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160 NICOLAU SEVCENKO

CAPITULO V 1.
timos; ele franqueia'-md a múima intimidade - e nlo hi meio de cu poder considcrã-lo
sem as proporções anormais do homem superior l sua 6poca. Felizmente ele nlo saberã
.. nunca esse juizo, ·que nlo 6.somcnte meu.:- senlo qu~ se vai generalizando extraor-
dinariamente. De fato 6 o caso nraem de um grande holllcm justamente apreciado pelos
Lima Barreto
·- - contemporineos, A sua inftu6nc:ia moral, hoje, irradia triunfalmente pelo Brasil Inteiro."
li, pp. 680-1 e igualmente II, pp. 672 e 690. L
e a "República dos Bruzundangas"
(127) li, pp. 634, 630.

"A minha atividade excede em cada minuto o


instante presente, estende-se ao futuro. Eu con - . ,
-- - - -- ·•-- -- - - - -- - - --Sumo a miizha energia sem recear que esse con- ~ .
sumi,seja "uma perda estéril; imponho-me pri~ -
vações, contando que o futuro as resgatará - e
sigo o meu caminho ".

(Lima Barreto, " O Destino_da 1:,itl:ra~ra''.)


"li ; \;\

1. A Linguagem
·- ------··---- --ff 1 ;·

A amplitude de temas que Lima Barreto abrange em sua produ-


ção literári_a só é comparável, no seu tempo e anteriormente a ele, ao li
extenso itinerário percorrido pela obra euclideana. Verifica-se nele o
i'.
m nseio de revelar em seus textos um retrato maciço e conden- 1:
sãdÕ-do presente, carre a 1mo e re stros e nota ões dos ':
vános mve1s em ue o saber do seu tempo permitia captar e com-
preen er o rea . O próprio autor esclarece o efeito estético e comum-
cativo que buscava ao promover esse adensamento extremo dos dados e
circunstâncias mais mÚcantes do seu tempo. "A realidade, diria o
\\
escritor parafraseando o seu idolatrado Dostoievsky, é mais fantástica
do que tudo o que a nossa inteligência possa fantasiar". 1 ••
· Essa exposição do presente como um vórtice de situações histó-
ricas exemplares trazia consigo a dupla conseqüência de sugerir mime-
ticamente a intensificação insólita dos processos de transformações
--
contemporâneos à sua obra e de introduzir_)!Jllª feição expressionista
_,.,,-----
1.ITfJPATUkA COMO Ml~~ÃO 163

' "' '\IH ""•lt1'1\1, l'f'la ...,.... "~''' ., .. 11111 r,"'1,1111 u,1dt1htku. Q._
\
í
N&l fl\\ln, '"''"''"'"''' l'Ch\c_lll.Jl.ül!t\Jsl..hkl.A laacuh••I q111 • rotina
•,,,, ,,,l\,~l•n,, lht ª"''"ª'ª· r"""' •ntl~ l tnuh\..lt U.hblcm,lc dt'I 111,11_.-
,r.,rrn a mura rln •ru mrlo I con,1it11rm o '1hJeto _privilegiadQ_d!,_
1uh1r~ frcnfium -■ pareu de forma inócua ou decora•
- crll.k.i s11d11 I rio
,, tiva, 1111111, concorrrm p11ra con1il'1ff' (r ~ir-rruITfinfe'"<!ãiüã füe:-
i •m ""'ª
.,., ,,'"'', l•1.11· ~i\,1, at · w 1 tl'\m~ da l\ll nulle& 1c11c11llna1 ~- .[,d11r,1.

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A111,f, '"'"" "'""""' ,,\flh1n,kn1•. o 1u1ot l"11ha 1ra1111nlllr 1llrr11 1 (h amhlc nln em que Lima 8urclo vai bu,car e apre,enta 05 ~eus
. Hl htan,..n.. ª'" _..., "''""'" 1 •ua ""'"'"'l'\I" t .(\ lf\l untlml'ntn
1
hrrtil, o vllAot ,Ao l11mhim ot m11i1 diver101 e de1nivelado,, Suas des•
..'tltll\ll '"" c,i.u~ ~l ~ t\l\\ln,\1\lm , JUf\11v11 oÍ· ª"'"' a 11 11111 t11: - crl~r.r, envolvem: Interiores dom~11ic01 bur1111e1ei e populare1, c,rabe·
··"'•d1 '" l"\'"\.•~ t ~ ~ ~,t,la, na l'tupo~IIJ dll t,1\11111\0 lrdmrntos de arande e pequeno comirclo, ca11inou bancas de Jogo do
.. •~lth"\ A '"'"lia u \ ~ "''ml-alC'nt.- , _alhbta fC'\\Alla l'º' llrmnl• blt.:ho, lc,1,u I cerlm~nla, bur,cueu,, co1mopolit11 , d vicu e P" PU•
, C'\hlc-ntt d\Jl mlul da Uma llan-ct\), -
lnrr•, h11rc1, malocu, bord~i,. alcovu , pen1f>e1 baratu, hot~is, /rig~J,
O Jrmldo • 1111 \\bra ln\'1111: .nllwlm,n11,, hlst6rko1, rela1;Õt'a
pnrilirlro,, rcp1rtlç/\e1 pÍlbllcas, mini1tfri01, gabinete prnidencial,
-J.'~'lm.1..lJ\'lall,_.'l!"'h ll'ffll\~• l\'1C'lal1, pollllu,, "'0111\mku , cu\•
cortiço•, l11vcl11, prlsõc,, ho,plcios, redai;/\e1 , livrari,u , confeilarias,
-llll&&II.J~Nl •·> teu ~ • .f\"t'nl\ml,"t,1; crUlu andai, moral , · Interior de navios, Irens, automóveis e bonde,, zonas rurais, ruas,
4-N,il~r"1..dt 11 • hbM¼:-11 t t'_'!ntlfk11;~ll'r6nclalaa &1tt1enlo lme:-
prnl11,, JnrdlnJ, teatros, clnemiu, estações ferroviárias, pontos de
~•••~.lh~tu QJ\il'IHV » ~ lll l.'l.'liJian~ 111h1W21,w\,\!ili,1111i:"A bonde, c1tl1, portos, escolas, academias, clubci, liiias clvicas, ca1ernas,
~~~"llll.1.!!!.IN"nl l\'k"lal, l bufflt'racl•, d11la1 blaarAfko~~ r~ i:cibur,m, ccmltirlos, circos, teatros de marionete, tribunais e oficinas.
Me,k 4c ·ecoe d n ~!líak~JUlikü..Dt. a1111cnl11s) o Ainiln aqui ~o verifica como a preocupação do autor f abranger o maior '.
~~!•.ICl hn,tllric-11. Pratkamente tudo o que de mala relevant0- ôfê-re~f~ ~11lume p,mlvel da realid:ulc S<içfa{, lraduúndo, tnctu<tve e wbrefudo,- - -- :
a ffabda• de"ªª 1.-«a, como N pode rerttber. E todo, esses tc111111 ·-11, suai várias fissuras e tensões. Sua atenção c,capa do cenário de
.ao"'"""~ ct. lal lann• e"°"ladot em lt'ua tl'lto,, quo nlo 10 poclo mArmnrc e cristal montado no centro da cidade e re~ado para a
j:

dillllle'Ü·b ou Isolar al,um dtle1 IOb r,tn• de &e c:om1,romclcr o efeito co11v1vê11d1 e sociabilidade dos beneficiados com as recentes trandor• 1
,raadialo pn,pkiado ~lo teu concerto, Tudo concorre para compor 1
nuu;ilcs históricas, para deter-se - demoradamente - na realidade 1• :
u111 unm10 m ~ . nade e turbulento, que despoja I B,11• lpoq11• do
llr'UI •t•\"l\11 de t,pulfllC'ia e frivolidade.
\
1
enfermiça que se oculta por detrb daquela fachada imponente.> ~
11uv11mentc o cfdto chocante e • insti11açllo ao leitor que o escritor
r
l ~'
A sak-ria de wua pcrsona,ena 6 uma das mais vastas o varlad11s CIICClll , l1•
da 1i1,ntura brnilt"ira,.Dr!t•cam-se nela, em partkul11r 1 os tipos 'l i
SL\o de l11r11a amplitude, igualmente, os registros históricos que
UÇ\ISQJ e nrcr,a.dDL=z. mu mesmo esses " perdem dentro uma lrii!o- ele entremeia em seus escritos. Compreendem: anot.1,iks locais, na• 1:·
!,
~ f•,ruras l"t"pttsrnt•tina dos mais diveno, meios. Slo burocrntas, cionais e Internacionais, todas envolvendo uma rigorosa análise dos
•panipadol, padrinhos, "lnflufncias", sr•ndca, mfdlo1 e pequenos nlveis socil\l, polltlco, econômico e cultural (nlo necessariamente
lq
;1
buraueses, arrivistas, charlatles, "almofadinhas", "melindrosas", sim11llii11cos o sislcmltlcos, 6 evidente), marcados por uma aguda pre• li
aristocratas, militam, populares, aente dos subúrbios, operArios, a~t•• cisl'lo cronol6glca e por uma perspectiva relativista, itica e voluntarista.
Essa perspectiva peculiar releva tambim de suas ~iscu\s1\cuob~Jito:._ r-l
slos, caixeiros, subempttgados, desempregados, violeiros, vadios, r·
mendigos, mandri~s. ébrios, capanaas, cabos eleitorais, capoeiras, _ sofl_o cln hlst_órl!' ,J.:.!!1'ª'- D~rctuois;!!a~mt ~[!\amc~t~__ç_lar.L_
prostitutas, policiais, intelectuais, jornalistas, bacharfls, ex-escr.avos _Jlos limitcu_~au>!'OPrlc~~~ º. sab~ ~u':'~"~~I_!\ J>.l_!!!cular d~
agttgados, criados, polltkos, sertanejos, moças casadelras, noivas, __gr~~le ..!!.'i~o_-~~ _s~~p~ l t[!ciil. S~\.C'?.._ffiE'!_Cnsão~~csso
solteiron•s. recfm-c•sadas, mulheres arrimo de familia, crianças, ca· · do conhecimento revela um fundo de k11(l~llli2,.J.WL!r!_d_uz 1~
:sa,o1;;,iníl1ícr, de quCn,eraltTtõrassl~uo, que comp_rte~de to~ \
~
sais, loucos, tuberculosos, leprosos, criminosos, adúlteros, uxoriclda 5,
sab~r como uma mCrà-~- rcscnfa ·!o sub ctiva da cons • csulta
agitadores. estrangeiros, u,ur6rios, mascates, grandes ~ pequenos
'da( um cíatÍvismo aê in!fu~que ~ ~'i?,i qualauer lntcrpre•
comen:iantes, •travessadores, banqueiros, de:.portislas, artistas de tea·
IAtAA clr~UuifülitwD,turalli~. ~ base amm1st1, q_u~ pr~tenda CJes:-
tro, cançonetistas, coristu e alcoviteiras. ~ m rtamento hum .
· do seu tem o · ue nos a areée agitado e tens 5
de leis naturais lmpon criveis. E se nilo silo as potestades naturais que
? s nos seus cios do que nas suas virtu es. odas as personagens
-
IM

;: .
NICOLAU SEVC'ENKO

cliriaem homem. 4"em ler Decessariamente


sua \'Oll _de. onmtados Pot •alores
lnoaquaaaoamaise lewadosdbem
homem. 4
·
. os seus dcslgnios e a
conscientemente estipulados dcn•

_ respeito l ~ d e I ljustiça entre 01
í
;-- .
LITERATURA COMO MISSÃO

é muito nossa conhecida". 1


166

bom rein asse ela lamb~m em outras repúblicas, ama das quais

A originalidade que particulariza a sua obra em especia.l, coo-


...,. __ _A li~tura de Lima Barreto se distribui por cinco gêneros: ro• tudo, é a coerência com que destr6i e abandona as teoriu clássicas da
~ sátua. coato, ã6iíiêã. epistoloarafia e memórias s processos separação dos estilos e a regra das três unidades. Vemos assim o autor
~ - que daen'f'Oh,e esses gêneros correspondem l narrativa tratar de lemas, ambientes e personagens referidos ao cotidiano, ao
~ ~ combinaçlo simultinea de generos, estéticas e esti- doméstico, às baixas classes sociais e, portan to, segundo a tradição,
~ l ~ de utiBc:ios retóricos. l linguqem comum e descuidada, somente merecedores de um entrecho de comédia burlesca ou de fana
popular. Lima Barreto, en tretanto, reseva pa~ gurantes de sua
' l IIOIUll telldellte l sitira e l par6diL Desde muito cedo, no inicio
mesmo de saa CUTeira de escritor, fixou como objetivo: "escapar às bra um tratamento trágico superior, que aufere a ma i í i i i i ã , ~
àqaDÇ6es dos mandarinatos literários, aos esconjuros dos preconceitos, humana a qu eles am hhcado que fica na conãiçàO~ ~rese -
exemp ar os dramas edil ma a· ntes da es · ~ Ein"""iuas
ao lanaulirio das rearas de toda a sorte". 5 E conduziu l priticà admi-
nt , um conteúdo de pantomima é metamorfoseado, recebendo um
ra'fàmeate essa proposta. buscando nas mais variadas experiências
litedrias os padr6es de que comporia sua arte, dosando-os com criati- tratamento épico ou sofrendo as ressonâncias de um fundo trágico. Os
'fidade. Esses modelos estio no romance francês, na ficçlo russa, na estilos são confundidos, havendo predominantemente a interpenetra-
_ __ aa,w:la ~ -inalesa. nas paribolas. do-classicismo.-00- teatro ção entre o bairn e n elevado Eventualmente o estilo m~d.io aflora e
_9!'"'ndin-..,. d e ~ ..-.aia aJ&o, sem prender-se a nenhum. repercute em estado puro em seus textos, mas somente para logo ser
submetido e descaracterizado em contato com os outros. A constante é
..Nlls rio ~ mais trmpo pc,p ,. pfcsirn-, critério de fixar rigi-
dos aeiíêriíí.
liií::í-ldõs, l moda dos n,t6rjms c14ssirru: l'Om as pro-
a fusão; é ela que dá à obra um tom geral homogêneo. E o autor tem
plena consciência das conseqüências sociais dessa orientação impri-
mida à sua produção intelectual. 1
I
~ do seu tempo e agtgjon;s Os gêneros que herdamos e
· a insistia em que as preocupações gramaticais e estilísticas
que criamos estio a toct,-. hera a ,e eatrslrçrr a se enxeriat,
não deturpassem a natur 1 a e os pe ,
_paraY&riareftpir• ~ • __ _ ______ -· ·--· -~
~ A instância procedia, polS o período era dommado por !l'i!n-
vogas literárias que , ambas, convergiam para o estiolamento das pro-
Variar e atrair. esse o mandamento a que Lima Barreto submetia duções artísticas, minando-lhes a vitalidade e calcificando o seu con- L
toda a sua criaçlo, com o fito evidente de maximizar a sua expressi- teúdo e força de impacto. De
vidade, reforçando sua capacidade comunicativa. ~ esse mesmo im- nante re resentado sobretudo e ·smo exacer a o
pulso, pois, que lhe SUKita uma manifesta flexibilidade no trato e l)letto, para quem "as palavras eram a própria substância da sua arte" .
