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Personalidade I:

Avaliação, Teoria dos


Traços e Perspectiva
Cognitivo-
Comportamental*
No capítulo anterior, centrámo-nos nas diferenças da inteligência.
Mas as pessoas diferem também nos seus atributos não-intelectuais.
Diferem quanto aos desejos principais, aos sentimentos (e no modo como
os exprimem). Diferem no modo como se olham e julgam a si próprios. E
diferem nas suas perspectivas acerca do mundo e do futuro. Todas estas
distinções estão contidas no título geral de diferenças de personalidade.
O facto da existência de diferenças de personalidade está longe de ser
uma descoberta recente; já era provavelmente conhecido desde os tempos
pré-históricos. Os homens de Cro-Magnons seguramente sabiam que os
Cro-Magnons não eram todos iguais; gostavam provavelmente de alguns,
não gostavam de outros e passavam parte do seu tempo cavaqueando
sobre os Cro-Magnons da caverna do lado. Mas não é provável que o
fizessem com plena consciência de si próprios, não é provável que
tivessem ideias explícitas sobre as maneiras como as pessoas podem ser
diferentes umas das outras. Estas formulações

* Tradução de Danilo R. Silva.


claras surgem mais tarde. No essencial, foram obra dc vários escritores
,
quc se preocuparam com a representação do carácter.
Um exemplo é o de uma série de histórias intitulada "Os Caracteres?i
escrita no século quarto pelo filósofo grego Teofrasto (cerca
370-287 a.C.). "Os Caracteres" retractavam diversos tipos como O Cobarde, o
Bajulador, o Rústico e outros. Pelo menos alguns destes tipos são reconhecíveis
hoje como o eram na Grécia antiga:
O tagarela é uma pessoa que se sente bem junto de alguém que conhece e
começa a falar encomiasticamente da sua vida, conta depois sonho que teve na noite
anterior e fala em seguida de cada um dos pratos que teve ao jantar. Como se entusiasma
com este lindo trabalho, observará que não somos de modo nenhum os mesmos que
fomos, e que o preço do trigo baixou, e que está um barco com estrangeiros na cidade ...
Em seguida, jectura que as colheitas beneficiariam com um pouco mais de chuva,
diz-lhe
912

PERSONALIDADE cap. 16
* que irá cultivar na propriedade no próximo ano, acrescentando que é cil não se gastar mais do
que sc ganha... e "Ontem, vomitei", "Que dia é
• . ... e, se o deixarmos continuar, nunca mais se cala (Edmonds,
Characters of Theophrastus, 1929, pp. 48-49).

Mais influentes ainda do que csscs esforços literários eram os


dos escritores de peças de teatro. A autêntica origcm da palavra
Personalidade sugcrc uma relação possível entre a rcprcscntação
dramática da personagem e as tentativas do psicólogo para a descrever
e com, preender. A palavra tem origem empersona, a máscara que os
actores gregos e romanos usavam para indicar as personagens que
represen. tavam (Allport, 1937; e ver Monte, 1995).
Na sua comédia, os gregos e os romanos tendiam a imaginar as
pessoas como tipos, uma tradição quc se manteve, sob várias formas,
até aos nossos dias. O scu teatro criou um uma vasta galeria de perso.
nagens: o herói generoso, a linda donzela, a esposa incansável,
marido ciumento, o velho rabugento, o criado astuto, o alcoviteiro, a
prostituta com sentimentos, o soldado presumido, o pedante, etc..
Muitos destes tipos ressurgiram em épocas posteriores e noutros
países. Um exemplo é o teatro cómico da Itália da Renascença, a
commedia dell' arte, que se orgulhava de possuir uma gmnde oficina
dessas personagens, cada qual interpretada invariavelmente pelo
mesmo actor e sempre com a máscara que indicava quem era.
Embora os modernos actores do cinema e da televisão não usem
geralmente máscaras (o Homem-morcego é uma excepção), eles
representam" muitas vezes, personagens bastante conhecidas. O herói
e o vilão do oeste c o maquinador abelhudo e conivente das
historietas da tele visão são apenas alguns desses tipos dc
personagens prontamente reconhecíveis.
Ao longo dos tempos, tem havido muitas discussões sobre a co fie
cepção apropriada da personagem teatral e literária. Uma delas diz ia
respeito ao uso do tipo de personagens no teatro e na literatur a •
Alguns críticos defendiam que essas caracterizações são
necessariamente superficiais e bidimensionais e não correspondem a
um indivíduo; na realidade, mesmo o amante mais apaixonado não é
apenas
913
cap. 16

'Titores

rea qc Omo usadas pelos actores na


o (Museus

romana. destes"

Resource)

apaixonado, tem seguramente outros atributos mais. Pensavam, por isso, que
o teatro e a literatura deviam evitar todas essas personagens de armazém e,
em vez disso, apresentarem apenas personagens completas, complexas,
como Hamlet, que essencialmente não são como ninguém mais. Estas
personagens completas são tão dificeis de descrever perfeitamente como
uma pessoa da vida real e, por isso, conseguem surpreender-nos (Forster,
1927). Mas outros críticos discordavam e achavam que, embora os tipos
simplificados não conseguissem talvez reproduzir qualquer indivíduo,
cumpriam um outro e igualmente importante objectivo: mostravam o que
têm em comum as pessoas de determinado tipo e não tanto o que as
distingue como indivíduos (Johnson, 1765).
Uma outra questão diz respeito à importância relativa das forças
externas ou internas na determinação do que a personagem faz. Alguns
críticos insistiam em que toda a acção dmmática vem, em última análise, de
dentro e expande-se fora da própria natureza essencial da personagem,
enquanto outros discordavam e destacavam o papel da situação exterior,
como no caso dos modernos dramas realistas, por exemplo Morte de um
Caixeiro Viajante, cujos heróis fazem o que fazem em virtude da sua
situação social e económica. Um outro problema, ainda, refere-se ao
conhecimento de si próprio da personagem, Originar-se-ão as suas acções a
partir dos objectivos de que está ciente ou será que reage a forças
inconscientes que ela mesma não reconhece? (Bentley, 1983).
914

PERSONALIDADE cap. 16
Personagens dos séculos XVI e XVII da Commedia dell'Arte de Itália. (A) Pantaleão, o velho mercador rico e avarento
que é invariavelment enganado pelos criados, filhos e pela jovem esposa.
(B) Polichinelo, um cómico astuto e turbulento. (Gentileza da Casa Goldoni, Veneza: fotografias de Paul Smit, Imago)

