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A análise documental*

André Cdlard

A~ capacidades da memória ~ào limi1ada'> <· ninguém conseguiria pretender me-


morizar tudo. A memória pode lamb(·m alterar lcmhranças, esquecer fatos impor- t,
ian1cs, ou deform ar arontccimcntos. Por posc;íbílitar rcalízar alguns tipos de rccons- s
trnção, o~ mc111~scrito constitui, portanto, uma__fgruç_cxtremamente preciosa
para wdo es isador nas ciência · · . Ele é, evidentemente, insubstituível em s
qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é
raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em de-
terminadas épocas. Além disso, muilo freqüentemente, ele permanece como o único
testemunho de atividades particulares ocorridas num passado recente.
O ~ e r m i t e acres_ç_entar aj~são do t o à com reef!SMl d-9 ~?-
eia!. Como o ressalta Tremblay (1968: 284), graças ao ocumento, pode-se operar
u~ rte longitudinal que favorece a observação do processo de maturação ou de
evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos. comportamentos, l
men1alidades, práticas, etc., bem como o de sua gênese até os nossos dias. JS
No p~o....,.w~g:o, a análise documental apresenta também algumas ,
vantagens significativas. Como o enfatizou Kelly (apud GAUTHIER, 1984: 296-J a- 1

297), !rata-se de um método e coleta e dados 9ue lim ' a o enos cm part~ e
eventualida e e ueiJ.ufui~o(zj_- a ser exercida pela presença ou in terve nç~J..Ji- tol
<lo pesquisador-do conjunto das intera ões a ont · e s o com ) rtame
~ t ,,. tA _
pcsQ_!!í <;ados, anulando a poss1 ilida e de reação ~lo s~g_to...à..Qperação de.mediê:üi uc ..
• -C:: . --._ ..----------......_ ----- - ,le
Porém, ainda que algumas características ela análise documental possibilitem ~
3
recorrer ao documcnLo vantajoso em certos níveis, deve-se admitir que seu uso s
su<;cita também algumas questões. Se, efetivamente, a análise documental~
em pa~te a clime ~ia, dificilmcnle mcnsur_áv~l , do.pcsquisador sobre
0 ~~ menos verdade que o documento const1LU1 um rns~

pesquisador não domina. A infor~p ~ ~ qui, ci_rculí'.'1~º; :i~\ ~ ' ; . ~ ~

"""ºº e 11.A..'~"' ~ l i
" Queremo., agradecer a Alvaro Pires, do depar1a111cn1u de Criminologia da Uní vcr:-.idadc dr Ouawa,
1
• \l1chcl Filiem , do.., Arqui vo!, Nacionab dn Canad{1. bem como a And ré La Rose L' a Gérald Pclktk r,
pe,;qubadorl's indcprndcntc'>, pelo:-. rnmcni.írios judírio'>oS emitidos l'lll rl'laç,to a e:.te 1cx10 .

295
bora tagarela, Ü LJ()\,..Luu\..U •'-' 1• - - r-- _

precisões suplemen~ ~
◄ 0 pesquisador que trabalha com documentos deve superar v . .
. d anos Ob
descon fia
i
r de inúmeras armadilhas,
.
antes e
. .
estar em condição d r
e 1azer
Slácui
os
em profundidade de seu materia 1. Em primeiro 1ugar, ele deve loc 1· Ulllaan·1·e
Se a 1Zar os te,.:··
a1.
, . s e avaliar a sua cred i·b·1·d
i 1 ade, assim· como a sua re r ~
~
nertinente -- f· l
d. -d.'ocumento conseguiu reportar ie mente os fatos? Ou 1 1v1dade
®tath~
autor o . _ e e e~~~
as perce2 -es d m ra ão articu1ar . çao? Por outro lado, o D ~
dor deve compreender adequadamente lo sentido da mensagem ..
eco . Pesquisa.
ntentar.
0 que tiver à mão: fragmentos eventua mente, passagens dificeis de inte secam
repletas de termos e conceitos que lhe são estranhos e foram redigidos rpretar e
conhecido etc. E· portanto, em razao
, , d
- d esses 111n1tes
· · importantes
· qu por urn des.
, e o pesq .
dor terá de t mar um c rto número e reca . - e ré ias que lhe facilit . U1Sa.
.
fa e serão, parcialmente, . d ava 1·d
garantias d d . araoa1a
1 a e e a solidez de suas expI· . re.
Icaçoes
Este artigo apres~nt~, n~m prime_iro momento, uma breve descrição do do;u.
mento escrito, das pnncipais categorias de documentos e dos procediment
visam facilitar o acesso a eles. Em seguida, examinaremos os diferentes aspec~:;:
análise preliminar, ou seja, o estudo do contexto no qual o texto em questão foi
produzido, o autor e os atores sociais em cena, a confiabilidade do documento ,5ua
natureza, sua lógica interna, etc. Depois, após algumas considerações gerais refe-
rentes à análise, completaremos este breve exame com um exemplo de análise apli-
cado a dois curtos textos datando da época do Regime francês.

O documento escrito

t f ) ~ocum~ epresenta em si um desafio. Pelo fato de o documento


constituir uma de suas principais ferramentas, a história, de todas as ciências so·
ciais, foi a que atribuiu maior importância a essa definição. Desde o fim do século
XIX, C.-V. Langlois e C. Seignobos, em sua doravante célebre Introductionauxétu·
des hístoriques ( 1898), fizeram dele, aliás, o pivô de uma obra de metodologia que
influenciou inúmeras gerações de historiadores. Para Langlois e Seignobos, contu·
do, a noçao - de d ocumento se aplicava quase exclusivamente ao texto, e, particular·
mente, aos arquivos oficiais. Esta definição decorria principalmente da abor~age~
histonca
· · pratica· da pela mawna• . dos autores da época; uma abordagem conJuntu•
0
ral , locada, so bretud o, nos fatos e gestos dos políticos e dos "mawrais
· · ,, desse mu
. lu·
d Est - d ·do a evo
?· a n~ça? d~ d~c~men~o ~e~ia profundamente reconsiderada evi dos Anais
çao da propna disciplina h1stonca mais particularmente pela Escola bor·
(LED · ' · d I11a a
UC, MARCOS-ALVAREZ; LE PELLEC 1994: 43). Privilegian ou ·ode
dagem mª15 · glOba1izante,
· .
a história '
social ampliou considerave lmen te a noça
d teste·
documento. De fato , tudo o que é ve tí i do as o, t~ '
~ é considerado como documento o11-"fonte '>, como é mais comu;enat~·
D
~tualmente Pode t t
i .- •
d
) _ ra ar-se e t ~
.,,,......._,~~ d d umento5
s, mas também e oc
, ~yic <¼ qo \v

*
. ano ráflca e <:!!'c1~1~lográfu:a., ou d e qualquer outro tipo d e testemunho re-
reza ~ ctos do cotH.hano , ckn1c ~ o s etc N o \imite
. ra,e o ou)~ ,, l . , ·
d .
, po er-sc-1a
g1~t ualifiGtr de "c\ocun1ento un, rc alón ~1 _ ck entrevista, ou anotações feitas du-
ate q utna observação , etc. C ontudn, cspcc,f,qucmos- também para tranqüilizar o
ra~~\ - que a finalicbdc do pt-csc,~tc capítulo nàn é nem a <lc retraçar a evolução
\e_it . . ., d·, mctodo\op_ia , lll'Hl ck laz.cr un, kvant amcnto de tudo o C.\UC po de cons-
\nstonl ,l • ., . . l , .- , .. . , . .
. . . 111., ·• fonte . r .nn 1 c n 1 n.,o ll: tnns .., ltltl n,ào d e ex1)\icar como fa zer a análise
umn u • • . . .
d tudo O que pode ton1.u a \onna cscnta , pms isto seria o mesmo que explicar toda
f: nnJ de pesquisa soda\ : e csta _n ão é a nossa pretensão , b em longe disto . o "docu -
mento" cm questão . aqu,, con sis te cn1 todo texto escrito, manuscrito ou impresso,
registrado c!n pape\. Mais_ p~-e~ism~1cntc , consideraren1os as fontes, prim árias ou
secundárias , que , p o r d e ftn,çao , sao exploradas - e n ão criadas - no contexto d e
um procedin1cnto d e p esquisa.
Dito isso , salientem os que a divisão que realizamos, aqui , está longe d e serres-
tritiva, pois existe u1na abundância d e tipos d e documentos escritos e inúmeras
maneiras de agrupá-los e1n ordens e subo rden s . Grosso modo , podem-se repartir
2
os documentos em dois grandes grupos : os documentos arquivados e os que n ão o
são. Por outro lado , p ouco importa a natureza da documentação, quer d e domínio
público, quer de domínio privado. Eis alguns exemplos:
• Os ~ ocum~ ntos públicos]
- Os ar~uivos
~
públicos. Trata-se d e uma documentação geralmente volumosa
e, por v ezes, organizada segundo planos d e classificação, con1plexos e variá-
veis no tempo . Ainda que ela seja dita pública, ela nem sem re é cessíve\. Esse
tipo de arquivos compreende comumente: o s arquivos governatnentais (fe-
derais, regionais, escolares, ou municipais) , os arquivos do estado civil , assin1
como alguns arquivos de natureza notarial ou jurídica .
- Os documentos úblico não-ar uivado . Eles incluen1, entre outros, os jor-
nais, revistas, periódicos e qualquer outro tipo d e d ocumentos distribuídos:
publicidade, anúncios, tratados , circulares, boletins paroquiais, anuários tele-
fônicos , etc.
• Os~c_u_ m_e_n_t_o_s_p_r-i v_a_d_o_ s)
- Os a ~ Ainda que ela não perten ça ao domínio público, ocor-
re que uma documentação de natureza privada seja arquivada. Ela p od e, con-