combinaçlo de diferentes vertentes estéticas. Sua confessada admi- De lin uagem castiça e empolada, representando o" · · ..
ração pelo naturalismo, puticulannente de Alufsio de Azevedo, não se e compos1ç o ca ca a em expres ce 1cas e ~n!lldJLJic.
incompatibilizava com o apreço ao neo-romantismo, nas chaves de u fando numa algaravia - · u
Daudet e Rostand; o qual por sua vez convivia em harmonia com o gosto de amplo consumo dentre políticos hacbacéis e p rr:tco sos iote-
racionalismo de Sterne, Swift e Voltaire. Seus produtos estéticos res- lecru~A ambas Uma Barreto hostilizava abertamente, formali-
· sumam de difeaente»-RUDais, entretecendo nurna única trarna matrizes zando no seu próprio modo descuidado de compor, indiferente às con-
artistices crCêntJieM .. Fato que o autor anuncaa com orflilho e umo seqüências dos cacófatos e solecismos, uma critica firmada como desa-
ponta de ironia. fio às correntes oficiàis. Parecia tirar grande prazer, repetindo a qual-
quer pretexto que "toda a duvidosa e brigona gramática nacional me
"f que hoje não hi entre n65 aquela b1tolerlncia de escolas que tem por incorreto".
caracterizou o áureo perfodo do nefelibatisino:- Reina hoje na Todo esse impulso inovador tendia a levar Lima Barreto à pro-
· República das Letru uma arande liberdade de opinião que er~ cura de soluções originais e a tomar mais versáteis os recursos lite-
--.;--
UTERATURA COMO MISSÃO 167
166 NK'Ot.AU SEVC." UO(O
ririas.. aptos para ammilar l upcritncia artistka os múltiplos planos \ f • 01 9)01' as deformações Q.UC des.1)erter11 .Q_ !Xl:
~ revelar os seus de l:!t ux ~larment e eficaz no contn1o da arte
da rulidade, den.105 e complexos com que se dlspunhl l trabalhãt.
~ o que ocorre cam a wa utiliuçlo da parodia e da prosopopiia, por
_1J rc1.0 geral~ Um ~no:esmo tempo comoYe e revolta, suscitando
de Lima Barreto, pois ~o d ·o de açlo. o, modelos tanto
c:xemplo. Mas do experimento s muito limitados no conjunto da sua assim uma reação seguida de um e,eJ • . busci-los nos
obra. P r w mais sis1anitico, neue scnti°t5o, ua a constância com
que recarria l nriaçlo lllX:iolingillstica. procurando acentuar• carac-
para a Ironia quanto ~ara o humor~ a c~~ca:;;
grandes mestres do genero, folhean o avt am
;~,~&1 Dickens, Vol·
S' . ú
le:rir.açAo dÓ& ~ Procediment o que tanto acompanha a fala taire Balzac1 Daudet e Maupassant com destaque. lo m meras as
de ntrangàros de sotaque forte c:iomo nacionais de condiçlo humilde a
rcfer€ncias esses autores em sua obra. 16 Cuida contudo ~e Pfil~rvar a
ou ainda estranaan,s de condiçlo social inferior." .Ainda aqui, con• sua originalidade , de modo que d 1.f.1cil mente se Y"""•-
~...;.. 1ar seus
tudo, as alteraç6es trificas e prosódicas slo, via de regra, cautelo- escritos a um ou alguns desses autores em especial, antes a:correndo 0
sa.menir ao;pedas, impedindo a assimilaçlo com naturalidade do re- autor acrescentar muito de si próprio e dos outros ao que ~ de ada
curso imálito.. Hi pois uma mdente hesitaçlo no autor, que abre
um.
c:ammbos mas rmte os palmilha a.t~ a metade. A razio disso esti na Ao problema do amesquinham ento da linguagem e ~ literatura.
sua ~ de prantir uma ampliaçlo da comunicabili dade da .
ele tentaria responder ainda com uma rein.fusão de atualidade que as )
obra. mas sem UTOUbos que prowoquem a estranheza e a retração dos
lâ1ofts. . tonificasse, recuperando- lhes a antiga força e eficicia. Iria buscar esse i
tom de atualidade no fen8meno cultural que di-ridia com a ciência a i-
hegemonia das convicções neste perlodo - o jornalismo. O autor, cter- -· - - -
-Nio sou-êõâtrâ a inonlçlo, mas quero-que
não rompa de todo namente às turras com o jornalismo suspeito do país, apenas o admitia
1~
; f"
com os processos do passado, sen1o o inovador arrisca-se a não tacitamente. 17 No entanto, o efeito dessa opção sobre a sua arte era
9S'CIClliipaea ldido" • 11
Assim ~ ':" recursos_ búicos ~ sua ficção consistem inelu-
ta"webaea--•te - r m e na c:uicatura. A U'Onía a "s\lcJllí:nta tron!a ,
91
\

decisivo e mais d~ qu~ _evid~nt~. Sua estética , _por -~eio do Yiés d~


-iornalismo, se distinguma pnoc1palrneote pela s1ropbndade, pcíõ"aei
pojamento, contenção e espírito de sint~L-a p ~ à.- ÜA&'Jagr~

j
1 •
! 1.
![
t I
Í narrativa; enquanto que o tratamento temático se volt~a para o coti-- ·r
Gmã Bãriaõ a êóiíi:ebia numa enqadura bastante ampla, "que vai : diano, os tipos comuns, as cenas de rua, os fatos banais ê a l í n ~ ~ ;._
da simples m•Jki• ao mais prnhmdo b11mo11,", abrangendo pratica- ·· / usual. 1!_
inente a inteireza da sua obra.u Era o artiflcio atrav& do qual se sobre- _ 1 E.
Era ainda a premência da comunicabili dade que indicava e prati-
punha aos infinitos percalços q~ lhe entravavam o desenvolvimento da camente impunha esse caminho ao autor. Diagnostican do lucidamente
penonalidad e e da carTeira. Em certa ocasilo, procurando analisar e as transformaçõ es do público literário urbano - "tio habituado anda
explicitar as raiz.es do humorismo de Machado de Assis, traçou um ele aos processos jomalisticos"' - definia também a solução técnico-
perfil que era sem dúrida muito inspirado no seu. • estética que o meio lhe suscitava. Tratava-se de concertar meios e fins,
com vistas a um processo de interação predetermina do: " Quero falar
ººEle e a sua rida, o seu nascimento humilde, a sua falta de ti- das minhas dores e dos meus sofrimentos ao espírito geral e no seu
tulos, a sua lituaçlo de homem de cor, o seu acanhamento ,
interesse, com a linguagem acessível a eles. ~ este o meu propósito,
a sua timidez, o conflito e a justaposiçlo de todas essas determi•
o meu único propósito"'." Escoimado de seus vicios, que Lima censu-
nantes de condições, de meio e de individuo, na sua grande inte- rava com tenacidade, o jornalismo, ou seus aspectos positivos, fixaria·
ligência, geraram os disfarces, estranhezas e singularidade s de algumas das qualidades mais man:antes de seus textos, praticamente i
BrazCubas.•. ". indissociáveis de sua longa carreira de assiduo colaborador da im-
'1
1
prensa carioca. Seria ele que soldaria as~matrizes ficcional e confes-
Para confirmar a justeza do retrato, Lima Barreto afirmaria lapi• sional de sua obra sob o tom geral de crônica cotidiana.
<larmente em outra oportunidad e: "A ironia vem da dor" • 14 A linguagem final decorrente da adoção de todo esse conjunto de
Quanto à caricatura, ela deriva da sua convicçlo de que~- procedimento s literúios resultou numa solução bastante criativa. Ela \'
dade não fala por si; ~ preciw que da J:Cia exaeerada crlficameofc par:a se apresenta comum, transparente, descuidada, de comunicação ime-
~
1·, _. .
l i,t
1'11.."'0l.A\l !>EVCE.M(O
lrTER" TtJ U COMO MISSÃO 169
da.la, de mçlo j(,ma.fütka., enli •rttó . "--'
,ada de cT~b& t cha,ffl. . n~a. _..,,da de efellr>t, up~r• e universal, 1 de outro, •~segurava a mais ampla d1fus.o de sua obra e
P"quena •·ari9\lo taciob .. ,!nl:í:rtb&rti~ttva, fluente, bomogln u, de seus Ideais. Os conteúdos temáticos eram portanto oobilitados pelos
~ com
,,.Mlst1<:a. utdu.and o I parodia • 1 prosopo- recu rsos de linguagem e está modelada pela realidade que veiculava
t-~a. ff'~ador& ., dim.a, pouco mtta16rica, pouco lmagbtk a I elta• ,o
conjunto constitui ndo uma totalidade harmoniosa I votada l mixima
~~ COOCt'et&. Des~ fonna ela chega a \.onstitu ir uma unidade
viabi lidade comunicativa. Dai a força de penetraç io e impacto perfei-
t&mcn~ cocrm~ e uniforme_ cm que a fuslo de estilos ~nde para
a tamente calculad a de seus textos, ajustados de fonna notivel ao papel
prt,pna chmmaç lo da idéia de atilo. E Uma Barreto procurou preme•
crítico atuante e inconform ista a que ô áutor os des tinav a.
~?a.âmc nte ~ ÓCic&racteriu,çlo oo estilo, na busca de uma comu•
nicabil1dadc mau imediata e cxpragv a com um público muito mais
VI.~. •

~u por que• prcocupa çlo pcrtinu de atingir tlo intimame nte a 2. A Obra
um pubboo l1o •·uto? Por que essa ambiçlo, essa cobiça tlo furiosa de
comullic açio que marcou toda a sua vida literária? Sua concepçã Os temas nucleares da obra de Lima Barreto encontra m-se dis-
o
_ ~ 11..-ner.~t ilitina da arte o faria ronccbê•le como urna força persos pelos seus vários livros, cada um cruzando e entrern~ lando r
de r
• ~~ e de ligaçlo entre os homens. Permitia- lhe escapar vários deles. Na sua obra, cremos que o critério mais abrangen te
das para
_ m J u " ' ~ ~ e çohd 'IDIS D111 O pfflprlo~ 'ftlro dil decisões encamin har a análise do acervo temático seja o do poder, compreen
• -
~b?"e o destino da humanid ade. Ensejava a cada individuo isolado que dido numa acepção bastante particula r. Trata-se de uma sensibilid
ade
_ 1e iC11Wie..i,ncorporado prolundi mente no seio - muito aguda do escritor para JlCrct:;ber no interior da sociedade
da natureza e do uni- o
~ - Por isso mes;mo, ele êhega,•a a supor a literatura como um variado conjunto de procedim entos encadead os - compõnd"õ g. andeS
t!
_i:omp~enu, ou ~«iin eo para a religilo. 21 Eis suas c õ n V j;queõâ s cadeias, vistosas e invisíveis - ~ tendiam a constring
t~ ir o
sobre os poderei e os fim da literatura : pensame nto dos homens, tolhendo-lhes os me~
mento equ I ra o a person I a e e a justa inser ão social. Seu
o homem, por interméd io da Arte, não fica adstrito aos prc-
vis-
k -~
um r , es a perspec 1va, eng o ava uma penetraç ão vertical inci-
CCllm e preco ~ dê iCU tempo, de Scü nascunen to, de sua dindo desde as estrutura s políticas propriam ente, como o governo
_ pátria. de sua raça; ele vãi üem disso, mais longe que p~, e as
: ideologias, às instituições culturais mais salientes , como a imprensa
.,.;ITI alcançar ~ YÍdâ totil do Universo e incorpor ar a .sua va a ea
ciência, aos modelos forma,4zados de comport amento coletivo, como
-!1!.doM w,do". o
cosmopo litismo e o bovaris~ o. até às minúcias do relacionamento
cotidiano , cm que os símbolos de distinção definem sentidos de mando '
A arte i pois um instrume nto particula rmente eficaz e predes- L
e subserviê ncia ao nível do trato banal. Examine mos cada um desses
tinado. Sua correta utilizaçlo tem um efeito decisivo sobre a comu·
Didade humana. Sendo um canal de comunic açlo entre os homens,
i
temas e as posturas correspo ndentes do autor.
t
~L
As mazelas do governo republica no, Lima Barreto não se cansa
ao mesmo tempo • Yáculo de valores iticos superiore s e uma condi-
de causticá- las por toda a sua obra. Suas sátiras aparecem mais
cionadora de comportamelltos. Uma tal equaçlo de energias positivas con-
centrada s e mordente s contudo no Numa , a Ninfa, no Tri.sre Fim
alo poderia ser desperdiçada como o era pelo personag em que dt
"con- Policarpo Quaresma e no Vida , Mortt dt M. J. Gonzaga de Sá .
