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Abstract Introdução
1 Faculdade de Ciências The goal of this research was to identify ethical- Na sociedade contemporânea, a adolescência
Médicas, Universidade do
ly conflicting situations experienced by health ocupa um espaço e um status decorrentes das
Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil. professionals during health appointments with mudanças sociais nos últimos anos, que per-
2 Núcleo de Estudos de Saúde adolescents in order to create a protocol for ac- mitiram maior visibilidade e participação dos
do Adolescente, Universidade
tion to help professionals make decisions and to adolescentes na vida social. Hoje, observamos
do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil protect the clients. The study used an observa- um prolongamento dessa etapa da vida, evi-
3 Faculdade de Enfermagem, tional cross-sectional method through inter- denciado pela precocidade da puberdade, por
Universidade do Estado
views with health professionals at the Center for um maior tempo de escolarização e uma entra-
do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil. Studies on Adolescent Health, Rio de Janeiro da tardia no mercado de trabalho. Inserindo-se
State University, to obtain data from cases in- num período longo, de grande crescimento e
Correspondência
S. R. Taquette
volving bioethical, ethical, and legal conflicts. desenvolvimento, a clientela adolescente que
Faculdade de Ciências Seventy-four professionals reported 149 cases, procura os serviços de saúde é muito variada,
Médicas, Universidade in which there were 250 conflicts identified não homogênea e impõe ações específicas que
do Estado do Rio de Janeiro.
Rua Gomes Carneiro 34,
through posterior qualitative analysis. The con- podem gerar conflitos bioéticos, éticos e legais.
apto. 802, Rio de Janeiro, RJ flicts were interconnected, but for didactic rea- A origem etimológica da palavra ética vem
22071-110, Brasil. sons they were mentioned here separately. They do grego, tem dois significados, que, segundo
taquette@uerj.br
staquette@globo.com included: secrecy and confidentiality, illicit ac- Pegoraro 1, são complementares entre si. Um
tivities, violence, contraception in girls less than deles diz respeito à morada, proteção, e o ou-
15 years of age, negligence, autonomy, and tro, à formação do caráter. Segundo Lalande 2
recording of confidential information on pa- em seu Vocabulaire Technique e Critique de la
tient medical records. We conclude that there Philosophie, Ética é a ciência que toma por ob-
are constant ethical conflicts during health ap- jeto imediato o julgamento de apreciação so-
pointments with adolescents, and that bioethics bre os atos qualificados bons ou maus. No Di-
is a useful instrument for solving them. It is also cionário Básico de Filosofia, Japiassú & Mar-
essential to be familiar with the prevailing leg- condes 3 definem ética como a filosofia que
islation, to consult pertinent organizations, and elabora uma reflexão sobre o sentido da vida
to evaluate situations individually. humana, os fundamentos da obrigação e do
dever, a natureza do bem e do mal, concebidos,
Bioethics; Medical Ethics; Adolescent por exemplo, de modo absoluto e unitário, na
ética hipocrática tradicional, com seus princí-
mo). Realizamos um estudo piloto prévio para tados dentro da própria casa, pelo padrasto. Às
teste do instrumento. A equipe de pesquisa não vezes, a violência é relatada na consulta, em
teve acesso ao prontuário do paciente, apenas outras, ela é evidente, mas negada pelo/a ado-
tomou conhecimento das informações ditas lescente e pela família. Outros casos são de pa-
pelo profissional. Após a coleta dos dados, es- cientes espancados pelo pai ou namorado.
tes foram analisados e organizados através de (3) Conflito relacionado a abandono e maus-
uma leitura crítica, com a construção de cate- tratos de adolescentes (15,6%): todas as vezes
gorias classificatórias 16. que o adolescente sofreu danos à sua saúde de-
O projeto de pesquisa foi previamente ava- vido à negligência familiar. Os exemplos mais
liado e autorizado pelo Comitê de Ética em Pes- freqüentes são de adolescentes internados com
quisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto doenças crônicas incapacitantes (paraplegias,
e cumpre os princípios éticos contidos na De- AIDS, drogação) que não recebem visitas da fa-
claração de Helsinki. O termo de consentimen- mília e alguns casos nos quais ocorre a alta do
to livre e esclarecido foi assinado antes da en- paciente e ninguém vem buscá-lo.
trevista. (4) Conflito relacionado à prática de atividades
ilícitas (10,0%): refere-se a casos de adolescen-
tes que usam e/ou traficam drogas, que se sub-
Resultados meteram a abortamento ou praticaram roubo.
