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Coerência e Coesão

Brasília-DF.
Elaboração

Marcelo Whately Paiva

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
COERÊNCIA........................................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À COERÊNCIA.................................................................................................. 16

CAPÍTULO 2
TIPOS DE COERÊNCIA............................................................................................................. 22

CAPÍTULO 3
TEXTO E COERÊNCIA............................................................................................................... 28

UNIDADE II
COESÃO.............................................................................................................................................. 33

CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À COESÃO....................................................................................................... 33

CAPÍTULO 2
MECANISMOS DE COESÃO..................................................................................................... 37

CAPÍTULO 3
COERÊNCIA E COESÃO – SEU PAPEL NA COMPREENSÃO E NA PRODUÇÃO DE TEXTOS........... 56

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 61
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

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Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Bem-vindo ao curso Coerência e Coesão. Sem dúvida, disciplina de muita importância
para quem atua com interpretação, produção, revisão e ensino de nosso idioma.

Percebi a relevância do tema após minha primeira pós-graduação. Tudo se tornou bem
mais simples em diversos aspectos relacionados a texto. Por isso, espero que você possa
se sentir estimulado a aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto e aperfeiçoar
sua percepção no desenvolvimento de sua atividade acadêmica e profissional.

Procurei organizar o material didático com conceitos bem fundamentados e muita


prática. Bom curso e boa participação nas aulas!

Marcelo Paiva

Objetivos
» Desenvolver no participante a capacidade de perceber e produzir
adequadamete textos com coerência.

» Ampliar o conhecimento dos mecanismos corretos de elementos coesivos.

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COERÊNCIA UNIDADE I

Os temas “coesão” e “coerência” estão longe de uma definição clara. Na


conversação, a coesão não pode ser definida em termos estritamente formais,
pois o texto se produz dialogicamente, concorrência de dois ou mais agentes.
A coerência não é uma unidade de sentido, e sim uma dada possibilidade
interpretativa resultante localmente. Dois interlocutores se entendem, não só
são coerentes no que dizem, mas principalmente, porque sabem do que se trata
em cada caso. E quando não sabem, manifestam seu desentendimento de modo
a integrá-lo como parte efetiva no próprio texto.

(MARCUSCHI)

Conceitos nucleares da linguística textual, que dizem respeito a dois fatores de


garantia e preservação da textualidade. Coerência é a ligação em conjunto dos
elementos formativos de um texto; a coesão é a associação consistente desses
elementos. Estas duas definições literais não contemplam todas as possibilidades
de significação destas duas operações essencias na construção de um texto e
nem sequer dão conta dos problemas que se levantam na contaminação entre
ambas. As definições apresentadas constituem apenas princípios básicos de
reconhecimento das duas operações (note-se que o fato de designarmos a
coerência e a coesão como operações pode ser inclusive refutável). A distinção
entre estas duas operações ou factores de textualidade está ainda em discussão
quer na teoria do texto quer na linguística textual.

Entre os autores que apenas se referem a um dos aspectos, sem qualquer


distinção, estão Halliday e Hasan, que, em Cohesion in English (1976), defendem
ser a coesão entre as frases o fator determinante de um texto enquanto tal; é a
coesão que permite chegar à textura (aquilo que permite distinguir um texto
de um não texto); a coesão obtém-se em grande parte a partir da gramática e
também a partir do léxico. Por outro lado, autores como Beaugrande e Dressler
apresentam um ponto de vista que partilhamos: coerência e coesão são níveis
distintos de análise. A coesão diz respeito ao modo como ligamos os elementos
textuais numa sequência; a coerência não é apenas uma marca textual, mas

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UNIDADE I │ COERÊNCIA

diz respeito aos conceitos e às relações semânticas que permitem a união dos
elementos textuais.

A falta de coerência em um texto é facilmente deduzida por um falante de


uma língua, quando não encontra sentido lógico entre as proposições de um
enunciado oral ou escrito. É a competência linguística, tomada em sentido
lato, que permite a esse falante reconhecer de imediato a coerência de um
discurso. A competência linguística combina-se com a competência textual para
possibilitar certas operações simples ou complexas da escrita literária ou não
literária: um resumo, uma paráfrase, uma dissertação a partir de um tema dado,
um comentário a um texto literário etc.

Coerência e coesão são fenômenos distintos porque podem ocorrer numa


sequência coesiva de fatos isolados que, combinados entre si, não têm condições
para formar um texto. A coesão não é uma condição necessária e suficiente para
constituir um texto. Por exemplo:

A Joana não estuda nesta Escola.

Ela não sabe qual é a Escola mais antiga da cidade.

Esta Escola tem um jardim.

A Escola não tem laboratório de línguas.

O termo lexical “Escola” é comum a todas as frases e o nome “Joana” está


pronominalizado, contudo, tal não é suficiente para formar um texto, uma vez
que não possuímos as relações de sentido que unificam a sequência, apesar da
coesão individual das frases encadeadas (mas divorciadas semanticamente).

Pode ocorrer um texto sem coesão interna, mas a sua textualidade não deixa de
se manifestar em nível da coerência. Seja o seguinte exemplo:

O Paulo estuda Inglês.

A Elisa vai todas as tardes trabalhar no Instituto.

A Sandra teve 16 valores no teste de Matemática.

Todos os meus filhos são estudiosos.

Este exemplo mostra-nos que não é necessário retomar elementos de


enunciados anteriores para conseguir coerência textual entre as frases. Além
disso, a coerência não está apenas na sucessão linear dos enunciados mas

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COERÊNCIA │ UNIDADE I

numa ordenação hierárquica. O último enunciado reduz os anteriores a um


denominador comum e recupera a unidade.

A coerência não é independente do contexto no qual o texto está inscrito, isto é,


não podemos ignorar fatores como o autor, o leitor, o espaço, a história, o tempo
etc. O exemplo seguinte:

O velho abutre alisa as suas penas.

É um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen que só pode ser compreendido


uma vez contextualizado (pertence ao conjunto “As Grades”, in Livro Sexto, 1962):
o “velho abutre” é uma metáfora sutil para designar o ditador fascista Salazar. Não
é o conhecimento da língua que nos permite saber isto, mas o conhecimento da
cultura portuguesa.

A coesão textual pode conseguir-se mediante quatro procedimentos gramaticais


elementares, sem querermos avançar aqui com um modelo universal mas
apenas definir operações fundamentais.

Substituição: quando uma palavra ou expressão substitui outras anteriores:

O Rui foi ao cinema. Ele não gostou do filme.

Reiteração: quando se repetem formas no texto:

“E um beijo?! E um beijo do seu filhinho?! ”— Quando dará beijos o meu menino?!

(Fialho de Almeida)

A reiteração pode ser lexical (“E um beijo”) ou semântica (“filhinho”/”menino”).

Conjunção: quando uma palavra, expressão ou oração se relaciona com outras


antecedentes por meio de conectores gramaticais:

O cão da Teresa desapareceu. A partir daí, não mais se sentiu segura.

A partir do momento em que o seu cão desapareceu, a Teresa não mais se sentiu
segura.

Concordância: quando se obtém uma sequência gramaticalmente lógica,


em que todos os elementos concordam entre si (tempos e modos verbais
correlacionados; regências verbais corretas, gênero gramatical corretamente
atribuído, coordenação e subordinação entre orações):

Cheguei, vi e venci.

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UNIDADE I │ COERÊNCIA

Primeiro vou lavar os dentes e depois vou para a cama.

Espero que o teste corra bem.

Esperava que o teste tivesse corrido bem.

Estava muito cansado, porque trabalhei até tarde.

Os vários modelos teóricos sobre coesão textual preveem uma rede mais
complexa de procedimentos, muitos deles coincidentes e redundantes: Halliday
e Hasan (1976) propõem cinco procedimentos: a referência, a substituição, a
elipse, a conjunção e o léxico; Marcushi (1983) propõe quatro fatores: repetidores,
substituidores, sequenciadores e moduladores; Fávero (1995) propõe três tipos:
referencial, recorrencial e sequencial.

A coerência de um texto depende da continuidade de sentidos entre os


elementos descritos e inscritos no texto. A fronteira entre um texto coerente e
um texto incoerente depende em exclusivo da competência textual do leitor/
alocutário para decidir sobre essa continuidade fundamental que deve presidir à
construção de um enunciado. A coerência e a incoerência revelam-se não direta e
superficialmente no texto mas indiretamente por ação da leitura/audição desse
texto. As condições em que esta leitura/audição ocorre e o contexto de que
depende o enunciado determinam também o nível de coerência reconhecido.

O estudo dialético da literariedade – literário versus não literário – é acompanhado


pelos mesmos problemas da definição da coerência e da coesão de um texto.
Seja dado o seguinte exemplo:

!
Experimenta falar pela minha boca,

assoar-te pelo meu nariz...

Esse texto poderá ser considerado literário? Em caso afirmativo, como definir a sua
literariedade? Poderemos dizer que é coerente? Poderemos dizer que é coeso?
Se o texto estiver assinado por um autor reconhecido por uma comunidade
interpretativa como escritor (o que significa invariavelmente: criador de textos
literários), tal circunstância pode afetar o nosso juízo sobre a literariedade, a
coerência e a coesão desse texto? Tal questão é equivalente a outra: Até que
ponto a identificação autoral de um texto pode influenciar a determinação ou o
reconhecimento da sua literariedade, da sua coerência ou da sua coesão?

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COERÊNCIA │ UNIDADE I

A primeira reação de um leitor comum é a de não reconhecer qualquer elemento


específico que permita concluir tratar-se de um texto literário, mesmo que seja
possível reconhecer nele coesão (o enunciado está construído linearmente
e respeita todas as regras gramaticais de conexão). O que nos faz duvidar da
literariedade (e da textualidade) desse “texto” é a sua aparente falta de sentido
na relação entre o sinal gráfico de exclamação, centralizado como um título, e o
enunciado subjetivo.

De certeza, muitos resistirão inclusive à aceitação de tal texto como um texto


e dirão tratar-se de uma “aberração linguística”, um “capricho semântico”, uma
“construção acidental de palavras e sinais”, ou qualquer outra coisa semelhante.
Um leitor mais exigente poderá argumentar que tal construção é de fato um
texto literário, cuja literariedade e textualidade estão associadas à combinação
intencional entre um signo gráfico e signos linguísticos, com o objetivo de
produzir uma relação significativa simbólica – existirá, portanto, uma certa
coerência.

A explicitação de tal relação significativa variará naturalmente de leitor para


leitor, conforme a sensibilidade literária de cada um. Neste segundo caso, em
que se procura uma significação literária para uma construção aparentemente
não literária, dificilmente poderíamos defender a pretensa literariedade e a
textualidade com argumentos lógicos para todos os leitores, o que nos leva a
concluir que, o que faz a literariedade e a textualidade de um texto é, em primeiro
lugar, o reconhecimento geral dessa propriedade por toda uma comunidade
interpretativa.

A coerência do texto, ou seja, a negação de poder ser considerado um absurdo,


segue o mesmo critério de aceitação. Contudo, mesmo essa regra, que parece
satisfatória, está sujeita a exceções incômodas. Seja o exemplo, entre muitos
outros, do poema O de marítima de Álvaro de Campos. Quando foi publicado
pela primeira vez, no Orpheu (1915), produziu escândalo na comunidade
interpretativa da época, não sendo reconhecido como texto literário mas como
pura “pornografia”, “alienação”, “literatura de manicômio” e outros epítetos do
gênero – todos apontando a falta de coerência do texto e não, certamente, a sua
falta de coesão.

Todas as obras artísticas de vanguarda respeitam de alguma forma a exigência


de provocação, que quase invariavelmente redunda em anátema. Isto significa
que o princípio de aceitação universal da literariedade, da textualidade e da
coerência de um texto está sujeito também a um certo livre-arbítrio. Todas as

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UNIDADE I │ COERÊNCIA

declarações de guerra à sintaxe tradicional que as literaturas de vanguarda


costumam fazer são, logicamente, guerras à coesão gramatical dos textos
literários de vanguarda. Contudo, não deixam de ser literários por essa falta de
coesão, uma vez que a sua literariedade e a sua textualidade se conquista em
nível da coerência.

Poderá a revelação da identidade autoral do texto, em particular, levar a uma


outra conclusão? Se eu tivesse apresentado o texto como um poema do autor
surrealista Alexandre O’Neill, que pertence à série “Divertimento com sinais
ortográficos”, in Abandono Vigiado (1960), alguém duvidaria por um momento
que se tratava não só de um texto coerente como de um texto literário? O que
nos pode dizer o título “Divertimento com sinais ortográficos”?

O fato de o autor intitular a sua criação como “Divertimento” inspira-nos uma


nova pista para o reconhecimento da literariedade e da coerência textual: um
texto será literário se contiver sinais, sugestões ou elementos que revelem o
gozo (no sentido da lacaniana jouissance) que o seu autor experimentou ao criá-
lo. A criação de um texto literário é a mais erótica de todas as criações textuais.
A coerência de certos textos-limite só pode ser avaliada por este lado. Mas será
que um texto não literário não pode arrastar consigo sinais de gozo de quem
o criou? Roland Barthes admitiu em “Theory of the Text” (artigo inicialmente
publicado em Encyclopaedia Universalis, 1973), que qualquer texto “textual”
conduz pela sua essência criativa à jouissance do autor, seja literário ou não, isto
é, conduz, necessariamente, não só a um prazer de escrita como a própria escrita
ou texto produzido é uma espécie de clímax sexual – um têxtase.

Se reduzíssemos esse princípio de textualidade e decidíssemos que qualquer


tentativa de levar o erotismo criativo da escrita para além de certos limites
significa entrar de imediato no limiar do literário (=textualmente coerente), então
teremos encontrado um critério de definição da literariedade e da textualidade.
Do texto que seja resultado de um têxtase, diremos ser literário; mas também
que é possível medir macrotextualmente o seu nível de coerência a partir dessa
descoberta.

O princípio do têxtase textual está naturalmente sujeito ao livre-arbítrio do


leitor, como o está a detecção do grau de coerência textual. Ora, a teoria literária
distingue-se das ciências exatas precisamente porque é intrinsicamente inexata,
dispensando o enunciado de leis universais de resolução de problemas.

Em Teoria Literária, não é possível dizer: “Tenho a solução para este problema.”
Todas as soluções definitivas são absolutamente discutíveis, portanto, não há

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COERÊNCIA │ UNIDADE I

soluções definitivas, tal como não há leitores peritos. Todo o texto literário,
enquanto cemitério de sentidos mortos-vivos, é uma ameaça constante para o
leitor que se julgue perito nesse texto. Não há equações que permitam concluir
com exatidão a coerência textual. Não se deve esquecer ainda que qualquer
texto pode resistir à tentativa de controlar a sua organização interna, isto é, pode
resistir a qualquer delimitação do seu nível de coerência. Nisso se distingue da
coesão, que possui um grau de resistência menor. A coerência está mais sujeita
à interpretação do que a coesão. Se não é possível determinar uma taxonomia
textual, porque não é possível sistematizar processos de resolução hermenêutica,
já é possível determinar regras gramaticais de coesão e sistematizar processos
de construção textual.

Para além da linguística textual, podemos discutir os conceitos de coesão e,


sobretudo, o de coerência no âmbito da textualidade puramente literária, por
exemplo, na construção de uma narrativa. Tradicionalmente, todas as formas
naturais (para distinguir das formas subversivas de vanguarda) de literatura
ambicionam a produção de textos coesos e coerentes, por exemplo, no caso
do romance, com personagens integradas linearmente numa narrativa, com
uma intriga de progressão gradual controlada por uma determinada lógica,
com acções interligadas numa sintaxe contínua, com intervenções do narrador
em momentos decisivos etc. Por outro lado, nunca ficará claro que todas as
formas de antiliteratura possam ser desprovidas de coesão e de coerência. As
experiências textuais que tendam a contrariar as convenções de escrita e/ou até
mesmo as regras da gramática tradicional também podem distinguir-se por uma
forte coesão ou coerência dos seus elementos.

Adaptado de: Almeida Faria <www2.fcsh.unl.pt/edtl/.../C/coerencia_coesao.htm>

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CAPÍTULO 1
Introdução à Coerência

Grande parte de nosso material didático foi elaborado por Vicente Martins, mestre
em educação brasileira pela UFC, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA), em Sobral, Ceará. Ao analisar diversos materiais, considerei sua abordagem
sobre o assunto bem sintetizada e fundamentada.

Pretendemos, neste tema, trabalhando com os conceitos de coerência e coesão, mostrar


o papel e a importância de cada um desses mecanismos não só para a leitura e a
compreensão de textos, como também para sua produção.

A coerência e a coesão contribuem para conferir textualidade a um conjunto de


enunciados. Assim, a coerência, manifestada em grande parte no nível macrotextual,
é o resultado da possibilidade de se estabelecer alguma forma de unidade ou relação
entre os elementos do texto. E a coesão, manifestada no nível microtextual, refere-se ao
modo como os vocábulos se ligam dentro de uma sequência.

Ao analisar esses mecanismos, mostramos, por meio de exemplos, as formas em que


podem ocorrer. Ao mesmo tempo, procuramos fazer com que os usuários saibam
empregar adequadamente cada mecanismo não só para depreender o sentido de um
texto, como para produzir textos com sentido, estabelecendo uma continuidade entre
as partes, de modo a instaurar entre elas uma unidade, ou seja, a coerência.

É importante também lembrar que a coesão pode auxiliar no estabelecimento da


coerência, embora, às vezes, a coesão nem sempre se manifeste explicitamente por
meio de marcas linguísticas, o que faz concluir que pode haver textos coerentes mesmo
que não tenham coesão explícita.

Este tema será, portanto, desenvolvido com o objetivo de mostrar aos usuários da
língua que:

1. mais importante que conhecer os conceitos de coerência e coesão é


saber de que maneira esses fenômenos contribuem para tornar um texto
inteligível;

2. a coerência (conectividade conceitual) e a coesão (conectividade


sequencial) são requisitos fundamentais para a elaboração de qualquer
tipo de texto;

16
COERÊNCIA │ UNIDADE I

3. enquanto a coerência se fundamenta na continuidade de sentidos, a


coesão pode-se apresentar por meio de marcas linguísticas, observadas
na gramática ou no léxico;

4. é necessário perceber como coerência e coesão se completam no processo


de produção e compreensão do texto.

Coerência

No nosso dia a dia, são comuns comentários do tipo:

Isto não tem coerência.

Esta frase não tem coerência.

O seu texto está incoerente.

O que leva as pessoas a fazerem tais observações, provavelmente, é o fato de perceberem


que, por algum motivo, escapa a elas o entendimento de uma frase ou de todo o texto.

Coerência está, pois, ligada à compreensão, à possibilidade de interpretação


daquilo que se diz ou escreve. Assim, a coerência é decorrente do sentido contido
no texto, para quem ouve ou lê. Uma simples frase, um texto de jornal, uma obra
literária (romance, novela, poema...), uma conversa animada, o discurso de um político
ou do operário, um livro, uma canção ..., enfim, qualquer comunicação, independente
de sua extensão, precisa ter sentido, isto é, precisa ter coerência.

A coerência depende de uma série de fatores, entre os quais vale ressaltar:

a. o conhecimento do mundo e o grau em que este conhecimento deve ser


ou é compartilhado pelos interlocutores;

b. o domínio das regras que norteiam a língua – isso vai possibilitar as


várias combinações dos elementos linguísticos;

c. os próprios interlocutores, considerando a situação em que se encontram,


as suas intenções de comunicação, suas crenças, a função comunicativa
do texto.

17
UNIDADE I │ COERÊNCIA

Portanto, a coerência estabelece-se numa situação comunicativa; ela é a responsável


pelo sentido que um texto deve ter quando partilhado por esses usuários, entre os quais
existe um acordo preestabelecido, que pressupõe limites partilhados por eles e um
domínio comum da língua.

A coerência se manifesta nas diversas camadas da organização do texto. Ela tem uma
dimensão semântica –caracteriza-se por uma interdependência semântica entre os
elementos constituintes do texto. Tem principalmente uma dimensão pragmática – é
fundamental, no estabelecimento da coerência, o nosso conhecimento de mundo, e esse
conhecimento é acumulado ao longo de nossa existência, de maneira ordenada.

Ainda com respeito ao conhecimento partilhado de mundo, devemos dizer que a ele se
acrescentam as informações novas. Se estas forem muito numerosas, o texto pode-se tornar
incoerente devido à não familiaridade do ouvinte/leitor com essa massa desconhecida
de informações. É isto que acontece, por exemplo, quando lemos um texto muito
técnico, de uma área na qual somos leigos.

Na verdade, quando dizemos que um texto é incoerente, precisamos esclarecer que


motivos nos levaram a afirmar isso. Ele pode ser incoerente em uma determinada
situação porque quem o produziu não soube adequá-lo ao receptor, não valorizou
suficientemente a questão da comunicabilidade, não obedeceu ao código linguístico,
enfim, não levou em conta o fato de que a coerência está diretamente ligada à
possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto.

Embora nosso objetivo não seja teorizar em demasia o conceito de coerência,


achamos necessário retomar algumas afirmações feitas por Koch e Travaglia
(1989), como pontos de partida para o trabalho com textos que se segue:
“A coerência é profunda, subjacente à superfície textual, não linear, não
marcada explicitamente na estrutura de superfície. (...) Ela tem a ver com a
produção do texto, à medida que quem o faz quer que seja entendido por
seu interlocutor. (...) A coerência diz respeito ao modo como os elementos
subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores,
uma configuração veiculadora de sentidos. (...) A coerência, portanto, longe
de constituir mera qualidade ou propriedade do texto, é resultado de uma
construção feita pelos interlocutores, numa situação de interação dada pela
atuação conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional,
sociocultural e interacional.

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COERÊNCIA │ UNIDADE I

Observe o grupo de frases abaixo, consideradas do ponto de vista estritamente


referencial.

O homem construiu uma casa na floresta.

O pássaro fez o ninho.

O lenhador derrubou a árvore.

O trabalhador acompanhou o noticiário


criticamente.

As árvores estão plantadas no deserto.

A árvore está grávida.

Podemos notar que as quatro primeiras não oferecem qualquer problema de


compreensão. Dizemos, então, que elas têm coerência. Já não ocorre o mesmo em
relação às duas últimas. Em As árvores estão plantadas no deserto, há duas
ideias opostas, uma contrária a outra. Em A árvore está grávida, há uma restrição na
combinatória ser vegetal + grávida, o que não ocorre em A mulher está grávida,
em que temos a combinatória possível ser racional + grávida.

Examinemos agora as frases:

a. O pássaro voa.

b. O homem voa.

A frase a tem um grau de aceitação maior do que a frase b, que depende de uma
complementação para esclarecer qual o meio utilizado pelo homem para voar – O
homem voa de asa-delta, por exemplo. A combinação de homem com voa tem
outras significações no plano da conotação: O homem sonha, o homem delira, o
homem anda rápido. Neste plano, muitas outras combinações são possíveis:

a. As nuvens estão prenhes de chuva.

b. Sua boca cuspia desaforos.

Observe os três pares que se seguem:

1. a) Todo mundo destrói a natureza menos eu.

b) Todo mundo destrói a natureza menos todo mundo.

19
UNIDADE I │ COERÊNCIA

2. a) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não.

b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi o sabiá cantar.

3. a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta sobrevive.

b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta não tem muitas


árvores.

As frases de letra a de cada par são facilmente compreendidas, têm coerência; as frases
de letra b de cada par apresentam problema de compreensão.

1 a) Todo mundo destrói a natureza menos eu. o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo, portanto, neste caso, pode ser
combinado com o pronome eu.
1 b)Todo mundo destrói a natureza menos todo há uma restrição, porque o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo,
mundo. portanto, neste caso, não pode ser combinado com todo mundo, que indica o grupo inteiro.
2 a)Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não. mas introduz uma ideia oposta, que é perfeitamente aceitável, porque todo mundo se
diferencia de eu.
2 b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi mas introduz uma ideia oposta, que é inaceitável porque o conteúdo da ideia introduzida
o sabiá cantar. por mas não é o contrário da ideia anterior. Assim, a primeira parte Todo mundo viu o
mico-leão não pode ser combinada com eu não ouvi o sabiá cantar por intermédio do
vocábulo mas.
3 a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, o uso de apesar de pressupõe a presença de ideias contrárias, qualquer que seja a ordem:
a floresta sobrevive. negativa/positiva, positiva/negativa.
3 b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, o uso de apesar de pressupõe a presença de ideias contrárias, qualquer que seja a ordem:
a floresta não tem muitas árvores. negativa/positiva, positiva/negativa. Daí a incoerência da frase b, em que ocorrem duas
negativas simultâneas.

Estas observações mostram que a coerência de uma frase, de um texto, não se define
apenas pelo modo como elementos linguísticos se combinam; depende também do
conhecimento do mundo partilhado por emissor e receptor, bem como do tipo de texto
em questão. Podemos ainda dizer que, nas frases de letra b, os elementos de coesão
não foram usados de forma adequada, por isto, não contribuíram para estabelecer a
coerência.

Observe o que se segue.

Assim como milhões de brasileiros, os habitantes da Mata Atlântica


estão sentindo na pele os efeitos da crise econômica. As verbas são
curtas, a fiscalização é pouca, e, com isso, as leis de proteção nem sempre
são respeitadas. Resultado: mesmo sendo uma das mais importantes
florestas tropicais do mundo – portanto, essencial à sobrevivência do
planeta – pouco a pouco a Mata Atlântica vai desaparecendo do mapa.

O trecho mostra as dificuldades sentidas pelos habitantes da Mata Atlântica como


consequência da crise econômica. O sentido do texto é viabilizado pela combinação dos

20
COERÊNCIA │ UNIDADE I

elementos presentes numa progressão harmoniosa. Veja como este sentido vai sendo
construído a partir da ocorrência de vocábulos relacionados entre si. Por exemplo:

milhões de Brasileiros mundo curta


habitantes planeta pouca
mapa
Mata Atlântica importante proteção
florestas tropicais essencial sobrevivência
verbo e
fiscalização portanto (conectores)
lei com isso

Observe finalmente:

Se está difícil sobreviver aí na cidade, imagine aqui.

Numa primeira leitura, esta mensagem parece vaga: aqui aponta para várias
possibilidades de significação, entretanto cada uma elas claramente se opõe à “cidade”.
Mas, se situarmos esta frase como introdutória ao texto sobre a Mata Atlântica, o
sentido fica mais explícito, sobretudo se a frase for acompanhada da imagem de um
habitante da Mata Atlântica.

21
CAPÍTULO 2
Tipos de Coerência

Em obra na qual discutem as estratégias cognitivas de compreensão do discurso,


Van Dijk e Kintsch (1983) falam de coerência local e de coerência global. Enquanto a
primeira se refere a partes do texto, a segunda se refere ao texto como um todo. Embora
já tenha sido dito anteriormente que a coerência diz respeito à intenção comunicativa
do emissor, interagindo, de maneira cooperativa, com o seu interlocutor, acontece de,
em um mesmo texto, ocorrerem partes ou passagens com problemas de incoerências
– incoerências locais no caso – que acabam por perturbar a compreensão daquela
passagem. A presença de uma incoerência local pode não prejudicar a compreensão
do texto, mas, é claro que assim não será, se houver um grande número de problemas
desse tipo.

Ainda na obra citada, os autores apontam alguns tipos de coerências a saber, coerência
semântica, coerência sintática, coerência estilística, coerência pragmática.

Coerência Semântica
Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em sequência; a
incoerência aparece quando esses sentidos não combinam, ou quando são contraditórios.
Exemplos:

1. ... ouvem-se vozes exaltadas para onde acorreram muitos fotógrafos e


telegrafistas para registrarem o fato.

O uso do vocábulo telegrafista é inadequado neste contexto, pois o fato que


causa espanto será documentado por fotógrafos e, talvez, por cronistas, que,
depois, poderão escrever uma crônica sobre ele, mas certamente telegrafistas
não são espectadores comuns nessas circunstâncias.

Ao lado deste, há um outro problema, de ordem sintática: trata-se do emprego


de para onde, que teria vozes exaltadas como referente, o que não é possível,
porque esse referente não contém ideia de lugar, implícita no pronome relativo
onde.

Cabe ainda uma observação quanto ao tempo verbal de ouvem-se e acorreram,


presente e pretérito perfeito, respectivamente. Seria mais adequado os dois
verbos estarem no mesmo tempo.

22
COERÊNCIA │ UNIDADE I

2. O governo principalmente não corresponde de uma maneira correta em


relação ao nível de condições que para muitos seriam uma decisão óbvia.

Nesta frase, há duas incoerências semânticas. A primeira decorre do uso


inadequado de corresponder – corresponder em relação ao nível – que
poderia ser substituído por responder, mas, mesmo assim, o complemento
teria que ser modificado, para resolver o problema da incoerência sintática –
corresponder a (alguma coisa). A segunda está na expressão nível de condições.
O vocábulo nível é desnecessário, podendo-se dizer simplesmente em relação
às condições.

3. Educação, problema universal que por direito todo indivíduo deve ter
acesso.

A inadequação, parece-nos, deve-se ao fato de não ficar claro qual é o


antecedente do pronome que. Da maneira como foi escrita a frase, o
antecedente é problema universal, e, neste caso, a incoerência semântica está
na não combinação entre os sentidos de ter acesso e problema. Um problema
precisa ser resolvido, solucionado, mas não ser alcançado, que é o sentido de
ter acesso. É muito mais provável que o autor desta frase tenha pensado que
todo indivíduo deve ter acesso à educação, mas, da forma como ordenou as
palavras, causou ambiguidade com relação ao antecedente do que.

Ainda dentro desse tipo de coerência, lembramos que o pouco domínio do sentido dos
vocábulos e das restrições combinatórias podem também gerar frases com problemas
de compreensão, como as que seguem:

O jardim que circula a casa estava maltratado.

Entramos em um círculo de mudanças.

O rei quis obter as luxúrias que sua posição oferecia.

... sendo este o dominador comum das mudanças.

O Brasil é um país em alta-rotatividade.

O que existe é um apontamento dos erros do vestibular.

A televisão transmite lazer.

Não deu asas ao pensamento, obviamente com medo de aferir a opinião dos outros.

Isto acontece quando você está batendo uma conversa informal.

23
UNIDADE I │ COERÊNCIA

O quarto era o maior ambiente do barraco.

Minhas suspeitas se atrapalham.

O sol deixa um rastro de cor reflexada na água.

A audiência no Maracanã é grande quando jogam Vasco e Flamengo.

... vencendo a oscilação que repousava em sua mente.

Jamais fui a uma igreja seja ela de qual raça ou costume.

O tempo nos proporciona muitos sacrifícios.

O armário estava desarrumado, com as gavetas afogadas de tantas roupas dispersivas.

Coerência Sintática

Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica: conectivos,
pronomes etc. Exemplos:

1. Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular.


Onde há métodos, equipamentos e até professores melhores.

A coerência deste período poderia ser recuperada se duas alterações fossem


feitas. A primeira seria a troca do relativo onde, específico de lugar, para no
qual ou em que (ensino particular, no qual/em que há métodos ...), e a segunda
seria a substituição do ponto por vírgula, de maneira que a oração relativa não
ocorresse como uma oração completa e independente da anterior. Teríamos
a seguinte oração, sem problemas de compreensão: Então as pessoas que têm
condições procuram mesmo o ensino particular, no qual há equipamentos e
até professores melhores.

2. Na verdade, essa falta de leitura, de escrever, seja porque tudo já vem


pronto, mastigado para uma boa compreensão, não precisando pensar.

Há, nesta frase, vários problemas que prejudicam a sua coerência. O primeiro
é o não paralelismo entre leitura (nome) e escrever (verbo); seria desejável,
por exemplo, dizer falta de ler, de escrever, ou falta de leitura, falta de treino
de escrita. Depois foi empregada a conjunção seja, que geralmente se usa para
apresentar mais de uma alternativa: seja porque tudo já vem pronto, seja
porque não há estímulo por parte dos professores; usada isoladamente, ela
perde o seu sentido alternativo. Talvez o autor estivesse querendo dizer seja
porque tudo já vem mastigado; a elipse da conjunção na segunda expressão foi

24
COERÊNCIA │ UNIDADE I

inadequada. Percebemos, ainda, que o sujeito essa falta de leitura acabou não
se juntando a nenhum predicado, e a frase ficou fragmentada. Por último, não
foi explicitado o termo que pode preencher essa função.

3. O papel preponderante da escola, que seria de formar e informar,


principalmente crianças e adultos, hoje não está alcançando esse objetivo.

Esta frase apresenta o seguinte problema: ela é longa demais, por isso
o predicado, muito distante do sujeito, acaba discordando dele, não
gramaticalmente, mas pela inadequação do vocabulário. Pode-se dizer que há
um cruzamento na estrutura da frase, o que causa uma incoerência sintática.

O papel da escola não está alcançando esse objetivo.


X
A escola não está sendo cumprido.

(As frases usadas como exemplos foram produzidas por alunos recém-ingressos na
universidade).

Coerência Estilística
Percebemos, pelos exemplos citados abaixo, que esse tipo de coerência não chega,
na verdade, a perturbar a interpretabilidade de um texto; é uma noção relacionada
à mistura de registros linguísticos. É desejável que quem escreve ou lê se mantenha
num estilo relativamente uniforme. Entretanto, a alternância de registros pode ser, por
outro lado, um recurso estilístico.

Leia este poema de Manuel Bandeira:

Teresa, se algum sujeito bancar o

sentimental em cima de você

e te jurar uma paixão do tamanho de


um

bonde

Se ele chorar

Se ele ajoelhar

Se ele se rasgar todo

25
UNIDADE I │ COERÊNCIA

Não acredita não Teresa

É lágrima de cinema

É tapeação

Mentira

CAI FORA

O autor procede como se estivesse falando, aconselhando alguém, advertindo sobre


uma possível “cantada”. Há mistura de tratamento (tu/você), mistura de registros, pois
o autor utiliza várias expressões da língua oral, como “do tamanho de um bonde”, “se
ele se rasgar todo”, “cai fora”, ao mesmo tempo em que emprega o futuro do subjuntivo,
tempo mais comum num registro mais cuidado.

Agora leia este trecho, extraído de uma aula gravada:

... isso aí é um conceitozinho um pouco maior, é que nós sabemos


que os cloretos, por decoreba, aquele negócio que eu falei, os cloretos
e prata, chumbo são insolúveis, todos os outros cloretos são solúveis.
Agora pergunto: aquilo lá não é uma cascata muito grande? Quando a
gente agora está por dentro do assunto? O que o cara quer dizer com
solúveis, muito solúveis, pouco solúveis? Apenas um conceito relativo.
AgCl é considerado insolúvel porque o que fica de AgCl é um troço tão
irrisório que a gente não considera ... Entendeu qual é a jogada? O que
tem na solução daqueles íons não vai atrapalhar ninguém. Você pode
comer quilos desse troço que a prata não vai te perturbar.

(Corpus do Projeto NURC/RJ - UFRJ- Informante: Homem, 31 anos,

Professor de química numa aula para o terceiro ano do Ensino Médio.)

Nesta exposição, chamada, dentro do corpus do projeto, de elocução formal, o professor


emprega uma grande variação de registro, movendo-se todo o tempo entre o formal,
para explicar o conceito de solubilidade e o informal, servindo-se de gírias (troço,
cascata, estar por dentro, jogada, decoreba, cara), talvez com o objetivo de tornar a
explicação menos pesada e a exposição mais interessante para os alunos, aproximando-
se deles ao usar essa maneira de falar. Portanto, nesta passagem, a mistura de registros,
sem causar incoerência, pode ter uma causa objetiva.

26
COERÊNCIA │ UNIDADE I

Coerência Pragmática
Refere-se ao texto visto como uma sequência de atos de fala. Para haver coerência
nesta sequência, é preciso que os atos de fala se realizem de forma apropriada, isto é,
cada interlocutor, na sua vez de falar, deve conjugar o seu discurso ao do seu ouvinte.
Quando uma pessoa faz uma pergunta a outra, a resposta pode-se manifestar por meio
de uma afirmação, de outra pergunta, de uma promessa, de uma negação. Qualquer
uma dessas sequências seria considerada coerente. Por outro lado, se o interlocutor
não responder, virar as costas e sair andando, começar a cantar, ou mesmo dizer algo
totalmente desconectado do tema da pergunta, estas sequências seriam consideradas
incoerentes. Exemplo:

A: Você pode me dizer onde fica a Rua Alice?

B: O ônibus está muito atrasado hoje.

Piadas podem ser elaboradas a partir de incoerências como no exemplo:

No balcão da companhia aérea, o viajante perguntou à


atendente:

– A senhorita pode me dizer quanto tempo dura o voo do


Rio a Lisboa?

– Um momentinho.

– Muito obrigado.

Para quem fez a pergunta, não pareceu nem um pouco incoerente a resposta obtida.
Entretanto, a frase de B não é a resposta, é simplesmente um pedido de tempo para
depois dar atenção ao interlocutor A. Nós é que percebemos a incoerência da sequência
e tomamos o conjunto como uma piada.

Há ainda incoerências geradas a partir da desobediência a articulações de conteúdo.


Se você ouvir a frase Meu irmão é filho único pode pensar que quem a pronunciou
desconhece o sentido dos vocábulos usados, pois a sequência contém uma contradição. O
sentido de irmão inclui o fato de que esse indivíduo tem, pelo menos, uma irmã ou irmão.

Como último exemplo observe esta frase, ouvida recentemente em um programa de


televisão: “Me inclui fora dessa.” Parece que o emissor não conhece o sentido do
verbo incluir, que certamente não pode ocorrer combinado com fora. Ou então, usa
expressamente o advérbio fora para explicar sua intenção de não ser incluído em algum
projeto.

27
CAPÍTULO 3
Texto e Coerência

A coerência e a coesão ocorrem nos diversos tipos de texto. Lembramos que cada tipo
de texto tem sua estrutura própria, por isso os mecanismos de coerência e de coesão
também vão se manifestar de forma diferente na superfície linguística, conforme se
trate de um texto narrativo, descritivo ou dissertativo-argumentativo.

No texto narrativo, a coerência existe em função, sobretudo, da ordenação temporal.


Tomemos como exemplo o conhecido poema “A pesca”, de Affonso Romano de
Sant’Anna, em que não há elementos coesivos. No entanto, há coerência em razão de
uma sequência temporal depreendida não só da ordem em que foram colocados os
substantivos, mas da escolha de vocábulos de campos semânticos relacionados à pesca.

A pesca
o anil a garganta
o anzol a âncora
o azul o peixe
o silêncio a boca
o tempo o arranco
o peixe o rasgão
a agulha aberta a água
vertical aberta a chaga
mergulha aberto o anzol
a água aquelíneo
a linha ágil-claro
a espuma estabanado
o tempo o peixe
a âncora a areia
o peixe o sol

azul
anzol boca
anil
isca rasgão
material peixe mar areia
“agulha” chaga
sol
linha garganta
mergulha

A história infantil A Casa Sonolenta, um texto narrativo e descritivo, é mais um bom


exemplo de como a sequência é fundamental para que se estabeleça a coerência textual.

Disponível em: <http://acd.ufrj.br/npead/tema09/textoecoerencia.html>

28
COERÊNCIA │ UNIDADE I

A Casa sonolenta
Era uma vez Em cima desse cachorro tinha um gato
uma casa sonolenta um gato ressonando,
onde todos viviam dormindo em cima de um cachorro cochilando,
Nessa casa em cima de um menino sonhando,
tinha uma cama em cima de uma avó roncando,
uma cama aconchegante, numa cama aconchegante,
numa casa sonolenta, numa casa sonolenta,
onde todos viviam dormindo. onde todos viviam dormindo.
Nessa cama Em cima desse gato
tinha uma avó, tinha um rato,
uma avó roncando, um rato dormitando,
numa cama aconchegante, em cima de um gato ressonando,
numa casa sonolenta, em cima de um cachorro cochilando,
onde todos viviam dormindo. em cima de um menino sonhando,
Em cima dessa avó em cima de uma avó roncando,
tinha um menino, numa cama aconchegante,
um menino sonhando, numa casa sonolenta,
em cima de uma avó roncando, onde todos viviam dormindo.
numa cama aconchegante, E em cima desse rato
numa casa sonolenta, tinha uma pulga...
onde todos viviam dormindo. Será possível?
Em cima desse menino Uma pulga acordada,
tinha um cachorro, que picou o rato,
um cachorro cochilando, que assustou o gato,
em cima de um menino sonhando, que arranhou o cachorro,
em cima de uma avó roncando, que caiu sobre o menino,
numa cama aconchegante, que deu um susto na avó,
numa casa sonolenta, que quebrou a cama,
onde todos viviam dormindo. numa casa sonolenta,
onde ninguém mais estava dormindo.

A história estrutura-se com base em dois momentos:

1o momento – todos estão dormindo.

2o momento – todos acordam, cada um, por sua vez, movidos pela ação da pulga.

A coerência, na primeira parte, se dá pela escolha de vocábulos do campo semântico


de dormir – cama, sonolenta, aconchegante, roncando, sonhando, ressonando,
dormitando, cochilando. Não houve repetição de nenhum verbo, e cada um deles foi
combinado coerentemente com cada habitante da casa. O caráter descritivo desta parte
se apoia em adjetivos (caracterizando os seres inanimados) e verbos no gerúndio e
pretérito imperfeito (atribuídos aos seres animados).

29
UNIDADE I │ COERÊNCIA

A segunda parte do texto apresenta a mudança desencadeada a partir da picada da


pulga. Os verbos estão no pretérito perfeito, marcando a ação finalizada.

casa sonolenta casa acordada


dormindo picou
roncando assustou
sonhando arranhou
ressonando caiu
cochilando deu
viviam quebrou
tinha

Lembramos, ainda, o título do conto de Carlos Drummond de Andrade – Flor,


telefone, moça. Os três vocábulos juntos, aparentemente, não constituem título
coerente para um conto. No entanto, a coerência advém do próprio conto, que se
resume na seguinte história: uma moça, que tinha o costume de passear no cemitério,
um dia, com um gesto distraído, arrancou uma flor de um túmulo, machucou-a com
as mãos e depois jogou-a fora. A partir daí, passa a receber insistentes telefonemas
feitos por uma voz que reclama de volta a sua flor. A família se envolve, tentando
uma solução para os telefonemas que, a cada dia, deixam a moça mais nervosa e sem
apetite. O caso termina em tragédia. A moça, sem ânimo para coisa alguma, acaba
definhando e morrendo. Nunca mais houve telefonemas. Apenas os fatos narrados no
conto justificam a ordem em que os vocábulos foram organizados no título.

No texto descritivo, a coerência estabelece-se, sobretudo, por uma ordenação espacial.


Quem descreve, procura percorrer os detalhes daquilo que descreve, seja uma pessoa,
seja um cenário, seja um objeto, obedecendo a uma sequência, com a finalidade de
auxiliar o leitor/ouvinte a compor o todo a partir dessas informações parciais. No trecho
abaixo, extraído de “Vidas Secas”, temos uma série de atos que, se alterada, prejudica a
coerência do texto.

“(Sinhá Vitória) Agachou-se, atiçou o fogo, apanhou uma brasa com a


colher, acendeu o cachimbo, pôs-se a chupar o canudo de taquari cheio
de sarro. Jogo longe uma cusparada, que passou por cima da janela
e foi cair no terreiro. Preparou-se para cuspir novamente. Por uma
extravagante associação, relacionou esse ato com a lembrança da cama.
Se o cuspo alcançasse o terreiro, a cama seria comprada antes do fim
do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se – e não conseguiu o que
esperava. Fez várias tentativas, inutilmente. O resultado foi secar a
garganta. Ergueu-se desapontada. Besteira, aquilo não valia.

30
COERÊNCIA │ UNIDADE I

Aproximou-se do canto onde o pote se erguia numa forquilha de três


pontas, bebeu um caneco de água. Água salobra.”
(GLACILIANO RAMOS, 1938)

Com respeito a essa ordenação das informações num texto descritivo, é interessante
assinalar que a ordem em que são percebidos os objetos ou os componentes de uma
cena pode determinar a organização linear das sequências usadas para descrevê-los,
como no parágrafo abaixo:

O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos


cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar,
entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco,
borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em
cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos
seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e
caricaturas também de grandes personalidades.
(WANDER PIROLI, Trabalhadores do Brasil)

Entretanto, isto pode não acontecer, ou seja, a ordenação é feita a partir da seleção das
informações julgadas relevantes, como no texto abaixo:

A cerimônia esteve muito concorrida. Presidiu o Presidente da


República, que fez o discurso inaugural. Foi preciso esperar meia
hora pelo Primeiro Ministro, que chegou, como sempre, atrasado e
sorridente.

No texto dissertativo-argumentativo, é muito importante para a coerência a ordenação


lógica das ideias. As possibilidades de correlacionar os argumentos decorrem dos
operadores lógico-discursivos empregados. Há conectores específicos para se expressar
as diferentes articulações sintáticas – causa, finalidade, conclusão, condição etc. – e
eles devem ser usados adequadamente, de acordo com a relação que se quer exprimir
ao desenvolver uma argumentação. É ainda muito importante, com respeito à coesão,
uma combinação cuidosa dos tempos verbais empregados. Observe:

Depois que um rolo compressor passou pelo cinema brasileiro,


alijando-o intempestivamente do mercado, é bom saber que existem
fórmulas ao alcance de diretores, produtores, roteiristas e artistas para
retomar o diálogo. O mercado consumidor tem fôlego, mas tende,
por distorção natural, a se voltar para o filme estrangeiro. Precisa de
uma boa sacudida que o faça retomar o caminho de casa, desde que,
evidentemente, o produto da casa satisfaça suas expectativas.

31
UNIDADE I │ COERÊNCIA

Temos, neste parágrafo, os conectores mas (ideia adversativa) e desde que (condição),
não podem ser substituídos por conectores de outro sentido, sob pena de alterar o que
se quer expressar. As expressões, é bom saber, evidentemente têm a finalidade de
introduzir e reforçar os argumentos. Finalmente, lembramos que o uso do conector
desde que pede o emprego do verbo no modo subjuntivo, tempo presente, o que foi
feito pelo autor do texto (desde que ... satisfaça). O mesmo se verifica na frase anterior:
Precisa de boa sacudida que o faça (...) É importante, pois, escolher os conectores
adequados, quando o objetivo é argumentar de maneira coerente e coesa.

32
COESÃO UNIDADE II

CAPÍTULO 1
Introdução à Coesão

São muitos os autores que têm publicado estudos sobre coerência e coesão. Apoiados
nos trabalhos de Koch (1997), Platão e Fiorin (1996), Suárez Abreu (1990) e Marcuschi
(1983), apresentamos algumas considerações sobre o conceito de coesão com o objetivo
de mostrar a presença e a importância desse fenômeno na produção e interpretação
dos textos.

Koch (1997) conceitua a coesão como “o fenômeno que diz respeito ao modo como os
elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados, por
meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido.”
Para Platão e Fiorin (1996), a coesão textual “é a ligação, a relação, a conexão entre
as palavras, expressões ou frases do texto.” A coesão é, segundo Suárez Abreu (1990),
“o encadeamento semântico que produz a textualidade; trata-se de uma maneira
de recuperar, em uma sentença B, um termo presente em uma sentença A.” Daí a
necessidade de haver concordância entre o termo da sentença A e o termo que o retoma
na sentença B. Finalmente, Marcuschi (1983) assim define os fatores de coesão: “são
aqueles que dão conta da sequenciação superficial do texto, isto é, os mecanismos
formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos linguísticos do
texto, relações de sentido.”

A coesão pode ser observada tanto em enunciados mais simples quanto em enunciados
mais complexos. Observe.

1. Mulheres de três gerações enfrentam o preconceito e revelam suas


experiências.

2. Elas resolveram falar. Quebrando o muro de silêncio, oito dezenas de


mulheres decidiram contar como aconteceu o fato que marcou suas vidas.

33
UNIDADE II │ COESÃO

3. Do alto de sua ignorância, os seres humanos costumam achar que


dominam a terra e todos os outros seres vivos.

Nesses exemplos, temos os pronomes suas e que retomando mulheres de três


gerações e o fato, respectivamente; os pronomes elas e sua antecipam oito dezenas
de mulheres e os seres humanos, respectivamente. Estes são apenas alguns
mecanismos de coesão, mas existem muitos outros, como veremos mais adiante.

Vejamos agora a coesão num período mais complexo:

Os amigos que me restam são da data mais recente; todos os amigos


foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas,
algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem
na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua
que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência
é cansativa.
(MACHADO DE ASSIS, Dom Casmurro)

Observemos os elementos de coesão presentes neste texto.