fundia arte, literatura , pmsame nto com distraçõe s de sallo". u
A Quanto aos contos, destacam-se neste aspecto o "Hussein Ben-Àli !·
única rdaçlo compativd com a sua grandeza e potencialidade 6 a AI I;
..militlncia JOI Bá!ec e Miquéias Habacuc " e "O Falso D. Henrique V". De modo
H •
mais sutil são igualmente expressivos os contos "Como o Homem
ConclUÍlldo, verifica-se que bi uma evidente e profund.a conexão Chegou" e "O Meu Carnaval " . Mas, de toda forma, em qualquer
entre os conteúdos e a linsua,em de sua obra. Adotando como recursos de
seus textos, Uma não perde a oportuni dade de .dtt\nocia r o
litedriol a mistura de eatilol e a Un,uapm deapojada, o autor garantia grau
ll~&liz a11te de corrupç i~litiça e r.çonômica que empestea
a10U1textos aefiddapreteadida. Por um lado, meatia 01 penoaap ns va o
rc11imc. A critica era tio mÂis contunde nte uma vez que o autot
populares e as Yltimu da abominaçlo IOCial de uma dignidade superior lot
mavâum a idiia bastante elevada das funções e fins da política:
170 NICOLAU SEVCENKO LITERATURA COMO MISSÃO 171

" .•• an&lisar as condições de ,ida de gentes que viviam sob céus institucional, representando ao mesmo tempo_ um sistema_de ~gurança
tio diferentes e de resumir depois o que era preciso para sua feli• . e um elemento da própria mecânica operactonal da Pnmerra R~ú-
cidade e para o seu bem-estar cm leis bastante gerais, para satis- blica. "Nascendo, como nasceu, com esse aspecto de t~or, d~ VJO-
fazer a um tempo ao jagunço e ao seringueiro, ao camarada e lência, ela vai aos poucos acentuando as feições que Já trazia no
ao vaqueiro, ao elegante da Rua do Outidor e ao semibugre dos berço" . 29 •• · · · .. - · · · - •· •• · • •· •
confins do Mato-Grosso( ... )".» Mas o fÚndamental para o autor, evidentemente, repousava n_o
efeito de toda e~sa pantqmima sobre o país_e_sua pop~laç~o. A_poli-
Entretanto, no choque com a realidade, o que é que o governo ticagem desenfreada representava o pleno regime da 1rractonalidade
republicano apresentava'! Um quadro de traquibémias de toda ordem, administrativa percutindo por toda parte e sobre todos, gerando mal-
enrolvcndo a concussão, o peculato e toda forma de prevaricação estar, insegurança, privação, miséria e marginalização. Para o interior
possivcl no conluio entre pollticos, "coronéis" e plutocratas. "Procla• ~ .opnlações rurais, o a.band~ _bsolnto-· nas cidades, °' bene-
mara-se a República e a polltica ofereceu ( ... ) campo mais fácil e ficiados constitu!am sempre o mesmo e dim'nuto grupo. As estruturas
menos trabalhoso para a vida abundante". Num pais de frágil estru• conom1cas da naç!o corno que se congelavam~na...esteirà da __
tura econômica, a condição de polltico era sin8nimo de regalias e agremiação politica, passando a definhar no marasmo. f: a reflexão de
dinheiro fácil para personagens empoados que "das privações de todos <; Pulic ú po Quaresma:
tiram 6cios de nababo e uma vida de sultão... ".• O conjunto do "Aquela rede de leis, posturas, de códigos e de preceitos, nas
sistema polltic:o, oligirquico e clientellstico se compunha de facções _ mãos desses regulotes, de tais caciques, se transformava em potro, em
agremiadas, aglutinadas desde· ã aliança de coronéis do interior até a polé, em instrumento de suplicios para torturar os inimigos, oprimir as
rede de cabos eleitorais e capangas urbanos, todos reunidos sob o fito populações, crestar-lhes as iniciativas e a independência, abatendo-as e 1
de se empossar legalmente dos cargos e cofres públicos, fosse com quais desmoralizando-as. Pelos seus olhos passaram num instante aquelas !·
recursos fosse, e então iniciar a partilha: faces amareladas e chupadas que se encostavam DOS portais das vendas
preguiçosamente; viu também aqueJ.as manças maltrapilhas e sujas,
Í
"Chegada que é uma facção ao poder, trata imediatamente de d'olhos baixos, a esmolar disfarçadamente pelas estradas; viu aquelas r
esbanjar a fortuna pública, a fim de manter e angariar prosé-
litos; e os cuidados materiais e intelectuais; os· de assistência ·e
saúde pública, ficam de lado, para quando? Para quando se con-
solidar no poder a retumbante agremiaçio política que está
sempre balançando ..•" •11
terras abandonadas, improdutivas, entregues às ervas e insetos dani-
nhos; viu ainda o desespero de Felizardo, homem bom, ativo e traba-
lhador, sem ânimo de plantar um grão de milho em casa e bebendo
todo o dinheiro que lhe passava pelas mãos ... " . 30
Fator igualmente de irracionalidade, insegurança e opressão L

, .._
t !..
r
eram as ideologias intolerantes. Suas considerações sobre elas se con-
O cenário era ideal para a ironia do autor: "Não há dúvida de centram principalmente no Policarpo Quaresma, DO Clara dos Anjos e
que a república se aperfeiçoa e a nossa democracia é exemplar". Ãs no Numa e a Ninfa . Elas deram origem também a um conto muito
falcatruas, empreguismo, filhotismo, nepotismo, ac:resc:entavam-se, é impressionante: "A Sombra do Romariz", e se acham difundidas pelos
claro, o arbitrio e os desmandos mais incontidos. Fato que levaria o "Contos Argelinos". A crítica renitente de Lima Barreto se dirigia
autor, pensando no quediva, nos sultões e nos miseráveis felás do claramente contra cinco correntes políticas difusas e mais ou menos
Império Otomano, a suspirar desconsolado: "Isto é bem um futuro intercambiáveis: o jacobinismo, o positivismo (enquanto corrente poli-
Egito •. •".• Diante da tibieza inelutável do Judiciário e do envolvi• tica e não como filosofia) , o florianismo, o hermismo e o republi-
mento da policia nas patranhas partidárias, a ordem pública ficava nas canismo exaltado. As diferenças entre essas linhas de pensamento e
mãos dos jagunços, capangas, capoeiras e mandriões. São personagens ação, como se vê, são mais de período de vigência que de conteúdo. Na
freqüentes da galeria de Lima Barreto os Totonhos, Nove-dedos, e esse verdade, o núcleo humano que as substanciava era praticamente o
curioso Lúcio Barba-de-Bode, "que não era propriamente um polltico, mesmo, por correspondências ou jogos de alianças. Todos concorriam
mas fazia parte da polltica e tinha o papel de ligá-la às classes popu- para uma forma de governo ultracentralizada, militarizada, ditatorial,
lares". Firmando ral.zes, esse "mandonismo republicano" se tomaria alimentadas sobretudo por fermentos anticlericais e antilusitanos.
172 NICOU.U SEVCENKO
LITERATURA COMO MISSÃO 173 '

- - --- ? que chocava particularmente o escritor era o caráter de dis- gadura do Jornal do Commercio, se tomava muito scnsívcC a r~~di- - -
...c~no fcçh~do dessas 1deolog1as, fundadas num co~o básico de rincl- mentos extraordinários. O principal dos quais era o suborno político,
_p~os que t11_1h.~ omo prilrclp::g vlitude OIY\dÍr os dÍmens cm !irrch- via de regra praticado pelo próprio govemo.33 O jornal p~sava ~si_m a
&lOnirlos e ~gos. Sua força derivava de um fundo utópico revestido operar como um reforço do esquema de corrupção do regime. ,.
do comprom1SSO. de proporcionar a harrnonià. e a felicidade social ao · · Outra · fõi'inaespúnâ- dé atuação eram as· campanhas jornalís-
cu_sto da prepotência e do despotismo. Inácio Costa, funcionário' pú- ticas, regiamente financiadas, para que o govern_o se comprometesse
blico, era um representante tlpico dessa mentalidade: com determinadas obras, beneficiando companhias fornecedoras, ou
. "Havia no seu feitio.mental uma grande incapacidade para a crí- interviesse no mercado de abastecimento em pr~veito de atrav~ss~~o•
tica, para a comparação e fazia depender toda a felicidade da popu- res . E como a quase totalidade das gazetas do Rio era de prop1:etanos
lação cm uma simples mod_ificação na forma de transmissão da chefia de origem portuguesa, colônia que ~ambém pra~camente do~mava o
do Estado. Passara pelos jacobinos florianistas e tinha a intolerância comércio e a indústria da cidade, Lrma nunca deixou de al~dir a um~.
que os caracteriza, e a ferocidade política que os celebrizou(. .. ). Nlio se relação estreita entre a imprensa e os interes~s da com~rudade lus1- __
dirá que não foi sincero; ele o era, embora houvesse nos seus intuitos tana,,.. Ã parte O suborno e as negociatas, o Jornal era amda o ponto •
alguma mescla de interesse de melhoria na sua situação burocrática. mais estratégico para o exercício soez, porém muito rendoso, do ;-
Julgava•se com a certeza; e, firmado na ciência, pois tirara toda sua "engrossamento" e da "cavação". Uma coisa aliás cond~a ~ outra. i:
argumentação do positivismo, todo ele baseado na ciência e conse- o elogio mercenário a um "figurão" normalmente era retribwdo com H
qüência dela, principalmente da MatemáticaLcondenava_os adversá- ____ _ -· um emprego público para o panegirista ou algum ~arente ~u:~ ·, '.
rios à fogueira". 31 ·-
_ o fato-mais grave porém. o que.mais aturdia.a sensibilidade do - -----';- .
Quando· esses· grupos aléançàvani ó- poder pÕlítiéo~·-.,a cidade escritor era O virtual e nefasto monopólio d_a opinião pública urbana \~ 1·
. andava inçada de secretas, 'familiares' do Santo Ofício Republicano, assegur~do pela impren;;:-Onico meio de comunic_ação_social de ampla \t
e as delações eram moedas com que se obtinham postos e recom-
pensas". "Não havia mais piedade, não havia mais simpatia, nem
penetração no perí~do, que~ q~er que, pela posição, r~lações ou te- f
cursos, tivesse condições de mflutr sobre urna ou um conJunto de reda- t
_respeito pela vida.humana ... ". Atingia-se o clímax da insegurança, da ções, teria pl~n~ projeção p~blica, recebe~do_ ~ividendos ~a forma de -~
incerteza e da opressão. A rotatividade dos cargos públicos era febril, mercados, sohc1tações, _n oton_e da_de, r:espe1tabilidade, convites, pr_omo: ___ ---,-~~t.
__ .•-...as gratificações pródigas e.as emissões torrenciais.32 · Se com os políticos
de carreira a ordem era irracional, sob os exaltados se tomava
ções; o que aumentaria ainda mais sua publicidade numa roda-viva e:n \1
crescimento permanente. E o que ocorria com homens, acontecena ·
absurda: o câmbio se tomava incontrolável, os preços do varejo en- também com idéias, opiniões e obras. Muito pouco sobrava para quem
travam em franca ascensão e os homens aptos e sãos, a mão-de-obra não desfrutasse desse aparato promocional prodigioso:
das cidades e do campo, eram incorporados sem consulta, como o foi
Ricardo Coração dos Outros, para formar os "batalhões patri6ticos", •;Quem não aparece no jornal não aparecerá nem no livro, nem
terror do inimigo e da população civil. no palco, nem em parte alguma - morrerá. t:: uma ditadura" .
A imprensa era outro dos alvos prediletos da mordacidade de
Uma Barreto. Seus ataques ao jornalismo, seus agentes e misteres Infeliz também de quem lhe caísse em desgraça:
aparecem mais densos e organizados no Isaías Caminha e no Gonzaga
de Sá. O primeiro, sobretudo, é em grande parte dedicado a ele. "Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a
O conto "O Jornalista" retoma o assunto de forma bastante incisiva e seleção das mediocridades .. .". 30
acrimoniosa. Sua critica à imprensa acompanhava as várias facetas que
a instituição apresentava nesse periodo. Inicialmente, por exemplo, De resto, era preciso manter o interesse público e garantir a ven-
denunciava o seu envolvimento com os cambalachos politicos. Dis- dagem. E todos sabiam r.-imo alimentar essa "fábrica de novidades",
pondo já de um equipamento técnico sofisticado, mantendo um razoá• daí a promoção dos es:.àndalos para incentivar a venda avulsa. Se os
vel pessoal nas oficinas e redações, mas sem a segurança de um público não havia, era preci~o criar. "Havia na redação forjadores de escân-
amplo e constante, a imprensa em geral, salvo uma empresa da enver- dalos; um para os públicos, outro para os particulares" . Dai porque
NICOLAU SEVCENKO
LITE RATUR A COMO MI SSÃO 175
!;ima _Bam.-to atribul a l impren sa tamMm o eplteto
nada lisonjeiro de acanha riam diante do mero bom senso. O efeito
fibnca de carapetões". Dela, dessa "Ubric a", de sua difusã o_nu~a
derivava em grande socieda de pluriét nica como a brasile ira eram
parte a regularidade do funcionamento do i:egime facilm ente preV1Sive1s.
: Havia ainda outro aspect o de extrem a gravid
ade decorr ente dos ·
"'N eleitos de uma ciência desenc aminh ada. O
aquc1a h ora, presenciando
· . \
tudo aquilo eu senti que tinha tra- autor constr 6i e narra
situações em que as conclusões científ icas,
va~ conhe ci~ent o co~ um engenhoso aparelh tornad as em dogma s,
o ·de aparições e "em artigos de fé, em Corão obsoleto", gerava
eclip~ , _espécie complicada de tablad o de mlgica m situaçõ es atro~s e de
e espelho de intensa opressão. B o caso da incorp oração
prestíd1g1tad?r, provocando ilusões, fantasmagorias da esdrúx ula teona dos
, ressurgi- carac teres adquir idos , na jurispr udênci a do seu
mento s, glonficações e apoteoses com pedaci tempo , estabe lecend o o
nhos de chumbo, vínculo entre os crimes, as taras patern as e a predis
uma miqui na Marino ni e a estupidez das multid posiçã o dos filhos. «>
ões. Era a im- Ou as situações de manip ulação indign a dos
prensa, a Onipo tente Imprensa, o quarto poder pacien tes cUnicos, como
tuiçlo"'. n fora da consti- no caso de uma partur iente que "um lente
de partos quis fazê-la
sujeitar-se ao 'toque ' por toda uma turma de estuda
ntes". Foi aliis esse
A outra institu içlo contra a qual se esbatia era a mesmo temor de uma manip ulação arbitrá ria,
ciência
elevada que se impun ha pela
l concllç lo de grande mito da Belle ~poqu e. Suas preten dida autorid ade cientifica sem qualqu
especulações sobre 1 er consid eração pela
esse tana slo consta ntes e se acham entrem eadas human idade do pacien te, que motivo u a rebeliã o popula r na violenta
com as narrativas do Revolta da Vacina , seguodo nos testem unha o
/saía Caminha, do Gonzaga de Sll, da Clara escrito r.•• E essa ima-
dos Anjos e de forma gem de pacien te transfo rmado em ·vttimã indefe
partic:ulan:nente agônica no Cemitério dos Vivos. sa -dianfe de- umã ciên-- ·
O "Agaricus Audi- eia absolu ta e desum ana surge com toda a força
t.c"' e "'Uma CODTer S&", s1o contos em atravé s de Vicente
que o tema reaparece com
c:onsistencia.. lima Barreto alimentava severas reserva Masca renhas , protag onista do Cemitério dos
milagrosa concep çlo dos nossos dias, capaz de nos
s contra "essa
dar a felicida
manicômio e entreg ue a um médico interes
Vivos , interna do no
sado em realiza r novas
Jj
de que experiências terapêuticas. "(Eu) tinha perdid r
as religiões n1o nos deram••• ". Mantin ha a seu
postur a relativ ista e idealis ta, recusando-se
respeito uma s6lida todo o direito sobre o meu pr6pri o corpo, era
o toda a proteção social, i:
como "'a expres são exata de uma ordem extern
a aceitar suas conclusões de anfitea tro de anatom ia". •1
assim como um cadáve r +
a imutiv el e consta nte". Lima Barrre to identificava tamM m algum as· atitude \,
Acreditava somen te que ''as nossas sensações
nosso entend imento , de acordo com as imagen
são interpr etadas pelo cação como responsáveis pelos males que assolav
s de mistifi
0 ---- --+
s de certos padrões am o país. Uma das \i.
