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Junho 2015 [OUTRAS PALAVRAS]

CHAPEUZINHO VERMELHO: SOBRE UM OLHAR PSICANALÍTICO E


TRADUTÓRIO DO CONTO

Tarcísio José Ferreira

Resumo: Os contos por muito tempo têm sido difundidos nas sociedades, o conto
chapeuzinho vermelho vem sendo contado a gerações em diferentes línguas, porém, as suas
traduções vêm sofrendo modificações das mais diversas possíveis. Por meio de uma análise
bibliográfica este artigo vem mostrar as diferentes influências do conto chapeuzinho
vermelho, tanto numa análise tradutória quanto psicanalítica do conto. Assim, pode-se chegar
à conclusão que as modificações nas traduções de qualquer conto, também podem influenciar
nas interpretações destes e assim confundir o leitor em suas análises, do mesmo modo que
uma criança ao escutar o conto poderá fazer uma interpretação errônea do mesmo ou
internalizar fatos relevantes que poderão influenciar na vida adulta da criança.

Palavras-chaves: Contos; Chapeuzinho vermelho; Psicanálise, Tradução

Abstract: The tales have long been widespread in societies, the Red Riding Hood tale has
been told for generations in different languages, but their translations have been modified
from various possible. Through a literature review this article is to show the different
influences of the Red Riding Hood tale, both as a translational psychoanalytic analysis of the
tale. Thus, one can conclude that the changes in translations of any tale may also influence
the interpretations of these and so confuse the reader in their analysis, even as a child
listening to the story may make an erroneous interpretation of the same or internalize
relevant facts that may influence the child into adulthood.

Keywords: Tales; Red riding hood; Psychoanalysis; Translation

Introdução

Durante muito tempo os contos foram utilizados como forma de engrandecer os negócios,
bendizer os feitos de um indivíduo, mostrar a relevância de um determinado objeto, além de
explicar o inexplicável, a origem das coisas, inclusive a vida. Contudo, ao passar dos anos os
contos foram tomando formas e proporções diferentes de sua gênese.

Os contos, hoje, têm suas proporções maiores no certe do imaginário infantil, onde habitam
seres místicos, encantados e há uma batalha ferrenha entre o bem e o mal, onde quase sempre
essa batalha é vencida pelo bem. Porém, nem sempre fora assim, os primeiros contos infantis
tinham um viés voltado para a obediência, à caridade e a com cunho de lição de moral.

Por anos, os contos foram passados de geração a geração, até de fato se tornarem uma forma
de mercadoria e assim serem difundidos em larga escala nas diferentes sociedades, tornando
uma fonte de consumo e construindo um sonho quase que impossível no imaginário das
crianças. As diferentes formas de tradução puderam e podem influenciar e transformar os

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contos em bons ou maus, como no caso do conta da chapeuzinho vermelho, inicialmente


como um conto de caráter moral (Perrault) para um conto comercial (Irmãos Grimm).

Vale ressaltar que as traduções errôneas dos contos podem influenciar diretamente nas
questões psicanalíticas o que de alguma forma impactam nas crianças e consequentemente na
sua vida adulta.

O gênero conto

Os contos podem ter diferentes significados e diferentes variações, para cada variação pode
haver diferenças estruturais e estas podem acarretar significados diferenciados. Para o
dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004, p. 819) define conto como: “narrativa breve e
concisa, contendo um só conflito, uma única ação (com espaço ger. limitado a um ambiente),
unidade de tempo, e número restrito de personagens”. O dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa (1999, p. 541) descreve o conto como: “narração falada ou escrita. Narrativa
pouco extensa, concisa, e que contém unidade dramática, concentrando-se a ação num único
ponto de interesse”. Observa-se que são muito parecidos os significados e que estes têm o
mesmo sentido, porém, o que os diferem uns dos outros são algumas peculiaridades que em
contextos diferenciados podem ter papel significativo e expressivo.

Gramaticalmente, o gênero conto não é muito diferenciado do dicionário mais apenas as suas
ramificações podem diferenciá-las aplicadas em diferentes contextos. Para Miguel (1986)
conto é uma breve narrativa, com poucos personagens e espaço e tempo limitado.

Já a Enciclopédia Barsa (1997, vol. 4 p. 388) define conto como: “uma breve narrativa
ficcional, geralmente em prosa. Em relação ao gênero literário mais próximo, a novela e o
romance, podem ser abordados do ponto de vista quantitativo ou estrutural”. Vendo essa
definição por parte da Barsa, é perceptível que as definições quando diferem, estas diferem
pouco, e pouco tem a acrescer.

O tipo de narrador presente no conto, também é distinto dos outros tipos de narrativas, estes
podem diferenciar-se dependendo do tipo de conto, na história de chapeuzinho vermelho
encontra-se o narrador onisciente neutro assim afirma D’Onofrio (2002), ele diz que parece
que a história está sendo contada por si só. Também se pode encontrar um julgamento de
valor quando o narrador diz “lobo malvado”, esta é uma característica do narrador onisciente
neutro.

D’Onofrio (2002) acrescenta dizendo que o narrador é um ser ficcional autônomo


independente do autor que o criou. Pois, em uma obra literária pode-se confundir o narrador
com o criador do conto. Como disse Samuel (1999, p. 26) “Literatura é a arte da palavra”.

Samuel (1999, p. 84) descreve o conto como:

Um tipo de narrativa voltada para objetivos bem determinados, a sua forma


acompanhará o conjunto dos elementos específico a esse tipo de narrativa. A
chave para o entendimento do conto como gênero está na concentração de
sua trama. O conto geralmente trata de uma determinada situação e não de
várias, e acompanha o seu desenrolar sem pausas, nem digressões, pois seu
objetivo é levar o leitor ao desfecho, que coincide com o clímax da história,
com o máximo de tensão e o mínimo de discrições.

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Essa descrição sucinta de Samuel mostra todo o andar de uma narrativa do gênero conto e
pelo qual motivo está é curta e possui um espaço e tempo determinado e poucos personagens.

O nascimento do conto vem desde as civilizações antigas, quando este tentava explicar fatos
ou fenômenos naturais, além de, algo que estava ocorrendo ou um fato ocorrido. Também
eram utilizados para descrever façanhas e aventuras de pessoas da época.

A Enciclopédia Larousse Cultural (1998, p. 1593) retrata o surgimento do conto como: “na
origem, o conto era a narração oral sucinta de um fato verídico ou lendário, reproduzido com
fantasias”. Por outro lado Samuel (1999) diz que o conto estabeleceu sua gênese a partir de
narrativas religiosas sobre a vida de santos e personagens míticos; sendo mais tarde acrescidos
de elementos oriundos do folclore, surgindo então seres fantásticos e poderosos como dragões
e fadas que caiu no gosto popular. Uma vez criado e aceito o gênero se expandiu e criou as
suas próprias leis. Hoje qualquer assunto pode ser um conto, desde que obedeça as regras e a
objetividade da narrativa.

A Enciclopédia Larousse Cultural (1998, p. 1593) descreve a trajetória da história do conto de


fadas assim:

Os mais antigos contos que se tem noticia foram produzidos no Egito e


reunidos em 1889 por Maspéro, no volume Os contos populares antigos.
Das fontes mais férteis desse gênero, citam-se As mil e uma noites, de
autores árabes, e o Hitopodesa, hindu. O conto na linha da sátira e do
realismo (Decameron, de Boccaccio; Contos de Canterbury, de Chaucer) se
iniciou na Idade Média e prolongou-se pela Renascença (O heptameron),
prosseguindo posteriormente com La Fontaine (Contos). Fantástico na época
do Renascimento francês (Nodier) e alemão (Irmãos Grimm, E.T.A.
Hoffmann), retornou ao realismo em meados do séc. XIX (Daudet, Guy de
Maupassant, Dickens, Mark Twain). Entre os melhores artífices do conto no
mundo ocidental, salientam-se Edgar Allan Poe, Alexandre Puchkin, Anton
Tchecov, Katherine Mansfield, Machado de Assis, Julio Cortázar e Jorge
Luis Borges.

Essa trajetória passa pelos mais importantes autores de contos dos séculos. A Enciclopédia
Barsa (1997) acrescenta que grande Boccaccio influenciou muitos narradores Ingleses e
dentre eles o percussor e o disseminador da Língua Inglesa Geoffrey Chaucer o autor de
Canterbury Tales (Contos de Canterbury). Chaucer criou o hábito de caracterizar os
personagens de diferentes meios sociais por meio das histórias contadas pelo próprio Chaucer.

Como sabe-se o conto pode exercer funções diferenciadas e também pode haver
diferenciações dependendo da época, local, escritor e etc. Samuel (1999 p. 86) diz que : “este
gênero narrativo é extremamente vigoroso e oferece múltiplas possibilidades de expansão”.
Soares (2002 p. 55) acrescenta: “não devemos confundir o conto literário com o popular,
folclórico ou fantástico, como os de Grimm ou Perrault, ainda caracterizados pela oralidade”.

O conto responsável pela transmissão universal da cultura de um povo, ainda na fase de


oralidade recebe o nome segundo D’Onofrio (p. 110) de “contos populares, conto de fada ou
contos da carochinha”. Já no dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (p. 541) pode-se
encontrar a definição de contos da carochinha como “conto popular para criança” e no
dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (p. 819) encontra-se como “conto popular

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caracterizado pelo elemento sobrenatural ou fantástico, em que intervêm seres fabulosos,


animais antropomórficos etc.; conto para criança que versa sobre tais assuntos; contos de
fadas”.

Por mais que recebam diferentes denominações os contos de fadas populares ou contos da
carochinha, tem o mesmo significado, relatar uma história ficcional/fantástico ou popular.

O conto popular tem em comum com as demais formas simples de narrativas as


características de antiguidade, oralidade, anonimato e persistência. O que distingue essa das
outras formas é a universalidade ou internacionalidade.

Para Coelho (2002 p. 160) os contos populares, maravilhosos ou folclóricos são “narrativas
que exploram nossa herança folclórica européia e nossas origens indígenas ou africanas.
Embora bem diferentes entre si, pelo estilo, atmosfera criada, linguagem, etc.”. Quanto à
estrutura, a narrativa popular apresenta peculiaridades inerentes às suas características de
anonimato e de oralidade além, de não conhecermos os nomes do autor, narrador,
personagens, etc., são reconhecidos apenas por uma competência interiorizada, pela função ou
por atributos (D’ONOFRIO, 2002).