Estas discussões sobre teatro e literatura reproduzem-se nos • debates actuais


entre psicólogos com diferentes teorias da
personali. dade. Como iremos ver, o teatro de tipos é um primo afastado da moderna teoria
dos traços, que defende que a personalidade melhor compreendida mediante a
descrição e análise dos traços jacentes de personalidade. A insistência em que as
acções das per$(b nagens são provocadas por circunstâncias externas relaciona-se
algumas formulações da perspectiva cognitivo-comportamen. tal, que define as diferenças
na personalidade pela maneira como as pessoas agem e pensam, insistindo em que tais actos
e pensamentos são, em grande medida, produzidos pela situação que o indivíduo enfrenta
no momento ou enfrentou em momentos passados. E a ideia de que as pessoas podem actuar
em virtude de pulsões incons. cientes é, claro está, um ponto de vista da teoria
psicodinâmica, que defende que os aspectos cruciais da personalidade têm origem em
conflitos, desejos inconscientes, profundamente recalcados (Cap. 17).
A insistência em que as personagens sejam inteiras e, em certa
medida, imprevisíveis coaduna-se com a perspectiva humanista da
personalidade, segundo a qual o mais importante nas pessoas é o
modo como realizam a sua própria mesmidade e actualizam as suas
potencialidades (Cap. 17).
Finalmente, os efeitos formadores da cultura, tão importantes
para a compreensão da cognição social e da emoção (Cap. 11), são o
alvo da perspectiva sócio-cultural, que tenta discernir entre o que é
universal na personalidade humana e o que é específico da. cultura
(Cap. 17).
Voltaremos a alguns problemas levantados pela representação da
personagem dramática, neste e no capítulo seguinte, porque eles nos
proporcionarão uma base metafórica útil no âmbito da qual abordare
mos o nosso tema.

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO

Existe um pressuposto subjacente às histórias de Teofrasto ou, o


que é igual, a qualquer peça que use personagens-tipo, pressuposto
que é partilhado pela maioria dos autores que se preocupam eles
próprios com a personalidade: os padrões de personalidade que
atribuem às personagens são afirmados como sendo essencialmente
consistentes ao longo do tempo e duma situação para outra. O herói é
geralmente heróico, o vilão vil e o tagarela sempre a falar
independentemente de quem o esteja a ouvir (ou, melhor, a tentar não
0 ouvir). Os traços com que os actuais estudiosos da personalidade
descrevem as pessoas são mais subtis do que aqueles que definem as
personagens-tipo do palco clássico ou da renascença mas, para muito s
cap. 16
investigadores, o pressuposto-chave desta teoria dos traços aind a
existe. Eles afirmam que certos traços caracterizam o comportamen t0
nos

o da
de é
sub-

0111

as
tos
lio
Iridicadil por uma máscara.
A miíscar,l na figura é a de um ancião
ótico com poderes divinos. Antes dé
colocar a máscara, o actor que
oescnjpenha este papel tem de passar
09 por vários rituais de purificação, duma pessoa, em muitas situaçõ
porque, depois de a ter colocado, o dizer que o conhecimento do
actor "torna-se" o deus. (roto de indivíduo permitir-nos-á prediz
George Dineen/Photo em situações em que nunca tenh
Resedt•chel$)
Os testes de personalid
de suprir a informação que poss
são análogos da audição de u
ensaie um papel, lendo uma pá
um teste que procura determin
actor poderá representar esse
personalidade é um teste que p
forma longe da perfeita) se uma

Testes de Personalida
Como no caso da medid
desenvolvimento de testes de p
coisas práticas. O primeiro te
identificar recrutas emocionalm
Estados Unidos, durante a Prim
um "inventário de adaptação" c
relativas a vários sintomas ou
"Sonha acordado frequentemen
indivíduo apresentasse muitos
posterior exame psiquiátrico (
fazerem perguntas específicas e
chamados testes de personalida
de personalidade objectivos).
O pamlelo entre testes
termina, quando se passa para a
testes. Binet e os seus sucessore
as avaliações dos professores,
mais importante, a idade crono
validade são muito mais dificei
personalidade.
917
918

PERSONALIDADE

O MMPI: GRUPOS-CRITÉRIO DA CLÍNICA


• cap. 16

Para proporcionar um critério objectivo da validade, alguns inves_ tigadores


posteriores aproveitaram as categorias de diagnóstico desen_ volvidas na prática clínica. O
desígnio era construir um teste que pudesse avaliar a semelhança de uma pessoa com este
ou aqueloutro grupo-critério psiquiátrico - pacientes paranóicos, depressivos, esqui.
zofrénicos e outros. O teste deste género mais conhecido é o Inventário Mult(fcisico de
Personalidade do Minnesota ou que surgiu em 1940 (Tabela 16.1; Ilathaway e McKinley,
1940), O ginal MMPI, juntamente com a sua nova revisão o MMPI-2 são ampla_ mente
usados, quer na prática clínica, quer na investigação (Bucher et al.,1989; Lanyon e
Goldstein, 1982; Greenc, 1991) c constituem os testes psicológicos mais frequentemente
aplicados em contextos profissionais (Lubin et al., 1985).

Construção do MMPI. autores do MMPI começaram por


compilar um vasto conjunto de itens dc teste, extraídos de inventários
anteriormente publicados, de modelos de exame psiquiátrico e da sua
própria intuição clínica. Desde o princípio, o objectivo era tornar o
teste "multifásico", isto é, o diagnóstico de vários tipos diferentes de

Tabela 16.1 ALGUMAS ESCALAS DO MMPI COM EXEMPLOS Típicos DE ITENS*

Escala Grupo-critério Exemplos de itens

Depressão Pacientes com profunda


"Penso muitas vezes
infelicidade e
que a vida não vale a
sentimentos de culpa e
pena viver."
desamparo
Paranóia Pacientes com um invulgar "Diversas pessoas seguem-
grau de desconfiança aliado me por todo o lado."
a sentimentos de
pcrscguição c ideias
dclirantes de grandeza