(com) que ji estamo s predispostos a recebê-las ••• 31 princip ais dentre elas seria o cosmopolitismo,
". agente de distorções de '-·
O que lhe causav a conste rnação e incitava suas extrem a gravid ade como inspira dor das ações
tentes, era o cunho marcad amente discriminat6ri
diatribes insis- tema está no cerne do Gonzaga de Sá e do Polica
da elite do país. Esse E.
o da ciência da pas- rpo Quans ma, mas
sagem do século, sugest ionada e impuls ionado obliqu amente reapar ece també m no Clara dos
lista das metr6p oles européias. Era confes
ra da expansão çolonia- minha e no Cemitério dos Vivos . Exemp los de
Anjos, no Isaías Ca· f,
sadamente uma reação contos centrad os nessa t
defensiva de coloni zado diante da avalanche
senti, explic!lva o autor inconformado, que a
colonizadora. "~ que
ciência não é assim um
questã o seriam o "Cong resso Pampl anetár io"
Tio" . Sua posição nesse assunt o sempre foi
e "Miss Edith e Seu
clara, e transpa rece no
F
t:
cochicho de Deus aos homens da Europ a sobre comen tário que fez à obra do drama turgo Oscar
a misteriosa organi- porâne o. "Sua visão da sociedade nacion al é de
Lopes, seu contem- ~
zação do mundo " .39 lnevitav · um palace te do Bota-
rias de superioridade e fogo. Ora, aquilo não passa de uma macaq ueação
inferio ridad~ cialên êõntra riam ronta aceitaç ; não tem feitio seu,
ão na socie a não se parece com o resto do Brasil" . 0
-....óe pouc<>!..fgursos, onde a cooc::rrêneia pelas
oporhl sidade s era tão__, Lima conceb ia a sociedade brasile ira como
dramá tica que qualqu er forma de__rlirnioaçã o fruto da combi-
o ou desrnora)ização de nação de diferentes etnias e que em virtude mesmo
fCon corren·res e, a beuv in~lé m do mais dessa mestiçagem,
havia a heranç a da escra- havia atingid o um grau el-,vado de intimid ade
'ridão recente para ser contra posta a qualqu er e adapta ção à nature za
dúvida escrupulosa. Tais tropica l e virente do pai.. Abomi nava por isso
teorias , sobre serem falsas, acabavam contud o a preocu pação obsessiva
dando substl ncia e pre- das elites locais em tr~mi tir a unagem de
tensa valida de para atitude s segregacionistas uma naj;l!:u b1 ªot« e
que de outra forma se ' 'citiliz.ada" para 05 n:pu;se ntante s, visitantes
e mesmo para o pilb\ico
C1
/

//
✓ 176 NICOLAU SEVCENKO LITERATURA COMO MISSÃO 177
c:::curopeu, assim como a perspect'
a traves da ótica do exóf d . iva pe1a qual este encarava o pais, - Idade Média e começo da nossa: era o famoso animal de La
não bastasse . ico e o pitoresco, perspectiva essa que, como se Bruyêre que tinha a face humana e a voz articulada".
'blº F' era incorporada pela sociedade seleta da capital da
Re pu ica. ato que os tomava Ih d
quanto • aos O os• o autor, tão estrangeiros Perguntando a um desses matutos, Felizardo, por que não culti-
O
orgulho fs ~udrodpeuGs ou americanos, e contrà os quais despejava todo o vava o seu próprio sítio, Olga recebe a resposta pungente, atestando o
en o e onzaga de Sá:
desamparo:
"Fugi dessa gente de · Petrópolis, porque para mim eles são
"Terra não é nossa ... E 'frumiga'? .. . Nós não ' tem' ferramenta .. .
estrangeiros, invasores, as mais das vezes ~em nenhu~a cultura
Isso é bom para italiano ou 'alarnão', que governo dá tudo . . .
e semp~ rapinantes, sejam nacionais ou estrangeiros. Eu sou Sá
sou o Rio de Janeiro, com seus tamoios, seus negros, seus mula'. Governo não gosta de nós ... " 46
tos, seus cafusos e seus 'galegos' também ... ". 44
, E quando Quaresma vai pedir esse amparo e apoio básico aos
Há nesse senti~o uma nota curiosa na maneira como Lima enten- 1 nacionais diretamente a Floriano, a réplica do presidente cm função
dia essa situação. Para ele a antiga elite monárquica havia atingido um trai o estigma da indolência indevidamente aplicado aos sertanejos e a
nível bastante satisfatório e promissor de relacionamento e envolvi- fÕmiã .p redominante de relação com esses . personagens centrada na
. men!o ~m as düerentes etnias e seus matizes e com a própria natureza - ----·" repressão:.'. 'Mas pensa você, Quaresma, que eu hei de pôr a enxada na
/
br8:5i!~~,._~ } ! ~_de interpenetração que vinha em franco pro- ' __ mão de cada um desses vadios?) Não havia exército que chegasse .. . " . .,
gresso foi contudo bruscamente interrompido e invertido pela emer- · No ambiente das cidades, a cena se repete, com o mulato Isaías
gência da burguesia republicana cosmopolitista. São muito esclarece- Caminha encontrando obstáculos por toda parte. "Sendo obrigado a
~ras a esse respeito as palavras .que Gonzaga de Sá pronuncia ao trabalhar, o trabalho era-me recusado em nome de sentimentos injus-
JOVem mulato Augusto Machado, falando sobre os grupos sociais emer- tificáveis".48 Por toda parte se acumulavam as vítimas de um processo
. sos com o novo regime. inefável de estranhamento com relação às coisas e às gentes do país,
"Qual! São estrangeiros, novos no país, ferragistas e agiotas enri- gerando os magotes de vadios compulsórios.
7" - ~-quecidos-;- genteücrva..-.:võcêsesfãô separádofdeies por-quase quatro: ' . · · '.--:-.,-; - · O boVarismo, segundo a concepção do autor, era outra dessas
centos anos de história, que eles não conhecem nem a sentem nas suas atitudes mistificatórias caracteristica da nova elite e prenhe de graves
células - o que é de lastimar, pois esses anos passados dão forças e conseqüências para o conjunto do país. Esse tema constitui o âmago
direitos a vocês, que os devem reivindicar". mesmo do Policarpo Quaresma, formando ainda a fonte de contos
E sobre a elite imperial:· .. . . como "A Biblioteca", "Lívia", e "Na Janela". A compreensão teórica
"Vocês, os moços, fizeram mal em destronar os antigos. Apesar desse conceito procedia .de Jules de Gaultier, filósofo que esteve na
de tudo nós nos entenderíamos afinal. Vínhamos sofrendo juntos, ví- vanguarda da reação idealista e relativista ocorrida no cenário do
nhamos combatendo juntos, às vezes até nos amamos - entenderíamo- pensamento europeu no início do.século e sobre quem Lima Barreto fez
nos por fim. Estes de agora ..• " 45 ·
anotações e comentários desde 1905. Dessas leituras, o escritor deriva a
Estes de agora, alheiados do país, reservam à população nativa sua concepção numa síntese lapidar: ' '. O bovarismo é o poder parti-
um tratamento de descaso e abandono, Essa a conseqüência mais lhado no homem de se conceber outro que não é". Ele pode ainda ser
. drástica da atitude cosmopolitista e que afligia profundamente o escri-
tor. Eis como Olga, •~rinhã d~·Quaresma, viu a população sertaneja Lt
mensurado conceitualmente através do "índice bováricÓ" que "mede o
afastamento entre o indivíduo real e o imaginário, errti-é o que é e o que
ele acredita ser". Chega a ser um elemento positivo, pois define fins
do país, .--e'~.-::.-.. : . · superiores, orientando a ação dos homens no sentido de uma evolução
continua. Porém, quando careíi'te de uma sólida base· crítica· que· o - ··-- - ·
~~j~d~;;
..... aqueles párias, maltr~pilhos: ~;;.i ta1ve~ ~m to~e. regule, evitando que o indivíduo submerja na fantasia completa, toma-
sorumbáticosl ... " "Aquilo era uma situação de camponês da se prodigiosamente nefasto. 09 . - - -·. - --
1"11 N!COUU S'EVCEl'IKO UTERAnJRA COMO MISSÃO 17'1

. Conforme a própria naturcu do seu modo de pensar e criar, escravista dos desmandos dos chefetes locais, da falta de qualquer .
Uma Barmo tu wna aplicaçlo social desse conceito. A }ottm repú- • 1· '.ai e "da quantidade formidbd de impostos cobrados pelos
apoio o IC1 trabalho im ndo
blica estaTa toda lmm.a em atitudes bovaristas. Alib, a sua própria governos municipal, estadual e federal, tornando ~ . . ~ .
hmdaçlo fora decorrênàa de uma atitude bovirica: a fê incondicional 52
e afastando o emprego de capitais". Uma j&1p_aJS admitiu, por ~so, :·
na fórmula republicana, mais que isso, n'a palavra República, tomada o mito da preguiça inata do matuto, j u s ~ ou nio ~ mo~os
como a panacüa que resoheria todos os ~ales do pais. "Mesmo entre raciais comóera do feitio de seu tempo. Por outro lado, difundiu e
°' moços, que eram muitos,( ...) existia uma adoração fetlchica pela estimuÍou com verdadeiro entusiasmo o plano euclideano para a extin-
bma republicana. um exagero das Tirtudes dela( ... )". Mas, conside- ção das secas no Nordeste, sempre que teve essa oportunidade. l.J
rando os pr6prios grupos intelectuais, tidos como dotados de maior O bovarismo, era bem de se ver, turvava todos esses problemas,
capacidade critica, a emer&ência do novo regime arrojou-os numa tirando-os de foco e impedindo que se tomassem o centro das atenções
militincia nacionalista destemperada, de teor louvaminheiro e ufa- da população e do governo. Seu efeito era obscurecer, desviar e tomar
nista, embebido do mesmo otimismo ingênuo dos escritores gong6ricos estéreis as ações sociais, quer partissem dos limitados grupos de pres-
e dos poetas românticos. 1: a figura que vem admiravelmente carica- f-
são, do governo, ou dos próprios escalões intelectuais. De resto, a
turada na cindida penonagem do major Policarpo Quaresma. 50
Ora, esse ufanismo bovarista, assim como o cosmopolitismo, era
mesma atitude critica de que a sociedade do país tanto carecia era
prevista e descartada pelo bovarismo - organizado em discurso fe-
r'r.
~
outra forma de se alienar do pais, s6 que parecendo que se estava chado - que a tomava in6cua pelo próprio ato em que a identificava.
fazendo exatamente o contrúio. Era um efeito de fachada, ou o cosmo- ~ o que se depreende da resposta clássica com que Augusto de Castro,
politismo às aYeSSU. O único modo de vencer a ambos era atravês do
desenwtrimento da consciência critica e da inteligência capaz de itna-
burocrata e ulanistâ, desqualifica os refratários à sua pregação tão 11

lr"
otimista quanto leviana: "~ por isso que o Brasil não ui para adiante.

j
giuar alternatinls. De fato, essa passagem do ufanismo à lucidez critica O brasileiro é o maior initnigo da sua pátria". s,
resume a pr6pria trajet6ria do major Quaresma, slmbolo de uma inte- Espalhada por toda a sua obra, mas presente em especial no
1ec:tualidade que reformula suas posturas. Ela implicava sobretudo Isaías Caminha, no Policarpo Quaresma, no Gonzaga de Sá e em
uma mudança na forma de olhar, exigindo que se saísse das páginas
dos lim>s e da cultura letrada, das tribunas, das bibliotecas e dos gabi-
contos como "O Homem que ·sabia Javanês", "Um e o Outro" e "O f
Moleque", está.a sua invectiva implacável contra todos os símbolos de
netes, para um contato direto com a realidade do pais, sua natureza, distinção que, aparecendo com a sociedade republicana ou sobrevi-·
sua gente, seus campos, suas cidades. A experiência existencial dessa vendo dentro deta· indevidamente, minavam os pretensos prop6sitos
[
intimidade com o homem e a terra se encarregaria de traduzir-se por si democráticos do regime, estabelecendo níveis de discriminação que
mesma em consciência critica e avaliação das condições reais do pais, permeavam atê mesmo as pequenas relações banais do cotidiano. Lima
como ocorreu com Quaresma no seu sltio do "Sossego". Barreto, em sua obra, chega a montar todo um acervo desses slmbolos,
E era grave a impressão causada pela realidade para quem fosse delimitando a sua área de prestigio e poder no interior do mundo social
buscá-la fora da cultura impressa. "Sem a grande indústria, sem a da Primeira República. Eis alguns exemplos desses slmbolos: " As bo-
grande agricultura, com o grosso comércio nas mãos dos estrangeiros". tinas, os chapêus petulantes, o linho das roupas brancas, as gravatas
No campo a cena era desoladora. ligeiras", o "grilhão de ouro", a "medalha carregada de brilhantes",
o "solitário", "os colarinhos", "punhos" e "perfumes", os "anêis e
"A uma hora do Rio de Janeiro, estávamos no deserto". "Um alfinetes", as "honras" e "medalhas", as "patentes" e "galões" da
sabiá pôs-se a cantar e toda a dor daquela terra calcinada, exaus• Guarda Nacional, os anéis de carreiras universitárias, os "tltulos" e
ta e pobre vibrou nos ares". "O deserto cerca a cidade, não há "diplomas", as "bengalas" e "pulseiras de re16gio" e o "avental" dos
lavoura, não há trabalho enfim ... ". si médicos e cientistas. ··
Todos, objetos e slmbolos, destinados a definir distlncias e prece-
O escritor ia apontando as causas desse descalabro: a incapacidade de dências sociais, impondo graduações aos homens e submetendo-os a .
