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A narrativa

A narrativa corresponde ao relato de uma história (uma ação)


que ocorre com determinadas pessoas (personagens),
num determinado espaço e tempo.
A narrativa, ou o modo narrativo, tem expressão em poesia e em
prosa, correspondendo a diferentes subgéneros.

poesia epopeia (poesia épica)

Modo narrativo
romance

prosa novela

conto
Géneros narrativos
O poema épico Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, é um
exemplo do género narrativo em poesia.

Os géneros narrativos em prosa têm características próprias,


segundo a sua extensão.

ação complexa (principal e secundária)


Romance
e extensa; vasta galeria de personagens

ação linear, pouco complexa e de extensão média;


Novela
número de personagens mais reduzido

Conto ação simples, de curta extensão; poucas personagens


Conto

Há contos de caráter popular (transmitidos oralmente)


e contos de autor (concebidos por um escritor).

Os contos de autor, em alguns casos, acabam por ser


influenciados pelos contos populares, nomeadamente pela
apresentação de uma moralidade ou uma lição de vida.
Elementos do texto narrativo
Em todos os textos narrativos, existe um conjunto de elementos
que importa identificar, para uma melhor compreensão da história.

ação

personagens

Texto narrativo espaço

tempo

narrador
relevo central
(nos contos, há uma só ação)

estrutura encadeamento
(pelo seu caráter simples, a ação dos contos,
muitas vezes, é ordenada cronologicamente)

Ação situação inicial

momentos desenvolvimento

desenlace

aberta (o fim fica em suspenso)


delimitação
fechada (o desenlace é definitivo)
principais
relevo
secundárias

modeladas
Personagens composição
planas

caracterização direta
delimitação
caracterização indireta
Personagens

Nos contos, existe um número reduzido de personagens.


No entanto, em muitos textos, é possível fazer a distinção entre
personagem(ns) principal(ais) e personagens secundárias.

As personagens são quase sempre planas, já que, pela curta


extensão da ação, não há um aprofundamento psicológico.
A caracterização das personagens é um dos elementos mais
importantes. É essencial compreender a sua caracterização
direta e a sua caracterização indireta, esta última feita através
de comportamentos, atitudes e reações.

As características das personagens e a interação que estas


estabelecem umas com as outras constituem um dos elementos
essenciais para a compreensão da ação do texto narrativo.
Espaço

físico lugar onde se desenrola a ação

Espaço social meio onde decorre a ação

psicológico interior das personagens

Nos contos, devido à curta extensão da ação e à sua linearidade, não é possível
um aprofundamento psicológico, pelo que o espaço psicológico não é comum.
Tempo

cronológico sucessão de acontecimentos

Tempo histórico época em que decorre a ação

psicológico tempo vivido pelas personagens

Nos contos, devido à curta extensão da ação e à sua linearidade, não é possível
um aprofundamento psicológico, pelo que o tempo psicológico nem sempre é
expresso.
Narrador

autodiegético
(personagem principal)
participante
homodiegético
Presença (personagem secundária)

não participante heterodiegético

(O narrador pode ser analisado ainda quanto à sua ciência/focalização e posição.)


Análise de texto
Quando analisamos um texto narrativo, devemos identificar
os seus elementos:

ação personagens espaço


tempo narrador

Estes elementos devem ser identificados à medida que surgem


no texto. Devem ser relacionados entre si e com o(s) sentido(s)
veiculado(s) por outros aspetos do texto.
No conto «A aia», de Eça de Queirós, por exemplo, os elementos
da narrativa surgem à medida que o texto progride,
complementando outras ideias. Paralelamente, a expressão
é enriquecida por recursos expressivos.
Era uma vez um rei, moço e valente, senhor de um reino abundante em cidades
e searas, que partira a batalhar por terras distantes, deixando solitária e triste a sua
rainha e um filhinho, que ainda vivia no seu berço, dentro das suas faixas.

Pela leitura deste excerto inicial, podemos verificar que:

• não há uma localização temporal específica


tempo
(«Era uma vez»);
• a ação ocorre num reino; espaço
• são apresentadas três personagens
personagens
(rei, rainha e filhinho);
• o rei partira deixando sós a mulher e o filho. ação

O narrador é não participante (heterodiegético).