Esquizofrenia Pacicntcs com um "Parece-me que ouço


diagnóstico de coisas que os outros
esquizofrenia, não consegucm ouvir."
caracterizados por
pensamentos ou
comportamcntos
estranhos ou sumamente
r,tros, por afastamento e,
em muitos casos, por
delírios c alucinações
Desvio Pacientes com vincadas "Estive muitas vezes em
psicopático dificuldades dc apuros na escola, embora
adaptação social, não compreenda por que
razão
histórias de delinquência
e outras condutas
associais
919
• Nos exemplos de itens aqui apresentados, a resposta adequada pam a escala é
"Verdadeiro", Para muitos outros itens, passa-se o contrário.Assim, responder "Falso" ao item "Eu gostava da
escola" contribuiria para a nota da pessoa na escala de desvio psicopático.
16.1. As notas têm por base o desempenho no
grupo de aferição. As notas superiores a 70
ocorrem em cerca de 2,5 por cento dos casos;
as notas acima de 80 em cerca de 1 por cento.
O perfil sugere fortemente uma importante
pERSONALIDADE • cap. 16 depressão e ansiedade neurótica. (Segundo
u Lanyon e Goldstein, 1971)
e psicopatologia. Estes itens foram depois aplicados a
diversos grupos de pacientes com diagnósticos
:
diferentes e a um grupo de indivíduos sem quei_xa.
r
o O passo seguinte consistia em eliminar todos os
itens que não discriminavam entre os pacientes e os
u indivíduos de controlo sem queixa, em reter os itens
i que discriminavam. O resultado final foi o MMPI -
o um inventário com 566 itens cujas respostas podem
ser analisadas com referência a dez escalas
principais. A nota em cada escala indica até que
ponto as respostas do sujeito se assemelham às do
S
grupo-critério relevante (Tabela 16. l). Por exemplo,
os itens da escala Pa (Paranóia) são os que foram
s endossados pelos pacientes paranóicos mas não
pelos indivíduos sem queixa. Deste modo, a nota de
uma pessoa nesta escala reflecte a medida em que
ela se assemelha aos pacientes paranóicos.
Volvido quase meio século, o MMPI original
foi substituído pelo MMPI-2, no qual o fraseado de
muitas das questões do primeiro foi actualizado e
algumas questões suprimidas. Contém, no entanto,
as mesmas escalas e é cotado da mesma maneira. A
principal alteração da nova versão é a do grupo de
aferição. Enquanto os indivíduos sem queixa usados
na aferição do primeiro MMPI eram quase todos
brancos, pessoas de meia idade do Minnesota
(muitos dos quais eram familiares dos pacientes), o
grupo para aferição do MMPI-2 foi constituído por
2.600 indivíduos de diversas áreas dos Estados
Unidos, seleccionados para serem representativos da
população segundo factores como idade, estado civil
e raça (Greene, 1991).

Uso do MMPI. Na prática real, interpretar um


protocolo do MMPI é um trabalho complicado. Os
Fig. 16.1 do MMM. clínicos não se limitam a olhar para as notas
pertil de um adulto concretas obtidas em qualquer das escalas. Em vez
do sexo masculino disso, consideram os diversos valores das escalas em
que se dirigiu à relação entre si. Isto faz-se mais facilmente,
consulta num centro analisando os perfis de resultados que apresentam as
comunitário de saúde. notas em cada escala de forma gráfica (Fig. 16.1).
As escalas são as Por exemplo, um clínico pode achar que um
descritas na Tabela
920

PERSONALIDADE
icopático
paciente tem uma nota alta na
Masculin
escala D (Depressão) mas uma idade-
nota baixa na escala Si feminilid
(Introversão Social). Isto ade
poderia levar o clínico a P
a
concluir que a depressão não r
se encontra a
n
ó
i
a
H
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p
u
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D e
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v ã
i o
o
30 70
p
90
s
Resultado padronizado

complicada com uma vergonha ou uma timidez excessiva nem com


, cap. 16
retraimento social.
921
Escalas de validade. Uma dificuldade dos
inventários de perso_ nalidade de auto-
aplicação reside em que os indivíduos podem,
com facilidade, dar uma impressão falsa de si
próprios. Alguns podem qucrcr evitar o
estigma de uma diagnóstico de perturbação
mental e tentam "parecer bem" no teste.
Outros podem tentar "parecer mal" com o
intuito de protestar beneficios de
incapacidade, conseguir mcdicamentos ou
lograr uma estada paga no hospital. Para
resolver este e outros problemas afins, os
criadores do MMPI acrescentaram um
conjunto de novos itens que compõem
diversas escalas de vali_ dadc. Uma delas é
uma simples escala de insinceridade. Contém
itens como "As vezes, sou bisbilhoteiro" e
"Uma vez por outra, rio com uma piada suja".
O princípio é o de que a pcssoa que nega um
grande número deste tipo de afirmações ou é
santo (e poucos dcles fazem testes dc
personalidade) ou está a mentir. Uma outra
forma dc escala dc validade consistc num
certo número de afirmações estranhas como
"Há pessoas que cstão a tentar roubar-me os
pensamentos e ideias" e "As vezes, a minha
alma deixa o corpo". Sem dúvida, algumas
destas declarações são admitidas por pacientes
psiquiátricos gravemente perturbados, mas
mesmo estes corroboram apenas uma pequena
fracção daquelas. Podemos, por conseguinte,
estar razoavelmente seguros de que a pessoa
que endossa uma grande quantidade de tais
itens ou é negligente ou compreendeu mal as
instruções ou está a tentar fingir uma doença
psiquiátrica. Se o resultado nestas ou noutras
escalas semelhantes de validade for muito
alto, o protocolo é considerado como não
válido (Green, 1988).

O cm: GRUPOS-CRITÉRIO DA VIDA NORMAL

Embora o MMPI possa ser empregue no


exame de indivíduos normais, apresenta
algumas limitações, quando usado deste
modo. O principal problema residc cm que os
grupos-critério quc constituíram as escalas
eram compostos por doentes psiquiátricos.
Isto instigou o desenvolvimento de vários
novos inventários constituídos em
conformidade com a lógica que orientou o
922

PERSONALIDADE
MMPI, mas só com grupos-critério normais c
não patológicos. Um dos mais conhecidos de
entre estes é o Inventário Psicológico da
Califórnia ou CPI.
CPI destina-sc, cm especial, a estudantes da
escola secundária c universitários. Examina
vários traços de personalidade como
ascendência, sociabilidade, responsabilidade,
sentido do bem-estar e outros.
Como exemplo do modo de constituição
das escalas destes e de outros traços,
considere-se o traço de ascendência. Pediu-se
a estudantes da escola secundária e
universitários que designassem, dentro dos
seus círculos sociais, as pessoas com maior e
menor ascendência.

As pessoas que integravam os dois grupos extremos foram

depois PERSONALIDADE • cap. 16 usadas como grupos-


critério que estabeleceram a dimensão ascendên-
cia-submissão. A partir daqui, o procedimento foi paralelo ao que orientou a
construção do MMPI. Um vasto conjunto de itens (muitos deles extraídos do
MMPD foi aplicado a ambos os grupos e aqueles que os diferenciavam entre
si foram retidos para compor a escala de ascendência. Outros traços foram
descritos de maneira análoga (Gough, 1975, 1990).

A VALIDADE DOS INVENTÁRIOS DE PERSONALIDADE

Os criadores do MMPI e do CPI tiveram grande dificuldade em


assentar os seus testes em bases sólidas, empíricas. Para estimar o sucesso
do seu esforço, temos que examinar a validade destes testes.