a população sertaneja vencer a natureza por sua própria iniciativa, peia rituais de submissão e deferência. Todos sinais exteriores e por isso
falta de recursos próprios e de mêtodo, como efeito da longa tradição tomando externa e superficial a avaliação das qualidades pessoais de
I "

-· NICOLAU SEVCENKO · · ·
LITERATURA COMO MISSÃO 181
cada um e sobretudo ocultando a incompetência, o nepotism
o, a inefi- seu vru_ç Jtl~~sor, encontrando na ct ~im ação
. -ciência·, oferecendo uma cobertura respeiti.vêi para â" concu~s ioqnes-
io: Àque- ____!i.Qnjy,
les.que s6 pudessem se apresentar como portadores de virtudes · • ões dos homens em
lntimas, uias aviltantes, desarrazoadas, quer procedessem das oligar-
como a s~ce_!id ade, a honestid~de, Q_talento e o esforço,
como lsaias _ Jll!Ã!UºYernantes, das id~ ogtas ra_ ~cais ou me~mo das atitu~es
Caminha, cabia suporta r todo ó peso dessas engrenagens cos-
e a pressão mopolitas e bováricas, tlp1cas do amvtsmo r ublicano, rodUZ1a
das suas sensações diante de uma tal situàção: - · · · · ·· m um
·• qua ro e orrores, opress o e mts na, profundamente ~
c~do na
~'Fiquei ~edro ntado diante das cordas, das roldanas, dos nova sociedade e irredutível, na sua solidez, para com as _mdmdu
con- a-
!idades desviantes. Os personagens de Lima Barreto, sem exceção
- . trapesos da sociedade; senti-os por toda a parte, graduanc\o
meus atos, anulando os meus esforços; senti-os insuperáveis
destinados a esmagar-me, e reduzir-me ao mlnimo, achatan
e
do-
os representam as vítimas dessa estrutur a plãsuca e cunstiin eente,
' formas de consciência e conduta de que ela se nutre. Alguns
, ou
011
passam e
:=
mecompletamente...". :-.5 ,,..- uma çoodição a outra como o Policarpo Quaresma, ou
oscilam nas
.flrnbrias de ambas, como Olga,' sua sobrinha. São entretan
to menos
Aos obietos-súnbolos somavam-se ainda os papéis-simbolos, comuns. A estética barretiana revela uma assinalada preferên
como os cia pelas
de jornalis ta, de doutor (qualquer possuidor de diploma cores firmes do que pelos matizes .
do ensino
superior), de diplomata, de funcionário público, de enferme
iro ou' de
escritor, de qualquer assunto, em qualquer tipo de publicaç
ão, desde
••• !. t

_ _ _que...tivesse.matérla.editad&-em letra de imprensa.. Os agraciad ' I


os, inves--
tidos dos p~J!, _do~dos ~çs_o~jetQs_ou possuidores.dos.títulos,
··· · ·-.;;nciaro-se de cómpartilhar de uma existência superior, con-
sendo pois
Paralelamenté a essa grande ce; a, ominosa e sombria , menos
evidente, porém variando em contraponto com ela, destaca-
espécie de segundo plano mais íntimo do autor, em que ele perlustr
se uma
r r 1
i~ f
também, ao menos parcialmente, bafejados " da graça especial a os
de modos de deformação, resistência e compensação desencadeados
mandar.. •511 nos
-e, por demais evidente que se todas as considerações recaissem personagens afligidos e delineia as aspirações através das quais
eles
sobre as apuências e convenções exteriores, o fen6tipo seria buscam rumos alternativos para a remodelação da prática social.
um ele- Sem
mento de alta relevância para distinguir os homens e definir o seu
papel
dúvida, jaz latente aqui, como de resto em toda a sua obra,
a inspi- f
:,·
no interior da sociedade; E de fato; a pigmenta:çãô eo·tipéi fisico ração haurida na experiência pessoal do autor. Releva entretan -·-
.eram to que; ~

dados primordiais e decisivos, se não fossem compensados por traduzidas numa criação artística, suas vicissitudes pessoais se
titulas, despem
papéis, objetos e quaisquer outros símbolos. Eis o depoimento do caráter confessional, adquirindo uma envergadura simbólica,
do mu- trans-
lato Augusto Machado: "Era doloroso peregrinar com o opr6bio pondo o campo de significação do particular para o geral, do individu /-
à al !..
mostra, à vista de todos, sujeito à irrisão do condutor de bonde para o social, do incidental para o universal. 58 Esse segundo conjunt
e do o '
ministro plenipotenciário...". lsaias Caminha sabia que s6 lhe
restava
de temas, portanto, se completa inextricavelmente com o primeiro
, i,
um recurso para escapar a um destino prefixado: "Ah\ Seria Doutor\ constituindo uma dimensão sensível que vibra conforme o diapasão
das !·
Resgataria o pecado original do meu nascimento humilde, amaciar injustiças expressas no primeiro , acompanhando suas ressonân
ia o cias
suplicio premente, cruciante e onlmodo de minha c~r ...". E quando mais profundas.
esse mesmo Caminha consegue com enorme custo ··enquadrar-se l:., por exemplo, notável a insistência com que Lima Barreto per-
na fila personagens fragmentados. Seja o Isaias Caminha, sejam
sociedade, não o faz sem um fundo de remorso por ter•se submeti o Au-
do a gusto Machado e o Aleixo Manuel no Gonzaga de Sá, sejam ainda
tantas injunçiles infamantes que o fazem sentir-se "muito diminui os
do de personagens centrais dos contos "O Moleque" , "O Filho da Gabriel
mim próprio, de meu primitivo ideal, caido de meus sonhos, a",
sujo, "Cl6", ''Adélia" e "Uma Conversa Vulgar". Os fatores da repartiçã
imperfeito, deformado, mutilado e lodoso" .$l .. o
.Todo esse universo temático , centrado nas p•6ticas de coerção · dessas personalidades variam. Na maioria dos casos são mestiços
, e da
· · ação e margin · lo · ambigüidade étnica é que deriva a "rachadura" da consciência. 19
om õe como uma trama Às
densamente én- - · .nas plginas ·do escritor. Tendo na imprens vezes, a desagregação interior decorre da elevação da sensibilidade
ao e da
espiritualidade, em contraste com a mesquinhez da vida material
,
!:
1
182
· NICOLAU SEVCENKO LITERATURA COMO MISSÃO 183
como é o caso de "Adéli a" , marcad a por um distanc
iamento entre o al" 64 Sua fixação nirvânica sempre exalou um forte
corpo aviltado e a pureza do olhar. 60 També m o aro~a de pessi- ·
desencontro entre a s . · ....:,teza e amargu ra nas quais aliás o autor presum
vida pretens amente civilizada e os impulsos primâri nusmo, u.., • ia encont rar
os do organismo . ....: ••s m•;• gerais da existência human a. ' ,A Vl"daé sé ·
acarret a a dessedimeotação da personalidade, como
ocorre com "Cl6". . as direu= = . . cousa na e o
sério na vida está na dor, na desgraça, na miséna h mild d " 65
O caso mais expressivo contud o é o do ~rsooa gem , na . u. a e ·.
do conto "Dentes Desse conjunto de elementos se destaca uma ~as pecu~a
Negros e Cabelos Azuis" , melaoc6lico portado r dessa ndades m~s
aberração. Essa marcan tes do imaginârio do escritor , sua manife sta
narrativ a reúne e resume todas as características acima. fascmação rela~~.ª
Vítima de um " ao mistério, ao espesso mistério impenetráve!, em
assalto ,-·esse mutant e, solicitado pelo iadrão, confess n~ e _fora ~e no~ •
a-lhe o trauma- Essa entidade fazia transcender da sua pr6pna substan
tismo dolo ~ provocado na sua personalidade por cia erugmá tica
um processo impie- . um halo místico que significava a identidade e solidar
doso de aboDUOação e segregação social, envolve iedade íntima de
ndo a sua natureza todos os seres, na suas limitações e na sua pequen ez,
sensibi lidade, anseios, alteran do o seu equibõrio mental diante do irnen•
e inspirando'. ·surável e do incogoosclvel. Era esse impulso que
lhe obsessões, medos e fantasi as paran6 icas. 61 inspira va no autor
Outro modelo de persona gem habitua l nas pãginas
do autor é o · " o encanto da hesitação, do vago, do impreciso,
misant ropo, individuo desiludido com o sistema opressiv da névoa, do
o da sociedade mistério de uma alma sem certezas, tortura da e angusti
e que se retira para o isolame nto de um sítio no meio ada por
rural. Não se trata não se entender a si mesma, que se vê mergul hada
eviden tement e apenas de deixar a cidade pelo campo, no Indeci-
a solução é mais frável e no Infinito". 66
radical e implica um abando no completo de qualqu
er convívio social
em função de um eremiti smo introvertido e afanoso
. O seu modelo il ..
Era o seu golpe de miseric6rdia calcado sobre uma socieda

'
simból ico para a cunhag em desses personagens é o de assenta da
Capitão Nemo, visto toda ela no otimismo, nas certezas positivadas e nos
como um desenganado que partiu "aos quaren ta prazeres comezi-
e cinco anos, para nhos da mesa farta e do desfile de modas.
nunca mais ver o mundo ( ... ), no seu 'Nãutil us' . " 61
é o person agem mais conhec ido dentre os desse
Policarpo Quares ma
feitio, embora ainda
Já estã presente nessa concepção de mistério aquele que
é o ponto
l
mantiv esse a compa nhia inseparável da irmã e nodal de sua obra, representado pelo tema da solidar J
a camara dagem dos iedade, idéia base
e loco de todos os caminhos percorridos pelo autor.
seus dois empreg ados. Figuras características desse
ainda os contos "O Único Assassinato do Cazuza
· Deputa do" e "Foi Buscar U .,.. ". O isolamento é
modelo animam
", "O Feiticeiro e o
sempre acompanhado
posição a esse respeito é clara: "A grande força da
lidariedade . .. ·
Sua tomada de
human idade é a
concepção venho para as letras disposto
j
de livros, trabalh os agrícol as incansáveis, met6di
cos e em bases téc- primeiro s:ntema da auten · ·
1.
m;z:en tifícas , tudo ocenia do por nm padrão de
di1Ígênç1a é raciona misto de desprezo e náusea que o autor votava a
li estranh o ao meio circund ante. Os misantr opos recriam toda e qµal quer
no ermo ' ah e simbolo, ob· eto ou ssoa que pudesse si · ·carum
~ m tipo de enstén cta 1dêãi, que Eo myen;n e a única alternativa a
digna ameaça para a identifica
para a socieda de de qne se exilaram O seu banime nto nda entre todos os seres humano s. ~e
voluntârio E. _ _ ss1m era com a coocorrência, as rivalidades, as hostilid
uma curiosa fo a de vingan ça inflingi da contra ades, os ani-
uma sociedade "que mais feroUs . os:ialoS de hÕga os esportes violento
não roveita as aptidões ab s, a guerra, os '....
motins e levantes uer forma de conflito e violênc ia enfim. Era
Dã-se o mesmo com as nossas ri uezas naturais: ·azem
o sedante a sua revolta contra a "filosofia da força",
A co cta extrema desse estranhamento com
respeito à pretensamente
sociedade, conver tido num anseio profun do de solidão, inspirada em Nietzsche e divulgada por Gabrie le
d' Aonunzio, que
seria represen- chegou a constituir uma legião de ac6litos no Brasil
tada pelo designi o da aniquil ação nirvbi ca. Vimos desde o inicio da
que esse era um segunda década Íio século. 61 Contra todas essas atitude
tema típico dos escrito res do periodo, mas nenhum s que produ•
o levou tão a fundo ziam a dissolução da coesão social, afrouxa ndo
e com tanta obstina ção quanto Lima Barreto . Ele qualqu er impulso
repont a sua obra por fratemitârio, o autor exaltava as virtudes do amor,
toda parte e revestido de características particularmen da bondad e e da
te agônicas, doçura . 09 Sua obsessão para com a comun hão dos homens
como na confissão do Didrio do Hcnplcio: "Queria matar tomava-lhe
em mim todo sobremodo repulsivos os critérios, quaisqu er que fossem
o desejo;
aniquilar aos poucos a minha vida e sumir-me no todo
univer• cessem divisões no interior das sociedades ou entre
, que estabele•
elas.'° N~ dai
184
NICOLA U SEVCENKO
LITERATURA COMO MISSÃO
justamc n_te a s~a pretens lo de dispor da literatu ra 18S
substân cia adst.." -nte
~ ~"-----===::..:=e.,:..~--=-
como de uma
, capaz d e rccu erar e estabelecer em definitivo Ê o mar ainda o campo semântico privilegiado do nírvanis
mo e
~ da tristeza. n Ele é q::e guarda também a mem6ria da
caQ!_grupos sociais e mesmo entre as v as escravidão
moderna, com todas as suas 'Tl&zelas de tirania e desuma
nidade, dai
. Simultâ nea à preocup ação da soHdari~dade, ha~ia sua conotação de dor, sofrimento, humildade e tristeza. 76
~o autor o O mar se
-:nsc10 de uma estabili dade fundam ental '1e todas as coisas, que associava ainda à permanência, solidez e eternidade das
neutra• serras que o
liusse toda forma de concon !ncia entre os homens ·e reorient arrostam. 77 Há na caracterização do "mar insondável"
asse as um evidente
cn~as _dal retirada s no sentido de um convívio mais ln nexo entre ele e o mistério incognoscível que tanto obscdav
timo, profundo a o escritor.
e sunpáti co com a natureza, seus frutos e seus filhos. Por Aliás, não por acaso, a morte do venerando Gonzaga
toda parte em de Sá ocorre
sua obra, abomin ando as atribula ções sociais, o autor justamente quando ele se abaixava para colher uma flor contemp
se entrega a lando
longas descrições da paisagem ou de prédios que evocass o mar. 71 Envolvendo todos os povos da terra com a sua imensa
em simboli• massa
camente esse efeito de fixidez, perman ência, placidez e eternida líquida, indiferente a distinções nacionais, culturais, sociais
de. Seu ou étnicas,
olhar deliciado se demorava nas encostas dos morros cariocas o mar é por isso também a metáfora mais adequad a para
, -CObertas representar o
de Oorestas milenares, na "solidez dos casarões" imperiais princípio e o anseio de solidariedade entre todos os homens
seculares, do pla-
nas "serras graniticas" que cercam a cidade, nos "Ôrgão neta.79
s", nas Há portanto , visíveis, duas dimensões na obra de Lima Barreto,
"rochas antiqul ssimas" que constituem a base geológica do
Rio de Ja. uma primeira organizada em torno da temática do poder e
neiro, admirava os "velhos móveis de jacaran dá" das antigas seu efeito de
mansões. separação, discriminação e distanciamento entre os seres
_ _ __.,Sua-i mpressã o- sobre-o -velho- Palácio -lmperi e uma se•
al-é·-mu ito-significativa.--- - - · - - · - ·gunda, cujo arrranjo provém da experiência dolorosa
dos " humilhados
e ofendidos'' e que converge para-o ideal da máxima confrate J ~--.'
"Todo ele( ••• ) tinha uma tal ou qual seguran ça de si,
um ar de entre os membros da humanidade. Ambos se revezam aci
rnização 'r ~
longo de sua
confian ça pouco comum nas nossas habitações, uma certa
dade, alguma coisa de quem se sente viver, não por um instante
mas por anos, por séculos ••• As palmeir as cercavam-no,
digni•

erectas,
,
obra, produzindo pelo próprio choque da sua discrepância
tado afirmativo, na medida em que a atmosfera angustia
meiro nível gera uma ansiedade de solução e alivio, que são
um resul-
nte do pri-
i.