Pela leitura deste excerto, na sequência
da morte do rei, podemos verificar que…
A rainha chorou magnificamente o rei.
… o soberano deixou
[…] Mas, sobretudo, chorou ansiosamente
desamparado o filho pequeno;
o pai, que assim deixava o filhinho
desamparado, no meio de tantos inimigos
… este filho corre perigo,
da sua frágil vida e do reino que seria seu,
sem um braço que o defendesse, forte pela já que tem muitos inimigos;
força e forte pelo amor.
… o inimigo mais perigoso
Desses inimigos o mais temeroso era
seu tio, irmão bastardo do rei, homem é um tio do filho do rei

depravado e bravio, consumido de cobiças (caracterizado de forma


grosseiras, desejando só a realeza por direta).
causa dos seus tesouros, […].
Ao lado dele, outro menino dormia
Pela leitura deste excerto,

noutro berço. Mas era um escravozinho, podemos verificar que…


filho da bela e robusta escrava que
… são apresentadas outras
amamentava o príncipe. […] O mesmo seio
os criara. Quando a rainha, antes de duas personagens — outro
adormecer, vinha beijar o principezinho, menino e a sua mãe,
que tinha o cabelo louro e fino, beijava escrava;
também por amor dele o escravozinho,
… a rainha e a aia têm atitudes
que tinha o cabelo negro e crespo. […]
Somente o berço de um era magnífico
diferentes em relação aos

de marfim entre brocados — e o berço meninos (caracterização


do outro pobre e de verga. A leal escrava, indireta); a aia devotava-lhes
porém, a ambos cercava de carinho igual, igual carinho.
porque se um era o seu filho —
o outro seria o seu rei.
Nascida naquela casa real, ela tinha Pela leitura deste excerto,
a paixão, a religião dos seus senhores. […] podemos verificar que
Pertencia, porém, a uma raça que acredita
a escrava é caracterizada,
que a vida da Terra se continua
em relação à suas crenças,
no Céu. […] E ela um dia, por seu turno,
de forma direta (estas
remontaria num raio de lua a habitar
o palácio do seu senhor, e a fiar de novo crenças vão influenciar

o linho das suas túnicas, e a acender o desenlace em relação


de novo a caçoleta dos seus perfumes; aos meninos de berços
seria no Céu como fora diferentes).
na Terra, e feliz na sua
servidão.
Ora uma noite, noite de silêncio
Pela leitura deste excerto,

e de escuridão, indo ela a adormecer, […], podemos verificar que…


adivinhou, mais que sentiu, um curto rumor
de ferro e de briga, longe, à entrada dos …numa noite,
vergéis reais. […] Num relance tudo o palácio real é atacado;
compreendeu — o palácio surpreendido,
o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu … a aia troca os meninos
príncipe! Então, rapidamente, sem uma nos berços.
vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe
do seu berço de marfim, atirou-o para
o pobre berço de verga — e tirando
No parágrafo seguinte, temos
o seu filho do berço servil, entre beijos
a confirmação de que um
desesperados, deitou-o no berço real,
que cobriu com um brocado. homem ataca o berço real
e tira de lá o menino.
Pela leitura deste excerto,
E nesse instante um novo clamor
podemos verificar que…
abalou a galeria de mármore. Era o capitão
das guardas, a sua gente fiel. […]
… o tio do príncipe morreu;
O bastardo morrera! […] Mas, ai! dor sem
nome! O corpozinho tenro do príncipe lá
ficara também, envolto num manto,
… o menino que estava no
já frio, roxo ainda das mãos ferozes que
berço real (o filho da aia)
o tinham esganado!... Assim
morreu;
tumultuosamente lançavam a nova cruel
os homens de armas — quando a rainha,
deslumbrada, com lágrimas entre risos, … a rainha mostrou a todos

ergueu nos braços, para lho mostrar, o príncipe, que estava vivo.
o príncipe que despertara.
[…] Apenas os seus olhos, brilhantes e secos, Pela leitura deste excerto,
se tinham erguido para aquele céu que, além das podemos verificar que…
grades, se tingia de rosa e de oiro. Era lá, nesse céu
fresco de madrugada, que estava agora o seu
… a aia escolheu
menino. Estava lá […] e o seu menino chorava
um punhal (como
decerto, e procurava o seu peito!... […]
recompensa pelo seu
A ama estendia a mão — e sobre um escabelo
ao lado, entre um molho de armas, agarrou um
ato);

punhal. […]
… a aia se matou
Agarrara o punhal, e com ele apertado
fortemente na mão, apontando para o céu, (e, segundo a sua
onde subiam os primeiros raios do Sol, encarou crença, ia ter com
a rainha, a multidão, e gritou: o seu filho).
— Salvei o meu príncipe —
e agora… vou dar de mamar ao meu filho!
E cravou o punhal no coração.
Síntese
No conto «A aia», de Eça de Queirós, identificámos
elementos do texto narrativo e relacionámo-los entre si.
À medida que lemos o texto, temos de compreender
a importância destes mesmos elementos.

Por exemplo, a caracterização que é feita da aia,


relativamente às suas crenças, é importante para
compreendermos a sua decisão final. De entre todos
os tesouros que lhe podiam ser dados, ela escolhe
um punhal, mas não fica com ele, pois acredita que,
morrendo, irá ter com o seu filho.
Os excertos apresentados seguem a edição:
Eça de Queirós, «A Aia», Contos, Livros do Brasil, 1998.

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