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O termo projeção se tornou de uso comum. Quando falo que alguém está projetando,
isto significa que está vendo algo na pessoa que não está ali – ao menos, não inteiramente.
Nesta dinâmica, o alvo da projeção pode ter mais ou menos da qualidade que é projetada. Um
pouco mais difícil é a percepção de que a qualidade projetada no objeto se refere a algo que
não reconhecemos em nós mesmos. Através da projeção, inconscientemente colocamos o véu
da nossa subjetividade entre nós e a realidade. Assim, a vida é vivida de acordo com nossos
próprios pressupostos inconscientes.
Nunca iremos nos libertar totalmente desta condição, pois a nossa percepção é
psíquica – este é o único meio imediato de interação com a realidade interna e externa que
temos. Porém, através do processo de trabalho com o inconsciente, podemos adquirir
consciência dos elementos psíquicos que operam em nós, e, através disto, se diferenciar
destes. Com esta diferenciação, o que antes era projetado na realidade e identificado ao nosso
eu, passa a ser visto como conteúdo do inconsciente – o que equivale a uma mudança de
concepção interna e externa. Irei abordar exemplos onde essa diferenciação ocorreu, para
entendermos melhor esta dinâmica.
O primeiro caso trata-se de uma pessoa que costumava viver uma vida muito
extrovertida e ligada a festas. Havia morado no Rio de Janeiro, e era muito conectado ao
carnaval carioca. Queria buscar neste ambiente social um senso de pertencer a um grupo, ao
mesmo tempo que esperava neste ambiente encontrar uma relação verdadeira. De certa
forma, confundia a busca individual com a busca por um constante frenesi, procurando o
contentamento neste frenesi. Podemos conjecturar que sua busca individual estava projetada
neste ambiente.
Um dia refletiu sobre o seu hábito, e se deu conta do espaço que estas atividades
festivas haviam ocupado em sua vida. Se deu conta que estas eram sua prioridade, inclusive
estava dando mais importância a poder comparecer a determinada festa ou ao carnaval do
que a projetos pessoais que pudesse ter. Neste dia sonhou que: “agora entendia que não
éramos nós que tínhamos o Rio de Janeiro, mas era o Rio que nos tinha”.
O sonho ratificava sua reflexão, lhe demonstrando que esta atitude tinha a ver com a
captura da consciência pelo “complexo Rio de Janeiro”. Este foi um marco para uma mudança
de postura em relação a essas atividades. Outros sonhos seguiram reforçando tal postura. Em
um momento em que preferiu não ir a uma festa, para se dedicar as suas coisas, sonhou que
“era necessário sacrificar certas coisas para que outras aparecessem”. Em outro momento
sonhou que “o que parecia uma limitação, era em realidade uma ampliação”. Assim,
paulatinamente, através do caminho traçado pelo inconsciente, despertou para outros
objetivos que não estes conectados a um mundo mais sensorial e imediatista. Por
consequência, houve uma mudança em relação a sua visão de mundo. Este caso me recorda
da reflexão de Jung:
“A simples razão não pode fazê-lo abandonar a plenitude da vida e o excitante sensual
do estado imediato. Assim, é necessário que nele estejam contra o poder e o prazer do
temporal a alegria do eterno, e contra a paixão do sensual a maravilha do suprassensível.”.
JUNG, C. G. Tipos Psicológicos In:Obras Completas de C. G. Jung, vol. VI Petrópolis: Vozes 2011
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Outro exemplo é um ocidental que havia tido contato com filosofias orientais,
budismo, espiritismo e ordens “místicas”, como o Rosacrucianismo. Vinha de uma família que,
enquanto secretamente possuía um complexo de inferioridade, compensatoriamente nutria
uma visão de serem “espiritualmente” e “intelectualmente” superiores. Este era também um
reforço em uma autoimagem de consciência, pois, em realidade, em sua família havia um
histórico de pessoas que tiveram surtos psicóticos. A grandiosidade exagerada estava
intimamente relacionada com a inferioridade e a fragilidade.
No mapa astral desta família, um dos eixos astrológicos mais ativos era o eixo VIRGEM-
PEIXES. Tal funcionamento possui uma similaridade com este eixo, pois virgem é o signo das
virgens do Olimpo que deveriam manter tudo asséptico, apontando para um excesso de
racionalidade e de não percepção da sombra. Já o contraponto pisciano é um signo com muita
irracionalidade.
Um sonho que teve esta época, que marca este funcionamento, é o seguinte:
“buscava transcender a mente. Quando então percebi: pera aí, isto aqui (a busca por
transcender a mente) é a própria mente. Então, uma luz vinda de cima lhe iluminou”
Outro sonho importante foi de que: “em seu quarto, onde havia um retrato de Fausto,
agora havia um espelho”. Este sonho marcou a diferenciação em relação ao complexo. Agora
via seu próprio reflexo, no espelho que revela a verdade, sem mentir, onde antes enxergava
Fausto. Poderia, pois, enxerga a si mesmo como era. A identificação com o “complexo
Fáustico”, em realidade, era totalmente coletiva e não-individual, enquanto permanecer em
seus limites humanos porta a individualidade – o que não significa uma mera resignação ao
comum.
Outro aspecto importante deste caso foi uma diferenciação em relação a suas
relações. Ele começou a namorar uma garota simpática, porém com dificuldades psíquicas. Sua
relação com ela foi inicialmente marcada totalmente pela projeção, de características similares
ao narrado anteriormente: eram um “casal” escolhido pelo próprio inconsciente para estar
juntos. Era como se fosse uma “missão” estar junto com essa garota. De certa forma, repetia a
sua mãe, que também imaginava no relacionamento com seu pai algo “espiritualmente
previsto”, predestinado. Se anteriormente achava sua mãe perfeita, agora achava essa
namorada também perfeita. Com o tempo, a relação começou a piorar, e ele, que não queria
terminar a relação, se viu em um papel de submissão a namorada. Ao mesmo tempo
argumentava que eles tinham sido feitos um para o outro, sufocando qualquer possibilidade
de uma conversa real sobre a relação. Ela utilizava de brigas e de ameaças de fim de
relacionamento como forma de ter poder na relação, ou talvez fosse uma reação natural a este
estado - o que acabou gerando uma relação submissa por parte do paciente. Esta relação
submissa reproduzia muito a relação de seu avô materno com sua avó. Assim, sem se dar
conta, repetia o passado familiar.
liberdade com a