j
-- - firmes, com os seus grandes penachos verdes;- muito-a fornecidos
ltos; alon- pela segunda. Dessa forma, esse segundo plano do texto,
gados para o c:éu que é também
-- - ---- -- - . . .. .. .
-~-. -.- ...... n ----~~ -- -=--- --· __ ___ ,___ __, _ ___o fundamental, resulta reforçado por si só, em virtude
. da expectativa
- tens-à que o precede e que ele vem aquietar, além de aparece
Tem esse mesmo sentido uma certa nostalgia que o escritor r elevàdo
even- na sua imagem de humanidade e altruísmo, diante dos
tualmente manifesta por uma ordenaç ão clinica da socieda exemplos
de, evoca- desprezíveis do arbítrio e da cobiça. Era muito através
tiva de um passado patriarc al, em que a solidari edade se desse efeito
impunh a pelo sincopado que o escritor conseguia, ao esboçar o regime
conYivio das geraç6es, pela perman ência do patrimô nio da irraciona·
e pelos sólidos !idade e da injustiça de um lado, realçar, do outro, a dignidad
rinculos com a terra. n e íngê-
nita dos humildes e desprezados, sua afinidade mais estreita
A última imagem dessa ordem de temátic as seria a do com a
mar, que terra e a natureza, seu impulso fratemitário mais prement
00 entanto , operand o como uma metáfor a sinérgic a, abrange todas as
e, podendo
ainda vislumbrar na sua dor e impotência um significado
demais, fundind o-as numa sintese de elevado poder místico dos
expressivo. Seu limites c6smicos da condição humana .
fascínio pelo mar é confesso, e seria ele o palco dileto
de seu exllio
voluntário.
_
"O mar e Jules Veme me enchiam de melancolia e sonho. ( ••• )
Sonhei-me um Capitão Nemo, fora da humani dade, 3. Os Fundamentos Sociais
s6 ligado a ela
pelos livro, precios os( ••• ), sem ligação sentime ntal alguma
no plan~ta!
vivendo no meu sonho, no mundo estranh o que não me
compre endia a Se buscarmos compreender agora a visão de mundo transmi
__ mágoa, nem ma debicav a, sem luta, sem abdicaç ão, tida
sem atritos, no pela produçã o intelectual do autor do Policarpo Quaresm
meio de maravilhas". 74 a, encontra-
remos como dado primordial a mesma concepção de inversão
da reali-
li
\: 186 NICOLAU SEVCENKO LITERATURA COMO MISSÃO 187

dade já apontada alhures. Também ·para ele o advento da República condenação de qualquer princípio de solidaried_a~ de antem:o. Daião
promoveu uma ins6lita elevação da incapacidade e da imoralidade, desenvolvimento do "canibalis mo dos argentário s. e a trans ormaç o
às custas da marginalização dos verdadeiros homens de valor. "De- .
do "preconceito em conce1•to " · A n·queza• as posições' os cargos, os
mais, tudo tem sido invertido, baralhado, passado do branco para o , b I d d' tinção de carreira e _o saber passaram a exercer a
s1moo se1s •
indigna função de separar e indispor os homens ~n tre·
preto, s6 o savoir vivre mantém-se no mesmo! ... ", alvitra o malicioso _. t
Gonzaga de Sá. O talento, a razão, a hon~stidade e o esforço estavam s1, enquan o a
República cumpriria O papel de "enriq~ec er os ncos e empobrec er os
em maré vazante e a sua ocorrência depunha contra ·os seus deposi-
pobres" . 86 O juizo final do au! or é drástico: .
tários, qu~ se viam desprezados e preteridos . "Por força, pensei, devia
haver gente boa por ai .. . Talvez tivesse sido destronada, presa e perse-
guida; mas devia haver ...", ponderava !saias Caminha, muito assus- "Nunca houve tempo, em que se inventassem com tanta perfei-
tado, crendo encontrar-se "entre yahoos" ferozes e sentindo "impetos ção tantas ladroeiras legais. A fortuna particular de alguns, em
de fugir antes de ser devorado .. ." . 10 Essa era pois a concepção. mais menos de dez anos, quase que quintuplicou; mas o Estado, os
ampla que o escritor tinha do seu tempo: o pais estava entregue "à pequenos burgueses e o povo, pouco a pouco, foram caindo na
desmoralização nas mãos dos mediocres", enquanto que "os expoentes miséria mais atroz". 87
da intelectualidade eram considerados como mediocridades". 81 O
Brasil constitufa portanto a pr6pria "Repúblic a da Bruzunda nga",
Esse abandono completo do povo seria o aspecto mais dramático
ou o "Reino de Jambom" , espécies de sociedades bizarras, onde os
da cena republicana, e o autor a descreve com uma verve composta por
valores e as referências operavam às avessas.·- - - -- - -superlativos·e metáforas-depressivas: -· ·· - · --· .... - -· .. · rj
- O mecanismo . que desencadeara esse processo de inversão era
prontame nte identificado na "ganincia de dinheiro, na anestesia ~
moral... o cinismo de processos para obter riquezas" , que tomara "O povo do campo, dos latifúndios (fazendas) e empresas deixou L:.
corpo desde a adoção do novo regime. 82 ~ na notação moral, como já a agricultura e correu para a cidade atraido pela alta dos salá-
foi visto, que o autor busca as causas mais decisivas para os processos rios; era porém uma ilusão, pois a vida tomou-se carissima. r'
de transformação hist6rica ".;. todos os males vêm da cupidez. Quan- Os que lá ficaram, roldos pela doença e pela bebida, deixaram-
do foi que vimos patrões, negociantes, argentário s mais cúp_idos que _ se ficar vivendo num desinirno de agruras. Os salários eram bai-
atualmente?"&] A redução de toda vida social ao processo vil e desen- xissimos e não lhes davâm com· que se-alimentasséin- razoavel- - ---
freado de "caça ao dinheiro" acarretou a "desagreg ação ita sociedade mente; andavam quase nus; as suas casas eram sujissimas e
tradiciona l", a "desmora lização da autoridad e tradiciona l", gerando cheias de insetos parasitas, transmissores de moléstias terriveis.
uma "burguesi a insegura" que, embora fruisse de todas as regalias da A raça da Bruzundanga tinha por isso uma caligem de tristeza
nova situação, não contava com um sistema rigoroso de posições e mora-
lidade definidas, que a garantissem em seu posto atual através de um
o
que lhe emprestava tudo11uanto ela continha: as armas, esca-
choar das cachoeiras, o canto doloroso dos pássaros, o cicio da
método eficiente de repressão ao aventureirismo, ao arrivismo, à simu- chuva nas cobertas de sapê da choça - tudo nela era dor, choro
lação e à ganincia incontfveis que ela pr6pria desencade ara.14 O autor e tristeza. Dir-se-ia que aquela terra tão velha se sentia aos pou-
• u 88
caracterizava essa nova sociedade de referências fluidas como a "socie- cos sem Viver... .
tas sceleris", ou seja, o sistema que premiava a "brutalid ade", o
"egoismo ", o "banal", a "decadênc ia dos costumes ", o "gosto de
massa" e o "preconce ito". 15 Nas cidades, o quadro se tomava ainda mais chocante, visto que
a miséria geral da população contrastava vivamente com os palácios,
A força da nova sociedade estava concentrada justament e nos .
comporta mentos mais anti-sociais, elevados à condição de valores má- avenidas, parques e jardins da Regeneração. Desse paralelo confran-
ximos da elite: o gosto pela fruição do conforto material e pelas situa- gedor o autor derivaria uma de suas imagens mais pungentes. " A Bru-
1.undanga era um sarc6fago de mármore, ouro e pedrarias, em cujo
ções de privilégio e superiorid ade, despertan do a cliscrimiriação e as
seio, porém, o cadáver mal embalsamado do povo apodrecia e fermen-
mais variadas formas de desprezo mútuo entre os cidadãos. Era a
tava". Eis com que dorida sutileza o autor transfundia as favelas que e!

l
188 -.-· NICOLAU SEVCENKo -· ·
LITERATUR A COMO MISSÃO
189
It cingiam · os ·cumes · dos- morros . cariocas no · verdadeiro diadema do
regime. nenhum propósito de · favorecer. a comunhão geral".. .!<- Constituiu-se-
assim uma atmosfera em que
f
· :·~ :__-::_:. "Ap~sai; -!1~!\fxs,~ osé<i; _1:>_árJ:>! ro_ e .branco·,--do_s_palácios e 'pers- "o mal-estar da população cresce sempre, a especulação de alto
. _ ·· · pec~vas cen~gráf1cas, a vida das ci'dades· era triste, de provocar a baixo prolifera, os agiotas e bancos de agiotagem .:. distribuem .
lágrimas. A mdolência dos ricos tinha abandopado as alturas pasmosos dividendos em relação ao valor das ações. Maravilhoso
de!a, ,.as suas__colinas pitore_scas, e __os p_oJ:>res_. os_mais_pobres, sintoma". 95 ·
de mistura em toda espécie de desgraçados, criminosos e vaga-
bundos, ocupavam as eminências urbanas com casebres mise- Resultava dessa situação turva o estimulo aos comportamentos de
ráveis, sujos, feios, feitos de tábuas de caixões de sabão e co- "concorrência, competiçã o e conflito" , na mais cristalina consagração
bertas com folhas desdobrad as de latas em que veio acondicio- do princípio do "struggle for life". 96 E é esse justamente o efeito
nado o querosene. Era a coroa, o laurel daquela glacial transfor- fundament al que mais diretamen te choca e deprime o escritor, pois,
mação política ... ". 89 conforme foi visto, sua crença era diametralm ente oposta: " ... com a ·
marcha da evolução aquele aspecto, a luta vai se apagando para deixar
campo livre para a solidaried ade". 97
Curiosame nte, todo esse amargo pessimismo era voltado em úl-
A reação de Lima Barreto diante de todo esse panorama era
tima instância para São Paulo, considerado pelo escritor como a capital
cabal, porém adstrita ao espaço da mais completa independê ncia. Ele
- - do-'-'espírit o burguês'.' e da. "avidez de dinheiro'.'.,. identificado como o ~:
recusava qualquer ·espécie· de alinhamen to ou categorização· que lhe- -
foco original. de..toda_a_'.' nova.cupidez''.. que dissolvia a sociedade na- - -~_, • - ~ -
restringisse a mais completa autonomia de pensamen to ou que classi-
cional. Era ali que se sediava toda a "opressão econômica" e todo o 11
- -:l.
ficasse os seres humanos em grupos diferenciad os por qualquer cri-
"mal do Brasil" de então. 90 Por trás de São Paulo, ritmando-l he os /
tério. " Para mim s6 há indivíduos " , frisaria .Gonzaga de Sá, "sabes
impulsos, estariam as metrópoles européias, em particular a Ingla- •· •
bem que não tenho superstiçã o de raça, de cor, de sangue, de casta, de
terra, e, muito especialme nte os Estados Unidos, país tido pelo autor
coisa alguma". E mais adiante repisaria a mesma conclusão. "Os
· comb o simbolo universal do espirito burguês, da avidez material e da
indivíduos me enternecem , isto é, o ente isolado a sofrer; e é sól
discrimina ção étnica.•• Com sua amb_!ção __!1_es~ed}!l_a eel.~ l!:1_c:ro econô- Essas _criações abstratas, classes,_povos, . raças não me tocam .. . .Se
. .-·-intci>;·São Paúfo ·se-eíitrégâi'-a·à explói-ação défodo ó pàís afrávés da sua efetivamen te não existem(? .. . " 98 •
"calamitos a oligarquia ", "a mais odiosa do Brasil, a mais feroz",
Assim sendo, não surpreend e a sua preocupaç ão em salientar o
comandad a por Cincinato Braga, o "general da oligarquia ", e de seu
seu desligame nto de qualquer corrente política organizada . " O que
sistema peculiar de espoliação do país por meio do "Plano de Valori- lenho são implicânci as parvas(. .. ) e não é em nome de teoria alguma,
zação do Café", do principio da "Socialização das Perdas" e da "Caixa porque não sou republican o, não sou socialista, não sou anarquista ,
de Conversão ". 91 não sou nada: tenho implicânc ias". 99 Mesmo a sua declarada simpatia
Afora esses agentes, e em franca colaboração com eles, encon- para com o maximalis mo nos anos críticos de 1917 a 1919 derivava de
tram-se os demais responsâveis pelo infortúnio e mal-estar que se apos- sua compreens ão dessa doutrina como um reformism o amplo e difuso
sou da sociedade republican a. São as "falsas indústrias" , criadas atra- da sociedade liberal " a aspiração de realizar o máximo de reformas
vés das negociatas e subornos para, em nome de um pretendido prote- possíveis dentro de cada sociedade, tendo em conta as suas condições
cionismo alfandegár io, explorar a população com preços exorbitant es particular es". O autor a absorvera em comum com Monteiro Lobato,
de monopólio ." Mas sobretudo as "elites politicas", entregues a uma do sociólogo positivista evolucioni sta argentino José Ingenieros . E nos
luta brutal pelos cargos, à farta distribuição de "comissõe s" aos seus artigos em que propõe a sua aplicação ao Brasil, destacando as suas
apaniguad os, ao cultivo desvelado do nepotismo e do "filhotism o", aos quatro propostas princip:.is - denegação de pagament o de juros de
subornos industriais e aos "fornecimentos" sem concorrência para as apólices, confisco dos b ... ns das ordens religiosas, extinção do direito de
grandes obru e campanhas militares. Para Lima Barreto, a politica testar e estabeleci mento do divórcio - além do cientista social platino,
nacional tinha dois objetivos exclusivos: "1) fazer fortunas; 2) não ter busca referência s em quatro autores clássicos do liberalismo : Fénelon,
, .