\
l. l radicion almentº h' . d h a mam d e ·•fom es'' os d epoimentos d e con te m o rãn eos do
acont . '-, OS lStona ores C Í .. . .
d'-lzi e.cnnen to quº
,_ es eseJam recon s . ttli· r . Distin uem-se eralm entc, a a n tes pnmá n as , pro-
el d . ti
. s or test e u n d' f t das fontes "secundá rias q u e p rovem e pessoas que não
Part1ci 1 tas o a o
2. __param d ele, m as que o r eprodu ziram postenonnen te.
·u·Por "d ~ sa d va os,, en ten ~ e n:~os . a_guard:l
• u m; d ocurnentaçã'2:_sob _ de um d ep ósito d e ar-
q •vos qua que q b. d ma d esérlção uma class1ficaçao, ou um tra tamento con -
~ e que p o de ser o Jeto e u ·
a conservação.
tudo , ser de acesso bastante difícil. Trata-se aqui , principalmente d
i ·
mentos de 01:ganizaçõ...:: o l~1cas,
instituições, ~ • e c.
· d · s , Igre]-ª,S,
s~ · c01~e_§J:rjjgi' e doeu·
-..Qâ.as,
- Os d ~. Esta categoria reúne a ~ f i a s, diár' , .
, mos, cor~ s _ ias, histórias de vida, do~ ~-11!!!.Qia, ·e ~
Existe, de fato , uma multiplicidade de fontes documentais, cuja variedade n·
se compara à informação que elas contêm . Isso porque a pesquisa documental e:i~
ge, desde o início, um esforço firme e inventivo, quanto ao reconhecimento dos
depósitos de arquivos ou das fontes potenciais de informação, e isto não apenas em
função do objeto de pesquisa, mas também em função do questionamento. Uma
preparação adequada é também necessária, antes do exame minucioso de fontes
documentais previamente identificadas. Nesse estágio, o principal erro consiste
em se precipitar sobre o primeiro bloco de documentos obtido, antes de realizar
um inventário exaustivo e uma seleção rigorosa da informação disponível. É im-
portante a n er d odi ica u 1zar os ins t ~ dos
~ s, a fim de assimilar a lógica que presidiu à classificação da docu-
mentação. Devem-se tomar as mesmas precauções com os arquivos privados ou a
documentação pessoal.
Uma pessoa que deseje empreender uma pesquisa documental deve, com o ob-
vo de cons ·tuir um co us at' t , ·o, es~adas. as pistas capazes de lhe
o necer informações interessantes. Se nossos predecessores deixaram vestígios
documentais, eles raramente o fizeram com vista a possibilitar uma reconstrução
posterior; tais vestígios podem se encontrar, portanto, em toda a sorte de locais, os
mais heterogêneos. A experiência pessoal, a consulta exaustiva a trabalhos de ou-
tros pesquisadores que se debruçaram sobre objetos de estudo análogos, bem
como a iniciativa e a imaginação, também integram adequadamente a constituição
desse corpus: os pesquisadores mais aguerridos sabem que os documentos mais re:
veladores se escondem, às vezes, em locais insuspeitos. De resto , a flexibilidade e
também rigor:· o exame minucioso de alguns documentos ou bases de arquivos
' abre, às vezes, inúmeros caminhos de pesquisa e leva à formulação de interpre~a-
0
ções novas, ou mesmo à modificação de alguns dos pressupostos iniciais. Esse foi
.
caso, por exemp1o, quand o rea11zamos nossas pesquisas sob re a h1stona
' , . da loucu-d0
ra, no Québec, de 1600 a 1850. A documentação sobretudo para o peno · do
. Reg1me,
Ant1go . parecia. razoave1mente rara. Assim' do outros
O haviam constata . 5e
· d d , ·
pesqmsa ores antes e nos, seJa na Europa ou nos Estados Unidos. es El dev1 arn
.d
, . 1 0 u a1n a,
contentar com uma documentação quase exclusivamente instituc10na , 0

· d 1· · 'd d
provemente a e Ite mstrm a, ocultando, assim, 0 ponto de vista as P ·das deessoas e
muns sobre a loucura, assim como o cotidiano vivido pelas pessoas acometi ba-
d esord em menta.l Fam1·1·ianza· d os com o meio psiquiátrico, por termos neletra. co·
Ihad o, nos, . e havia
nos perguntamos se a sociedade canadense do Antigo Reg1m . arre,
nhecido o processo judiciário da tutela, uma vez que nosso direito civil dec

. i
298
J
em boa parte, do antigo direito consuetud. _ .
. mano fran -
cobrir que a França d o A nugo Regime . ces. Essa pista
, e, conseqüe nos 1evou a d
d I
suíam um sistema e tute a privado inte d· _ ntemente a Nov F es-
, r tçao e tut I , a rança po
de distúrbio menta1. Esses d ossiês de um . e a, para as pess f ' s-
. . d , a imensa ri oas so rendo
Arquivos Nac10na1s o Québec. Eles com - queza, estão conserv d
_ . em , sobretud 0 a os nos
soas prox1mas aos pretensos loucos reporta d , os depoimentos d
' n o seu e pes- l
provocadas por sua "anormalidade", e assi . comportamento, as reações
" ,, h . . m por diante Ess d .
pessoas comuns , ~ue ª:iam sido fielm ente registrados~ es ep~1mentos de
tem fazer uma aná11se mullo acurada da situa ã . . or um escnvão, permi-
nhecidos dos "loucos" , seja qual fosse seu nfveçl do vivlida pelas famílias e pelos co-
e cu lura (a · ·
e durante um longo período. Assim tivemos maiona era iletrada) ,
' a surpresa de constat · ·
mente, que os conhecidos dos alienados não haviam d h ar, pnncipal-
. d d . . esempen ado um papel tão
passivo
. _no a _vento o manicômio quanto nossos conh ec1mentos · . . nos ha-
teoncos
viam ate entao levado a supor. Voltaremos , mais adiante , a esse aspecto da anah- .. ,
se documenta.l •

A análise preliminar: exame e crítica do documento ,

Como nós o mencionamos anteriormente, é impossível transformar um docu-


mento; é preciso a~itá-lo tal como ele se apresenta, tão incompleJp, p~l ou illl=-
~ que seja. Torna-se , assim, essencial saber compor com algumas fontes do-
cumentais, m esmo as mais pobres, pois elas são geralmente as únicas que podem
nos esclarecer, por pouco que seja, sobre uma situação determinada. Entretanto,
continua sendo capital - · liar ade m ~ha_r
crítico a documenta ão _____"".:"-___ r. Ess ~~~~~ --"onStllUl,
a~iás, a' primeira etapa de to a análise documental. Ela se ~lica e~ cinc~ dimen-
soes que examinaremosl ) ~ j O ~ 3/ª.ô "t
( 9cl 1'1!>- '