Chapeuzinho Vermelho é um exemplo desse tipo de conto D’Onofrio (2002 p. 111)


acrescenta:

A história de Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, é contada para as


crianças da Itália, da Alemanha, da Rússia, da China, do Brasil. Embora
existam variantes regionais devido à diferença do ambiente mesológico
(flora e fauna), da linguagem e de usos e costumes, o conteúdo temático
permanece o mesmo.

Está claro que o conto chapeuzinho vermelho apresenta uma caracterização, enredo, os
personagens são conhecidos não tão somente pelos seus nomes mais também pelas qualidades
atribuídas a cada um além de conhecer quem é o narrador e o autor e também é perceptível
que ambos são diferentes e exercem papéis diferenciados na história.

D’Onofrio (2002, p.110) classifica os contos populares ou maravilhosos em temáticas


diferentes:

1- Contos de encantamento – história de fadas, da carochinha e de magia, onde


predomina o elemento sobrenatural;

2- Contos de exemplos, com intenções moralísticas;

3- Casos edificantes;

4- Contos de animais – as fábulas;

5- Contos religiosos, com a intervenção divina;

6- Contos etiológicos – sobre a origem do objetos ou de costumes;

7- Contos de adivinhações;

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8- Contos acumulativos – casos de intertextualidade, de contos de nunca acabar


de travalíngua;

9- Facécias – anedotas e patranhas;

10- Natureza denunciante – um ato criminoso é revelado por um elemento natural;

11- Demônio logrado – a vitória sobre o princípio do mal;

12- Ciclo da morte.

Essa lista mostra as diferentes vertentes textuais do gênero contos de fadas descritas por
D’Onofrio, além de, colocá-las em temáticas diferenciadas deve-se atentar a não se prender a
uma mesma temática e aplicá-la a todos os contos, não se deve generalizar.

Segundo Samuel (1999 p. 27) “contos, novelas, romances e demais composições, ao se


estruturarem, atenuam seus conteúdos, como desenvolvimento dos respectivos assuntos, pela
ação estetizante que se consuma nas palavras e nas frases”. Ou seja, pequenos detalhes são o
que farão a diferença quanto a classificação dos contos.

Os contos eruditos ou literários podem distinguir-se dos contos populares a começar pelo
autor que, normalmente, é conhecido e a história remete-se a um episódio da vida real,
contudo, não quer dizer que seja real mais verossímil possível. O fato narrado não aconteceu
realmente, mas poderia acontecer. Essas histórias são conhecidas como short stories na
Língua Inglesa. (D’ONOFRIO 2002).

As shorts stories possuem ingredientes do romance, o foco narrativo geralmente é único,


possui um narrador onisciente ao qual recebe esse foco narrativo ou o personagem recebe o
foco. Possui poucos personagens e constituem normalmente um triângulo amoroso. O tempo é
muito limitado e as reflexões e descrições são poucas ou não existe.

“Os contos eruditos tem uma larga tradição cultural” (D’ONOFRIO 2002 p. 121), ou seja, é
passado de geração a geração contando algo que aconteceu ou explicando algum fenômeno
natural, normalmente, estes são encontrados nas Escrituras Sagradas, também em Decameron
e em Canterbury Tales do Inglês Chaucer.

D’Onofrio (2002 p. 122) descreve a trajetória dos contos eruditos modernos como:

Mas é a partir da época romântica que o conto erudito, desvinculando-se do


romance e da novela, adquire o estatuto de gênero literário à parte. O criador
da short story pode ser considerado o norte-americano Edgar Allan Poe, cuja
lucidez mental o levava a preferir a história curta, forma mais apta a
expressar a intensidade dramática. Ele foi o inventor do conto policial , cujo
protoforma é a antológica narrativa Os crimes da rua Morgue. (...) Na
modernidade, o conto é a forma narrativa mais cultivada, por que melhor
responde à exigência da rapidez, própria da era da máquina: poucos leitores,
hoje em dia, solicitados pelos atuais meios de comunicação cultural (rádio,
televisão, videocassete, cinema, teatro), têm a paciência de ler um longo
romance.

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Apesar de hoje, graças a revolução digital termos uma variedade imensa em literatura e
difusão da cultura, muitas pessoas preferem ter acesso a literaturas rápidas que um longo
romance, pois, estes responde a exigência da rapidez, contudo, hoje, tem-se muito mais
paciência para ler um romance que anos atrás.

Samuel (1999 p. 86) complementa dizendo “(...) atualmente, pode considerar o conto como a
mais promissora forma, pelo fato de ser leitura mais rápida, e de concentrar em suas poucas
páginas toda a riqueza própria da arte literária narrativa”.

Segundo a linha de pensamento de Coelho (2002) os contos se dividem em maravilhosos e de


fadas, estes receberam estes nomes desde o surgimento e desenvolvimento às origens do
conto.

As divisões dos contos dependem basicamente da linha de raciocínio do autor do conto, neste
caso, o que os diferenciará além da linha de raciocínio serão aspectos simples que poderão ser
encontrados no decorrer do conto, na trama ou no desfecho do mesmo.