Validade preditiva. O modo usual de julgar a validade consiste na


determinação do grau em que um teste pode predizer certos acontecimentos
do mundo real. Existem provas de que os testes de personalidade têm, na
verdade, alguma validade preditiva. Por exemplo, nas mulheres
universitárias, com idades de cinquenta e de sessenta anos, a escala de
sociabilidade do CPI correlacionou-se com a frequência com que a pessoa
saía para se encontmr com alguém ou ingressava num clube universitário.
Outras escalas correlacionam-se com o modo como os indivíduos são
avaliados pelos seus iguais (Hase e Goldberg, 1967).
923
A questão é que, embora os inventários de personalidade predigam o
comportamento, a eficácia com que o fazem não é muito alta. As correlações entre
os resultados nos testes e os critérios de validade acham-se geralmente próximas de
+ 0.30, indicando uma associação baixa ou moderada (lembre-se que uma
associação perfeita entre conjuntos de notas produz uma correlação de +/- 1.00, ao
passo que as notas sem qualquer relação entre si produzem uma correlação de 0).
Isto contrasta com os coeficientes de validação dos testes de inteligência,
(geralmente avaliados mediante a correlação entre o QI e a eficiência escolar), que
andam à volta de + 0.50. O contraste é ainda mais nítido, se compararmos a
capacidade preditiva destes testes de personalidade com a das medidas do senso
comum, como seja o comportamento passado relevante em situações afins. O
resultado é simples: na maioria dos casos, o melhor preditor da actuação futura, por
exemplo, descompensação psiquiátrica ou delinquência, é a actuação passada. Um
exemplo espectacular e bastante citado é apresentado num estudo que revelou que
a grossura das capas dos processos de um doente mental apresenta uma correlação
de + 0.61 com a probabilidade de re-hospitalização após a alta (Lasky et al., 1959).

Validação de construção. Os baixos coeficientes de validade dos


inventários de personalidade podem não ser razão para tão grande
desapontamento como de início se pretendeu. Os testes de
P
ERSONALIDADE • cap. 16

personalidade tentam
medir certas
entidades
psicológicas, como
os traços, que se
presumem explicar o
comportamento
manifesto
PERSONA
O traço
- seja a
sociabil
idade,
o
desvio
psicopá
tico ou
qualqu
er outro
é, de
facto,
um
conceit
o
teórico
inventa
do pelo
psicólo
go,
num
esforço
para
compre
ender
não
apenas
um
conjunt
o de
observa
ções,
mas
muitas.
925
Por
exempl
o, os
actos
de abrir
a porta
aos
outros,
dar
present
es aos
amigos,
dar
dinheir
o aos
sem
abrigo,
oferece
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lugar
no
combói
o e
sorrir
para os
descon
hecidos
podem
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todos
conside
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dos,
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proprie
dade,
aspecto
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e.
P
ara
validar
um tal
conceit
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quc
imagin
PERSONALIDADE • cap.
16
ar c
testar
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es
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relação
entre o
traço
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diversa
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stações
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compor
tament
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constru
ção ou
de
constru
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tiva
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da
anterior
mente,
no
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o do
exame
da
inteligê
ncia
(Cap.
15).
A
validaç
ão de
constru
ção ou
dc
927
constru
to
funda-
se
muitas
vezes
num
conjunt
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diversa
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s entre
os
resulta
dos do
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manife
staçõcs
do
compor
tament
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muito
distinta
s. Um
exempl
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dado
pela
escala
de
desvio
psicopá
tico
(Pd) do
MMPI,
uma
escala
origina
riament
e
basead
a nos
itens
que
diferen
ciavam
PERSONALIDADE • cap.
16
um
grupo
dc
dclinqu
entes
dc
outros
grupos
(ver
Tabela
16. l).
Não é
muito
surprcc
ndente
que
estudan
tes
normai
s, isto
é, não
delinqu
entes,
da
secund
ária,
conside
ra dos
como
"menos
respons
áveis"
pelos
seus
colegas
,
tenham
notas
Pd
muito
mais
altas
do que
os
estudan
tes
tidos
929
como
"mais
respons
áveis".
Um
facto
semelh
ante é
o de
que
notas
Pd
altas
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rísticas
dos
"Você
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estudan
tes que
abando
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Um
outro
grupo
de
dados
revela
leal,
solí
vel,
obedi
que as
pessoas
com
notas
altas
em Pd
tendem
a ser
relativa
mente

corajos
o,
agressi
PERSONALIDADE • cap.
16
vas e
não é
prováv
el que
sejam
consid
eradas
bem
educad
as. Um
tanto
mais
arredad
o situa-
se o
facto
de que
resulta
dos Pd
elevad
os são
també
m
caracte
rísticos
de
actores
profissi
onais e
de
psicólo
gos.
Cibas,
Ad
Mais
afastad
a ainda
acha-se
a
descob
erta de
que os
caça-
dores
que,
York
Mi
931
num
acident
e de
caça,
alvejar
am
alguém
"por
descui
do" ,
têm
notas
Pd
mais
altas
do que
os
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caçado
res.
A
parente
mente,
muitos
destes
dados
não
parccc
m
relacio
nados
entrc
si, mas
estão-
no de
facto,
se
forem
compr
eendid
os
como
difcren
tes
manite
stações
do
mesmo
PERSONALIDADE • cap.
16
traço
subjac
ente da
person
alidade
, o
desvio
psicop
ático.
Na sua
forma
limite,
este
traço
caracte
riza-sc
por
laços
sociais
c
emocio
nais
superfi
ciais,
displic
ência
para
com os
costum
es c
conven
ções
sociais
,
incapa
cidade
de
prestar
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o aos
perigos
potenci
ais e
de se
preocu
par
com as
933
conseq
uência
s dos
próprio
s actos
- em
resumo
, uma
atitude
que
signifi
ca
"Quero

saber"
(Cronb
ach e
Meehl,
1955).
Numa
forma
menos
extrem
a, este
traço
equival
e a
uma
compet
ência
para
ver e
interag
ir com
os
outros
estrate
gicame
nte e
com
certo
grau
de
distanc
iament
o. (Isto
é
presum
PERSONALIDADE • cap.
16
ivelme
nte o
que
está na
base
dos
dados
obtidos
com
actores
e
psicólo
gos.)
A
s
correla
ções
acabad
as de
referir
são
todas
bastant
e
pequen
as.
Nenhu
m
destes
padrõe
s - ser
consid
erado
como
irrespo
nsável,
ter
acident
es de
caça e
outros
- tem
uma
correla
ção
suficie
ntemen
935
te forte
com a
escala
Pd, a
ponto
de
propor
cionar
um
critério
isolado

de
validade
preditiva.
Mas,
quando
considerad
os cm
conforma
m uma
rede de
relações
que
parecem,
efectivame
nte,
grande
validade
ao
construto
subjacente
. Nesta
perspectiv
a, o as
correlaçõe
s isoladas
não serem
muito
fortes
deixa dc
ser "Se o
fossem,
teríamos a
mesma
pessoa a
PERSONALIDADE • cap.
16
abandonar
a ter mau
feitio, a
tornar-se
um actor
na
Broadway
e a alvejar
companhei
ro
caçador...
A
estrutura
da
personalid
ade,
mesmo se
medida,
limita-se a
revelar
uma
propensão
mais do
que
determina
nte"
(Cronbach
, 1970a, p.
555). O
modo
como
propensão
se
manifestar
á
dependerá
das
circunstân
cias
específiqu
e a pessoa
se
encontrar.
pERSONALIDADE • cap. 16