1O contexto
i ~ . al fo · o o docum 0

'--'---~ -
,/",..~'--~.;.~
. ~CJ~e.-~ 1i~~~~?!~·~:;;~~
. g-!!-~ e 01 ,é · rdial, em to-
ual tenha sido a época m ~ue o
s as etapas de uma aná íse ocumen , q t de um passado d1stan-
texto em questão foi escrito. Indispensável quand~te tra a efere a um passado re-
le, esse exercício o é de igual modo , quando a anaf1sle sdeer distância pode compli-
·t·rquea a ta
cente. No último caso, contudo, cabe a d mi 1
\ cara tarefa do pesquisador. __ \..orPr satisfª1Q!ia~
~ .., c~o~
~~~)1 ) :..;~ ~~.QjQr...Q...élll®JifilJUl.áO-P-'lillml~~~:;:t; ue pro iciou a ro u m s

tus~~~~~2!!~~~~~e~~~;;;-; ilita apr


-
, . - - ........,.--=-=== · reender~aça ' l álise O -
conceituais se eus autores com - etc. Pe a an der as
s , compreen
, eia atos aos n içoes até para
texto, o p esquisaaor se coloca em exce en e
299
particularidades da forma , da organização, e, sobretudo para evitar •
_ _ ' mterpret
conteudo do documento em funçao de valores modernos. Essa etapa é t - . ~r o
portante, que não se poderia prescindir dela, durante a análise que 5 ao ~ ais 11n-
. . • . . . . r. . . egu1rá Nós
nos pennllnnos ms1st1r na sua 11nportanc1a, pois existe uma forte tend · . ·
. . enc1a entre
os pesqmsadores em só deixar de lado alguns elementos do contexto bem lh
esco i-
dos em algumas passagens de sua documentação, resultando daí interpret .
·t· . b U b
ana ises multo po res. ma . oa co~
- d açoes e
xto é, pois, çrnf½,L em to-
das as etapas de uma pesqmsa documental, tanto no momento da elaboração d
um problema, da escolha das pistas a seguir para descobrir as principais bases d~
arquivos, quanto no momento da análise propriamente dita. Esse conhecimento
deve também ser global, pois nunca se pode saber de antemão quais são os elemen-
tos da vida social que será útil conhecer, quando chegar o momento de formular
interpretações e explicações. Parece-nos evidente que, para produzir uma análise
por menos que seja rica e crível, o pesquisador deve possuir um conhecimento ín-
3
timo da sociedade, cujos depoimentos ele interpreta.

~ O autor ou os autores
Não se pode pensar em interpretar um texto, sem t~reviamente u~ boa
idéia da identidade da essoa ue se expressa, de seus interesses e dos mo i ue
a evaram a escrever. Esse indivíduo fala em nome próprio, ou em nome de um
grupo social, de uma instituição? Parece, efetivamente, bem difícil compreender
os interesses (confessos, ou não) de um texto, quando se ignora tudo sobre aquel~
ou aqueles4 que se manifestam, suas razões e as daqueles a quem eles se dirige~. E

!-
muito mais fácil dar a entender que é a "sociedade" ou o "Estado" que se expn_m_e
551h1
por meio de uma documentação qualquer. Elucidar a identidade do autor Pº ~
lita, portanto, avaliar melhor a credibilidade de um texto, a
--, d · - as de-
dada de alguns fatos, a tomada de posição que transpar~ e uma esc~, -:;::;rv
f ~ eram sobrevir na reconstitui ão de ac tecimento.
documento,
Na mesma ordem de idéias, é bom nos perguntarmos por que esse . fre-
0
preferencialmente a outros, chegou até nós, foi conservado ou publicado. Muit ria
qüenternente, sobretudo num passado relativamente distante, uma única catego

ntretanto,
3. A perspectiva privilegiada aqui é a da história social dita "globalizante" . Cabe observar, e esquisa-
que a_iinportãncia do co~texto também pode, às vezes, variar em funçã~ ~o al_cance de ~:;a
: rn narra·
Esse e o caso de alguns tlpos de reconstrução, históricas ou não, que pnvdegtam a abo ~ rn 5egu1r
!'
tiva ou circunstancial. Também seria o caso, por exemplo, de pesquisadores quebpreten~~:~retar as .
a evolução de um pensamento ou de um saber qualquer, sem necessariamente uscar · , . ~
condições sociais do surgimento e do desenvolvimento do saber em questão.
·d . - Convém,
assin1,
· .
J
4 . Evi entemente, alguns textos, como artigos de jornais, são, às vezes, anonunos. utores se '.• ·
05
buscar conhecer o mais profundamente possível a mídia, por meio da qual o autor _ou ~o polítit.l · ]
exprimem . Mui to amiud·de,dos jom af is apresentam uma política editorial ou uma on enuiça '_.: }
com a qua1o pesquisa or eve se amiliarizar, antes de realizar sua análise. ..J;

300 l
A•, ?.
·a que pertenciam à classe instruída, podiam expressar seus
J , 05
de in iv . ' or meio da escrita. E. preciso,
d . fduos ou se . entao, - pod er ler nas entrem 1· has, para
pontos de ~ : ~der O que 05 outTOS viviam, serlâo nossas interpretações corr~m o
poder cornp osseiramente, falseadas. Um bom exemplo de <lcfonnaçào é o da ,ma-
risco de ser: g~rança, longamente veiculada pela historiografia tradicional. Uma vez
ge,.. . , ., da No, ª me parcela das fontD accss1vc1·~ provm · l1a d e rc1·1g1·osos, como os JCSUt-
.
. urna cnor ' . .
que bros de comumdadcs rcltg1o~as - numerosos na colônia, à época-, a
e de roem .
1:1s, . . .,. do pa~sado, cícw ada pelos htstonadorcs, ba!>cava-sc csscnc1a\mcn1c
.005 u1u1ç,,0 . .
rc<.:.., intcrprctaçõcs , , pcn:cpçoc!:l e conv1cc;oc.., tram,nttltdas por c~sa~ pessoru, de lgrcJa
.
n:i. de v-ilonzar o~ progn.-~~os n.-altzado!>. 1 amhcm sr teve por muito tempo a
dcscJOS:l!> '
__ ele.: que O!:! p11mc1rn"> \ia1)llantc!> <la co10nm · eram ba~tantc devotos, pra1i-
11p rD!l,10 .
11 , ~ rc!!Jicito!:IO~ da lgrcJa l' <la ordr m l'Stahck c1<la. l·alava-sc . . ,
. \llll!, l'.
também do~ mume-
<.:, decreto~ clr intcnc.kntc!- e m:mlhmu:nto!, dr bi..,pm, tocanuo uivcr~os aspecto~ da
~ (Otiui:rn:i. como prova Je 4uc o r'">l al1o l' o e1cro l'Xl.' rc ·ta m uma rone 111 · nuenc1n·
10

\ I( •
11 . 1 \ . 1· ' 1 1 1 . I
.; hrc
1 05 hnbit:mtcs. l'lll m~ll(\na l l' pr. t1Gl rl' 1gu,-,..i r l l' mora ic. auc No entanto,
.l i lcitur , mais crítk:t <lc!-!,C.., uhmw~ J l,(Umcntoc, pu!-,-,ibilita constnur uma ima-
u111, • . • . .
,rlll bem difcrcnt l' do~ hah11a11tc~ dt· Nova h ·a11( a /\!,~1111 , po r l.'Xcmplo, parece mn1c,
~rudcntc concluir qur ~c uni h•"I_Jº prdc a ',l' Ll clero pata proibir º " "fi éb " de bebc-
rl'lll ou de b1igarcm dur:mtc :t mt~~a. c porque, CÍl·tivanwnte, alguns se comportam
d~~a mandm nn igreja. Sr o bbpo L' ohrigado. a110 apos ano, a repetir O'l mesmo~
m,ind:nrn.:ntos, e porqut' ~,~ hahit:mtL·~ n:\o mudaram de comportamento, apesar das
,idrcnrncias. o qut· fomccc uma outra imagem do grau da autoridade exercida pela
lg.rcj:i sohrc seus ''fkb" UAENEN, 1976). Sistcmatiz:111dn a referida leitura , e com-
pktnndo-a com 0t11rns font rs documentais de apoio, o pesquisador pode , portanto,
chegar., uma imagem da relação dos primeiros canadenses com a religião, diferente
d.Jqucla à qual nos havíamos habituado no passado.

~ A auccnlicidade e a confiabilidadc do texto

Não basta, entretanto, informar-se sobre a origem social, a ideologia ou os in-


teresses particulares do autor de um documento. É também importante ~
rar-se da qualidade da inf rma ão transmitida. Por exemplo, ainda que a questão
a autenuci ade raramente se co oque, não se deve esquecer de ~erificar a prog;.-
dência do documen~. Em alguns casos, é também necessário considerar o fato de
queálguns documentos nos chegam por intermédio de copistas que tinham, às ve-
zes, de decifrar escritas quase ilegíveis. Principalmente os historiadores há muito
aprenderam a desconfiar de possíveis erros de transmissão.
Por outro lado, é importante estar sempre atento · a exis te
torou os autores e o ue eles descrevem. Eles foram testemunhas diretas ou indire-
tas do que eles re atam? Quanto tempo decorreu entre o acontecimento e a sua
~ o ? Eles re ortaram as falas e al uma outra pessoa? Eles p ~
enganados? Eles estavam em osi -o fazer esta ou aquela observa àQ, d~~s_tabe-
IefertãíJuigamento? etc. Em alguns casos, não é supér uo familiarizar-se com os

301
. tos de coleta utilizados pelos autores. Este aspecto se revelará in-.
mstrumen . "lI>ort
te no caso de documentos como os recenseamentos, p~~s os questionários desuªn-
dos aos recenseadores experimentaram grandes modificações com O tetnp na.
º·
1A natureza do texto . . .
Cabe especificar que não é possível expnmu-se com a mesma hberdade e
relatório destinado aos seus superiores e em seu diário intimo. Conseqüent;men.um
, te, deve-se levar em consideração natureza e um texto oµ se~ort~es de
tirar conclusões. Efetivamente, a abertura do autor, os subentend1dos, a estrutura
~ o d e m variar enormemente, conforme o contex~o no qual ele é redigi-
do. E o caso, entre outros, de documentos de natureza teológica, médica, ou jurídi-
ca, que são estruturados de forma diferente e só adquirem um sentido para O leitor
em função de seu grau de iniciação no contexto particular de sua produção.
O que foi dito anteriormente nos leva a abordar a questão da crítica dos docu-
mentos para os historiadores. Quando escreveram seu manual de metodologia,
Langlois e Seignobos (1898) buscavam principalmente fazer da história uma disci-
plina científica, uma disciplina exata baseada numa documentação, cuja credibili-
dade devia ter sido estabelecida sem sombra de dúvida. Era dando continuidadeà
síntese dos "fatos" históricos desse modo acumulados, que se reconstituía a histó·
ria. Essa abordagem, dita da escola metodista, levou bem longe a arte da críticain-
terna e externa do documento, e influenciou fortemente todas as gerações de his-
toriadores que vieram depois. Aliás, as precauções que acabamos de relatar decor-
rem dela, em boa parte. Dito isso, estamos de acordo com Platt (1981: 43-44) para
afirmar que a lista, às vezes, exageradamente exaustiva das precauções e dos ele-
mentos de dúvida, estabelecida por Langlois e Seignobos, pode não só ter um efei-
to paralisante, sobretudo quando as fontes são raras, como também pode levar 0
pesquisador a descartar da análise os elementos totalmente válidos. Assim, uma
pessoa pode narrar a verdade, mesmo sem ser diretamente testemunha de um fato,
ou estar em condição de fazer uma observação de qualidade~uma outra pessoa
P_0 de nutrir simpatias confessas por um grupo determinado, ou por uma caus~pa; ~
ticular, e, todavia, ser capaz de objetividade. Se, nesse sentido, importa confiar_
. tuiçao,
m . - na h ab·1·d
i i ade e no senso de discernimento do pesquisador, nos , acredita·
d' .
ru en
mos, contudo, que essa confiança se conquista: O pesquisador mostrou P
. "l El . . l mprego
eia· e avisou o leitor das dificuldades e dos problemas colocados pe O e a·
de depoiment os mais . os mesmos lheP
· d uvi'dosos? Ele deu as razões pelas quais
recem confiáveis (ou não)? Etc.

6 Os conceitos-chave e a lógica interna do texto


e
Certamente, o trabalho de anális . .- -o co
por tanto tempo , que o nar na inpreen
_ _ _________,..__-i....;-==~~~JJ..lU..: se o sentimento de ter e~-

302
saüsfator\:ll't\M\I~ - • ;I~ r
~ m u d o clos..tr.tmas..em.pre&ado~s..ru.uore:,_w: um
~~- Pa~ os textos antigos, isso é evidente, já que a significação de inúmeros ter-
mos ~volutu muito ao longo dos anos. Tomemos o exemplo do "tratamento moral",
defimdo pelos médicos alienistas no século XlX. Um observador pouco advertido
poderia "instintivamente'' crer que o termo "moral" utilizado aqui concerne aos cos-
tumes ou aos comportamentos imorais de um alienado, que dito tratamento visa an-
tes de tudo corrigir. Ora, e mesmo que em pleno período vitoriano, essa dimensão
não esteja ausente da abordagem global dos alienistas, o termo "moral" tinha, então,
toda uma outra conotação. Foi o alienista francês Louis-Philippe Pinel quem utili-
zou primeiramente a expressão "tratamento moral" , a fim de demarcar sua aborda-
gem da dos outros médicos, cujas "terapias" eram, sobretudo, de ordem fisiológica
(medicamentos, sangrias, etc.). Pinel, por sua vez, buscava restaurar o "moral" de
seus pacientes. Como o termo "psicológico" ainda não existia, ele qualificou sua
abordagem de "tratamento moral". Está claro, desde então, que a interpretação dos
textos alienistas do século XIX poderá variar sensivelmente, conforme o sentido
dado ao epíteto "moral". Delimitar adequadamente o sentido das palavras e dos con-
ceitos é, aliás, uma precaução totalmente pertinente no caso de documentos mais re-
centes nos quais, por exemplo, utiliza-se um "jargão" profissional específico, ou nos
que contêm regionalismos, gíria própria a meios particulares, linguagem popular,
etc. Deve-se também prestar atenção aos conceitos-chave presentes em um texto e
avaliar sua importância e seu sentido, segundo o contexto preciso em que eles são
empregados. Finalmente, é útil examinar a lógica interna, o esquema ou o plano do
texto: Como um argumento se desenvolveu? Quais são as partes principais da ar-
gumentação? etc. Essa contextualização pode ser, efetivamente, um precioso apoio,
quando, por exemplo, comparam-se vários documentos da mesma natureza.

A análise

Com o trabalho de análise preliminar devidamente completado, é o momento


de ~ s - elementos da ~roblemática ou dq__q.nadra_ leórico, ~
~o, autores, i~~ confiabilidade'. n a ~ o, concenos-chave. O
pesquisãc!Õrpoderá, assim, fornecer uma mterpretaçao coeren~e, tendo em conta a
temática ou O questionamento inicial. Como em todo procedimento que levo_u o
pesquisador até a análise, a abor~em permanece tanto indutiva q~anto deduuva.
De fato, as duas se conjugam. Assim, a escolha de pistas documentaIS ap_resentadas
no leque que é oferecido ao pesquisador, deve ser feita à lu~ do quesu~namento
inicial. Porém, as descobertas e as surpresas que o aguardam as vezes o~ngam-no a
modificar ou a enriquecer O referido questionamento. Como o enfauzam Leduc,
Marcos-Alvarez e Le Pellec:
E fu - das questões que o historiador se coloca, e~ seleciona e '
m\_ nçao estig1·os do passado úteis para a sua pesquisa. Ele ~
ana isa os v ' ~ f
fecha em um esquema inclmivo _ do documento llra-se o ato -, mas

303
questiona suas fontes para confirmar · lid enri uecer su . .
~~~~~::::J:= ~:::il=.~ - da natureza não é n tpo.
teses. indução transmitida pe as c1encias
A •

