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I CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A arte de narrar faz parte da vida de muitos povos há séculos. Dentre esses povos
destacam-se com maior propriedade os árabes. Para muitos, tidos como exímios narradores
de histórias fantásticas.
A narração está quase sempre intimamente ligada às práticas sociais que o contador
desenvolve em comunidade. Muitas dessas histórias são colhidas nas feiras livres, ou nas
longas viagens em caravanas, ou até mesmo contadas nos palácios dos grandes reis. Dessa
forma, é correto afirmar que os orientais adotaram a narração como estilo de vida e sem ela
ficaria quase impossível viver em grupo.
Acrescentando essa ideia, Flavia Pires1 afirma que:
“O grande fascínio das histórias, está na apresentação da riqueza contida
na cultura oriental, tão diferente da nossa (nem melhor, nem pior) e tão
preservada ainda hoje. Ao lermos as histórias, somos, literalmente, levados para
um mundo mágico e repleto de personagens fantásticos” (PIRES, 2005).
O conto escolhido para compor este trabalho é O Mercador e O Gênio, que faz
parte do conjunto de contos reunidos nas Mil e Umas Noites e traduzido por Mansour
Challita o qual obteve uma medalha da Academia Brasileira de Letras por realizar,
segundo Austregésilo de Athayde, um “trabalho excelente pela fidelidade, linguagem
correta e beleza de estilo”.
Para fundamentar a análise dos elementos do conto utilizaremos os estudos de
Tzvetan Todorov acerca das estruturas narrativas e algumas considerações de Vladimir
Propp sobre os contos maravilhosos, entre outros autores não menos importantes os quais
se debruçam sobre este gênero textual.
No tocante à oralidade, verificaremos de que forma as histórias contadas pelos
personagens do conto livraram o mercador da morte, sem deixar de lado, é claro, a figura
importante de Chehrezad2, pois, é a partir de suas histórias de sobrevivência para o sultão
da Índia que o conto O Mercador e o Gênio tem início.
1
Texto extraído do Blog de Flávia Pires.
2
Os nomes dos personagens aqui citados estão grafados segundo a tradução de Mansour Challita Pixel
Editoração Gráfica (2004). Havendo outras formas de grafia a depender de cada autor.
3
Segundo Challita (2004), toda história por trás d’O Mercador e o Gênio começa
com algumas narrativas persas datadas do século VIII e que, mais tarde, foram
enriquecendo-se com outras histórias árabes. O título da obra - As Mil e Uma Noites- em
que o conto supracitado está inserido surgiu no século XII.
Mais tarde foi traduzido para várias línguas e serviu de força motriz para inspirar
muitos escritores que viram nas Mil e Umas Noites uma forma alegre e aventureira de
contar histórias. Foi a revolução do conto popular.
As narrativas contidas n’As Mil e Uma Noites foram ao longo dos anos sofrendo
alterações por conta das histórias terem sido repassadas oralmente antes de passarem para a
forma escrita como hoje conhecemos, dessa forma, “o estudo da estrutura de todos os
aspectos do conto maravilhoso é a condição prévia absolutamente indispensável para seu
estudo histórico” (PROPP, p.18).
O estudo das leis formais do conto pressupõe o estudo das leis históricas. O que não
compromete a estrutura da narrativa, pelo contrário, essas alterações advindas das
condições históricas de produção servem para formar o que hoje conhecemos d’As Mil e
Uma Noites, uma verdadeira miscelânea de gêneros cujas fábulas; aventuras fantásticas;
narrações históricas; contos eróticos e humorísticos contribuíram para a construção de
muitos heróis.
O conto, O Mercador e o Gênio, aparece dando continuidade à história contada por
Chehrezad ao rei Chahriar - o sultão das Índias – que traído por sua mulher, ordena a seu
vizir que lhe traga toda noite uma virgem para que ele possa, depois de possuí-la, matá-la
no dia seguinte.
A vingança do rei deixou todas as donzelas assustadas. Então Chehrezad, a filha do
vizir, juntamente com sua irmã, resolvida a dar um fim na atitude do rei e salvar outras
vidas arquiteta um plano para deitar-se com o rei “(...) quando estiver com o rei, mandarei
chamar-te” (p.10), sua irmã estaria lá com ela e lhe pediria para contar uma história.
A história escolhida foi O Mercador e o Gênio. A estratégia de Chehrezad era
fazer com que o rei ficasse atento e quisesse saber o final da história. Então, foi isso o que
aconteceu.