Coelho (2002, p. 173) define os aspectos dos contos maravilhosos como “o núcleo das
aventuras é sempre de natureza material/social/sensorial (a busca de riquezas; a satisfação do
corpo; a conquista de poder, etc.)”. E cita exemplos como Aladim e a Lâmpada Maravilhosa;
Os Músicos de Brêmen; O Gato de Botas, etc.

Esses contos não retratam a magia, ou a briga do bem contra o mal, mais tem como foco
principal mostrar a busca quase que incessante por algo que trás alegria e conforto para o
personagem. Contudo, isso não quer dizer que haja a presença da magia nos contos
maravilhosos, ela só não receberá ênfase nesse caso.

“No início dos tempos, o maravilhoso foi a fonte misteriosa e privilegiada de onde nasceu a
literatura” (COELHO 2002 p. 172). A origem dos contos maravilhosos tem raízes nas
narrativas orientais e difundidas pelos árabes. Os contos maravilhosos foram o berço da
literatura mundial, esse precursor literário deu margens para que desenvolvesse toda a cultura
de um povo dentro dos contos que eram passados de uma geração para outra dentro das suas
próprias comunidades.

Já os contos de fadas são descrito por Coelho (2002 p. 173) como “(...) de natureza
espiritual/ética/existencial. Originou-se entre os celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras
estavam ligadas ao sobrenatural, ao mistério do além-vida e visavam a realização interior do
ser humano”. Daí vem a presença da fada, que seu nome origina-se do latim fatum, que
significa destino.

Esses contos tendem a deixar uma mensagem ao final para que seja refletida pelo leitor,
normalmente, há uma briga ferrenha entre as entidades do bem e do mal, onde o que irá
definir qual sairá vitorioso é a atitude final do personagem, fazendo com que o personagem
aprenda uma lição ao final do conto.

Coelho (2002, p.175) relata o início do conto de fadas como “segundo o registro mítico-
literário, os primeiros contos de fadas teriam surgido entre os celtas, povos bárbaros que,
submetidos pelos romanos (séc. II a.C./séc. I da era cristã), se fixaram principalmente nas
Gálias, Ilhas Britânicas e Irlanda”.

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Daí pode-se perceber que a presença dos duendes, gnomos, bruxas, fadas dentre outros seres
sobrenaturais são uma constante na literatura desses povos e que não seria estranho que
festejos folclóricos relacionados a estes que descenderam dos celtas.

Coelho (2002) ainda em sua obra divide os contos em seis categorias, que são:

 Contos exemplares: estes são conhecidos como contos populares, folk


tales, storie dentre outros. São contos de moralidades que eram contados ao
pé da fogueira nos longos serões do inverno europeu.

 Contos jocosos: estes se originaram das narrativas alegres e por vez


obscenas que circularam na França medieval. Narrativas breves e centradas
no cotidiano. Muito parecida com os contos exemplares, o que os diferem
são a comicidade, a vulgaridade das situações, gestos ou palavras.
Aproxima-se das anedotas.

 Facécias: também conhecidas como jokes and anedoctes, contos


cômicos, etc. São narrativas que, para além do humorismo, existem as
situações imprevistas, materiais e morais. A constante psicológica será a
imprevisibilidade, o imprevisto do desfecho, da palavra ou da atitude do
personagem, pode ter uma finalidade moral. Mas um sentido de aprovação,
critica, repulsa ou apenas fixação de caracteres morais.

 Contos religiosos: narram castigos ou prêmios pelas mãos de Deus ou


dos Santos. Podem ser confundido com as lendas, o que as diferem é que as
lendas têm localização geográfica, enquanto estes contos não fixam tempo
nem localização. Pertence a uma espécie de apologética de espírito popular,
com processo especial para a dosagem dos pecados e tabelamento dos
méritos.

 Contos etiológicos: estes são contos que foram sugeridos ou inventados


para explicar e dar razão de ser de um aspecto, propriedade, caráter de
qualquer ente natural.

 Contos acumulativos: também encontrados como cumulative tales,


unfinished tales, histórias-sem-fim, trava-línguas, etc. São histórias
encadeadas, muito populares e divertidas. Pode também apresentar um
desafio a articulação da fala, exigindo uma declamação rápida que é muito
difícil, devido às semelhanças e as diferenças dos fonemas. Exemplo: “A
aranha arranha a jarra e a jarra arranha a aranha”.

A partir destas divisões é que a literatura ganha sua forma ao longo de tanto séculos, e vem
enriquecendo-se tanto em aspectos literários quanto em conteúdo. Pois, a única função da
literatura não é somente entreter, mais também ensinar, informar, aperfeiçoar conhecimentos
e etc.

Costa (2005 p. 12) cita que “o próprio comércio primitivo entre as pessoas ou povos se
realizava, sem presa ao redor de uma fogueira, nos intervalos das histórias contadas: era quase
um acessório do comércio / intercâmbio”. Muitas dessas histórias serviam de estímulo para as

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negociações e para contar vantagens uns sobre os outros, para que com isso, mostrar que a
mercadoria do país que continha histórias mais marcantes, seria as melhores mercadorias
sobre as outras.