....__ 1 d . .d ema
rimeira , nem a determinante. E a é, . oravante, .msen a em um pro-
P
cedimento que privilegia a problemáuca, o quesuonamento (LEDUc-
MARCOS-ALVAREZ; LE PELLEC, 1994: 42). '

Esse tipo de a ~ deve_ muito à ~s~ola dos Anais~ se distingue


da abordagem positivista da escola metodista. Estª _uluma, como O vimo_s, contava
com a acumulação de fatos históricos incontestáveis: 0 trab~lho de análise consis-
tia, principalmente, em fazer uma síntese dos elementos assim acumulados. A his-
tória social modificou essa abordagem, e, doravante , procede-se preferencialmente
pela desconstrução e reconstrução dos dado~. Michel _Foucault mostrou muito
1
bem essa nova posição em sua obra Archéologte du savoir:
A história mudou de posição em relação ao documento: ela se atribui
como tarefa primeira, não mais interpretar, nem determinar se ele diz a
verdade e qual é o seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo interna-
mente e elaborá-lo; ela o organiza, recorta-o, distribui-o, ordena-o, re-
parte-o em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do que
não o é, identifica elementos, define unidades, descreve relações. Por-
tanto, o documento não é mais para a história essa matéria inerte, por
meio da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disse-
ram, o que é passado, e do qual somente o rastro permanece: ela busca
definir, no próprio tecido documental, unidades, totalidades, séries, re-
lações (FOUCAULT, 1969: 14).
Definitivamente, como bem o argumenta Foucault, o~clesconstrói,
tritura seu material à vontade; dep,9is, procede a uma reconstrução, com vista ar~
onder ao seu amento. Para chegar a isso, ele deve se empenhar e m ~
b,rir as li açõe entre os f a t o ~ s , entre os ele entos de ini a ão ue a-
recem, ime · me estra s aos outros, como o assinala Deslauriers (1991:
79). É esse enc;_êdeamento de ligações entre a pro lemática do pesquis.adar e as di-
versas observa ões extraídas de sua documentação mular
explicações plausíveis, roduzir uma mterpre açao coerente e r izar uma recor s-
..__trução e um aspecto qualquer de uma dada sociedade, neste ou naquele momento..:_
A fim de esta lecer es l' -es de co tituir configurações si nificati~ s,
é importante e?C_!rair os elementos pertinentes do texto, com ará-los com outros
elementos contidos no co us documental. A maioria dos metodologistas concor-
da em dizer que é a leitura repetida que permite, finalmente, tomar consciência das
similitudes, relações e diferenças capazes de levar a uma reconstrução admissível e
confiável. As combinações possíveis entre os diferentes elementos contidos nas
fo~tes estabelecem-se em relação ao contexto, à problemática, ou ao quadro teóri-
co, mas também, deve-se admiti-lo, em função da própria personalidade dopes-
quisador, de sua posição teórica ou ideológica. A essa altura, a reconstrução se
opera, geralmente, a partir do que Deslauriers, baseando-se em Carl Jung, chama

