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não conhece as transformações intimas que fariam dele uma verifica da unicidade c da sua significação genérica no
per- se sua
sonalidade individualizada e que, por conseguinte, dissolveriam plano humano, quer sob o ponto de vista do intemporal, quer
as suas dimensões tipicas. Ora, a
personagem desenhada é quase sob o ponto de vista da historicidade. Julien Sorel é uma perso-
sempre uma personagem-tipo. Não provoca nenhuma surprèsa, nagem modelada, conmplexa, dinâmica, contraditória, mas alia
por exemplo, o facto de, n'Os Maias, Dâmaso assinar uma carta à sua unicidade elementos típicos que se afirmam claramente,
que João da Ega Ihe dita e na qual aquele se declara um ébrio por exemplo, nas palavras que proferiu no tribunal que havia
habitual, pois tal reacção coaduna-se perfeitamente com o que de o condenar à morte: os jurados «quereräo castigar em mim
o leitor conhece do bochechudo e balofo Dâmaso Salcede. e desencorajar para sempre certa espécie de jovens que, nascidos
As personagens planas são extremamente cómodas para o uma classe inferior e, por assim dizer, oprimidos pela pobreza,
romancista, visto que basta caracterizá-las apenas uma vez, têm a felicidade de se proporcionar uma boa educação, e a
aquando da sua introdução no romance, não sendo necessário audácia de se intrometer com o que o orgulho das pessoas ricas
cuidar atentamente do seu desenvolvimento ulterior. Semelbantes chama a sociedade». A personagem modelada, em suma, poderia
exclamar como Baudelaire, no seu poema Au lecteur: «Hypo-
personagens estão particularmente indicadas para o papel de
crite lecteur,- mon semblable,-mon frèreb. *
comparsas.
As personagens modeladas, pelo contrário, oferecem uma
complexidade muito acentuada e o romancista tem de con-
lhes ( - 0 romancs. como.toda.a nartativa, svocasum mundo
concebido como real, material.e.spiritual, sitado. mum espaco
sagrar uma atenção vigilante, esforçando-se por caracterizá-las
sob diversos aspectos. Ao traço úico próprio das personagens determinado, num tempo determinados refilectida.nadamaiorie
poesi,
planas, corresponde a multiplicidade de traços peculiar das per- das vçzesnum.espírito.determinado.que,diferentemente
do
sonagens redondas. As personagens de Dickens, de contornos anto.pode ser.o de.uma ou de yárias.peISonagens.como.o
conexão estreita
simples, embora extremamente vigorosos, opöem-se as persona- narrador».(01) Nesse tempo e nesse espaço, em

rebeldes com omodo de das personagens, com as relações que estas


ser
gens de Dostoievski, densas, enigmáticas, contraditórias, mantêm entre si e com o meio, são figurados acontecimentos
às definições cómodas que podemos encontrar na cristalização
das fórmulas. Os heróis de Stendhal, de Tolstoi, de James Joyce, dispostos numa certa ordem sequenciale apresentados segundo
técnicas narrativas muito variáveis.
etc., são igualmente personagens modeladas. Os formalistas russos distinguiram nestes acontecimentos
Da complexidade destas personagens resulta o facto de,
leitor ficar surpreendido com as suas, reacções dois plan0s ou doisaspectos que, embora intimamente comple-
muitas vezes, o
mentares, deveriam ser conoeptualmente dissociados: por um
perante os acontecimentos. Diante de Stavroguine, a enigmática
e torturada personagem d'Os possessos, o leitor nunca sabe quais lado, a fübula (fabula), isto os acontecimentos considerados
é,
em

si mesmos, os materiais não trabalhados esteticamente ou


com os
e
as inflexões que a intriga poderá sofrer.
constrói a narrativa; por outra parte, a trama intriga
A densidade e a riqueza destas personagens não as transfor- quais se coma é
das suas (sju~et), que é a história dos aconteciment os tal apresen-
mam, porém, em casos de absoluta unicidade: através
das suas paixões, qualidades e defeitos, dos
feições peculiares,
humano
seus ideais, tormentos e conflitos, o escritor ilumina o du
du discours de la poésie et
e revela a vida. ) interesse e a universalidade das personagens (61)- Maurico-Jean Lefebve, Structure
p. 116.
advêm precisamente desta fusão perfeita que nelas récit, Neuchâtel, Éditions de la Baconnière, 1971,
modeladas
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«isto é, o discurso propriamente dito, composto


