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História do jornalismo
econômico no Brasil:
do café ao tempo real1

Paula Puliti
Doutora em Ciências da Comunicação pela USP
Docente do Centro de Pesquisa e
Pós-graduação da Uni-FMU
E-mail: pulitipaula@hotmail.com

O conteúdo do noticiário econômico


como hoje o conhecemos, de forte viés fi-
nanceiro, consolidou-se no governo Fernan-
do Henrique Cardoso (1995-2003), quando
Resumo: Este artigo refaz a História do jornalismo econômico o Brasil abraçou definitivamente as políticas
do Brasil desde o início de sua construção, há mais de cem anos,
até o ano de 2011, quando as agências de notícias em tempo real preconizadas pelo chamado “Consenso de
e 24 horas impõem mudanças estruturais na forma como se pra- Washington”,2 um receituário de abertura
tica jornalismo.
Palavras-chave: História do jornalismo econômico, história do
econômica à concorrência externa privada
jornalismo brasileiro, notícias econômicas, discurso econômico e de diminuição do tamanho do Estado que
nos jornais. ratificou o neoliberalismo na região (Puliti,
Periodismo económico en Brasil: del café al tiempo real
Resumen: Este artículo revisa la Historia del periodismo econó-
mico de Brasil desde sus inicios, hace más de cien años, hasta el 1
Levantamento histórico baseado em capítulo da tese de dou-
año de 2011, que es cuando las agencias de noticias en tiempo torado “A financeirização do noticiário econômico no Brasil
real durante las 24 horas imponen modificaciones estructurales (1989-2002)”, de Paula Puliti, defendida em novembro de 2009
en la manera en la que se practica periodismo. na ECA-USP.
Palabras clave: Historia del periodismo económico, Historia del 2
O “Consenso” preconizava como fundamental para o de-
periodismo brasileño, noticias económicas, discurso económico senvolvimento das economias latino-americanas a abertura
en los periódicos. econômica com o fim de barreiras protecionistas ao comércio
de bens e serviços e ao fluxo de moeda entre os países; priva-
Economic news in Brazil: from coffee beans to real time tização de empresas; fim das regras que limitam o movimen-
Abstract: This article builds up the history of the Brazilian eco- to de capitais internacionalmente e no interior de cada país;
nomic new since its start, in the turning of the 19th to the 20th “flexibilização” das leis de trabalho, que na prática significa re-
centuries up to 2011, when 24-hour-real-time news services duzir direitos sindicais, trabalhistas e previdenciários; cambio
impose structural changes to the way economic journalism is flutuante. Na realidade, o objetivo final era enxugar o tama-
carried out in the country. The work goes through the key boost nho do Estado, permitindo a geração de superávits fiscais para
provided by the military, when ruling the country, who censured pagamento dos juros e do serviço da dívida pública externa.
political information, but were much more open to economic Ao mesmo tempo, com o aumento da liquidez internacional,
contents. intensificaram-se as pressões externas para que os países des-
Keywords: History of Brazilian economic news, Brazilian jour- regulamentassem seus mercados de capitais, internacionalizas-
nalism, economic discourse in Brazilian media, Brazilian media sem a emissão de papeis públicos e securitizassem suas dívidas
studies. (Loureiro, 1997:105).

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2009, 2010). Praticamente nada mudou no Os primórdios do jornalismo