304
. cronicidade; ou seja, o momento em que uma soma de idéias ou de pensa-
de sin 5 se une para formar uma explicação, em que um certo raciocínio se constrói
Jllentº·namente, e em que uma ligação se estabelece entre vários fatos e faz-se à
rePe~t~esse estágio que a imaginação~ a intuição do pesquisador são mais utiliza-
1u:· (DESLAU~l~RS, 1~91: 87-91 ; LETOU~NEAU , !?89). Contudo, atenção ao
da rnento magico, pois esse momento crucial da anahse, esse "clique" não se en-
p.ensade fato; trata-se d e uma aptI.d-ao que se cul tiva
. e se d esenvolve; ela é , em gera l ,
fruto de re fl exoes,
sina - 1eituras,
. - com outros pesquisadores, etc. Sa1iente-
d.iscussoes
o os tarnbém, por outro lado, que o tempo passado na coleta dos dados freqüente-
mente possibilita uma reflexão contínua e a maturação de algumas idéias ou hipó-
111 s que levam à formulação de explicações plausíveis.
tese
A qualidade e a validade de uma pesquisa resultam, por sua vez, em boa parte, ,
das recau - es d e ordem crític tom as elo · r. De modo mais geral, é
a qua 1 ade da informação, a diversidade das fontes utilizadas, das corroborações, ,
das intersecções, que dão sua profundidade, sua riqueza e seu refinamento a uma
análise 5 • Deve-se desconfiar de uma análise que se baseia numa pesquisa pobre, na
qual O pesquisador só considera alguns elementos de contexto e uma documen-
tação limitada, visando formular explicações sociais. Uma análise confiável tenta
cercar a questão, recorrendo a elementos provenientes, tanto quanto possível, de
fontes, pessoas ou grupos representando muitos interesses diferentes, de modo a
obter um ponto de vista tão global e diversificado quanto pode ser. Além dessa ne-
cessária abertura de espírito diante dos dados potenciais também é preciso contar
cdm a capacidade do pesquisador em explorar diferentes pistas teóricas, em se ques-
tionar, em apresentar explicações originais, etc.
Entre os historiadores quebequenses, Femand Ouellet inovou muito, no início
dos anos 1960, pela diversidade e originalidade das fontes utilizadas para realizar
suas reconstruções. Ansiando demonstrar, por exemplo, que o fervor nacionalista
não era a única razão que havia levado os habitantes a se sublevar, quando das rebe-
liões de 1837-1838, ele consultou, entre outros, arquivos paroquiais, tais como os
registros do dízimo e as coletas do Menino Jesus, para determinar que as regiões que
participaram mais ativamente nas Rebeliões enfrentavam, há muitos anos, pro-
blemas agrícolas graves, os quais atingiram seu ápice ao longo desse período
(0UELLET, 1966, 1976). Um dos primeiros praticantes, com Jean Hamelin, da
Escola dos Anais no Québec, Ouellet se fez também notar, entretanto, por sua posi-
ção teórica que o levou a dar uma interpretação totalmente diferente para algumas
questões cruciais da história do Québec, tais como a Conquista, a presença de uma

5 p . ·1
n. nvi egiamos, aqui, no âmbito de uma pesquisa qualitativa, a qualidade e a diversidade , mas n ão
p:~~sa~amente a quantidade. Para nós, a qualidade (credibilidade; confiabilida_de; proximi?ade ;

e~:· :e
b nd1dade) de um único documento importa muito mais do que inúmeros depoimentos, mais po- ,
0
possível, o pesquisador deve tender à saturação das categorias; ou seja, col~tar depoimentos
orantes, que permitam produzir uma imagem coerente do fenômeno pesqmsado. ---
burguesia financeira em Nova França, ou as causas das rebeliões de lSJ
7
l~ado à escola de pensamento neo!iberal de _Cité lib re, ~ue d esconfiava d~1838_. Ari.
hsmo quebequense, Ouellet atrntu logo a tra dos nacionalistas trad· . n~ctona.
neonacionalistas, cujas teses, então, dominavam amplamente na hist~~:nai~ e dos
bequense. Ainda que o tenham chamado de "traidor", "colaboracio . g~afia que.
st
deralista", nunca lhe atacaram o método de análise documental dito~ ~ · ou "fe.
Anais, que ele tão be1n colocou em prática, na sua obra Histoíre tconom~ scola dos
le du Bas-Canada ( 1966), e pela qual ele foi respeitado e mesmo admi:qdue et socia.
. a o.
E, porém, em razão da importância da busca da diversidade em t
e d . d . . ermos das
1~ntes~ que se a ve~te o pesqu1~a or para rea1izar pesquisas em um estado de e
nto onentado pela indução. Evidentemente, é importante fo rmular desd . s~(-
a 1gumas 1'dé.ias d uetrizes,
' · propond o um quad ro teórico, mesmo restrito
' e O tníc10
r· '
. · 1· . . C d l d d ,
onentar as ana ises minuciosas. ontu o, ta qua ro eve continuar flexível im de
a .
diante de novas fontes doc~mentais, ba_ses de arquivos inesperadas, pode-se~~;::~
vado a elaborar novas teonas, novas hipóteses, ou a aperfeiçoar alguns con .
· · · · E. · . cenos
1n1cia1S. preciso, portanto, manter o espinto critico, todavia aberto, pois nunca
se sabe quais surpresas nos reservam os exames minuciosos dos documentos.
Como o h avíamos anteriormente mencionado, aquilo que apreendemos desco-
brindo a documentação de interdição e tutela é que nos abriu novas perspectivas
para a explicação do advento do manicômio no Québec, permitindo-nos matizar
sensivelmente nossas próprias posições em relação a isso.

Um exemplo de análise documental


Com se o vê, a análise documental constitui, geralmente, uma empreitada de
muito fôlego. Por isso, não é fácil dar um exemplo real dela, afora outras pesquisas
que já foram realizadas satisfatoriamente. No entanto, nas páginas que seguem, ten-
tamos dar um exemplo muito breve de análise documental, servindo-nos de dois
curtos documentos de natureza jurídica. Será preciso aqui lembrar que o exemplo é
dado sob a perspectiva de uma pesquisa documental, e não do comentário de docu-
mento6. É certo que, como um pesquisador poderia encontrar-se diante decente~
de documentos para examinar, ele talvez não conseguisse redigir três ou quatro pa-
ginas de comentários para cada texto, dossiê ou documento que passasse por 5uas
mãos. O processo de análise preliminar e de análise que expusemos anteriormendte
remete, de fato, a uma abordagem global que deveria se tomar automauca · · Para to o
pesquisador voltado a pesquisar uma documentação determinada.

. . · do texto pes·
6 . O comentáno de documento cons1Ste, geralmente, em um estudo bastante exauSUVO exclusi·
quisado. Ele é, sobretudo, útil para a análise de textos únicos, que, por exemplo, são~ qu;a éPoca
vamente possibilitam interpretar uma corrente intelectual, ou apreender a atmosfera e uSylvie pel,
Em Le coffre à outils du chercheur dtbutant (LÉTOURNEAU, 1989), Jocelyn Létourneau e dedicam i
letier apresentam um excelente exemplo de comentário de documento, quando el~~ seno QuébeC
contextualização e à análise de um discurso de uma das primeiras feministas conheci as
ldola Saint-Jean.