tada no texto narrativo. A fábula, por conseguinte, representa a narração, de ser analisado de um ponto
de palavras de frases, susceptível
e
umelemento pré-literário, a trama constitui um elemento espe- de vista linguístico e retórico», da diegese,
«o mundo definido

cificamente literário ($2). narração», «o conjunto dos significados


e representado pela
Esta dicotomia dos formalistas russos tem suscitado, na
coisas existentes»(67).
considerados como referindo-se a
crítica literária contemporânea, outras distinções homólogas. que são
Estas distinções podem ser pertinentes e apresentar eficácia
Assim, Tzvetan Todorov propöe a diferenciação entre _história forem consideradas como divisões rigidas
operatória, se não
e discurso: a história compreende a realidade evocada, as perso- no texto narrativo,
domínios perfei-
a que devam corresponder,
nagens e os acontecimentos apresentados e poderia ser trans- demarcáveis e caracterizáveis como áreas
tamente diferenciados,
flmica,
mitida por outras formas de linguagem (pela linguagem
acontecimentos realmente cxistentes a se. Çom efeito, nalguns
dos críticos men-
por exemplo); o discurso diz respeito não aos
explicitamente formulada,
cionados colhe-se a ideia, implícita
ou

modo como o narrador que relata a história


história, ou a diegese, teriam existência
mas ao
narrados, de que a fábula, ou a
dá aconhecer ao leitor esses mesmos acontecimentos (63). Gérard do discurso, ou da
entre narrativa autónoma, independentemente da intriga, ou
Genette aceitou uma diferenciação equivalente narração. Tomachevski, por exemplo,
afirma peremptoriamente:
mais recentemente, estabeleceu uma distinção
(récit) e discurso e,
«Em suma, a fábula é o que efectivamente se passou; a intriga
ou conteúdo narrativo,
entre história (ou diegese), «o significado modo leitor tomou conhecimento disso» (68). Uma
dita, «o significantg, enunciado, éo como o
a narrativa propriamente asserção deste teor permite concluir que a diegese de um texto
«o acto
discurso ou texto narrativo em si mesmo», e narração, existe antes e, fora desse texto: se essa existência se
conjunto da situação real narrativo
narrativo produtor e, por extensão, o
reporta à vida real, reduz-se o texto narrativo simples imitação
a
opõe a ficão
ou fictícia na qual se situa» (64). Jean Ricardou de eventos efectivamente acontecidos; se tal
ou transcrição
do Centro de Estudos. Poéticos da
à narração (63). O grupo 4, existência, porém, se inscreve na imaginação do autor, então
Universidade de. Liège, distingue entre a narratina proprianente literário uma dissociação radical entre fundo
Lefebve diferencia pratica-se no texto
dita c o discurso narrativo (66). Mauricelean forma.
diegese não tem rigorosamente existência autónoma:
Ora a
um dado de facto,
Théorie de la littérature.
ela não preexiste à instância narrativa como artística me-
(62)-Cf. B. Tomachevski, «Thématique»,
in
passivel de ser transposto para o plano da criação
et traduits par Tzvetan Todo novela, filme,
Textes des Formalistes russes réunis, présentés diante qualquer linguagem narrativa (romance,
268. Cf. também, nesta mesma obra,
rov. Paris, Editions du Seuil, 1965, p. existência através do
banda desenhada, etc.). Ela só adquire
as pp. 54-55.
du récit littéraire», in Com discurso de um narrador e por isso essa existência é indissociável
(63)-Cf. Tzvetan Todorov, «Les catégories
munications, pp. 126-127.
1966, 8,
in Communications,
Gérard Genette, «Frontières du récib»,
(64)Cf. volume de G. Genette
estudo foi republicado no in Poetics, 1971,
1966, 8, pp. 159 ss. (este
Il, (57)-C. Maurice-Jean Lefebve, «Rbétorique du récit»,
Bditions du Seuil, 1969, pp. 49-69); id., Figures du récit, p. 116. O vocábulo
intitulado Figures I1, Paris, 2, 120; id., Structure du discours de la poésie et
p.
Paris, Editions du Seuil, 1972, p.
72. modo narrativo da imitação,
la narration, temps de la fiction»,
diegese, que na Poética de Aristóteles designao
(6s)-C. Jean Ricardou, «Temps de está já largamente difundido na critica literária contemporänca, o mesmo
du Paris, Editions du Seuil, 1967, pp. 161-170.
in Problèmes nouveau roman, acontecendo com o adjectivo diegético.
générale, Paris, Larousse, 1970,
(6)-Cf. J. Dubois et ali, Rhétorique (58)-C. Théorie de la lirtérature, p. 268.
p. 172.
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da natureza e dos caracteres técnicos desse discurso. A diegese Benveniste designa como o prospectivo). Nesta enunciação, o
de um determinado romance nunca será exactamente igual à narrador não existe: «os acontecimentos apresentam-se como
diegese de um filme extraido desse romance, por grande que seja se produziram à medida que aparecem no horizonte da his
a fidelidade do realizador ao texto do romance, tal como a diegese tória» (71).
de um romance (digamos, Adolphe) haveria de se alterar se fosse o discurso pressupöe um locutor e um auditor e nele são
utilizadas todas as formas pessoais do verbo, tanto a primeira
possivel reescrevë-lo segundo uma técnica narrativa diferente e a segunda como a terceira-e no discurso, a terceira pessoa,
(por exemplo, Adolphe reescrito segundo técnicas do nouveau diferentemente do que acontece na história, opõe-se a uma pessoa
roman). todos os tempos verbais, com excepção do
As distinções que acabámos de mencionar apresentam afi- eu/tu, bem como

aoristo, embora os seus tempos fundamentais sejam o presente,


nidades com a distinço estabelecida por Emile Benveniste entre o futuro e o perfeito.
história e discurso-Todorov refere-se-lhe expressamente-(6, Rigorosamente, a eunciação da históriae a enunciação do
mas não se identificam com ela. Benveniste.coloca-se. num
plano discurso não se encontram nunca em es tado puro, verificando-se
estritamente. linguístico, embora os resultados da sua análise
uma contaminação recíproca
entre ambas as formas de enunciação.
se apliquem, e frutuosamente, ao domínio da narrativa literária, Como Gérard Genette não teve dificuldade em demonstrar,
no

ao passo que os citados conceitos de intriga (Tomachevski e texto de Balzac que Benveniste apr esenta como paradigma da
outros formalistas ussos), narração (Ricardou), discurso (Todo- diversos sintagmas que denunciam
enunciaçãão histórica, ocorrem

rov), narrativa propriamente dita(Genette) e narração (Lefebve) indubitavelmente a presença do narrador (12). Enquanto, porém,
factores especificamente literários, de técnica nar- de enunciação
compreendem
benvenistiana de o discurso assimila sem dificuldade elementos permanecendo
rativa, que não so abrangidos pela noção histórica, a_história é.refractária ao discurso,
de muito fácil de reco
discurso. este no seu seio como «uma espécie quisto
Benveniste distingue dois-planos de enunciação:.o.plano nhecer e de localizar» (73).
histórica «carac-
da história e o plano do discurso. A enunciação encontrando-se
teriza a narrativa dos acontecimentos passados», 5.1-Tem-se desenvolvido vigorosamente, nos útimos anos,
forma "autobiográfica": «o historiador semiologia, que
excluída dela qualquer a chamada narratologia, disciplina integrada na

nunca dirá tu, nem aqui, nem agora, pois que jamais ele teoria geral do discurso narrativo (não
eu nem
procura elaborar uma
antes de
se servirá do aparelho formal do discurso, que
consiste
apenas literário, acentue-se bem). Entre os objectivos visados
tudo na relação de pessoa eu : tw(70). A enunciação histórica da narrativa nas suas
certos tempos pela narratologia, ayulta o da segmentaço têm
utiliza apenas formas da terceira pessoa e apenas unidadesfuncionais mínimas, as quais, segundo os autores,
incluindo a formna
recebido denominaçöes várias: funções, motivos,
verbais (em francês, o aoristo, o imperfeito, narremas,

em -rait do chamado condicional, o mais-que-perfeito


e, subsi- último capítulo desta obra, no qual
motivemas, situemas, etc. No
diariamente, um perifrástico, com funçöes
tempo
de futuro, que

(71)-E, Benveniste, op. cit.. p. 241.


II, p. 66.
(69)-Cf. T. Todorov, loc. cit., p. 126. (72)-CE Gérard Genette, Figures
(70)-Emile Benveniste, Problêmes de linguls tique générale, Paris, Gal- (73)-ld. ibid., p. 66.
limard, 1966, p. 239.
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serão expostos e discutidos estes métodos e processos de análise


do discurso narrativo, procuraremos ajuizar da sua pertinência
e da sua fecundidade quando aplicados às estruturas do romance.
Um romance não é apens constituído por.acções.que, pela
Sua sucessão temporal-causal e/ouacausal(?4)=e pelas suas
correlaçöes, constituem uma sintagmática narrativa com «uma
finalidade e um fim». Mesmo no romance de acontecimento, o
texto no é apenas urdido com a narração de factos que fazem
progredir a diegese, transformando uma determinada situação

(74)-Como veremos no último capítulo,, Roland Barthes considera


que na nerrativa existem unidades funcionais consecutivas e consequentes,a
que chamafunções cardeais, eoutrasque designa por catálises.que.são.ape
nas consecutivas (cf. R. Barthes, «Introduction à l'analyse structurale des
récits», in Tommunications, 1966, 8, p. 10). Por conseguinte, apenas as pri-
meiras são regidas pelo princípio da causalidade. Como Barthes observa
ainda, no âmago da actividade narrativa estaria sa própria.confusão da.con
secução e da consequência, o que vem depois sendo lido na narrativa como
cauaado por; a narrativa seria, nesse caso, uma aplicação sistemática do erro
l6gico denunciado pela escolástica sob a fórmula post hoc, ergo propter hoc,
que poderia bem ser a divisa do Destino [...» (ibid., p. 10).
A_explicação causal pode de facto aplicar-se abusivamente a
uma mera

do princípio da
suçessão cronológica de eventos. A admissão ou a rejeição fundamen-
causalidade, na vida real como na diegese romanesca, dependem
ideologia. Esta problemática
talmente de uma visão do mundo, isto é, de umaromance Ferreira:
de Vergílio
assim analisada pelo narrador de Nitido nulo,
«0princípio da causalidade. Não existe. Para pessoas não existe. Porque
Se não que o seja,
ima causa só é ceusa quando a gente quer que seja. num quer
o

aão é causa de nada. E é por isso que um juiz em


arreia criminoso. Mas
«atenuantes», já acre-
curiosamente, quando o advogado de defesa fala
o u v e - um outro barco avança
dita na causalidade. E o juiz também, que o vão ambos para
na linha do horizonte. Vem no mesmo sentido do primeiro, da causalidade
sem o princípio
onorte, que é que haverá para o norte? Mas antes e outras que acon-
não saberia contar nada. Há coisas que acontecem
tecem depois; e o simples facto de contar umas antes e dizer que outras
na força
aconteceram depois faz entender que as que aconteceram depois vêm
que aconteceu,
da sequência das que aconteceram antes. Como se aquilotem. Mas para o
E não
pelo facto de ter acontecido, tivesse de acontecer.
sabermos terfamos de voltar atrás, o que não é possível» (Nitido rulo, Lisboa,
Portugália Editora, 1971, p. 25).
n o. existe .romance; mas o
inicial. Sem sintagmática diegética,
esta sintagmática.
romance não se,reduz
a
um número maior ou menor
Todo o romance compreende
tem por função representar per
de descrições. A descrição, que
geográfico e his-
**

sonagens, objectos
e aspectos vários do espaço
ou u m a síncope na sin-
pausa
tórico-sociológico, constitui
uma
no
Embora a descrição funcione sempre
1agmática narrativa. a verdade é que pode
romance como uma ancilla narrationis,
descrição uma isenta de elementos nar-
facilmente encontrar-se
senão impossível, existir
rativos, ao passo que é muito dificil,
um enunciado narrativo que
não ofereça, por mínimo que seja,
um conteúdo descritivo (75).
Adescrição.é.o. principal instrumento de que romancista
o
não sendo
dispõe para figuraro espaço.em que.decorre diegese,
a

de estranhar que num romance como o


realista e o naturalista,
acima de tudo preocupado com o estudo de um determinado meio,
as descrições sejam particularmente frequentes (76).

(75)-Observa Gérard Genette que talvez isto se deva ao facto de os


objoctos poderem existir sem movimento, mas não o movimento sem objectos
além
(cf. <Frontières du récit», Figures lI, p. 57). Sobre a descrição, vejam-se,
deste ensaio de Genette, os seguintes estudos: Philippe Hamon, «Qu'est-ce
qu'une description», in Poétigque, 1972, 12, pp. 465-485; Jean Ricardou,
Problèmes du nouveau roman, pp. 91 ss.; R. Bourneuf e R. Ouellet, L'univers
du roman, Paris, P.U.F., 1972, pp. 104 s.

(76)-Philippe Hamon, no estudo citado na nota precedente (p. 466,


3), aduz diversos textos de Zola bem reveladores do modo
como o
nota
autor de Nana se preocupava acima de tudo com a descrição. Veja-se, por
exemplo, o texto seguinte: «O fim a atingir jánão é contar, pôr ideias e factos
uns a seguir aos outros, mas reproduzir cada objecto.que se apresenta ao
da
leitor no seu desenho, na sua cor, no seu odor, no conjunto completo sua
-

existência. contemporâneo,.
O espaço tem adquirido grande relevância
no romance

em concomitância com a desvalorização


*

em particular no nouveau roman,


Joseph Frank, l a formne
da intriga e da personagem. Cf., sobre in matéria,
esta

spatiale dans la littérature moderne», Poétique, 1972, 10, pp. 244-266;


le nouveau roman», in
Michel Raimond, «L'expression de l'espace dans
Textes recueillis et présentés
Positions et oppositions sur le roman contemporatn.
UBretudo com
nente exornativa Balzac,Ihe
a
descrição perde a função
que
uer a retórica neoclássica, e atribuíam quer a retóricaeminerninente-
mportante: não adquire uma função barroca,
sobre os só veicula informaçaes sobre asdiegética muitoo
objectos, contribuindo para personagens
enraizar no real a diegese, como
tornar
verosímil, para
ausal e simbólica apresenta elementos
que são de ordem
sonagens as suas acções.
e indispensáveis para explicar as
per
Em geral, as descrições com uma
situam-se no inicio da função diegética importante
capitulo ou nos capitulos sintagmática narrativa, logo no
imediatamente primeiro
tipicamente balzaquiano, mais ou menos posteriores (modelo
por todo o romance que fielmente adoptado
do meio sobre as pretende analisar a acção
personagens). Pode ser a descrição dedeterminante
um
-espaço telúrico ou
sociológico (77); pode ser a descrição macro-
aglomerado populacional, rústico ou urbano, ou de umade um
restrita desse aglomerado área
(78); pode ser a descrição de uma casa

par Michel Mansuy. Paris, Klincksieck,


1971, pp. 181-191; Sharon Spencer,
Space, time and structure in the modern novel, New York, New York University
Press, 1971.
(77)-Lcia-se a descrição, sóbria e angustiosa, com que Carlos de Oli-
veira abre o seu romance Casa na duna
(3. ed., Lisboa, Portugália Editora,
1964, p. 45): «Na gandara há aldoolas ermas, esquecidas entre pinhais, no
fim do mundo. Nelas vivem homens semeando e colhendo, quando o estio
poupa as espigas eo inverno não desaba em chuva e lama. Porque então são
ramagens torcidas, barrancos, solidão, naquelas terras
pobre»
(78)-C. Ferreira de Castro, A läe a neve, 8 ed., Lisboa, Guimaräes,
s.d., p. 27: finham começado a descer a congosta. Era uma rua estreitíssima,
que cheirava a burros, a porcos ea fumo de ramos verdes. Dela partiam
outras tortuosas viclas, que terminavam cm pátios ou dobravam em coto
velos, cruzando-se, avançando para sombrios recantos, numa sugestão de
labirinto. As casas, negregosas, velhentas, colavam-se umas às outras, com
parte inferior de granito escurecido pelo tempo e a parte cimeira com folhas
de zinco enferrujadas a revestirem as paredes de taipa, mais baratas do que
s de pedra. Este e aquele casebre exibiam apodrecidas varandas de madeira
outros, mais raros, umas escadas exteriores, coroadas por um palamarzito
ou de 49
aposento (79). Uma espécie de
quentemente uma
relevante descrição que assume fre
função
é, como já foi diegética
ciais de um romance nos
cológico, de personagens. dito, o retrato,capitulos ini-
fisico e psi-
A motivação e a.estrutura da
correlacionadas com o
descrição
ponto de vista
estão estreitamente
ou a
no romance. A responsabilidade da descrição focalização adoptados
directa e explicitamente pode ser assumida
um cicerone dotado
pelo narrador, que se comporta como
de grande liberdade
ao leitor o que vai mostrando
que entende que este deve ver e
acontece, em geral, com o narrador apreciar. E o que
de descrição situa-se, como é omnisciente (30). Este tipo
óbvio, fora da temporalidade die
gética
Tal
responsabilidade pode caber, porém, a uma personagem
na qual resida, momentânea ou
duradouramente, o foco narra-
tivo. Neste caso, a descrição tem como referentes o
espaço, os
seres e as coisas que a personagem abarca com a sua visão. Ao
contrário do que se verifica com o tipo de
descrição anteriormente
citado, esta descrição integra-se no
tempo da diegese.