937

"Você é uma pessoa de


razoável junto,
confiança, é leal, solícito,
anzistoso, cortês, anuivel,
conferir facto de
obediente, alegre, poupado, surpreendente.
corajoso, asseado, respeitador." escola, a um
rigorosamente uma
() Efeito de Barnum. (Desenho de força esta cas em
Chas.Adams; @ 1936, 1964, The New
York Magazine, Inc.)
Os prediz
um dade. Mas
própria é de nós
chama-se &
Bailey,
Uma por
que teste
terísticas riam
de curta teste.
uma grafado,
raram-se o Dr.
Após a
eficiência escala
de é evidente
havia Forer
Ora,
relato preender
Forer

ções de rem
mente
PERSONALIDADE • cap.
16
efeit
os de
Bal•num.
O
confirmar
se um teste
de
personalida
de uma
actuação
digna de
nota ou se
está em
conformida
de com
construto
teórico são
critérios
regulares
de
avaliação
da sua
valihá um
critério,
pouco
usado, que
é o da
aceitação
pela pessoa
da
interpretaç
ão do teste.
Pois,
quando a
caracteriza
ção
suficientem
ente ampla
para poder
aplicar-se a
qualquer
um, muitos
estaremos
perfeitame
nte prontos
para aceitá-
la. Este
939
fenómeno
efeito de
Barnum,
segundo
P.T
Barnum do
Circo
Barnum
que
cunhou o
dito "Os
trouxas
nunca
terão fim"
primeira
demonstraç
ão do
efeito dc
Barnum foi
efectuada
Bertram
Forer que
solicitou
aos
estudantes,
numa das
suas aulas,
respondess
em a um
teste de
personalida
de (Forer,
19/19).
Este pedia-
lhes que
fizessem
uma lista
das
ocupações
livres,
caracpesso
ais, desejos
secretos e
ambições
da pessoa
que
gostaser.
Forcr
PERSONALIDADE • cap.
16
prometeu
que, uma
semana
depois,
lhes daria
uma
descrição
da sua
personalida
de, com
base nos
resultados
do
Cumprindo
a sua
palavra,
deu a cada
estudante o
que parecia
ser
interpretaç
ão
personaliza
da: um
relato de
personalida
de
dactilocom
o nome do
indivíduo
escrito no
cimo da
folha.
Asseguos
estudantes
quanto à
estrita
privacidad
e, ninguém
a não ser
Forer e o
próprio
teriam
conhecime
nto do
conteúdo
do relato. a
941
leitura dos
relatos, os
estudantes
foram
convidados
a cotar do
teste na
descrição
da sua
personalida
de, através
de uma 0
(má) a 5
(perfeita).
Uma vez
que a
cotação
média foi
de 4.3, que
pensaram
que o teste
tinha
funcionado
bem. Só
que uma
coisa
incorrecta:
com
desconheci
mento dos
indivíduos,
tinha dado
a cada um
deles o
mesmo
relato de
personalida
de. como
puderam
quase
todos os
estudantes
ter
considerad
o o uma
boa
descrição
da sua
PERSONALIDADE • cap.
16
personalida
de única?
Podemos
como que
aconteceu,
se
considerar
mos o tipo
de
afirmações
que
compilou
para vez inseguro, assustado ou apreensivo com o seu ajustamento sexual e
compor o assim por diante Nestas circunstâncias, não é realmente surpreen_
relato dente que os indivíduos considerassem que o teste funcionou de facto
(Tabela bemJ . Numerosos estudos posteriores confirmaram os dados gerais de
16.2). Forer (por exemplo, Snyder, Shenkel e Lowery, 1977; Dickson e
Como a tabela Kelly, 1985). A moral é clara. O simples facto de a pessoa pensar que
mostra, a as
inter_ pretação de um teste se lhe ajusta não é garantia da validade
afirmações queteste.
do
constituíam as
descripersonalidad
Tabela 16.2 ESBOÇO DE PERSONALIDADE SUSCEPTÍVEL DE PRODUZIR UM
EFEITO DE BARNUM
e eram
1. V. tem uma grande necessidade de que os outros gostem de si e o
admirem.
suficientemente ZN. tem tendência para ser crítico de si próprio.
vagas para se 3. V. está cheio de capacidades que não tem aproveitado em seu
aplicapraticamente proveito.
a todos 4. Embora tenha algumas fraquezas de personalidade, V. é geralmente
os
indivíduos. Acapaz de as compensar.
5. O seu ajustamento sexual trouxellhe alguns problemas.
maioria deles deve
segurater sentido6. Disciplinado e auto-controlado por fora, V. tende a ser ansioso e
desejo de serinseguro por dentro.
estimado 7. V. verificou que era uma ingenuidade ser demasiado franco ao
pelos
outros, ter sidorevelar-se aos outros.
alguma 922 8. Umas vezes, V. é extrovertido, afável, sociável, e outras vczcs é
introvertido, desconfiado, reservado.
FONTE:Adaptado de Forer, 1949.

Testes Projectivos de Personalidade

Os anos de 1940 e 1950 presenciaram a crescente popularidade


duma nova via de avaliação da personalidade - o uso das técnicas
projectivas (por vezes designados testes inestruturados de
personalidade). Estes testes apresentam ao indivíduo uma tarefa
relativamente inestruturada como contar uma história sobre uma
gravura ou descrever o que vê num borrão de tinta, montar uma cena
ou dizer o que vê num borrão de tinta. Em parte, esta perspectiva
significava um protesto contra os testes de personalidade altamente
estruturados anteriormente examinados. Como vimos, o MMPI e
testes similares incluíam várias precauções destinadas a assegurar que
o sujeito não mentiria ao testador. Mas os críticos salientavam que
esses testes não davam qualquer garantia de que os indivíduos não
mentiriam a próprios. Em conformidade com o pensamento
psicanalítico (de que voltaremos a falar mais adiante - Cap. 17), esses
críticos estavam

I
Curiosamente, a maioria das afirmações contidas nas descrições for am
tiradas dum livro de astrologia duma tabacaria. Ao fim e ao cabo, os
astrólogos e leitores da palma da mão e das folhas de chá estão sob o domínio
do efeito de Barnum há milhares de anos, antes do aparecimento daquele
efeito.
PERSONALIDADE • cap. 16 persuadidos de que as camadas mais profundas da personalidade de
qualquer indivíduo contêm desejos recalcados e conflitos
inconscientes que não são acessíveis pelos meios usuais. No seu
modo de ver, essas camadas mais profundas não são acessíveis
mediante perguntas directas como as contidas no MMPI, CPI e testes
semelhantes.
Mas como penetrar abaixo da superficie para descobrir o que o
próprio sujeito não conhece? Os grandes representantes da
abordagem projectiva defendem que a habilidade consiste em iludir
as defesas do examinando contra as pulsões e ideias ameaçadoras
com a apresentação de estímulos que são essencialmente
inestruturados ou ambíguos. Em seu entender, o examinando não
pode deixar de atribuir uma estrutura sua ao tentar descrever esses
estímulos; pensavam que, ao proceder assim, o examinando revelaria
algumas facetas mais profundas da personalidade. O material do teste
é, pois, considerado como uma espécie de pantalha onde o indivíduo
"projecta" os sentimentos, desejos, conflitos e ideias interiores.
É notável o número e variedade das técnicas projectivas. Umas
requerem que o sujeito apresente associações verbais ou complete
frases incompletas, outras que desenhem uma pessoa ou copiem
desenhos; outras ainda solicitam ao indivíduo que formule três
desejos. Iremos considerar apenas as duas mais frequentemente
usadas - a técnica dos borrões de tinta de Rorscbach e o Teste de
Apercepção Temática.

OS BORRÕES DE TINTA DE RORSCHACH

Hermann Rorschach, psicólogo suíço, utilizou a percepção de


formas inestruturadas como instrumento de diagnóstico. Ele utilizou
dez borrões de tinta simétricos, uns coloridos, outros a preto e branco,
que apresentou a diversos grupos de pacientes psiquiátricos. Quando
interrogados os pacientes sobre o que viam nos borrões, as respostas
pareciam diferir consoante o grupo diagnóstico a que pertenciam.

Criança a responder ao teste


de
Rorschach. (Fofografia de Mimi
Forsyth, Monkmeyer) fi
PERSONALIDADE • cap. 16

Exner, 1974, 1978, 1993). Antes de apresentar os dez cartões, um a um, o


examinador pede ao examinando que diga o que poderiam ser ou o que vê (a
Fig. 16.2 representa um exemplo dc cartão semelhante aos usados no teste).
Após a apresentação de todos os dez cartões, o examinador interroga o
indivíduo sobre cada resposta, com o fim dc verificar que parte do borrão foi
utilizada c quais dos seus atributos determinaram a natureza da dita resposta.
A cotação faz-se segundo várias categorias, tais como a parte da
mancha utilizada na resposta (por exemplo, toda a mancha, um detalhc
grande, um detalhe pequeno ou raro), os atributos do estímulo que
constitucm a base da resposta (por exemplo, forma, sombreado, cor) e o
conteúdo da resposta (por exemplo, figuras humanas, partes de figuras
humanas, animais ou partes dc animais, objectos inanimados, sangue).

Interpretação. Os especialistas do Rorschach insistem em que a


interpretação dum protocolo do Rorschach não pode ser efectuada à maneira
de um mero livro de receitas, pois exige a inter-relação de todos os múltiplos
aspectos em toda a sua complexidade. Nesta conformidade, a interpretação
é uma arte subtil que exige muito talento e mais ainda experiência. Podemos,
todavia, esboçar algumas das principais hipóteses relativas a certos sinais de
Fig. 16.2 Borrão do tipo
Rorschach. Por exemplo, considera-se que o uso de toda a mancha indica
usado no Rorscbach.
pensamento integrador, conceptual, ao passo que o uso de uma elevada
Como a familiaridade
percentagem de deta- lhes pequenos sugere rigidez compulsiva. Um uso
com os cartõcs diliculta a
valoração da primeira
relativamente frequente do espaço branco, que passa a ser figura cm vez de
reacção da pessoa, a fundo, é tido como sinal de rebeldia e negativismo, e as respostas dominadas
maioria dos psicólogos pela cor sugerem emotividade e impulsividade.
prcfcrc que se não A avaliação da validade do Rorschach é uma tarefa dificil (Exner,
imprimam os borrões 1995), dificultada por importantes inconsistências entre os diversos
autênticos, usados no sistemas dc cotação (Kline, 1992). Os críticos do Rorschach registaram a
teste- Cinco dos cartões falta de qualquer teoria que justifique as suas interpretações (Klinc,
autênticos são em preto e 1995). Consideraremos este problema juntamente com outros
branco; os outros cinco semelhantes postos pela outra técnica projectiva mais importantc e de uso
são coloridos. corrente, o Teste de Apercepção Temática ou TAT, desenvolvida por
Rorschach considerou Henry Murray e colaboradores (Morgan e Murray, 1935).
estes dados como
experimentais, mas
O TESTE DE APERCEPÇÃO TEMÁTICA (TAT)
usou-os no entanto, para
delinear um sistema de
cotação e interpretação Para Rorschach, o conteúdo das respostas do indivíduo tinha um
(Zubin, Eron e Shumer, interesse secundário. O que lhe interessava não cra tanto se o indivíduo
1965). interpretava o borrão como uma borboleta gigante ou uma cara
-os
ção PERSONALIDADE • Cap. 16
Aplicação e cotação.
Apesar de haver diversos
sistemas de aplicação,
cotação e interpretação do de
Rorschach, todos Iam
compartilham certos aspectos
gerais (Klopfer et al., 1954; ao 6.2 8'
t fre11as
e
) ler, sos
. am
IAC,

o
g ISO ida
a

d
o

e lm iví-

z ou uma mancha de sangue. O que realmente importava


a eram os aspectos do cartão utilizados - toda a
mancha ou apenas uma parte, a forma ou a cor, etc..
da Os criadores do TAT, ao contrário, tomaram o
ata-
conteúdo como o seu ponto capital, pois a ênfase
incidia nos principais motivos e preocupações da
pessoa, suas defesas, conflitos e modos de
interpretar o mundo.

Aplicação. O material do TAT consiste numa série


Fig. 16.3
Gravura do tipo das
de quadros com várias cenas (Fig. 16.3). Pede-se ao
usadas no TAT de on- indivíduo que conte uma história sobre cada gravura,
descreva o que está a passar-se, o que levou àquela
I situação e como acaba a história.
c
i Interpretação. Na prática clínica, a
o interpretação do TAT é geralmente uma questão de
n condução bastante livre. Cada história sugere uma
- hipótese que é, depois, sancionada e elaborada (ou
rejeitada) mediante o exame das histórias restantes
da pessoa. O produto final pretendido é um quadro
dos principais motivos e conflitos da pessoa,
composto através da interpretação das histórias do
TAT à luz de toda a informação disponível, de que a
história do caso é provavelmente a crucial.
Ilustrações desta modalidade impressionista e
global de interpretaçáo do TAT são as das histórias
suscitadas por um dos cartões que mostra um rapaz a
olhar para um violino que se encontra sobre uma
mesa, diante de si. Um homem de negócios de quarenta
e cinco anos, um executivo importante na sua
empresa, que pensava num futuro ainda mais
brilhante, contou a seguinte história:

Isto é um menino prodígio sonhando com o violino,


pensando acima de ludo na música. Que maravilha que
tanta música possa estar no instrumento c nos dedos da
PERSONALIDADE • cap. 16
sua Illiio. ... Um administrativo da mesma empresa, com
Diria que talvez aproximadamente a mesma idade, mas colocado na mesma
CIC esteja a posição há já vários anos, c considerado sem
sonhar acordado hipóteses dc mais avanços, contou esta história:
com o que podc ser
ou com o que podc Isto é o filho de um músico muito conhecido c muito
fazer com a sua bom....O pai provavelmente morreu.A única coisa que o filho
música no tempo deixou é este violino que é, sem duvida, um violino muito
bom. Para o filho, o violino é o pai e o filho senta-se ali
que tem à sua
divagando sobre o tempo em que ele compreenderá a música e a
frente, Ele está a interpretará no violino que o pai tocara.
sonhar com salas
de concerto,
viagens e ...com a
De acordo com o intérprete, a diferença entre as
beleza que poderá duas histórias reflecte as diferenças entre os
exprimir e que sucessos e as aspirações dos dois homens. Ambos
mesmo já é capaz parecem identificar-se com o rapaz do cartão mas de
dc exprimir com o maneira diferente. O executivo bem sucedido
seu próprio concentra-se no trabalho a ser realizado (a música),
talento. visualiza um eventual sucesso (as salas
926

dc concerto) e vê-se a si próprio como parte dele (os dedos da sua PERSO própria mão). Ao contrário, o administrativo
centra-se na diferença entre o rapaz e o seu falecido e bem sucedido pai que ele podc não ser capaz dc ombrcar (muito
conhecido, muito bom músico), pelo que cle apenas sonha com o sucesso c compreensão futuros (Henry, 1973).
As interpretações deste tipo são bastantc sedutoras. Mas será que as facetas da personalidade
sugeridas pela interpretação do teste encontram-se realmente ali? Serão estas interpretações igualmente
perspicazes, quando o examinador não dispõe do beneficio do conhe_ cimento do que se passou antes,
quando não conhece as ocorrências relevantes da história da vida do indivíduo?

A VALIDADE DAS TÉCNICAS PROJECTIVAS

Hoje, existem para cima de onze mil artigos dedicados explicitamente ao Rorschach e ao TAT.
Considerado todo este esforço, o resultado é desconcertante. Segundo alguns especialistas, estas técnicas
têm uma validade limitada; segundo outros, não têm nenhuma (Holt, 1978; Kleinmuntz, 1982; Rorer,
1990; Kicine, 1995).

Validade e Rorschach. Índices isolados do Rorschach - em especiai os não respeitantes ao conteúdo


- revelam pouca ou nenhuma relação com critérios exteriores de validade. Num estudo de pacientes
psiquiátricos, analisaram-se para cima de trinta medidas diferentes de protocolos de Rorschach como,
por exemplo, número de respostas abrangendo todo o borrão, com o fim dc verificar se tinham qualquer
relação com o diagnóstico posterior, Não houve nenhuma. Conclusões semelhantes aplicam-se a
populações não psiquiátricas. Afirma-se, por exemplo, que um predomínio de respostas que envolvam
movimcnto humano revela criatividade, mas um grupo de eminentes artistas não se distinguiu das
pessoas comuns, neste aspecto (Zubin, Eron e Shumer, 1965).
Os estudos deste género foram por vezes criticados como demasiado "atomistas" , pois centram-se em
aspectos únicos do protocolo do Rorschach de um indivíduo. Não seria melhor usar o teste como um todo e
permitir ao juiz a leitura textual de todo o protocolo ou mesmo a aplicação do teste e então predizer o critério,
com base neste conhecimento completo e global? Um estudo que obedeceu a estas condi" ções serviu-se de
doze eminentes especialistas do Rorschach que tentaram avaliar diversos aspectos das personalidades de vários
pacientcs, com base nos respectivos protocolos de Rorschach completos. O critério externo cra o juízo
combinado de diversos psiquiatras que leram a história do caso de cada paciente, obtida em cerca de seis
entrevistas de várias horas cada. A correlação média entre as predições dos especialistas de Rorschach e os
juízos dos psiquiatras foi +0.21 (Little e Shneidman, 1959).
Alguns resultados alcançados por John Exner sugerem que a utilidade clínica do Rorschach pode ser
aumentada mediante o uso de
PERSONALIDADE cap. 16
927
FFOÑALIDADE • cap. 16
p

um sistema mais rigoroso de aplicação e interpretação (Exner, 1974, 1978,


1995; Exner and Clark, 1978). O sistema por ele desenvolvido para
conseguir isto permitiu um considerável aumento da garantia do teste,
como se mostra pela grande subida da estabilidade de teste-reteste. Se
aumentará também a capacidade de diagnóstico do teste, isto é, a sua
validade, ainda não está claro.

Validade e TAT. O TAT não teve mais sorte do que o Rorschach nos
estudos de validade que avaliam a sua capacidade para predizer
diagnósticos psiquiátricos. Num desses estudos, aplicou-se o TAT a mais
de uma centena de ex-militares do sexo masculino, uns em hospitais outros
na universidade. Os resultados do TAT não revelaram diferença entre
normais e doentes, sem falar entre diferentes grupos psiquiátricos (Eron,
1950).
Embora o TAT possa ter pouco interesse como instrumento de
diagnóstico de classificação psiquiátrica, o teste parece ter realmente alguma
validade, com objectivos mais delimitados. Múltiplos estudos mostraram que
o TAT pode ser um bom indicador da presença de certos motivos, se bem que
talvez não de todos. Um grupo de investigadores trabalhou com indivíduos
privados de alimento, durante diferentes espaços de tempo. Quando se lhes
apresentaram quadros tipo TAT, alguns dos quais sugeriam comida ou o acto
de comer, os indivíduos com fome contaram mais histórias cujos enredos se
referiam à fome ou à busca de comida do que um grupo de controlo de
indivíduos saciados (Atkinson e McClelIand, 1948). Têm-se obtido
resultados similares com diversos outros motivos que incluem a agressão, a
estimulação sexual, a necessidade de realização e outros. O sucesso destes
esforços representa um tipo de validade de construção do TAT como modelo
de avaliação pelo menos de alguns motivos.