No primeiro período, temos o pronome que remetendo a amigos, que é o sujeito dos
verbos restam e são, daí a concordância, em pessoa e número, entre eles. Do mesmo
modo, amigos é o sujeito de foram, na oração seguinte; todos e os se relacionam a
amigos.

Já no segundo período, em que o autor discorre sobre as amigas, os pronomes algumas,


outras, todas remetem a amigas; os numerais duas, três também remetem a
amigas, que, por sua vez, é o sujeito de datam, creem, fariam, falam; nela retoma
a expressão na mocidade, evitando sua repetição; que representa a língua. E, para
retomar muita vez, o autor usou a expressão sinônima tal frequência.

Esses fatos representam mecanismos de coesão, assinalando relações entre os vocábulos


do texto. Outros mecanismos marcam a relação de sentido entre os enunciados. Assim,
os vocábulos mas (mas a língua que falam), e (e quase todos creem na mocidade, e
tal frequência é cansativa) assinalam relação de contraste ou de oposição e de adição
de argumentos ou ideias, respectivamente. Dessa maneira, por meio dos elementos de
coesão, o texto vai sendo “tecido”, vai sendo construído.

A respeito do conceito de coesão, autores como Halliday e Hasan (1976), em obra


clássica sobre coesão textual, que tem servido de base para grande número de estudos
sobre o assunto, afirmam que a coesão é condição necessária, mas não suficiente, para
que se crie um texto. Na verdade, para que um conjunto de vocábulos, expressões,

34
COESÃO │ UNIDADE II

frases seja considerado um texto, é preciso haver relações de sentido entra essas
unidades (coerência) e um encadeamento linear das unidades linguísticas presentes
no texto (coesão). Mas essa afirmativa não é categórica nem definitiva, por algumas
razões. Uma delas é que podemos ter conjuntos linguísticos destituídos de elos coesivos
que, no entanto, são considerados textos porque são coerentes, isto é, apresentam uma
continuidade semântica, como vimos no texto “Circuito Fechado”, de Ricardo Ramos.

Um outro bom exemplo da possibilidade de haver texto, porque há coerência, sem elos
coesivos explicitados linguisticamente, é o texto do escritor cearense Mino, em que só
existem verbos.

Como se conjuga um empresário

Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-se. Barbeou-se. Enxugou-se.


Perfumou-se. Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou.
Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu. Chegou. Desceu.
Subiu. Entrou. Cumprimentou. Assentou-se. Preparou-se. Examinou.
Leu. Convocou. Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou.
Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou.
Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. Burlou. Safou-se.
Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. Depositou. Depositou. Depositou.
Associou-se. Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou.
Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou. Desconfiou.
Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou. Esperou. Chegou. Vendeu.
Lucrou. Lesou. Demitiu. Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou.
Beijou. Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu.
Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se.
Envergonhou-se. Presenteou. Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou.
Beijou. Negou. Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou.
Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu. Suou. Ansiou. Tentou.
Despertou. Insistiu. Irritou-se. Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou.
Engoliu. Bebeu. Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu.
Acordou. Levantou-se. Aprontou-se ...

Neste texto, a coerência é depreendida da sequência ordenada dos verbos com os quais
o autor mostra o dia a dia de um empresário. Verbos como lesou, burlou, explorou,
safou-se ... transmitem um julgamento de valor do autor do texto em relação à figura
de um empresário.

35
UNIDADE II │ COESÃO

Podemos constatar que “Como se conjuga um empresário” não precisou de elementos


coesivos para ser considerado um texto. Por outro lado, elos coesivos não são suficientes
para garantir a coerência de um texto. É o caso do exemplo a seguir.

As janelas da casa foram pintadas de azul, mas os pedreiros estão


almoçando. A água da piscina parece limpa, entretanto foi tratada com
cloro. A vista que tenho da casa é muito agradável.

Finalizando, vale dizer que, embora a coesão não seja condição suficiente para que
enunciados se constituam em textos, são os elementos coesivos que dão a eles maior
legibilidade e evidenciam as relações entre seus diversos componentes. A coerência em
textos didáticos, expositivos, jornalísticos depende da utilização explícita de elementos
coesores.

36
CAPÍTULO 2
Mecanismos de Coesão

São variadas as maneiras como os diversos autores descrevem e classificam os


mecanismos de coesão. Consideramos que é necessário perceber como esses mecanismos
estão presentes no texto (quando estão) e de que maneira contribuem para sua tecitura,
sua organização.

“Todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável)


uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na
superfície textual podem ser encarados como instrumentos de coesão.”

(Mira Mateus – 1983

Coesão Gramatical
Faz-se por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos vocábulos, dos
conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes
possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de
numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor temporal.

De acordo com o quadro antes apresentado, passamos a ver separadamente cada um


dos tipos de conexão gramatical, a saber, frásica, interfrásica, temporal e referencial.

Coesão Frásica
Este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os componentes da frase,
com base na concordância entre o nome e seus determinantes, entre o sujeito e o verbo,
entre o sujeito e seus predicadores, na ordem dos vocábulos na oração, na regência
nominal e verbal. Exemplos:

1. Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com


ondas, sem ondas, rústicas, sofisticadas.

Concordância nominal

praias desertas, agitadas, rústicas, sofisticadas


(subst.) (adjetivos)

todos os gostos
(pron.) (artigo) (substantivo)

37
UNIDADE II │ COESÃO

Concordância verbal

Florianópolis tem
(sujeito) (verbo)

2. A voz de Elza Soares é um patrimônio da música brasileira. Rascante,


oclusiva, suingada, é algo que poucas cantoras, no mundo inteiro, têm.

Concordância nominal

voz rascante, oclusiva,


suingada

poucas cantoras

música brasileira

mundo inteiro

Concordância verbal

voz é

cantoras têm

Com respeito à ordem dos vocábulos na oração, deslocamentos de vocábulos ou


expressões dentro da oração podem levar a diferentes interpretações de um mesmo
enunciado. Observe estas frases:

a. O barão admirava a bailarina que dançava com um olhar lânguido.

A expressão com um olhar lânguido, devido à posição em que foi colocada,


causa ambiguidade, pois tanto pode se referir ao barão como à bailarina. Para
deixar claro um ou outro sentido, é preciso alterar a ordem dos vocábulos.

O barão, com um olhar lânguido, admirava a bailarina


que dançava.

O barão admirava a bailarina que, com um olhar lânguido,


dançava.

b. A moto em que ele estava passeando lentamente saiu da estrada.

A análise deste período mostra que ele é formado de duas orações: A moto saiu
da estrada e em que ele estava passeando. A qual das duas, no entanto, se liga

38
COESÃO │ UNIDADE II

o advérbio lentamente? Da forma como foi colocado, pode se ligar a qualquer


uma das orações. Para evitar a ambiguidade, recorremos a uma mudança na
ordem dos vocábulos. Poderíamos ter, então:

A moto em que lentamente ele estava passeando saiu da


estrada.

A moto em que ele estava passeando saiu lentamente da


estrada.

Também em relação à regência verbal, a coesão pode ficar prejudicada se não forem
tomados alguns cuidados. Há verbos que mudam de sentido conforme a regência, isto
é, conforme a relação que estabelecem com o seu complemento.

Por exemplo, o verbo assistir é usado com a preposição a quando significa ser espectador,
estar presente, presenciar. Exemplo: A cidade inteira assistiu ao desfile das escolas de
samba. Entretanto, na linguagem coloquial, este verbo é usado sem a preposição. Por
isso, com frequência, temos frases como: Ainda não assisti o filme que foi premiado no
festival, ou, A peça que assisti ontem foi muito bem montada (ao invés de a que assisti).

No sentido de acompanhar, ajudar, prestar assistência, socorrer, usa-se com proposição


ou não. Observe: O médico assistiu ao doente durante toda a noite. Os Anjos do Asfalto
assistiram as vítimas do acidente.

No que diz respeito à regência nominal, há também casos em que os enunciados podem
se prestar a mais de uma interpretação. Se dissermos A liquidação da Mesbla foi
realizada no fim do verão, podemos entender que a Mesbla foi liquidada, foi vendida ou
que a Mesbla promoveu uma liquidação de seus produtos. Isso acontece porque o nome
liquidação está acompanhado de um outro termo (da Mesbla). Dependendo do sentido
que queremos dar à frase, podemos reescrevê-la de duas maneiras:

A Mesbla foi liquidada no fim do verão.

A Mesbla promoveu uma liquidação no fim do verão.

Coesão Interfrásica

Designa os variados tipos de interdependência semântica existente entre as frases


na superfície textual. Essas relações são expressas pelos conectores ou operadores
discursivos. É necessário, portanto, usar o conector adequado à relação que queremos
expressar. Seguem exemplos dos diferentes tipos de conectores que podemos
empregar:

39
UNIDADE II │ COESÃO

a. As baleias que acabam de chegar ao Brasil saíram da Antártida há


pouco mais de um mês. No banco de Abrolhos, uma faixa com cerca
de 500 quilômetros de água rasa e cálida, entre o Espírito Santo e a
Bahia, as baleias encontram as condições ideais para acasalar, parir e
amamentar. As primeiras a chegar são as mães, que ainda amamentam
os filhotes nascidos há um ano. Elas têm pressa, porque é difícil conciliar
amamentação e viagem, já que um filhote tem necessidade de mamar
cerca de 100 litros de leite por dia para atingir a média ideal de aumento
de peso: 35 quilos por semana. Depois, vêm os machos, as fêmeas sem
filhote e, por último, as grávidas. Ao todo, são cerca de 1000 baleias
que chegam a Abrolhos todos os anos. Já foram dezenas de milhares
na época do descobrimento, quando estacionavam em vários pontos da
costa brasileira. Em 1576, Pero de Magalhães Gândavo registrou ter visto
centenas delas na baía de Guanabara.

Revista Veja, no 30, julho/1997

b. Como suas glândulas mamárias são internas, ela espirra o leite na água.

Revista Veja, no 30, julho/1997

c. Ao longo dos meses, porém, a música vai sofrendo pequenas mudanças,


até que, depois de cinco anos, é completamente diferente da original.

Revista Veja, no 30, julho/1997

d. A baleia vem devagar, afunda a cabeça, ergue o corpanzil em forma de


arco e desaparece um instante. Sua cauda, então, ressurge gloriosa sobre
a água como se fosse uma enorme borboleta molhada. A coreografia dura
segundos, porém tão grande é a baleia que parece um balé em câmara
lenta.

Revista Veja, no 30, julho/1997

e. Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano


presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é
muito rápido, dura apenas alguns segundos.

Revista Veja, no 30, julho/1997

f. A jubarte é engenhosa na hora de se alimentar. Como sua comida costuma


ficar na superfície, ela mergulha e nada em volta dos peixes, soltando
bolhas de água. Ao subir, as bolhas concentram o alimento num círculo.

40
COESÃO │ UNIDADE II

Em seguida, a baleia abocanha tudo, elimina a água pelo canto da boca


e usa a língua como uma canaleta a fim de jogar o que interessa goela
adentro.

Revista Veja, no 30, julho/1997

g. Várias publicações estrangeiras foram traduzidas, embora, muitas vezes,


valha a pena comprar a versão original.

Revista Veja, no 30, julho/1997

h. Como guia de Paris, o livro é um embuste. Não espere, portanto, descobrir


através dele o horário de funcionamento dos museus. A autora faz uma
lista dos lugares onde o turista pode comprar roupas, óculos, sapatos,
discos, livros, no entanto, não fornece as faixas de preço das lojas.

Revista Veja, no 30, julho/1997

i. Se já não é possível espantar a chicotadas os vendilhões do templo, a


solução é integrá-los à paisagem da fé. (...) As críticas vêm não só dos
vendilhões ameaçados de ficar de fora, mas também das pessoas que
frequentam o interior do templo para exercer a mais legítima de suas
funções, a oração.

Revista Veja, no 30, julho/1997

j. Na verdade, muitos habitantes de Aparecida estão entre a cruz e a caixa


registradora. Vivem a dúvida de preservar a pureza da Casa de Deus ou
apoiar um empreendimento que pode trazer benesses materiais.

Revista Veja, no 30, julho/1997

l. A Igreja e a prefeitura estimam que o shopping deve gerar pelo menos


1000 empregos.

