir a obra
da escolha
de umCastro (1977).
tema para a seleção do material.
Qualquer
Nas pesquisas que tenha sido o em
acadêmicas procedimento
que se adote adotado, uma vez definido
o procedimento inverso,o
assunto que você isso
como sugerimos, vai pesquisar,
não eliminaduas partesdedevem
a busca ficar claras, tanto
um enriquecimento para o
do materi-
autor quanto
al teórico, mesmopara após
o futuro leitor.do tema.
a escolha
Como auxiliar na escolha do tema, você deve também consultar a obra
de Castro
C A R (1977).
ACTERIZAÇÃO DO TEMA
Qualquer que tenha sido o procedimento adotado, uma vez definido o
assuntoAntesquedevocê vai pesquisar,
dar qualquer passoduas partes de
no estudo devem ficar claras,
um assunto, tanto para
é preciso que seo
autor quanto para o futuro leitor.
“reúna” algumas informações preliminares sobre o mesmo, como por exem-
plo: o que é, em linhas gerais este assunto? Quais as informações mais di-
CARACTERIZAÇÃO DO TEMA
133
Antes de dar qualquer passo no estudo de um assunto, é preciso que se
“reúna” algumas informações preliminares sobre o mesmo, como por exem-
plo: o que é, em linhas gerais este assunto? Quais as informações mais di-
Como auxiliar na escolha do tema, você deve também consultar a obra
de Castro (1977).
Qualquer que tenha sido o procedimento adotado, uma vez definido o
assunto que você vai pesquisar, duas partes devem ficar claras, tanto para o
A P E S para
autor quanto Q U I SoAfuturo
P A R Aleitor.
A O B T E N Ç Ã O D E C O N H E C I M E N T O S
fundidas
C A Re Aaceitas
C T E Rsobre
I Z A oÇ mesmo,
ÃO DO ou Tquais
E M as A questões mais polêmicas que
se têm levantado a seu respeito?
Essas
Antes informações
de dar qualquer preliminares
passo no estudo vão servir de um posteriormente
assunto, é preciso comoque por-se
ta de Aentrada para o leitor.A No
A Omomento
“reúna” algumas informações preliminares sobre o mesmo, como por exem-
P E S Q U I S A P A R B T E N Ç Ã da
O D elaboração
E C O N H E do
C I Mprojeto
E N T O ser-
S
vem
plo: opara
que é,aclarar
em linhas o quantogerais este o próprio
assunto?autor Quaissabe sobre o assunto
as informações mais di-e
ajudam
fundidasaedirecionar
aceitas sobre a relação
o mesmo, e asou consultas
quais asao materialmais
questões bibliográfico.
polêmicas que
se têm levantado a seu respeito? 133
Essas
J U S Tinformações
I F I C A T I Vpreliminares
AS S O C Ivão A I Sservir E posteriormente
C I E N T Í F I C como A S por-
DO
ta deE Sentrada
TUDO DO TEMA para o leitor. No momento da elaboração do projeto ser-
vem para aclarar o quanto o próprio autor sabe sobre o assunto e
ajudamEstaaédirecionar
a parte onde a relação
devem eficar as consultas
claras as razõesao material pelas bibliográfico.
quais se escolheu
trabalhar com determinado tema. Essas razões podem estar situadas tanto
antesJ UdaS Trealização
I F I C A T da I V Apesquisa
S S O (antecedentes
CIAIS E que C I E contribuíram
N T Í F I C A S para D Oa
escolha), quanto
ESTUDO DO TEMA durante ou após a realização da mesma (efeito que se
pretende que a pesquisa produza), mas o ideal é que os dois tipos de razões
se somem.
Esta é a parte onde devem ficar claras as razões pelas quais se escolheu
Em situações
trabalhar que exijamtema.
com determinado a realização de umapodem
Essas razões pesquisa, estarmas que deixam
situadas tanto
para
antes odapesquisador
realização adaescolha pesquisa do tema e a elaboração
(antecedentes do projeto, justificar
que contribuíram para a
essa escolha
escolha), através
quanto de perguntas
durante ou apósdoa tipo “e por que
realização da mesmanão esse?”,
(efeitoou mesmo
que se
dizer,
pretende que a pesquisa produza), mas o ideal é que os dois tipos deque
ainda que de forma sofisticada, que a pesquisa tinha mesmo ser
razões
feita e pronto, além de evidenciar desinteresse pela realização da pesquisa,
se somem.
ou no Emmínimo,
situaçõespela que escolha
exijam adorealização
tema, ainda de uma porpesquisa,
cima nãomas contribui
que deixam em
nada para esclarecer porque foi esse, e não
para o pesquisador a escolha do tema e a elaboração do projeto, justificar outro qualquer, o assunto
escolhido,
essa escolha e qual o valor
através potencial do
de perguntas do seu
tipoestudo.
“e por que não esse?”, ou mesmo
dizer, ainda que de forma sofisticada, que os
A colocação, de forma clara, de quais efeitos que
a pesquisa se pretende
tinha mesmo que atingir
ser
com
feita ae pronto,
pesquisaalém é umdeponto fundamental
evidenciar desinteresse para pela que realização
o próprio da pesquisador
pesquisa,
possa
ou noavaliar
mínimo, o andamento
pela escolha da mesma.
do tema, ainda por cima não contribui em
Aliás, cabe aqui um
nada para esclarecer porque foi esse, comentário complementar:
e não outrocomo você jáo deve
qualquer, assuntoter
percebido,
escolhido, eé qual importante
o valor ir registrando
potencial do seu cada uma das decisões tomadas, e as
estudo.
razões para essas de
A colocação, escolhas, na medida
forma clara, de quais em os queefeitos
elas ocorrerem.
que se pretende O armazena-
atingir
mento
com a dessas
pesquisa informações
é um ponto apenas na memória
fundamental parafaz quecom que elaspesquisador
o próprio se percam,
possa
ou avaliar ocom
se alterem andamento
o passardadomesma. tempo, sem que o autor perceba essa altera-
ção. Aliás,
Lembre-se cabe queaquia um comentário
mudança de umcomplementar:
termo, dentro como de umavocê já devepode
pesquisa, ter
percebido, érumos
determinar importante
totalmenteir registrando
diferentescada parauma das decisões
o andamento da tomadas,
mesma. Espe-e as
razões paraemessas
cialmente escolhas,
trabalhos na medida
realizados em queaelas
em equipe, faltaocorrerem.
de registros O por
armazena-
escrito
mento dessas informações apenas na memória faz com que elas se percam,
ou se alterem com o passar do tempo, sem que o autor perceba essa altera-
134
ção. Lembre-se que a mudança de um termo, dentro de uma pesquisa, pode
determinar rumos totalmente diferentes para o andamento da mesma. Espe-
cialmente em trabalhos realizados em equipe, a falta de registros por escrito
com a pesquisa é um ponto fundamental para que o próprio pesquisador
possa avaliar o andamento da mesma.
Aliás, cabe aqui um comentário complementar: como você já deve ter
percebido, é importante ir registrando cada uma das decisões tomadas, e as
O OLHAR NO ESPELHO
razões para essas escolhas, na medida em que elas ocorrerem. O armazena-
mento dessas informações apenas na memória faz com que elas se percam,
ou segravados
alterem temcom produzido
o passar doefeitos
tempo,altamente
sem que odesastrosos.
autor perceba Nãoessa
confie na
altera-
memória
ção. Lembre-se−escreva.
que a mudança de um termo, dentro de uma pesquisa, pode
O OLHAR NO ESPELHO
Voltando
determinar a falar
rumos do tema: diferentes
totalmente às vezes, aparaprópria caracterização
o andamento do tema
da mesma. Espe-já
traz em síem
cialmente algumas
trabalhos razões para oem
realizados seuequipe,
estudo.a falta
Mesmo no relatório
de registros por final,
escritoo
tema escolhido
ou gravados teme produzido
as razões dessa efeitosescolha
altamente não desastrosos.
têm, necessariamente,
Não confieque na
aparecer em
memória −escreva. ítens ou sub-ítens separados. É importante, porém, que se
saibaVoltando
claramente o que se quer estudar
134 e porque se deseja fazê-lo.
a falar do tema: às vezes, a própria caracterização do tema já Isto deve
ficar
traz emclarosí tanto
algumaspararazões
o leitorpara
quanto
o seupara o próprio
estudo. Mesmo autor.
no relatório final, o
temaNaescolhido
medida em e asquerazões
postulamos
dessa uma
escolhafunção
não social
têm, para a ciência, nãoque
necessariamente, há
como,
aparecer normalmente,
em ítens ou separar as justificativas
sub-ítens separados. sociais das científicas
É importante, porém, dentro
que de se
saiba proposta
uma claramente de opesquisa.
que se quer estudarum
Adotamos e porque
nome tão se deseja
extensofazê-lo. Isto deve
para este sub-
ficar claro
ítem apenastantoparapara o leitor
lembrar uma quanto paraque
vez mais o próprio
a práticaautor.
da ciência pela ciên-
cia eNaparamedida em que
a ciência é uma postulamos
aberração.uma função social para a ciência, não há
como, Muito bem, estabelecido
normalmente, separar aso justificativas
tema, o que sociais
devemos dasfazer? Saberdentro
científicas mais so-
de
bre o mesmo. Aí é que entra nosso próximo passo.
uma proposta de pesquisa. Adotamos um nome tão extenso para este sub-
ítem apenas para lembrar uma vez mais que a prática da ciência pela ciên-
cia e para a ciência é uma aberração.