­econômico no Brasil
governo Luis Inácio Lula da Silva (2003-
2011) em termos de informação econômica
Na virada do século XIX para o século XX,
e o mesmo se segue na administração Dilma
a matéria prima do noticiário brasileiro era
Rousseff, iniciada em 2011.
a política e sempre fora a principal vertente
do jornalismo brasileiro. Tanto que, publica-
da pela primeira vez no fim dos anos 1960,
O grande impulso a grande referência histórica da imprensa
ao jornalismo brasileira, História da Imprensa no Brasil, de
econômico foi o Nelson Werneck Sodré, não dedicaria prati-
próprio regime camente um único parágrafo ao jornalismo
militar, iniciado econômico. Foi apenas na quarta edição do
livro, de 1999, que Sodré escreveu um capí-
em 1964 por meio de
tulo novo, muito mais uma reflexão do que
um golpe de estado uma cronologia, como que para dar conta da
crescente importância da economia na polí-
tica e dos temas econômicos na imprensa.
Mas também não se pode deixar de reco-
Este artigo traça o histórico do jornalismo
nhecer a existência de um noticiário econô-
econômico no Brasil, da forma como é exer-
mico, ainda que bastante tímido e já muito
cido pela chamada grande imprensa, desde
especializado, nesse mesmo período. Eram
a virada do século XIX para o século XX até
conteúdos voltados a atender às necessida-
os dias atuais, buscando fornecer elementos
des oriundas do perfil agrário-exportador
que contribuam para a análise do hermético que definira por anos a economia brasileira.
conteúdo que predomina hoje nos jornais. O noticiário econômico correspondia a
Bolsa, câmbio, captação, mercado financei- algumas poucas páginas, lidas por especia-
ro, derivativos, risco-país, bônus, superávit listas de alguns setores. “Eram páginas dedi-
primário, superávit nominal zero, equilíbrio cadas ao café, ao preço do café, ao comércio
fiscal, déficit em conta corrente, fluxo cam- do café, à importação e exportação de café”
bial e balança comercial são apenas alguns (informação verbal fornecida por Rocha em
exemplos dos assuntos predominantes. São Paulo, em entrevista à autora em 2007).
O desenho traçado sobre a construção Em O Estado de S.Paulo, o ponto de partida
do noticiário econômico tem entre suas para a instituição de uma pauta econômica
mais marcantes evidências o impulso que mais consolidada foi dado pelo alemão Ge-
o próprio regime militar deu à informa- raldo Banas, na esteira da Segunda Guerra.
ção econômica, na esteira da censura aos Em 1945, ele entrou para o jornal e em 1946,
­conteúdos políticos, vários anos antes de junto com Frederico Heller, criou a seção de
FHC. Já ao avançar até esta segunda década economia do Estadão. Em 1949, o jornal lan-
do século XXI, é possível se perceber as mu- ça seu “Suplemento comercial e industrial”,
danças estruturais – ainda que não de con- semanal. É atribuído a esse suplemento uma
teúdo – pelas quais a informação econômi- das primeiras manifestações de um jornalis-
ca tem passado, chegando até a ascensão das mo econômico um pouco mais consolidado
agências de notícias como produtoras de (Quintão, 1987:170) e de forte conteúdo es-
um noticiário econômico em tempo real 24 trangeiro, sobretudo norte-americano.
horas que parece estar lançando bases para No “Grupo Folhas”, os temas econômi-
uma nova forma de se fazer jornalismo nos cos passaram a aparecer mais a partir da
diversos meios. incorporação a seu quadro de jornalistas,