4
O rei pediu que Chehrezad ficasse e terminasse sua história. Era tudo que ela
queria. Pois o que não lhe faltavam eram histórias.
A narrativa realista cria uma expectativa no ouvinte para saber o desfecho da
história, como assegura Michèle Simonsen (1987, p.7), “os contos realistas ou de novelas
estão repletos de disfarces, golpes teatrais, desfechos improváveis.”
Segundo Propp, não se pode explicar tudo sobre o conto, principalmente quando se
fala da origem dos contos de Chehrezad, e o que fica registrado apenas é o conhecimento
institucional da época. É por isso, que se torna imprescindível, como afirma o mesmo,
estudar um conto sempre levando em consideração os relacionamentos sociais que
determinam o tempo e o lugar onde a narrativa acontece para se chegar aos reais motivos
que fizeram aquele conto existir.
Como assinala Verônika Gorog- Karady e Christiane Soydou (1982, p. 24. Apud
Braulio Nascimento, p. 2):
O reflexo de uma cultura que tem por base a oralidade torna-se um laboratório vivo
cujas experiências narradas e até mesmo vividas vão tecendo o itinerário de um povo
voltado para narrar com afinco sua própria história de vida.
Tzvetan Todorov afirmou acerca da narrativa de Chehrezad que “narrar é igual a
viver”. Nesse sentido, a história contada por Chehrezad retrata o modo de sobrevivência
assumido por ela tornando-a livre da sentença do rei, bem como não deixa também de
revelar que foi através das histórias dentro da própria história de Chehrezad “Ao escutar
essa história, na qual o mal era punido, o gênio estremeceu de emoção e prazer e
concedeu ao xeque a graça do último terço do sangue do mercador que se viu livre da
vingança do gênio.” (p.12), que o mercador se viu livre de sua sentença.
Analisando a estrutura narrativa d’O Mercador e o Gênio, percebemos que o foco
narrativo é dado em 3ª pessoa “Conta-se, ó afortunado rei (p.10)”, Chehrezad é uma
narradora heterodiegética, ou seja, sua função é somente relatar ao rei os acontecimentos.
No decurso da narrativa há um movimento repetitivo, Chehrezad sempre corta a
história no clímax “Nesse momento de sua narrativa, Chehezad viu aparecer a manhã e
discreta calou-se”, uma estratégia fantástica para sua sobrevivência. A esse tipo de recurso
em relação à narrativa é chamado de encaixe.3 Uma forma singular de narrar cujas histórias
vão se encaixando umas nas outras, ou podendo surgir para justificar outra. Chehrezad
utiliza-a no afã de se livrar da morte.
Todos os contos das Mil e Uma Noites podem ser considerados encaixes, pois estão
encaixados na história de Chehrezad. O Mercador e o Gênio é uma narrativa dentro de um
texto maior.
Além do encaixe, do movimento repetitivo, um dos pontos importantes dessa obra
está no caráter predicativo da narrativa, pois a todo tempo são as ações que conduzem os
personagens o que dá ao texto um caráter impessoal através do discurso indireto.
3
Encaixe: termo que designa a aparição de uma nova personagem na história ocasionando a interrupção da
história precedente. Uma história segunda é englobada na primeira.
6
Assim, o importante no conto árabe não é quem está na história, mas o que alguém
faz na história, e Todorov confirma “a personagem é uma história virtual que é a história
de sua vida.” Desta forma, a história por trás das ações dos personagens significará uma
nova intriga, como acontecem com os protagonistas o mercador e o gênio. É por meio
deles que a intriga começa. As demais personagens – xeques e o filho - são coadjuvantes
contribuindo para explicar e amenizar o clímax que seria a morte do mercador, e ao mesmo
tempo salvar sua vida.
IV CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAIT, B. Mikhail Bakhtin: o discurso na vida e o discurso na arte. In: DIETZSCH, M.J.
(Org.) Espaços da linguagem na educação. São Paulo: Humanitas, 1999.
FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura é memória. Revista USP. São Paulo (24). 114-120
dezembro/ fevereiro 1994/95.
RIBEIRO, Flávia. Quem tem medo do lobo mau? Revista Aventuras na História. São
Paulo: Abril, n. 25, p.57, setembro de 2005.
SIMONSEN, M. O conto popular. Trad. Luís Claudio de Castro e Costa. São Paulo:
Martins Fontes, 1987.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS