EXT.

VARANDA DO APARTAMENTO - DIA

Uma tarde ensolarada com um céu completamente azul. Na

varanda de um apartamento vemos uma cadeira, com uma CAMISA
SOCIAL BRANCA estendida no encosto. A luz alaranjada do sol
ilumina completamente a camisa.

INT. APARTAMENTO - SALA - DIA

JÚLIA, uma mulher de meia idade, está parada olhando para a

camisa social na varanda. Seus olhos lacrimejam.

INT. APARTAMENTO - QUARTO - DIA

FERNANDA, 28 anos, está passando ferro em uma calça preta

enquanto fala ao telefone.

FERNANDA
(ao telefone)
Tia... Tia.. Eu sei, eu sei. Pede pras
pessoas chegarem no cortejo às 4--

A porta do quarto se abre, Júlia entra no cômodo e senta na

cama.

FERNANDA
(ao telefone)
Pera aí, tia. Tia! Tá bom, olha eu já
te ligo tá. Rapidinho.

Fernanda desliga o celular e continua a passar sua calça.

Julia olha fixamente para Fernanda, seus olhos marejados.

FERNANDA
A tia Luzia mais atrapalha do que
ajuda...

JÚLIA
Eu não acredito que você tá fazendo
isso.

FERNANDA
Ué, alguém tem que organizar o
funeral.

Fernanda olha para Júlia, vê seus olhos aguados. Ela para por
um segundo, as duas se encaram.

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 2.

JÚLIA
Por que a camisa dele tá na varanda?

FERNANDA
Eu preciso que ela seque logo... Pra
eu usar amanhã.

JÚLIA
Não é sua, é dele.

FERNANDA
Era dele.

Júlia não consegue segurar uma lágrima, que escorre por seu
rosto devagar. Ela se vira e anda para fora do quarto.

FERNANDA
Mãe, desculpa, eu...

Fernanda larga o ferro de passar e faz que vai seguir a mãe,

quando --

O telefone toca. Ela para e atende.

FERNANDA
Oi, tia. Tá, tá bom. Tá bom, tia, eu
não sei bem... Você quer que eu
pergunte pra minha mãe? Tá, pera aí--

Fernanda sai do quarto.

INT. APARTAMENTO - VARANDA - DIA

Júlia segura a camisa branca que estava na cadeira. Ela leva

o pano até o nariz e o cheira. Fernanda chega com o telefone
e vê a mãe segurando a camisa.

FERNANDA
Tia, pera aí, daqui a pouco eu te
ligo, tá?

Fernanda desliga o telefone e o coloca no bolso. Ela anda até

a mãe e a abraça por trás. Júlia afasta a filha.

JÚLIA
Não tem mais o cheiro dele.

Fernanda suspira.

FERNANDA
Mãe, para com isso...

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 3.

JÚLIA
Você não pode usar essa blusa amanhã.

FERNANDA
Mas eu quero usar algo do Pedro. Ela
caía tão bem nele...

JÚLIA
Não vai secar até amanhã. Vai ficar
toda amassada...

FERNANDA
Mãe, claro que vai secar, olha esse
sol!

JÚLIA
Vai com aquele seu vestido preto! Eu
te empresto um salto..

FERNANDA
Mãe, se isso é sobre o Pedro...

JÚLIA
É desrespeitoso ir de branco. Vão
pensar que você não tá de luto.

FERNANDA
Não fala isso...

Fernanda, cabisbaixa, se vira para sair da varanda. Júlia

segura a camisa do filho próximo ao nariz.

JÚLIA
Não tem mais o cheiro dele.. Ele tem o
mesmo cheiro desde criança.. Meu
pequeno..

Fernanda se vira, e vê a mãe agarrada à blusa.

FERNANDA
Mãe...

JÚLIA
Não é sua, você não devia ter lavado.
Ela é.... dele.

FERNANDA
Você não consegue nem falar o nome
dele.. Fala o nome do Pedro!

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 4.

JÚLIA
O nome que eu dei pra ele! Ele é meu
filho!

FERNANDA
(voz trêmula)
E ELE É MEU IRMÃO!

Fernanda sai a passos pesados e rápidos da varanda.

INT. APARTAMENTO - QUARTO - DIA

Fernanda entra no quarto e se depara com o ferro de passar

ligado sobre sua calça, queimando-a. Ela corre e tira o fio
do ferro da tomada, pega a calça e se senta na cama. Com as
mãos, abafa com batidas o tecido queimado, onde se formou um
buraco. De repente--

FERNANDA
AI!

O tecido queima sua mão, que fica vermelha, e logo depois

laranja.

JÚLIA
(voice over)
Filha, o que foi?

Na porta do quarto chega Júlia, apressada.

FERNANDA
A minha calça. Eu não tenho outra
calça. Eu não tenho outra calça pra
amanhã, mãe, a minha calça...

Júlia vê a mão queimada da filha.

JÚLIA
Filha, a sua mão! Coloca um gelo
nisso, rápido, vai lá na cozinha..

Fernanda, atônita, não olha para a mãe.

FERNANDA
Eu não tenho outra calça pra amanhã.
Amanhã, mãe, eu vou enterrar o meu
irmão e eu não tenho roupa!

Júlia fica paralisada na porta. Fernanda olha para ela com o

olhar vazio.

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 5.

FERNANDA
Ele nem chegou a se formar, meu
Deus... Ele nem gostava tanto assim do
curso. Ele queria é viajar com a
Amanda. Você sabia que ele tava quase
namorando, mãe? Ele queria falar pra
ela que amava ela.

Fernanda se encolhe, e Júlia, com os olhos aguados, anda até

a filha e se senta na cama com ela.

FERNANDA
Ele ainda vai se formar, né? Ele vai
se formar e vai casar com a Amanda e a
gente vai poder visitar eles no Rio..

Júlia olha assustada para a filha.

JÚLIA
Filha..?

Fernanda continua com o olhar vazio. Seus olhos começam a

derramar lágrimas incessantemente.

FERNANDA
Ele vai... Ele vai fazer tanta coisa
ainda, mãe..

JÚLIA
Fernanda? Filha, olha pra mim! Filha?

Júlia segura os ombros de Fernanda e os chacoalha para frente

e para trás. Fernanda sai de seu transe e a encara, os olhos
das duas se cruzam. Júlia começa a chorar incontrolavelmente,
e Fernanda pressiona seu corpo contra o da mãe, enquanto
segura a mão queimada. Júlia abraça a filha, ambas choram
muito.

Após alguns segundos, o choro de ambas começa a esmaecer.

Fernanda respira fundo.

FERNANDA
Ele foi pra um lugar bom, né?

Júlia não responde. Ela beija a testa da filha, e recosta sua

cabeça sobre a dela.

CORTA PARA

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 6.

INT. SALA DE VELÓRIO - DIA

Fernanda e Júlia estão paradas atrás de um longo caixão

marrom. Elas olham para baixo, lado a lado. Fernanda usa a
camisa branca do irmão, e sua mão está enfaixada. Júlia usa
um longo vestido preto.

A mão de Fernanda discretamente toca a mão de Júlia, e elas

dão as mãos. Fernanda recosta a cabeça no ombro de Júlia e
fecha os olhos.

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 7.

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