Revista Veja, no 30, julho/1997

m. Aparentemente boa, a infraestrutura da Basílica se transforma em pó em


outubro, por exemplo, quando num único fim de semana surgem 300
mil fiéis.

Revista Veja, no 30, julho/1997

41
UNIDADE II │ COESÃO

n. O shopping da fé também contará com um centro de eventos com palco


giratório.

Revista Veja, no 30, julho/1997

Conectores:

e (exemplos a,d,f) – liga termos ou argumentos.

porque (exemplo a), já que (exemplo a), como (exemplos b, f) – introduzem uma
explicação ou justificativa.

para (exemplos a, i), a fim de (exemplo f) – indicam uma finalidade.

porém (exemplos c, d), mas (e) , embora (g) , no entanto (h) – indicam uma
contraposição.

como (exemplo d) , tão ... que (exemplo d), tão ... quanto (exemplo e) – indicam
uma comparação.

portanto (h) – evidencia uma conclusão.

Depois (a) , por último (a), quando (a), já (a), ao longo dos meses (c), depois
de cinco anos (c), em seguida (f), até que (c) – servem para explicar a ordem dos
fatos, para encadear os acontecimentos.

então (d) – operador que serve para dar continuidade ao texto.

se (exemplo i) – indica uma forma de condicionar uma proposição a outra.

não só ... mas também (exemplo i) – serve para mostrar uma soma de argumentos.

na verdade (exemplo j) – expressa uma generalização, uma amplificação.

ou (exemplo j) – apresenta um disjunção argumentativa, uma alternativa.

por exemplo (exemplo m) – serve para especificar o que foi dito antes.

também (exemplo n) – operador para reforçar mais um argumento apresentado.

Ainda dentro da coesão interfrásica, existe o processo de justaposição em que a coesão se


dá em função da sequência do texto, da ordem em que as informações, as proposições e
os argumentos vão sendo apresentados. Quando isso acontece, ainda que os operadores
não tenham sido explicitados, eles são depreendidos da relação que está implícita entre
as partes da frase. O trecho abaixo é um exemplo de justaposição.

42
COESÃO │ UNIDADE II

Foi em cabarés e mesas de bar que Di Cavalcanti fez amigos, conquistou


mulheres, foi apresentado a medalhões das artes e da política. Nos anos
20, trocou o Rio por longas temporadas em São Paulo; em seguida foi
para Paris. Acabou conhecendo Picasso, Matisse e Braque nos cafés
de Montparnasse. Di Cavalcanti era irreverente demais e calculista de
menos em relação aos famosos e poderosos. Quando se irritava com
alguém, não media palavras. Teve um inimigo na vida. O também pintor
Cândido Portinari. A briga entre ambos começou nos anos 1940. Jamais
se reconciliaram. Portinari não tocava publicamente no nome de Di.
(Revista VEJA, no 37, setembro/1997)

Há, neste trecho, apenas uma coesão interfrásica explicitada: trata-se da oração
“Quando se irritava com alguém, não media palavras”. Os demais possíveis conectores
são indicados por ponto e ponto-e-vírgula.

Coesão Temporal

Uma sequência só se apresenta coesa e coerente quando a ordem dos enunciados


estiver de acordo com aquilo que sabemos ser possível de ocorrer no universo a que o
texto se refere, ou no qual o texto se insere. Se essa ordenação temporal não satisfizer
essas condições, o texto apresentará problemas no seu sentido. A coesão temporal é
assegurada pelo emprego adequado dos tempos verbais, obedecendo a uma sequência
plausível, ao uso de advérbios que ajudam a situar o leitor no tempo (são, de certa
forma, os conectores temporais). Exemplos:

A dita Era da Televisão é, relativamente, nova. Embora os princípios


técnicos de base sobre os quais repousa a transmissão televisual já
estivessem em experimentação entre 1908 e 1914, nos Estados Unidos,
no decorrer de pesquisas sobre a amplificação eletrônica, somente na
década de vinte chegou-se ao tubo catódico, principal peça do aparelho
de tevê. Após várias experiências por sociedades eletrônicas, tiveram
início, em 1939, as transmissões regulares entre Nova Iorque e Chicago
- mas quase não havia aparelhos particulares. A guerra impôs um
hiato às experiências. A ascensão vertiginosa do novo veículo deu-se
após 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiências pioneiras de
laboratório (Roquete Pinto chegou a interessar-se pela transmissão
da imagem), a tevê só foi mesmo implantada em setembro de 1950,
com a inauguração do Canal 3 (TV Tupi), por Assis Chateaubriand.
Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, já havia cerca de cem estações,
servindo a doze milhões de aparelhos. Existem hoje mais de 50 canais

43
UNIDADE II │ COESÃO

em funcionamento, em todo o território brasileiro, e perto de 4 milhões


de aparelhos receptores [dados de 1971].
(Muniz Sodré, A comunicação do grotesco)

Temos, neste parágrafo, a apresentação da trajetória da televisão no Brasil, e o que


contribui para a clareza desta trajetória é a sequência coerente das datas: entre 1908 e
1914, na década de 1920, em 1939, Após várias experiências por sociedades eletrônicas,
(época da) guerra, após 1945, em setembro de 1950, nesse mesmo ano, hoje.

Embora o assunto neste tópico seja a coesão temporal, vale a pena mostrar também
a ordenação espacial que acompanha as diversas épocas apontadas no parágrafo: nos
Estados Unidos, entre Nova Iorque e Chicago, no Brasil, em todo o território brasileiro.

Coesão Referencial – neste tipo de coesão, um componente da superfície textual faz


referência a outro componente, que, é claro, já ocorreu antes. Para esta referência são
largamente empregados os pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos),
pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos
tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos. Exemplos:

a. Durante o período da amamentação, a mãe ensina os segredos da


sobrevivência ao filhote e é arremedada por ele. A baleiona salta, o filhote
a imita. Ela bate a cauda, ele também o faz.

ela, a – retomam o termo baleiona, que, por sua vez, substitui o vocábulo
mãe.

ele – retoma o termo filhote

ele também o faz – o retoma as ações de saltar, bater, que a mãe pratica.

b. Madre Teresa de Calcutá, que em 1979 ganhou o Prêmio Nobel da Paz


por seu trabalho com os destituídos do mundo, estava triste na semana
passada. Perdera uma amiga, a princesa Diana. Além disso, seus
problemas de saúde agravaram-se. Instalada em uma cadeira de rodas,
ela mantinha-se, como sempre, na ativa. Já que não podia ir a Londres,
pretendia participar, no sábado, de um ato em memória da princesa, em
Calcutá, onde morava há quase setenta anos. Na noite de sexta-feira,
seu médico foi chamado às pressas. Não adiantou. Aos 87 anos, Madre
Teresa perdeu a batalha entre seu organismo debilitado e frágil e sua
vontade de ferro e morreu vítima de ataque cardíaco. O Papa João Paulo
II declarou-se “sentido e entristecido”. Madre Teresa e o papa tinham
grande afinidade.

44
COESÃO │ UNIDADE II

que, seu, seus, ela, sua referem-se a Madre Teresa.

princesa retoma a expressão princesa Diana.

papa retoma a expressão Papa João Paulo II.

onde refere-se à cidade de Calcutá.

Há ainda outros elementos de coesão, como Além disso, já que, que introduzem,
respectivamente, um acréscimo ao que já fora dito e uma justificativa.

c. Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em


grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando.
É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir. Os
machos vão atrás, na expectativa de ver se a fêmea cai na rede, com o
perdão do trocadilho, e aceita copular. Como há mais machos que fêmeas,
elas copulam com vários deles para ter certeza de que engravidarão.

Neste exemplo, ocorre um tipo bastante comum de referência - a anafórica.


Os pronomes elas (que retoma jubartes), ela (que retoma fêmea), elas (que se
refere a fêmeas) e deles (que se refere a machos) ocorrem depois dos nomes
que representam.

d. Ele foi o único sobrevivente do acidente que matou a princesa, mas o


guarda-costas não se lembra de nada.

e. Elas estão divididas entre a criação dos filhos e o desenvolvimento


profissional, por isso, muitas vezes, as mulheres precisam fazer escolhas
difíceis.

Nas letras d, e temos o que se chama uma referência catafórica. Isto


acontece porque os pronomes Ele e Elas, que se referem, respectivamente, a
guarda-costas e mulheres aparecem antes do nome que retomam.

f. A expedição de Vasco da Gama reunia o melhor que Portugal podia


oferecer em tecnologia náutica. Dispunha das mais avançadas cartas de
navegação e levava pilotos experientes.

Temos neste período uma referência por elipse. O sujeito dos verbos dispunha e levava
é A expedição de Vasco da Gama, que não é retomada pelo pronome correspondente
ela, mas por elipse, isto é, a concordância do verbo – 3ª pessoa do singular do pretérito
imperfeito do indicativo – é que indica a referência.

45
UNIDADE II │ COESÃO

Existe, ainda, a possibilidade de uma ideia inteira ser retomada por um pronome, como
acontece nas frases a seguir:

a. Todos os detalhes sobre a vida das jubartes são resultado de anos


de observação de pesquisadores apaixonados pelo objeto de estudo.
Trabalhos como esse vêm alcançando bons resultados.

O pronome esse retoma toda a sequência anterior.

b. Se ninguém tomar uma providência, haverá um desastre sem precedentes


na Amazônia brasileira. Ainda há tempo de evitá-lo.

O pronome lo se refere ao desastre sem precedentes citado antes.

c. A lei é um absurdo do começo ao fim. Primeiro, porque permite aos


moradores da superquadra isolar uma área pública, não permitindo que
os demais habitantes transitem por ali. Segundo, o projeto não repassa aos
moradores o custo disso, ou seja, a responsabilidade pela coleta de lixo,
pelos serviços de água e luz e pela instalação de telefones. Pelo contrário,
a taxa de limpeza pública seria reduzida para os moradores. Além disso,
a aprovação do texto foi obtida mediante emprego de argumentos falsos.

Este texto apresenta diferentes tipo de elementos de coesão.

ali – faz referência a área pública, anteriormente citada.

disso – retoma o que é considerado um absurdo dentro da nova lei. Ao mesmo


tempo, disso é explicado a partir do operador ou seja.

ou seja, pelo contrário – conectores que introduzem uma retificação, uma


correção.

Além disso – conector que tem por função acrescentar mais um argumento
ao que está sendo discutido.

Primeiro e Segundo – estes conectores indicam a ordem dos argumentos,


dos assuntos.

Coesão Lexical
Neste tipo de coesão, usamos termos que retomam vocábulos ou expressões que
já ocorreram, porque existem entre eles traços semânticos semelhantes, até mesmo
opostos. Dentro da coesão lexical, podemos distinguir a reiteração e a substituição.
46
COESÃO │ UNIDADE II

Por reiteração entendemos a repetição de expressões linguísticas; neste caso,


existe identidade de traços semânticos. Este recurso é, em geral, bastante usado
nas propagandas, com o objetivo de fazer o ouvinte/leitor reter o nome e as
qualidades do que é anunciado. Observe, os exemplos a seguir. Veja quantas
vezes é repetido o nome da refinaria.

Em 1937, quando a Ipiranga foi fundada, muitos afirmavam que seria difícil uma
refinaria brasileira dar certo.

Quando a Ipiranga começou a produzir querosene de padrão internacional,


muitos afirmavam, também, que dificilmente isso seria possível.

Quando a Ipiranga comprou as multinacionais Gulf Oil e Atlantic, muitos


disseram que isso era incomum.

E, a cada passo que a Ipiranga deu nesses anos todos, nunca faltaram previsões
que indicavam outra direção.

Quem poderia imaginar que, a partir de uma refinaria como aquela, a Ipiranga
se transformaria numa das principais empresas do país, com 5.600 postos de
abastecimento anual de 5,4 bilhões de dólares?

E, que além de tudo, está preparada para o futuro?

É que, além de ousadia, a Ipiranga teve sorte: a gente estava tão ocupado
trabalhando que nunca sobrou muito tempo para prestar atenção em profecias.

(Revista VEJA, no 37, setembro/1997)

Outro exemplo de coesão lexical:

A história de Porto Belo envolve invasão de aventureiros espanhóis, aventureiros


ingleses e aventureiros franceses, que procuraram portos naturais, portos
seguros para proteger suas embarcações de tempestades.