190 NICOLAU SEVCENKO LITERA TIJRA COMO MISSÃO 191

Condon:ct, Spencer e nada mais nada menos que nas Mtlanges d'lco·
nomie Politique de Frederic Bastiat, espkie de manual de cabeceira
"Aqueles homens,··pa cientes e tardos, que .eú na
na~uelc; :
biente de vila eram o esteio, a base, ª grossa pedra alicerç
dos conselheiros da República. te» ·
Essa scleçlo de autores inclusive fu lembrar que a única carac·
sociedade ..• Operários e pequeno-bu rgueses, eram eles que f?;-
mavam a trama da nossa vida social, trama imortal, depóst 0
teriz.açio polltica que o autor chegou a a~mitir para si era a referente sagrado, fonte de onde saem e sairão os grandes exemplares da
ao seu " tempen.mento liberal", ou ajuizando a partir da fórmula "um
Pátria( ...}".
liberal como eu".'º' Contudo, o seu projeto de reforinas juntamente
com o "governo enérgico" que deveria conduzi-las a termo, demons-
Nesse meio social amplo, eram as virtudes sobretudo e as disposições
travam que aquela classificação não deveria ser entendida num sentido
morais que distinguiam os homens. Assim, a única divisão social que.º
rigoroso. Na realidade, o autor se identificaria mais nitidamente com a
autor admite repousa sobre um fundo ético, separando os responsãveJS
linhagem do liberalismo reformista de cunho marcadamente social,
pelas falcatruas da República de " todos nós que não enriquecemos de
que se constituíra na conjuntura do fim do século europeu, sob as
pressões associadas das práticas neomercantilistas e da Grande De· uma hora para a outra". 104
O seu modelo de govemal)te deveria, pois, reunir essas caracte-
pressão. Sua versão mais bem acabada seria o humanitarismo pacifista
rísticas , lisura moral, desprezo pela impostura, indiferença pelas hie-
da Escola de Londres. Não é estranho, portanto, deparar-se nas pá•
rarquias sociais espúrias e máximo apreço pelo talento legitimo. O
ginas do autor com trechos que rivalizam com as mais cristalinas
imperador Don Sajon, do conto "O Falso Dom Henrique V", se adapta
elaborações de Courtney, Hobson, Brailsford, Hobhouse e Spencer,
com perfeição a esse modelo. .. . - - -- - -
identificando a concórdia internacional com os termos da divisão inter-
nacional do trabalho. 8 o que ocorre de forma exemplar neste trecho:
"Tinha no seu coração que a sua gente pobre fosse o menos
pobre possível; que no seu império não houvesse fome; que os
"Porque o fim da Civilização não é a guerra, é a paz, é a con• nobres e príncipes não esmagassem nem espoliassem os campo-
córdia entre os homens de diferentes raças.e de diferentes partes neses. Espalhou escolas e academias, e, aos que se distinguiam
do planeta; é o aproveitamento das aptidões de cada raça ou de nas letras ou nas ciências, dava as maiores funções do estado,
cada pmo para o fim último do bem-estar de todos os ho- sem curar-lhes da origem. Os nobres fidalgos e mesmo os bur•
mens". tm - -· guesesenriquecidõs-do-pé pãraa mão ·murmurava m-muito sobre · -
a rotina do imperante e o seu viver modesto". •05
A essa subst!ncia básica Uma Barreto acrescentaria ainda o fer•
mento da teoria social reformista francesa, particularmente haurida de Destaca-se neste texto o papel excepcional reservado às autênticas
l..auuuws e Anatole France, reptesentantes de correntes muito dis-
capacidades intelectuais no seio da sociedade e no organismo do Es-
tintas entre si, o anarquismo pacifista do prfncipe Kropotkin, além da
tado. De fato, o autor demonstrava uma reverência singular pelas
inspiração ~ e nústica do humanismo russo de fins do século XIX.
aptidões do espirito. "A humanidade vive da inteligência, pela inte- 1
Nem mesmo faltava ao escritor o fundo cristão que animava esse último e.
ligência e para a inteligência ( ...)". 106 Assim sendo, da consonância
morimento e a primeira corrente francesa citada. 103 Esse conjunto
entre o talento genulno, a probidade moral e o senso prático e utilitário
· doutrinúio, bastante heterogeneo e difuso, concretizava-lhe o anseio é que deveriam despontar as lideranças capazes de recuperar a vitali-
de autonomia intelectual, evitando sobretudo uma visão fragmentada e dade do país e recolocá-lo na senda do seu destino.
dividida da sociedade que tanto ele temia. No interior desse quadro
doutrinário compósito era posslvel estabelecer uma visão policlassista "O de~er, portanto, de todos nós é colaborar, na medida dénos-
da ordem social e transformá- la numa força de coesão. Exclufdos os sas forças, para que fiquem explicados o mais claramente possi·
grandes potentados e os plutocratas, era principalmente nas camadas vel os mistérios da nJssa vida social, a fim de tirar das mãos de
médias e baixas da população que o escritor fixava o seu padrão de feiticeiros e charl2.:J.es e do seu séquito de piratas especuladores__ ...
identificação e definia as suas simpatias. 8 o que sugere a narração de de toda a sorte :. direção das nossas sociedades, para entregá-la
Augusto Machado: · aos que estud11ram e meditaram sobre aquilo que, de.positivo-e
192 NICOUU SEVCENKO
LITERATURA COMO MISSÃO 193
- ··-- verificado,_os sál>iqs desvendara~ 1 t'

( . e ao seu progresso aco~selha d . tre_ a ivamente à sua existência

qual

d estmadas
se
tes". 101
obtenha a
'
mais
n o ais e qua·
a organizá-la da forma
m~~
.
perfeita
d"d
is _me I as práticas,
poss(vel com a
comp 1eta ~ehc1dade para as duas par-
enlouquece, causando o que o autor denominaria muitas vezes ·a-sua
"tragédia doméstica" ou "vergonha doméstica". .
O processo geral de intensificação das àtividades econômicas do
Rio em escala inédita, desde o E1_1cilhamento, acarretou uma enorme
\ elevação do custo de vida e engendrou um fenômeno de verdadeira
proletarização coletiva, que atingiu praticamente todos os grupos que
E se as oligarquias bloqueava .
não contavam com a proteção e o apoio dos clãs políticos. ! O longo e
11
caminho alternativo. m essa evolução, . era preciso forjar um
injustificado retardamento na concessão da pensão de seu pai o colocou
Compreende- se então a s - .
de forte cunho críf . "Q ua op~a_o por uma literatura utilitária e precocemente como o arrimo da família, forçando-o a abandonar o
- ,. !e~. uero modificar a opinião dos meus conci- Instituto Politécnico e a pleitear um medíocre posto de amanuense na
dadaos ' o seu Objetivo fratemitário; "soldar, ligar a Humanidade, Secretaria da Guerra. Desde então a sua vida passa a representar um
e st abelecer a comunhão entre os homens de todas as raças e de todas as esforço desesperado para resistir a um processo de degradação progres-
108
classes"• Não há mais validade na arte de Machado de Assis: "Brás siva da sua condição social, acompanhand o suas dificuldades econô-
Cubas não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria· micas e uma inflação crescente, que forrava os morros do Rio de barra-
~.u, porém, a transmitiria de bom grado; e nem na de Coelho Netto; cos e as ruas de indigentes.
Esse Neto de pacotilha que tem medo de dizer as suas amarguras Os seus livros trazem estampados os momentos dramáticos desse
1
contra a sociedade que nos esmaga".
109 S6 a restauração da solidarie-
______ processo de degradação. A angústia _d_«:_ qu_e_!Jma -~catásµ-ofe " inespe-_
- dade humana em proporções crescentes e universais confere dignidade rada o lançasse, e à família, na rua e na mais profunda miséria e
- à ação social. nos dias que correm, e a literatura é o seu veiculo por aviltamento, o levou à bebida. A pobreza de recursos o obrigou então a
excelência: Eis ai a chave de toda a sua coerência de linguagem sim-
ples, literatura utilitária e conteúdo humanitário. "... Não devemos
deixar de pregar, seja como for, o ideal da fraternidade e justiça entre
passar "da cerveja à paraty". Somado a isso o pavor onipresente de que
sua irmã se pervertesse ou que sua família se nivelasse às outras "de
educação, instrução e inteligência inferior", contribuiram para levá-lo
I
aos excessos da dipsomania, aos delírios e ao hospício. •• Aí. o avil- .
114
os homens e um sincero entendimento entre eles. E o destino da lite-
. ratura é tomar senslvel, assimilável, vulgar esse grande ideal de poucos lamento chegou ·ao ponto do mais "absoluto aniquilamento ". Desde a ••:
1

·- detenção pela polícia ao transporte no carro de · ferro· às· vistas- dos· Ti


·--~~- --,-l:1;~:íi~~-.9~_.,.~J-~.-Cl!.IJIPf~.~-º1!.
~ln.~rJ~-,a, ~lla_.missão_ _quase.
curiosos, à triagem e o banho coletivo no Pavilhão, e ao internamento
como indigente na ala Pinel. O auge dessa situação dramática ocorre
quando o escritor é designado para varrer ojardim da enfermaria, em
••• trajes de interno, sob o olhar dos transeuntes, e sente-se então "cair,
cair tão baixo, que quase me pus a chorar que nem uma criança". Jts
Dessa ~ÍÔ ·integradã da·~dad~ tr~~itida pela ~~a ·obra,
Durante todo esse mergulho vertiginoso na sombra da miséria,
acrescentada das informações biográficas de que estão forradas as suas da insegurança, da abominação social, Lima Barreto deixou seus cole-
páginas, podemos inferir sem grandes dificuldades a perspectiva social
gas de boêmia e academia pelos companheiros de bar ou de desfortuna.
assumida por Lima Barreto. Há em suas notações pessoais a revelação
Pode encarar a ciência não como cientista, mas como paciente. Ver o
e um orgulho declarado pela forma como seu pai, e posteriormente ele
centro da cidade embelezar-se durante suas idas e vindas para o su-
próprio, conquistaram uma situação de algum relevo social em con- búrbio. Encarou o crescimento da concorrência da perspectiva do
111
traste com o passado servil de seus ancestrais. A ele estava reservado derrotado. Percebeu a vitória do arrivismo como quem perde uma
o destino de alcançar a consagração definitiva nesse impulso pela dis- situação duramente alcançada. Assistiu ao crescimento do preconceito
tinção, através da obtenção do grau acadêmico e do titulo superior; social e racial como um discriminado. Sentiu a repressão e o isolamento
eXJgência de que o pai não abriri.a mio até o momento da sua morte. m dos insaciáveis como vítima. 116 Nasce dessa situação geral a inspiração
As dificuldades começaram a se sobrepor a esse projeto familiar porém, da sua doutrina humanitária de construção de -uma -solidariedade
. . .. desde a. proclamação da República. Principia af o desfile dos seus autêntica entre os homens, que pusesse fim a toda forma de discri-
. . infortúnios. O pai perde o emprego na Imprensa Oficial e pouco depois
• UTERAT U RA COMOM ISSÃO J9S 1.
194 NICOLAU SEVCEN KO
. . aceuf,d . def~

1
muação, compctiç lo e conflito, e a todos reconhecesse sofrimcntm ao npfrilo p,ra.l e oo sea ínten:soc. com
a dignidad e a Jínp&Fft l
mínima "do sofrimento e da imensa dor de serem humanos " 11 R. J., p . li.
.'
( 21) J. L., p. 73. aioda com • ..,....,. -__,., mais a.díaJ,te:
1 ( 22) / . L. , p . 66. E o ~~ "'°""'~lua! da _ .
esptcie, a Ar1<., especi1Jnv :at,:
! NOTAS~ " Maisdoqu equalqoer oul": a ~
a l.itaatura, a que me ~ ,qua e com que
espul me a,ei; mais do que da neuhom oatro

(1) B1 . • p . 73.
(2) H-S. , p . 34.
qualquer meio de c o n m ~
contigio, te-re, tem e terA um gr
=.:;.:=:;.::::tristem1Ude mesmo do ..,. poü.- de
humamdadé'- Idem , p . 66.
(23> , . e.. p. 182.
(3) G. S .. pp. 26S-9.
1 2◄> 1. e .. p. n .
( 4) " Oto, sem ma de pedantismo ou de suficiência
presumida, era um gênio (25) 1. e.• pp. 75-6.
lllli,,,en.a), =, cujainlcJis&,cia a total reprcsenta çio cien tifica do mu ndo tinha 112.
lhe dado, (26) A citação acina encont ra-se em N. N. , p . 50
n.1o s6 a acdcrada l.mia de mais saber, mas tambáa e esta em / . C., P• 1
a cer1ez& de que nunca consegu i- N. N.,p.24.
=-< sobrq,o< ao wú...-.o u leis que... _ eternas ou infalneiL
A nossa ciência não ( 27) N. N ., p . 23.
t mm mesmo u m a ~ t uma reprcsenla çio do urú,,eno
peculiar a DÓI , e que,
taJ.u. n.1o ,.,... para u lormips e pfanbolos . Ela nlo t uma
deusa que poua ,erar
( 28) Para a cítaçlo a nterior, Bz.. p . J3S e para ena.
G . S ., P- 70.
mq,,isidoru de acalpdo e microlc6pi o, pois de,,cm sempre julgi-la com (29) Respectin mcnte, N . N ., p. 59 e B1•• p. 52.
a cartesiaM. (30) P. Q,, p . 182.
dáoida permaaa,te _ Nlo podenMs oprimir=, rea nome."
s,., p. 64. No mesmo sentido, (31) N. N. , p . 29. Outra fi gura signíf-.catin do mesm
tambtm R.. J_, p. 1SO; H . S.. pp. 238-9. o~ to tenente Foolcs,
(S) I . L., p . Ili.
em P . Q .• p . 194.
___ _ '
_L
- - (6) L L., p . 116. (32) As cítaçlles anteriores estlD respecti,,a mente em P.-
Q; , pp. 192 e 288.
(7) ,_ L.. p . 195. (33) 1. e.. p . 153.
(8) -p.,..._ qae o - clm escritores sincaos e hooa1os t deixar de lado
todas as ft!has regras, toda a disciplina nterior
(34) cI.1. e.. pp. 145, J92e 260; Be., p . 159.
(35) I. C., p . 190; G. s.. p . 89.
~ -
r:

- . ml!Orir clúridu, ln&Dtar julpmmto s adormecido


dos gêneros e apro,-eitar de cada um
cldes o que puda e procurar, eoaforme a impiraçlo pr6pria,
para tentar reformar certas
s, díluDdir u nossas grandes
(36) Respectí,,a mente, G. s., p . 90 cl. C., p . 146.
(37) / . e.. pp. 191 e 174 .
L
e . - -,ç6a em bee do mmido e do sofrimenlo clm homem, ( 38) Pela ordem dascítaçll es,I. L. , p . 185bis, eH. S. , p
para soldar, ligar a . 238.
lmmanidad eem • m a - · cm que c:&1DUD todas, pela Rftiaçlo (39) D . / . , p . 112. Um outro momento de reYol ta contra
das almas indmduais eun,péia esú em G. S. , pp. 121-2.
, anog1ncia da ex~
pelo qae- rân de camum e dependente entre si. - H .
S., p . _D :
. (9) , . L., p. 1(,8. . - -- . (40l e. v.. p . 126.
(10) Sobre Coelho Netto e o pamasiaDí smo, I . (41) , . e.. p. 2◄0 .
e.. p. 172; lobn: o " clissico", cf. (42) e. v. ,p. 220.
S,., p. 225; G. S., p. JOeP. Q., pp. 219-20.
(11) Como aempb iDfcrasaD ta temas P. Q., pp. 89 e (43) /. L, p . 272.