quadrado, logradoiro do mulheredo nas horas do paleio com as vizinhas.


Algumas das portas e janelas estavam abertas e, atrás deias, pairava a rúbida
claridade do fogo que, á dentro, cozinhava a ceia. Figuras de homens, mulhe
res e crianças, as suas caras tocadas pelo fulgor do lume, andavam no acanhado
espaço doméstico, cirandavam numa confuso de movimentos humanos
de trapos dependurados».
(79)-«Fui. A casa ficava para as portas de Alconchel. No átrio havia
um grande pote de cobre. Subia-se uma larga escadaria de pedra, bordejada
de uma fieira de bilha's de barro que Moura coleccionava. Com grandes arcadas
de velho mosteiro, todo esse rés-do-chão se congelava com um frio mineral,
súbita
de catacumbas. E eu o lembro agora, a esse frio,
numa
uma frescura
abóbadas... A criadita que me
imagem de um estranho silêncio coalhado em de respos-
num escritório, selado
atendeu, toda armada de folhos, meteu-me de portas»
ouvia um rumor de passos ou
teiros. A casa era grande, mal se 35).
Lisboa, Portugália Editora, 1971, p.
(Vergilio Ferreira, Apuriçdo, 7,* ed., início do romance
deste tipo de descrição, o
(80)- Leia-se, como exemplo
de Camilo intitulado Estrelas proplcias.

R-4
50

Para motivar e tornar verosímil uma descrição centrada


numa personagem, o romancista pode utilizar diversos pretextos
e artifícios: mudanças de luminosidade (uma luz que se
acende,
o dia que desponta, o cair do crepúsculo, etc.) que obrigam ou
convidam a personagem a reparar nos seres, nos e nasobjectos
paisagens; deambulação da personagem, com consequente des-
crição do que vê durante a deambulaço;
situaço da personagem
ou na
proximidade de uma janela que Ihe permite ver o mundo
exterior, ou num lugar morfologicamente adequado à visão de
um grande espaço (alto de um monte, cimo de um edificio),
etc. (81).

(81)- Salientamos, pela frequência com que ocorre


várias épocas em romances
caracteristicas, o artifício da localização da personagem
e
de
de uma janela, através da junto
qual contempla o mundo exterior. Vejam-se
exemplos, colhidos ao acaso: «Olhou os anúnciqs, bebeu um alguns
levantou-se, foi abrir uma das portadas da janela. gole de chá,
da casa, dava [...] A sala, nas.traseiras
para
un terreno vago, cercado dum tabuado
de ervas altas e de uma vegetação de acaso baixo, cheio
Baslio, Porto, ...]»(Eça de
Lello & Irmão, s.d., p. 10); «Ao outro Queirós, O primo
abrir a janela. Era dia, ao erguer-se, foi
uma manh
uma
resplandecente. Em baixo, estendia-se toda
verdura de pomares e hortas, com
tal, Porto, Lello & Irmão, s.d., tanques aqui e além {...» (id., A Capi
p. 86); «A janela constituia um
e ele encostou-se ao peitoril, procurando refrigério
que dali se viam, aquele que o
adivinhar, entre os muitos
vapores
levaria. Debruada, ao fundo, pela linha verde
e
irregular da floresta, a baía do Guajará mostrava-se
uns de cano cheia de «gaiolas»,
fumando os últimos carvões da
desfraldada [...» (Ferreira de viagem, outros de bandeira
Castro, A selva, 25. ed., Lisboa, Guimares
Editores, s.d., 41); «E, largando a caneta, movido
p.
pela
pouco tambén
caindo de alto,
ao
desenfado, postou-se à janela, a que umacuriosidade,
videira
um

se ajeitara em ferral,
sem ser visto.
gelosia de forma a comodamente deixar ver
Devassava-se dali o longe e o perto, as abas
Ihudas de primavera do povo, farfa
[...]» (Aquilino Ribeiro, Andam faunos pelos
Lisboa, Bertrand, 1962, p. 16): bosques,
Chegou janela. A quinta parecia lavrada
à «Margarida acordou às oito horas. [..
à mostra. Os
cedros estavam por arados fantásticos, de relha
o cerne
vermelho com as fibras descabeçados, dois ou três
partidos, mostrando
nadavam ramos de faia inchadas de água, Aqui e
[...]» além, nos currais,
Lisboa, Bertrand, s.d., p. (Vitorino Nemésio, Mau no canal, 3.
29); «Em frente da mesa, tempo lá
ed.,
da janela aberta
para
51

Em qualquer caso, o narrador-cicerone ou a personagem


são o
relação ao qual se estabelece a perspectiva da
centro em
descrição e ao qual se encontram referidos os shifters, ou
ticos (82), que habitualmente ocorrem nas descrições (à delc
ao fundo, mais longe, etc.).
direita,

5.2-Adiegese 6 inconcebfvel fora do fluxo do tempo.


A narrativa,ou discurso, institui
que universo diegético, existe
o
também, sucessão que é de palavras e de
como
da. temporalidade (aliás, como frases, no plano
O tempo da
qualquer texto literário).
diegese está delimitado e
caracterizado
cações estritamente cronológicas
relativas ao calendário do
por indi-
civil- anos, meses, dias, horas (8 ano
3)- por informações liga-
de par em par,
fresco da tardealargava-se
uma paisagem a um
tempo suave e agreste. O vento
agitava vagarosas e largas ondas
No poente, pelas
nuvens finas searas,
maior, 3 ed., Lisboa, vermelhas corriam |...» (Manuel da planície fora.
Fonseca, Cerro
o sol
arrefecido. ChoveraPortugália Editora, s.d., p. 62); «Olhei
momentos antes: o bafo da pela janela
à superficie da
erva tenra. Lá terra homida
..(Fernando estavam os perfis fumegava
espessos e graves das colinas
Namora, Domingo à tarde,
Europa-América, 1971, p. 190).
8. ed., Lisboa, Publicações
(32) Os
deicticossão
minado em relação aos «expressões cujio referente só pode ser
interlocutores»
Dictionnaire encyclopédique des
(Oswald Ducrot e Tzvetan deter
1972. p. 323). sclences du
langage, Paris, Editions Todorov,
du Seuil,
(83)-E frequente, tanto no
do século
XX, figurar na abertura romance do século XIX como no
Eis alguns do capítulo
exemplos, extraidos inicial uma indicação deromance
de março do da
corrente ano de mil literatura portuguesa: «Aos vintetempo.
horas e meia da oitocentos e cinquenta e e um

Antunes da Mota, noite, fez justamente quarenta e sete anos seis, pelas onze
do Porto,, estava em morador na rua dos que o snr. João
sua casa» Arménios, desta sempre leal cidade
dade7, 11. ed., (Camilo Castelo
Lisboa, Parceria A. M.
gidissimo dia de janeiro Branco, (Onde estáa felici-
de 1847, por volta Pereira, 1965,
das nove horas 23); «Em um fri-
p.
menegildo Fialho
Barrosas, brasileiro grado e
eterna, estava a suar, da manh, o sr.
Her
na rua das dos mais gordos da
dos srs. Flores, encostado ao cidade
Mourões» (id., Os balcão da
A. M.
Peeira, 1965, p. 33); brilhantes
«A casa
do ourivesaria
brasileiro, 8. ed., Lisboa,
que os Maias Paceria
vieram habitar em Lisbg

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