Exemplos: adolescente foragido da justiça que
Houve boa receptividade entre os participan- procura atendimento com médico conhecido a
tes. Todos se mostraram interessados e motiva- ele vinculado e pede para não ser denunciado
dos a debater as questões levantadas pela pes- e novamente preso; rapazes que consomem
quisa e a conhecer seu desfecho. Foram entre- drogas ilícitas e/ou trabalham no tráfico; mo-
vistados 74 profissionais de nove diferentes ca- ças que se submetem a aborto clandestino.
tegorias: médicos (32,4%), enfermeiros (9,5%), (5) Conflito relacionado à atividade sexual em
assistentes sociais (8,1%), psicólogos (9,5%), menores de 15 anos (9,2%): refere-se a casos de
dentistas (2,7%), fisioterapeutas (2,7%), nutri- adolescentes de catorze anos ou menos, sexual-
cionistas (2,7%), fonoaudiólogos (1,4%) e auxi- mente ativos/as, que buscaram atendimento
liares/técnicos de enfermagem (31,0%). Houve com queixas relacionadas à prática sexual:
relato de 149 casos nos quais foram identifica- contracepção, suspeita de gravidez, DST, abu-
dos 250 conflitos envolvendo algum questiona- so etc. Exemplos: adolescentes de 13 anos do
mento bioético, ético e/ou legal. Os casos eram sexo feminino que procuram o ambulatório
de adolescentes de ambos os sexos, sendo 60,0% para obter prescrição de contraceptivos, às ve-
femininos e 40,0% masculinos. A idade variou de zes, sozinhas ou acompanhadas de suas mães.
10 a 19 anos, sendo a média 14,8 anos. A maio- Por vezes, essas adolescentes já moram com o
ria era proveniente do ambulatório (79,2%), namorado em razão da expulsão de casa pela
sendo apenas 20,8% pacientes internados. mãe, após terem “se perdido”.
Após leitura e releitura exaustiva dos casos (6) Conflito relacionado à autonomia da/o pa-
reportados nas entrevistas, classificamos os con- ciente adolescente (6,8%): refere-se a casos em
flitos em oito categorias, descritas a seguir: que a/o adolescente não teve sua autonomia
(1) Conflito relacionado ao sigilo e à confiden- respeitada ou quando esta foi questionada, co-
cialidade na consulta (20,4%): refere-se a todo mo situações nas quais os pais não autorizam
caso em que o adolescente foi atendido sozi- seu filho a ser atendido sozinho com o profis-
nho e mencionou alguma informação que jus- sional, a realizar exames necessários ou trazem
tificava a quebra de sigilo da consulta, porém o o adolescente contra sua vontade. Exemplo:
mesmo não estava de acordo. Diziam respeito mãe não autoriza a realização de exame anti-
a: atividade sexual de risco, gravidez, doenças HIV de seu filho que está internado com forte
sexualmente transmissíveis, AIDS, aborto, uso suspeita de AIDS; mães que trouxeram suas fi-
de drogas, depressão e suicídio. Exemplos: ado- lhas ao médico, à revelia delas, para saberem
lescentes grávidas que se negam a comunicar se eram virgens.
esse fato aos responsáveis e avisam que vão (7) Conflito relacionado ao registro de infor-
abortar; adolescentes HIV+ que não aceitam mações confidenciais e sigilosas no prontuá-
revelar seu diagnóstico à família. rio, relatórios médicos, pedidos de exame etc.