Samuel (1999 p. 86) complementa dizendo que “este gênero narrativo é extremamente
vigoroso e oferece múltiplas possibilidades de expansão”. Os conhecimentos adquiridos,
muitas vezes, nas histórias que eram contadas poderiam ajudar em muitos aspectos, inclusive
nas negociações antigas. Trazendo para os dias atuais, estas mesmas histórias que eram
contadas nas rodas ao redor das fogueiras, trazem uma visão muito ampla do que é o mundo,
não fisicamente mais psicologicamente, abrindo a mente dos ouvintes/leitores, para um
mundo imaginário da e exclusivos das próprias pessoas.

Costa (2005 p. 12) diz que os contos “não são antigos nem modernos: são eternos”. Enquanto
houver civilizações inteiras ou um único eremita, existirão os contos, pois, estes são capazes
de levar desde uma simples moral até a história de toda uma civilização.

Uma análise psicanalítica e tradutória do conto “chapeuzinho vermelho”

Por muitos e muitos anos os contos de fadas foram sendo passado de geração a geração com
significados distintos, de formas distintas e com finalidades diferenciadas. Estes contos
poderiam ser contados de formas distintas porém com a mesma finalidade, por exemplo o
conto de “Chapeuzinho Vermelho” que era contado na Itália poderia ser contado ao mesmo
tempo porém, de forma e com finalidade distinta na Índia.

Através dos séculos (quando não dos milênios) durante os quais os contos de
fadas, sendo recontados, foram – se tornando cada vez mais refinados, e
passaram a transmitir ao mesmo tempo significados manifestos e encobertos
– passaram a falar simultaneamente a todos os níveis de personalidade
humana, comunicando de uma maneira que atinge a mente ingênua da
criança tanto quanto a do adulto sofisticado. Aplicando o modelo
psicanalítico da personalidade humana. Os contos de fadas transmitem
importantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente, e à
inconsciente, em qualquer nível que esteja funcionando no momento.
(BETTELHEIM, 2002, p. 14).

Essa transferência de informação para o cérebro humano pode chegar de chegar de forma bem
diferentes, levando o indivíduo a obter conclusões diferentes.

A criança a partir da literatura poderá desenvolver muita das habilidades nela existente,
porém, para que isso possa acontecer é necessário que esta literatura chame a atenção da
criança. “A literatura enquanto obra começa a chamar a atenção por diversos aspectos: é
composta de ilustração e texto. Os formatos dos livros variam muito, ao contrário da chamada
literatura adulta. E outra faceta da maior importância: a diagramação”. (SAMUEL 1999, p.
48)

Ao chamar a atenção o leitor se prende ao enredo da narrativa levando a um mundo que seja
somente do leito, isso o faz muitas vezes refletir sobre o mundo que o leitor vive e assim ele
constrói o seu mundo real baseado no mundo imaginário criado pelo leitor.

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Para Bettelheim (2002) o conto de fadas, em contraste, confronta a criança honestamente com
os predicamentos humanos básicos existentes. A criança pode levar a seu inconsciente fatos
que ocorrem na vida real e confrontá-los com fatos ocorridos nos contos, e muita das vezes
cabe a criança julgar os dois fatos em certo ou errado.

(...) os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas


dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir
verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos
contos de fadas sugerem imagens à criança com as quais ela pode estruturar
seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida. (BETTELHEIM
2002, p. 16).

Muitos pais acreditam que somente mostrando o lado bom dos fatos para a criança e nutrindo-
a de coisas agradáveis e otimistas as crianças terão um desenvolvimento muito melhor e
transformará em uma boa pessoa quando adulta, porém, uma criança que tem essa visão ela
apenas tem uma visão unilateral do mundo, e o mundo não é unilateral, a vida real nem
sempre é agradável.

“O conto de fadas é orientado para o futuro e guia das crianças” (BETTELHEIM 2002, p. 19).
Essa afirmativa tornar-se-á válida a partir do momento em que a criança começar a abandonar
tanto conscientemente quanto inconscientemente os desejos da dependência infantil e adquirir
a existência mais satisfatória independente.

Enquanto a criança se diverte com os contos de fadas, ao mesmo tempo ela esclarece sobre si
mesma e desenvolve a sua personalidade. Este também traz encorajamento para as crianças
mais velhas. O conto de fadas não poderia ter esse impacto na criança se não fosse antes de
tudo uma obra de arte.

Essa obra de arte como disse Samuel (1999 p. 52) “trata-se de dispor o máximo de um
imaginário no mínimo de discurso”. Por essa razão os contos de fada fazem com que as
crianças possam entender melhor o que está implícito no conto que os adultos, pois, estes
dirigem-se para o interior e não para o exterior da pessoa e muitas vezes são interpretados
erroneamente ou deixam passar funções muito importante da própria natureza humana nos
contos de fada.

Bettelheim (2002 p. 24) acrescenta que “isto é mesmo uma razão a mais para deixar o conto
de fadas falar a seu inconsciente, dar corpo às suas ansiedades inconscientes e aliviá-las, sem
que isto nunca chegue ao conhecimento consciente”. Essa importância dar-se a partir da
necessidade da criança de incorporar-se as verdades do mundo, e de demonstrar esse interesse
em entender o que é certo e/ou errado, a que ponto é certo e/ou errado, quando é certo e/ou
errado, para quem é certo e/ou errado, esses contos começarão a ajudar a criança a formar as
suas primeiras ideias.

Quando contada a história, seria mais interessante que essas histórias fossem sempre
orientadas pelas próprias crianças. Essa orientação é a visão da criança sobre o conto em
associação ao mundo.

A preocupação do conto de fadas não é uma informação útil nobre o mundo exterior, o que
ocorre ao nosso redor, mas sobre os processos interiores que ocorrem num indivíduo.

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Os contos de fadas diferem de qualquer outra forma de literatura, dirigem a criança para a
descoberta de sua identidade e comunicação, e também sugerem as experiências que são
necessárias para desenvolver melhor o seu caráter (BETTELHEIM, 2002).

Os temas dos contos de fadas não é algo que as pessoas se sentem melhor tentando entende-
los racionalmente e de forma a poder livrar-se deles, e nem tão pouco são fenômenos
neuróticos que fazem com que as pessoas se prendam a esse mundo ou se perca no mesmo.
Ainda o autor (2002) os contos de fadas enriquecem a vida da criança e dão-lhe uma
dimensão encantada pelo fato de que ela não sabe absolutamente como as histórias puseram a
funcionar seu encantamento sobre ela. Os contos como todas as obras de arte, puseram uma
riqueza e profundidade variadas que transcendem de longe o que mesmo o mais cuidadoso
exame discursivo pode extrair deles.

Cada conto de fadas transmite ao indivíduo que ler uma mensagem diferenciada, porém, todos
eles transmitem uma única mensagem de forma múltipla:

Que uma luta contra as dificuldades graves na vida é inevitável é parte


intrínseca da existência humana – mas que se a pessoa não se intimida mais
se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes
injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa
(BETTELHEIM, 2002, p. 14).

Essa mensagem é única e quando chega ao indivíduo pode levar algum tempo para que o
mesmo possa processá-la de forma a melhor entender. Por outro lado, as crianças já têm uma
facilidade muito maior, por que associa a história a sua própria realidade fazendo o seu
próprio julgamento de valor e sua própria tomada de decisão.

Bettelheim (2002, p. 28) completa o pensamento dizendo:

O verdadeiro significado e impacto de um conto de fadas pode ser apreciado,


seu encantamento pode ser experimentado, apenas como a estória (SIC) na
sua forma original. Descrever os traços significativos de um conto de fadas
transmite tão pouco sentimento pelo que está ocorrendo quanto uma lista dos
incidentes de um poema faria para a sua apreciação.

O conto deve, como qualquer outra obra literária, quando traduzida, ser o mais fiel possível
do original, mesmo assim, ainda se perde muito dos aspectos da obra original. Pode-se até
transmitir a idéia do auto, porém, pode-se perder aspectos estético literário, quando não
permanece os aspectos estéticos literários e perde-se a idéia do autor.

Muito raro encontrar obras com tradução fiel ao original, mesmo estas possuem alguma perca
na tradução, pois, quando se traduz indiretamente acaba se colocando a idéia do tradutor em
algum ponto da tradução, e nem sempre a tradução por mais fiel a qual possa ser haverá
sempre partes que não expressará a visão do autor. Bettelheim (2002 p. 32) diz:

A maioria das crianças agora conhece os contos de fadas só em versões


amesquinhadas e simplificadas, que amortecem os significados e roubam-nas
de todo o significado mais profundo – versões como as dos filmes e
espetáculos de TV, onde os contos de fadas são transformados em diversão
vazia.

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Essas versões não acrescem em quase nada a criança ou o adolescente que as lêem, pois,
muitas já não têm aquele sentido em que eram passadas de geração a geração, levando a
pessoa que as escutavam ou liam para um mundo de fantasia que ao final tinha uma lição de
moral ou transportava os ouvintes para outra realidade totalmente diferente da qual o leitor
vivia tendo-o de fazer um julgamento de valor sobre o personagem da história e levando-o
esse julgamento arraigado a si dando-o experiências e sabedoria ao longo do percurso de vida
do indivíduo.

O exemplo mais claro é o de “Chapeuzinho Vermelho”, que ao longo de muitos anos vem
sendo contada de diferentes formas em diversos lugares no planeta. Essa história inicialmente
não tinha um final feliz, mais, com tantas transformações e apresentação de várias versões
acabou perdendo o sentido e passando apenas a ser uma história medíocre. Bettelheim (1997
p.7) acrescenta que: “(...) “Chapeuzinho Vermelho”, como a maioria dos contos de fadas,
possui muitas versões diferentes”.

Nesse mesmo contexto, porém, histórico, o conto de fadas de Chapeuzinho Vermelho ao


longo de sua trajetória, vem sofrendo modificação e ganhando novas versões para ser aceito
pela população e deixando muitas vezes de um conto de caráter de moral para um conto com
caráter econômico. Tendo apenas como finalidade apenas a aceitação para vendas e seu teor
informativo passa a ser como diversão e entretenimento.

Mas a história literária deste conto começa com Perrault. O conto, em inglês,
é mais conhecido pelo título de “Capinha Vermelha”, embora o título dado
pelos Irmãos Grimm, de “Chapeuzinho Vermelho” (...). Contudo, Andrew
Lang um dos estudiosos (...) dos contos de fadas, observa que, se todas as
variações de “Chapeuzinho Vermelho” terminassem como Perrault a
concluiu, seria melhor que as abandonássemos. Esse teria sido seu destino
provavelmente, se a versão dos Irmãos Grimm não o transformasse no conto
de fadas mais divulgado. (BETTELHEIM, 1997, p.7).

Perrault, todavia não queria desejava entreter o público, mas, dar uma lição de moral
específica com cada um dos contos que escrevera. Por essa razão é plausível que ele
modificasse as histórias, contudo, algumas perderiam o sentido dos contos de fadas.

A história “Capinha Vermelha”, de Perrault, perde muito o seu atrativo, pois, fica óbvio que o
lobo não é um animal ávido e sim uma metáfora. Essas simplificações juntamente com uma
moral afirmada diretamente transformam esse conto de fadas num conto admonitório que
especifica tudo. Dessa maneira, a imaginação do ouvinte não atenta a dar um significado
pessoal à história, além disso, Perrault explicita tudo ao máximo.

O conto de fadas perde o seu valor quando são especificados os seus detalhes, Perrault faz
pior, ele reelabora-os. Sem contar que todos os contos de fadas possuem significados em
muitos níveis.

Contrastando com João e Maria, outra história infantil, em Chapeuzinho Vermelho está
presente como o tema central, a ameaça de ser devorada e em João e Maria essa tema é o
canibalismo (BETTELHEIM, 1997).

Bettelheim (2002 p. 21) aborda a história de Chapeuzinho Vermelho dizendo:

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Os folcloristas abordam os contos de fada de modo apropriado à disciplina


deles; os lingüistas e críticos literários examinam seus significados por
outras razões. É interessante observar que, por exemplo, alguns vêm no
motivo de Chapeuzinho Vermelho sendo engolida pelo lobo o tema de noite
devorando o dia, da lua eclipsando o sol, do inverso substituindo as estações
quentes, do deus engolindo a vítima sacrificial, e assim por diante. Por mais
interessantes que sejam tais interpretações, elas parecem pouco oferecer ao
pai ou educador que deseja saber que significado uma estória de fadas pode
ter para a criança, cuja experiência, afinal, está bem longe das interpretações
do mundo na base de preocupações com a natureza ou as deidades celestiais.

Coelho (2002 p. 71) faz seu julgamento sobre o conto dessa forma:

O conto O Chapeuzinho Vermelho registra um “momento significativo” na


vida da menina: ir à casa da avó; desobedecer à proibição da mãe, ao seguir
pelo caminho em que poderia encontrar o Lobo; encontrá-lo e acabar
facilitando a ele o ataque à avó e a ela própria.

Estas descrições são do conto no qual Perrault escreveu muito antes dos irmãos Grimm, essa
versão era a que eram contadas as meninas da época no qual a Chapeuzinho Vermelho
correspondia a jovem moça na idade da puberdade e o Lobo os rapazes mais velhos com
interesse em aproximar-se das jovens.

No conto dos Irmãos Grimm, entende-se que a voracidade excessiva do lobo dar-se ao atraso
de Chapeuzinho Vermelho, enquanto a história de Perrault a ênfase recai sobre a sedução
sexual (BETTELHEIM 1997).

Os contos de fadas têm como função proteger a criança de uma ansiedade desnecessária. Se
há uma tem central nos contos de fadas esse tema é o renascimento para um plano mais alto
de existência, uma segunda chance para que possa tornar-se uma pessoa mais madura e se
deixar enganar facilmente.

Os adultos tendem a levar os contos de fadas ao “pé da letra”, ou seja, entende-los


literalmente o que os dizem, onde estes deveriam ser tratados como fotos simbólicos e
experiências cruciais. Quando retratado de maneira literária para a criança, fazemos com que
as mesmas sintam medo do conto ou de algum personagem do conto, porém, quando passado
como forma de simbolismo fazendo com que a criança pense e reflita sobre as ações dos
personagens, esses contos tornam-se muito mais interessantes para a criança. Um dos grandes
méritos ao ouvir um conto de fadas, é acreditar que as transformações, dos personagens,
possam ser possíveis.

Bettelheim (1997 p.30) diz que: “não só em Chapeuzinho, mas em toda a literatura de contos
de fadas, a morte do herói – à diferença da morte de uma pessoa idosa depois de ter vivido –
simboliza o fracasso”. Esse fracasso descrito por Bettelheim refere-se a história de Perrault
que tem como foco dar lição de moral às pessoas e não tornar o conto uma coisa mais atrativa.
Contudo, na história dos Irmãos Grimm também há um lado sombrio: “com sua violência,
incluindo a que salva as duas mulheres e destrói o lobo quando o caçador abri a barriga do
animal e coloca pedras dentro o conto de fadas não mostra o mundo cor-de-rosa”
(BETTELHEIM 1997, p. 33).

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Bettelheim (1997 p. 56) além de descrever aspectos psicológicos dos contos ele também faz
uma análise do personagem masculino – o caçador – presente nos contos de fadas – inclusive
Chapeuzinho Vermelho.

Por que as figuras masculinas são projetadas com tanta freqüência no papel
de caçadores nos contos de fadas? Embora a caça tenha sido uma ocupação
tipicamente masculina quando as histórias de fadas começaram a existir, essa
é uma explicação muito fácil para o fato. Nessa época, os príncipes e
princesas eram tão raros quanto hoje, mais aparece com fartura nos contos.
Mas quando e onde essas narrativas se originaram, a caça era um privilégio
aristocrático, o que fornece uma boa razão para se ver o caçador como uma
figura importante, à semelhança do pai.