306
.•

odocumento
Os documentos que _apresentamos foram: ini~ia~~e~,te, considerados no âmbi-
ma pesquisa reahzada numa perspecuva cnt1ca , que visava entre outras
d U
to . e evidenciar as pnmeuas
· · med'd d 1 · '
1 as e regu ação soetal em Nova França parti-
co1sas, . ,
cularmente aquelas que 1evaram ao surg•~~nto dos_ h~sp~tais gerais, em 1692.
Nessa ótica, pretendíamos grosso modo deh_m1tar as pnnc1pais mudanças socioeco-
nõmicas provoca_d~s pelo advento progressivo do capitalismo, que, por força de si-
ões desestab1hzadoras que O acompanhavam, acarretou medidas corretivas no
tuaç . l O . . l
\ano da regulação soc1a • 5 pnmeiros sécu os em que se intensificou a implan-
p ção do capitalismo fora1n marcados, no Ocidente, por períodos de vazios e de
ta l.
saltos econômicos, que e c1xavam sem recursos os camponeses que vinham se
amontoar nas cidades, na esperança de trabalhar nas fábricas - o que criava, muito
freqüentemente, situações potencialmente explosivas. Segundo Michel Foucault
(1971), dentre outros, a aparição dos hospitais gerais, no século XVII - estas insti-
tuições destinadas à internação de pobres, vagabundos, libertinos, prostitutos,
loucos-, constitui uma medida de controle social, para restabelecer a ordem em
épocas de crise, pelo seqüestro dos provocadores sem-trabalho, e pela disponibili-
dade de uma mão-de-obra a bom preço, nos tempos de prosperidade. Para compre-
ender devidamente a gênese do aparecimento dessas instituições semicarcerárias,
no final do século XVII, no Québec, buscando medir até que ponto, também aqui,
a instalação de tais instituições se insere numa dinâmica socioeconômica seme-
lhante àquela que levou ao grande isolamento na França, pareceu-nos pertinente
orientar nossas primeiras análises dos documentos, tendo em conta as medidas to-
madas pelas autoridades da colônia a fim de gerir o problema dos sem-trabalho e
dos marginais, antes de optar pelo hospital geral como solução. Tendo como alvo
os diversos decretos promulgados pelas autoridades com vista a regulamentar o
problema colocado pelos sem-trabalho e as desordens por eles cometidas, havía-
mos empreendido nossa pesquisa documental a partir de 1692, e remontado no
tempo até o surgimento das primeiras legislações pertinentes. Nossas sondagens
nos possibilitaram, sobretudo, descobrir dois decretos emanados do Conselho so-
berano e que constituem os dois primeiros textos dirigidos aos mendigos e vaga-
bundos da colônia. O primeiro data de 1677:

Decreto referente à proibição de mendigar*


Sobre o que foi reapresentado à Corte, pelo procurador-geral do Rei,
de que há cerca de três anos a mendicidade foi introduzida nesta cida-

* O presente decreto e um outro (também transcrito mais adiante, neste texto) receberam uma tradu-
ção direta do francês praticado no século XVII, não apresentando, portanto, o modo d e pontuação e
de construções gramaticais h,oje vigentes (N.T.) .

307
uatro ou cinco mulheres de locais circun";.. •
de por q . d . •14Inhos
ram a a Ud ácia , dentre outras c01sas,
. e .v1rem aqui ta mbé111 , que,;11ve.
e mes mo d
e homens que . podenam mmto. bem trabalhar, e ·0lllendio,l\'lt,
iam servir os habttantes, tendo o numero dos dito J Ve11squ
po der d d r . s lllend· e
tal maneira multiplicado, es e a re1enda época, atraídos ig0sd,
.d ociosa pela facilidade de baterem às portas que O c . Por essa
v1 a . ' orn1SSá .
signado pela Corte, para wmar disso conhecimento sobre a r°ºde.
sentação do dilo procurador geral, encontrou ai até cerca d eapr,.
- b e trezen
indivíduos, que, durante t~do o verao, so recarregaram extrema t0s
te O público, provocando tao grandes desordens, que se tev _IIJen.
. . . d eraZáoelli
temer que eles pilhassem as prmc1pais casas esta cidade va 1 .
. . ' ~~Q
do-se disso. Sendo, portanto, necessáno se mumr, tanto para , .·
. 'd d . d I pre1eru1
0 que poderia ocorrer se a men d1c1 a e e a m o ência fossem 1 1
. . d oera.
das nesta cidade, como para obngar esse tipo e gente a seguir d
r . d as e-
terminações do Rei, que 1oram, a parur e então, as de que sua Ma'
tade lhe ordenava, neste paÍs, a se ha b1tuar . a "desertar" (desbravar)ea ~es-
cultivar as terras, bem como a obrigá-la a criar seus filhos na religião
cristã e num modo de vida civil e honesto para ganhar a sua vida, re-
quer a Corte que lhe convém proibir a todos os mendigos sadiosde
mendigarem e de esmolarem nesta cidade, prescrevendo as penas que
lhe aprouver ordenar, bem como de mandá-los de volta às suas casas.
E que semelhantes proibições sejam feitas a todas as pessoas, de qual-
quer qualidade e condição, de dar esmolas às portas, atribuindo-lhes
as penas que aprouver à Corte lhes impor; sendo esperado que coma
dita reapresentação não mais seja permitido, na França, de mendigar
nas cidades, instituindo-se aí o direito de estabelecer expressas inter-
dições e proibições a todos os mendigos sadios de mendigarem ees·
molarem, futuramente, nesta cidade, sob pena de punição. Elhesor·
<lena a sair e a desocupar dela, em oito dias, e a permanecer em suas
casas, que lhes foram concedidas para que as valorizassem ecuidas·
sem, sob as mesmas penas; e também a todas as pessoas de qualquer
qualidade e condição, por dar-lhes esmolas nas portas de suascasas_·
.. · del01I·
so b qua1quer pretexto que possa haver, sob pena pecumana .
b ( •
ras anllga moeda de conta), ordena a Corte ao reien
dor-geralde ter a, mao - a execução do presente decreto, que serah 0•
°.
, 'd procura
·d

publicado e afixado por toda parte para que ninguém O ignore.


' Ducl1es11eau

Análise preliminar

O contexto (de modo breve)


Em 1677, a Nova Fr h bitantes,uni
embrião de sociedade doança_repres~nta, com seus cerca de 7.000 a ador, repre·
sentante do rei . Antigo Regime. Ela é dirigida por um gover~ pelasfi·
, e um mtendent 1 . suça e
nanças, apoiando- b e, responsável pela polícia, pe a JU delibeíJ·
se, am os no C Ih . ntose
' onse o soberano, cujos JUlgame
308
ee rm,c, Çê

lf lei. Está-se diante de uma sociedade de Antigo R .


força de . . h . . eg1me, na qual o
'i51ê!ll meçou a abnr cam1n o, graças, pnnc1palmente ao tr ' f· d
~ . mo co A. T f . , a ico e peles
itahs , . ,, da colon1a. rata-se, e euvamente, da única ativ·d d A . '
r,P ,· dustna . 1 a e econom1ca
nica· 1n lguns comerciantes a acumulação de capital e q
u ""'rrnite a a d . , ue emprega um
ue p--- , ro de pessoas, cerca e oitocentas, à época (HAMELIN . .
q denume - d t d - d b , 1960 . 107)
(ran norme proporçao e o a a mao- e-o ra assalariada da col A . O . ,
. , uma e . h d b on1a. m-
~1o e, J n Talon haV1a se empen a o astante em diversificar a eco .
dente ea nomia, ao
1n rcício de seu cargo, mas, no momento de sua partida em 1672 h
00 do exe d b , , ouve
~ºº . olta
revirav · A chegada e Frontenac,
. o cecado pela reconstituiça- 0 de sua for-
~ essoal e apressado em se ennquecer por meio do tráfico de peles provocaria
~ ·
!1lnaP
unia concentraçao -
sem p~ece d ent e d a at1v1· 'da d e ec~nom1ca da colônia, ' no setor do
(láfico. Aárea de abastecimento de peles se dec~pl:cou, rapidamente, e O mercado
eu se viu inundado de peles. Essas negoc1açoes logo desestabilizaram O úni-
eur p
0
mercado de trabalho importante
· ~ . J.á que, de 1676 a 1679, as autorida-
naco1on1a,
:essevêem na obrigação de proibir a atividade de caça e comércio de peles, e, em
!681, instituir oficialmente o regime dos feriados anuais de tráfico. Sob esse novo
Rgime, apenas alguns privilegiados titulares de permissão podem, doravante, mo-
oopolizar todo o tráfico de peles. Segundo Hamelin, "o monopólio do tráfico de
~les por uma categoria social determinada privou uma multidão de indivíduos
l!lal'ginais de uma renda complementar que lhes possibilitava saldar suas compras
ooagricultor ou no comerciante. Agora, para sobreviver, particularmente em tem-
fOS de crise, esses indivíduos se endividam [ ... )" (HAMELIN, 1960: 5 7).
Os anos 1670 e 1680 são também palco de conflitos penosos para a população,
oomos iroqueses, de um lado incomodados com o engrandecimento da rede de
lráfic~dos franceses, e depois,'com os Aamericanos e os ingleses, quando da guer-
rada_hgadeAugsburgo. A colônia conhecerá inclusive a penúria, a partir de 1686 -
b[~ossível que os trabalhadores que dependiam totalmente do comérc_io de pe-
lad em fortemente afetados pela crise que abateu esse mercado, a parur da me-
~: dos anos 1670. Sem dúvida, é a esses desempregados que se dirige o decreto
acabamos de ler.