136; G. S., pp. 193
ell0-21 eC. A., pp.94e 172-3. (44) G. S., p . 59.
(12) I. L. , p.m. (45) G. S. , pp. 156-7.
(13) , . L., p. 116• . (46) P. Q., pp. 162-3.
(114) Pata a ci1aç1o uterior, I. L., p. 251; para a 6ltima. (47) P. Q. , p . 242.
idnn, p. 271.
(IS) Ih., p. 277. (48l , . e.. p . 121.
(16)C.11,pp. 257,37, l811elll. (49) D. / . ,pp.9J..4e Be. ,p. S7.
(17)H. S •• p. 34; I. L., p. 182. (50) P. Q. , p . 279 eülem , pp. 30-S.
(JS)SobreasC Ulda1stica s da liqu.aaan, C. li, pp. 27, 1811, 212 (51) Respectin mentel. e., pp. 191,255 e 244.
e 254; sobre o
- l e m i t i c o , C. I, p. 190. (52) c ._ A. , p. 251 etambtmP . Q. • pp. 263-4, N. N., p . 251.
(19) A citaçlo anterior esti em I . L.. p. 113 e esta =i I. (53) Cf. I . C., pp. 109, 129-30, 132-3 .
C., p. 120.
(20) ConlcstaDdo 11111 critico de ma llapaaem simples (54) G. S. , p . 19.
e despojada, Uma Barrelo
mmenta:- Pen:ebiqu etemdeest iloa aoçlocone aleentre leqose (55! ,. e.. p . 102.
... lileratos, islo t, uma
forma a&:epcioaa1 de escrner, rica de wodbalos, cheia de
fDfase e arrebiques , e alo <56> 1. e.. p . 115. • . _ _
como se de'le enteader com o 6nico cril&io juslo e squro: (57) G. S. , p. 123 e I. C. , pp. 53 e 110 respectiYa mente.
uma maneira permueut e de
dizer, de se exprimir o escritor, de acordo com o que (58) Duas ~ muito rdinadas sobre o elemento pessoal
quer comunicar e transmitir" . e confession al pre-
H . S•• pp. 30-1 . Tambáa referindo-s e ao lsalu CamlDha,
o autor clama: "Se - esforço sentes na obra de Uma Bancto estio oo "Prdicio- de S&gio
Buarque de Holandi a
por faâ-lo literirio t para qve ele possa ser lido, pois quero Dara dos Anjos e oo artiao de Melo e Souza, Ant6nio Cindido
falar de minhas dores e meus de: "' Os olhos, o bueo e o
espelho", in Supkmast o Cultural, n~ 1, 17.10.1976 , 0
En- tk S. Pavio, pp: 3-4.
L_ __ _
• NICOLAU SEVÇENKO
LITERATURA COMO MISSÃO 191
. . (59) O exemplo_mais tipico está no eplloso do conto "O filho d G b · 1 "
· mamf':'tações cio dellrio febril do pequeno Horácio, mulato e a quem :,u;e
narrativa:
:\1~i::: número de anos vividos, sb os dep6sitos de reminlSC~nci&s, de rellquia.s, as nanaçf)es
caseiras dos pais, dos velhos parentes, dos anligos criados e agregados l que têm o poder
·· - . Estou dividido ... nlo sai sansue ... de nos encher a alma do passado, de ligar-nos aos que lotam e de nos fazer compreender
. ,- Horicio;Horácio, meu lilhol · certas peculiuidades do lugar do nosso nascimento. Todos os deustn:s da minha vida
.. :. -- ·- ~ . Fu. sol.,,
Que ~~.11 ::: Q.ucµni.'.: .-Ãrvores'tl\Dr;;,es. :~Elef;ntes ...
fizeram que nunca eu pudesse manter uma inabali.vel, minha, a única propriedade que
eu admitia, com as lembranças dos meus antecedentes, com relíquias dos meus amigos,
• Homens negros ..• fosueiras ..• um se estor~ .. , chi! Que coisa!. . .' o ;,,e~ p~d~ço
para que tudo isso passasse por sua vez. aos meus descendentes, papéis, livros, louças,
danç_a .. , . ·: ' . .
retratos, quadros, a fim de que eles sentissem bem que tinham raízes fortes no tempo e
- Horiciol Genoveva, trasa ásua de flor ... Depressa, um m~dico .. . Vá chamar no espaço e não enm s6 eles a viver um instante, mas o elo de uma cadela infinita,-·
~ Genoveval - - - - .... · · · •
precedida de outras cadeias de números infinitos de elos". C. V., p . 193 .
.- Já nlo ~ o mesmo ... ~ outro .. . lugar, mudou ... uma. casinha branca ... carros e.
(74) V., pp. 88-9. O mesmo sentimento lransp1.rece na revclaçlo poé_tica do
. ,de boi... nozes ..•. figos ... lenços ... personagem Augusto Machado: "Pouco olho o céu, quase nunca a Lua, mas sempre o
- Acalma-te, meu filho! mar". G. S. , p. 38 . .
e.
- Ué! Chi! os dois brisam .. . {...)" . A., pp. 220-1. {75) t, Caminha, quem o narra: "Continuei a olhar o mar fixamente, de cosias
(60) .. Morreu aos trinta e poucos anos como a criança que se fora: um fi-angalho para os bondes que passavam. Aos poucOS ele hipnotizou-me, atraiu-me, parecia que me
de corpo e um. olhar vago e doce, fora dela e das cousas". H. S., p. 118. convidava a ir viver nele, a dissolver-me nas suas águas infinitas, sem vontade nem
(61) ••sua natureza era assim, dual, bifronte, sendo que os seus aspectos por pensamentos; a ir nas suas ondas experimentar todos os climas da tena, a gozar todas as
vez.es, chocavam, gueneavam•sc, sem nunca se colarem, seni nunca se justaporem, paisagens, fora do dominio dos homens, completamente livre, completamente a coberto
dando a crer que havia entre as duas partes um vazio, uma falha a preencher, que à sua das suas regras e caprichos ... Tive ímpetos de dcs.ccr a escada, de entrar corajou.mente
unilo se opunha um forte obstáculo mecânico ... " ( ... ). H. S. , pp. 223 e 229-30. pelas águas adentro, seguro de que ia passar a uma outra vida melhor, afagado e beijado Ii
(62) G. S., p.177. constantemente por aquele monstro que era triste como cu" . I. C~, pp. 128-9. - - - - ·- ·- - -·---fr"
- - -- - - (63)-P , Q.-, p .-275. {76) Cf. N. N., p . 150. . ----¼
_. _(64)_~._'(,P•.~ ~ --- __ -- --· - -- · ··- - {77) G. S. , p. 76. •·
(65) I . L, p. 91. {78) G. S. , p. 43.
(66) C. V., p. 161 acima e/. L, p. 236 aqui. "Eu sou dado ao maravilhoso, {79) "Uma ilhota, com sua alta chaminé, não diminu\a o larso campo de vislo
/ ao fantástico, ao hipenenslvel; nunca, por mais .que quisesse, pude ter uma concepção que o mar oferecia. Alonsuei a vista por ele afora, deslizando pela superfície imensa•
/ mecânica, rígida do Universo, e de n6s mesmos. C. V., pp. 50-1. mente lisa. Surpreendi-o quando beijava os gelos do pblo, quando alagava as praias da
(67) /. L, p. 73; · . Europa. quando recortava as costas da Ãsia e recebia os grandes rios da Ãlrica. Vi a
.. ·- ---- - - (68) / . L, p. 74. .. lndia religiosa, vi o Eg-ito enigmático, vi a China hierát\Ca, as no~as tenas da Oceania e
(69) Isolada no seu Diário do Hospício, apareceu essa anotação muito signili· toda a Europa abracei num pensamento, com a sua civüiu.ção grandiosa e desgraçada,
--- - -.-c; i,ativa:~" Diz. Plutarco; que mais do que qualquer outra divindade, V!nus tem -horror à fascinadora , apesar de julgá-la hostil" . G. S. , p. 130.
violência e à guerra". C. V., p. 109. No CÃmirério dos Vi""' esse núcleo temático seria {80) Acima G. S. , p. 60; aqui!. C., p . 129.
tratado com muito maior eloqilSncia: "( . .. ) o meu pensamento era para a humanidade {81) Bg. , p. 169 e F. M. , p. 10.
toda, para a mis&ia, para o sofrimento, para os que sofrem, para os que todos amal- {82) Bg. , pp. 243 e 293-4.
diçoam. Eu sofri honestamente por um sofrimento que ninguém podia adivinhar; eu (83) F. M . . p. 124.
tinha sido humilhado, e estava, a bem dizer, ainda sendo, cu andei sujo e imundo, mas
(B4) Bg., p. 179; D. l., p. 131 e H. S., pp. 81 e 130.
eu sentia que interiormente eu resplandecia de bondade, de sonho de atingir a verdade,
{85) Bg., p. 164; H. S., pp. 13, 161; Bg., p. 118; D. 1. , pp. 134 e 111.
do amor pelos outros, de arrependimento dos meus erros e um desejo imenso de con- (86) Bg., pp. 164, 109, 118; Bg., pp. 13, 161; D. 1. , pp. 110-1, 134.
tribuir para que os outros fossem mais felizes do que eu, e procurava e sondava os misté- {87) G. S., p. 267.
rios da nossa natureza moral, uma vontade de descobrir nos nossos defeitos o seu núcleo (88) G. S., pp . 267-8.
primitivo de amor e de bondade". C. V., pp. 182-3. {89) H. S.; pp. 268-9.
(70) H. S.,p.JS.· . (90) Bg., pp . 188, 53, 55, 89, 165.
(71) "A misslo da literatura 6 faur comunicar umas almas com as outras, é
{91) Bg. , pp. 188, 189, 185, 154, 155; F. M ., p. 170.
dar-lhes um mais perfeito entendimento entre elas, 6 ligi-las mais fortemente, refor-
(92) Bg., p. 39; H. S. , pp. 263, 94, 96, 91 . Um.a síntese geral muito expressiva
çando desse modo a solidariedade humana, tornando os homens mais capazes para a
deste ponto de vista_está no conto "Hussein Ben-Ãli AI-Bálec e Miquéias Habacuc",
conquista do planeta e se entenderem melhor, no único intuito da sua felicidade".
dedicado "ao Senhirr' Cincinato Braga", em H. S., pp . 86 a 100.
1. L., p._190. (93) Bg. , p. 294 eF. M. , pp . 124-5.
(72) P. Q., p. 188.
(94) CI. o conto "Procurem a sua Josefina", que fornece uma excelente síntese
(73) "Gostei sempre muito da casa, do lar: e o meu sonho seria nascer, viv~r e
sobre essa matéria, Bg., pp. 141-50. -
morrer, na mesma casa. A nossa vida 6 breve, a experiência s6 vem_depois de um certo
(95) Bg., pp. 48, 52, 294, 125.
1118 NICOLAU SEVUNKO

( "!>) Bg., pp. 104, 73: O. 1.. p. ll 7.


CAPITU~O _'(I
(<J7) Bg., p . 11 7e R. / . , p. 148.
{QS) G. S., pp. S7 e 78 e 1. C., pp. 181·2, respec:tivamcntc. Em outro momento,
á "tando Uneu de cabeça, o autor afinllaria pcrcmptoriam cnlc: " A naturcu nlo tem Confronto Categórico:
raçu neat apkies; ela s6 tem indivlduos". F. M. , p. 190.
(99) 1. L.. p . 277. •
(100) A c,:posiçlo du idtiu de lnscnicros \obre o muimalismo está na publi-
a Literatura como Missão
ca('lo de wa COll!mncia, a " Sisnificaçlo Histbrica do MaximalismÔ" nas piginas da
Rr,vu do BNSil. vol. IX, sct.-dc:L 1918, pp. 486-91 , cntlo sob a dim;lo de Monteiro
Lobato. Anilisc de Fnnàsco de Assis Barbosa no mesmo sentido cncontn-sc cm op.
ar., pp. 261 e 311. Sobre IS coordenadas filosblicu do sociblogo l. lngcnieros, cf.
Solcr. Ricaurtc: f1 Posirmsmo A.,.,..nrino. P,nsomienro Filosófico y Sociológico, Buenos
Aiiu, Paidos, 1963, pp. 213-20.
(101) 1. L, p . 81.
(102) s,., p. 249.
(103) Sobre IS posições do autor nesse assunto, por exemplo: D. 1., pp.
97 ,
101; 81. , pp. 13-4, 239, 243, 257, 262; F. M., pp. 123, 125; G. S., p. 39; 1. L.,
pp. 78, 80-1,83, 152ctc.. "A atividade cientifica e artística no verdadeiro
(104) G. S., p. 113 e R. 1., p. 174.
sentido da palavra s6 é fecunda quando não se
(!OS) G. S., p. 262.
U06Í D. I., p. 13S. reconhece quaisquer direitos, mas apenas deve·
(107) 1. L • pp. 239-40. res. É porque ela é assim , porquê é da sua natu· ·
- (106) R. 1., p. 1S e B. S., p. 1S. reza ser assim , que o gênero humano estima em
(109) Bt., pp. 61 e 41 sobre Machado de Assis e D. 1. , p. 134; Bg., p. 223; um preço tão alto essa atividade. Se, com efeito,
F.11..,p. 76..sabreCodhoNetto.
(110) I. L,p.68.
alguns homens são chamados para servir aos
(111) D. I., p. 132. outros por meio do trabalho espiritual, eles irão
(112) C. v.• p.124. contemplar esse trabalho como um dever, e o
(113) s,..
p. 192. cumprirão apesar das dificuldades, das priva·
(114) C. V., pp. 47-8; D. 1., p. 76.
(115) C. V., pp. lSl-8.
ções, dos sacrifícios. " . - --·-- -
-- . - - - -
(116) Mt., p. 11; C. V. , pp. 216-20; R. / ., pp. 123-4; H. S., p. 13, 174; R. J.,
pp. 79-80; D. I., p. 130; C. V., pp. 76e 194-6. (Tolstoi, " O Destino da Ciência e da Arte")
(117) LL,p.62.

1. Disparidade Elementar
Um cotejamento conclusivo das análises precedentes suscita uma
série de conclusões capazes de ir além das fronteiras das próprias obras,
lixando um.novo espaço inscrito pelas sobredetenninações entre os dois .
conjuntos de textos. Destaca-se em primeiro lugar a notável oposição
estrutural, concentrada em seus procedimentos de linguagem, que opõe
as literaturas de Euclides da 'Cunha e Lima Barreto. Fica igualmente
acentuado o empenho despendido pelos autores no sentido da assimi-
lação e participação nos processos históricos em curso. Situação essa que
reveste suas produções intelectuais de uma dupla perspectiva documen-
tal: como registro judicioso de uma época e como projetos sociais--·
; - alternativos para a sua transformação. Ambas procurando condensar

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