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no final dos anos 1930, do advogado Mário foram o grande divisor de águas dessa cro-
Mazzei Guimarães, que escrevia sobre temas nologia (Resende, 2003:88).4 A entrada de
de agropecuária. Por volta de 1950, a Folha capital estrangeiro produtivo promovida
também tinha repórteres voltados exclusi- pela política de Juscelino Kubitschek tam-
vamente para temas econômicos, que escre- bém promoveu a expansão do mercado pu-
viam, sobretudo, matérias analíticas. blicitário no país. Como a receita da venda
Um episódio à parte é o surgimento da em banca nunca fora suficiente para bancar
Gazeta Mercantil (criada em 1920, na forma as equipes e os custos de produção, os jor-
de boletim diário econômico e financeiro) nais passaram a necessitar cada vez mais de
como um jornal de negócios, que vai desper- anunciantes. E a indústria de bens de consu-
tar os grandes jornais para o valor contido na mo que aqui se instalara respondeu positiva-
informação econômica. Em 1934, o chama- mente às necessidades de receita dos jornais.
do Boletim Diário de Informações da Gazeta Essa virada mercadológica foi uma das prin-
Mercantil e Indústria, na época propriedade cipais mudanças da imprensa no período.
do italiano Pietro Pardini, foi adquirido pela O grande impulso ao jornalismo econô-
família Levy, que já tinha experiência em pu- mico, no entanto, foi o próprio regime mili-
blicações na área, com o Boletim Comercial tar, iniciado em 1964 por meio de um golpe
Levy, criado em 1929, e a Revista Financeira de estado. No final dos anos 1960, o jornalis-
Levy, criada em 1931 (Lachini, 2000:66). Pas- mo econômico começa a se consolidar como
sou a se chamar Gazeta Mercantil, Comercial, uma área diferenciada da atividade profis-
Industrial e Financeira e foi a grande escola sional, nem tanto por seus próprios méritos.
de jornalismo econômico do Brasil. O que ocorreu, de fato, é que os militares
Foi a partir da segunda metade dos anos tiraram os temas políticos do noticiário por
1950 que se começou a praticar no Brasil um meio de uma impiedosa censura e de per-
jornalismo mais voltado a temas econômicos seguição violenta ao livre pensamento. Isso
para além da agricultura, dentro de um pro- aconteceu ao mesmo tempo em que surgia
cesso intimamente ligado à reorganização do com força um mercado de capitais especu-
capitalismo em âmbito mundial, com a con- lativo, na própria década de 1970, com o fim
solidação de multinacionais estrangeiras e do sistema de Bretton Woods.
alguns grandes bancos internacionais como Fora da política, a grande imprensa (for-
os grandes detentores do poder econômico. mada basicamente no eixo Rio-São Paulo)
Significa dizer que os anos JK (1956-1961)3 viria a prestigiar, primeiramente, o caráter
auto-professado como modernizador da du-
3
Durante seu mandato, o presidente Juscelino Kubitschek pôs pla Roberto Campos e Octávio Gouveia de
em prática seu Plano de Metas, de crescimento de “cinquenta Bulhões (1964-1967), no Planejamento e na
anos em cinco”. O plano era fortemente influenciado pela po-
lítica de substituição de importações da Cepal (Comissão das Fazenda, respectivamente. Dentro da mítica
Nações Unidas para a América Latina e o Caribe), que visava de modernidade, a dupla introduziu na im-
a criar no país um parque industrial forte e variado, capaz de
suprir as necessidades do mercado interno, permitindo um
prensa temas inspirados nas teses neolibe-
excedente exportador. Tentou-se aliar desenvolvimento com rais norte-americanas, como a necessidade
abertura do país às multinacionais, detentoras de tecnologia de reestruturação das relações trabalhistas,
e geradoras de emprego, que ajudariam também a criar um
mercado consumidor local. JK criou o Grupo Executivo da In- que acabou levando a demissões em massa e
dústria Automobilística, setor que alavancaria a industrializa- à recessão 1964-1966, sob o pretexto de do-
ção do Brasil sustentado pelo investimento estrangeiro. Nesse
período, também se instalou no país a indústria estrangeira de
mar a escalada da inflação. “Mas o jornalis-
bens de consumo, e, junto com as grandes multinacionais, vie-
ram também as assessorias de imprensa. Muito utilizadas pelas 4
Ainda nesse período, surge na cena jornalística Aloysio Biondi,
montadoras nos anos 1950 como ferramenta de divulgação de um dos expoentes da equipe de profissionais especializados em
produtos e de criação de imagem, mais tarde elas seriam apro- economia que a Folha conseguiu reunir. Biondi viria a ser uma
priadas pelo regime autoritário, incentivando a cobertura do das maiores, se não a principal, referências do jornalismo econô-
milagre econômico (Resende, 2003:88). mico brasileiro. Atuou por 44 anos até sua morte, no ano 2000.

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mo econômico desempenhará um papel não prensa convencional dedicou-se a exaltar o


apenas de informante e analista dos negócios Produto Interno Bruto (PIB), que cresceria
econômicos e financeiros, mas vai agir ain- a taxas anuais médias superiores a 10%, nu-
da como aliciador da consciência nacional e mericamente comprovando o sucesso do de-
viabilizador, como tal, de uma rápida e segu- sempenho econômico do país – o chamado
ra reprodução do capital, como queriam as milagre econômico – promovido por meio
elites” (Quintão, 1987:13). de um alto endividamento que viria cobrar a
Campos e Bulhões adotaram discurso conta nos anos 1980 – a da que à custa de um
técnicos. O primeiro transformou-se em alto endividamento externo e do aumento da
porta-voz do governo para a área econômica, concentração de renda e da pobreza.
convicto da eficácia de teses modernizantes A máquina oficial bombardeava os jor-
e estrangeiras. Foi o principal representante nais com notícias positivas sobre o cresci-
do Brasil na Comissão Mista Brasil-Estados mento da economia, dos investimentos e da
Unidos, ganhou o apelido de Bob Fields Bolsa de Valores. Ao mesmo tempo, profes-
(seu nome em inglês) e carregou a pecha de sores de economia começaram a fazer parte
entreguista dos interesses brasileiros para do cotidiano da revista Exame. A publicação
os norte-americanos. Mas Campos contra- quinzenal de economia e negócios da Editora
-atacou com artigos em jornais e fornecendo Abril fez em 1973 um convênio com a Fipe
informações a seus amigos jornalistas que (Fundação Instituto de Pesquisas Econômi-
trabalhavam em grandes jornais. Montou cas, formada por professores da Universida-
sua assessoria de imprensa ao assumir o Pla- de de São Paulo) em que a Abril pagava algu-
nejamento, quando sucedeu ao economista mas bolsas de pós-graduação em economia
Celso Furtado, fundador da Cepal (a então e, em troca, professores e pesquisadores da
influente comissão das Nações Unidas para a Fundação se reuniam mensalmente com os
América Latina e o Caribe) e ex-ministro no jornalistas para discutir conjuntura econô-
governo João Goulart (1961-1964), com o mica, entre eles Affonso Celso Pastore, João
objetivo de favorecer a legitimação das novas Sayad, Fernando Homem de Mello, Rober-
diretrizes econômicas do governo e garantir to Macedo, Guilherme Dias e José Roberto
maior respeito às suas ideias. Outra de suas Mendonça de Barros.
táticas foi a criação do Instituto de Pesqui- Muitos eram professores universitários
sas Econômicas (Ipea), contratando cerca que estavam chegando de Yale, Chicago e
de 100 jornalistas para compor o Grupo de Princeton, universidades norte-americanas
Redação e divulgar material simpático à po- (Resende, 2003:142). Esses economistas, que
lítica governamental. Na TV Rio, a de maior mais tarde desembarcariam no governo, não
audiência na época, Campos criou o progra- tinham canal aberto na mídia. Mas com essa
ma O assunto é política, por meio do qual reunião mensal, descobriram como falar
buscava dar maior racionalidade técnica às com a imprensa.
discussões econômicas. Era patrocinado pela Era muito tranquilo fazer cobertura eco-
montadora Chrysler e pela Standard, agência nômica naquele período, porque a impren-
de publicidade norte-americana. sa econômica era pró-governo e raramente
Delfim Netto, que substitui Bulhões na sofria repressão, enquanto outras áreas dos
Fazenda em 1967, também montou para si jornais eram censuradas. O que se viu foi a
uma assessoria de imprensa. Proliferaram ampliação das equipes de economia em jor-
assessorias de imprensa nos ministérios, nais de todo o país, enquanto as editorias de
autarquias e empresas públicas vincula- política emagreciam. Na época do “milagre”,
das à área econômica (Quintão, 1987). No havia basicamente três tipos de fontes regula-
período Delfim, que durou até 1974, a im- res, com predomínio das autoridades. Delfim

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Netto costumava receber às segundas-feiras, Em 1982, México e Brasil declararam


bem cedo, os principais editores dos jornais e moratória da dívida externa. O capital inter-
revistas para conversas reservadas na sede do nacional se tornou escasso e caro para os pa-
Ministério da Fazenda, em São Paulo, antes íses da periferia. No Brasil, a moratória pos-
de voar para Brasília. Esses encontros funcio- tergou projetos de investimentos e colocou o
navam para balizar a cobertura de economia, país em um estado de estagnação econômica.
indicar medidas que viriam e, na ponta ofi- As decorrentes negociações das dívidas com
cial, para sentir a temperatura da política me- o Fundo Monetário Internacional (FMI), o
dida pelo termômetro dos jornalistas. Costu- Banco Mundial e o Banco Interamericano
mavam participar essas reuniões Rolf Kuntz, de Desenvolvimento (BID), para obtenção
Robert Appy, Roberto Muller e José Roberto de novos empréstimos, pressionaram os go-
Guzzo, entre outros (Puliti, 2009:89). vernos, forçando a movimentação das eco-
O segundo bloco de fontes do noticiário nomias em direção à liberalização das restri-
de economia eram os empresários. Imbuídos
do espírito oficial, rasgavam elogios à políti-
ca econômica do governo. A Federação das O que se viu foi
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a ampliação das
era a principal representante do setor. Um
equipes de economia
terceiro bloco eram os economistas. Havia
algum espaço para os que contestavam a
em jornais de todo o
política econômica e a má distribuição de país, enquanto
renda. Entre eles estavam Celso Furtado, o as editorias de
principal crítico da política econômica do política emagreciam
regime militar, Luiz Carlos Bresser-Pereira,
José Serra, Eduardo Suplicy e João Sayad, to-
dos ligados à academia. Não havia, na época,
nenhum economista de banco entre as fontes ções aos fluxos de capital e de mercadorias e
regulares dos jornais, até por razões óbvias: o serviços (Baumann, 2000). Essas instituições
governo não admitiria críticas por parte dos exigiam aumento de impostos, desvaloriza-
banqueiros. O banco mais crítico ao regime ção de moedas e redução de gastos gover-
poderia sofrer retaliações. namentais – o que permitiria aos governos
O milagre começou a cambalear com o pagar suas dívidas.
primeiro choque do petróleo, de 1974, quan- Obviamente o jornalismo não passaria ao
do houve forte aceleração inflacionária e a largo das mudanças monetárias do período
balança comercial brasileira passou a regis- 1970-1980. As crises externas, o esvaziamen-
trar déficits expressivos por conta da impor- to forçado dos assuntos de política e a infla-
tação de petróleo e combustíveis. Os níveis ção em alta acabaram por tornar a economia
de crescimento médio, que estavam na casa o núcleo temático do noticiário a partir de
de dois dígitos, cairiam para 6.5%, chegando meados dos anos 1970. Para as elites empre-
a 4% entre 1974 e 1979. A dívida externa, que sariais e financeiras, dentro de um cenário de
chegaria a US$90 bilhões, consumia 90% das alto risco, a informação econômica tornou-
receitas exportadoras. No final da década de -se mais relevante para a tomada de decisões
1970, com o segundo choque do petróleo e a (Kucinski, 1996:14). Para o leitor não-espe-
mudança na política monetária dos Estados cializado, o jornalismo econômico assumiu
Unidos, que elevaram os juros para controlar a função de explicar os impactos dos juros
a inflação, o endividamento externo promo- altos e da inflação sobre alugueis, salários,
vido pelo milagre cobraria um preço alto. emprego e prestações. Nos anos 1970, tam-

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bém houve crises de abastecimento que pre- manho o grau de confiança que seus discur-
ocupavam a sociedade. Os jornais refletiram sos técnicos passam aos jornalistas e leitores.
isso e começaram a cobrir agricultura mais Com a renegociação da dívida exter-
com esse enfoque. na no âmbito do Plano Brady5 de 1989, os
investimentos estrangeiros começaram a
retornar ao país, basicamente por meio da
Entre a equipe do Real, aquisição de títulos do governo. A entrada
era pesadelo a de recursos foi reforçada com as primeiras
possibilidade de medidas de liberalização do fluxo de inves-
timentos financeiros de 1990, no governo
o plano ser prejudicado
Collor. Nesse meio tempo, as instituições
por falhas na financeiras começaram a contratar assesso-
comunicação inicial rias de imprensa e, em paralelo, começou a
ao público consolidação da cultura de departamentos
econômicos, que produziam estudos e pro-
jeções para clientes.
De início, fontes do mercado financei-
Com a criação do Jornal da Tarde, no iní- ro entraram no noticiário prioritariamen-
cio dos anos 1970, a notícia economia ganha- te para falar de instrumentos de aplicações
ria um perfil mais de atender ao consumidor, financeiras contra a corrosão inflacionária.
inclusive nas aplicações financeiras, com ses- Com o Plano Real lançado em 1994, du-
sões do tipo “entenda”, “dicas” ou “ABC”. O rante o governo Itamar Franco e sob o co-
jornalista Joelmir Beting lançou a própria mando de Fernando Henrique Cardoso na
coluna diária, traduzindo o “economês” téc- Fazenda, aquele tipo de jornalismo de ser-
nico. Foram criadas, com grande ênfase, se- viço financeiro entrou em declínio com a
ções do tipo “Seu dinheiro”, voltadas para a redução da inflação. Uma vez controlados
classe média que sonhava com a casa própria os preços, o noticiário passou a enfatizar
e começava a fazer aplicações financeiras. aspectos mais ideológicos do neoliberalis-
Diante das mudanças estruturais em cur- mo, como mudanças nas políticas monetá-
so, as direções dos jornais começaram a achar ria e fiscal. Naquele momento, o apoio da
os economistas acadêmicos exageradamente imprensa seria fundamental para legitimar
teóricos. Os jornalistas queriam informações questões ideológicas, como a redução do
de pessoas mais envolvidas com o cotidiano papel do Estado na economia, com privati-
do nascente mercado financeiro. Nesse pe- zações, abertura comercial, financeira, juros
ríodo, uma série de instituições financeiras altos e câmbio flutuante.
não-bancárias ganharia corpo, como as cor- A tecnologia avançava mundialmente,
retoras e as distribuidoras de títulos e valores permitindo a integração global das bolsas de
mobiliários, as DTVM. Além disso, com as valores, enquanto as aplicações financeiras se
confusões criadas por planos econômicos sofisticariam com os derivativos. A obtenção
complicados, com tabelas, tablitas, conver- de ganhos no mercado financeiro passou a
sores, redutores e impostos extraordinários,
os jornais precisavam de fontes para explicar
5
Em março de 1989, após as moratórias, foi anunciado pelo se-
cretário de Tesouro dos EUA, Nicholas F. Brady, um plano para
tudo isso. Foi assim, para dar conta de novas renegociar a dívida externa de países em desenvolvimento, me-
exigências do jornalismo econômico, que os diante a troca por papeis novos. Esses novos títulos contem-
plavam o abatimento do encargo da dívida, através da redução
economistas de bancos passaram a aparecer do seu principal ou pelo alívio nos juros. Além de emitir os
no noticiário, ocupando posição de destaque bônus, os países deveriam promover reformas liberais em seus
mercados. Os bônus do Plano Brady ficaram conhecidos como
que ainda hoje não foi possível desafiá-la, ta- bradies (Batista Junior; Rangel, 1994).

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ser muito maior do que com a atividade pro- A presidência contrataria a jornalista Ma-
dutiva, e muitas grandes empresas deixaram ria Clara R. M. do Prado para comandar a
de investir em suas atividades para aplicar organização da divulgação do Real pela im-
no mercado financeiro. O noticiário concen- prensa. Ela conta (2005) que para que pudes-
trou-se em comportamento de bolsa, dólar e se fazer um bom trabalho de comunicação
juros, enquanto as notícias de negócios pas- precisaria ter acesso a todas as informações,
saram de estratégias empresariais para a di- além de ser aceita como participante em to-
vulgação dos lucros das empresas de capital das as reuniões da equipe econômica. As exi-
aberto negociadas em bolsa, de forma que os gências foram aceitas, e as reuniões da equi-
novos acionistas dessas empresas pudessem pe econômica passaram a ser acompanhadas
acompanhar seus investimentos. pela jornalista. Naquele momento da polí-
tica brasileira, depois do fiasco do governo
O plano real e a imprensa Collor, o que estava em jogo era algo mui-
to maior do que a estabilização econômica.
Desde o regime militar, o Brasil vinha Não podia haver risco de desconfiança nem
passando por mudanças profundas de polí- tropeços, já que o Real também garantiria a
tica econômica, com espasmos de liberaliza- consolidação no poder de um modelo eco-
ção que só viriam a se consolidar a partir de nômico sintonizado com a globalização e a
1994. Naquele ano, entrou em vigor o Plano modernidade, condições que o PSDB, parti-
de Estabilização Econômica do governo Ita- do do então ministro da Fazenda, considera-
mar Franco – o Plano FHC ou Real – pelas va fundamentais para tirar o país do atraso e
mãos do então ministro da Fazenda, Fernan- se beneficiar da avalanche de recursos finan-
do Henrique Cardoso, que depois sucedeu ceiros que buscava lucro (Prado, 2005).
Franco na Presidência por dois mandatos Com o lançamento, os economistas do
consecutivos (1995 a 2002). Plano Real passaram a realizar quinzenal-
No noticiário, o que se viu foi o avanço mente mesas-redondas de entrevistas com
das fontes reprodutoras das políticas econô- seletos grupos de jornalistas na sede do
micas do “Consenso de Washington”, tanto Banco Central no Rio, em Brasília e em São
do lado do poder Executivo quando do setor Paulo. O objetivo era facilitar o entendimen-
privado, com analistas de bancos, adminis- to de tudo o que se relacionava ao plano de
tradores de fundos de investimento, consul- estabilização. Procuravam tirar dúvidas e dar
tores e operadores do mercado financeiro, explicações sobre pontos que os jornalistas
mas sobretudo membros do próprio gover- considerassem importantes naqueles pri-
no. Fernando Henrique achava que o suces- meiros meses de vigência da unidade mone-
so de seu plano dependeria em grande parte tária e posteriormente do Real.
de um substancial esforço de comunicação. Na visão que tinha de si próprio, repro-
Entre os integrantes da equipe que traba- duzida amplamente pelos jornalistas, Fer-
lhava na preparação do Real, era pesadelo nando Henrique se colocaria como o can-
recorrente a possibilidade de o plano vir a didato presidencial que vinha em defesa da
ser prejudicado por falhas na comunicação entrada do Brasil no primeiro mundo, por
inicial das medidas ao público, como havia meio da liberalização econômica, mas com
acontecido com o Plano Collor (março de profundas preocupações sociais. Sua frase
1990), quando a equipe comandada por Zé- “a estabilidade é a mais eficaz política de
lia Cardoso de Mello tropeçava nas respostas distribuição de renda que o governo pode
dadas aos questionamentos dos jornalistas, fazer” serviria para legitimar o plano que
aumentando as desconfianças sobre o duvi- adotava as premissas financistas do “Con-
doso e polêmico plano. senso de Washington”.

