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O QUE LEVOU A IGREJA EM ANTIOQUIA A FAZER MISSÕES

John R. W. Stott
Em Atos 13 o horizonte de Lucas se alarga pois o nome de Jesus seria maciçamente testemunhado
além da Judéia e Samaria. A partir de Antioquia chegaria aos confins da terra. Os dois diáconos
evangelistas prepararam o caminho. Estevão através de seu ensino e martírio, Filipe através de sua
evangelização ousada junto aos samaritanos e ao etíope. O mesmo efeito tiveram as duas principais
conversões relatadas por Lucas, a de Saulo, que também fora comissionado a ser o apóstolo dos
gentios, e a de Cornélio, através do apóstolo Pedro. Evangelistas anônimos também pregaram o
evangelho aos "helenistas" em Antioquia. Mas sempre a ação esteve limitada à Palestina e à Síria.
Ninguém tinha tido a visão de levar as boas novas às nações além mar, apesar de Chipre ter sido
mencionada em Atos 11:19. Agora, finalmente, vai ser dado esse passo significativo.

A população cosmopolita de Antioquia se refletia nos membros de sua igreja e até mesmo em sua
liderança, que consistia em cinco profetas e mestres que moravam na cidade. Lucas não explica a
diferença entre esses ministérios, nem se todos os cinco exerciam ambos os ministérios ou se os
primeiros três eram profetas e os últimos dois mestres. Ele só nos dá os seus nomes. O primeiro era
Barnabé, que foi descrito com "um levita, natural de Chipre" (Atos 4:36). O segundo era Simeão que
tinha o sobrenome de Níger, que significa Negro, provavelmente um africano e supostamente
ninguém menos que Simão Cireneu, que carregou a cruz para Jesus. O terceiro era Lúcio de Cirene
e alguns conjecturam que Lucas se referia a si mesmo o que é muito improvável já que ele preserva
seu anonimato em todo o livro. Havia também Manaém, em grego chamado o "syntrophos" de
Herodes o tetrarca, isto é, de Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande. A palavra pode significar
que Manaém foi "criado" com ele de forma geral ou mais especificamente que era seu irmão de leite.
O quinto líder era Saulo. Estes cinco homens simbolizavam a diversidade étnica e cultural de
Antioquia e da própria igreja.

Foi quando eles estavam "servindo ao Senhor, e jejuando" que o Espírito Santo lhes disse: "separai-
me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At.13:2). Algumas perguntas
precisam ser respondidas.

A quem o Espírito Santo revelou a sua vontade? Quem eram "eles", as pessoas que estavam
jejuando e orando?

Parece-me improvável que devamos restringi-los ao pequeno grupo dos cinco líderes, pois isso
implicaria em três deles serem instruídos acerca dos outros dois. É mais provável que se referia aos
membros da igreja como um todo já que eles e os líderes são mencionados juntos no versículo 1 de
Atos 13. Também em Atos 14:26-27, quando Paulo e Barnabé retornam, prestam conta a toda a
igreja por terem sido comissionados por ela. Possivelmente Paulo e Barnabé já possuíam anterior
convicção do chamado de Deus e esta verdade foi aqui revelada para toda a igreja.

Qual o conteúdo da revelação do Espírito Santo à Igreja em Antioquia?

Foi algo muito vago e possivelmente nos ensina que devemos nos contentar com as instruções de
Deus para o dia de hoje. A instrução do Espírito Santo foi "separai-me agora a Barnabé e a Saulo
para a obra a que os tenho chamado", muito semelhante ao chamado de Abrão: "vai para a terra que
te mostrarei". Na verdade em ambos os casos o chamado era claro mas a terra e o país não.

Precisamos observar também que tanto Abrão como Saulo e Barnabé precisariam, para obedecerem
a Deus, darem um passo de fé.

Como foi revelado o chamado de Deus?

Não sabemos. O mais provável é que Deus tenha falado à igreja através de um de seus profetas.
Mas seu chamado também poderia ter sido interno e não externo, ou seja, através do testemunho do
Espírito em seus corações e mentes. Independente de como o receberam, a primeira reação deles
foi a de orar e jejuar, em parte, ao que parece, para testar o chamado de Deus e em parte para
interceder pelos dois que seriam enviados. Notamos que o jejum não é mencionado isoladamente.
Ele é ligado ao culto e à oração, pois raras vezes, ou nunca, o jejum é um fim em si mesmo. O jejum
é uma ação negativa em relação a uma função positiva. Então jejuando e orando, ou seja, prontos
para a obediência, "impondo sobre eles as mãos os despediram".

Isto não era uma ordenação ao ministério muito menos uma nomeação para o apostolado já que
Paulo insiste que seu apostolado não era da parte de homens, mas sim uma despedida,
comissionando-os para o serviço missionário.

Quem comissionou os missionários?

De acordo com Atos 13:4 Barnabé e Saulo foram enviados pelo Espírito Santo que anteriormente
havia instruído a igreja no sentido de separá-los para ele. Mas de acordo com o versículo seguinte
foi a igreja que, após a imposição de mãos, os despediu. É verdade que o último verbo pode ser
entendido como "deixou-os ir", livrando-os de suas responsabilidades de ensino na igreja, pois às
vezes Lucas usa o verbo "adulou" no sentido de soltar. Mas ele também o usa no sentido de
dispensar. Portanto creio que seria certo dizer que o Espírito os enviou instruindo a igreja a fazê-lo e
que a igreja os enviou, por ter recebido instruções do Espírito. Esse equilíbrio é sadio e evita ambos
os extremos. O primeiro é a tendência para o individualismo pelo qual uma pessoa alega direção
pessoal e direta do Espírito sem nenhuma referência à igreja. O segundo é a tendência para o
institucionalismo, pelo qual todas as decisões são tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao
Espírito.

Conclusão

Não há indícios para crermos que Saulo e Barnabé eram voluntários para o trabalho missionário.
Eles foram enviados pelo Espírito através da igreja. Portanto cabe a toda igreja local, e em especial
aos seus líderes, ser sensível ao Espírito Santo, a fim de descobrir a quem ele está concedendo
dons ou chamado.

Chamado missionário não é um ato voluntário, é uma obediência à visão do Senhor.

Assim precisamos evitar o pecado da omissão ao deixarmos de enviar ao campo aqueles irmãos
com clara convicção de que foram chamados por Deus, bem como a precipitação de o fazermos com
outros que possuem os dons para tal, mas sem confirmação do Espírito à igreja.

O equilíbrio é ouvir o Espírito, obedecê-lo e fazer da igreja local um ponto de partida para os confins
da terra.

John R. W. Stott pastoreou por vários anos a Igreja de All Souls em Londres. É diretor do London
Institute for Contemporary Christianity e autor de diversos livros como "A mensagem do sermão do
Monte", "A mensagem de Efésios" e "Crer é também Pensar". Fonte: MissioNEWS, Informando

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