Técnicas projectivas e utilidade. Dado o veredicto destes múltiPIOS


estudos de validação, muitos especialistas em testes projectivos ficaram
convencidos de que os seus instrumentos não são realmente testes em
absoluto, mas em lugar disso auxiliares importantes duma entrevista clínica
(Zubin, Eron e Shumer, 1965). As cotações do Rorschach e do TAT têm
pouco sentido para um médico que não aplicou pessoalmente os testes ou
pelo menos não leu os protocolos palavra por palavra. São também dificeis
de interpretar sem um conhccimento dos antecedentes e da história da vida
do sujeito, mas os defensores destas técnicas afirmam que, quando usadas
como parte da avaliação clínica total, contribuem para obter uma
compreensão mais rica da pessoa. Vimos que, quando o Rorschach e o TAT
são usados desta maneira, têm na verdade uma validade preditiva modesta
para diagnóstico. Mas, segundo alguns críticos, a validade preditiva não
chega; a questão fundamental é se estes testes têm validade acrescentada
(Meehl, 1959). O problema está na quantidade de informação adicional (isto
é, acrescentada) que estas técnicas proporcionam, para além da contida nas
histórias dos casos e dados similares que, de uma

928

,
Os sete anões psicólogos que estudam o tema da personalidade têm objectivos
como tipos de personagens. que estão para além dessas aplicações, por mais socialmente úteis que
Sabichão, Dorminhoco, Miudinho,
Constipado, Resmungão, Felizardo e
possam ser. Querem compreender os tipos dc diferenças que os testes de
Bonacheirão. (De Branca de Neve de personalidade põem a descoberto, encontrar uma base teórica segundo a
Walt Disney; gentileza da Kobal qual descrever tais diferenças e revelar como acontecem. Na tentativa de
Collection) responder a estas perguntas, recorrem a várias teorias da personalidade.
forma ou outra, se obtiveram. A maioria das teorias da personalidade, que até hoje se
Aplicar c cotar um Rorschach desenvolveram, não são realmente teorias no sentido convencional. Não
e/ou urn TAT exige muito tempo; são suficientemente específicas para permitirem predições precisas que
sendo assim, estes testes devem nos ajudem a escolher entre elas. Afinal, não são mais do que orientações
fornecer razoável aumento de diferentes segundo as quais o tema da personalidade é tratado.
informação. Os dados Começaremos com a perspectiva dos traços que tenta descrever as
disponíveis, porém, suge_ rem diferenças entre indivíduos usando um conjunto padrão de atributos.
que tal não acontcce. Vários A perspectiva dos traços constitui, antes de mais, uma tentativa para
estudos mostraram que, quando ser descritiva. Tenta encontrar uma maneira de caracterizar as pessoas pela
se pediu a psicólogos clínicos referência a alguns traços básicos subjacentes. Mas, exactamente, que
que tirassem conclusões sobre traços poderão ser tidos como básicos? Os teatros cómicos dos tempos
característi_ cas pessoais de clássicos e da Renascença - e a moderna teoria dos traços - significam não
indivíduos, eles foram quase tão só que determinada pessoa tem uma personalidade característica, mas que
exactos, com base ape_ nas na esta personalidade pode ser incluída numa categoria, juntamente com as
história do caso, como dispondo de outras que são de algum modo equivalentes. Mas quais as categorias
de outros dados extraídos dos segundo as quais as pessoas deverão ser agrupadas? Os primeiros
protocolos do Rorschach e do dramaturgos (e muitos autores de filmes) escolhiam alguns atributos que
TAT (Kostlan, 1954;Winch e eram fáceis de caracterizar e caricaturar - o silêncio da boca cerrada do
More, 1956). herói do oeste que só fala com a pistola, a castidade virtuosa da eterna
heroína, a cobardia do soldado fanfarrão (que nas mãos de Shakespeare
transcende este tipo e torna-se Falstaff)). Mas serão estes os traços de
A PERSPECTIVA DOS TRAÇOS personalidade que são realmente primários na descrição da personalidade
humana?
Os testes de personalidade A procura de uma resposta, por parte dos teóricos dos traços, é um
têm um objectivo muito prático. pouco como uma tentativa de encontrar alguns princípios gerais que estão
Pretendem ser uma ajuda no na base das numerosas máscaras, digamos, dum palco da Renascença
diagnóstico e no italiana. À primeira vista, estas máscaras são bastante
aconselhamento. Mas os
929
/ou una cer um pERSONALIDADE • cap. 16
1, suge- ndo se
tterístipersonagens usuais nos filmes do se ape-de
Hollywood. (A) O herói
oeste
10s dos (interpretado por William S. Hart) e
uma mulher aflita em Wild Bill Hickock, e (B) o
herói (interpretado por Roy Rogers) e o bandido
(interpretado por George Hayes) em
Young Buffalo Bill. (Gentileza
ático. de Movie Stills Archives) diferentes, tão diferentes como as pessoas que encontramos na vida
1as os PERSONALIDADE cap. 16 real. Haverá uma maneira de classificar tais máscaras segundo um
CIÁSSIFICAÇÃO ATRAVÉS DA LINGUAGEM
que pequeno número de dimensões básicas? Dito de outro modo, podere-

e pos- mos classificar a personalidade humana mediante a referência a


alguns
testes traços fundamentais?
órica
:cem. :ori
as A Busca de uma Taxonomia Correcta

esen- De certo modo, a mesma questão é, em grande medida, a que se


põe no estádio inicial dc qualquer ciência. Neste momento, uma
são
tarefa fundamental é a do desenvolvimento dc uma taxonomia útil.
que
Consideremos os primeiros biólogos. Eles reconheciam que os seres
rien-
diferiam cntrc si de inúmeras maneiras - o tamanho e a cor, a ausên-
:ado.
cia ou presença dc esqueleto, o número e tipo dc membros c assim
er as
Itos. por diante. Os biólogos tiveram que dccidir quais destas distinções
proporcionavam a classificação mais vantajosa em categorias. psi-
ires
zar Tipo superior no filme do Oeste Uma via importante para uma taxonomia dos traços dc persona-
?ala moderno. Alguns autores de filmes lidade brotou de um exame da linguagem usada para descrever atri-
voltaram deliberadamente a butos da personalidade (Alport e Odbert, 1936). Os defensores deste
representar as concepções usuais do procedimento pretendem que os adjectivos que usamos para descre-
ião passado, como no recente filme do
oeste The Unforgiven, em que Gene ver as pessoas, por exemplo, tímido, afectuoso, mesquinho, generoso,
Hackman interpreta um arrogante, humilde, etc., encerram as observações acumuladas de
muitas
sherife sádico e Clint Eastwood um pistoleiro gerações anteriores. Um exame sistemático desses adjectivos de
simpático. (Fotografia @
lis traços poderia, então, proporcionar indícios das diferenças individuais
cuja
da Warner Bros., Inc.; gentileza de descrição foi suficientemente importante para resistir ao teste do
te tempo
Photofest) (Goldberg, 1982).
Itiva
ascólogo estudioso das diferenças de personalidadc enfrenta
exactaxac-mente a mesma dificuldade. O dicionário contém
dezoito mil nomes 5mi- de traços (Allport e ()dbert, 1936). Mas sem
uma espécie de taxonodosmia, será dificil decidir quais- dessas
palavras indicam traços que são )na-básicos e aplicáveis a todas as
pessoas, em oposição às que são ou lídavariações de um traço básico
ou simples sintomas.

oas

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