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Do Real para cá, também começou a os investidores em negócios com commodities


crescer o jornalismo financeiro de negócios, agrícolas e grandes produtores rurais. A Agên-
acompanhando a popularização do merca- cia Estado é a única que domina o mercado de
do financeiro. Os balanços das companhias notícias tempo real em um país. Em todos os
passaram a ocupar primeiras páginas dos outros países, esse mercado é detido por Reu-
jornais, assim como notícias sobre fusões e ters, Bloomberg ou Dow Jones (Silva, 2002).
aquisições. O jornalismo de negócios passou
a se misturar com o acompanhamento do Considerações finais
mercado financeiro, e foi nesse ambiente que
surgiu no ano 2000 o Valor Econômico, diário E são justamente essas três agências in-
de economia e negócios resultante de parce- ternacionais, mais o serviço em tempo real
ria entre Folha e O Globo. o que Valor Econômico pretende lançar no
Questões ligadas à má administração leva- fim de 2011, os principais responsáveis pelas
ram ao fim o mais importante jornal de eco- mudanças mais recentes no mercado de tra-
nomia do país, a Gazeta Mercantil, em 2009. balho jornalístico no país, junto com a trans-
Na esteira da crise da Gazeta, o grupo portu- formação dos serviços da Agência Estado em
guês Ongoing lançou no mesmo ano o Brasil noticiário tempo real 24 horas. Os noticio-
Econômico, também voltado para economia e sos tempo real estão investindo em contra-
negócios, com foco em empresas, mercado de tações e tecnologia, de olho em investidores
capitais, finanças e macroeconomia. financeiros globais que consideram o Brasil
da atualidade uma ótima opção de investi-
O noticiário em tempo real mento de alto retorno, enquanto as taxas de
juros norte-americanas continuam baixas e a
Enquanto o governo Fernando Henrique União Europeia tropeça na crise da dívida de
preparava o Brasil para entrar no mundo da alguns de seus países-membros.
circulação dos grandes capitais internacio- Para a prática jornalística, o efeito mais
nais que se intensificava na década de 1990, a visível por enquanto – já que se está diante
desregulamentação global do sistema finan- de uma mudança em andamento – é a velo-
ceiro e a disponibilidade de novas tecnolo- cidade imposta tanto a apurações quanto a
gias de informação e de gerenciamento de redação de uma notícia. É a variável veloci-
ativos financeiros transformavam a natureza dade (obviamente com precisão de informa-
do mercado de capitais. Pela primeira vez, ele ção) que define a vantagem de um veículo
seria global, unificado, funcionando o tempo sobre outro. Os novos jornalistas já não pre-
todo e com grande velocidade de transações. cisam tanto se preocupar com texto final, re-
Com um mercado financeiro crescente flexões, elaborações. É preciso apurar e pas-
e se popularizando, o jornalismo brasileiro sar a notícia para a redação em milésimos de
também entraria no mundo das agências de segundo, para não perder para o concorren-
informação em tempo real para o mercado te. E é essa informação rápida e superficial
financeiro. O ponto de partida foi dado pela que vai influenciar o noticiário dos sites, dos
Broadcast, hoje chamada de AE News, da jornais impressos, dos telejornais e do radio-
Agência Estado Ltda, empresa do Grupo Esta- jornalismo. Ainda não se está dando a devida
do, e que em meados dos anos 1990 teve dois importância às mudanças que o tempo real
novos braços: o AE Empresas e Setores, que está provocando na forma como se faz jor-
acompanha as empresas de capital aberto lis- nalismo no Brasil e no mundo.
tadas em Bolsa de Valores, e o AE Agro, para (artigo recebido set.2011/ aprovado out.2012)

Líbero – São Paulo – v. 16, n. 31, p. 41-50, jan./jun. de 2013


Paula Puliti – História do jornalismo econômico no Brasil: do café ao tempo real
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Paula Puliti – História do jornalismo econômico no Brasil: do café ao tempo real

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