Essa figura masculina pode ser interpretada como o salvador ou o amor que o personagem
tanto espera.

Todas essas descrições como pode se perceber, elas são bem diferenciadas umas das outras, as
que se referem aos contos de Grimm, são distintas as que se referem aos contos de Perrault.
Como se sabe, a tradução é o que diferencia esses dois contos, inclusive a sua moral ao final
dos respectivos.

A tradução do conto de Chapeuzinho Vermelho feita pelos Irmãos Grimm perdeu aspectos
importantes que compunha a história contada séculos atrás, até mesmo a história de Perrault
perdera esses aspecto, porém, esta última tinha aspectos que mais aproximara das versões
mais antigas. Nas próprias palavras dos Irmãos Grimm (1989 p.5) eles dizem:

Os contos infantis, com suas luzes puras e suaves, fazem nascer e crescer os
primeiros pensamentos, os primeiros impulsos do coração. São também
contos do lar, porque neles a gente pode apreciar a poesia simples e
enriquecer-se com sua verdade. E também por que eles duram no lar como
herança que se transmite.

Os Irmãos Grimm nesse fragmento, já mostravam que seus contos tinham fundamentação
típica de contos que não transmitiriam medo ou moral para quem os lessem, e sim seriam
contos de caráter lírico, mostraria apenas a beleza e o lado bom das coisas, onde o bem
sempre sobrepujava o mal, onde essa versão nem sempre foi assim e na vida real essas
verdades nem sempre existe.

O conto de fadas possui internamente a convicção de sua mensagem, essa mensagem pode ser
perdida ou transformada no ato de traduzir. Muitas histórias quando traduzida carrega consigo
aspectos e formas da própria cultura local ou dos antepassados que são inseridas nesse novo
contexto para serem aceitas nas comunidades a qual estão sendo inseridas.

Estas histórias permitem esboçar conclusões no tempo propício, para conseguir uma melhor
compreensão. Quando essas histórias já vêm defasadas sem características próprias e
arraigada de fragmentos culturais diversos, fica muito difícil saber qual conclusão tirar e o que
haverá de proveitoso, no sentido moral, nessa história.

Há várias contrapartidas modernas de Chapeuzinho Vermelho, a profundidade dos contos de


fadas aparece quando são comparadas à literatura infantil moderna. Daí são percebidas que

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estas existem para cada etapa da vida de uma pessoa, enquanto aquela de séculos atrás poderia
ser contada em qualquer fase da vida.

Hoje, o que se tem são fragmentos de uma literatura de contos infantis, e não mais o conto
original, com sua essência. A quantidade de versões existentes acabou por sufocar o conto
original, aquele contado ao pé da fogueira. Assim, faz-se necessário a importância do tradutor
para que estes contos, para que eles não morram em suas versões fragmentadas ou suplantadas
pela cultura capitalista ao qual vê estes contos apenas como fonte de renda e não de
informação e cultura, deste modo os tradutores podem de uma forma simplória contar esta
mesma história em diversas culturas e línguas sem deixá-las morrem.

Conclusão

Ao pé de uma fogueira, foram contadas muitas histórias, de povos distantes, heróis


destemidos, de feiticeiros, fadas e bruxas até de pessoas que tomaram para si como lição a
partir de um fato. Essas histórias que foram contadas foi o suficiente para o aumento da
literatura mundial, pois, a partir desses contos nasceram outros contos, começaram a surgir às
primeiras novelas, os contos policiais, e não parou mais.

A tradução teve uma contribuição incalculável para a literatura. Não só a literatura receberá
toda essa contribuição, mais a filosofia, as artes e até mesmo a medicina, com os estudos
psicológicos e psiquiátricos e muitas outras áreas. Também há limitações quanto a respeito da
tradução. Existe a tradução fiel, existe a tradução ao pé da letra, existe a tradução aproximada
e muitas outras traduções, todas essas possuem características específicas próprias.

Vale destacar, que o conto chapeuzinho vermelho fora criado e recriado recebendo uma
imensidão de roupagens diversificadas, contudo a imagem da menininha indefesa foi
consolidada abafando de fato uma criança transgressora e desobediente, onde essas duas
combinações levou a morte do lobo.

Porém, no conto original, esse feito não aconteceu, onde a transgressão e a desobediência da
menina lhe rendeu uma dívida muito alta a ser paga. Então, vale ressaltar que, o que está
sendo contado e a maneira como contado o conto requer uma atenção do contador, e as suas
devidas explicações para que não torne este, um mero conto e sim uma forma de
aprendizagem fazendo com que o ouvinte – seja adulto ou criança – possa aprender com o que
está sendo contado e faço o refletir sobre o assunto, escolhas, métodos e os internalize.

Assim, chega-se a conclusão de que, se não houver uma reinvenção e uma explicação mais
contundente dos contos a serem contados, estes perderão, inicialmente, a sua finalidade,
ensinar, e passará a ser algo meramente mercadológica, fazendo com que as crianças possam
construir e internalizar fatos que poderão levar por toda a vida.

Referências

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