Os autores
"' Esse texto e
' lào va· .
1
mana do Conselho soberano da Nova França.
o Conselhodexercia,
Ião ' nas fu - . . d t 'bunal e ape1a-
,e111 n,~nçoes Judiciárias e administrativas. Ele serVla e n h d. e•·
~~- •<l(ltéfia · · Ele tin a o ir -
111'.contr CIVJ.l e criminal e também pronunciava sentenças. _
~ . o1ar ' d. gulamentar o c0
~rC!o,assilll. ~~or exemplo, as nomeações dos juízes, e p~ l~tc~a" ele se interes-
t ªPela assist~lll.o o preço dos alimentos. Em termos da po - , dos incêndios
,c°lllo o Vi encia social, pela proteção dos bens, pela prevençao
Oc lll.os, pelas d d ,
~de ºnsetho esor ens. tes da colônia; isto e,
tentorp.. d soberano reunia os habitantes mais importan_ dente o bispo e
~ o pod dor o 1nten ,
er. Tinham nele assento o governa '
309
conselheiros - comerciantes, principalmente - que verão seu núm
dualmente, de cinco, em 1663, a dezesseis, em 1742, o que ilustra :ro Passar,gra.
0
do peso político dos comerciantes, à medida que se desenvolve Oe e~ aurnento
, . . ª Pllalis
l675 J'á se contam sete conselheiros no Conselho. Os tnteresses d lllo.Em
, d d'' os autor
documento são múltiplos, em razão os 1,erentes grupos sociais CSdesSt
. , que eles r
sentam, embora também seJam convergentes. 0 s mteresses do rei sã epr,.
. é . d o eIararn
apresentados: "Que para obngar essa esp c1e e gente a seguir as deter . en~
rei de [... J cultivar as terras", aliados aos do bispo •ii, .. J de obrigá-la a : t ~Çôesdo
. ·- cnst
filhos na re ligiao · ã" , assim
· como os m · teresses dos comerciantes (ou t1varse11s
. .
. ) . d 1 t " d' "
habitantes , Já que o ocumento re a a que os men 1gos tenam ameaçadO . ·. pnnc1pais
· · · casas desta ci'dade, vang1onan
as "pnncipais · do-se d'1sso" . F'maImente 05 . Pilhar
, interesses
do intendente são também representados, por ser ele o responsável pela d
pela políc1a.· E., a1ias,
· · pnnc1pa
· · 1men te no sen t'd 1 o dessa cons1·deração, a ordem or eme.
blica, que convergem os interesses dos diferentes autores desse texto. pu.

A autenticidade, a confiabilidade e a natureza do texto


Trata-se aqui de um decreto promulgado pelo Conselho soberano, tal como
ele é solicitado a produzi-lo, de tempos em tempos. Os decretos do Conselhosobe-
rano da Nova França estão conservados nos Arquivos Nacionais do Québec, efo.
ram reproduzidos, no presente caso, numa série de seis volumes, entre 1885 e
1891. Há mais de um século, tais volumes têm constituído para todos os historia•
dores uma fonte confiável sobre a Nova França. Não se poderia duvidar da autenti·
cidade dos documentos que eles encerram. Trata-se também de um texto público
redigido após um encontro que reuniu os autores acima mencionados. Pode-se,
portanto, crer que as falas aqui reportadas pelo secretário são bastante fiéis ao que
foi enunciado durante a reunião. Quanto à confiabilidade geral dos elementos de
prova nela apresentados, também é bastante difícil de questioná-la, devido, uma
vez mais, à natureza do documento. Certamente, isso vai da credibilidade doCon·
selho junto à população. Não é, contudo, impossível que tenha havido algunsexa·
geros, pois certos dados trazem inquietação. Nós retornaremos a isso, no momen·
to da análise.

Os conceitos-chave e a estrutura lógica do texto


Trata-se de um decreto que proíbe mendigar. Na primeira parte do texto, en·
. - mdecreto
contra-se a expos1çao do problema que levou o Conselho a estabelecer u nt
(de "~obre O que ... ", linha 1, a "... para ganhar sua vida", linhas 16 e l 7). ~~:~
5

depo15, ª formulação da proibição ou da ilegalidade (de "Requer a Corte... ' ra OS


17•ª "... mend'1gar nas cidades",
. linha 23), e, por fim, as penas pr~scritas Pª
textoé
O
con~raventores (de "instituindo-se ai o direito ... ", linha 23, até O finaDde cersid0
es~nto em francês do século XVII. Como a Academia Francesa acabava údãO,
cnada nã0 · h 1 I vras· exa
' se tm a tota certeza da ortografia exata de algumas Pª ª '

310
J~
ão se confere, na época, a importância que lhe será d d .
•qual n d'' d . a a postenor-
-~áS, a ..,, sendo, essa 11erença as ortografias não constitui verd d .
~, A5Sh•• a eiramente
~ente. 1 e poucas palavras tem para nós um sentido obscuro e
A

d ,
bstácU o "d . ,, . • ontu o, e pre-
uJllº nto a termos, como esertar (hnha 15) • que , aqui , tomaosent1.do de
1arate
,iíO es ou mais exatamente, de desmatar (quando da chegada dos . .
bravar, , pnme1ros
JeS solo está totalmente coberto de florestas e é necessário "desert li
\onos, o ar sua
(O tes de poder fazer com ela o que quer que seja) . Também se verificarão al-
11rra, ª~os ou conceitos-chave que se repelem freqüentemente, quando se faz
~,unste_ aos men d'igos: e, o caso d e " men d'ic1'dade e de " mendigo que não fazem
li 11
,
0
ilU53
"mendigar , em razao de sua m do IAenc1a e de sua "VI'da ociosa
O

~não li - li ' li 11

~álise
Estamos, portanto, diante de um texto que se dirige, evidentemente, aos de-
í1mpregados do tráfico de peles. É isso, ao menos, o que deixa entrever o contexto
'«ioeconômico desses anos. Quando da partida do regimento de Carignan, em
!~.uma boa parte dos 400 soldados que decidiram permanecer na colônia tor-
riaram-se, ao que parece, caçadores e comerciantes de peles. Com as dificuldades
ronhecidas, pouco depois, pelo mercado, em razão da superprodução e da proibi-
~odepraticar o tráfico, torna-se perfeitamente plausível pensar que esses "mendi-
ios'aosquais se dirige o conselho - essa gente que não cultiva a terra para garantir
masubsistência- são, bem ou mal, esses desempregados oriundos da crise repen-
ónanosetordas peles. O problema parece, aliás, bastante recente,já que nunca an-
~sefez menção às desordens ligadas a qualquer mendicidade (eles teriam surgi-
~havia três anos, segundo o documento). Essa não é, contudo, a análise que os
~mbros do conselho fazem da origem do problema, a qual é bem mais sumária:
~Ique faz aproximadamente três anos que a mendicidade foi introduzida nestª
depor quatro ou cinco mulheres dos locais circunvizinhos, que ainda tiveram
iaudácia d . [ ] ,, S l'
~ . ' entre outras coisas de virem aqui também mendigar ··· · ua exp ica-
~,oebtanto mais · limitada,
· ou' pelo menos sumária, que, ao que tudO m · d'ica, os
Ili ros d0 . 1 . -
~- conselho se interessam totalmente pelo problema, e, me usive, nao
isentos d d e
~eiudica e responsabilidade em relação à situação economica esaS tro~a qu
A •

~ .. essa gente (os "mendigos" de sua parte, parecem estar bem conscientes
'Ja que el ' ·d d ) p , m o argu-
~nt0 1 es ameaçam pilhar as principais casas da c1 a e · ore ' _
LI
~ lllen
ªegado aqui· e, bem outro e 1ncnmma
. . . pnmor . d'ia1men te O indivíduo. Isso e
'~enct·te Perceptível, aliás, quando se presta atenção ao vocabulário e~pre~ad_o
til} Igos me ct· . d · ar os m1serave1s
ques1~ ' - n 1cidade, indolência, vida ociosa - para esign . ,
~v "'º·Ebast r no típico dos secu-
"Vl e" ante claro que estamos diante de um ienome . . ,
A

'Jea I\ VH q · to de s1mpaua m1s-


que O ha ' uando os pobres viam desaparecer o senumen
1p~ 5 Via M ,d. o pobre é doravante,
0eiPal acompanhado durante toda a Idade e 1ª· '. .
tespon á . , · a e à indolência. E, p10r,
s ve1por sua condição, devido a preguiç