A FMuitoU N Dbem,A M estabelecido
E N T A Ç ÃoOtema, T E oÓ que
R I Cdevemos
A fazer? Saber mais so-
bre o mesmo. Aí é que entra nosso próximo passo.
Esta é a fase da pesquisa na qual você vai aprofundar os conhecimentos
teóricos sobre o tema, tomar conhecimento, com detalhes, das várias posi-
çõesF existentes
A U N D A Msobre E N To Amesmo,
Ç Ã O levantar
T E Ó RosI Cpontos
A de concordância e dis-
cordância entre essas várias posições, confrontar as colocações de vários
autores
Estaentre sí e,dacom
é a fase suas próprias
pesquisa conclusões,
na qual você tentar descobrir
vai aprofundar e enten-
os conhecimentos
der os determinantes e as conseqüências de cada uma
teóricos sobre o tema, tomar conhecimento, com detalhes, das várias posi- destas posturas. En-
fim, vai tentar estabelecer a base teórica para a continuação
ções existentes sobre o mesmo, levantar os pontos de concordância e dis- do seu projeto.
É justamente
cordância entre essasaqui,várias
ou através desta
posições, parte, que
confrontar as se separa a de
colocações pesquisa
vários
científica
autores entre de umasí e,pesquisa
com suasbaseadaprópriasnoconclusões,
senso comum, tentaroudescobrir
de uma atividade
e enten-
de
derlevantamento
os determinantes de dados pura e simplesde
e as conseqüências (tipo
cadaIbope
uma ou similares).
destas posturas. En-
fim, vai tentar estabelecer a base teórica para a continuação do seutodos
Já vimos que colher informações faz parte do dia-a-dia de nós;
projeto.
pensar sobre elas também. No entanto, tentar reunir
É justamente aqui, ou através desta parte, que se separa a pesquisa essas informações de
forma a poder obter conhecimentos cada vez mais
científica de uma pesquisa baseada no senso comum, ou de uma atividade amplos e gerais, aplicá-
veislevantamento
de de forma cada de vez
dadosmaispura
específica
e simples e profunda,
(tipo Ibope só ou
é possível através do
similares).
conhecimento
Já vimos que teórico. Porinformações
colher exemplo: podemos
faz parte perceber, sem grandes
do dia-a-dia de todos dificul-
nós;
dades,
pensar quando,
sobre elas numa empresa,
também. os funcionários
No entanto, se acham
tentar reunir essasmais dispostosdea
informações
deflagrar
forma a poder um processo de greve. No entanto,
obter conhecimentos cada vezdificilmente
mais amplos compreenderemos
e gerais, aplicá-
veis de forma cada vez mais específica e profunda, só é possível através do
conhecimento teórico. Por exemplo: podemos perceber, sem grandes dificul-
135
dades, quando, numa empresa, os funcionários se acham mais dispostos a
deflagrar um processo de greve. No entanto, dificilmente compreenderemos
científica de uma pesquisa baseada no senso comum, ou de uma atividade
de levantamento de dados pura e simples (tipo Ibope ou similares).
Já vimos que colher informações faz parte do dia-a-dia de todos nós;
pensar sobre elas também. No entanto, tentar reunir essas informações de
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
forma a poder obter conhecimentos cada vez mais amplos e gerais, aplicá-
veis de forma cada vez mais específica e profunda, só é possível através do
aconhecimento
existência deteórico.
greves Por e osexemplo:
rumos podemos
daquela greve,
perceber,especificamente, se não
sem grandes dificul-
dades,Aquando,
dispusermos denuma
toda empresa,
uma sérieos de conhecimentos que mais
dificilmente
dispostosnosa
P E S Q U I S A P A R A A O B T E N Ç Ã O D E C O N H E C I M E N T O S
funcionários se acham
podem
deflagrarserum fornecidos
processopelos próprios
de greve. participantes
No entanto, do movimento.
dificilmente compreenderemos
Como se vê, a coleta de novos dados faz
a existência de greves e os rumos daquela greve, especificamente, parte da pesquisa científica;
se não
no
dispusermos de toda uma série de conhecimentos que dificilmente nosé
entanto, esta não se esgota aí. A compreensão desses dados também
necessária, e via de regra,
podem ser fornecidos pelosnão pode 135
próprios ser obtida através
participantes dos próprios dados.
do movimento.
Por Como
isso, por se mais
vê, a que
coleta possa parecer,
de novos a exigência
dados faz partededauma boa fundamen-
pesquisa científica;
tação teóricaesta
no entanto, nãonãoé, se
necessariamente, uma manifestação
esgota aí. A compreensão desses dadosdo sadismo
tambémdoé
professor
necessária,dae disciplina,
via de regra, ou não
do orientador da pesquisa.
pode ser obtida através dos próprios dados.
Por isso, por mais que possa parecer, a exigência deboa
O que se deve fazer, então, para conseguir uma umafundamentação
boa fundamen- te-
tação teórica
órica? Basicamente não é,ler,necessariamente,
depois pensar sobre umao manifestação
assunto e, pordo sadismo
último, do
organi-
professor
zar da disciplina,assim
os conhecimentos ou do orientador
obtidos. Fácil, da
nãopesquisa.
é?
Vamos
O que se verdeve
comfazer,
vagarentão,
cada umaparadestas fases.uma boa fundamentação te-
conseguir
órica? Basicamente ler, depois pensar sobre você
Antes de mais nada, é preciso que relacione
o assunto e, poroúltimo,
material que
organi-
vai serconhecimentos
zar os lido. Neste material podem Fácil,
assim obtidos. estar não
incluídos
é? livros, artigos, repor-
tagens,
Vamos tesesveretc.
comNão vagarse cada
esqueçaumadedestas
que fases.
embora os livros normalmente
tragamAntes abordagens
de mais nada, mais profundas
é preciso que sobrevocêo tema,
relacioneas outras fontesque
o material de
informações também têm seus méritos, se você souber
vai ser lido. Neste material podem estar incluídos livros, artigos, repor- utilizá-las. Pro-
cure
tagens,verificar
teses etc.também
Não seseesqueçajá existem
de quetrabalhos
embora os feitos sobre
livros o mesmo
normalmente
assunto
tragam abordagens mais profundas sobre o tema, as outras fontesque
por colegas seus, e lembre-se que as listas bibliográficas de
normalmente
informações também acompanham têm seus trabalhos
méritos, científicos podem utilizá-las.
se você souber ser de grande Pro-
ajuda para a seleção
cure verificar também da suase jábibliografia.
existem trabalhos feitos sobre o mesmo
Agora,
assunto porcuidado
colegascom a qualidade
seus, e lembre-se do material
que asque vocêbibliográficas
listas vai consultar.que Há
vários tipos de material que devem ser evitados.
normalmente acompanham trabalhos científicos podem ser de grande Vamos ver alguns.
ajudaa) para
Enciclopédias
a seleção edadicionários comuns. Via de regra, as enciclopédias
sua bibliografia.
são Agora,
elaboradas cuidado com a qualidade um
tendo-se em vista público que
do material leigo,vocêe por sua própria
vai consultar. Há
extensão,
vários tiposnão podem tratar
de material que devem nenhum assunto Vamos
ser evitados. de forma mais profunda,
ver alguns.
nema)muito atualizada.e dicionários
Enciclopédias Por essa razão, comuns.normalmente,
Via de regra, as informações
as enciclopédiasque
se
sãopode obter a tendo-se
elaboradas partir delas emtêm umum
vista nível de superficialidade
público leigo, e por que sua asprópria
torna
inadequadas
extensão, nãoaopodem meio científico.
tratar nenhum A mesma coisadeseforma
assunto pode mais
dizer profunda,
sobre os
dicionários comuns. As definições dadas por estas
nem muito atualizada. Por essa razão, normalmente, as informações obras aos termos sãoqueas
definições do uso corrente da língua, não as da linguagem
se pode obter a partir delas têm um nível de superficialidade que as torna técnica. É claro
que essa afirmação
inadequadas ao meionão se aplicaA aos
científico. mesma dicionários
coisa setécnicos,
pode dizer que,sobre
mesmo os
assim, devem
dicionários ser usados
comuns. com reserva.
As definições dadasExistem,
por estascontudo,
obras aos dicionários
termos sãoelabo-as
rados por equipes
definições que incluem
do uso corrente especialistas
da língua, não as em da cada assunto,
linguagem que têm
técnica. um
É claro
grau de confiabilidade
que essa afirmação não bem se maior,
aplica eaos dicionários
dicionários específicos
técnicos,deque, determina-
mesmo
assim, devem ser usados com reserva. Existem, contudo, dicionários elabo-
rados por equipes que incluem especialistas em cada assunto, que têm um
grau de confiabilidade bem maior, e136 dicionários específicos de determina-
136
se pode obter a partir delas têm um nível de superficialidade que as torna
inadequadas ao meio científico. A mesma coisa se pode dizer sobre os
dicionários comuns. As definições dadas por estas obras aos termos são as
definições do uso corrente da língua, não as da linguagem técnica. É claro
O OLHAR NO ESPELHO
que essa afirmação não se aplica aos dicionários técnicos, que, mesmo
assim, devem ser usados com reserva. Existem, contudo, dicionários elabo-
rados por equipes
das áreas queO incluem
do conhecimento O L HqueA especialistas
R são
N Oexcelentes
E S PemE Lcada
H O assunto,
pontos que têm
de partida parauma
grau de confiabilidade
compreensão de algunsbem maior, e dicionários específicos de determina-
conceitos.
das b) Instrumentos
áreas do conhecimentode divulgação
que sãodoutrinária. Incluo neste
excelentes pontos tópicopara
de partida tantoa
revistas e jornais religiosos,
compreensão de alguns conceitos. quanto publicações ligadas a partidos políti-
cos ou outros gruposdee divulgação
b) Instrumentos que tenham136 como função
doutrinária. principal
Incluo neste atópico
divulgação
tanto
das idéias destes organismos. De forma geral, devem
revistas e jornais religiosos, quanto publicações ligadas a partidos políti- ser evitadas obras
panfletárias.
cos ou outrosChamo gruposdee que obrastenham
panfletárias todas aquelas
como função principalque procuram
a divulgação
prescrever determinadas
das idéias destes organismos.formas Dedeformaação, geral,
a partir de pontos
devem de vistaobras
ser evitadas não
discutidos e/ou não discutíveis, já que partem de
panfletárias. Chamo de obras panfletárias todas aquelas que procuram pressupostos inquestio-
nados.
prescrever determinadas formas de ação, a partir de pontos de vista não
Procuree/ou
discutidos nãonãotomar essas obras
discutíveis, comopartem
já que embasamento, e evite colocar,
de pressupostos inquestio-em
suas
nados. próprias formulações, afirmações que se pretendam evidentes por si
próprias,
Procure ou nãotão tomar
óbviasessas
que obras
são inquestionáveis.
como embasamento, Neste ecaso,
evite você estaria
colocar, em
caindo tambémformulações,
suas próprias numa linguagem panfletária,
afirmações que seque é contrária,
pretendam ao menos
evidentes porem si
princípio, ao espírito crítico da ciência.
próprias, ou tão óbvias que são inquestionáveis. Neste caso, você estaria
c) Meios
caindo também de numa
divulgação e artigos
linguagem anônimos.que
panfletária, Aoéprocurar
contrária,reportagens
ao menos em em
jornais e revistas não especializadas,
princípio, ao espírito crítico da ciência. procure relacionar publicações que
primem pela de
c) Meios seriedade
divulgação e pela qualidade
e artigos das matérias
anônimos. Ao procurarque veiculam;
reportagens enfim,
em
que mereçam
jornais e revistas credibilidade. À primeira
não especializadas, vista, relacionar
procure este critério pode parecer
publicações que
muito
primemsubjetivo, mas basta
pela seriedade e pelaacompanhar
qualidade das um matérias
pouco essas que publicações
veiculam; enfim,para
que o critério se torne bastante seguro. Todos nós
que mereçam credibilidade. À primeira vista, este critério pode parecer conhecemos alguns jor-
nais especialmente preocupados em mostrar sangue,
muito subjetivo, mas basta acompanhar um pouco essas publicações para ou em defender ferre-
nhamente
que o critériodeterminadas posições;seguro.
se torne bastante ou aquelas
Todosrevistas próprias para
nós conhecemos algunsse jor-
ler
em salas de espera e barbearias, ou aquelas outras
nais especialmente preocupados em mostrar sangue, ou em defender ferre- que os adolescentes
adoram,
nhamentenãodeterminadas
é mesmo? posições; ou aquelas revistas próprias para se ler
Mesmodeassim,
em salas esperaeme casos de artigos
barbearias, assinados,
ou aquelas outrasainda
queé possível, com o
os adolescentes
devido cuidado,
adoram, não é mesmo? se aproveitar alguma coisa, mesmo em órgãos pouco reco-
mendáveis.
Mesmo assim, em casos de artigos assinados, ainda é possível, com o
d) cuidado,
devido Literaturasepseudocientífica.
aproveitar alguma Temcoisa,
havido nos últimos
mesmo em órgãos anospouco
uma reco-
inva-
são, nas
mendáveis. livrarias, de obras que, sob uma aparência de ciência, escondem
teorias ocas e absurdas,
d) Literatura despidas de
pseudocientífica. Tem qualquer
havido preocupação
nos últimos anos com umasua com-
inva-
provação e, a meudever,
são, nas livrarias, obras semque,qualquer
sob uma validade.
aparênciaEstesde livros primam
ciência, escondempor
apresentar títulos bombásticos (e altamente atraentes,
teorias ocas e absurdas, despidas de qualquer preocupação com sua com- sob o ponto de vista
comercial)
provação e,tais a como Liberte
meu ver, semsua dinamitevalidade.
qualquer interior Estes
ou O livros
métodoprimam
infalívelporde
controle mental absoluto etc. Procure verificar o embasamento
apresentar títulos bombásticos (e altamente atraentes, sob o ponto de vista destas obras
comercial) tais como Liberte sua dinamite interior ou O método infalível de
controle mental absoluto etc. Procure verificar o embasamento destas obras
137
137
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
138
O OLHAR NO ESPELHO
que, após a leitura de cada texto, você tenha, além de uma boa com-
preensão, uma listagem dos pontos mais importantes do mesmo.
Mesmo durante as leituras, procure anotar as dúvidas que os autores
despertam em você, os problemas ou questões que não são respondidos
pelas teorias, os pontos em que dois ou mais autores divergem ou concor-
dam. Procure detectar as influências de uma teoria sobre a outra, discuta
essas e outras questões com seu orientador; enfim, procure conhecer bem o
assunto.
Aí vem a hora da organização do material teórico.
Por favor, não caia no comodismo de simplesmente elaborar um resu-
mo de cada obra consultada e anexá-los uns aos outros, acreditando que
isso se tornará um trabalho científico. Se o trabalho estiver sendo feito em
equipe, também não tente dividir o material de forma que cada um leia um
pouco, para em seguida agrupar os resumos. Normalmente o que resulta
desse tipo de procedimentos são inúteis colchas de retalhos, totalmente sem
seqüência, e muitas vezes contraditórias.
Em algumas áreas da ciência se usa apresentar uma seqüência das
evidências teóricas mais importantes primeiro, ou seja, uma coleção de
citações referentes ao assunto, ligadas por brevíssimos comentários do
autor do trabalho e, em seguida, uma parte só dele, em que faz a análise,
organização e a síntese de todas aquelas informações. Este modelo me
parece pouco adequado para a nossa área, em que os dados têm uma
natureza muito pouco precisa, sendo, portanto, muito mais discutíveis.
Penso que é mais adequado que você procure organizar seus dados a
partir das informações mais simples sobre o assunto (definições, comentá-
rios iniciais), até chegar aos aspectos mais específicos e às discussões mais
profundas, utilizando os comentários e posições dos autores lidos, à medida
que eles se enquadrarem no texto.
Lembre-se que você está se colocando como autor do seu trabalho, e
não apenas como colecionador (organizando e armazenando informações),
ou digitador (transcrevendo as mesmas). Você pode −e deve −servir-se dos
trabalhos de outros autores também, mas é indispensável que você participe
ativamente na elaboração e redação do texto. Suas idéias, dúvidas e contri-
buições são imprescindíveis.
Ao final da elaboração de sua fundamentação, você deve ser capaz não
apenas de conhecer ou de reconhecer algumas das frases que os autores
139
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
140
O OLHAR NO ESPELHO
141
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
142
O OLHAR NO ESPELHO
O PROBLEMA DA PESQUISA
143
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
tenha que adotar como campo inicial de sua pesquisa um tema mais
amplo. Uma vez adotado o tema, você já conhece os procedimentos.
Dito de outra forma: mesmo que o ponto inicial de sua pesquisa seja
uma questão específica, aja como se você estivesse partindo de um tema,
reflita sobre ele, elabore a fundamentação teórica sobre o assunto escolhido
e aí, sim, você estará em condições de pensar sobre a validade do estudo do
problema proposto.
Normalmente, uma boa fundamentação teórica sugere vários pro-
blemas importantes e possíveis de se investigar, dentro de um mesmo
tema. Com muita freqüência, isto tem levado pesquisadores iniciantes a
cair em duas posições extremas: ou optarem pela investigação de um
problema específico e se frustrarem por considerar o âmbito de sua
pesquisa muito restrito, ou se lançarem a investigar uma vasta gama de
questões, e acabar não investigando nada, por falta de recursos materi-
ais, humanos, de tempo e metodológicos para atingir todos os seus
objetivos. Isto também causa frustração, além de trazer outras conse-
qüências.
Procure se lembrar que a imensa soma dos conhecimentos científicos é
constituída por pequenas e pequenas contribuições. Neste caso, a humildade
é melhor do que a megalomania.
Isto quer dizer que você deve fazer a menor pesquisa possível? Tam-
bém não.
Para a seleção do problema devem ser utilizados os mesmos critérios
sugeridos para a escolha do tema por Castro (1977): a originalidade, a im-
portância e a viabilidade. Pense bem sobre cada um desses critérios, antes
de definir a questão central de sua pesquisa, e procure um problema que
tenha o máximo dos dois primeiros itens, sem deixar de ter o último.
Para isto, é necessário que você repita aqui dois procedimentos seme-
lhantes aos que recomendamos para o tema.
CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Esta é a parte onde você deve procurar deixar claros os limites e a pro-
fundidade da questão a ser investigada. Normalmente, isto exige uma breve
144
O OLHAR NO ESPELHO
AS HIPÓTESES
Uma hipótese é uma resposta provável e provisória ao problema. Essa
resposta é elaborada pelos autores da pesquisa a partir da fundamentação
teórica, e deve representar, entre as várias respostas possíveis de serem
dadas ao problema, aquela que tem maior possibilidade de refletir a realida-
de que se deseja estudar. A escolha de uma hipótese, portanto, não é um
exercício de adivinhação, ou um teste para a capacidade de imaginação do
cientista.
Mas para que serve uma hipótese? Toda pesquisa tem hipóteses, ou e-
xistem pesquisas sem elas?
Para estas perguntas, temos antes que falar de um outro assunto: o
contexto da pesquisa.
Dependendo do assunto que se está pretendendo conhecer, podemos
ter dois tipos diferentes de pesquisa. Se estamos tratando de um assunto
novo, sobre o qual há pouco ou nenhum dado disponível (uma teoria re-
cém-criada, uma população ainda não estudada etc.) nosso trabalho enquan-
to pesquisador será, antes de mais nada, o de colecionar informações a
respeito do assunto. Uma pesquisa, nesta situação, deve procurar descobrir
as características peculiares do objeto estudado, para tornar possível, após
145
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
obtidos estes dados, relacioná-los com outros estudos e outras teorias. Esta
pesquisa é realizada, portanto, num contexto de descoberta.
Ora, se estamos nos aproximando de uma realidade pouco conhecida, e
visando descobrir suas particularidades, não dispomos de elementos que nos
permitam elaborar hipóteses, e hipóteses elaboradas sem fundamentos, além
de serem de pouca utilidade, ainda podem servir para enviesar o nosso
trabalho, como veremos adiante.
Por outro lado, se estamos trabalhando dentro de um campo mais co-
nhecido, sobre o qual já se dispõe de uma quantidade razoável de informações,
podemos verificar se um dado já detectado em uma outra população é válido
para esta, ou se uma idéia, resultante da união de dois ou mais estudos anterio-
res, corresponde ao que ocorre na prática. Podemos, em outras palavras, tentar
verificar numa realidade já conhecida, a existência ou não de um fenômeno e
suas relações com os demais. O contexto desta pesquisa, portanto, é o da verifi-
cação de uma ou mais idéias.
Quando uma pesquisa for realizada num contexto de verificação, a ação
do cientista será justamente a de investigar se uma hipótese, sugerida por
outros trabalhos, é válida para uma dada realidade. Neste contexto, é conve-
niente a elaboração da hipótese.
Dentro de um projeto de pesquisa, a hipótese (ou as hipóteses, se for o
caso) serve para delimitar ainda mais o problema, a partir da fundamenta-
ção teórica que se elaborou, tendo como base o tema.
Fiz questão de incluir esta frase toda aí, para estabelecer um primeiro
ponto importante sobre a hipótese: como você já deve ter percebido, cada
uma das partes componentes de um projeto de pesquisa tem uma íntima
ligação com as demais, e só se pode fazer uma avaliação do seu valor a
partir de sua coerência com o todo. Assim, não é difícil que, à medida que
você for avançando na elaboração do projeto, surjam dúvidas sobre pontos
decididos anteriormente, que podem, eventualmente, implicar a reformula-
ção ou a complementação desses pontos.
A partir disso, lembre-se que a hipótese é uma resposta que se supõe
ser a mais adequada à pergunta que é o problema; deve ser elaborada a
partir das informações contidas na fundamentação e ser coerente com am-
bos.
146
O OLHAR NO ESPELHO
147
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
148
O OLHAR NO ESPELHO
rar, e onde elas podem ser buscadas? Você vai trabalhar com novos dados
bibliográficos, vai buscar registros em arquivos, em outras fontes de infor-
mação ou vai trabalhar com pessoas? Se for este o caso, o que você vai
procurar obter: comportamentos, depoimentos, memórias, opiniões, percep-
ções, atitudes, motivações, crenças, definições, representações? Convém você
rememorar as diferenças entre estes termos. É possível trabalhar seus dados
de forma quantitativa, ou eles só podem ser analisados qualitativamente?
Estes elementos são fundamentais para as partes que vêm a seguir.
PROCEDIMENTOS E MÉTODOS
A elaboração dos procedimentos decorre da escolha dos objetivos; isto
é, só agora, que você sabe o que pretende investigar, é que pode decidir
como fazê-lo.
A seguir, vamos apresentar uma lista de itens para auxiliá-lo na ela-
boração de seu planejamento. No entanto, como cada pesquisa tem caracte-
rísticas próprias, lembre-se que, eventualmente em seu projeto, alguns
destes itens podem não aparecer, ou pode ser conveniente incluir algum ou-
tro aspecto que não tenha sido sugerido aqui.
Para facilitar nossa exposição, apresentamos uma subdivisão minuciosa
dos vários itens e sub-ítens. Isto não significa que eles devam ser tratados
de forma isolada, já que são inter-relacionados, e nem é necessário que no
seu relatório eles apareçam separados e codificados da mesma forma como
estão aqui. É mais elegante escrever de forma cursiva, e assim a leitura se
torna mais fácil e agradável.
PROCEDIMENTOS GERAIS
Inicialmente procure ter claros os vários passos que devem ser segui-
dos, de agora em diante, para alcançar os objetivos propostos pela pesquisa.
Reflita sobre quais são as informações que necessitará obter, onde elas po-
derão ser obtidas e de que forma se pode fazer isto. Discuta os pontos
favoráveis e desfavoráveis de cada alternativa que surgir, de modo que suas
escolhas não sejam feitas ao acaso, nem por qualquer outro critério que não
seja a eficiência do procedimento para o andamento da pesquisa.
149
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
É claro que nesta busca de eficiência você não deve e nem pode ignorar
os aspectos éticos e humanos de suas ações.
Uma vez que já saiba como obter as informações necessárias, procure
planejar a forma como essas informações vão ser trabalhadas, ou seja, o que
você vai fazer com os dados que recolher, como vai agrupá-los e analisá-los.
Dependendo da pesquisa que se esteja realizando, nem sempre este úl-
timo planejamento pode ser feito com precisão. É o caso, por exemplo, das
pesquisas exploratórias. De qualquer forma, procure prever com a maior
precisão possível o andamento futuro da pesquisa. Este planejamento pode
evitar que você tenha surpresas desagradáveis, tais como descobrir, na últi-
ma hora, que a pesquisa não pode ser concluída por falta de tempo, ou que
não é possível obter os dados necessários da forma como foi planejado.
Uma vez elaborada essa discussão sobre os procedimentos gerais e
suas razões, convém detalhar cada passo. Você vai perceber que a ordem
de elaboração desses passos não é, necessariamente, a que apresentamos
aqui, e que pode ser necessário rever as partes iniciais do planejamento,
em função de problemas que surjam mais adiante.
Tanto nesta parte quanto nas seguintes há duas questões que não po-
dem, de forma alguma, ser esquecidas: a) a informação que você está bus-
cando é necessária e suficiente para se obter uma reposta satisfatória para o
problema da pesquisa? b) a forma como você vai buscar essas informações
é a mais adequada para isto?