(JB, Caderno Viagem, 25/8/1993)

A substituição é mais ampla, pois pode se efetuar por meio da sinonímia, da antonímia,
da hiperonímia, da hiponímia.

Sinonímia

a. Pelo jeito, só Clinton insiste no isolamento de Cuba. João Paulo II decidiu


visitar em janeiro a Ilha da Fantasia.

47
UNIDADE II │ COESÃO

Os termos assinalados têm o mesmo referente. Entretanto, é preciso esclarecer


que, neste caso, há um julgamento de valor na substituição de Cuba por Ilha
da Fantasia, numa alusão a lugar onde não há seriedade.

b. Aos 26 anos, o zagueiro Júnior Baiano deu uma grande virada em sua
carreira. Conhecido por suas inconsequentes “tesouras voadoras”, ele
passou a agir de maneira mais sensata, atitude que já levou até a Seleção
Brasileira.

Patrícia, a esposa, e os filhos Patrícia Caroline e Patrick são as maiores alegrias


desse baiano nascido na cidade de Feira de Santana. “Eles são a minha razão
de viver e lutar por coisas boas”, comenta o zagueiro.

Na galeria do ídolos, Júnior Baiano coloca três craques: Leandro, Mozer a


Aldair. “Eles sabem tudo de bola, diz o jogador. O zagueiro da Seleção só
questiona se um dia terá o mesmo prestígio deles.

Deixando para trás a fase de desajustado e brigão, o zagueiro rubro-negro


agora orienta os mais jovens e aposta nesta nova geração do Flamengo.

Este tipo de procedimento é muito útil para evitar as constantes repetições


que tornam um texto cansativo e pouco atraente. Observe quantas diferentes
maneiras foram empregadas para fazer alusão à mesma pessoa. Dentro
desse parágrafo, observamos ainda outros mecanismos de coesão já vistos
anteriormente: sua, ele, o, que retomam o jogador Júnior Baiano, e deles, que
retoma os três craques.

c. Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo do bonde,


o homem mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em
colorir retrato e fazia caricatura em cinco minutos. No momento, ele
retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um dos melhores
sorrisos do presidente morto.

d. Vestia um camisolão azul, sem cintura. Tinha cabelos longos como Jesus e
barbas longas. Nos pés calçava sandálias para enfrentar o pó das estradas
e, a cabeça, protegia-a do sol inclemente com um chapelão de abas largas.
Nas mãos levava um cajado, como os profetas, os santos, os guiadores de
gente, os escolhidos, os que sabiam o caminho do céu. Chamava os outros
de “meu irmão”. Os outros chamavam-no “meu pai”. Foi conhecido como
Antônio dos Mares, uma certa época, e também como Irmão Antônio. Os
mais devotos o intitulavam “Bom Jesus”, “Santo Antônio”. De batismo,

48
COESÃO │ UNIDADE II

era Antônio Vicente Mendes Maciel. Quando fixou sua fama, era Antônio
Conselheiro, nome com o qual conquistou os sertões e além.

Os vocábulos assinalados indicam a sinonímia para o nome de Antônio


Conselheiro. Por ser um parágrafo rico em mecanismos de coesão, vale a pena
mostrar mais alguns deles. Por exemplo, o sujeito de vestia, tinha, calçava,
levava, chamava, foi conhecido, fixou é sempre o mesmo, isto é, Antônio
Conselheiro, mas só ao final do texto esse sujeito é esclarecido. Dizemos,
então, que, neste caso, houve uma referência por elipse.

Chamavam-no e o intitulavam - os pronomes oblíquos no e o retomam a figura


de Antônio Conselheiro. Da mesma forma, o pronome a (protegia-a) refere-se
ao nome cabeça, e o possessivo sua (sua fama) tem como referente o mesmo
Antônio Conselheiro.

e. Depois do ciclo Romário, o Flamengo entra na era Sávio. Pelo menos é


essa a intenção do presidente Kleber Leite. O dirigente nega a intenção do
clube em fazer de seu atacante uma moeda de troca. “No ano passado me
ofereceram US $ 9 milhões e mais o passe do Romário pelo Sávio e eu não
fiz negócio”, lembrou. Segundo Kleber, o jogador tem categoria suficiente
para se transformar em um ídolo nacional. Por falar em prata da casa,o
presidente do Flamengo, apoiado por Zico, vai apostar nos jovens valores
do clube para o segundo semestre. Ele acha que, mantendo a base, com
Sávio, Júnior Baiano, Athirson, Evandro e Lúcio, o time rubro-negro terá
condições de chegar às finais do Campeonato Brasileiro e Supercopa.

As expressões assinaladas se referem à mesma pessoa. Na verdade, temos em


dirigente um sinônimo de fato, enquanto as outras substituições podem ser
chamadas de elipses parciais, embora todas remetam ao presidente do clube
carioca. Existe igualmente sinonímia entre Sávio, atacante e jogador.

f. Penando para tentar reduzir a conta dos direitos e benefícios dos


trabalhadores, todo governante europeu hoje em dia baba de inveja dos
Estados Unidos - o país do cada um por si e o governo, de preferência,
bem longe dessas questões. Pois foi justamente na terra do vale-tudo
entre patrão e empregado que 185.000 filiados de um sindicato cruzaram
os braços neste mês e pararam por quinze dias a UPS, a maior empresa
de entregas terrestres do mudo.

49
UNIDADE II │ COESÃO

Não podemos deixar de apontar que, neste exemplo, os sinônimos escolhidos


para Estados Unidos se revestem de um juízo de valor, são denominações de
caráter pejorativo.

Antonímia – é a seleção de expresões linguísticas com traços semânticos


opostos. Exemplos:

g. Gelada no inverno, a praia de Garopaba oferece no verão uma das mais


belas paisagens catarinenses.

Hiperonímia e Hiponímia

Por hiperonímia temos o caso em que a primeira expressão mantém com a segunda
uma relação de todo-parte ou classe-elemento. Por hiponímia designamos o caso
inverso: a primeira expressão mantém com a segunda uma relação de parte-todo ou
elemento-classe. Em outras palavras, essas substituições ocorrem quando um termo
mais geral - o hiperônimo - é substituído por um termo menos geral - o hipônimo, ou
vice-versa. Os exemplo ajudam a entender melhor.

a. Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano


presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é
muito rápido, dura apenas alguns segundos.

(Revista VEJA, no 30, julho/1997)

b. Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em


grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando.
É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir.

(Idem)

c. Dentre as 79 espécies de cetáceos, as jubartes são as únicas que cantam –


tanto que são conhecidas também por “baleias cantoras”.

(Idem)

d. A renda de bilro é a mais conhecida e criativa forma de artesanato


catarinense.

(JB, Caderno Viagem, 25/8/1993)

50
COESÃO │ UNIDADE II

e. O litoral norte de Santa Catarina tem um verdadeiro festival de localidades


famosas: a praia de Camboriu, a ilha de São Francisco do Sul, a enseada
do Brito.

(Idem)

f. Dado que, entre os assentados, é expressivo o número de analfabetos,


pode-se ter uma ideia de quanto é difícil elaborar um projeto ou usar
novas tecnologias. Com pouco dinheiro e escassa assistência, eles
costumam usar sementes de qualidade baixa e voltar-se para a produção
de consumo familiar. Mesmo entre os instrumentos de trabalho mais
corriqueiros, também há escassez brutal, e a maioria dos assentados não
dispõe nem mesmo de uma pá ou de uma picareta. Entre eles, ainda que
os sem-terra tenham escolhido a foice como um dos seus símbolos de luta
pela reforma agrária, o instrumento mais comum ainda é a velha enxada.

(Revista VEJA, no 29, julho/1997)

Hiperônimos Hipônimos
(termos mais gerais) (termos mais específicos)
baleias jubartes
animais jubartes
cetáceos baleias
artesanato renda de bilro
litoral norte praia, ilha, enseada
instrumentos pá, picareta, foice, enxada

Vale a pena apontar também a coesão lexical por sinonímia, entre assentados e
sem-terra (exemplo f) e entre jubartes e baleias cantoras (exemplo c). Os pronomes
eles (caso reto) e se (caso oblíquo) são exemplos de coesão gramatical referencial,
pois remetem aos assentados.

Termos catafóricos e anafóricos

Noely Landarin

Uma das propriedades que distingue um texto de um amontoado de palavras


ou frases é o relacionamento existente entre si. De que trata, então, a coesão
textual? Da ligação, da relação, da conexão entre as palavras de um texto, através
de elementos formais, que assinalam o vínculo entre os seus componentes.

Uma das modalidades de coesão é a remissão. E a coesão pode desempenhar


a função de (re)ativação do referente. A reativação do referente no texto é

51
UNIDADE II │ COESÃO

realizada por meio da referenciação anafórica ou catafórica, formando-se


cadeias coesivas mais ou menos longas.

A remissão anafórica (para trás) realiza-se por meio de pronomes pessoais de


3ª pessoa (retos e oblíquos) e os demais pronomes; também por numerais,
advérbios e artigos.

Exemplo: André e Pedro são fanáticos torcedores de futebol. Apesar disso, são
diferentes. Este não briga com quem torce para outro time; aquele o faz.

Explicação: O termo isso retoma o predicado são fanáticos torcedores


de futebol; este recupera a palavra Pedro; aquele , o termo André; o faz, o
predicado briga com quem torce para o outro time – são anafóricos.

A remissão catafórica (para a frente) realiza-se preferencialmente por meio


de pronomes demonstrativos ou indefinidos neutros, ou de nomes genéricos,
mas também por meio das demais espécies de pronomes, de advérbios e de
numerais. Exemplos:

Exemplo: Qualquer que tivesse sido seu trabalho anterior, ele o abandonara,
mudara de profissão e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo
o que sabíamos dele, o professor, gordo e silencioso, de ombros contraídos.

Explicação: O pronome possessivo seu e o pronome pessoal reto ele antecipam


a expressão o professor – são catafóricos.

De que trata a coerência textual? Da relação que se estabelece entre as diversas


partes do texto, criando uma unidade de sentido. Está, portanto, ligada ao
entendimento, à possibilidade de interpretação daquilo que se ouve ou lê.

Modelo de questão: coesão e coerência (AFRF-2003)

As questões de números 1 e 2 têm o texto abaixo como base.

Falar em direitos humanos pressupõe localizar a realidade que os faz emergir no


contexto sócio-político e histórico-estrutural do processo contraditório de
criação das sociedades. Implica, em suma, desvendar, a cada momento deste
processo, o que venha a resultar como direitos novos até então escondidos
sob a lógica perversa de regimes políticos, sociais e econômicos, injustos e
comprometedores da liberdade humana.

Este ponto de vista referencial determina a dimensão do problema dos direitos


humanos na América Latina.

52
COESÃO │ UNIDADE II

Neste contexto, a fiel abordagem acerca das condições presentes e dos


caminhos futuros dos direitos humanos passa, necessariamente, pela reflexão
em torno das relações econômicas internacionais entre países periféricos e
países centrais.

As desarticulações que desta situação resultam não chegam a modificar a base


estrutural destas relações: a extrema dependência a que estão submetidos os
países periféricos, tanto no que concerne ao agravamento das condições de
trabalho e de vida (degradação dos salários e dos benefícios sociais), quanto na
dependência tecnológica, cultural e ideológica.

(Núcleo de estudos para a Paz e Direitos Humanos, UnB in: Introdução Crítica
ao Direito, com adaptações)

1. Assinale a opção que não estabelece uma continuidade coerente e


gramaticalmente correta para o texto:

a. Nesta parte do mundo, imensas parcelas da população não têm


minimamente garantida sua sobrevivência material. Como, pois,
reivindicar direitos fundamentais se a estrutura da sociedade não
permite o desenvolvimento da consciência em sua razão plena?

b. Por conseguinte, a questão dos Direitos tem significado político,


enquanto realização histórica de uma sociedade de plena superação
das desigualdades, como organização social da liberdade.

c. Assim, pois, a opressão substitui a liberdade. A percepção da


complexidade da realidade latino-americana remete diretamente a
uma compreensão da questão do homem ao substituí-lo pela questão
da tecnologia.

d. Na América Latina, por isso, a luta pelos direitos humanos engloba


e unifica em um mesmo momento histórico, atual, a reivindicação dos
direitos pessoais.

e. Não nos esqueçamos que a construção do autoritarismo, que


marcou profundamente nossas estruturas sociais, configurou o
sistema político imprescindível para a manutenção e reprodução
dessa dependência.