311
é tomado como perigoso e fonte de desordem e de instabilidade. p
e1e " d. " b ara re111
a situação, ordena-se, pois, a esses men 1gos , so pena de punição d " ediar
ra suas terras e viver do fruto de suas coletas. Eis somente que O d ' e Voltar'
pa . . . ocumen1 ,
roduzido no fim do verão. Amda sena preciso que esses mendigos te h OÍoi
P . antes de poder tirar
. delas algun am tel1)po
de "desertar" suas terras, semeá- Ias, etc.,
meIerne
de subsistência. nto
Por outro lado, segundo o procurador geral, haveria mais de 300 mend·
tomo da cidade de Québec. Esse dado é surpreendente, pois a cidade conta~goselll
ndo muito, com 1.200 habitantes, na época. Aqui, das duas uma: ou isso se
.
um pro blema soc10econom1coA • bastante grave; pro bl ema este que o Conselhovea
~tª·
propõe a solucionar, ameaçando punir aqueles que não retornam para uma terr:e
antes de oito dias; ou entã.o, o probl~ma é,.vol~~tariam~nte ou por re~ção de pâni:
co, exagerado pelas autoridades, a fim de JUst1f1car sua mtervenção. E difícil posi-
cionar-se em relação a isso.
Seja como for, a solução preconizada não parece ter tido a eficácia esperada.já
que, em 1683, o Conselho é obrigado a voltar à carga com um segundo decreto
proibindo mendigar:
Proibições aos mendigos sadios de mendigar nesta cidade, e tam•
bém de lhes dar esmolas, com pena pecuniária de 10 libras.
Sobre o que foi reapresentado pelo procurador-geral, de que no últi-
mo dia de agosto de 1677, a Corte teria instituído decreto referentea
proibições a todos os mendigos sadios de mendigar e de esmolarnesta
cidade, sob pena de punição, [.. . J os mesmos mendigos que partiram,
retomaram, e sobrecarregam o público, ainda que eles estejam em
condição de ganhar sua vida, e criam seus filhos numa ociosidadeq~e
os leva a toda espécie de desordem colocando-os na condiçao · de nao
quererem servir nenhum habitant; do país, ainda que se tenha uma
enorme necessidade de domésticos sem contar que as cabanasd que
' · ees·
eles constroem em torno da cidade transformam-se em locais . daí
cândalo e de desordem não tendo tais pessoas nenhuma honra, eni·
. ' sáriO orga
se retire toda espécie de gentalha sendo para tanto neces reJll
' d stabe Iece
zar, agora, que eles tenham tempo de se retirar e e se re . erno:
d st ão deinv
suas casas, que continuam no abandono, antes a e aç ·d deere·
requerendo o dito . procurador geral que, contormee °
aO refenndigosSll·
to, estabeleçam-se interdições e proibições a todos os me bnena
. d
dios ·dade, so r· 0
e mendigar e de esmolar, futuramente, nesta ci em cas
de punição, sendo a primeira vez a de ser posto na cangad,~·s ede ir
' ·w ia , 1
de recidiva, no flagelo autorizando-se
,
a dele sair ern 1 ° de qua ·
pessoas .•,
permanecer em suas casas· como também a todas as a·s pOíll"''
.
quer quahdade e condição,' de dar ou de fazer dar esmolas
com ª pena pecuniária de 10 libras [... J. veme11llt

312
-
...., brevemente, à análise prelimin d
dere11• 05 ' - . ar esse s
proce 5 interesses sao simplesmente os me egundo texto .á
5 eo . . smos que e . , 1 que
.aorore d nte Como o vimos anteriormente O co t _ xammam 05 para
tP ce e . . - ' n exto e difícil o
xtO pre_ de peles. Aqui, a construçao do texto perm . no que concer-
ie, '[ICO d. 1. anece simpl
ea o tiíl
,, ' que O tom se ra ica izou em relação aos me n 1gos na esmente
d.
. a mes-
oia, sa/vo continuam sendo acusados pela vida ociosa , exposição do pro-
fJes " lh "
bleJ!Iª· 1 se em genta a e em gente sem honra"
" e por
b serem morivo de de-
fa a- . , so retudo q d
,ardeITI· que parece, a servir de domésticos de pesso b uan o eles se
· m ao . as que em n · •
recusa ' radicalização da Imguagem é acompanhada d . ec~ss1tanam
fssa . " . . . e uma rad1calizaç-
dee15· d penas presentas aos recidiv1stas ", as quais são m . . ao em
rrnos as . . ais precisas do que
1e_ . cexto: a canga, na primeira ofensa; e O flagelo na segund A . _ no
r11ne1ro . d 1· - ' a. qm, nos nos
p r:amos diante e uma mguagem e de uma logica punitivas 1
enconl d d , comp etamente
rnoderna ·
s Como no ecreto ,
prece ente, _
este prescreve penas di"er t
11 en es, para os
g13iscõmodos que batem as portas. N~o se trata mais da desonrosa canga, nem do
~gelo;mas si~, de uma mul~~ por_me10 da qual o contraventor pode facilmente se
1
~solver, e CUJO montante, alias, nao se alterou desde a última vez.
Abreve análise que fazemos desses dois textos nos deixa entrever que, confron-
radas com alguns problemas socioeconômicos causados pelos sobressaltos do capi-
tJlismo nascente - e que são, portanto, novos, para elas-, as autoridades da colônia
o.io sabem muito bem como reagir. Sua análise da situação é sumária e superficial e
elas não conseguem dar cabo de seu problema. E por uma razão evidente: o Conse-
füoseatém mais ao sintoma do problema (os desempregados), do que às suas causas
reais.Logo, não tendo esse decreto mais efeito do que o precedente, e também diante
deumasituação que se agrava, as autoridades se voltarão rapidamente para uma ou-
trasolução, a da Agência dos pobres, em 1688. Esta iniciativa, interessante, visa pro-
{!Jrcionar uma ajuda direta (ferramentas, adiantamentos de investimentos) aos de-
CJÍOrtunados que desejem voltar a trabalhar a terra. No entanto, tais medidas não são
suficientes aos olhos de muitos e quatro anos mais tarde a Nova França assiste à
ª~nura dos hospitais gerais de ,Q~ébec e de Montreal. ,

Conclusão

SeguindO . de uma problemáti-


Q as pistas que deixam entrever alguns e1ementas
,ecom b h . do contexto e so-
Dre . ase numa documentação nova sobre o con ecimento .
as 11gaç· tos seus mteres-
!.es e oes que se podem estabelecer entre os autores e os tex '
0 Vocab 1- .

. · -· ex -
~fàoa ~ ano empregado, é possível chegar a constrwr o m d d'• ente da
1 respeuO d . . . . 1 e preten e 11er
X/licaç· d o surgimento dos hospitais erais, a qua s ci·onar uma
· ªº
~Uriade5.
a fi d - . . d 5t · d s a propor
un açao de mstituiçoes e candade e ma ª ·t· desenvolvi-
~ 1Ilter d . , . ~ . - - 1aíven 1caro
entode essa a aos miseraveis da coloma. E passive . perturbações
Pi uma 1- · .• e tem raiz nas
,.%cada ogica de regulação social pumuva, qu . ui dos primór-
110 d s pela l . - - t ata-se mais aq -
s eui>, ransiçao ao capitalismo. Porem, r J'. .d ·nterpretação nao
.,,a Pes . 1 t a re1en a I
quisa documental e, para ser comp e a,
. ente em apenas dois documentos q
cius1vam f , Ue a b
eria basear-se ex a realidade, algumas rases lacônicas e . ~a ªlllo
pOd ·d mente - n b d , llIItid s~
nalisar resumi a . 1 por alguns mem ros os grupos soei . as el!J
a te parucu ar, . ais do . ~~
contexto bastan . , 1 ssa explicação devena ser complementad lll1nan1
. confiave , no d · d a Por d· ~
Para ser nca e d~ . s do governador ou o inten ente com O . iveri,
spon encia . llltni . --ql
fontes - corre d . . de Lavai, de comerciantes, de pessoas menos d· sten0d;
. h . cartas o JUIZ 1· . Ireta
mann a, e ~ no como os padres ou os re ig10sos - e, sobretud ille%
•das no 1enome , d . d op
envo1VI _ s faça conhecer o ponto e vista e pessoas diret ' 0rul!J;
documentaçao que no h . . . I. arnente .
d t s e pela criação dos ospitais gerais. A eitura que f: . Visa.
d por esses ecre o . . 1· anarno
as. d material nos permitina basear mais so idamente nosso 5dr
con3unto esse . • I Pontod
nos levaria a mauzá-lo sensive mente. f
vista ou talvez
;erá importante lembrar, aqui, que o exercício ao qual acabamos de nos de~
car nao- poderia, de nenhum modo, constituir. um . exemplo . rígido do que represen.·
ta uma análise documental de natureza quahtau;ª: Efeuvamen~e, acabamosdere.
sumir e de ordenar uma série de etapas metodologicas que a ma10ria dos pesqu· .
dores percorre por reflexo e segundo uma ordem variável para cada um. oque:
sejamos principalmente ressaltar, ao final desse breve exemplo, é que é possíveldi-
zer muitas coisas em algumas linhas de texto; ele ilustrou como a análise decorre.
principalmente, de uma série de escolhas que dependem do pesquisador: esco~
do tema, do problema de pesquisa, da orientação teórica ou ideológica, dos ele-
mentos do contexto que permitem a interpretação, da abordagem metodológica.
etc. Tanto escolhas que dizem respeito à própria personalidade do pesquisador
como escolhas que, felizmente, estendem ao infinito a gama das pesquisasedasin·
terpretações possíveis.

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