Se você vai coletar seus dados a partir de contatos com pessoas, é ne-
cessário saber qual é o grupo que pretende investigar e por que deseja fazê-
lo. Mesmo que o seu interesse seja o de obter conhecimentos sobre pessoas,
dentro das ciências sociais é possível que você atinja seus objetivos sem
lidar diretamente com elas. É o caso das pesquisas documentais e de alguns
estudos envolvendo animais. Em qualquer destes casos, é necessário que
você delimite e descreva o grupo ou o campo dentro do qual pretende rea-
lizar suas investigações. Essa escolha delimitará o alcance de sua pesquisa, e
pode ser trabalhada em dois níveis.
150
O OLHAR NO ESPELHO
CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO
É a descrição do grupo total a ser atingido pela pesquisa. Aqui você de-
ve deixar claro qual é e como é a população ou o campo que deseja investi-
gar. Procure relacionar os aspectos que identificam um elemento como
membro deste universo, e que o diferenciam dos membros de outros gru-
pos.
Para selecionar quais são os aspectos mais importantes, tome o pro-
blema como base. Por exemplo, se você quer investigar alguma coisa sobre
os jovens, o aspecto fundamental será a idade; se o seu trabalho é sobre
imigrantes, o local de nascimento poderá ser o mais importante.
SELEÇÃO DA AMOSTRA
O tamanho do universo, a escassez de tempo, ou a complexidade da
pesquisa são fatores que podem determinar a necessidade de que os dados
sejam coletados em uma parte do grupo a ser pesquisado, e não no seu
todo. Nestes casos, você deve estabelecer critérios para selecionar uma a-
mostra.
Quando se fala em amostra, normalmente as perguntas que surgem
são: “quantos elementos eu devo ter para a amostra ser significativa?”, ou
“qual porcentagem é suficiente?”. Os manuais de pesquisa mais presos aos
métodos quantitativos sugerem porcentagens que variam de acordo com o
tamanho do universo. Já os métodos menos formais preferem se prender
mais a aspectos qualitativos, sem tanta preocupação com a proporção da
amostra.
No caso das pesquisas didáticas, os fatores limitantes costumam ser
tantos que dificilmente se pode ter uma amostra muito extensa. De qual-
quer forma, é importante que os membros da amostra sejam típicos e re-
presentativos do universo.
Quando houver uma ou mais características que justifiquem a divisão
do universo em subgrupos, a amostra deverá conter membros de cada um
deles. É o que chamamos amostra estratificada.
Tenho visto muitos projetos de pesquisa em que se diz “a amostra será
escolhida aleatoriamente”, sem maiores explicações. Precisamos falar um
pouco sobre isto.
151
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
METODOLOGIA
152
O OLHAR NO ESPELHO
MÉTODOS ESPECÍFICOS
Cada uma das várias ciências tende a adaptar os métodos gerais, ade-
quando-os ao seu objeto de estudo.
153
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
TÉCNICAS
Os métodos são os procedimentos gerais da pesquisa; as técnicas, os
procedimentos específicos da fase de coleta de dados no campo, ou seja,
aquela que se faz após a escolha do problema.
Para a coleta desses dados, você pode observar pessoas, interrogá-las,
analisar ou comparar textos e documentos, controlar ou modificar compor-
tamentos etc. Cada uma destas formas de agir representa uma ou mais
técnicas diferentes. Como exemplos, há várias formas de se observar pessoas
e, para interrogá-las, você pode se utilizar de entrevistas, questionários,
formulários, escalas, listas de adjetivos etc.
O que vai determinar quais são as técnicas mais adequadas para a sua
pesquisa é a natureza dos dados que você necessita obter.
Normalmente, as pessoas têm informações superficiais sobre uma ou
duas técnicas de pesquisa (via de regra, entrevistas e questionários) e aí são
obrigadas a manipular a pesquisa para que ela se adeque à técnica, ou até a
se propor a iniciar a pesquisa pela escolha da técnica, como já vimos.
154
O OLHAR NO ESPELHO
INSTRUMENTOS
O instrumento é o material específico que se vai utilizar para a aplica-
ção da técnica. Assim, se a técnica escolhida para a sua pesquisa tiver sido o
questionário, você terá que utilizar uma lista de perguntas, um gravador ou
páginas para a anotação das respostas. Se a técnica for a da experimentação,
você terá que elaborar uma lista de procedimentos padronizados, além de
contar com alguns equipamentos para controle e medição dos comporta-
mentos e para o registro dos dados. Esses elementos constituem o seu ins-
trumental.
Os instrumentos devem visar à obtenção das informações necessárias à
pesquisa, e devem-se limitar a isto. Não é raro que pesquisadores iniciantes
recheiem seus questionários ou entrevistas com perguntas que representam
apenas curiosidades pessoais, ou programem observações visando obter
dados que são até curiosos, mas que nada acrescentam à pesquisa, e acabem
deixando de obter as informações realmente importantes.
Não deixe sua curiosidade passar por cima da ética, nem seu entusias-
mo sufocar a pesquisa. A palavra chave aqui é objetividade. Se nas fases
anteriores os objetivos da pesquisa não tiverem sido estabelecidos de forma
clara, é muito provável que você não consiga definir o seu instrumental de
forma satisfatória.
155
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
APLICAÇÃO
É necessário planejar onde, como, quando e por quem vai ser aplicado
o instrumental para a coleta de dados. Este planejamento é muito importan-
te para se verificar a viabilidade da execução total da pesquisa, e depende de
um conhecimento prévio da população ou do material que se deseja estu-
dar.
Procure ter uma previsão de problemas que poderão aparecer durante
esta fase e elabore formas de evitar o seu surgimento, ou diminuir seus
efeitos sobre a pesquisa. Tente estabelecer quanto tempo vai ser necessário
para a aplicação, e verifique se este tempo é compatível com o tamanho da
amostra que você se propôs a investigar. Leve em consideração que, além da
aplicação do instrumento, você necessitará de tempo para se locomover,
localizar seus sujeitos ou materiais, estabelecer contatos iniciais etc.
Tente estabelecer também como serão tratados os dados, uma vez co-
lhidos, com os mesmos objetivos e precauções que sugerimos aqui. Verifi-
que mais uma vez se todos os passos do seu planejamento podem ser
cumpridos, e se estão coerentes entre sí. Para facilitar esta tarefa, retorne ao
quadro 3, que contém uma lista dos itens que normalmente compõem um
projeto dentro do modelo que sugerimos.
CRONOGRAMA
156
que mais uma vez se todos os passos do seu planejamento podem ser
cumpridos, e se estão coerentes entre sí. Para facilitar esta tarefa, retorne ao
quadro 3, que contém uma lista dos itens que normalmente compõem um
projeto dentro do modelo
O Oque
L H sugerimos.
AR NO ESPELHO
O OLHAR NO ESPELHO
Como
C R O Nvocê O G jáR Apode
M A ver, um fator especialmente delicado na realização
de uma pesquisa é o tempo. A atenção a este fator pode, muitas vezes,
Como você
determinar já podeentre
a diferença ver, um
um fator
projeto especialmente
bem sucedido delicado na realização
e um projeto inviá-
de uma pesquisa
vel ou inviabilizado. é o tempo. A atenção
156
a este fator pode, muitas vezes,
determinar a diferença
Toda pesquisa tem entre
um prazoum projeto
para suabem sucedidoseja
conclusão, e um projeto inviá-
determinado pelo
vel ou inviabilizado.
agente financiador, no caso das pesquisas de mais vulto, seja fixado pelo
Toda pesquisa
calendário escolar, no temcaso
um de prazo para sua
pesquisas conclusão,
didáticas. Istoseja
faz determinado
com que as pelo pre-
tensões do pesquisador nem sempre possam ser plenamenteseja
agente financiador, no caso das pesquisas de mais vulto, fixado den-
atingidas pelo
calendário
tro escolar,projeto.
de um único no caso de pesquisas didáticas. Isto faz com que as pre-
tensões do pesquisador
No caso das pesquisas, nem digamos,
sempre possam ser plenamente
profissionais, o que se atingidas
pode fazer den-é
tro de um único projeto.
subdividir um projeto amplo em subprojetos menores, capazes, cada um
No caso
por sua vez, dedasproduzir
pesquisas, digamos,que
resultados profissionais,
justifiquem osuaque se podee que,
execução fazeraoé
subdividir um projeto amplo em subprojetos menores,
mesmo tempo, indiquem a necessidade da continuação daqueles estudos, capazes, cada um
por sua vez, de produzir
através do subprojeto seguinte. resultados que justifiquem sua execução e que, ao
mesmo Já nastempo, indiquem
pesquisas a necessidade
didáticas, e especialmenteda continuação
naquelas que daqueles
são feitasestudos,
como
através do subprojeto seguinte.
parte de uma disciplina acadêmica, os prazos costumam ser bem mais limi-
tadosJá enas pesquisas didáticas,
a continuação do projetoe especialmente
depois daqueles naquelas
prazosquebemsão mais
feitas difícil.
como
Afinal, poucos alunos aceitariam repetir uma disciplina só para poder limi-
parte de uma disciplina acadêmica, os prazos costumam ser bem mais con-
tados e a continuação
cluir sua pesquisa. do projeto depois daqueles prazos bem mais difícil.
Afinal,
Uma poucos alunos de
das formas aceitariam
superar repetir uma disciplina
este impasse é elaborar só para poder con-
um projeto que
cluir sua
possa ser pesquisa.
executado dentro do período determinado pela instituição, mesmo
que Uma das formas
isto implique, de superar limitar
eventualmente, este impasse é elaborar
as pretensões um projeto
do autor que
do projeto.
possaOutra
ser executado dentro do período determinado pela
forma é elaborar um projeto menor, adaptado aos prazos da instituição, mesmo
que isto implique,
disciplina, concluí-lo eventualmente,
adequadamente, limitar as pretensões
e usá-lo como pontodo autor do projeto.
de partida para
Outra forma é elaborar um projeto menor,
outro, mais amplo e complexo, e com um grau maior de independência, adaptado aos prazos da
disciplina, concluí-lo adequadamente, e usá-lo como
que possibilite que o pesquisador disponha de mais tempo e que possa, ponto de partida para
outro, mais
assim, atingiramplo
seus eobjetivos
complexo, e com
mais um Exemplos
amplos. grau maiortípicosde independência,
deste último
que possibilite que o pesquisador disponha
caso são os chamados projetos de iniciação científica ou as de mais tempo e que possa,
pesquisas
assim, atingir seus objetivos mais amplos. Exemplos
extracurriculares, em que o pesquisador, que é também aluno, mantém típicos deste último
casovínculo
um são oscom chamados
a escola,projetos
mas nãode cominiciação científica
uma disciplina ou as pesquisas
específica.
extracurriculares, em que o pesquisador, que
Uma outra fase, dentro da qual o tempo pode ser um elemento é também aluno, mantém
impor-
um vínculo com a escola, mas não com uma disciplina
tante numa pesquisa é a de coleta de dados, especialmente quando essa específica.
coletaUma outraentrar
implica fase, dentro da qual
em contato emo sujeitos
tempo pode ser um
humanos. elemento
A vida impor-
das pessoas
tende a se organizar em ciclos (diários, semanais, mensais ou anuais) essa
tante numa pesquisa é a de coleta de dados, especialmente quando e a
coletadeimplica
falta atençãoentrar
a estesemciclos
contato
podeem sujeitos ahumanos.
prejudicar pesquisa.A vida das pessoas
tende a se organizar em ciclos (diários, semanais, mensais ou anuais) e a
falta de atenção a estes ciclos pode prejudicar a pesquisa.
157
157
A PESQUISA PARA A OBTENÇÃO DE CONHECIMENTOS
ORÇAMENTO
158
O OLHAR NO ESPELHO
159
APÍTULO 6
162
O OLHAR NO ESPELHO
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A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
Por último, este verdadeiro círculo vicioso que se origina a partir da idéia
de uma ciência neutra e objetiva, tem contribuído politicamente para a manu-
tenção dos sistemas de desigualdades sociais, na medida em que não permite
que os grupos menos favorecidos, e em especial aqueles não-letrados ou com
alfabetização precária, possam utilizar, à sua maneira, os conhecimentos que a
ciência elaborou a respeito deles próprios.
No entanto, apesar de todo esse seu comprometimento político, a pró-
pria ciência abre espaços para a produção de conhecimentos que vêm ques-
tionar tanto suas conclusões, quanto os métodos empregados para chegar
até elas.
A ciência busca conhecimentos válidos, ou seja, que possam ser aplica-
dos de alguma forma, ou que traduzam com alguma fidelidade uma realida-
de qualquer. Só assim ela pode ser útil.
Para atingir estes objetivos, muitas vezes, a ciência tem que superar su-
as próprias deficiências, e até abordar questões que os próprios grupos
dominantes prefeririam ver ocultadas ou disfarçadas.
164
O OLHAR NO ESPELHO
Análises e idéias como as que expusemos até aqui, aceitas por alguns
grupos de cientistas e rejeitadas com veemência por outros, têm dado ori-
gem a formas alternativas de pesquisa, cada vez mais interessadas e com-
prometidas em tentar elaborar novos conhecimentos sociais que levem em
conta a participação e as vivências dos grupos estudados, principalmente em
possibilitar que estes mesmos grupos se reapropriem do conhecimento a seu
respeito, utilizando-o a seu favor.
Talvez, uma rápida visão da história do desenvolvimento destas idéias
nos ajude a compreendê-las melhor.
Segundo Brandão (1987) um passo importante para a inclusão dos
pesquisados nos processos de pesquisa foi dado por Malinowski quando
este, contrariando a tradição científica da época, ao invés de simplesmente
realizar rápidas observações superficiais, ou mesmo basear suas conclu-
sões no estudo de objetos ou informações obtidas de forma indireta, pre-
feriu se integrar à comunidade estudada, conviver com seus habitantes e
observar com detalhes os fatos e participações de seu dia-a-dia.
165
A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
166
O OLHAR NO ESPELHO
Ainda segundo Gajardo (1987), dois nomes têm sido destacados como
importantes contribuidores para o desenvolvimento destas formas alternati-
vas de pesquisa e ação social: o brasileiro Freire, na área educacional e o
167
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168
O OLHAR NO ESPELHO
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Na definição de Grossi, que citei logo atrás, estão contidas as três carac-
terísticas básicas da pesquisa participante: a) a participação efetiva dos
pesquisados na elaboração e execução do processo de pesquisa, que permita
b) o retorno das informações colhidas e das conclusões obtidas aos pesqui-
sados a fim de que estes possam promover c) a utilização destes conheci-
mentos para a elaboração de propostas de ação, em seu próprio benefício.
170
O OLHAR NO ESPELHO
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A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
5- Realização da pesquisa
5.1- Planejamento
5.2- Investigação
6- Seleção de alternativas de ação
7- Divulgação e avaliação do processo
CONDIÇÕES PRELIMINARES
Há alguns requisitos básicos, sem os quais não é possível, ou não é
conveniente se iniciar um processo de pesquisa participante.
A lista que apresentarei pode não ser completa, já que a situação
concreta da realização da pesquisa pode colocar outras condições como
desejáveis ou até como indispensáveis. De qualquer forma, uma análise
cuidadosa das condições básicas é de extrema importância, já que a au-
sência, mesmo que parcial, de uma delas, pode inviabilizar o processo
todo, ou, pior ainda, resultar em danos para as populações envolvidas.
Lembre-se de que as classes populares, via de regra, são bastante frá-
geis frente ao poder dominante e estão muito mais sujeitas a medidas re-
pressivas do que os cientistas, normalmente possuidores de uma situação
financeira e profissional mais confortável, e menos sujeitos a punições de
qualquer espécie. Isto aumenta, e muito, a responsabilidade do pesquisador.
Por isto mesmo, começaremos por falar sobre você (ou sobre nós).
PREPARO DO PESQUISADOR
172
O OLHAR NO ESPELHO
PREPARO TEÓRICO
Há alguns cientistas, adeptos dos métodos alternativos, que justificam a
adoção desses métodos como uma opção política que consiste, basicamente,
em desprezar, ou conferir pouco valor aos conhecimentos da ciência, tida
como tradicional, e em valorizar o conhecimento popular. Para estes, o
preparo teórico do pesquisador-cientista não é muito importante. O que
importa é a decisão de participar.
Sem dúvida, há certa aura de heroísmo e de romantismo na decisão de
“deixar de lado o conhecimento acadêmico (superado) e ir aprender com o
povo”. Mas há também muito de ingenuidade, de despreparo teórico e, em
alguns casos, de comodismo nesta decisão.
Em primeiro lugar, deixar de lado o conhecimento científico implica su-
por que ele não é capaz de prestar qualquer auxílio às classes populares.
Para os que pensam assim, já que a ciência só produz conhecimentos que
interessam aos grupos dominantes, dominá-la e controlá-la só beneficiaria a
esses grupos.
Esta é um posição equivocada, já que a relação entre ciência e poder se
dá de forma inversa. É justamente porque têm o controle da produção do
conhecimento científico que os grupos de maior poder econômico e político
podem fazer a ciência trabalhar a favor de seus interesses.
Muito embora a ciência oficial tenha sempre laços muito fortes com os
mecanismos de poder e possa até ser um instrumento de controle, isto não
significa que ela não possa ser utilizada a favor das classes menos favoreci-
das, ou que seus conhecimentos interessem apenas aos grupos dominantes.
Quebrar o monopólio do saber e tornar a ciência acessível e compreensível
às populações menos favorecidas é o primeiro passo para uma reconstrução
e para uma nova utilização da mesma.
Esta tarefa exige um grande preparo teórico do cientista interessado em
trabalhar a favor das classes populares e junto com elas. É preciso dominar
satisfatoriamente os conceitos adequados à situação pesquisada e conhecer
sua evolução, tal como na pesquisa tradicional, mas, além disso, é necessário
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174
O OLHAR NO ESPELHO
PREPARO METODOLÓGICO
Praticamente, tudo o que foi dito sobre o preparo teórico pode ser re-
petido aqui, restando apenas acrescentar alguns comentários sobre as espe-
cificidades da metodologia num processo de pesquisa participante.
No processo de produção do conhecimento científico, o papel da metodo-
logia é o de avaliar a adequação dos procedimentos adotados, analisando desde
a coerência destes procedimentos com os conceitos teóricos, até o valor de
ambos para a elaboração das conclusões pretendidas ou apresentadas. Em
outras palavras, a metodologia (estudo dos métodos) serve tanto para indicar
os caminhos a serem seguidos pelos pesquisadores, quanto para avaliar se os
caminhos seguidos são os melhores para que se atinja os objetivos pretendi-
dos. Assim, a metodologia deveria sempre ser vista como um campo ou um
espaço para a discussão dos procedimentos da ciência e para a elaboração de
novos procedimentos.
A corrente empiricista, dominante nas ciências contemporâneas, redu-
ziu a possibilidade de existência de vários métodos, adequados a cada ciên-
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A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
PREPARO POLÍTICO
Os processos de pesquisa participante tendem, ou pelo menos preten-
dem ser um momento de questionamento da estrutura social que exige que
os grupos populares permaneçam sendo desfavorecidos economicamente,
ignorados em seus direitos básicos de alimentação, saúde, trabalho, moradia,
educação, transporte, lazer, satisfação pessoal etc., e politicamente excluídos.
É necessário, então, que o pesquisador-profissional tenha bem mais do que
meras noções sobre a política e suas funções.
Se nos limitarmos a considerar a política como o jogo dos partidos em
busca da conquista de cargos públicos, estaremos nos condenando, conde-
nando todo o processo de avaliação e de reestruturação e a comunidade
176
O OLHAR NO ESPELHO
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A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
178
O OLHAR NO ESPELHO
ais são também diferentes e muito mais amplas do que as que os moradores
da comunidade possuem;
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A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
processo desta natureza não convém que alguém seja insubstituível. Por
mais que seja agradável ao cientista se sentir importante, o processo é e
deve ser mais importante que ele, e ter sua continuidade garantida apesar
do eventual afastamento de qualquer pessoa dos participantes.
Temos aí uma série de exigências para o (bom) preparo do pesquisa-
dor-participante-profissional. Colocadas assim em conjunto e apontadas
como indispensáveis (todas), acredito que sejam suficientes para desanimar
qualquer um que queira se iniciar neste tipo de atividade. Ao invés de servir
como um auxílio aos que pretendem participar de qualquer pesquisa com-
prometida com os grupos pesquisados, este texto corre o risco de atuar
como uma barreira. Para que isto não aconteça, precisamos agora repensar
todas estas exigências sob uma nova ótica: a da aprendizagem.
Não estamos falando da aprendizagem tal como entendida pela pedago-
gia tradicional, na qual se esperava que um “mestre”, portador do saber,
fosse capaz de transmitir seus conhecimentos aos aprendizes, cujo maior
objetivo era o de se tornarem iguais aos mestres. Estamos falando da peda-
gogia que considera o processo de aprendizagem como uma dialética intera-
ção dos saberes de seus participantes, como uma troca de experiências e de
dúvidas, capaz de propiciar um crescimento intelectual de todos os seus
participantes, independente do papel formal que estejam desempenhando.
Dentro desta visão pedagógica, o pesquisador pode e deve ser também
um aprendiz.
Não é preciso esperar que o aprendiz venha a adquirir, por conta pró-
pria, todas as qualidades de um perfeito pesquisador-participante, para que
só então ele possa ir a campo e entrar em contato com a realidade. É preci-
so não idealizar o pesquisador como um profissional “pronto”, portador de
todas as características e conhecimentos necessários ao bom desempenho de
suas funções. Uma idealização deste tipo seria contrária a toda a proposta
da pesquisa participante, já que coloca o cientista como alguém que não
tem nada a aprender com a população, e o conhecimento científico como
superior e independente de outras formas de conhecimento. Novamente se
estaria reproduzindo o esquema de dominação cultural.
A melhor maneira de aprender a pesquisar é pesquisando.
Não há nada que impeça o aprendiz de engajar-se num processo de
pesquisa participante, orientado e supervisionado por alguém já mais expe-
riente, e de descobrir, na prática, quais são os conhecimentos que precisam
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O OLHAR NO ESPELHO
A DISPOSIÇÃO DO GRUPO
181
A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
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O OLHAR NO ESPELHO
Alguns dos fatores que servem como base para estas divisões internas
podem fazer com que os grupos tenham interesses e condutas diferentes
frente a uma mesma situação problemática.
Outro fator que, via de regra, determina diferenças de comportamento,
objetivos e de disposição para se engajar num processo participativo é a
atividade econômica dos participantes de uma mesma comunidade. Numa
comunidade rural, por exemplo, embora todos exerçam atividades ligadas à
agricultura ou à pecuária,
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184
O OLHAR NO ESPELHO
Mesmo que seja difícil pensar sobre ela, que pareça impossível modifi-
cá-la, a realidade da vida das populações mais carentes também é dolorosa a
ponto de ser difícil conviver pacificamente com ela e impossível não perce-
ber suas contradições. Mesmo que estas contradições não sejam entendidas,
nem se consiga perceber toda a sua extensão, elas são sentidas:
Esta falta de uma visão clara sobre a realidade, de uma melhor compre-
ensão dos processos sociais, embora não consiga eliminar a percepção de
que a realidade não é como deveria ser, dificulta a elaboração de um outro
modelo de sociedade e contribui para impedir as tentativas de mudança do
atual.
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O OLHAR NO ESPELHO
MULTIDISCIPLINARIDADE
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pretende-se conhecer a realidade tal como ela está, para tentar transformá-
la no que gostaríamos que fosse.
A FASE DA INSERÇÃO
“A inserção é o processo pelo qual o pesquisador procura atenuar a dis-
tância que o separa do grupo social com quem pretende trabalhar” (Olivei-
ra; Oliveira, 1982, p. 27). Atenuar a distância não significa, contudo, eliminar
as diferenças existentes, nem fazer com que uma das partes da relação se
submeta à outra.
A fase da inserção tem dois objetivos complementares: tornar os pes-
quisadores e o grupo social mutuamente conhecidos, e possibilitar o estabe-
lecimento daquela espécie de “contrato”, que chamamos de compromisso do
pesquisador com o grupo. Vimos, ao falar deste compromisso, que o cientis-
ta não deve pretender se confundir com os membros do grupo, anulando
sua identidade e suas características próprias, nem deve tomar como suas,
tarefas que o grupo pode perfeitamente executar por conta própria. O cien-
tista não deve simplesmente se submeter às vontades da comunidade, como
não deve procurar submetê-la. As mesmas exigências, em sentido inverso,
devem ser feitas aos membros do grupo junto ao qual se realiza a pesquisa.
190
O OLHAR NO ESPELHO
191
o respeito pelo outro e por suas opiniões, além da paciência e sensibilidade
que nos permitam, por um lado, admitir que o processo não caminhe no
rítmo que gostaríamos e por outro, fazê-lo andar, apesar disso.
Uma boa dose de resistência à frustração também pode ser necessária.
A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
A FUma
O R pesquisa
M A Ç Ã participante
O D O G Rpode ser D
UPO umE processo
PESQU longo
I S Ae trabalhoso.
Por isto,
Uma epesquisa
por suasparticipante
próprias condições
pode serdeum vida,processo
nem todos longoos emembros do
trabalhoso.
grupo sobre o qual se realiza a pesquisa poderão participar
Por isto, e por suas próprias condições de vida, nem todos os membros do dela em todas
as fases.sobre
grupo Algoosemelhante podeaacontecer
qual se realiza 191 entre o grupo dos pesquisadores-
pesquisa poderão participar dela em todas
profissionais.
as fases. Algo semelhante pode acontecer entre o grupo dos pesquisadores-
Assim, entre a equipe que se propõe a iniciar a pesquisa e a que vai re-
profissionais.
almente
Assim,realizá-la
entre apode haver
equipe quesignificativas
se propõe a diferenças.
iniciar a pesquisa e a que vai re-
Pode haver casos em que um pequenodiferenças.
almente realizá-la pode haver significativas grupo se proponha a iniciar a
pesquisa
Pode ehaverque acasos
comunidade
em que se umsinta atraídagrupo
pequeno por ela, a ponto dea todos
se proponha iniciarosa
seus membros participarem, de uma forma ou de
pesquisa e que a comunidade se sinta atraída por ela, a ponto de todosoutra, do processo. Pode
os
seus membros participarem, de uma forma ou de outra, do processo. Podea
haver outros em que, embora a comunidade toda reconheça desde o início
necessidade
haver outros ou emaque,conveniência da pesquisa,toda
embora a comunidade apenas uns poucos
reconheça desde se dispo-a
o início
nham ou possam participar ativamente de sua realização.
necessidade ou a conveniência da pesquisa, apenas uns poucos se dispo- Pode ocorrer,
ainda, um
nham ou sem possamnúmero de outras
participar situaçõesde
ativamente diferentes destas. Pode ocorrer,
sua realização.
A um
ainda, possibilidade
sem número de departicipação e os riscos
outras situações de uma
diferentes eventual troca de
destas.
participantes no decorrer da pesquisa devem ser
A possibilidade de participação e os riscos de uma eventual analisados pela equipe
trocaquede
pode, eventualmente, estabelecer alguns critérios mínimos
participantes no decorrer da pesquisa devem ser analisados pela equipe que para a participa-
ção. Oeventualmente,
pode, estabelecimentoestabelecer
destes critérios
alguns ecritérios
a própria discussão,
mínimos paracontudo, não
a participa-
devem perder de vista que a mera realização de um levantamento
ção. O estabelecimento destes critérios e a própria discussão, contudo, não de dados
junto à perder
devem comunidade
de vistanãoque
satisfaz
a meraosrealização
objetivos de de um
umalevantamento
pesquisa participante.
de dados
A divulgação
junto à comunidadee a discussão das informações
não satisfaz os objetivoscolhidas,
de umaopesquisa
aprendizado propor-
participante.
cionado por esta discussão e pela própria participação
A divulgação e a discussão das informações colhidas, o aprendizado propor- na realização da
pesquisa e o processo político de tomada de decisões
cionado por esta discussão e pela própria participação na realização da devem ser comparti-
lhados ao emáximo
pesquisa com político
o processo os membros do grupo
de tomada pesquisado.
de decisões devem ser comparti-
lhados ao máximo com os membros do grupo pesquisado. entre o número
Temos novamente aqui algumas situações de tensão:
desejável
Temosdenovamente
participantes aquie oalgumas
númerosituações
possível, de entre a participação
tensão: entre o númeroideal,
em todas de
desejável as fases do processo,
participantes e a viabilidade
e o número possível,dessa
entreparticipação.
a participação ideal,
Quanto ao número de participantes,
em todas as fases do processo, e a viabilidade dessa é fácil se supor que ele deva ser
participação.
sempre o maior possível. Quanto ao tipo de participação,
Quanto ao número de participantes, é fácil se supor que ele várias alternativas
deva ser
têm sido sugeridas e adotadas em projetos diferentes
sempre o maior possível. Quanto ao tipo de participação, várias alternativasde pesquisa partici-
pante.
têm sido sugeridas e adotadas em projetos diferentes de pesquisa partici-
pante.
A tipologia elaborada por Ema Rubín de Celis (1982) ajuda a entender
os níveis distintos de participação dos setores populares na
A tipologia elaborada por Ema Rubín de Celis (1982) ajuda a entender
implementação destes projetos. Define a autora cinco tipos possíveis de
os níveis distintos de participação dos setores populares na
participação nesses projetos, a saber: 1) participação a partir da
implementação destes projetos. Define a autora cinco tipos possíveis de
participação nesses projetos, a saber: 1) participação a partir da
192
192
O OLHAR NO ESPELHO
não basta saber que se sabe, mas é preciso saber porque se sabe. Esta
última modalidade de conhecimento representa aquela que decorre da
posse consciente dos instrumentos metodológicos, ou seja, do
conhecimento dos processos de raciocínio que o pensamento emprega
para chegar à verdade e comprová-la (Pinto, 1979, p. 359).
LEVANTAMENTOS PRÉVIOS
Antes mesmo de engajar um diálogo mais sistemático com a
comunidade, o pesquisador pode ir desenhando um perfil provisório do
grupo. Para este trabalho preparatório, as fontes são as mais diversas, já
que são úteis tanto o estudo de documentos oficiais e o depoimento de
193
A P E S Q U I S A P A R A A T R A N S F O R M A Ç Ã O D A R E A L I D A D E ...
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A REALIZAÇÃO DA PESQUISA
Nesta fase as pesquisas participantes se aproximam bastante das pes-
quisas de tipo mais tradicional.
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PLANEJAMENTO
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postos nos quais ele embasou todo o seu projeto estavam errados e que
tudo deve ser refeito. Uma situação destas pode até valer como aprendiza-
do, mas cansa... Num processo coletivo, recomeçar tudo pode ser bem mais
difícil do que na vida pessoal ou na pesquisa acadêmica.
As certezas são afirmações de um outro tipo, sobre as quais já há in-
formações suficientes para que sejam aceitas como corretas ou válidas. Ape-
sas disto, elas devem ser encaradas sempre como provisórias, pois o
surgimento de novas informações pode contribuir para alterá-las. Após o
surgimento destes elementos de contradição, as antigas certezas são ótimos
objetos de investigação. É impressionante o número de engodos que podem
se esconder por trás de antigas certezas. Quando não se consegue perceber
qualquer contradição nelas, entretanto, realizar pesquisas a respeito de algo
sobre o qual não se tem dúvidas, freqüentemente resulta em perda de tem-
po.
Com algum cuidado, as certezas podem ser utilizadas como base para a
realização de pesquisas; ou seja, podem servir como aqueles elementos a
partir dos quais outros elementos são questionados.
Agora as hipóteses. Elas não são certezas nem opiniões. Há indícios nas
teorias ou na vivência cotidiana de que elas sejam uma resposta provável ao
problema; no entanto ainda não há elementos suficientes para aceitá-las
como corretas ou como as mais corretas. Portanto, ainda não há como agir,
baseado nelas.
A verificação do valor da hipótese, ou das hipóteses principais sobre de-
terminado problema, especialmente, se este representa um ponto importan-
te para a vida da comunidade, pode representar um grande auxílio nas
tentativas de superá-lo ou mesmo de diminuí-lo.
Da mesma forma que nas pesquisas mais tradicionais, as hipóteses ser-
vem, aqui, como um recurso metodológico, uma forma de procurar abreviar
o tempo da pesquisa: se tenho várias respostas possíveis ao problema, mas
uma delas aparece como a mais provável, é mais simples verificar a validade
desta em primeiro lugar, do que tentar verificar simultaneamente a validade
de todas as respostas possíveis, inclusíve a mais provável.
É possível realizar uma pesquisa participante sem elaborar ou selecio-
nar hipóteses? Em princípio sim, especialmente quando as respostas possí-
veis ao problema são poucas, ou seja, quando o problema a ser investigado
é simples. No entanto, mesmo quando não selecionamos formalmente uma
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INVESTIGAÇÃO
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de que problema se trata? O que já sabemos dele? Quais são os fatos que
o determinam? Como se manifesta o problema? Onde ele existe? Quando
ele surgiu? Quem é afetado pelo problema? Quais as consequências do
problema? Houve ações que tentaram resolver esse problema e
fracassaram? Por quê? O que poderíamos fazer para contribuir para a
resolução do problema? Quais são as ações e os meios ao nosso alcance?
Quais aqueles fora de nosso alcance?[...] (p. 62).
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APÍTULO 7
A ciência muda.
Acompanhando a evolução da sociedade e fazendo parte dela, a ciência
não apenas cresce, acumulando novos conhecimentos, mas se transforma,
negando, por vezes suas fases anteriores. Novas informações, formas dife-
rentes de buscar conhecimentos, novas elaborações sobre os objetos estuda-
dos e até sobre os seus objetivos fazem parte da história das ciências e se
influenciam mutuamente.
Neste processo de transformações contínuas a ciência se submete a re-
visões e reavaliações, buscando tornar coerentes entre sí seus objetivos,
objetos, métodos e teorias. Na medida em que cada um destes elementos
guarda relativa independência dos demais, aquela coerência nem sempre é
total. Assim, conhecimentos buscados ou elaborados com uma intenção
podem ser a base para a construção de teorias que sirvam a fins totalmente
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[...] tem tudo para ser apenas a próxima farsa. Em vez de superar a
decepção histórica com respeito à utilidade das ciências sociais para os
dominados, pode refinar os controles sociais vigentes e, num pacote
bonito, esconder um “presente de grego” (Demo, 1987, p. 104).
Isto não significa, de forma alguma, que ela não sirva aos fins para os
quais foi criada. Uma série de estudos e intervenções realizados segundo os
procedimentos participativos têm alcançado êxito tanto na produção de
conhecimentos, quanto na sua difusão e aproveitamento por parte das co-
munidades envolvidas.
Entretanto, é necessário que o aprendiz de pesquisador-participante (e
os próprios pesquisadores já mais experimentados) reflitam com muito
cuidado, não só sobre a necessidade do estabelecimento de um comprome-
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EFERÊNCIAS
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