(2) Conflito relacionado à violência contra ado- (2,8%): ocorreu nos casos em que os profissio-
lescentes (17,2%): estão aí incluídos todos os nais de saúde omitiram dados nos prontuários
relatos de vítimas de abuso sexual, estupro, vio- para evitar a quebra de sigilo das informações
lência física, psicológica ou moral. Os exemplos e proteger o adolescente. Outras situações re-
mais comuns são os/as jovens que são violen- portadas foram de auxiliares/técnicos de en-
fermagem que, por falta de controle e zelo da constitui-se instrumento útil para resolvê-los,
instituição de saúde, têm acesso livre à docu- pois, como diz Hottois 17 (p. 124), a “bioética é
mentação sigilosa dos pacientes. Esses profis- prática discursiva e discurso prático”. O primei-
sionais são freqüentemente expostos a confli- ro passo é o esclarecimento do problema em
tos por não receberem qualquer treinamento pauta, seus pressupostos, atores, tipo de con-
para lidar com tais informações. Exemplo: pa- flito. Em seguida, a situação deve ser analisada
ciente ou seu responsável pergunta ao auxiliar a partir de referências e formulações éticas do
de enfermagem por seu diagnóstico e o profis- problema, como, por exemplo, normas jurídi-
sional revela dados ainda não fornecidos pelo cas, deontológicas, morais, diretrizes e resolu-
médico; adolescente internada com trauma na ções. Ao final, escolhe-se a ação ética, respei-
região genital, suspeita de abuso sexual pelo tando-se prima facie esses princípios e leis. A
pai não confirmada. Essa notícia se espalha por seguir, discutiremos, em linhas gerais e não em
todo o hospital através de conversas entre au- casos específicos, as questões apontadas e
xiliares de enfermagem, ficando a jovem estig- classificadas em categorias.
matizada, causando-lhe grande sofrimento e à A situação conflituosa mais rotineira no
sua família. atendimento de adolescentes, a questão do si-
(8) Outros conflitos (18,0%): aí se enquadram gilo e confidencialidade na consulta, é aquela
os não classificados nas categorias anteriores: que melhor explicita a particularidade dessa
ética em pesquisa sobre sexualidade na adoles- etapa da vida de grande crescimento e aquisi-
cência, jovem explorado em trabalho insalu- ção progressiva de habilidades. Como ter cer-
bre, cliente agredindo profissional, sedução se- teza que o/a adolescente pode sozinho/a arcar
xual na relação médico-paciente, adolescente com os cuidados de sua saúde? O ECA prevê
com doença crônica e incapacitante, paciente expressamente que a condição de pessoa em
sem recursos para fazer tratamento de doença desenvolvimento não retira da criança e do
crônica, profissional de saúde impondo seus adolescente o direito à inviolabilidade da inte-
valores à conduta de seu cliente. Exemplos: ado- gridade física, psíquica e moral, abrangendo a
lescentes portadores de doenças crônicas que identidade, autonomia, valores e idéias, o direi-
não têm recursos para arcar com o custo do to de opinião e expressão, de buscar refúgio, au-
tratamento enquanto o poder público não o xílio e orientação. Recomenda-se que a equipe
fornece em tempo hábil; rapaz pobre que tra- profissional sempre encoraje o adolescente a
balha sem nenhuma garantia trabalhista, em envolver a família no acompanhamento de seus
situações de risco à sua saúde, com salários problemas e que revelar ou não aos pais o con-
aviltantes, sem poder largar o trabalho vital pa- teúdo da consulta é uma decisão a ser tomada
ra sua sobrevivência; jovem de 15 anos deseja juntamente com o próprio. Segundo os parece-
engravidar, não consegue, procura ajuda médi- res dos Comitês de Bioética das Sociedades
ca e o profissional que a atende nega as infor- Médicas 7, algumas situações justificam a que-
mações desejadas pela paciente porque a jul- bra do sigilo da consulta, como é o caso da gra-
gou muito nova para ter um filho. videz, da AIDS. Porém, na prática, nem sempre
Nas categorias de conflitos relatadas, o pro- isso é possível. Às vezes, a família não está pre-
fissional não teve facilidade em escolher como sente e nem tem como ser localizada; noutras,
agir adequadamente. Quando perguntados so- ela inexiste ou não é capaz de fornecer qual-
bre o que sentiram perante o caso descrito, os quer tipo de ajuda. Nesses casos, é necessário
entrevistados revelaram, em sua maioria, sen- que haja recursos públicos que dêem suporte
timentos desagradáveis. As sensações que pre- social e emocional a esses pacientes. Os profis-
valeceram foram as de impotência, dificulda- sionais que os atendem devem estar atentos
de, desamparo. Os sentimentos de tristeza, an- para identificar essas situações e não desam-
gústia, desconforto e mal-estar também se re- pará-los. À luz da bioética, os profissionais po-
velaram constantes. Pouquíssimos casos foram dem considerar eticamente mais eficaz não
encarados como desafio, realização e interesse. quebrar o sigilo, mesmo contrariando as reco-
mendações deontológicas, tendo em conta a
importância de libertarem-se de um paterna-
Discussão lismo que se confunde com beneficência.
A segunda categoria mais freqüentemente
Os conflitos identificados foram variados e identificada, a questão da violência contra ado-
para lidar com eles não basta aos profissionais lescentes, não é uma particularidade da ado-
de saúde recorrer a códigos e leis. O campo da lescência. Ela é fruto da violência estrutural de
bioética, ética aplicada que descreve e compre- nossa sociedade, aqui entendida como aquela
ende os fatos morais, cria e prescreve normas, que restringe o acesso da maioria das pessoas
aos direitos básicos. Esta se apresenta em ou- ná-las sempre que preciso for, baseando-se na
tras parcelas da população também em situa- eqüidade, marco conceitual da bioética que
ção de menor poder, como é o caso de mulhe- permite resolver parte razoável das distorções
res, idosos, negros e homossexuais 18. O ECA na distribuição da saúde ao aumentar as possi-
promoveu uma grande mudança de olhar em bilidades e a qualidade de vida de importantes
relação a crianças e adolescentes. Estes passa- parcelas da população. Trata-se, sim, do reco-
ram a ser sujeitos de direitos e não somente nhecimento de necessidades diferentes, de su-
agentes passivos de proteção e cuidados. De jeitos também diferentes para atingir direitos
acordo com esta lei, os profissionais que os iguais. A atenção diferenciada para os desi-
atendem são obrigados a notificar ao Conselho guais visa à igualdade como ponto de chegada
Tutelar os casos de maus-tratos. Denunciar ou da justiça social, referencial dos direitos huma-
não foi a principal dificuldade reportada pelos nos, no qual o passo seguinte é o reconheci-
profissionais, já que, em algumas ocasiões, isso mento da cidadania. Segundo Garrafa 5, o con-
pode não resultar em benefício concreto ao ceito de eqüidade constitui-se na palavra-cha-
adolescente. Essa é uma questão que não pode ve em saúde para o início do século XXI.
ser minimizada, pois, segundo a ABRAPIA (As- Na categoria das práticas de atividades ilí-
sociação Brasileira Multidisciplinar de Prote- citas como aborto, consumo e tráfico de dro-
ção à Infância e Adolescência) 19, o número de gas, cada situação deve ser avaliada individual
comunicações de abuso sexual a menores no e criteriosamente, para que não haja prejuízo
Estado do Rio de Janeiro é recorde e os casos para o adolescente ou para a sociedade. Vive-
comumente ocorrem no ambiente familiar, mos um período de crise social e econômica
sendo o pai e, em seguida, o padrasto os prin- em que os jovens das camadas menos favoreci-
cipais abusadores. Para a promotoria da infân- das da população têm pouca ou nenhuma
cia e juventude 20, é inacreditável o índice de perspectiva de vida, o que os torna alvo fácil de
impunidade do agressor de crianças e adoles- cooptação em atividades delituosas. Nessa ca-
centes. Esta sugere a criação de delegacias es- tegoria, os adolescentes são também vítimas
pecializadas na investigação de crimes contra de violência estrutural da sociedade, como na
eles para garantir-se um espaço físico específi- anterior. Na maioria dos casos relatados, ne-
co e centralizado para o atendimento das víti- nhuma medida legal foi tomada. O paciente
mas. Não interessa às autoridades judiciárias, era tratado do seu problema de saúde, inde-
a princípio, apurar a autoria do delito no caso pendente do ato ilegal praticado. É indispensá-
de agressão contra adolescentes. É necessário vel que serviços de saúde que atendem adoles-
amparar a vítima, encontrar meios de superar centes tenham um canal de comunicação dire-
o trauma, localizar, na família, alguém que pos- ta com o poder judiciário para que medidas
sa proteger o/a adolescente contra o agressor, mais pertinentes e eficazes sejam tomadas. O
eliminando o fator de risco. O ECA representa conceito de eqüidade também nesses casos de-
um avanço em relação aos direitos de crianças ve ser contemplado, associando-se ao tema da
e adolescentes, porém, segundo Paiva 21, uma responsabilidade (individual e pública) e da
das causas da não diminuição da violência justiça, a fim de conseguirmos fazer valer o va-
consiste na ausência de políticas públicas e co- lor do direito à dignidade e à saúde.
munitárias, tanto de ordem preventiva como A atividade sexual antes dos 15 anos é outra
terapêutica, que possam garantir aos jovens os questão polêmica. Apesar de os estudos epide-
seus direitos fundamentais. Se, ao analisar ca- miológicos evidenciarem uma diminuição da
so a caso, a denúncia da violência, por vezes, idade de início de intercursos com envolvimen-
revela-se inoperante, cabe, no entanto, sempre to genital entre os jovens, além de um maior
termos como horizonte o desejo individual li- número de gravidezes na adolescência, temos
vre e soberano em que se pauta a bioética, des- um código penal que descreve essa prática se-
de que este não invada a liberdade e os direitos xual como fruto de violência, em razão da bai-
do outro. xa idade da vítima. Os médicos, procurados por
A terceira categoria mais comum, a negli- adolescentes no intuito de obter aconselha-
gência e o abandono, esteve relacionada à po- mento sobre planejamento familiar e receitas
breza, na maior parte dos casos. São famílias de pílulas anticoncepcionais, sentem-se ame-
desestruturadas, pobres, vítimas da violência drontados com as possíveis repercussões legais
estrutural da sociedade, que, devido a tanto de- desse ato. Segundo Saito 22, no caso da prescri-
samparo, não conseguem cuidar de seus mem- ção de contraceptivos para menores de 15 anos,
bros e ampará-los. Os serviços de saúde devem o ECA se confronta, em seu artigo 103, com o
conhecer as políticas públicas que oferecem código penal e, a seu ver, o supera, na medida
cuidado a esses menores e a suas famílias, acio- em que este preconiza que os direitos básicos
de saúde e liberdade predominam sobre qual- de não haveria leis para proteger os menores
quer outro que possa prejudicá-lo. Portanto, na do pátrio poder. A partir dos 15 anos, em geral,
avaliação de saúde, o médico junto à sua pa- os indivíduos são capazes de exercer sua auto-
ciente pode decidir pela contracepção se assim nomia. Silber 23 refere que a adolescência é um
o considerarem como a melhor ação em prol período da vida de individuação e de troca de
da saúde da própria. Essa opinião é corrobora- funções: “a de ser nutrido para a de prover a
da por outros profissionais com experiência nutrição”. Essa categoria é semelhante à pri-
em adolescentes, que debateram esse tema em meira, e ambas podem ser tratadas sob uma
fórum realizado em novembro de 2002, no Ins- mesma ótica.
tituto da Criança, Universidade de São Paulo. Na sétima categoria, ficou clara a impor-
Segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira tância de estar-se atento à não revelação em
de Pediatria (SBP) e Federação Brasileira das reuniões e bate-papos informais entre profis-
Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FE- sionais de saúde de informações registradas ou
BRASGO), a prescrição de métodos anticon- não em prontuários e fichas médicas, pois sua
cepcionais para moças com menos de 14 anos divulgação pode causar danos irreparáveis aos
deverá levar em conta a solicitação delas, res- pacientes. Cabe salientar a necessidade de uma
peitando-se os critérios médicos de elegibili- cautela efetiva em relação a toda documenta-
dade, independentemente da idade, e isso não ção do usuário, visto que ela é de sua proprie-
constitui ato ilícito por parte do médico. Na dade, e o hospital tem a obrigação legal de man-
atenção à menor de 14 anos sexualmente ativa, ter sua guarda. Os administradores de estabe-
a presunção de estupro deixa de existir, frente lecimentos de saúde compartilham a respon-
ao conhecimento que o profissional possui de sabilidade com os profissionais na manuten-
sua não ocorrência, a partir da informação da ção correta e completa da documentação das
adolescente e da avaliação criteriosa do caso, atividades ocorridas com o paciente. A privaci-
que deve estar devidamente registrada no pron- dade das informações é um dever profissional
tuário médico. Porém, não devemos, ao rece- e institucional 6. Chamou-nos a atenção nessa
ber uma jovem menor de 15 anos em busca de categoria a falta de zelo com os prontuários,
contraceptivos, ser simplistas nessa avaliação. assim como a facilidade com que várias pes-
Apesar de a precocidade das relações sexuais, soas tiveram acesso aos mesmos. Os médicos e
na atualidade, ser encarada como algo natural, administradores deste estabelecimento deve-
do risco existente de uma gravidez indesejada riam ser mais criteriosos quanto a seu desem-
e de quase sempre a adolescente negar que te- penho, além de fornecerem aos profissionais
nha se relacionado sexualmente contra sua von- de enfermagem treinamento específico para li-
tade, o profissional de saúde deve contextuali- dar no enfrentamento de questões. Em geral, a
zar essa jovem e, com sua maturidade, avaliar equipe se sente verdadeiramente perdida e de-
cada caso. Pensar a sexualidade humana pelo samparada quanto ao agir. Porém, em casos
prisma de uma ética aplicada, de uma bioética extremos nos quais torna-se impossível o diá-
implica admitir que nossos corpos não são in- logo entre os profissionais, é indispensável que
dependentes da rede discursiva em que esta- o agir concreto se paute nos limites mais avan-
mos inseridos nem da rede de trocas que esta- çados possíveis da ética, incorporando, sim, o
belecemos. Eles são efeito dos discursos que tema da tolerância, mas não esquecendo os li-
dão consistência simbólica à vida social. Isso mites da responsabilidade.
se exemplifica comumente quando vemos pais Na oitava categoria, foram englobados to-
negligentes que até estimulam suas filhas a ini- dos os outros conflitos, menos freqüentes, po-
ciarem um envolvimento genital para se livra- rém igualmente importantes, que também de-
rem da responsabilidade do cuidado e do sus- vem ser debatidos e refletidos. A questão da ex-
tento dessas jovens, expulsando-as de casa pa- ploração do trabalho dos adolescentes, por
ra morar com o namorado, assim que revelam exemplo, está diretamente relacionada à situa-
terem perdido a virgindade. ção de pobreza e violência estrutural da socie-
Na sexta categoria de conflito, a competên- dade. Estes se articulam com os impasses rela-
cia para o autocuidado na adolescência é colo- cionados à falta de recursos governamentais
cada em cheque. Muitos profissionais advo- para a compra de medicamentos. A saúde pú-
gam que os adolescentes não devem ter auto- blica ineficiente limita a autonomia, pois o pa-
nomia, ou seja, as decisões sobre sua saúde ciente não pode escolher o melhor tratamento
precisam passar pelo crivo de seus pais. Entre- já que o sistema público não o oferece 24. O ar-
tanto, na prática, observa-se que nem sempre tigo 7 o do ECA é taxativo quando estabelece
os atos dos adultos responsáveis incorrem em que a criança e o adolescente têm direito à pro-
benefício para os menores. Se isso fosse verda- teção à vida e à saúde. Ele define expressamen-
te as responsabilidades pela garantia deste ao respeito à autonomia e justiça) pode ser vista
dispor a incumbência do Poder Público para como abrangendo a maioria das questões éti-
fornecer gratuitamente medicamentos, próte- cas que se aplicam aos cuidados de saúde. Nes-
ses e outros recursos relativos ao tratamento, se campo, este modelo de análise dos dilemas
habilitação ou reabilitação àqueles que neces- morais 27 não segue prescrições absolutas, e,
sitarem 25. Outros conflitos apresentados di- sim, princípios prima facie, ou seja, admite ex-
zem respeito à relação médico-profissional, às ceções e sua transgressão justifica-se em situa-
emoções suscitadas por esse relacionamento. ções em que há conflitos entre os preceitos.
Para aqueles que trabalham com adolescentes, Transportando-o para a área da saúde do ado-
estes últimos podem a eles apresentar-se como lescente, ele se revela de grande auxílio no en-
provocadores de suas defesas 26. O ato ético re- frentamento de situações dilemáticas.
quer uma auto-avaliação permanente a fim de Em conclusão, os conflitos apontados são
manter-se verdadeiramente a serviço do pa- rotineiros e graves. No atendimento à saúde
ciente. dos adolescentes, os profissionais devem: con-
textualizar seus pacientes; avaliar, na ocasião,
as competências dos mesmos; conhecer leis e
Considerações finais estatutos; documentar cuidadosamente as in-
formações; consultar o Ministério Público e as
Os conflitos éticos identificados neste estudo Sociedades Legais; compartilhar e discutir o
demandam aos profissionais de saúde atitudes caso em equipe para que haja maior proteção
que não encontram respaldo na ética hipocrá- dessa população adolescente e mais segurança
tica tradicional, hegemônica na medicina des- por parte de quem a atende. A reflexão bioéti-
de a antiguidade até os anos sessenta. Hoje, ca, como já o dissemos, baseada na multidisci-
porém, tais princípios antigos da beneficência plinaridade e no respeito ao pluralismo moral
e não maleficência, que elaboram os conceitos social, ao questionar parâmetros secularmente
de bem e mal em si, não são suficientes para estagnados, muito pode nos ajudar no âmbito
responder às novas questões. Os preceitos de da saúde do adolescente, e, junto a este último,
autonomia e justiça se contrapõem à ética tra- ir a cada momento e em cada caso estabelecen-
dicional. Foi nesse contexto de questionamen- do novos referenciais éticos, através do aban-
tos éticos que surgiu a Bioética, e, dentre as suas dono de regulamentações imperiosas e crista-
correntes, a principialista (a teoria dos quatro lizadas.
princípios: beneficência, não maleficência,
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi identificar situações eti- didáticos, foram ordenados em separado e dizem res-
camente conflituosas, vivenciadas por profissionais de peito a: sigilo e confidencialidade, prática de ativida-
saúde no atendimento de adolescentes, para se criar des ilícitas, violência, contracepção em menores de 15
diretrizes mínimas de atuação que auxiliem os pri- anos, negligência, autonomia e registro de informa-
meiros na tomada de decisões que protejam essa clien- ções confidenciais no prontuário. Concluímos que os
tela. Utilizou-se um método observacional, transver- conflitos éticos no atendimento de adolescentes são
sal através de entrevistas com profissionais do Núcleo constantes e para solucioná-los a bioética se apresenta
de Estudos de Saúde do Adolescente, Universidade do como um útil instrumento. Além disso, é preciso co-
Estado do Rio de Janeiro, para se colher dados sobre nhecer leis e códigos, consultar os órgãos competentes
casos atendidos em que foram identificados conflitos e avaliar situações em particular, não seguindo pres-
bioéticos, éticos ou legais. Setenta e quatro profissio- crições absolutas.
nais relataram 149 casos, nos quais, através de análise
qualitativa posterior, identificou-se 250 conflitos. Es- Bioética; Ética Médica; Adolescência
tes amiúde se articulavam entre si, mas, por motivos
Colaboradores
Referências