DICAS: esse tipo de questão exige a capacidade de seleção das informações


básicas do texto e de percepção dos elementos de coesão constitutivos do

53
UNIDADE II │ COESÃO

último período e sua interligação com o parágrafo subsequente; nesse caso, a


opção que será marcada.

O texto trata dos direitos humanos – a realidade no contexto socio-político


e histórico-estrutural – processo de criação das sociedades; “as relações
econômicas internacionais entre países periféricos (a sua dependência) e países
centrais”.

(O gabarito assinala a altern. C). Justificativa: o comando da questão pede


“a opção que não estabelece uma continuidade...” , a alternativa C inicia,
estabelecendo relação de conclusão (“Assim, pois,a opressão...”) utilizando-se
de elementos que não são citados no texto: opressão – liberdade – tecnologia,
caracterizando incoerência textual. Nas demais alternativas há expressões que
fazem menção às ideias do texto. Serão grifadas as palavras ou expressões
relacionadas ao texto:

*na altern. a)”... nessa parte do mundo...” (países periféricos),

* na altern. b)”... a questão dos Direitos tem significado político...” (parte inicial do
texto),

*na altern. d) “Na América Latina, por isso, a luta pelos direitos humano...”

* na altern. e)”... o sistema político imprescindível para a manutenção e


reprodução dessa dependência.” (tanto a letra d) quanto a e) fazem referência
às informações básicas do texto.

2. Assinale a opção em que, no texto, a expressão que antecede a barra


não retoma a ideia da segunda expressão que sucede a barra.

a. “realidade” (l.2) / “ contexto sócio-político e histórico-estrutural do


processo” (l.2 e 3)

b. “deste processo” (l.6) / “ Processo contraditório de criação das


sociedades” (l.3 e 4)

c. “Este ponto de vista referencial” (l.11) / “ideias expressas no primeiro


parágrafo.”

d. “Neste contexto” (l.14) / “discussão sobre os direitos humanos na


América Latina.”

e. “desta situação” (l.20) / “relações econômicas internacionais entre


países periféricos e países centrais.”

54
COESÃO │ UNIDADE II

GABARITO: A

DICAS: essa questão é típica de coesão textual que trata dos elementos
anafóricos – aqueles que retomam um elemento referencial (anterior). O
objetivo do comando é “a expressão que antecede a barra não retoma a ideia da
segunda expressão. Se observar com atenção, a palavra “realidade” da altern. a)
vem citada antes, no texto, que a expressão “contexto sócio-político e histórico-
estrutural do processo”, portanto corresponde ao que se pede. Daí, o gabarito
apontar a altern a) como a indicada.

<http://www.algosobre.com.br/index2.php?option=com_conte>

55
CAPÍTULO 3
Coerência e Coesão – seu papel na
compreensão e na produção de textos

Neste último item, nosso objetivo é mostrar como o trabalho com os mecanismos
de coerência e coesão é necessário para a atividade de compreensão e produção de
textos. Este trabalho não deve se ater ou se restringir aos nomes e definições de cada
mecanismo, isto não seria de grande proveito. É preciso, acima de tudo, mostrar aos
alunos como devem, ao produzir seus textos, lidar com a coerência e a coesão.

um professor pode fazer grandes modificações em sua metodologia de ensino de


produção e compreensão de textos, baseando-se nas descobertas da Linguística
Textual sobre coesão e coerência, sem fazer qualquer referência teórica sobre o
assunto para seus alunos de 1o e 2o graus.

KOCH (1990)

Às vezes, a grande preocupação do ensino de língua portuguesa é fazer com que os alunos
decorem, por exemplo, uma interminável lista de conjunções, as coordenativas e as
subordinativas. É muito mais produtivo eles entenderem o sentido das conjunções,
sua função argumentativa, as relações que estabelecem entre as ideias como uma forma
de evitar os períodos incoerentes do ponto de vista sintático e semântico.

Outro assunto que também é trabalhoso no ensino de língua portuguesa, diz respeito à
pontuação. São extremamente comuns as queixas não sei pontuar, não sei usar vírgulas
etc. Seria, talvez, mais proveitoso aliar o ensino da pontuação ao ensino dos mecanismos
de coerência e coesão, mostrando a importância da pontuação para o estabelecimento
do sentido do texto. Assim, como podemos usar conectores e outros elementos de
coesão para articular vocábulos ou orações e indicar as relações existentes entre eles,
os sinais de pontuação também contribuem para a “costura” do texto. Observe o trecho
abaixo, extraído de uma reportagem sobre o pintor Di Cavalcanti.

Nas vacas magras, ia de cerveja a cachaça. Nunca ficava bêbado. Tinha um poder
enorme sobre o copo. Bebia, depois deitava, lia, relaxava.

(Revista VEJA, no 37, julho/1997)

Temos um período formado de quatro orações, separadas por ponto. Embora não haja
conectores gramaticais explícito, percebemos de que forma essas orações se combinam,

56
COESÃO │ UNIDADE II

formando uma sequência. Entretanto, se quiséssemos usar conjunções e outros


coesores, poderíamos reescrever esse mesmo período da seguinte maneira:

Nas vacas magras, ia de cerveja a cachaça, porém (entretanto, mas, contudo) nunca ficava
bêbado, pois (porque, visto que, (dado que) tinha um poder enorme sobre o copo, isto é, bebia,
depois deitava, lia, descansava.

Esta reescritura serve para mostrar o sentido das conjunções empregadas, sua adequação
ao transmitir as relações entre as orações, e, sobretudo, a possibilidade de substituir os
pontos por conectores explícitos antecedidos de vírgulas. Observamos, ainda, que essa
forma de escrever (sem as conjunções) pode ser marca de um estilo, estando de acordo
com as intenções e preferências do autor do texto.

Na atividade de produção de textos, percebemos que, muitas vezes, os problemas


mais graves advêm das falhas na estruturação da frase, da incoerência das ideias, da
ausência de unidade e encadeamento lógico dos argumentos. Daí a necessidade de
saber lidar com a coerência e a coesão, mostrando como cada uma delas contribui para
a elaboração de um bom texto.

Muitas vezes, o cuidado maior, por parte dos professores, é com a correção gramatical,
como se ela fosse a qualidade mais importante do texto. Lembramos aqui as sempre atuais
colocações de Othon M. Garcia (1973): “uma composição pode estar absolutamente
correta do ponto de vista gramatical e revelar-se absolutamente inaproveitável.” Mais
adiante, continua: “Quando o estudante aprende a concatenar as ideias e estabelecer
suas relações de dependência, expondo seu pensamento de modo claro, coerente e
objetivo, a forma gramatical vem com um mínimo de erros que não chegam a invalidar
a redação. E esse mínimo de erros se consegue evitar com um mínimo de ‘regrinhas’
gramaticais.”

Há, nos estudos sobre coerência e coesão, uma posição comum quanto à íntima relação
entre esses dois mecanismos na produção e compreensão de textos. Vimos que a coesão
não garante a coerência, embora concorra para que esta se estabeleça. Charolles (1986) é
muito claro quando afirma que “o uso dos mecanismos coesivos tem por função facilitar
a interpretação do texto e a construção da coerência pelos usuários. No entanto, eles (os
mecanismos coesivos) podem produzir incoerências: como possuem, por convenção,
funções específicas, não podem ser usados sem respeitar tais convenções. Se isto
acontecer, isto é, se o seu uso contrariar a sua função, o resultado será a incoerência ou
a falta de sequencialidade de modo que o leitor/ouvinte não será capaz de construir a
interpretação adequada.”

57
UNIDADE II │ COESÃO

Finalmente, é bom lembrar que, se o professor quer que seus alunos produzam textos
coerentes e coesos, pode, em primeiro lugar, mostrar a presença desses mecanismos em
textos literários, não literários, jornalísticos, publicitários. Dessa forma, vai familiarizar
seu público com essas novas aquisições linguísticas. Nesta etapa, os alunos vão
perceber que fazem parte da língua elementos que têm a função de estabelecer relações
textuais. Trata-se de processos de sequencialização que asseguram uma ligação entre
os elementos linguísticos formadores do texto – são os chamados recursos de coesão
textual ou instrumentos de coesão.

Só então os alunos passariam a desenvolver a sua própria produção. Muitas vezes, não
basta dizer que o texto do aluno é incoerente; é preciso mostrar onde estão os problemas
e, sobretudo, como podem ser resolvidos.

58
Para (não) Finalizar

Na atividade de produção de textos, percebemos que, muitas vezes, os problemas


mais graves advêm das falhas na estruturação da frase, da incoerência das ideias, da
ausência de unidade e encadeamento lógico dos argumentos. Daí a necessidade de
saber lidar com a coerência e a coesão, mostrando como cada uma delas contribui para
a elaboração de um bom texto.

Muitas vezes, o cuidado maior, por parte dos professores, é com a correção gramatical,
como se ela fosse a qualidade mais importante do texto. Lembramos aqui as sempre atuais
colocações de Othon M. Garcia (1973): “uma composição pode estar absolutamente
correta do ponto de vista gramatical e revelar-se absolutamente inaproveitável.” Mais
adiante, continua: “Quando o estudante aprende a concatenar as ideias e estabelecer
suas relações de dependência, expondo seu pensamento de modo claro, coerente e
objetivo, a forma gramatical vem com um mínimo de erros que não chegam a invalidar
a redação. E esse mínimo de erros se consegue evitar com um mínimo de ‘regrinhas’
gramaticais.”

Há, nos estudos sobre coerência e coesão, uma posição comum quanto à íntima relação
entre esses dois mecanismos na produção e compreensão de textos. Vimos que a coesão
não garante a coerência, embora concorra para que esta se estabeleça. Charolles (1986) é
muito claro quando afirma que “o uso dos mecanismos coesivos tem por função facilitar
a interpretação do texto e a construção da coerência pelos usuários. No entanto, eles (os
mecanismos coesivos) podem produzir incoerências: como possuem, por convenção,
funções específicas, não podem ser usados sem respeitar tais convenções. Se isto
acontecer, isto é, se o seu uso contrariar a sua função, o resultado será a incoerência ou
a falta de sequencialidade de modo que o leitor/ouvinte não será capaz de construir a
interpretação adequada.”

Finalmente, é bom lembrar que, se o professor quer que seus alunos produzam textos
coerentes e coesos, pode, em primeiro lugar, mostrar a presença desses mecanismos em
textos literários, não literários, jornalísticos, publicitários. Dessa forma, vai familiarizar
seu público com essas novas aquisições linguísticas. Nesta etapa, os alunos vão
perceber que fazem parte da língua elementos que têm a função de estabelecer relações

59
PARA (NÃO) FINALIZAR

textuais. Trata-se de processos de sequencialização que asseguram uma ligação entre


os elementos linguísticos formadores do texto – são os chamados recursos de coesão
textual ou instrumentos de coesão.

Só então os alunos passariam a desenvolver a sua própria produção. Muitas vezes, não
basta dizer que o texto do aluno é incoerente; é preciso mostrar onde estão os problemas
e, sobretudo, como podem ser resolvidos.

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Referências

ABREU, Antonio S. Curso de redação. São Paulo: Ática, 1990.

ANTUNES, Irandé C. Aspectos da coesão do texto. Recife: UFPE, 1996.

CUNHA, Celso F.; CINTRA, L. F. Lindley. Gramática do português contemporâneo.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FÁVERO, Leonor L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.

FIORIN, José L.; SAVIOLI, Francisco P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo:
Ática, 1996.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação


Getúlio Vargas, 1973.

HALLIDAY, M.A.K.; HASAN, R. Cohesion in english. Londres: Longman, 1976.

KOCH, Ingedore V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,


1997.

_____. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1990.

KOCH, Ingedore V.; TRAVAGLIA, Luiz C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1989.

_____. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.

MIRA MATEUS, M. Helena et alii. Gramática da língua portuguesa. Coimbra:


Livraria Almedina, 1983.

MARCHUSCHI, L.A. (1986). Análise da conversação. São Paulo: Editora Ática.

MARTINS, Vicente. Ficha de levantamento de informação da aquisição da


linguagem – FILIAL. Sobral: UVA, 2007.

VAN DIJK, T.A.; KINTSCH, W. Strategies in discourse comprehension. New


York: Academic Press, 1983.

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